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Deixar Brincar com o Fogo

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A intrusão é máxima nos estados totalitários, menor nos paternalistas e mínima nos liberais. O princípio da subsidiariedade, que estabelece que os problemas sociais devem ser tratados ao nível mais próximo das pessoas compatível com a sua eficaz resolução, parece ser o mais humano: seria excessivo e ineficaz que a disputa entre o Joãozinho e o Zezinho sobre uma fatia de bolo fosse adjudicada pela Junta de Freguesia ou pelo Tribunal da Comarca em vez de pelos pais. Por outro lado, também seria excessivo e ineficiente que a Junta de Freguesia procurasse ter o seu próprio arsenal de dissuasão nuclear contra um eventual ataque de uma potência externa. Outra caraterística do sistema jurídico montado e operado pelo estado é de estabelecer e, tendencialmente, impor uma moralidade. Um estado que proíbe a poligamia[3] está a impor uma moralidade sexual, familiar e social diferente de outro que a permite. Também a moralidade social relativa à propriedade será diferente consoante seja proibido roubar[4] em todas as circunstâncias, ou só quando não sejam entidades públicas a fazê-lo. É fácil imaginar que a harmonia social será máxima, e o conflito mínimo, quando a grande maioria dos membros de uma sociedade partilham de um código ético que é refletido no sistema jurídico. Tem sido consensual na civilização ocidental que o estado deve proteger a vida e os direitos dos mais vulneráveis. Por exemplo, o infanticídio tem sido um crime punível na Europa nos últimos séculos, ao contrário do que acontecia antigamente em Roma e na Fenícia, ou até mais recentemente no México ou no Japão. Enquanto os legisladores romanos e japoneses preferiam não se imiscuir nesse delicado aspeto da autoridade paternal, os europeus estabeleceram o princípio contraintuitivo, baseado numa peculiar moralidade, de que os pais não têm poder sobre a vida dos seus filhos. Verifica-se aliás que, durante as últimas gerações, o estado nos países ocidentais se tem tornado cada vez mais paternalista na regulação do que as crianças podem ou não podem fazer. Não há muito tempo era ou pai ou a mãe que decidiam se o Joãozinho podia beber um copo de vinho ao almoço ou não. Hoje é a lei da república[5] a decidi-lo. Há cinquenta anos atrás os filhos podiam dizer aos pais que não queriam ir para o liceu. Hoje já não podem: o estado impõe-lhes a escolaridade obrigatória. O estado é cada vez mais pai severo, guardião de uma moralidade neo-calvinista estrita, que não deixa crianças e adolescentes fazerem muitas coisas que dantes com um pouco de, senão diplomacia, pelo menos de insistência, os filhos conseguiam licença dos pais. Enquanto há um século qualquer puto conseguia do pai que o deixasse cavalgar ou guiar a carroça na via pública, hoje o estado já não o deixa, nem sequer um dois-cavalos. Fumar aos 12? Idem. Trabalhar na loja ou na oficina aos 13? Idem. Casar aos 14? Idem. Andar sem cinto no carro aos 15? Idem. Até o teor de açúcar dos refrigerantes é regulado agora pelas boas intenções dos nossos papás governantes… algo que dantes era da competência exclusiva das mães! Curiosamente este estado intrometediço, cada vez menos subsidiário à medida que se torna mais subsidiarista, que proíbe tudo o que nos dá prazer e não permite às crianças beber cerveja ou ingerir açúcar, nem deixa os adolescentes trabalhar ou casar a seu belo prazer, com ou sem o consentimento familiar, descobriu agora a importância de dar autonomia às crianças e adolescentes em duas áreas em que as decisões são de sua natureza irreversíveis (ao contrário do casamento) e fatais (ao contrário de uma boa cerveja). Uma é a do suicídio infantil medicamente induzido, já legal na Holanda e Bélgica, e em vias de ser legalizado noutros estados. Embora inicialmente justificado como solução ‘compassiva’ para apenas ser aplicado em casos de doenças irreversíveis e causadoras de dor intolerável, rapidamente é feita a sua extensão para casos de sofrimento psicológico de difícil comprovação clínica, tal como acontece quando a cacotanásia ‘para adultos’ é liberalizada. O potencial de utilização da cacotanásia infantil no interesse de adultos ‘compassivos’ é vasto. Para dar só um exemplo, é conhecido que as consequências traumáticas do abuso sexual incluem depressão e tendência para a inflição de auto dano, incluindo o suicídio. Também é sabido que, com o tempo e com ajuda psicológica competente, estes efeitos tendem a atenuar-se e a vítima tende a voltar a ganhar autoestima e autoconfiança. Que conveniente não será para os abusadores sexuais que, antes que ela reganhe autoconfiança e forças para os acusar, requeira o suicídio medicamente assistido? Outra é a da cirurgia de redesignação sexual e práticas de intoxicação hormonal afins que levam à desfiguração e esterilização permanente. Embora nalgumas crianças a incongruência e a disforia de género sejam problemas psicológicos reais e sérios, que merecem compaixão e requerem prevenção e tratamento, também são condições temporárias na grande maioria dos casos. Permitir que crianças ou adolescentes, que não têm maturidade para votar nem para atravessar a fronteira sem autorização parental, possam optar por se submeter a processos castradores irreversíveis, de que a maioria mais tarde se arrependerá, parece mais ser abuso do que compaixão. Que sentido faz o estado obrigar as crianças a usarem uma cadeirinha no automóvel, não vão elas magoar-se num acidente (ou até perder um braço ou uma perna…), mas permitir que sejam castradas por causa de um macaquinho transitoriamente de passagem pelo sótão? Ou multar um adolescente que não usa o cinto, não vá ele morrer num embate, mas subsidiar o ato ‘médico’ que o mata? Não será sinal seguro da insanidade do estado que nos governa, e de demência dos seus legisladores, que este se preocupe com os efeitos nocivos do teor calórico das sangrias, mas não com a verdadeira sangria inumana que a cacotanásia e a redesignação sexual infantil darão origem? Ou em obrigar crianças a usar capacete no triciclo, mas deixá-las (quiçá, encorajá-las) a brincar com o fogo que as destruirá? José Miguel Pinto dos Santos, Professor Universitário. U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue coumu qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam [1] Homem: animal que se ocupa e preocupa mais com aquilo que quer ter e quer parecer do que com aquilo que deve ser. [2] Felicidade: sentimento inatingível através da riqueza ou sucesso pessoal, mas que a miséria alheia potencia. [3] Poligamia: instituto penal que, tal como a amputação e a pena de morte, é considerado atualmente como sendo de crueldade excessiva, mas que ainda é usado em algumas sociedades para punir os crimes de hétero-patriarcado; em sistemas penais mais brandos, como o nosso, foi substituído pela monogamia—que ainda pode ser comutada em divórcio por bom comportamento. [4] Roubo: uma das artes de aquisição de dinheiro. Embora haja moralistas que questionem a sua legitimidade ética, a antiguidade da profissão e a nobreza de alguns dos seus mais hábeis praticantes deveria ser prova suficiente da dignidade da atividade e da honradez dos seus praticantes. Na listagem de Sofocleto Lactantius (fl. séc. 3 a.C.) encontram-se incluídas as seguintes especialidades desta arte: assalto, arrombamento, burla, confisco, concessão danosa de crédito, corrupção, depredação, desfalque, desvio, esbulho, expropriação, extorsão & fiscalidade, fraude, furto & impostos, latrocínio & nacionalização, peculato, peita, pilhagem, rapina, suborno, taxas municipais & audiovisuais e tributação. Que esta última pertence legitimamente à categoria é-nos assegurado por François-Marie Arouet (1694—1778), um dos filósofos patronos dos nossos esquerdistas mal pensantes, venerado sob o nome de Voltaire. Relata-se que 1 dia, viajando com 1 grupo de amigos por uma floresta especialmente densa e tenebrosa, entraram n1a estalagem à beira do caminho. Para dissipar medos, à ceia combinaram contarem, 1 de cada vez, 1a história de salteadores. Quando chegou à sua vez Arouet começou: “Era uma vez um Diretor Geral das Contribuições e Impostos.” Tendo parado aqui os amigos instaram-no a prosseguir, ao que ele respondeu: “Esta é a história de salteadores que vos tinha para contar.” [5] República: misto, em proporções variáveis, de despotismo e anarquia; (Port.) sistema de desorganização política; sistema político em que o que governa é o que é governado, em quem dá ordens é quem as recebe; estado em autogestão; vários antropólogos e politólogos provaram este sistema ser racista e xenófobo por historicamente só se encontrar em sociedades dominadas pelo hétero-patriarcado branco; a adaptabilidade da república ao gosto de cada geração que passa é semelhante à do camaleão, como o demonstra o facto de existirem tantos tipos de república, quantas as gradações entre despotismo e anarquia (em Portugal já lá vão três). [6] Sangria: bebida sagrada para consumo humano preparada à base de água e de vinho, mistura do dom mais puro e preciso com que a natureza agraciou a humanidade com o produto mais sublime do engenho humano, ao quais se junta, conforme os gostos, sumos de frutas e açúcar; derramamento de sangue, como o que era feito pelos sacerdotes de Baal através da degolação de crianças e adolescentes nos altares cananeus, sacrifício que o Bloco pretende reintroduzir nesta terra de Santa Maria. COMPARTILHAR:   Anterior “Não Podemos Ficar Indiferentes Perante as Barbaridades que Ocorrem em Cabo Delgado” POSTS RELACIONADOS       Próximo  Inquietação | Que os Meus Egrégios Avós me Perdoem