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Os Desafios Contemporâneos Da Gestão Democrática Da Educação

2015, LAPLAGE EM REVISTA

A obra reúne escritos de vários autores que abordam a gestão democrática da educação sob diversos prismas, organizados por Dalila Oliveira Andrade. A gestão democrática não se trata de um tema recente, haja vista que já aparece na Constituição Federal de 1988 e na Lei 9.394/96, entretanto, ainda se faz presente nas discussões do meio educacional, pelos seus desafios, limitações e interesses para a sua concretização no aspecto das políticas públicas e talvez pela ausência de consenso quanto a interpretação de gestão democrática, ora entendida como uma maior participação popular, ora como divisão de poder e consequente desresponsabilização das esferas administrativas. A discussão posta pelos autores se estabelece a partir de um posicionamento ideológico, onde são tecidas críticas contundentes, em diferentes abordagens, que acabam por convergir na questão econômica, nos direcionamentos determinados pelos organismos internacionais, marcadamente sob a égide do Neoliberalismo.

DOI: http://dx.doi.org/10.24115/S2446-6220201513106p.147-151 Resenha Os desafios contemporâneos da gestão democrática da educação OLIVEIRA, D. A. (Org.). Gestão democrática da educação: desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1997. 288p. Isabel Cristina Caetano Dessotti* Universidade Estadual de Campinas/UNIP Elise Dessotti** Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba A obra reúne escritos de vários autores que abordam a gestão democrática da educação sob diversos prismas, organizados por Dalila Oliveira Andrade. A organizadora é Professora Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais na área de Políticas Públicas e Educação. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1986), mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1992) e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (1999). Realizou um Pós-doutoramento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (2005) e outro na Université de Montréal, Canadá (2005). Desenvolve estudos e pesquisas com ênfase em Política Educacional, gestão escolar e trabalho docente na América Latina. Foi coordenadora do Grupo de Trabalho "Educación, politica y movimientos sociales" no âmbito do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) entre 2006 e 2009; Diretora de Cooperação Internacional da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) entre 2007 e 2009. Foi vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) entre 2005 e 2009 e Presidente (2009/2013). Atualmente exerce a coordenação geral da Rede Latinoamericana de Estudos Sobre Trabalho Docente (RedEstrado). Autora e co-autora de vários livros e artigos em periódicos nacionais e estrangeiros. A gestão democrática não se trata de um tema recente, haja vista que já aparece na Constituição Federal de 1988 e na Lei 9.394/96, entretanto, ainda se faz presente nas discussões do meio educacional, pelos seus desafios, limitações e interesses para a sua concretização no aspecto das políticas públicas e talvez pela ausência de consenso quanto a interpretação de gestão democrática, ora entendida como uma maior participação popular, ora como divisão de poder e consequente desresponsabilização das esferas administrativas. A discussão posta pelos autores se estabelece a partir de um posicionamento ideológico, onde são tecidas críticas contundentes, em diferentes abordagens, que acabam por convergir na questão econômica, nos direcionamentos determinados pelos organismos internacionais, marcadamente sob a égide do Neoliberalismo. O cenário mundial hodierno tem sido marcado por profundas mudanças na configuração dos Estados Nacionais, particularmente no que tange as políticas sociais. São mudanças oriundas dos processos de reestruturação capitalista e de internacionalização e globalização da economia. O aparecimento do neoliberalismo como o modelo a ser perseguido, privilegiando as relações de mercado como reguladoras da vida social, despossuindo o Estado de suas funções assistenciais, vem elegendo as Laplage em Revista (Sorocaba), vol.1, n.3, set.- dez. 2015, p.147-151 ISSN:2446-6220 DESSOTTI, I.C.C.; DESSOTI, E.  148 políticas sociais como seu alvo predileto. Por essas e outras razões, os desafios que se colocam para a gestão da educação pública no atual contexto não são poucos. Lucia Bruno trata em Poder e administração no capitalismo contemporâneo, da reorganização capitalista envolvendo a globalização da economia e a internacionalização do capital, processo esse que vem se configurando desde a 2ª guerra mundial. Atualmente a aceleração da concentração de capital permitiu às maiores empresas relacionarem-se diretamente, secundarizando o papel do Estado como coordenador da vida econômica, assumindo elas próprias, cada vez mais, funções econômicas e políticas de abrangência supranacional. Aos Estados Nacionais resta disputarem entre si os investimentos das grandes empresas, esforçando-se para lhes oferecer o maior número possível de benefícios, numa posição totalmente subordinada. Nessa perspectiva a escola tem um papel fundamental. Ao lado da família e do meio social mais amplo, a escola é uma das esferas de produção de capacidade de trabalho numa sociedade rasgada por contradições cada vez mais agudas, a esfera ideológica assume grande importância enquanto elemento de coesão social. O que está sendo pensado e implementado na rede pública são adequações às tendências gerais do capitalismo contemporâneo, com especial ênfase na reorganização das funções administrativas e de gestão da escola, assim, como o processo de trabalho dos educadores, envolvidos com a formação das futuras gerações da classe trabalhadora, tendo em vista a redução de custos e de tempo. Em termos de processo de trabalho dos educadores, trata-se de eliminar o que nas empresas classifica-se como refugo e retrabalho. O refugo configura o aluno que abandona a escola, ou seja, um “investimento perdido” e o retrabalho é o repetente. Marília Fonseca aborda sobre O Banco Mundial e a gestão da educação brasileira. Esclarece a autora que esse organismo internacional instituído para ser fonte de financiamento ao setor social a fim de promover a justiça social para as nações mais pobres, no tocante à educação a ênfase deve ser no ensino primário e mais direcionada para as regiões de concentração de pobreza crescimento populacional acelerado, já que este é considerado fator de desestabilização das economias centrais e locais pela possibilidade de gerar pressões massivas por benefícios sociais e econômicos. Estas determinações procuram incentivar a diminuição do número de filhos, imprescindível para a noção de sustentabilidade e inserção da mulher no mercado de trabalho. Em tempos de ajustes econômicos o Banco Mundial sugere que as reformas educacionais nos diferentes níveis de ensino visem a privatização dos níveis mais elevados de ensino, especialmente o superior (enfoque seletivo) e que os recursos públicos sejam direcionados para o ensino primário garantindo a universalização do acesso à educação além de priorizar nos investimentos os insumos educacionais como as bibliotecas, livros-texto, material instrucional em detrimento da fatores humanos, como formação, experiência e salário de professores. Para Dalila Andrade de Oliveira em Educação e planejamento as relações entre planejamento social e educação podem ser compreendidas nos vínculos entre desenvolvimento e educação. Nos planos de desenvolvimento brasileiros, prevalece uma abordagem dos aspectos sociais como coadjuvantes no processo econômico. Isto é, a educação e outros setores sociais não são pensados em função dos benefícios ou do bem-estar da população, mas o que se percebe é o predomínio do econômico nas "razões" do Estado. Na verdade, as questões sociais são tomadas como instrumentos dos imperativos econômicos nos planos, o que pode ser verificado nas formas como os recursos são alocados nos mesmos. A educação, neste cenário plenamente dominado pelo economicismo, aparece como um Laplage em Revista (Sorocaba), vol.1, n.3, set.- dez. 2015, p.147-151 ISSN:2446-6220  149 . Os desafios contemporâneos da gestão democrática da educação instrumento para promover o crescimento e reduzir a pobreza. Investir em educação equivale a investir em “capital humano”, já que o planejamento educacional considera o analfabetismo como responsável pelo atraso, pelo subdesenvolvimento. Na gestão da educação pública, os modelos fundamentados na flexibilidade administrativa podem ser percebidos na desregulamentação de serviços e na descentralização dos recursos, posicionando a escola como núcleo do sistema. No caso específico das políticas educacionais, é importante salientar que a Constituição Federal de 1988, ao incorporar a gestão democrática da educação como demanda dos movimentos sociais em seu texto, apontou novas formas de organização e administração do sistema, tendo como objetivo primeiro a universalização do ensino a toda população. A partir daí o que se assiste é uma tentativa de interpretação do conteúdo deste dispositivo, o que possibilita que diferentes políticas se efetivem por sob o mesmo manto da gestão democrática. Maria de Fátima Félix Rosar em A municipalização como estratégia de descentralização e desconstrução do sistema educacional brasileiro lança a hipótese de que a descentralização, grande marca dos novos processos de gestão, está articulada ao processo de globalização que ocorre tanto na economia, quanto na difusão da ideologia neoliberal. Para tanto o Banco Mundial presta assessoria a diferentes programas educacionais de modo que estes estejam adequados aos seus interesses, inclusive de realizar o financiamento necessário através de novos empréstimos. O processo de descentralização pela via da municipalização, induzida pelo governo federal, produziu um efeito desagregador das redes municipais, afetando diretamente a expansão e a qualidade de ensino. Romualdo Portela de Oliveira em A municipalização do ensino no Brasil: duas matrizes ideológicas da municipalização do ensino revisita a concepção corrente e muito difundida de municipalização como sendo a descentralização administrativa e maior participação popular. Entretanto, assevera que o termo “descentralização” pode ser entendido tanto como o processo de transferência de encargos quanto de poder. A municipalização posta atualmente é a transferência de encargos de uma esfera à outra, porém isso não significa um processo de “democratização” no sentido com o qual é positivamente percebido pelo senso comum. Explica ainda que a maior participação, ou seja, ter a população mais próxima “fisicamente” do centro de tomadas de decisão, não significa que estas serão tomadas de maneira democrática. Na perspectiva do Banco Mundial a argumentação se apoia na ideia de “racionalização”, entendida como solução “racional” de combate ao desperdício de recursos na educação brasileira. Reafirmando a lógica do “Estado Mínimo” e da desobrigação do Estado para com as suas responsabilidades em relação à educação fundamental a vertente Neoliberal traz um inequívoco sentido privatizante. No caso da esfera municipal não conseguir dar conta desse ensino uma alternativa passa a ser a iniciativa privada. Para o autor a municipalização não significa necessariamente descentralização nem tampouco democratização se inserindo mais num processo de desobrigação. Carlos Roberto Jamil Cury em O Conselho Nacional de Educação e a gestão democrática apresenta o tratamento dado pela legislação à gestão democrática formulando alguns questionamentos instigantes. A Constituição Federal em seu artigo 206 prevê a valorização do trabalho docente e gestão democrática do ensino público, na forma da lei (inciso VI) resultado da conquista dos educadores que também se vê reproduzida nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais. Indaga o que significa o silêncio da legislação sobre o caráter democrático da gestão na rede privada. Para o autor a gestão democrática tem um interlocutor (oculto?) que é o autoritarismo hierárquico de que se revestiu tanto a administração das redes quanto a própria relação pedagógica. A gestão democrática do ensino público supõe a transparência de processos e de atos, uma vez que ao caráter público e aberto se opõe o Laplage em Revista (Sorocaba), vol.1, n.3, set.- dez. 2015, p.147-151 ISSN:2446-6220 DESSOTTI, I.C.C.; DESSOTI, E.  150 privado e o secreto. Remetendo à escola, a gestão democrática do ensino não anula, mas convive com certas especificidades hierárquicas, pois o professor detém um conhecimento cujo conteúdo – presume-se – não é dominado pelo estudante. A transmissão de conhecimentos não é igual a venda de mercadorias postas à disposição de clientes no mercado. A relação posta na transmissão de conhecimento implica a hierarquia de funções (mestre/aluno) e isto não quer dizer hierarquia de pessoas e nem que o aluno jamais chegue à condição de mestre. Dessa forma a relação de conhecimento quanto mais serve (não se esquecer da natureza do serviço público inerente à transmissão do conhecimento) mais se multiplica e, ao contrário de uma apropriação privada, mais se socializa. Celso de Rui Beisiegel e A política de jovens e adultos analfabetos no Brasil traça a trajetória da educação de jovens e adultos no Brasil, destacando as principais iniciativas como: Campanha de Alfabetização de Adultos idealizada por Lourenço Filho, os Movimentos de Educação de Base, Movimento de Cultura Popular, Campanha de pé no chão também se aprende a ler, destacando a atuação de Paulo Freire, e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Apresenta as garantias da Educação de Jovens e Adultos consagradas pela Constituição Federal de 1988. Conclui que a despeito das conquistas legais, ainda permeia nas políticas educacionais o pensamento de que alfabetizar o adulto é um gasto desnecessário, já que este pelo bem ou pelo mal já se posicionou na sociedade. Marisa Ribeiro Teixeira Duarte enfoca a Reforma do Estado e Administração de pessoal: reflexões sobre a história da política de gestão dos trabalhadores em educação. Argumenta que na atualidade, a ênfase política acha-se posta na questão da produtividade do trabalho docente e tem por suposto o desinteresse do funcionário/professor para com o destinatário dos serviços prestados. Esta premissa justifica medidas de desregulamentação de direitos e vantagens atribuídos aos professores, enquanto funcionários públicos, com a finalidade de produzir alterações que traduzam ganhos de produtividade (entendidos como redução de custos e das taxas de evasão e repetência). Justifica a ruptura com uma política de universalização dos direitos e vantagens e sua substituição pela competição no mercado por melhores condições de trabalho. Sandra Maria Zákia Lian de Souza trata da Avaliação do rendimento escolar como instrumento de gestão educacional que, no discurso hodierno a educação precisa alcançar qualidade capaz de responder às demandas decorrentes das transformações globais nas estruturas produtivas e do desenvolvimento tecnológico. Dessa forma a escola tomada como um “microssistema” educacional, é responsabilizada pela construção do “sucesso escolar”, cabendo ao poder público a aferição da produtividade, por meio de aplicação de provas de rendimento aos alunos. A autora considera temerário um sistema de avaliação cujo indicador nuclear seja o rendimento do aluno. Esse sistema não parece querer buscar subsídios para intervenções mais precisas e consistentes do poder público, mas sim estimular a competição entre as escolas, responsabilizando-as pelo sucesso ou fracasso escolar. Esse procedimento pode gerar sob a classificação aparentemente técnica, a seletividade social na escola que na esperança de premiações e o temor de punições podem levar à “expulsão” de alunos que não revelam probabilidade de sucesso nos testes. Da forma como vem sendo tratada a avaliação de rendimento, está pautada no mérito, não só da escola, mas do aluno individualmente. Nessa perspectiva individualizada de sucesso ou fracasso do aluno tal procedimento pode significar, no limite, um descompromisso do poder público com suas responsabilidades na área educacional. Laplage em Revista (Sorocaba), vol.1, n.3, set.- dez. 2015, p.147-151 ISSN:2446-6220  151 . Os desafios contemporâneos da gestão democrática da educação Considerando-se os pontos de vista dos diferentes autores e suas abordagens pode-se inferir que gerir o sistema público de educação de acordo com a lógica da economia de mercado tende a promover, não a sua democratização, mas o seu desmonte. Nessa discussão o que tem prevalecido, ainda que implicitamente são as armadilhas ideológicas, onde políticas autoritárias e discriminatórias se apropriam de um discurso democratizante. * Doutoranda em Educação/UNICAMP. Professora Universitária/UNIP. E-mail: isadessotti@gmail.com em Educação/UFSCAR – Campus Sorocaba. Professora da rede estadual de ensino/SP. E-mail: lidessotti@gmail.com **Mestranda Recebido em 21/11/2015 Aprovado em 29/12/2015 Laplage em Revista (Sorocaba), vol.1, n.3, set.- dez. 2015, p.147-151 ISSN:2446-6220