Interações em e-learning no ensino superior
Profa. Dra. Vani Moreira Kenski(USP)
Resumo:
Neste texto apresento alguns aspectos relevantes vinculados aos processos de
interação existentes em cursos online. Destaco três tipos de interações, distintas
e interdependentes: a que ocorre entre os recursos (digitais ou não),
indispensáveis para o desenvolvimento das situações de ensino; as interações
didáticas, entre conteúdos e atividades; e as interações humanas. Ressalto a
importância das interações humanas, sobretudo em cursos online regulares de
ensino superior, para a melhor aprendizagem dos participantes. A interação
humana aqui compreendida é caracterizada em diversas categorias, desde as
relações humano-computador até os estágios de envolvimento pessoal e grupal
dos estudantes visando o aprendizado colaborativo e cidadão.
Palavras-chave: ensino superior - e-learning - interações
1. Importância das interações no ensino e na aprendizagem
A construção do conhecimento e a interação humana estão na base das relações
de ensino e aprendizagem em todos os tipos de formações e níveis
educacionais, presenciais ou em e-learning. Na cultura educacional formal,
desenvolvida em escolas e universidades, o termo “interação” tornou-se
expressão comum para dizer das necessidades básicas para viabilização de
boas aprendizagens, sem definição clara sobre a que se refere e dos seus
múltiplos sentidos. O termo é amplo e não há consenso em relação à uma única
e abrangente definição para “interação”.
A expressão – interação - é empregada nos mais diferenciados campos do
conhecimento com significados específicos, vinculados às respectivas áreas de
estudo. Em geral, o conceito de interação relaciona-se à uma ação, ou processo,
que ocorre entre entes e que gera reações em todos os envolvidos.
Para
Piccinnini et al. (2001), a tendência entre os autores é a de relacionar interação
com
a
questão
da
ação
recíproca,
da
co-construção
e
da
bidirecionalidade. Neste sentido, o ensinar e o aprender são, por si só, ações
que exigem esta reciprocidade.
O processo de ensino-aprendizagem é um complexo sistema de interações. Esta
complexidade mobiliza pesquisadores para definir as melhores condições de
interação que viabilizem aprendizagens em diferenciados contextos. Costa e
Barros (2016) se apoiam em Yves Lenoir (2014) para afirmarem que
a mediação didática do professor e as interações entre os alunos
pode levar o aluno a alcançar níveis cognitivos superiores, a
compreender as funções sociais do conhecimento e a
desenvolver valores humanos necessários à convivência social
e ainda a renovar regularmente o desejo de aprender. (p.
284/285)
Na educação formal, a maior incidência de estudos sobre interação se orienta
para as ações realizadas entre os agentes humanos envolvidos no processo:
professores e alunos. Realmente, as ações realizadas pelos dois protagonistas
do processo de ensino são centrais, mas não são as únicas formas de interação
vigentes e que contribuem para boas aprendizagens. Outros entes estão
presentes e condicionam todo o processo. O uso de inovações tecnodigitais na
educação – que garantem a personalização do ensino e sua adaptação ao ritmo
e estilo de cada estudante - ampliou a necessidade de se compreender os
diversos formatos das interações que ocorrem em situações didáticas mediadas.
Como diz Newman(2017):
“As faculdades e universidades estão criando espaços de
aprendizado mais informais, porque entendem a
importância de criar e colaborar 24 horas por dia, 7 dias por
semana, e não apenas quando a aula está em andamento 1.
1
Colleges and universities are creating more informal campus learning spaces because they understand
the importance of creating and collaborating 24/7, not just when class is in session.
Na atualidade, os nossos desafios na relação interação e aprendizagem vão
muito além do espaço fechado das salas de aula – presenciais ou virtuais – e
das trocas comunicativas entre professores e alunos. Os avanços tecnológicos
digitais operam ações revolucionárias na educação e ampliam a importância da
interação como elemento essencial na construção do conhecimento. Os
ambientes interativos de última geração, dialogam com os usuários e buscam
atender suas necessidades de aprendizagem de forma personalizada. O grande
desafio é que à medida que as expectativas desses alunos aumentam, a
capacidade de resposta pedagógica a essas necessidades também precisa
aumentar. É neste sentido que Cristou (2010), ao falar da importância dos
ambientes de realidade virtual para a educação, aponta que
A interação entre os sentidos, os benefícios da integração
sensorial e uma visão construtivista da aprendizagem, apoiam o
uso de paradigmas de aprendizagem nos quais o aprendiz pode
formar conhecimento através do contexto e da experiência. VR
é ideal para isso. O uso da VR proporciona um ambiente
multissensorial e interativo que é envolvente e permite que os
alunos construam um significado a partir da experiência 2(p. 7).
O assunto é amplo e demanda várias reflexões. Neste texto o meu foco para
pensar em algumas dessas interações que ocorrem na esfera educacional está
orientado para as características específicas do ensino superior online, a
distância. Novas e diferenciadas interações - técnicas, didáticas e humanas –
precisam ser consideradas no momento de desenvolvimento dos processos
formativos na modalidade. Sigo, assim, o caminho apresentado por Costa e
Barros (2016), quando se referem aos estudos de Hrastinski (2008), para dizer
que as interações no e-learning envolvem dimensões mais complexas,
influenciadas pelas interfaces digitais, os aplicativos e recursos em uso nos
ambientes virtuais, os formatos de apresentação, o desenvolvimento dos
conteúdos, os papeis e solicitações de atuação dos estudantes, as diversas
2
the interaction between senses, the benefits of sensory integration and a constructivist view
of learning, support the use of learning paradigms in which the learner is allowed to form
knowledge through context and experience. VR is ideally suited for this. The use of VR provides
a multi-sensory, interactive environment that is engaging and that allows learners to construct
meaning from experience.
avaliações e o acompanhamento e comunicabilidade entre todos os
participantes.
As
interações
ocorridas
nos
espaços
formativos
requerem
estudos
aprofundados, sobretudo em relação às novas formas de relação humanocomputador, presentes nos ambientes virtuais personalizados de ensino. O
protagonismo do aluno em relação ao seu aprendizado digitalmente mediado e
as interlocuções possíveis nas plataformas inteligentes geram novos tipos de
interações que redefinem os caminhos do aprendizado de acordo com as
necessidades de cada usuário. Nesta amplitude, destaco no texto apenas três
tipos diversos de interações em e-learning: as relacionadas com os ambientes
e recursos virtuais; a interação didática e a vivenciada entre os participantes do
processo educativo.
2. Tipos de interações em e-learning
A. O “ambiente virtual” como “interface interativa”
A primeira e mais frequente interação de um estudante que ingressa em um
curso online é com o ambiente virtual. Ele está motivado para acessar o
ambiente virtual e adentrar em um novo espaço de aprendizado. Suas
expectativas o levam a considerar suas interações com professores, outros
estudantes e técnicos, quando for necessário. Raramente, no entanto, ele
identifica o seu encontro com as interfaces e a navegação em tela. E elas
assumem importância crucial em seu processo de aprendizagem.
O estudante de ensino superior em e-learning precisa entrar no ambiente
constantemente, para acessar conteúdos em diferenciados formatos e realizar
as atividades. Mesmo quando realiza trocas comunicativas com professores e
colegas do curso, suas ações são mediadas pelos recursos do ambiente. Mais
do que uma sala de aula, o ambiente virtual em que se situam os processos de
ensino-aprendizagem é um meio que dialoga e interage de forma constante com
os estudantes. Muitas vezes as dificuldades de aprendizagem não se vinculam
aos conteúdos e atividades previstas, mas às condições de usabilidade dos
ambientes e recursos digitais em que o curso é disponibilizado.
A preocupação didática, ao realizar os planejamentos dos cursos, não atinge o
design dos ambientes virtuais e suas funcionalidades, para adequá-los às
necessidades de aprendizagem dos usuários. Estes são trabalhados por
especialistas em tecnologias que têm como maior preocupação o funcionamento
dos recursos. As inúmeras questões ligadas à usabilidade de equipamentos e
recursos digitais, de acordo com os usuários, tem sido trabalhadas por uma
nova e cada dia mais ampla área, o Design de Interação. Segundo Arnold(2011),
“a preocupação central do Design de Interação é projetar produtos interativos
que sejam de fácil aprendizagem, eficazes no uso e capazes de proporcionar ao
usuário uma experiência gratificante”.
Ao procurar garantir, de forma interdisciplinar – com o apoio de diversas áreas
do conhecimento como: a informática, o design, a psicologia e a educação – o
desenvolvimento de projetos com melhor qualidade de aprendizagem para
pessoas, com os mais diferenciados estilos de aprendizagem e fluência
tecnológica, o Design de Interação se apresenta como processo. Um processo
que engloba fases, testes e vários tipos de avaliações. Quando orientado para
as ações em e-learning, sua maior preocupação é a de identificar as
características dos usuários e os seus objetivos para acesso e realização das
múltiplas ações no curso online. Sua meta é a de garantir a perfeita interação
entre o estudante e as interfaces que viabilizam o acesso e uso dos dispositivos
virtuais de aprendizagem. Um bom Design de Interação objetiva desenvolver a
melhor relação humano-tecnologia. Um bom Design é invisível, passa
despercebido pelo usuário que, por meio dele, acessa o espaço amigável do
ambiente virtual do curso, realiza navegação intuitiva pelos recursos didáticos
disponíveis e desenvolve experiências significativas para sua aprendizagem.
Há mais de uma década as relações entre emoção e design digital são também
estudadas em um novo campo do conhecimento, paralelo e, em alguns
aspectos, muito próximo do Design de Interação, que é o Design Emocional. Na
perspectiva deste último, o envolvimento emocional do estudante com as
interfaces do ambiente
são essenciais para a viabilização do processo
educacional. Esse equilíbrio entre funcionalidade e emoção, amplifica a ambos
e resulta positivamente. Neste mesmo caminho, em 2004, Don Norman lançou
o livro “Emotional Design” em que introduziu a ideia de que o design do produto-
no nosso caso o ambiente virtual - deveria abordar três níveis diferentes de
processamento cognitivo e emocional: visceral, comportamental e reflexivo.
Norman explica que no nível visceral, o usuário reage aos aspectos visuais e
sensoriais de um produto antes mesmo que a interação significativa ocorra. Por
exemplo, ao acessarmos qualquer ambiente virtual, rede ou portal, o
processamento visceral nos alerta se o que vemos na tela nos agrada ou é
seguro.
O nível comportamental nos ajuda a realizar processamentos cognitivos para
administrar comportamentos simples e cotidianos, hábitos e trajetos que,
segundo Norman, constituem a maioria das ações humanas. Este nível se
relaciona diretamente com as condições de interação e as condições de
usabilidade oferecidas pelo ambiente. Já o nível reflexivo envolve consideração
consciente e reflexão sobre experiências passadas, memórias e a integração
com conhecimentos mais amplos, adquiridos em outras situações de vida e que,
no caso dos ambientes virtuais, pode nos tornar mais próximos ou não, das
interfaces do ambiente.
Segundo Arnold (2011), existem três características que constituem parte
fundamental do processo de design preocupado com a interação: foco no
usuário, critérios de usabilidade específicos e iteração. Para a autora, o foco no
usuário é a base central do processo de interação. Os critérios de usabilidade
relacionam-se com todas as ações dos designers baseadas em maior
conhecimento dos usuários para criar espaços digitais facilitadores e atraentes.
Já a iteração, para Arnold (2011),
permite refinar o design com base em feedbacks, que são
obtidos na medida em que usuários e designers se
envolvem com o projeto e passam a discutir requisitos,
necessidades, desejos e aspirações, fundamentados em
ideias diversificadas a respeito do que é realmente
necessário e do que é viável (p. 9).
Alguns dos focos de atenção para o desenvolvimento de ambientes de cursos
online com um ótimo grau de interação estrutural e emocional referem-se à sua
adequação aos objetivos educacionais propostos e às condições de usabilidades
dos estudantes. Neste sentido, merecem destaque os aspectos ligados ao:
•
Design visual e navegação
•
Mecanismos de pesquisa
•
Acessibilidade
•
Percepção Visual: layout, cor, fontes, imagens, formulários...
•
Adequação a dispositivos móveis...
•
Adequação das estruturas às propostas de atividades, textos, vídeos e
estratégias didáticas
•
Interação com recursos e dispositivos inovadores, como IA, deep
learning...
A navegação amigável, adequada ao nível de fluência tecnológica dos
estudantes, garante a estes o domínio do ambiente, o despertar das
características emocionais positivas em relação ao processo, o desenvolvimento
de iniciativas de personalização dos caminhos e a criação de experiências
significativas. Boas condições de navegabilidade e uso dos recursos disponíveis
nos ambientes virtuais de aprendizagem predispõem emocionalmente os
estudantes para o acesso, a participação e as demais formas de interação em
e-learning.
B. Interação didática
Para identificar com maior precisão os processos de interação didática em elearning integro-os nos cuidados para o planejamento e produção de cursos que
favoreçam o aprendizado e as trocas comunicativas, de acordo com os objetivos
propostos.
A interação didática diz respeito à comunicabilidade necessária entre o ambiente
virtual, os conteúdos e as atividades. Refere-se também à interação da proposta
do curso com o modelo pedagógico estabelecido pela instituição; com a estrutura
do processo formativo; as avaliações; os procedimentos e as normas que
orientam a atuação dos professores e estudantes na instituição.
A preocupação didática vai muito além da seleção dos materiais, dos recursos e
atividades que serão disponibilizados no ambiente virtual para serem
desenvolvidos em cada aula. Na produção do curso há necessidade de ir além
da formatação da aula como “uma lista de conteúdos publicados na rede”
(Beurlen, Coelho e Kenski, 2006). Em relação aos conteúdos, é preciso que, por
exemplo, textos, imagens, vídeos e as atividades dialoguem entre si. Que o
estudante, ao ter contato com todos os recursos disponíveis em uma aula, sinta
que são complementares, que se articulam para lhe oferecer as melhores
condições para o seu aprendizado.
Não são raros os exemplos de cursos em que textos e vídeos não abordam os
mesmos assuntos ou não convergem para o mesmo foco e nem se relacionam
com os exercícios propostos. Posicionamentos desencontrados sobre o mesmo
tema e atividades abertas e mal orientadas causam incertezas nos alunos sobre
o que é mais relevante, o que é preciso realizar. Prejudicam o aprendizado e
afetam o próprio interesse dos estudantes. A interação didática entre conteúdos
e atividades, sobretudo entre os que são realizados em e-learning, constrói
diálogos entre formatos diversos para trabalhar e aprender o mesmo assunto,
favorecendo o respeito aos estilos de aprendizagem dos alunos.
A interação engloba também as propostas de comunicação didática nos temas
debatidos nos fóruns e chats. Neste sentido, é preciso que os fóruns sejam
orientados primordialmente para trocas comunicativas sobre o que está sendo
trabalhado. Que todos tenham conhecimento das principais regras de
convivência virtual e dos mecanismos para manter a conversação, sem sair do
foco dos temas propostos para o debate. Espaço central da intercomunicação
em um curso, os fóruns viabilizam o compartilhamento de conhecimentos por
meio de trocas de experiências e informações. Possibilitam o desenvolvimento
do raciocínio crítico e a melhor compreensão dos conceitos trabalhados em aula.
A interação didática é também preocupação presente nos espaços de feedback
em que professores buscam auxiliar os alunos em suas dúvidas e necessidades
de orientação. Oferecer feedback personalizado que vá ao encontro das
urgências do estudante favorece a compreensão e o aprendizado. A falta de
resposta ou o envio de mensagem genérica e despersonalizada diminuem as
possibilidades de interação entre os participantes e aumentam o desinteresse e
as dificuldades do aprendiz.
Estes cuidados precisam ser “ensinados” às plataformas personalizadas de elearning. Elas interagem com o estudante e coletam informações, na medida em
que ele participa das ações previstas no ambiente virtual. Essas informações são
processadas e utilizadas, posteriormente, para fornecer feedback instantâneo ao
aluno e ajustar de forma personalizada a sua experiência de aprendizado. Nas
interações com o estudante o ambiente altera automaticamente o que vem a
seguir em uma sequência, seja um conteúdo ou uma ordem diferente nas
atividades, em resposta a como o aluno está se saindo. Nem sempre, no entanto,
esta interlocução vai ao encontro das questões e dúvidas que o aluno tem, não
por falta de conteúdo, mas pela fala, a forma como a interlocução homemmáquina acontece. Um exemplo, está no uso de termos regionais, que são mal
compreendidos em outros lugares, que usam a mesma expressão para se referir
a situações bem diferentes.
À diversidade de recursos presentes em uma aula online somam-se as ações
realizadas nos momentos presenciais. Estágios, trabalhos de campo, práticas de
laboratório complementam o aprendido nos momentos virtuais e devem estar em
total consonância com o que foi aprendido a distância.
A interação didática preocupa-se portanto com a integração e harmonia entre
todos os meios e processos pedagógicos desencadeados em cada tema de um
curso de forma que o aluno possa ter condições de aprender com qualidade,
articulando os saberes.
C. Interação Humana e entre Humanos
- Interação entre equipes para produção em e-learning
Diversos são os tipos de interação humana existentes em todas as fases de
planejamento, produção e oferecimento de formações em e-learning. Diversas
equipes multidisciplinares - formadas por professores, técnicos, designers,
equipes de vídeo e outros profissionais – atuam no processo, o que leva
Newman (2017), dizer que “à medida que as instituições de ensino continuam a
seguir em frente e adotar essas tendências de transformação digital, devemos
considerar o atual paradigma de instrução tecnológica e avançar para uma
abordagem baseada em equipe”.
A partir dos mesmos objetivos de aprendizagem, cada equipe tem
responsabilidades diferentes que convergem para a viabilização de cada aula,
cada momento do curso.
O ideal é que esses profissionais atuem em
colaboração, com o máximo de interação em cada etapa da produção. Este
processo de interação entre equipes envolve disciplina, cumprimento de prazos,
comunicação e troca de informações entre os participantes nas diversas etapas
produção do material didático que, ao final, precisa constituir um único material
com sentido e com elementos que estimulem o aprendizado do aluno (MARTINS,
2011). A interação entre equipes para a elaboração do mesmo material didático
requer momentos de cocriação que, como apresenta Gabarrone (2017), diz
respeito ao processo de produção coletiva, essencial para o preparo de textos,
atividades e recursos didáticos com imagens, animações e vídeos integrados,
que possam convergir para o mesmo sentido.
- Interação cognitiva com os conteúdos
A interação pessoal do estudante com os conteúdos engloba sua relação
cognitiva com o que é apresentado para o seu aprendizado e, também, seus
valores, habilidades e hábitos de estudo para vivenciar o processo formativo em
pauta. A memória educativa do aluno em relação ao tema a ser estudado
também entra em cena e viabiliza ou não seu interesse e predisposição ao
aprendizado. Importante é se considerar que a interação cognitiva não designa,
apenas a ação solitária e isolada do aluno, mas a maneira como este se
relaciona com o conhecimento e os seus estilos personalizados de
aprendizagem. Envolve também sua participação no ambiente para tirar dúvidas,
para discutir ou para buscar mais informações sobre o assunto.
O estudante online precisa ser estimulado a continuar e ser bem sucedido em
seus movimentos para aprender por meio de feedbacks, trocas interativas com
seus colegas e professores, interlocuções positivas com o próprio meio digital.
Em termos ideais, o ensino atraente deve despertar no estudante um estado
mental, caracterizado como flow, por Csikszentmihalyi (2008), que diz que
“As atividades mais agradáveis não são naturais; eles
exigem um esforço que inicialmente é relutante em fazer.
Mas uma vez que a interação começa a fornecer feedback
para as habilidades da pessoa, ela geralmente começa a
ser intrinsecamente gratificante.” 3 (p.68)
3
“Most enjoyable activities are not natural; they demand an effort that initially one is reluctant to make.
But once the interaction starts to provide feedback to the person's skills, it usually begins to be
intrinsically rewarding”.
O encontro entre estudante e os conteúdos que precisam ser aprendidos é
desafiador. No início, este esforço, como bem diz Csikszentmihalyi, não é fácil
e provoca reações emocionais que podem gerar desânimo, desinteresse e
abandono. Para alterar este quadro é fundamental que ocorram feedbacks.
Retornos interativos e compensadores que valorizem os esforços entre as
prévias “habilidades da pessoa”, o conhecimento e as suas aprendizagens.
Cursos online que ofereçam diversas situações de aprendizagem ligadas ao
mesmo conteúdo geram maiores oportunidades para atender às condições
especiais de cada estudante. Ao contrário, cursos rígidos, baseados em um só
tipo de comunicação – síncrona ou assíncrona – geram desinteresse e dificultam
o aprendizado. A preocupação é a de gerar esta gratificação intrínseca, o prazer
pessoal de se abrir para novas aprendizagens, novas habilidades. Neste sentido,
Costa e Barros (2016, p. 288), alertam para as discussões menos elaboradas,
realizadas nos encontros síncronos (presenciais e virtuais) em função do tempo
hábil e que podem, facilmente, sair do foco do conteúdo e passar para um
momento de convivência, sem aprofundamento do objetivo cognitivo do tema em
discussão. Dizem estes autores: “a participação do professor deve suscitar a
participação cognitiva do aluno” (p. 303). Segundo ainda estes autores, é muito
difícil o desenvolvimento de ações formativas abertas, livres, não orientadas por
planejamentos didáticos e ação docente, para o aprendizado de um conteúdo.
Não é que elas não ocorram, mas exigem alto grau de motivação para aprender,
disciplina e foco do aprendiz.
Em cursos regulares, “a interação livre,
normalmente, suscita pouco trabalho cognitivo e, sem objetivo de ensinoaprendizagem, perde o foco, levando ao desinteresse dos alunos pelas
atividades” (p. 299).
Em termos pessoais, a interação com o conteúdo requer não apenas condições
cognitivas desenvolvidas em aprendizagens prévias para a compreensão do que
precisa ser aprendido, mas também amadurecimento emocional para lidar com
os compromissos de estudo online. Questões como comprometimento com sua
própria aprendizagem, disciplina, organização em relação ao cumprimento de
prazos e capacidade de comunicação oral e escrita, são essenciais para um bom
aprendizado.
- Interação com/entre os participantes
A principal preocupação dos processos formativos em todos os níveis em relação
à interação diz respeito às relações entre os participantes de um mesmo curso.
As características do e-learning, no ensino superior, exigem processos humanos
interativos bem planejados, que vão além das perguntas e respostas em fóruns
e chats e a prontidão em retornos pontuais às dúvidas dos estudantes. Como diz
Aires (2016, cit. por Moura, 2017), “o e-learning proporciona diversas
oportunidades de interação e de decisão, baseadas no primado da flexibilidade,
no fácil acesso ao conhecimento e na aprendizagem como um processo social
e colaborativo”.
Em princípio, é importante pensar que na turma recém formada existe um
amontoado de pessoas. O primeiro desafio, portanto, é o de reunir esses seres
em um grupo, para alcançar o desejável processo social, com trocas e
colaborações entre todos os participantes, respeitando seus conhecimentos
prévios e suas diferenças. Assim, inicia-se o curso com um grupo aleatório de
seres isolados e que, ao longo do período letivo, se encontram virtualmente,
formam grupos, passam a agir colaborativamente. Criam comunidades. Esta
transformação ocorrida em rede não se dá ao acaso. Além do foco nas temáticas
do curso é preciso que o ambiente seja planejado e proporcione condições para
a criação de comunidades virtuais de aprendizagem, ou seja, cadeias virtuais de
relações em que todos possam participar, colaborar e compartilhar informações
e experiências, para aprenderem, juntos.
D. Interação e comunidades gamificadas em e-learning
A reunião inicial de participantes de um curso online, independente de quantos
sejam, é, em princípio, uma “multidão”, no sentido proposto por Bauman quando
diz que, na Internet, “estamos todos numa multidão e numa solidão ao mesmo
tempo”. (Zygmunt Bauman, 2001). Um dos grandes problemas apontados pelos
estudantes que começam a acessar os ambientes virtuais é exatamente esta
solidão, em meio à multidão de participantes e recursos. O desafio está em
integrá-los, estabelecer identidades além do acesso ao mesmo espaço digital.
Reuni-los de forma que possam se sentir pertencentes a um mesmo grupo, com
interesses comuns de aprendizado, independente dos tempos e espaços em que
vivem.
Diferentes níveis de interação humana se apresentam em uma turma, como
processo paralelo ao processo de ensino e de aprendizagem. Ele envolvem não
apenas os interesses comuns sobre um determinado conteúdo, as condições de
usabilidade dos recursos e, também, o caráter emocional do processo, mas
também a integração em rede de forma que possam se auxiliar mutuamente, na
superação de desafios para aprender.
O processo de interação humana em redes de e-learning no ensino superior
requer ações didáticas motivadoras e bem planejadas. Não é o único caminho
metodológico mas, o desenvolvimento de processos de Gamificação em
disciplinas no ensino superior desperta a motivação dos alunos para a criação
de sentimentos de identidade grupal, espírito de equipe e pertencimento. Como
processos, eles se desenvolvem, na convivência didaticamente orientada entre
os participantes. Desdobram-se em várias ações paralelas ao desenvolvimento
das atividades disciplinares e se complementam.
Minha preocupação com este movimento didático paralelo levou-me à criação
de estratégias em cursos superiores de e-learning, que passo a relatar. São
processos bem sucedidos, planejados e desenvolvidos em vários cursos, em
turmas semipresenciais ou totalmente a distância. Turmas que oscilaram entre
20 e 50 participantes, em cursos de graduação e pós-graduação, com as quais
interagi diretamente com todos os participantes, durante o período da disciplina.
A gamificação aqui entendida se apresenta como processo didático em que os
conteúdos e atividades são construídos, apresentados e desenvolvidos como
etapas, permeadas de fases, com desafios individuais, grupais e intergrupais
que precisam ser superados individualmente e coletivamente. Segue o relato.
Início. O primeiro desafio está em fazer desabrochar o espírito de equipe, logo
no início da disciplina em e-learning. Requer o desenvolvimento de ações que
integrem não apenas os estudantes, mas cada participante com os professores,
o ambiente, as atividades e o estímulo para superar os obstáculos do processo
formativo, de acordo com os propósitos desta formação. Ele se inicia com o
acolhimento e estimulo a todos para inclusão e participação, mas também com
o esforço para garantir a visibilidade de cada participante. Que todos se
conheçam e que estejam dispostos a participar, colaborar e ajudar para o
alcance de resultados comuns. Que as regras estejam claras e acordadas entre
todos os participantes e que não sintam que estão em um jogo, mas em um
processo de aprendizagem desafiador.
Primeiros movimentos. O envolvimento no desafio a ser superado coletivamente
em cada tema desloca o interesse do estudante para a formação da identidade
grupal e o sentimento de pertencimento ao grupo. Neste processo, cada
participante identifica suas capacidades, seus limites e como pode auxiliar os
demais e ao grupo para avançarem unidos na superação dos primeiros desafios
propostos e o alcance do conhecimento. Abre-se também para o recebimento de
apoios e orientações, trocas com os companheiros de jornada na desafiadora
ação de aprender e também superar os seus desafios individuais.
Para o melhor desempenho no game é preciso presença e estímulo à
participação. Comunicação, feedbacks constantes e colaboração estão na base
das propostas pedagógicas desenvolvidas nos games. Na superação dos
desafios, cada participante irá desenvolver processos de estimulo e persuasão
com os parceiros da equipe e a vivência de jornadas emocionais, plenas de
engajamento e flow, de forma colaborativa, em equipe.
Movimentos Intermediários. Os desafios presentes no desenvolvimento de cada
tema na proposta didática de cada curso estimula os alunos à comunicação. O
acompanhamento próximo do professor, os feedbacks frequentes, a orientação
mais personalizada para as questões que surgem os estimulam. A participação
intensiva e a necessidade de cumprir ou superar prazos e metas os une. Já não
mais estranhos. São colegas que compartilham os mesmos interesses de
aprendizagem, o mesmo momento de ensino e o mesmo ambiente virtual.
Formam-se redes de relações entre os pares que se expandem e atingem outros
aplicativos, além do ambiente do curso. Alunos interagem entre si para trocas
sobre os conteúdos e a realização das atividades propostas. Dividem tarefas.
Desde o primeiro momento da estruturação das equipes, líderes são escolhidos
pelos demais. Lideranças rotativas. Em cada tema um estudante assume esta
função. Neste momento intermediário, os líderes mais experientes – que
lideraram as equipes nos momentos iniciais do curso - colaboram, criam
estratégias e auxiliam a equipe a superar os desafios propostos. As
comunidades de aprendizagem crescem, se ampliam, prosperam.
Em meio às trocas comunicativas e a ação em conjunto, um novo processo
interativo aflora e que se relaciona com a forma como cada participante
considera os demais. Empatia. A capacidade de compreender o ponto de vista
e o contexto em que os outros participam do mesmo processo. Novas emoções
vem à tona e despertam a preocupação com os demais, a motivação para ajudálos a melhorar seus desempenhos, mobilizá-los para a ação e para alcançar
resultados coletivos de realização.
Movimentos finais. Chega-se, assim, a um novo nível interativo: contágio. A
dinâmica da ação de superar desafios em comunidades de aprendizagem é tão
intensa emocionalmente que não fica restrita ao ambiente virtual ou às pessoas
que participam do processo formativo. Ela se amplia. Criações grupais são
compartilhadas pelas redes digitais e alcançam novos públicos, interagem com
novos grupos. Multiplicam.
Cada participante cria o seu próprio acervo de
conhecimentos e compartilha além do grupo, com seus próximos, na família, no
trabalho, no virtual. Faz-se Educação em movimento. Interações.
Enfim, o processo de desenvolvimento educativo para a interação em e-learning
é contínuo. Não é simples e nem rápido. Trata-se de uma nova cultura que
“precisa crescer naturalmente”, como tão bem diz Lèvy (1999). Necessita ser
planejada junto com todo o desenvolvimento dos conteúdos e
integrada à
formação cognitiva prevista. Mais do que uma ação isolada, a proposta interativa
é uma formação que objetiva a transformação de todos os participantes que nela
se envolvem, objetivo da Educação, em relação aos seus conhecimentos,
sentimentos e comportamentos como pessoa e profissional, em todos os
espaços e ambientes, de aprendizagem, sempre.
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Sobre a autora:
Profa. Dra. Vani Moreira Kenski
Mestre (UnB) e Doutora (Unicamp) em Educação. Licenciada em Pedagogia e
Geografia (UERJ). Vice-presidente da ABED (Associação Brasileira de
Educação a Distância), gestão 2015-2019. Professora do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP). Diretora da SITE
Educacional Ltda. Pesquisadora do CNPq (bolsista Pq). Foi responsável pelo
Design Instrucional do curso de Licenciatura em Ciências da USP(2011/2015).
Criadora e ex-Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Design
Instrucional do SENAC/SP e da UFJF. Foi professora da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) e da Universidade de Brasília (UnB). Coordenadora e
pesquisadora de pesquisa coletiva sobre "Grupos que pesquisam EaD no Brasil"
(ABED, 2017). Organizadora e autora do livro "Design Instrucional para cursos
on-line) da Ed. Senac/SP. Autora dos livros: “Tecnologias e Ensino Presencial e
a Distância”; Educação e Tecnologias o novo ritmo da informação e Tecnologias
e Tempo Docente, todos publicados pela Editora Papirus, além de muitas outras
publicações em que trata de suas pesquisas e experiências profissionais na área
de Educação Online e Tecnologias Digitais.
e-mail: vmkenski@usp.br