Academia.eduAcademia.edu

Jorge de Sena, editor dos Poemas Ingleses: Uma carta desconhecida

2014, Pessoa Plural―A Journal of Fernando Pessoa Studies

RODRÍGUEZ, Mario, "Jorge de Sena, editor dos Poemas Ingleses: Uma carta desconhecida" (2014). Pessoa Plural―A Journal of Fernando Pessoa Studies, No. 6, Fall, pp. 216-227. Brown Digital Repository. Brown University Library. https://doi.org/10.7301/Z0FF3QT5 Is Part of: Pessoa Plural―A Journal of Fernando Pessoa Studies, Issue 6 Jorge de Sena, editor dos Poemas Ingleses: Uma carta desconhecida [Jorge de Sena, editor of Poemas Ingleses [English Poems]: An Unknown Letter] https://doi.org/10.7301/Z0FF3QT5 ABSTRACT Here is the transcription of a letter written by Jorge de Sena to Coronel Caetano Dias, in 1959. In the letter, Sena relates of his recent arrival in Brazil and exposes his plan of publishing some works by Fernando Pessoa: "The English Poems", some compilations of the published and the unpublished non-fiction prose, and the Book of Disquietude. RESUMO Esta é a transcrição de uma carta que Jorge de Sena escreveu para o Coronel Caetano Dias, em 1959. Nela Sena informa sobre a sua recente chegada ao Brasil e expõe os seus projectos de edição da obra de Fernando Pessoa: os Poemas ingleses, compilações da prosa já publicada e da inédita e o Livro do Desassossego. A transcrição da carta, testemunho de um momento marcante tanto na vida de Sena como da história das publicações da obra de Fernando Pessoa, está acompanhada de algumas notas explicativas e de uma breve apresentação. BIBLIOGRAFIA LOURENÇO, Jorge Fazenda (2012). “Lendo Jorge de Sena leitor de Fernando Pessoa”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.º 2, pp. 88-­‐‑114. https://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/pessoaplural/Issue2/PDF/I2A03.pdf MORAIS, Ricardo Belo de (2014). “Petrus, o mais excêntrico dos pessoanos”, in Pessoa Plural – A Journal of Fernando Pessoa Studies, n.º 5, pp. 88-­‐‑102. https://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/pessoaplural/Issue5/PDF/I5A05.pdf PESSOA, Fernando. Associações Secretas e Outros Escritos. Edição de José Barreto. Lisboa: Ática. Nova Série das Obras de Fernando Pessoa; coordenação de Jerónimo Pizarro. SARAIVA, Arnaldo (1979). “Para a história do estudo de Jorge de Sena sobre o Livro do Desassossego e para a história da publicação do Livro do Desassossego”, in Persona, n.º 3, Porto, Centro de Estudos Pessoanos, Julho, pp. 41-­‐‑45. SENA, Jorge de (1966). “21 dos 35 Sonnets de Fernando Pessoa”, in Alfa, n.º 10, Marília, Setembro, pp. 7-­‐‑24.

Jorge  de  Sena,  editor  dos  Poemas  Ingleses:   Uma  carta  desconhecida   Mario Rodríguez* Keywords     Jorge  de  Sena,  Fernando  Pessoa,  Coronel  Caetano  Dias,  correspondence,  editorial  projects.   Abstract       Here   is   the   transcription   of   a   letter   written   by   Jorge   de   Sena   to   Coronel   Caetano   Dias,   in   1959.   In   the   letter,   Sena   relates   of   his   recent   arrival   in   Brazil   and   exposes   his   plan   of   publishing   some   works   by   Fernando   Pessoa:   “The   English   Poems”,   some   compilations   of   the   published   and   the   unpublished   non-­‐‑fiction   prose,   and   the   Book   of   Disquietude.   Explanatory   notes   and   a   brief   introduction   accompany   the   transcription   of   the   letter,   testimony   of   a   defining   moment   in   both   Sena’s   life   and   the   history   of   the   editions   of   the   works  by  Fernando  Pessoa.     Palavras-­‐‑chave     Jorge   de   Sena,   Fernando   Pessoa,   Coronel   Caetano   Dias,   correspondência,   projectos   editoriais.   Resumo     Esta  é  a  transcrição  de  uma  carta  que  Jorge  de  Sena  escreveu  para  o  Coronel  Caetano  Dias,   em  1959.  Nela  Sena  informa  sobre  a  sua  recente  chegada  ao  Brasil  e  expõe  os  seus  projectos   de   edição   da   obra   de   Fernando   Pessoa:   os   Poemas   ingleses,   compilações   da   prosa   já   publicada  e  da  inédita  e  o  Livro  do  Desassossego.  A  transcrição  da  carta,  testemunho  de  um   momento   marcante   tanto   na   vida   de   Sena   como   da   história   das   publicações   da   obra   de   Fernando   Pessoa,   está   acompanhada   de   algumas   notas   explicativas   e   de   uma   breve   apresentação.       *  Universidade  Federal  de  Integração  Latino-­‐‑Americana.   Rodríguez Jorge de Sena Num  artigo  sobre  Jorge  de  Sena  e  Fernando  Pessoa,  publicado  nesta  mesma   revista,   Jorge   Fazenda   Lourenço   lembra   as   seguintes   palavras   de   Mécia   de   Sena   sobre  o  seu  marido:  “Poucas  pessoas  terão  como  Jorge  de  Sena  contribuído  tanto,   por   tão   largo   tempo   e   desde   tão   cedo,   para   o   entendimento   e   divulgação   de   Fernando  Pessoa  –  os  escritos  estão  aí  e  as  datas  deles  para  o  provarem”  (2012:  90).   Entre  os  testemunhos  que  provam  a  dimensão  dessa  contribuição,  pode  incluir-­‐‑se  a   carta  que  hoje  é  apresentada.     A  carta,  de  27  de  Dezembro  de  1959,  foi  escrita  por  Jorge  de  Sena,  no  Brasil,   e   tem   como   destinatário   o   Coronel   Francisco   Caetano   Dias,   cunhado   de   Pessoa   (marido   da   sua   meia-­‐‑irmã,   D.   Henriqueta   Madalena   Nogueira   Rosa   Dias),   que   custodiava,   nessa   altura,   o   espólio   do   criador   dos   heterónimos.   O   propósito   principal  da  carta  é  solicitar  o  envio  da  cópia  dos  originais  dos  poemas  escritos  em   inglês   por   Pessoa   para,   assim,   poder   avançar   com   a   edição   bilingue   dos   mesmos,   tal   como   tinha   sido   combinado   com   os   responsáveis   da   editora   Ática.   Jorge   de   Sena,  junto  com  Adolfo  Casais  Monteiro,  tinha  encetado  a  tradução  desse  conjunto   de   poemas   e   esperava   concluí-­‐‑la   no   início   da   década   de   1960,   aproveitando   as   condições  favoráveis  que  lhe  oferecia  o  seu  novo  trabalho:  professor  universitário   em   São   Paulo.   Hoje   sabemos   que   a   tradução   chegou   a   ser   concluída,   mas   muito   depois  do  que  fora  projectado.  A  edição  dos  Poemas  ingleses,  que  tem  como  prefácio   o  longo  ensaio  de  Sena  “O  heterónimo  Fernando  Pessoa  e  os  poemas  ingleses  que   publicou”,  só  veio  à  luz  em  1974,  vários  anos  depois  de  o  poeta  e  crítico  português   ter  deixado  o  Brasil  e  se  estabelecer  na  Califórnia.   Na  carta,  além  de  se  referir  ao  projecto  dos  “Poemas  ingleses”,  Sena  refere   estar  interessado  em  começar  a  preparar  a  edição  da  prosa  publicada  em  vida  por   Fernando   Pessoa,   atendendo   às   exigências   da   opinião   e   da   crítica   “em   Portugal   e   no  Brasil”.  O  interesse  pela  prosa  pessoana  –  lê-­‐‑se  na  carta  –  tinha  crescido  a  par  da   divulgação  dos  textos  do  autor,  nomeadamente  depois  do  aparecimento  de  Páginas   de   Doutrina   Estética   (1946).   Este   volume,   organizado   por   Sena,   foi   “a   primeira   reunião   de   textos   críticos   e   ensaísticos   de   Pessoa”   (Lourenço,   2012:   92).   Na   sua   carta   ao   Coronel   Caetano   Dias,   Sena   exprime   o   seu   desejo   de   que   a   Ática,   como   editora   oficial   da   obra   de   Pessoa,   não   só   reedite   o   volume   Páginas   de   Doutrina   Estética  e  divulgue  alguns  textos  em  prosa  inéditos  do  poeta,  mas  determine,  ainda,   a  organização  de  volumes  em  que  se  possam  incluir  aqueles  textos  que  na  década   de  1950  circulam  em  edições  não  oficiais  e  menos  rigorosas,  tais  como  as  de  Petrus,   pseudónimo   por   que   era   conhecido   Pedro   Veiga,   o   apaixonado   editor   e   crítico   pessoano  do  Porto.   Como   projecto   independente   do   anterior,   Sena   menciona   também   o   interesse  que  teria  em  organizar  a  primeira  edição  do  Livro  do  Desassossego.  Como   hoje  se  sabe,  Sena  chegou,  de  facto,  a  formalizar  um  acordo  inicial  com  a  Ática  para   a   realização   deste   projecto.   Contudo,   o   tamanho   da   empresa   era   muito   grande;   maior  do  que  Sena  imaginara  por  volta  de  1960,  como  é  possível  perceber  por  uma   Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014) 217 Rodríguez Jorge de Sena observação  da  carta:  “só  escassos  fragmentos  [do  livro]  não  são  inéditos”.  Sena  não   estava  em  Lisboa  –  nem  podia  estar  em  tempos  de  Salazar  –  e  era  difícil  editar  mais   de  quatrocentos  ou  quinhentos  fragmentos  à  distância  e  sem  um  acesso  directo  ao   material   autógrafo.   De   facto,   Pessoa   tinha   dado   a   conhecer   menos   de   dez   trechos   em   vida...   Infelizmente,   os   inúmeros   desafios   que   a   edição   do   Livro   colocava,   levaram   Sena   a   abandonar   definitivamente   o   empreendimento   em   1969   (sobre   a   história   da   publicação   do   livro,   ver:   «Para   a   história   do   estudo   de   Jorge   de   Sena   sobre   o   Livro   do   Desassossego   e   para   a   história   da   publicação   do   Livro   do   Desassossego»,  de  Arnaldo  Saraiva,  1979).   Como  se  indicou  acima,  Sena  escreve  a  carta  de  27.12.1959  no  Brasil,  país  a   que   tinha   chegado   poucos   meses   antes,   depois   de   aceitar   o   convite   para   assumir   uma  cátedra  de  Teoria  da  Literatura,  em  Assis.  No  Brasil  começou  o  seu  errar  “de   terra   em   terra”,   à   espera   de   que   em   Portugal   soprassem   “melhores   ares”,   para   retomar  as  palavras  com  que  na  carta  alude  ao  ansiado  fim  do  regime  de  António   de   Oliveira   Salazar.   Mal   podia   Sena   prever,   em   1959,   que   o   fim   da   ditadura   só   chegaria  muitos  anos  depois,  em  1974,  e  que  mesmo  após  esse  desfeito,  ele,  Sena,   não  voltaria  a  residir  em  Portugal.  A  morte  veio  encontrá-­‐‑lo  em  Santa  Bárbara,  em   1978.     Parte   do   valor   da   carta   ora   apresentada   encontra-­‐‑se   no   facto   de   ser   uma   espécie   de   instantânea   de   um   momento   importante   na   vida   seniana   e   na   história   das  publicações  da  obra  pessoana.  Instantânea  cujo  contexto  podemos  reconstruir   imaginariamente,   com   o   auxílio   dos   dados   e   dos   estudos   que   temos   sobre   estes   dois  grandes  e  multifacetados  escritores  portugueses.       Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014) 218 Rodríguez Jorge de Sena                                              ,  27/12/959   Meu  muito  prezado  Amigo1     A   minha   partida   para   o   Brasil,   em   princípios   de   Agosto,   quando   o   meu   querido  amigo  não  se  encontrava  já  em  Lisboa,  não  me  permitiu  despedir-­‐‑me  como   devia.   De   resto,   ao   vir   participar,   a   convite   do   Governo   Brasileiro,   no   Colóquio   Internacional   da   Bahia,   eu   mal   podia   prever   que   iria   de   terra   em   terra,   depois,   fazendo  conferências  (fiz  uma  lição  sobre  Fernando  Pessoa  na  Faculdade  Nacional   de   Filosofia,   no   Rio   de   Janeiro,   como   sobre   ele   era   a   tese   que   ao   Colóquio   apresentei2),   e   que,   hesitando   entre   vários   convites,   aceitaria   uma   cátedra   confortável   de   “Teoria   da   Literatura”   aqui,   em   S.   Paulo.   Minha   família   –   com   os   meninos  todos  –  veio  ter  comigo  em  meados  de  Outubro,  e  aqui  estamos  para  uns   anos,  a  menos  que  em  Portugal  me  queiram  para  Presidente  da  República...   Tenho   aqui   excepcionais   condições   de   trabalho   que   em   Lisboa   eram   impossíveis,   e   pude   enfim   saltar   para   o   exercício   integral   das   letras   e   para   uma   cátedra  universitária,  que  eram  em  verdade  os  meus  sonhos.   Estou   activamente   preparando,   conforme   a   combinação   com   a   Ática,   a   edição  bilingue  dos  “Poemas  Ingleses”  de  Fernando  Pessoa,  que  ficará  uma  edição   monumental,  com  magno  prefácio,  notas,  variantes,  etc.  O  nosso  amigo  Dr.  Casais   Monteiro  está  traduzindo  uma  parte  dos  poemas.  Como  poderia  eu,  esmagado  de   trabalhos  em  Portugal,  preparar  tais  monumentos?     E,   a   este   propósito,   eu   precisava   da   colaboração   urgente   do   meu   Ex.mo   Amigo.  Eu  tenho  comigo  –  e  devo-­‐‑os  em  parte  à  sua  gentileza,  quando  me  ofereceu   os   folhetos   que   eu   não   possuía   –   todos   os   poemas   ingleses   que   Fernando   Pessoa   imprimiu.  A  edição  a  esses  que  ele  publicou  apenas  se  refere.  Mas  eu  precisava  que   V.   Ex.ia   me   mandasse   microfilmar   e   me   remetesse   os   originais   dactilografados   ou   manuscritos   (se  é  que  existem,  que  eu  nunca  os  vi)  desses  poemas,  constantes  do   espólio:  35  Sonnets,  Antinous,  English  Poems  I  –  II  –  III.  Pelo  correio,  com  a  indicação   do   que   se   trata   e   de   que   vêm   para   uma   Universidade,   não   há   complicações   alfandegárias  com  a  remessa.  Seria  um  grande  favor,  que  contribuiria  para  eu  mais   melhorar  a  edição3.    Como  se  indicou  na  nota  de  apresentação,  o  destinatário  da  carta  é  o  Coronel  Francisco  Caetano   Dias.   2  O  texto  apresentado  por  Jorge  de  Sena  no  Colóquio  da  Bahia,  em  1959,  foi  “O  poeta  é  um  fingidor’   (Nietzsche,  Pessoa  e  outras  coisas  mais)”.       3   A   edição   foi   publicada   em   1974.   Anteriormente,   em   1966,   numa   revista   publicada   no   Estado   de   São   Paulo,   pelo   Departamento   de   Letras   da   Faculdade   de   Filosofia,   Ciências   e   Letras   de   Marília,   Sena   tinha   publicado   um   esboço   deste   trabalho,   com   o   título   “21   dos   35   Sonnets   de   Fernando   1 Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014) 219 Rodríguez Jorge de Sena Conforme  conversamos  já,  é  a  altura  de  começarmos  a  preparar  a  publicação   das   prosas,   o   que   a   opinião   pública   e   a   crítica,   em   Portugal   e   no   Brasil,   já   insistentemente   reclamam.   Como   à   Ática   tive   ocasião   de   expor,   quando   sobre   o   assunto   fui   consultado,   eu   creio   que,   agora   que   tanta   mais   prosa   impressa   pelo   Pessoa   (e   que   desconhecida   era)   foi   sendo   revelada   pelos   curiosos,   não   podemos,   sem   nos   sujeitarmos   a   severas   críticas   e   mesmo   a   um   revés   editorial,   pura   e   simplesmente   reeditar   as   Páginas   de   Doutrina   Estética   quais   eu   as   organizei   com   o   que   há   12   anos   descobrira4.   Estas   “Páginas”   que   tão   úteis   e   meritórias   foram   (independentemente  de  mim),  para  o  renome  do  Poeta,  têm  de  ser  transformadas   na   compilação   de   todos   os   artigos   que   Pessoa   em   vida   publicou   e   agora   se   conhecem,   e   andam   dispersos   por   folhetos   ocasionais   ou   por   aquelas   maroteiras   editoriais  do  Petrus  tripeiro5.  Isto,  dentro  das  dimensões  normais  dos  volumes  das   “Obras  Completas”,  dará  uns  3  ou  4  volumes,  nos  quais  os  artigos  e  escritos  vários   iriam  sendo  arrumados  por  ordem  cronológica,  que  é  a  única  que  podemos  usar  sem   perigo  com  um  homem  que  tudo  o  que  escrevia  de  política,  de  contabilidade,  etc,   etc,  era  “doutrina  estética”.  Amplamente  anotados,  os  artigos  constituiriam  assim  o   “corpus”  da  prosa  publicada.  Os  perigos  inerentes  ao  artigo  da  Maçonaria,  que  é  do   fim   da   vida,   ficariam   assim   arredados   para   um   último   volume,   cuja   publicação   poderíamos   protelar...   até   melhores   ares6.   E,   entretanto,   poderíamos   começar   a   organizar  a  publicação  da  prosa  inédita,  que  tanta  há  nas  “arcas”,  e  mesmo  publicá-­‐‑ la,   pouco   a   pouco,   quando   um   ou   dois   volumes   da   já   conhecida   estivessem   Pessoa”.  Na  nota  de  apresentação  desse  escrito,  o  autor  explica:  “Em  1958,  traduzi  e  publiquei,  na   página  literária  de  O  Comércio  do  Porto,  de  9  de  Setembro,  ‘Inscriptions,  catorze  pequenos  poemas’.  E,   quando  me  fixei  no  Brasil,  em  1959,  trazia  comigo  a  obrigação  contratual  de  fazer  a  edição  bilingue,   para   as   Obras   Completas   da   Ática   editora   (o   editor   oficial   de   Pessoa),   dos   poemas   ingleses   não-­‐‑ inéditos.  Traduzi  e  entreguei  à  editora  Antinous,  e  alguns  poemas  dispersos  em  revistas  ou  estudos   sobre   Pessoa.   E   convoquei   Casais   Monteiro   a   retomarmos   a   tarefa   de   traduzir   os   sonetos.   Faltava   traduzir   vinte,   porque   eu   trazia   a   tradução   do   I,   que   José   Blanc   de   Portugal   fizera.   Dos   catorze   publicados   com   tradução,   esta   havia   sido   feita,   para   8   (II,   III,   V,   XI,   XIII,   XVII,   XXVIII,   XXIX)   por   Casais  Monteiro,  para  4  (X,  XIV,  XV,  XXVII)  por  mim,  e  de  2  (XXI  e  XXV)  a  tradução  era  de  ambos.   Dos   restantes   vinte,   traduzimos   conjuntamente   4   (XVI,   XXIV,   XXVI,   XXX),   tendo   eu   traduzido   os   outros  16”  (Sena,  1966:  8).   4   Segundo   Jorge   Fazenda   Lourenço,   Sena   trabalhou   na   organização   de   Páginas   de   Doutrina   Estética   entre  1944  a  1946.  O  volume  foi  impresso  a  27  de  Dezembro  de  1946,  mas  só  apareceu  em  livrarias   no  início  de  1947  (ver  Lourenço,  2012:  93).     5  Em  relação  a  Pedro  Veiga  (Petrus)  e  ao  seu  amplo  e  polémico  trabalho  de  divulgação  das  obras  de   Pessoa  durante  a  década  de  1950  e  1960  no  Porto,  ver  Morais  (2014).   6   Sena   alude   ao   momento   em   que   chegasse   ao   fim   o   regime   ditatorial   de   Antonio   de   Oliveira   Salazar,  regime  que  o  levou  a  deixar  Portugal.  O  artigo  de  Pessoa  sobre  a  Maçonaria,  a  que  se  refere   pouco  antes,  é  “Associações  Secretas”,  aparecido  no  Diário  de  Lisboa  de  4  de  Fevereiro  de  1935.  Nele   Pessoa  faz  uma  defesa  pública  da  Maçonaria,  que  passaria  a  ser  banida  por  um  projecto  de  lei  que   estava  em  discussão.  Esse  artigo,  que  marca  a  ruptura  definitiva  de  Pessoa  com  o  regime  de  Salazar,   será   proibido   de   ser   republicado   pela   censura,   o   que   impediu   qualquer   tipo   de   réplica   de   Pessoa   aos  ataques  que  lhe  foram  dirigidos.  Para  mais  informação  sobre  o  assunto,  ver  o  posfácio  de  José   Barreto  ao  volume  Associações  Secretas  e  Outros  Escritos  (2011).         Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014) 220 Rodríguez Jorge de Sena publicados.   Deste   modo,   parece-­‐‑me,   satisfaríamos   gregos   e   troianos,   sem   quaisquer  riscos.   Todavia,   à   parte   dos   Poemas   Ingleses   desta   organização   das   prosas,   há   uma   prosa   que   toda   a   gente   reclama   e   que   temos   de   publicar.   É   o   celebrado   Livro   do   Desassossego,   do   heterónimo   Bernardo   Soares,   de   que   só   escassos   fragmentos   não   são  inéditos.   Para   a   organização   das   “prosas   publicadas”   tenho   comigo   aqui   todo   o   material  necessário  e,  oportunamente,  solicitaria  alguma  pequena  coisa  necessária   mais.  Para  o  Livro  do  Desassossego,  do  qual  eu  poderia  encarregar-­‐‑me  (bastaria  que   os   fragmentos   fossem   microfilmados   ou   fotocopiados   (técnica   preferível   à   cópia   dactilográfica   em   matéria   de   tamanha   responsabilidade,   pois   que   até   evita   o   manuseio,   por   parte   de   estranhos,   de   papéis   preciosíssimos),   seria   útil   para   os   cotejos   e   revisões   a   colaboração   da   Dr.a   Helena   Cidade   Moura,   filha   do   Prof.   Hernani   Cidade,   minha   Amiga   e   assistente   literária   da   Ática.   Suponho   que   ela   estaria  disposta  a  colaborar  connosco7.   Fico   aguardando   ansiosamente   as   suas   notícias.   As   nossas   melhores   lembranças   e   votos   de   Feliz  Ano   Novo   para   V.   Ex.ia   e   Todos   os   Seus,   e   creia   que   muito  amigo  o  abraço,  sempre  a  seu  dispor.     P.S.  –  Nunca  recebi,  e  precisava  de  um  volume  com  a  máxima  urgência,  para  falar   dele  no  “Estado  de  S.  Paulo”  (o  mais  categórico  jornal  do  Brasil),  a  reedição   do  ORPHEU.           Helena   Cidade   Moura   (1924-­‐‑2012),   hoje   lembrada   principalmente   por   seu   trabalho   de   alfabetização   em   Portugal   após   1974,   desenvolveu   um   importante   trabalho   de   edição   e   crítica   de   literatura   portuguesa,   nomeadamente   de   Eça   de   Queiroz.     Seu   pai,   Hernani   Cidade,   foi   um   renomado   filólogo.   Maria   Aliete   Galhoz   foi   quem   finalmente   ficou   encarregada   de   transcrever   os   manuscritos  do  espólio  pessoano  com  que  Sena  trabalhou  na  sua  projectada  e  não  concluída  edição   do  Livro  do  Desassossego.   7 Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014) 221 Rodríguez Jorge de Sena     Fig.  1.  Carta  de  Jorge  de  Sena,  página  1.       Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014)   222 Rodríguez Jorge de Sena     Fig.  2.  Carta  de  Jorge  de  Sena,  página  2.         Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014)   223 Rodríguez Jorge de Sena     Fig.  3.  Carta  de  Jorge  de  Sena,  página  3.         Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014)   224 Rodríguez Jorge de Sena     Fig.  4.  Carta  de  Jorge  de  Sena,  página  4.         Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014)   225 Rodríguez Jorge de Sena   Fig.  5.  Carta  de  Jorge  de  Sena,  página  5.           Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014) 226 Rodríguez Jorge de Sena Bibliografia     LOURENÇO,  Jorge  Fazenda  (2012).  “Lendo  Jorge  de  Sena  leitor  de  Fernando  Pessoa”,  in  Pessoa  Plural  –   A  Journal  of  Fernando  Pessoa  Studies,  n.º  2,  pp.  88-­‐‑114.     https://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/pessoaplural/Iss ue2/PDF/I2A03.pdf     MORAIS,   Ricardo   Belo   de   (2014).   “Petrus,   o   mais   excêntrico   dos   pessoanos”,   in   Pessoa   Plural   –   A   Journal  of  Fernando  Pessoa  Studies,  n.º  5,  pp.  88-­‐‑102.   https://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/pessoaplural/Iss ue5/PDF/I5A05.pdf   PESSOA,  Fernando.  Associações  Secretas  e  Outros  Escritos.  Edição  de  José  Barreto.  Lisboa:  Ática.  Nova   Série  das  Obras  de  Fernando  Pessoa;  coordenação  de  Jerónimo  Pizarro.   SARAIVA,  Arnaldo  (1979).  “Para  a  história  do  estudo  de  Jorge  de  Sena  sobre  o  Livro  do  Desassossego  e   para   a   história   da   publicação   do   Livro   do   Desassossego”,   in   Persona,   n.º   3,   Porto,   Centro   de   Estudos  Pessoanos,  Julho,  pp.  41-­‐‑45.   SENA,  Jorge  de  (1966).  “21  dos  35  Sonnets  de  Fernando  Pessoa”,  in  Alfa,  n.º  10,  Marília,  Setembro,  pp.   7-­‐‑24.     Pessoa Plural: 6 (O./Fall 2014) 227