Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019; pp. 213-232.
ISSN 2304-7887 (en línea)
ISSN 2307-5163 (impreso)
DOI: 10.16890/rstpr.a7.n13.p213
DIREITO INTERNACIONAL
ANTICORRUPÇÃO NO BRASIL
DERECHO INTERNACIONAL ANTICORRUPCIÓN
EN BRASIL
Denise Neves Abade*
Resumo: O presenta artigo visa analisar a formação, por meio da adoção
de diversos tratados, do chamado “direito internacional anticorrupção”,
destacando seu vínculo atual com a proteção de direitos humanos, bem
como focando sua implementação interna no Brasil.
Resumen: El presente artículo pretende analizar la formación, a través
de la adopción de diversos tratados, del llamado “derecho internacional
anticorrupción”, destacando su vínculo actual con la protección de
derechos humanos, así como enfocando su implementación interna en
Brasil.
Palavras-chave: Corrupção, Direito Internacional, Implementação,
Monitoramento, Ministério Público, Direitos Humanos
Palabras clave: Corrupción, Derecho Internacional, Implementación,
Monitoreo, Ministerio Fiscal, Derechos Humanos
1. INTRODUÇÃO
O estudo do tema do combate à corrupção na atualidade não pode
se restringir à análise dos diplomas normativos internos. Com efeito,
nota-se, nas últimas décadas, que a atenção e o destaque do combate à
corrupção na seara internacional têm-se expandido fortemente, centrado
em quatro objetivos: prevenir, detectar, punir e eliminar a corrupção.
Além disso, nos últimos anos, consolidou-se consistente vínculo da luta
anticorrupção com a temática da proteção de direitos humanos.
A luta anticorrupção é objeto de tratados internacionais e
abordado com especial atenção em órgãos da Organização das Nações
Unidas (ONU) como também nos órgãos internacionais de proteção
de direitos humanos, uma vez que o fenômeno da corrupção implica
* Procuradora Regional da República, Brasil.
E-mail: deniseabade@gmail.com
Recibido: 24/09/2018. Aceptado: 26/02/2019.
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na ausência de efetividade na implementação de direitos sociais – que
compõem os direitos humanos, bem como viola o direito difuso à boa
governança.
Há uma dupla natureza do combate à corrupção: (i) é fruto
do dever do Estado de proteger e implementar direitos, em especial
os direitos sociais e (ii) é medida de preservação do direito à boa
governança, também denominado direito a uma administração
íntegra. Consolida-se o “direito internacional anticorrupção”, que
abarca diplomas convencionais de diversos quilates (no plano global e
regional), bem como normas de soft law, como declarações e resoluções
não vinculantes.
Assim, o presente artigo propõe-se a analisar três modos de
implementação da luta internacional contra a corrupção, com foco na
situação brasileira.
O primeiro modo é por intermédio do uso de mecanismos
internacionais de acompanhamento dos tratados (“follow-up mechanisms”),
como os existentes na Convenção Interamericana contra a Corrupção e na
Convenção da ONU contra a Corrupção (Convenção de Mérida) para (i)
chamar a atenção das deficiências normativas e institucionais brasileiras
do combate à corrupção e (ii) exigir continuamente do Estado brasileiro
medidas que supram essas deficiências.
O segundo modo é feito pelo uso da normatividade internacional
contra a corrupção para obter eficiente cooperação jurídica internacional
na temática. Tópicos importantes como dever de extraditar os acusados
ou julgá-los (aut dedere aut judicare) ou a inoponibilidade de sigilo
bancário para persecução de crimes de corrupção são consequências do
dever de cooperar estabelecidos nos tratados anticorrupção.
O terceiro modo consiste no apelo a mecanismos que compôem
a vigilância internacional dos direitos humanos, que, nas últimas
décadas têm se debruçado sobre o combate à corrupção como forma de
promoção de direitos humanos.
Em conclusão, será demonstrado que os mecanismos de
implementação do “direito internacional anticorrupção” são múltiplos
e podem (i) detectar as deficiências (algumas delas camufladas pela
ausência de dados sobre o combate à corrupção), (ii) identificar
mudanças necessárias e (iii) cobrar investimentos nos órgãos de
fiscalização e repressão à corrupção, forçando o Estado brasileiro a fazer
mais do que simplesmente ratificar tratados.
2. O DIREITO INTERNACIONAL
FUNDAMENTOS E INSTRUMENTOS
ANTICORRUPÇÃO:
Em geral, a corrupção consiste no exercício indevido do poder
público para o ganho privado ou, dito de outra forma, a corrupção é
214
Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
o abuso da autoridade pública para o benefício privado1. Parte-se da
premissa do uso ilícito do poder estatal para benefício a indivíduo,
gerando prejuízos diretos ou indiretos a todos os integrantes da
sociedade.
A gênese do direito internacional anticorrupção está na detecção
de práticas de concorrência desleal advindas de subornos pagos
a funcionários públicos estrangeiros para obtenção de vantagem
competitiva sobre empresas rivais, na década de 70 do século passado,
devendo ser destacados os esforços, nesse sentido, da Securities and
Exchange Commmisision, dos Estados Unidos da América. Nos primeiros
anos daquela década, foi descoberto amplo esquema de corrupção de
autoridades estrangeiras (na Holanda, Itália, Alemanha, Japão e Arábia
Saudita) por parte da empresa estadunidense Lockheed, que, assim,
obtinha vultosos contratos de aquisição de aeronaves militares2.
Em reação a esse escândalo, foi editado nos EUA,em 1977, o
Foreign Corrupt Practices Act3, que motivou as primeiras investigações
de corrupção – mesmo que transnacional, ou seja, ando realizada por
agentes norte-americanos fora das fronteiras daquele país. O FCPA
fomentou a inclusão do combate à corrupção transnacional na pauta
das organizações internacionais, uma vez que sua eficiência dependeria
da conjunção de esforços dos diversos Estados envolvidos por meio de
compromissos internacionais.
A partir dos anos 90 do século passado, o combate à corrupção
começa a se desvencilhar do conceito de ação contra a concorrência
desleal para abraçar o enfoque de defesa dos direitos humanos
internacionalmente protegidos, em especial o direito difuso à boa
governança (good governance)4.
1 Não se exclui a possibilidade de existência da corrupção privada, que consiste no abuso
de poder em entes privados, para o benefício ilícito de um indivíduo, que pode gerar
impactos sociais negativos. O tema da corrupção privada, contudo, não será aqui abordado.
ALTAMIRANO, Giorleny D. “The impact of the inter-american Convention against
corruption”. In 38 University of Miami Inter-American Law Review, 2006-2007, p. 487-548,
em especial p. 488.
2 Esse escândalo reverberou no Brasil, em virtude da extradição requerida pela Itália de
indivíduo por estelionato e corrupção devido ao seu envolvimento no escândalo LockheedItália, no qual teria pago a dois Ministros de Estado e outros altos funcionários diversas
propinas para assegurar a venda de 14 aviões Hercules C-130. Após intensos debates sobre se
a Corte Constitucional italiana era “tribunal de exceção” ou não, a extradição foi, com votos
em sentido contrário, deferida. Ver Extradição 347, Estado Requerente Itália, julgado em 07 de
dezembro de 1977. Ver mais sobre o tema em ABADE, Denise Neves. Direitos Fundamentais
na Cooperação Jurídica Internacional. São Paulo: Saraiva, 2013.
3 O FCPA – Foreign Corrupt Act – é instrumento legal estadunidense com forte apelo
extraterritorial. Um dos casos mais conhecidos de sua incidência é o Caso Lockheed-Takla, que
envolveu o pagamento de uma propina de 600.000 mil dólares pela empresa americana Lokheed
à autoridade pública egípcia em uma licitação. A empresa foi condenada ao pagamento de
multa de quase 25 milhões de dólares, significando o dobro do potencial ganho que a empresa
esperava obter. Ver detalhes em <http://fcpa.shearman.com/?s=matter&mode=form&id=38>
4 Como bem observado por CARVALHO RAMOS, André de. “O Combate Internacional
à Corrupção e a Lei de Improbidade” In: SAMPAIO, José Adércio Leite; COSTA NETO,
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Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
A gramática dos direitos humanos foi introduzida na temática,
porque comprovou-se que a corrupção tem impacto negativo em face
de diversos direitos essenciais.
Em primeiro lugar, a corrupção dificulta a existência de recursos
a serem utilizados na concretização dos direitos sociais. Por sua vez,
a corrupção atenta contra o fortalecimento da democracia, uma
vez que, ao permitir que o processo de decisões governamentais seja
influenciado ilegitimamente por grupos corruptores, corrói a confiança
e transparência nas relações entre governantes e governados. Em terceiro
lugar, a corrupção ameaça a igualdade, ao permitir tratamento desigual
por motivo odioso (o pagamento da propina ao agente público). Por
fim, a corrupção afeta o adequado funcionamento da administração
pública, afetando o direito difusa a uma administração íntegra.
A importância de se vincular à luta anticorrupção à violação de
direitos pode ser medida tanto na sua faceta preventiva quanto repressiva.
No tocante à prevenção, a cultura de respeito a direitos humanos
divulga o direito difuso à uma administração proba, o que auxilia a
transformação dos atos de corrupção em uma conduta socialmente
nociva, ao invés de ser considerada uma prática inevitável e socialmente
suportada. A existência do chamado “jeitinho” (ou “jeito”) brasileiro
demonstra, para Rosenn, determinada acomodação de grupos sociais
com práticas de corrupção voltadas a promover comportamentos de
não submissão à lei, o que, a longo prazo, constitui “´sérios obstáculos
ao desenvolvimento”5.
O respeito ao direito à igualdade é vulnerado por atos de corrupção,
uma vez que a influência ilícita dos agentes estatais por meio de atos de
particulares gera tratamento assimétrico injustificado. A reafirmação
da igualdade e do respeito da legalidade, previne a prática de atos de
corrupção e facilita à repressão, estimulando testemunhos ou outras
formas de colaboração para que sejam expostas práticas invariavelmente
clandestinas.
Também do ponto de vista preventivo, o respeito a diversos
direitos, como a liberdade de expressão, de associação ou mesmo de
informação contribuem para revelar atos de corrupção, o que repercute,
a longo prazo, na formação de uma cultura anticorrupção na sociedade.
A existência de associações privadas voltadas à fiscalização de atos
estatais ou mesmo uma imprensa livre e independente aumentam a
probabilidade de descoberta das práticas ilícitas, desestimulando os
potenciais perpetradores.
No tocante à repressão aos atos de corrupção, o vínculo com a
Nicolao Dino de Castro; SILVA FILHO, Nívio Freitas; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos..
(Eds.), Improbidade Administrativa: 10 anos da Lei 8429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.
1-34, em especial p. 1.
5 ROSENN, Keith S. “Brazil´s legal culture: the jeito revisited”. Florida International Law
Journal, 1984, vol I, p. 1-43, em especial p. 43.
216
Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
proteção de direitos humanos auxilia a revelar o ganho social que
advém da criação de mecanismos anticorrupção em uma determinada
sociedade. Não somente incrementa-se a proteção de direitos sociais,
mas também se impede o uso de atos de corrupção voltados à utilização
de agentes públicos em atos de opressão, como se vê no uso de policiais
corrompidos em esquadrões da morte ou milícias.
Nesse contexto contemporâneo é que surgiram as Convenções
da Organização dos Estados Americanos (OEA) e das Nações Unidas
contra a Corrupção, que serão estudadas abaixo.
3. A CONVENÇÃO SOBRE O COMBATE DA CORRUPÇÃO DE
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS ESTRANGEIROS EM TRANSAÇÕES
COMERCIAIS INTERNACIONAIS (CONVENÇÃO DA OCDE)
Até os anos 70 do século passado, a corrupção era tratada como
um assunto interno que não justificava intervenção internacional
sistemática. A partir de então, o controle da corrupção passou a ser visto
como um objetivo de política internacional – até porque o dinheiro e as
ações dos grupos corruptores e corruptos transpassam as fronteiras e
desafiam a jurisdição interna dos países6.
Não por acaso a Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) organizou em 1984 sua primeira recomendação
anticorrupção - Antibribery Recommendation– na qual solicitava
empenho aos seus Estados membros na repressão de subornos e práticas
de corrupção que favorecessem ilegalmente determinada empresa ou
negócio. A solicitação foi reiterada em nova recomendação editada em
1996, em que o Conselho da OCDE conclamou a vedação de dedução
tributária prevista nas leis internas - como uma espécie de “despesa
operacional” - de propinas pagas pelas empresas em atividades no
exterior.
Seguindo a tendência, surgiu então, como marco internacional no
combate à Corrupção, a Convenção sobre corrupção de funcionários
públicos em transações comerciais internacionais, elaborada pela
OCDE e posta à assinatura e ratificação a qualquer Estado, seja membro
ou não, da organização7. O Brasil ratificou a Convenção da OCDE em
agosto de 2000, que foi incorporada ao Direito brasileiro por meio do
Decreto n.o 3.678, de 30 de novembro de 2000.
Trata-se de importante e pioneiro instrumento para o combate à
corrupção transnacional, porque voltada à coibição de atos de corrupção
6 Ver, nesse sentido, JOHNSTON, Michael. “Cross-border Corruption: Points of Vulnerability
and Challenges for Reform”. Corruption and Integrity Improvement Initiatives in Developing
Countries, 1998, vol 13.
7 Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em
Transações Comerciais Internacionais foi concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997,
entrando em vigor internacional em 15 de fevereiro de 1999.
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Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
exercidos por companhias multinacionais operando em mercados
estrangeiros. O enfoque dessa normativa internacional, contudo, é
voltado precipuamente à proteção da livre concorrência.
De fato, a Convenção determina, logo em seu artigo 1º, que “cada
parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de
que, segundo suas leis, é delito criminal qualquer pessoa intencionalmente
oferecer, prometer ou dar qualquer vantagem pecuniária indevida
ou de outra natureza, seja diretamente ou por intermediários, a um
funcionário público estrangeiro, para esse funcionário ou para terceiros,
causando a ação ou a omissão do funcionário no desempenho de suas
funções oficiais, com a finalidade de realizar ou dificultar transações ou
obter outra vantagem ilícita na condução de negócios internacionais”.
A preocupação da OCDE com a concorrência desleal que advém
da corrupção é bastante óbvia a partir da definição do escopo do ato
criminoso e seu necessário liame com interesses negociais.
Ao ratificar a convenção em 2000, o Brasil concordou em
criminalizar a conduta de oferecer, prometer ou dar vantagem indevida
a funcionário público estrangeiro no intuito de determiná-lo a praticar,
omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial
internacional. Por esse motivo, para cumprir com suas obrigações
assumidas internacionalmente e adequar a legislação nacional aos
compromissos assumidos na Convenção, foi aprovada a Lei 10.467,
de 11 de junho de 2002, que acrescentou o Capítulo II-A ao Código
Penal (“crimes praticados por particular contra a administração
pública estrangeira”), tipificando a corrupção ativa em transação
comercial internacional, o tráfico de influência em transação comercial
internacional, a ocultação ou dissimulação de produtos de crime
praticado por particular contra a administração pública estrangeira e,
definindo, para efeitos penais, “funcionário público estrangeiro”.
4. CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A CORRUPÇÃO
(CONVENÇÃO DA OEA)
Em 29 de março de 1996, em Caracas, Venezuela, foi firmada, no
âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) a Convenção
Interamericana contra a Corrupção, aprovada no Brasil pelo Decreto
Legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002 e promulgada pelo Decreto
Presidencial nº 4.410, de 7 de outubro de 2002 . Foi a primeira convenção
anticorrupção genérica no Direito Internacional, anterior à Convenção
da ONU sobre a matéria (vide abaixo).
Seus objetivos são amplos: prevenir, criminalizar e investigar
casos de corrupção no setor público, além de estimular a cooperação
jurídica internacional entre os Estados na temática8.
8 ALTAMIRANO, Giorleny D. Op. cit., em especial p. 489.
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Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
Já em seu preâmbulo, os Estados reconhecem que a corrupção que também é um dos meios usados pelo crime organizado – “solapa
a legitimidade das instituições públicas, atenta contra a sociedade, a
ordem moral e justiça, assim como o desenvolvimento dos povos”.
Explicitamente, menciona o fortalecimento da democracia pelo combate
à impunidade dos agentes corruptos.
A Convenção da OEA estabelece que o trato com o bem público
é regido pelo princípio da publicidade, eficiência e equidade (artigo
III, 5). Ou seja, em qualquer caso de contratação de serviço, obra ou
investimento público há de se inquirir sobre a eficiência do gasto público.
Ainda, no caso do estabelecimento de tarifas ou preços públicos, deve
ser tomada em consideração a equidade nas relações com o usuário,
impedindo a fixação de tarifas abusivas. Não existe para a Convenção a
disponibilidade do administrador público quanto ao manejo das verbas
públicas. De fato, o gasto desnecessário ou supérfluo, a realização de
projetos inúteis ou mesmo o tratamento negligente da coisa pública são
condutas vedadas9.
A Convenção da OEA determina que são atos de corrupção a
solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário
público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto
de valor pecuniário ou de outros benefícios comodádivas, favores,
promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade
em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de
suas funções públicas. Essa modalidade de corrupção ativa é, assim,
expressamente vedada.
Além disso, também é considerado ato de corrupção a oferta ou
outorga, direta ou indiretamente, a um funcionário público ou pessoa
que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário
ou de outros benefícios como dádivas,favores, promessas ou vantagens
a esse funcionário público ou outra pessoa ou entidade em troca da
realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções
públicas. Nesse caso, a corrupção passiva é também condenada.
Finalmente é também ato de corrupção proibido a realização, por
parte de um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas,
de qualquer ato ou omissão no exercício de suas funções, a fim de obter
ilicitamente benefícios para si mesmo ou para um terceiro. Também
a Convenção proíbe o aproveitamento doloso e ocultação dos bens
obtidos por atos já citados de corrupção.
Na síntese de Carvalho Ramos, são quatro condutas elencadas
como atos de corrupção pela Convenção da OEA. A primeira relativa
à solicitação ou aceitação de benefício para fazer ou não-fazer ato de
ofício. A segunda conduta é daquele que oferta ou outorga vantagem
ao funcionário fazer ou deixar de fazer ato de ofício. A terceira
9 CARVALHO RAMOS, André de. Op. cit., em especial p. 23.
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Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
conduta refere-se a forma de peculato consistente na realização de
ato ou na omissão para obtenção de vantagem ilícita. E finalmente, o
aproveitamento ou ocultação do proveito desses atos10.
Enfatize-se que, de acordo com o artigo XII da Convenção da
OEA, não há exigência que os atos de corrupção acima elencados
produzam prejuízo patrimonial ao Estado. A lesividade, portanto, pode
ser ocasionada pela tentativa de cometimento do ato ou mesmo, quando
concretizada, pela ofensa ao patrimônio moral da entidade, que abarca
o ideal de honestidade e moralidade da coisa pública.
Há importante mandado internacional de criminalização do
chamado “enriquecimento ilícito”, que consiste, à luz da Convenção, em
“aumento do patrimônio de um funcionário público que exceda de modo
significativo sua renda legítima durante o exercício de suas funções e que
não possa justificar razoavelmente” (art. IX). Além disso, cada Estado
parte da Convenção deve proibir e punir o “suborno transnacional”, ou
seja, o oferecimento ou outorga de vantagens a funcionário estrangeiro
para obtenção de favores relacionados a uma transação de natureza
econômica ou comercial (mandado internacional de criminalização
similar ao da Convenção da OCDE, já estudada acima).
A Convenção dispõe que todos os atos mencionados devem ser
considerados crimes sujeitos à extradição ou julgamento no próprio
Estado (aut dedere aut judicare). Os Estados prometem ampla assistência
mútua, bem como cooperação e intercâmbio de experiências voltados
para identificação das práticas lesivas e dos bens obtidos ilicitamente.
Quanto ao sigilo bancário, a Convenção determina que o Estado
requerido não poderá negar-se a proporcionar a assistência solicitada
pelo Estado requerente alegando sigilo bancário. Em contrapartida, o
Estado requerente compromete-se a não usar informações protegidas
por sigilo bancário que receba para propósito algum que não o do
processo que motivou a solicitação, salvo com autorização do Estado
Parte requerido (princípio da especialidade).
5. A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A
CORRUPÇÃO (CONVENÇÃO DE MÉRIDA)
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC
ou UNCAC, na sigla em inglês), negociada por anos em Viena, foi
subscrita inicialmente por cento e onze países na cidade de Mérida,
México, entre 9 e 11 de dezembro de 2003. Composta por 71 artigos, é
o maior diploma internacional vinculante que trata de corrupção. No
Brasil, a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção foi ratificada
pelo Decreto Legislativo nº 348, de 18 de maio de 2005, e promulgada
pelo Decreto Presidencial nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. O texto
10 CARVALHO RAMOS, André de. Op. cit., em especial p. 26.
220
Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
é bastante amplo e inclui desde estabelecimento de ferramentas para
prevenir condutas como sanções e formas de recuperação dos ativos
desviados11. Certamente a Convenção de Mérida constitui verdadeiro
marco na luta contra a corrupção.
Embora seja a mais extensa, a Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção não foi, como visto acima, a pioneira a tratar do
tema: tem como precedentes outros instrumentos internacionais, como
a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) e a
Convenção Interamericana contra a Corrupção , da Organização dos
Estados Americanos (OEA).
Está dividida em oito capítulos: (i) disposições gerais, (ii) medidas
preventivas12, (iii) penalização e aplicação da lei; (iv) cooperação
internacional; (v) recuperação de ativos; (vi) assistência técnica e
intercâmbio de informações entre agências; (vii) mecanismos de
aplicação da Convenção e (viii) disposições finais.
Com relação às medidas preventivas estabelecidas na Convenção
de Mérida, destacam-se as obrigações impostas aos países relativas
(a) à afirmação e aplicação de políticas contra a corrupção, com
estabelecimento de um órgão independente encarregado de aplicar tais
políticas e promover práticas adequadas (artigos 5 e 6); (b) à garantia
de plena vigência de princípios e critérios normativos de equidade,
mérito, igualdade, eficiência e transparência na gestão pessoal do setor
público (art. 7); (c) à criação e aplicação de códigos de conduta que,
em conformidade com os princípios fundamentais do ordenamento
interno, promovam a integridade, honestidade e responsabilidade entre
os funcionários públicos (art. 8); (d) ao estabelecimento de sistemas
apropriados de contratação pública, baseados na transparência e adoção
11
O texto não é isento de críticas. Nesse sentido, destaque-se a observação
de que, com relação às medidas de transparência no financiamento de campanhas, previsto
no art. 7.3 da Convenção, o texto é “quase débil”, nas palavras de Lucinda A. Low. Conferir
em LOW, Lucinda. “Towards Universal International Anticorruption Standards: The United
Nations Convention Against Corruption and Other International Anticorruption Treaties: Too
Much of a Good Thing?”, in Second Annual Conference of the International Bar AssociationIBA, International Chamber of Commerce - ICC, Organization for Economic Cooperation
and Development- OCDE, “The Awakening Giant of Anticorruption Enforcement”, 22-23 de
abril, Paris, 2004.
12
Incluídas aí medidas preventivas especificamente direcionadas ao Poder
Judiciário e ao Ministério Público, conforme determina o artigo 11: “Artigo 11. 1. Tendo
presentes a independência do poder judiciário e seu papel decisivo na luta contra a corrupção,
cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento
jurídico e sem menosprezar a independência do poder judiciário, adotará medidas para
reforçar a integridade e evitar toda oportunidade de corrupção entre os membros do poder
judiciário. Tais medidas poderão incluir normas que regulem a conduta dos membros do poder
judiciário. 2. Poderão formular-se e aplicar-se no ministério público medidas com idêntico fim
às adotadas no parágrafo 1 do presente artigo nos Estados Partes em que essa instituição não
forme parte do poder judiciário mas goze de independência análoga”.
221
Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
de critérios objetivos (art. 9.1); (e) à promoção de transparência na
gestão da Fazenda Pública (art. 9.2); (f) à garantia de acesso à informação
púlbica e simplificação de procedimentos administrativos (art. 10); (g) à
independência e integridade do Poder Judicial e do Ministério Público
(art. 11) ; (h) à prevenção da corrupção e melhorias nas normas contábeis
e de auditoria no setor privado e (i) à determinação de sanções civis,
administrativas ou penais eficazes, proporcionais e dissuasivas no caso
de descumprimento dessas medidas (art. 12.1). O texto determina ainda
que os países signatários estimulem a participação ativa de pessoas e
grupos da sociedade civil e organizações não-governamentais na
prevenção e luta contra a corrupção (art. 13) e estabeleçam um amplo
regime interno de regulamentação e supervisão de bancos e instituições
financeiras em geral a fim de prevenir e detectar a lavagem de dinheiro
(art. 14).
Com relação à matéria criminal, a Convenção de Mérida estabelece
mandados internacionais de criminalização para que os Estados-parte
tipifiquem penalmente: o suborno de funcionários públicos nacionais,
estrangeiros e organizações internacionais públicas; malversação ou
peculato, apropriação indébita ou outras formas de desvio de bens, tráfico
de influência, abuso de função e enriquecimento ilícito de funcionários
públicos, assim como suborno e peculato no setor privado; lavagem de
dinheiro produto do delito, encobrimento do crime e obstrução à justiça.
Impõe que os Estados-parte estabeleçam (i) responsabilidade penal, civil
e administrativa das pessoas jurídicas; (ii) que nas modalidades delitivas
mencionadas seja possível punir as diversas formas de participação e
tentativa e (iii) que o conhecimento, intenção ou propósito que se requer
como elemento de um crime tipificando observando-se a convenção
possa ser inferido de circunstâncias fáticas objetivas.
Para assegurar a punição eficaz das condutas de corrupção, a
Convenção obriga que cada Estado Parte estabeleça, no ordenamento
jurídico interno, mecanismos apropriados para eliminar qualquer
obstáculo que possa surgir como conseqüência da aplicação da legislação
relativa ao sigilo bancário, para o caso de investigações penais de delitos
de corrupção ou a ela relacionados (artigo 40).
Na mesma direção, o artigo 52 da Convenção de Mérida impõe aos
Estados que adotem “medidas que sejam necessárias, em conformidade
com sua legislação interna, para exigir das instituições financeiras que
funcionam em seu território que verifiquem a identidade dos clientes,
adotem medidas razoáveis para determinar a identidade dos beneficiários
finais dosfundos depositados em contas vultosas, e intensifiquem seu
escrutínio detoda conta solicitada ou mantida no ou pelo nome de
pessoas que desempenhem ou tenham desempenhado funções públicas
eminentes e de seusfamiliares e estreitos colaboradores”. De fato, não
há como deixar de observar que para a manutenção da corrupção o
222
Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
secretismo é fundamental: os criminosos corruptos necessitam esconder
o resultado de suas condutas ilícitas, passando pelo mecanismo de
lavagem de dinheiro. Assim, normas rígidas de sigilo bancário propiciam
ambiente que incentiva a corrupção e a consequente lavagem de ativos.13
Portanto, há repercussões significativas da Convenção de Mérida
no campo criminal. Primeiramente, a Convenção exige que os países
disponham de diferentes tipos de crime referentes a atos de corrupção,
caso isso já não esteja previsto pelas leis nacionais. A Convenção é tida
como inovadora, pois além de exigir a criminalização das chamadas
“formas básicas de corrupção”, como suborno e desvio de fundos
públicos, também almeja a criminalização de figuras novas, como a
do tráfico de influência, proteção e cobertura de atos de corrupção,
obstrução da justiça, lavagem de dinheiro e legalização de ativos ilícitos
obtidos por meio de corrupção. A Convenção ainda incursiona pela
corrupção no setor privado. Suas estipulações concernentes a tipificação
de crimes são mandados internacionais de criminalização inovadores e
que obrigam os Estados a legislar criminalmente.
No campo processual penal, os Estados partes anuíram em
estabelecer marcos internacionais de cooperação, em todos os aspectos
do combate à corrupção, o que gerou normas sobre a prevenção,
investigação e punição dos criminosos. Para tanto, houve previsão de
cooperação jurídica internacional e mecanismos de coleta e transferência
de provas que poderão ser usadas em julgamentos em outros países,
bem como previsão de extradição dos responsáveis. Há também o dever
de adotar medidas que facilitem rastrear, congelar, apreender e confiscar
os rendimentos da corrupção.
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção também
inova ao prever a obrigações dos Estados de continuamente refletir
sobre a efetividade das medidas anticorrupção adotadas. Nesse sentido,
o Brasil comprometeu-se, por exemplo, a avaliar periodicamente os
instrumentos jurídicos a fim de determinar se são adequados para
combater a corrupção (art. 5º).
6. A BUSCA DA IMPLEMENTAÇÃO
INTERNACIONAL ANTICORRUPÇÃO
6.1. A cooperação
corrupção
Tratando
a
jurídica
corrupção
como
DO
internacional
fenômeno
DIREITO
contra
a
transnacional,
13 Nesse sentido, confira-se PREISS, Richard T. “Privacy of Financial Information and Civil
Rights Issues: The Implications for Investing and Prosecuting International Economic Crime”
in RIDER, Barry and ASHE, Michael. (Eds), Money Laundering Control. Dublin: Round Hall
Sweet & Maxwell. 1996, p. 343-360.
223
Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
evidentemente os instrumentos conferem especial destaque aos
instrumentos de cooperação jurídica internacional.
A cooperação jurídica internacional consiste no conjunto de
medidas e mecanismos pelos quais órgãos competentes dos Estados
solicitam e prestam auxílio recíproco para realizar, em seu território, atos
pré-processuais ou processuais que interessem à jurisdição estrangeira.
Seu escopo primário é concretizar o direito de acesso à justiça penal. 14
Duas das principais e mais tradicionais espécies cooperacionais
na esfera criminal são a extradição (espécie da cooperação jurídica
internacional em matéria penal que visa a entrega de indivíduo para
determinado Estado solicitante, para fins de submissão a processo penal
ou à execução de pena criminal)15e a assistência jurídica internacional
(conjunto de atos necessários para instituir ou facilitar a persecução
de uma infração criminal, como envio de documentos ou colheita de
provas)16.
A Convenção Interamericana, ao prever a cooperação jurídica
internacional para os casos de corrupção, expressamente determina que,
para melhor eficácia na repressão, que todos os atos ilícitos mencionados
na Convenção devem ser considerados crimes sujeitos à extradição ou
julgamento no próprio Estado (“aut dedere aut judicare”17). Os Estados
prometem ampla assistência recíproca, bem como cooperação e
intercâmbio de experiências voltados para identificação das práticas
lesivas e dos bens porventura auferidos pelos criminosos. Nega-se no
texto da convenção a hipótese de uso do sigilo bancário para a negativa
de cooperação entre os Estados.
Na Convenção Interamericana contra a Corrupção, ainda, impõe-se
que tanto para os casos de extradição como para os de assistência jurídica
“o fato de os bens provenientes do ato de corrupção terem sido destinados
a finalidades políticas ou a alegação de que um ato de corrupção foi
cometido por motivações ou finalidades políticas não serão suficientes,
por si sós, para considerá-lo como delito político ou como delito comum
vinculado a um delito político” (art. XVII), em restrição à clássica exceção
de delito político presentes nos antigos e mais tradicionais acordos e textos
internacionais que abordam cooperação jurídica.
14 Para um estudo mais aprofundado sobre o tema, ver ABADE, Denise Neves. Op.cit.
15 Ibíd., em especial capítulo 5.2.
16 “Acts necessary to institute or facilitate the prosecution of the criminal offence, such as
the service of documents or the taking of evidence.” Conferir em GEIGER, Rudolf. “Legal
Assistance between States in Criminal Matters” in BERNHARDT, Rudolf (Ed.), Encyclopedia
of Public International Law.vol. III, Amsterdam: New York: North Holland Publishing Co,
1992, p. 201-209, em especial p.201.
17 O princípio do “aut dedere aut judicare” (“extraditar ou julgar”) remonta a Grotius e tem
como objetivo assegurar punição aos infratores destas normas internacionais de conduta,
onde quer que eles se encontrem. Não estariam seguros, na expressão inglesa, “anywhere in
the world”. Conferir CARVALHO RAMOS, André de. “O Caso Pinochet: passado, presente e
futuro da persecução criminal internacional”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 1999,
vol 25, p. 106-114.
224
Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
Já a Convenção da ONU sobre Corrupção, ao prever a assistência
jurídica internacional, flexibiliza a exigência de dupla incriminação
(embora estabeleça que os Estados Partes poderão negar-se a prestar
assistência invocando a ausência de dupla incriminação), possibilitando
ao Estado requerido, quando esteja em conformidade com os conceitos
básicos de seu ordenamento jurídico, que preste assistência que não
envolva medidas coercitivas.
Outra inovação com relação à cooperação jurídica está na
Convenção de Mérida, que veda explicitamente a recusa de extraditar
com alegação de que o delito envolve matéria fiscal.18 A vedação vai
de encontro à tendência internacional de não mais permitir a recusa
em cooperar com base nos delitos tributários, uma vez que acaba-se
por acobertar outros delitos que podem estar encobertos pela cláusula,
como crime organizado, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro etc.
6.2. A atuação do Ministério Público Federal
O Direito Internacional corre o risco de inefetividade pela
ausência de mecanismos internacionais que assegurem a implementação
doméstica séria e eficaz de suas normas. Isto porque, não raro, embora
Estados ratifiquem tratados, os descumprem, alegando que os estão
cumprindo, de acordo com a sua própria interpretação19. Com isso,
o tratado (e suas obrigações) ficam esvaziadas, representando - no
máximo -, um apelo retórico e um compromisso superficial do Estado.
Os tratados tornam-se, assim, mais uma “carta de boas intenções” do
que um ato internacional vinculante.
O melhor remédio para combater essa ausência de seriedade
na implementação consiste na criação de órgãos internacionais que
realizarão uma interpretação internacionalista compulsória do tratado,
exigindo que o Estado desista de uma “interpretação nacionalista dos
tratados” e passe a cumprir suas obrigações.
No caso das Convenções contra a corrupção analisadas acima
(OCDE, OEA e da ONU), essa solução ideal não foi aceita pelos Estados.
Entretanto, foram estabelecidos mecanismos de acompanhamento
(“follow-up mechanisms”), pelos quais os Estados são avaliados por
especialistas externos, recebem recomendações e são cobrados a cada
nova rodada de acompanhamento. Wellington Saraiva concorda que “as
convenções dependem da vontade política interna de cada signatário”
e observa que a implementação das normativas também “pode ser
estimulada pelo próprio mecanismo de avaliação, ao longo do qual
18 Art. 44.16 da Convenção: “16. Os Estados Partes não poderão negar uma solicitação de
extradição unicamente porque se considere que o delito também envolve questões tributárias”.
19 Carvalho Ramos nomeia o fenômeno como “truque de ilusionista”. CARVALHO RAMOS,
André de. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 6a ed., São Paulo:
Saraiva, 2018, p. 313.
225
Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
deficiências institucionais dos países são apontadas pelos demais,
de modo a gerar algum embaraço a seus representantes, na técnica
conhecida como ‘identificar e envergonhar’ (naming and shaming)”.
Continua o autor salientando que até mesmo a atuação da imprensa e de
organizações não governamentais, como a Transparência Internacional
(que edita o ‘Índice de Percepção da Corrupção’ - Corruption Perception
Index) podem provocar mudança da conduta dos Estados20.
No caso brasileiro, o Ministério Público Federal (MPF) é
constitucionalmente legitimado para atuar nas causas baseadas em
tratados internacionais, nos termos do art. 109, III CF, uma vez que o
observância do Estado brasileiro à normativa dos tratados é identificada
pelo texto da Constituição como interesse federal.21
Neste artigo, como exemplo de atuação, analisaremos o papel
do MPF no mecanismo de acompanhamento das convenções contra
corrupção e o modo pelo qual tal mecanismo pode servir para
aprimorar e incrementar a eficiência do nosso combate nacional à
corrupção. Para melhor ilustrar a temática, utilizaremos o mecanismo
de acompanhamento da Convenção Interamericana como modelo.
7. O MONITORAMENTO INTERNACIONAL CONTRA A
CORRUPÇÃO: ESTUDO DE CASO
7.1. Aspectos gerais
Foi somente em 2001 que os Estados partes da Convenção
Interamericana contra a Corrupção (adotada em 1996) realizaram,
em Buenos Aires, conferência voltada à criação de um mecanismo de
acompanhamento das medidas internas de implementação do tratado22.
Tal conferência foi estimulada pela existência de mecanismo
similar de monitoramento da Convenção da OCDE sobre o Combate
da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
20 SARAIVA, Wellington. “Atuação do Ministério Público Federal nas convenções
internacionais contra corrupção”. In Temas de cooperação internacional. Brasília: MPF, 2015,
p. 175-184, em especial pp. 177-178.
21 A respeito do tema, Ubiratan Cazetta observa que “do Judiciário Estadual foi retirada
qualquer hipótese de vir a apreciar o interesse federal, não lhe competindo afastar tal interesse
ou reconhecê-lo, como, por sinal, expressam as Súmulas STJ 150, 224 e 254 (...) O rigor desse
entendimento é de tal ordem que se retira da Justiça Estadual até mesmo a possibilidade
de, tendo o juiz federal pela inexistência de interesse federal, suscitar o conflito negativo de
competência”. Conclui o autor: “A razão disso, como se vê, advém do reconhecimento de que
compete à Justiça Federal, com exclusividade, apreciar a posição jurídica da União, a fim
de evitar risco ao pacto federativo, decorrente da submissão do ente central ao alvedrio do
Estado-membro”. Ver em CAZETTA, Ubiratan. Direitos Humanos e Federalismo: o Incidente
de Deslocamento de Competência. São Paulo: Atlas, 2009, p. 110.
22 Conferir o “Report of Buenos Aires on the mechanism for follow-up on implementation
of the Inter-American Convention against corruption”. Disponível em: <http://www.oas.org/
juridico/english/followup_corr_arg.htm>
226
Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
Comerciais Internacionais, coordenado pelo “Group of States against
Corruption”, conhecido pela sigla GRECO.
Após as discussões de Buenos Aires, a Assembleia Geral da OEA
adotou a Resolução nº 1784, de 05 de junho, pela qual as deliberações
consensadas em Buenos Aires foram aceitas23. Foi estabelcido o
Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção
Interamericana contra a Corrupção - (Mechanism for Follow-Up
of Implementation of The Inter-American Convention Against
Corruption24). O Brasil assinou a Declaração sobre o Mecanismo de
Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana
contra a Corrupção em 9 de agosto de 2002.
A redação final gerou o estabelecimento de um mecanismo de
revisão pelos pares (peer review), baseado na reciprocidade e avaliações
mútuas. Por esse sistema, cada Estado é avaliado pelos demais Estados
e, em um momento subsequente, é avaliador (artigo 1º). Os princípios
aprovados pela Resolução reforçam a tradição do Direito Internacional
favorável ao Estado produzido no âmbito da OEA, com adoção explícita
dos princípios do respeito à soberania e da não-intervenção. O artigo 3º
do documento de Buenos Aires aprovado pela Resolução estabeleceu
as seguintes características do monitoramento: (i) imparcialidade e
objetividade do procedimento e das conclusões obtidas; (ii) igualdade
de tratamento entre os Estados avaliados; (iii) não adoção de sanções;
(iv) equilíbrio entre a confidencialidade e transparência e (v) condução
das tratativas e deliberações sob o manto do consenso entre os Estados.25
O Mecanismo possui dois órgãos: a Conferência dos Estados
partes, composta por representantes de todos os Estados, de cunho
essencialmente diplomático e a Comissão de Peritos (Committee
of Experts), composto por especialistas designados pelos Estados,
responsável pela análise técnica e independente da implementação. A
Conferência é o órgão intergovernamental típico, com forte componente
político; a Comissão, ao contrário, apesar de depender da indicação dos
Estados, deve se comportar como órgão neutro, avaliando os Estados
com base exclusivamente técnica. O apoio administrativo ao Mecanismo
é feito pela OEA.
Os especialistas escolhidos pelos Estados devem ser pessoas
com reconhecida competência e experiência no combate à corrupção.
A Comissão de Peritos é o coração do monitoramento da Convenção.
23 Ver texto integral da Resolução em <http://www.oas.org/juridico/english/
doc_buenos_aires_en.pdf>
24 Em espanhol, “Mecanismo de Seguimiento de la Implementación de la Convención
Interamericana contra la Corrupción” (MESICIC).
25 Ver análise crítica sobre o mecanismo em MICHELE, Roberto de. “The follow-up
mechanism of the Inter-american convention against corruption. A preliminary assessment:
is the glass half empty?”. In 10 Southwestern journal of Law and trade in the Americas (20032004), p. 295-318.
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Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
Possui duas atividades principais: produzir o relatório por país e o
relatório anual geral. De acordo com as regras de procedimento do
Comitê26, o processo de avaliação dos Estados é realizado, inicialmente,
pela adoção de um questionário no qual a Comissão seleciona as
disposições da Convenção cuja implementação será objeto de análise,
procurando nelas incluir tanto medidas preventivas como outras
disposições da Convenção. Todos os Estados serão avaliados em um
período conhecido por “rodada”. Desde a adoção do monitoramente, já
houve quatro rodadas.
A metodologia da avaliação é peça essencial para seu sucesso27. Em
primeiro lugar, a metodologia será a mesma para todo Estado avaliado,
para que sejam as condutas estatais comparáveis entre si: a igualdade de
tratamento exige que o questionário seja idêntico e os procedimentos e
parâmetros de avaliação também. Os relatórios finais sobre cada Estado
contêm a mesma estrutura também.
No tocante à avaliação, a Comissão adota o princípio da
equivalência funcional, pelo qual se reconhece que as medidas estatais
de implementação obviamente não serão idênticas, mas podem ser
equivalentes. A metodologia de avaliação também leva em consideração
a necessidade de reforço da cooperação interestatal, voltada para a
prevenção, detecção, punição e eliminação da corrupção.
Por isso, os critérios específicos de avaliação iniciam-se com a
apreciação do nível de progresso na implementação da Convenção. Com
base nesse critério, a Comissão deve avaliar o progresso feito (desde a
última rodada) e identificar as áreas nas quais o Estado deve atentar para a
próxima avaliação. O segundo critério específico consiste na aferição do
quadro normativo existente. A Comissão deve avaliar se o Estado possui
um quadro normativo adequado para a implementação da Convenção.
O terceiro critério específico é a adequação do quadro normativo, pelo
qual a Comissão verifica se as medidas de implementação do quadro
normativo são adequadas para cumprir os quatro objetivos básicos da
Convenção: prevenir, detectar, punir e eliminar a corrupção. Finalmente,
o quarto critério específico de avaliação consiste na apuração dos
resultados objetivos gerados pela aplicação do quadro normativo contra
a corrupção.
A escolha do cronograma de Estado avaliado pode ser feito por
adesão voluntária ou por critério objetivo. Obviamente, há impacto
político interno (que pode ser apropriado pelo governo ou pela oposição)
do monitoramente, o que pode gerar desejo de Estados de serem avaliados
rapidamente ou ainda vontade de postergar a avaliação para o final da
rodada. Selecionado o Estado avaliado, é designado um subgrupo de
26 Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/english/mesicic_docs_en.htm>
27 O inteiro teor da metodologia está Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/english/
followup_method.htm>
228
Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
peritos (não podendo ser composto por perito da nacionalidade do
Estado avaliado, naturalmente) para realizar a avaliação. Inicialmente, a
avaliação exige que o Estado avaliado responda ao questionário.
No caso do Brasil, como é uma avaliação internacional, compete
à Chefia do Estado indicar o coordenador nacional – atualmente,
a Controladoria-Geral da União – que responderá ao questionário
e apresentará os documentos pedidos. É possível ainda uma visita in
loco do subgrupo de peritos, que pode entrevistar os agentes públicos e
coletar mais dados.
Quanto à sociedade civil, o regulamento da Comissão de Peritos
prevê que entes da sociedade civil podem apresentar documentos e
ainda, a critério dos peritos, serem ouvidos sobre a implementação da
Convenção no período.
Ao final, é elaborado um relatório preliminar que é submetido
ao Estado avaliado, para seus comentários. É prevista inclusive uma
reunião entre o Estado avaliado e os peritos avaliadores, para que se
chegue a uma versão consensual do relatório de avaliação. Esse relatório
será submetido à aprovação, por consenso, no plenário da Comissão.
O plenário da Comissão poderá introduzir nesse relatório preliminar
as mudanças específicas que julgar necessárias, formular conclusões
e fazer recomendações pertinentes. A aprovação é por consenso, não
participando da votação o perito do Estado avaliado.
O relatório, aprovado, tem força de mera recomendação. Porém,
na rodada seguinte, o questionário exige que o Estado avaliado retrate o
que foi realmente realizado e justifique eventual dificuldade ou inércia.
7.2. Os desafios do monitoramento internacional contra a
corrupção
Antes de expormos as possibilidades de atuação do Ministério
Público Federal (MPF) no monitoramento internacional da convenção
interamericana contra a corrupção, cabe apontar os riscos e desafios
desse mecanismo.
Em primeiro lugar, o Mecanismo de Acompanhamento estudado
acima é espaço intergovernamental, que atua no sensível tema da
corrupção em cada um dos Estados partes. É notório que, por definição,
a corrupção atinge esferas do poder público (cooptadas para os ganhos
privados – dos próprios governantes ou do poder econômico associado),
o que faz que seu combate possa ser dificultoso em diversos países, tendo
como adversário parte dos agentes públicos nacionais.
Por isso, o primeiro risco do Mecanismo é que ele se concentre
no acompanhamento de medidas legislativas nacionais, sem maior
preocupação sobre o enforcement ou na medição do impacto real (número
de condenações, por exemplo) dessas medidas. O Mecanismo, lembrando
229
Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
a máxima de Tomasi di Lampedusa no clássico “Il Gattopardo”28,
serviria para mostrar mudanças, mantendo tudo - a corrupção - como
sempre foi... A dificuldade de vários países em apresentar resultados e
estatísticas confiáveis sobre o combate à corrupção nos mais diversos
níveis da organização de um Estado – municipal, estadual e federal mostra o desafio ao mecanismo.
O segundo risco é a adoção de recomendações do mesmo naipe,
ou seja, de cunho formal ou normativo, sem exigir que os Estados
avaliados mostrem, na rodada seguinte, os resultados efetivos do
combate à corrupção.
Por isso, a participação do MPF no acompanhamento da
implementação das convenções contra a corrupção tem dupla função:
(i) auxiliar os demais órgãos internos de combate à corrupção (como
a Controladoria-Geral da União - CGU) no fortalecimento da parte
prática do mecanismo de acompanhamento; (ii) buscar a elaboração de
recomendações que reforcem a atuação prática dos órgãos de fiscalização
e controle.
CONCLUSÕES
Do que foi visto até agora, há que salientar que os textos internacionais
citados – todos firmados, ratificados e promulgados pelo Brasil – não se
tratam de meras recomendações ou enunciados de boas intenções.
Suas disposições criam obrigações concretas para os Estados
parte. Assim, os Estados-parte estão obrigados a adotar as medidas
legislativas e administrativas previstas nos textos internacionais e os
valores, princípios, fins, meios e procedimentos consagrados, certamente
delimitando ao legislador nacional a discricionalidade para penalizar
ou não as condutas por eles disciplinadas, ou os princípios que devem
reger a função pública, dentre eles sistemas de declaração de ingressos,
patrimônio e atividades de servidores e de particulares que se envolvam
com o setor público.
Por isso, é importante que o Ministério Público Federal (MPF)
empodere-se, de modo profissional e constante, dos mecanismos de
monitoramento internacional contra a corrupção já existentes.
Dentro desta perspectiva, cabe ao MPF utilizar, em prol da
sociedade brasileira, do exercício de monitoramento internacional,
evitando que seja um mero cumprimento burocrático e quase invisível
das diretrizes impostas pela normativa internacional, fazendo que o
esforço internacional contra a corrupção seja, efetivamente, um motor
de mudança no desenvolvimento da temática no Brasil.
28 “Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi”. TOMASI DI
LAMPEDUSA, Giuseppe. Prefácio de Gioacchino Lanza Tomasi. Il Gattopardo. Milano:
Feltrinelli, 2008.
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Direito internacional anticorrupção no Brasil. Denise Abade
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Internacional. São Paulo: Saraiva, 2013.
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TOMASI DI LAMPEDUSA, Giuseppe. Prefácio de Gioacchino Lanza
Tomasi. Il Gattopardo. Milano: Feltrinelli, 2008.
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Rev. secr. Trib. perm. revis. Año 7, Nº 13; Marzo 2019
•••••
INTERNATIONAL ANTICORRUPTION LAW IN BRAZIL
Abstract: The article aims to analyze the formation, through the adoption
of several treaties, of the so-called “international anti-corruption law”,
highlighting its current link with the protection of human rights, as well as
focusing its internal implementation in Brazil.
Keywords: Corruption, International Law, Implementation, Monitoring,
Public Prosecution Service, Human Rights
RESUMO BIOGRÁFICO
Denise Abade é Doutora em direito (Facultad de Derecho de la
Universidad de Valladolid); Mestre em direito processual (Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo - Largo São Francisco).
Procuradora Regional da República. Secretária Adjunta de Cooperação
Jurídica Internacional da Procuradoria-Geral da República (2017-2019).
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