TRABALHOS DA DANS
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Relatório da campanha de arqueografia preliminar
dos destroços do navio Arade 23 (2007)
Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Imagem de sonar de varrimento lateral no momento da intervenção: Hélder Tareco
D ivisã o
Lisboa 2008
Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
D ivisã o
Relatório da campanha de arqueografia preliminar
dos destroços do navio Arade 23 (2007)
Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Trabalhos da DANS, 44
Lisboa, 2008
Adaptação gráfica: Francisco Alves, a partir da linha gráfica dos “Trabalhos do CIPA”.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Agradecimento
Os autores do presente relatório e os restantes participantes na campanha Arade 23 2007
agradecem o apoio que esta obteve da Câmara Municipal de Lagoa,
expresso na disponibilização de espaços da Escola Primária de Ferragudo
para a instalação da sua retaguarda logística,
e sem a qual não teria sido possível a sua realização,
agradecimento que é extensivo ao IPTM-Sul, à Capitania do Porto de Portimão,
à Câmara Municipal de Portimão e à equipa do seu Museu em fase final de montagem,
assim como ao Grupo de Estudos Oceânicos e à associação IPSSIS,
que com tanta galhardia têm defendido o património cultural subaquático do rio Arade
e da sua envolvência.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Ficha Técnica
Organização e planeamento estratégico
Francisco Alves
Montagem do estaleiro de superfície
João Alves e Vanessa Loureiro
Montagem do estaleiro subaquático
Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Arqueografia
Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Tratamento da documentação arqueográfica
Francisco Alves, Paulo Monteiro, Sérgio Pinheiro e João Alves
Fotografia
Francisco Alves, Paulo Monteiro e Miguel Aleluia
Missão de sonar de varrimento lateral
Hélder Tareco, Miguel Aleluia
Participantes na campanha
Francisco Alves, Paulo Monteiro, Sérgio Pinheiro, Isabel Mota, Sara Prata e Tiago Silva
Trabalhos da DANS, 44, 2008
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Índice
Agradecimento ……………………………………............
2
Ficha técnica ………………………………………………
3
Abstract …………………………………………………...
5
Introdução ………………………………………………...
6
A campanha Arade 23 2007 ………...…………………....
8
Participantes ………………………………...……………
8
Calendário das participações …………………………….
8
Retaguarda logística ………………...……………………
9
Logística terrestre e aquática …………………..…………
9
Sistema de segurança ……………………..………………
9
Contactos prioritários ……………………………………
9
Sistema de protecção de superfície ………………………
9
Normas no âmbito do mergulho ……………..…………...
9
Sistema de referência e sua implantação …………………
10
A intervenção arqueológica ……………………...……….
11
A operação de geofísica realizada durante a campanha ......
15
Caracterização preliminar do sítio Arade 23 ……………..
16
Lista das peças recuperadas ………………………………
20
Lista das peças referenciadas in situ ……………………...
21
Perspectivas futuras ………………………………………
22
Bibliografia ………… …………...……..………………...
23
A problemática crono-tipológica …………….…………...
24
O programa Site Recorder ……………………………….
25
O poster apresentado em Silves (2007) …………………..
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Trabalhos da DANS, 44, 2008
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Abstract
The Arade river, after the Guadiana, is the most significant waterway of Algarve, the
southern part of Portugal that constitutes the oceanic intrusion of Andalusia - the Iberian
historical and geographical interface between the Atlantic Ocean and the Mediterranean
Sea.
As such and unsurprisingly both its coastal area and its hinterland have been influenced
since pre-historic times by these two great cultural territories. Silves, 12 km Arade upriver
was a flourishing city on the Islamic period; and, later on, Portimão was developed on it’s
west bank, probably during the Mediterranean Classical Antiquity, from a still
archaeologically undocumented Portus Hannibalis, located somewhere between History
and legend.
In Portugal, the oldest written reference to shipwrecks concerns the Arade river and comes
from a note from the Muslim chronicler Ibn Adati, who refers the partial destruction of a
Viking fleet that sailed upriver on the intent of attacking Šilb (Silves) in the 1st ragebe of
the year 355 (the 23rd July, 996) (Coelho, 1989, II: 133-134).
The underwater cultural heritage potential of Arade river became notorious in 1970 when
important remains, mainly dating from the Roman period, and several shipwrecks were
located during the dredging works of the river’s mouth. Since then, all dredges have
stressed this potential, with an increased number of nautical archaeological discoveries.
Therefore, the present branch of nautical and underwater archaeology of Portuguese
Heritage (DANS-IGESPAR), aware of the Arade river importance in terms of nautical and
underwater archaeology – and following the National Centre for Nautical and Underwater
Archaeology (CNANS/1997-2007), itself in the footsteps of the National Museum of
Archaeology (MNA/Lisbon) in the 80’s – kept organizing yearly projects and interventions
in Arade river.
In 2004 and 2005, CNANS made, under contract with the harbour administration (IPTMSouth), magnetic and side scan sonar surveys of the low river area in order to minimize
and mitigate the impact of future dredges (Rodrigo et al., 2005). Later on about 200 manmade targets of this survey were located, inspected and assessed in two months by CNANS
teams, and as a result it was verified that several of these targets had archaeological
significance (Loureiro et al.).
The most significant of these targets, located south of the São João castle, received the
code name Arade 23. Composed by a tumulus of ballast stone, ship timbers and fixed
rigging elements, this shipwreck site was object in 2007 of a preliminary recording field
season promoted by DANS, with two main objectives: first, to document the remains, as is
usual with any archaeologically significant find; second, to collect data to the MACHU EU
project, from the two chosen test areas, the Aveiro lagoon and Arade river. It must be also
pointed out the fact that this field season was mostly participated by students of
Introduction to Nautical and Underwater Archaeology class, taught at Archaeology BA
level at the Faculty of Social and Human Sciences of Nova Lisbon University, until now
the single one in Portugal including this matter in a BA in this field and at post-graduate
level.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Introdução
O rio Arade é, a ocidente do Guadiana, a mais importante linha de água do Algarve, região
do sul de Portugal que desde a mais remota antiguidade, do ponto de vista histórico e
geográfico, desempenhou um papel de charneira e de traço de união entre o Mediterrâneo e
o Atlântico.
Não admira assim que desde a pré-história o seu litoral e o seu hinterland tenham sido
simultaneamente marcados pelas influências destes dois espaços
culturais.
Silves, 12 km rio acima, foi um
florescente centro urbano na época
árabe, embora desde a 1ª metade
do 1º milénio a.C. as influências
orientalizantes na sua proximidade
estejam já expressivamente
atestadas (Cerro da Rocha Branca).
Subsequentemente, a cidade de
Portimão, desenvolveu-se na
margem direita do seu estuário,
eventualmente a partir de uma
origem periférica, ainda não
comprovada pela arqueologia, mas
quiçá situada na época clássica
(Portus Hannibalis ?), algures
entre a História e a lenda.
Fig. 1 – Localização do rio Arade.
E
De salientar, por curiosidade, que a mais antiga fonte escrita sobre navios naufragados em
águas hoje portuguesas se refere ao rio Arade – numa data aliás precisa – o “1º Rágebe do
ano 355” (23 de Julho de 996). É da autoria do cronista árabe Ibn Adati, que relata que nessa
data uma frota viking subiu o rio no intento de tomar de assalto a cidade de Šilb (Silves),
mas que foi atacada, incendiada e parcialmente
destruída (Coelho, 1989, II: 133-134).
O potencial do património cultural subaquático do
rio Arade não parou de crescer em notoriedade
desde 1970, data em que dragagens da sua
embocadura deram lugar ao aparecimento de
diversos vestígios de navios antigos, à mistura
com uma imensidão de artefactos dispersos,
datando sobretudo da e desde a época romana.
Potencial este que ao longo de mais de três
décadas de dragagens aumentou incessantemente
em extensão e importância.
Fig. 2 - Croquis do navio Arade I, descoberto em 1970 durante a
dragagem do ante-porto de Portimão, realizado na ocasião por Jorge
Albuquerque, pioneiro do mergulho com escafandro autónomo em
Portugal.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Foi assim que o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, ciente da
importância do património cultural subaquático do rio Arade, e em perfeita continuidade
com o envolvimento do Museu Nacional de Arqueologia desde o início dos anos 80 nos
esforços para a sua salvaguarda, começou logo após a sua criação a apoiar e a promover
no seu estuário intervenções e projectos de investigação anuais.
Por sua vez, em 2004 e 2005, o CNANS efectuou conta
do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos –
Sul, um rasteio de magnetometria e de sonar de
varrimento lateral com vista à prevenção e minimização
de eventuais impactes negativos das futuras dragagens
do canal de acesso e de alargamento da bacia de rotação
do Porto de Portimão sobre o património cultural
subaquático (Rodrigo et al., 2005). Na sequência deste
rastreio por métodos geofísicos foram localizados cerca
de 200 alvos de presumível natureza antrópica, alguns
dos quais com eventual significado arqueológico.
Subsequentemente, estes alvos foram vistoriados,
arqueografados e avaliados em mergulho, um a um, por
equipas do CNANS, que trabalharam c. dois meses nas
diversas sub-zonas de alvos, definidas por critério de
proximidade (Loureiro et al.) (Fig. 3).
Fig. 3 – Projecção dos rastreios de sonar de varrimento lateral realizados,
com a definição das sub-zonas de alvos detectados (Hélder Tareco e
João Alves).
Esta operação permitiu identificar e caracterizar alguns destes alvos novos como tendo
significado e interesse arqueológico, o mais significativo dos quais, então identificado, se
designou por Arade 23.
Figs. 4 e 5 – Localização de Arade 23.
Arade 23 situava-se a sul do Castelo de S. João, próximo
da respectiva margem (Figs. 4 e 5), e caracterizava-se
por um tumulus de pedras de lastro (Fig. 6), dele
emergindo diversos peças da estrutura do navio e de
poleame.
Fig. 6 – Arade 23 - Imagem do tumulus de lastro
obtida por sonar de varrimento lateral.
Fig. 5
Fig.5
Trabalhos da DANS, 44, 2008
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
O CNANS decidiu então promover nele em 2007 uma campanha de registo arqueográfico
preliminar, o que além de constituir um pressuposto da caracterização de base de qualquer
sítio arqueológico, permitia satisfazer simultaneamente um dos pressuposto da
participação do Centro no projecto europeu MACHU1, no âmbito do qual foram
justamente eleitos como áreas teste, em Portugal, a Ria de Aveiro e o estuário do rio
Arade, devido ao vasto e conhecido potencial arqueológico de ambas as zonas.
De assinalar também que pela primeira vez em Portugal uma operação de rotina no âmbito
da gestão do património cultural subaquático foi integralmente
participada por alunos da cadeira de Introdução à Arqueologia
Náutica e Subaquática, da Licenciatura em Arqueologia de uma
universidade portuguesa.
A campanha Arade 23 2007
Participantes
Francisco Alves
Paulo Monteiro
Sérgio Pinheiro
Isabel Mota
Sara Prata
Hélder Tareco
Miguel Aleluia
João Alves
Vanessa Loureiro
Tiago Silva
Calendário das participações
Agosto
D12
2ª13
3ª14
4ª15
5ª16
6ª17
S18
D19
2ª20
3ª21
4ª22
Participantes
FA
PM
SP
IM
SP
HT
MA
JA
VL
TS
1
Ver em www.machuproject.com.
Trabalhos da DANS, 44, 2008
5ª23
6ª24
S25
D26
2ª27
3ª28
4ª29
5ª30
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Retaguarda logística
Como base logística da campanha foram utilizados diversos espaços da Escola Primária de
Ferragudo disponibilizados pela Câmara Municipal de Lagoa. Como base avançada junto
ao rio continuou a ser utilizada a zona do canto sul do Cais Comercial do Porto de
Portimão onde foram instalados anos antes dois contentores do CNANS para arrumo dos
apetrechos de campanha e funcionamento como zona de enchimentos e de vestiário dos
mergulhadores, e de onde se acedia por uma passerelle a um pontão flutuante para a
atracagem das embarcações, aproveitando o espaço livre e recolhido entre aquele Cais, a
norte, e o do Ponto de Apoio Naval, a sul.
Logística terrestre e aquática
Foram utilizados, além das viaturas particulares de alguns dos participantes, os seguintes
veículos do CNANS/DANS:
– UMM, matrícula UI-04-61.
– Nissan, matrícula XZ-25-23.
– Lancha cabinada em fibra Ariane, matrícula 8480-LX 5.
– Semi-rígido Argos, matrícula C211370-LX .
– Semi-rígido Arqueol, matrícula 10492-LX.
Sistema de segurança
Contactos prioritários
Capitania do Porto de Portimão: 282 417 714
INEM Algarve: 289 830 900
Bombeiros Voluntários de Portimão: 282 420 130
Hospital do Barlavento Algarvio: 282 450 330
Hospital da Marinha: 218 863 141
Dr. João Gomes: 282 352 749
Sistema de protecção de superfície
De acordo com as orientações dadas pela Capitania do Porto de Portimão, foi estabelecido
um perímetro de segurança quadrangular com cerca de 20m de lado, delimitado por quatro
bóias-“pirilampo” de assinalamento nocturno, com o sítio arqueológico nele centrado.
Normas no âmbito do mergulho
A circulação dos mergulhadores-arqueólogos entre a superfície e o fundo, e vice-versa,
fez-se sempre ao longo dos dois cabos-guia que ligam os cabos de amarração da
embarcação ancorada, à proa e à popa, ao cabo que delimita no fundo o perímetro do sítio
arqueológico.
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
Sistema de referência e sua implantação
O sistema de referenciação do sítio foi constituído por 6 estacas em tubo de PVC, cujas
extremidades superiores levaram um tampão roscado, atravessado por um parafuso central
de 6mm fixo de dentro para fora, para o encaixe do orifício feito exactamente no ponto
zero das fitas métricas usada nas medições de trilateração (Figs. 6 e 7) – o que torna a
operação muito mais rigorosa e eficiente, uma vez que pode ser realizada por um único
operador.
Figs. 6 e 7 -Tampa-espigão terminal das estacas
de referência e fita métrica especialmente
preparada para este tipo de medições.
Os seis tubos-estacas (P01 a P06), profundamente enterrados, sobressaíam do fundo cerca
de 0,5m, enquadrando o sítio arqueológico num hexágono irregular (Fig. 8).
Fig. 8 – Planimetria do sistema de referenciação do sítio Arade 23, baseado na trilateração das estacas entre si, o que
constituiu uma das operações preliminares da intervenção.
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
A intervenção arqueológica
A intervenção arqueológica caracterizou-se
pelas seguintes fases:
1. Contacto e reconhecimento preliminar
do sítio – o que se encontrava muito
dificultado devido à reduzida visibilidade
local, apesar das facilidades decorrentes da
reduzida profundidade (-4/5m em média)
2. Limpeza preliminar do sítio, manual e
com sugadora (Fig. 9).
Fig. 9 – Limpeza preliminar da periferia do sítio com
sugadora com vista à sua delimitação, podendo observase a reduzida visibilidade local.
Logo nos primeiros momentos de
utilização deste equipamento de
escavação, com vista à adequada
caracterização periférica do sítio, foi
encontrada uma colher de estanho (Figs.
10 e 11), em manifesta conexão com as
restantes estruturas do sítio, o que levou a
interromper essa limpeza, por se recear um
prematuro envolvimento numa escavação,
antes de se ter instalado o sistema de
referenciação.
Figs. 10 e 11 Colher de estanho descoberta durante a
escavação preliminar da periferia do sítio e punção
subsequentemente descoberta na mesma, ainda por
identificar.
3. Implantação das 6 estacas de referência – operação que durou vários dias até se
superarem as dificuldades encontradas.
4. Em 1º lugar, realização das medições de cotagem dos pontos de referência das estacas,
situados na base dos espigões-parafusos roscados nas pontas dos tubos; em 2º lugar,
realização das medições de trilateração entre todos os 6 pontos. Mas atendendo a que
metade da equipa de arqueologia subaquática era composta por iniciados, por método e
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
por precaução, os registos foram repetidos exaustivamente, o que fez que esta fase fosse a
de maior duração na campanha.
5. Seguidamente, foi efectuada a etiquetagem numérica e trilateradas as peças “notáveis” do
sítio, na maioria de madeira, sobretudo do poleame do navio (bigotas) (Fig. 12), o que, graças
ao programa Site Recorder, veio permitir a respectiva visualização batimétrica (Fig. 13).
Fig. 12 – Posição planimétrica das peças “notáveis” observadas.
6. Complementarmente, e nomeadamente por razões pedagógicas, os elementos não
veteranos da equipa treinaram no registo planimétrico em grelha, através de desenho à
escala 1:1 com giz betuminoso sobre folha de acetato assente sobre placa de acrílico
fixada à grelha (Figs. 14 e 15).
Figs. 14 e 15 – Desenho subaquático sobre
grelha da bigota 9 – ladeada por uma roldana
já solta – e respectivo registo fotográfico.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Fig. 13 – Cotas dos pontos de referência e das peças “notáveis” em projecção de perfil.
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
7. Subsequentemente, por trilateração, foram determinados os pontos de delimitação
periférica do sítio (Fig. 16)
Fig. 16 – Limite periférico do tumulus
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
8. Ao longo das fases precedentes foram realizados registos fotográficos gerais e de
pormenor (ver adiante).
9. Um vasto trabalho de gabinete foi diariamente realizado na retaguarda, ao final do dia,
consistindo sobretudo na passagem a limpo dos desenhos e das inúmeras medições
efectuadas (Figs. 17 e 18) as quais eram imediatamente inseridas no programa informático
Site Recorder (ver adiante).
Figs. 17 e 18 – Trabalhos de retaguarda na Escola Primária de Ferragudo.
9. Ao longo da campanha e no seu termo foi afinado o posicionamento geográfico do sítio
por GPS (em WGS84), nomeadamente através de posições tiradas directamente à
perpendicular das seguintes estacas de referenciação:
Coord
Latitude
Longitude
P1
37º 06,916’N
008º 31,330’W
P4
37º 06,918’N
008º 31,321’W
P5
37º 06,914’N
008º 31,323’W
Ponto
A operação de geofísica realizada durante a campanha
Durante a campanha, de acordo com o previsto no âmbito do projecto europeu MACHU
foi realizada uma missão de prospecção geofísica com sonar de varrimento lateral e
magnetómetro, cujo objectivo consistiu na repetição da missão precedentemente efectuada
desde Ponte Velha até à bacia de rotação, incluindo a área exterior aos molhes, desde a
Ponta do Altar até à Praia da Rocha.
Foi no âmbito desta missão que voltaram a ser recolhidas imagens do sítio Arade 23,
nomeadamente no preciso momento em que decorria a campanha em questão (Figs. 19 e
20) e de que é exemplo a imagem da capa.
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
Figs. 19 e 20 – Rastreio de sonar de varrimento lateral na imediata
periferia da zona de resguardo do sítio Arade 23, no preciso momento
da campanha de 2007 (Hélder Tareco e Miguel Aleluia).
Caracterização preliminar do sítio Arade 23
A campanha de registo e avaliação preliminar do sítio, em 2007, veio confirmar os
pressupostos inicialmente formulados a seu respeito:
1. tratar-se de um vestígio de navio afundado configurado num monte (tumulus) de pedras
de lastro (Figs. 21 e 22),
Fig. 21 – Planta geral do sítio.
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Fig. 22 – Vista aproximada do tumulus de lastro.
2. sob o qual, na sua periferia, se evidenciavam madeiros aparelhados, aparentemente da
estrutura do navio (Figs 23 a 26),
Figs. 23 a 26 – Vista de peças estruturais de madeira patentes na periferia do tumulus.
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
3. nos quais de destacava uma pregadura em liga de cobre (27 e 28);
Figs. 27 e 28 – Vista de pormenores da pregadura em liga de cobre.
4. pormenor este, que atestava um processo datação posterior ao século XVII – pese
embora a curiosa datação obtida subsequentemente por análise C14 (radiocarbono) de uma
amostra de madeira, o que, em face daquela evidência técnica (a pregadura em liga de
cobre), o envelheceria de um a dois séculos (Fig. 29), não fosse o facto de a utilização ou
reutilização de peças estruturais de navios de antiguidade diversa estar largamente
comprovado em todo o mundo, nomeadamente em Portugal, sendo uma prática corrente
de todos os estaleiros de construção naval, particularmente nos de dimensão importante2;
Fig. 29 – Datação de radiocarbono obtida de Beta
Analytics, Miami (entre os séculos XV e XVII).
2
Como se atestou, nomeadamente, na Praça do Município, em Lisboa, espacialmente e historicamente
correlacionável com o estaleiro da Ribeira das Naus, de onde foram recuperados em 1997 numerosas peças
de liame pré-talhadas ou já utilizadas, datando desde o século XIII (Alves, J.G., 2003).
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5. observações estas que se completaram com a curiosa descoberta de um vasto número de
peças de poleame de navio, designadamente bigotas de enxárcia (Figs. 12 e 30 a 32).
Figs. 30 a 32 - Algumas das bigotas visíveis no sítio.
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Lista das peças recuperadas
No quadro da intervenção efectuada em 2007 foram apenas recuperadas três peças:
– a colher de estanho inicialmente referida (Figs. 10-11),
– uma roldana de madeira (Figs. 14-15 e 33-34).
– uma pedra de lastro, para futura análise (Fig. 35).
Figs. 33 e 34 – Roldana de madeira 8 descoberta junto à bigota 9.
Fig. 35 – Pedra de lastro.
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Lista das peças referenciadas in situ
Fig. 36 – Nota: A descontinuidade numérica da lista de peças identificadas e etiquetadas deriva da distribuição dos lotes
de etiquetas pelos diversos operadores.
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Perspectivas futuras
Do ponto de vista da gestão científica e patrimonial justifica-se plenamente a realização de
uma segunda intervenção no sítio Arade 23, num futuro tanto quanto possível próximo,
com três objectivos fundamentais, com vista
– 1º, à recuperação selectiva de todas as peças significativas, susceptíveis de deterioração,
o que concerne em primeiro lugar as peças do poleame;
– 2º, à realização de sondagens pontuais por escavação na imediata periferia do sítio, de
modo a poder determinar-se o seu potencial arqueológico e estrutural;
– 3º, à protecção do sítio em moldes hoje em dia adoptados e recomendados em muitos
países na vanguarda da protecção do património cultural subaquático in situ, disto sendo
exemplo, já testado entre nós no sítio Arade 1 (Figs 37 a 40), o sistema ensaiado com
sucesso no sítio de naufrágio designado BZN-10 (Burzegand Noord), na Holanda (ver em
www.machuproject.com).
Figs 37 a 40 – Qualquer que seja a área de um sítio arqueológico, ele pode ser coberto por faixas de rede de malha fina,
enroladas em tubos de PVC cosidos nas extremidades, com correntes de ferro galvanizado enfiadas e bloqueadas nos
topos com manilhas. Este dispositivo é muito fácil de transportar e desenrolar debaixo de água, o peso das correntes
entubadas sendo suficiente para colar as extremidades das faixas de rede ao fundo, bastando lastrá-las com sacos de
areia ou pedras. Este tipo de rede de malha fina tem por efeito reter e acumular os sedimentos. Quando são necessárias
várias faixas de rede, justapostas ou sobrepostas paralelamente, elas devem ser unidas por braçadeiras plásticas ou
pedaços de fio eléctrico.
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
Bibliografia
Alves, J. G., 2002, Approche archéologique d'un chantier naval médiéval. La découverte
des vestiges d’architecture navale de la Praça do Município, Lisbonne (Portugal). Mémoire
de Maîtrise en Archéologie Médiévale. Paris – Lisbonne, Université de Paris I – Sorbonne.
(disponível em http://www.musee-marine.fr/index.php?lg=fr&nav=254&flash=1).
Coelho, A. B., 1989, Portugal na Espanha Árabe (2 vols). Editorial Caminho, Lisboa.
Monteiro, P.A., Pinheiro, S. e Alves, F., 2007a, Arqueografia preliminar de um
naufrágio estuarino. In Actas do 5º Encontro de Arqueologia do Algarve (Silves, 2007).
Xelb, 6. Câmara Municipal de Silves, Silves. No prelo.
Monteiro, P.A., Pinheiro, S. e Alves, F., 2007b, Arade 23: a arqueografia de naufrágios
através do Site Recorder 4: problemática e metodologia. In Actas do Congresso de
Aplicações Informáticas à Arqueologia – CAAPortugal. Associação para o
Desenvolvimento das Aplicações Informáticas e Novas Tecnologia Aplicadas à
Arqueologia, Leiria. No prelo.
Rodrigo, R., Tareco, H. e Aleluia, M., 2005, Relatório de missão de prospecção
arqueológica por detecção remota do canal de acesso ao Porto de Portimão (2005).
Trabalhos do CNANS, 29. IPA-CNANS, Lisboa.
Loureiro, V. Alves, J. G. e Coelho, J., 2006, Relatório de missão de despistagem de
possíveis vestígios arqueológicos identificados por prospecção arqueológica por detecção
remota do canal de acesso ao Porto de Portimão (2006). Trabalhos do CNANS, 39. IPACNANS, Lisboa.
Trabalhos da DANS, 44, 2008
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Problemática crono-tipológico dos vestígios do navio Arade 233
A adopção do revestimento por folha de cobre das obras vivas dos navios foi uma das
inovações tecnológicas mais importantes a surgir no contexto da Guerra da Revolução
Americana. De todos os beligerantes envolvidos, foram os ingleses aqueles que melhor
desenvolveram e utilizaram esta técnica, essencial na protecção dos cascos contra os
efeitos destruidores do teredo navalis, o verme xilófago capaz de, em poucos meses,
transformar as obras vivas de um navio num autêntico passador4 (Knight, 1973).
Até então, o forro exterior era feito com uma camada fina de madeira, sacrificial, por
sobre uma camada de breu e de pêlo animal ou mesmo, em épocas anteriores, pela
utilização de placas de chumbo, um material mais frágil e muito mais pesado que o cobre.
As primeiras experiências de revestimento por cobre foram feitas na fragata Alarm, logo
após a Guerra dos Sete Anos. Foi também com esta fragata que apareceram os primeiros
problemas, na altura inexplicáveis. Com efeito, ao permitir o revestimento de cobre em
navios unidos por cavilhas de ferro e parcialmente imersos em água salgada o Almirantado
inglês criara uma pilha perfeita - devido à corrosão galvânica gerada, os pregos e as
cavilhas de ferro da fragata eram reduzidos pela acção do cobre do forro e emagreciam
misteriosamente. Quando a corrosão era severa, as cavilhas ficavam soltas, caíam e as
pranchas soltavam-se, no que era um primeiro passo para o naufrágio do navio em causa.
Uma primeira tentativa de resolver o problema da corrosão galvânica, pelo recurso a
pregos feitos de uma liga de cobre, zinco e ferro (uma invenção de James Keir e Matthew
Boulton) mostrou-se ineficaz.
Em Julho de 1783, uma inspecção feita a três navios de 74 canhões revelou que todos eles
tinham as suas cavilhas em ferro muito corroídas, suspendendo-se a cobertura em cobre
dos navios a partir dessa data. O problema só ficou definitivamente resolvido em
Dezembro do mesmo ano, quando William Forbes e Thomas Williams aperfeiçoaram
cavilhas feitas com uma liga de cobre e zinco. Estas entraram em serviço em Agosto de
1786 e deram finalmente aos navios ingleses a resistência e a protecção exigidas pelo
árduo serviço militar de uma marinha imperial. A partir desta época, as cavilhas em
material cúprico disseminaram-se gradualmente por todas as marinhas de guerra do
mundo, surgindo já nos inícios do século XIX na construção naval mercante5.
Deste modo, estamos em condições de poder afirmar que o casco do Arade 23 terá sido
eventualmente construído a partir de 1779, datando muito provavelmente de um período
que não deverá ser anterior ao início do século XIX.
3
Excerto de Monteiro et al., 2007a, cujo tema foi retomado em Monteiro et al., 2007b.
4
Knight, R., 1973, The Introduction of Copper Sheathing into the Royal Navy, 1779-1786. The Mariner’s
Mirror, 59-3: 299. Society for Nautical Research, London.
5
Cock, Randolph, 2001, The finest invention in the world: the Royal Navy’s early trials of copper sheating,
1708-1770. The Mariner’s Mirror, 87-4. Society for Nautical Research, London.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
O programa Site Recorder6
Experiências anteriores relativas a projectos de arqueologia desenvolvidos em ambiente
subaquático pelos autores mostraram à saciedade que as fases de planeamento e de
execução são cruciais na obtenção de dados arqueográficos válidos: a fase de
planeamento, porque é nela que se define a estrutura de pontos de controlo a partir dos
quais se efectuam os posicionamentos nas três dimensões (x, y e z)7; e a fase de execução,
porque é nela que se determina a maior ou menor qualidade das medidas efectuadas,
qualidade essa expressão da exactidão, precisão e rigor conseguidos. Ou seja, debaixo de
água, tal como à superfície, essa qualidade está intrinsecamente ligada ao melhor ou pior
cuidado com que estas duas fases são trabalhadas pelos arqueólogos responsáveis por
esses projectos.
No entanto, os problemas que afectam a qualidade das medidas obtidas em trabalhos
efectuados em terra são majorados pelas condições adversas que, em maior ou menor grau,
afectam os ambientes submersos: o frio, a corrente, a visibilidade nula ou muito reduzida,
a profundidade (que faz decrescer o tempo útil de trabalho na sua razão inversa bem como
a consequente narcose induzida pelo azoto, em profundidades superiores a 30 metros)
contam-se entre as mais importantes.
Ora, se em terra as técnicas de medição têm vindo a aperfeiçoar-se ao longo dos anos
(nomeadamente através da utilização de estações digitais), em ambiente subaquático as
técnicas, os instrumentos e os métodos utilizados pouco diferem dos utilizados nas
décadas 60 e 70 do século passado8.
Confrontados em projectos anteriores com estas limitações, extremamente penalizantes em
termos da eficiência e da própria efectivação financeira das intervenções9, procurámos,
num primeiro projecto realizado no Cabo da Roca10 e, posteriormente, neste projecto do
Arade 2311, utilizar uma outra metodologia, aproveitando o aparecimento no mercado de
um programa informático inovador, o Site Recorder 412.
6
Idem nota 3
7
A localização tridimensional quer dos artefactos, quer dos elementos estruturais de um navio, é o processo que fornece
ao arqueólogo subaquático mais informação, uma vez que lhe dá um controlo absoluto da escavação, quer vertical, quer
horizontalmente, cf. McPherron, Shannon; Dibble, Harold & Goldberg, Paul (2005) “Z” in Geoarchaeology: an
International Journal, vol. 20, n. 3, pp. 243-262.
8
Cf. Muckelroy, Keith (1978) Maritime Archaeology. London: Cambridge University Press; Wilkes, Bill (1971)
Nautical Archaeology. Devon: David & Charles, Newton Abbot e Bass, George (1971) Arqueologia Subaquática.
Lisboa: Edições Verbo.
9
Cf, por exemplo, Monteiro, Paulo; Alves, Francisco & Garcia, Catarina (1999) “Estratégias e metodologias da
intervenção arqueológica subaquática no quadro do projecto da construção de uma marina na baía de Angra do
Heroísmo (Terceira, Açores)”. in Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 2, nº 2. Lisboa: Instituto Português de
Arqueologia, pp. 199-210 e Monteiro, Paulo (2000) “Angra D: the survey, excavation and dismantling of an Iberian
seagoing ship (Azores, Portugal)”. in Proceedings of the 33rd Conference on Historical and Underwater Archaeology.
Society for Historical Archaeology. Quebec City: Canadá.
10
Monteiro, Paulo (2007), “Canhões na Roca: análise preliminar de um conjunto submerso de peças de artilharia”, in
Al-madan nº 15, 2007. Centro de Arqueologia de Almada.
11
Um sítio ideal para este tipo de experimentação pelas suas características inerentes: fraca sensibilidade arqueológica,
acesso fácil e baixa profundidade.
12
Que poderá criar, especialmente se acoplado a um programa de tratamento de imagem como o Photo Modeler Pro cf. Hank, Klaus & Ebrahim, Mostafa (1997) “A low cost 3D-measurement tool for architectural and archaeological
applications” in CIPA International Symposium 1997, October 1-3, 1997 Goteborg, Sweden. ISPRS International
Archives of Photogrammetry and Remote Sensing Volume XXXII, Part 5C1B – todo um novo paradigma no que toca ao
registo arqueológico.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
O Site Recorder 4
O Site Recorder 4 (SR4) é um sistema informático aplicado à arqueologia subaquática
que, de forma integrada e completa, estrutura e apoia um projecto arqueológico desde a
sua fase de concepção e planeamento até à sua publicação e arquivo13.
O SR4 assenta numa base de dados relacional, criada em C++, para registo de artefactos,
em todas as suas vertentes (fotografia, desenho, ficha descritiva, notas de conservação e
restauro, bibliografia associada, etc.); um programa de Desenho Assistido por Computador
(DAC) para criação do plano do sítio; um processador de texto para a elaboração de
relatórios/anotações e uma panóplia completa de ferramentas e algoritmos capaz de tratar
estatisticamente os dados provenientes do terreno e de os modelar em 2.5D14.
Cumulativamente, o SR4 é capaz de gerir os seguintes objectos:
Artefactos
Características e Contextos
Sectores (valas, trincheiras, poços de sondagem)
Pontos de Prospecção e Medidas
Fotografias e Trechos de Vídeo
Ortofotoimagens Rasterizadas ou Mapas-base
Quadrículas
Registos de Mergulhos
Contactos de Indíviduos e/ou de Organizações
Amostras
Fontes documentais
Tarefas
Cadernos de Anotações
Pontos, Poli-linhas, Círculos, Texto.
Camadas, Projectos e Sítios15
Cada objecto é dotado de vários atributos e propriedades, sendo todos inter-relacionáveis
entre si – por exemplo, um registo de mergulho pode ter a si associado a imagem de um
artefacto registado nessa altura, por um determinado mergulhador, que terá os seus
contactos e qualificações inseridos no sistema, bem como as suas anotações pessoais de
então.
13
Cf. Holt, Peter (2007) “Development of an Object-Oriented GIS for Maritime Archaeology – Motivation,
Implementation and Results”. in Computer Applications and Quantitative Methods in Archaeology. London: UK
Chapter. O SR4 tem os seus antecedentes num programa anterior, o Site Surveyor e partilha com outro programa ainda
em uso a mesma filosofia, cf. Rule, Nick (1989) “The Direct Survey Method (DSM) of underwater survey, and it’s
application underwater”. in International Journal of Nautical Archaeology (1988) 18:2, pp. 157-162.
14
A integração é, afinal, o caminho a seguir no que toca a aplicações informáticas no domínio da arqueologia, cf. Stone,
Jane (1991) “Computer applications in archaeology: graphics, database, and image processing in multimedia field-topublication data management system”. in Social Science Computer Review (1991) 9, pp. 39-61.
15
O Sítio é o objecto que representa o navio, monumento ou estrutura registados. Cada Sítio contém um ou mais
Projectos, que são objectos utilizados para registar o trabalho executado numa dada campanha ou acção de escavação.
Cada Projecto contém várias Camadas, que conterão em si objectos pertences a uma mesma categoria (camada de
prospecção, camada dos artefactos, camada dos pontos de controlo, etc.).
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
O ajuste de medidas e posicionamentos
Se uma das grandes vantagens da utilização do SR4 é a sua capacidade de associar num
único ficheiro todo e qualquer dado proveniente ou gerado pelo projecto arqueológico,
com os óbvios benefícios que tal proporciona em termos de legibilidade, de facilidade de
utilização e de optimização de custos, a sua maior vantagem é definitivamente a
capacidade que apresenta em ajudar a delinear e ajustar toda e qualquer medida e
posicionamento de todo e qualquer ponto ou artefacto.
Com efeito, o processo pelo qual um sítio arqueológico subaquático é abordado depende
de vários factores – a extensão do local, a sua profundidade, a visibilidade, o tipo de leito
marinho, entre outras contingências, influenciam o modo como o projecto é planeado e
executado.
O princípio básico é o de que só se deve posicionar um ponto apenas a partir de um outro
ponto cuja posição seja perfeitamente conhecida e definida. Para sabermos a posição
precisa desse ponto original, a três dimensões, são precisas pelo menos três medidas
perfeitas de distância.
O problema é que não existem medidas perfeitas. Logo, teremos que recorrer a técnicas
que nos permitam aperfeiçoar ao máximo a exactidão das medidas efectuadas,
nomeadamente recorrendo ao expediente de efectuar o maior número de medições para o
ponto a determinar, a partir do maior número possível de pontos já posicionados16. Tal
causa-nos um problema adicional: uma selecção aleatória de pontos dar-nos-á uma posição
diferente para cada lote de medidas. Para resolvermos este problema, teremos que utilizar
uma técnica estatística que calcule e estime não a posição mas sim a melhor posição, em
face de todas as medidas efectuadas.
Exactidão, resolução e precisão
Sabendo-se que todas as medidas são afectadas por um certo grau de inexactidão, pode-se
então afirmar que não se pode nunca medir valores absolutamente verdadeiros – todos os
valores que obtemos serão sempre valores aproximados. É, no entanto, razoável admitir
que o valor exacto existe e que, embora este não seja conhecido, pode-se sempre estimar
os limites do intervalo em que este se encontra. Importa então saber a magnitude da
inexactidão, ou seja, é necessário associar a cada medida o valor dessa incerteza, de modo
a que se possa avaliar o grau de confiança nos resultados obtidos17.
Por outras palavras, o cálculo da incerteza associada a uma medição permite-nos declarar
que o valor exacto estará compreendido algures dentro de um determinado intervalo de
valores.
Ora, esta inexactidão resulta sempre da ocorrência de dois tipos de erro, os aleatórios e os
sistemáticos, que se podem minorar, anular ou agravar entre si:
16
A medição repetida permite minorar os efeitos dos erros aleatórios apenas e só se todas as medidas forem
independentes e feitas nas mesmas condições. Mesmo assim, obter-se-ão em geral valores diferentes; só por acaso algum
destes valores coincidirá com o verdadeiro valor. Em termos estatísticos, o ideal é ter-se mais do que 30 medições feitas
para um determinado ponto; em termos práticos, esta análise, por contar com bem menos medições e não proporcionar
uma distribuição gaussiana, utiliza uma distribuição de Student (t), com (n-1) graus de liberdade, apoiando-se ainda no
Teorema do Limite Central sempre que utilize um grande número de medições (definindo-se grande número como um
número superior a 6 ou 7).
17
Cf. Topouzi, S. et al. (2002) “Errors & Inaccuracies in Repositioning of Archaeological Sites”. in Proceedings of the
28th CAA Conference, ed. Burenhult, Göran, BAR International Series 1016, Archaeopress: Oxford.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
Os erros aleatórios são, na sua grande maioria, erros de leitura. Apresentam uma
incidência desordenada, influenciando os resultados, ora num sentido, ora noutro. A
ocorrência deste tipo de erros, se é inevitável, pode no entanto ser detectada, aumentandose o número de medições efectuadas, ou seja, diminuindo a probabilidade da ocorrência do
mesmo erro.
Os erros sistemáticos são inerentes ao método escolhido, ao processo de medida ou ao
próprio instrumento e surgem sempre associados quer ao observador, quer ao instrumento
de medição utilizado. Este tipo de erros afecta sempre o resultado no mesmo sentido e tem
sempre a mesma magnitude sendo por isso muito difíceis de detectar18.
No caso do Arade 23, como aliás em qualquer outro projecto arqueológico, o problema
fulcral é este: como delinear, da forma mais precisa19 e exacta20 possível, uma rede de
pontos de controlo de modo a se poder posicionar a partir dela, e em três dimensões, todo
e qualquer elemento que se queira registar, de modo a que se possa replicar no futuro,
analógica ou digitalmente, o sítio, a qualquer escala, da forma mais exacta e precisa
possível?
Com efeito, as técnicas de registo arqueológico existem para que se possa replicar no
futuro as camadas que vão sendo destruídas aquando da escavação. Ora, o registo criado
tem que ser fidedigno, senão um qualquer esboço serviria, pelo que, sempre que um plano
é elaborado, é preciso que seja determinado o seu grau de confiança – ou seja, é preciso
aferir a sua qualidade, já que não é possível obter-se bons resultados a partir de medições
mal executadas. No limite, se as medidas forem inexactas, as posições por elas
determinadas serão também elas inexactas e a rede de pontos nunca se ajustará
correctamente; se as medidas forem em número insuficiente, não haverá informação
suficiente de modo a se poder calcular uma solução fiável; se as medidas forem
executadas a partir de uma rede de pontos mal delineada, a incerteza das posições
estimadas será demasiado grande. E, se medir debaixo de água é uma tarefa notoriamente
mais complexa do que medir em terra, então tal desiderato mais necessário se torna em
projectos desta natureza.
Como encontrar então, para cada posicionamento, o valor mais aproximado ao real?
O cálculo da média aritmética – definida como o somatório de todos os valores
observados, relativos a uma variável, no contexto de uma dada medição, somatório esse
dividido posteriormente pelo número total de observações – não é o método mais indicado
para lidar com este problema. De facto, este método, ao considerar as observações como
estando concentradas num único ponto (o centro ou ponto médio das observações) tende a
desprezar a ocorrência de erros que façam pender diferenciadamente a curva da
distribuição dos valores para qualquer um dos extremos.
Para ultrapassar este obstáculo, a precisão mede-se geralmente graças ao cálculo do desvio
18
Um erro sistemático não impede a obtenção de uma medida de grande precisão (os valores obtidos podem ser
próximos entre si); no entanto, a sua presença conduz sempre a uma medida de baixo rigor (o valor obtido é bastante
diferente do valor real).
19
Sendo precisão o termo que descreve a qualidade de uma posição, quando se levam em linha de conta os erros
aleatórios de medição. Um ponto muito preciso é aquele em que os erros aleatórios de medição são muito pequenos. A
precisão de cada uma das medidas efectuadas depende sempre das limitações técnicas do instrumento utilizado e
quantifica-se sempre através de intervalos de confiança.
20
Sendo exactidão a estima global dos erros, nela se incluindo os erros sistemáticos presentes num dado conjunto de
medições. Quanto mais exactas forem as medições, tanto mais perto do valor verdadeiro estarão as medições. Exactidão
é o mesmo que precisão, desde que não se entre em linha de conta com os erros sistemáticos.
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Relatório da Campanha Arade 23 2007
padrão (DP)21. Assim, a precisão de um posicionamento é determinada pela análise dos
desvios padrão associados às medidas nele utilizadas e pela posterior computação da sua
propagação através de um método de ajuste especifico – neste caso, utiliza-se o método
dos mínimos quadrados, que estima a melhor posição de entre todas as possíveis,
calculando o valor residual bem como a diferença entre o valor medido e o valor calculado
de todos os pontos22.
Metodologia
Sendo o fundo de natureza arenosa, a primeira tarefa consistiu no enterramento de seis
estacas metálicas com 1.5 metros de comprimento, de modo a que ficassem expostos, por
sobre o leito marinho, cerca de 20 a 25 cm. No topo roscado destas estacas, numeradas de
P01 a P06, acoplaram-se tampos de PVC onde estava inserido um espigão.
A esses espigões, onde se podiam inserir as pontas das fitas métricas, fizeram-se
corresponder os pontos de controlo. A disposição das estacas desenhou grosso modo uma
elipse, que abrangia no interior da sua área todos os vestígios expostos do naufrágio.
Com estes valores introduzidos no SR4, procedeu-se ao ajuste da grelha dos pontos de
controlo, para o que se definiu o valor que considerámos adequado para um projecto desta
natureza. Já que valores residuais entre 10 e 25 mm são típicos de sítios submersos a baixa
profundidade, definimos que queríamos operar com um valor residual de 20 mm para os
eixos de x e y e de 10 cm para os valores de z23.
Em torno de cada posicionamento computado surgiu então uma área elíptica, elipse essa
que correspondia à representação gráfica aproximada da exactidão horizontal em todas as
direcções24.
No nosso caso, uma das elipses surgiu a vermelho – como o programa descarta qualquer
valor que esteja acima do limite pré-definido (geralmente, tudo o que se encontre para lá
dos três DP, para um intervalo de confiança de 99.7%), todas as medições com erro
superior a ±60 mm foram rejeitadas25, o que nos levou a ter que repetir 4 medições.
Definida a rede de controlo, posicionaram-se a partir dela quer as diversas posições da
quadrícula utilizada para desenho de pormenor, quer uma rede de pontos secundários, que
visou estabelecer os limites concretos da mancha de lastro.
Também aqui a capacidade proporcionada pelo SR4 de rejeitar medições com um valor de
erro inerente mais elevado do que a margem de erro aceitável e definida pelo arqueólogo
21
Sendo o desvio padrão a medida de dispersão dos erros aleatórios em qualquer medição – quanto maior for o DP tanto
maiores serão os erros aleatórios.
22
Este método não só produz uma solução única, seja qual for o número de medições usado ou a forma como foram
obtidas, como também informa quão bem se ajustam as medições entre si, cf. Atkinson, Duncan & Green, Jeremy (1988)
The application of a least squares adjustment program to underwater survey. in International Journal of Nautical
Archaeology (1988) 17:2, pp. 119-131.
23
Em condições subaquáticas quase que ideais, um DP de 25 mm é válido para medições feitas com fitas métricas de
fibra de vidro, em distâncias não superiores a 20 m. Em terra, esse valor é de cerca de 6 mm, cf. Holt, Peter (2003) An
assessment of quality in underwater archaeological surveys using tape measurements. in International Journal of
Nautical Archaeology (2003) 32.2.
24
O tamanho da elipse de erro computada pelo programa de ajuste está directamente relacionada com o valor do DP
definido. Idealmente, a elipse deverá ter uma dimensão 2.447 vezes superior a 1 DP, correspondendo assim a uma área
com 95% de confiança.
25
O SR4 utiliza ainda um algoritmo de rejeição automática, baseado no método Delft aplicado nos sistemas GPS, em
que um processo iterativo rejeita os valores que tenham residuais máximos.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
responsável levou a que se tivessem repetido, no mergulho imediatamente a seguir, outras
15 medições.
Conclusões
Dada a natureza experimental e breve da intervenção, as conclusões a que chegámos têm a
ver necessariamente com o trabalho efectuado durante a mesma, nomeadamente o relativo
ao desenho e à implementação da rede de controlo e da definição, em termos posicionais,
dos artefactos mais relevantes, a saber as bigotas e algumas madeiras que se projectavam
por fora da mancha de lastro, bem como na delimitação da extensão e perímetro da
mancha de lastro.
Assim, na optimização de uma escavação arqueológica subaquática, dever-se-á:
planear e simular a rede de controlo, que assumirá forma circular ou elíptica;
utilizar pontos de controlo rígidos e inamovíveis, claramente identificados;
posicionar os artefactos apenas depois de se ter definida e implantada a rede de controlo;
utilizar mergulhadores que estejam treinados na recolha de medidas;
usar formulários padronizados para as medidas;
utilizar fitas métricas não maiores do que 15 metros;
utilizar, pelo menos, 4 medidas para cada ponto a posicionar;
ajustar a rede de controlo, voltando a medir as profundidades e as medidas que tiverem
sido rejeitadas
No caso do Arade 23, utilizando-se o SR4, obtivemos pontos que, resultando de medições
feitas com fitas métricas, se podem posicionar com até ± 40 mm, com 95% de confiança
(2 DP). Cerca de 15% das medidas efectuadas originaram erros grosseiros superiores a 2
cm – a sua detecção atempada foi inestimável na optimização do projecto. Só este facto
comprova o benefício real que existe na utilização do SR4 em ambiente arqueológico
subaquático.
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Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro
Relatório da Campanha Arade 23 2007
O poster apresentado no 5º Encontro de Arqueologia do Algarve (Silves, 2007)
Trabalhos da DANS, 44, 2008
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