[VERSÃO RASCUNHO-DRAFT]
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A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
JÚLIO CÉSAR COSSIO RODRIGUEZ1
Este capítulo oferece um breve panorama da evolução da política externa brasileira (PEB) em
sua relação com o sistema internacional. A análise percorre o século XX até chegar às principais
linhas de continuidade e mudança na ação diplomática do país durante as quatro presidências
de FHC e Lula. Propõe-se uma reflexão a respeito dos principais determinantes da elaboração
e execução da política externa, quais sejam: o papel do Itamaraty, outros fatores domésticos e
influências internacionais. Com esse intuito, o capítulo se divide em quatro partes: a primeira
consiste em um breve mapeamento dos estudos sobre a política externa brasileira; a segunda
demonstra a evolução da política externa de 1902 até 1994, cotejando os aspectos domésticos
com os internacionais; a terceira analisa, com mais rigor, o período que vai de 1994 até 2010;
e a parte final discute os possíveis determinantes e condicionantes da política externa brasileira.
1. O Estudo da Política Externa Brasileira
Os trabalhos de síntese sobre a área de Relações Internacionais do Brasil apontam que,
na última década, foi crescente o volume de produção sobre política externa brasileira. Dentre
os indicadores utilizados para afirmar isto constam: o número de artigos sobre o tema
publicados em revistas científicas, o número crescente de cursos de graduação e pós-graduação
na área e, também, o crescente número de revistas acadêmicas sobre a temática (ALMEIDA,
2004; LESSA, 2006; MYIAMOTO, 1999; SALOMÓN e PINHEIRO, 2013; VIZENTINI,
2005). A maior visibilidade internacional do país nos últimos anos contribuiu para aumentar tal
1
O autor agradece aos comentários de Andrés Malamud, Antônio Octávio Cintra, Luis Leandro Schenoni, Octavio
Amorim Neto e do assistente de pesquisa Roberto Teles a uma versão prévia deste texto.
produção. Um panorama sucinto da evolução do campo de estudos se faz necessário, como
introdução ao debate proposto neste capítulo.
Os primeiros trabalhos sobre a política externa brasileira remontam ao início do século
XX. Dentre os principais estão os organizados pelos atores políticos envolvidos nos processos
decisórios. Inicialmente, intelectuais atuavam como diplomatas e assim as abordagens
relacionavam-se diretamente com a prática da ação internacional, como demonstram Pinheiro
e Milani (2012). Após essa fase inicial, passam a se destacar as universidades e os institutos
especializados. Figuram, então, os primeiros trabalhos acadêmicos sobre o tema nos anos
cinquenta e sessenta, em especial relacionados a história diplomática, mas já abordando
questões como a busca pela autonomia e o desenvolvimento nacional.
No decorrer dos anos setenta e início dos oitenta, surgem os primeiros estudos
sistemáticos sobre a política externa, grande parte deles vinculados aos primeiros cursos de
relações internacionais (LESSA, 2006). O primeiro diálogo entre a História e a Política data
desse período. Nos anos noventa, a área passa por uma segunda ampliação, com a criação de
cursos de Relações Internacionais no centro do país. A ampliação trouxe consigo a
diversificação nas abordagens e outras áreas passaram a influir sobre a produção de política
externa brasileira. Entretanto, duas áreas destacaram-se como as principais ao longo do tempo:
a História e a Ciência Política. No século XXI, há um avanço em direção a outras regiões e uma
ênfase dos centros mais consolidados no âmbito da pós-graduação. Segundo Salomón e
Pinheiro (2013) os debates conceituais e teóricos sobre a política externa brasileira
acompanharam o crescimento da área de Relações Internacionais no Brasil e esta trajetória
conduziu, recentemente, à formação de um ramo específico - a Análise de Política Externa
(APE). As diferentes contribuições da teoria de relações internacionais e/ou da política
internacional encontram-se, então, com a PEB. Como demonstraram estas autoras, as diferentes
teorias contribuem cada qual com as suas ferramentas analíticas para aprimorar os trabalhos da
área. Ao longo do tempo, os estudos voltados aos processos históricos nacionais e às dinâmicas
políticas domésticas foram prioritários.
O estudo realizado por Amorim Neto (2011) configura-se como um esforço pioneiro de
pôr em diálogo o realismo neoclássico 2, as teorias sobre política externa e os métodos
2
Compreende-se, por realismo neoclássico, uma vertente recente do realismo na teoria da política internacional.
Esta tem por especificidade considerar o ambiente doméstico como interveniente, isto é, de forma distinta do
neo-realismo Waltziano (1979), que dá pouca relevância à política doméstica, ela considera, por exemplo, as
dinâmicas das elites, a estabilidade governamental e a fragmentação social como mediadores no processo de
implementação de uma política externa. Assim, um estudo que vise relacionar as condicionantes sistêmicas
quantitativos da ciência política para analisar a política externa brasileira. Seu trabalho busca
identificar que fatores são determinantes na definição e implementação da política externa
brasileira. O propósito foi fazer um balanço entre os fatores domésticos e internacionais. O
autor encontrou que há, para surpresa dos estudiosos da área, um peso considerável dos fatores
sistêmicos sobre a atuação internacional do país. Tal surpresa deve-se ao fato de que raramente
foram usadas as ferramentas conceituais do realismo para abordar a política externa brasileira.
Destaca-se aqui que os estudos anteriores dialogavam com conjunturas internacionais; todavia,
não tratavam como determinante ou condicionante das escolhas do país os efeitos estruturais
do sistema internacional, como pressupõem as teorias realistas. Entretanto, o autor não
relacionou as mudanças estruturais com as alterações na política externa brasileira. Para
realizar, neste capítulo, um panorama que ofereça ao leitor uma visão ampliada da política
externa brasileira, defende-se a necessidade de considerar primeiramente os fatores sistêmicos
(mudanças na distribuição de poder, emergência de atores revisionistas e incremento de
capacidades nacionais) e relacioná-los com os domésticos (processo decisório, papel do
Itamaraty, peso dos presidentes, dentre outros aspectos).
A evolução da política externa será tratada com base nos instrumentos conceituais da
teoria da política internacional, em diálogo com as abordagens principais sobre a política
externa brasileira ao longo do século XX. A perspectiva a ser utilizada alia-se ao realismo
neoclássico, que enquanto corrente teórica recente do realismo, abarca tanto as definições sobre
os efeitos causais da estrutura do sistema internacional, quanto fatores intervenientes à
elaboração da política externa (LOBELL et al, 2009; SCHWELLER, 1994, 1998, 2006).
O sistema internacional, segundo a teoria, atua como fator condicionante da política
externa dos estados, entendidos como atores principais. Tal fato ocorre em função dos
pressupostos da teoria realista, principalmente a neo-realista. Para essa linha teórica, num
ambiente de competição e de estados soberanos, impera a anarquia, e nela a distribuição de
capacidades materiais produz efeitos tanto na estrutura, ao definir sua configuração, quanto nas
possibilidades dos atores, em função de seu posicionamento estrutural.
Neste capítulo, optou-se por dividir os períodos a partir da distribuição de capacidades
materiais ao nível sistêmico. O primeiro a ser analisado é da multipolaridade desequilibrada das
primeiras décadas do século XX. O segundo momento inicia com a emergência de uma
(derivadas da anarquia e da distribuição de capacidades) e os fatores domésticos dialogará com esta vertente
teórica.
tripolaridade e finaliza com o estabelecimento da bipolaridade desequilibrada do pós-Segunda
Guerra (ver Gráfico 1 a seguir). No terceiro, evidenciam-se os efeitos da equilibração de poder
ao nível estrutural, com a configuração de uma bipolaridade equilibrada no início dos anos
setenta. Na quarta fase, dar-se-á ênfase aos efeitos do momento unipolar e da possível transição
para uma multipolaridade em função da ascensão chinesa, da emergência de novos atores
(Índia, Brasil e África do Sul) e da re-emergência de antigos atores (Rússia). Nesta parte, serão
destacados com maiores detalhes os governos de FHC e Lula, com o fim de demonstrar
continuidades e diferenças entre as diplomacias dos dois presidentes. Após, serão traçadas
possíveis conclusões acerca dos principais determinantes e condicionantes da política externa
brasileira, nas quais serão abordados os pesos relativos de cada um dos fatores analisados. Partese, então, para uma análise sucinta da política externa brasileira ao longo dos séculos XX e
XXI.
2. A Evolução da Política Externa Brasileira: de 1902 até 1994
2.1.
1900-1930: adaptando-se à transição hegemônica
O período mais conhecido da política externa brasileira relaciona-se com a diplomacia
do Barão, a qual foi conduzida pelo principal diplomata da história do país – o Barão do Rio
Branco. Entre 1902 e 1912, conduziu ele essa política de forma singular, desde então a principal
influência na formação dos diplomatas brasileiros. Dentre as razões para tal relevância estão os
diversos feitos políticos capitaneados por esse personagem histórico. Cabe destacar a definição
do território nacional sem o uso da força militar, a mediação de conflitos regionais, em especial
o caso da Bolívia, a organização da burocracia ministerial, o início da aproximação com os
Estados Unidos da América do Norte (EUA) e das relações especiais com a Argentina. Para
alguns autores datam desse tempo as principais tradições da PEB (LAFER, 2001; PIMENTA
DE FARIA et al, 2013). Definiram-se como centro dos ideários da política a defesa da soberania
nacional, dos interesses nacionais e da busca por autonomia na inserção internacional.
A gestão Rio Branco coincide com a intensificação das rivalidades europeias. Em
função da distribuição de capacidades entre as potências, o sistema internacional configurou-se
até meados dos anos vinte como uma multipolaridade desequilibrada, na qual destacavam-se
Inglaterra, França, Itália, Império Austro-Húngaro, Rússia e Estados Unidos. A aproximação
do Brasil aos Estados Unidos relaciona-se com dois aspectos centrais: primeiro, como
alternativa à hegemonia inglesa e, segundo, como equilibrador das relações com a Argentina,
cujo PIB superava o do Brasil até os anos trinta, sendo, também, o principal aliado regional da
Inglaterra.
Iniciou-se, logo, o que Brands (2010) conceituou como reboquismo (bandwagoning)
aos EUA e esta foi a estratégia mais frequente da política externa brasileira ao longo do século
XX, como confirmou Amorim Neto (2011). A prática consiste em seguir o ator mais próximo
geopoliticamente que detenha o maior poder material. Apesar da aproximação mais nítida,
outros autores apontam que se trata do período da autonomia na dependência (MOURA, 1980);
leitura semelhante foi proposta por Vigevani e Cepaluni (2007). A busca por autonomia será
uma das continuidades marcantes, segundo diversos estudos, da política externa brasileira.
Ainda segundo Hirst (2009), que realizou estudo voltado diretamente às relações EUA-Brasil,
esta foi a fase de maior alinhamento entre os dois países. Cabe notar que para Lima (1994) foi
quando teve início o “americanismo” brasileiro. Em suma, pode-se apontar ter havido uma
aproximação do Brasil com os EUA devido à emergência destes como ator principal no
hemisfério ocidental.
A leitura de Burns (1966) sobre a fase aponta para o início da “aliança não-escrita” com
os EUA. Cabe questionar que fatores determinaram a política externa deste período.
Notavelmente os condicionantes estruturais pela emergência norte-americana no hemisfério são
fatores fundamentais. Contudo, é mister ressaltar a ascensão tanto da União Soviética quanto
da Alemanha ao nível mundial, pois afetaram, como será demonstrado na próxima seção, as
escolhas brasileiras.
Apesar disto, o arranjo burocrático nacional e o papel de algumas lideranças políticas
são essenciais para compreensão do período. Nele emergiu o Itamaraty como estrutura
burocrática central na política externa, principalmente pelo papel do Barão e de seus sucessores.
Com a morte do Barão em 1912 e o deflagrar do conflito mundial, houve um recuo ao
âmbito regional da diplomacia brasileira, que se centrou na resolução de conflitos regionais e
nas relações com a Argentina. Este relacionamento será central até a mudança na condução da
política nacional derivada da Revolução de 30. A política externa dos anos trinta e quarenta foi
marcada pela adaptação do país à transição estrutural em curso, que vai de uma multipolaridade
desequilibrada, passa por um momento tripolar e culmina com a bipolaridade desequilibrada
do pós-45. Nos anos 20, adaptou-se à tripolaridade em que figuram como principais atores os
Estados Unidos, URSS e a Alemanha. Entretanto, a afirmação regional dos EUA, pela via do
“Big Stick”, afetou de forma mais decisiva as opções brasileiras.
[Gráfico 1 – Distribuição de Poder 1900-1950 (CINC3)]
O gráfico acima demonstra a distribuição de capacidades materiais entre as principais
potências de 1900 até 1980. O propósito é demonstrar as seguintes configurações estruturais:
Multipolaridade Desequilibrada (1890-1913), Unipolaridade (1913-1925), Tripolaridade
(1934-1938), Bipolaridade Desequilibrada (1950-1970). Nele é possível notar a transição
hegemônica que condicionou a política externa brasileira até os anos 30.
2.2.
1930-1945: da tripolaridade à bipolaridade desequilibrada
Nos anos trinta, após a Revolução de 30, emergia na política nacional Getúlio Vargas,
que norteou a dinâmica política até 1945 com o final do Estado Novo. Dentre os condutores da
política externa que esteve por mais tempo na era Vargas, Osvaldo Aranha deu seguimento a
diplomacia inaugurada pelo Barão. Nessa fase, a aproximação com os Estados Unidos
continuava a ser o mote. Porém, deve-se destacar a etapa da diplomacia pendular ou da
barganha nacionalista do entre guerras, pois a aproximação da Alemanha foi o principal fator
de mudança. O pragmatismo e o interesse nacional figuravam como centrais na política externa
do período e a barganha entre os dois principais atores da época (Estados Unidos e Alemanha)
simbolizam bem este aspecto. No Gráfico 1 pode-se visualizar a emergência alemã e a queda
do poder relativo norte-americano nos anos trinta. Em função disto, é possível apreender um
relativo distanciamento e um movimento de busca por autonomia relativa aos EUA, que
conferiu à fase varguista um viés de revisionismo, embora bastante limitado. Esta restrição
ligava-se à primazia geopolítica dos EUA na região e às restrições de capacidades materiais do
Brasil, que apenas iniciava sua industrialização pela via da substituição de importações.
3
Os dados utilizados neste gráfico foram retirados do Índice Composto de Capacidades Nacionais (CINC)
elaborado pelo Correlates of War (COW) da Universidade de Michigan (EUA). Este índice mede as seguintes
variáveis de poder material: produção de aço e ferro, gastos militares, contingente militar ou tamanho dos
efetivos militares, consumo de energia, população total e urbana.
Tal interregno revisionista se relacionou com a presença dos seguintes fatores: a
redistribuição de capacidades ao nível estrutural, a emergência alemã e soviética, o incremento
das capacidades nacionais, tendo em vista o início do seu processo de industrialização e,
também, a aproximação de um ator com objetivos revisionistas ilimitados da América Latina –
a Alemanha. Apesar de ela figurar como ator revisionista que adotou relações próximas a região
por pouco tempo, o Brasil só pôde modificar o viés de sua política externa em função do papel
que a Alemanha teve em confrontar os Estados Unidos em âmbito sistêmico.
Fatores domésticos e internacionais atuaram em conjunto para condicionar as alterações
de ênfase na política externa brasileira dos anos trinta. Assim, quando emergiu um ator
revisionista com grande poder e que se aproximou da América Latina, as intenções brasileiras
de autonomia e de pragmatismo desenvolvimentista acenaram com um distanciamento relativo
aos interesses norte-americanos. Todavia, pelas restrições materiais do Brasil não se pode
considerar uma quebra na dependência, no alinhamento ou do reboquismo aos EUA.
Especialmente porque, conforme Vizentini (1994), a “barganha nacionalista” tinha por objetivo
aproximar-se dos EUA e garantir o financiamento do desenvolvimento nacional.
Em suma, quando houve oportunidade sistêmica de adotar algum grau de revisionismo
da ordem internacional, para obter ganhos específicos, o país adotou tal estratégia. Reboquismo
por Lucros (bandwagoning for profit) é a denominação desta forma de atuação internacional,
segundo Schweller (1994, 1998). A barganha varguista foi o primeiro ensaio desta política por
parte da diplomacia brasileira, que como será demonstrado foi retomada nos anos setenta e no
decorrer dos anos dois mil. A política externa de Vargas demonstra como os períodos de
mudanças estruturais permitem ações distintas de atores com capacidades medianas, desde que
haja ao nível doméstico o interesse de mudanças nos rumos da ação internacional do país. Neste
caso, a oscilação dos anos trinta entre Alemanha e Estados Unidos pode ser explicada pelos
fatores domésticos em alguma medida; entretanto, sem brechas estruturais não haveria espaço
para a efetivação de alternativas ao reboquismo tradicional.
Com o fim da Segunda Guerra e do Estado Novo, algumas mudanças ocorreram na
política externa brasileira, que passou a se adaptar aos novos constrangimentos internacionais
e aos, também novos, arranjos políticos, sociais e burocráticos ao nível doméstico.
Principalmente, deve-se considerar a consolidação da primeira experiência democrática do país
(1945-1964), que foi marcada pela ampliação no poder de alguns setores da política nacional,
com destaque para o Legislativo e o Itamaraty.
2.3.
1945-1974: da bipolaridade desequilibrada à bipolaridade equilibrada
Após o fim da Segunda Guerra, inicia-se, em nível estrutural, a transição para a
bipolaridade desequilibrada, que se estenderá até o final dos anos 60, quando se equilibraram
as capacidades materiais das duas superpotências. Conforme destacaram Hirst (2009), Pinheiro
(2000), Vigevani e Cepaluni (2007) e Lima (2005b) o relacionamento principal deste momento
continua sendo o com os Estados Unidos, na forma de um alinhamento em busca de uma
inserção internacional mais ativa. Configura-se, portanto, como estágio de retorno ao
reboquismo tradicional, no qual seguir o líder do status quo foi a estratégia prioritária. Assim,
os condicionantes estruturais orientaram o viés principal da política externa brasileira entre
1945-1974. Apesar disto, esta fase não sucedeu sem desvios e homogeneamente, sobretudo
quando se considera a chamada Política Externa Independente (PEI) no início dos anos sessenta,
sob as presidências de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Esta política buscou
aproximar o Brasil do terceiro-mundismo, uma alternativa ideológica à ligação direta aos
interesses das duas superpotências. Isto ocorreria, principalmente, pela via da diversificação
dos parceiros internacionais. Conforme Amorim Neto (2011), foi um dos momentos de maior
afastamento aos Estados Unidos; todavia, não representou um rompimento nas relações.
Porém, apesar de não conseguir romper com as ligações prioritárias com os EUA, foram
elaboradas nesta política as justificativas ideológicas para um afastamento maior da hegemonia
norte-americana. Além disso, o deflagrar dela coincidiu com o início de uma equilibração maior
entre as duas superpotências da Guerra Fria, principalmente, pelo crescimento do poder
soviético em âmbito nuclear e espacial. A crise dos mísseis de 1962 sinaliza de forma nítida o
início da fase de balanço de poder. São deste contexto histórico as formulações do TNP e do
SALT-1, que visavam ao congelamento dos arsenais nucleares das superpotências.
Adicionalmente, há que considerar o crescimento econômico do Brasil, que consolidava o
processo de substituição de importações e passava a produzir em âmbito nacional bens de
consumo duráveis, em especial no período de Juscelino Kubitschek. Alguns autores, em vista
daquela política, apontam para um afastamento relativo em relação aos EUA, interpretado por
Vigevani e Cepaluni (2007) como uma fase de distanciamento, ou como apontou Hirst (2009),
de autonomia relativa como relação àquele país.
Após o golpe militar de 1964, retorna-se à aproximação com os EUA, a qual irá se
estender até 1974. Há, assim, continuidade na política externa brasileira, ou seja, manteve a
estratégia de bandwagoning aos Estados Unidos. Só após 1974 será possível identificar um
distanciamento maior, com o deflagrar do “Pragmatismo Responsável e Ecumênico” de Geisel
(Specktor, 2004), que derivava, novamente, dos fatores estruturais como o crescimento do
poder soviético e, por outro lado, do crescimento econômico brasileiro, que aumentou as
capacidades materiais do país.
2.4.
1974-1994: da bipolaridade equilibrada ao momento unipolar
Em 1964, após um golpe de estado, foi instaurado um regime militar. Nessa fase,
ocorreu a equilibração das capacidades entre as duas superpotências, que configurou, por
conseguinte, a estrutura como uma bipolaridade equilibrada. Além disso, a URSS, após a crise
dos mísseis, passou a buscar uma aproximação da América Latina. Por meio do terceiromundismo emergente, passou ela a configurar-se como alternativa a hegemonia norteamericana também no hemisfério ocidental.
Os primeiros governos do regime militar estiveram voltados ao “americanismo” com
maior ênfase. Os governos de Castelo Branco (1964-1967), Costa e Silva (1967-1969), a Junta
Militar (1969) até Emílio Médici (1969-1973) inserem-se nessa fase. A mudança principal
ocorre com Ernesto Geisel (1974-1979). A política externa de Geisel revela o peso que as
condicionantes sistêmicas têm sobre as estratégias brasileiras, pois mesmo com a prática
doméstica de perseguição ao comunismo, houve o reconhecimento do governo marxistaleninista do MPLA em Angola em 1974. Iniciava-se o segundo período, agora com mais nitidez,
de revisionismo da política externa brasileira. O incremento de capacidades do Brasil após o
milagre econômico condicionou uma atuação mais assertiva internacionalmente, que, em
acordo com os novos constrangimentos externos, asseguraram ao país a possibilidade de oscilar
entre o status quo pró-americano e o revisionismo limitado de viés terceiro-mundista.
Tal revisionismo, assim como o embrião varguista, esteve mais voltado ao que foi
definido por Schweller (1994, 1998) e orientou o bandwagoning for profit da fase. Para a
adoção por parte do Brasil de tal estratégia, foi necessário que os mesmos fatores (a
redistribuição de capacidades ao nível estrutural, o incremento das capacidades nacionais e a
aproximação de um ator com objetivos revisionistas ilimitados da América Latina), que
confluíram nos anos trinta, voltasse a incidir em conjunto nos anos setenta. Assim, a autonomia
pela distância e o chamado “globalismo” (Lima, 1994) são interpretações com sua justificação
em nível doméstico, coerentes com os condicionantes sistêmicos que seguem até o final dos
anos oitenta.
Com a queda da União Soviética, emergiu o “momento unipolar” do sistema
internacional (WALTZ, 2000), de primazia de uma única grande potência (BROOKS e
WOHLFORTH, 2008). A consolidação da unipolaridade coincidiu em nível doméstico com a
transição para a democracia e a abertura “lenta e gradual” do regime militar. As diplomacias
dos primeiros presidentes do novo regime político, a saber: José Sarney (1985-1990), Fernando
Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1995), foram marcadas pela adaptação ao arranjo
burocrático, derivado da constituição de 1988, e a nova distribuição de capacidades. Destacase que foram retomadas, em certa medida, as ligações prioritárias com os Estados Unidos.
Contudo, como bem notam Vigevani e Cepaluni (2007), mudou a forma de relacionamento do
Brasil com o mundo, que passou a pretender uma maior integração aos centros decisórios e a
buscar um papel de relevo na nova ordem mundial. Logo, denominaram esta fase de “autonomia
pela integração” ou “participação”.
Por seu turno, Hirst (2009) vai apontar ser o momento de “ajuste” nas relações entre
Brasil e Estados Unidos, em que figuraram temas comuns (defesa das instituições
internacionais) e divergências (como o caso das patentes informáticas); apesar disto, como
destacou Lima (2005b) houve o regresso de estratégias em benefício do status quo por meio de
uma adesão às instituições capitaneadas pelos EUA. Em suma, o que configurou a política
externa da nova democracia, que irá adentrar a próxima fase, foi um retorno ao reboquismo
tradicional, com limitações ao revisionismo brasileiro em função da grande primazia material
dos Estados Unidos. Aliada a esta nova configuração estrutural e ao retorno do bandwagoning,
há o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo e uma inflexão liberalizante ao nível
doméstico (VIGEVANI et al, 2008).
Nesse período, a diplomacia passou a buscar integrar o Brasil nas novas dinâmicas e
agendas internacionais. Assim, os “novos temas” internacionais, isto é, ambientais, dos direitos
humanos e relacionados à sociedade civil, ganharam proeminência frente aos temas tradicionais
de segurança. Na unipolaridade, restaram aos estados com poder intermediário, como o Brasil,
poucas alternativas de não adesão ao status quo.
Outro aspecto a ser considerado foi o início da diplomacia presidencial, que adquiriu
sua relevância com o deflagrar do inter-presidencialismo, o qual foi e continua a ser peça chave
no funcionamento do Mercosul, pois remete aos presidentes dos países do bloco o papel de
conduzir as negociações, resolver conflitos e a serem os garantes dos compromissos firmados
(MALAMUD, 2005). Essa forma de condução da política externa irá se consolidar nos
governos de FHC e Lula, chegando a atuar de forma decisiva na perda do poder do Itamaraty
(CASON e POWER, 2009). Cabe, enfim, analisar com mais detalhes as quatro presidências de
FHC e Lula para findar a evolução da política externa brasileira.
3. Continuidades e Mudanças na Política Externa Brasileira: FHC e Lula
3.1.
1995-2002: Os governos de FHC e a adaptação ao momento unipolar
Após o sucesso da implementação do Plano Real, em 1993, emergia definitivamente na
cena política do país Fernando Henrique Cardoso (FHC), que foi eleito presidente em 1994 e
governou até 2002. O aspecto estrutural, central na análise aqui proposta, foi contínuo neste
período, condicionado pela unipolaridade. A estratégia possível era a de reboquismo; porém,
não mais nos moldes anteriores, devido ao incremento de poder do Brasil pela estabilização
econômica e às novas dinâmicas políticas nacionais. Como síntese, segundo Vigevani et al
(2003, p.31) “as diretrizes da política externa brasileira nos dois mandatos de FHC seguiram
parâmetros tradicionais: o pacifismo, o respeito ao direito internacional, a defesa dos princípios
de autodeterminação e não-intervenção, e o pragmatismo como instrumento necessário e eficaz
à defesa dos interesses do país”.
Então, como marcas desta etapa estão a ênfase no multilateralismo e a adaptação a
globalização mais agressiva por parte dos Estados Unidos. Isto se deu em conformidade com o
apontado por Ikenberry (2001), que demonstra que a construção do regime internacional pela
potência vencedora da Guerra Fria foi em benefício da manutenção de seu poder e de suas
prioridades nacionais. Desta forma, pouca margem de manobra foi conferida aos atores
intermediários, que em vista disto optaram por defender interesses nacionais pragmáticos e
atuarem na adequação ao status quo, sem que isto representasse uma posição subordinada
(VIGEVANI et al, 2003, p.36).
Portanto, a denominação conferida por Pinheiro (2004) de “institucionalismo
pragmático” define de forma correta a diplomacia dos primeiros anos FHC. Entretanto, o
desencanto com as instituições e com a globalização, no decorrer do segundo mandato,
culminaram com a adoção de um viés mais pragmático. Isto coincidiu com a percepção acerca
de uma sobre expansão do poder norte-americano e com o retorno ao realismo político,
principalmente, após os atentados aos Estados Unidos em 2001. Além disso, passaram a figurar
de forma mais incisiva no sistema internacional os novos atores, principalmente, pela
emergência do Leste Asiático – o retorno do Dragão Chinês e dos Tigres.
A interpretação de Vigevani e Cepaluni (2007) demonstra que a adaptação ao novo
momento ocorreu mediante a busca de “autonomia pela participação”, que vislumbrava uma
participação ampliada e distinta do país que tentava se afirmar no sistema internacional.
Relacionado a isto algumas abordagens revelam uma orientação “pró-norte” da diplomacia de
FHC (PECEQUILO, 2008; VIZENTINI, 2006). Cabe destacar que essa percepção coincide
com a que aqui se adota sobre os efeitos permissivos e restritivos da estrutura, que condicionam
a inserção internacional do Brasil ao norte.
Porém, é necessário frisar que o país passou a estar presente em negociações
internacionais importantes e iniciava a sua trajetória de participação multilateral mais ativa.
Como exemplos podem ser citadas as participações na criação da OMC, no impulso ao
Mercosul com o Protocolo de Ouro Preto e nas negociações da Alca. Esta última marcou o
“ajuste” nas relações EUA e Brasil (HIRST, 2009), que se baseia no retorno de relações cordiais
e de confluência de interesses.
Outro aspecto central desta fase foi a ampliação da diplomacia presidencial e a perda
maior de poder do Itamaraty frente ao Presidente da República. Cason e Power (2009)
demonstram que o aumento do número de viagens internacionais revela um ativismo
presidencial em detrimento do papel do Ministério das Relações Exteriores. Dando seguimento
a este argumento, Amorim Neto (2011, p.129) analisou as mudanças de diplomatas
(embaixadores) pelos governos de FHC e Lula, e os dados analisados corroboram a percepção
dos autores acima mencionados, pois houve no início dos governos destes presidentes grandes
trocas nos postos principais do exterior. Isto revela a preferência por modificações nas pessoas
envolvidas com a política externa, configurando uma quebra na continuidade da política.
A experiência do inter-presidencialismo no Mercosul (MALAMUD, 2005) demonstra
que a resolução de crises e a continuidade do processo de integração foi mais dependente do
papel desempenhado pelos presidentes do que da institucionalização do bloco ou da diplomacia
do Itamaraty. Este aspecto conduziu os governantes a chamarem para si a responsabilidade pela
condução da política externa brasileira. Esta prática irá ampliar-se nos governos Lula segundo
Cason e Power (2009) e isto configura uma das principais continuidades entre os governos FHC
e Lula.
Ainda sobre o papel do presidente como central nas relações internacionais do país, não
se pode esquecer o crescimento do poder do Executivo, principalmente do Presidente, na
política nacional. O fortalecimento dos poderes do presidente deve-se, sobretudo, ao aumento
das prerrogativas legislativas do poder executivo após a Constituição de 1988 (FIGUEIREDO
e LIMONGI, 1999).
Em suma, ficou demonstrado que, neste período, houve o retorno à aproximação com os
Estados Unidos, mas que, ao final, iniciou um distanciamento crescente que atingirá seu auge
nos governos posteriores de Lula.
3.2.
2002-2010: Os governos de Lula e a transição para a multipolaridade
A política externa brasileira da administração Lula (2003-2010) foi marcada por um
conjunto de fatores domésticos que orientaram, em certa medida, a produção científica sobre o
tema. O aspecto novo foi a centralidade do partido político nos programas e decisões sobre
política externa, especialmente pelo papel da assessoria palaciana (ALMEIDA, 2004;
OLIVEIRA e ONUKI, 2010; AMORIM NETO, 2011). Também houve o retorno dos princípios
tanto da Política Externa Independente quanto do Pragmatismo Responsável; porém, agora
enfocados no chamado “Sul Global”, com a diplomacia do Sul-Sul (LIMA, 2005a; HURRELL,
2010). Cabe destacar que, segundo Saraiva (2010), a viragem ao “sul” iniciou-se com FHC,
mas se consolidou no governo Lula. Tais modificações na pauta de inserção internacional e na
forma de condução desta diplomacia nortearam as análises sobre uma nova forma de busca pela
autonomia, que passava a ser “pela diversificação” (VIGEVANI e CEPALUNI, 2007).
Com relação aos EUA foi o período da afirmação do relacionamento (HIRST, 2009) e
que, segundo Pecequilo (2008), foi a ocasião da maturidade das relações. Isto se deve à guinada
ao “sul” que promoveu o afastamento relativo aos interesses norte-americanos e aos casos em
que o país se posicionou contrário aos EUA em organismos internacionais. A formação do G3
pode ser considerada marcante dessa dinâmica e corrobora as enunciações de Lima (2005a)
sobre esta ter sido a fase da “institucionalização do revisionismo”, na qual as ligações com
países emergentes passam a atuar em benefício da alteração na ordem internacional.
O retorno à pauta do desenvolvimento e das prioridades econômicas voltadas para o
crescimento econômico e investimento público fez com que Cervo (2008) tenha definido a
forma de condução da política externa como sendo baseada no paradigma do Estado Logístico.
Neste se dá a articulação dos interesses internacionais para alavancar o desenvolvimento
nacional. Como se pretende demonstrar, a política externa desta fase passou por modificações
importantes, conquanto tenha mantido traços fundamentais das anteriores. A centralidade da
autonomia, do desenvolvimento, do relacionamento multilateral e com diferentes regiões
(universalismo) foram aspectos mantidos (VIGEVANI e CEPALUNI, 2007). O que se
modificou foi a ênfase dada a cada um desses aspectos, pois segundo as interpretações
dominantes houve a priorização do “sul” em detrimento do “norte”, ainda houve uma orientação
maior em favor de reformas na ordem internacional e em benefício de alianças ad hoc que
chegam a ser consideradas revisionistas – BRICS e IBAS (LIMA, 2010; SCHWELLER, 2011).
A inserção internacional do Brasil alcançou nível singular. Passou o país a integrar todas
as mesas de negociação importantes. Isto representou um aumento significativo em seu
prestígio internacional. As explicações para esta emergência, a partir dos anos 2000, voltam-se
ao crescimento econômico, a estabilidade política e ao papel da diplomacia presidencial de
Lula. Estas abordagens afirmam, portanto, que a ênfase na diplomacia presidencial e o
incremento de capacidades permitiram a ampliação de sua internacionalização.
[Gráfico 2-CINC+Interpretações 1994-20104]
Um importante aspecto a ser analisado no Gráfico 2 é aumentarem as capacidades
materiais do Brasil continuamente ao longo do período analisado. Isto é relevante para a
interpretação realizada neste capítulo, pois as capacidades materiais condicionam as opções
estratégicas dos atores. Assim, no início do século, o Brasil era afetado de forma mais decisiva
pelos fatores estruturais do que no final. Passou, em termos de poder, de pequena potência a
intermediária no decorrer dos anos sessenta. Tal crescimento de poder também permitiu que
práticas de afastamento mais nítidas fossem adotadas. É importante notar que o incremento de
poder do Brasil afeta não apenas sua inserção internacional, mas também produziu efeitos sobre
4
Neste gráfico também são utilizados os dados do CINC.
a dinâmica regional. Ou seja, o distanciamento de poder dos vizinhos conduziu a um
afastamento crescente da região (MALAMUD e RODRIGUEZ, 2013).
Qual foi a relação, nesta fase, entre os fatores estruturais e as práticas de política externa.
Como já mencionado, existiu um relativo incremento de capacidades; todavia não suficiente
para dotar o país de todas as alternativas que mencionam os autores sobre a sua “nova” inserção
internacional. A emergência de atores como China, Índia e a recuperação russa, significou uma
tendência a alteração na estrutura internacional que favoreceu estas mudanças na política
externa brasileira (RODRIGUEZ, 2012).
O sistema internacional, no decorrer dos anos 2000, teve como principal fator de
alteração a emergência chinesa e a reorganização produtiva da economia mundial para o leste
asiático. Assim, as alterações na estrutura com base nas capacidades ofereceram oportunidades
aos atores intermediários, como o Brasil. Cabe, porém, reafirmar que foram de iniciativa
nacional as decisões por aproveitar as oportunidades e de ajustar-se de forma mais apropriada
aos constrangimentos.
O “reboquismo de ganhos” foi a forma predominante da política externa do governo
Lula. Mas que fatores coincidiram para viabilizar tal estratégia? Retomam-se, logo, os
elencados no decorrer do capítulo e constata-se que novamente se combinaram os mesmos
fatores, à semelhança da barganha varguista e do pragmatismo responsável. Assim, existiram
mudanças estruturais, houve a emergência de um ator revisionista que se aproximou da região
(China), houve algum incremento de capacidades do Brasil e foi nítido o interesse em atuar de
forma distinta na defesa dos interesses nacionais.
4. Conclusões: Determinantes e Condicionantes da Política Externa Brasileira
Para finalizar esta abordagem sobre a política externa brasileira, cabe especular,
finalmente, sobre que fatores são determinantes e condicionantes. Serão os fatores sistêmicos,
como pressupõe a teoria neorrealista? Ou são os fatores domésticos, como se depreende da
maioria dos estudos sobre a política externa brasileira?
4.1.
Variáveis Sistêmicas
O estudo de Amorim Neto (2011) apontou para a relevância de uma variável sistêmica
de poder para entender a política externa brasileira. A interpretação realizada neste capítulo
demonstrou, também, correlações importantes entre as mudanças na distribuição de poder e as
estratégias adotadas pela política externa brasileira. Não se pode deixar de mencionar que estas
alterações estruturais, na maior parte das vezes, foram acompanhadas pela emergência de atores
revisionistas. Assim, as principais mudanças de ênfase na trajetória da política externa
brasileira, no decorrer do tempo analisado, relacionam-se aos efeitos permissivos da estrutura
internacional, em especial a aproximação regional de uma grande potência com cariz
revisionista, seja ele limitado ou não. Foram os casos de Alemanha, URSS e China, que marcam
momentos singulares da política externa brasileira, sempre em benefício de algum grau de
revisionismo e de afastamento maior dos Estados Unidos.
Outros estudos demonstram que, além de afetar as preferências e as possibilidades de ação
do Brasil, a estrutura do sistema condicionou a política externa econômica brasileira nos
períodos recentes (VIEIRA, 2013). Isto significa apontar que tanto o viés material militar
quanto o econômico dão razão ao argumento realista de que a distribuição de capacidades afeta
diretamente os estados e condiciona a sua política externa, sem esquecer que o incremento de
capacidades nacionais pode ser visto tanto como aspecto internacional quanto doméstico. Isto
porque elas se relacionam com o posicionamento na estrutura de poder sistêmico e com as
possibilidades de implementação de sua política externa. Logo, quanto mais capacidades, mais
instrumentos para efetivar sua política externa (HILL, 2003). Assim, o incremento de
capacidades brasileira ao longo dos séculos XX e XXI permitiu um paulatino distanciamento
dos Estados Unidos, que culminou com as estratégias de maior oposição nas fases mais
recentes, conforme destacou Brands (2010) e corroborou Amorim Neto (2011) (ver Gráfico 2).
4.2.
Variáveis Domésticas
Os principais estudos sobre a política externa brasileira centram-se em abordar como
ela foi definida, pensada e implementada em âmbito doméstico. Ainda definem que atores são
relevantes, que arranjo burocrático, que setores participam desta formulação, que preferências
têm e como atuam para influenciar esta política. Mas é possível retirar temas consensuais deste
debate? Sim, e o principal deles refere-se ao peso do Itamaraty como centro decisório da política
externa brasileira ao longo do século XX. Principalmente, por ter sido o responsável pela
continuidade de prioridades e por manter uma tradição com relativa coerência de princípios.
Esta ênfase conduziu aos estudos sobre as divisões internas do Itamaraty e sobre que
fatores influenciaram as posições tomadas pelo país, principalmente, ao longo das últimas
décadas. Conforme Saraiva (2010), há um conjunto de divisões políticas no Itamaraty que
orientaram as preferências nacionais em cada fase. Entretanto, como destacado, o peso desse
ministério vem caindo ao longo do tempo em benefício do poder do Presidente e de outros
setores, até então envolvidos indiretamente com a formulação da política externa brasileira,
como por exemplo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (CASON e
POWER, 2011; AMORIM NETO, 2011). O que se modificou, enfim, em âmbito doméstico
foi o rompimento do insulamento do Itamaraty e a perda de seu poder em virtude da diplomacia
presidencial, capitaneada pelos Presidentes, mesmo que em diálogo com seus ministérios.
O estudo de Amorim Neto (2011, p.166-167) apontou para uma hierarquia na condução
e determinação da política externa brasileira, que foi corroborada pelos estudos de Rodriguez
(2013) e Vieira (2013). Tal hierarquia refere-se ao grau de relevância ou participação na
condução da política externa brasileira. Assim, estes estudos concordam que a ordem de
relevância na condução da política externa brasileira é a seguinte: a) uma variável sistêmica de
cunho neorrealista, b) o incrementalismo diplomático do Itamaraty e c) a força ministerial dos
partidos de esquerda. Contudo, aliados a estes fatores, Rodriguez (2013) insere a necessidade
de verificar o peso de mudanças estruturais e da emergência de atores revisionistas que
estabeleçam relações com a região. Em suma, como condição necessária para as alterações na
política externa apontadas neste capítulo figura o incremento de capacidades materiais do
Brasil; entretanto, como necessários para o resultado final, estão os fatores estruturais, como,
por exemplo, a queda no poder dos Estados Unidos e a emergência de um ator revisionista com
elevado poder material.
Apesar destes fatores, não se pode relegar o ambiente doméstico a um papel totalmente
subordinado. Deve ficar nítida sua relevância como interveniente nesta política, que faz a
mediação necessária entre a prática da política externa e as restrições/permissões do sistema
internacional. Assim, este capítulo tratou de relacionar efeitos estruturais com variáveis
domésticas, confirmando que o sistema internacional deve ser o primeiro aspecto considerado
nos estudos sobre a política externa brasileira. Somente após a avaliação dos efeitos permissivos
e restritivos estruturais é que podem ser analisados os intervenientes domésticos, que podem
influenciar a forma de inserção internacional e definiras estratégias a serem adotadas pelo
Brasil.
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Gráfico 1
45,0
40,0
EUA
35,0
Japão
30,0
Alemanha
25,0
UK
20,0
Rússia
15,0
França
10,0
Itália
5,0
Austr-Hung
0,0
1890
1900
1913
1925
1934
1938
1950
1960
Gráfico 2 (opção 1)
1970
1980
Gráfico 2 (opção 2)
0,5
Multipolaridade - » Bipolaridade Deseq.
Bipolaridade
Momento
Unipolar
2007
2005
2003
2001
1999
1997
1995
1993
1991
1989
1987
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1983
1981
1979
1977
1975
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1971
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1965
1963
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1947
1945
1
Unip. -» Multip.
0,25
CHN
0,125
CINC
EUA
INDIA
RUS
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BRA
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0,015625
0,0078125
Americansimo
Alinhamento
Autonomia na Dependência
Globalismo
Autonomia
Autonomia pela
Distância
Institucionalismo
Revisionismo
Pragmático
Afirmação
Ajuste
Autonomia pela
Autonomia pela
Diversificação
Participação