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Experiências de fluxo na educação musical

2013

This research deals with the theme Motivation in Music Education and aimed to investigate the relationships between the types of musical activities and levels of student involvement, which promote learning in the classroom, having as a theoretical reference the Flow Theory of Mihalyi Csikszentmihalyi. The flow, also called optimal experience, is a mental and emotional state characterized by a deep involvement in an activity where the perception of goals and challenges is compatible with the skill levels of the individual, getting deep concentration and causing great pleasure. Therefore, it was opted for quasi-experimental research as methodology design. Data collection was done with 12 children between 8 and 9 years old, belonging to the 3rd grade of elementary school in a private elementary school in Brazil, Paraná, Curitiba. During five sessions, activities that included music appreciation, performance and music composition were applied to observe the reactions and motivated behavior of these students on the proposals. These data were interpreted from the perspective of the teacher/researcher and complemented by external evaluation of three judges. Through observations and reflections

Mariana de Araújo Stocchero EXPERIÊNCIAS DE FLUXO NA EDUCAÇÃO MUSICAL: Um estudo sobre motivação Curitiba 2012 Mariana de Araújo Stocchero EXPERIÊNCIAS DE FLUXO NA EDUCAÇÃO MUSICAL: Um estudo sobre motivação Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Música, Departamento de Artes, Universidade Federal do Paraná, área de concentração Educação Musical, Cognição e Filosofia da Música, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Música. Orientadora: Profª. Drª. Rosane Cardoso de Araújo Curitiba 2012 Mariana de Araújo Stocchero EXPERIÊNCIAS DE FLUXO NA EDUCAÇÃO MUSICAL: Um estudo sobre motivação Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Música, Departamento de Artes, Universidade Federal do Paraná, área de concentração Educação Musical, Cognição e Filosofia da Música, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Música. Orientadora: Profª. Drª. Rosane Cardoso de Araújo ______________________________________________________________ Profª. Drª. Rosane Cardoso de Araújo (Orientadora) Universidade Federal do Paraná _______________________________________________________________ Profª. Drª. Liane Hentschke Universidade Federal do Rio Grande do Sul _________________________________________________________________ Profª. Drª. Valéria Lüders Universidade Federal do Paraná Curitiba 15/08/2012 AGRADECIMENTOS À Deus. À Profª. Drª. Rosane Cardoso de Araújo, pelo exemplo de profissional competente, que orientou esta pesquisa de forma cuidadosa e enriquecedora. Agradeço a disponibilidade, o conhecimento e a confiança dedicada a mim. À Profª Drª Liane Hentscke, pela disponibilidade em fazer parte desta banca, agregando valor e inestimáveis contribuições. À Profª Drª Valéria Lüders, pela disponibilidade em fazer parte desta banca, por sua seriedade, sinceridade e dedicação, desde o início desta jornada acadêmica. Aos professores Joyce Todeschini , Carlos Todeschini e Eliane Briones Borges, que fizeram parte da minha formação humana e musical e que de alguma forma, contribuíram para que este mestrado acontecesse. Ao Colégio Nossa Senhora de Sion e toda sua equipe, pela amizade, confiança, e principalmente, por todo apoio e incentivo à realização desta pesquisa. Ao Colégio Passionista Nossa Senhora Menina e toda sua equipe, pela motivação inicial, pela filosofia de ensino compartilhada, pelo aprendizado. Ao Colégio Marista Santa Maria, pelo desafio, confiança e enriquecimento profissional. Aos meus pais e avós, por sempre incentivar e valorizar meus estudos. Ao André por caminhar ao meu lado. Aos meus colegas e amigos do Mestrado em Música, em especial ao Luiz Claudio (Pepe) Barcellos que muito me auxiliou durante a coleta de dados. Às minhas amigas e colegas de profissão, Marisleusa de Souza Egg, Rudiany Reis Silva e Maria Luisa Noriller Taschek pela colaboração e apoio. Às crianças que participaram desta pesquisa e a todas as crianças que já passaram pela minha vida, por todos os dias, me motivar a ser professora. Dedico este trabalho àquele que me ensinou a gostar de Arte, de Música, das Letras... poeta imortal que sempre me servirá de exemplo. O DESAFIO Faz do teu sonho um rumo para a vida; se nada é fácil, aceita o desafio... Verás quão belo é levar de vencida a força da torrente, ao enfrentar o rio... E quando, ao fim, alcançares vitória, pelo esforço da luta que empreendeu, lembra que o forte é quem verá a glória, pois que, ao fraco, a vida já venceu!... HARLEY CLÓVIS STOCCHERO RESUMO Esta pesquisa trata do tema Motivação na Educação Musical e teve por objetivo investigar as relações entre os tipos de atividades musicais e os níveis de envolvimento dos alunos, que favorecem a aprendizagem em sala de aula, tendo como referencial teórico a Teoria do Fluxo de Mihalyi Csikszentmihalyi. O fluxo, também chamado de experiência ótima, é um estado mental e emocional caracterizado por um profundo envolvimento em uma atividade, em que a percepção de metas e desafios é compatível com os níveis de habilidade do indivíduo, obtendo profunda concentração e gerando grande prazer. Para tanto, como delineamento metodológico, optou-se pela pesquisa quase-experimental. A coleta dos dados foi realizada com 12 crianças de 8 e 9 anos de idade, pertencentes ao 3º ano do Ensino Fundamental em uma escola de ensino básico particular de Curitiba/PR. Durante 5 aulas, atividades musicais que contemplavam a apreciação, a execução e a composição musical foram aplicadas a fim de observar as reações e o comportamento motivado dos educandos diante das propostas. Tais dados foram interpretados sob a perspectiva da professora/pesquisadora e complementados por meio da avaliação de 3 juízes externos. Através das constatações e reflexões reveladas, buscou-se colaborar com a área da Educação Musical apresentando novos caminhos e sugestões para futuras pesquisas que aprofundem o tema; bem como orientações para professores de educação musical que queiram enriquecer sua prática pedagógica por meio do estudo da motivação. PALAVRAS-CHAVE: Motivação. Educação Musical. Teoria do Fluxo. ABSTRACT This research deals with the theme Motivation in Music Education and aimed to investigate the relationships between the types of musical activities and levels of student involvement, which promote learning in the classroom, having as a theoretical reference the Flow Theory of Mihalyi Csikszentmihalyi. The flow, also called optimal experience, is a mental and emotional state characterized by a deep involvement in an activity where the perception of goals and challenges is compatible with the skill levels of the individual, getting deep concentration and causing great pleasure. Therefore, it was opted for quasi-experimental research as methodology design. Data collection was done with 12 children between 8 and 9 years old, belonging to the 3rd grade of elementary school in a private elementary school in Brazil, Paraná, Curitiba. During five sessions, activities that included music appreciation, performance and music composition were applied to observe the reactions and motivated behavior of these students on the proposals. These data were interpreted from the perspective of the teacher/researcher and complemented by external evaluation of three judges. Through observations and reflections revealed, it was aimed to collaborate with the Music Education area presenting new ways and suggestions for future researches wich investigate the issue further, also as guidelines for teachers of music education who want to enrich their teaching through the study motivation. KEYWORDS: Motivation. Musical Education. Flow Theory. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 - Continuum de Autodeterminação ..........................................................26 IMAGEM 1. Disposição dos alunos ...........................................................................64 IMAGEM 2. Prazer e envolvimento (euforia) .............................................................66 IMAGEM 3. Olhar para dentro, olhar direcionado .....................................................68 IMAGEM 4. Encantamento e atenção .......................................................................72 IMAGEM 5. Apresentação dos instrumentos.............................................................73 IMAGEM 6. Execução instrumental...........................................................................74 IMAGEM 7. Uns alegres, outros aborrecidos ............................................................77 IMAGEM 8. Auto adesão - Ensinando as colegas.....................................................82 IMAGEM 9. Grupo 2: tantando organizar as ideias ...................................................87 IMAGEM 10. 'Dança Alemã' - alegria ........................................................................92 IMAGEM 11. 'Dança Alemã' - atenção ......................................................................92 IMAGEM 12. Interação com os pares .......................................................................94 LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Indicadores Comportamentais de Experiência de Fluxo .......................43 TABELA 2 - Unidade temática de pesquisa para estudo piloto .................................55 TABELA 3 - Unidade temática de pesquisa ..............................................................57 TABELA 4 - Níveis de envolvimento da turma ..........................................................69 TABELA 5 - Níveis de envolvimento da turma ..........................................................75 TABELA 6 - Níveis de envolvimento da turma ..........................................................81 TABELA 7 - Níveis de envolvimento da turma ..........................................................90 TABELA 8 - Níveis de envolvimento da turma ..........................................................94 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - Relação entre desafios e habilidades para o processo do fluxo. ........33 GRÁFICO 2 - Concentração nas atividades de apreciação ......................................95 GRÁFICO 3 - Prazer e envolvimento nas atividades de apreciação .........................95 GRÁFICO 4 - Concentração nas atividades de execução ........................................96 GRÁFICO 5 - Prazer e envolvimento nas atividades de execução ...........................96 GRÁFICO 6 - Concentração nas atividades de criação ............................................97 GRÁFICO 7 - Prazer e envolvimento nas atividades de criação ...............................97 GRÁFICO 8 - Aula 01: Atividade de apreciação 1.....................................................99 GRÁFICO 9 - Aula 02: Atividade de execução 1.....................................................100 GRÁFICO 10 - Aula 03: Atividade de execução 1 (canto coletivo)..........................100 GRÁFICO 11 - Aula 04: Atividade de improvisação (exercícios rítmicos) ...............101 GRÁFICO 12 - Aula 04: Atividade de composição - grupo 1...................................102 GRÁFICO 13 - Aula 05: Atividade de apreciação musical ativa ..............................102 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................14 1 MOTIVAÇÃO ........................................................................................................20 1.1 Necessidades psicológicas básicas................................................................20 1.2 Motivação intrínseca e motivação extrínseca.................................................22 1.3 Pesquisas em motivação em música ..............................................................28 2 A TEORIA DO FLUXO...........................................................................................32 2.1 Pesquisas em música, motivação e Teoria do Fluxo .....................................34 2.1.1 Fluxo e experiências transcendentais ..............................................................35 2.1.2 Fluxo e criatividade ..........................................................................................36 2.2 Teoria do Fluxo e Educação Musical...............................................................38 2.3 Implicações da Teoria do Fluxo na Educação Musical .................................47 3 METODOLOGIA ....................................................................................................49 3.1 Grupo participante ...........................................................................................51 3.2 Condições para a realização do estudo ..........................................................51 3.3 Coleta de dados ............................................................................................... 52 3.4 Roteiro de atividades para a realização da pesquisa ....................................53 3.5 Estudo piloto .....................................................................................................54 3.6 Planejamento das atividades ..........................................................................57 3.7 Relatório das aulas ..........................................................................................59 3.8 Processo de análise dos dados .......................................................................60 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ...............................................................63 4.1 Apresentação da aula 1 ....................................................................................64 4.2 Apresentação da aula 2 ....................................................................................69 4.3 Apresentação da aula 3 ....................................................................................75 4.4 Apresentação da aula 4 ....................................................................................81 4.5 Apresentação da aula 5 ....................................................................................90 4.6 Transversalização dos dados nas categorias “concentração” e “prazer e envolvimento” ..........................................................................................................94 4.7 Avaliação dos juízes externos .........................................................................98 4.8 Considerações sobre a análise das aulas ....................................................103 CONCLUSÃO .........................................................................................................105 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 108 APÊNDICE A – Carta de solicitação .......................................................................112 APÊNDICE B – Explicação do estudo aos pais ou responsáveis .........................113 APÊNDICE C – Termo de consentimento ...............................................................115 APÊNDICE D – Explicação e tabela para juízes .....................................................116 APÊNDICE E – Diário de campo ........................................................................... 119 ANEXO A – Letra da canção Taquaras .................................................................. 127 ANEXO B – Gráficos das avaliações dos juízes externos ......................................128 14 INTRODUÇÃO Os educandos entram conversando, animados e agitados na sala de música. Instrumentos no armário, mas à vista de todos; espaço grande, os alunos se sentam em círculo no chão. Algumas crianças mudam constantemente de lugar, procurando sentar-se ao lado daqueles que possuem mais afinidades. A professora, também no círculo, chama a atenção de todos, cumprimentando-os. Eventualmente realiza a chamada, caso isso ocorra, as crianças sentem o clima mais livre e continuam suas conversas paralelas. A atividade musical começa, escutam uma música, olham atentos para a professora. As reações variam de acordo com a música apresentada. Gestos corporais livres acompanham a canção. Um ou outro aluno tece comentários, uns relevantes, outros jocosos. Perguntam o que irão tocar hoje. A ânsia de tocar instrumentos é sempre grande. A professora explica o que e como irão tocar, demonstra. Alguns se sentem entusiasmados porque ficaram no naipe dos xilofones, outros se sentem intimidados, há inda aqueles que não gostaram do instrumento a que foram destinados e tentam a todo custo trocar com alguém. A professora avisa que não pode, haverá o momento certo para troca. Enquanto isso, a sala está um caos! Todos falam, tocam ao mesmo tempo. A professora esforça-se para abstrair, ter paciência. Quando olha, dois alunos trocaram de lugar e de instrumentos achando que ela não notaria... Outro chora copiosamente porque queria muito tocar o tambor. Feito os acertos, obtêm-se silêncio, começa-se a construção da música. Naipe a naipe, cantando, variando intensidade, timbres, ostinatos, reforça-se com elogios, critica-se o que precisa melhorar, alguns demonstram entusiasmo, outros, desinteresse. Conversas paralelas... Alguém não consegue controlar o corpo e não pára de tocar... Isso irrita a professora que não gosta de falar com barulho de instrumento. A totalidade da música é executada, um sorriso brota no rosto de todos e os olhos brilhantes e atentos dos alunos demonstram a absorção e a compreensão do que acabaram de realizar. Todos emitem sons de entusiasmo, batem palmas! Bate o sinal, acabou a aula. - “Mas já? Eu nem vi o tempo passar professora.” - “Obrigada pela aula hoje, gostei muito”. Alguns alunos mais apressados já saíram da sala sem guardar seus instrumentos, outros ajudam a professora a recolher. Há ainda aqueles que não querem ir embora, não param de tocar. - “Não dá!” - diz a professora – “Já deu o tempo da aula e vocês precisam ir!” Todos vão embora, despendem-se da professora com beijos e abraços, pedem para tocar o xilofone contralto na próxima aula. A professora organiza o que pode, faz umas rápidas anotações, a próxima turma já está na porta esperando para entrar... 15 Alunos gostam de aulas ‘especiais1’, que saem da rotina escolar e que são tidas como prazerosas; e a aula de música é uma delas. No entanto, apesar de contar com a aprovação da maioria dos alunos, o fato de crianças gostarem da aula de música não garante que esta transcorra livre de problemas comuns ao processo de ensino e aprendizagem, tais como: indisciplina, desatenção, amotivação, desinteresse, dificuldades de compreensão e aprendizagem, entre outros. A fictícia descrição acima (baseada em experiências reais) fornece uma imagem de uma possível aula de música em escola regular. Experiências musicais e situações comuns de sala de aula são representadas genericamente a fim de ambientar a discussão sobre o tema Motivação, tema este necessário para uma compreensão mais profunda da situação transcrita acima, consequentemente, também das diversas realidades que ocorrem todos os dias nas escolas. O estudo da motivação vem ganhando grande visibilidade nos últimos anos (Miksza, 2012; McPherson e McCormick, 2006; Ritchie e Williamon, 2011; Araujo e Andrade, 2011; Pizzato e Hentschke, 2010; Renwic e McPherson, 2009) devido às necessidades dos professores e teóricos do campo da psicologia e da educação, de entender essas mudanças comportamentais que ocorrem e as formas de envolvimento que os indivíduos demonstram diante de situações de aprendizagem e interações com o meio. Araújo (2008, p. 40) explica que: A motivação orienta todo o tipo de atividade humana por meio de fatores intrínsecos e/ou extrínsecos que asseguram ao ser humano a qualidade da persistência e do direcionamento da atenção para o desenvolvimento de suas tarefas. Segundo Austin, Renwick e McPherson (2006), a motivação é um constructo teórico utilizado para explicar a iniciação, direção, intensidade e persistência em determinado comportamento. Os autores ainda explicam que teóricos da área da educação procuram entender o que faz alguns alunos obterem mais sucesso do que outros, possuindo às vezes, os mesmos níveis de habilidades. Durante a década de 1970, o paradigma corrente das teorias de motivação enfatizava a área biológica (instintos, necessidades, drives) e comportamentos 1 Aulas ‘especiais’ é um termo utilizado pela comunidade escolar para designar aquelas aulas que geralmente são ministradas por professores especialistas, tais como: Artes, Música, Língua Estrangeira e Educação Física. 16 (recompensas externas, punições); a mudança deste paradigma propõe uma visão sócio-cognitivista, ou seja, é importante reconhecer o papel do contexto social no desenvolvimento da motivação, além de abordar processos cognitivos. (REEVE, 2006). Ainda segundo Austin, Renwick e McPherson (2006) a motivação pode ser vista como um conjunto de fatores, um processo dinâmico que envolve as percepções, crenças, os pensamentos e as emoções do indivíduo, bem como o contexto social (professores, colegas, pais), as ações individuais (autorregulação, engajamento, comportamentos motivacionais) e os resultados alcançados (aprendizado, realizações). A motivação está presente nas diversas esferas de nossas vidas; para quase todas as ações há um tipo de motivação por trás, responsável pelo início e permanência em atividades diárias, como comer, trabalhar, estudar, namorar, comprar, escolher (REEVE, 2006). Mas é na motivação para aprender que reside o foco desta pesquisa, mais precisamente, na motivação para aprender música nas escolas. A questão: “O que motiva o aluno em sala de aula?” e ainda “Porque a motivação varia de indivíduo para indivíduo, em uma mesma atividade?” são questionamentos constantemente presentes em pesquisas e também impulsionam este estudo. Este estudo surge então, da necessidade de se compreender os mecanismos que levam os educandos ao envolvimento nas atividades musicais propostas em sala de aula, a fim de saber contornar situações adversas e oferecer reais oportunidades de aprendizagem musical. O estudo da motivação também se faz necessário à formação do professor de música, uma vez que o próprio professor pode sentir-se mais motivado no exercício de sua profissão, ao perceber que é capaz de envolver seus alunos nas atividades propostas. O papel do professor neste processo é essencial, pois segundo Bzuneck (2009), este possui duas funções distintas e complementares a serem cumpridas na sala de aula: uma de caráter remediador, que consiste em recuperar a motivação dos alunos, e a outra de caráter preventivo e permanente, destinado a todos os alunos, onde o objetivo é manter otimizada a motivação para aprender. O mesmo autor afirma que “... a motivação do aluno em sala de aula resulta de um conjunto de medidas educacionais, que são estratégias de ensino ou eventos 17 sobre os quais todo professor tem amplo poder de decisão” (BZUNECK, 2009, p. 27). A motivação intrínseca, tanto dos alunos quanto do professor, pode influenciar no aproveitamento da aula, pois ainda de acordo com Bzuneck (2009, p.12) “... a qualidade do investimento pessoal implica no emprego de estratégias de aprendizagem, cognitivas, metacognitivas e de gerenciamento de recursos...”. Pizzato (2009) afirma que o envolvimento dos alunos nas aulas de música ocorre mais pelo interesse das propostas em sala de aula do que, por preocupações em tirar boas notas. Sendo assim, as questões da qualidade da atividade e de como ela é proposta tornam-se mais relevantes para o estudo da motivação. Não só o domínio de conteúdos específicos é importante para uma aula de qualidade, mas também, ter conhecimento sobre a psicologia do envolvimento pode fazer a diferença ao ministrar uma aula e alcançar seu objetivo final de aprendizagem. Desta forma, a motivação deve ser considerada como um elemento fundamental no processo de aprendizagem escolar. (ARAÚJO & PICKLER, 2008; ARAÚJO, 2010). O envolvimento característico nas aulas de música em escola regular sofre constante variação de uma aula para outra, ou entre turmas diferentes, considerando vários fatores atuantes tanto na motivação do aluno, do grupo de alunos, quanto do professor. Entender como os fatores intrínsecos e extrínsecos podem contribuir para uma melhor compreensão dos fenômenos e situações que se encontram no dia-a-dia de sala de aula pode ser de grande auxílio para professores de educação musical. Os aspectos motivacionais que atuam nessas variações de envolvimento podem ser observados à luz do estudo aprofundado da motivação e da Teoria do Fluxo de Csikszentmihalyi2. O fluxo é um estado de consciência, um profundo envolvimento numa atividade, onde a percepção de metas e desafios deve ser compatível com os níveis de habilidade do indivíduo, para que este possa se concentrar e experienciar situações de aprendizagem que reforcem seu senso de competência, percebendo seu próprio progresso e obtendo grande prazer. (CSIKSZENTMIHALYI, 2008; 1999; ARAÚJO, 2010). 2 A Teoria do Fluxo será melhor detalhada no capítulo 2. 18 Csikszentmihalyi (1999) explica que o termo fluxo, refere-se à sensação que muitos indivíduos expressaram ao descrever os melhores momentos de suas vidas; uma sensação de que a atividade que se está realizando é feita sem esforço, ‘fluindo’ naturalmente. Essa sensação é também relacionada ao êxtase nas experiências transcendentais e ao prazer estético nas experiências artísticas. O fluxo ocorre em momentos excepcionais onde o envolvimento em determinada atividade é pleno e o que sentimos, desejamos e pensamos estão em harmonia. Assim, nesta pesquisa o objetivo geral foi investigar as relações entre os tipos de atividades musicais e os níveis de envolvimento dos alunos, que favorecem a aprendizagem em sala de aula, tendo como base a teoria do fluxo. Como objetivos específicos foram observados quais as atividades que proporcionam envolvimento por parte dos educandos na aula de música, e quais as diferentes estratégias motivacionais que podem ser abordadas para um maior envolvimento dos estudantes. Por meio das observações, sob a ótica da Teoria do Fluxo, são analisados o processo motivacional desenvolvido e as reações suscitadas durante as atividades musicais, estimulando a reflexão acerca das conclusões e constatações levantadas para futuros estudos sobre a temática. Entretanto, alguns fatores são aprofundados e relacionados a questões pertinentes à cognição e também à psicologia do envolvimento das crianças entre 8 e 9 anos, faixa etária observada nesta pesquisa. Com a aprovação da lei n. 11.769/2008, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de Música nas escolas de Educação Básica, preocupações sobre o fazer musical na escola precisam ser discutidas à luz de teorias válidas a fim de legitimar o ensino da música e contribuir com o aprofundamento cada vez maior da área no Brasil. Compreender os mecanismos motivacionais é relevante à medida que se considera que a educação musical em contexto escolar pode contribuir com a qualidade de vida da criança, por meio e além da vivência musical. Uma vez que estudos com esta temática abrangem quase sempre pequenas amostras, faz-se necessária uma visão diferenciada e focada na realidade de sala de aula: grupos numerosos, interesses e perfis diversificados, poucos recursos materiais e tempo limitado. Sendo assim, no capítulo 1 o estudo da motivação será abordado seguido de uma discussão sobre a motivação em música. No capítulo 2, a Teoria do Fluxo, 19 referencial teórico deste estudo, é detalhada. No capítulo 3 a metodologia é apresentada e em seguida, no capítulo 4, os resultados são analisados e discutidos. Por fim, na conclusão, tem-se uma síntese dos resultados obtidos no estudo bem como as considerações finais da dissertação. 20 1 MOTIVAÇÃO Várias são as possibilidades de aportes teóricos para o estudo da motivação. As abordagens teóricas auxiliam na compreensão do objeto de estudo por fornecer um melhor entendimento sobre conceitos e comportamentos já estudados. Em se tratando do estudo da motivação para aprender, necessário se faz buscar na psicologia e na educação, teorias significativas para dialogar na construção de um conhecimento voltado à aplicabilidade no contexto musical (ARAÚJO, 2010). Sendo assim, neste capítulo serão abordados conceitos necessários à compreensão dos mecanismos e fatores motivacionais presentes na aprendizagem musical. Primeiramente, quais são e como funcionam as necessidades psicológicas básicas, em seguida, abordando a clássica divisão entre motivação intrínseca e extrínseca, incluindo também o ponto de vista da Teoria da Autodeterminação. Algumas pesquisas em motivação e música serão por fim expostas e discutidas a fim de exemplificar e realizar um apanhado do que vem sendo feito na área em nível nacional. 1.1 Necessidades psicológicas básicas Conhecer as necessidades psicológicas básicas, como atuam e qual seu papel diário na vida das pessoas, leva ao entendimento mais profundo sobre o comportamento motivado. As necessidades humanas são entendidas como: fisiológicas (de sede, fome e sexo); psicológicas (autonomia, competência e vínculo ou relacionamento); e sociais (realização, intimidade e poder). (REEVE, 2006). As necessidades psicológicas, também apresentadas por Deci e Ryan (1985) na Teoria da Autodeterminação, são indispensáveis para o desenvolvimento psicológico, da integridade e do bem estar do indivíduo, sem as quais, a motivação não se desenvolve. 21 As pessoas se desenvolvem de maneira saudável e emocionalmente equilibrada, quando as suas necessidades psicológicas básicas são atendidas. É natural do comportamento humano a procura por atividades que proporcionem a satisfação dessas necessidades. Envolver-se em atividades musicais, como aprender um instrumento ou cantar em um coro, dá a possibilidade de o indivíduo explorar a ação e extrair dela energia e resultados que reforcem a sensação de autonomia, competência e vínculo. Reeve (2006) explica que, com relação às necessidades fisiológicas, o indivíduo comporta-se reativamente, ou seja, procura alívio para alguma deficiência corporal momentânea. Mas no que se refere às necessidades psicológicas, seu comportamento é proativo, pois “as necessidades psicológicas causam em nós uma disposição de exploração e de envolvimento com um ambiente que, conforme esperamos, seja capaz de satisfazer essas necessidades.” (REEVE, 2006, p.65) Nessa dialética indivíduo-ambiente, as necessidades psicológicas podem ser apoiadas e satisfeitas ou podem ser frustradas pelo ambiente, de forma que o engajamento e comprometimento do indivíduo sofrem constantes variações. Sob essa abordagem organísmica3 da motivação, entende-se que as pessoas são inerentemente ativas, portanto, possuem motivação natural para aprender, se desenvolver e crescer, quando o ambiente apoia suas necessidades (REEVE, 2006). Segundo Deci e Ryan (1985); Araújo, Cavalcanti e Figueiredo (2009) as necessidades psicológicas básicas são assim definidas: - Autonomia está relacionada com o locus de causalidade, ou seja, o ser humano precisa sentir-se no controle de suas próprias ações. - Competência é a capacidade que a pessoa tem de interagir satisfatoriamente com o ambiente. Também é o sentimento de recompensa resultante da energia utilizada ao realizar uma atividade. - Vínculo, ou relacionamento, é a necessidade do indivíduo em se sentir parte de um contexto social, onde seus relacionamentos sejam seguros e duradouros. No contexto escolar, promover a motivação autônoma, também chamada de motivação autodeterminada, dos educandos exige do professor, conhecimento teórico e disposição em respeitar, ainda que com autoridade, a liberdade psicológica 3 Abordagem organísmica provem do termo organismo, que sugere uma entidade viva em permanente troca ativa com seu ambiente. 22 e a possibilidade de escolha de seus alunos, fazendo-os com que se sintam no controle da situação, ou seja, que percebam como interno o locus de causalidade (BZUNECK E GUIMARÃES, 2010). As crianças têm o desejo de experimentar o mundo à sua própria maneira, decidindo elas mesmas o que fazer, como fazer, quando fazer e mesmo se vão ou não fazer (em decorrência da sua necessidade de autonomia). E quais atividades, habilidades e valores as crianças consideram ser importantes é algo que depende das atitudes, dos valores e dos climas emocionais que lhe são oferecidos pelas pessoas importantes em sua vida (o que decorre da sua necessidade de relacionamento) (REEVE, 2006, p. 67). Com base na citação acima, pode-se afirmar que a aula de música especificamente é um ambiente que proporciona um alto grau de experiências e relações que favorecem a percepção das crianças sobre sua autonomia, competência e relacionamentos. O ambiente de sala de aula é rico na troca de experiências, entre alunos e com o professor. As regras inerentes à convivência escolar, bem como as particularidades da aula de música proporcionam momentos onde as capacidades e habilidades individuais são testadas e avaliadas, o retorno (feedback) é quase sempre imediato, todos sofrem influências das prescrições e das proscrições (inclusive professores) e a percepção da criança acerca disso é determinante para o entendimento do meio em que vive. 1.2 Motivação intrínseca e motivação extrínseca As necessidades psicológicas impulsionam a motivação. No entanto, a origem ou causa de um comportamento motivado pode não ser consciente para o indivíduo. Com frequência, as pessoas encontram-se desmotivadas no trabalho ou na escola, comprovando que nem sempre estão intrinsecamente motivadas, ou seja, nem sempre estar motivado é algo natural para o ser - humano. Essa pouca motivação ou até mesmo a sua ausência, faz com que as pessoas busquem no ambiente, procurando extrinsecamente por razões para motivar-se, através de recompensas e elogios, ou evitando ameaças e punições (REEVE, 2006). 23 Para Ryan e Deci (2000) a motivação intrínseca é um importante constructo, que reflete a propensão humana natural em aprender, e se refere ao fato da pessoa realizar uma determinada ação pelo interesse inerente da atividade. Reeve (2006) corrobora com esta definição, reforçando que a motivação intrínseca, por possuir locus de causalidade interno, é considerada como uma propensão inata; isto é, surge internamente, refletindo seus interesses, curiosidades, necessidades e exercitando suas próprias capacidades a fim de buscar e dominar desafios em nível ótimo. Geralmente justifica-se na realização de uma determinada atividade por ela mesma, a ação por si só. A motivação não deve ser considerada como um fenômeno unitário, pois ela varia não somente de intensidade, mas também de orientação e de momento. (RYAN E DECI, 2000). Para ilustrar essa alternância da percepção do locus de causalidade e de intensidade, tem-se a seguinte situação hipotética: um indivíduo pode estar muito motivado para estudar violão pela manhã, mas à noite, pode ter dificuldades em concentrar-se no estudo devido ao cansaço, e com isso, sua motivação intrínseca pode sofrer um decréscimo. No entanto, este mesmo indivíduo, apesar do cansaço possui urgência em aprender determinada canção para um exame no dia seguinte, encontra-se então motivado a continuar o estudo, a fim de evitar uma situação desfavorável, que coloque à prova sua competência perante os outros. A motivação deste suposto violonista variou ao longo do dia, tanto na percepção do lócus de causalidade (interno e externo) quanto na intensidade (muito motivado, pouco motivado). Assim, ao iniciar e/ou persistir em uma atividade podemos ser movidos por uma motivação intrínseca (natural, interna) ou extrínseca (sujeita a situações provocadas pelo ambiente). Em música, ser movido intrinsecamente significa participar de uma atividade musical com o objetivo de experienciar as satisfações inerentes que esta pode proporcionar, buscando a oportunidade de satisfazer suas necessidades psicológicas básicas de autonomia, competência e vínculo, mesmo que isso não seja um processo consciente. A motivação intrínseca é apontada por muitos estudiosos (REEVE, 2006; RYAN E DECI, 2000; GUIMARÃES, 2009), como a motivação ideal, a de melhor qualidade e a que leva o indivíduo a sentir satisfação, prazer, competência. A motivação que leva a altos níveis de aprendizagem. Guimarães (2009, p. 38) 24 descreve o envolvimento e o desempenho escolar de um aluno intrinsecamente motivado como: [...] Apresenta alta concentração, de tal modo que perde a noção do tempo; os problemas cotidianos ou outros eventos não competem com o interesse naquilo que está desenvolvendo; não existe ansiedade decorrente de pressões ou emoções negativas que possam interferir no desempenho; a repercussão do resultado do trabalho perante as outras pessoas não é o centro de preocupações, ainda que o orgulho e a satisfação provenientes do reconhecimento de seu empenho e dos resultados do trabalho estejam presentes; busca novos desafios após atingir determinados níveis de habilidades e as falhas ocorridas na execução das atividades instigam a continuar tentando. Porém, esta mesma autora concorda que esta visão ideal do aluno motivado, não ocorre sempre, nem em todos os momentos e atividades, tampouco com todos os alunos ao mesmo tempo. Csikszentmihalyi (2008, 1999) expõe o conceito de personalidade autotélica4 que se encaixa dentro desta descrição de aluno motivado dada por Guimarães. Basicamente, o aluno que apresenta essa postura em grande parte das situações de aprendizagem, possui uma motivação intrínseca desenvolvida e a capacidade de autorregular seu próprio aprendizado. A motivação extrínseca é a realização de uma atividade com vistas a benefícios e recompensas, ou como forma de evitar situações desagradáveis. Surge, portanto, das consequências e dos incentivos ambientais (REEVE, 2006). Seguindo com o exemplo musical, um comportamento motivado extrinsecamente, busca obter por meio do fazer artístico musical, reconhecimentos como prêmios, troféus, bolsas de estudos e dinheiro, ou busca até mesmo evitar punições, como no caso de crianças que são obrigadas pelos pais a fazer aulas de música. Um aluno motivado intrinsecamente participa da aula de música com atenção, toca instrumentos, canta e interage com colegas e com a professora. Um aluno motivado extrinsecamente, pode se comportar da mesma forma. Portanto, é difícil afirmar, somente através da observação do comportamento humano, qual é a origem da motivação de um indivíduo. A diferença entre comportamentos motivados intrinsecamente ou extrinsecamente está exclusivamente na percepção do locus de 4 A personalidade autotélica será melhor definida na página 34. 25 causalidade, ou seja, na fonte da energia que direciona o comportamento (REEVE, 2006). Na clássica divisão dicotômica entre motivação intrínseca e motivação extrínseca, esta última é caracterizada como uma forma mais pobre e negativa de motivação, onde apesar de produzir resultados e ter poder sobre o comportamento do indivíduo, é considerada de baixa qualidade (RYAN E DECI, 2000). Em contraponto a esta abordagem, a Teoria da Autodeterminação (Self-determination Theory) considera a motivação extrínseca também como uma forma autodeterminada de motivação, que apesar de se valer de reguladores extrínsecos como consequências e incentivos, é capaz de envolver e promover crescimento e aprendizagem. A Teoria da Autodeterminação aborda a motivação extrínseca sobre diversos tipos, alguns realmente condizem com a visão da motivação gerada pelo ambiente, mas outros já apresentam formas mais volitivas e internalizadas pelo indivíduo. A Teoria da Autodeterminação é uma teoria que estuda a motivação sob aspectos qualitativos e determinantes. Para Ryan e Deci (2000, p.54) autores da teoria, “estar motivado significa ser movido à realização de algo.” Essa motivação não só se diferencia em quantidade, mas também em diferentes tipos de motivação; isto é, não só no nível, mas também na orientação. Por apresentar uma abordagem mais detalhada da motivação, não a dividindo somente entre motivação intrínseca e motivação extrínseca, e também por dar um caráter mais positivo à motivação extrínseca, é que a Teoria da Autodeterminação vem ao encontro deste estudo, de forma a complementar o entendimento acerca dos variados tipos de motivação. Segundo Bzuneck e Guimarães (2010, p.44) a afirmativa central da Teoria da Autodeterminação postula que “os seres humanos são dotados de natureza ativa, propensos ao desenvolvimento saudável e à autorregulação.” Isto implica que ao envolver-se em uma determinada atividade o indivíduo vai buscar satisfazer as três necessidades psicológicas básicas de competência, autonomia e vínculo. É importante considerar que todas as necessidades precisam estar juntas para haver motivação intrínseca, mas por sua vez, não é necessário que sejam motivadas intrinsecamente para que ocorram (RYAN E DECI, 2000; ARAÚJO, CAVALCANTI E FIGUEIREDO, 2009). 26 Segundo Ryan e Deci (2000); Austin, Renwick e McPherson (2006), a perspectiva da Teoria da Autodeterminação emerge da clássica divisão entre motivação intrínseca (a atividade é realizada pelo seu valor próprio) e motivação extrínseca (onde a pessoa procura evitar algo ou receber recompensas); entretanto, a Teoria da Autodeterminação propõe que comportamentos extrinsecamente motivados variem em um continuum de acordo com o grau de autonomia que o indivíduo percebe, ou seja, considera-se que a motivação extrínseca também pode ser autodeterminada. A Figura 1 apresenta o continuum de Autodeterminação proposto na teoria. FIGURA 1 - Continuum de Autodeterminação Fonte: Elaborada pela autora, baseada em Decy & Ryan (2000) Continuum de Autodeterminação Ausência de Autodeterminação Desmotivação Autodeterminação Motivação Extrínseca Motivação Intrínseca Regulação Regulação Regulação Regulação Externa Introjetada Identificada Integrada Essa variação qualitativa da motivação extrínseca se apoia no conceito de internalização explicado por Guimarães e Bzuneck (2008, p.103): A qualidade da motivação dependeria do nível de internalização das regulações externas, sendo que, quanto maior o nível de autodeterminação do comportamento melhor a qualidade motivacional. A internalização refere-se ao processo proativo pelo qual as regulações externas, que são as práticas e prescrições culturais, são transformadas em auto-regulações, ou seja, tornam-se valores, crenças e compreensões pessoais. Importante ressaltar que o continuum de Autodeterminação não é um continuum progressivo por si só, isto é, não significa que se a motivação extrínseca se tornar mais internalizada, ela se transformará numa motivação intrínseca. 27 Também não há uma sequência no continuum, embora a motivação possa se movimentar entre as orientações (RYAN & DECI, 2000). De acordo com Ryan e Deci (2000), Guimarães e Bzuneck (2008), essa motivação extrínseca pode ser controlada por: - Regulação externa: forma menos autônoma de motivação extrínseca. Visa obter recompensas e/ou evitar punições; - Regulação introjetada: relacionada a pressões internas como culpa, ansiedade e reconhecimento social; - Regulação identificada: reconhecimento e valorização subjacentes ao comportamento. É mais autônoma que as anteriores, mas o locus de causalidade ainda é externo; - Regulação integrada: alto grau de autodeterminação. Síntese das regulações identificadas, mas torna-se mais consciente, pois ocorre uma integração direta com o self. Reeve (2006) esclarece que esta regulação integrada refere-se tanto a um tipo de motivação quanto a um processo de desenvolvimento, pois envolve uma reflexão do indivíduo “para fazer com que novas maneiras de pensar, de sentir e de se comportar atinjam sem conflitos uma congruência com maneiras preexistentes de o self pensar, sentir e comportar-se” (REEVE, 2006, p.99). Por exemplo, ao realizar uma composição musical coletiva, não é possível agradar a todos ao mesmo tempo, e sempre alguém terá que ceder, pelo bem maior de ver a obra terminada ainda que o resultado não tenha sido o desejado. Araújo, Cavalcanti e Figueiredo (2009) ainda explicam que a motivação extrínseca por regulação integrada, apesar de possuir as mesmas características da motivação intrínseca, não se iguala a esta, pois passou por um processo antes de chegar a esse ponto. A motivação intrínseca ocorre naturalmente. Entretanto, a regulação integrada é identificada como um comportamento autodeterminado, o que é um fator positivo. Sob a ótica da Teoria da Autodeterminação, a motivação extrínseca pode ser considerada benéfica para a aprendizagem e desenvolvimento de um aluno, se forem promovidas formas mais autônomas de motivação, visando à participação e a internalização de valores prescritos, como algo importante e de valor para o indivíduo. 28 Assim, a Teoria da Autodeterminação contribui com este estudo, ao fornecer subsídios juntamente com a teoria do fluxo, para um maior entendimento quanto ao tipo de orientação e quanto à variação de envolvimento e motivação que ocorre com os alunos em sala de aula. Contribui especialmente para a compreensão dos processos motivacionais extrínsecos, auxiliando o professor na melhor forma de conduzir situações do dia a dia. Entender estes diferentes tipos de motivação extrínseca, e o que promove cada uma delas, é um importante assunto para educadores que não podem sempre confiar na motivação intrínseca para estimular a aprendizagem. Falando francamente, devido a muitas das tarefas que os educadores querem que seus alunos realizem, não serem inerentemente interessantes ou prazerosas, saber como promover formas mais ativas e determinadas de motivação extrínseca (ao invés de formas passiva e controladora) se torna uma estratégia essencial para um ensino de sucesso. (RYAN & DECI, 2000, p.55, tradução nossa) 5 1.3 Pesquisas em motivação em música O estudo da motivação no Brasil, em seus vários níveis da educação, vem ganhando cada vez mais força com novas pesquisas e publicações, mas ainda é iniciante na área da motivação em música. Alguns estudos recentemente realizados vêm contribuindo para suprir esta lacuna na área musical, trazendo dados importantes para o desenvolvimento desta temática e melhorando significativamente a compreensão dos fenômenos motivacionais. Os estudos de Figueiredo (2010), Cavalcanti (2009) e Engelmann (2010) foram realizados no contexto do Ensino Superior e abordaram, sob diferentes perspectivas, a motivação para o estudo da música. Figueiredo (2010) analisou a motivação de alunos bacharelandos do Curso de Violão de uma instituição de ensino superior em Curitiba, sob a perspectiva da Teoria da Autodeterminação. A metodologia utilizada foi um estudo de levantamento com 24 alunos que, em sua maioria, demonstraram altos níveis de motivação 5 Understanding these different types of extrinsic motivation, and what fosters each of them, is an important issue for educators who cannot always rely on intrinsic motivation to foster learning. Frankly speaking, because many of the tasks that educators want their students to perform are not inherently interesting or enjoyable, knowing how to promote more active and volitional (versus passive and controlling) forms of extrinsic motivation becomes an essential strategy for successful teaching. 29 autônoma. Segundo o autor, os problemas advindos na escolha da carreira de músico profissional não foram suficientes para causar desmotivação nos estudantes. Ao final do estudo, o autor levanta importantes considerações e fornece sugestões para promover a motivação dos alunos bacharéis. Algumas dessas sugestões podem ser aplicadas não só em nível superior, mas também no contexto da educação básica e no ensino de instrumento, tais como: o cuidado na utilização de recompensas, bem como na utilização do conceito de talento, evitando situações desmotivadoras; o oferecimento de opções de escolha, como seleção de repertório e participação em recitais; a preocupação em oferecer um contexto educacional informativo favorecendo a percepção de locus de causalidade interna por parte dos alunos. A pesquisa de Cavalcanti (2009) teve como referencial teórico a Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, utilizada intensamente para investigar as crenças de auto-eficácia de músicos no campo da prática instrumental e da autorregulação. A metodologia utilizada foi um estudo de levantamento com alunos do curso superior de instrumento onde 50% dos alunos do 1º ao 3º ano e 81% dos alunos do 4º ano se julgaram competentes e se consideraram muito confiantes para superar desafios no estudo instrumental; entretanto, a autora faz uma ressalva, atentando para o fato de que um percentual significativo não sentiu o mesmo grau de confiança e demonstrou possuir baixas crenças de auto-eficácia. Engelmann (2010) abordou em seu estudo a motivação de alunos dentro do contexto educacional do ensino superior, verificando de que modo o uso de estratégias para aprendizagem está relacionado com o desempenho acadêmico. O objetivo geral de sua pesquisa foi analisar a motivação de alunos dos cursos de Artes (Música, Artes Visuais e Artes Cênicas) de uma Universidade Pública do Norte do Paraná, focando a identificação de variáveis do contexto social, e teve como principal referencial teórico a Teoria da Autodeterminação. A pesquisa realizada foi de natureza exploratória e correlacional e consistiu na identificação e descrição das orientações motivacionais dos alunos, bem como, da relação entre as diversas variáveis do estudo. Pizzato (2009) e Vilela (2009) focaram seus estudos no ensino básico, trabalhando com dados secundários da pesquisa internacional “Os Significados da Música para Crianças e Adolescentes em Atividades Musicais Escolares e Não- 30 escolares”, realizada no Estado do Rio Grande do Sul, com alunos das séries finais do ensino fundamental e médio. Pizzato (2009) utilizou o tema “Motivação na Educação Musical” para investigar as relações existentes entre os níveis de interesse e os níveis de competência, dificuldade e esforço para aprender música na escola. O referencial teórico abordado foi o Modelo de Expectativa e Valor e questões sobre o interesse. A pesquisa realizada foi de caráter quantitativo, com análise descritiva: participaram do estudo 631 alunos de séries finais do ensino fundamental e médio com idades entre 11 a 19 anos. Constatou-se que a maioria dos alunos considerou que aprender música na escola exige baixa dificuldade (77%) e logo, são competentes para tal (80,3%). Quase metade dos alunos da amostra (47,7%), declarou alto interesse em aprender música na escola, porém 16,2% declararam possuir médio interesse e 35,8% baixo interesse. Observou-se que meninas se sentem mais competentes e acham menos difícil aprender música na escola do que meninos, e também que alunos de escola pública sentem maior exigência de esforço do que os de escola privada. O baixo interesse dos alunos foi fortemente relacionado com sentimentos de alta competência, baixa dificuldade e pouco esforço, por parte destes. Especulou-se que, como justificativa para tal constatação, a baixa exigência das aulas de música e as formas de avaliação focadas na participação e não no conhecimento e no desempenho musical dos alunos, podem ter contribuído para este resultado. Ao final do estudo, a autora faz importantes colocações e chama a atenção para o fato de que muitas vezes, a aula de música não reflete os interesses nem as preferências musicais dos alunos. Afirma que o reconhecimento da música como disciplina relevante na escola, tanto pelos alunos quanto por parte da direção e de todos os professores, aumenta a motivação para aprendê-la. Para tanto, é necessário investir na preparação dos professores, para que possam apoiar o interesse e estimular o aluno com base nas teorias motivacionais. Vilela (2009) também abordou o tema motivação na aprendizagem musical sob a ótica do Modelo de Expectativa e Valor, e investigou as relações entre o interesse, a utilidade, a importância e o esforço (custo) que os alunos atribuem às aulas de música no currículo escolar e em diferentes contextos. O estudo teve como metodologia a pesquisa quantitativa com análise de dados estatística descritiva e inferencial. 31 A pesquisadora observou que alunos que aprendem música em contextos não escolares como organizações não governamentais, projetos sociais e atividades extracurriculares, tendem a atribuir maior interesse, utilidade e importância do que alunos que aprendem música somente na aula curricular da escola. Constatou que, assim como em pesquisas realizadas no exterior, também no Brasil há um declínio do interesse e do valor atribuído em aprender música à medida que os alunos avançam nos anos escolares. Entretanto, após discutir os resultados à luz do referencial teórico, a autora afirma que: [...] não são as características do ambiente de aprendizagem que unicamente têm impacto sobre a motivação dos alunos. São principalmente as percepções e crenças que eles desenvolvem por meio de várias experiências nesses contextos que têm impacto sobre o valor que atribuem ao aprendizado, e, consequentemente, sobre a motivação para aprender (VILELA, 2009, p.95). As implicações destes estudos para a área da educação musical e da motivação são relevantes à medida que trazem para a esfera acadêmica, situações diariamente vivenciadas por educadores musicais, que por sua vez, têm a oportunidade de discutir e refletir sobre essas situações de forma sistemática e com embasamento teórico. Entretanto, nota-se que o tema motivação na educação musical ainda é carente de abordagens qualitativas, de pesquisas que observem o cotidiano de sala de aula in loco, não somente baseadas nas declarações dos alunos. Também há uma lacuna no estudo da motivação em educação musical com crianças, tal acontecimento é possível de ser justificado levando-se em conta o fato de que o trabalho com crianças pode ser considerado como um grupo de risco e que pode oferecer dificuldades de logística para a realização do projeto. 32 2 A TEORIA DO FLUXO A recente vertente da psicologia positiva surge como um novo campo de estudo que busca entender o que torna a vida interessante e o que faz com que ela valha a pena ser vivida. É um novo paradigma da psicologia que vem ganhando credibilidade, pois trata de investigar as experiências positivas subjetivas (como contentamento, fluxo, perseverança, autodeterminação, criatividade, etc.) fundamentando-se em pesquisas empíricas que testam hipóteses e são baseadas em dados (REEVE, 2006). Segundo Graziano (2008) a Psicologia Positiva não é uma teoria psicológica, tampouco um modismo, mas sim um movimento científico que nasceu nos Estados Unidos em 1998, a partir dos estudos de Martin Seligman, que juntamente com cientistas renomados de variadas universidades (dentre eles Mihaly Csikszentmihalyi) desenvolveu pesquisas quantitativas a fim de mudar o foco da Psicologia atual, passando a tratar da sanidade mental ao invés de focar nos porquês das doenças mentais. A autora esclarece que, “alguns teóricos a definem como o estudo científico das forças e virtudes próprias do indivíduo, que faz com que os psicólogos adotem uma postura mais apreciativa em relação ao potencial, motivação e capacidades humanas” (GRAZIANO, 2008, p.7). Dentro do que a psicologia positiva considera como uma vida boa destaca-se a Teoria do Fluxo desenvolvida por Mihaly Csikszentmihalyi que trata da qualidade do engajamento do sujeito em uma específica tarefa. Fluxo é definido como um estado de total envolvimento em uma determinada atividade que exija um alto grau de concentração, um nível de desafio compatível com a habilidade, e uma meta passível de ser cumprida, gerando um retorno (feedback) imediato. Tal experiência proporciona ao indivíduo um grande prazer, “lampejos de vida intensa” (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p. 37). O fluxo, também chamado de experiência ótima, é um estado mental e emocional onde, 33 [...] as intenções e a motivação são identificadas como manifestações que auxiliam a concentração de energia psíquica, criando uma ordem na consciência e um empenho extraordinário do indivíduo na realização de uma atividade (ARAÚJO, 2008, p.41). É natural da mente humana, a desordem, o caos, o fluxo constante e desordenado de pensamentos, reflexões, informações e desejos. Portanto, a concentração por vezes necessária em uma determinada tarefa, requer certa ordem na consciência. Quando há desordem na consciência, devido a emoções negativas como medo, ansiedade, tristeza e tédio, a concentração fica impossibilitada e o oposto do estado de fluxo acontece, a chamada entropia psíquica (CSIKSZENTMIHALYI, 1999; ARAÚJO, 2008). Para que experiências de fluxo ocorram, um fator importante é a manutenção do equilíbrio entre as percepções de desafio e níveis de dificuldade de uma atividade, e as percepções que o indivíduo tem quanto a sua própria capacidade de realização. As habilidades precisam se desenvolver para enfrentar novos desafios; por sua vez, os desafios precisam ser renovados para atrair e exigir habilidades em níveis mais acentuados. É um ‘círculo virtuoso’ de aprendizagem, o qual Csikszentmihalyi chama de motivação emergente (CUSTODERO, 2006). A fim de demonstrar a exata relação entre desafios e habilidades, o autor da teoria demonstrou através de um gráfico os oito possíveis estados emotivos e de consciência. GRÁFICO 1 - Relação entre desafios e habilidades para o processo do fluxo. Fonte: Csikszentmihalyi (1999, p. 38). 34 A relação entre desafios e habilidades é fundamental de tal forma que o desequilíbrio entre esses dois fatores impossibilita experiências de fluxo. Se os desafios estão além das possibilidades do sujeito, acabam causando a ansiedade, a preocupação e consequentemente a frustração. Do mesmo modo, se os desafios estão abaixo das habilidades e capacidades do indivíduo, podem causar o relaxamento e por consequência a apatia, o tédio, enfim, o desinteresse (ARAÚJO, 2008, p. 42). Pessoas que por muitas vezes experienciam o fluxo, desenvolvem um tipo de personalidade chamada autotélica, “perfil caracterizado pelo aumento da capacidade de concentração, auto-estima e satisfação” (ARAÚJO, 2008, p.39). A palavra autotélica provém de duas palavras gregas: auto, que corresponde a em si mesmo, e telos, que significa finalidade, ou seja, a finalidade em si mesma (CSIKSZENTMIHALYI, 2008). São pessoas que realizam atividades por motivos intrínsecos e essa realização com o fim em si mesma é a chave para uma experiência ótima. O fazer musical possui todas as características necessárias à experiência de fluxo. As condições que facilitam as experiências ótimas - percepção de objetivos claros, recebimento de feedback imediato, fusão de ação e atenção, existência de altos níveis de concentração, sentimento de estar no controle, e perda da autoconsciência – foram observadas em vários contextos musicais, em diversos estudos realizados. 2.1 Pesquisas em música, motivação e Teoria do Fluxo Apesar de ser uma teoria relativamente nova (os estudos de Csikszentmihalyi iniciaram-se há cerca de 30 anos), o conceito de fluxo vêm sendo aplicado e relacionado a estudos psicológicos, sociológicos, antropológicos e até evolutivos ao longo deste período, em vários países. Nesta seção, são apresentados alguns estudos representativos da teoria do fluxo relacionada a temas específicos como experiências transcendentais e criatividade, a fim de melhor compreender a aplicabilidade do conceito de fluxo. Em 35 seguida, o foco na educação musical é restaurado para que se compreenda a teoria dentro do campo de estudo desta pesquisa. 2.1.1 Fluxo e experiências transcendentais Bernard (2009) desenvolveu uma pesquisa relacionando o fluxo a experiências transcendentais. A autora pesquisou, através de relatos autobiográficos de seus alunos de graduação, sobre as experiências musicais de transcendência e fluxo na educação musical. Na revisão de literatura deste estudo, Bernard (2009) cita exemplos de estudos sobre música e experiências transcendentais, tais como o estudo de Alberici que através da perspectiva fenomenológica observou a performance e a transcendência com alunos de graduação. Cita ainda trabalhos de Reimer, Palmer e Paulnack que com espiritualidade em e diferentes pesquisaram abordagens, como as relacionaram transcendência experiências transcendentais transformam comportamentos e sensações físicas. O conceito de transcendência utilizado no texto por Bernard se fundamenta no referencial teórico de Abraham Maslow e sua Teoria da Hierarquia das Necessidades Humanas, que baseada em uma psicologia humanista, determina os conceitos de experiências culminantes (peak experiences) e pessoas autoatualizadas (self-actualizing people), conceitos esses que se relacionam e influenciaram a Teoria do Fluxo. Segundo Bernard (2009), Maslow descreve as experiências culminantes como uma generalização dos melhores e mais felizes momentos da vida do ser humano, as experiências de êxtase e de grande alegria. E descreve pessoas autoatualizadas como indivíduos que se engajam com o mundo a sua volta em total absorção, que fazem escolhas que permitem seu crescimento ao invés de inibir, que são honestas, que trabalham para fazer bem feito aquilo a que se propõem a fazer e que frequentemente vivenciam experiências culminantes. Essas experiências culminantes proporcionam ao indivíduo oportunidades de experimentar a transcendência, que na visão da Teoria de Maslow possui dois componentes: 36 a) o esquecimento de si e a perda da autoconsciência. b) a possibilidade de ir além de si; o sentimento de pertencer a algo muito maior. Com alguns pontos em comum com a teoria do fluxo, Bernard (2009) relaciona as duas teorias, pois Csikszentmihalyi (apud BERNARD, 2009) em seus mais recentes estudos, também aborda experiências transcendentais, expondo que as experiências de fluxo levam ao acréscimo de complexidade da consciência, guiando o progresso da evolução dos indivíduos, logo da espécie humana. Quanto mais um indivíduo experienciar o fluxo, mais feliz ele se torna, e mais complexa a sua consciência se torna, possibilitando assim que a pessoa contribua significativamente para o processo de evolução. Bernard (2009) ainda explica que enquanto Maslow propõe que as experiências culminantes sejam meios para se atingir experiências de transcendência e de auto-realização, Csikszentmihalyi amplia e estende esses conceitos para um campo de estudos maior ao abordar implicações sociais e evolucionárias. Para Csikszentmihalyi (apud BERNARD, 2009), experiências de fluxo levam à felicidade e à transcendência individual, o que pode aumentar a complexidade da consciência do indivíduo. Transferir essas ideias para um âmbito social implica em compreender que quando indivíduos aumentam a complexidade de suas consciências, isto contribui com o progresso da evolução da espécie humana como um todo (BERNARD, 2009). 2.1.2 Fluxo e criatividade Outra linha de pesquisa que vem sendo explorada é a relação entre experiências de fluxo, motivação e criatividade. A motivação é considerada um fator significativo no desenvolvimento da criatividade; os recursos motivacionais impulsionam performances criativas (ALENCAR E FLEITH, 2003). Para as recentes Teorias do Investimento, de Sternberg, Modelo Componencial de Criatividade, de Amabile, e a Perspectiva de Sistemas do próprio Csikszentmihalyi, a motivação sempre aparece como um componente necessário para o desenvolvimento da criatividade (ALENCAR E FLEITH, 2003). 37 No estudo de MacDonald, Byrne e Carlton (2006) buscou-se relacionar a criatividade musical com o conceito de fluxo de Csikszentmihalyi. Para tanto, os autores desenvolveram uma pesquisa no âmbito do ensino superior, com um grupo de atividades de composição, a fim de estudar as relações entre criatividade, fluxo e a qualidade das composições produzidas. Estudantes do primeiro ano da universidade trabalharam em um grupo de composição por três encontros, respondendo questionários sobre suas experiências e gravando as composições para análise. Segundo MacDonald, Byrne e Carlton (2006, p. 295, tradução nossa), Apesar de uma forte ênfase em atividades de grupo na educação musical atual, poucas pesquisas têm investigado variáveis sociais e psicológicas que são vistas como cruciais para o sucesso das tarefas do grupo que envolve a cooperação interpessoal.6 Os autores destacam a relevância dos aspectos sociais e psicológicos ao investigar a criatividade, pois estes aspectos comprovadamente influenciam na qualidade das tarefas, no engajamento e no desenvolvimento da criatividade (MACDONALD, BYRNE E CARLTON, 2006). De forma a exemplificar, citam outro estudo previamente realizado, onde uma criança, ao produzir uma composição com um indivíduo considerado seu ‘melhor amigo’, obteve um resultado mais satisfatório em termos de qualidade, do que quando trabalhou com alguém que considerava sendo somente seu conhecido. As conclusões do estudo MacDonald, Byrne e Carlton (2006) confirmam a hipótese de que altos níveis de fluxo favorecem altos níveis de criatividade. As implicações deste estudo para as áreas da educação musical e da psicologia da música são significativas, pois demonstra o quanto uma variável psicológica como o fluxo, pode exercer de influência sobre uma variável especificamente musical, como a criatividade e a composição. 6 Despite a strong emphasis on group activities within current music education, little research has investigated social and psychological variables that are viewed as crucial to successful group tasks that involve interpersonal cooperation. 38 2.2 Teoria do Fluxo e Educação Musical Alguns autores vêm tomando como referência a Teoria do Fluxo de Csikszentmihalyi e relacionando-a com o campo da Educação Musical e estudos da Psicologia da Música. No Brasil, ainda é escassa a literatura sobre o assunto. Araújo, Torres & Ilescas (2007) abordam a temática da motivação e experiência de fluxo com foco na aprendizagem e na prática instrumental, abordando também algumas concepções sobre motivação. Em outro estudo, Araújo & Pickler (2008), ao investigar os processos motivacionais que conduzem a prática de estudantes de música universitários, sugerem diferentes enfoques dentro da Cognição e da Educação Musical. Este estudo corroborou com resultados obtidos em pesquisas anteriores quanto à relação existente entre a persistência no estudo e a experiência vivenciada; e quanto à constatação de que fatores extrínsecos e intrínsecos, tais como apoio familiar e interesse, são também determinantes para a motivação. Em um estudo internacional, Adessi e Pachet (2007) conduziram uma investigação sobre as relações estabelecidas entre crianças de 3 e 5 anos e um Sistema Musical Interativo-Reflexivo, chamado Continuator. Segundo os autores, “o Continuator é um sistema específico capaz de produzir música de maneira parecida a um ser humano que toca em um teclado, como uma espécie de espelho sonoro” (ADESSI & PACHET, 2007, p.62). O objetivo principal ao se utilizar o Continuator é ensinar processos musicais, tais como a improvisação, de maneira indireta, pois se estabelece uma real interação entre o executante e a máquina. O processo consiste basicamente em tocar uma sequência ou frase musical e em seguida, aguardar pela resposta (continuação) da ideia musical, feita pelo Continuator. Essa frase é produzida pelo sistema seguindo as mesmas características estilísticas do executante, respeitando a duração das frases propostas inicialmente, bem como detectando automaticamente os finais de frases, inclusive, tendo como prioridade o usuário; ou seja, se este decide tocar novamente enquanto o Continuator ainda está tocando, o sistema pára, ´escuta´ e reinicia o processo (ADESSI & PACHET, 2007; ADESSI, FERRARI, CARLOTTI, PACHET, 2006). Uma pesquisa experimental foi realizada com 9 crianças de 3 a 5 anos, onde 4 atividades foram propostas e realizadas pelas crianças: 1) tocar o teclado sozinha; 39 2) tocar o teclado com o Continuator; 3) tocar o teclado com um colega; 4) tocar o teclado com um colega e o Continuator. Foram observadas 11 variáveis baseadas no conceito de fluxo: atenção direcionada, concentração, retorno imediato, controle da situação, motivação intrínseca, excitação, mudança na percepção do tempo, objetivos claros, prazer, envolvimento, e socialização com o parceiro (ADESSI & PACHET, 2007). Estas variáveis foram utilizadas para medir e avaliar a presença de seis estados emotivos ligados ao fluxo, de acordo com a tabela exposta por Csikszentmihalyi7, e que apareceram com maior frequência: Fluxo, Controle, Relaxamento, Arousal (exaltação), Apatia e Ansiedade. Constatou-se que há uma forte relação entre os estados emotivos considerados positivos (controle e exaltação) e a possibilidade da ocorrência do fluxo. Observou-se também a presença dos Indicadores de Fluxo de Custodero (2005)8. Na análise dos dados, ficou evidente que a utilização do Continuator “promoveu, no grupo, um estado de bem estar caracterizado por um nível elevado de motivação intrínseca, um controle da situação e uma excitação bastante semelhante à teoria do fluxo de Csikszentmihalyi” (ADESSI & PACHET, 2007, p.70). Chamado de ‘máquina de fluxo’ pelos autores, devido às características do sistema em produzir respostas (desafios) de acordo com o grau de habilidades de cada um, e de ‘teclado que responde’ pelas próprias crianças participantes do estudo, demonstra que o Continuator possibilita a obtenção de experiências ótimas na educação musical. Outra professora e pesquisadora atuante na área, Lori Custodero desenvolveu vários estudos no campo da Teoria do Fluxo na Educação Musical. Seus estudos focam as experiências de fluxo que ocorrem em contexto escolar com crianças pequenas até adolescentes. Nos últimos anos, Custodero desenvolveu uma metodologia apropriada para a observação das ocorrências de fluxo e relacionou a teoria ao estudo da cognição, da aprendizagem e do desenvolvimento musical (CUSTODERO, 1999; 2002-2003; 2005; 2006). Em um de seus primeiros estudos, Custodero (1999) teve por objetivo adaptar a metodologia de medição e ocorrência do fluxo, desenvolvida em estudos anteriores por Csikszentmihalyi, de forma que pudesse definir e operacionalizar 7 8 Ver o gráfico 1 na página 23. Os Indicadores de Fluxo desenvolvidos por Custodero serão especificados adiante, neste capítulo. 40 estratégias cognitivas de crianças pequenas que ocorriam durante atividades guiadas por adultos. Também foi objetivo do estudo desenvolver um válido e funcional método de mensuração da cognição musical de crianças pequenas in situ, através da observação sistemática e rigorosa de seus comportamentos no contexto de aprendizagem musical. A pesquisa foi realizada com uma classe de 11 estudantes iniciantes de música, entre as idades de 4 e 5 anos. Oito encontros semanais de uma hora de duração foram filmados para análise. Através da observação direta e análise dessas experiências de aprendizagem das crianças, um esquema de código, os Indicadores de Fluxo em Atividades Musicais (Flow Indicators in Musical Activities), foi desenvolvido baseado no modelo/experimento de Csikszentmihalyi. A pesquisadora teve de atentar para dois aspectos importantes em seu estudo: expandir o constructo de fluxo, relacionando-o mais à cognição e processos de mudança mental do que à motivação, e estudá-lo em contexto de crianças pequenas, pois até então, estudos tinham sido realizados somente com adolescentes e adultos. Ao relacionar fluxo com cognição musical, Custodero (1999, p. 5, tradução nossa) explica que: “A relação entre experiência de fluxo e cognição se torna clara quando se considera a natureza da cognição como mudança intelectual.” 9 Ao estudar o fluxo no contexto de crianças pequenas um novo procedimento para observar e analisar a aprendizagem escolar precisou ser testado. Baseada em pesquisas realizadas anteriormente, que envolviam a gravação das crianças, seus comportamentos e a reação a esses comportamentos, um procedimento em 3 partes foi adotado. Este procedimento consistiu no: (1) desenvolvimento do instrumento; (2) determinação dos instrumentos através do exame da concordância entre múltiplos avaliadores e; (3) determinação dos instrumentos de validação através de comparações analíticas com pesquisas anteriores sobre experiências de fluxo. Essas pesquisas anteriores deram suporte para considerar que este estudo é válido dentro do contexto e que os métodos utilizados são cientificamente apropriados. Ao término do estudo, foi concluído que: (1) o fluxo é um fenômeno observável e os Indicadores de Fluxo em Atividades Musicais são uma ferramenta válida e confiável para avaliar o fluxo no aprendizado de crianças pequenas. (2) As The relationship between flow experience and cognition becomes clear when considering the nature of cognition as intellectual change. 9 41 crianças empregam estratégias cognitivas para construir seu próprio entendimento musical; (3) em um contexto de aprendizagem musical, a qualidade da intervenção adulta exerce um papel importante na qualidade das experiências das crianças e do fluxo; (4) crianças pequenas usam o feedback de colegas e adultos diferentemente em seus ambientes de educação musical (CUSTODERO, 1999). Os Indicadores de Fluxo em Atividades Musicais desenvolvidos por ocasião desta pesquisa vieram a ser utilizados novamente e explicados mais profundamente nos estudos subsequentes da autora. Um estudo longitudinal com três crianças, primeiramente na idade de 4 e 5 anos e depois com 11 e 12 anos foi realizado por Custodero (2002-2003). As observações de como as crianças utilizavam seus esforços para construir significado musical nas atividades guiadas por adultos e seus engajamentos com materiais, foram interpretadas através de várias perspectivas. Estas perspectivas incluíram a das crianças, de seus pais e da pesquisadora-professora; também se levou em consideração as influências do tempo e espaço. Neste estudo, cujo objetivo principal foi investigar o papel da percepção de desafio na aprendizagem musical das crianças, algumas perguntas foram feitas a fim de conduzir o estudo longitudinal, a saber: a) Como o desafio é manifestado comportamentalmente e verbalmente na aprendizagem musical de três crianças de 4 e 5 anos? b) O que relataram as mesmas crianças, na idade de 11 e 12 anos, com relação ao desafio em seu aprendizado musical? c) Qual é o caráter da intervenção dos pais destas crianças e como isto pôde influenciar na percepção de desafio? d) O quão estável é o temperamento da criança em direção ao desafio ao longo do tempo? (CUSTODERO, 2002-2003, p. 26 , tradução nossa10). A autora afirma ainda que o conceito de desafio é ambíguo, pois é tanto percebido como uma oportunidade para agir quanto uma ameaça ou risco. A interpretação que o indivíduo atribui ao desafio vai depender de fatores desenvolvimentais, ambientais e das influências sociais interligados. O desafio pode ser um forte motivador para aprendizagem quando experienciado em atividades 10 A) How is challenge manifested behaviorally and verbally In three 4-5-year-old children´s music learning? B) What do the same children, at age 11-12, report regarding challenge in their music learning? C) What is the character of parent-child intervention and how might it influence children´s perceptions of challenge? D) How stable are children´s dispositions toward challenge over time? 42 cujas quais o indivíduo possua habilidade e um ambiente social que suporte e favoreça oportunidades de ação pessoal (CUSTODERO, 2002-2003). Em outro estudo, Custodero (2005) foca sua observação no engajamento musical de crianças pequenas através dos Indicadores de Experiência de Fluxo. Neste estudo especificamente, foram realizadas observações de 4 grupos distintos de crianças em diferentes contextos musicais, a saber: 1. Grupo de 8 bebês em idade de 7 a 23 meses; 2. 10 crianças de 2 e 3 anos (25 a 34 meses); 3. 6 crianças em idade pré-escolar de 5 e 6 anos – grupo de violino; 4. 5 crianças com idades de 6 a 8 anos – grupo de eurítmica Dalcroze. Todos os grupos tinham regularmente um encontro semanal. O objetivo deste estudo foi abordar como o fluxo pode ser experiencialmente comparado e como ele pode variar dentro das competências e especificidades devido à idade de cada grupo. A autora, embasada em teorias sobre motivação emergente e percepção de ambientes que favorecem e levam à ação, observou comportamentos que sugerem um engajamento em atividades que por sua vez, promovem a continuidade do desenvolvimento de habilidades (CUSTODERO, 2005). Ainda segundo Custodero (2005, p.194, tradução nossa) “as atividades que geram esses comportamentos são caracterizadas por uma ausência de intervenção adulta; quando presente é convidada ao invés de imposta ou inserida”11. St. John (apud Custodero, 2005) estudou sob uma ótica Vygotskiana a relação entre as experiências de fluxo de crianças em aulas de música e a percepção de adultos e pares. Segundo este estudo, ela facilita e mantém as experiências ótimas. Entretanto, nos estudos de Custodero, essa influência de adultos e colegas, mostrou-se tanto positiva quanto negativa, dependendo da idade e do contexto. Os Indicadores Comportamentais de Experiência de Fluxo (definidos e exemplificados na tabela 1) foram novamente utilizados e mais amplamente desenvolvidos, aperfeiçoados e discutidos. Foram então divididos em 3 categorias:  Indicadores de busca por desafios – parte da própria criança e é livre de intervenção externa (adultos); 11 Activities that generate these behaviors are characterized by an absence of adult intervention; when present, it is invited rather than asserted. 43  Indicadores de monitoramento de desafios – diretamente relacionado com o material fornecido por outra pessoa no ambiente, geralmente um adulto;  Indicadores de contexto social – consciência de adultos e pares. TABELA 1 - Indicadores Comportamentais de Experiência de Fluxo Fonte: Elaborada pela autora, baseada em Custodero (2005) Indicador de fluxo Adesão automática Auto adesão (Self- assignment) Autocorreção Gesto deliberado Antecipação Expansão Extensão Percepção de adultos e pares Definição Atividade iniciada pela criança propositalmente, ao invés de um adulto. Reconhecimento do erro e ajustamento conforme regras estabelecidas. Qualidade do movimento muito focada e controlada, com frequência exagerada, mas sem movimentos estranhos. Tentativas verbais ou físicas de adivinhar ou mostrar “o que vem em seguida” durante o tempo da presente atividade. Tornar o material presente mais desafiador, transformando-o de alguma forma. Continuar se engajando com o presente material após o professor ter encerrado a atividade. Qualquer interação observável que envolva prolongado olhar fixo, movimentos de cabeça e movimentos físicos em direção a outra pessoa. Tentativas de se engajar com outra pessoa fisicamente ou verbalmente são especialmente notáveis. Indicadores de busca por desafios Indicadores de monitoramento de desafios Indicadores de contexto social A) Indicadores de busca por desafios: Adesão automática/ Auto-adesão (Self-assignment)12: indicador que reflete a natureza autotélica, ou autocompensatória da atividade desafiadora. É associado com o senso de controle e corresponde a percepção da criança como agente de seu próprio aprendizado. Ocorre na maioria das vezes nos momentos entre as atividades 12 Sugestão de tradução nossa. 44 coletivas e planejadas pelo professor, entre uma atividade e outra, quando a criança por iniciativa própria inicia uma atividade ou inicia experiências musicais significativas para ela, naquele momento. Autocorreção: este indicador reflete duas outras condições para a ocorrência do fluxo, recebimento de feedback imediato e percepção de objetivos claros. Quando a criança entende a estrutura da música, e quando o feedback é imediato e multissensorial, envolvendo aspectos visuais e táteis, a própria criança pode ajustar suas ações de forma a acomodar novos conhecimentos. Autocorreção é também uma forma de autorregulação. Gestos deliberados: manifestação de energia direcionada que reflete intensidade concentrada que usualmente relaciona-se com fluxo. Os gestos musicais nas crianças são geralmente funcionais: tocando piano imaginário, realizando com as mãos o caminho sonoro, tocando instrumentos, coreografias; movimentando-se a criança pode ser agente de sua própria aprendizagem. B) Indicadores de monitoramento de desafios: Antecipação: Quando a criança está tão absorta na atividade que consegue, mesmo sem ter consciência disto, antecipar gestos, palavras, sons que estão por vir na explicação do professor, ou mesmo no discurso sonoro. Expansão: Quando a criança vai além, transforma o material envolvido, segundo suas próprias ideias, de acordo com suas habilidades, compreensão musical e possibilidades de escolha no momento. Por envolver escolhas e impulso criativo, é percebida pela criança como sendo seu o controle da ação/atividade. Extensão: como uma plateia que pede por um bis, a criança tem o desejo de continuar a atividade, expressa isso verbalmente, ou através da continuação da atividade, mesmo quando é dada por terminada pelo professor. Significa que a criança acha interessante e prazerosa a atividade, e que ela ainda é desafiadora. É comum a perda do senso de tempo, surpreendendo-se quando percebe que se passaram minutos ou horas naquela atividade, o que é um grande indicador de fluxo. 45 C) Indicadores de contexto social: Considerado como qualquer interação observável que envolva prolongado olhar fixo, movimentos de cabeça e movimentos físicos em direção à outra pessoa. Tentativas de se engajar com outra pessoa fisicamente ou verbalmente são especialmente notáveis. Ao final, a pergunta ‘A criança estava em fluxo?’ é respondida com o auxílio das observações dos indicadores e da descrição de fluxo que se segue: A criança está focada e absorta no presente evento. Mantém olhar atento sobre a pessoa ou objeto. [...] O efeito geralmente é positivo ou neutro, variando algumas vezes de nível devido às diferenças de personalidade entre as pessoas. Nunca é negativo. Ao final do evento, geralmente há um efeito alto observável devido à consciência do sucesso. Pode existir um desejo de compartilhar esta consciência com alguém próximo e significativo. Há um nível de esquecimento das próprias condições físicas. Movimento físico em direção a pessoas ou materiais é comum (CUSTODERO, 1999, p. 11, tradução nossa).13 A pesquisa examinou a relevância dos indicadores de fluxo para a aprendizagem musical das crianças em diversas faixas etárias. Chegou-se a conclusão que quanto aos indicadores de busca por desafio (auto-adesão e autocorreção) não houve grandes diferenças entre os grupos etários; entretanto quanto ao gesto deliberado, comportamentos distintos foram observados e por isso, tratados de forma separada. Com relação aos indicadores de monitoramento de desafio e indicadores de contexto social, igualmente foram analisados em conjunto. Os principais resultados da pesquisa demonstram que, apesar da natureza exploratória do estudo não permitir generalizações, alguns comportamentos e assuntos que se destacaram podem indicar novos caminhos para futuras pesquisas, tais como: (a) a trajetória observada da auto-adesão; (b) a importância da estrutura 13 The child is focused and absorbed in the present event. Gaze is usually attentive on the facilitating person or object. However, when physical manipulation is not a task-defining element, a less-focused gaze may reflect an internal “working out” – a personalizing or “taking ownership” of the less tangible event. Affect is often positive and sometimes neutral, within varying levels of intensity usually reflective of individual personality differences. It is never negative. At the completion of the event there is usually a heightened observable affect due to awareness of success. There may be a desire to share that awareness with a nearby significant other. There is a level of obliviousness to one´s physical condition. Physical movement toward the facilitating person or materials is common. 46 musical para crianças pequenas; (c) o papel do gesto; (d) o caráter das transformações musicais, e (e) a consciência dos adultos e pares (CUSTODERO, 2005). Após a realização desta série de estudos e de pesquisas subsequentes, Custodero fornece insights a respeito das experiências de fluxo de crianças, e dicas úteis aos educadores musicais que desejam trabalhar visando uma educação musical que favoreça essas experiências ótimas, contribuindo assim com uma aprendizagem musical de maior qualidade. Custodero (2006) reconhece o papel fundamental do professor como agente facilitador de todo o processo de ensino-aprendizagem e sugere três princípios para a condução das atividades musicais: - Reconhecer e estimular a autonomia dos alunos, pois cada um tem uma maneira pessoal e relevante de se relacionar com a música e transformar materiais musicais transmitidos pelo professor, de acordo com seu grau de habilidade. - Determinar metas e desafios apropriados. Através de contextos coletivos de aprendizagem musical, adultos e colegas podem contribuir para o estabelecimento e a manutenção de desafios apropriados a todos. A natureza coletiva da sala de aula tem uma relevância particular para o aprendizado musical: a autenticidade de cada desafio é definida parcialmente pelo reconhecimento das outras pessoas. Na maioria dos estudos de fluxo, o papel exercido por essa participação das outras pessoas tem sido ambíguo: a experiência ótima é tanto facilitada quanto inibida pelo fato de que os outros estão a par dela (CUSTODERO, 2006, p. 390). - Envolver as crianças em atividades que valorizam a subcultura infantil. Explorar a natureza intrinsecamente engajadora da atividade musical. A qualidade das tarefas educacionais que os professores preparam para seus alunos é significativa no mais alto grau; atividades prazerosas motivam os alunos, levando-os a valorizar o conteúdo educacional e trabalhar no sentido de tornar mais aguda sua compreensão (CUSTODERO, 2006, p. 393). A autora ainda fornece dicas sobre experiências musicais em contextos de sala de aula, revelando as principais qualidades das atividades produtoras de fluxo, 47 como por exemplo: tocar canções conhecidas, explorar o movimento corporal e fornecer oportunidades para as contribuições dos alunos. Isto pode ser realizado através de atividades com duração mais prolongada, não priorizando a quantidade de conteúdos e a superficialidade, mas sim a qualidade das experiências. Crianças precisam de tempo para atingir um grau mais aprofundado de compreensão musical e vivenciar o retorno sensorial causado pela atividade, concluiu a autora. Os conteúdos e a transmissão dos mesmos devem ser compatíveis com o desenvolvimento infantil. Escolher atividades que enfatizem o ponto forte de cada etapa do desenvolvimento infantil facilita o engajamento e consequentemente, o fluxo. Custodero (2006, p. 382) afirma que [...] nós ouvimos os sons, vemos as representações destes sons nas formas de movimento e notação, e respondemos cinestesicamente àquilo que ouvimos e vemos à medida que tocamos instrumentos, cantamos e nos movemos. Portanto, professores devem incorporar sempre que possível em suas aulas, o envolvimento físico. Atividades facilitadoras de fluxo por excelência são aquelas que de alguma forma proporcionam um retorno cinestésico, seja através de movimento corporal, ou através da execução instrumental. A negação do movimento cinestésico pode trazer frustração e ansiedade. 2.3 Implicações da Teoria do Fluxo na Educação Musical Uma educação voltada à formação integral do aluno, procurando não somente o desenvolvimento de habilidades específicas, mas o estímulo e desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo, implica em uma pedagogia baseada nas experiências ótimas da vida. A teoria do Fluxo encaixa-se dentro desta proposta global, como uma ferramenta que ajuda a compreender o envolvimento dos indivíduos com a música, e até mesmo a justificar o relacionamento das pessoas com este fazer artístico específico. 48 Os estudos aqui citados e outros tantos desenvolvidos comprovam que o fazer musical é uma atividade com grande potencial de envolvimento, logo, de grandes probabilidades de experienciar o fluxo. A Teoria do Fluxo e todos os estudos aqui apresentados enfatizam o papel social das atividades geradoras de fluxo. Dada a ótica da educação e da psicologia sócio-cognitiva, as interações que ocorrem na sala de aula, em específico as situações que ocorrem nas aulas de música, são momentos onde o indivíduo pode se desenvolver cognitivamente e socialmente. Ao procurar o fluxo, ambos os alunos e professores operam em estado de investigação. Aprendizes questionam sobre como uma atividade dada pode se tornar mais complexa; professores, em resposta a uma pensativa observação, avaliam o ambiente pedagógico e ajustam sua entrega e feedback para serem responsivos às demonstrações de engajamento dos alunos com a atividade musical. (CUSTODERO, 2005, p. 205, tradução nossa).14 Ao professor, cabe a prazerosa, mas árdua tarefa, de se engajar por completo neste processo. 14 In seeking flow, both learners and teachers operate in a state of inquiry. Learners ask questions about how a given activity can be made more complex; teachers, in response to thoughtful observation, assess the pedagogical milieu and adjust their delivery and feedback to be responsive to demonstrations of the learner´s engagement with the musical task. 49 3 METODOLOGIA Uma vez que o objetivo geral desta pesquisa foi investigar as relações entre os tipos de atividades musicais e os níveis de envolvimento dos alunos, ou seja, uma relação de causa e efeito, a pesquisa quase-experimental forneceu a metodologia necessária para a realização do estudo. Também foram utilizadas concomitantemente com a pesquisa quaseexperimental, ferramentas da abordagem qualitativa. Assim este estudo seguiu uma metodologia “híbrida” com o uso do delineamento de pesquisa quase-experimental conforme o modelo aplicado por Bourscheidt (2008), e, ao mesmo tempo, com a aplicação de uma abordagem qualitativa/descritiva para complementar a análise e interpretação dos dados do campo. Para a avaliação dos dados do campo foi incluída também a participação de três juízes externos. A investigação quase-experimental é semelhante ao delineamento experimental15, entretanto falta o pleno controle da aplicação de estímulos experimentais, por isso mesmo, é necessário que se tenha total consciência das variáveis específicas que o delineamento controla ou deixa de controlar (CAMPBELL & STANLEY, 1979). Nesta pesquisa, as variáveis independentes constituem em: 1. Faixa etária: 12 crianças de 8 e 9 anos de idade. 2. Grupo: crianças do 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola particular que não possuem aulas de educação musical na matriz curricular. 3. Proposta de atividades: unidade temática de ensino contemplando variadas atividades musicais envolvendo a apreciação musical, a execução e a composição. 4. Número de aulas: 5 aulas. 15 Segundo Gonçalves e Nunes (2005), a investigação experimental tem por principal característica o controle e a manipulação deliberada das condições que determinam os acontecimentos nos quais o investigador tem interesse. Envolve realizar uma mudança no valor de uma variável (variável independente) e observar o efeito dessa mudança em outra variável (variável dependente). É uma relação de causa e efeito. 50 As variáveis dependentes são constituídas pelo resultado das 5 aulas observáveis, e utilizadas como categorias para análise. Referem-se, portanto, à relação existente ou não, entre os alunos e as atividades desenvolvidas. São estas: desafios X habilidades, objetivos claros, concentração, controle da situação, prazer e envolvimento.16 A pesquisa quase-experimental é geralmente realizada quando não é possível a seleção aleatória dos sujeitos. Geralmente em escolas, os pesquisadores se deparam com condições que não permitem uma pesquisa experimental pura, pois as turmas não podem ser desfeitas e todas as classes devem receber igual tratamento. Freqüentemente, em experiências de aprendizagem em ambientes de sala de aula, a variável independente é um estímulo de qualquer tipo, e a variável dependente é a resposta. Muitos dos estudos empíricos em ambientes educacionais são quase-experimentais e não experimentais. A diferença mais importante entre uma quaseexperiência e uma experiência é que, na primeira, os grupos são selecionados de um modo que não é aleatório. (GONÇALVES E NUNES, 2004-2005, p.1) Uma forte característica da pesquisa quase-experimental é a possibilidade de não haver grupo de controle, no entanto é “possível observar o que ocorre, quando ocorre, a quem ocorre, tornando-se possível, de alguma forma, a análise de relações causa-efeito” (GIL, 2007, p. 69). Assim, a hipótese de que atividades que envolvem aspectos visuais, auditivos e cinestésicos tendem a motivar os alunos em sala de aula, enquanto grupo envolvido com a experiência musical, possibilitando a experiência do fluxo; é passível de ser investigada através de uma pesquisa quase-experimental. Este tipo de pesquisa mostrou-se a melhor opção dentro desta proposta de estudo que visava principalmente, a observação in loco, nas condições naturais de desenvolvimento de relações de ensino e aprendizagem, chegando o mais perto possível da realidade escolar. 16 Estas categorias serão detalhadas no capítulo 4 – Análise e discussão dos dados 51 3.1 Grupo participante Esta pesquisa foi realizada com 12 crianças de 8 e 9 anos do 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola de educação básica. As aulas ocorreram uma vez por semana, sendo que cada aula teve duração de 50 minutos. A escolha da faixa etária justificou-se pela familiaridade da professora com crianças deste segmento (Ensino Fundamental 1) e pela disponibilidade da escola em dispor desta turma para esta pesquisa. 3.2 Condições para a realização do estudo Tanto a instituição de ensino quanto os educandos e seus pais, foram informados por escrito sobre o estudo e suas permissões foram concedidas através de documentos devidamente assinados. Estes documentos foram elaborados seguindo um padrão interno do PPG/Música da UFPR, de acordo com outras pesquisas realizadas anteriormente a esta e submetidos a uma comissão de ética interna do programa, são eles: autorização para realização de pesquisa de campo, explicação do estudo e termo de consentimento, e encontram-se nos apêndices deste trabalho (APÊNDICE A, B e C). De acordo com Loizos (2010, p.150) “O pesquisador social individual poderá ser capaz de trabalhar sem se ligar formalmente a um comitê de ética, dentro da precaução normal de que uma delicada informação pesquisada permanecerá restrita e confidencial...” Portanto, a fim de evitar maiores implicações éticas para este estudo, ficou acordado nestes documentos, que as imagens coletadas seriam somente utilizadas para esta pesquisa, não sendo consentida a divulgação das imagens para outros fins. 52 3.3 Coleta de dados Durante a pesquisa, foi utilizada como instrumento para coleta de dados, a observação participante e sistemática das atividades através de gravações em vídeo para posterior observação, bem como a elaboração de relatórios (diário das aulas) seguindo um protocolo de análise. Para a filmagem das aulas foram utilizadas três a quatro câmeras digitais estrategicamente dispostas na sala de aula a fim de cobrir o maior número de ângulos possíveis numa mesma cena. Seguindo as instruções de coleta de dados expostas no estudo de Custodero (1999), alguns critérios foram observados quando da observação participante e da filmagem tais como: a) ser o menos intrusivo possível; b) selecionar uma criança ou um grupo de crianças que claramente demonstrasse envolvimento corporal através de movimentos; c) permanecer com a imagem focada nesta criança ou grupo de crianças até que o evento musical terminasse; d) escolher outra criança ou grupo de criança para o próximo evento.17 As filmagens ocorreram sempre com o auxílio de um professor de música, que era responsável pelo manuseio e disposição das câmeras durante as aulas. A presença de um professor qualificado mostrou-se de fundamental importância para que a coleta de dados ocorresse de acordo como esperado pela pesquisadora, isto é, abrangendo o grupo inteiro durante toda a aula, bem como focando imagens individuais ou em pequenos grupos, de acordo com o envolvimento das crianças. Loizos (2010), reflete sobre a qualidade e as limitações das gravações em vídeo como recurso de coleta de dados, alegando que sempre se pode questionar uma pesquisa, quanto à sua capacidade comprobatória, considerando que a imagem pode: Primeiro, é provável que seja de baixa fidelidade visual; segundo, a qualidade do som pode variar entre ser claramente audível e apenas compreensível; em terceiro lugar, os ângulos da câmera podem não estar sempre em uma posição ótima para mostrar os detalhes mais significativos da sequência de uma ação; e finalmente, devido à redução geral de detalhes em tal gravação, ela pode estar sujeita a uma falsa interpretação concreta sobre a compreensão do ânimo e da intenção, além de todos os outros problemas de interpretação a 17 Por ‘evento musical’ entende-se a execução de uma música em sua totalidade, bem como um trecho específico que esteja sendo trabalhado. 53 que o comportamento humano tridimensional (em oposição à gravação de baixa fidelidade) possa ter levado. (LOIZOS, 2010, p. 151) A fim de minimizar o impacto negativo deste tipo de coleta de dados, a quantidade de câmeras utilizadas bem como a presença de um professor de música só para manuseá-las enquanto a professora/pesquisadora ocupava-se da aplicação das atividades, foi um cuidado essencial para que a coleta de dados acontecesse da forma mais natural e fidedigna possível. 3.4 Roteiro de atividades para realização da pesquisa As atividades selecionadas para esta pesquisa visavam desenvolver habilidades musicais específicas nos educandos (percepção, ritmo, canto e expressão) e auxiliar na construção de conceitos (ostinato, pulsação) dentro de um contexto maior de educação musical, pois é necessário enfatizar que estas atividades são um recorte do que estaria sendo desenvolvido com a turma, caso as aulas tivessem uma continuidade. Todas as músicas selecionadas e atividades propostas foram retiradas de livros didáticos e materiais impressos e editados, reconhecidos no meio pedagógico musical. As atividades realizadas foram compatíveis com a faixa etária e procurou-se que sua aplicação seguisse o tempo de aprendizagem necessário para crianças não familiarizadas com as características das aulas de música. A opção por aplicar atividades musicais que contemplassem a apreciação, execução e composição justifica-se pela formação acadêmica e filosofia de ensino da professora/pesquisadora, que baseada em Swanwick (2003), enfatiza estas 3 formas de interação com a música em suas aulas. Segundo Hentschke e Del Ben (2003, p.180) “As atividades de composição, execução e apreciação são aquelas que propiciam um envolvimento direto com a música, possibilitando a construção do conhecimento musical pela ação do próprio indivíduo.” A unidade temática selecionada ‘Música no castelo do Rei’, caracterizava-se como uma sequencia didática, organizada pela pesquisadora, que agregava diversas atividades de educação musical retiradas de livros didáticos, e que 54 possuíam o tema ‘rei’ e ‘castelo’ em comum. Por ter sido previamente aplicada e aprimorada diversas vezes pela professora/pesquisadora em outros contextos educacionais, e também por abranger atividades de apreciação, execução e composição, com possibilidades de reflexão sobre o tema, é que se justificou a escolha desta determinada unidade temática. Como forma de avaliar a aplicabilidade das atividades selecionadas para a presente pesquisa, optou-se por realizar um estudo piloto que as colocassem em prática. 3.5 Estudo piloto A fim de testar a validade das variáveis dependentes bem como as possibilidades de aplicação desta pesquisa, um estudo piloto foi realizado pela pesquisadora no mês de novembro de 2010. Durante 3 encontros com duração de 50 minutos cada, 23 alunos de uma turma de 3º ano de um colégio particular de Curitiba, participaram de aulas de educação musical ministradas pela pesquisadora/professora. O colégio participante do estudo piloto, apesar de pertencer a uma rede de ensino tradicional no país, não possui nesta sede, a disciplina de Educação Musical para alunos do Ensino Fundamental na matriz curricular, oferecendo apenas, o coral como atividade extracurricular. Portanto, tratavam-se de alunos não familiarizados com aulas de música na escola. Durante a primeira aula do estudo piloto, a pesquisadora foi auxiliada pela professora regente, que além de operar as câmeras de acordo com as orientações recebidas, controlou o comportamento dos alunos para que colaborassem com as atividades. A sala utilizada foi a sala do Ballet e Judô, pouco iluminada, com espelhos e tatames, não oferecendo um espaço adequado, o que prejudicou o enquadramento para a filmagem. A aula iniciou então com a leitura da história “O rei tem orelhas de burro” que atraiu muito a atenção dos alunos. Em seguida cantou-se a canção “Taquaras” e alguns comportamentos atentos em direção à performance da professora puderam ser notados, bem como o fato de que nem todos demonstraram estar dispostos a realização da atividade. 55 Na segunda aula, a pesquisadora contou com um professor de música encarregado especialmente das filmagens e o enfoque dado foi na exploração e execução instrumental. Num primeiro momento, os instrumentos foram apresentados e os alunos tiveram oportunidade de experimentar e conhecer seus timbres uma vez que era novidade para quase todos os presentes, o contato com instrumentos de percussão. A canção trabalhada foi “A orquestra real”, onde a execução por naipes foi ensaiada, culminando na totalidade da música. Por fim, a atividade de apreciação musical participativa com a “Dança Alemã” foi realizada com as crianças em pares, mas a agitação que tomou conta da turma não permitiu explorar a atividade ao máximo, além do pouco tempo disponível. Ao finalizar a aula, muitas crianças manifestaram que gostaria que continuasse, com interjeições como “Ah....” e falas como “Queria mais!”. A terceira aula iniciou-se com a apreciação musical participativa da 5ª Sinfonia de Beethoven e a história O Jardim do castelo. Essa história é encaixada no ritmo e melodia do 1º movimento da 5ª sinfonia de Beethoven e, frase a frase, a professora foi ensinando às crianças, utilizando também gestos e expressão corporal. Esta atividade tomou muito tempo da aula e a professora não conseguiu terminar a primeira sessão da música. Dado o limite de tempo disponível, optou-se então por revisar a prática instrumental com a canção A orquestra real, desta vez, explorando a improvisação rítmica com os alunos e finalizando assim, o tema: Música no castelo do rei. O quadro a seguir esquematiza o planejamento das aulas do estudo piloto: TABELA 2 - Unidade temática de pesquisa para estudo piloto Fonte: Elaborada pela autora AULA 1ª AULA 29/10/2010 10h - 10h50 UNIDADE TEMÁTICA DE PESQUISA Planejamento de atividades musicais – 3º ano CONTEÚDOS ATIVIDADES/PROCEDIMENTOS História As orelhas do rei destacando a escrita Intensidade sonora analógica que demonstra a intensidade sonora. Escrita analógica Música e movimento Contextualização da música na época dos reis e dos bailes da corte. Apreciação musical Compasso ternário participativa com a Dança alemã, realizando sua coreografia com percussão corporal, atentando para o compasso ternário da obra. Apreciação musical com a canção Taquaras do grupo Palavra Cantada, observando o caráter da canção, relacionando com a história do início da aula. Acompanhar com instrumentos como 56 2ª AULA 05/11/2010 Ritmo: pulsação Ostinatos rítmicos Forma musical 10h – 10h50 3ª AULA 12/11/2010 10h – 10h50 Apreciação musical Ritmo Arranjo coletivo pandeiros e chocalhos o andamento da música, marcando a pulsação e variando a dinâmica. Prática instrumental com a canção A orquestra real: execução da peça utilizando instrumentos de percussão variados para compreensão dos padrões rítmicos que aparecem na música. Retomada da Dança alemã iniciada na aula anterior, realizando movimentos coreográficos em duplas. Apreciação musical participativa com a 5ª Sinfonia de Beethoven e a história O Jardim do castelo. Relacionando com tema de reis e castelos, apresentar um pequeno trecho e ensaiar a execução vocal da obra. Os educandos poderão dar opiniões acerca da movimentação e da utilização de instrumentos a fim de realizar um arranjo coletivo do trecho musical indicado. Realizar novamente a prática instrumental com a canção A orquestra real, finalizando o tema Música no Castelo do Rei. Após a realização do estudo piloto e da breve análise dos dados obtidos percebeu-se que ao realizar uma nova coleta de dados, a quantidade de atividades aplicadas deveria ser reduzida e o número de aulas observadas, ampliado. Isto porque ao fornecer um tempo maior de vivência na mesma atividade, proporcionouse uma observação mais rica, detalhada e profunda do comportamento dos educandos, bem como maiores possibilidades de aprendizagem real e significativa. O estudo piloto demonstrou também, que exercer o papel de professora e pesquisadora é perfeitamente possível, desde que as possibilidades e limites de exercer ambos os papéis durante a pesquisa estejam bem definidos. Por fim, decidiu-se realizar a coleta de dados novamente na mesma escola onde o estudo piloto foi realizado, pois a instituição se mostrou aberta à proposta, auxiliando na logística da aplicação, e valorizando o momento das aulas ministradas. Portanto, o contexto educacional permaneceu o mesmo, mudando somente os sujeitos da pesquisa, pois as turmas não eram as mesmas (Estudo piloto - 3º ano 2010 / Pesquisa final – 3º ano 2011). As variáveis independentes sofreram algumas alterações do estudo piloto para a pesquisa final, apesar de ser outra turma a faixa etária permaneceu a mesma, a quantidade de alunos alterou-se de 23 para 12 crianças, e apenas a atividade com a 5ª Sinfonia de Beethoven foi retirada do planejamento. As categorias de análise que constituem as variáveis dependentes 57 não foram abordadas no estudo piloto, pois o intuito não era aprofundar a análise do comportamento motivado das crianças, mas sim, verificar se a sequência didática desenvolvida pela pesquisadora forneceria os dados necessários para o estudo da motivação e das possíveis experiências de fluxo. 3.6 Planejamento das atividades Após a aplicação no estudo piloto e de uma cuidadosa revisão, o planejamento das aulas aplicadas na coleta de dados seguiu o seguinte esquema: TABELA 3 - Unidade temática de pesquisa Fonte: Elaborada pela autora UNIDADE TEMÁTICA DE PESQUISA: MÚSICA NO CASTELO DO REI Planejamento de atividades musicais – 3º ano AULA 1ª AULA CONTEÚDOS Intensidade sonora Ritmo: pulsação ATIVIDADES/PROCEDIMENTOS Apresentação de alunos e professora: atividade rítmica com o nome das crianças. Dada a pulsação, cada aluno diz seu nome e os outros repetem. Contar a história As orelhas do rei, destacando a intensidade sonora. Relacionar com a canção Taquaras do grupo Palavra Cantada, e observar o caráter da canção. Num primeiro momento, a audição é voltada para a fruição. Em seguida, acompanhar o andamento da música com instrumentos como mini paus de chuva e/ou chocalhos, marcando a pulsação e variando a dinâmica. QUANTIDADE DE ALUNOS PARTICIPANTES: 10 alunos TEMPO DE AULA: 50 minutos MATERIAIS UTILIZADOS: Aparelho de som; CD; paus de chuva. AULA 2ª AULA CONTEÚDOS Ritmo: pulsação Ostinatos rítmicos Forma musical ATIVIDADES/PROCEDIMENTOS Revisão das atividades da aula anterior: A história As orelhas do Rei é novamente contada seguida da atividade com a canção Taquaras. Prática instrumental com a canção A orquestra real: ensaiar a execução da peça utilizando instrumentos de percussão variados para compreender os padrões rítmicos que aparecem na música. QUANTIDADE DE ALUNOS PARTICIPANTES: 12 alunos TEMPO DE AULA: 50 minutos MATERIAIS UTILIZADOS: Aparelho de som; CD; teclado; paus de chuva; pandeiros, tambores, cocos, agogôs, clavas e mini maracás. AULA 3ª AULA CONTEÚDOS Ritmo: pulsação ATIVIDADES/PROCEDIMENTOS Revisão das atividades da aula anterior: cantar novamente A 19/09/2011 26/09/2011 58 Ostinatos rítmicos Forma musical orquestra real, enfatizando a aprendizagem da letra e melodia. Prática instrumental: trabalhar trechos da canção e exercícios rítmicos. Realizar a totalidade da música, com instrumentos e teclado, atentando para a forma ABA. QUANTIDADE DE ALUNOS PARTICIPANTES: 12 alunos TEMPO DE AULA: 50 minutos MATERIAIS UTILIZADOS: Aparelho de som; CD; teclado; pandeiros, tambores, cocos, agogôs, clavas e mini maracás. AULA 4ª AULA CONTEÚDOS Composição Improvisação rítmica ATIVIDADES/PROCEDIMENTOS Iniciar a aula retomando a canção A orquestra real, em seguida, expor aos alunos os objetivos da atividade de composição coletiva que se segue. Dividos em 3 grupos, os alunos deverão estruturar um pequeno trecho musical que será inserido entre as partes A e B (um interlúdio). Para isso, devem utilizar os instrumentos escolhidos por eles. Se possível, reunir os grupos ao final da aula, onde cada grupo deverá apresentar para o restante da turma o que compôs. QUANTIDADE DE ALUNOS PARTICIPANTES: 11 alunos TEMPO DE AULA: 50 minutos MATERIAIS UTILIZADOS: Teclado; pandeiros, tambores, cocos, agogôs, clavas e mini maracás. AULA 5ª AULA CONTEÚDOS Música e movimento Compasso ternário ATIVIDADES/PROCEDIMENTOS Iniciar a aula retomando a história As orelhas do rei a fim de contextualizar a atividade que se segue. Realizar um exercício corporal preparatório a fim de concentrar os alunos e aquecer o corpo, em seguida, conduzir uma apreciação musical participativa com a Dança alemã. Conversar com os alunos sobre os bailes reais (como eram, a importância que tinham) e ensinar a movimentação coreográfica para esta obra. Explorar a percussão corporal, variar a formação (roda e duplas) e atentar para o compasso ternário da valsa. Ouvir novamente a canção Taquaras, finalizando o tema Música no Castelo do Rei. TEMPO DE AULA: 50 minutos MATERIAIS UTILIZADOS: Aparelho de som; CD; paus de chuva. 11/10/2011 17/10/2011 24/10/2011 QUANTIDADE DE ALUNOS PARTICIPANTES: 10 alunos OBJETIVOS: Levar os educandos a vivenciar a música através da apreciação musical, da execução instrumental, dos movimentos e da composição. Estimular a apreciação musical ativa e desenvolver o sentido rítmico, atentando para a pulsação e ostinatos, observando a forma musical. MATERIAIS: aparelho de som, Cd´s, teclado, instrumentos de percussão variados. Procurou-se adaptar os conteúdos propostos e a forma de transmissão dos mesmos ao perfil da turma pesquisada. Custodero (2006) afirma que enfatizar o ponto forte de cada etapa do desenvolvimento facilita o engajamento, consequentemente o fluxo. Ao trabalhar com o tema ‘Música no castelo do Rei’ e 59 utilizar-se do mito do Rei Midas, procurou-se fornecer um fio condutor no andamento das aulas, trabalhando com a curiosidade natural das crianças. O caráter mitológico e assustador que permeava canções e atividades é naturalmente atraente para crianças nesta faixa etária. A sequência didática foi iniciada com a história do Mito do Rei Midas, que deixa o final suspenso para os alunos imaginarem o fechamento da mesma. Em seguida, aproveitando-se da cena do bambuzal da história, relacionou-se com a canção Taquaras (Palavra Cantada) onde os alunos vivenciaram a música através da apreciação e da execução. Ao abordar a vida nos palácios reais de antigamente, comentou-se com a turma sobre as formas de ouvir música naquela época e na atualidade, fazendo-os refletir sobre como e quando ouvem música. Ao falar sobre os bailes reais, trabalhou-se a canção ‘Orquestra real’ onde o foco estava na execução instrumental, primeiramente seguindo as orientações de execução da professora, e depois realizando improvisos e pequenas composições. Continuando com o mesmo tema, passou-se para a apreciação musical participativa da música ‘Dança Alemã’, onde os alunos foram instruídos a realizarem movimentos de dança, vivenciando a música e sua forma através do corpo. Por fim a história foi retomada, realizando-se uma revisão de todas as atividades desenvolvidas até então. Reiterando que essa sequência foi desenvolvida durante 5 aulas. 3.7 Relatório das aulas À medida que a coleta de dados foi sendo realizada, um diário de campo (que se encontra no apêndice desta dissertação), contento relatórios das aulas, era confeccionado logo após cada sessão, a fim de conservar as opiniões e sentimentos sofridos enquanto professora, no dia da aula. Estes relatórios, escritos em primeira pessoa, foram feitos com o objetivo de avaliar as aulas, os alunos e o próprio desempenho da professora, além de detalhar processos de ensino e aprendizagem que por ventura não deram certo ou que precisavam de uma revisão. Por meio dos relatórios é possível reconhecer também o contexto emocional e afetivo dos educandos, bem como situações adversas que não diziam respeito ao tema desta pesquisa, mas que de certa forma, influenciaram a mesma. Também faz parte deste 60 diário, as descrições feitas a posteriori das cenas gravadas em vídeo, que igualmente se encontram no apêndice desta dissertação. 3.8 Processo de análise dos dados Por não haver grupo de controle, característica das pesquisas quaseexperimentais, a análise do material coletado não pôde ser comparativa, entre dois grupos. Para averiguar a existência de relações causais entre as atividades propostas e as reações comportamentais dos alunos, a análise precisou sofrer um processo de translação baseado no referencial teórico e em escolhas que procuraram não perder de vista o objeto de estudo desta pesquisa. Todo passo, no processo de análise de materiais audiovisuais, envolve transladar. E cada translado implica em decisões e escolhas. Existirão sempre alternativas viáveis às escolhas concretas feitas, e o que é deixado fora é tão importante quanto o que está presente. A escolha, dentro de um campo múltiplo, é especialmente importante quando se analisa um meio complexo onde a translação irá, normalmente, tomar a forma de simplificação. (ROSE, 2010, p.343344) Mesmo não contando com softwares próprios para a análise de imagens, nesta pesquisa optou-se por utilizar, ainda que manualmente, a transcrição dos dados através da observação detalhada das imagens coletadas (que resultou no diário de campo e nos relatórios). Neste processo, as escolhas foram sendo feitas, selecionando o material a ser analisado mais profundamente, deixando de lado o que não se aplicava ao estudo em questão, ainda que fossem dados importantes. “Processos de translado não dão origem a simples cópias, mas levam, interativamente, à produção de um novo resultado.” (ROSE, 2010, p.344) Por isso, o processo de análise pode tornar-se difícil e moroso, principalmente se não houver recursos tecnológicos disponíveis, além de que este processo exige uma demanda de tempo considerável para a produção deste novo resultado. Rose (2010) explica que a questão metodológica mais importante ao analisar materiais audiovisuais, não é a questão da fidelidade em si, mas compreender e 61 aceitar que inevitavelmente, informações serão perdidas e/ou acrescentadas, como acontece nos processos de tradução de idiomas. Bem como, que este processo normalmente implica em simplificações, resultantes em conjuntos de extratos ilustrativos e tabelas de frequências. Em vez de procurar uma perfeição impossível, necessitamos ser muito explícitos sobre as técnicas que nós empregamos para selecionar, transcrever e analisar os dados. Se essas técnicas forem tornadas explícitas, então o leitor possui uma oportunidade de melhor julgar a análise empreendida. Devido à natureza da translação, existirá sempre espaço para oposição e conflito. Um método explícito fornece um espaço aberto, intelectual e prático, onde as análises são debatidas. (ROSE, 2010, p.345) Ainda, Rose (2010) sugere alguns passos para a análise de materiais audiovisuais, enfatizando que cada objeto de estudo possui suas próprias características e que a escolha do referencial teórico influencia fortemente nesta análise. Seguindo algumas sugestões da autora e realizando as devidas adaptações, nesta pesquisa a análise dos dados seguiu os seguintes passos: 1. A escolha do referencial teórico aplicado ao objeto empírico. No caso, a teoria do fluxo de Csikszentmihalyi (2008, 1999) e Adessi e Pachet (2007). 2. A delimitação do evento musical como meio de identificar o objeto empírico. 3. A transcrição das imagens coletadas. 4. A aplicação do referencial de codificação aos dados, que neste caso, são as categorias de análise desenvolvidas por Csikszentmihalyi (2008, 1999) e aplicadas por Adessi e Pachet (2007) e adaptadas por Custodero (2005). 5. A construção de tabelas de frequências para as unidades de análise audiovisuais. 6. Seleção de citações ilustrativas que complementam a análise numérica. Neste caso fotos feitas das filmagens para ilustrar momentos chave na discussão. Estes passos ajudam o leitor a compreender o caminho metodológico escolhido para a análise dos dados coletados. Para reforçar esta análise, o parecer 62 de 3 juízes externos e independentes (pessoas ligadas à educação musical, com experiência empírica e teórica) foram requisitados para contribuir com a discussão dos dados e validar as conclusões da presente pesquisa. Foram distribuídas tabelas com as categorias de análise Desafios X Habilidades, Objetivos Claros, Concentração, Controle da Situação, Prazer e Envolvimento e, em seções individuais, cada juiz externo observou as imagens e avaliou o comportamento geral dos alunos identificando, em cada atividade, os níveis de frequência e intensidade como baixo, médio ou alto (ver APÊNDICE D). 63 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Baseada nos relatórios e nas descrições das imagens coletadas, a análise e discussão dos dados aqui apresentados tem por finalidade, a observação das reações/respostas dos participantes em relação ao tipo da atividade musical proposta. Para tanto, optou-se pela utilização de algumas categorias desenvolvidas com base em Csikszentmihalyi (1999) e também aplicadas por Adessi e Pachet (2007) em seus estudos. Para esta pesquisa, portanto, cinco categorias são utilizadas na análise: desafios X habilidades, objetivos claros, concentração, controle da situação e prazer/envolvimento. A primeira categoria, desafio X habilidades consiste na relação entre o nível do desafio proposto na atividade em relação às habilidades do indivíduo. A segunda categoria refere-se à percepção clara por parte do aluno, dos objetivos inerentes às atividades, ou seja, ‘saber o que deve ser feito’, demonstrado através de um comportamento exploratório, associado ao interesse pelo feedback (retorno). A terceira categoria, concentração, refere-se ao alto nível de atenção e abstração do entorno, demonstrado através de um olhar direcionado, focado, onde o corpo todo está voltado para a ação da atividade. A categoria controle da situação, quarta categoria observada, refere-se à compreensão das regras inerentes à atividade, associadas ao senso de competência nas próprias ações e na certeza naquilo que se está fazendo. A criança participa da atividade porque assim o deseja. Por fim, a categoria prazer e envolvimento, traduz-se na condição de bem estar devido a uma sensação de competência, eficácia das próprias ações e autonomia. É caracterizado por expressões de alegria, serenidade e divertimento bem como um alto nível de participação. As aulas realizadas foram filmadas com 3 ou 4 câmeras digitais dispostas em locais específicos na sala de aula a fim de observar sob diferentes perspectivas a mesma cena. Para cada categoria de análise foram aplicados os níveis “baixo”, “médio” e “alto”, que se referem à frequência com que estas variáveis foram observadas, no que concerne ao comportamento geral da turma. Portanto, com base 64 nas reações dos alunos como um todo, é mensurada a presença destes indicadores nas variadas atividades. A seguir, segue a descrição de cada aula, seguida da discussão dos dados. 4.1 Apresentação da aula 1 Na primeira aula, participaram 10 crianças da turma do 3º ano. Considerando o fato de que era totalmente novidade participar de uma aula de música, no início a turma estava agitada e a professora teve certa dificuldade em reunir o grupo, realizar as devidas apresentações e dar início propriamente às atividades planejadas. Os alunos foram organizados em semicírculo, voltados para a professora, com uma das câmeras atrás, filmando toda essa disposição e outras duas câmeras estrategicamente posicionadas, filmando pequenos grupos (IMAGEM 1). IMAGEM 1. Disposição dos alunos A atividade de apreciação 1 consistia na audição da canção ‘Taquaras’, conforme consta no planejamento. Os alunos participaram da audição inicialmente, 65 apenas ouvindo a canção, enquanto a professora interpretava, dublando e gesticulando conforme a letra da música. A categoria Desafios X Habilidades, proposta como a primeira categoria de análise é particularmente significativa na teoria do fluxo. De acordo com Csikszentmihalyi apud Araújo (2008) quando há equilíbrio entre os desafios propostos e as habilidades requeridas gerando um profundo comprometimento com a atividade realizada, existe uma alta probabilidade de o estado de fluxo ocorrer. De acordo com as observações realizadas com o auxílio das filmagens, pôdese perceber que apesar da atividade trazer o desafio da escuta musical por meio de um repertório de música infantil acessível para a turma (canção do grupo Palavra Cantada), nem todos os alunos demonstraram a habilidade de escuta atenta para a realização da audição. Algumas reações desproporcionais, como gritos e risos exagerados de algumas crianças, bem como a euforia de todo o grupo, demonstraram que pelo menos para este primeiro momento, o desafio da audição dessa canção foi médio, em relação ao o nível de habilidade de alguns alunos. Esta constatação se deve ao fato que o desafio, neste primeiro momento, consistia simplesmente na atividade de audição livre, sem a exigência, por exemplo, de prestar atenção em alguma particularidade da letra da canção ou mesmo em algum esquema rítmico específico. Outro motivo que pode justificar o comportamento eufórico exagerado é o fato de ser a primeira vez da realização de tal atividade, o que pôde resultar numa certa ansiedade do grupo. Entretanto os objetivos eram claros a todos, como o comportamento atento em direção à professora, demonstra. A segunda categoria analisada foi a concentração. Para Csikszentmihalyi apud Araújo (2008) a concentração em nível alto, a ponto de tornar a percepção de tempo alterada (horas parecem minutos) e gerar sensação de bem estar, é um forte indicativo de que o fluxo pode ocorrer. Csikszentmihalyi (1999, p. 38) afirma que “devido à exigência total de energia psíquica, uma pessoa no fluxo está completamente concentrada”, entretanto, o autor reforça que nos estados de Exaltação e Controle que estão muito próximos ao estado de Fluxo, também há concentração. Portanto, é o nível desta concentração, juntamente com outros fatores, que podem determinar a existência do fluxo. Havia concentração na maioria das crianças durante esta atividade, no entanto, fatores como ansiedade e a novidade em si, interferiram nesta concentração que geraria um profundo envolvimento, bem estar e perda da noção 66 do tempo, fazendo com que ela permanecesse em nível médio. A concentração cedeu lugar à euforia, podendo as crianças se encontrar no estado de Exaltação, entretanto, foi observado que os alunos possuíam o “controle da situação” – terceira categoria considerada nesta análise. Addessi, Ferrari e Carugati (2012) descrevem o controle da situação como um elemento onde a criança monitora constantemente suas próprias ações, participando da atividade com autonomia, explorando possibilidades, dominando e modificando regras. Para Deci e Ryan (1985) é necessário que o indivíduo perceba como sendo seu o controle da situação para que sua necessidade de Autonomia também seja respeitada. O controle da situação foi especialmente constatado por meio das posturas relaxadas, do modo confortável e sem tensão com que os alunos receberam a atividade. Todos estavam voltados para o grupo demonstrando prazer e envolvimento durante a audição da canção (IMAGEM 2). IMAGEM 2. Prazer e envolvimento (euforia) A atividade de execução que se seguiu foi ainda com a canção ‘Taquaras’ com o diferencial que desta vez, os alunos tocaram paus-de-chuva. Após uma breve explanação da professora com relação à forma correta de execução, a música foi iniciada e todos assumiram uma postura atenta e concentrada diante da música. 67 Neste momento, a euforia observada na primeira audição da canção transformou-se em atenção direcionada à professora, que acompanhando com instrumentos, conduziu a turma numa outra vivência da mesma canção. Aqui, o encantamento característico de crianças que não têm oportunidade de tocar instrumentos regularmente pôde ser notado, diante da alegria dos alunos. A maioria seguiu a execução juntamente com a professora, entretanto, alguns alunos tocaram aleatoriamente, o que impossibilitou perceber nuances de execução que poderiam ter sido feitas. Mesmo assim, pareciam gostar da atividade e pediram para repetir. Ao fornecer um elemento a mais, no caso os paus-de-chuva, a complexidade da atividade foi aumentada, logo o desafio tornou-se maior; mesmo assim, as habilidades permaneceram compatíveis com os desafios. Os objetivos para a realização da tarefa foram claros (seguir a execução juntamente com a professora) e houve envolvimento de todos na atividade. Custodero (2006, p.384) reforça que “para que haja o engajamento total numa atividade, os objetivos precisam ser acessíveis; a sequência dos eventos que guiam o processo precisa ser autoevidente.” Compreende-se aqui que a forma como a atividade foi exposta à turma também foi determinante para que os alunos percebessem claramente os objetivos, pois a sequencia de atividades tinham metas claras a serem cumpridas. Araújo (2010, p.117) esclarece que na Teoria do Fluxo o estabelecimento de metas é importante, pois além de ser um conteúdo integrante das experiências de fluxo, “as metas são apresentadas como elementos que focalizam a energia psíquica do indivíduo e criam a ordem na experiência realizada”. O sentimento de controle estava presente, pois alguns alunos pediram para repetir, outros demonstraram a presença do indicador de Custodero (2005) ‘antecipação’ ao anunciar o que vem em seguida, bem como ‘expansão’ ao continuar cantando a canção mesmo após seu término. Segundo Custodero (2005) estes dois indicadores observados são expressões de comportamento por monitoramento de desafios e são estratégias que as crianças utilizam para manipular o grau de dificuldade da atividade musical, no caso, deixando-a mais interessante e desafiadora. A criança se sente, portanto, no controle da situação se sentir que há possibilidade de expressão e de manipulação do material musical. Alguns comportamentos individuais e particulares de cada aluno reforçaram os altos scores em todas as 5 categorias. A concentração foi alta na totalidade dos 68 alunos, durante quase todo o tempo. Algumas vezes ela foi demonstrada através do olhar focado na professora, em outros momentos, foi observada através de um olhar mais interiorizado por parte do aluno, um ‘olhar para dentro’ (IMAGEM 3). IMAGEM 3. Olhar para dentro, olhar direcionado Nesta primeira aula, que foi também um primeiro contato com os alunos, observou-se uma considerável disposição das crianças em realizar as atividades propostas. Durante quase todo o tempo da aula, eles demonstraram atitudes de curiosidade, aceitação e interesse, ainda que não soubessem se portar diante de atividades musicais, uma vez que tudo era novidade para eles. Observa-se com o auxílio da tabela abaixo (TABELA 4), que as 5 categorias obtiveram bons níveis de frequência e intensidade (médio e alto), considerando o grupo como um todo. Contudo, a categoria prazer e envolvimento foi a que se destacou mais claramente nas imagens coletadas, devido as constantes demonstrações de alegria por parte das crianças. 69 Desafios Atividade de X Objetivos habilidades claros Médio Alto Alto Alto Concentração Controle da Prazer e situação envolvimento Médio Alto Alto Alto Alto Alto apreciação 1 Atividade de execução TABELA 4 - Níveis de envolvimento da turma Fonte: dados da autora 4.2 Apresentação da aula 2 Nesta segunda aula, participaram todos os 12 alunos do 3º ano. O clima no início de aula era de agitação e ansiedade pelo que estava por vir e o grupo foi disposto novamente em semicírculo, com a câmera principal posicionada atrás da professora abrangendo a turma toda, enquanto outras 3 câmeras focalizavam outros ângulos. Devido à presença de 2 alunas que não estavam no primeiro encontro, iniciou-se retomando a história “As orelhas do rei” a fim de contextualizar a aula para as meninas. A sequência com a canção “Taquaras” foi então retomada, repetindo uma audição simples (atividade de apreciação 1), seguida de outra com acompanhamento de paus de chuva (execução). Durante a primeira audição (atividade de apreciação 1), os alunos repetiram os padrões de comportamento realizados na aula anterior, isto é, reações eufóricas e troca de risos e olhares com os colegas, indicando grande alegria. Frases como “Vai começar!”, “Silêncio, é agora!”, podem ser ouvidas antes da música começar e durante a pausa da canção, reforçando que os alunos antecipavam o que estava por vir, mantendo o sentimento de ansiedade e atenção diante da música. Ainda que a professora tenha mudado sua postura, permanecendo mais contida e séria na audição da canção, a relação entre a habilidade de escuta atenta exigida dos alunos X o desafio da audição, permaneceu no nível médio, assim como a concentração da maioria do grupo, uma vez que as interferências e movimentações foram constantes. Custodero (2006) relata que a criança que está imersa na atividade, é transportada pela música para outras realidades. As crianças, ao se concentrarem 70 na canção “Taquaras” vivenciaram a história contada na letra da canção, fazendo parte dela, interagindo através de gestos e ao tocar os instrumentos imaginários, ‘entrando’ na história. Csikszentmihalyi (2008) indica que, no que concerne à apreciação musical, é possível experienciar uma grande satisfação tanto ao ouvir música gravada quanto ao ouvir música ao vivo, o que determina a qualidade da experiência é a atenção dedicada ao ato em si. Explica que as pessoas que demonstram maior potencial para obter satisfação ao ouvir música, são aquelas que desenvolvem algum tipo de estratégia para tal, por exemplo, reservando um momento específico para se ouvir música, criando um ritual como sentar-se numa determinada poltrona, ou diminuindo a intensidade da luz; enfim, utilizam de qualquer estratégia que auxilie a focar a atenção. Essas estratégias puderam ser observadas também em sala de aula, quando ao ouvir o início da canção ‘Taquaras’ o aluno L. levantou e foi apagar a luz, para criar um ‘clima’ condizente com o caráter da canção. Também, a forma com que a professora apresentou a canção, gesticulando e dublando com interpretação teatral, foi uma estratégia utilizada por ela para que a turma focasse na canção, ouvindo com atenção e compreendendo a história transmitida na letra. Csikszentmihalyi (2008) ainda determina 3 estágios referentes à apreciação musical: sensório, analógico e analítico. O primeiro estágio que se vivencia ao ouvir música é geralmente o sensório, pois neste estágio, respondemos aos estímulos sonoros através de reações físicas intimamente ligadas ao sistema nervoso. Bater palmas e pés, se movimentar, dançar, imitar a execução de instrumentos e reger são exemplos recorrentes destas respostas físicas ao estímulo sonoro. Essas reações estão presentes na maioria dos alunos em quase todas as vezes que a apreciação da canção ‘Taquaras’ foi realizada. O nível seguinte é o modo analógico de escuta e segundo Csikszentmihalyi (2008), à medida que mudamos de nível, a escuta é mais desafiadora e complexa. Portanto, neste nível, ao evocar sentimentos e imagens mentais baseados nos padrões sonoros musicais, habilidades de escuta estão sendo mais requisitadas e desenvolvidas. A música popular, mais especificamente a canção, induz o ouvinte, ao informar através das letras o estado de espírito, humor e história que a música supostamente representa. No caso da canção ‘Taquaras’ 18 A letra da canção se encontra no Anexo desta dissertação. 18 a letra fornece um rico 71 elemento na indução deste estado emocional, pois evoca sentimentos de ‘medo’ e ‘tensão’ ao mesmo tempo em que diverte e prende a atenção das crianças. Por fim, o nível mais complexo de apreciação musical é a escuta analítica, pois neste modo a atenção foca na estrutura musical, nos elementos da música, exigindo habilidades de reconhecimento de ordenação, harmonia e entendimento acerca das escolhas musicais realizadas, os caminhos seguidos pelo compositor. Também se inclui aqui a habilidade de avaliar criticamente a performance musical, comparando e diferenciando peças, interpretações e estilos. Este terceiro nível de apreciação musical não foi requerido dos alunos nesta atividade. Após a audição da canção, numa segunda vez ao realizar a execução da música “Taquaras” com instrumentos (atividade de execução 1), o grupo portou-se de forma mais madura, diminuindo o nível de euforia e centrando-se mais na proposta, mas mantendo aquele ‘encantamento’ ao manipular instrumentos. Por não ser mais, uma atividade totalmente nova para o grupo, ou seja, os alunos já haviam acompanhado a canção na aula anterior, verificou-se que a relação de desafios X habilidades permaneceu num nível alto, pois, com exceção das duas alunas que faltaram à primeira aula, os demais já tinham relativo conhecimento da canção e isso lhes rendia um maior comprometimento com a execução precisa da música. A relação desafios X habilidades, portanto, permaneceu equilibrada. Considerou-se alta a percepção de objetivos claros, pois os alunos tinham conhecimento do que se esperava deles durante a execução e justamente por este motivo, acredita-se que percebiam como sendo seu, o controle da situação. Pode-se notar também que a concentração, o prazer e o envolvimento durante a atividade atingiram um alto escore (IMAGEM 4). Embora não seja o objetivo mensurar o desempenho musical, é importante relatar que, em relação a esta mesma atividade realizada na aula anterior, desta vez o resultado musical foi melhor, pois o ritmo estava mais homogêneo e o grupo estava mais atento aos comandos. 72 IMAGEM 4. Encantamento e atenção Em seguida, uma caixa contendo variados instrumentos de percussão foi apresentada ao grupo. Após uma breve demonstração da professora, todos puderam experimentar, tocando a sua maneira. Depois deste momento de exploração, a professora cantou a canção “Orquestra Real” a capella, com acompanhamento de estalos de dedos, para que eles conhecessem a música que iriam trabalhar. A execução instrumental se deu então pelo ensaio de naipes de instrumentos (atividade de execução 2). A relação desafios x habilidades foi considerada alta, pois ao agregar novos elementos à aula (instrumentos de percussão) um novo desafio foi proposto ao grupo: manusear, explorar e tocar de acordo com as regras; ao que a turma respondeu satisfatoriamente, explorando suas habilidades. McPherson e Davidson (2009, p. 340, tradução nossa) ao escrever sobre o envolvimento com instrumentos, relatam que “o grau de conhecimento e experiências direcionam os objetivos de performance e nível de realização19.” Portanto, por se encontrarem em um nível iniciante, para este primeiro contato com os instrumentos, a execução realizada em conjunto foi considerada satisfatória, onde os objetivos foram percebidos claramente 19 [...] the degree of knowledge and experience shapes the perfomer´s goals and level of achievement […] 73 pelos alunos: seguir a execução de acordo com o que a professora solicitava. Por este motivo também, acredita-se que a percepção de controle da situação tenha permanecido em nível médio, uma vez que era a professora que dizia o que, como e quando fazer. Toda essa sequência didática levou mais tempo do que o planejado, pois durante toda a aula, foi necessária a intervenção da professora quanto ao comportamento de alguns alunos, retomando comandos, explicando regras da aula, normalizando com sinais, respondendo perguntas, retomando a concentração quando o grupo dispersava. Também foi necessária a aplicação de atividades preparatórias de exploração de instrumentos e de autocontrole, uma vez que o trabalho instrumental era novidade para eles. IMAGEM 5. Apresentação dos instrumentos De fato, a concentração e o envolvimento da turma cresceram bastante na segunda parte da aula, quando a caixa de instrumentos foi apresentada diante de todos. O olhar, a expressão facial dos alunos quando viam, ouviam e tocavam instrumentos demonstraram o fascínio que este tipo de atividade traz para as crianças (IMAGEM 5 e IMAGEM 6). Um encantamento sincero e muito prazer 74 envolviam o momento, ainda que musicalmente, tudo estivesse no nível de exploração de materiais20. IMAGEM 6. Execução instrumental Nesta segunda aula, percebeu-se uma disposição maior dos alunos no referente à colaboração e disciplina, com as próprias crianças chamando a atenção daqueles que por vezes se excediam. O clima era de curiosidade, alegria, prazer e agitação, mas ainda assim, o objetivo de realizar as atividades foi cumprido. A cada conversa com a turma sobre comportamento, regras da aula, orientações sobre a vivência musical, bem como as atividades em si, foi possível verificar que os alunos começaram a internalizar a logística e as regras da aula de música. A seguir segue um resumo (TABELA 5) das 5 categorias avaliadas em relação às atividades propostas. 20 Materiais é, segundo a espiral de desenvolvimento musical de Swanwick, o primeiro estágio de dimensão de crítica musical, fortemente caracterizado pela exploração de fontes sonoras. (HENTSCHKE, 1997). 75 Desafios Atividade de X Objetivos habilidades claros Médio Alto Alto Alto Concentração Controle da Prazer e situação envolvimento Médio Alto Alto Alto Alto Alto Alto Alto Alto Médio Alto apreciação 1 Atividade de execução 1 Atividade de execução 2 TABELA 5 - Níveis de envolvimento da turma Fonte: dados da autora 4.3 Apresentação da aula 3 Nesta terceira aula, participaram 11 alunos do 3º ano. A câmera principal estava posicionada em ângulo lateral abrangendo toda a turma, enquanto outras 2 câmeras focalizavam outros ângulos. Logo no início da aula a professora tomou a decisão de desta vez, organizar a disposição do grupo em semicírculo, determinando os lugares de cada criança. Explicou à turma que precisou tomar esta atitude a fim de melhor visualizá-los nas imagens, entretanto além deste motivo, outra razão para tal interferência foram questões comportamentais. Esta determinação da professora influenciou negativamente dois alunos, que ficaram chateados, afetando sua participação e envolvimento durante boa parte da aula. Feitos os devidos acertos, a professora relembrou a canção Orquestra Real, desta vez cantando e tocando ao teclado, a fim de ambientá-los na atividade. Logo no início da apreciação, um aluno comentou em voz alta: “É a nossa música professora!” demonstrando estar envolvido com a aula, expressando um sentimento de pertencimento e identificação. Outro aluno, ao ouvir o glissando realizado pela professora ao teclado diz: “Eu sei fazer isso!”, reforçando seu senso de competência, enquanto algumas meninas trocaram olhares durante a audição, sorrindo e imitando tocar os instrumentos com gestos imaginários. Essas expressões faciais e verbais dos alunos, observadas nas imagens, levam à reflexão quanto à formação de uma personalidade autotélica. Csikszentmihalyi (1999, p.114) afirma que “uma atividade autotélica seria realizada por si mesma, tendo a experiência como meta principal.” Logo a formação de uma personalidade autotélica acontece à 76 medida que o envolvimento nas atividades é genuíno e entusiasmado. Araújo (2008, p.44) afirma que “na experiência autotélica (...) alguns fatores podem ser considerados constituintes desta experiência, como a concentração, satisfação, felicidade e auto-estima”. Esses fatores são verificados em diversos momentos através da expressão de frases ditas pelos alunos como as acima transcritas. A professora retornou então para o semicírculo, sentando-se juntamente com os alunos e deu início a um processo de ensino da letra e melodia da canção (atividade de execução 1 – canto coletivo), cantando frase por frase e pedindo pela repetição das crianças. Percebeu-se o esforço de alguns alunos para cantar afinado, ainda que faltasse prática, eles percebiam a colocação da voz necessária. Para treinar a execução rítmica, o mesmo processo de repetição de frases foi realizado com palmas. Alguns alunos não batiam palmas, ou batiam muito levemente, o que demonstra que não estavam envolvidos na atividade, ou que ela não era neste momento, a preferência destas crianças. Os alunos Y. e L. que ficaram chateados com as trocas de lugares, continuaram com expressões faciais que demonstravam estar contrariados e bateram palmas com pouca energia. Todos cantaram o retorno da parte A da canção e ao final do trecho, quando a professora realizou um corte (fermata) o aluno J. de forma espontânea, continuou com a frase final da canção e cantou afinadamente e desenvolto “Nós vamos dar um show!” Ao que a maioria riu, a professora elogiou e J. demonstrou ficar envergonhado, mas feliz e orgulhoso. Ficou então decidido, que J. cantaria o solo no final da música. Essa situação reforçou a percepção de estar no controle da situação, bem como o sentimento de competência deste aluno em particular. Enquanto isso, Y. e L. continuaram demonstrar estar aborrecidos, inclusive não compartilhando desta alegria do colega e do grupo (IMAGEM 7). 77 IMAGEM 7. Uns alegres, outros aborrecidos Durante este primeiro momento da aula, onde o foco residiu numa espécie de ensaio da canção, considerou-se que a relação entre os desafios e as habilidades permaneceu num nível médio. Como a canção estava em fase de construção, o desafio não era alto, pois consistia em imitação de frases simples, tampouco se exigiu habilidades acentuadas das crianças. O gráfico de Csikszentmihalyi (1999) – vide página 33 – ilustra que quando o desafio é baixo e as habilidades também, podem ocorrer apatia e tédio, o que pôde ser verificado nas imagens, pelas expressões faciais e posturas corporais de alguns garotos. Entretanto a maioria dos alunos demonstrou estar em situação física e emocional relaxada, caracterizada por um baixo nível de desafio e altas habilidades. Uma descrição detalhada referente à execução de cada aluno foi realizada, corroborando que para a maior parte do grupo, a execução correta do ritmo da canção não foi um problema, até mesmo, esta execução rítmica melhorou à medida que as repetições ocorriam. A questão das necessidades de autonomia e vínculo ficaram bem exemplificadas ao relatar o comportamento dos alunos Y. e L. que não se sentindo no controle da situação, ficaram visivelmente aborrecidos e não participaram com entusiasmo das atividades. O comportamento de outro aluno, Lg. que procurava o olhar dos colegas constantemente, procurando por interação e aprovação também 78 se encaixa dentro desta necessidade de vínculo. São comportamentos que embora não interfiram no envolvimento da turma como um todo, destacam-se por diferenciar dos demais, exigindo uma maior atenção da professora durante a aula. Custodero (2006) explica que no contexto de sala de aula, o significado dos colegas é importante na medida em que: se os desafios são percebidos como grande demais, tornam-se referências a imitar, servindo como modelos adequados; por sua vez, se os desafios são percebidos como pequenos demais, a imitação dos colegas fornece novas ideias e parâmetros em como tornar a atividade mais desafiadora. A autora reforça ainda que em contexto de jogos e brincadeiras musicais, quando os alunos escolhem livremente com quem querem interagir, o fluxo está diretamente relacionado a esta liberdade de escolha e formação de vínculo, isto é, o papel do colega é fundamental neste processo. Outro quesito que obteve um score médio foi prazer e envolvimento, pois se percebe que o clima da aula, apesar de haver concentração na atividade, não é de grande euforia, alegria ou prazer. Talvez por ser percebido como um ensaio, um exercício, as expressões faciais eram em sua maioria sérias e concentradas, porém pouco alegres. Esta afirmação sobre um nível de prazer e envolvimento médio foi considerado tomando como referência outros momentos e comportamentos expressados durante esta mesma aula. Foi considerado que as categorias: objetivos claros, concentração e controle da situação, obtiveram scores altos devido ao comportamento geral da turma, que demonstrava saber o que se esperava deles, bem como o que e como fazer. O segundo momento importante da aula, encontra-se na atividade de execução que se seguiu (atividade de execução 2), pois ao utilizar instrumentos diversos, a dinâmica da aula tomou outro rumo. Primeiramente, a professora distribui os instrumentos citados na canção (pandeiro, tambor, coco, agogô, clava, maracá) seguindo a ordem em que eles são mencionados na mesma, ou seja, os alunos não escolheram quais instrumentos tocariam; eles reclamaram um pouco, mas entenderam a lógica da distribuição. Começaram a relembrar o que foi trabalhado na aula anterior (forma correta de execução, sequência rítmica) e por fim executaram toda a parte B da canção. Durante esses momentos de construção da música, a turma como um todo, colaborou e trabalhou com atenção. Toda esta sequência de ensaio da canção com instrumentos durou aproximadamente 15 minutos, durante este tempo, observou-se que a relação entre 79 o desafio proposto e o nível de habilidade atingiu um nível alto, pois as crianças estavam sendo constantemente instigadas a participar ativamente do processo de construção da canção, e suas habilidades estavam sendo exigidas e exploradas pelas orientações da professora. Com isso, a percepção de objetivos claros também pode ser considerada alta, uma vez que o feedback era fornecido constantemente pela professora, ao orientá-los quanto à forma correta de execução e o que precisava ser melhorado. Csikszentmihalyi (2008) explica que o feedback que se busca é aquele que informa ao indivíduo que ele obteve sucesso em seu objetivo. Quanto a este feedback que a música proporciona, Custodero (2006, p.384) afirma que “a consciência dos objetivos musicais (...) é uma questão de exposição contínua às estruturas inerentes em práticas específicas de fazer música...” e que se interpreta este retorno de acordo com a habilidade em compreender as estruturas da música. A concentração da turma encontrava-se em nível alto, com a colaboração e envolvimento de todos na atividade, demonstrando também, o sentimento de prazer através de sorrisos e comentários como: “É legal professora!”. Adessi e Pachet (2007) chamaram de ‘efeito Aha’ a alegria ligada à surpresa demonstradas nas feições das crianças ao se depararem com algo novo. Em recente estudo, Adessi, Ferrari e Carugati (2012), também relataram comentários das crianças que expressavam sua surpresa e alegria diante das atividades propostas, bem como sorrisos e risadas que igualmente caracterizavam este estado de prazer e envolvimento. Entretanto, embora o prazer e envolvimento, bem como a concentração estivessem altos, a categoria controle da situação foi percebida em nível médio, uma vez que é claro nas imagens que a condução da música estava nas mãos da professora. É ela quem imprimia um ritmo acelerado, quem estava comandando passo a passo a execução da canção, mas ainda assim, alguns alunos encontravam espaço para improvisar outros ritmos durante a canção ou auxiliar na regência, como o caso da aluna Lz. que auxiliou o grupo todo, ‘cortando’ o som com a mão, ao término de cada frase. Ao final desta etapa percebeu-se uma queda no nível de envolvimento, prazer e concentração geral da turma. Os alunos encontravam-se visivelmente cansados, erros começaram a acontecer com frequência, a postura corporal se tornou mais 80 relaxada, com alguns alunos deitando-se no chão e exprimindo em voz alta: “Estou cansado professora!”. Neste 3º momento da aula (atividade de execução 3), a professora tentou dar outro impulso à mesma atividade, trocando crianças de lugar e trocando de instrumentos. Insatisfações ocorreram, tanto por conta dos instrumentos que receberam quanto pelo lugar que se sentaram. A aluna Lz. tentou, insistentemente, trocar de lugar com os colegas e o aluno Y. ficou novamente aborrecido com a troca de lugar. Nota-se que devido ao fato de trocar de instrumentos, os alunos voltaram à fase de exploração dos mesmos, e o clima da aula voltou a ser de agitação. A professora realizou então um breve exercício rítmico com todos e tocando ao teclado, executou toda a parte B da canção com instrumentos. Para esta atividade de execução 3 observou-se que as categorias concentração, controle da situação e prazer e envolvimento, obtiveram nível médio, pois na leitura do comportamento da turma, fica claro que os alunos cansaram da atividade. Embora existisse participação ativa, envolvimento, prazer, colaboração, entende-se que não estavam em nível ótimo e a hipótese mais provável que justifique esta queda no aproveitamento é a de que a atividade extrapolou o tempo de concentração e envolvimento dos alunos. A professora percebeu esta queda de aproveitamento e tentou chamar a atenção do grupo através de brincadeiras, bem como tocando ao teclado a música inteira, em sua totalidade. Quando todos terminaram, um aluno pergunta: “Agora é hora de descansar?”. Então, a aula foi encerrada. Custodero (2006) reforça em suas considerações que é de suma importância que a atividade tenha uma duração prolongada, para que não se trabalhe conteúdos em quantidade e superficialidade, mas sim com qualidade e aprofundamento. Vale ressaltar que, no entanto, esta duração prolongada pode se referir não exatamente a uma mesma atividade numa única aula, mas sim, que ela seja retomada várias vezes, a fim de que os alunos tenham tempo de amadurecer o processo e a sua percepção. Observando a tabela abaixo (TABELA 6), que resume a pontuação das atividades em relação às categorias de análise, percebe-se que nesta terceira aula, o momento da segunda execução foi o ápice, onde quase todas as categorias estavam com alta pontuação e que, o momento final da aula (atividade de execução 3) teve uma queda nas categorias concentração e prazer e envolvimento. A única 81 categoria que se considerou com elevada pontuação durante todas as atividades foi objetivos claros. Desafios Atividade de X Objetivos habilidades claros Médio Alto Alto Alto Concentração Controle da Prazer e situação envolvimento Alto Alto Médio Alto Alto Médio Alto Alto Médio Médio Médio execução 1 (canto coletivo) Atividade de execução 2 Atividade de execução 3 TABELA 6 - Níveis de envolvimento da turma Fonte: dados da autora 4.4 Apresentação da aula 4 Esta aula foi realizada em local diferente de até então, pois o auditório que vinha sendo utilizado estava ocupado para evento do colégio. A sala de aula de uma escola montessoriana21 possui certas particularidades e já havia sido usada pela pesquisadora durante a aplicação do projeto piloto, então, ao organizar os alunos na sala, foi pedido que todos se sentassem na linha desenhada no chão em semicírculo. Participaram desta aula, 11 alunos do 3º ano. Ao iniciar a aula, normalizando a turma com estalos de dedos, a fim de concentrá-los, iniciou-se a canção Orquestra Real. Logo nota-se que alguns alunos estavam mais envolvidos, cantando junto, outros estavam com a postura corporal 21 Metodologia que possui como diferencial a preocupação com a formação integral do indivíduo, não somente a aquisição de conteúdos, mas priorizando a vivência e o desenvolvimento de valores. A sala de aula é preparada para que a criança experimente sua autonomia, aja livre e responsável sobre seu trabalho (estudo). Há uma linha circular desenhada no chão na sala, onde as crianças permanecem quando não estão escrevendo. A criança escolhe como e quando realizar seus estudos (dentro dos princípios estabelecidos para cada faixa etária), assim, pode exercitar sua liberdade já com a responsabilidade sobre seu aprendizado. O ritmo de cada criança é respeitado, e assim, desde cedo, compreende que o respeito e a responsabilidade são premissas básicas para uma atitude libertária. O educador que orienta uma sala de aula montessoriana deve imbuir-se do espírito presente nesta filosofia a fim de servir como um referencial às crianças, mantendo o ambiente e orientando a interação do educando sobre o mesmo, desafiando-o à evolução. 82 descontraída, não cantavam. O aluno L. demonstrou logo no início da aula que neste dia estava agitado, gritando durante a fermata da canção. A professora conduziu uma breve conversa a respeito do comportamento e explicou qual a proposta de atividade do dia, que era a composição. Os instrumentos foram distribuídos de forma aleatória, e durante este breve período houve muito barulho na sala, com gritos de alguns meninos e agitação de toda a turma. Entretanto, mesmo com todo o barulho do entorno, algumas meninas estavam absortas em um ensaio particular, onde Lz. ajudou as colegas, ensinandoas a tocar o ritmo corretamente. Essa interação entre as meninas é um forte indicador de envolvimento, pois anteciparam a atividade, se auto corrigiram e iniciaram a atividade por vontade própria, também chamado de auto adesão, como Custodero (2005) demonstra em seus “Indicadores de busca por desafios” e “Indicadores de monitoramento de desafios” (IMAGEM 8). Segundo a autora, esses comportamentos podem ser observados principalmente nos intervalos entre uma atividade e outra, ou em momentos de preparação como este. IMAGEM 8. Auto adesão - Ensinando as colegas Após a professora retomar a atenção, iniciou-se um exercício de eco rítmico, seguido de outro exercício de improvisação com pergunta e resposta, e mais um 83 terceiro exercício de improvisação livre (Atividade de improvisação – exercícios rítmicos). Durante esses exercícios, que duraram aproximadamente 7 minutos, pode-se constatar que apesar de ser a primeira vez que o realizam, alguns resultados musicais são satisfatórios, outros nem tanto, mas a atenção requerida de todos, causou certa ordem na aula, que fez com que as atividades fluíssem. Pode-se afirmar que em relação ao período inteiro da aula, este foi o momento onde foram mais exigidos e também, onde puderam desenvolver suas habilidades de forma mais sistemática. Através da filmagem concluiu-se que as cinco categorias utilizadas para análise obtiveram scores elevados durante a maior parte do tempo e com a maioria dos alunos. A relação entre desafios X habilidades foi percebida com um elevado grau de desafio, devido à característica da atividade de improvisação através da forma pergunta e resposta, onde se exigiu de cada aluno a habilidade de improvisar. Obviamente, nem todos os alunos compartilhavam dos mesmos níveis de habilidade, algumas crianças tiveram maior dificuldade em compreender a frase musical, com começo e fim, e se ‘atravessavam’ interrompendo o término da mesma; outros alunos ficaram limitados em suas improvisações devido à timidez e insegurança, naturais para indivíduos que realizavam este tipo de atividade pela primeira vez, entretanto, todos executaram a atividade de forma satisfatória. A percepção de objetivos claros foi considerada em nível alto, pois todos pareceram compreender a estrutura dos exercícios (minha vez, sua vez). Custodero (2006, p. 384) afirma que “o fluxo prevalece sempre que se joga um jogo em que a experiência é enquadrada em regras bem definidas.” Este exercício pode ser chamado também de jogo, pois em sua estrutura de pergunta e resposta, dois ou mais participantes são necessários para que se estabeleça um diálogo musical. Uma analogia com um jogo de bola onde um toca para o outro pode ser realizada, onde a intensidade do toque é importante; se mandar a bola com muito força o outro poderá não receber bem, errando o passe e desestruturando o jogo. Da mesma maneira, ao elaborar uma resposta musical parecida com o estímulo da pergunta (seja uma repetição rítmica ou melódica) faz com que o jogo continue seguindo a mesma estrutura. Os Sistemas Interativos Reflexivos utilizados em pesquisas por Adessi, Ferrari e Carugati (2012), Adessi e Pachet (2007), muito tem a ver com a atividade preparatória realizada nesta aula. Ao interagir com cada aluno, a professora assumiu 84 o papel que seria da máquina nestes estudos (continuator, plataforma Miror), onde imitava os padrões fornecidos pelos alunos, acrescentando a eles pequenas variações rítmicas ou melódicas. O formato ‘turn-taking’ (que pode ser entendido como minha vez, sua vez/ pergunta e resposta) também presente nas atividades preparatórias estão na base destes Sistemas Interativos Reflexivos. No estudo de Adessi, Ferrari e Carugati (2012) ficou claro que a atenção da criança aumentava quando o sistema variava pouco nesta imitação, quando ele variava muito a tendência era de que a criança perdia o interesse ou a concentração sofria um decréscimo. Do mesmo modo, quando a professora lançava uma frase musical além da capacidade de compreensão da criança, este aluno não correspondia adequadamente na resposta musical. A concentração permaneceu em nível alto a maior parte do tempo, porque era necessário estar atento ao que a professora realizava, ouvindo com atenção aos esquemas rítmicos. Acredita-se que por ser uma atividade que possibilitava a criação, os alunos se sentissem no controle da situação, sendo eles próprios responsáveis por suas inserções musicais no grupo. A categoria prazer e envolvimento também foi percebida como alta, pois estavam todos absortos na atividade. Ao participar destes exercícios/ jogos rítmicos de improvisação, muitos fatores estão em ação, como por exemplo: o desafio requerido em forma de jogo, a surpresa do que está por vir, o feedback (retorno) do seu desempenho no momento em que ele acontece, as situações curtas e rápidas de tomadas de decisões, que favorecem a percepção de autonomia e competência e desenvolvem também a criticidade, a ordem que a forma do jogo musical e da própria estrutura musical (pergunta/resposta) provoca na consciência individual de cada um e também na estrutura da aula. Tudo isso contribuiu para as prováveis situações de fluxo e aprendizagem observadas nas imagens. Csikszentmihalyi (2008) enfatiza que ao produzir ou ouvir música, além de ser uma atividade prazerosa que aumenta a complexidade de habilidades, é além de tudo uma forma de fortalecer o self. Para Custodero (2005) ensinar música através de experiências de fluxo, exige do professor habilidades musicais e pedagógicomusicais bem desenvolvidas, para poder encarar situações onde o que está por vir não é pré-determinado, mas sim interpretado a partir das habilidades e conceitos 85 entendidos e expressados pelos alunos, que resultam em envolvimento com ideias musicais relevantes. A partir deste ‘aquecimento’ com os exercícios, 3 grupos foram montados de acordo com afinidades e respeitando os instrumentos que cada aluno portava. Então, foram separados em salas diferentes para que pudessem se concentrar em seus sons, sendo filmados separadamente, uma câmera para cada grupo (atividade de composição – grupo1, grupo 2 e grupo 3). A proposta da atividade consistia em criar uma parte rítmica instrumental para o interlúdio que se acrescentaria no meio da canção, entre as partes A e B. Não foi estipulado de quanto tempo (pulsos) seria este trecho, nem qualquer outro tipo de parâmetro. Embora o foco das observações sejam as relações entre os pares e o comportamento de cada aluno diante do desafio, musicalmente a atividade deixou muito a desejar, tanto pela falta de orientação para a produção coletiva (entende-se que faltou tempo e que o fato de serem 3 grupos separados não permitia que a professora desse a atenção necessária a todos durante o tempo todo), quanto pelo fato de ser a primeira vez que realizavam esse tipo de atividade musical, pois precisariam de um preparo maior, com mais exercícios distribuídos ao longo de aulas que embasassem esse tipo de habilidade. As composições ficaram no nível exploratório de instrumentos, sem padrões rítmicos elaborados; a maior parte das crianças deu prioridade à forma, isto é, determinaram quando era a vez de cada um tocar. As cinco categorias foram utilizadas para análise das imagens de cada grupo. O grupo 1 que era formado por 4 meninas, foi o grupo que mais trabalhou na construção da ideia musical, ensaiando durante 10 minutos com constância e dedicação à atividade, obtendo níveis altos de prazer e envolvimento, expressados em frases como: “A gente adora essa música!” Durante todo o processo, as alunas se mantiveram no controle da situação, envolvidas umas com as outras. Apesar da percepção de estarem no controle da situação (pois determinavam tudo sozinhas) e de terem os objetivos claros (embora não soubessem exatamente o que e como fazer para alcançar estes objetivos), percebe-se que a maior dificuldade foi organizar as ideias, pois estavam eufóricas, querendo falar todas ao mesmo tempo, contribuindo para a execução e corrigindo erros. Apesar de todo esse prazer e envolvimento perceptíveis nas imagens, considerou-se que o nível de concentração 86 era médio, pois faltou ordem na condução da atividade, e a agitação tomou conta em vários momentos. A relação entre desafios X habilidades também foi considerada em nível médio, pois se acredita que o desafio lançado foi além das capacidades das alunas; musicalmente, as habilidades do grupo não eram compatíveis com o nível de dificuldade proposto na atividade. Segundo o quadro22 de Csikszentmihalyi (1999) quando há um alto nível de desafio, e um nível médio de habilidades, pode ocorrer ansiedade e exaltação, e foi exatamente esses dois estados emocionais e mentais verificados durante esta atividade através das imagens do grupo 1. O grupo 2, composto por dois meninos e uma menina, fez um padrão simples e foi prejudicado pelo comportamento do aluno Lg., que demonstrou através de constantes brincadeiras, não estar disposto a colaborar. Durante quase 10 minutos, a aluna J. tentou tomar a liderança do grupo e produzir um esquema rítmico, mas os dois garotos não colaboraram, a ponto de a menina se irritar e bater com a clava na cabeça do colega Lg. Em vários momentos ela expressa: “Deixa eu falar!”, “Presta atenção!”, “Ah! Vocês não entenderam nada!”, porém o clima do grupo era de brincadeira, pois mesmo reclamando, os três riam constantemente. Com muito esforço, o grupo conseguiu elaborar uma ideia musical, ainda que simples (IMAGEM 9). 22 Encontra‐se na página 33. 87 IMAGEM 9. Grupo 2: tentando organizar as ideias Considera-se que na relação entre o desafio proposto e o nível de habilidade dos alunos, houve uma disparidade acentuada entre os diferentes sujeitos do grupo. O aluno Lg. que demonstrou não estar interessado na conclusão da atividade, prejudicou o desenvolvimento da mesma; o aluno Lc. também não agregou ideias à produção, rindo constantemente das brincadeiras do colega, por sua vez, a aluna J. poderia ter atingido um nível equilibrado entre desafios e habilidades se não tivesse se desgastado tentando um acordo com os colegas. Por essas razões, considera-se que a relação entre desafio X habilidade encontrava-se em um nível baixo, sendo que para os dois meninos, a apatia e o tédio predominavam, e para a menina, a preocupação. Segundo Csikszentmihalyi, (1999) ainda que esta relação entre desafios X habilidades seja determinante para a qualidade da experiência, ainda há um componente ligado ao interesse, que faz com que o indivíduo consiga transpor a barreira inicial do tédio para que consiga começar a apreciar verdadeiramente a atividade. O autor nomeia de ‘energia de ativação’ este investimento de atenção inicial que algumas atividades complexas exigem. Os quesitos prazer e envolvimento, concentração e objetivos claros obtiveram um nível baixo de percepção, uma vez que os próprios alunos expressaram que não 88 entenderam a proposta, considerando também que o clima não era de prazer provindo da interação musical. Somente a aluna J. parecia se envolver com a atividade, mas sem sucesso nos resultados. O controle da situação foi considerado médio, pois durante toda a atividade, os alunos tiveram a oportunidade de decisão e escolha, mas não a aproveitaram totalmente. A situação ocorrida com o Grupo 2 leva a uma reflexão acerca da importância do fator interesse (vontade, pré-disposição) para o início de uma determinada atividade, bem como à influência negativa ou positiva de um único sujeito em um grupo. Já ao analisar o grupo 3, percebe-se que algumas situações e questionamentos levantados na análise do grupo 2 se repetem, em proporções maiores. A falta de orientação e referência musical para uma atividade deste tipo se tornou um problema ainda maior para este grupo, que não conseguiu se organizar para trocar ideias e realizar o objetivo final. Durante todo o tempo, a agitação dos alunos L. e Y. impossibilitou que os outros dois alunos pertencentes a este grupo, Ln. e Br. conseguissem se expressar; eles brigaram por liderança e frases como “Nossa, tá tudo errado!”, “Eu falo já!” e “Não é só você quem manda!” exemplificam esta situação. A organização sonora ficou restrita a decisões sobre de quem é a vez de tocar, mas não houve um consenso sobre ritmo, andamento ou pulsação. Na análise das imagens do grupo 3 percebe-se que a agitação foi o principal fator que impossibilitou a concentração e o envolvimento na atividade que resultaria em aprendizagem, entretanto, a falta de referências para a realização de uma composição coletiva também prejudicou a percepção de objetivos claros, pois ficou evidente que os alunos não sabiam como conduzir este processo. Assim como ocorreu com o grupo 2, a relação entre desafios e habilidades também foi percebida como baixa, permanecendo o grupo em estado de preocupação e ansiedade, característicos de desafios maiores que habilidades (vide gráfico 1 na página 33). A percepção do controle da situação foi considerada em nível médio, pois a disputa pela liderança foi acentuada neste grupo, a ponto de prejudicar a expressão dos indivíduos. Com relação ao relacionamento entre pares, Csikszentmihalyi (1999) explica que é preciso satisfazer duas condições necessárias para haver ordem na consciência dos indivíduos, evitando a frustração, e promovendo uma interação em nível ótimo. 89 A primeira é a existência de alguma compatibilidade entre nossas metas e as metas dos outros. Isto é sempre difícil em princípio, porque cada participante da interação tenderá a buscar a realização de seus próprios interesses. (...) A segunda condição para uma interação bem-sucedida é estar disposto a investir atenção nas metas de outra pessoa – o que também não é uma tarefa fácil, já que a energia psíquica é o recurso mais escasso e essencial que possuímos. (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p. 82). Além da dificuldade do grupo em estabelecer metas em comum, percebeu-se também que a habilidade de ouvir e acolher as ideias dos colegas precisaria ter sido melhor orientada pela professora. Ao ficarem sozinhos na sala, sem uma ‘autoridade’ que guiasse o processo de composição, o conflito tomou conta e não houve acordo entre os colegas. Durante este momento em que os 3 grupos ficaram em salas separadas, houve um acidente com uma das câmeras que caiu no chão e quebrou, devido a agitação de alguns alunos. Este fato imprevisível pesou negativamente no clima da aula, deixando a professora chateada e os alunos tensos. A professora ainda tentou realizar a totalidade da música uma última vez com todos os grupos executando suas partes, mas estavam todos cansados e sem energia. A aula foi finalizada com uma conversa com grupo. No geral, a atividade de composição proposta para esta aula, deixou a desejar enquanto proposta pedagógica musical. Embora fosse da vontade da pesquisadora fornecer um momento mais livre aos alunos, sem o controle pleno da professora, e tendo como objetivo verificar o comportamento dos alunos diante do desafio em uma atividade que possibilitasse situações para ação e tomadas de decisões - favorecendo a percepção de estar no controle da situação e consequentemente a ocorrência do fluxo - a falta de um preparo maior, com mais embasamento e conhecimentos acumulados por parte dos alunos, fez com que as situações ocorridas impedissem a verificação destes objetivos. Talvez, se a professora/pesquisadora tivesse um maior conhecimento do grupo, poderia ter divido os alunos diferentemente, a fim de não prejudicar o desempenho de alguns em detrimento de outros, distribuindo melhor as tarefas de acordo com o perfil da turma. A metodologia empregada para o desenvolvimento de qualquer proposta pedagógico musical se faz de suma importância quando se verifica situações como esta, onde o resultado é prejudicado pela forma com que o processo foi conduzido. 90 Na tabela abaixo (TABELA 7), que resume as categorias em relação às atividades realizadas, fica claro que durante a primeira parte da aula, quando a professora tinha o controle da turma e conduzia os exercícios de improvisação, foram momentos mais ordenados, sistematizados e ricos em concentração e aprendizagem (conforme a alta pontuação em todas as categorias demonstra) do que o momento livre de composição coletiva (conforme a variância de pontuação dos grupos 1, 2 e 3 aponta). Desafios Atividade de X Objetivos habilidades claros Alto Alto Médio Concentração Controle da Prazer e situação envolvimento Alto Alto Alto Alto Médio Alto Alto Baixo Baixo Baixo Médio Baixo Baixo Baixo Baixo Médio Baixo improvisação (exercícios rítmicos) Atividade de composição grupo 1 Atividade de composição – grupo 2 Atividade de composição – grupo 3 TABELA 7 - Níveis de envolvimento da turma Fonte: dados da autora 4.5 Apresentação da aula 5 Nesta última aula, que voltou a ser realizada no auditório do colégio, 10 alunos do 3º ano estavam presentes. Segundo o planejamento, a atividade do dia era a apreciação musical participativa da música “Dança Alemã”, uma valsa em ritmo ternário e forma ABA. Ao iniciar a aula, a professora relembrou juntamente com os alunos, o caminho percorrido até então, recontando partes da história As orelhas do rei, e contextualizando as atividades que se seguiram, com as canções Taquaras e Orquestra Real. Explicou que para finalizar as aulas, a proposta era que os alunos 91 participassem do ‘baile real’ desta vez, dançando, realizando movimentos de acordo com a música. Após uma primeira audição da música, onde todos seguiram a movimentação da professora, atentou-se para a forma da valsa, ensaiando as partes em separado, sem o áudio, apenas contando o tempo. Esta estratégia de estudar as partes também pode ser considerada como uma ação que gera metas claras e consequentemente a atenção na atividade. Neste sentido, Araújo (2008), tratando sobre a teoria do fluxo, explica que o estabelecimento de metas é um primeiro passo para que os indivíduos sigam num processo de concentração. Nesta proposta de atividade de audição ativa, o terceiro nível de escuta, chamado por Csikszentmihalyi (2008) de escuta analítica foi requisitado, pois o objetivo foi focar a atenção na estrutura musical (forma ABA) através da percepção dos elementos da música (padrões de frases) e da incorporação do movimento corporal, que segundo Custodero (2006) é um fator altamente relacionado às experiências de fluxo. Após algumas execuções individuais, pares foram formados para que na parte B na música, as crianças interagissem umas com as outras, batendo palmas com um colega. Durante esta atividade de apreciação musical ativa, percebeu-se um alto nível de concentração na maior parte dos alunos; olhares fixos nos movimentos da professora, com a boca ligeiramente aberta, autocorreção e antecipação aos comandos (Custodero, 2005) sorrisos naturais e movimentos não exagerados foram fortes indicativos deste estado mental presentes em quase todos os alunos. Acredita-se que a maneira com a qual a professora trabalhou a movimentação, realizando movimentos simples, mas interpretados de forma lúdica e engraçada, envolveu os educandos na atividade de uma forma que eles sentiram prazer, percebendo os objetivos claramente, obtendo feedback instantâneo quanto a sua performance, e se sentindo no controle de suas ações (IMAGEM 10 e IMAGEM 11). Um aluno em especial, J., não pareceu estar disposto a movimentação, realizando movimentos com pouca energia e expressando estar cansado, mas participou da atividade com o grupo. A relação entre desafios e habilidades permaneceu equilibrada obtendo um score alto. Durante boa parte do tempo que durou esta atividade (cerca de 20 minutos) o clima era de exaltação e controle, caracterizados por alto nível de desafio 92 e altas habilidades; por vezes e com alguns alunos , podendo até ser caracterizado como fluxo. IMAGEM 10. 'Dança Alemã' - alegria IMAGEM 21. 'Dança Alemã' - atenção Ao analisar as imagens desta atividade percebeu-se que quando realizavam a movimentação sozinhos, os alunos concentraram-se mais e cometeram menos 93 erros; ao adicionar a movimentação compartilhada com o colega (batendo palmas), essa concentração foi abalada e dependendo da interação entre os pares, perdeu-se em qualidade de execução. Quando houve sintonia entre os colegas (comunicação visual através troca de olhares profundos, movimentação em direção ao outro, certo grau de intimidade, prazer e alegria sem exageros) a dupla entrou em sincronicidade e conseguiram um bom resultado. Houve ainda, duplas onde a sintonia não estava equilibrada, mas um indivíduo conseguiu guiar o outro, dominando a situação (IMAGEM 12). Também em recente estudo de Adessi, Ferrari e Carugati (2012) onde crianças eram convidadas a interagir com um Sistema Interativo Reflexivo (Plataforma MIROR), ora sozinhos, ora com um colega, chegou-se a esta constatação de que ao agregar um colega à interação, ocorria um decréscimo no estado de fluxo. Este decréscimo, por sua vez, pode ser explicado pela possível alteração nos níveis de concentração. As autoras explicam que este resultado pode ocorrer e está em concordância com a Teoria do Fluxo que descreve o fluxo como um estado subjetivo. As duplas que não conseguiram um bom desempenho rítmico musical, caracterizavam-se por comportamentos agitados ou dispersos, sem a ocorrência de troca de olhares entre os pares, dirigindo o olhar muitas vezes para professora ou para outros colegas da turma, demonstrando não dominar a situação. Entretanto, a maioria dos alunos demonstrou sentir prazer e envolveram-se na atividade, pedindo por repetição ao término desta, independentemente da qualidade da execução. Embora não seja objetivo avaliar o desempenho musical dos alunos, acredita-se que estes resultados podem refletir o estado emocional e mental dos indivíduos, auxiliando na percepção do clima motivacional do grupo. 94 IMAGEM 32. Interação com os pares Na tabela abaixo (TABELA 8), percebe-se que esta foi uma atividade facilitadora de fluxo, pois todas as 5 categorias atingiram uma alta pontuação. Desafios Atividade X Objetivos habilidades claros Alto Alto Concentração Alto Controle da Prazer e situação envolvimento Alto Alto Apreciação musical ativa TABELA 8 - Níveis de envolvimento da turma Fonte: dados da autora 4.6 Transversalização dos dados nas categorias “concentração” e “prazer e envolvimento” Ao cruzar os dados obtidos em cada aula, para as atividades de apreciação, criação e execução, optou-se por verificar os resultados específicos das categorias 95 concentração e prazer/envolvimento, tidos para Csikszentmihalyi (1999) como dois elementos fundamentais para a experiência do fluxo. A primeira análise cruzou os dados das três atividades de apreciação realizadas com as crianças durante a pesquisa. Os resultados encontram-se nos gráficos abaixo: GRÁFICO 2 - Concentração nas atividades de apreciação GRÁFICO 3 - Prazer e envolvimento nas atividades de apreciação Nas atividades de execução, a transversalização dos dados trouxe os seguintes resultados sobre a concentração e o prazer e envolvimento das crianças nas 6 atividades realizadas: 96 GRÁFICO 4 - Concentração nas atividades de execução GRÁFICO 5 - Prazer e envolvimento nas atividades de execução Por fim as atividades de criação foram consideradas nas categorias “concentração” e “prazer/envolvimento” a partir da forma como foram trabalhadas em sala de aula, ou seja, em uma atividade coletiva envolvendo todo o grupo, e em outras três atividades realizadas em pequenos transversalização dos dados segue nos gráficos abaixo: grupos. O resultado da 97 GRÁFICO 6 - Concentração nas atividades de criação GRÁFICO 7 - Prazer e envolvimento nas atividades de criação Por meio dos gráficos aqui apresentados, pode-se notar que a variância nas atividades de apreciação musical foi pequena com relação ao nível de concentração, e se manteve em nível alto e constante com relação ao prazer e envolvimento. Neste caso, onde duas músicas foram utilizadas nestas atividades, “Taquaras” e “Dança Alemã”, percebe-se que não foi tanto o repertório que influenciou os dados, mas sim a forma que as músicas foram trabalhadas com o grupo, através de audições musicais ativas, onde a criança interagia com a obra através da manipulação de instrumentos ou do movimento corporal. Já nas atividades de execução, presente em quase todas as aulas, nota-se que a concentração permaneceu em nível alto em todas as atividades, com exceção 98 da última atividade que ficou em um nível médio, provando que a concentração é facilitada quando há um objeto concreto, ou seja, um instrumento a ser manuseado, explorado e controlado pelo sujeito. Com relação ao prazer e envolvimento, houve variação entre as atividades, oscilando entre níveis médio e alto, o que pode ser explicado por meio do tempo de exposição à atividade, que segundo os relatórios, foi além da capacidade dos alunos, causando cansaço e desinteresse em alguns momentos. Já com relação às atividades de criação, os gráficos corroboram com a análise qualitativa dos dados, demonstrando a oscilação entre os níveis baixo, médio e alto tanto no que diz respeito à concentração, quanto ao prazer e envolvimento. Vale ressaltar, que neste tipo de atividade de criação, onde as características pessoais de cada aluno bem como seus níveis de habilidade são requeridos, influenciaram o resultado musical conquistado pelos grupos. Também a condução da atividade pela professora foi determinante para esta oscilação entre os níveis nas atividades realizadas. 4.7 Avaliação dos juízes externos A fim de validar as percepções obtidas através das filmagens quanto às categorias analisadas em cada atividade, contou-se com a colaboração de 3 juízes externos, profissionais atuantes na educação musical, com experiência entre 4 e 13 anos de magistério e níveis de especialização e/ou mestrado concluídos. Cada juiz recebeu cópias das tabelas idênticas às preenchidas pela pesquisadora e após assistir a vídeos selecionados de cada atividade, foram orientados somente quanto ao preenchimento da tabela (utilizando os níveis, baixo, médio e alto). Uma breve descrição dos conceitos e das categorias utilizadas também foi exposta, a fim de evitar confusões nas interpretações. Os resultados atribuídos pelos juízes externos foram então tabulados, transformados em 13 gráficos referentes a cada atividade analisada e encontram-se no Anexo B desta dissertação. Uma análise comparativa feita em cada atividade ressaltou alguns pontos que aqui são apresentados e discutidos. Com relação à primeira aula, referente à atividade de apreciação musical 1 com a canção ‘Taquaras’, notou-se certa 99 dificuldade por parte dos 3 juízes em atribuir níveis de frequência e intensidade às atividades, uma vez que não haviam tido nenhum contato com esta pesquisa anteriormente. No entanto, todos os juízes concordaram em atribuir um nível médio na categoria Desafios X Habilidades, corroborando com a percepção da pesquisadora, porém todos atribuíram um nível baixo para a categoria Controle da situação, destoando do julgamento da pesquisadora, que analisou esta categoria como atingindo um nível alto. As categorias Prazer e Envolvimento e Concentração obtiveram concordância com 2 juízes (GRÁFICO 8). GRÁFICO 8 - Aula 01: Atividade de apreciação 1 Uma atividade que obteve alto nível de concordância, tanto entre os juízes quanto entre os juízes e a pesquisadora foi a atividade de execução 1 da segunda aula, que consistia na canção ‘Taquaras’ acompanhada com paus de chuva. Como pode ser verificado no gráfico abaixo (GRÁFICO 9) a categoria Prazer e Envolvimento obteve de todos os juízes um alto nível, as outras categorias, concordaram parcialmente, não havendo grandes discrepâncias nesta atividade. 100 GRÁFICO 9 - Aula 02: Atividade de execução 1 Segundo os juízes, outra atividade que atingiu altos níveis de frequência e intensidade foi a atividade de execução 1 (canto coletivo) da terceira aula. Houve concordância plena nas categorias Objetivos claros e Concentração, ambas obtendo um nível alto; a categoria Controle da situação obteve a concordância de 2 juízes e as categorias Desafios X Habilidades e Prazer e Envolvimento permaneceram equilibradas nos julgamentos, não obtendo grandes discrepâncias (GRÁFICO 10). GRÁFICO 10 - Aula 03: Atividade de execução 1 (canto coletivo) 101 A atividade de improvisação com exercícios rítmicos da quarta aula também demonstrou, através do gráfico (GRÁFICO 11), que os juízes concordaram com a pesquisadora na categoria Prazer e Envolvimento, e concordaram parcialmente nas categorias Objetivos claros, Concentração e Controle da situação. O julgamento do juiz 1 apresentou uma acentuada disparidade em relação aos outros juízes e pesquisadora nas categorias, controle da situação e objetivos claros. GRÁFICO 11 - Aula 04: Atividade de improvisação (exercícios rítmicos) Também na quarta aula, a atividade de composição realizada pelo grupo 1, recebeu dos juízes níveis médio e alto de frequência e intensidade, tendo a categoria Prazer e Envolvimento obtido nível alto por unanimidade. As categorias Desafio X Habilidades e Controle da situação seguiram com a anuência parcial dos juízes externos e as categorias Objetivos claros e Concentração, permaneceram equilibradas nos julgamentos não havendo grandes disparidades (GRÁFICO 12). 102 GRÁFICO 12 - Aula 04: Atividade de composição - grupo 1 Na última aula, a atividade de apreciação musical ativa não alcançou total concordância em nenhuma categoria, no entanto, observa-se que os julgamentos do juiz 3 corroboram todos os altos níveis atribuídos pela pesquisadora em todas as categorias. Os quesitos Concentração e Prazer e Envolvimento obtiveram concordância parcial, sendo que somente o juiz 3 atribuiu nível médio em todos os quesitos. GRÁFICO 13 - Aula 05: Atividade de apreciação musical ativa 103 É necessário ressaltar, que ao contrário da pesquisadora/professora, que além de ter acompanhado todo o processo in loco, e de ter tido acesso aos vídeos diversas vezes, bem como aos relatórios e diários de campo detalhados, os juízes externos basearam seus julgamentos apenas pela primeira impressão obtida através das imagens selecionadas, o que pode justificar possíveis discrepâncias entre os níveis atribuídos, não somente com relação ao julgamento da pesquisadora, mas também em relação ao julgamento dos outros juízes. No entanto, percebe-se que no geral, as atribuições dos juízes externos corroboram com as percepções da pesquisadora. 4.7 Considerações sobre a análise das aulas Ao revisar o resultado das 5 aulas descritas e observadas, nota-se que as atividades que proporcionaram mais oportunidades para que as crianças atingissem um alto nível de frequência e intensidade nas 5 categorias, foram aquelas que incorporaram o movimento físico, seja através da utilização de instrumentos musicais ou da movimentação corporal, corroborando com os estudos realizados por Custodero (2006). Durante a primeira aula, acredita-se que por ter sido um primeiro contato, a ansiedade e a agitação tomaram conta em diversos momentos e não foi possível detectar um estado de fluxo na maioria do grupo, ainda que os índices de prazer e envolvimento tenham sido altos. A segunda aula obteve altos índices em quase todas as categorias, principalmente quando a atividade com a caixa de instrumentos foi realizada. Também na terceira aula, a execução instrumental foi destaque, por obter altos níveis de participação da turma, mas é importante considerar que a atividade de canto coletivo, apesar de aparentemente não provocar tanto prazer, ofereceu condições para que breves momentos de fluxo ocorressem. No entanto, o momento que se pode afirmar que todos os alunos estavam em fluxo ou em um estado próximo, como exaltação e controle, foi durante os exercícios de improvisação da quarta aula, onde a estrutura do jogo musical possibilitou que todos os fatores necessários para a ocorrência de fluxo acontecessem. Da mesma forma, a atividade de apreciação musical ativa que aconteceu na quinta aula, 104 também favoreceu a ocorrência do fluxo, ao se utilizar da movimentação corporal como principal meio de expressão, de vivência e de compreensão musical. De acordo com Csikszentmihalyi (2008) as atividades que produzem experiências de fluxo, são aquelas em que as habilidades estão adequadas aos desafios propostos, a percepção das metas são claras, a concentração é tão intensa que o entorno se torna irrelevante, a autoconsciência desaparece e há uma distorção na percepção do tempo. Com relação a essa mudança na percepção do tempo, forte indicativo das ocorrências de fluxo (Csikszentmihalyi 1999; 2008) vale ressaltar que as atividades propostas foram organizadas de forma a ter um tempo de duração pré-estabelecido, pautando-se também na resposta do grupo como um todo; no entanto, observou-se que em dados momentos, algumas crianças demonstraram tal envolvimento que pediam pela continuidade da atividade, deixando transparecer a despreocupação com o horário e até mesmo, com o cansaço. Portanto, as atividades de improvisação instrumental e de apreciação musical ativa foram as que, neste estudo, conseguiram um maior equilíbrio entre desafios e habilidades, um alto nível de concentração e percepção de objetivos claros, um sentimento de controle da situação gerando altos índices de prazer e envolvimento, caracterizando assim, possíveis estados de fluxo. 105 CONCLUSÃO Esta pesquisa, que teve por objetivo investigar as relações entre os tipos de atividades musicais e os níveis de envolvimento dos alunos através da observação de uma turma específica durante 5 aulas de música, respondeu a questionamentos feitos no início deste estudo, e suscitou outras indagações. Primeiramente, é importante mencionar que os resultados aqui expostos referem-se à amostra desta pesquisa, sendo leviana qualquer generalização acerca dos comportamentos, uma vez que o delineamento metodológico aqui adotado foi a pesquisa quase-experimental. Por outro lado, as observações aqui relatadas foram ao encontro de estudos que vem sendo realizados na área da Motivação e Educação Musical, corroborando com Custodero (1999; 2002-2003; 2005; 2006) e estudos conduzidos por Adessi (ADESSI & PACHET, 2007; ADESSI, FERRARI, CARLOTTI, PACHET, 2006). Com relação ao objetivo central desta pesquisa, acredita-se que não é somente o tipo de atividade que proporciona a ocorrência de fluxo, mas igualmente importante é a forma com a qual ela é exposta ao grupo. Pode-se tomar como exemplo disto o desenvolvimento da atividade de composição musical realizado na quarta aula, que não obteve um resultado satisfatório, do ponto de vista pedagógico musical. A proposta desta atividade teve muitos entraves que impossibilitaram que ela fosse devidamente desenvolvida. Por sua vez, as atividades de apreciação musical tiveram êxito justamente devido à forma com que a professora apresentava as músicas, utilizando-se de recursos diversos, tais como brincadeiras e expressão corporal. Todas as atividades de apreciação, execução e composição têm sua importância dentro do desenvolvimento musical das crianças, mas cada tipo de atividade exige uma preparação e uma logística específica o que faz com que sejam abordadas diferentemente. Sugere-se então, que um aprofundamento maior em cada uma dessas formas de interação com a música seja focado separadamente em estudos futuros, que trabalhem com o tema Motivação e Teoria do Fluxo. Como mencionado no início desta dissertação, Bzuneck (2009) afirma que o professor possui a responsabilidade em manter a motivação para aprender de seus 106 alunos, pois é ele quem pode se valer de técnicas, estratégias de ensino e medidas educacionais que favoreçam a participação e envolvimento de seus alunos em sala de aula. Embora não tenha sido foco desta pesquisa avaliar e abordar aspectos referentes ao docente, fica evidente que ele é determinante para as ocorrências de fluxo na aula, tendo a capacidade de promover a motivação do aluno, ofertando situações onde cada indivíduo possa desenvolver formas mais autônomas de motivação. Em contrapartida, também é evidente que há um limite para esta ação do professor uma vez que cada indivíduo possui uma personalidade própria que é também determinante para o aprimoramento da motivação. Tocar instrumentos é altamente estimulante, mas não basta para desenvolver experiências ótimas em música. Se não houver a correta mediação, nenhuma atividade atingirá seu potencial e consequentemente, seu objetivo final de aprendizagem. Considerando, portanto, que somente a atividade não garante experiências de fluxo, necessário se faz aprofundar a questão do papel do docente em futuros estudos sobre a temática. Um aspecto interessante a destacar refere-se ao tempo de exposição à atividade. Custodero (2006) sugere em seus estudos que os professores devem priorizar o aprofundamento dos conteúdos nas atividades, disponibilizando um maior tempo para a realização das mesmas. No entanto, em alguns momentos das aulas, percebe-se um cansaço por parte dos alunos, indicando que as atividades extrapolaram o tempo de envolvimento e concentração. Sugere-se então, que a aula de música deve abranger atividades diferenciadas entre si, em uma mesma aula, a fim de manter otimizada a atenção e motivação para aprender. Isto não significa que os conteúdos serão trabalhados superficialmente. Necessário se faz então, o retorno às mesmas atividades durante diversas aulas, para que as crianças consigam um grau de familiaridade com elas, que possibilite a aprendizagem e o amadurecimento de conceitos e técnicas. Outro ponto importante foi a constatação de que por meio das atividades coletivas de improvisação, em que a estrutura de jogo foi utilizada, ocorreram os melhores e mais significativos momentos de estados de fluxo e de estados próximos a ele, como controle e exaltação. O ponto chave foi compreender que esses momentos da aula, onde houve um desafio proposto que possibilitou o desenvolvimento de habilidades, foram as ocasiões de maior envolvimento da turma como um todo. Ordem na consciência também gerou ordem na aula, isto é, a aula 107 também fluiu melhor quando atingiu o equilíbrio entre desafios X habilidades, possuindo regras e metas bem definidas, fornecendo feedback imediato, exigindo a concentração de todos e gerando prazer e envolvimento. Esta estrutura do jogo pode ser utilizada em muitas atividades musicais, mas são nos exercícios musicais de improvisação e imitação que esta estrutura é mais clara, nesta pesquisa. O jogo foi a atividade por excelência que supriu as 3 necessidades básicas de autonomia, competência e vínculo juntas, promovendo a motivação intrínseca, criando ordem na consciência e oportunizando o fluxo. Por fim, além de fomentar a discussão sobre a Motivação na Educação Musical, acredita-se que uma importante contribuição desta pesquisa para a área, seja com relação ao jogo. As reflexões finais deste estudo, recaíram sobre este tema, que embora seja amplamente estudado sob diversas abordagens (incluindo aqui as contribuições de Piaget, e a perspectiva de Swanwick) ainda necessita ser aprofundado em futuras pesquisas e relacionado às experiências de fluxo na Educação Musical. 108 REFERÊNCIAS ADESSI, A. R.; FERRARI, L.; CARLOTTI, S.; PACHET, F. Young Children´s musical experiences with a flow machine. In: 9th INTERNATIONAL CONFERENCE ON MUSIC PERCEPTION AND COGNITION, 9., 2006, Bologna. Proceedings... Bologna, 2006. P. 1660-1665. 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Intrinsic and extrinsic motivations: classic definitions and new directions. Contemporary Educational Psychology, n. 25, p. 54-67, 2000. SILVA, J. M.; SILVEIRA, E. S.; Apresentação de trabalhos acadêmicos: normas e técnicas: edição atualizada de acordo com as normas da ABNT. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007. SWANWICK, K. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003 VILELA, Cassiana Zamith. Motivação para aprender música: o valor atribuído à aula de música no currículo escolar e em diferentes contextos. Dissertação (Mestrado em Música) Instituto de Artes, PPG Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. 112 APÊNDICE A - Carta de solicitação CARTA DE SOLICITAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE PESQUISA ACADÊMICA DE CAMPO À coordenadora do Ensino Fundamental I do Colégio Nossa Senhora de Sion, Sede Solitude, Lia Beatriz Silva Munhoz da Rocha. Prezada Educadora, Eu, MARIANA DE ARAÚJO STOCCHERO, portadora do RG n° 7759050-1 – SSP/PR e CPF n° 036.661.429-07, aluna regular do Programa de Pós-graduação em Música – Mestrado – da Universidade Federal do Paraná, sob o registro acadêmico MER 20100425, venho SOLICITAR AUTORIZAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE PESQUISA ACADÊMICA DE CAMPO junto aos alunos da turma de 3° ano – turno manhã, do ensino fundamental. Acompanha esta solicitação o planejamento das aulas relativas à pesquisa. Atenciosamente, _____________________ Mariana Stocchero Pesquisadora responsável _______________________ Rosane Cardoso de Araújo Orientadora Curitiba, 01 de outubro de 2010. 113 APÊNDICE B – Explicação do estudo aos pais ou responsáveis MOTIVAÇÃO NA EDUCAÇÃO MUSICAL: Um estudo sobre estratégias motivacionais Pesquisadora responsável: Mariana Stocchero Orientadora: Profª Drª Rosane Cardoso de Araújo Explicação do estudo Objetivos Seu filho (a) foi convidado a participar de uma pesquisa que está investigando os processos motivacionais na educação musical de crianças brasileiras que cursam o 3º ano do Ensino Fundamental em escola regular. O objetivo deste estudo é observar os aspectos motivacionais existentes nas relações entre atividades musicais e os níveis de envolvimento, que favorecem a aprendizagem em sala de aula. Participação Se você e seu filho (a) concordarem em participar deste estudo, a criança participará de 05 (cinco) encontros-aula onde serão aplicadas atividades musicais específicas relativas à pesquisa e onde será realizada a coleta de dados. O Termo de Consentimento anexado deverá ser devolvido à pesquisadora, devidamente assinado. Os dias das aulas serão os seguintes: Aula Dia Horário 01 19/09 - segunda-feira 11h 02 26/09 - segunda-feira 11h 03 11/10 - terça-feira 11h 04 17/10 - segunda-feira 11h 05 24/10 - segunda-feira 11h 114 Realização das aulas As aulas serão realizadas no turno matutino, dentro da grade horária da turma do 3º ano. O local de realização das aulas será em uma sala destinada à aplicação da pesquisa, dentro do Colégio Sion Solitude. Riscos associados à participação na pesquisa Todas as atividades desenvolvidas no estudo foram previamente realizadas e testadas em outros contextos educacionais e são embasadas em materiais pedagógicos que estão no mercado educacional (livros e cd´s), não oferecendo nenhum tipo de risco, psicológico ou físico, aos sujeitos da pesquisa. Os participantes poderão desistir do estudo em qualquer etapa do mesmo e sem nenhum tipo de ônus. Em hipótese alguma os sujeitos da pesquisa serão obrigados a fornecer informações sobre quaisquer áreas que julgarem ser de domínio privado e somente os pesquisadores é que terão acesso aos dados da pesquisa. Desistência Nenhum participante será obrigado a participar da pesquisa e também poderá abandoná-la durante qualquer etapa. Sigilo e anonimato Para este estudo, os participantes serão identificados como sujeitos A, B, C, etc. Portanto, seu filho não será identificado em hipótese alguma. As informações recolhidas durante a pesquisa serão anotadas em um caderno de dados, e somente os pesquisadores terão acesso a estes dados, bem como aos vídeos e às gravações em áudio. Os interessados poderão receber uma cópia escrita do texto final desta pesquisa. Contatos Qualquer dúvida relacionada com a pesquisa, favor entrar em contato com o pesquisador pelo telefone (41) 9915-7004, ou pelo e-mail ma.stocchero@yahoo.com.br Agradeço a atenção e a disponibilidade de todos. _______________________ MARIANA STOCCHERO Pesquisadora responsável Curitiba, 05 de setembro de 2011. 115 APÊNDICE C – Termo de consentimento Termo de Consentimento Pesquisa: “Motivação na Educação Musical: um estudo sobre estratégias motivacionais” Pesquisadores: Mariana Stocchero, Rosane Cardoso de Araújo Ao assinar este termo de consentimento, estou ciente de que:  A participação de meu/minha filho (a) no estudo é voluntária;  Os objetivos do estudo foram explicados e estão claros;  A coleta de dados será feita apenas para fins de pesquisa, e que os dados obtidos não serão utilizados para nenhuma outra finalidade;  Todos os dados contidos na pesquisa são confidenciais, e a identidade dos participantes será mantida em sigilo;  Todo o tipo de gravação, seja visual ou sonora, só poderá ser divulgada com a devida autorização dos participantes envolvidos com a pesquisa;  Ninguém terá acesso aos dados adquiridos, a não ser os pesquisadores;  Posso ter acesso aos resultados da pesquisa, se desejar;  Tenho o direito de desistir desta pesquisa, a qualquer momento e por qualquer motivo e sem nenhum tipo de ônus. Nome da criança: _____________________________________________________ Nome do responsável: _________________________________________________ E-mail (apenas se desejar obter posteriormente, acesso aos dados da pesquisa): ___________________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________ Curitiba, _______ de ________________ de 2011 116 APÊNDICE D – Explicação e tabela para juízes Prezada colega colaboradora: Primeiramente agradeço imensamente sua disponibilidade em participar da fase final de minha dissertação de mestrado, intitulada Experiências de Fluxo: um estudo sobre motivação, sob a orientação da Profª Drª Rosane Cardoso de Araújo. Além de corroborar ou contrapor a análise dos dados feita por mim, sua interpretação das imagens selecionadas será enriquecedora para as constatações e conclusões deste estudo. Para uma melhor compreensão do que estamos avaliando, por favor, consulte a tabela abaixo que especifica as 5 categorias utilizadas na análise das imagens; ao assistir as cenas selecionadas, marque sua percepção quanto à intensidade e frequência observada, considerando o comportamento geral da turma, utilizando as medidas “baixo”, “médio” e “alto”. AS 5 CATEGORIAS DE ANÁLISE DESAFIOS x HABILIDADES: consiste na relação entre o nível do desafio proposto na atividade em relação às habilidades do indivíduo. O desafio não pode ser maior que a habilidade, pois pode causar frustração, ansiedade, preocupação, diminuindo a autoestima; tampouco um nível baixo de desafio, pois causa apatia, tédio e relaxamento, fazendo com que a atividade logo seja ‘deixada de lado’. O equilíbrio entre os desafios e as habilidades é a chave das atividades que promovem o fluxo. OBJETIVOS CLAROS: a percepção clara, por parte do aluno, dos objetivos inerentes às atividades; ou seja, “saber o que deve ser feito”. Demonstrado através de um comportamento exploratório, associado ao interesse pelo feedback (retorno). CONCENTRAÇÃO: alto nível de atenção e abstração do entorno. Demonstrado através de um olhar direcionado, focado, o corpo todo está voltado para a ação da atividade, a criança não apresenta momentos de distração, é relevante somente o “aqui e agora”. CONTROLE DA SITUAÇÃO: compreensão das regras inerentes à atividade, associadas ao senso de competência nas próprias ações e na certeza naquilo que se está fazendo. A criança participa da atividade porque assim o deseja. PRAZER E ENVOLVIMENTO: condição de bem estar devido a uma sensação de competência, eficácia das próprias ações e autonomia. Caracterizado por expressões de alegria, serenidade e divertimento. Alto nível de participação. 117 AULA 01 Desafios X habilidades Objetivos Concentração claros Controle da situação Prazer e envolvimento Atividade de apreciação 1 Atividade de execução AULA 02 Desafios X habilidades Objetivos Concentração claros Controle da situação Prazer e envolvimento Atividade de apreciação 1 Atividade de execução 1 Atividade de execução 2 AULA 03 Desafios X habilidades Atividade de execução 1 (canto coletivo) Atividade de execução 2 Atividade de execução 3 Objetivos claros Concentração Controle situação da Prazer e envolvimento 118 AULA 04 Desafios X habilidades Objetivos Concentração claros Controle da situação Prazer e envolvimento Atividade de improvisação (exercícios rítmicos) Atividade de composição grupo 1 Atividade de composição – grupo 2 Atividade de composição – grupo 3 AULA 05 Desafios X habilidades Atividade Apreciação musical ativa Objetivos claros Concentração Controle situação da Prazer e envolvimento 119 APÊNDICE E – Diário de Campo AULA 01 – 19/09  Vídeo Aula 1 – 1 Leitura da história “As orelhas do rei”. Houve um imprevisto com o material da escola e não pude projetar o slide na parede, para que todos lessem junto comigo, como era o planejado. Durante a contação de história, que dura cerca de 4´, algumas crianças emitem opiniões e comentários, interrompendo a professora. Isso não chega a parar o andamento da contação, mas acaba influenciando o clima da atividade, que não é de audição passiva. Alguns meninos se movimentam também. Percebendo isso, a professora convida os alunos a participar com gestos e interpretando a frase “O Rei tem orelhas de burro!” Mas, ao mesmo tempo em que isso envolve os educandos na atividade, também dispersa, pois alguns alunos exageram na vocalização, gritando muito forte.  Vídeo Aula 1 – 2 Audição da música “Taquaras” da Palavra Cantada. Gestos e percussão corporal persistem (L. e Y.). J. e mais alguns também, até que nas primeiras notas, Lu., pede para os colegas pararem. Porém ao iniciar a dublagem da profª, risos generalizados ocorrem, primeiramente de forma natural, mas logo em seguida tornando-se exagerados, histéricos, até que a profª desiste de dublar e assume uma postura séria. Entretanto alguns alunos observam atentos (Br). L. levanta, seguido de Y. para dançar fazendo gracinhas. Na pausa, pedem “de novo” 3 vezes antes do final o que atrapalha a percepção de surpresa da canção, mas demonstra que gostaram.  Vídeo Aula 1 – 3 Câmera na Rf. e Rs. Atentas aos comandos riem bastante. Rf - fluxo? Exaltação? Sorri demonstrando alegria, divertimento e prazer, mas sem a euforia descontrolada do início. Está atenta às mudanças de ritmo e chacoalha o pau de chuva com vigor e entusiasmo. Mantém o olhar fixo na professora ou na observação dos colegas. Em 1´56” procura se autocorrigir no ritmo. Ao final sorri de satisfação. Rs – também se envolve mas parece estar inibida pela presença dos colegas, olha para os lados constantemente.  Vídeo Aula 1 – 4 Câmera focada em L., Lu. e J. (da esquerda para direita). A música “Taquaras” inicia novamente, no início os três não dão muito atenção, L. está com o olhar perdido, apesar de que ter um instrumento na mão ajuda a focar a atenção e a organizar o pensamento, a atividade. Logo depois, (0´55”) L. vivencia diferentemente a música realizando gestos mais vigorosos, dançando. Parece que não se importa com o entorno (olha para 120 dentro) usa o Pau-de-chuva como microfone. Canta junto, acompanha com a célula rítmica, mas em (1´57”) parece que se cansa e perde a atenção, na pausa da canção em (2´21”) diz “Não teve graça agora”, mas acompanha até o final da canção. Lu. (menino de touca): inicia explorando o pau de chuva, aguardando o que está por vir. Ao iniciar a música, sorri. Tem a atenção focada na professora imitando gestos, cantando junto. Toca acompanhando a célula rítmica. Olhar fixo na profª, poucas vezes desvia o olhar. Na pausa da canção (2´18”) diz “Ainda não acabou!” (Antecipação?), continua atento até o final. Em (2´36”) após a música acabar, continua cantando “São taquaras...” (expansão?) + 4 vezes. J. (menino da direita): Está agitado, se movimentando o tempo todo. Explora o instrumento com vigor. Pergunta: “Tem areia aqui dentro?” (não está nesse vídeo). Ao iniciar a música, ainda está agitado, se movimentando e movimentando o pau de chuva aleatoriamente. Não acompanha o ritmo/andamento da canção. O olhar ora é na professora, ora é vago. Sorri, busca interagir com os colegas e profª , movimentos em direção à outras pessoas. Em (1´17”) joga pra cima o pau de chuva (tentativa de criar mais um desafio, mais uma dificuldade). A partir de (1´27) acompanha a célula rítmica, mas às vezes sai do tempo. O olhar varia muito de direção, na pausa da canção (2´17”) continua tocando. Perde a surpresa, acaba a música e continua tocando. Brinca de espada com L. logo em seguida.  Vídeo SDC 15734 2ª audição de “Taquaras” agora com paus-de-chuva. Câmera foca em Ju., Lg e Br. (da esquerda para direita). Ju. está atenta, por vezes sorri e interage com Lg. que está a seu lado. Toca o pau de chuva com movimentos enérgicos. Tenta tocar com a célula rítmica correta, mas a intensidade dos movimentos faz com que ela se perca; conversa com Rs que está a seu lado, mas não dá para entender o que diz. Volta a olhar para a profª. Na volta da pausa, retorna a tocar muito animada. Lg começa com pouca energia nos movimentos, trabalha mais “interiormente”, olha pouco para professora e por várias vezes, tenta estabelecer contato com Ju. Movimentos exagerados com o pau de chuva, como se estivesse “socando algo”; não compreendeu o padrão rítmico; tanto que demora a perceber a pausa e quando percebe, continua produzindo som. No final joga o instrumento. - O comportamento do Lg se encaixa dentro do quadro desafios X habilidades? - Como Lg vivenciou a canção? Como uma “brincadeira?” - Lg está simplesmente explorando o instrumento, por isso não atingiu um nível satisfatório na execução? - É possível dizer que está motivado? Com certeza não estava em fluxo, nem perto... (segundo as descrições). Br. inicia a música concentrado, olhando para a professora a maior parte do tempo. Tem sua concentração abalada pela interferência do L. que está a seu lado. Fica visivelmente incomodado com ele (0´23” a 0´33”). Tenta acompanhar a célula rítmica mas não consegue, parece faltar energia e se incomodar bastante com os colegas ao lado. Durante o trecho “dos barulhos” até a pausa, não parece muito presente, toca apenas explorando o 121 instrumento, o olhar é aleatório, ora para dentro, ora na professora, ora nos colegas. (1´40”) Parece estar encantado com o som do instrumento, toca na pausa. AULA 02 – 26/09  Vídeo Aula 2 – 1 2ª audição de “Taquaras”, agora com instrumentos. Desta vez o resultado musical do grupo foi muito melhor, apesar de que alguns alunos ainda falaram na pausa, o ritmo estava homogêneo e a professora obteve a atenção da maioria.  Vídeo Aula 2 – 2 “Taquaras” com instrumentos. Ótima execução! Apesar de não focar bem o rosto das crianças, percebe-se que na exposição dos instrumentos todos demonstram muito interesse, entusiasmo e atenção.  Vídeo MOV 03822 1ª audição de “Taquaras”. Lz. e I., que estão ouvindo pela primeira vez, mantêm uma postura mais atenta e curiosa em relação às outras crianças. L. não pára de se movimentar e atrapalha o campo de visão de I., que tenta desviar. Lu. canta junto e se diverte!  Vídeo SDC 15739 Professora canta “Orquestra Real” acompanhada por estalos de dedos dos alunos. Em 01’07” Lu. antecipa frase da canção e canta junto com a profª.  Vídeo SDC 15741 Trabalhos por naipes: pandeiro e tambor / cocos e agogô. Os meninos do 1º grupo tentam tocar no ritmo real da canção (apesar de não sair sincronizado) quanto que as meninas do 2º grupo, tocam na pulsação.  Vídeo SDC 15742 Continuação, meninas do 2º grupo repetem. 3º grupo: clavas e maracás.  Vídeo SDC 15743 Br. se irrita com L., porque este não pára de tocar fora de hora. Em seguida, Br. se desconcentra e toca além do tempo combinado, percebe o erro. L. por sua vez toca de forma despreocupada, ora batendo no chão, ora nas clavas, sem ritmo regular. Não gosta quando a professora pega as suas clavas para mostrar como faz. Ele queria mostrar o que inventou... (necessidade de autonomia)  Vídeo SDC 15744 2ª sequencia com todos os naipes: nível de execução ainda explorando. 3ª sequencia (0’50”): igual Nível de envolvimento ótimo. 122 AULA 03 – 11/10  Vídeo MOV 03835 Exercício rítmico com palmas. Câmera filma todas as meninas: I., Ju., Lz., Rs., Rf. e os meninos Lc. e Lg. I. começa um pouco dispersa, mas vai se concentrando, sua execução rítmica também melhora. Ju. está concentrada, mantendo o olhar na professora, sorrindo por vezes; sua execução é ótima, não demonstra dificuldades rítmicas. Lz: também está concentrada, olhando para a professora, sorrindo; mas demonstra um pouco de dificuldade no ritmo, sua execução melhora, mas não fica 100%. Rs, apesar de estar sentada numa postura que prejudica a execução, ela se mostra atenta e esforça-se para tocar. Sua execução é boa. Rf., concentrada, olha fixamente para a professora, corrige sua postura, sorri somente no final; sua execução não é perfeita mas é ótima. Lc., atento mas não muito concentrado; sem energia, postura torta; erra bastante a execução por falta de atenção; olha para o lado. Depois que a professora chama a atenção do grupo para a importância de bater palmas, seu desempenho melhora e sua concentração também. Depois do “não dá tempo de desanimar”, Lc. imita o glissando do teclado (antecipação). Y. está com a expressão facial fechada, visivelmente emburrado, bate palma minimamente, sem esforço nem energia, olha bastante para os colegas do lado.  Vídeo MOV 03837 Segunda vez da parte B com todos batendo palmas. Câmera agora filma os meninos – da direita para esquerda: Lu.: a câmera não pega bem; quando ele se movimenta, sai do enquadramento; Lg.: está sentado de uma maneira que dificulta a execução; olha para a câmera e em vez de bater palmas faz um gesto de bater (punho fechado da mão esquerda na palma da mão direita) procura o olhar e aprovação dos amigos. Não está envolvido. Br.: está atento, executando muito bem o ritmo, com energia e animação até ser interrompido por Lg. Segue sem muita energia e envolvimento. J.: está atento, apesar de bater palmas, seu foco é para dentro e para o ato de cantar. Imita os instrumentos, deixa de bater palmas em alguns ritmos, não estala os dedos, mas no final canta sozinho “Nós vamos dar um show!” Cai deitado para trás de vergonha, quando a profª elogia. L.: totalmente apático, está brabo e não participa.  Vídeo SDC 15746 Vídeo onde ensaiam a batida por naipes. Dificuldade de alguns alunos em respeitar a vez dos outros. Mas percebe-se que todos estão envolvidos na atividade.  Vídeo SDC 15747 Primeiro ensaio de todo trecho da parte B. Alguns se perdem. Lu. diz “Mas é legal tia!” quando a profª chama sua atenção porque estava antecipando sua 123 vez (0’30”). J. tenta fazer uma manobra com a baqueta, jogando par cima no final. Ele busca por um desafio maior?  Vídeo SDC 15748 Vídeo inicia com Lu. cansado... Continuação da construção da música; trabalho grande de concentração, finalizando com solo do J. AULA 04 – 17/10  Vídeo Aula 4 – 1 Durante os primeiros 25 segundos as meninas conseguem se organizar e obter um resultado musical satisfatório. Em seguida, continuam tentando chegar num consenso. Em 1’ a profª entra na sala para pegar uma câmera, elas olham mas não interrompem o trabalho. Em + ou – 1’20” Lz. se irrita com as interferências de I. e explica que a sua batida é “só pra finalizar!” Rf coordena novamente e em 1’38” reiniciam o trecho musical. Lz. se irrita novamente (1’43”) desta vez com a dessincronização dela com Rs. O fato é que nem Luiza consegue encaixar na batida; pois quando faz sem cantar dá certo, quando cantam... Rs. fica muito insegura, só na sombra de Lz. Por volta dos 3’ elas começam a se desentender e de certa forma a cansar, mas não perdem o bom humor! Em 3’40” finalmente conseguem organizar e executar o que combinaram e sorriem de satisfação. Nisso a profª estava na sala (o que pode ter contribuído para a concentração). Em seguida elas afirmam que terminaram ao que a profª orienta que ensaiem mais um pouco. Em 4’ quando vão repetir, I. interrompe com uma pergunta que irrita todas desta vez! Gritam e se desconcentram. Repetem mais 2 vezes e dá certo. Em 5’30” Rf. retoma a discussão sobre o que é pra fazer no tambor... e elas discutem mais um pouco. Em 6’ fazem o trecho todo novamente, e de novo até que em 6’50” Lz. resolve chamar a profª.  Vídeo Aula 4 – 2 Inicia com a repetição do Grupo 2 que apesar da simplicidade da ideia, acaba executando melhor, até com o “Yeah!” do Lg. no final (até 0’12”). Em 0’20” o grupo 3 toca pela primeira vez. Y. faz uma frase rítmica, mas não dá para entender o resto do grupo, fica sem sentido. Lu. diz desapontado “Não tenho o que fazer...” A profª diz que o que não deu pra entender foi quando começa e quando termina. Em 0’40” tentam uma segunda execução, que também não deu certo...  Vídeo Aula 4 – 3 Início da aula, câmera filmando de cima. A profª começa com estalos de dedos e canta “Orquestra Real” com alunos para relembrar (de 1’ até 2’45”). O comportamento dos meninos, principalmente do L. e do Lg., prejudica muito o resultado musical.  Vídeo MOV 01520 Exercício de pergunta e resposta rítmica. A profª toca um ritmo no agogô e o aluno (cada um na sua vez) improvisa uma resposta rítmica, que de 124 preferência dê continuidade e dialogue com a frase da profª. Percebe-se que nestes jogos rítmicos a atenção dos alunos é mais exigida, portanto há mais ordem na sala. Alguns têm mais dificuldade de entender a frase com começo e fim e se atravessam na frente, outros são mais tímidos e envergonhados, o que limita a execução. Em 0’35” ao mudar a duração da frase, Lz. faz uma cara de espanto! Ao ser pega de surpresa, se perde em sua frase. Em 1’23” Lz. fala “ Oh Y., interrompeu a pergunta!” Por ele não ter esperado o término da frase da profª. - Relacionar com cognição (atividade mental) fluxo, desafio, autonomia, competência, surpresa, feedback, ordem na consciência! - Atentar para o fato de que é a 1ª vez que realizam este tipo de atividade de improvisação/composição.  Vídeo SDC 15756 De volta à sala, semicírculo. Cada grupo irá mostrar o que preparou. Inicia com o grupo 1 que toca exatamente o que ensaiou, mas sem o canto pois elas não entenderam que a composição vinha como um intermezzo (depois do canto). Até 0’10”. Quando é a vez do grupo 2, eles improvisam o ritmo totalmente, afinal, não chegaram num acordo total. Porém, respeitam a ordem (chocalho – clavas) e o fato de a clava realizar apenas 1 batida. Tocam 2 vezes seguidas.  Vídeo ZOOM 0036 Vídeo curto onde o grupo 3 discute sobre a criação que estão fazendo. Tentam tocar juntos, mas sem uma ordem sonora, simplesmente batucam juntos. Lu. diz “Nossa, tá tudo errado!” Em seguida, ele tenta organizar, mas os meninos não param de tocar. L. o interrompe dizendo “Eu falo já!” Então Lu. se irrita pois não consegue falar e chama atenção de L. dizendo que não é só ele que manda! Combinam uma ordem de instrumentos e tocam sem muita preocupação com a estética. Às vezes olham para a câmera. Estão empolgados, mas não dá para saber se é uma empolgação genuína ou feita para aparecer... - Fatores que impossibilitam o fluxo: disputa por liderança, agitação, barulho. AULA 05 – 24/10  Vídeo Aula 5 – 1 Profª e alunos realizam um exercício rítmico corporal a fim de estimular a concentração, que todos fazem juntos, imitando. A profª explica o esquema 86-4-2-1 e realizam novamente, agora contando mentalmente. A tendência de acelerar é forte!  Vídeo Aula 5 – 2 Realizam a última vez da totalidade da música “Dança Alemã”, com pares. Alguns meninos levam mais na brincadeira e perdem a concentração.  Vídeo Aula 5 – 3 Canção “Taquaras” revisão da atividade. A profª interpreta a canção, e todos desta vez prestam atenção, sem realizarem gritos ou risos histéricos. Lu. é 125 um dos que mais se envolvem, dançando, sorrindo, imitando os gestos da profª, mantendo o olhar fixo, em 2’ diz “Isso foi muito legal tia!” As 3 meninas também estão atentas, mas compartilham entre si sorrisos e aprovação, batem palmas na parte mais rítmica da música (0’42” à 0’55”). J., apesar da alegria, ainda está disperso, se movimenta bastante, olha e conversa com Lg., deita no chão, ri alto...  Vídeo Aula 5 – 4 Primeira vez em pé de “Dança Alemã”. Parecem se divertir bastante, rindo e realizando os movimentos com prazer. Imitam a movimentação e até as expressões faciais da profª. Apesar de ser a 1ª vez em pé, executam o ritmo até que bem, sem muitos erros. Y. continua apresentando dificuldade rítmica, ri tanto que se desconcentra do corpo.  Vídeo Aula 5 – 6 “Taquaras” - filmado de outro ângulo. - Br.: olha fixamente para a profª, mas não esboça reação tanto quanto seus colegas. É intrigante... não dá para saber se ri genuinamente ou para se encaixar no grupo, pois quando ri sempre procura o olhar dos colegas, exceto pelo final. - Lg.: interage cantando, mas procura sempre a interação com colegas, especialmente com J. Perde a surpresa porque está cantando para as meninas. - J.: idem Lg., mas se movimenta mais, deita no chão, parece se divertir bastante. - Lc.: sempre atento à profª, mantém o olhar fixo. Interage cantando e realizando gestos expressivos, às vezes imita a profª.  Vídeo MOV 03891 Expressão vocal e corporal: “O rei tem orelhas de burro!” em seguida um alongamento. Em 1’34” começa o exercício com movimentos em sequencia: joelhos, ombros, estalos, cabeça (silêncio) – 8-6-4-2-1 Rf. parece logo compreender o padrão. Todos fazem junto com a profª bem atentos.  Vídeo MOV 03899 Câmera boa! 1ª vez: I. e Ju.; Rf. e Lc.; Y. e Lg. “Dança Alemã” com movimentação em pares. Parte A: todos muito atentos e sérios, executam o ritmo e os movimentos perfeitamente. Parte B: aqui o ritmo não sai perfeito, o que é normal para a 1ª vez com colegas, riem, procuram o modelo da profª. A interação com o colega deixa tudo mais difícil e engraçado. Em 0’22” I. e Ju. tentam manter o ritmo, comunicação visual da Ju. muito legal! Rf. e Lc: comunicação visual dos dois muito sincronizada! Estão concentrados e se divertindo, executam o ritmo muito bem, apesar de uns errinhos devido às frases. Y. e Lg: estão fora do ritmo e batem palmas tão forte que se empurram. Não atentam para os finais das frases, mas parecem se divertir... 126 Ao retomar a parte A todos voltam a se concentrar. - A interação com o colega, neste caso não contribui para a concentração.  Vídeo SDC 15759 “Dança Alemã” em pé, mas sem pares. Alunos se divertem bastante. J. nem espera a música acabar para pedir de novo!  Vídeo SDC 15761 2ª vez de “Dança Alemã”, agora com pares. Em 1º plano temos L. e Lu. L. segue um padrão só dele, impossível de entrar no ritmo com Lu. Atrás deles vemos Rf e Lc que conseguem uma performance satisfatória. 127 ANEXO A – Letra da canção ‘Taquaras’ TAQUARAS (Palavra Cantada) Cada vez que eu lembro chego a estremecer Todo aquele esforço para adormecer Quando a minha porta começou a ranger Tinham me avisado o que ia acontecer Pus os cobertores para me esconder E eu nem respirava para não me mexer Contra os seres finos e compridos, parecidos E eu ali todo encolhido E com medo de morrer. São taquaras, são taquaras! - Um monte de taquaras! Quatrocentas mil taquaras - Só tem tronco, não tem cara! Só tem tronco, não tem cara Cada vez que lembro tento me benzer (do Pai, do Filho e do Espírito Santo) Passam pelos quartos ao escurecer Nunca agente sabe o que elas vão fazer Cada vez que lembro chego a estremecer Nunca a gente sabe o que elas vão fazer! São taquaras, são taquaras! - Não sei quantas mil taquaras! Quatrocentas mil taquaras - Putz! Só tem tronco, não tem cara! Só tem tronco não tem cara Cada vez que eu lembro chego a me benzer São taquaras, são taquaras! Passam pelos quartos ao escurecer Nunca a agente sabe o que elas vão fazer. 128 ANEXO B – Gráficos das avaliações dos juízes externos AULA 01 – Atividade de apreciação 1 AULA 01 – Atividade de execução 129 AULA 02 – Atividade de apreciação 1 AULA 02 – Atividade de execução 1 130 AULA 02 – Atividade de execução 2 AULA 03 – Atividade de execução 1 (canto coletivo) 131 AULA 03 – Atividade de execução 2 AULA 03 – Atividade de execução 3 132 AULA 04 – Atividade de improvisação (exercícios rítmicos) AULA 04 – Atividade de composição – grupo 1 133 AULA 04 – Atividade de composição – grupo 2 AULA 04 – Atividade de composição – grupo 3 134 AULA 05 – Atividade de apreciação musical ativa