PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
MARCINA DE BARROS SEVERINO
LEVIATÃ HOBBESIANO: A FORÇA DO SÍMBOLO
GOIÂNIA
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
MARCINA DE BARROS SEVERINO
LEVIATÃ HOBBESIANO: A FORÇA DO SÍMBOLO
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Ciências da
Religião da Pontifícia Universidade Católica de
Goiás para obtenção do grau de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira
GOIÂNIA
2014
Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)
(Sistema de Bibliotecas PUC Goiás)
S498l
Severino, Marcina de Barros.
Leviatã hobbesiano [manuscrito] : a força do símbolo /
Marcina de Barros Severino. – 2014.
86 f. : 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de
Goiás, Programa de Mestrado em Ciências da Religião, 2014.
“Orientadora: Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira”.
1. Leviatã. 2. Poder (Ciências sociais). 3. Sinais e símbolos.
4. O Sagrado. I. Título.
CDU 2-135(043)
Dedico esta dissertação à memória de meu inesquecível irmão Júnior Carlos de
Barros Severino, um anjo ímpar que veio para me proteger, somar e alegrar.
Precocemente fez sua partida, deixando paz, segurança e confiança que me
impulsionaram a esta conquista, que posso dizer que está apenas começando.
Júnior foi um jovem que viveu intensamente, amou muito e também foi muito amado.
Será eternamente lembrado. Desejo paz e bem para você, querido anjo!
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela inspiração de sempre.
Agradeço aos meus professores e orientadores por, além de fornecerem o suporte
teórico necessário para a elaboração desta dissertação, me motivarem a fazer
sempre o meu melhor.
Aos amigos, colegas e colaboradores pela contribuição generosa para que, de
alguma forma, este trabalho se tornasse fecundo.
Aos meus queridos pais, meus alicerces, por sempre terem acreditado em mim.
Ao meu amado esposo e a minha querida filha pela força e coragem.
Muito obrigada a todos e todas pelo apoio de todas as horas!
Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito todas.
Bebo água de todo rio [...]. Uma só para mim é pouca, talvez não me chegue [...].
Tudo me quieta e me suspende. Qualquer sombrinha me refresca.
(Guimarães Rosa)
RESUMO
SEVERINO, Marcina de Barros. Leviatã hobbesiano: a força do símbolo.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – PUC Goiás, Goiânia, 2013.
Este trabalho propõe uma reflexão sobre a origem do poder do Leviatã hobbesiano,
investigando até que ponto este poder configura-se sagrado e até que ponto
configura-se profano na obra Leviatã e em outras obras de Hobbes. O texto inicia-se
com a análise da imagem utilizada por Hobbes para representar o Estado. Hobbes
evoca o símbolo religioso Leviatã para impor a obediência aos súditos. O Leviatã
representa o povo com base no contrato social, um contrato impulsionado pelo medo
da morte violenta e que é mantido com base no medo do poder coercitivo do Estado.
O monstro Leviatã inspira medo e temor, já que só a razão não é suficiente para que
o povo aceite a soberania absoluta do Leviatã. Ao lado da força positivada do
Estado é necessário recorrer à linguagem simbólica para reforçar o seu poder.
Entende-se que as influências teológicas presentes na obra O Leviatã servem de
fundamento para manter o poder do soberano.
Palavras-chave: Leviatã, poder, símbolo, sagrado.
ABSTRACT
SEVERINO, Marcina Barros. Hobbesian Leviathan: the power of symbol. Thesis
(Master of Science in Religion) - PUC Goiás, Goiânia, 2013.
This paper proposes a reflection on the origin of the power of the Hobbesian
Leviathan, investigating to what extent this power set is sacred and to what extent is
configured profane the work Leviathan and other works of Hobbes. The text begins
with an analysis of the image used by Hobbes to represent the state. Hobbes
Leviathan evokes the religious symbol to enforce obedience to his subjects. The
Leviathan is the people based on the social contract, a contract driven by fear of
violent death and is kept out of fear of the coercive power of the state. The Leviathan
monster inspires fear and dread, since only the reason is not enough for the people
to accept the absolute sovereignty of the Leviathan. Beside the power positively
valued by the state is necessary to use symbolic language to strengthen his power. It
is understood that the theological influences present in the work Leviathan
underpinning to maintain the power of the sovereign.
Keywords: Leviathan, power, symbol, sacred.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9
1.
LEVIATÃ HOBBESIANO ............................................................................ 12
1.1
CONTEXTO HISTÓRICO À ÉPOCA DE HOBBES ..................................... 13
1.1.1 A Vida de Hobbes ........................................................................................ 15
1.2
A PALAVRA LEVIATÃ ................................................................................. 19
1.2.1 Leviatã na Mitologia Fenícia ........................................................................ 21
1.2.2 Leviatã na Mitologia Babilônica ................................................................... 22
1.2.3 Leviatã na Mitologia Bíblica ......................................................................... 23
1.3
ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DO LEVIATÃ...................................... 25
1.3.1 “O Homem Lobo do Homem”....................................................................... 25
1.3.2 Origem do Estado ........................................................................................ 28
1.3.2.1 O Estado hobbesiano fora do alcance do domínio da Igreja ........................ 34
1.3.3 Direito Natural.............................................................................................. 37
1.3.4 Direito Divino dos Reis................................................................................. 38
1.3.5 Paixão versus Razão ................................................................................... 39
2
2.1
2.2
2.2.1
2.2.2
2.2.3
O PODER SAGRADO LEVIATÃ................................................................... 41
AS CATEGORIAS DE SAGRADO E DE PROFANO..................................... 43
A CONCEPÇÃO DE PODER E A PERSPECTIVA HOBBESIANA................ 46
O Poder que Obriga à Submissão ................................................................. 47
O Poder Simbólico ......................................................................................... 49
O Poder na Visão de Hobbes ........................................................................ 50
3
3.1
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.3
3.2.4
3.2.5
3.3
3.4
A LEGITIMAÇÃO DO PODER EM HOBBES ............................................... 55
AS CATEGORIAS IMAGENS, IMAGINÁRIO E REPRESENTAÇÃO ............ 57
IMAGENS DO LEVIATÃ NA BÍBLIA .............................................................. 58
Leviatã em Gênesis ....................................................................................... 60
Leviatã em Jó ................................................................................................ 60
Imagem do Leviatã nos Salmos..................................................................... 63
A Imagem do Leviatã no Apocalipse ............................................................. 63
Leviatã: símbolo do poder.............................................................................. 66
O SAGRADO COMO LEGITIMAÇÃO DO PODER EM HOBBES ................. 73
A FORÇA DO SÍMBOLO LEVIATÃ ............................................................... 76
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 79
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 82
9
INTRODUÇÃO
O tema ou questão motivadora desta dissertação diz respeito à força do
símbolo Leviatã na obra de Thomas Hobbes. Esta objetiva investigar a origem do
poder do Leviatã proposta por Hobbes na obra O Leviatã. Para tanto, propõe-se a
compreender o contexto histórico à época de Hobbes e analisar a imagem do
monstro Leviatã utilizada por Hobbes para representar o Estado. Busca-se também
investigar se e como a obra serviu para a separação da Igreja e Estado.
Foi proposta nesta pesquisa uma reflexão sobre a origem do poder do
Leviatã hobbesiano, procurando saber até que ponto esse poder configura-se
sagrado e até que ponto configura-se profano, tomando-se por base a obra Leviatã,
outras obras de Hobbes e a opinião de analistas desse autor, uma vez que Hobbes
recorre à imagem do monstro bíblico para reforçar o poder do seu Leviatã.
Desde o curso de graduação, sempre houve interesse pelo que leva as
pessoas a obedecerem às leis. Então, após ler a obra de Thomas Hobbes Leviatã,
tal interesse se transformou em inquietação. Uma curiosidade científica motivou a
investigação da origem da força do Leviatã hobbesiano, um Estado todo poderoso
que inspira temor e impõe obediência.
Ao analisar a obra de Thomas Hobbes, nota-se que, além da filosofia e da
teologia, outras áreas entram em diálogo formalizando a justificativa da formação
inicial desta pesquisadora na área do Direito. O Estado tem origem num contrato
social celebrado entre os indivíduos por livre vontade. Os indivíduos abdicam-se de
liberdade em prol de segurança e paz.
O Direito, ainda em nossos dias, baseia-se no princípio da soberania como
fundamento do Estado Democrático de Direito, uma teoria que impera até hoje,
resistindo aos séculos. De forma específica, ao conciliar olhares da Teologia,
Filosofia, Direito e Política, espera-se contribuir de forma significativa para o
aprofundamento humanístico das percepções e prática jurídicas, situando aqui o
cunho humanístico desta investigação e motivação.
Do ponto de vista acadêmico, a obra hobbesiana serve de referência para se
repensar a realidade política e religiosa atual. Política e religião sempre se
relacionaram buscando legitimidade uma na outra. Apesar de ter sido publicada em
1651, Leviatã é uma obra permanece atual. O Estado é o detentor exclusivo do
10
poder de punir. A vida em sociedade organizada foi possível por meio da criação de
um Estado forte e poderoso. A harmonia hobbesiana é uma harmonia patriarcal.
Os filósofos da época de Hobbes buscavam legitimidade para o monarca no
plano divino. Hobbes aparentemente difere dos outros filósofos, pois fundamenta o
poder do Leviatã no contrato social legitimado na anuência de todos. Porém, busca
reforçar esse poder por meio do simbólico-religioso. Fica um questionamento a
respeito disso: por que ele emprega um símbolo religioso para representar o
Estado? Ele emprega o símbolo do monstro bíblico e passagens das Escrituras
Sagradas para reforçar o poder do Estado hobbesiano, uma relação emblemática
que retira o poder da Igreja e transfere para o Estado.
Para Hobbes, o Estado seria uma construção humana capaz de garantir a
segurança, protegendo os indivíduos da morte violenta. No passado, os indivíduos
se conscientizaram de que a vida no estado de natureza é de guerra de todos contra
todos. A saída mais racional foi a união e a transferência de poderes a uma
autoridade
capaz
de
garantir
paz
e
segurança
aos
indivíduos.
Hobbes
insistentemente buscava paz para colocar fim ao contexto de morte que vivenciou
nas guerras políticas e religiosas.
“Levando em conta o movimento, o Estado é derivado de um comportamento
voluntário, gerado, em seu início, por movimentos de atração e repulsa entre os
corpos” (SOUZA, 2008, p. 168-9). O ser humano submetido à ideia de movimento
tende a se aproximar daquilo que lhe dá prazer e a se afastar do que lhe provoque
dor. Logo, decide abdicar de liberdade em prol de segurança. Da união de todos os
indivíduos em um corpo político surge o gigante hobbesiano. O gigante de Hobbes é
uma ressignificação do Leviatã bíblico.
Diferentes culturas absorveram o mito do monstro Leviatã. O mito é uma
narrativa que remete às origens. Ele serve de fundamentação para fornecer sentido
para o que se vive atualmente. Na mitologia fenícia, o Leviatã apresenta-se como
um monstro marinho de sete cabeças que representa as forças maléficas. Segundo
a mitologia babilônica, o Leviatã representa o mar e foi vencido e submetido a Deus.
Na mitologia bíblica, o Leviatã é o rei dos soberbos. Hobbes emprega a imagem do
monstro bíblico Leviatã para simbolizar um Estado poderoso capaz de promover a
preservação da vida. A intenção de Hobbes é apropriar-se do temor que inspira o
monstro bíblico para impor a obediência dos indivíduos ao Estado soberano.
Modernamente, pode-se ler Hobbes dizendo que seu Leviatã é secularizado.
Hobbes separa as funções da Igreja das funções do Estado.
11
Esta pesquisa, portanto, propõe-se a investigar os poderes do Leviatã com
enfoque nas Ciências da Religião. Pretende-se verificar a influência do simbolismo
na teoria do Estado hobbesiano. Utilizar-se-á da técnica da pesquisa bibliográfica
com objetivo de examinar o sentido do texto por um novo ponto de vista. Trata-se de
documentação escrita encontrada nas obras de Hobbes e de estudiosos que
analisam a relação entre religião e Estado com base no Leviatã.
Estruturalmente, a dissertação divide-se em três capítulos. O primeiro
intitula-se Leviatã hobbesiano e centra-se em apresentar algumas características
relevantes do contexto histórico à época de Hobbes. Busca-se esclarecer as
características
do
monstro
Leviatã
mitológico
e
do
leviatã
hobbesiano,
imprescindíveis para entender a relação que Hobbes estabelece entre o Estado e a
dimensão sagrada. O segundo capítulo trata especificamente do poder sagrado do
Leviatã hobbesiano. Nele busca-se a origem desse poder. Num primeiro momento,
trabalha-se com os conceitos de sagrado e de profano. Posteriormente, em um
segundo passo, busca-se entender o poder simbólico do Leviatã hobbesiano. Já o
terceiro capítulo procura desvendar como ocorre o processo de legitimação do poder
hobbesiano, buscando entender como e por que a imagem do monstro bíblico serviu
para reforçar o poder do soberano. Na sequência, trabalha-se os conceitos de
representação, legitimação e símbolo.
O poder, tal como aparece no Leviatã, é uma mescla do profano e do
sagrado. A imagem do Leviatã bíblico inspira temor. Hobbes se apropria desse
temor para dominar os súditos e lhes impor a obediência. A força do símbolo Leviatã
serviu para reforçar o poder do Estado hobbesiano, transpondo um poder profano
para a dimensão sagrada. O Estado adquire um poder capaz de promover a
preservação do bem mais precioso, a vida.
12
1. LEVIATÃ HOBBESIANO
Para compreender melhor o pensamento do filósofo político Thomas Hobbes
é fundamental voltar-se o olhar para a Inglaterra do século XVII para se conhecer
um pouco do contexto histórico e cultural no qual ele viveu e escreveu a obra
Leviatã. Geertz (1989, p. 24) conceitua cultura como “sistemas entrelaçados de
signos interpretáveis, a cultura não é poder, algo ao qual podem ser atribuídos
casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os
processos”. É um padrão de significados que são incorporados em símbolos e
transmitidos historicamente. O ser humano está inserido em uma cultura. Por meio
da cultura “os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento em
relação à vida” (GEERTZ, 1989, p. 24). Ela permite a comunicação, que é feita de
maneira simbólica.
As práticas sociais são baseadas no sentido encontrado na cultura em que
os indivíduos estão inseridos. Elas oferecem um modelo de comportamento a ser
seguido pelos indivíduos e tornam inteligíveis os comportamentos. Segundo Berger
(1985), o processo de construção do humano no mundo se dá pela exteriorização,
pela objetivação e pela interiorização. A sociedade controla e pune a conduta
individual. O ser humano tem de se comportar conforme a cultura em que está
inserido. Mesmo sem perceber, o indivíduo aciona o conhecimento que foi incutido
em seu subconsciente.
A cultura é, sobretudo, adquirida por meio de símbolos. O centro de qualquer
expressão cultural está no momento religioso (BELLO, 1988). A religião tem como
uma de suas funções motivar o ser humano a modelar as informações
disponibilizadas na cultura, já que ela lhe confere significado (Geertz, 1989).
Ao conhecer um pouco da cultura que permeava o momento em que Hobbes
viveu e escreveu sua principal obra, lança-se mão de dados relevantes para a
interpretação de sua teoria. Mesmo sendo ele um empirista, acaba recorrendo à
razão para construir sua teoria. A influência do simbolismo do Leviatã, que era
recorrente na época, reforça o poder soberano do Estado hobbesiano.
A legitimação ocorre conforme as leis, a cultura ou os deuses. Ao jogar a
soberania do Estado para a dimensão simbólica, esconde-se que essa teoria foi uma
construção humana. Agindo dessa maneira, o universo simbólico é recurso que
13
convence o povo de que essa teoria é a certa. As teorias de Hobbes tornam a
verdade em um dito religioso, portanto, inquestionável.
O período histórico no qual viveu Hobbes é fascinante, compreendendo a
transição do feudalismo em crise à utopia da construção do Estado. Ao propor sua
teoria política, Hobbes quer pôr fim ao clima de guerras religiosas e políticas que
vivenciou, cuja continuidade pressentia que um poder absoluto não seria instituído.
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO À ÉPOCA DE HOBBES
A Inglaterra, no século XVII, estava em plena expansão, com destaque para
o expansionismo colonialista ultramarino. Foi nesse mesmo período que a Marinha
inglesa atingiu o status de maior e mais bem equipada marinha do mundo. Essa
marinha tão poderosa contribuiu para o financiamento do expansionismo colonial.
Embora seja um período regido pela razão e pelas descobertas da ciência, o medo
do desconhecido relacionado à navegação permeia o imaginário popular,
desencadeando o desenvolvimento de histórias e lendas que tinham como
protagonistas monstros marinhos. Na Inglaterra desse período, eram muito comuns
histórias de monstros marinhos, como o Leviatã, atacando embarcações. Segundo
Chevalier (2007), o mar simboliza a dinâmica da vida, de onde surgem monstros das
profundezas, é uma imagem do subconsciente.
O Barroco deixou marcas nesse período e foi influenciado pela
contrarreforma (RODRIGUES, 2013). A filosofia do barroco baseava-se no dualismo
existente entre o hedonismo e o medo do pecado ou o fervor religioso, ao passo que
a busca pelo essencialmente humano já havia começado no Renascimento. Havia o
receio do divino sobrenatural, que poderia punir o terreno e o transitório
(RODRIGUES, 2013).
A quebra da unidade teológico-política da cristandade desencadeou conflitos
religiosos (MACHADO, 1996). O século XVII foi marcado pela lembrança de
massacres provocados por seguidores de credos conflitantes. A Inglaterra estava
abalada pelos conflitos religiosos e políticos. O Rei Carlos I vinha perdendo
gradativamente poder e se tornando impopular. O parlamento não suportava mais o
Absolutismo e tornou-se a instituição de oposição. “A nação inglesa manifesta,
desde o início da época moderna, o desejo de controlar o poder monárquico”
(SOUKI, 2008, p. 110). A expressão “poder absoluto do monarca” refere-se aos
14
atributos do ofício de ser monarca. Já com o Rei Jaime I, ocorreu uma libertação do
domínio papal. Hobbes vivenciou os conflitos entre a religião católica e o
protestantismo. “No plano civil Hobbes aderiu à teoria católica da razão de Estado,
na qual a religião torna-se civil, até mesmo legal, e não há autonomia religiosa em
relação ao soberano” (SOUKI, 2008, p.114).
Na obra Do Cidadão, Hobbes (2006, p. 23) menciona que o seu país neste
período “já estava agitado com perguntas relativas aos direitos de domínio, e da
obediência devido a estas questões, que são as verdadeiras precursoras de uma
guerra se aproximando”.
Hobbes sofreu influência da reforma anglicana que ocorreu em 1534. O Rei
inglês Henrique VIII instituiu a Igreja Anglicana. O rompimento do rei com a Igreja
Católica contribuiu para o fortalecimento do poder da monarquia. Nesse período, o
rei passou a ser o chefe supremo da Igreja da Inglaterra. O clima de conflitos fez que
a Espanha interviesse nos assuntos ingleses com o envio da Invencível Armada, um
acontecimento que ficou na lembrança de Hobbes e foi narrado por ele em sua
autobiografia, influenciando sua obra. Logo após o começo da guerra que se
desenrolava no continente europeu, disputas políticas entre o rei inglês e o
parlamento geraram a guerra civil na Inglaterra, que durou dez anos. Hobbes
experimentou “guerras civis, religiosas e políticas, e via num Estado forte a resposta
adequada contra a desordem e o caos” (MACHADO, 1996, p. 63).
De acordo com Mattos (2011), na Inglaterra desse período, surge uma
discussão a respeito do problema da representação e da legitimidade do Estado. Os
integrantes da Câmara dos Comuns começaram a expressar apreensões
consideráveis acerca do modo como a Coroa Inglesa utilizava-se de suas
prerrogativas. Tais reivindicações chegaram ao seu ponto máximo no Parlamento de
1628, quando apresentaram a petição de direitos ao Rei Carlos I. Segundo Skinner
(1999), a preocupação ao elaborar essa petição de direitos era se a causa do poder
do Estado residiria no povo, na medida em que o seu poder era resultado da soma
dos poderes transferidos ou renunciados de cada homem.
Com base neste
argumento, alguns teóricos sustentavam que o poder dos príncipes era derivativo e
o poder do parlamento era de direito absoluto para intervir nos assuntos do Estado
que ameaçassem a liberdade e a proteção do povo.
Mais tarde, Hobbes cria a teoria do Estado, que põe fim à problemática da
representação e da legitimidade do Estado nesse período. Ele forneceu a base para
15
o Estado moderno, um contrato baseado na anuência e legitimação de todas as
vontades.
1.1.1 A Vida de Hobbes
Thomas Hobbes (1588-1679) foi um filósofo contratualista inglês que nasceu
na Renascença, em Wiltshire, Inglaterra. Suas reflexões políticas são de extrema
relevância para o mundo contemporâneo, sendo um tema atual e atemporal.
Limongi (2002, p. 7-8) apresenta Hobbes como “o criador da ideia de
representação política [...]. A importância de Hobbes está, sobretudo, em ter reunido
em torno do conceito de Estado os traços que em sua época começavam a apontar
uma nova concepção política”.
Suas reflexões derivam do contexto social da época em que viveu. Era um
período de intenso conflito político, econômico e religioso na Inglaterra. Com relação
ao aspecto religioso, Limongi (2002, p. 110) menciona que o século XVII foi uma
época de
intensa paixão teológica e de cerrada perseguição religiosa. Também foi
marcado pela memória vivida de massacres e assassinatos por causas da
fé e por guerra civil devastadora entre os aderentes e credos conflitantes.
Em países como Inglaterra, Alemanha do Norte e Holanda – onde o
protestantismo prevaleceu -, a Reforma foi vista como um corte após uma
noite milenar de escuridão, ignorância e superstição.
Em nome de Deus, cometiam-se atrocidades. Talvez seja por isso que
Hobbes trabalhou tanto para retirar o poder político das mãos da Igreja. As
Escrituras eram empregadas como instrumento de legitimação. Com isso, ações
bárbaras eram justificadas. É curioso observar que, embora criticasse tanto o
método simbólico utilizado pela Igreja, Hobbes acaba associando esse mesmo
simbolismo à razão para conseguir a adesão dos súditos, na obra Leviatã.
Hobbes menciona que sofreu a influência do medo desde o seu nascimento.
Sua mãe teve um parto prematuro por causa da ameaça da invasão da Inglaterra
pelos espanhóis. Aos três anos de idade, ficou órfão de mãe. Talvez a falta dos
olhos da mãe para lhe mostrar o mundo o fez sentir-se perdido, propiciando a busca
de respostas para sanar esse estado de guerras. A ausência materna pode ter
favorecido a visão que Hobbes tinha a respeito da mulher, mais medrosa e menos
capaz que o homem em situação de perigo. Seu pai era um vigário humilde de
16
Charton e Westport, cidades próximas de Malmesbury, que se envolveu em uma
disputa com outro vigário, o que o levou a se mudar para Londres e deixar Hobbes
na companhia de seu irmão Francisco (HOBBES, 1997). Acredita-se que a perda da
mãe e do pai tão precocemente influenciou a visão de insegurança que Hobbes
tinha com relação à sociedade de sua época.
Seu tio Francisco pôde lhe proporcionar uma educação muito boa: Hobbes
frequentou a escola paroquial de Westport. Aos oito anos, foi mandado para um
estabelecimento de ensino dirigido pelo pastor de Malmesbury. Pouco tempo depois,
retornou para uma escola particular de Westport, onde ficou sob a tutela do diretor
Robert Latimer até os quatorze anos (SKINNER, 1999). Robert Latimer era versado
na cultura clássica e pôde proporcionar a Hobbes sólidos conhecimentos em latim e
grego. Essa cultura clássica pode ter sido o pano de fundo para a estruturação do
pensamento político de Hobbes (HOBBES, 1997).
Na infância de Hobbes, a Inglaterra era regida pela rainha Elizabeth I (15331603), que, embora sendo mulher, ocupou o trono. Elizabeth I restaurou a soberania
do monarca como líder supremo. Com ela a Inglaterra tornou-se uma potência
reconhecida mundialmente. Conseguiu avanços em diversos setores, inclusive nas
artes. E até os dias atuais a Inglaterra tem a monarquia parlamentarista como forma
de governo.
Em 1590, quando Hobbes iniciou sua instrução formal, os humanistas já
haviam colocado em circulação um modo de pensar característico de uma ciência
social. A compreensão dos humanistas a respeito dessa ciência derivava
basicamente dos teóricos clássicos da eloquência. Hobbes, no Leviatã, emprega o
ideal humanista de união da razão e da retórica para ampliar e sublinhar as
descobertas da razão e da ciência (SKINNER, 1999).
Thomas Hobbes foi estudar em uma escola da Igreja e depois foi para uma
escola particular. Quando completou 15 anos, dedicou seu tempo a ler livros que
falassem de viagens e que possibilitassem analisar cartas e mapas. Entre 1603 e
1608, estudou a física e a lógica aristotélica em Magdalen-hall. Em 1608, tornou-se
tutor de William II Cavendish, com quem se inscreveu na Universidade Cambridge
(LIMONGI, 2002). Hobbes não demonstrava muito interesse pela escolástica de
inspiração aristotélica.
Em 1610, Hobbes viajou para a Europa continental em companhia de
William Cavendisch, onde passou pela França, Itália e Alemanha. A sua pouca
17
admiração pela escolástica na época talvez se devesse já ao declínio desta. Tentou
por muitas vezes criar caminhos para ampliar novos conhecimentos, o que culminou
com o seu retorno à Inglaterra, com o intuito de aprofundar seus estudos clássicos.
Por volta de 1620, morando na Inglaterra, trabalhou como secretário de Francis
Bacon e o auxiliou na tradução latina de seus ensaios (LIMONGI, 2002). Dessa
parceria surge uma nova linha de pensamento, com características próprias. “Bacon
tinha Hobbes em alta conta, julgando-o capaz de compreender seu pensamento e
chegando mesmo a autorizar que traduzisse algumas de suas obras para o latim”
(HOBBES, 1997, p. 6).
Quando Hobbes completou 30 anos, acontecia uma revolta na Boêmia
contra a regência da Áustria. Rivalidades religiosas entre católicos e protestantes
foram transformadas numa luta europeia que originou a Guerra dos Trinta anos.
Mais tarde direcionou-se para a vida literária. Traduziu, em 1629, uma obra
de Tucídides, um historiador grego analista da política e da moral da guerra do
Peloponeso. Nesse momento, Hobbes iniciou seu interesse por política e diz, em
sua autobiografia, da importância do livro, ao demonstrar as fraquezas da
democracia ateniense, subvertida pela ambição de políticos demagogos (LIMONGI,
2002).
No ano de 1631, a família nobre inglesa de Cavendish procurou Hobbes
para que ele retornasse a ser guardião do terceiro Duque de Devonshire, e Hobbes
fica nessa função, prestando serviços, até o ano de 1642. Junto com seu aluno,
traduziu para o latim a Retórica de Aristóteles, livro que exerceu grande influência
sobre ele na elaboração de sua teoria das paixões (LIMONGI, 2002, p. 12). Durante
esse período, fez outra viagem ao continente, lá permanecendo de 1634 até 1637.
Na França, entra em contato com o círculo intelectual de Padre Mersenne, mentor
de Descartes, com quem estabeleceu uma grande amizade (RODRIGUES, 2013).
Em 1640, escreveu as Terceiras objeções às meditações metafísicas de Descartes a
pedido de Mersenne (LIMONGI, 2002).
Normalmente, Hobbes era a favor da explicação mecanicista do universo,
pensamento predominante nesse período e em oposição à teleológica defendida por
Aristóteles e a Escolástica (RODRIGUES, 2013). Para o Rodrigues (2013), Hobbes
também teve a oportunidade de conhecer Galileu durante uma viagem à Itália, em
1636 (seis anos antes de Galileu morrer), sob cuja influência Hobbes desenvolveu a
sua filosofia social, baseando-se nos princípios da geometria e das ciências naturais.
18
Caixeta (2012) confirma o encontro com Galileu e complementa que ele também se
encontrou com René Descartes, cuja ciência e filosofia o impressionavam. Limongi
(2002) também menciona que Hobbes visitou Galileu entre 1634 e 1636.
Hobbes escreveu sobre o cidadão, o corpo e o homem. Em 1640, ele redigiu
a obra Os Elementos da Lei Natural e Política, primeira versão de sua teoria política,
em inglês, que circulou em manuscrito (LIMONGI, 2002). Quando a possibilidade de
uma guerra civil na Inglaterra já estava claramente definida, em 1640, Hobbes,
conhecido defensor da monarquia, com medo e inseguro por sua vida, viajou de
volta para Paris, onde mais uma vez foi recebido pelo círculo dos intelectuais
franceses (RODRIGUES, 2013).
Hobbes foi confrontado com a guerra civil inglesa quando já havia elaborado
as grandes linhas do seu sistema. Agredido pelos acontecimentos, escreve a
terceira parte de sua obra, De Cive, no ano de 1642, propondo que, para sair da
guerra civil, era necessária a instauração de um poder absoluto (BOBBIO, 1998).
Refugiado em Paris por temer por sua segurança após ter publicado De Cive,
Hobbes escreveu sua obra-prima, Leviatã ou Matéria, Forma e Poder da
Comunidade Eclesiástica e Civil, um estudo filosófico sobre o absolutismo político
que sucedeu a supremacia da Igreja medieval (CAIXETA, 2012). Essa publicação
custou-lhe a perda do apoio dos realistas refugiados na França (LIMONGI, 2002).
Em 1651, dois anos depois da decapitação do rei Carlos I, Hobbes decide
retornar para a Inglaterra, com o fim da guerra civil e o começo da ditadura de
Cromwell. Nesse ano publicou Leviatã, o qual provoca o início de sua disputa com
John Bramall, bispo de Derry. Seu principal acusador o apontava como um
materialista ateu (RODRIGUES, 2013). Hobbes escreveu sua principal obra, Leviatã,
já na maturidade.
Em 1655, Hobbes publicou o De Corpore, a primeira parte de seu sistema,
compreendendo uma lógica e uma física (LIMONGI, 2002). Nesse ano, ainda em
Paris, torna-se professor de Matemática do Príncipe de Gales, o futuro Carlos II que
também estava exilado em Paris por causa da guerra civil inglesa. Hobbes publica o
De Homine, a segunda parte de seu sistema, em 1658. Seu sistema seria composto
pelo De Corpore, o de Homine e o De Cive (LIMONGI, 2002).
Com a restauração da monarquia inglesa, em 1660, Hobbes voltou a ser
admitido na corte com uma pensão oferecida por Carlos II. Em 1666, sentiu-se
19
ameaçado com a tentativa de aprovação no Parlamento de uma lei contra o ateísmo,
sendo que a comissão deveria analisar Leviatã. A lei não foi aprovada, mas Hobbes
nunca mais pôde publicar algo sobre a conduta humana. Na Inglaterra, em 1666, as
obras de Hobbes foram queimadas publicamente. Aos 63 anos, Hobbes retornou e
permaneceu por mais vinte anos na Inglaterra, mantendo sua energia e
combatividade, envolvendo-se em várias polêmicas no campo científico e religioso
(CAIXETA, 2012). Nos seus últimos anos, Hobbes traduziu os clássicos: Odisseia
(1675) e Ilíada (1676) (FERREIRA, 2012).
Hobbes, filósofo e cientista político, faleceu em 04 de dezembro de 1679,
aos 91 anos, e deixou diversas obras que hoje são objeto de estudo nas mais
variadas disciplinas do conhecimento humano (FERREIRA, 2010). No século XVIII,
seu pensamento ganhou nova importância, dada pelos utilitaristas seguidores de
Jeremy Bentham. É hoje considerado um dos grandes pensadores políticos da
Inglaterra (COBRA, 1997).
Hobbes soube captar e descrever os problemas sociais de sua época e,
levado pela paixão, pelo desejo de escapar dessa sensação de insegurança e de
medo permanente, que lhe perseguiu desde o tempo de nascituro até maturidade,
construiu, por meio da razão e de elementos simbólicos, uma teoria política que
mais tarde serviu de base para a elaboração da teoria do Estado Moderno.
1.2 A PALAVRA LEVIATÃ
Já se expôs o contexto histórico e a vida de Hobbes, agora faz-se
necessário entender o significado da palavra Leviatã, utilizada por ele para ser o
título de sua obra-prima, para melhor compreender sua intenção de optar por este
termo.
Após vivenciar o clima de tantas guerras e rivalidades, Hobbes era desejoso
de paz. Percebeu que a vida em sociedade demonstrava problemas graves de
relacionamento. Seu objetivo era o estabelecimento de segurança e de paz para a
sociedade. Porém, o que a palavra Leviatã teria a ver com o esse objetivo?
A palavra Leviatã está presente nas grandes mitologias e na língua
portuguesa. Qual a intenção de Hobbes ao utilizá-la? Para tentar responder a essa
pergunta é preciso entender a categoria mito. “O mito é o relato de um
20
acontecimento originário, no qual os Deuses agem e cuja finalidade é dar sentido a
uma realidade significativa” (CROATTO, 2010, p. 211). Para Eliade (1992), o mito é
uma narrativa natural que remete à origem de tudo que importa hoje. Narra uma
história verdadeira sagrada. Nas sociedades onde o mito vige, pode-se diferenciar
os mitos sagrados das histórias profanas.
O mito refere-se sempre a uma experiência religiosa. Trata-se de uma
história verdadeira porque fala de algo que realmente conta para as pessoas. O mito
é uma narrativa que funda tudo que mais importa para os sujeitos naturais. Serve de
fundamentação para o que se vive atualmente. O conteúdo do mito é o ethos das
pessoas. Ethos é o fundamental, isto é, o que se concebe sobre si mesmo e sobre
os outros. As fontes de acesso para conhecer o indivíduo são os mitos. O cosmo
depende do mito fundante, pois os eventos são integrados no contexto do cosmo,
em um universo dos deuses. Portanto, o mito do Leviatã colocou ordem no caos que
encontrava a sociedade. Ele deu sentido e conferiu significado ao que mais
importava para as pessoas naquele momento.
Embora acusado no século XVII de ateísta, Hobbes era um conhecedor da
Bíblia e dos mandamentos de Deus. Fez várias interpretações de diversas passagens
bíblicas em sua obra Leviatã. Ele empregou o nome do monstro mitológico à sua obra
com o intuito de buscar fundamentação para o problema da representação do poder
civil. A concepção mítica remete aos primórdios. O crente precisa de mitos que
justifiquem seus esforços. Os mitos são ricos de sentido e polissêmicos. O sentido do
mito é o que mais se aproxima do ethos do indivíduo. Ao remeter-se para a dimensão
sagrada, o objeto torna-se fundamental e indiscutível, na medida em que é a vontade
dos deuses. O sentido que Hobbes buscou legitimar é o da soberania do poder civil:
ele quer comparar o poder do Estado com o poder de Deus, baseando-se no mito do
monstro bíblico Leviatã. Ao crer-se que o Leviatã é sagrado, os atos do Estado
passam a ser vontade de Deus, sendo, portanto, inquestionáveis.
Croatto (2010, p. 303) fala sobre a relação do mito com a história da
seguinte forma:
O mito tem ligação com a história, porém não a narra, interpreta-a. Para tal,
recorre, por um lado, à linguagem simbólica e, por outro lado, a um
paradigma originário; este sim é narrado. Portanto, podemos afirmar que
todo mito, está relacionado com a história, e que todo fato histórico, para ser
entendido religiosamente, tem que ser apresentado em alguma forma na
linguagem simbólica ou mítica.
21
Quando se faz essa associação entre a história e o mito, não se pode deixar
de pensar no Leviatã. Leviatã e Estado são categorias da história e, para serem
entendidas religiosamente, é necessário recorrer à linguagem simbólica.
A palavra Leviatã também aparece nos dicionários da língua portuguesa.
Deriva do hebraico liwjathan e significa animal que se enrosca (FERREIRA, 1999).
De acordo com o dicionário Houaiss, o Leviatã, por extensão, sob a perspectiva
política, significa o Estado soberano com poder sobre os súditos. Chevalier (2007, p.
547), sob esse enfoque, acrescenta:
Leviatã simboliza o Estado que se adjudica uma soberania absoluta, rival de
Deus, e um direito absoluto, de vida e de morte, sobre todas as criaturas
que ele submete. [...]. Em Thomas Hobbes, esta concepção absolutista
deriva, como uma consequência lógica, de uma filosofia materialista, que
tem a intenção de proteger os indivíduos e a coletividade, mas ao preço de
toda liberdade e de uma obediência passiva ao poder.
Chevalier (2007, p. 546) afirma que, na hipótese de se considerar o mar
como símbolo do inconsciente, receptáculo de monstros obscuros e forças
instintivas que só o poder de Deus é capaz de dominá-los, fica implícita uma teologia
da graça, correlativa ao poder deste Leviatã, este monstro capaz de engolir o sol,
que é, por sua vez, símbolo do divino.
Diferentes culturas absorveram o mito do monstro Leviatã. Destaca-se aqui
uma breve definição da palavra Leviatã nas mitologias fenícia, babilônica e bíblica.
1.2.1 Leviatã na Mitologia Fenícia
Segundo Chevalier (2007, p. 547), “nas tradições fenícias, o Ros Shamara
era símbolo da nuvem de tempestade que Baal derriba para trazer sobre a terra o
aguaceiro benfeitor”. Para a mitologia fenícia, Leviatã é o monstro do caos
(FERREIRA, 1999). Tiamat é a personificação do caos. Caos significa a desordem e
o vazio. Simboliza “uma situação de anarquia, que precede a manifestação das
formas e, no final, a decomposição de toda forma” (CHEVALIER, 2007, p. 183).
A iconografia de Canãa apresenta um monstro marinho de sete cabeças,
denominado de Lôtanu, combatendo o deus Môtu. O confronto entre Ba’lu e Lôtanu
é narrado no poema poético El mito de la lucha – lucha entre Ba’lu y Môtu (LETE,
1981, p. 213):
22
Cuando aplaste a Lôtanu, la serpiente huidiza,
Acaba com la serpente tortuosa,
El tirano de siete cabeças,
Se arrugaron (y) se aflojaran los cielos
Como el ceñidor de tu túnica;
(entonces) yo fui consumido hecho pedazo
Esparcido (al viento) perecí.
Ba’lu derrota Lôtan. Lôtan é designado como uma serpente tortuosa
dominada e morta por Ba’lu, como referência ao Leviatã bíblico. Na mitologia semita,
a serpente primordial foi vencida pelo deus principal de cada povo. A literatura
cananeia pode ser relacionada com a literatura bíblica, em que Yahweh acaba por
assimilar os mesmos traços e atributos divinos de Ba’lu – a vitória de Deus sobre as
forças maléficas do mar, estabelecendo assim a ordem.
1.2.2 Leviatã na Mitologia Babilônica
O monstro marinho evocado em Jó remete ao mito cosmogônico babilônico
Tiamat. “Tiamat, o mar, após ter contribuído para o nascimento dos deuses, foi
vencido e submetido por um deles” (CHEVALIER, 2007, p. 547). Tanto no imaginário
popular como no imaginário poético, essa imagem de vitória é retomada e atribuída
a Jeová (CHEVALIER, 2007).
O poema cosmogônico Enuma elish (ELIADE, 1983) relata as origens do
mundo para enaltecer Marduk. Algumas fontes especificam que Tiamat representa o
mar. Apsu e Tiamat são a imagem do primeiro casal primordial. Tiamat é imaginada
como mulher e como bissexuada. Da fusão deles são gerados mais casais divinos.
As novas gerações de deuses perturbam o descanso de Apsu, que reclama com
Tiamat. Quando o jovem Ea, neto do casal primordial, ficou sabendo da decisão de
Apsu de destruí-los, ele lança um encantamento, acorrenta-o e mata-o. Ea torna-se
o deus das águas. O caçula dos deuses, Anu, recomeça o ataque contra os mais
velhos e perturba Tiamat com as ondas. Em resposta, Tiamat cria monstros
destemidos. Fixa no peito de seu filho Kingu a tabuinha dos destinos e lhe confere o
poder supremo. O único que aceitou enfrentar o combate foi Marduk, filho de Apsu.
Tiamat tenta engolir Marduk, que projeta ventos furibundos para inchar o ventre de
Tiamat, que permanece com a goela aberta; Marduk, então, arremessa uma flecha
que lhe tira a vida. O corpo de Tiamat é cortado em dois pedaços; um foi
transformado na abóbada celeste e o outro na terra. Tiamat aparece como criadora
23
de muitos monstros, uma criatividade negativa (ELIADE, 1983). De uma parte do
corpo de Tiamat é criada a terra. Esse mito originário explica de onde viemos e por
que somos assim, seres que trabalham, possuem sentimentos, sexualizados... O
poema ocupa-se da cosmogonia, aproximando-se das ideias de Eliade e diferindo
da intenção de Hobbes. Hobbes opta pelo livro de Jó, o qual apresenta
características que ele busca enaltecer para reforçar o poder soberano do Estado.
O poema Enuma elish era recitado no templo, no quarto dia da festa de Ano
Novo. Para os suméricos, existia uma sacralidade no soberano mesopotâmico, “a
realeza tinha descido do céu, possuía uma origem divina” (ELIADE, 1983, p. 97). O
rei já era predestinado à soberania antes de seu nascimento. Uma luz sobrenatural
brilhava em volta de sua cabeça. “O soberano representava o povo perante os
deuses e era ele quem expiava os pecados dos seus súditos” (ELIADE, 1983, p. 97).
Era um enviado de deus para instalar a justiça e a paz e possuidor de uma dupla
natureza, divina e humana. Sua condição humana não chegava a ser transmudada,
continuava sendo mortal (ELIADE, 1983).
O emprego do mito babilônico para sacralizar os poderes do soberano
manteve-se até o desaparecimento da civilização assírio-babilônica. Ao analisar-se
aquele poema, verifica-se uma similitude com a teoria política de Hobbes, que
emprega o mito do monstro Leviatã para sacralizar os poderes do Estado.
1.2.3 Leviatã na Mitologia Bíblica
Segundo a Bíblia, o Leviatã é um animal aquático ou réptil (FERREIRA,
1999). Chevalier (2007) diz que o Leviatã é um monstro que exige cuidado para não
acordá-lo.
O Leviatã, na Bíblia, é representado pela serpente primordial, que, no relato
do livro de Gênesis, é lembrada no tehu vavohu, uma expressão hebraica para
definir a Terra, “informe e vazia com as trevas cobrindo o abismo” (Gênesis 1,2).
Essa expressão é o que resta de um possível texto que pode descrever o mitológico
Leviatã. O termo Leviatã, no entanto, aparece mais em textos poéticos, como em Jó
e nos Salmos. De acordo com o Salmo 74, o Leviatã foi assassinado por Deus,
Yahweh. Em Apocalipse, ele é capaz de engolir o sol, que simboliza o divino.
Entende-se com isso que o Leviatã seja detentor de um poder equiparado ao poder
de Deus.
24
Isaías 27,1 situa essa execução no fim dos tempos, fazendo referência ao
Egito, à Babilônia. A profecia de Isaías 51,9 fala do Leviatã como o monstro cortado
em pedaços por Deus. No Salmo 87,4 e em Isaías 30,7, Rahab é um monstro
símbolo do poder político. E em Ezequiel 29,3s e 32,2-8, o faraó é apontado como
um dragão. Rahab também é chamado de dragão em Isaías 51,9.
Afinal, para Hobbes, o Leviatã foi morto e cortado em pedaços Is 51,9 ou
está adormecido no mar Jó 41,10? Acredita-se que, para Hobbes, o mito do terrível
monstro marinho adormecido no fundo do mar é um mal necessário. Sua presença é
primordial para a harmonia hobbesiana, já que é o temor que ele provoca nos
homens que os fará obedecer às leis do Estado.
Ao analisar as categorias acima citadas, foram verificados pontos de
aproximação. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Leviatã
significa “animal que se enrosca”, podendo ser, pela lógica, uma cobra ou uma
serpente. Na Bíblia também o Leviatã vem retratado como um réptil. Na mitologia
babilônica, é denominado de Tiamat, uma deusa descrita como uma serpente
marinha ou um dragão. Nas leituras realizadas, não se verificou uma associação
clara entre Tiamat e Lotan. Porém, se Tiamat foi considerada serpente, então
haverá ligação entre ela e Lotan.
Ao associar as definições que Houaiss e Chevalier trazem sobre o Leviatã,
conclui-se que o poder do Leviatã é colossal e pode ser comparado ao poder de
Deus, que tem nas mãos a decisão de vida e de morte.
Já a definição de Leviatã, de acordo com a mitologia fenícia, distancia-se da
ideia de Hobbes. A mitologia fenícia designa-o como monstro do caos. E caos
significa desordem, vazio. Logo, constata-se uma distância entre o Leviatã de
Hobbes e o Leviatã fenício, pois o monstro de Hobbes não simboliza o caos, pelo
contrário, fornecia forma e disciplina às paixões dos indivíduos com o objetivo de
lhes proporcionar paz e segurança. Só incorpora a caracterização de monstro ao ser
desobedecido. Hobbes acredita no poder do medo para impor a obediência civil. A
literatura bíblica aproxima-se da literatura fenícia. Nas duas narrativas míticas, tanto
Ba’al quanto Marduk instauram a ordem cósmica.
Uma vez compreendido o significado da palavra Leviatã, é importante
recorrer à definição que mais se aproxima das características que Hobbes quis
ressaltar em torno do Leviatã. Hobbes compara o poder do Estado com o Leviatã
evocado no capítulo 41 de Jó, “onde Deus, após ter estabelecido o grande poder do
25
Leviatã, lhe chamou rei dos soberbos” (HOBBES, 1997, p. 241). Conclui-se que, ao
empregar o nome de um monstro mitológico bíblico, ele quer com isso apropriar-se
do seu sentido simbólico. O sentido apropriado é a capacidade de governar as
demais criaturas, já que o monstro não sente medo e não tem superiores.
1.3 ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DO LEVIATÃ
Leviatã pode ser considerada a obra-prima de Thomas Hobbes e foi
publicada, em 1651, na Inglaterra. Essa obra reforça o que Hobbes já havia
discutido no seu primeiro tratado, Os Elementos da Lei Natural e Política, no ano de
1640. Hobbes formulou sua teoria política com fundamento no contrato social. O
Estado é uma criação artificial que se origina do contrato. A obra defende o
absolutismo político e o poder centralizado na pessoa do soberano ou em uma
assembleia. Hobbes era um defensor da monarquia. No Leviatã, ele demonstra a
necessidade de se criar um Estado forte capaz de colocar ordem no caos em que os
indivíduos viviam no século XVII. Seu princípio hipotético era de que a vida no
estado de natureza seria de guerra de todos contra todos. Para Hobbes, a ausência
de um Estado forte para governar impediria o progresso e o avanço da ciência, já
que o homem, no estado de natureza, teria que se preocupar o tempo todo em
defender sua vida.
O público-alvo de Leviatã era “[...] os simpatizantes republicanos” (RIBEIRO,
1984, p. 62). Essa obra caracteriza-se principalmente por se identificar como uma
resposta para a confusão política e social que ocorria na época. As ideias centrais
de Hobbes a respeito da natureza humana são: o homem lobo do homem, guerra de
todos contra todos e emprego da força para validar o contrato. A seguir serão
analisados alguns elementos importantes da obra que auxiliarão na comprovação do
emprego da dimensão religiosa para legitimar o poder do soberano.
1.3.1 “O Homem Lobo do Homem”
Hobbes fez uma análise muito interessante a respeito da natureza humana,
a qual indica que ele estava muito atento aos problemas de sua época. Criou uma
teoria das paixões, afirmando que “a direção dos movimentos humanos, os desejos
inatos e adquiridos, as aversões e as aproximações são dadas pelos movimentos
26
naturais aos corpos. O orgulho e outras paixões obrigaram os indivíduos a se
submeterem ao governo” (HOBBES, 1997, p. 241). Hobbes parte do pressuposto de
que, no estado de natureza, os homens são extremamente egoístas, com o intuito
de ressaltar a necessidade de se instaurar um poder para disciplinar as paixões
humanas. Acredita-se que Hobbes não considerou o homem só lobo, pois acreditava
em seu potencial para se tornar um ser humano social. O homem não tem só o
aspecto negativo. Se assim fosse, não haveria Leviatã que conseguisse controlá-lo.
Segundo Hobbes (1997), os homens são iguais, “a diferença entre eles não
é suficientemente considerável para que qualquer um possa reclamar qualquer
benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele”. Dessa igualdade
surgem situações de conflitos. Por exemplo, quando dois indivíduos desejam a
mesma coisa e ambos não podem dela gozar ao mesmo tempo, eles se tornam
inimigos, tendem a se destruir ou a subjugar um ao outro. Hobbes parte de um
princípio hipotético segundo o qual o homem, no estado de natureza, tem direito a
tudo, o que gera um estado de guerra de todos contra todos. Hobbes destaca a
natureza egoísta dos indivíduos, em que todos são preocupados com seus próprios
interesses (HOBBES, 1997), em uma competição insustentável repleta de conflitos e
rivalidade e perpétua desconfiança. Para Hobbes (1997), sem um poder comum
capaz de impor obediência, os homens não conseguiriam tirar prazer algum da
companhia uns dos outros.
Hobbes elenca uma série de razões que demonstram a natureza não
sociável da humanidade. Ele faz um estudo comparado entre o modo de vida das
abelhas e formigas e o modo de vida humano. As abelhas e formigas não
apresentam os mesmos apetites e a mesma capacidade de linguagem que os
homens. A natureza humana apresenta as seguintes características, segundo
Hobbes (1997, p. 143):
1
É competitiva, gerando disputa por honra e por dignidade.
2
A definição de felicidade só existe em comparação com os outros homens.
3
Um grande número de homens julga-se mais sábio e capacitado para o
exercício do poder público, criando, assim, reformas e inovações que levam o
país à desordem e à guerra.
4
Os homens têm a capacidade de linguagem, empregando a arte das palavras
para deturpar o sentido.
27
5
Quanto mais satisfeito sente-se o homem, mais implicativo ele se torna.
6
O acordo entre os homens só surge por meio de um pacto.
Segundo Hobbes (1997), a ausência de uma ordem comum para disciplinar
as paixões humanas e apaziguar possíveis conflitos e rivalidades acarreta um
constante estado de natureza, isto é, um estado de guerra. Mas “a guerra não
consiste apenas na batalha ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante
o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida” (HOBBES, 1997, p.
109). A natureza da guerra reside em todo tempo que não houver garantia de paz ou
enquanto existir disposição para a luta. Essa disposição é a inferência a partir das
paixões. Pode-se supor que o indivíduo se comporte de maneira a buscar cada vez
mais poder para si próprio. A suposição já é a guerra, pois é dela que surge o direito
de agir e de torná-la real e efetiva (LIMONGI, 2002).
Na natureza do homem, encontramos três causas geradoras de conflito e
discórdia: a competição, a desconfiança e a glória. A primeira leva os homens a atacar
os outros, visando lucros; a segunda visa à segurança; e a terceira visa à reputação.
Paradoxalmente, no Estado de natureza, ocorre a ausência de fruição da liberdade,
pois, onde todos têm liberdade, essa liberdade não é gozada (PONTES, 2013).
Segundo Macpherson (1979), Hobbes adverte: que maneira de vida haveria
se não existisse um poder comum a temer? Assim, o homem deseja libertar-se a
qualquer custo da desgraça. Para tanto, é necessário que ele faça um pacto no qual
renuncie ao direito de governar a si mesmo e também à liberdade individual, a qual
teria no estado de guerra. O estado de natureza é uma dedução oriunda das paixões.
Para Ferreira (2010), a obra máxima de Hobbes apresentou suas ideias
acerca da natureza humana e sobre a necessidade de governos e sociedades.
Segundo Hobbes, o homem que é mais poderoso do que outro pode aproveitar-se
dessa situação para dominar outros e impor os seus desejos, porém esse ciclo não
se encerraria, o que acabaria por aniquilar a sociedade em uma guerra desmedida e
infindável.
O perigo da guerra está sempre rondando, inclusive na garantia de um
Estado político. O Estado corre o risco de perecer. Para que isso não aconteça,
Hobbes (1997, p. 243) afirma que, “embora nada do que os mortais fazem possa ser
imortal [...], se os homens se servissem da razão da maneira como fingem fazê-lo,
podiam pelo menos evitar que seus Estados perecessem devido a males internos”.
28
De acordo com Rodrigues (2013), no estado de guerra, em que todos estão
contra todos, nada pode ser injusto. Não existe distinção entre o bem ou o mal,
justiça ou injustiça. Onde não há bem comum, não há lei e onde esta não existe
nunca haverá justiça. Hobbes enuncia que o homem, no Estado de Natureza1, tem
direito a todas as coisas, vive na liberdade de cumprir seus objetivos e saciar seus
desejos. Nesse estado, não existindo Estado ou Governo, os homens viveriam em
constante conflito, visto que a igualdade quanto à busca de realizar os fins levaria
os homens a disputarem e lutarem por seus objetos de interesse. Quando todos
têm liberdade, na verdade, ninguém a possui, ao contrário, isso só geraria conflitos
que levariam à guerra. Para sair do estado de natureza e ter a vida preservada, os
homens se reuniriam e assinariam um contrato dando a um soberano, na figura do
Estado, poderes ilimitados para a manutenção da segurança e da paz. Esse estado
forte iria controlar e forçar os homens a respeitarem suas leis, permitindo a vida em
sociedade. Nesse contexto, as pessoas, abdicariam de sua liberdade em favor de
um Estado forte e protetor, garantidor de paz, e consequentemente, abdicariam de
suas vidas. A liberdade consistiria apenas em revoltar-se contra o soberano
quando este não cumprisse o fim de manutenção da paz e proteção da vida
(PONTES, 2013).
O medo leva à razão. O emprego do cálculo racional fez que o ser humano
buscasse uma saída para o estado de guerra. A solução resultante é o contrato. Em
prol da segurança, o ser humano abdicou da liberdade vigente no estado de
natureza.
1.3.2 Origem do Estado
Segundo Hobbes (2006, p. 44), contrato “é o ato em que dois ou mais
transferem direitos mutuamente” como uma alternativa artificial para dirimir
rivalidades e conflitos. A base para o contrato concentra-se no desejo de paz que
supostamente é o de todos os homens. Limongi (2002, p. 28) fala sobre o contrato
proposto por Hobbes da seguinte maneira:
1
Hobbes parte do princípio hipotético de que o Estado de Natureza seria uma condição de
permanente guerra de todos contra todos. Nesse estado não haveria um poder comum instituído
capaz de garantir vida segura e satisfeita. Cada ser humano usaria seu poder para saciar seu
próprio desejo. Um estado de liberdade onde todos têm direito a tudo e ao mesmo tempo não há
quem possa desfrutar de nada.
29
Por meio desse contrato, segundo o modelo de Hobbes, os homens se
comprometem reciprocamente a submeter suas vontades à vontade de um
homem ou assembleia de homens, que passa a ter poder para decidir
acerca de todos os assuntos concernentes à paz.
Para que todos cumpram o que foi contratado surge a necessidade da
instauração de um poder comum com força suficiente para impor o cumprimento do
pacto. Só as palavras não são suficientes para refrear as paixões humanas
(HOBBES, 1997). Hobbes enfatiza que o principal elemento da soberania é a força,
cujo monopólio constitui o poder soberano, sendo o único com condições de impor
determinados comportamentos à coletividade. A coação representa o único meio
adequado para garantir a obediência às leis e aos contratos (MATTOS, 2011).
Para Limongi (2002), Hobbes, ao estabelecer um vínculo entre a potência do
Estado e o medo da punição, possibilita entender que nenhuma união ou acordo
firmado entre cada homem e cada um dos demais seria possível se não fosse a
intervenção de um poder coercitivo suficientemente capaz de conter, por meio da lei
ou do medo da espada, aquelas propriedades inerentes à natureza humana.
O que sustenta o poder do Estado é uma obrigação jurídica, contratual
(LIMONGI, 2002). No contrato está a justificativa do poder do Estado.
Conforme Ferreira (2010), a paz somente seria possível quando todos
renunciassem à liberdade que têm sobre si mesmos. Hobbes discorre sobre as
formas de contratos e pactos possíveis em sua obra Leviatã, apontando ser o
Estado o resultado do pacto feito entre os homens para, simultaneamente, todos
abdicarem da liberdade, do estado de natureza.
Segundo Hobbes (1997, p. 141), “os pactos sem a espada não passam de
palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém”. Com esta afirmação
ele constata que, por ser a natureza humana movida pelas paixões, é necessário
aliar-se à paixão mais poderosa, o medo. Só o medo da punição impediria a
desobediência às leis.
A origem do Estado hobbesiano encontra fundamentos no medo, na razão e
na ressignificação da lei natural. Hobbes trabalha essas categorias sob uma nova
configuração, convertendo-as nas categorias de contrato e de absoluto.
Hobbes (1997, p. 144) assim define a essência do Estado:
Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade
de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada
homem com todos os homens, [...]. É esta a geração daquele grande
Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus
Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. [...] É
30
nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida:
‘Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos
recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de
modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que
considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum’. Àquele
que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui
poder soberano. Todos os restantes são súditos.
A essência do Estado está no poder soberano. Todos os indivíduos,
reunidos em num único corpo político, delegam voluntariamente todos os poderes ao
soberano por meio do contrato – um representante todo poderoso capaz de instaurar
a paz.
Hobbes aproxima-se de Maquiavel e do seu empirismo radical, a partir de
um método de pensar dedutivo. Em sua construção hipotética, partiu do contrário, ou
seja, iniciou sua teoria a partir dos homens convivendo sem Estado para depois
justificar a necessidade dele. Esse estágio do convívio humano sem autoridade
recebe o nome de “estado natural”. Hobbes alega que o ser humano é egoísta por
natureza, e com essa natureza tenderia a guerrear entre si, todos contra todos,
razão pela qual há a necessidade de um contrato social que estabeleça a paz,
construindo, assim, uma teoria contratualista de Estado. Os seres humanos,
egoístas como são, necessitam de um soberano que puna aqueles que
desobedecem ao contrato social (CAIXETA, 2012).
No capítulo XVII do Leviatã, Hobbes (1997) expõe causas, geração e
definição de um Estado. Segundo o autor, a preocupação com sua própria
conservação e com uma vida mais satisfeita levaria o homem a submeter-se às
restrições do Estado.
A causa dessa submissão é o desejo de sair da mísera
condição de guerra e alcançar a paz.
O Estado é criado por Hobbes como uma advertência que o homem
estabelece sobre si mesmo para pôr fim ao estado de guerra de todos contra todos.
A
igualdade
entre
os
homens,
na
visão
de
Hobbes,
gera
ambição,
descontentamento e guerra. A igualdade seria o fator que contribui para a guerra de
todos contra todos, levando-os a lutar pelo interesse individual em detrimento do
interesse comum. Obviamente, isso seria resultado da racionalidade do homem, que
a ele concede um senso crítico quanto à vivência em grupo, podendo criticar a
organização dada (FERREIRA, 2010).
Para Hobbes, o Estado deveria ser a instituição fundamental para regular as
relações humanas, dado o caráter da condição natural dos homens que os impele à
31
busca do atendimento de seus desejos de qualquer maneira, a qualquer preço, de
forma violenta, egoísta, isto é, movida por paixões (RIBEIRO, 2013).
Segundo Hobbes (1997), procurar a paz e segui-la é a primeira lei natural
que dá início ao Estado. Existe uma necessidade urgente de um “poder comum,
capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros,
garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que [...] possam alimentar-se e
viver satisfeitos [...]” (HOBBES, 1997, p. 143).
Para Hobbes, o acordo apropriado entre o homem e todos os outros homens
seria promulgado como: “cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo
a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a
ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações” (HOBBES,
1997, p. 144). Assim nascia então o Estado na visão de Hobbes. Segundo Souki
(2008), a instauração do Estado se dá quando uma multidão realiza um acordo e faz
um pacto. O pacto concede-lhes vida pacífica e protegida. A multidão transforma-se
em povo ao transferir todos os direitos ao soberano. Ela acrescenta que o soberano
fica fora do contrato, por isso não corre o risco de ser injusto.
Seria necessária a criação artificial da sociedade política, administrada pelo
Estado, estabelecendo-se uma ordem moral para a brutalidade social primitiva. O
Leviatã surge para colocar fim a essa brutalidade, como força de manutenção da
ordem social e que exerce o seu poder sobre os seus subalternos. Segundo
Hobbes, os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um
poder absoluto e centralizado. A Igreja cristã e o Estado cristão formavam um
mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de interpretar as
Escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto (FERREIRA, 2010).
Hobbes (1997, p. 141) apresenta um contrato de guerra e paz em que há o
“desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária
das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os
manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimentos dos
pactos”. Nos conflitos humanos, o medo e a esperança oscilam.
O medo da morte funda a teoria política de Hobbes. Segundo Souki (2008),
a vontade de evitar a morte e a esperança de reduzir o medo são fatores que levam
o indivíduo a se sujeitar ao Estado. A autoridade do soberano e a abdicação de
liberdade dos súditos têm por base o medo da morte (SOUKI, 2008). O desejo de
escapar da terrível sensação do risco de morte iminente, do medo do imprevisível,
faz que nasça o Estado.
32
Assim, o cidadão, para assegurar a sua própria sobrevivência, restringe as
suas liberdades naturais e passa a viver sob a proteção do Estado. O Leviatã é o
Estado, representado pelo monarca ou por uma assembleia, possuidor de todos os
poderes, inclusive religioso. O Estado surge para garantir a segurança dos
indivíduos, consequentemente, uma vida plena.
Algumas categorias incidiram na elaboração da teoria contratual do Estado
hobbesiano, tais como: medo, razão, direito natural e leis de natureza.
Qual a origem da sensação de medo que Hobbes insistentemente
empregava? Para responder a essa questão, é preciso tentar compreender de onde
surgiu esse termo. Na idade média, a culpa moral era sinônimo de culpa religiosa. O
Cristianismo encontrou terreno fértil para prosperar nesse período. A Igreja
expandiu-se e ditou as doutrinas. O papado era representante oficial de Deus. A
culpa religiosa fica associada ao pecado e ao erro. Nessa época, Deus era visto
como juiz misericordioso.
Já na Renascença, período em que viveu Hobbes, a culpa transforma-se em
confissão da fé. Deus é visto como terrível, temível, pavoroso; descobre-se que
Deus está distante, consequentemente, o temor se dissemina. Os sermões dos
puritanos da Nova Inglaterra assustavam literalmente as crianças ao descreverem o
inferno com choro e ranger de dentes. O sermão do teólogo luterano Tileman
Heshusius (1588) afirmava que a morte era de todos os males o mais terrível. Tanto
a pastoral de Roma quanto a pastoral da Reforma insistiam na terrível morte dos
pecadores. O protestantismo inseriu a morte na lógica do pecado original
(DELUMEAU, 2003).
O medo passa a ser experimentado por meio da categoria do imaginário. O
temor pelo inferno permeia o imaginário das pessoas. Na Renascença, o rei passa
ser a única figura que garantia coesão ao Estado. A mediação do divino passou a se
concentrar na pessoa do rei. Hobbes, na elaboração da teoria do contrato, é
influenciado por esse conceito. Esse período é marcado pelo reinado do medo e da
condenação. Nasce uma doutrina focada no medo – medo retroalimenta medo. Na
religião, surge uma ampla pastoral voltada para o medo: confissão e penitência. O
humanismo formou-se pelo viés da mediação religiosa, baseado na doutrina e na
pedagogia do medo. Atribui-se ao indivíduo culpa e castigo. Nesse contexto de
medo mediado pela religião, o Leviatã pode representar a salvação dos homens. O
que Hobbes alegava ser a maior das paixões humanas era o medo da morte
33
violenta, contra a qual, segundo ele, só o Estado soberano poderia garantir
segurança e paz.
O que convenceu o indivíduo à submissão ao Estado soberano? Segundo
Ribeiro (1984, p. 70), é o medo da morte violenta, fundamental para a socialidade: “o
temor veste o pacto, que nu não passava de palavreado; mas não basta para
exorcizar a morte para encaminhar os homens à paz”. Ribeiro acrescenta que, além
do medo, é necessário haver esperança para a socialidade fluir. O medo de outro
ser humano faz que os indivíduos optem pelo contrato. O medo da morte violenta
provocaria um estado de alerta constante.
Aquele que se submete a outro por medo se submete àquele que teme ou a
outro no qual detenha confiança em sua proteção (HOBBES, 2006). Sentir medo é
reconhecer um poder (HOBBES, 2006). O medo é a paixão que menos leva o
indivíduo à prática de violação das leis. E é a única paixão que leva o indivíduo de
natureza não tão generosa a respeitar as leis (HOBBES, 1997). Quando Hobbes
remete o Estado ao mito de origem, busca apropriar-se de seu sentido de provocar
terror. Então, é pelo medo da punição que Hobbes encontra o caminho para a
submissão ao Estado.
O Estado hobbesiano seria marcado pelo medo, sendo o próprio Leviatã um
monstro cuja armadura é constituída de escamas, as quais remetem ao mito do
monstro marinho, que tem a forma de seus súditos, brandindo ameaçadora espada,
governando de forma soberana por meio deste temor que inflige aos súditos. Em
suma, este Leviatã vai concentrar uma série de direitos indivisíveis para poder deter
o controle da sociedade, em nome da paz, da segurança e da ordem social, bem
como para defender a todos de inimigos externos (FERREIRA, 2013).
O medo encurralou o indivíduo a tomar uma decisão racional. Quando
alguém raciocina está fazendo uma soma total. Essa operação não se restringe
apenas a números, pode-se utilizar o cálculo a toda espécie de coisa: “[...] seja em
que matéria for que houver lugar para a adição e para a subtração, há também lugar
para razão, quando a contamos entre as faculdades do espírito” (HOBBES, 1997, p.
51). Hobbes define razão como o cálculo das consequências de nomes gerais
estabelecidos para marcar e significar pensamentos.
Segundo ele, a razão não é inata ao indivíduo nem é adquirida apenas pela
experiência, mas é obtida com esforço, por meio de uma adequada imposição de
nomes e do emprego de um método bom e ordenado de passar dos elementos até
34
chegar a um conhecimento de todas as consequências de nomes referentes ao
assunto em questão (HOBBES, 1997). É a razão que dita a cada homem que
procure a paz à medida que haja esperança de alcançá-la (HOBBES, 2002).
1.3.2.1 O Estado hobbesiano fora do alcance do domínio da Igreja
Hobbes não admite a submissão do Estado a nenhuma outra instituição,
principalmente à Igreja, que, na época, era sua maior rival, já que era uma instituição
organizada em nível universal.
Segundo Hobbes (1997), o Estado deve submissão apenas ao Deus Imortal.
Ao comparar o Estado ao Leviatã do livro de Jó, ele ressalta que, no plano terreno, o
Estado é uma instituição incomparável e que não tem nada a temer. Entretanto,
Hobbes (1997, p. 241) afirma que o Estado é uma autoridade mortal e que “no céu
há algo que o Estado deve temer obedecer”. Acredita-se que, com a afirmação de
que o Estado é submisso ao poder do Deus Imortal, Hobbes busca legitimidade
junto ao poder no Deus. Nessa perspectiva, o soberano pratica ações em
conformidade com as leis de Deus. O Estado não precisa mais da Igreja como
mediadora para assuntos divinos. O objetivo de Hobbes é impedir a concorrência
entre as instituições Igreja e Estado. Hobbes inova ao livrar o Estado do domínio da
Igreja. Ele percebe que essas instituições têm funções distintas.
O Reino de Deus ainda estava para vir, num novo mundo, de modo que
não podia haver em nenhuma igreja uma autoridade capaz de obrigar,
antes de o Estado haver abraçado a fé cristã, e assim não podia haver
diversidade de autoridade, embora houvesse diversidade de funções
(HOBBES, 1997, p. 378).
Assim, acaba subordinando a Igreja ao Estado. Percebe-se que Hobbes
combate a Igreja com as mesmas armas, faz uso dos mesmos argumentos, retira da
própria Escritura e acaba sacralizando os poderes do Estado. Hobbes (1997, p. 347)
cita um exemplo da Escritura para comprovar que, “desde a primeira instituição do
reino de Deus até o cativeiro, a supremacia da religião estava nas mesmas mãos
que a da soberania civil”.
Segundo Hobbes (1997), o soberano teria nas mãos o poder religioso. Seria
também uma espécie de papa. Ao comparar o poder do soberano com o do papa,
ele proclama a independência do soberano em relação à Igreja. O próprio soberano
35
seria uma espécie de mediador entre a divindade e o povo. Castelo Branco (2004)
ressalta a importância de se conceituar secularização para melhor se compreender
as teorias do Estado Moderno. Analisou a impossibilidade de se separar o poder
espiritual do poder material no Leviatã, porque, segundo ele, isso geraria um conflito
político de poderes, dificultando a compreensão de quem os governa. Ele demonstra
que o significado de secularização nessa obra pode ser interpretado como a
transformação de um Deus todo-poderoso na imagem de um soberano
intramundano, surgindo um indivíduo que representaria o Estado.
Segundo Carvalho (2012), a obra Leviatã é libertadora das consciências que
eram controladas pelo domínio do papado. O papa alegava ser o substituto de
Cristo. A pretensão da Igreja era ser guardiã e única intérprete das Escrituras. Os
papas ameaçavam com as penas eternas, e todos, inclusive o soberano civil,
estavam sujeitos à excomunhão. O descontentamento com a corrupção na Igreja,
com as vendas de indulgências e do perdão divino, provoca a decadência da
instituição. Hobbes mostra que o cargo de chefe dos pastores, segundo as
Escrituras, é do soberano civil. Aqueles a quem Deus não falou imediatamente
devem receber de seu soberano as ordens positivas de Deus. Para comprovar essa
afirmação, ele cita como exemplo a família e os descendentes de Abraão, que não
receberam as ordens de Deus diretamente, e precisaram de Abraão para interpretálas (HOBBES, 1997). Hobbes (1997, p. 341) conclui que “os que ocupam o lugar de
Abraão num Estado são os únicos intérpretes daquilo que Deus falou”. Por Moisés
ter sido chamado sozinho até Deus, ele era único que representava para os
israelitas a pessoa de Deus, isto é, era seu único soberano sob Deus (HOBBES,
1997). Nesse contexto, Hobbes diz que todo aquele que num Estado ocupar o lugar
de Moisés é o único mensageiro de Deus e intérprete de suas ordens.
Com base no Antigo Testamento, Hobbes (1997, p. 348) conclui que “quem
tinha a soberania do Estado entre os judeus tinha também a suprema autoridade em
matéria de culto exterior de Deus, e representava a pessoa de Deus”. Para que os
reis se tornassem cristãos, precisavam submeter seus cetros a Cristo e prometer
guardar e defender a fé cristã. Embora os reis cristãos fossem súditos de Cristo,
equivaleriam aos Papas. Sobressalta que o papa, em momento algum, é mais do
que rei (HOBBES, 1997). Entende-se que a preocupação de Hobbes era afastar a
influência da Igreja sobre o Estado, pois ele sabe muito bem que a Igreja é uma
instituição poderosa, que tem nas mãos instrumentos de dominação e legitimação
36
incomparáveis. Inteligentemente, Hobbes apropriou desse poder. Parece que ele
teve consciência de que, sem esses elementos de convencimento, o Estado
soberano pereceria antes de se instaurar definitivamente.
A categoria “secularização” não é do período de Hobbes, embora tenha
pontos de aproximação relacionados com sua teoria política. O termo “secularização”
pode ser entendido como “[...] o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura
são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos” (BERGER, 1885,
p. 119). A religião passa a se restringir ao âmbito privado, relacionada diretamente
com as escolhas do indivíduo. Modernamente pode-se dizer que o Leviatã é
secularizado. Isso possibilitou a separação da religião pública da individual. O
contratualismo jusnaturalista de Hobbes “contribuiu para a diferenciação dos espaços
discursivos político e religioso, estabelecendo assim bases sólidas sobre as quais o
direito à liberdade religiosa viria a ser edificado” (MACHADO, 1996, p. 73):
A regra, na República Cristã preconizada por Hobbes, era a da
conformidade absoluta com os desígnios do Monarca, centro unificador de
todo o corpo político. Ele é, simultaneamente, cabeça do Estado e da
Igreja. A ele deve ser reconduzido todo o poder espiritual e temporal.
Neste contexto, o espaço reservado à liberdade religiosa coincide
exatamente com o espaço reservado pela natureza das coisas ao foro
interno (MACHADO, 1996, p. 73).
Acredita-se que a intenção de Hobbes, ao concentrar nas mãos do monarca
o poder espiritual e o poder material, era de preservar a harmonia social. O
soberano tomaria as decisões religiosas que mais lhe conviessem. Isso em razão do
medo de guerras religiosas, já que Hobbes viveu num período de intensas disputas
entre o catolicismo romano e o protestantismo. Talvez ele não acreditasse na
possibilidade de as diversas religiões conviverem pacificamente. Percebe-se que
ocorreu uma laicização parcial do Estado, pois Hobbes utilizou as Escrituras
Sagradas como instrumento de legitimação da soberania do Estado, permanecendo
em parte o religioso imbricado no político.
O propósito deste texto é investigar de onde provém o poder do Leviatã e se
todo esse poder realmente proporciona paz e segurança a todos. Ao atribuir ao
Estado competência exclusiva para todos os atos, não aceitando concorrência e
interferência de nenhuma outra instituição e submetendo-se somente a Deus, o
poder pode se tornar arbitrário. Fica claro um aspecto negativo da teoria do Estado
hobbesiano: as leis só valem para o povo, o soberano está acima da lei.
37
1.3.3 Direito Natural
Hobbes (1997, p. 264-5) define direito natural como o
direito de natureza, pelo qual Deus reina sobre os homens, e pune
aqueles que violam suas leis, deve ser derivado não do fato de tê-los
criado, como se exigisse obediência por gratidão por seus benefícios, mas
sim de seu poder irresistível. [...] Para aqueles portanto cujo poder é
irresistível, o domínio de todos os homens é obtido naturalmente por sua
excelência de poder; e por consequência é por aquele poder que o reino
sobre os homens, e o direito de afligir os homens a seu prazer, pertence
naturalmente a Deus todo-poderoso, não como criador e concessor de
graças, mas como onipotente. [...] o direito de fazer sofrer nem sempre
resulta dos pecados dos homens, mas sim do poder de Deus.
Com essa definição, percebe-se que Hobbes esclarece que é natural o
dever de obediência dos homens ao estado civil, já que o poder do Estado é
irresistível. A razão auxilia na preservação da vida. É natural a obrigação de
obediência ao poder soberano. “O súdito é obrigado a obedecer antes de tudo às
leis civis” (BOBBIO, 1998, p. 44). Só o soberano fica isento de limites; a lei civil vem
em primeiro lugar.
Hobbes dedicou-se ao estudo do direito natural e adotou essa doutrina para
reforçar o poder civil. Ele faz uma distinção entre lei divina e humana. A divina é
subdivida em natural e positiva (BOBBIO, 1998). Segundo Hobbes (2006, p. 187), a
lei divina natural é aquela “que Deus manifestou a todos os homens por meio da
palavra eterna, nascida juntamente com eles, por meio da razão natural”. A positiva
é “aquela revelada por Deus através da palavra do profeta, pela qual como homem
ele falou aos homens” (HOBBES, 2006, p. 187).
O direito natural é aquele que Deus comunica aos homens por meio da
razão e vige no estado da natureza; o direito positivo – o humano
deixando de lado o divino – é proposto pelo Estado por meio da pessoa ou
das pessoas que detêm, no Estado, o sumo poder – ou soberania – e tem
vigência no contexto da sociedade civil. O que coloca Hobbes contra a
tradição do jusnaturalismo é o modo como concebe a relação entre as leis
naturais e as leis civis, a validade das leis naturais e as leis civis, a
validade da leis naturais em comparação com a das leis civis (BOBBIO,
1998, p. 41-2).
Segundo Machado (1996), o poder político do Estado procura a sua fonte de
legitimidade num plano imanente, de direito natural.
38
1.3.4 Direito Divino dos Reis
Embora o livro Leviatã (2009), afirme, em seu resumo, que Hobbes defende
o absolutismo político sem recorrer à noção de direito divino, e outros analistas de
Hobbes, como Caixeta (2012), compartilhem da mesma visão, há características que
sinalizam a incidência desse direito. Hobbes ofereceu uma nova configuração ao
direito divino dos reis, ele foi ressignificado, introduzindo o contrato social. Ele lança
mão de instrumentos simbólicos para convencer os súditos de que só a razão não
era suficiente para que as pessoas transferissem sua liberdade para o Estado.
A aceitação da Doutrina do Direito Divino por grande parte do povo devia-se
às causas psicológicas muito profundas que deixavam raízes nos tempos dos reis
bíblicos. Acreditava-se que eles operavam milagres. A prática dos reis que realizavam
curas era muito comum em meio à população francesa na época da Idade Média,
havendo então a crença de que os óleos sagrados de Reims, local onde os reis
franceses eram coroados, serviam como um bálsamo às feridas dos doentes. Em dias
festivos, os soberanos organizavam cerimônias para tocar nos doentes, livrando-os
das chagas que os atormentavam. Esse tipo de prática de cura coletiva contribuiu
para o fortalecimento do prestígio do rei perante o povo. Na França, o reinado de Luís
IX, entre 1226 e 1270, foi marcado por uma política baseada no direito divino do rei. A
teoria do Direito Divino impôs transição de poder, o direito do rei contra o direito da
Igreja. Com base nessa teoria, o rei adquiria um estatuto de autonomia perante o
Papado Sagrado e a Aristocracia de Sangue. Enquanto os teocratas do Vaticano
defendiam a submissão de todos ao bispo de Roma, na França, os estatocratas e
teóricos do Direito Divino exigiam o mesmo em relação ao seu rei. Eles defendiam a
possiblidade de um príncipe convertido ao luteranismo ou ao calvinismo resistir a um
imperador da antiga fé (SCHILLING, 2010).
As lutas religiosas aceleraram a crise do sistema feudal europeu. A
sociedade europeia foi sacudida por todo tipo de rebelião. Isso contribuiu para o
surgimento de um discurso cada vez mais a favor da ordem geral e da necessidade
de paz interna que somente poderia ser obtida num regime forte, no qual o rei era
tudo e poderia tudo. Somente um monarca muito poderoso poderia evitar o império
da desordem e da dissolução (SCHILLING, 2010).
A teoria do Direito Divino serviu de mecanismo de transição da política do
medievo para a política moderna, apresentando a necessidade do Estado se libertar
da influência clerical (SCHILLING, 2010).
39
No fim do século XVII, a teoria do direito divino dos reis cedeu espaço à
liberdade natural e ao pacto social, e o direito divino da Igreja deu lugar ao princípio
da tolerância. Cinquenta anos mais tarde, a origem divina e a voz absoluta do dever
deram lugar aos cálculos de utilidade. Através de Locke e Hume, tais doutrinas
fundaram o individualismo. O pacto social pressupunha direitos individuais. Essa
nova ética, que se limitava ao estudo científico das consequências do interesse
próprio racional, colocou o indivíduo no centro das atenções (KEYNES, 1926).
Apesar de a teoria de Hobbes sinalizar para uma distinção dos discursos
político e teológico, as influências do direito do monarca, de inspiração sacerdotal,
davídica e constantinista continuam a ter valor extremamente significativo
(MACHADO, 1996).
No prefácio da obra Do Cidadão, Hobbes (2006, p. 22), demonstra que “não
repugna o Direito Divino, já que Deus é tutor de todos os governantes por natureza,
conforme argumentam os ditames naturais”. Com essa afirmação, ele confessa não
repugnar a teoria e acaba empregando-a na elaboração de sua teoria do contrato, já
que era muito conveniente para ele retirar esse papel da Igreja de mediadora de
assuntos divinos. O Ideal para Hobbes foi concentrar todos os poderes nas mãos do
Estado.
1.3.5 Paixão versus Razão
Hobbes constrói sua teoria política após um longo caminho marcado pelo
medo e pela insegurança provocados pelas guerras. Desde o nascimento até a
maturidade, conviveu com a guerra ou com sua iminente ameaça. Percebeu que o
ser humano é possuidor de paixões que o impulsionam a saciá-las a qualquer custo.
A busca constante por poder é uma característica humana que acarreta conflitos e
guerras. Para atingir seu fim, o ser humano é capaz de destruir seu próprio
semelhante. Preocupado com as relações sociais de sua época, Hobbes cria um
artifício para controlar as paixões dos seres humanos, o contrato. A paixão de
Hobbes leva-o à razão. A razão opta por um medo razoável e justificado. O indivíduo
prefere temer ao Estado a viver em constante risco de morte violenta.
No plano terreno, o Estado é como um Deus para o homem. Todo o poder é
delegado a ele e é legitimado na anuência das partes. Percebe-se aí que, a
intervenção é humana, baseada na vontade das partes. Contudo, verifica-se
40
também que o uso do mito bíblico do monstro rei dos soberbos serve para reforçar
este poder.
Hobbes propôs uma nova configuração à categoria de direito divino dos reis.
A aliança transforma-se em um dado concreto, em um contrato assegurado pelo
poder do Estado, um poder visível. O não cumprimento das leis civis implica
desobediência a Deus, já que o Estado segue as leis divinas. O indivíduo, ao temer
o Estado, teme também a Deus.
Neste capítulo buscou-se entender a cultura vivenciada por Hobbes, a
pessoa humana nos seus conflitos e o emprego da mitologia para melhor
compreender as teorias de Hobbes. Entender estes elementos que marcaram o
pensamento de Hobbes foi imprescindível para verificar se o símbolo religioso é
empregado para legitimar ou não o poder do Estado hobbesiano.
No próximo capítulo, investigar-se-á sobre o poder sagrado do Leviatã.
41
2 O PODER SAGRADO LEVIATÃ
O objetivo deste capítulo é apresentar as características do Estado
hobbesiano a partir do uso do nome e da imagem mítica do Leviatã para instituir e
sustentar a soberania absoluta. Busca-se analisar a origem do poder do Leviatã
hobbesiano. Que poder é esse? Por que o uso de tanto poder?
Para responder a tais questionamentos a análise da iconografia poderá
revelar uma forma de linguagem que possibilitará a abertura de interpretações no
campo religioso. A análise iconográfica é feita a partir da identificação, da descrição
e da classificação das imagens. A iconografia parte do levantamento e da
organização de modelos de representação. Seu estudo possibilita acessar o
conhecimento contido nos pensamentos e gestos coletivos que permeiam a vida
cotidiana do ser humano. As fontes visuais são portadoras de uma dimensão da vida
social e dos processos sociais construídos pelo ser humano.
No Renascimento é abundante o número de imagens em que se percebe o
predomínio do afetivo e ideológico. Nesse período, houve um esforço humano para
coletar, organizar imagens e decodificar significados (MENEZES, 2003).
Acredita-se que Hobbes não fundamenta o poder do Estado apenas no
contrato social. Ele emprega a imagem do monstro bíblico do livro de Jó para dar
sustentação à crença de que o Estado é uma “autoridade espiritual e mundana, cujo
poder não há igual sobre a Terra” (VILLANOVA, 2007, p. 52). A imagem é
transformada em símbolo somente quando os objetos do mundo externo começam a
distanciar-se, podendo ser vistos e reconhecidos várias vezes, sempre que
apareçam (AVENS, 1993).
No período em que Hobbes viveu, ocorreu um desenvolvimento das imagens
de monstros marinhos. O monstro vive no imaginário humano desde os tempos mais
remotos. Cada povo e cultura têm uma maneira de perceber o monstro. Conforme o
contexto, esse monstro se configura com características compatíveis com a
realidade experimentada. Ao analisar a trajetória do monstro nas passagens bíblicas
de Gênesis, de Jó, dos Salmos e do Apocalipse, iniciando sua aparição sob a forma
de uma serpente em Gênesis 3,15 e finalizando no Apocalipse 12, 15-17 sob a
forma de um dragão terrível, verifica-se um grande desenvolvimento do animal, tanto
em tamanho quanto em poderes. Há a possibilidade de que esse crescimento tenha
sido proporcional ao crescimento do mal que contextualizou cada período.
42
Quando Hobbes denomina o Estado hobbesiano de Leviatã, entende-se que
ele desejava retomar a mesma ideia expressa no pensamento anteriormente
estabelecido no Leviatã do Livro de Jó. Hobbes, ao evocar os nomes dos monstros
bíblicos – Leviatã e Behemoth - como títulos de suas duas obras políticas, tinha a
intenção de utilizar uma linguagem que na época era significativa tanto para ele
quanto para o público que ele desejava atingir (SOUKI, 2008). Segundo Souki (2008),
na Inglaterra do século XVII a Bíblia era um recurso que todos os partidos recorriam
para justificar qualquer coisa que alguém afirmasse. Para Hobbes, o nome representa
a imagem que temos a respeito da coisa. Um nome é a voz humana que traz à mente
a concepção da coisa a qual é impressa por uma marca (HOBBES, 2002).
O nome Leviatã aparece na Bíblia em diversos Livros. Outras denominações
também retomam a mesma essência do monstro Leviatã de origem. Tiamat e Raab
remetem ao monstro Leviatã. O nome Leviatã na Bíblia não vem configurado sempre
com a mesma imagem. O monstro aparece nas formas de baleia, crocodilo,
hipopótamo, peixe, dragão, serpente, animais pertencentes a reinos diferentes. Às
vezes aparece como um animal mamífero, como réptil, como peixe ou como um
animal pré-histórico. Chevalier (2007, p. 547) cita passagens bíblicas que descrevem
o Leviatã apresentando formas de diferentes animais:
O dragão do Apocalipse 21,3, que encarna a resistência do poder do mal
contra Deus, reveste-se de certos traços desta serpente caótica, que,
provocada, era capaz de engolir momentaneamente o Sol. Em Jó, 15,13, é
chamado de a serpente fugitiva. Em Jó 40, 41, dão uma descrição
aterrorizadora dele. Está sempre vivo no mar, onde repousa adormecido, se
não é provocado. Se numa passagem de Jó, é historicamente relacionado
com o crocodilo, símbolo do Egito, que deixara nos hebreus lembranças tão
cruéis, ele evoca também a imagem do monstro vencido por Jeová nas
origens, ele próprio modelo das forças hostis a Deus.
O monstro Leviatã representa a encarnação da força do mal. Trabalhar as
categorias imagem, representação e símbolo contribuirá para construir a hipótese
em questão: símbolo Leviatã reforça o poder do Estado.
O ser humano sempre esteve ligado à atividade religiosa. O campo
simbólico religioso articula-se com os campos simbólicos. O símbolo é uma
linguagem fundante da experiência religiosa. Na experiência humana religiosa, o
transcendente é percebido como mistério. E essa mediação entre o ser humano e o
transcendente é feita por meio da infinita variedade de coisas que integram a
vivência comum. A riqueza do símbolo se deve a essa variedade de coisas
vivenciadas pelo ser humano (CROATTO, 2010).
43
O sagrado é caracterizado pelas linguagens simbólicas. O símbolo fornece o
ethos de um povo. O sagrado pode provocar sentimentos diversos, como devoção e
amor, repulsa e ódio. A partir desses sentimentos surge um outro: o respeito
fundamentado no temor. A origem do sentimento religioso e da experiência religiosa
ocorre com base nesses sentimentos (CHAUÍ, 2000).
O poder do Leviatã hobbesiano é regido pelo temor. As pessoas temem
tamanho poder comparado com o poder do Leviatã descrito no Livro de Jó. Hobbes,
ao viver num contexto de morte, apropria-se do sentido do símbolo do monstro bíblico
Leviatã para tentar consagrar o poder da soberania absoluta e garantir a vida. O
Estado hobbesiano é uma construção humana para proporcionar a paz. Hobbes
transferiu sua máquina estatal para a dimensão sagrada. Para realizar essa
transposição, primeiro apropriou-se do nome e do sentido do monstro religioso
Leviatã. Nesse caso, ao aplicar a ideia de religião como estruturante das mais
diversas dimensões da sociedade definida por Bourdieu (1998), verifica-se que a
máquina estatal criada por Hobbes adquire um caráter sagrado quando é relacionada
a uma cosmogonia, retomando a mesma ideia de criação e nascimento da ordem
cósmica. O monstro bíblico Leviatã é um símbolo religioso. Segundo o mito
cosmogônico, de uma parte do corpo de Tiamat é criada a terra. O Leviatã bíblico
forneceu forma à vida da humanidade. Portanto, Hobbes busca a mesma ideia para
tentar estabelecer uma coesão social entre os indivíduos. O terrível e temível monstro
religioso é responsável pela harmonia social, impondo ao ser humano uma obediência
quase total. A religião reveste as práticas humanas com um caráter sagrado.
2.1 AS CATEGORIAS DE SAGRADO E DE PROFANO
Para analisar a origem do poder do Leviatã de Hobbes, é necessário
entender as categorias de sagrado e de profano. Ao se recorrer a Eliade (1992),
entende-se a palavra sagrado como oposto ao profano. Ele aborda o sagrado numa
perspectiva mais ampla, na sua totalidade. A manifestação do sagrado é vista como
algo “absolutamente diferente do profano”. Segundo Eliade (1992, p. 16), “[...] para o
homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale a poder e, em
última análise, à realidade por excelência. O sagrado está saturado de ser”. O
sagrado fornece sentido e confere significado à vida humana. O profano é o oposto,
já que promove a diluição dos significados. Logo, há dois modos de ser no mundo:
44
sagrado e profano, que dependem das diferentes posições que o ser humano
conquistou no Cosmos. O sagrado, a priori, dá-se a conhecer e o faz através da
hierofania. Esta é algo diferente do natural (ELIADE, 1992). O espaço sagrado
destaca-se do resto do existir.
Para Croatto (2010, p. 59), o sagrado é “em si mesmo, parte do profano [...],
mas é recebido pelo homo religiosus como mediação significativa e expressiva de
sua relação com o divino”. O profano é o que não está associado ao divino, pois só
se ascende ao divino por meio de sua sacralização. “O objeto sagrado é mundano,
está ao lado do ser humano, mas a hierofania (teofania) sacraliza-o” (CROATTO,
2010, p. 60). Croatto (2010, p. 61) associa a noção do sagrado à ideia de relação:
O sagrado é essencialmente uma relação entre o sujeito (o ser humano) e
um termo (Deus), relação que se visualiza ou se mostra em um âmbito (a
natureza, a história, as pessoas) ou em objetos, gestos, palavras etc..
Sem essa relação nada é sagrado.
Em sua estrutura essencial, o sagrado é sempre o mesmo ato misterioso, a
manifestação de algo ‘totalmente Outro’, que não pertence a esta ordem natural e
profana (CROATTO, 2010).
No capítulo XXXV do Leviatã, Hobbes (1997, p. 303-4) define o que é sagrado
e o que é profano:
[...] a palavra profano geralmente é usada nas Escrituras com o sentido de
comum, consequentemente seus contrários, santo e próprio, no Reino de
Deus devem significar também o mesmo. Mas em sentido figurado
também se chama santos àqueles homens cujas vidas foram tão retas
como se eles tivessem renunciado a qualquer propósito mundano, e se
dedicado e dado inteiramente a Deus. Em sentido próprio, do que é
tornado santo quando Deus de tal se apropria e separa para seu próprio
uso diz-se que é santificado por Deus, como o sétimo dia no quarto
mandamento, tal como se diz no Novo Testamento que os eleitos são
santificados no momento em que são ungidos pelo espírito de piedade. E
o que é tornado santo pela dedicação dos homens, e entregue a Deus, a
fim de ser usado unicamente em seu serviço público, é também chamado
sagrado, e diz-se está consagrado, como os tempos e outras casas de
oração pública, assim como seus utensílios, padres e ministros, vítimas,
oferendas e a matéria externa dos sacramentos.
Para Hobbes, a dedicação dos humanos entregue a Deus a fim de ser usada
unicamente em seu serviço público é considerada sagrada, será consagrada para o
serviço de Deus. Percebe-se, assim, que Hobbes considera o Estado hobbesiano
como sagrado. O sagrado, para existir, necessita do crente. Hobbes (1997), no
capítulo XXXI, fala do reino natural de Deus e explica a necessidade de conhecer as
45
leis de Deus para o completo conhecimento do dever civil. Segundo o autor, os
súditos de Deus não podem ser ateus, pois não reconheceriam suas palavras, nem
acreditariam em suas recompensas e assim não temeriam suas ameaças. Só os que
acreditam haver um Deus que governa o mundo são considerados súditos; o
restante é compreendido como inimigo.
O caráter sagrado não está restrito a determinados grupos e objetos. Por
mais indiferente que seja o ser, ele pode ganhar participação na característica do
sagrado. É o mito que tem a capacidade de introduzir nesse ser determinadas
diferenças de valor (CASSIRER, 2004).
Todo ser e acontecer, ao ser projetado sobre a oposição fundamental
entre o sagrado e profano, ganha nessa mesma projeção um novo teor –
um teor que simplesmente não tem desde sempre, mas que só lhe surge
nessa forma de consideração, de certa maneira nessa iluminação mítica
(CASSIRER, 2004, p. 139).
A definição que Hobbes faz de profano e de sagrado se aproxima dos
conceitos expostos de Croatto (2010) e de Eliade (1992). O Leviatã é sagrado
porque é algo separado dos demais, isto é, não é subordinado a nenhuma lei civil.
Todos os súditos devem obediência às leis civis. Somente o Leviatã não deve tal
obediência. Segundo Villanova (2007), o sentido do direito natural é deturpado. O
pacto em direção ao todo-poderoso Estado consiste no pacto de parceria e sujeição.
Para o soberano, esse pacto representa direitos e poderes, e, para o cidadão, é
apenas de obrigação. O soberano está acima dos demais. Ele dita as regras para
que os outros obedeçam. É uma autoridade mundana que se sacraliza ao apropriarse do sentido do mito do Leviatã. No livro de Jó, ele é descrito como rei dos
soberbos, uma autoridade com poderes de proporções gigantescas, separados dos
demais. Hobbes considera o Leviatã um deus mortal.
Hobbes compara a obediência a Deus à obediência ao poder civil. Ao tratar
do emprego de citações bíblicas por Hobbes, Ribeiro (2003, p. 18) afirma que:
O uso frequente da metáfora e citações bíblicas deve ser levado muito a
sério na obra de Hobbes – a sua ambição compara-se à missão de Cristo
e consiste em trazer aos homens esta espécie de salvação terrena que é
a paz dentro do Estado.
Concorda-se com Ribeiro (2003) que Hobbes fez uma tentativa de comparar
a missão do Leviatã com a de Cristo. Acredita-se que sua intenção foi buscar
46
legitimidade junto aos súditos por meio do emprego de citações bíblicas. Ao tentar
comparar o poder de salvação do Estado e de Cristo, percebe-se sua intenção de
apropriar-se do caráter divino de Cristo. Segundo Hobbes, o Estado deve obediência
apenas ao deus imortal. Com essa afirmação, ele transmite a ideia de que o Estado
é um mediador do ente divino. Além do medo da punição civil, fica implícito um
temor ao Deus Imortal.
2.2 A CONCEPÇÃO DE PODER E A PERSPECTIVA HOBBESIANA
Hobbes busca fundamentação para o poder na passagem bíblica do Livro de
Jó. A descrição do grande poder do Leviatã em Jó 41 se contrapõe à denuncia do
mau uso do poder em outras passagens bíblicas, tais como no Salmo 87,4 e em
Isaías 30,7. O poder dos dirigentes é visto como opressor, denunciado e comparado
ao monstro Leviatã Sl 87,4; Is 30,7. Na Bíblia, também existem experiências de uma
nova forma de poder. O poder na visão bíblica é caracterizado pelo serviço. O poder
político, econômico ou religioso é apenas um aspecto do poder. Samuel testemunha
em 1Sm 12, 1-5
2
como exerceu o poder. O seu testemunho denuncia os que,
naquele tempo, abusavam do poder em próprio proveito. Jesus, por exemplo, tinha
muito poder3, porém posicionou-se como servo, realizando o trabalho próprio de um
empregado da época. Fez-se empregado, colocando-se a serviço até dos
adversários. E em diversas ocasiões ele chama atenção dos seus ouvintes para não
assumirem as mesmas posturas dos políticos que exploravam o povo e ainda se
apresentavam como benfeitores4 (MESTERS; OROFINO, 2013).
Na atualidade, a palavra poder está relacionada com a palavra direito. Ter e
usar o poder, inclusive o poder coercitivo. O poder descrito por Samuel é um poder
simbólico e o poder de Hobbes é exercido por meio da força, da espada. A
2
3
4
“Vejam, disse Samuel: Fiz conforme vocês pediram e coloquei um rei sobre vocês. Agora vocês têm
um rei que os conduzirá. Quanto a mim, estou velho e de cabelos brancos, e meus filhos estão com
vocês. Sou um homem que estive a serviço público, desde a minha mocidade. Agora me digam,
enquanto estou diante do Senhor e diante do rei ungido de Deus, se tomei um boi ou um jumento
de alguém, se dei prejuízo a alguém, se oprimi alguém, ou se aceitei suborno, para encobri-lo com
os meus olhos, digam-me, e restituirei se fiz uma dessas coisas. E eles responderam: o senhor
nunca nos explorou nem nos oprimiu. O senhor não tirou coisa alguma de nenhum de nós. O
senhor e o ungido de Deus são testemunhas minhas diante de vocês, declarou Samuel, de que
vocês não podem me acusar de qualquer culpa (roubo)” (1Sm 12,1-5).
“Todo o poder me foi dado no céu e na terra” (Mt 28,18).
“Entre vocês não deve ser assim. Ao contrário, o maior entre vocês deve ser como o menos
importante. E o que manda deve ser como o que é mandado, ou que serve, pois, quem é o maior, o
que se acomoda à mesa e é servido. Entre vocês, eu estou como aquele que serve” (Lc 22,25-27).
47
concepção atual de poder se desenvolveu com as contribuições dos autores: Max
Weber, Michel Foucault e Bourdieu. Com suas ideias, o conceito de poder vem
sendo ampliado. No próximo item, pretende-se contrapor a noção de poder de
Hobbes com Bourdieu e Weber para definir a origem do poder em Hobbes.
2.2.1 O Poder que Obriga à Submissão
De acordo com Teixeira (2003, p.87) “conflito de interesses, de valores e os
embates em busca da dominação são centrais na sociologia da religião de Weber e
em toda sua obra”. Para Weber (1991), a luta pelos interesses e necessidades
materiais é o que move a sociedade. O direito e o poder regem a sociedade. Poder é
um dado que está presente nas relações sociais. Poder é “toda a probabilidade de
impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual
for o fundamento dessa probabilidade” (WEBER, 1991, p. 33). Dominação “é a
probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre
determinadas pessoas indicáveis” (WEBER, 1991, p.33). A dominação necessita de
argumentação convincente. A dominação é uma forma camuflada de poder,
necessita de legitimação. Para Weber (1991), existem três tipos puros de dominação
legítima:
a) dominação legal- aciona uma lei;
b) dominação tradicional- baseada em hábitos costumeiros;
c) dominação carismática- baseada na veneração.
Na concepção de sociedade de Weber (1991), predomina o coletivo. Os
interesses materiais regem as ações dos indivíduos. O desencantamento do mundo
e a obsessão pela racionalidade reduzem as paixões. Para Weber (1991), no início,
da civilização tudo era mágico, mas, com o crescimento da racionalização na
sociedade, houve a redução das paixões e do encantamento. O caminho que a
sociedade percorre vai do encantamento para a racionalização, do polo irracional
para o polo racional.
Segundo Weber (1991), na passagem para a racionalidade, os valores mais
sublimes do mundo foram retirados da vida pública. Na sociedade racionalizada, o
encantamento do mundo se reduziu drasticamente.
48
Quanto mais racionalizada a sociedade, mais burocrática ela se torna. A
sociedade racionalizada tem por fundamento os contratos e não as crenças. O que
rege a sociedade racionalizada é a burocracia legal e a disciplina. Esse aspecto se
aproxima muito da ideia de Hobbes, de que a delegação do poder tem origem no
contrato. Segundo Weber (1991), burocracia é uma forma de organização e
cooperação permanente e duradora entre numerosos indivíduos. É uma forma de
organização social que torna possível a convivência dos diferentes. A vida em
sociedade se torna viável por meio dos códigos. São regras e normas que regem
determinado comportamento, baseadas em valores e ações. Assim, os indivíduos se
tornam mais racionais em suas ações. O uso de contratos e negociações faz nascer
a burocracia. Ela descreve basicamente o universo onde se vê materializadas ações
racionalizadas. A impessoalidade é essencial à burocracia. Para Hobbes, em razão
de a natureza humana possuir características negativas, o estabelecimento de um
poder comum é essencial para a harmonia social. Percebe-se que o pensamento de
Weber pode ser aplicado à teoria de Hobbes por analogia.
A burocracia é um instrumento de dominação. O aparato burocrático estatal
administra as questões de forma objetiva. Segundo Weber (1982), a finalidade
absoluta do Estado é salvaguardar a distribuição externa e interna de poder. É
fundamental para o Estado recorrer à violência dos meios coercitivos perante os
inimigos. “O Estado é uma associação que pretende o monopólio do uso legítimo de
violência, e não pode ser definido de outra forma” (WEBER, 1982, p. 383).
Primeiramente, domina-se de forma legal, tradicional ou carismática, em último caso
aciona-se a força policial. Assim, força e ameaça se retroalimentam. Essa ideia
corresponde ao pensamento de Hobbes, que acreditava que o pacto sem a espada
não passa de palavras sem força.
O Estado declara: Deves ajudar o direto a triunfar pelo uso da força, pois
se assim não for também serás responsável pela injustiça [...] As razões
de Estado seguem, assim, suas próprias leis externas e internas. O êxito
mesmo da força, ou da ameaça de força, depende em última análise das
relações de poder e não do direito ético, mesmo que julgássemos possível
descobrir critérios objetivos para esse direito (WEBER, 1982, p. 383).
A partir dos conceitos expostos, percebe-se que Hobbes utiliza as técnicas
de dominação para convencer o povo da necessidade de submissão ao Estado para
o estabelecimento da paz nas relações humanas. Os argumentos de Hobbes são
49
muito convincentes. Um poder que domina pelo temor e que é maquiado como um
poder virtuoso.
2.2.2 O Poder Simbólico
Bourdieu (2011, p. 14), conceitua poder simbólico como um poder invisível o
qual só pode ser exercido se for reconhecido. Esse poder é quase mágico e permite
obter o mesmo que é obtido pelo uso da força física ou econômica; pelo seu efeito
de mobilizar. O poder simbólico serve de instrumento de legitimação dos interesses
da classe dominante. A classe dominante, para impor seus interesses, utiliza-se da
sua própria construção simbólica. Os sistemas simbólicos se diferenciam conforme
sua produção: “a história da transformação do mito em religião (ideologia) não se
pode separar da história da constituição de um corpo de produtores especializados
de discursos e de ritos religiosos” (BOURDIEU, 2011, p. 12). O poder simbólico
reside “na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença”
(BOURDIEU, 2011, p. 14). A crença na legitimidade das palavras daquele que as
pronuncia é que o que faz manter a ordem ou subvertê-la (BOURDIEU, 2011).
O poder simbólico como instrumento de conhecimento e comunicação é um
poder estruturado e estruturante. É um poder de construção da realidade que visa
estabelecer um sentido imediato do mundo. As relações de comunicação são
relações de poder que dependem do poder material ou simbólico reunido pelos
agentes ou pelas instituições (BOURDIEU, 2011).
É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e
de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem a sua função
política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação,
que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra
(violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de
força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de
Weber, para a domesticação dos dominados (BOURDIEU, 2011, p. 11).
A eficácia do campo simbólico consiste em ordenar o mundo natural e social
por meio de representações em forma de alegorias que imitam as relações sociais
(BOURDIEU, 2007). As produções simbólicas legitimam as ideologias da classe
dominante. Assim, consegue-se transformar algo arbitrário baseado no sistema de
dominação vigente em legítimo: algo transferido para uma cosmogonia que passa a
ser vontade dos deuses. Portanto, a eficácia política depende da eficácia simbólica
50
de inculcar-se algo na mentalidade das pessoas e, assim, formatar um projeto
ideológico. A relação entre a religião e outras dimensões da sociedade envolve um
jogo de forças em que prevalece a mais forte.
Segundo Bourdieu (2007) a Igreja contribui para o reforço simbólico das
divisões da ordem política impondo a inculcação das estruturas políticas conferindo
a legitimação suprema, ou seja, a naturalização, “capaz de instaurar e restaurar o
consenso acerca da ordem do mundo mediante a imposição e a inculcação de
esquemas de pensamento comuns” (BOURDIEU, 2007, p. 70). Ela também lança
mão da autoridade religiosa para combater as tentativas de subversão da ordem
simbólica.
Hobbes apropria-se do poder simbólico do Leviatã tornando natural a
soberania do Estado. Ele representa o Estado por meio de um gigante forte que
simula ser o único capaz de manter a paz entre os seres humanos. Com isso, ele
fornece um sentido imediato para o problema das guerras vividas na época e
mediante uma autoridade com poderes ilimitados que tem seus atos legitimados
pela força da dimensão sagrada. O poder simbólico mobiliza as pessoas e inculca
em suas mentalidades os interesses da classe dominante. A crença na legitimidade
do mito Leviatã mantém o poder soberano do Leviatã hobbesiano.
Em seguida serão apresentados apontamentos sobre o poder na visão de
Hobbes.
2.2.3 O Poder na Visão de Hobbes
O poder humano consiste “nos meios de que presentemente dispõe para
obter qualquer visível bem futuro” (HOBBES, 1997, p. 83). Como no estado de
natureza hobbesiano, todos têm direito a tudo e cada pessoa usa de seu poder para
saciar suas paixões. Logo, para a transposição do estado de natureza para o Estado
organizado, é necessário delegar poderes a uma autoridade ou assembleia. Esta
autoridade ou assembleia deve ser poderosa o suficiente para garantir paz e
segurança a todos. Hobbes (1997, p. 83) afirma que a “reputação do poder é poder,
pois com ela se consegue a adesão daqueles que necessitam proteção”. Com isso,
entende-se que Hobbes institui um Estado poderoso comparado aos poderes do
monstro Leviatã para conseguir a adesão do povo e, consequentemente, sua
obediência e submissão. As diferenças de talentos são provocadas pelo maior ou
51
menor desejo de poder. A riqueza, o saber e a honra são formas de desejo de
poder. Hobbes (1997) diz que o maior dos poderes humanos é o poder do Estado.
Este poder é constituído pela união dos poderes de vários homens numa única
pessoa natural e civil. Segundo o autor, a união das forças representa poder. Ser
honrado, amado ou temido por muitos é prova de poder (HOBBES, 1997).
O poder absoluto deriva da vontade entre as partes em aderir ao contrato
social. Os membros da sociedade concordam em transferir seus direitos a um
soberano ou assembleia encarregado de manter a ordem entre as relações
humanas.
O poder é adquirido e conservado pelas virtudes: sabedoria, humildade,
clareza de doutrina e sinceridade de linguagem (HOBBES, 1997). Hobbes
estabelece o poder soberano a partir das paixões. Primeiro, pelo medo e, depois,
pela razão. O ser humano acuado pelo medo permanente se vê obrigado a fazer um
cálculo e a encontrar uma solução mais razoável. O medo da morte violenta rege a
vontade dos humanos em busca da paz que a instituição desse poder garantiria. A
instituição de um poder comum, segundo Hobbes, é a única forma de garantir
segurança suficiente para a humanidade viver satisfeita. A multidão precisa de um
poder comum que a coloque ordem (HOBBES, 1997). É preciso delegar todo o
poder a uma autoridade capaz de controlar as paixões humanas. O controle ocorre
por meio do medo da punição. Existem duas formas de aquisição do poder, segundo
Hobbes (1997): pelo Estado por aquisição (por força natural) ou pelo Estado por
instituição (por vontade das partes).
Para Hobbes, o imenso poder do Leviatã suscita terror e pode condicionar
as vontades individuais à unidade e à concordância. Percebe-se nesse poder uma
relação de dominação e submissão. “Tal poder e direito de comandar consiste na
transferência da força e poder de cada homem àquele conselho” (HOOBES, 2006).
A intenção de Hobbes é estabelecer a paz por meio da razão. Troca-se o medo da
morte violenta pelo medo da punição do Estado. O que rege a delegação de poderes
ao soberano é, e continua sendo, o medo, que é mantido em todo o processo de
organização estatal. O medo da punição por parte do Estado faz que todos os
indivíduos se tornem sociáveis, ou melhor, obedientes.
Hobbes tece uma estrutura enredada em dados religiosos para reforçar a
soberania absoluta. Segundo Hobbes (2006), a obediência devida a Deus é a
mesma devida ao Estado.
52
Hobbes (2006, p. 214) ressalta o valor da obediência afirmando que a
obediência “é mais aceita que todos os sacrifícios”. O direito de punir ou fazer morrer
não depende do poder divino, mas deriva do pecado do homem. O dever dos
súditos é executar as ordens dos superiores (HOOBES, 2006).
Hobbes utiliza o nome do monstro Leviatã para representar o Estado,
simbolizando um poder soberano, capaz de impor a todos a obediência e a
submissão. O Leviatã é detentor de um poder soberano, a materialização de um
“deus mortal”. Esse homem, superior em força e tamanho, seria o único capaz de
tomar as decisões em nome de todos os cidadãos, sem correr o risco de ser injusto.
Seria um homem separado dos demais cidadãos, que utiliza o poder disciplinar para
fazer com que suas vontades prevalecessem. O Leviatã causa temor; todos dirigem
seus olhares a ele. Ao mesmo tempo em que é um único individuo é também muitos.
Hobbes diz que o Leviatã não corre risco de ser injusto, justificando que
suas decisões são como se fossem as do próprio povo. No entanto, uma única
mente para decidir o que é melhor para todos pode se caracterizar como uma
arbitrariedade. E mais, mesmo que o próprio povo, como diz Hobbes, que o
decidisse, ainda seria passível de erro. Portanto, um poder ilimitado nas mãos de
uma única autoridade precisaria de um sistema de controle e fiscalização.
Porém, percebe-se que, em contrapartida, Hobbes faz uso de exemplos e
testemunhos das Sagradas Escrituras para legitimar o poder absoluto do Leviatã.
Ele tenta inserir o Leviatã no universo do sacralizado. Ao aplicar os conceitos de
Weber, verifica-se nisso uma dominação tradicional. Fica claro, assim, que o poder
religioso permanece imbricado ao poder político.
Para Hobbes (1997), o desejo e a esperança de conseguir acesso às
condições necessárias para uma vida confortável levam à busca de racionalidade.
“E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem
chegar a acordo” (HOBBES, 1997, p.111). Segundo Hobbes (1997), essas normas
são as leis de natureza. No passado, os indivíduos se conscientizaram de que a vida
no estado de natureza é de guerra de todos contra todos. A saída mais racional foi a
união e a transferência de poderes a uma autoridade capaz de garantir a segurança
dos indivíduos. Um indivíduo coopera com outro, pois faz um cálculo racional que
lhe mostra ser mais vantajoso para ele cooperar do que não cooperar. Esse cálculo
racional é um dispositivo teórico muito presente nas teorias do contrato social.
53
Hobbes (1997) e Weber (1991) partem do mesmo princípio, do
desencantamento do mundo. O indivíduo passa a fazer uso da razão para resolver
as demandas cotidianas. A respeito do contrato, os dois autores se assemelham,
estipulando que, a partir do contrato, a vida em sociedade se torna viável.
Em Hobbes, aplicou-se o conceito de dominação de Weber. A dominação é
uma forma de poder camuflada. O Leviatã de Hobbes detentor do poder absoluto
não seria soberano se não fizesse uso dos instrumentos de dominação que Weber
enumera. Já foi dito acima que Hobbes busca legitimação no universo sacralizado e
pode-se complementar que, além da dominação por meio das leis, ocorre,
simultaneamente a dominação carismática. Para ser um rei, não basta só a
delegação do poder, pois o que predomina são as relações de poder. Ser rei é aura,
prestígio e confiança. Se os súditos não acreditam na imagem que está à frente do
governo não vão se submeter às suas leis, e a tendência é se rebelarem. O carisma
do rei cativa e estimula o povo a lutar por ele.
Weber (1982) aborda ainda o monopólio estatal do uso legítimo da violência.
O Estado detém o poder disciplinador. O Leviatã de Hobbes pode assumir proporção
monstruosa, literalmente, ao ser relacionado à vontade do soberano. O que rege não
são as leis, mas as relações de submissão.
As relações de poder no Leviatã são de dominação. Desde os primórdios da
humanidade, o poder vem revelando paixões nos seres humanos. Com um olhar
especial sobre a história do povo bíblico, é comum encontrar citações que
denunciam o abuso de poder de alguns governantes. Jesus não concorda com o
jeito como a vida era organizada na Galileia através da política e da economia do
Império Romano e até mesmo da religião oficial da época, no Sermão da Montanha
Mt 5,1ss, ele propõe um novo jeito de conviver e ter paz. Os primeiros cristãos At
2,42-47 arriscaram um novo modo de vida que produziu uma cultura de fraternidade,
justiça e igualdade, criando uma nova cultura de poder (MESTERS; OROFINO,
2013).
Hobbes cria sua teoria política para tentar por fim às guerras. Para isso,
instituiu um poder soberano que utiliza os mecanismos de repressão e de
dominação. Os sistemas simbólicos tornam o poder arbitrário do Leviatã hobbesiano
em algo natural e, portanto, aceitável. Legitimado pelo poder simbólico, o Estado
reflete os interesses da classe mais forte, vencedora da luta de forças. O Estado
54
adquire um caráter sagrado quando é relacionado a uma cosmogonia. Ele se torna
uma espécie de mediador do ente divino.
No próximo capítulo, será desenvolvida uma investigação a respeito da
legitimação do poder em Hobbes para esclarecer a emblemática relação entre as
dimensões política e sagrada presentes em Leviatã.
55
3 A LEGITIMAÇÃO DO PODER EM HOBBES
Propõe-se neste capítulo desvendar a emblemática relação entre as
dimensões política e sagrada existentes na obra Leviatã. Hobbes, além de se render
à arte da retórica e da eloquência, nessa obra, faz uso da imagem do monstro
Leviatã para legitimar o poder do soberano. O tema relativo a essa imagem pode
revelar dados que estão além das palavras impressas. A imagem pode dizer muito
sobre determinada cultura. Ao analisar a imagem da capa da obra Leviatã, pretendese comprovar que o uso dessa imagem religiosa reforça a soberania absoluta do
Estado hobbesiano.
O poder é exercido pela legitimação ou pela força. Legitimação é o processo
que torna algo aceitável para o povo. Nas sociedades hierarquizadas, alguém
manda e o povo aceita. A legitimação é simbólica quando faz uso de símbolos para
estruturar conceitos. Segundo Weber (1991), os diferentes tipos de dominação
(legal, tradicional e carismática) necessitam de legitimação. Hobbes utiliza o símbolo
Leviatã para fazer o povo aceitar uma autoridade soberana. Quando o povo se opõe
a esse poder, entra em cena a força. A força é um atributo que faz com que o poder
se mantenha. Para Hobbes (1997), o uso da força simbolizado pela espada é
essencial para validar o contrato, pois só a força da espada é capaz de fornecer a
segurança desejada pelos indivíduos. E o medo do castigo faz que o contrato seja
cumprido (HOBBES, 1997). Dessa maneira, legitimação acarreta obediência.
O tema medo versus razão é muito atual. O indivíduo moderno minimiza sua
liberdade e maximiza sua segurança. As pessoas aceitam essa troca porque
entendem que essa solução seja razoável. Tanto atualmente quanto no século XVII
essa discussão já ocorria.
O ser humano, desde que se entende como tal, começou a fazer para si
imagens articuladas para representar a realidade. Por meio dessas imagens,
interpretava as suas próprias experiências e buscava um sentido ordenador que
reproduzia
por
meio
de
um
modelo
discursivo.
O
mito,
ao
apreender
hermeneuticamente toda a realidade, desenvolve “uma íntima relação entre o
sagrado e o profano” (MACHADO, 1996, p. 14).
A realidade imediata nada mais é que imagens bem configuradas. Pode-se
perceber as coisas olhando apenas para o mundo exterior ou aceitando a existência
de uma realidade interna que só pode ser comunicada por meio da linguagem visual.
56
A imagem é uma representação imediata que se expressa de maneira súbita. A
imagem interna constitui uma unidade e expressa a situação do consciente e do
inconsciente, “constelados por experiências vividas pelo indivíduo” (SILVEIRA, 1992,
p. 82).
A imaginação, no ocidente, é inseparável da ideia de perceber uma coisa de,
pelo menos, duas formas simultâneas. A percepção e os poderes da imaginação
humana avançam além dos limites da natureza. A imaginação, em certo nível,
ordena o caos da experiência dos sentidos e, em outro nível, a imaginação pode ser
usada para aproximar os objetos de uma experiência inusitada e misteriosa
(AVENS, 1993).
[...] a imaginação, além de sua função reprodutiva, comumente aceita, tem
a misteriosa habilidade de enxergar o lado interior das coisas e de nos
assegurar de que há mais em nossa experiência do mundo do que
imaginamos; [...] (AVENS, 1993, p. 34-5).
A imaginação é uma válvula de escape para a racionalidade. Racionalidade
não é tudo; antes dela, vem a imaginação. O processo de construção de identidade
se dá também por meio de imagens significativas. O simbolismo é fruto da
imaginação, que se expressa por meio da linguagem do mito, do rito e do símbolo e
se organiza com o auxílio da razão. O sentido é a organização do pensamento e da
realidade.
O mito é uma forma de conhecimento que torna mais clara a compreensão de
um determinado grupo de indivíduos. Fica na fronteira entre o subjetivo e o objetivo.
A imagem mítica é exatamente o objeto, e não sua representação, pois é mais que
representação, tornando-se uma encarnação. Para o ser humano primitivo, o
“mundo está totalmente presente no modo de sua aparência” (AVENS, 1993, p. 78).
O significado das imagens está contido nas próprias imagens. O mito tem a
capacidade de “unificar o interno e o externo, para ver o universal no particular,
continua a viver e a se afirmar em todo o campo da consciência” (AVENS, 1993, p.
81). É por meio dos deuses que se pode imaginar o passado, o presente e o futuro
(AVENS, 1993). As imagens míticas “servem de substitutos para as coisas e eventos
do mundo físico” (AVENS, 1993, p. 117).
O mito do Leviatã bíblico é um exemplo de representação simbólica no qual
se destacam os elementos que darão sentido às expectativas de parte da
humanidade. O mito Leviatã remete a um animal marinho de origem com poderes
57
irresistíveis. A imagem propõe, portanto, uma realidade velada (DURAND, 2001).
Isto é, uma realidade que se deixa mostrar fornecendo significado para as pessoas
que desejavam por fim às constantes guerras. Leviatã possui um poder irresistível
capaz de impor a obediência aos seres humanos.
3.1 AS CATEGORIAS IMAGENS, IMAGINÁRIO E REPRESENTAÇÃO
A
imagem
expressa
somente
conteúdos
inconscientes
que
estão
temporariamente presentes na consciência. Ela expressa a situação atual tanto do
inconsciente como consciente (AVENS, 1993).
Segundo Ruiz (2004), o imaginário tem aspecto insondável e criativo. É o
‘sem-fundo’, assim, não é conceito acabado e se torna sinônimo de indeterminação. E
Richter Reimer (2008, p. 43) elucida que a representação é “[...] portadora também do
poder simbólico que mobiliza e controla a vida social através do dizer e do fazer crer”.
No século XVII, o imaginário é excluído dos processos intelectuais. A
imagem é substituída pela arte de persuasão de pregadores, poetas e pintores
(DURAND, 2001). O pensamento científico atual se vê constrangido a pedir auxílio
ao imaginário que, no século XVII, foi tão reprovado pelo iconoclasmo das teorias
originárias. A ciência necessita de uma realidade velada, em que os símbolos
servem como modelo (DURAND, 2001). Durand (2001) menciona que a ruptura
definitiva com a cristandade medieval, as guerras das religiões e a guerra dos 30
anos levaram ao surgimento de um imaginário autônomo desvinculado da instituição
religiosa. Na projeção imaginária, existe uma convivência dos contrários, uma
interdependência de um em relação ao outro. O herói depende do monstro ou do
dragão para se tornar herói. Quando o monstro é minimizado, o herói deixa de ser
herói (DURAND, 2001). No caso de Hobbes, o terrível Leviatã é o herói da história e
os seres humanos, no estado de natureza, são lobos ferozes. O dualismo se torna
consciente e transforma-se numa dualidade na qual cada termo antagonista precisa
de outro para existir e para se definir (DURAND, 2001). Portanto, Hobbes
representou o Estado hobbesiano utilizando a imagem do mito do Leviatã bíblico
com uma nova configuração; agora como um herói poderoso que disciplina a
natureza egoísta dos seres humanos.
“Todas as grandes comunidades clássicas se consideravam cosmicamente
centrais, através de uma língua sagrada ligada a uma ordem supraterrena de poder”
58
(ANDERSON, 2008, p. 40). “Toda a natureza ontológica do homem é maleável ao
sagrado” (ANDERSON, 2008, p. 42). Hobbes tinha escrito na língua-verdade, por
isso, era uma figura de renome continental. O Texto Sagrado fornecia coesão social
no período do domínio divino do rei. A legitimidade do rei deriva da divindade.
Durante o século XVII, a legitimidade sagrada do rei começou a entrar em declínio
na Europa Ocidental com a decapitação de Carlos Stuart. Os representantes
monárquicos Anne Stuart, Luís XV e Luís XVI realizaram a prática da taumaturgia
(ANDERSON, 2008). Essa relação entre sagrado e profano, remete a teoria do
Estado hobbesiano, em que as leis do Leviatã também são baseadas nos Textos
Sagrados. Uma vez que o sagrado dava sentido às expectativas de um povo
cansado de guerras. Em razão disso, a coesão social no Estado hobbesiano é
fornecida por meio do sagrado. O monarca de Hobbes também é legitimado pelo
ente sagrado. Suas leis se tornam legítimas e o povo as aceita.
Segundo
Anderson
(2008),
os
produtos
materiais
de
um
mundo
sociohistórico só podem existir no mundo simbólico, pois o simbólico se encontra na
linguagem e num outro grau nas instituições. “As instituições não se reproduzem ao
simbólico, mas elas só podem existir no simbólico, são impossíveis fora de um
simbólico em segundo grau e constituem cada qual sua rede simbólica”
(ANDERSON, 2008, p. 142). Ligam os símbolos aos significados. A religião está
centrada num imaginário (ANDERSON, 2008). “As visões antigas sobre a origem
divina das instituições eram em seus invólucros míticos bem verdadeiras”
(ANDERSON, 2008, p. 159). O reforço que Hobbes busca no mito Leviatã revela
uma história verdadeira que fornece sentido às pessoas que creem que o Leviatã
seja um ser com poderes irresistíveis. Assim, ele seria capaz de sanar as
ansiedades de uma realidade imediata.
3.2 IMAGENS DO LEVIATÃ NA BÍBLIA
A abordagem das imagens do Leviatã em algumas passagens da Bíblia
evidencia as características do monstro que servem de fundamento para o poder do
Estado hobbesiano. O poder político é sacralizado por meio do uso da imagem
bíblica.
Segundo Gonçalo Junior (2008), o Leviatã é considerado um monstro que
depende do período histórico e da cultura em que foi formulado ou retomado no
59
caso da Bíblia. Cada cultura, em cada época, cria seus monstros. Cada monstro
somente pode nascer, crescer e gerar descendentes em uma cultura que o alimente
e o sustente, seja com carinho e cuidado, seja com medo e rejeição. O monstro
geralmente é imaginário e é tão antigo quanto o pensamento. A história da
civilização é povoada de monstros que jamais foram vistos ou comprovadamente
testemunhados, mas que estão presentes no imaginário popular ou FORAM
registrados em pedras, pinturas, jarros e papiros. Desta forma, pode-se dizer que
monstros são criaturas religiosas, mitológicas ou lendárias (GONÇALO JUNIOR,
2008). Para compreender o fenômeno do monstro, faz-se necessário voltar o olhar
ao passado, pois eles fazem parte de uma história tão antiga quanto as primeiras
sociedades humanas. Por meio dessas criaturas imaginadas e idealizadas
fisicamente, tornou-se possível compreender e explicar o ritmo das estações, o
desaparecimento do sol no crepúsculo, as enchentes, a morte terrível, a cólera de
um vulcão. Assim, os humanos aprenderam a ter menos medo. Outro aspecto
interessante é que, dessa ordem espiritual, nasceram as histórias de deuses e
deusas e as aventuras excepcionais mais antigas de que se tem notícia, precursores
dos mitos do cinema, do rádio e das histórias em quadrinhos do século XX. Eles
enfrentavam as situações mais perigosas, auxiliados por divindades, ou mesmo por
monstros amigáveis. Essas histórias foram narrativas criadas e difundidas para
serem contadas no fim da tarde ou à noite, após o trabalho, ao redor da mesa de
refeição ou de uma fogueira. Com sentimentos humanos, os deuses egípcios,
gregos e romanos, mesmo imortais, alimentavam de humanismo a fantasia dos
textos mitológicos (GONÇALO JUNIOR, 2008).
Os monstros são figuras antigas que datam de mais ou menos 3100 a 800
a.C., relacionadas a deuses, demônios e dragões. Em geral, esses monstros eram
apresentados, ou imaginados com cabeça de seres humanos e corpo de animais e
vice-versa (GONÇALO JUNIOR, 2008).
Inspirado na história desses seres, Hobbes designou o Estado com o nome
do monstro bíblico Leviatã. Na Bíblia, o Leviatã não possui uma imagem única. Cada
autor o descreve de uma forma. Para uma maior compreensão do Leviatã em
algumas passagens bíblicas, explanar-se-á sobre algumas das diferentes imagens
desse monstro.
As menções referentes ao Leviatã na Bíblia não chegam a um consenso
quanto à forma do animal. No próprio Livro de Jó, no qual Hobbes busca
60
fundamento para a soberania absoluta, o Leviatã é descrito como uma serpente
fugitiva e, também como um crocodilo. Hobbes não emprega a mesma imagem
descrita na Bíblia. Ao contrário, ele cria um gigante humano de porte atlético e com
feições aristocráticas. Ele se apropria do terror que o Leviatã bíblico provoca para
conseguir a adesão do povo. O monstro bíblico é possuidor de um poder rival a
Deus, ou melhor, quase tão poderoso quanto Ele.
3.2.1 Leviatã em Gênesis
A expressão a terra “era vazia e sem forma definida” relatada no Livro de
Gênesis 1,2 parece descrever o ambiente mitológico do Leviatã. O Livro do Gênesis5
também relata que Deus colocou inimizade entre a mulher e a serpente e entre a
serpente e os descendentes da mulher. Considerando ser a serpente o mesmo
Leviatã ou o dragão, percebe-se que há uma batalha histórica entre aqueles e
aquelas que são fiéis a Deus e aqueles e aquelas que não são fiéis a Deus
(FERRAZ, 2011). Leviatã, em Gn 3,15, está configurado com a forma de uma
serpente. O símbolo da serpente fixou, na memória coletiva humana, a ideia de
monstro anfíbio pré-histórico. A serpente surge como anticristo no primeiro e no
último livro da Bíblia, significando a concentração do negativo (MOHR-HEINZ, 1991).
A imagem do Leviatã em Gênesis 3,15 está configurada pela forma de uma
serpente que representa um poder contrário ao poder de Deus. Em outras
passagens bíblicas, a imagem do Leviatã recebe outras configurações.
3.2.2 Leviatã em Jó
O Livro de Jó apresenta dois monstros: o Behemot e o Leviatã. O primeiro
monstro Jó 41,1-26 causa medo e insegurança. Basta alguém vê-lo para ficar com
medo. Ninguém é tão corajoso ou corajosa para provocá-lo, pois sua força é
incomparável. Possui sinais externos de poder: seu corpo é provido de couraça; sua
cabeça é rodeada de dentes; em suas costas, há fileiras de escudos ligados com
lacre de pedras; seus espirros lançam faíscas e seus olhos são como a cor rosa da
aurora; de sua boca irrompem tochas acesas e saltam centelhas de fogo; de suas
narinas jorra fumaça, como de caldeira fervente; seu bafo queima como brasa, e sua
5
“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela” (Gn 3,15).
61
boca lança chamas; em seu pescoço reside a força e diante dele dança o terror;
seus músculos são compactos, sólidos e imóveis; seu coração é duro como a rocha
e sólido como pedra de moinho. Quando esse monstro se ergue, até os heróis
fogem apavorados. Nada o atinge. Para ele, o ferro é como a palha e o bronze como
a madeira podre. Seu ventre, coberto de escamas pontudas, é como uma grade de
ferro que se arrasta sobre o lodo. Ele faz ferver o fundo do mar como caldeira, e a
água fumegar como vasilha quente cheia de unguentos. Atrás de si, deixa uma
esteira brilhante e a água parece cabeleira branca. Na terra, nada nem ninguém se
iguala a ele, pois foi criado para não ter medo. Ele se confronta com os seres mais
altivos e é rei das feras soberbas (ROSSI, 2005).
Para Storniolo (2008), Behemot Jó 40,15-24 era o nome dado pelos antigos
ao hipopótamo, animal considerado como símbolo da força bruta que o ser humano
é incapaz de domesticar. No entanto, esse animal foi criado da mesma forma que os
humanos e é apresentado como obra-prima da criação. O autor do Livro de Jó
apresenta, assim, a reflexão sobre o mal, mostrando que somente Deus domina
soberanamente as forças que o ser humano não consegue controlar.
O segundo monstro é apresentado com o nome de Leviatã. Sua armação e
seus dentes são terríveis. Sua capacidade para agitar as águas sugere que o animal
no qual se baseia essa representação pode ser o crocodilo. No entanto, neste caso,
como no caso do Behemot, é claro que se trata de animal mitológico. Por sua boca e
narinas lança fogo e até os deuses têm medo de sua aparência. No termo hebraico,
significa um animal de tal grandeza que se move e se vira. Um monstro desse tipo
significa profunda hostilidade à vida tranquila e em paz. O Leviatã sempre
representará espaço de poder e de ameaça à vida. Porém, mesmo assim, o texto de
Jó 40,29 afirma que Deus pode brincar com ele ou fisgá-lo sem dificuldades (ROSSI,
2005).
Os monstros Behemot e Leviatã representam e enfatizam o terror tal que
eles o inspiram até mesmo aos deuses. É um guerreiro poderoso com quem o ser
humano não é capaz de medir forças. Pode sugerir também uma descrição de Deus,
que, nos longos discursos de Jó, aparecia descrito como um inimigo terrível Ele é
um tipo de força que interfere e perturba as relações históricas no cotidiano (ROSSI,
2005).
O Leviatã, muitas vezes, representado pelo crocodilo, é um dragão mítico
que simboliza o poder do mal que ameaça a criação. Deus o havia derrotado
62
condenando-o a viver na água. Jó se vê desafiado a vencer o mal como Deus o
venceu Jó 40,25-32. Para além do desafio, abre-se o apelo para o ser humano
reconhecer as suas limitações e, a partir delas, confiar em Deus, que triunfa sobre
todo tipo de mal (STORNIOLO, 2008). Essas descrições do Leviatã se tornaram a
matriz da metáfora hobbesiana do Estado totalitário (ROSSI, 2005). No Livro de Jó o
próprio Jó “é o herói principal que está afligido de males: enfermo ou coberto de
micoses e tumores, tendo um aspecto repugnante ou descuidado, [...]” (DURAND,
2002, p. 364). Jó tem que suportar sua própria doença. O sentido moral é que,
apesar da aparência repugnante de Jó, ele conserva no seu interior uma essência
preciosa. O personagem Jó foi atingido por diversos males como por exemplo,
empobrecimento,
enfraquecimento,
miséria,
abandono,
da
marginalização,
difamação, ou seja, males concretos. Jó é vítima do Behemot, a personificação da
força bruta, e do Leviatã, a personificação do poder do mal. Contudo, Deus estende
a mão para Jó e convida-o para vencer a força bruta e o mal que o vitimou
(STORNIOLO, 2008).
Os personagens bíblicos Jó e Leviatã se encaixam perfeitamente no
propósito de Hobbes. Ao denominar o Estado com o nome Leviatã, Hobbes se
apropriou do poder irresistível do monstro mitológico e do medo que este poder pode
provocar nos demais seres. Jó serve de modelo de obediência e submissão ao
poder irresistível. Hobbes (1997) utiliza os fundamentos do direito natural para
elaborar sua teoria do Estado. Segundo esse autor, quando existe um poder
irresistível, é natural a obrigação de obediência. Hobbes recorre à Sagrada Escritura
para reforçar a onipotência do poder do Estado hobbesiano.
Em contexto de predomínio e povo subjugado, a Sagrada Escritura costuma
comparar o poder dominante, opressor e usurpador com feras devoradoras da vida do
povo6. As autoridades cometem delitos Am 6,1-6, mas levam boa vida despreocupados
com os indefesos Is 5,11-12.22-23; Am 4,1; Is 22,13. A cobiça é o vício capital que
corrompe a justiça Jr 6,13; 8,10; 22,17; Ez 22,13.27 e cega as autoridades em busca de
seu próprio crescimento e enriquecimento. Desta forma, pastores, governantes e todas
as autoridades que não cuidam da vida do povo são considerados monstros e feras
selvagens de diversas formas: javalis devastadores Sl 80,13; Is 5,5; lobos que
6
“Feras selvagens, vinde comer. Feras todas da relva: pois os guardiões estão cegos e não
percebem nada, são cães mudos incapazes de latir, vigias caídos, amigos do sono. São cães com
fome insaciável, são pastores incapazes de compreender. Cada qual vai por seu caminho e para
seu interesse, sem exceção. Grita por vinho, embriaguemo-nos de bebida. E amanhã o mesmo que
hoje, há provisão abundante” (Is 56,9-12).
63
derramam sangue e matam gente para obter ganhos injustos Ez 22,27, raposas que
matam profetas e apedrejam os enviados de Deus Lc 13,32-34. São também como
leões que saem da toca e ficam à espreita, na emboscada para apanhar o necessitado
e o arrasta para sua rede Sl 10,9; Sl 16,11-12; Jr 25,38, cães que rosnam e rondam a
cidade Sl 59,6, cavalos com cabeça de leão, que lançam fogo, fumaça e enxofre, e
suas caudas são como cobras que ferem as pessoas Ap 9,16-19. Eles se entregam à
bebida por não terem nenhum interesse em sua obrigação em relação ao povo Is 56,12.
Tais símbolos de feras e monstros servem para proclamar que Deus reina sobre o
mundo, que Jesus é o Rei e Senhor da história e o único vencedor junto ao povo de
todos os monstros ou feras que ameaçam a humanidade.
3.2.3 Imagem do Leviatã nos Salmos
No Salmo 74,14, o nome do monstro marinho Leviatã é citado. O Leviatã nessa
passagem apresenta várias cabeças (ROSSI, 2005). Suas cabeças são destruídas e
servidas de alimento para os animais do deserto. Ao analisar a imagem do Leviatã
descrita nos Salmos, verifica-se que ele configurava as forças do mal que foi destruído
por Deus. A destruição do Leviatã representa a destruição do poder do Egito.
O Salmo 82 apresenta forte convite para se criar uma nova cultura que seja
contrária à cultura dominadora dos reis da época. E por isso expressa até hoje o
compromisso de luta por uma sociedade justa, sororal e igualitária. O Salmo 101
sugere compromisso político com a sociedade. O Salmo 58 condena o poder
corrompido tendo em vista uma sociedade pautada pela justiça e pelo bem-estar
(MESTERS; OROFINO, 2013).
Com base no Salmo 74,14, o Leviatã é um monstro de sete cabeças e
simboliza as forças do mal. Em todas as passagens bíblicas analisadas, o Leviatã
representa o mal e é derrotado por Deus.
3.2.4 A Imagem do Leviatã no Apocalipse
Chevalier (2007, p. 547) cita a passagem bíblica do Apocalipse que
descreve o Leviatã como um dragão “que encarna a resistência do poder do mal
contra Deus, reveste-se de certos traços desta serpente caótica, que, provocada,
era capaz de engolir momentaneamente o Sol".
64
Dragão é um termo que vem do grego drakón. O hebraico bíblico não possui
equivalência. Segundo Girard (1997), quando se quer falar de um animal irredutível
à imagem da serpente, chama-o de monstro tannîn, um termo vago e genérico, que
significa serpente enganadora Is 27,1, que encarna as forças hostis da opressão, do
mal e da morte. Este animal hostil representa o mal humano, político, social e/ou
religioso. O termo monstro pode designar uma situação má ou um rei-imperador
tirano, adversários ou ainda um povo inimigo. É aquele que contamina em
profundidade a gestão humana da história (GIRARD, 1997). Merecem atenção
particular os nomes dados ao dragão, diabo ou satanás, sedutor de toda a terra
habitada Ap 12,9 (ROTEIROS DE REFLEXÃO IX, 2008). O dragão é a grande
mentira que gera e conserva a sociedade injusta. Impressiona por sua violência e
arrogância. É violento e sanguinário. Domina o mundo inteiro e se arroga
prerrogativas divinas. Possui dez chifres, que são sinônimos de força e poder
(BORTOLINI, 2008).
O dragão é também sinal da manifestação do poder de Deus, que condena e
destrói seus intentos de morte e subtrai, através de intervenções, a humanidade de
sua dominação. O dragão persegue e mata (CORSINI, 1984). A luta por libertação é
uma tarefa progressiva. A liberdade é uma conquista que se constrói pelo
testemunho, que consiste em lutar contra os poderes do mal que se manifestam nas
garras do poder imperial e perseguidor. A liberdade se opõe às estruturas de
dominação (GORGULHO; ANDERSON, 1977).
No Apocalipse, o dragão lembra Raab, Leviatã, Beemont e outros monstros
aquáticos do Antigo Testamento.
A imaginação parece construir o arquétipo do dragão ou da Esfinge a
partir dos terrores fragmentares, nojos, sustos, das repulsões instintivas
ou experimentadas, e finalmente ergue-o medonho, mais real que o
próprio rio, fonte imaginária de todos os terrores das trevas e das águas.
O arquétipo vem resumir e clarificar os semantismos fragmentários de
todos os símbolos secundários (DURAND, 2002, p. 98).
Leviatã é o monstro do mar Is 25,1; Sl 74,14; 104,26; Jó 3,8; 40,25ss mais
conhecido no Antigo Testamento, mas aparece também em Apocalipse 13,1-27.
7
“E agora, em minha visão, eu vi uma besta se levantando mar. Tinha sete cabeças e dez chifres. E
em cada cabeça estavam escritos nomes insultuosos, cada um deles blasfemando contra Deus.
Esta besta parecia um leopardo, mas tinha pés como os de urso e a boca como a de leão! E o
dragão deu à besta o seu próprio poder, o seu trono e a grande autoridade [...]” (Ap 13,12).
65
Behemot8 é o monstro da terra Jó 40,15. Como monstro do mar representa poderes
do caos, e por isso, é chamado de dragão Is 51,9; Ez 29,3; 32,2; Sl 74,13; Jó 7,12.
Em Apocalipse 12,15-179, encontra-se a serpente-dragão que se irritou
contra a mulher e fez guerra ao resto de sua descendência (Ap 12,17). Os
descendentes da mulher são os que guardam os mandamentos de Deus e têm o
testemunho de Jesus Ap 12,17 (FERRAZ, 2011). A serpente-dragão vê-se
desesperada e se vale de um último recurso, que é o poder das águas que ninguém
pode conter. Contudo, o vômito da serpente é sugado pela terra como as enxurradas
desaparecem na areia ressequida do deserto (CASTRO, 1989). A visão quer servir
de consolo e estímulo diante da força do poder do Império Romano (MAZZAROLLO,
2000). O dragão simboliza o poder do mal, a morte e os sistemas políticos e
econômicos que oprimem e sufocam as pessoas (MESTERS; OROFINO, 2003).
Porém, Deus protege e sustenta as comunidades em tempo de perseguição pelo
poder do Império (BORTOLINI, 2008).
O dragão e a mulher são dois mitos que representam a luta entre a vida e a
morte. A mulher encontra-se grávida e a ponto de dar à luz. O monstro é sinal de
morte e está para matar o filho da mulher. O sentido fundamental aqui é o confronto
entre a vida e a morte. A vida aparece formosa e majestosa, porém, frágil. A morte
se apresenta com força e poder total. No entanto, no confronto entre a vida e a
morte, a vida é a vencedora. A mensagem destes mitos é a esperança perante o
poder do Estado imperial (RICHARD, 1999).
Foi descrita a imagem do Leviatã em Gênesis, em Jó, nos Salmos e no
Apocalipse. Em Gênesis 3,15, o Leviatã apresenta-se com uma serpente; em Jó
40,29, como um dragão mítico que lança chamas pela boca, no Salmo 74,14, um
dragão de sete cabeças; e, no Apocalipse, como uma serpente dragão. Percebe-se
certo consenso a respeito dessa imagem nas passagens expostas, em que aparece
como serpente, ora como dragão. No Salmo 74,14, em Jó 3,8 e em Apocalipse 12,
15-17, ele é um monstro do mar. A imagem do Leviatã que mais se aproxima do
pensamento de Hobbes parece ser a de monstro marinho, pois o corpo do Leviatã
de Hobbes é coberto de escamas. Percebe-se que Hobbes tenta enfatizar o poder
8
9
Behemot é um monstro masculino e Leviatã feminino. E por vezes aparecem juntos (Jó 40,15—
41,26).
“A serpente vomitou contra a mulher um rio de água, para fazê-la submergir. A terra, porém, acudiu
à mulher, abrindo a boca para engolir o rio que o dragão vomitara. Este, então, se irritou contra a
mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus
e têm o testemunho de Jesus” (Ap 12,15-17).
66
que a imagem evoca. Nas passagens expostas, o monstro Leviatã apresenta um
poder muito grande e representa a manifestação do poder de Deus. Em Jó 40,29,
Deus pode dominá-lo sem dificuldades. Com isso, entende-se que, embora o
monstro simbolize o poder do mal, ele é subordinado a Deus. Portanto, o sentimento
que o poder do Leviatã bíblico inspira é de medo e de temor. Paixões essas que,
segundo a teoria de Hobbes, fundamentam e legitimam a origem do Estado
hobbesiano.
3.2.5 Leviatã: símbolo do poder
A imagem que Hobbes utilizou para representar o Estado está impressa na
capa da edição de 1651 da obra Leviatã. Pretende-se neste item captar dados que
poderão ser revelados a partir da análise da imagem da capa dessa obra.
Primeiramente observa-se a posição em que foram colocados o poder religioso e o
poder político. O poder político foi posicionado ao lado direito da imagem e o poder
religioso ao lado esquerdo. Diante disso, buscar-se-á investigar a intenção do autor
ao definir essa forma de posicionamento.
Figura 1: Capa do livro Leviatã, de Thomas Hobbes
67
O autor da ilustração foi Abraham Bosse, um célebre artista francês. Thomas
Hobbes conheceu Abraham em sua estada em Paris. Foi feita uma ilustração de um
gigante constituído por inúmeras pessoas em que ele empunha na mão direita uma
espada e na mão esquerda um cetro. Esses símbolos representam os poderes
político e religioso. Essa imagem transmite a ideia de um poder gigantesco que é
reforçada com o argumento de Menezes (2003), segundo o qual, na Idade Média,
não havia traços de usos cognitivos da imagem, sistemáticos e consistentes. O que
dominava era o valor afetivo envolvendo, sobretudo, a autoridade intrínseca da
imagem. Menezes (2003, p. 12) fala o seguinte sobre a autoridade do objeto visual:
Autoridade independente do conhecimento, mas derivada do poder que
atribuía efeito demiúrgico ao próprio objeto visual. Daí ser ele relevante
em contextos religiosos ou de poder político e com funções pedagógicas e
edificantes.
Menezes (2003, p. 12) propõe a análise “da visualidade como objeto
detentor de historicidade e como plataforma estratégica de elevado interesse
cognitivo”.
Hobbes fez uso de símbolos religiosos e do mito do monstro bíblico Leviatã
para legitimar sua teoria. Para compreender um pouco melhor o pensamento de
Hobbes, buscar-se-á nos símbolos respostas. Símbolos, na verdade, velam e
revelam a um só tempo. Por isso, permanece e sempre permanecerá certa margem
de divergência em sua interpretação, sem que se venha a questionar a constatação
e a importância do todo (HEINZ-MOHR, 1994).
Uma das possíveis interpretações que se pode fazer da imagem da capa do
Leviatã de 1651 é a contraposição dos símbolos do sagrado com os do profano, ou
seja, as correspondências do imaginário que servem de reforço para o poder do
Estado Hobbesiano. Hobbes não abre mão dessas correspondências e faz do medo
um aliado do poder soberano.
Verifica-se que, na parte superior da imagem, tem um gigante que consegue
alcançar todo o espaço habitado. O corpo do Leviatã tem uma proporção imensa
que alcança todo o território. É uma figura elegante e soberba, portando coroa e
armadura. Embora seu semblante seja de um nobre, seu corpo é forte, corpo de um
guerreiro que vence batalhas. Seu corpo é coberto por uma espécie de armadura
que se assemelha a escamas de um monstro marinho. Contudo, olhando mais
68
atentamente, percebe-se que essa espécie de armadura é composta dos corpos dos
indivíduos que compõem aquele Estado. Além disso, todos os indivíduos estão de
costas com as cabeças inclinadas. Todos direcionam os olhares para o grande
soberano, como se ele fosse um rei sol. O simbolismo do sol, para muitos povos, é
uma manifestação da divindade ou é o próprio deus (CHEVALIER, 2007). Segundo
Heinz-Mohr (1994, p. 32), armadura é atributo de generais, juízes e reis do Antigo
Testamento, assim, ao fazer ”uma interpretação simbólica cristã da armadura
considera em particular na espada uma alusão à cruz [...]”. E a cruz para ele é o
símbolo universal da mediação e do mediador, antes mesmo de ser usada na
linguagem simbólica cristã.
Armas são utilizadas nas duas mãos para manter a ordem e a paz. Na parte
inferior da imagem, há a exposição dos símbolos pertencentes ao soberano do lado
direito da imagem e, do esquerdo, os símbolos que representam a Igreja. Nesta
exposição, fica claro que o soberano, representado pelo gigante, tem nas suas mãos
os poderes civis e religiosos.
Figura 2: gigante de Hobbes com uma espada em sua mão direita
Na mão direita, o gigante de Hobbes empunha uma espada. Hobbes (1997,
p. 141) fala da necessidade do emprego da espada da seguinte maneira:
E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar a
menor segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis naturais (que cada
um respeita quando tem vontade e quando pode fazê-lo com segurança),
se não for instituído um poder suficientemente grande para garantir sua
segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em
sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros.
69
Para Hobbes, o emprego da força coercitiva é necessário para que todos se
sintam seguros, e dessa forma, não seja preciso que cada um utilize sua própria
força. A força irresistível do Leviatã, como citado em Jó 41,18-34, faz que ele reine
soberano sobre todas as demais criaturas.
Na mão esquerda, o Leviatã empunha um cetro episcopal. Para Hobbes
(1997), os reis necessitam submeter seus cetros a Cristo. Os reis cristãos equivalem
aos papas, porque são supremos pastores de seus próprios súditos. O cetro
significa, então, que o rei é detentor também do poder espiritual. Toda autoridade
religiosa está nas mãos do rei. Hobbes desenvolve a ideia do rei cristão conhecedor
das leis de Deus. Na obra Do cidadão, Hobbes (2006) parte do princípio de que
Igreja e Estado se fundem num só corpo e são direcionados pelo monarca. O
monarca concentraria em si todos os poderes, religioso e político. A autoridade para
interpretar a palavra de Deus estava também nas mãos dos reis (HOBBES, 2006).
Hobbes afirma que o poder de interpretar a palavra de Deus pertence ao poder civil.
Isto porque ele temia outra instituição organizada concorrendo com o poder do
Estado. Na época, a Igreja Católica era a maior rival do Estado.
Ao observar a direita e a esquerda da imagem, recorre-se a Chevalier para
analisar o que Hobbes quis transmitir: “Na Bíblia, olhar à direita Salmos, 142,5 é
olhar para o lado do defensor; [...]. A esquerda é a direção do inferno; à direita, a do
paraíso” (CHEVALIER, 2007, p. 341). Alguns comentários rabínicos apontam que
Adão seria homem do lado direito e a mulher do lado esquerdo.
Valendo dessa mesma explicação, pode-se entender que o lado esquerdo
seria o lado feminino em oposição ao lado direito, que seria o lado masculino. Entre
os gregos e os celtas, a mão direita é favorável, simbolizando força, destreza e
sucesso ao passo que a esquerda é nefasta. Para os bambaras, na África, a mão
direita é símbolo de ordem e a esquerda de desordem. No ocidente, segundo a
tradição cristã, a mão direita tem um sentido ativo e também significa futuro, e a
esquerda tem um sentido passivo e também significa passado. Na política, direita
simbolizaria a ordem e a esquerda insatisfação (CHEVALIER, 2007). Com base
nessas interpretações, pode-se concluir que ao colocar na mão direita o símbolo civil
e na mão esquerda um símbolo religioso, Hobbes quer destacar a sobreposição do
civil em relação ao religioso. O civil representa a retidão, a ordem, o trabalho e a
fidelidade e o religioso representa o seu oposto. Parece ser possível dizer que
Hobbes se apropria dos símbolos da dimensão religiosa para reforçar o poder do
Estado em sua teoria.
70
O Leviatã traz no alto da cabeça uma coroa. A coroa assinala um dom, o
caráter transcendente de uma realização bem-sucedida (CHEVALIER, 2007).
Segundo Chevalier (2007, p. 289), “a coroa simboliza a dignidade, o poder, a
realeza, o acesso a um nível e a forças superiores. Quando ela termina em forma de
domo, afirma uma soberania absoluta”. Logo, conclui-se que a coroa do Leviatã
simboliza um poder soberano.
Localizado bem no centro da parte inferior da capa da obra Leviatã (1651)
encontra-se em destaque o título da obra - Leviatã ou matéria, forma e poder de um
estado eclesiástico e civil.
Figura 3: Título centralizado na capa
A obra é conhecida comumente como Leviatã, mas, ao analisar seu título
oficial percebe-se que o discurso impresso tem algo a mais a revelar. Foucault
71
(2008) faz uma reflexão sobre a obra de René Magritte (1897-1967), que revela
questões fundamentais a respeito da relação entre o texto e a imagem e a
representação visual: “o signo verbal e a representação visual não são jamais dados
de uma vez só” (FOUCAULT, 2008, p. 40). Há sempre uma ordem de hierarquização
que vai da forma ao discurso ou vice-versa. O título apresenta um Estado
materializado na forma de uma autoridade soberana com poder religioso e civil. A
imagem reforça o título, revelando um gigante detentor destes poderes.
O princípio da equivalência entre o fato da semelhança e a afirmação de um
laço representativo regeu sobre a pintura ocidental até o século XX. Não importa o
sentido da relação de representação, se o visível parece com uma coisa que remete
a um invisível semelhante (FOUCAULT, 2008).
Figura 4: Castelo
Figura 5: Igreja
Passando para os símbolos expostos na parte inferior da capa da obra,
temos alguns elementos pertencentes aos poderes civil e religioso. Primeiramente,
no lado inferior direito, tem-se um castelo, e se contrapondo a ele uma Igreja.
O castelo simboliza, tanto na vida real quanto nos contos e sonhos, uma
construção sólida e de difícil acesso (CHEVALIER, 2007). O castelo exposto por
Hobbes está localizado no topo de uma colina simbolizando um lugar inacessível e,
consequentemente, seguro. Em confronto com a imagem do castelo, no lado
esquerdo aparece, a imagem de uma Igreja. A Igreja está localizada em um terreno
plano, logo se diferencia da inacessibilidade e segurança demostrada na imagem do
castelo. A Igreja cristã simboliza a imagem do mundo (CHEVALIER, 2007).
72
Figura 7: Mitra
Figura 6: Coroa
O próximo símbolo é a coroa de rei. Heinz-Mohr (1994) elucida o caráter
simbólico da coroa de rei. Se posicionada no alto da cabeça, evidencia
transcendência. Quando apresenta forma arredondada significa perfeição. Quanto à
sua constituição, pode ser de material precioso ou material de cunho sacrifical.
A coroa é símbolo de honra e glória. A coroa retratada na parte inferior difere
da coroa portada pelo gigante, a do Leviatã termina em forma de domo afirmando
soberania absoluta. A outra coroa é constituída de material precioso simbolizando
honra (HEINZ-MOHR, 1994). Do lado oposto da coroa, tem-se a mitra, um
ornamento que os bispos usam em suas cabeças nos momentos de celebração.
“Aparece como atributo em figuras dos santos canonizados do Ocidente que foram
bispos [...]” (HEINZ-MOHR, 1994, p. 251).
Figura 8: Armas de fogo
Figura 9: Forcado e Chifre
A arma é um símbolo ambíguo, pois simboliza, a um só tempo, o
instrumento da justiça e o da opressão, a defesa e a conquista. A arma materializa a
vontade dirigida para um objetivo (CHEVALIER, 2007). Do outro lado, tem-se o
73
forcado e o chifre. O forcado é o emblema do diabo: uma flecha das trevas, a
imagem do poder mágico, do dinamismo da afetividade e das forças inconscientes
(CHEVALIER, 2007). Já o chifre, na Bíblia, simboliza salvação. O forcado e o chifre
são instrumentos com os quais a Igreja conseguia manipular os féis, fazendo com
que eles se comportassem da maneira desejada. A promessa de salvação ou a
punição eterna eram armas muito poderosas a favor da subjugação dos fiéis.
Figura 10: Batalha
Figura 11: Tribunal eclesiástico
Por último, está retratada a imagem de cavaleiros em batalha, um exército
armado. Contrapondo-se à imagem do exército em batalha, observa-se o tribunal
eclesiástico, a alta cúpula da Igreja. De um lado, há a força bruta do outro, a força da
meditação.
Os símbolos são fontes inesgotáveis de significado. Eles possuem um
significado genérico e um significado particular. O significado do símbolo vai além do
aparente. Por mais que se aproxime de um significado do símbolo, ele vai além. A
imagem, o rito e mito servem de suporte materiais para o símbolo. Os símbolos
religiosos contrapostos no lado esquerdo da imagem transmitem a ideia de
submissão ao poder civil. Hobbes pretendia manter a Igreja sobre controle. A força
profana do Estado hobbesiano recebeu um reforço do poder sagrado. Hobbes
recorreu aos símbolos sagrados para reforçar a força de seu Leviatã. O que ele
combatia era a hierarquia da Igreja.
3.3 O SAGRADO COMO LEGITIMAÇÃO DO PODER EM HOBBES
Segundo Bourdieu (2007), a religião é um conjunto de práticas e
representações revestidas de caráter sagrado. É uma linguagem simbólica de
74
comunicação e pensamento. Faz parte do mundo natural e social formando um todo
organizado. Hobbes (1997, p. 97) verifica que a religião é uma construção humana,
aproximando do conceito de Bourdieu:
[...] só no homem encontramos sinais, ou frutos da religião, não há motivo
para duvidar que a semente da religião se encontra também apenas no
homem, e consiste em alguma qualidade, que não se encontra nas outras
criaturas vivas.
Hobbes (1997, p. 61) conceitua religião como:
o medo dos poderes invisíveis, inventados pelo espírito ou imaginados a
partir de relatos publicamente permitidos, chama-se religião; quando
esses não são permitidos, chama-se superstição. Quando o poder
imaginado é realmente como imaginamos, chama-se verdadeira religião.
Diante do conceito hobbesiano, percebe-se o que é autorizado pelo Estado,
para ser chamada de verdadeira religião tem que ser reconhecido pelo poder civil.
Para Hobbes (1997, p. 101), a semente da religião consiste “na crença nos
fantasmas, a ignorância das causas segundas, a devoção pelo que se teme e a
aceitação de coisas acidentais como prognósticos”. Logo, percebe-se que a
utilização da imagem de um terrível monstro marinho citado no livro de Jó revela que
pelo temor se consegue devoção. A dominação se dá por meio do medo provocado
pelo elemento religioso, isto é, como o sagrado sacralizando o profano. As
Escrituras, segundo Hobbes (1997, p. 78), foram escritas para:
mostrar a crença no movimento de Deus, e preparar seus espíritos para se
tornarem seus súditos obedientes; deixando o mundo, e a filosofia a ele
referente, às disputas dos homens, pelo exercício de sua razão natural.
Que o dia e a noite provenham do movimento da Terra, ou do sol, ou que
as ações exorbitantes dos homens derivem da paixão ou do diabo (desde
que não adoremos a este último), nenhuma diferença faz quanto a nossa
obediência e sujeição a Deus todo-poderoso, que é o fim para que se
escreveram as Escrituras.
Segundo Hobbes (1997, p. 61), o medo/terror pânico é uma paixão que só
ocorre numa turba ou multidão de pessoas. Inicialmente, um indivíduo sente esse
medo e compreende sua causa e os demais fogem, por causa do exemplo do
primeiro, supondo que ele tenha consciência do por quê. Acredita-se que a intenção
de Hobbes, ao utilizar essas imagens, foi mostrar a superioridade do soberano,
possuidor de todos os poderes, tanto os poderes materiais e quanto os imateriais.
Hobbes apropria-se das armas da Igreja para legitimar os poderes do Leviatã.
75
Foucault (1979, p. 183) comenta sobre a imagem do Leviatã que
[...] enquanto homem constituído, o Leviatã não é outra coisa senão a
coagulação de um certo número de individualidades separadas, unidas por
um conjunto de elementos constitutivos do Estado: mas no coração do
Estado, ou melhor, em sua cabeça, existe algo que o constitui como tal e
este algo é a soberania, que Hobbes diz ser precisamente a alma do
Leviatã.
Segundo esse autor, embora a alma central do Leviatã seja a soberania, para
a análise do poder, é necessário o estudo dos sujeitos periféricos que constituem o
corpo do Estado. Neste sentido, percebe-se que Hobbes representa o Estado na
pessoa do monarca, um homem de estatura maior do que o normal e com poder para
garantir a defesa de todos os demais. Por que Hobbes não representou o Estado com
a imagem de uma mulher? Hobbes (1997, p. 160) supunha que os homens
favoreciam mais os filhos do sexo masculino porque “[...] os homens são naturalmente
mais capazes do que as mulheres para as ações que implicam esforço e perigo”.
Hobbes acreditava que o homem por natureza estaria mais qualificado para governar.
O Leviatã de Hobbes foi criado para garantir paz e segurança. No entanto,
para controlar os seres humanos que se movimentam em função das paixões e
desejos, é preciso abdicar de liberdade em prol de segurança. Segundo Hobbes,
troca-se o medo da morte violenta pelo respeito e observância às leis, também pelo
medo da punição imposta pelo Leviatã a quem as violar. A obediência às leis é
condição para uma vida plena. O Leviatã bíblico é o monstro do caos, diferindo,
portanto, da intenção de Hobbes, que quer comparar a missão de Cristo com a do
Leviatã, a de messias. Ele utiliza o termo Leviatã alegoricamente. A alegoria traduz
um segundo sentido para um primeiro sentido, que é o sentido da forma literária. Ela
parte de algo conhecido para terminar em uma figura que remete a algo
anteriormente conhecido, mas lido a partir da imagem (CROATTO, 2010). Segundo
Croatto (2010, p. 96), “a alegoria [...] ‘traduz’ parte do conhecido, embora seja uma
realidade transcendente”. No aspecto descrito na Bíblia, o fato de o Leviatã ter poder
irresistível coincide com a ideia de Hobbes de um Estado soberano.
Hobbes (1997, p. 241) determina o poder do governante fazendo uma
comparação com os dois últimos versículos do capítulo 41 de Jó: “não há nada na
Terra, disse ele, que se lhe possa comparar. Ele é feito de maneira a nunca ter
medo. Ele vê todas as coisas abaixo dele, e é o Rei de todos os Filhos da soberba”.
Com isso, entende-se que o governante seja um ser superior aos demais.
76
O Leviatã hobbesiano simboliza um poder absoluto, o único capaz de manter
a paz. Hobbes, ao empregar citações bíblicas, demonstra ter tido a intenção implícita
de buscar fundamentação bíblica para o poder do Leviatã, um poder de proporções
gigantescas. O Leviatã sai do mar, ambiente com propriedade de dar e tirar a vida,
para garantir a vida. Embora esse poder exclusivo e ilimitado tenha sido um ato
voluntário e racional da sociedade, ele busca nas Escrituras razões plausíveis para
obter obediência e submissão do povo.
Hobbes utiliza a figura de um dos monstros bíblicos para representar o
Estado evocando um poder irresistível. O Leviatã bíblico é um monstro do caos que
se apresenta de formas variadas e o Leviatã de Hobbes é um homem artificial com
força e estatura maior que o homem natural, capaz de proteger e defender o povo.
Essa ressignificação traz de volta a imagem do caos. No aspecto de provocar temor,
o Leviatã de Hobbes coincide com o texto bíblico, para expressar um Estado
detentor de todo o poder político e religioso que o próprio povo delegou a ele,
utilizando da força coercitiva para os insubmissos. Com essa teoria do Estado surge
uma sociedade organizada.
Souki (2008) menciona que, no século XVII, a Bíblia, na Inglaterra, não
estava restrita à religião, servindo de fundamento para todos os aspectos da cultura
inglesa. A Bíblia podia justificar tudo o que uma pessoa ou grupo quisesse. Souki
(2008) menciona que o Livro de Jó era o favorito de Hobbes entre os livros da
Escritura. Conforme essa autora, a utilização do nome do monstro bíblico para o
título da obra de Hobbes “representa o poder incontestável da soberania absoluta” e
o “Leviatã parece evocar a força da ordem” (SOUKI, 2008, p. 14). Já que o
personagem bíblico Jó era modelo de obediência a ser seguido.
Em Jó 41,10, o Leviatã parece estar dormindo ou em descanso, pelo menos
na maior parte do tempo. Portanto, o Leviatã só é terrível se despertado. Logo, o
poderoso Leviatã hobbesiano é um mal necessário para manter a harmonia
desejada por Hobbes. Dessa maneira, se ninguém infringir a lei, ele continuará
adormecido.
3.4 A FORÇA DO SÍMBOLO LEVIATÃ
O símbolo refere-se à união de elementos que se inter-relacionam. Ele é
remissivo, pois envia para outra realidade, que é a que importa existencialmente. As
77
coisas deste mundo são captadas e vivenciadas analogicamente, que, por algum
motivo são elevadas ao plano simbólico, à vivência do sagrado mediando uma
relação com o objeto mundano (CROATTO, 2010). Segundo Croatto (2010), o
símbolo é uma espécie de lente que possibilita ver o que sem ela não se vê. Esse
autor diz que as palavras que expressam a experiência convertem-se em palavras
simbólicas.
Falar de Deus, que ‘está no céu’, não é usar uma linguagem objetiva, nem
uma metáfora, mas um símbolo da transcendência e da soberania que
‘diz’, uma maneira de experimentar Deus religiosamente. Está-se
expressando a percepção do transcendente mediante uma de suas
manifestações cósmicas (uma hierofania), porém a vivência é humana e
histórica (CROATTO, 2010, p. 90).
Hobbes emprega a palavra Deus como instrumento para sacralizar o poder
do Estado. Embora diferencie o reino de Deus do reino da terra, deixa que o próprio
Deus diga que não é deste mundo. Logo, esse pensamento induz as pessoas a
pensarem que, aqui na terra, o rei cristão é um Deus mortal.
Segundo Terrin (2004), a história da humanidade e os mundos simbólicoreligiosos estão em mútua dependência e em recíproca interação. Para Geertz
(1989), a cultura é composta por um conjunto de símbolos que permitem interpretar
a realidade. Os símbolos articulam e veiculam uma rede de significados. Os
símbolos religiosos são uma modalidade específica. Eles funcionam produzindo uma
visão realista do mundo e um estilo premente de vida. Os símbolos culturalmente
construídos modelam disposições e motivações religiosas e inserem tais disposições
e motivações em um arcabouço cosmológico. Ao interpretar os símbolos, entendese a própria cultura em questão. “Os seres e espíritos sagrados, [...] serão tomados
como expressão simbólica de relações sociais a serem remetidas às estruturas
sociais e aos sistemas culturais de cada sociedade singular” (TEIXEIRA, 2003, p.
150-1). Segundo Terrin (2004, p. 47) o símbolo quer ser “algo além do racional, mas
não além do razoável”.
Racionalidade concebida como um conceito aberto que não pode se
explicitar de uma vez por todas. Ora, somente neste quadro têm
possibilidade de existência também o rito e mito, como explicações em
igualdade de direitos com outras visões do mundo e como vetores de uma
racionalidade que lhes é própria, não sempre nem imediatamente possível
de verificar (TERRIN, 2004, p. 47).
78
Quando a imagem adquire o papel de representação, nasce o símbolo. Os
símbolos são parte do mundo humano de significado e racionalidade. A partir da
consciência religiosa, as imagens míticas se tornam expressões simbólicas da
realidade espiritual (AVENS, 1993). A imagem do Leviatã bíblico representa o poder
soberano, um símbolo do poder. O símbolo sagrado permitiu a passagem para uma
realidade que realmente importava para as pessoas, uma realidade de ordem e paz.
A vivência do símbolo sagrado revelou a possibilidade de coesão social.
79
CONCLUSÃO
Esta pesquisa assumiu como objetivo analisar a origem do poder do Leviatã
hobbesiano. Para tal, esta análise apoiou-se em ferramentas da fenomenologia da
religião e da antropologia. No transcurso deste trabalho, foi-se constatando que o
símbolo religioso Leviatã é uma das fontes do poder do Leviatã hobbesiano. Assim,
é o Livro de Jó que inspira Hobbes. Este Livro se encaixa perfeitamente com o que
Hobbes busca reforçar. Na época de Hobbes, Jó era visto como símbolo de
paciência e obediência. O monstro em Jó representa o rei de todos os soberbos. É
um ser capaz de governar todas as demais criaturas. As características do monstro
bíblico servem de fundamento para o poder do Estado.
Realizou-se, em primeiro lugar, uma leitura da obra Leviatã e de outras
obras de Hobbes, procurando compreender o contexto histórico e os fatores que
influenciaram o pensamento do autor. No momento histórico em que Hobbes cria o
Leviatã, o importante era a preservação da vida humana. Era um período de
intensos conflitos civis e religiosos. Com o emprego da reta razão, os indivíduos
chegam à conclusão de que é melhor delegar todos os poderes a uma autoridade
com capacidade de garantir a segurança de todos. Acredita-se que Hobbes recorreu
ao mito para reforçar o poder do soberano. Hobbes utiliza o nome do monstro bíblico
Leviatã para representar o Estado, simbolizando um poder terrível, capaz de impor à
humanidade obediência e submissão. Este poder é legitimado pelo contrato social,
mas não apenas por ele. O contrato social ameniza o temor que prevalece no estado
de natureza. O medo constante no estado hipotético de natureza de Hobbes é maior
que o medo provocado pelo Estado. Tal dominação se dá por meio do medo, da
morte violenta e do símbolo Leviatã, consequentemente, o medo do castigo tanto
civil quanto divino.
Verificou-se que, em geral, o uso do nome e da imagem do monstro bíblico
serviu para reforçar o poder do soberano. O poder monstruoso que a imagem inspira
gera medo, mas também a adesão do povo. As teorias do direito natural e do direito
divino do rei fazem que o povo obedeça às leis imposta pelo Leviatã hobbesiano.
Assim, conclui-se que, ao empregar o nome de um monstro mitológico bíblico, ele
quis, com isso, apropriar-se do seu sentido simbólico. O sentido apropriado é a
capacidade de governar as demais criaturas, já que o monstro não sente medo e
não tem superiores na Terra. Acredita-se que, para Hobbes, o mito do terrível
80
monstro marinho adormecido no fundo do mar é um mal necessário. Sua presença é
primordial para a harmonia hobbesiana, pois o temor que ele provoca faz os
humanos obedecerem as leis do Estado.
Nesta
investigação,
constatou-se
que
Hobbes
propôs
uma
nova
configuração à categoria de direito divino dos reis. A aliança transforma-se em um
dado concreto, em um contrato assegurado pelo poder do Estado, um poder visível.
O não cumprimento das leis civis implica também desobediência a Deus. O
indivíduo, ao temer o Estado, teme também a Deus. Logo, conclui-se que há um
temor relacionado à imagem Deus, mas que não é necessariamente maior que o
poder que se propõe laico balizado pela força e anuência de todos.
Nas passagens bíblicas analisadas, o monstro Leviatã apresenta um poder
fortíssimo e representa a manifestação do poder de Deus. Em Jó 40,29, Deus pode
dominá-lo sem dificuldades. Com isso, entende-se que, embora o monstro simbolize
o poder do mal, ele é subordinado a Deus. Portanto, o sentimento que o poder do
Leviatã bíblico inspira é de medo e de temor, paixões essas que, segundo a teoria
de Hobbes, fundamentam e legitimam a origem do Estado hobbesiano.
Percebe-se ainda que Hobbes define as funções do Estado e da Igreja.
Embora esse autor separe Estado e Igreja, verifica-se que ocorreu uma laicização
parcial do Estado, pois Hobbes utilizou as Escrituras Sagradas e os símbolos
religiosos como instrumentos que reforçam a soberania do Estado, permanecendo
em parte o religioso imbricado no político.
Foi também possível concluir que o poder do Leviatã hobbesiano é uma
mescla de profano e sagrado, legitimado de alguma maneira na anuência de todas
as pessoas. O poder se configura das duas maneiras. Inicia-se pela delegação
voluntária de poder, em que as pessoas livremente optam pelo contrato social,
configurando-se como um poder profano. Posteriormente, esse ato é sacralizado por
meio do mito e do símbolo. O símbolo atua fornecendo o que é realmente essencial
à pessoa humana. As pessoas buscavam a paz e a segurança que o símbolo
Leviatã poderia lhes proporcionar. O poder do Leviatã hobbesiano se configura
sagrado por ser um poder separado dos demais. Seu poder é superior aos demais
seres humanos, pois não é subordinado a nenhuma lei civil. Todas as pessoas
devem obediência às leis civis; somente o Leviatã não deve tal obediência. O
Estado, segundo Hobbes, deve obediência apenas ao deus imortal. Com essa
afirmação, ele transmite a ideia de que o Estado é um mediador do ente divino. Além
81
do medo da punição civil, fica implícito também um temor ao Deus Imortal. A
manutenção do poder do Leviatã hobbesiano foi estabelecida pelo medo e pelo
temor que o Leviatã de origem provoca. Hobbes apropria-se do poder irresistível do
mito do Leviatã de Jó para reforçar o poder do soberano.
Para finalizar, o uso do símbolo religioso permitiu que Hobbes estruturasse
os conceitos que refletiam os interesses da classe que dominava em sua época.
Para tornar sua teoria viável, ele buscou reforço na dimensão sagrada: nos mito, nos
símbolos e nas Escrituras Sagradas. Quando Hobbes recorre ao sagrado para
reforçar o poder do Estado, ele consegue a obediência dos súditos. Logo, a imagem
do Leviatã bíblico tem importante papel na teoria hobbesiana, na medida em que ela
serve de reforço no controle da ordem social.
82
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