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Livro Pacelli CPP

5.7 o caminho da ação privada. Por isso, pensamos que a hipótese é de legitimação alternativa: poderá ser do Ministério Público-e apenas dele-se oferecida a representação (independentemente do que entender o MP acerca dos fatos); e poderá ser do ofendido-e apenas dele-se oferecida a queixa. Para que fosse efetivamente concorrente, o ofendido deveria poder discordar da manifestação do Ministério Público-no sentido de arquivamento-e ingressar com a ação privada, o que não é o caso. Ação penal privada Se o strepitus iudicii ou escândalo causado pela divulgação do fato pode justificar a existência da ação pública condicionada à representação, pensamos que o mesmo não ocorre em relação às ações penais cuja iniciativa é deixada exclusivamente ao interesse do ofendido, seu representante legal, sendo ele menor, e, na hipótese de sua morte ou ausência, judicialmente reconhecida, as pessoas mencionadas no art. 31 do CPP (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão)-ao contrário, aliás, do que sustenta a doutrina mais tradicional (BUENO, 1959, p. 308). Enquanto, no que se refere à ação pública condicionada, o Estado permanece responsável pela persecução penal, dependendo unicamente da autorização da vítima, nas ações privativas do ofendido ele intervém apenas como custos legis, zelando pela correta aplicação da lei penal. Impõe-se observar que não se pode pretender justificar a existência da ação privada ou o afastamento do Ministério Público da titularidade da ação penal com base em uma suposta exclusividade do interesse individual atingido por ocasião das infrações penais a ela submetidas. Em primeiro lugar, porque, diante da natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal, não há como aceitar a existência de qualquer norma penal incriminadora que não tenha por objeto a tutela de bens e valores cuja proteção seja efetivamente exigida pela comunidade, isto é, que não se dirija a condutas socialmente reprováveis ou reprovadas. Assim, somente em razão da existência do tipo penal já se evidencia o interesse público configurador da reprovabilidade da conduta. Em segundo lugar, porque a intervenção do Direito Penal somente se legitima enquanto ultima ratio, ou seja, quando insuficientes quaisquer outras formas de intervenção estatal no controle das ações nocivas ao corpo social e comunitário. Por isso, revelando o seu caráter de subsidiariedade, a norma penal somente deve abranger condutas para as quais, previamente, outras modalidades de intervenção não se mostraram comprovadamente eficazes. E há mais. Se o propósito da ação de natureza privada tem em mira a facilitação de procedimentos restaurativos, isto é, de pacificação entre os envolvidos, pensamos que o condicionamento da ação penal pública seria igualmente suficiente, embora reconheçamos que a disponibilidade da ação privada contemplaria maiores possibilidades de efetividade (da pacificação). Certamente não era essa a intenção e a fundamentação do nosso Código de Processo Penal de 1941, a tanto bastando ver os antigos crimes contra os costumes (atuais crimes contra a dignidade sexual), previstos na redação originária do nosso Código Penal como de persecução privada. A única razão para a permanência da ação penal privada parece ser o controle-objetivo, e não discricionário-de propositura da ação penal, o que permite à vítima de determinados delitos ingressar no juízo criminal independentemente do juízo de valor que dele ou sobre ele fizer o Ministério Público. Em outras palavras, a ação privada existiria para reservar inteiramente ao seu respectivo titular-ofendido e/ou legitimados para o processo-não só o juízo de conveniência e oportunidade da ação, mas, sobretudo, para permitir que o ofendido (ou seu representante legal e os demais legitimados para a ação, em caso de morte ou ausência dele) manifeste livremente a sua convicção-opinio delicti-acerca da existência do crime e da suficiência da prova para a instauração da ação penal. O que se quer ressaltar aqui é que a intervenção de natureza penal tem por objeto matéria de interesse reconhecidamente público, instituída em favor da coletividade. Aliás, essa é uma fórmula muito cara à teoria do processo: o exercício da jurisdição é a atividade de substituição do particular pelo Estado, para fins de racionalização da Justiça e da aplicação do Direito. Enfim, se houvesse um delito que interessasse mais ao particular que à coletividade, talvez não existisse razão para a criminalização da conduta, sobretudo e particularmente sob a perspectiva de um Estado Democrático de Direito. É por esse motivo que a regra, posta na Constituição da República (art. 129), é a ação penal pública. Como se observa, então, não é tarefa fácil justificar a razão de ser da existência da ação penal privada, explicada normalmente, na doutrina e na jurisprudência, com fundamento apenas no strepitus iudicii. Como veremos, ainda em relação ao escândalo do processo, há outros complicadores, como o perdão oferecido pelo querelante (autor da ação privada), mesmo depois de já instaurada a ação privada, isto é, mesmo depois de já divulgada a existência do fato. Do mesmo modo, é o que ocorre com a perempção, ou perda do direito de prosseguir na ação já instaurada, em razão da

o caminho da ação privada. Por isso, pensamos que a hipótese é de legitimação alternativa: poderá ser do Ministério Público – e apenas dele – se oferecida a representação (independentemente do que entender o MP acerca dos fatos); e poderá ser do ofendido – e apenas dele – se oferecida a queixa. Para que fosse efetivamente concorrente, o ofendido deveria poder discordar da manifestação do Ministério Público – no sentido de arquivamento – e ingressar com a ação privada, o que não é o caso. 5.7 Ação penal privada Se o strepitus iudicii ou escândalo causado pela divulgação do fato pode justificar a existência da ação pública condicionada à representação, pensamos que o mesmo não ocorre em relação às ações penais cuja iniciativa é deixada exclusivamente ao interesse do ofendido, seu representante legal, sendo ele menor, e, na hipótese de sua morte ou ausência, judicialmente reconhecida, as pessoas mencionadas no art. 31 do CPP (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão) – ao contrário, aliás, do que sustenta a doutrina mais tradicional (BUENO, 1959, p. 308). Enquanto, no que se refere à ação pública condicionada, o Estado permanece responsável pela persecução penal, dependendo unicamente da autorização da vítima, nas ações privativas do ofendido ele intervém apenas como custos legis, zelando pela correta aplicação da lei penal. Impõe-se observar que não se pode pretender justificar a existência da ação privada ou o afastamento do Ministério Público da titularidade da ação penal com base em uma suposta exclusividade do interesse individual atingido por ocasião das infrações penais a ela submetidas. Em primeiro lugar, porque, diante da natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal, não há como aceitar a existência de qualquer norma penal incriminadora que não tenha por objeto a tutela de bens e valores cuja proteção seja efetivamente exigida pela comunidade, isto é, que não se dirija a condutas socialmente reprováveis ou reprovadas. Assim, somente em razão da existência do tipo penal já se evidencia o interesse público configurador da reprovabilidade da conduta. Em segundo lugar, porque a intervenção do Direito Penal somente se legitima enquanto ultima ratio, ou seja, quando insuficientes quaisquer outras formas de intervenção estatal no controle das ações nocivas ao corpo social e comunitário. Por isso, revelando o seu caráter de subsidiariedade, a norma penal somente deve abranger condutas para as quais, previamente, outras modalidades de intervenção não se mostraram comprovadamente eficazes. E há mais. Se o propósito da ação de natureza privada tem em mira a facilitação de procedimentos restaurativos, isto é, de pacificação entre os envolvidos, pensamos que o condicionamento da ação penal pública seria igualmente suficiente, embora reconheçamos que a disponibilidade da ação privada contemplaria maiores possibilidades de efetividade (da pacificação). Certamente não era essa a intenção e a fundamentação do nosso Código de Processo Penal de 1941, a tanto bastando ver os antigos crimes contra os costumes (atuais crimes contra a dignidade sexual), previstos na redação originária do nosso Código Penal como de persecução privada. A única razão para a permanência da ação penal privada parece ser o controle – objetivo, e não discricionário – de propositura da ação penal, o que permite à vítima de determinados delitos ingressar no juízo criminal independentemente do juízo de valor que dele ou sobre ele fizer o Ministério Público. Em outras palavras, a ação privada existiria para reservar inteiramente ao seu respectivo titular – ofendido e/ou legitimados para o processo – não só o juízo de conveniência e oportunidade da ação, mas, sobretudo, para permitir que o ofendido (ou seu representante legal e os demais legitimados para a ação, em caso de morte ou ausência dele) manifeste livremente a sua convicção – opinio delicti – acerca da existência do crime e da suficiência da prova para a instauração da ação penal. O que se quer ressaltar aqui é que a intervenção de natureza penal tem por objeto matéria de interesse reconhecidamente público, instituída em favor da coletividade. Aliás, essa é uma fórmula muito cara à teoria do processo: o exercício da jurisdição é a atividade de substituição do particular pelo Estado, para fins de racionalização da Justiça e da aplicação do Direito. Enfim, se houvesse um delito que interessasse mais ao particular que à coletividade, talvez não existisse razão para a criminalização da conduta, sobretudo e particularmente sob a perspectiva de um Estado Democrático de Direito. É por esse motivo que a regra, posta na Constituição da República (art. 129), é a ação penal pública. Como se observa, então, não é tarefa fácil justificar a razão de ser da existência da ação penal privada, explicada normalmente, na doutrina e na jurisprudência, com fundamento apenas no strepitus iudicii. Como veremos, ainda em relação ao escândalo do processo, há outros complicadores, como o perdão oferecido pelo querelante (autor da ação privada), mesmo depois de já instaurada a ação privada, isto é, mesmo depois de já divulgada a existência do fato. Do mesmo modo, é o que ocorre com a perempção, ou perda do direito de prosseguir na ação já instaurada, em razão da inércia ou negligência processual do autor. Assim como ocorre em relação ao perdão (desde que aceito este pelo réu) é também causa extintiva da punibilidade, conforme o disposto no art. 107, IV e V, do CP. Em ambas as situações, o fato delituoso já teria sido divulgado, fazendo-se presente, portanto, o temido strepitus iudicii. Contudo, cumpre anotar que há hipóteses em que a extinção da punibilidade ocorre independentemente da vontade (consentimento ou desinteresse processual) do ofendido, deixando a descoberto, sem qualquer justificativa plausível, a renúncia estatal em relação à pretensão punitiva de tais crimes. É o que se dá, por exemplo, quando se julga perempta a ação penal, e daí extinta a punibilidade, pela morte da vítima (art. 60, II, CPP), ou quando, sendo pessoa jurídica o querelante, esta se extinguir sem deixar sucessores. No que diz respeito à primeira hipótese, se a vítima não for casada ou não tiver ascendente, descendente ou irmão, a punibilidade estará extinta, sem que ela tenha querido ou admitido tal hipótese, tão somente em razão de sua morte. Constata-se, então, a insuficiência absoluta do critério do strepitus iudicii para justificar a existência das ações penais privadas. Não por outra razão, cada dia mais diminui tal modalidade de ação penal no Brasil. Mas como se justificaria, afinal, a existência de uma ação penal privada? A nosso aviso, a única alternativa que se abre para uma resposta a semelhante indagação diz respeito exatamente a um interesse não penal de que o ofendido é titular em todos os crimes de ação privada. É que, existindo na ordem jurídica uma previsão legal de recomposição econômico-financeira pelos danos causados pela infração penal, a só existência do instituto da assistência (art. 268, CPP) não parece suficiente para proteger com maior eficácia o interesse da vítima. É que a assistência somente tem lugar após já instaurada a ação penal. Mas, e quando o Ministério Público se manifestar tempestivamente pelo arquivamento, de tal maneira que não se abra oportunidade para a chamada ação privada subsidiária da pública (art. 29, CPP)? Em tais situações, embora o citado arquivamento não impeça a discussão da causa no âmbito civil (art. 67, I, CPP), o fato é que quando a motivação daquele arquivamento estiver ligada à atipicidade da conduta, por exemplo, haverá, inegavelmente, influência da decisão no juízo cível. Isso parece ainda mais evidente nos delitos contra a honra, nos quais a tipicidade ou a tipologia civil e a penal são praticamente as mesmas. Ocorre que, nesses crimes, de maior interesse de recomposição patrimonial (ainda que por dano moral) o manejo da ação privada garantiria ao ofendido maior controle sobre a apreciação judicial do caso. Sendo pública a ação, eventual insuficiência da atuação do Ministério Público poderia, em tese, repercutir no juízo cível, já que há decisões absolutórias que vinculam esta instância, conforme veremos ao exame da ação civil ex delicto. Essas, algumas explicações. Que não contam com nossa adesão pessoal. Para nós, toda intervenção penal deveria ser pública, se e desde que no âmbito do processo de natureza condenatória (não restaurativas). 5.7.1 Legitimação ativa A regra é que a legitimação ativa para a ação privada seja atribuída ao ofendido, quando capaz, a quem caberá avaliar a conveniência e a oportunidade da instauração da ação penal. Tratando-se de ofendido menor de 18 anos, a lei não reconhece a ele capacidade processual para estar em juízo, atribuindoa ao seu representante legal (art. 30, CPP). Na hipótese de ele não ter representante legal, cujo poder de representação decorra da lei (poder familiar – art. 1.630 e seguintes do Código Civil –, tutela ou curatela), ou, se tiver, houver conflito de interesse entre ambos, o juiz deverá, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, nomear curador especial para a defesa de seus interesses. Igual procedimento será adotado quando se tratar de pessoa incapaz, mentalmente enferma ou retardada mental (art. 33, CPP). Nos termos do art. 34 do CPP, se o ofendido for maior de 18 e menor de 21 anos, a ação penal poderia ser instaurada tanto por ele quanto por seu representante legal, prevendo a lei verdadeira hipótese de legitimação concorrente, nada impedindo, também, a formação de litisconsórcio entre ambos. O Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), vigente desde 11 de janeiro de 2003, contudo, alterou significativamente a questão relativa à menoridade (arts. 4º e 5º) para a prática de atos de natureza civil. Atenta aos reflexos dessa modificação no âmbito de outros ramos do Direito, fez constar expressamente em seu art. 2.043: “Até que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código.” Em princípio, a interpretação que emergiria imediatamente do referido texto é: em matéria penal e em matéria processual penal, não haveria qualquer modificação. Nessa linha, nada se alteraria na menoridade penal – o que é mesmo óbvio – nem nos institutos do processo penal, incluindo as disposições atinentes à capacidade processual. Assim, embora a atual lei civil estabeleça que o maior de 16 anos (e menor de 18) seja relativamente incapaz, e não mais absolutamente incapaz, não se poderá pensar em reconhecer a ele qualquer capacidade processual para as ações penais: nem para figurar como réu (sem considerar a questão de inimputabilidade no campo penal) nem para ingressar como querelante, na ação privada. Aqui, aplica-se, em toda a sua extensão e efetividade, a regra do art. 2.043 do CC. Entretanto, com a vigência da Lei nº 10.792/03, pensamos que as disposições atinentes à exigência de nomeação de curador ao réu menor (menor de 21 e maior de 18) estão revogadas. Como o art. 10 da citada lei revoga expressamente o contido no art. 194 do CPP (“Se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença do curador”), parece irrecusável a conclusão no sentido de que o legislador processual penal acolheu definitivamente a redução da incapacidade civil feita pelo Código Civil. Com isso, não se deve mais pensar na existência de representante legal do menor de 21 anos e maior de 18 anos. Por uma razão simples: se a representação é legal, há que se encontrar nela a sua definição. Assim, se a legislação civil afirma que o maior de 18 anos é absolutamente capaz, onde se encontraria a base legal para a representação dele? Ficam, então, implicitamente revogadas e não mais aplicáveis todas as normas processuais penais que tratam da representação legal do menor de vinte e um e maior de 18 anos, a começar pela regra do art. 34 do CPP. A legitimidade ativa para a ação privada pertencerá unicamente a ele, bem assim na hipótese de renúncia e de perdão, não sendo o caso de nomeação de um representante pelo juiz, já que não se trata da hipótese do art. 33 do CPP. Seguindo. Sendo o ofendido pessoa jurídica, desde que legalmente constituída, a ele caberá a legitimação ativa, devendo fazer-se representar por quem os respectivos contratos ou estatutos designarem (art. 37, CPP). É de se ver, porém, que, tratando-se de crime praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será sempre pública (art. 24, § 2º, CPP). Serão também de ação pública incondicionada os crimes previstos na Lei nº 8.069/90, quando praticados contra a criança e o adolescente (art. 227, Lei nº 8.069/90), bem como aqueles previstos na Lei nº 10.741/03, art. 95, o conhecido Estatuto do Idoso. Na mesma linha, a Lei nº 11.101/05 (Lei de Falência), conforme art. 184. A legitimação ad causam (titularidade, em tese, do direito) e a capacidade processual – ou seja, capacidade de estar em juízo – não dispensam, entretanto, a exigência de profissional do Direito devidamente habilitado na Ordem dos Advogados do Brasil, único com capacidade postulatória para o ajuizamento da ação penal privada. A procuração deverá conter poderes especiais para o oferecimento da queixa, bem como o nome do outorgante – querelante – e a referência ao fato criminoso, a menção aos fatos quando não depender de qualquer providência judicial anterior (art. 44, CPP). Se pobre o ofendido, assim considerado aquele que não pode prover as despesas do processo sem se privar dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família (art. 32, § 1º, CPP), o juiz deverá nomear advogado para a promoção da ação penal, onde não houver Defensoria Pública organizada em carreira. Anote-se, ao ensejo, a impossibilidade de um ainda conhecido atestado de pobreza, expedido por autoridade policial ou mesmo pelo Chefe do Executivo municipal. Tal providência foi revogada, há muito tempo, pela Lei nº 1.060/50. Basta, então, simples declaração pessoal da impossibilidade de se responder pelas despesas e custas processuais, sem prejuízo de sua subsistência. No caso de morte ou ausência da vítima, declarada esta judicialmente, a lei prevê especial hipótese de legitimação anômala, admitindo a sucessão do ofendido pelo seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 31, CPP), devendo ser obedecida a ordem de preferência. Entretanto, qualquer uma delas poderá prosseguir na ação já instaurada, caso o querelante (isto é, o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão) desista ou abandone a instância (art. 36, CPP). Observe-se, por fim, que a possibilidade de sucessão por abandono ou desistência do querelante, tal como se acha disposto no citado art. 36, somente é possível quando este for quaisquer das pessoas arroladas no art. 31, pois quando o abandono ou desistência é manifestado pelo próprio ofendido, a hipótese será de perempção (art. 60, CPP). 5.7.2 Disponibilidade Pelas razões já expostas é que se afirma a existência de um poder discricionário do ofendido ou dos demais legitimados (art. 31, CPP), únicos árbitros da conveniência e da oportunidade de se instaurar a ação penal nos crimes cuja persecução seja de iniciativa privada. Ao contrário, pois, da ação penal pública (incondicionada ou condicionada), a ação privada encontra-se na esfera de disponibilidade de seu titular ou a tanto legitimado. Essa disponibilidade manifesta-se nas seguintes situações e por meio dos comportamentos adiante alinhados. 5.7.2.1 Renúncia Por renúncia há de se entender a abdicação ou recusa do direito à propositura da ação penal, por meio da manifestação da vontade do não exercício dela no prazo previsto em lei. A renúncia, portanto, é modalidade de extinção da punibilidade (art. 107, V, CP) antes da instauração da ação penal. Como se trata da recusa ao exercício de um direito, e porque dessa abdicação surgem relevantes consequências jurídicas na órbita do interesse do suposto agente do fato, a lei prevê que a renúncia pode ser manifestada tanto de maneira expressa quanto tacitamente. Será expressa quando constar de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal, ou procurador com poderes especiais (art. 50, CPP). Por renúncia tácita deve-se entender a prática de ato incompatível com a vontade de exercer o direito à ação penal, nos termos do disposto no art. 104 do CP, admitindo-se quaisquer meios de prova para a sua demonstração (art. 57, CPP). Convém assinalar que, nos termos do mesmo art. 104 do CP, não implica renúncia o fato de o ofendido receber a indenização do dano causado pelo crime. Tal dispositivo é frontalmente contrário ao que dispõe a Lei nº 9.099/95, cujo art. 74 estabelece ser causa de renúncia ao direito de queixa a composição civil realizada no âmbito do Juizado Especial Criminal, quando devidamente homologada em juízo. É bem de ver, porém, que não se cuida de revogação do citado art. 104, ainda que a Lei nº 9.099/95 seja posterior a ele. A questão situa-se em outro nível, ou, mais precisamente, na qualificação jurídica das infrações penais submetidas a uma e outra instância (Justiça Comum e Juizados Especiais). Os Juizados Especiais Criminais têm competência para a conciliação, processo, julgamento e execução das infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, isto é, as contravenções e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos (art. 61, Lei nº 9.099/95, com a redação dada pela Lei nº 11.313/06). Para tais infrações, visto que o objetivo primeiro da instituição dos Juizados é justamente a reparação dos danos causados pela infração, procurou-se incentivar a conciliação dos interesses em disputa, oferecendo-se ao suposto autor do fato a possibilidade de ver afastada a persecução penal sempre que for realizada a composição civil. Tais disposições não têm relação alguma com a regra prevista no art. 104 do CP, ainda vigente e perfeitamente aplicável aos fatos delituosos considerados de maior potencial ofensivo. Aliás, cumpre observar que a redação dada ao mencionado art. 74 da Lei nº 9.099/95 faz menção à renúncia também do direito à representação, em razão da composição civil homologada em juízo, inovando em nosso Direito Processual Penal, em que se reservava o instituto (da renúncia), até então, exclusivamente para as ações privadas. Também a Lei nº 11.340/06 fala em renúncia da representação (art. 16 – Lei de Violência Doméstica). Tratando-se de ofendido menor de 18 anos, diante de sua incapacidade processual (de estar em juízo), o direito de queixa (e, assim, o de renúncia a este direito) é atribuído exclusivamente ao seu representante legal. Como já visto, se da renúncia manifestada pelo representante do menor se puder concluir pela existência de conflito de interesses entre ambos, deverá o juiz nomear a este curador especial. Do mesmo modo que ocorreu relativamente à legitimação ativa para a ação privada, no caso do maior de 18 e menor de 21 anos, as alterações do Código Civil, no ponto em que fizeram cessar a menoridade aos 18 anos (art. 5º, CC), suscitarão algumas indagações também em relação à renúncia – como, aliás, já apontamos. Se, pelo regime anterior, tanto o menor (de 21, maior de 18 anos) quanto o seu representante legal poderiam exercer o direito de queixa, nos termos do art. 34 do CPP, vimos que diante da inexistência (não exigência, na lei) de representante legal para o maior de 18 anos, esse direito deverá ser exercido unicamente pelo ofendido. Em consequência disso, toda aquela construção jurisprudencial acerca da autonomia entre o direito de ação do ofendido e o direito de seu representante legal, consubstanciada na Súmula 594 do STF, perdeu muito de sua utilidade, tanto no âmbito da legitimação ativa quanto no âmbito da disponibilidade da ação penal privada, nas suas variadas manifestações (renúncia e perdão). Assim, se, antes, a renúncia manifestada por um (ofendido menor de 21, maior de 18 anos) não prevalecia em relação ao outro (seu representante legal) que a ela se opusesse, nos termos do art. 50, parágrafo único, do CPP, atualmente semelhante situação não ocorrerá, tendo em vista que a partir dos 18 anos o ofendido passa a ser o único titular do direito de queixa e, assim, do direito à renúncia e ao perdão. O quadro, então, passa a ser o seguinte: a) se o ofendido é menor de 18 anos, não tendo ele capacidade de estar em juízo, somente o seu representante legal poderá ingressar com a ação privada; do mesmo modo, somente o representante legal poderá renunciar e conceder perdão (arts. 33, 50 e 53, todos do CPP); b) quando o ofendido menor completar a idade de 18 anos, ele poderá ingressar com a queixa (art. 50, parágrafo único, CPP), se e desde que ainda não tenha se operado a decadência em relação ao seu então representante legal. É dizer: como o prazo decadencial para o ingresso em juízo nas ações privadas, em regra, é de seis meses, contados a partir do conhecimento da autoria do fato, uma vez superado esse prazo antes de o ofendido completar 18 anos, o caso é de não aplicação do parágrafo único do art. 50 do CPP, por já se encontrar extinta a punibilidade (art. 107, V, CP). Todavia, se quando o ofendido completar 18 anos ainda estiver em curso o prazo decadencial para o exercício da queixa, poderá ele, e somente ele, ingressar em juízo, no prazo ainda restante, tendo em vista a superveniente perda do poder de representação por parte do representante legal. Como visto, isso não será possível, porém, se já tiver havido a renúncia por parte do representante legal, antes de o ofendido completar 18 anos, quando se fará presente causa extintiva da punibilidade (art. 107, V, CP). Por fim, no caso de incapacidade do ofendido, e se da renúncia manifestada se puder concluir pela existência de conflito de interesse entre este e o seu representante legal, deverá o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, designar curador especial para o exercício do direito de queixa (art. 33, CPP). Questão absolutamente relevante no que diz respeito à renúncia é a que consta no art. 49 do CPP, a qual prevê que a renúncia, em relação a um dos autores do crime, deverá ser estendida a todos os demais. Daqui surgirão questões de maior complexidade. Por ora, porém, deixemos apenas registrado que a renúncia tácita, nos termos do disposto no art. 104 do CP, deve ser entendida como a prática de ato incompatível com a vontade de exercer o direito à ação penal. Mais adiante voltaremos ao tema, ao exame da indivisibilidade da ação penal privada (5.7.3). 5.7.2.2 Perempção e desistência Do mesmo modo que ocorre em relação à renúncia, o querelante pode também recusar ou abdicar do direito à ação penal já instaurada, manifestando, por diversas maneiras, o desinteresse em seu prosseguimento, independentemente de qualquer justificativa. A perempção é, pois, a perda do direito de prosseguir na ação penal já instaurada, cujo efeito é a extinção da punibilidade, consoante o disposto no art. 107, IV, do CP. Na verdade, pode até ocorrer que o querelante, autor da ação penal, não esteja, efetivamente, disposto a abandonar a ação penal. Entretanto, a própria lei exige dele um comportamento permanentemente ativo, dado que a imputação penal em juízo é suficiente para atingir o estado de dignidade do cidadão. Por isso, espera-se do autor a maior celeridade possível, com observância rigorosa dos prazos e procedimentos legais, para a obtenção do provimento judicial final. Considera-se, então, perempta a ação penal quando, iniciada, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos (art. 60, I, CPP). Obviamente, como a razão da lei é a celeridade e a exigência de demonstração, pelo ofendido, da efetiva lesão causada pelo fato, somente se reconhecerá a perempção em tal hipótese desde que seja regularmente intimado o querelante (ele e seu procurador) para a adoção de providências necessárias ao impulso do processo. Configura também causa de perempção o fato de deixar o autor (querelante) de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou, ainda, deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais (art. 60, III, CPP). Observe-se que a primeira hipótese diz respeito à desídia do ofendido ou legitimado, com prejuízo para o andamento da ação, enquanto a segunda refere-se à possibilidade de eventual alteração do convencimento do querelante acerca da delituosidade ou autoria do fato, bem como de desinteresse, por qualquer motivo, na solução da questão. É importante registrar que a presença do querelante aos atos do processo somente pode ser exigida em relação aos atos de natureza instrutória, ou seja, naqueles em que a sua participação é relevante para a apuração dos fatos. Não é causa de perempção, por exemplo, o não comparecimento a audiências conciliatórias, podendo o querelante se fazer representar pelo advogado. Ver, nesse sentido, STF – HC nº 71.219/PA, HC nº 81.264/RJ e HC 86.942/MG. É causa de perempção, ainda, a morte do querelante sem sucessores, ou quando, havendo sucessores, estes não se habilitarem a prosseguir na ação no prazo de 60 dias, ou quando, tratando-se de pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor (art. 60, II e IV, CPP). 5.7.2.3 Perdão Diferentemente do que ocorre em relação à renúncia e à perempção, o perdão, também causa extintiva da punibilidade quando aceito pelo réu, ostenta características muito mais próximas – embora legal e tecnicamente não o seja! – de um consentimento – ou assentimento – posterior que de um eventual desinteresse pela condenação do acusado. Ao contrário da renúncia, o perdão é ato bilateral, cuja eficácia depende, assim, da aceitação do querelado ou de quem tenha poderes para representá-lo, na hipótese de sua incapacidade (art. 53, CPP). Ainda que se exija a aceitação do perdão, para os fins de extinção da punibilidade sob tal fundamento, o fato é que, na prática, em caso de não aceitação do perdão por parte do querelado, basta ao querelante abandonar a ação em curso para que ela seja colhida pela perempção. Então, por que a exigência de aceitação do perdão? Talvez, e provavelmente, porque com a aceitação o ofendido poderá obter algum tipo de satisfação de ordem moral, para conforto pessoal, já que, do ponto de vista jurídico, a aceitação do perdão não implica assunção de culpa e, por isso, de responsabilidade civil. O perdão pode ser tácito ou expresso, dentro ou fora do juízo, devendo o querelado ser intimado, quando declarado nos autos, para, no prazo de três dias, manifestar-se sobre ele, constando da intimação, necessariamente, que o seu silêncio, no referido prazo, implicará a aceitação (art. 58, CPP). O perdão tácito, nos termos do disposto no art. 106, § 1º, do CP, é o que resulta da prática de qualquer ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação penal. A aceitação do perdão, quando feita fora do processo, deve constar de declaração assinada pelo querelado ou por procurador com poderes especiais (arts. 50 e 59, CPP). Embora não conste de regra expressa, acompanhamos a doutrina de Tourinho Filho (1992, v. 1, p. 524), no sentido de ser perfeitamente válida e possível a aceitação tácita do perdão, ainda que fora do processo. Não vemos nem sequer necessidade do recurso à analogia, pois o próprio sistema processual atinente ao perdão permite tal conclusão, dado que a única preocupação manifestada pelo legislador, ao prever a aceitação tácita do perdão em juízo, pelo silêncio no prazo de três dias (art. 58, CPP), foi em relação ao meio de prova da existência de um (perdão) e outro (aceitação). Entretanto, esta preocupação não se acha presente na regra do art. 57 do CPP, no qual se observa que a renúncia e o perdão tácitos admitirão todos os meios de prova. Não vemos por que não estender o âmbito normativo do apontado dispositivo também à hipótese de aceitação tácita extraprocessual. Como já visto, o Código Civil, fazendo cessar a menoridade aos 18 anos, conforme o disposto no seu art. 5º, terminou por tornar sem efetividade a figura do representante legal do maior de 18 e menor de 21 anos prevista no art. 52 do CPP. Como a legitimação ativa para a referida ação pertence exclusivamente ao maior de 18 anos, também a ele, unicamente, caberá o direito de perdoar o querelado, não havendo quem possa se opor a este perdão, diante do desaparecimento concreto do representante legal previsto no art. 52 do CPP. No particular, embora não tenha havido revogação expressa dos arts. 34 e 54, nem mesmo do art. 262, todos do CPP – as demais hipóteses de curatela (mentalmente enfermo ou retardamento mental) não poderiam mesmo ser atingidas por quaisquer normas relativas à representação legal –, é de se ver que a curatela processual do menor de 21 anos e maior de 18 (art. 262, CPP) foi expressamente afastada com a revogação do art. 194 do CPP. Remetemos o leitor, para mais esclarecimentos, aos itens 5.7.1 e 5.7.2.1. Finalmente, quando ambos (querelante e querelado) forem incapazes, tanto a concessão do perdão quanto sua aceitação caberá ao curador que o juiz lhes nomear (arts. 33 e 53, CPP). Como se pode constatar, o perdão e a renúncia guardam muitas semelhanças, podendo-se arrolar: tanto em uma quanto em outra hipótese, o perdão ou a renúncia apresentada em relação a um é extensiva aos demais autores do fato, não valendo, porém, em relação ao acusado que não tenha aceitado o perdão; perdão e renúncia podem ser apresentados por procuradores com poderes especiais (arts. 50, 55 e 56, CPP); a renúncia ou o perdão de um dos ofendidos não prejudica o direito dos demais (art. 106, II, CP); ambos admitem quaisquer meios de prova, quando se tratar de perdão ou renúncia tácita (art. 57, CPP). Por fim, e já no campo das diferenças entre ambos, anote-se que a renúncia é manifestada antes da ação penal, enquanto o perdão é posterior ao oferecimento da queixa, podendo ser concedido até antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 106, § 2º, CP). 5.7.3 Indivisibilidade Por indivisibilidade da ação penal deve-se entender a impossibilidade de se fracionar a persecução penal, isto é, de se escolher ou optar pela punição de apenas um ou alguns dos autores do fato, deixando-se os demais, por qualquer motivo, excluídos da imputação delituosa. A regra da indivisibilidade, embora justificada até mesmo por critérios de isonomia, bem demonstra a permanência do interesse público na apuração e na punição do fato, permitindo ao ofendido tão somente o juízo de conveniência acerca da instauração da ação, por questões ligadas, como vimos, aos riscos decorrentes de eventual divulgação dos fatos, o strepitus iudicii (segundo a doutrina majoritária), ou, como preferimos, à titularidade para a formação da opinio delicti, que, assim, nas ações privadas, independeria do entendimento do Ministério Público. Por isso, e como se observa do disposto nos arts. 49 e 51 do CPP, tanto a renúncia quanto o perdão devem ser manifestados em relação a todos os autores do fato, sob pena de rejeição da queixa em razão de causa extintiva da punibilidade (art. 107, V, CP), se oferecida apenas contra alguns deles. Daí o que se contém no art. 48 do CPP, no qual se verifica que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, devendo o Ministério Público velar pela sua indivisibilidade. De modo geral, a doutrina e a jurisprudência não hesitam em afirmar que o papel do Ministério Público, no que se refere ao dever de velar pela indivisibilidade da ação penal privada, limitar-se-ia à simples manifestação nos autos, pugnando pela extensão dos efeitos da renúncia a todos os querelados, quando expressa ou tácita, decorrente da não inclusão de alguns dos autores do fato. Argumenta-se que o Ministério Público, por não ter legitimidade para a ação privada, estaria impedido de aditar a queixa, para nela incluir autores ou partícipes não apontados pelo querelante, único legitimado a fazê-lo, segundo majoritariamente se afirma. Uma primeira observação se impõe: o Código de Processo Penal, em diversas oportunidades, exige que a queixa seja oferecida contra todos (art. 48); que a renúncia em relação a um dos autores a todos se estenderá (art. 49); e que o perdão concedido em relação a um dos querelados aproveitará a todos… (art. 51). Ocorre que a individualização objetiva das pessoas abrangidas pelo vocábulo toda ou todos somente é possível em relação ao disposto no art. 51, isto é, em relação ao perdão. Nesse dispositivo, a identificação não oferece qualquer dificuldade; proposta já a ação, o perdão deve ser concedido a todos os querelados, isto é, a todos efetivamente incluídos na queixa. Entretanto, a mesma facilidade não existe quando se quer a identificação e individualização de quem estaria abrangido na expressão todos, na hipótese de se pretender presente a renúncia em relação a alguns autores do fato. Se a renúncia é expressa, não há qualquer problema. A manifestação da vontade é facilmente obtida, não havendo dúvida possível em relação à sua existência. No entanto, se a renúncia, que se pretende presente, for tácita, ou seja, decorrente simplesmente da não inclusão de todos no polo passivo da ação penal, a quem a lei teria atribuído a titularidade para o juízo de valor acerca da autoria do crime? Como já ressaltamos, encontra-se nos manuais de processo penal a frequente afirmação no sentido de que, se o querelante deixa de incluir algum dos autores do fato, a queixa deve ser rejeitada, aplicando-se a regra de extensão da renúncia – tácita, pela não inclusão – aos querelados mencionados na peça inicial. A solução, com o devido respeito, não nos parece a mais acertada, ao menos como regra abstrata e objetiva, a ser seguida em qualquer hipótese. E, segundo acreditamos, sobram razões. A primeira delas é que a realidade cotidiana nos revela que, em muitas oportunidades, a constatação da participação de determinadas pessoas no fato delituoso pode oferecer algumas dificuldades, não perceptíveis, à primeira vista, aos responsáveis pela investigação criminal e mesmo ao advogado, representante judicial do ofendido. Assim, em tais situações, não nos parece conveniente nem em sintonia com o sistema processual penal brasileiro deixar-se o controle da indivisibilidade da ação exclusivamente em mãos do particular, ainda que subsidiada pela atividade desenvolvida pela autoridade policial. Limitar a atuação do Ministério Público ao simples exame da ocorrência de renúncia tácita é reduzir-lhe, sobremaneira, a relevantíssima função de custos legis que lhe atribui a lei (art. 45, CPP). Nesses casos, ainda que a autoridade policial ou o próprio ofendido não tenham identificado a participação de determinada pessoa, por isso não indiciada e não incluída na queixa, parece-nos que caberia ao Ministério Público o aditamento da queixa (art. 45, CPP), para nela incluir quem, a seu juízo, como órgão constitucionalmente responsável pela defesa da ordem jurídica (art. 127, CF), tenha efetivamente participado ou contribuído criminosamente para a prática do delito. Tal conclusão decorre até mesmo do próprio sistema do Código de Processo Penal. Com efeito, se a atividade de custos legis, expressamente prevista no art. 45 do CPP, já permite ao Ministério Público o exercício do papel que quer lhe atribuir a doutrina, ou seja, o de manifestar-se pela rejeição da denúncia, em razão de renúncia tácita, ou de se manifestar no sentido de reabertura de prazo ao querelante para eventual confirmação da mesma renúncia tácita, qual seria a razão de ser da norma prevista no art. 48 do CPP, que atribui ao parquet a função de velar pela indivisibilidade da ação penal? Acaso, quando ele atua como custos legis, não deve velar pela correta aplicação da lei penal? E, sendo assim, não estaria aí incluída a matéria relativa à eventual ocorrência de renúncia tácita? Com razão, portanto, Mirabete (2001, p. 204), para quem o Ministério Público tem poderes para aditar a queixa, inclusive para nela incluir coautor ou partícipe cuja autoria ou participação não tenha sido constatada pelo querelante. O tema, de indiscutível relevância, permite também a seguinte indagação: estaria o querelante submetido ao juízo de valor feito pela autoridade policial por ocasião do indiciamento dos autores do fato? Afinal, a quem compete dizer qual seria a totalidade dos autores e/ou partícipes do crime? Doutrina e jurisprudência parecem não enfrentar a questão quando afirmam simplesmente que a não inclusão, na queixa, de um dos autores do fato (quais? Quem pode assim qualificá-los?) implicaria a renúncia, tácita, em relação aos demais. Vejamos: se o delegado de polícia promove o indiciamento de quatro pessoas e o ofendido oferece queixa contra todos, acaso estaria preservada a indivisibilidade da ação penal? Outro exemplo: suponhamos que a autoridade policial indicie as mesmas quatro pessoas como autoras do fato. O ofendido, contrariamente à opinião da autoridade, e por entender que um deles não teria participado do crime, ou que a sua contribuição não alcançaria a fronteira da ilicitude penal, deixa de incluí-lo na queixa. Diante das hipóteses apresentadas, de duas, uma: ou se admite que a valoração penal seja feita pelo próprio ofendido, e aí não se poderá negar que ele poderá escolher a pessoa a ser processada, ou se defere tal função à autoridade policial, via indiciamento, o que nos parece também um rematado absurdo (assim também pareceu à Quinta Turma do STJ, que, no RHC 55.142/MG, Rel. Min. Felix Fischer, 21.05.2015, julgou que a não inclusão de eventuais suspeitos na queixa-crime não configura, por si só, renúncia tácita ao direito de queixa). Quando, porém, e ao contrário, reserva-se ao Ministério Público o controle final acerca da responsabilização subjetiva penal, nada mais se estará fazendo senão atribuir a quem já é constitucionalmente assegurada a defesa da ordem jurídica (art. 127, CF) a função de velar pela correta e eficaz aplicação da lei penal àquele que, efetivamente, tenha praticado infração penal. Merece registro, também aqui, o entendimento, praticamente sem divergência, no sentido de que o Ministério Público não poderia recorrer de sentenças absolutórias, no âmbito de ações penais privadas, se o querelante não o fizesse antes. Argumentase, do mesmo modo, com a ilegitimidade de parte. Ainda que não convencidos do acerto de semelhante argumento – quanto à ilegitimidade de parte, veja-se bem –, pensamos que, nesse ponto (isto é, da vedação do recurso do Ministério Público, diante do desinteresse do querelante), o referido entendimento está correto, sob a perspectiva de uma ação que se encontra na disponibilidade da vítima. Assim, se o querelante pode perdoar ou deixar perempta a ação, por que não poderia ele se contentar com a absolvição? Se ele pode renunciar à própria ação, por que não fazê-lo em relação ao recurso? Cabe ainda outra consideração. A inclusão de partícipe ou coautor pelo Ministério Público nada tem que ver com a questão relativa à legitimação ad causam. A legitimidade permanece em mãos do ofendido. Pode ele, inclusive, abandonar a causa, ou, por outro modo, dar ensejo à perempção da ação, ou, ainda, perdoar todos os acusados. Aliás, o aditamento pelo Ministério Público somente é possível exatamente em razão da anterior iniciativa penal já manifestada pelo legitimado. Ocorre, porém, que, embora a ele se defira o juízo de conveniência e oportunidade para a instauração da ação, o controle da punibilidade (daí o da indivisibilidade), no que se refere à sua exata medida e extensão, há de permanecer em poder do Estado. É preciso, mais, que se relembre da definição legal de renúncia tácita. Entende-se por renúncia tácita a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo (art. 104, parágrafo único, CP), ou seja, o que deve ser decisivo é a manifestação de vontade, inequívoca, do ofendido. A não concordância com o indiciamento açodado feito pela autoridade policial, ou o simples esquecimento, ou erro de digitação da queixa, não podem nunca justificar a rejeição dela e, muito menos, a extinção da punibilidade por uma renúncia que jamais ocorreu. Em tema de indivisibilidade, cumpre, por último, ressaltar que a regra não se aplica evidentemente às ações penais públicas, pautadas, como já visto, pelo princípio da obrigatoriedade. Assim, sendo o órgão da acusação obrigado a propor a ação penal, é ele obrigado a fazê-lo em relação a todos os autores do fato, sendo desnecessário o recurso à regra da indivisibilidade. É nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante se vê no julgamento do REsp nº 388.473/PR, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 15.9.2003. 5.7.4 Decadência Tal como ocorre em relação às ações penais públicas, também as ações privadas têm prazo certo para o seu exercício, sob pena do perecimento do direito a elas. Tratando-se de ações reservadas à iniciativa do ofendido, a legislação processual penal cuidou de estabelecer prazos de características distintas daqueles previstos para o exercício da ação penal pública, em razão, sobretudo, da natureza privada da disputa judicial a ser travada a partir do cometimento da infração penal. Assim, com os olhos voltados para uma rápida solução do conflito e pacificação dos espíritos, optou-se – ao contrário do prazo prescricional, mais dilatado e tradicionalmente sujeito à interrupção e à suspensão – pela estipulação de prazo decadencial, muito menos elástico e, por definição conceitual, avesso aos incidentes de paralisação na sua fluência temporal. O Código de Processo Penal prevê, como regra comum à generalidade das ações privadas, o prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, contados a partir da data em que o legitimado venha a conhecer a autoria do fato (art. 38, CPP). Como julgamos ter demonstrado, a partir das mudanças na legislação civil (Código Civil) não mais se poderá falar em autonomia de prazos para o exercício do direito de queixa, consoante está previsto no art. 34 do CPP. Sem aplicabilidade, portanto, o disposto na Súmula 594 da Suprema Corte, conforme já o assentamos por ocasião dos estudos atinentes à legitimação ativa para as ações privadas. Ver itens 5.7.1 e 5.7.2.1. Nos crimes contra a propriedade imaterial, prevê o art. 529, CPP, que a queixa, quando fundada em apreensão e perícia, deve ser oferecida até 30 dias após a homologação do laudo pericial (art. 529, CPP). Decadencial o prazo, portanto. Registre-se, aqui, a revogação do crime de adultério pela Lei nº 11.106/05, com o que não se há mais de falar no especialíssimo prazo previsto no art. 240 do CP. Revogação, aliás, para além de bem-vinda, tardia. Observe-se, por fim, que, em regra, como visto, os prazos decadenciais não se submetem a causas interruptivas ou suspensivas, fluindo, portanto, independentemente da data do início ou da eventual morosidade das investigações, desde que, por óbvio, já se saiba previamente acerca da autoria do fato. É importante também assinalar que o que efetivamente importa no âmbito da decadência é a manifestação de vontade persecutória por parte do querelante. Assim, mesmo que a queixa seja oferecida perante juízo incompetente, relativa ou absolutamente incompetente, estará superada a decadência, se observado o prazo previsto em lei. 5.7.5 Crimes contra a dignidade sexual A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, dispondo sobre os crimes contra a dignidade sexual, além de modificar diversos tipos legais sobre a matéria, reduzindo, por exemplo, o crime de atentado violento ao pudor ao crime de estupro, com ampliação dos núcleos da conduta (art. 213, CP), pôs fim ao descalabro da ação penal privada para crimes de tamanha gravidade. Criou também outras incriminações e/ou aumento de penas (art. 217-A, CP, no denominado Estupro de Vulnerável). Sempre sustentamos que, pelo menos desde a Reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984, o crime de estupro e o antigo atentado violento ao pudor, reunidos atualmente em uma única figura típica (art. 213, CP), deveriam ser perseguidos mediante ação penal pública, condicionada à representação, no caso de violência moral, e incondicionada, na hipótese de violência real. É que, desde aquela época, o art. 101 do CP, com a redação dada pela citada reforma, impunha o reconhecimento do crime complexo em tais situações. Confira-se em nosso Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais (São Paulo: Atlas, 3. ed., 2012). A regra, portanto, será a persecução penal condicionada. As exceções, segundo o atual regramento, seriam os crimes praticados contra menor de 18 (dezoito anos) e/ou contra pessoa vulnerável (art. 225, parágrafo único, CP). Consideram-se vulneráveis: (a) o menor de 14 (quatorze) anos; (b) aquele que, por enfermidade ou por deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; e (c) aquele que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Todas essas hipóteses se encontram no art. 217-A, caput e parágrafos, CP. Nesses casos, a ação será pública incondicionada. E, embora não conste ressalva expressa no citado art. 225, CP, com a redação dada pela Lei nº 12.015/09, quando do estupro (art. 213, CP) resultar lesão corporal de natureza grave ou morte (§ 1º e § 2º, art. 213, CP), a ação será pública incondicionada, por razões as mais óbvias. Ao propósito, basta ver o quanto dispõe o art. 101, do CP, a tratar do chamado crime complexo: “Art. 101. Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo penal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.” Observa-se que o aludido art. 101 do CP não faz qualquer exigência quanto à existência de dois ou mais tipos penais em um mesmo crime, mas apenas que a elementar ou circunstância do tipo complexo, por si só, constitua também delito, e que este delito seja de persecução pública. Assim, a lesão corporal grave e/ou a morte resultante da violência, elementar do tipo de estupro (art. 213, CP), constituem, por si só, infração penal, para a qual é cabível a ação penal pública incondicionada (art. 121 e art. 129, CP). De ver-se, mais, que a Lei nº 12.015/09 qualifica o estupro, em todas as suas modalidades (do art. 213, CP), como crime hediondo (ver art. 4º). Tais crimes, os chamados hediondos, como se sabe, têm rigoroso tratamento no que se refere às restrições de direitos deles emanados, daí por que pública incondicionada haveria que ser a sua persecução. E, à pergunta que pode ser feita: ora, se é hediondo o crime sexual mesmo sem violência física, por que a previsão de ação pública condicionada (art. 225, CP – com a exceção para os menores de 18 e/ou vulneráveis, quando será incondicionada)?, responde-se: prevaleceram o cuidado e os respeitos à condição da vítima em tal situação, o que não nos parece desarrazoado. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.424 (PGR) e ADC 19 (Senado), reconheceu a constitucionalidade de dispositivo legal (art. 41, Lei nº 11.340/06) que afasta a aplicação das normas previstas na Lei nº 9.099/95 às infrações praticadas no âmbito da violência doméstica. Com isso, afastou-se também, para esse ambiente (doméstico), a exigência de representação nos crimes de lesão corporal leve e/ou culposa (art. 88, Lei nº 9.099/95). E quais consequências teria tal decisão em relação aos crimes sexuais? Pensamos que os fundamentos ali expendidos são suficientes para que se estenda também aos crimes sexuais praticados no âmbito doméstico a mesma conclusão. É dizer: em se tratando de delitos sexuais dos quais tenha resultado lesão leve (culposa, em princípio, é impensável, mas possível), a ação penal deverá ser pública incondicionada, abrindo-se, então, outra exceção à regra do art. 225, CP. Ora, se a lesão leve e culposa na violência doméstica é de ação incondicionada, como não o seria aquelas resultantes de crime sexual? Então, teríamos o seguinte quadro nos crimes contra a dignidade sexual: a) Regra geral: ação pública condicionada à representação da vítima; b) Exceções, nas quais caberá a ação incondicionada: (1) Crimes dos quais resulte lesão grave ou morte da vítima; (2) Crimes praticados contra menor de 18 e contra pessoa vulnerável; c) Na violência doméstica: (1) Serão de ação pública condicionada os crimes sexuais praticados com violência moral; e (2) Serão de ação incondicionada todos os crimes sexuais praticados com violência física, por força do disposto no art. 101 do CP e na Lei nº 11.340/06. Observe-se que a Lei nº 12.650/12, alterando o art. 111, V, CP, estabelece que o prazo prescricional nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes somente terá início na data em que a vítima completar 18 (dezoito anos). Fez-se ali ressalva, quando já proposta a ação penal, ao entendimento de que não mais se poderia falar na prescrição. Bem, que a regra não se aplica aos fatos praticados anteriormente à Lei nº 12.650/12 é induvidoso. O novo regime seria mais gravoso, ao aumentar consideravelmente o prazo para a persecução penal. Aqui se imporia, à evidência, o princípio da legalidade, na perspectiva da irretroatividade da lei desfavorável. Mas uma questão poderá surgir: e se a vítima falecer antes de completar 18 (dezoito anos)? Obviamente, estamos nos referindo à hipótese de óbito independente do fato criminoso. Fosse ele consequência da conduta sexual, ter-se-ia a regra geral da data do fato. A nosso juízo, o termo inicial de contagem do prazo seria o da data da morte do menor. Reproduzimos, no ponto, observações lançadas em outro espaço (www.eugeniopacelli.com.br/publicações/QuartascomLeiecomDireito): “Feitas tais observações, o alargamento do prazo até os dezoito anos – maioridade – deve ser entendido como o reforço de atenção à vítima, que, assim, poderia decidir, por si mesma, sobre a revelação/divulgação dos fatos, cujo conhecimento estivesse em poder de seu representante legal (se não ajuizada a ação ou a investigação). No caso de morte causada pela violência sexual (art. 217, § 4º, CP), o prazo se contaria desta data (do óbito) por razões óbvias: o tipo penal se consumaria com ela! Mas no caso de morte que não tenha qualquer relação com a violência sexual, o prazo deveria obedecer à lógica diversa. Naturalmente, mesmo sendo pública incondicionada a ação, a criança ou adolescente teria autonomia legal para oferecer a ‘notitia criminis’, levando ao conhecimento das autoridades a hediondez do fato de que fora vítima, independentemente de qualquer atitude de seus representantes legais. Mas, se ela vem a falecer sem exercer essa faculdade antes (dos dezoito) não nos parece que esse trágico evento se enquadre como justificativa para a ampliação do prazo prescricional, sobretudo porque ela já não poderia oferecer qualquer contribuição à punição do crime. O caso, então, seria de se aplicar a regra geral. No entanto, há que notar-se que, depois do fato e antes da morte, o prazo prescricional NÃO PODERIA CORRER. Assim, pensamos que o marco inicial seria a data da morte.” Observe-se, por fim, a permanência de quase todas as disposições da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) relativamente aos crimes nela previstos, quando praticados contra a criança e o adolescente, ainda submetidos à ação pública incondicionada, conforme disposto no art. 227, em nada modificadas, quanto à titularidade da ação, pela Lei nº 12.015/09. E isso ocorre por força do art. 225, parágrafo único, do CP (redação da Lei nº 12.015/09) que estabelece serem públicas incondicionadas as ações relativas a crimes praticados contra menores de 18 anos ou pessoa vulnerável. Assim, pouco importa saber se houve ou não modificação da Lei nº 8.069/90 pela Lei nº 12.015/09: no que se refere à ação penal, será ela sempre incondicionada nestas hipóteses (contra menor ou vulnerável). No entanto, a incriminação penal descrita no art. 244-A da citada Lei nº 8.069/90 – submissão de criança ou adolescente à exploração sexual – é em tudo assemelhada ao tipo do atual art. 218-B, do Código Penal. Destaca-se apenas o fato de que a legislação geral (art. 218-B, CP) abrange também a proteção do vulnerável e não só do menor de 18 anos, além de trazer outro tipo penal por equiparação (punição daquele que, nas condições descritas no caput – prostituição e/ou exploração sexual, mantém conjunção carnal ou outro ato libidinoso com o menor de 18 e maior de 14 anos – art. 218-B, § 1º, CP). Da perspectiva do Direito Penal, pensamos que, tendo em vista o fato de que o novo art. 218-B, do CP, abrange a totalidade da incriminação do art. 244-A, da Lei nº 8.069/90, incluindo também a proteção ao vulnerável por enfermidade ou deficiência mental, além de elencar outros tipos relativos à tutela de menores, há que se ter por revogado, implicitamente, o citado art. 244A. Nem se diga ser o caso de aplicação da regra da especialidade (lei geral não revoga lei especial). A ampliação da regra de proteção, e, assim, da incriminação (note-se que o art. 218-B se refere à submissão e também à indução ou atração à prostituição, o que não está previsto no art. 244-A, da Lei nº 8.069/90) afasta expressamente o princípio da especialidade, aplicável apenas no caso de ausência de regulação expressa. Observa-se, por fim, que a Lei nº 12.015/09 não terá qualquer influência em relação às ações penais já ajuizadas. É dizer: se já proposta a ação penal pelo particular, não haverá qualquer modificação no polo ativo da demanda. De outro modo: exercido o direito de ação, ao tempo da lei anterior, não se aplicará a regra de legitimação ativa. Em síntese: a ação que era privada ou que era pública, antes de eventual modificação legislativa, continuará a ser privada ou pública. A matéria, no que toca ao exercício de direito, é processual. Proposta a ação, estará exercido aquele (direito), não se alterando a legitimação no curso do processo. Mas restariam as questões, inevitáveis, de direito intertemporal, para as quais reproduzimos e remetemos o leitor à abordagem que fizemos ao exame das Leis Processuais no Tempo (Capítulo II, item 2.3). 5.8 Ação privada personalíssima Ainda na linha da discricionariedade, a nossa legislação, para determinados delitos, reserva exclusivamente ao ofendido o juízo de conveniência acerca da propositura da ação penal, não sendo facultada a ninguém a substituição processual em caso de morte ou ausência do interessado. É o que ocorre na hipótese do crime contra o casamento definido no art. 236 do CP (induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, no casamento), cuja ação penal deverá ser promovida unicamente pelo contraente enganado, depois de transitada em julgado a decisão que anular o casamento. Aqui, como se percebe, presente uma condição de procedibilidade – ou condição objetiva de punibilidade, como queiram –, o prazo decadencial somente correrá após o citado trânsito em julgado. Registre-se, por necessária pertinência, o desaparecimento, do nosso ordenamento jurídico, do crime de adultério, tendo em vista a revogação do art. 240 do CP, pela Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005. Em edições anteriores, dizíamos que uma coisa é reconhecer o personalismo de tais questões – induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, bem como do adultério –, e outra, muito diferente, é reclamar a intervenção do Direito Penal para a solução de tais mazelas. O adultério, como visto, não se acha mais entre nós, ao menos no campo da recriminação penal, por força expressa de lei. Quanto aos demais, permanecemos firmemente convencidos da total inadequação de regulação penal de comportamentos relacionados aos compromissos afetivos do casamento ou da união. Não se trata de qualquer menoscabo ao bem – que é de todos e é jurídico – tutelado na aludida norma penal. Em absoluto. A liberdade de união amorosa, a liberdade para a realização dos desejos e das necessidades afetivas de cada membro da comunidade, deve mesmo ser protegida. Apenas não nos convencemos de que o Direito Penal seja adequado a tais propósitos, até porque o que é punido nos delitos do art. 236 do CP é muito mais o fato do casamento, em si, do que a conquista do afeto alheio à custa de manobra fraudulenta ou omissiva. Protegese mais a instituição do que propriamente o seu destinatário, a pessoa. 5.9 Ação privada subsidiária da pública Com o objetivo de tutelar o mais amplamente possível os interesses da vítima, seja em razão da repercussão patrimonial eventualmente decorrente da ação criminosa, seja ainda em sede da própria exigência da resposta penal ao ilícito contra ela praticado, prevê a Constituição Federal, em seu art. 5º, LIX, que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. A legitimação do ofendido para a ação penal remonta à Antiguidade, em que, por muito tempo, o sistema processual vigente foi o acusatório privado. Como consequência imediata da instituição do modelo acusatório público, com o aparecimento do Ministério Público, sobretudo a partir do século XIX, como órgão estatal responsável pela função acusatória, e o consequente afastamento do juiz de tais atividades, de modo a preservar ao máximo a sua imparcialidade, foi retirado do ofendido o direito de ação anteriormente a ele deferido, passando o Estado a ser o devedor não só da jurisdição, mas, também, da iniciativa penal. A ação privada subsidiária da pública, conforme se encontra na história da evolução dos sistemas processuais do mundo ocidental, nada mais é, então, que o reconhecimento explícito da existência do interesse também privado na imposição de sanção penal ao autor do fato criminoso. E uma vez que tal interesse, que anteriormente legitimava o próprio direito de ação, seja atingido pela inércia e inação do órgão estatal acusatório, abre-se ensejo à iniciativa do ofendido, ou, na hipótese de sua morte ou ausência, aos sucessores processuais arrolados no art. 31 do CPP, para o exercício de verdadeiro direito ao início da persecução penal. Pressuposto, então, do exercício de tal direito, é precisamente a desídia do Ministério Público, isto é, a ausência de manifestação tempestiva de ato de ofício, no prazo previsto em lei. Não a caracterizam, portanto, o só não oferecimento da denúncia, no prazo legal, desde que tenha ele, tempestivamente, pugnado pela necessidade de novas diligências a serem realizadas pela autoridade policial ou tenha se manifestado pelo arquivamento dos autos. O que efetivamente caracteriza a desídia é a ausência de qualquer manifestação dentro do prazo previsto na lei para o oferecimento da denúncia. Ver, nesse sentido, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 2.12.2010, HC 175.141/MT, Informativo STJ, dez. 2010). Na hipótese de requerimento de arquivamento não se poderá intentar a ação subsidiária pela simples razão de que a ação não desloca para o ofendido a titularidade da definição jurídico-penal do fato, mas, sim, e unicamente, a iniciativa supletiva do exercício da ação penal. E assim é porque, mesmo instaurada a ação subsidiária e oferecida a queixa em substituição à denúncia, em razão da inércia do Ministério Público, poderá este, além de aditá-la, como veremos, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva (art. 29, CPP). É bem verdade, porém, que, uma vez provocada a jurisdição penal, com a ação privada subsidiária, não poderá o Ministério Público manifestar-se, desde logo, pela inexistência de crime ou pela insuficiência de provas da autoria e da materialidade. Equivocada, nesse ponto, a decisão a que acabamos de nos referir (Informativo, STJ, dez. 2010). Isso se deve ao fato de se tratar de verdadeira e originária ação pública, em que deverá ser observada a regra da indisponibilidade, como consequência do princípio da obrigatoriedade. Ao ofendido, nesses casos, reserva-se apenas a iniciativa da propositura da ação. E também por esta razão não se pode falar na possibilidade de perempção ou de perdão na ação privada subsidiária da pública, cabendo ao Ministério Público “[…] intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal” (art. 29, CPP). Aliás, diante de tais disposições, não vemos como aceitar o entendimento de que o Ministério Público ocuparia a posição de simples assistente litisconsorcial na ação privada subsidiária, como se a titularidade pertencesse efetivamente ao querelante. Assim não nos parece. Deferir-se ao querelante a legitimação para o oferecimento da queixa e, assim, da iniciativa penal, não implica o afastamento do parquet da responsabilidade principal pela respectiva ação penal, dado ser permitido a ele até mesmo a ampliação temática da ação, com o oferecimento de denúncia substitutiva da queixa, na qual será possível a inclusão de novos fatos e/ou autores ou partícipes, bem como a intervenção em todos os termos do processo (art. 29, CPP). A possibilidade de o Ministério Público poder repudiar a queixa e oferecer denúncia substitutiva bem demonstra a natureza pública de semelhante modalidade de ação penal. Ao ofendido defere-se, como visto, a iniciativa para a instauração da persecução penal em juízo, iniciativa essa que inclui a valoração jurídico-penal dos fatos, para fins de formação de juízo acusatório. Já veremos que de tal possibilidade não decorre a vedação ao Ministério Público de ampliação do campo temático da peça acusatória, é dizer: ao poder aditar a queixa, pode o MP incluir novos fatos e novos réus; no entanto, não poderá o parquet afastar a imputação inicialmente feita pelo ofendido. E, mais. A iniciativa deste (ofendido) permanece também em grau recursal. Ou seja: enquanto não ocorrer a hipótese do art. 29, in fine, do CPP, isto é, enquanto o Ministério Público não retomar a condição de titular exclusivo da ação, o particular manterá a iniciativa para a interposição de recurso contra decisões desfavoráveis dos interesses da acusação. É de se notar, ainda, que, nesse caso, nada impede também a interposição de recurso do Ministério Público, cuja delimitação temática, como dissemos, não se encontra igualmente subordinada à atuação do particular. Mas é importante ressaltar que tais poderes do Ministério Público não chegam ao ponto de poder ele, com a nova imputação (denúncia), reduzir o campo temático já inaugurado com a queixa. Se é verdade que ele pode ampliar esse campo, não menos verdadeira, dada a natureza pública da ação, é a conclusão no sentido de que não poderá ele ignorar ou afastar a imputação já feita pelo particular. O que a denúncia poderá validamente fazer é narrar o mesmo fato com novas circunstâncias – ou de maneira diferente, quanto às consequências –, bem como dar a ele nova definição jurídica, ou, como já afirmado, fazer novas imputações aos mesmos e/ou a outros réus. E por que o Ministério Público não poderia, uma vez oferecida a queixa subsidiária, repudiá-la e requerer o arquivamento do inquérito? Ocorre que a Constituição da República institui, como garantia fundamental, o oferecimento da ação penal privada subsidiária, conforme o disposto no seu art. 5º, LIX. Com isso, o que ali se previu foi verdadeiro direito de ação – e ação constitucional – ao particular, como instrumento de controle da atuação estatal do Ministério Público. Não se trata de direito de provocação do dormitus litis (o trocadilho refere-se à inércia do parquet), para que este acorde e manifeste-se sobre a matéria. Não. Trata-se de direito de ação, isto é, direito de submeter o caso penal à jurisdição, a quem compete dizer de sua pertinência, viabilidade ou procedência. Se a norma que defere a titularidade da ação penal ao Ministério Público é de natureza constitucional, não menos verdadeira é a conclusão no sentido de que, mesmo ali (art. 129, I, CF), ressalva-se a possibilidade de disposição legal restritiva da aludida privatividade. É de se ver: “I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.” E mais. Pode a lei, como visto, prever ações penais que não sejam públicas, ou, que sejam públicas, mas sob o controle do particular, como é o caso da ação penal subsidiária. Sobre o tema, de modo mais extenso e completo, remetemos o leitor ao nosso Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais (Editora Atlas, 2012). Podem, então, instaurar a ação privada subsidiária da pública, uma vez constatada a inércia do Ministério Público, o ofendido, ou seu representante legal, em caso de menoridade e incapacidade, e, na hipótese de sua morte ou ausência judicialmente reconhecida, as pessoas mencionadas no art. 31 do CPP (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão). O prazo para o ingresso em juízo, como vimos, é contado a partir do esgotamento do prazo do Ministério Público – ou seja, como regra, 15 dias, estando o acusado solto, e cinco dias, no caso de ele se encontrar preso –, devendo ser lembrado que há prazos distintos previstos em legislação especial, o que será objeto de abordagem mais adiante, por ocasião do exame da denúncia e da queixa. Relembre-se: o prazo a que ora nos referimos é o prazo de início do exercício da ação subsidiária da pública. Naturalmente, vencido o prazo do Ministério Público, passa a correr, também, o prazo decadencial para a propositura da aludida iniciativa do particular. Se o Código refere-se à queixa e, também, a uma ação privada subsidiária da pública, nada mais natural que se imponha, do mesmo modo, o prazo decadencial das ações privadas. No entanto, permanecemos onde estávamos: a ação é essencialmente pública, submetendo-se ao princípio da obrigatoriedade, desde que ajuizada pelo particular. Há também previsão legal (art. 80, Lei nº 8.078/90) de legitimação para as associações constituídas há mais de um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos do consumidor, bem como das entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos do consumidor, quando se tratar de crimes praticados contra o consumidor, desde que previstos na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). 5.10 Denúncia e queixa Segundo o disposto no art. 41 do CPP, a denúncia ou queixa “conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas”. As exigências relativas à “exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias” atendem à necessidade de se permitir, desde logo, o exercício da ampla defesa. Conhecendo com precisão todos os limites da imputação, poderá o acusado a ela se contrapor o mais amplamente possível, desde, então, a delimitação temática da peça acusatória, em que se irá fixar o conteúdo da questão penal. Mas, de outro lado, a correta delimitação temática, ou imputação do fato, presta-se, também, a viabilizar a própria aplicação da lei penal, na medida em que permite ao órgão jurisdicional dar ao fato narrado na acusação a justa e adequada correspondência normativa, isto é, valendo-nos de linguagem chiovendiana, dizer a vontade concreta da lei (subsunção do fato imputado à norma penal prevista no ordenamento). 5.10.1 Crimes coletivos e individualização da conduta Na hipótese de crimes praticados por mais de um agente, o membro do Ministério Público ou o querelante deverão atentar para a necessidade de se individualizar o máximo possível as ações atribuídas aos acusados, quando não for o caso de conduta realizada de modo uniforme por todos. Assim, quando se cuidar de imputação de autoria e também de participação, distinguindo-se uma e outra modalidade pelo critério formal-objetivo, segundo o qual “somente o autor realiza a conduta típica. A atividade do partícipe não é típica em si mesma” (RAMOS, 1996, p. 62), é preciso que a peça acusatória delimite, com precisão, quais seriam as ações praticadas pelos autores e aquelas realizadas pelos partícipes. É importante lembrar, no ponto, que na participação – adotando-se qualquer teoria que pretenda conceituá-la – a conduta é diversa dos atos de execução do fato criminoso. Por isso, quando não houver a correta delimitação da modalidade de contribuição para a prática do fato (autoria ou participação), ao juiz outra solução não restará senão a absolvição do partícipe, bastando que se comprove não ter ele realizado atos de execução, mas, sim, e por exemplo, de direção da atividade criminosa. É claro, também, que, mesmo tratando-se de autoria, a própria execução da empreitada delituosa pode comportar diversas ações distintas, embora todas elas componham o núcleo da conduta principal, final. Assim, na hipótese de roubo a uma instituição bancária, por exemplo, será também autor do fato a pessoa que, embora não adentrando no estabelecimento para a subtração do dinheiro, esteja prévia e estrategicamente aguardando os demais para a fuga do local do crime. Se a peça acusatória, então, imputar a todos os agentes a ação de ter ingressado no recinto e dali subtraído certa quantia em dinheiro, mediante violência, corre-se o risco da absolvição daquele autor que, embora não tenha assim atuado, realizou também atos de execução diversos dos demais, mas compreendidos no núcleo da atividade criminosa (fuga eficiente). O que deve ser observado, pois, é a exigência de individualização da conduta, até mesmo porque, segundo o disposto no art. 29 do CP, os autores e partícipes incidem nas penas cominadas ao crime na exata medida das respectivas culpabilidades. 5.10.2 Acusação genérica e acusação geral Não é incomum, sobretudo no âmbito da jurisprudência dos Tribunais – Superiores e de segunda instância – encontraremse decisões rejeitando a denúncia nos crimes societários, isto é, nos crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90), financeira (Lei nº 7.492/86) ou previdenciária (incluídos na Parte Especial do Código Penal, por força da Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000), por inépcia da inicial, em razão de suposta imputação genérica. É preciso, porém, distinguir o que vem a ser acusação genérica e acusação geral. Como já visto, a correta delimitação das condutas, além de permitir a mais adequada classificação (tipificação) do fato, no que a exigência neste sentido estaria tutelando a própria efetividade do processo, presta-se também a ampliar o campo em que se exercerá a atividade de defesa, inserindo-se, portanto, como regra atinente ao princípio da ampla defesa. Ocorre, entretanto, que quando o órgão da acusação imputa a todos, indistintamente, o mesmo fato delituoso, independentemente das funções exercidas por eles na empresa ou sociedade (e, assim, do poder de gerenciamento ou de decisão sobre a matéria), a hipótese não será nunca de inépcia da inicial, desde que seja certo e induvidoso o fato a eles atribuídos. A questão relativa à efetiva comprovação de eles terem agido da mesma maneira é, como logo se percebe, matéria de prova, e não pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo. Com efeito, quando se diz que todos os sócios da determinada sociedade, no exercício da sua gerência e administração, com poderes de mando e decisão, em data certa, teriam deixado de recolher, “no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros” (atual art. 168-A, CP), está perfeitamente delimitado o objeto da questão penal, bem como a respectiva autoria. Não há, em tais situações, qualquer dificuldade para o exercício da defesa ou para a correta capitulação do fato imputado aos agentes. A hipótese não seria de acusação genérica, mas geral. Acaso seja provado que um ou outro jamais teriam exercido qualquer função de gerência ou administração na sociedade, ou que cumpriam função sem qualquer poder decisório, a solução será de absolvição, mas nunca de inépcia. É nesse sentido a decisão da Suprema Corte, no julgamento do HC nº 85.579/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, 24.5.2005 (Informativo STF nº 389, 1.6.2005). E, mais: STF – HC nº 97.675/SP, Rel. Min. Lewandowski, 1ª Turma, julgado em 10.11.2009. Questão diversa poderá ocorrer quando a acusação, depois de narrar a existência de vários fatos típicos, ou mesmo de várias condutas que contribuem ou estão abrangidas pelo núcleo de um único tipo penal, imputá-las, genericamente, a todos os integrantes da sociedade, sem que se possa saber, efetivamente, quem teria agido de tal ou qual maneira. Nesse caso, e porque na própria peça acusatória estaria declinada a existência de várias condutas diferentes na realização do crime (ou crimes), praticadas por vários agentes, sem especificação da correspondência concreta entre uma (conduta) e outro (agente), seria possível constatar a dificuldade tanto para o exercício amplo da defesa quanto para a individualização das penas. A hipótese seria de inépcia da inicial, por ausência de especificação da medida da autoria ou participação, por incerteza quanto à realização dos fatos. O que deve ser observado, pois – e insistimos nisso –, é o preenchimento, pela peça acusatória, das exigências relativas à tutela da efetividade do processo (correta classificação do fato, pelo juiz) e da ampla defesa. Somente sob tal perspectiva explica-se a orientação jurisprudencial no sentido de que, tratando-se de crimes de autoria coletiva, é admitida uma imputação geral aos acusados, reservando-se à fase instrutória a delimitação precisa de cada uma delas (HC nº 22.265/BA, STJ, DJ, I, 17.2.2003). 5.10.3 Aditamento O aditamento da peça acusatória pode ocorrer tanto para fins de inclusão de coautores ou partícipes quanto para a inclusão de fatos novos. No que se refere às ações penais públicas, nenhuma dificuldade, já que, enquanto não prescrito o crime, a denúncia poderá ser aditada, devendo apenas ser observada a questão relativa à conveniência procedimental do aditamento, já que este, seja para a inclusão de fatos novos (de ação pública), seja de outros réus, poderá ensejar, via de regra, a reabertura de fase instrutória já em curso ou encerrada. Assim, embora perfeitamente possível o aditamento, é preciso que seja ele também oportuno e conveniente. É preciso, aqui, fazer uma importante distinção: uma coisa é o aditamento da peça acusatória antes da fase de sentença, isto é, antes do encerramento da fase instrutória. Dissemos que ele (aditamento) será possível, devendo-se observar a utilidade da medida, já que ela poderá implicar a reabertura da ação, tudo a depender da matéria tratada no aditamento. Coisa diferente, mas que também implica o aditamento, diz respeito à mutatio libelli prevista no art. 384, do CPP. Ali, o aditamento a ser feito pelo Ministério Público, em ação penal pública, decorrerá da constatação da presença de elementos ou circunstâncias não contidas na acusação e que modificam os fatos imputados ao acusado. A alteração não será unicamente da questão de direito (capitulação legal dos fatos), como ocorre na emendatio libelli (art. 383, CPP), mas do próprio fato ou fatos, mantendo-se, porém, o núcleo essencial da conduta. Nessa modalidade de aditamento (art. 384, CPP), o próprio CPP já prevê as providências a serem adotadas (§ 2º, § 3º, § 4º), não havendo necessidade de reinício da ação. Já o veremos em detalhes, ao exame dos atos judiciais (13.2.3.3). No que se refere à queixa, porém, a questão assume contornos mais complexos, no que respeita especificamente à inclusão de coautores ou partícipes, diante da possibilidade da existência de renúncia tácita, anterior, em relação a eles. Como já mencionamos, prevalece, em sede doutrinária e jurisprudencial, a impossibilidade de o Ministério Público poder aditar a queixa para fins de nela incluir coautor ou partícipe não apontado pelo querelante. Sustenta-se que faltaria a ele legitimidade ativa. Também já apontamos o equívoco de tal posicionamento, que terminaria por deferir ou à autoridade policial ou ao próprio querelante o juízo de valoração jurídico-penal acerca da delituosidade do fato submetido à jurisdição penal. A nosso aviso, como visto, a norma legal (art. 48, CPP) que atribui ao Ministério Público a função e o poder de velar pela indivisibilidade da ação privada (que convive, em plena harmonia, com aquela do art. 45, CPP, que confere ao parquet a função de custos legis na ação privada) dá a ele não a legitimação ativa, mas o poder de zelar pela efetiva responsabilização penal de todos os autores do fato criminoso, e não apenas daqueles que, aos olhos do querelante ou da autoridade policial, apresentem-se como tais. No ponto, remetemos o leitor ao exame do tópico atinente à indivisibilidade da ação privada, 5.7.3 retro. Observe-se, ainda, que o prazo decadencial para o exercício da ação privada somente tem início na data em que o ofendido ou legitimado vem a saber quem é o autor do fato. Por isso, se a autoria somente é revelada na fase de ação já em curso, não haveria qualquer impedimento ao aditamento da queixa para a inclusão do coautor ou partícipe, se no prazo. No que se refere ao aditamento para inclusão de fatos novos, não há impedimento algum para tal, desde que se trate de fato cuja persecução deva ser feita por meio de ação privada e desde que não tenha operado, em relação a ele, a decadência do direito de ação. Por fim, é de se anotar que a queixa poderá ser aditada pelo Ministério Público, no prazo de três dias (art. 46, § 2º, CPP), conforme prevê expressamente o art. 45 do CPP, para fins de inclusão de dados não essenciais, mas importantes, para o julgamento da causa, tal como ocorre, por exemplo, com o esclarecimento acerca de eventuais omissões relativas à data precisa do fato, correta identificação do querelado e de alguma outra circunstância eventualmente relevante. O que é expressamente vedado ao Ministério Público é o aditamento da queixa para inclusão de fatos novos, cuja persecução somente seja possível via ação privada. Aí, sim, faltaria a ele legitimidade ativa. Como já vimos, tratando-se de ação penal privada subsidiária da pública (que, na realidade, tem natureza pública), o Ministério Público tem ampla margem para o aditamento, podendo incluir tanto fatos novos quanto novos autores e partícipes, valendo, aqui, as mesmas observações acerca da conveniência do aditamento: embora possível, ele pode se revelar inconveniente, uma vez que poderá – em regra – reabrir toda a fase de instrução criminal. Dependendo, pois, da situação concreta, isto é, da época em que se dará o aditamento, o mais conveniente poderá ser a instauração de nova ação penal, tal como ocorre em relação à ação penal pública. 5.10.4 Litisconsórcio Não há vedação a que se instaure litisconsórcio ativo entre o Ministério Público e o querelante, devendo, porém, cada um oferecer a respectiva peça de acusação, isto é, manifestar a correspondente iniciativa penal. A formação do litisconsórcio poderá resultar também da aplicação das regras processuais relativas à conexão e à continência, conforme art. 79 do CPP, em relação a ações penais já instauradas e em curso, ou mesmo, em tese, por meio do ingresso conjunto da acusação. Em ambas as situações, será preciso a comprovação de conexão ou continência entre os fatos (de ação pública e de ação privada), a determinar a unidade de processo e julgamento (art. 79, CPP), desde que não esteja qualquer um deles, quando já em curso, com sentença definitiva, ainda que não transitada em julgado. Havendo divergência de rito, deve se adotar aquele que favoreça ao exercício da ampla defesa. Ou, se houver risco de tumulto processual, deve adotar a unidade de juízo e não a de processo, de maneira que estes (os processos) tramitem perante o mesmo juízo, ainda que separadamente. A matéria relativa à conexão e à continência será tratada mais adiante, no capítulo referente à competência (itens 7.8.2 e 7.8.3). 5.10.5 Prazo Em regra, o prazo para o oferecimento da denúncia ou queixa é de 15 dias, estando solto o acusado, ou de 5 dias, quando se tratar de réu preso (art. 46, CPP). Atente-se, ainda, para o disposto no art. 530, CPP, que prevê o prazo de 8 (oito) dias para o oferecimento de denúncia, em caso de réu preso, nos crimes contra a propriedade imaterial, se houver prisão em flagrante. O prazo é de natureza processual, excluindo-se o dia do início e incluindo-se o do seu término. Começa a correr da data em que o órgão da acusação recebe os autos do inquérito ou peças de informação devidamente concluídos, lembrando que, estando o réu preso, o prazo de conclusão das investigações é, em regra (há exceções, como já vimos), de dez dias (Justiça Estadual); de 15 dias prorrogáveis (Justiça Federal – Lei nº 5.010/66). Tratando-se de réu solto, se, no prazo legal, entender o órgão do Ministério Público ser necessária a adoção de novas diligências, o novo prazo somente terá início na data em que os autos retornarem com as investigações concluídas. Entretanto, tratando-se de réu preso, o prazo para o oferecimento da denúncia não poderá, em regra, ser prorrogado por meio de requerimentos de novas diligências, como ocorre quando se cuida de réu solto. E assim é porque a estipulação de prazos feita na lei constitui garantia individual de quem ainda não tenha sido condenado por sentença passada em julgado. A superação de tal prazo somente poderá ocorrer em casos excepcionais, diante da especial gravidade do delito e da complexidade das investigações, sobretudo no que respeita à correta individualização da autoria e das respectivas condutas. Conforme se verá mais adiante (item 11.7.3), a admissibilidade da apontada superação do prazo buscaria fundamento na possibilidade, abstrata, de se cumprir o prazo jurisprudencial de 86 dias de prisão cautelar, pela atuação mais célere por parte dos órgãos estatais no encerramento da instrução criminal (sobre o encerramento da instrução, ver Súmula 52, STJ). Sustentase, então, que a contagem do referido prazo (de 81 – atualmente 86 dias) deveria ser feita globalmente, e não parcialmente (isto é, contando-se prazo a prazo, para cada diligência). Já veremos que referido prazo terá que ser reconstruído pela jurisprudência e pela doutrina, em razão das profundas alterações de ritos trazidas com a Lei nº 11.719/08. De nossa parte, acreditamos que esse entendimento (superação do prazo) é aceitável, desde que, como rígida exceção, sempre pela via do juízo de proporcionalidade e de adequabilidade, que deve orientar a tarefa hermenêutica de toda construção do Direito. Mais sobre o tema no item 11.7.3. A Lei nº 11.343, de agosto de 2006, prevê o prazo de dez dias para o oferecimento da denúncia, estando preso ou solto o acusado (art. 54, III) nos crimes de tráfico de drogas. O citado dispositivo, desnecessariamente é bem de ver, repete que o Ministério Público poderá também, em igual prazo, requerer o arquivamento (I) ou requisitar diligências que julgar necessárias (II). 5.10.6 Capitulação Embora se saiba que o acusado defende-se dos fatos, e não da classificação que faz dele o órgão da acusação, o Código de Processo Penal inclui entre os requisitos da denúncia ou queixa a classificação do crime, isto é, a menção feita ao tipo penal em que o fato se enquadraria (art. 41, CPP). A exigência visa atender a duas ordens distintas de interesses. A primeira é relativa à afirmação inicial da competência jurisdicional, isto é, diante das regras de distribuição de competência constantes da Constituição Federal e das leis de organização judiciária, em que são fixadas varas especializadas para o julgamento de determinadas infrações penais (trânsito, tóxicos, crimes dolosos contra a vida etc.), a tipificação inicial demarcaria o juízo competente para a apreciação da matéria. Obviamente, a definição final acerca da competência e mesmo da correta capitulação pertence ao órgão julgador. Por isso, referimo-nos à afirmação inicial da competência apenas para fins de distribuição. A segunda razão da exigência se localizaria no âmbito da ampla defesa, vedando, de um lado, acusações não lastreadas em convencimento explícito quanto ao direito a ser aplicado, na ausência de capitulação, e, de outro, permitindo ao acusado, desde logo, o conhecimento, o mais completo possível, da pretensão punitiva contra ele instaurada (ainda que inadequada ou incorreta a capitulação). Seja como for, o equívoco, e não a ausência, na capitulação ou tipificação, não é causa de inépcia da denúncia ou queixa, precisamente em razão de a lei prever a possibilidade da emendatio libelli, ou seja, a correção e adequação da classificação do crime a ser feita pelo juiz da causa, no momento da sentença (art. 383, caput, CPP: “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”). Mais diremos sobre o tema, no espaço adequado (item 13.2.3.2). A ausência de qualquer capitulação dos fatos, todavia, pode justificar a sua rejeição, por inépcia (art. 395, I, CPP). Não pela impossibilidade de sua correção, ao longo do processo, mas por violação ao princípio da ampla defesa, na medida em que não se pode exigir que o defensor técnico especule sobre todas as possibilidades de enquadramento do fato, para afastar a imputação. Evidentemente, haverá exceções. Mas, repita-se: exceções (exemplo: o homicídio doloso – art. 121 – na sua forma simples). Por isso, pensamos que a ausência de capitulação da incidência dos acréscimos resultantes do concurso de crimes (arts. 69, 70 e 71, todos do CP) poderá, em princípio, justificar a rejeição da denúncia ou da queixa, pelas razões que já declinamos (afinal, qual regra de concurso seria aplicada?). Evidentemente, se na narrativa do fato, com suas circunstâncias, se esclarecer que as ações teriam sido praticadas na situação, por exemplo, do art. 71 (aproveitando-se o agente das mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução), faltando apenas a referência ao art. 71, CP, não se poderá falar em inépcia e nem em prejuízo à atividade defensiva. Não por outra razão se exige a participação de defensor técnico – advogado regularmente habilitado – em todas as fases do processo. 5.10.7 Rejeição Nos termos do art. 395 do CPP, a denúncia ou queixa será rejeitada quando “for manifestamente inepta (I), faltar pressuposto processual ou condição para o efetivo exercício da ação penal (II), ou faltar justa causa para o exercício da ação penal (III)”. Em boa hora a Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, veio corrigir um antigo defeito de origem de nossa legislação processual penal, que, no revogado Código de Processo Penal, misturava, indevidamente, questões processuais com questões de mérito, ao tratar de causas extintivas da punibilidade e de atipicidade (mérito), no mesmo espaço que as condições da ação (processuais). Nada obstante, a decisão judicial que as reconhecia, tanto a presença de causa extintiva da punibilidade ou da atipicidade do fato, ostentava eficácia preclusiva típica de coisa julgada material, uma vez que impedia a reabertura da discussão não só naquele processo, mas em qualquer outro. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal: HC nº 80.560 – Informativo STF nº 218 e HC nº 66.625/SP (RTJ 127, p. 193). Atualmente não há mais qualquer razão para divergências. O atual art. 397 do CPP, com a redação dada pela citada Lei nº 11.719/08, reconduziu ambas as situações ao plano do mérito da ação penal, prevendo a sentença de absolvição sumária, quando o fato narrado não constituir crime (III), estiver extinta a punibilidade (IV), e, ainda, estiver presente causa excludente da ilicitude (I) e causa excludente da culpabilidade, salvo inimputabilidade (II). E com a revogação também do art. 581, VI, do CPP, pelo art. 4º, da Lei nº 11.689/08, acabando com a possibilidade de recurso em sentido estrito da decisão de absolvição sumária no júri, pensamos que o recurso contra tal modalidade de decisão – aquelas do art. 397, CPP – deverá seguir o mesmo caminho, ou seja, desafiando recurso de apelação, nos termos do disposto no art. 416, CPP, com a redação dada pela mesma Lei (nº 11.698/08). Embora a aludida disposição se encontre situada no procedimento do Tribunal do Júri, a modalidade de decisão judicial é a mesma (absolvição sumária) em um e outro caso, devendo receber o mesmo tratamento recursal. Valem aqui todas as observações que dissemos em relação aos requisitos da denúncia ou queixa, na medida em que, por inépcia da peça acusatória, se deve entender justamente a não satisfação das exigências legais apontadas no art. 41 do CPP. Inepta é a acusação que diminui o exercício da ampla defesa, seja pela insuficiência na descrição dos fatos, seja pela ausência de identificação precisa de seus autores. Equívocos na tipificação não inviabilizam a apreciação da causa penal, como já aqui mencionamos, exatamente pelo fato de não turbarem o exercício da ampla defesa. O prejuízo, porém, haverá de ser aferido pelo exame cuidadoso de cada situação concreta, de modo a se poder apontar a deficiência ou até a impossibilidade da atuação defensiva, se e quando decorrente da fragilidade da peça acusatória. Tal ocorrerá, sobretudo, e como dissemos, em relação à narração dos fatos imputados ao(s) acusado(s). Quanto à rejeição da denúncia por ilegitimidade de parte ou pela ausência de qualquer outra condição exigida pela lei (as chamadas condições de procedibilidade), impende ressaltar que, ainda que equivocadamente recebida a peça acusatória, poderá o juiz posteriormente extinguir o processo sem o julgamento do mérito, na forma do disposto no art. 485, IV, do CPC/2015, perfeitamente aplicável à espécie, por analogia. Mesmo que assim não seja, ou que assim não se admita, haveria ainda uma outra solução válida, mas que implica a escolha de um caminho muito mais longo, do ponto de vista lógico, cuja consequência prática será a mesma: restaria ao juiz, valendo-se do disposto no art. 564, II, do CPP, anular todos os atos até então praticados, incluindo o ato judicial de recebimento da denúncia, para, feito isso, rejeitá-la por ilegitimidade de parte. E mais. Poderia agir do mesmo modo em relação a quaisquer outras condições da ação e/ou pressuposto de existência do processo, valendo-se, para tanto, da aplicação analógica do art. 564, II, e III, e, CPP. Outra questão relevantíssima sobre o tema diz respeito ao chamado controle judicial do recebimento da denúncia. Embora a classificação dada ao fato na denúncia ou queixa não implique a vinculação do juiz a ela, casos ocorrerão em que, da simples narrativa da imputação, poder-se-á perceber o erro na classificação, daí resultando alterações significativas no processo. Nos casos, por exemplo, em que é vedada (de modo inconstitucional, como veremos) a aplicação de liberdade provisória, com ou sem fiança, nada impede o juiz de, provisoriamente, alterar a tipificação dada, para ampliar a tutela de direito fundamental (a liberdade). Outro exemplo: narrado fato que se procede mediante queixa, a capitulação equivocada, como se crime de ação pública fosse, poderá conduzir à ilegitimidade de parte, devendo o juiz, desde logo, adequar o fato narrado às consequências de direito, para o fim de rejeitar a inicial por ilegitimidade ativa. No caso de rejeição da peça acusatória, tendo sido interposto recurso em sentido estrito (art. 581, I, CPP), deve-se intimar o réu para a apresentação de contrarrazões ao recurso, conforme jurisprudência sumulada na Suprema Corte (Súmula 707: “Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”). Não resta dúvida de que a providência é mesmo salutar, inserindo-se no contexto da ampla defesa. Observaríamos, todavia, que, inexistindo ainda a citação do acusado, a sua intimação pode parecer no mínimo inadequada. Mas pode-se explicar a opção pela aludida providência (intimação, e não citação) exatamente pelo fato de que, em processo penal, a citação do réu é prevista para o recebimento da inicial (art. 396, CPP). Assim, e como a intimação é o meio pelo qual ocorre conhecimento ao acusado acerca da existência e da prática de qualquer ato do processo (art. 370, CPP), não há por que endereçar mais objeções à referida opção. 5.10.8 Omissões Nos termos do disposto no art. 569 do CPP, as omissões da denúncia, queixa ou da representação poderão ser supridas a qualquer tempo, antes da sentença final. Por omissões, devem-se entender aqueles dados não essenciais não constantes na denúncia ou queixa, passíveis apenas de esclarecimentos quanto à matéria de fato e de direito, e desde que não impliquem a modificação da imputação, o que ocorreria, por exemplo, se se permitisse a inclusão de fatos e coautores e partícipes novos, somente possível por meio do aditamento, após o ajuizamento da ação, ou, como veremos, por meio de mutatio libelli, providência equivalente ao aditamento prevista no art. 384 do CPP, somente cabível no âmbito das ações penais públicas, e a ser adotada pelo Ministério Público, após o encerramento da fase instrutória, conforme os termos trazidos pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008. Em relação à ação pública condicionada à representação, releva notar que a jurisprudência dos tribunais vem admitindo o aproveitamento da ação penal já instaurada, ainda que mediante representação oferecida por quem não tinha tal capacidade, desde que a ratificação dela seja feita por quem a tenha antes da decisão final. Como logo se percebe, a solução não é das melhores, mas, levando-se em consideração o fato de já ter sido divulgada a existência do crime e, ainda, a intenção posteriormente manifestada de sua punibilidade (pela aludida ratificação), parece-nos compreensível semelhante orientação jurisprudencial. É exemplo também de suprimento tempestivo de omissão – se antes da decisão final – a retificação de eventuais equívocos constantes do mandato outorgado ao advogado para o exercício de queixa ou de representação. 5.11 Extinção da punibilidade A doutrina processual penal costuma dedicar capítulo específico às causas extintivas da punibilidade, matéria que nos parece mais adequada ao foro do Direito Penal. No que respeita aos seus reflexos na órbita do Direito Processual Penal, registre-se o fato de poder o juiz, em qualquer fase do processo, reconhecer presente causa extintiva da punibilidade (art. 61, CPP), podendo fazê-lo de ofício, ou mediante provocação do Ministério Público, do querelante ou do réu. Nesta última hipótese (por iniciativa dos interessados), o procedimento será autuado em apartado, ouvindo-se a parte contrária e permitindo-se, se conveniente, a produção de provas no prazo de cinco dias, seguida de decisão em igual prazo (art. 61, parágrafo único, CPP). Cuidando-se de hipótese de extinção da punibilidade pela morte do agente, somente à vista da certidão de óbito, e depois da oitiva do Ministério Público, é que se poderá declarar extinta a punibilidade (art. 62, CPP). Em todas essas situações, porém, se já ajuizada a ação, isto é, se já em curso o processo, a decisão relativa à extinção da punibilidade será de absolvição sumária, nos termos do art. 397, IV, do CPP, com redação dada pela Lei nº 11.719/08. Os casos previstos para a extinção da punibilidade, que implicam a perda superveniente da pretensão punitiva, fundados em razões exclusivamente de política criminal, vêm, em regra, arrolados no art. 107 (prescrição, decadência, perempção, renúncia, perdão, morte do agente etc.) do Código Penal e também na legislação não codificada. Outros exemplos encontram-se no atual art. 168-A, § 2º, do CP, que prevê a extinção da punibilidade pelo pagamento espontâneo da contribuição devida à Previdência Social, se realizado antes do início da ação fiscal, e no art. 34 da Lei nº 9.249/95, que prevê a extinção da punibilidade dos crimes capitulados na Lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária) pelo pagamento integral do tributo devido, quando feito antes do recebimento da denúncia. É o que ocorre também em relação ao delito previsto no art. 337-A, § 1º, do CP, cuja extinção da punibilidade ocorrerá independentemente do pagamento do crédito previdenciário, a tanto bastando a declaração e a confissão do débito, bem como as informações devidas à Previdência, desde que feitas antes do início da ação fiscal. Em relação a estes crimes previdenciários e contra a ordem tributária, releva notar, como já o afirmamos, que a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, prevê a suspensão da própria pretensão punitiva, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente de tais delitos estiver incluída no Programa de Recuperação Fiscal (Refis), e desde que a inclusão tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia. Como já visto (item 4.1.4), a Lei nº 10.684/03 estendeu a suspensão da pretensão punitiva para todo débito que se encontrar em qualquer regime de parcelamento (não só o Refis) e que se refira aos delitos capitulados nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, e arts. 168-A e 337-A, ambos do Código Penal, durante o período que durar o referido parcelamento. Ao seu final, quitados o principal e os acessórios do débito, estará extinta a punibilidade (art. 9º, Lei nº 10.684/03). Enquanto estiver suspensa a pretensão punitiva, não correrá o prazo prescricional (art. 9º, § 1º). A aludida legislação veio a ser confirmada e consolidada, enquanto política fiscal e punitiva, pela recente Lei nº 11.941/09 (ver, no ponto, arts. 68 e 69). A Primeira Turma do STF (e não o seu Plenário!) estendeu a extinção da punibilidade pelo pagamento aos crimes de descaminho (art. 334, CP), afirmando a natureza tributária de tais delitos (STF – HC 85.942/SP, Rel. Min. Luiz Fux). Uma curiosidade: nos crimes de descaminho, o perdimento dos bens dispensa a constituição do crédito tributário! Mesmo sem nos aprofundarmos no tema, mais contextualizado no campo do Direito Penal, a apontada legislação deixa antever o baixo juízo de reprovabilidade que atingiria tais condutas, com a agravante de dar tratamento equivalente a situações inteiramente diferentes, reunindo, em uma mesma solução, pequenos devedores (infrações penais de pequena monta, em geral decorrentes de dificuldades econômicas da empresa) e grandes sonegadores, quando o bem jurídico é mais duramente atingido e significativamente maior o proveito econômico obtido com a fraude. Por fim, relembre-se da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem econômica (Lei nº 8.137/90), nas hipóteses de acordo de leniência, nos termos do art. 87 da Lei nº 12.529/11. A partir da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, não mais haverá a rejeição da denúncia em razão de causa extintiva da punibilidade. Em tais situações, e segundo o disposto no art. 397, IV, CPP, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado. Ressalve-se, por certo, os casos de arquivamento de inquérito: aqui, não havendo imputação, não há que se falar em absolvição. A mudança atende às exigências técnicas do processo, dado que a extinção da punibilidade é, de fato, matéria relativa ao mérito da ação (autoria, materialidade, ser o fato criminoso e punível). E mais. Favorecerá imensamente o réu que tiver sido condenado em primeira instância e não puder ter apreciado o mérito de seu recurso no Tribunal, em razão da superveniência de causa extintiva da punibilidade. Nessas situações, a condenação, embora extinta, sempre deixa uma nódoa na reputação do réu. Nesse sentido, portanto, a exigência de absolvição sumária, ainda que inadequada sob o aspecto do julgamento em si do fato, pode ser bem recebida. E o recurso contra a decisão, então, haverá que ser o de apelação, nos termos do art. 416, do CPP.