Academia.eduAcademia.edu

Direito à Liberdade de Expressão

2022, O Conteúdo Jurídico dos Direitos Humanos: Direitos Civis e Políticos nos Instrumentos Internacionais

A liberdade de expressão é um dos direitos mais imprescindíveis para as democracias e para o conjunto dos direitos humanos. As razões pelas quais a liberdade de expressão deve ser protegida juridicamente são inúmeras. É por meio de sua garantia que outros direitos humanos são reivindicados e exercidos efetivamente. É pela liberdade de expressão que a autonomia, o livre desenvolvimento da personalidade, a participação política, o pluralismo, a organização de oposições políticas, o exercício da atividade jornalística, o debate e a formação da opinião pública se tornam possíveis. Esse direito, ainda, está interligado com outros direitos de liberdade, como o acesso à informação, associação e reunião, e de religião. Além disso, a proteção da liberdade de expressão abrange não apenas o direito de falar, escrever e se expressar por qualquer outro meio garantido, mas também buscar e difundir informações, ideias e opiniões. Por isso, há uma dimensão dupla que lhe é característica e deve ser efetivamente garantida a todas as pessoas e à sociedade, enquanto coletivo. A importância da liberdade de expressão, e todas as demais justificativas que fundamentam a sua garantia e necessária efetivação, não significam uma natureza absoluta desse direito. Assim como outros direitos humanos, o seu exercício implica deveres e responsabilidades e pode ser limitado de forma legítima, a depender de circunstâncias e em respeito aos critérios previstos nas normativas internacionais de direitos humanos. Esses e outros pontos serão trabalhados e esclarecidos nesse capítulo, com base nos estândares e no marco normativo internacional dos Sistemas Global (ONU) e Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, aos quais o Brasil está comprometido em razão da ratificação e promulgação de tratados internacionais e vinculado perante a jurisdição internacional.

DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO Bruna Marques da Silva 1. INTRODUÇÃO A liberdade de expressão é um dos direitos mais imprescindíveis para as democracias e para o conjunto dos direitos humanos. As razões pelas quais a liberdade de expressão deve ser protegida juridicamente são inúmeras. É por meio de sua garantia que outros direitos humanos são reivindicados e exercidos efetivamente. É pela liberdade de expressão que a autonomia, o livre desenvolvimento da personalidade, a participação política, o pluralismo, a organização de oposições políticas, o exercício da atividade jornalística, o debate e a formação da opinião pública se tornam possíveis. Esse direito, ainda, está interligado com outros direitos de liberdade, como o acesso à informação, associação e reunião, e de religião. Além disso, a proteção da liberdade de expressão abrange não apenas o direito de falar, escrever e se expressar por qualquer outro meio garantido, mas também buscar e difundir informações, ideias e opiniões. Por isso, há uma dimensão dupla que lhe é característica e deve ser efetivamente garantida a todas as pessoas e à sociedade, enquanto coletivo. A importância da liberdade de expressão, e todas as demais justificativas que fundamentam a sua garantia e necessária efetivação, não significam uma natureza absoluta desse direito. Assim como outros direitos humanos, o seu exercício implica deveres e responsabilidades e pode ser limitado de forma legítima, a depender de circunstâncias e em respeito aos critérios previstos nas normativas internacionais de direitos humanos. Esses e outros pontos serão trabalhados e esclarecidos nesse capítulo, com base nos estândares e no marco normativo internacional dos Sistemas Global (ONU) e Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, aos quais o Brasil está comprometido em razão da ratificação e promulgação de tratados internacionais e vinculado perante a jurisdição internacional. 2. PREVISÃO NORMATIVA 2.1. Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos (ONU) 2.1.1. Declaração Universal de Direitos Humanos Artigo 19 Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. 2.1.2. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos Artigo 19 405 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS 1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha. 3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas. Artigo 20 1. Será proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra. 2. Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou a violência. 2.1.3. Convenção sobre os direitos da criança Artigo 13 1. A criança terá direito à liberdade de expressão. Esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criança. 2. O exercício de tal direito poderá estar sujeito a determinadas restrições, que serão unicamente as previstas pela lei e consideradas necessárias: a) para o respeito dos direitos ou da reputação dos demais, ou b) para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger a saúde e a moral públicas. 2.1.4. Convenção para a Proteção dos Trabalhadores Migrantes Artigo 13: 1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de exprimir as suas convicções sem interferência. 2. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob a forma oral, escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à sua escolha. 3. O exercício do direito previsto no nº 2 do presente artigo implica deveres e responsabilidades especiais. Por esta razão, pode ser objeto de restrições, desde que estejam previstas na lei e se afigurem necessárias: a) Ao respeito dos direitos e da reputação de outrem; b) À salvaguarda da segurança nacional dos Estados interessados, da ordem pública, da saúde ou da moral públicas; c) A prevenir a incitação à guerra; d) A prevenir a apologia do ódio nacional, racial e religioso, que constitua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência. 406 DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO 2.1.5. Convenção Internacional para a Proteção das Pessoas com Deficiência Artigo 21 Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito à liberdade de expressão e opinião, inclusive à liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e ideias, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e por intermédio de todas as formas de comunicação de sua escolha, conforme o disposto no Artigo 2 da presente Convenção, entre as quais: a) Fornecer, prontamente e sem custo adicional, às pessoas com deficiência, todas as informações destinadas ao público em geral, em formatos acessíveis e tecnologias apropriadas aos diferentes tipos de deficiência; b) Aceitar e facilitar, em trâmites oficiais, o uso de línguas de sinais, braile, comunicação aumentativa e alternativa, e de todos os demais meios, modos e formatos acessíveis de comunicação, à escolha das pessoas com deficiência; c) Urgir as entidades privadas que oferecem serviços ao público em geral, inclusive por meio da Internet, a fornecer informações e serviços em formatos acessíveis, que possam ser usados por pessoas com deficiência; d) Incentivar a mídia, inclusive os provedores de informação pela Internet, a tornar seus serviços acessíveis a pessoas com deficiência; e) Reconhecer e promover o uso de línguas de sinais. 2.2. Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos (OEA) 2.2.1. Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem Artigo IV Toda pessoa tem direito à liberdade de investigação, de opinião e de expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio. 2.2.2. Convenção Americana de Direitos Humanos Artigo 13 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipa- 407 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS mentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. 2.2.3. Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais, Étnicas, Religiosas e Linguísticas Artigo 2 1. As pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas (doravante denominadas “pessoas pertencentes a minorias”) têm o direito de fruir a sua própria cultura, de professar e praticar a sua própria religião, e de utilizar a sua própria língua, em privado e em público, livremente e sem interferência ou qualquer forma de discriminação. 2. As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de participar efetivamente na vida cultural, religiosa, social, económica e pública. 3. As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de participar efetivamente nas decisões adotadas a nível nacional e, sendo caso disso, a nível regional, respeitantes às minorias a que pertencem ou às regiões em que vivem, de forma que não seja incompatível com a legislação nacional. 4. As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de criar e de manter as suas próprias associações. 5. As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de estabelecer e de manter, sem qualquer discriminação, contatos livres e pacíficos com os restantes membros do seu grupo e com pessoas pertencentes a outras minorias, bem como contatos transfronteiriços com cidadãos de outros Estados com os quais tenham vínculos nacionais ou étnicos, religiosos ou linguísticos. 2.2.4. Declaração Americana de sobre o Direito dos Povos Indígenas Artigo 20 1. Os povos indígenas têm os direitos de associação, reunião, organização e expressão, e a exercê-los sem interferências e de acordo com, entre outros, sua cosmovisão, seus valores, usos, costumes, tradições ancestrais, crenças, espiritualidade e outras práticas culturais. 2. Os povos indígenas têm direito de se reunir em seus lugares e espaços sagrados e cerimoniais. Para essa finalidade, terão o direito de usá-los e de a eles ter livre acesso.3. Os povos indígenas, em especial os que estejam divididos por fronteiras internacionais, têm direito a transitar, manter, desenvolver contatos, relações e cooperação direta, inclusive atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com os membros de seu povo e com outros povos. 4. Os Estados adotarão, em consulta e cooperação com os povos indígenas, medidas efetivas para facilitar o exercício e assegurar a aplicação desses direitos. 2.2.5. Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e formas correlatas de Intolerância Artigo 4 Os Estados comprometem-se a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, todos os atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância, inclusive: i. apoio público ou privado a atividades racialmente discriminatórias e racistas ou que promovam a intolerância, incluindo seu financiamento; ii. publicação, circulação ou difusão, por qualquer forma e/ou meio de comunicação, inclusive a internet, de qualquer material racista ou racialmente discriminatório que: 408 DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO a) defenda, promova ou incite o ódio, a discriminação e a intolerância; e b) tolere, justifique ou defenda atos que constituam ou tenham constituído genocídio ou crimes contra a humanidade, conforme definidos pelo Direito Internacional, ou promova ou incite a prática desses atos; 2.3. Marco normativo interno brasileiro 2.3.1. Constituição Federal de 1988 Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; Art. 220: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. § 3º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. 2.3.2. Lei 7.716 de 05 de janeiro de 1989 (Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor) Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. 409 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. 2.3.3. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Institui o Código Civil) Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E ESTÂNDARES INTERNACIONAIS DOS DISPOSITIVOS NORMATIVOS O direito à liberdade de expressão é um dos direitos individuais amplamente protegidos pelo DIDH, e consiste na garantia de expressar, difundir e receber pensamentos, ideias, informações e outras formas comunicativas, de qualquer natureza e por diferentes meios de expressão. De acordo com diretrizes internacionais dos Sistemas Global e Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, esse direito é indispensável para as sociedades livres e democráticas, configurando uma de suas mais importantes condições de possibilidade e existência. A importância da liberdade de expressão pode ser compreendida porque esse direito tem como funções principais: a) ser essencial e indispensável para a realização do ser humano e livre desenvolvimento da personalidade; b) ser uma das condições para a consolidação e funcionamento das democracias; c) ser um direito imprescindível para o exercício de outros direitos, como direito à educação, saúde, ao voto, à liberdade de associação e reunião, e para reivindicá-los. Ou seja, ser também fundamental para a promoção e proteção dos direitos humanos; d) ser necessário para assegurar e concretizar o acesso à informação, juntamente com a transparência e responsabilidade públicas.1 No marco normativo do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos da ONU, a DUDH garante no artigo 19 o direito à liberdade de opinião e expressão a todas as pessoas, incluindo a procura, o recebimento e a difusão de informações e ideias, independente de limites de fronteiras. 2 No marco normativo do SIDH, a DADDH garante o direito de liberdade de investigação, opinião, expressão e difusão no artigo IV. Diante da característica de declaração, os conteúdos éticos-normativos da DUDH e da 410 1 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 2 ONU. Assembleia Geral. Declaração Universal de Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Paris, dezembro. 1948. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em: 02 maio 2021. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO DADDH são instrumentalizados por normativas com natureza de tratados internacionais, que reforçam a obrigação jurídica vinculativa aos estados. 3 No âmbito do Sistema Global, o PIDCP é o principal tratado internacional que protege e garante o direito à liberdade de expressão, nos artigos 19 e 20. Em consonância à DUDH, os dispositivos 19.1 e 19.2 garantem a livre opinião e expressão a todas as pessoas, bem como o recebimento e difusão de informações. Por esta razão, o direito à liberdade de expressão não configura apenas o direito de manifestar-se livremente e sem interferências, mas de informar-se, estar bem informado e transmitir esses conteúdos, juntamente com ideias e opiniões.4 Segundo a Observação Geral nº 34 do CDH da ONU, o artigo 19.1 do PIDCP dispõe sobre a proteção da liberdade de opinião, que significa o direito de uma pessoa não sofrer interferências ou incômodos em razão da expressão de opiniões particulares, ou de cunho científico, histórico, moral ou religioso. Assim, o direito à liberdade de opinião não pode estar sujeito a restrições ou exceções e abrange a garantia de mudança de opiniões a qualquer momento, motivo e de forma livre5. Além disso, o Informe sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão de 2021 indica que a liberdade de opinião inclui o direito a não expressar uma opinião, ou seja, abrange a proteção contra coerções para expressá-la6, sendo: [...] proibido divulgar a opinião própria contra a vontade, devendo ser protegida a autonomia mental. Toda a tentativa de coagir uma pessoa para que tenha ou não tenha uma determinada opinião está proibida. Castigar, acusar, intimidar e estigmatizar uma pessoa por ter uma opinião, entre outros meios manipulando de maneira coercitiva (contra a sua vontade ou sem o seu consentimento) seu processo de raciocínio para desenvolver uma opinião são violações do direito à liberdade de opinião. 7 Já o artigo 19.2 do PIDCP garante a proteção da liberdade de expressão, que, como dito, inclui também o direito de buscar, receber e transmitir informações e ideias. De acordo com a Observação Geral nº 34 do CDH da ONU, esse direito protege os mais variados conteúdos, como o pensamento político, religioso, as discussões sobre direitos humanos e outros assuntos de interesse público, as expressões culturais e artísticas, o ensino e o aprendizado, entre outros. As formas de expressões são também múltiplas, abrangendo a oralidade, a escrita, libras, as expressões não verbais, como as imagens e objetos artísticos8. Além disso, os meios de difusão compreendem “[...] os livros, os jornais, os folhetos, os cartazes, banners, peças de vestuário, argumentos jurídicos, bem como modalidades de expressão audiovisual, 3 O’DONNEL, Daniel. Derecho Internacional de los derechos humanos: Normativa, jurisprudencia y doctrina de los sistemas universal e interamericano. 2 ed. México: Tribunal Superior de JUstila del Distrito Federal, 2012. 4 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 5 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 6 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Irene Khan (la desinformación y la libertad de opinión y de expresión). 13 abr. de 2021. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/47/25. Acesso em: 01 jun. 2021. 7 No original: “[...] prohibido divulgar la opinión propia en contra de la voluntad y se debe proteger la autonomía mental. Todo intento de coaccionar a una persona para que tenga o no tenga una opinión determinada está prohibido. Castigar, acosar, intimidar y estigmatizar a una persona por tener una opinión, entre otros medios manipulando de manera coercitiva (en contra de su voluntad o sin su consentimiento) su proceso de raciocinio para desarrollar una opinión, son violaciones del derecho a la libertad de opinión. ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Irene Khan (la desinformación y la libertad de opinión y de expresión). 13 de abril de 2021. Disponível em: https://undocs. org/es/A/HRC/47/25. Acesso em: 01 jun. 2021. p. 8. 8 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 411 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS eletrônica ou internet, em todas as suas formas.”9 Por fim, apesar da regra ampla de proteção à livre expressão e difusão, o artigo 19.2 está sujeito às disposições do artigo 19.3 e 20 do PIDCP, traduzindo o caráter não absoluto desse direito, o que será aprofundado no próximo item. No âmbito do SIDH, é a CADH o tratado internacional que dispõe sobre o direito à liberdade de expressão com maior protagonismo, em seu artigo 13. Ainda que similar ao PIDCP, o marco normativo do Sistema Interamericano supera o do Sistema Global na tutela da liberdade de expressão, oferecendo garantia ainda mais ampla e detalhada a esse direito. Por exemplo, no artigo 13.1 da CADH está prevista a proteção da livre expressão e opinião dos indivíduos, bem como o recebimento e difusão de informações por qualquer meio e para além de fronteiras. Assim como no Sistema Global, essa garantia é estendida para diferentes meios de difusão e formas de expressão. No entanto, o artigo 13.2 da CADH dispõe sobre a impossibilidade de censura prévia, o que não consta no PIDCP. Além disso, o artigo 13.3 da CADH prevê a impossibilidade de restringir à liberdade de expressão de forma indireta, por meio de abuso de controle da imprensa, frequência de transmissões de rádio, aparelhos ou quaisquer outros meios utilizados para difundir informações, comunicação, ideias e opiniões.10 Assim, de acordo com a CIDH, as previsões protetivas à liberdade de expressão reforçam que esse direito não pode receber nenhum tipo de controle anterior ou preventivo, e sim possíveis responsabilidades ulteriores nos casos que configurarem abuso do seu exercício, como dito. A CIDH esclarece também que eventuais restrições ao exercício da liberdade de expressão previstas em outros instrumentos internacionais não devem ser utilizadas para interpretar a CADH, em respeito à primazia da norma mais favorável – princípio pro homine.11 Segundo Torrijo, uma explicação possível para essa regulação detalhada no Sistema Interamericano é o histórico de ditaduras e regimes autoritários na América Latina, que articularam a censura direta e indireta para silenciar críticas ao governo e autoridades públicas, organizações políticas de oposição e reivindicações por direitos, caracterizando graves violações à liberdade de expressão e outros direitos humanos12. Isso não significa que a CADH não admita restrições legítimas ao exercício abusivo do direito à liberdade de expressão. Assim como no PIDCP, a CADH estabelece possíveis limitações a esse direito nos artigos 13.2 e 13.5, conferindo a natureza não absoluta.13 Diante das especificidades, isso será abordado no próximo item. É possível, ainda, destacar algumas características importantes do direito à liberdade de expressão, como a sua titularidade, dupla dimensão e os tipos de discursos protegidos pela liberdade de expressão. 412 9 No original: “[...]los libros, los periódicos, los folletos, los carteles, las pancartas, las prendas de vestir y los alegatos judiciales, así como modos de expresión audiovisuales, electrónicos o de Internet, en todas sus formas. COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 10 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão. 2014. Disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/20140519%20 %20PORT%20Unesco%20%20Marco%20Juridico%20Interamericano%20sobre%20el%20Derecho%20a%20la%20Libertad%20 de%20Expresion%20adjust.pdf. Acesso em: 01 maio 2019. 11 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão. 2014. Disponível em: https://https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/20140519%20-%20PORT%20Unesco%20-%20Marco%20Juridico%20Interamericano%20sobre%20el%20Derecho%20a%20 la%20Libertad%20de%20Expresion%20adjust.pdf Acesso em: 01 mai. 2019. 12 TORRIJO, Ximena Fuentes. Democracia y libertad de expresióon en America Latina: la amenaza del ímpetu devorador de los derechos. Revista de Estudios Internacionales. Chile, n. 137, ano 35, abr/jul, 2002. Disponível em: https://revistaei.uchile.cl/index.php/REI/article/ view/14736. Acesso em: 15 mar. 2020. 13 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão. 2014. Disponível em: https://wwww.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/20140519%20-%20PORT%20Unesco%20-%20Marco%20Juridico%20Interamericano%20sobre%20el%20Derecho%20a%20 la%20Libertad%20de%20Expresion%20adjust.pdf. Acesso em: 01 maio 2019. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO 3.1. Titularidade Como visto, tanto o artigo 19 PIDCP quanto o artigo 13.2 CADH referem expressamente que a liberdade de expressão é um direito de toda a pessoa. Isso significa que a titularidade de expressar, receber e difundir pensamentos, ideias e informações é de todos os indivíduos, sem discriminação por motivo raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, situação econômica, nascimento ou qualquer condição.14 A Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da CIDH dispõe sobre isso nos princípios 1 e 2 15 e, tanto é assim, que a garantia desse direito consta em normativas específicas de proteção de determinados grupos sociais, com atenção a particularidades que os envolvem. No âmbito do SIDH, por exemplo, a Corte IDH ressaltou no Caso Tristán Donoso vs. Panamá que esse direito não está reservado a um grupo social ou a profissões, a exemplo de jornalistas ou comunicadores.16 Assim, a liberdade de expressão compõe à liberdade de imprensa, mas a ela não se resume ou iguala. Enquanto a liberdade de expressão possui caráter amplo, a liberdade de imprensa abrange especificidades ligadas aos meios de comunicação e radiodifusão, à atuação e aos direitos de pessoas que exercerem essas funções. Já no âmbito do Sistema Global, o Informe sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão de 2021 destaca a relação de influência que há entre pensamentos e opiniões de uma pessoa com as das outras, além daquelas capazes de circularem e predominarem no meio social.17 3.2. Dupla dimensão: individual e coletiva ou social Já no que se refere à característica da dupla dimensão, isso significa que o direito à liberdade de expressão abrange uma perspectiva individual e outra coletiva ou social. De acordo com a CIDH, a dimensão individual “[...] consiste no direito de cada pessoa a expressar os próprios pensamentos, ideias e informações” e a dimensão coletiva ou social “[...] consiste no direito da sociedade a procurar e receber qualquer informação, a conhecer os pensamentos ideias e informações alheias, e a estar bem informada.”18 Essa interpretação tem sido construída pela Corte IDH desde a Opinião Consultiva nº 8519 e reiterada no SIDH por posteriores documentos internacionais e casos jurídicos. Segundo a Opinião Consultiva nº 85, quando a liberdade de expressão de uma pessoa é restringida ilegalmente, estão sendo violados o direito desse indivíduo de difundir opiniões, ideias e informações e o direito de todos de receberem 14 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 15 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. 16 a 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.convencao.libertade.de.expressao.htm. Acesso em: 02 jun. 2021. 16 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Tristán Donoso v. Panamá. Sentença de 27 de janeiro de 2009. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_esp.pdf. Acesso em: 15 maio 2021. 17 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Irene Khan (la desinformación y la libertad de opinión y de expresión). 13 de abril de 2021. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/47/25. Acesso em: 01 jun. 2021. 18 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 5. 19 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Opinión Consultiva OC-5/85. 1985. 413 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS o conteúdo que seria expresso. 20 O direito à liberdade de expressão, portanto, contempla a garantia de ambas as dimensões que deve ocorrer de forma efetiva e simultânea, não sendo possível “[...] diminuir uma delas invocando como justificativa a preservação da outra.”21 Por exemplo, no Caso Palamara Iribarne vs. Chile, a justiça militar do Chile controlou o conteúdo e impediu a circulação de um livro escrito por Humberto Antonio Palamara Iribarne, que criticava a Armada Nacional. Com base no estândar da dupla dimensão, a Corte IDH compreendeu que o impedimento da publicação do livro constituiu uma censura prévia e gerou uma violação do direito à liberdade de expressão tanto na dimensão individual da expressão de Palamara, isto é, de suas ideias, pensamentos e informações, quanto na dimensão coletiva ou social da sociedade chilena em receber o conteúdo contido no livro. 22 O caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile, que será exemplificado oportunamente, também desenvolve a compreensão da dupla dimensão, estabelecendo que: [...] a liberdade de expressão e a difusão do pensamento e da informação são indivisíveis, de modo que uma restrição das possibilidades de divulgação representa diretamente, e em igual medida, um limite ao direito de expressar-se livremente. [...] para o cidadão comum tem tanta importância o conhecimento da opinião alheia ou da informação de que dispõe os outros como o direito a difundir a sua própria. 23 No âmbito do Sistema Global, as dimensões do direito à liberdade de expressão são sustentadas mediante uma classificação de dupla dimensão específica para a liberdade de opinião, em especial. Segundo o Informe sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão de 2021, a dimensão individual da liberdade de opinião se refere ao direito à vida privada e à liberdade de pensamento, enquanto a dimensão coletiva diz respeito à expressão ou não de pensamentos, ideias ou informações, que está ligada com um aspecto mais amplo da liberdade de expressão. 24 3.3. Tipos de discursos protegidos pela liberdade de expressão Como dito, a proteção do direito à liberdade de expressão no Sistema Interamericano se estrutura de forma mais detalhada em comparação ao Sistema Global. A Observação Geral nº 34 do CDH da ONU registra, de forma geral, a regra de que os discursos sejam amplamente protegidos pela liberdade de expressão, inclusive os considerados ofensivos, críticos e desagradáveis. O funcionamento da democracia e o debate público devem contar com o pluralismo de ideias, críticas e informações e, por isso, possíveis limitações ao exercício desse direito devem ser a exceção. 25 O mesmo entendimento é refe- 414 20 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Opinión Consultiva OC-5/85. 1985. 21 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 6. 22 OEA. Caso Palamara Iribarne v. Chile. Sentença de 22 de novembro de 2005. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/ articulos/seriec_135_esp.pdf. Acesso em: 03 jun. 2021. 23 No original: “[...] la expresión y la difusión del pensamiento y de la información son indivisibles, de modo que una restricción de las posibilidades de divulgación representa directamente, y em la misma medida, un límite al derecho de expresarse libremente. [...] para el ciudadano común tiene tanta importancia el conocimiento de la opinión ajena o de la información de que disponen otros como el derecho a difundir la propia.” OEA. Caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Sentença de 05 de fevereiro de 2001. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf. Acesso em: 03 jun. 2021. 24 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Irene Khan (la desinformación y la libertad de opinión y de expresión). 13 abr. 2021. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/47/25. Acesso em: 01 jun. 2021. 25 ONU, Comité de Derechos Humanos. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO rido pela CIDH, juntamente com uma identificação que classifica os discursos protegidos em relação às formas de expressões quanto aos seus conteúdos. 26 A proteção das formas de expressão compreende: a) o direito a falar, que abrange expressar ideias, opiniões e informações, incluindo a garantia de toda a pessoa utilizar o idioma de sua escolha para tanto. Um exemplo disso pode ser visto no caso López Álvarez vs. Honduras, no qual a Corte IDH entendeu que o direito de falar consiste no “[...] no direito das pessoas de utilizarem o idioma que elegerem na expressão do seu pensamento.”27 Alfredo López Álvarez era membro da comunidade garífuna, uma minoria étnica que se comunicava em idioma específico (o garífuna). No período em que foi privado de liberdade, López Álvarez foi impedido de se expressar no seu idioma materno. Segundo a Corte IDH, a proibição foi especialmente grave porque a comunicação nesse idioma era parte de sua identidade como garífuna, o que violou sua dignidade enquanto membro da comunidade. 28 Além disso, há também o b) direito de escrever, com proteção estendida ao idioma escolhido pela pessoa e pelas formas escrita, impressa, por livros, artigos em jornais, revistas e outros meios; c) direito a difundir as expressões, isto é, a liberdade de expressão não se limita a expressar, mas também difundir conteúdos, atingido um maior número de destinatários. Esse aspecto se interliga com a dupla dimensão da liberdade de expressão, já indicado; d) o direito à expressão e difusão artística ou simbólica, bem como o acesso à arte; 29 e) o direito de toda a pessoa a buscar, ter acesso, retificar informações sobre si própria e seus bens, que constem em base de dados e registros públicos e privados; f) o direito a buscar, receber e ter acesso a expressões e ideias, o que compreende o direito de acesso à informação, 30 e o direito a possuir, transportar e distribuir informações. 31 Já a proteção de discursos pelos seus conteúdos é regida pela regra geral de ampla cobertura, nomeada pela CIDH de ab initio. Isso significa que o direito à liberdade de expressão também abrange manifestações ofensivas, intolerantes ou perturbadoras para o estado ou quaisquer segmentos sociais, em razão da importância do pluralismo, diversidade e da tolerância para as democracias. 32 Nesse aspecto, a grande questão é a preocupação do SIDH em garantir a inviolabilidade de críticas e manifestações que chocam ou atingem as opiniões das maiorias, do poder público ou daqueles que representam as autoridades públicas em um determinado momento. Tanto é assim que a CIDH enfatiza a incompatibilidade das leis de desacato com o direito à liberdade de expressão, pois estas “[...] se prestavam ao abuso como um meio para silenciar ideias e opiniões impopulares, reprimindo, desse 26 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. NACIONES UNIDAS, Comité de Derechos Humanos. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 27 No original: “[...] el derecho de las personas a utilizar el idioma de su elección en la expresión de su pensamiento.” OEA. Caso López Álvarez vs. Honduras. Sentença de 01 de fevereiro de 2006. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_141_esp. pdf. Acesso em: 02 jun. 2021. 28 OEA. Caso López Álvarez vs. Honduras. Sentença de 01 de fevereiro de 2006. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/ articulos/seriec_141_esp.pdf. Acesso em: 02 jun. 2021. 29 A referência a essa proteção consta no Caso“La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. OEA. Caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Sentença de 05 de fevereiro de 2001. Disponível em: https://www.corteidh. or.cr/docs/casos/articulos/seriec_141_esp.pdf. Acesso em: 02 jun. 2021. 30 Isso será aprofundado no item X.8. 31 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 9. 32 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 415 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições democráticas.”33 Contudo, isso não anula ou relativiza a necessidade de cumprimento das possíveis restrições legítimas ao exercício desse direito, que serão detalhadas a seguir. O Caso Palamara Iribarne vs. Chile já citado anteriormente ilustra a divergência das legislações de desacato com o direito à liberdade de expressão. No caso, Palamara foi privado de liberdade de forma arbitrária também pelo delito de desacato em razão da publicação de seu livro crítico da Armada Nacional. O livro deu origem a um processo penal militar por desobediência e quebra dos deveres militares, que fez com que o Estado retirasse de circulação todas as cópias físicas e eletrônicas existentes. O delito de desacato estava incluído no ordenamento jurídico do Chile, descumprindo a obrigação geral de adotar disposições no direito interno condizentes com a CADH. 34 Há, ainda, os discursos que são protegidos devido sua especial relevância para o exercício da autonomia individual, para o debate público e para a democracia e direitos humanos como um todo. Segundo a CIDH, são: a) o discurso político e sobre assuntos de interesse público; b) o discurso sobre funcionários públicos no exercício de suas funções, e sobre candidatos a cargos públicos; e (c) o discurso que expresse um elemento da identidade ou da dignidade pessoais de quem se expressa. 35 A justificativa para a proteção especial ao discurso político e sobre assuntos de interesse público decorre da imprescindibilidade desses debates para as sociedades livres e democráticas. Democracias garantem que os cidadãos participem, construam e exerçam o controle da gestão pública por meio da opinião pública, o que implica a necessidade de que o maior número de informações e ideias sobre interesse comum circulem no meio social. De acordo com a CIDH, o papel da liberdade de expressão é crucial para tanto, pois é esse direito que garante a inviolabilidade de que jornalistas e comunicadores sociais, por exemplo, realizem investigações e publiquem informações ou críticas ligadas ao interesse público. Nesse sentido, a liberdade de expressão se apresenta como um elemento crucial ao enfrentamento de problemas sociais e políticos como a corrupção, atos improbidade e condutas abusivas de funcionários públicos e do poder público. 36 Em relação às manifestações sobre funcionários públicos e candidatos a cargos públicos, a especial proteção se fundamenta pelas mesmas razões. O controle democrático das atuações públicas é mediado pela participação cidadã no debate público, por isso, expressões em referência a esses indivíduos e suas atuações devem ser compreendidas com uma margem ampla de proteção e tolerância. Nessa margem são incluídas críticas e até mesmo ofensas, que se justificam com base no exercício de suas funções e diante da voluntariedade em assumir essas posições em uma democracia. 37 O propósito disso é evitar mecanismos potencialmente geradores de autocensura ou intimidação para a população. Porém, a CIDH esclarece que se as críticas ou ataques forem injustificados, é possível que a proteção da honra de funcionários públicos seja protegida. 38 Há uma série de casos na Corte 416 33 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório sobre Desacato e Difamação Criminal (Capítulo V). 2002. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/annualrep/2002port/vol.3i.htm#_ftn3. Acesso em: 15 jul. 2021. 34 OEA. Caso Palamara Iribarne v. Chile. Sentença de 22 de novembro de 2005. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/ articulos/seriec_135_esp.pdf. Acesso em: 03 jun. 2021. 35 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 36 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 37 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 38 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO IDH que tratam sobre esse tema39 e esclarecem possíveis hipóteses. No caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica, por exemplo, a Corte IDH pontua que “[...] a ênfase dessa medida diferente de proteção não está assentada na qualidade do sujeito, e sim no caráter de interesse público das atividades ou atuações de uma determinada pessoa”40 O Sistema Global também reforça a necessidade de proteção desses discursos, sustentando que “[...] todas as figuras públicas, incluindo as que exercem os cargos políticos de maior importância, como os Chefes de Estado ou de Governo, podem ser objeto legítimo de críticas e oposição política.”41 Por fim, as expressões relativas a um elemento da identidade ou da dignidade pessoais são especialmente protegidos porque constituem a plena existência dos indivíduos, podendo ser identificadas como formas de comunicação de culturas próprias, como línguas, manifestações artísticas, ou discursos religiosos ou relativos à orientação sexual ou identidade de gênero.42 O caso López Álvarez vs. Honduras já referido é um desses exemplos, pois a proibição de manifestação no seu idioma materno impediu a expressão da língua, uma das mais importantes formas de identidade cultural de minorias sociais étnicas, sendo injustificada e abusiva.43 4. RESTRIÇÕES LEGÍTIMAS E RESPONSABILIDADES ULTERIORES Apesar de ser protegido de forma prioritária, o direito à liberdade de expressão não é absoluto, e por isso seu exercício implica em deveres e responsabilidades de acordo com as condições estabelecidas na CADH, no PIDCP e em outras normativas internacionais de ambos os Sistemas de Proteção. Ou seja, o direito internacional dos direitos humanos prevê limitações ou proibições legítimas ao direito à liberdade de expressão consideradas necessárias para as sociedades democráticas e que, uma vez configuradas pelo exercício abusivo desse direito, exigem responsabilidades ulteriores.44 No âmbito do Sistema Global, essas hipóteses estão previstas nos artigos 19.3 e 20 do PIDCP. De acordo com o artigo 19.3, é legítima a limitação do exercício desse direito para: a) assegurar o respeito aos direitos ou a reputação de outras pessoas e b) para a proteção da segurança nacional e a ordem, saúde ou moral públicas.45 39 De acordo com a CIDH, no Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão são indicados como referência os casos Palamara Iribarne vs. Chile, Ricardo Canese vs. Paraguai, Kimel vs. Argentina, Tristán Donoso vs Panamá. OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 40 OEA. Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica. Sentença de 02 de julho de 2004. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_107_esp.pdf. Acesso em: 05 jul. 2021. 41 No original: “[...] todas las figuras públicas, incluso las que ejercen los cargos políticos de mayor importancia, como los Jefes de Estado o de Gobierno, pueden ser objeto legítimo de críticas y oposición política” NACIONES UNIDAS, Comité de Derechos Humanos. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 42 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 43 OEA. Caso López Álvarez vs. Honduras. Sentença de 01 de fevereiro de 2006. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/ articulos/seriec_141_esp.pdf. Acesso em: 02 jun. 2021. 44 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 45 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 417 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS Segundo a Observação Geral nº 34 da CDH e o Informe sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão de 2019, as restrições do artigo 19.3 do PIDCP devem observar certas condições de interpretação e aplicação, como a legalidade, legitimidade, necessidade e proporcionalidade. Assim, as restrições devem ser previstas pelos estados por leis claras, públicas e precisas, evitando possíveis discricionariedades ou ambiguidades na aplicação da norma. Além disso, devem estar adequadas aos propósitos indicados nas alíneas a) e b) do artigo 19.3, e cumpridas considerando a necessidade e a proporcionalidade. Os estados precisam demonstrar que a restrição é necessária, considerando a sustentação democrática das sociedades, adequada e menos restritiva para proteger um interesse comum ou direito legítimos.46 Outro ponto importante é que “[...] quando um estado parte impõe restrições ao exercício da liberdade de expressão, essas não podem colocar em perigo esse direito propriamente dito.”47 Ou seja, os estados não devem utilizar essa possibilidade como forma de intimidação, desvirtuada de seus sentidos vitais para as sociedades democráticas e proteção dos direitos humanos. Já de acordo com o artigo 20.1 e 20.2 do PIDCP, são entendidas como proibidas: a) toda a propaganda a favor da guerra e b) toda a apologia do ódio nacional, racial ou religioso, que constitua incitação à discriminação, hostilidade ou violência. A Observação Geral nº 34 do CDH da ONU ainda indica que essas determinações são excepcionais e obrigatórias aos estados, e devem observar inclusive os critérios referentes ao artigo 19.3. Isso porque ambos os dispositivos são complementares e compatíveis. Nesse sentido, “[...] em todos os casos em que o estado restrinja a liberdade de expressão, é necessário justificar as proibições e colocar suas disposições em estrita conformidade com o artigo 19”.48 As hipóteses do artigo 19.3 e 20 são igualmente interpretadas em relação aos discursos de ódio que, considerando as especificidades, serão aprofundadas a seguir. No âmbito do SIDH, as limitações e proibições ao exercício do direito à liberdade de expressão constam nos artigos 13.2 e 13.5 da CADH. A redação dos dispositivos é semelhante ao PIDCP, mas há especificidades no SIDH relativas à proteção ampla da liberdade de expressão. De acordo com a CIDH, a tolerância e o pluralismo são exigências básicas das sociedades livres e democráticas, e determinadas formas de comunicação podem configurar abusos, devendo ser reguladas pelos estados. Isso porque o gozo da liberdade de expressão pressupõe “[...] o dever de não violar os direitos dos outros ao exercer essa liberdade fundamental.”49 Nesse sentido, o artigo 13.2 também indica que o exercício do direito à liberdade de expressão está sujeito a responsabilidades ulteriores visando assegurar o respeito aos direitos e à reputação das demais pessoas e a proteção da segurança nacional, da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas, mas não sujeito à censura prévia. Esse é, portanto, um reforço de proteção ampla e detalhada ao direito à liberdade de expressão no âmbito do Sistema Interamericano. Em sequência, o artigo 13.4 dispõe que a possibilidade de regulação dos espetáculos públicos para a proteção de crianças e adolescentes, o que constitui uma exceção à proibição da censura prévia. E, por fim, o artigo 13.5 igualmente determina que 418 46 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. NACIONES UNIDAS, Asemblea General. Promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión (discurso del ódio en línea). outubro, 2019. Disponível em: https://www.undocs.org/es/A/74/486 Acesso em: 21 maio 2020. 47 No original: “[...] cuando un Estado parte impone restricciones al ejercicio de la libertad de expresión, estas no pueden poner en peligro el derecho propiamente dicho “ COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 48 No original: “En todos los casos en que el Estado restringe la libertad de expresión, es necessário justificar las prohibiciones y poner sus disposiciones en estricta conformidad con el artículo 19” COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 49 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 6. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO a proibição da propaganda a favor da guerra, e toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. 50 Assim como no Sistema Global, o Sistema Interamericano, especialmente por meio da jurisprudência, considera necessário que condições sejam cumpridas para que uma restrição a esse direito seja admissível no âmbito da CADH, sendo elas: legalidade, legitimidade, necessidade e proporcionalidade. Nos estândares interamericanos, esses critérios são identificados como teste triplo ou teste tripartite,51 e, segundo a CIDH, devem ser aplicados não apenas às legislações que as regulam, mas “[...] às decisões e os atos administrativos, judiciais, policiais ou de qualquer índole que as materializam, ou seja, a toda manifestação do poder estatal que incida sobre o pleno exercício da liberdade de expressão.”52 Como visto, a explicação geral sobre as condições da legalidade, legitimidade, necessidade e proporcionalidade é indicada pelo CDH, no âmbito da ONU. A respeito disso, o detalhamento da CIDH esclarece que: A jurisprudência interamericana desenvolveu um teste que consiste de três condições que devem ser plenamente cumpridas para que uma restrição do direito à liberdade de expressão seja admissível sob a Convenção Americana: Princípio da legalidade. Toda restrição à liberdade de expressão deve ter sido prevista de forma prévia, expressa, taxativa e clara em uma lei, no sentido formal e material. Ao existir uma proibição absoluta da censura prévia, a lei que estabelecer uma restrição à liberdade de expressão só pode se referir à exigência de responsabilidades ulteriores. Princípio da legitimidade. Toda restrição deve estar voltada à realização de objetivos imperiosos autorizados pela Convenção Americana, voltados à proteção dos direitos dos demais e à proteção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde pública ou da moral pública. Princípio da necessidade e proporcionalidade. Uma restrição deve ser necessária em uma sociedade democrática para a realização dos fins imperiosos buscados; estritamente proporcional à finalidade buscada; e idônea para alcançar o objetivo imperioso que quer realizar. O teste da necessidade se aplica de forma estrita e exigente, requerendo uma demonstração de que existe uma necessidade imperiosa ou absoluta de introduzir restrições. 53 (grifo nosso). Nesse sentido, considerando a legalidade, as normas jurídicas que sejam vagas ou ambíguas, e que assim abrem margem para discricionariedade às autoridades não são consideradas adequadas à CADH. Isso porque há aumento de risco de arbitrariedades que, na prática, configurem censura prévia ou responsabilidades desproporcionais a exercícios legítimos do direito à liberdade de expressão. No âmbito penal, 50 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 51 Os requisitos da Corte Interamericana para a aplicação de responsabilidades ulteriores ao exercício da liberdade de expressão já foi contemplado nos seguintes documentos, podendo ser por meio dos mesmos aprofundado: ”La colegiación obligatoria de periodistas (arts. 13 y 29 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-5/85 de 13 de noviembre de 1985. Serie A No. 5; Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de julio de 2004. Serie C No. 107; Caso Palamara Iribarne Vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de noviembre de 2005. Serie C No. 135; Caso Kimel Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 2 de mayo de 2008. Serie C No. 177; Caso Usón Ramírez Vs. Venezuela. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20 de noviembre de 2009. Serie C No. 207; Caso Fontevecchia y D’Amico Vs. Argentina. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29 de noviembre de 2011. Serie C No. 238; Caso Mémoli Vs. Argentina. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de agosto de 2013. Serie C No. 265; Caso Lagos del Campo Vs. Perú. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de agosto de 2017. Serie C No. 34; Caso Álvarez Ramos Vs. Venezuela. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 30 de agosto de 2019. Serie C No. 380; Caso Urrutia Laubreaux Vs. Chile. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 27 de agosto de 2020. Serie C No. 409; Caso Pueblos Indígenas Maya Kaqchikel de Sumpango y otros Vs. Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 6 de octubre de 2021. Serie C No. 440; e Caso Palacio Urrutia y otros Vs. Ecuador. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de noviembre de 2021. Serie C No. 446.” 52 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 22. 53 CENTER FOR INTERNACIONAL MEDIA ASSISTANCE; COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH); ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO) Padrões internacionais de liberdade de expressão: Guia para operadores de justiça na América Latina. 2020. Disponível em: https://www.cima.ned.org/wpcontent/uploads/2018/12/ CIMA_LatAm-Legal-FrameworksGuide_Portuguese_web-150ppi.pdf. Acesso em: 05 jun. 2020. 419 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS ou seja, nos casos de restrições à liberdade de expressão por normas penais, a tipificação do delito deve ser profundamente comprometido com a legalidade de forma expressa, precisa, taxativa e prévia, considerando que esse meio é mais restritivo e severo no estabelecimento de responsabilidades. 54 Já em relação à legitimidade, é compreendido que os estados devem interpretar, com limites, o conteúdo dos objetivos para fundamentar uma restrição da liberdade de expressão em casos concretos. Por exemplo, a “proteção dos direitos dos outros” deve considerar os direitos humanos em harmonização, sempre considerando os seus exercícios respectivos. 55 No mais, antinomias também se afastam do sentido da proteção da liberdade de expressão, não sendo considerado legítimo que “invocar a proteção da liberdade de expressão ou da liberdade de informação como um objetivo que justifique, por sua vez, restringir a liberdade de expressão ou de informação.”56 De outro lado, a compreensão de “ordem pública”, deve ser interpretado de forma estritamente adequada à democracia, exigindo o máxima circulação possível de informações, opiniões, notícias e ideias. 57 Por fim, a necessidade e a proporcionalidade compreendem que deve estabelecer de forma clara o propósito legítimo da restrição, não devendo restringir além do indispensável para garantir o pleno exercício e alcance do direito à liberdade de expressão. Por isso, é necessário pensar e estabelecer o meio restritivo ao direito à liberdade de expressão e menos gravoso disponível, evitando exercícios abusivos e resultados autoritários. 58 No mais, a OEA ainda indicou que a proporcionalidade, em especial, deve observar: Segundo a Corte Interamericana, para estabelecer a proporcionalidade de uma restrição quando se restringe a liberdade de expressão com o objetivo de preservar outros direitos, devem-se avaliar três fatores: (i) o grau de prejuízo para o direito contrário (grave, intermediário, moderado); (ii) a importância de satisfazer o direito contrário; e (iii) se a satisfação do direito contrário justifica a restrição da liberdade de expressão. Não há respostas a priori ou fórmulas de aplicação geral nesse âmbito; o resultado da ponderação variará em cada caso, privilegiando em alguns casos a liberdade de expressão, e em outros o direito contrário. Se a responsabilidade ulterior aplicada a um caso concreto termina sendo desproporcional ou não se ajusta ao interesse da justiça, há uma violação do artigo 13.2 da Convenção Americana. 59 Além disso, no caso Tristán Donoso Vs. Panamá há o registro pela Corte IDH de que o contexto das expressões deve ser analisado junto com essas condições para a avaliação de possíveis restrições legítimas, inclusive pelo poder judiciário dos Estados. Assim, a Corte IDH afirma que, junto com a consideração do contexto em que a manifestação foi proferida, sejam também levadas em conta circunstâncias específicas do fato para determinar a necessidade de uma responsabilização penal ou civil.60 Outro ponto relevante e que consta nesse caso, assim como em outros já julgados pela Corte IDH, é que por 420 54 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 55 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 56 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 26. 57 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 58 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 59 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 29 60 OEA. Caso Tristán Donoso Vs. Panamá. Sentença de 27 de janeiro de 2009. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_esp.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO mais que a responsabilização penal seja mais grave, responsabilizações civis elevadas podem ser “[...] mais intimidantes ou inibidoras para o exercício da liberdade de expressão que uma sanção penal [...]”61 porque potencialmente geram efeitos de autocensura, inclusive para outros indivíduos. Alguns exemplos de análises da Corte IDH sobre a aplicação do teste triplo ou tripartite, ou seja, sobre a verificação das condições para responsabilidades ulteriores que sejam compatíveis com a CADH, podem auxiliar esse entendimento. Primeiro, no caso Tristán Donoso Vs. Panamá, Santander Tristán Donoso, advogado, foi condenado pela jurisdição interna do Panamá pelo crime de calúnia em razão de manifestações contra o Procurador Geral da Nação veiculadas em uma coletiva de imprensa. Em seu discurso, Tristán Donoso afirmava que esse funcionário gravou e divulgou suas comunicações privadas para terceiros. Na análise da Corte IDH sobre o teste triplo e tripartite, foi considerado que apesar da condição da legalidade e legitimidade estarem presentes – o tipo penal estava formalmente previsto na legislação de forma direta e delimitada, e a CADH indica a possibilidade de proteção da reputação de terceiros – a condição da necessidade e proporcionalidade restavam ausentes. Isso porque a fala de Tristán Donoso foi sobre fatos com maior interesse público em razão da condição de funcionário público do Procurador Geral da Nação, que permite maiores críticas e riscos de interferências a sua honra pela atuação pública. Nesse sentido, esse foi um dos argumentos que sustentaram a condenação do estado do Panamá pela violação do direito à liberdade de expressão de Tristán Donoso.62 Segundo, no caso Usón Ramírez vs. Venezuela, Franciso Usón Ramírez expressou opiniões e críticas sobre a atuação da Força Armada Nacional em um programa de televisão, e foi condenado pela jurisdição interna da Venezuela pelo crime de injúria contra a referida instituição. De acordo com a Corte IDH, a determinação de responsabilidades ulteriores não foi legítima e não cumpria com as exigências obrigatórias. Dentre os fundamentos, a Corte IDH entendeu que o critério da legalidade não havia sido cumprido porque a norma penal pelo qual Usón Ramírez foi condenado não possuía uma clara definição da conduta e era vaga e ambígua, o que abre margem para discricionariedades e possíveis interpretações de restrição indevida da liberdade de expressão. Por isso, a imposição da limitação foi incompatível com a disposição do artigo 13 da CADH violando o direito à liberdade de expressão, assim, demandando a condenação do Estado.63 Nesse sentido, a CIDH indica que são limitações incompatíveis com a CADH: a) restrições que configurem censura prévia direta ou indireta. Ou seja, medidas que exerçam controle preventivo ou prévio de conteúdos e do exercício do direito à liberdade de expressão, já que a determinação é de que as responsabilidades, como dito, sejam ulteriores; b) restrições que produzem efeitos discriminatórios ou discriminem e perpetuem preconceitos; c) restrições indiretas, que correspondem à disposição do artigo 13.3 da CADH e serão detalhadas oportunamente. De outro lado, e pontuando de forma resumida o que foi aqui registrado, são restrições compatíveis com a CADH: a) aquelas que atendem o princípio democrático, isto é, que cumpram os propósitos e exigências de uma sociedade democrática e suas instituições; b) aquelas que respeitem o teste triplo ou tripartite, sendo previstas em legislações de forma precisa, atendam aos objetivos da CADH e sejam necessárias e proporcionais. 61 No original: “[...] más intimidante e inhibidor para el ejercicio de la libertad de expresión que una sanción penal [...]” OEA. Caso Tristán Donoso Vs. Panamá. Sentença de 27 de janeiro de 2009. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_esp. pdf. Acesso em: 30 jul. 2021. 62 OEA. Caso Tristán Donoso Vs. Panamá. Sentença de 27 de janeiro de 2009. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_esp.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021. 63 OEA. Caso Usón Ramírez vs. Venezuela. Sentença de 20 de novembro de 2009. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_207_esp.pdf. Acesso em: 19 jul 2021. 421 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS 5. DISCURSO DE ÓDIO De acordo com diretrizes internacionais do Sistema Global e Interamericano, as manifestações de ódio apresentaram considerável aumento nos últimos anos no contexto mundial, principalmente em razão da ampliação da comunicação por meio da internet. Os fluxos migratórios, as crises de economias nacionais, o alcance transnacional da liberdade de expressão e das comunicações, o terrorismo são alguns dos fatores considerados como capazes de aumentar a tendência de estigma, práticas excludentes e discriminatórias contra grupos sociais minoritários. De modo geral, os discursos de ódio manifestam conteúdos depreciativos racistas, machistas, anti-semitas, xenofóbicos, LGBTIQIA+fóbicos, e são dirigidos contra uma coletividade ou uma pessoa em razão de sua identificação a um grupo social, ou seja, pelo reconhecimento social em termos de raça, gênero, orientação sexual, religião, nacionalidade, entre outros.64 Assim, no direito internacional dos direitos humanos, o discurso de ódio é um fenômeno regulado por diferentes normativas internacionais soft law e hard law, ainda que não haja um conceito jurídico universalmente aceito para o termo discurso de ódio. Como formas de comunicação ou outras condutas expressivas, essas manifestações são interpretadas principalmente à luz do direito à liberdade de expressão e das possíveis restrições legítimas ao seu exercício, além do direito à igualdade e não discriminação.65 De acordo com os Sistemas de Proteção Global e Interamericano de Direitos Humanos, os artigos 19 e 20 do PIDCP e o artigo 13 da CADH incidem sobre um discurso de ódio a depender do contexto e de diferentes circunstâncias que podem envolver expressões.66 No âmbito do Sistema Global, os discursos de ódio têm sido compreendidos como diferentes formas de comunicação que insultam ou incitam discriminação, hostilidade e violência contra grupos sociais minoritários ou seus integrantes, com base em fatores de identidade67. A United Nations Strategy and 422 64 ONU. Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20on%20Hate%20 Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Las expresiones de ódio y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Capítulo VII. 2004. Disponível em: https:// www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/odio/expreisones%20de%20odio%20informe%20anual%202004-2.pdf. Acesso em: 03 mar. 2020. ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión, 2015. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/ informeanual2015rele.Pdf. Acesso em: 10 jul 2021. 65 ONU. Strategy and plan of action on hate speech. 2019. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/ UN%20Strategy%20and%20Plan%20of%20Action%20on%20Hate%20Speech%2018%20June%20SYNOPSIS.pdf. Acesso em: 05 jun. 2020. WEBER, Anne. Manual on hate speech. Council of Europe Publishing, 2009. Disponível em: http://icm.sk/subory/Manual_on_ hate_speech.pdf. Acesso em: 30 jun. 2019. ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión, 2015. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/ expresion/docs/informes/anuales/informeanual2015rele.Pdf. Acesso em: 10 jul 2021. 66 ONU. Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20on%20Hate%20 Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Las expresiones de ódio y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Capítulo VII. 2004. Disponível em: https:// www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/odio/expreisones%20de%20odio%20informe%20anual%202004-2.pdf. Acesso em: 03 mar. 2020ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión, 2015. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/ informeanual2015rele.Pdf. Acesso em: 10 jul 2021. 67 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión (discurso del ódio en línea). outubro, 2019. Disponível em: https://www.undocs.org/es/A/74/486. Acesso em: 21 maio 2020. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20on%20 Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO Plan of Action on Hate Speech (Estratégia e Plano de Ação das Nações Unidas sobre Discurso de Ódio), de 2019, define o termo: [...] qualquer forma de comunicação de palavra, por escrito ou por comportamento, que seja um ataque ou utilize linguagem pejorativa ou discriminatória em relação a uma pessoa ou um grupo pelo fato de serem quem são ou, em outras palavras, em razão de sua religião, origem étnica, nacionalidade, raça, cor, ascendência, gênero ou outro fator de identidade. (tradução nossa)68 O posterior detalhamento da Estratégia, a United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences, de 2020, indica que as formas de comunicação podem abranger imagens, símbolos, desenhos, condutas, e veiculações offline e online. Já os ataques pejorativos ou discriminatórios correspondem a comunicações intolerantes, preconceituosas e depreciativas sobre um grupo social, que é alvo do discurso, ou de um de seus integrantes. Por isso, discursos de ódio são articulados com base em fatores de identidade, havendo uma conexão da fala com os critérios proibidos de discriminação, em lista não exaustiva. Além disso, o Sistema Global igualmente orienta uma atenção especial a grupos sociais em situação de vulnerabilidade histórica, que incluem discriminação, marginalização econômica, política, e conflitos sociais prolongados.69 Isso deixa claro que, para configuração de um discurso de ódio, um dos requisitos é a expressão ser dirigida contra indivíduos com base em uma característica de identificação a grupo social, ou ao grupo social como um todo. No Informe sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão de 2019, foi inclusive esclarecido que apesar do artigo 20 do PIDCP indicar apenas os fatores raça, nacionalidade e religião, a proibição da apologia ao ódio que constitua incitação se aplica a outras categorias de identidade, como gênero, orientação sexual, condição de migrante ou refugiado, opinião política, condição econômica. Ou seja, todas protegidas de forma ampla pelo DIDH no âmbito da igualdade e não-discriminação. 70 Em relação aos possíveis enfrentamentos jurídicos a essas manifestações com base nos artigos 19 e 20 do PIDCP, os instrumentos internacionais soft law do Sistema Global tem proposto a consideração de três níveis de gravidade para os discursos de ódio. Isso constou nos Informes para a Proteção da Liberdade de Opinião e Expressão dos anos de 2011 e 2012, 71 e foi reafirmado em documentos posteriores, como o Rabat Plan of Action on the prohibition of advocacy of national, racial or religious hatred 68 “[...] any kind of communication in speech, writing or behaviour, that attacks or uses pejorative or discriminatory language with reference to a person or a group on the basis of who they are, in other words, based on their religion, ethnicity, nationality, race, colour, descent, gender or other identity factor.” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Strategy and plan of action on hate speech. 2019. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20Plan%20of%20Action%20on%20Hate%20 Speech%2018%20June%20SYNOPSIS.pdf. Acesso em: 05 jun. 2020. p. 2. 69 ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20 on%20Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. 70 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión (discurso del ódio en línea). outubro, 2019. Disponível em: https://www.undocs.org/es/A/74/486 Acesso em: 21 maio 2020. 71 NACIONES UNIDAS, Asamblea General. Promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión. agosto, 2011. Disponível em: https://undocs.org/sp/A/66/290. Acesso em: 02 jun. 2020; NACIONES UNIDAS, Asamblea General. Promoción y Protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión. setembro, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/67/357. Acesso em: 30 maio 2020. 423 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS that constitutes incitement to discrimination, hostility or violence (Plano de Ação de Rabat), 72 de 2013 e recentemente, na Estratégia de Plano de Ação contra o Discurso de Ódio e seu Detalhamento, 73 de 2020. Os três níveis de gravidade se dividem em superior, intermediário e inferior. No nível superior estão as formas mais severas de discursos de ódio e que constituem proibições expressas, como a previsão do artigo 20.2 do PIDCP, que proíbe a apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, hostilidade e violência. 74 Na classificação superior também são incluídas a incitação pública e direta de cometer genocídio, prevista no artigo 3º da Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, e toda a difusão de ideias com base na superioridade ou ódio racial, incitação à discriminação racial, e todos os atos de violência ou incitação com base em raça, cor e origem étnica, prevista no artigo 4º da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 75 Para discursos de ódio graves e que se enquadrem nessas hipóteses, a orientação é que os estados cumpram a determinação de proibição e que a responsabilização jurídica ocorra no âmbito penal. 76 Já no nível intermediário estão as formas de discursos de ódio menos severas, que podem ser restringidas pelos estados para proteger os direitos de outros indivíduos, a exemplo de ameaças de violência ou assédio, reputação, ordem, segurança e saúde públicas, conforme a disposição do artigo 19.3 do PIDCP. Para discursos de ódio intermediários, que não atinjam os requisitos dispostos no artigo 20.2 do PIDCP, mas justifiquem enfrentamentos, a orientação é que a responsabilização jurídica ocorra nos âmbitos civil ou administrativo. E, por fim, há o nível inferior, que compreende as formas menos severas de expressões intolerantes, que não estão sujeitas a restrições e fazem parte do pluralismo de ideias dos sistemas democráticos, como expressões grosseiras, ofensivas e insultos de menor potencial ofensivo, a depender das circunstâncias de contexto. 77 Isso indica que os estândares internacionais do Sistema Global não direcionam um mesmo enfrentamento jurídico e idêntica tomada de medidas pelos Estados para todas as expressões de discurso de 424 72 ONU. Assembleia Geral. The Rabat Plan of Action on the prohibition of advocacy of national, racial or religious hatred that constitutes incitement to discrimination, hostility or violence. janeiro 2013. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Opinion/SeminarRabat/.pdf. Acesso em: 18 maio 2020. 73 ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20 on%20Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. 74 ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20 on%20Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. 75 ONU, Assembleia Geral. Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio. Nova Iorque, 1951. Disponível em: https://www. oas.org/dil/port/1948%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20a%20Preven%C3%A7%C3%A3o%20e%20Puni%C3%A7%C3%A3o%20do%20Crime%20de%20Genoc%C3%ADdio.pdf.Acesso em: 02 mar. 2020. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Assembleia Geral. Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Nova York, dez. 1965. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139390por.pdf.Acesso em: 21 out. 2020. 76 ONU. Assembleia Geral. The Rabat Plan of Action on the prohibition of advocacy of national, racial or religious hatred that constitutes incitement to discrimination, hostility or violence. janeiro 2013. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/ Opinion/SeminarRabat/.pdf. Acesso em: 18 maio 2020. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https:// www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20on%20Hate%20Speech_Guidance%20on%20 Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. 77 ONU. Assembleia Geral. The Rabat Plan of Action on the prohibition of advocacy of national, racial or religious hatred that constitutes incitement to discrimination, hostility or violence. janeiro 2013. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/ Opinion/SeminarRabat/.pdf. Acesso em: 18 maio 2020. ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em:https://www.un.org/en/genocideprevention/ documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20on%20Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO ódio. De acordo com as orientações internacionais do Sistema Global, o termo ódio que está expresso no artigo 20.2 do PIDCP faz parte da tipificação que proíbe a apologia ao ódio que constitua incitação à discriminação, hostilidade e violência. Por isso, são considerados proibidos e se enquadram no artigo 20.2 do PIDCP os discursos de ódio mais severos e que de fato configurem uma incitação, que implica um vínculo considerável entre a expressão e o risco de que ocorra uma das três consequências: discriminação, hostilidade ou violência. 78 Entretanto, essa especificidade não impede medidas propositivas e responsabilizações jurídicas civis e administrativas a outras expressões que também caracterizem discurso de ódio e se enquadrem nas previsões do artigo 19.3 do PIDCP. 79 Para auxiliar a identificação de discursos de ódio graves e proibidos e melhor definir cada um dos elementos do artigo 20.2 do PIDCP, o Informe para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão da ONU, de 2012, listou os seguintes conceitos do The Camden Principles on Freedom of Expression and Equality, formulado pela Article 1980 sobre a liberdade de expressão e questões relativas à igualdade,81 e indicados pelo Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH): a) O ‘ódio’ é um estado de espírito que se caracteriza por emoções intensas e irracionais de opróbio, inimizade e aversão ao grupo; b) A ‘apologia’ é o apoio e promoção explícitos, intencionais, públicos e ativos de ódio ao grupo; c) A ‘incitação’ se refere às declarações sobre um grupo nacional, racial ou religioso que constituem um risco iminente de discriminação, hostilidade ou violência contra as pessoas pertencentes ao grupo; d) Por ‘discriminação’ se entende toda a distinção, exclusão ou restrição por motivos de raça, cor, ascendência, origem nacional ou étnica, nacionalidade, gênero, orientação sexual, idioma, religião, opinião política ou de outra índole, idade, situação econômica, patrimônio, estado civil, incapacidade, ou por qualquer outra condição que tenha por objetivo ou resultado menosprezar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social, cultural, civil e em qualquer outra esfera da vida pública; e) A ‘hostilidade’ é uma manifestação de ódio mais além de um mero estado de ânimo. Como sublinhou um pesquisador nos seminários regionais sobre a proibição da incitação, esse conceito tem recebido escassa atenção na jurisprudência e requer mais debates; f) A ‘violência’ é o uso da força física ou do poder contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que cause ou tenha muitas 78 ONU, Assembleia Geral. Promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión. agosto, 2011. Disponível em: https://undocs.org/sp/A/66/290. Acesso em: 02 jun. 2020; NACIONES UNIDAS, Asamblea General. Promoción y Protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión. setembro, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/67/357. Acesso em: 30 maio 2020.ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em:https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20on%20 Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. 79 ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em:https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20 on%20Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. 80 A Artigo 19 (em inglês Article 19), é uma organização não-governamental de direitos humanos, que conta com escritórios em nove países e tem como principal missão atuar na defesa e promoção do direito à liberdade de expressão e acesso à informação. ARTIGO 19. Sobre a Artigo 19. 2021. Disponível em: https://artigo19.org/sobre/. Acesso em: 20 fev. 2021. 81 ARTICLE 19. Global Campaign for Free Expression. The Camden Principles on Freedom of Expression and Equality. 2009. Disponível em: https://www.article19.org/data/files/pdfs/standards/the-camden-principles-on-freedom-of-expressionand-equality.pdf. Acesso em: 25 jan. 2021. 425 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS probabilidades de causar lesões, morte, danos psicológicos, transtornos do desenvolvimento ou privações82. (grifo nosso). Essas definições têm sido reiteradas por instrumentos internacionais recentes no âmbito do Sistema Global,83 juntamente com a preocupação sobre como interpretar a disposição do artigo 20.2 do PIDCP e, assim, identificar discursos que constituam uma incitação à discriminação, hostilidade ou violência. O Plano de Ação de Rabat, elaborado em 2013, é um dos principais mecanismos jurídicos soft law que oferece elementos para identificar discursos de ódio graves, que se enquadrem no artigo 20.2 do PIDCP, considerando a necessária proteção do direito à liberdade de expressão e o caráter excepcional da proibição da incitação ao ódio. Para tanto, o documento sugere o six-part threshold test (teste de seis fatores), isto é, a utilização e aplicação de critérios como: contexto, falante, intenção, conteúdo e forma, extensão do ato do discurso e probabilidade, incluindo a iminência.84 Nesse sentido, o Plano de Ação de Rabat recomenda que os estados e suas instituições judiciais apliquem o teste de seis fatores nos casos concretos de discurso de ódio, para avaliar a possível configuração de incitação. Em complementação, o documento recomenda que os Estados garantam todas as formas de reparação dos grupos sociais ou indivíduos atingidos, sendo: a) os enfrentamentos no âmbito penal aplicados em situações estritamente justificáveis, restritas e graves, que atinjam os requisitos do teste de seis fatores; b) os enfrentamentos no âmbito civil aplicados às expressões que não caracterizarem a presença satisfatória destes elementos, na proporção do dano ou da gravidade da expressão, de acordo com o artigo 19.3 do PIDCP.85 O teste de seis fatores e outros conteúdos do Plano de Ação de Rabat têm sido indicados e complementados em documentos internacionais recentes do Sistema Global, como a Estratégia de Plano de Ação contra o Discurso de Ódio e seu Detalhamento,86 de 2020. 426 82 No original: “a) El ‘odio’ es un estado de ánimo que se caracteriza por emociones intensas e irracionales de oprobio, enemistad y aversión hacia el grupo al que van dirigidas; b) La ‘apología’ es el apoyo y la promoción explícitos, intencionales, públicos y activos del odio hacia un grupo; c) La ‘incitación’ se refiere a las declaraciones sobre un grupo nacional, racial o religioso que constituyen un riesgo inminente de discriminación, hostilidad o violencia contra las personas pertenecientes a dicho grupo; d) Por ‘discriminación’ se entiende toda distinción, exclusión o restricción por motivos de raza, color, ascendencia, origen nacional o étnico, nacionalidad, género, orientación sexual, idioma, religión, opinión política o de otra índole, edad, situación económica, patrimonio, estado civil, discapacidad, o por cualquier otra condición que tenga por objeto o resultado menoscabar o anular el reconocimiento, goce o ejercicio, en igualdad de condiciones, de todos los derechos humanos y libertades fundamentales en las esferas política, económica, social, cultural, civil y em cualquier outra esfera de la vida pública; e) La ‘hostilidad’ es una manifestación del odio más allá de un mero estado de ánimo. Como subrayó un experto en los seminarios regionales sobre la prohibición de la incitación, este concepto ha recibido escasa atención en la jurisprudencia y requiere más debates; f) La ‘violencia’ es el uso de la fuerza física o del poder contra otra persona, o contra un grupo o comunidad, que cause o tenga muchas probabilidades de causar lesiones, muerte, daños psicológicos, trastornos del desarrollo o privaciones.” NACIONES UNIDAS, Asamblea General. Promoción y Protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión. setembro, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/67/357. Acesso em: 30 mai, 2020. p. 13-14. 83 ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em:https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20 on%20Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. 84 ONU. Assembleia Geral. The Rabat Plan of Action on the prohibition of advocacy of national, racial or religious hatred that constitutes incitement to discrimination, hostility or violence. janeiro 2013. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Opinion/SeminarRabat/.pdf. Acesso em: 18 maio 2020. 85 ONU. Assembleia Geral. The Rabat Plan of Action on the prohibition of advocacy of national, racial or religious hatred that constitutes incitement to discrimination, hostility or violence. janeiro, 2013. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/ Opinion/SeminarRabat/Rabat_draft. Acesso em: 18 abr. 2020. 86 ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20 on%20Hate%20Speech_Guidance%20on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO Nessa última, há a referência de uma série de questionamentos e variáveis a cada um dos fatores, a fim de auxiliar a sua verificação aplicada a uma situação concreta.87 Por fim, cabe registrar que a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da ONU já tem abordado as normas de direitos humanos aplicáveis à liberdade de expressão no âmbito das novas tecnologias e da internet, o que inclui as dinâmicas dos discursos de ódio online. De acordo com o Informe para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão de 2019, o Relator Especial avaliou a regulação dos discursos de ódio online pelas empresas de mídias sociais. Nesse sentido, o Plano de Ação de Rabat e o teste de seis fatores foram indicados como parâmetro para que as políticas regulatórias das empresas de mídias sociais definam o que é incitação, de forma precisa e clara, e considerado suficiente para avaliar conteúdos online que devem ser restringidos por meio das políticas de regulação de conteúdo.88 Já no âmbito do SIDH, a CIDH também reafirma que não há um conceito jurídico unânime para definir discurso de ódio89. Ao tratar sobre o tema no documento internacional Las expresiones de ódio y la Convención Americana sobre Derechos Humanos, de 2004, a CIDH trata dessas expressões como “[...] o discurso destinado a intimidar, oprimir ou incitar ao ódio ou à violência contra uma pessoa ou grupo com base em raça, religião, nacionalidade, gênero, orientação sexual, deficiência ou outra característica de grupo.”90 Em complementação, no Informe Anual da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão de 2015, foi referida uma definição construída pela UNESCO no estudo Countering online hate speech, de 2015,91 que compreende esses discursos como: [...] as expressões a favor da incitação de fazer dano (particularmente a discriminação, hostilidade e violência), com base na identificação da vítima como pertencente a determinado grupo social ou demográfico. Pode incluir, entre outros, discursos que incitam, ameaçam ou motivam a cometer atos de violência. Não obstante, para alguns o conceito se estende também às expressões que alimentam um ambiente de prejuízo e intolerância no entendimento de que tal ambiente pode incentivar a discriminação, hostilidade e ataques violentos dirigidos a certas pessoas.92 87 Para conferir as complementações trazidas a cada um dos critérios do teste de seis fatores, consultar: ONU. United Nations Strategy and Plan of Action on Hate Speech: Detailed Guidance on Implementation for United Nations Field Presences. 2020. Disponível em: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/UN%20Strategy%20and%20PoA%20on%20Hate%20Speech_Guidance%20 on%20Addressing%20in%20field.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020. 88 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Promoción y protección del derecho a la libertad de opinion y de expression (discurso del odio en linea). outubro, 2019. Disponível em: https://www.undocs.org/es/A/74/486. Acesso em: 21 maio 2020. 89 Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión. 2015. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/informeanual2015rele.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021. 90 No original: “[...] el discurso destinado a intimidar, oprimir o incitar al odio o la violencia contra una persona o grupo en base a su raza, religión, nacionalidad, género, orientación sexual, discapacidad u otra característica grupal.” ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Las expresiones de ódio y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Capítulo VII. 2004. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/odio/expreisones%20de%20odio%20informe%20anual%202004-2.pdf. Acesso em: 03 mar. 2020. p. 1. 91 ONU EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO). Countering online hate speech. France: UNESCO, 2015. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000233231. Acesso em: 04 ago. 2020. 92 No original: “[…] las expresiones a favor de la incitación a hacer daño (particularmente a la discriminación, hostilidad o violencia) con base en la identificación de la víctima como perteneciente a determinado grupo social o demográfico. Puede incluir, entre otros, discursos que incitan, amenazan o motivan a cometer actos de violencia. No obstante, para algunos el concepto se extiende también a las expresiones que alimentan un ambiente de prejuicio y intolerancia en el entendido de que tal ambiente puede incentivar la discriminación, hostilidad y ataques violentos dirigidos a ciertas personas.” ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión. 2015. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/informeanual2015rele.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021. p. 375. 427 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS Em grande similaridade com as orientações internacionais da Sistema Global, a CIDH indica que de acordo com o artigo 13.5 da CADH, os Estados estão “[...] obrigados a proibir o discurso de ódio em circunstâncias limitadas, isto é, quando o discurso constitua incitação à violência ou qualquer outra ação ilegal similar contra qualquer pessoa ou grupo de pessoas,”93 fundada na raça, cor, religião, idioma, origem nacional, entre outros. Nesse sentido, as diretrizes e obrigações interamericanas aos Estados também são no sentido de proibir os discursos de ódio mais graves, que configurem uma incitação a violência, discriminação, hostilidade. Além disso, assim como na redação do artigo 20 do PIDCP, o artigo 13.5 da CADH menciona apenas os fatores nacionalidade, raça e religião. Porém, a CIDH esclareceu no Informe Anual da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão de 2015 que essa proibição se aplica igualmente a outros fatores de identidade, como orientação sexual e gênero94, por força dos princípios gerais da interpretação dos tratados, tendo o caso Atala Riffo e hijas vs. Chile contribuído significativamente para tanto.95 De outro lado, de acordo com a disposição do artigo 13.2 da CADH, os Estados podem estabelecer responsabilidades ulteriores civis ou administrativas para expressão de discursos de ódio que não constituam incitação à discriminação, hostilidade e violência. Nesse sentido, mesmo que não atinjam os critérios específicos da disposição do artigo 13.5, discursos de ódio podem exigir enfrentamentos jurídicos civis ou administrativos, a depender das circunstâncias do fato e respeitando os critérios da legalidade, legitimidade, necessidade e proporcionalidade para as restrições legítimas ao exercício do direito à liberdade de expressão, já referidas.96 Isso se justifica para “[...] garantir os direitos à dignidade e não discriminação de um grupo participar da sociedade, incluindo as pessoas LGBTI.”97 A CIDH, ainda, já referiu os diferentes instrumentos internacionais soft law do Sistema Global para auxiliar a identificar discursos de ódio que configuram incitação, como o Plano de Ação de Rabat e o teste de seis fatores. Contudo, a fim de melhor enquadrar manifestações de ódio na previsão do artigo 13.5 da CADH, a própria CIDH refere que é necessário ter em conta: a) a prova atual, certa e objetiva de que a pessoa não estava simplesmente manifestando uma opinião, ainda que dura, injusta ou perturbadora; b) que o emissor do discurso possuía intenção de promover alguma das circunstâncias do artigo 13.5 da CADH, assim como a capacidade de obter êxito nesse objetivo; c) que a expressão de ódio comporte um risco de dano contra as pessoas que pertencem aos grupos atingidos. Entretanto, como 428 93 No original: “[...] sólo están obligados a prohibir el discurso de odio en circunstancias limitadas, esto es, cuando el discurso constituya incitación a la violencia o cualquier otra acción ilegal similar contra cualquier persona o grupo de personas.” ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión. 2015. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/ anuales/informeanual2015rele.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021. 94 OEA. Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión. 2015. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/informeanual2015rele.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021. 95 No caso Atala Riffo e hijas vs. Chile, foi reconhecido que os critérios proibidos de discriminação são exemplificativos e não taxativos, e por isso é necessário considerar também gênero e orientação sexual nas categorias protegidas pela CADH contra todas as formas de discriminação, em interpretação evolutiva. Além disso, a menção da discriminação estrutural e histórica no caso auxiliou a Corte IDH a registrar que as minorias sexuais têm sofrido práticas discriminatórias associados à persistência da reprodução de estereótipos negativos e circulação do preconceito. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Atala Riffo e hijas vs. Chile. Sentença de 24 de fevereiro de 2012. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_esp.pdf. Acesso em: 15 maio 2021. 96 OEA. Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión. 2015. Disponível em:http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/informeanual2015rele.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021. 97 No original: “[...] garantizar los derechos a la dignidad y no discriminación de un grupo particular de la sociedad, incluyendo las personas LGBTI.” ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión. 2015. Disponível em:http://www. oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/informeanual2015rele.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021. p. 5. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO dito, quando na situação concreta de discurso de ódio não for possível verificar todos esses elementos do artigo 13.5 da CADH, é possível que as expressões sejam enfrentadas juridicamente por meio do artigo 13.2 da CADH, estando sujeito a responsabilidades posteriores, no âmbito civil ou administrativo, ou, ainda, a recursos como o direito à retificação ou réplica. Recentemente, no caso Azul Rojas Marín y outra vs. Perú, a Corte IDH argumentou sobre a relação entre a violência física e psicológica com os discursos de ódio. No caso, Azul Rojas Marín, atualmente identificada como mulher, foi detida a torturado pela polícia peruana em 2008, momento em que se identificava como um homem gay, de forma arbitrária, ilegal e discriminatória, ocasião em que sofreu violência física, psicológica e sexual pelos agentes estatais. Segundo a Corte IDH, os atos de violência e maus tratos foram realizados com fins discriminatórios e preconceituosos, ou seja, motivados pelo fato de Rojas Marín ser uma pessoa LGBTI. Isso porque: a) a modalidade empregada para a violência sexual foi anal, o que transmite uma mensagem simbólica de autoridade pela vítima não cumprir padrões estabelecidos pela masculinidade; b) os policiais expressaram insultos, gestos e comentários discriminatórios e estereotipados durante os atos, com referência a identidade sexual e de gênero de Rojas Marín.98 Por isso, a Corte IDH enquadrou o fato como um hate crime, isto é, um crime de ódio, “[...] porque é claro que a agressão à vítima esteve motivada na sua orientação sexual, ou seja, este delito não somente lesionou bens jurídicos de Azul Rojas Marín, mas também foi uma mensagem a todas as pessoas LGBTI como ameaça à liberdade e dignidade desse grupo social.”99 Considerando que os crimes de ódio não se confundem com os discursos de ódio, mas podem estar relacionados em casos concretos, a Corte IDH esclareceu que os discursos de ódio alimentam violências e práticas discriminatórias: A violência contra as pessoas LGBTI tem um fim simbólico, a vítima é escolhida com o propósito de comunicar uma mensagem de exclusão ou subordinação. Sobre esse ponto, a Corte tem registrado que a violência exercida por razões discriminatórias tem por efeito ou propósito impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais da pessoa sujeita a tal discriminação, independentemente se essa pessoa se identificar ou não com uma determinada categoria. Essa violência, alimentada por discursos de ódio, pode dar lugar a crimes de ódio.100 O caso Vicky Hernández y otras vs. Honduras igualmente complementa o tema, tendo o Caso Azul Rojas Marín sido citado em relação ao entendimento de hate crime, dos discursos de ódio, preconceito e discriminação que reiterados podem motivar esses atos e da violência contra a população LGBTI, de modo geral. Vicky Hernández, mulher trans e defensora de direitos, foi morta em 2009 em um contexto de violência e discriminação contra pessoas LGBTI em Honduras, caracterizada pela alta incidência de atos cometidos pela força pública aliada ao contexto do golpe de estado, ocorrido no mesmo ano. Em 98 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Azul Rojas Marín y otra vs. Perú. Sentença de 12 de março de 2020. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_esp.pdf. Acesso em: 15 maio 2021. 99 No original: “[...] pues es claro que la agresión a la víctima estuvo motivada en su orientación sexual, o sea que, este delito no solo lesionó bienes jurídicos de Azul Rojas Marín, sino que también fue un mensaje a todas las personas LGBTI, como amenaza a la libertad y dignidad de todo este grupo social.” OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Azul Rojas Marín y otra vs. Perú. Sentença de 12 de março de 2020. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_esp.pdf. Acesso em: 15 maio 2021. 100 No original: “La violencia contra las personas LGBTI tiene un fin simbólico, la víctima es elegida con el propósito de comunicar un mensaje de exclusión o de subordinación. Sobre este punto, la Corte há señalado que la violencia ejercida por razones discriminatorias tiene como efecto o propósito el de impedir o anular el reconocimiento, goce o ejercicio de los derechos humanos y libertades fundamentales de la persona objeto de dicha discriminación, independientemente de si dicha persona se auto-identifica o no con una determinada categoría. Esta violencia, alimentada por discursos de odio, puede dar lugar a crímenes de ódio”. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Azul Rojas Marín y otra vs. Perú. Sentença de 12 de março de 2020. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_193_esp.pdf. Acesso em: 15 maio 2021. p. 27. 429 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS razão disso, foi configurada responsabilidade direta do estado pela morte da vítima e suposta violência por preconceito com base na sua identidade e expressão de gênero.101 Vale registrar, ainda, que a CIDH também reafirma como proibidos e não protegidos pelo direito à liberdade de expressão os seguintes conteúdos: a) a incitação pública e direta ao genocídio, prevista no artigo 3º da Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, assim como no âmbito do Sistema Global; b) a pornografia infantil, proibida em conformidade ao artigo 34.c da Convenção sobre os Direitos da Criança e pelo Convênio nº 812 da OIT, em conjunto com o artigo 19 da CADH.102 Por fim, tanto o Sistema Global quanto o SIDH sustentam que além das obrigações no âmbito legislativo e jurídico, os Estados devem adotar medidas político-propositivas e preventivas contra os discursos de ódio. Isso porque o discurso de ódio é, em si mesmo, um componente prejudicial à democracia, ao pluralismo e à garantia da dignidade humana e do direito à igualdade e não-discriminação. Essas outras iniciativas demandam um enfoque multidisciplinar, articulado entre diferentes atores sociais e contando com a participação democrática de grupos sociais minoritários, os potenciais alvos dessas manifestações, em cooperação.103 Assim, é possível verificar que os discursos de ódio, no marco normativo internacional global e interamericano, podem constituir abusos ao exercício do direito à liberdade de expressão, uma vez enquadrados nas previsões dos artigos 19 e 20 do PIDCP e 13.2 e 13.5 da CADH. O direito à liberdade de expressão e a proibição de incitação ao ódio não são incompatíveis. Ambos se reforçam de forma mútua, sendo a própria liberdade de expressão uma das ferramentas para que os estereótipos negativos e práticas discriminatórias sejam desconstruídas e enfrentadas juridicamente. 6. PROIBIÇÃO DA CENSURA PRÉVIA E RESTRIÇÕES INDIRETAS No âmbito do Sistema Global, a proteção e garantia do direito à liberdade de expressão no PIDCP não admite censuras ou limitações ilegítimas, principalmente em relação aos meios de comunicação.104 Já no âmbito do SIDH, conforme referido, o artigo 13.2 da CADH proíbe expressamente a censura prévia. De acordo com a CIDH, a censura prévia pode ser entendida como o controle antecipado da difusão de uma expressão, que impede tanto a expressão de uma pessoa quanto o recebimento das ideias, opiniões ou informações pela sociedade. Isso é contrário à democracia e significa uma supressão radical da liberdade de expressão, que viola as dimensões individual e social ou coletiva desse direito.105 De acordo com o argumento da Corte IDH no caso Palamara Iribarne vs. Chile, a censura prévia ocorre quando: 430 101 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Vicky Hernández y otras vs. Honduras. Sentença de 26 de março de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_422_esp.pdf. Acesso em: 30 junho 2022. 102 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 103 OEA. Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe Anual de la Relatoria Especial para la Libertad de Expresión. 2015. Disponível em:http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/informeanual2015rele.pdf. Acesso em: 10 ago. 2021. NACIONES UNIDAS, Asamblea General. Promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión. agosto, 2011. Disponível em: https://undocs.org/sp/A/66/290. Acesso em: 02 jun. 2020; NACIONES UNIDAS, Asamblea General. Promoción y Protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión. setembro, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/67/357. Acesso em: 30 maio 2020. 104 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 105 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO [...] por meio do poder público, criam-se meios para impedir de forma prévia a livre circulação de informações, ideias, opiniões ou notícias, por qualquer tipo de procedimento que condicione a expressão ou a difusão de informações sob controle do estado, por exemplo, por meio da proibição de publicações ou da apreensão das mesmas, ou qualquer outro procedimento orientado ao mesmo fim.106 A Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH igualmente dispõe no princípio 7 que “[...] condicionamentos prévios, tais como de veracidade, oportunidade ou imparcialidade por parte dos Estados, são incompatíveis com o direito à liberdade de expressão reconhecido nos instrumentos internacionais.”107 Segundo a CIDH, são exemplos de censura prévia a apreensão de livros, ou a proibição judicial de publicação e divulgação, a apreensão de materiais impressos, a proibição para funcionários públicos de manifestação de críticas a instituições, censura prévia cinematográfica ou proibição de exibição de filmes em cinemas, entre outros.108 A proibição à censura prévia é uma restrição direta, ilegítima e grave ao exercício do direito à liberdade de expressão. Entretanto, ainda no âmbito do Sistema Interamericano, o artigo 13.4 da CADH, prevê uma exceção para essa proibição, que é a regulação prévia do acesso a espetáculos públicos, para a proteção moral da infância e da adolescência.109 Dessa forma, é possível que os Estados submetam espetáculos públicos a mecanismos de classificação indicativa e informativa, desde que o fim esteja vinculado à tutela da criança e do adolescente. Um dos casos mais importantes já julgados sobre censura prévia pela Corte IDH é o “La última tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Nesse caso, autoridades judiciais chilenas proibiram a exibição do filme “A última tentação de Cristo”, atendendo a pedido de um grupo de pessoas que argumentavam a ofensa da obra à imagem de Jesus Cristo e da Igreja Católica. Isso ocorreu com base na normativa constitucional chilena de 1980, que permitia um sistema de censura para a exibição e publicidade da produção cinematográfica, juntamente com oportunidades para tanto promovidas por outras iniciativas públicas. A Corte IDH sustentou que a censura imposta ao filme não foi estabelecida no marco das restrições legítimas da CADH, já que se fundamentou na suposta ofensa à figura de Jesus Cristo e que isso afetava aos que peticionaram à justiça, aos cristãos e outros fiéis. Assim, a condenação do Chile pela violação ao direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 13 da CADH, ocorreu tanto pela existência formal de norma constitucional que estabelecia a censura prévia, quanto pelas iniciativas materiais de proibição do filme.110 Já no caso Palamara Iribarne vs. Chile, já referido, a Corte IDH estabeleceu que ocorreram vários atos que compuseram a censura prévia. Dentre eles, o impedimento da publicação e divulgação de livro escrito por Palarama Iribarne, considerando que a obra já estava apta para impressão e distribuição 106 No original: “[...] cuando, por medio del poder público se establecen medios para impedir la libre circulación de información, ideas, opiniones o noticias. Ejemplos son la censura previa, el secuestro o la prohibición de publicaciones y, en general, todos aquellos procedimientos que condicionan la expresión o la difusión de información al control del Estado.” ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Caso Palamara Iribarne v. Chile. Sentença de 22 de novembro de 2005. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/ seriec_135_esp.pdf. Acesso em: 03 jun. 2021. p. 57. 107 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. 16 a 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.convencao.libertade.de.expressao.htm. Acesso em: 02 jun. 2021. 108 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 109 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Sentença de 05 de fevereiro de 2001. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/ articulos/Seriec_73_esp.pdf. Acesso em: 03 jun. 2021. 110 OEA. Caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Sentença de 05 de fevereiro de 2001. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf. Acesso em: 03 jun. 2021. 431 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS comercial, a determinação por ordem judicial de excluir o arquivo da obra do computador pessoal de Palamara Iribarne, apreensão dos livros que foram adquiridos por outras pessoas, entre outros.111 Além das restrições diretas, de acordo com a CIDH e com a previsão do artigo 13.3 da CADH, são igualmente proibidas as restrições indiretas à liberdade de expressão, isto é, limitações ao exercício desse direito que ocorrem de forma sutil, gerando danos menos visíveis. O artigo 13.3 da CADH prevê alguns exemplos exemplificativos e não taxativos, como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação.112 Assim, é possível que restrições indiretas ocorram por outros meios, o que está previsto também no princípio 5 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH.113 A CIDH ainda reforça que as restrições indiretas podem ocorrer por medidas estatais e pela atuação de particulares. No primeiro caso, a CIDH indica como exemplos de intervenções estatais que constituem meios indiretos: a) a exigência da associação obrigatória de jornalistas; b) processamentos e condenações penais contra jornalistas, sob o argumento de lesão à honra de funcionários públicos, considerando o efeito intimidador que isso pode gerar para a sociedade e outros jornalistas; c) o uso arbitrário de recursos de regulação, pelos Estados, contra meios de comunicação, ou para revogar a nacionalidade de pessoas que possuem ações ou exercem funções importantes em meios de comunicação que criticam o governo e autoridades públicas,114 a exemplo do ocorrido no caso Ivcher Bronstein vs. Perú. Segundo a Corte IDH, Baruch Ivcher Bronstein era acionista majoritário de um canal de televisão, que transmitia denúncias sobre possíveis torturas cometidas por membros do exército peruano e outros assuntos de interesse público. Baruch Ivcher Bronstein sofreu investidas de silenciamento, tendo a Corte IDH considerado que a revogação de sua nacionalidade, pela jurisdição peruana, foi um meio indireto de restrição de sua liberdade de expressão, com a finalidade de reprimir o jornalismo investigativo.115 Além disso, a CIDH indica que o ajuizamento de processos contra pessoas, jornalistas e comunicadores sociais que investigam e publicam conteúdos sobre assuntos de interesse público inibem o debate público e geram o efeito de autocensura. Isso porque há uma “[...] ameaça de ser processado penalmente por expressões críticas sobre assuntos de interesse público,” 116 que impõe uma intimidação à sociedade. Assim, a CIDH complementa que os meios indiretos por autoridades estatais podem estar presentes junto com restrições à liberdade de expressão contrárias aos requisitos de limitações legítimas, ou seja, em respeito aqueles previstos no artigo 13.2 da CADH. Já as restrições indiretas ocorridas pela atuação de particulares correspondem aos controles exercidos por monopólios ou oligopólios de propriedade dos meios de comunicação, e que produzam o mesmo resultado de limitação da liberdade de expressão.117 Além da previsão do artigo 13.3 da CADH, o princípio 432 111 OEA. Caso Palamara Iribarne v. Chile. Sentença de 22 de novembro de 2005. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/ articulos/seriec_135_esp.pdf. Acesso em: 03 jun. 2021. 112 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 113 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. 16 a 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.convencao.libertade.de.expressao.htm. Acesso em: 02 jun. 2021. 114 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 115 OEA. Caso Ivcher Bronstein vs. Perú. Sentença de 06 de fevereiro de 2001. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/ Seriec_74_esp.pdf. Acesso em: 03 jun. 2021. 116 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 54. 117 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO 12 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH reforça a adoção de medidas efetivas para evitar uma concentração indevida da propriedade nos meios de difusão, reafirmando orientações interamericanas sobre o pluralismo e a promoção da diversidade na regulamentação dos meios de comunicação e radiodifusão.118 Isso é também necessário para garantir responsabilidade democrática dos veículos de comunicação, devendo ser prezada a liberdade editorial e garantia à operação independentemente do governo.119 De acordo com a CIDH, quando o Estado permite controles particulares que violem efetivamente esse direito, também é possível haver responsabilizações perante a jurisdição internacional, desde que seja “[...] demonstrada a violação da obrigação de garantia que se depreende do marco jurídico,”120 isto é, não assegurando a proteção e garantia efetiva do direito à liberdade de expressão. Em sentido similar, o Sistema Global registra, por meio da Observação Geral nº 34 do CDH da ONU, que as legislações internas dos Estados que regulam os meios de comunicação devem ser compatíveis com as limitações legítimas do artigo 19.3 do PIDCP.121 Assim, os estândares internacionais globais também compreendem que a proteção da liberdade de expressão é incompatível com restrições diretas e indiretas ilegítimas, a exemplo da censura e controle restrito privado dos meios de comunicação. 7. A PROTEÇÃO DE JORNALISTAS E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Tanto o Sistema Global quanto o SIDH reconhecem a importância do jornalismo e dos meios de comunicação para as sociedades livres e democráticas. O jornalismo possui um papel vital no funcionamento da democracia porque desempenha a função de informar o meio social e contribuir com o debate e opinião públicas, sob diferentes interpretações e comprometido com a pluralidade de ideias e posições políticas.122 De acordo com a CIDH, “[...] uma imprensa independente e crítica é um elemento fundamental para a vigência das demais liberdades que integram o sistema democrático.”123 Igualmente, o CDH da ONU ressalta a imprescindibilidade do jornalismo para reunir e analisar informações sobre diferentes situações políticas, econômicas, sociais e culturais que envolvem a proteção ou violação de direitos humanos.124 Nesse sentido, o protagonismo dos meios de comunicação e do exercício profissional dos 118 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. 16 a 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.convencao.libertade.de.expressao.htm. Acesso em: 02 jun. 2021. 119 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. 16 a 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.convencao.libertade.de.expressao.htm. Acesso em: 02 jun. 2021. 120 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 54. 121 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 122 ONU. Asemblea General. Informe del Relator Especial sobre la Promoción y Protección del Derecho a la Libertad de Opión y Expresión (la protección de los periodistas y la libertad de los medios de prensa). junho, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/ HRC/20/17. Acesso em: 04 jul. 2021. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 123 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. p. 58. 124 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 433 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS jornalistas se conecta com a dimensão individual e social ou coletiva do direito à liberdade de expressão, concretizando a necessidade de que as sociedades estejam bem-informadas a partir de uma pluralidade de fontes, e que haja ampla circulação de notícias e informações sobre assuntos de interesse público.125 No âmbito do SIDH, o trabalho jornalístico, da comunicação social e outras atividades de imprensa são entendidas como atividades com relação direta e entrelaçada entre o direito à liberdade de expressão, diferente de outras profissões. Segundo a Opinião Consultiva nº 85, o jornalismo é uma manifestação primordial e principal da liberdade de expressão e, por isso, não pode entendida apenas como uma prestação de um serviço ao público.126 Em razão dessa vinculação, os estândares interamericanos compreendem que: a) a exigência de títulos para o exercício do jornalismo é considerada uma restrição ilegítima do direito à liberdade de expressão, o que está disposto no princípio 6 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH;127 b) pela liberdade de expressão ser inerente a toda a pessoa, não deve ser exigido licença ou inscrição de jornalistas em alguma associação sindical; c) os credenciamentos de jornalistas apenas são apropriados em razão de uma necessidade e para proporcionar acesso privilegiado a determinados eventos, lugares ou situações.128 Já em relação aos meios de comunicação, de forma especial, as diretrizes do Sistema Global e Interamericano determinam que uma imprensa livre e sem interferências também são ferramentas para assegurar o direito à liberdade de expressão e o gozo de outros direitos humanos reconhecidos na CADH e no PIDCP. Assim como pela atividade jornalística, os meios de comunicação como um todo propiciam o conhecimento da sociedade sobre assuntos de interesse público e a formação da opinião pública.129 Como dito, a Observação Geral nº 34 do CDH da ONU sustenta a necessidade de que a diversidade e a independência pautem a composição da imprensa e dos meios de comunicação, principalmente considerando as particularidades de minorias étnicas e linguísticas. Além disso, que os Estados se atentem às novas tecnologias e recursos informacionais, adequando e promovendo como possível essas diretrizes de igual forma.130 A CIDH igualmente refere que a garantia máxima do pluralismo e da diversidade nos meios de comunicação devem ocorrer, inclusive, para assegurar condições estruturais de exercício desse direito de forma equitativa.131 No caso Granier vs. Venezuela, a Corte IDH afirmou que a pluralidade dos meios de informação é importante como meio para priorizar o equilíbrio na participação, sem discriminações.132 434 125 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. NACIONES UNIDAS. Asemblea General. Informe del Relator Especial sobre la Promoción y Protección del Derecho a la Libertad de Opión y Expresión (la protección de los periodistas y la libertad de los medios de prensa). junho, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/20/17. Acesso em: 04 jul. 2021. 126 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Opinión Consultiva OC-5/85. 1985. 127 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. 16 a 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.convencao.libertade.de.expressao.htm. Acesso em: 02 jun. 2021. 128 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Violência contra jornalistas e funcionários de meios de comunicação: padrões interamericanos e práticas nacionais de prevenção, proteção e realização da justiça. 2013. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 129 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 130 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 131 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 132 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Granier vs. Venezuela. Sentença de 12 de junho de 2015. Disponível em: https:// www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_293_esp.pdf. Acesso em: 15 maio 2021. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO Nesse sentido, a respeito à diversidade nos meios de comunicação e proibição da discriminação já foi tratado no Caso Pueblos Indígenas Maya Kaqchikel de Sumpango y otros vs. Guatemala. No caso, a Corte analisou a violação do direito à liberdade de expressão de povos indígenas operadores de rádios comunitárias na Guatemala em função do marco regulatório relativo ao espectro radioelétrico naquele país. Também foi estabelecida uma relação intrínseca entre o direito à liberdade de expressão, os direitos culturais – especialmente de participação na vida cultural – e a proibição de discriminação dos povos indígenas. Ainda, a Corte concluiu que a persecução penal de povos indígenas que operam rádios comunitárias sem autorização estatal consiste em uma restrição ilegítima do seu direito à liberdade de expressão.133 7.1. Violências e as Obrigações dos Estados na Proteção dos Jornalistas e dos Meios de Comunicação As violências contra jornalistas e os meios de comunicação são inúmeras e constantes não apenas no Brasil, mas em todo o contexto mundial. De acordo com a UNESCO, 845 jornalistas foram assassinados em todo o mundo entre os anos de 2007 e 2016.134 A América Latina reúne uma alta incidência dessas e outras práticas hostis. Além das formas fatais de violência e que são igualmente a máxima materialização da censura, jornalistas também sofrem torturas, ameaças, intimidação, ataques, violências verbais e simbólicas, sequestro, detenções arbitrárias e ilegais. Isso não ocorre apenas em situações de conflitos, mas no cotidiano do exercício da atividade jornalística. As mulheres jornalistas, ainda, persistem sendo mais vulneráveis à discriminação e violência de gênero, sexual no exercício da atividade jornalística,135 convivendo com estereótipos negativos e sub-representação. Em relação às mulheres jornalistas, por exemplo, no caso Caso Bedoya Lima y otra Vs. Colômbia a Corte destacou que, devido ao risco específico enfrentado por mulheres jornalistas, os estados devem utilizar uma abordagem material para adotar medidas de proteção para jornalistas, que leve em conta as considerações de gênero, realizar uma análise de risco e implementar as devidas medidas de proteção que considerem o referido risco. No caso, a Sra. Bedoya foi interceptada, sequestrada e submetida a inúmeras agressões físicas e verbais, durante a prestação de serviço jornalístico, em maio de 2000. Considerando violado o direito à liberdade de expressão na sua dupla dimensão, a Corte reiterou a geração do efeito intimidador que fazia com que o público em geral perdesse vozes e pontos de vista relevantes e, em particular, vozes e pontos de vista de mulheres. Nesse sentido, isso aprofundava a disparidade de gênero no jornalismo e atacava o pluralismo como elemento essencial da liberdade de pensamento e expressão e da democracia.136 133 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Pueblos Indígenas Maya Kaqchikel de Sumpango y otros vs. Guatemala. Sentença de 06 de outubro de 2021. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_440_esp.pdf. Acesso em: 30 maio 2022. 134 CENTER FOR INTERNACIONAL MEDIA ASSISTANCE; COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Padrões internacionais de liberdade de expressão: Guia para operadores de justiça na América Latina. 2020. 135 OEA. Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoria Especial para la Libertad de Expresión. Mujeres periodistas y libertad de expresión. 2018. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Violência contra jornalistas e funcionários de meios de comunicação: padrões interamericanos e práticas nacionais de prevenção, proteção e realização da justiça. 2013. NACIONES UNIDAS. Asemblea General. Informe del Relator Especial sobre la Promoción y Protección del Derecho a la Libertad de Opión y Expresión (la protección de los periodistas y la libertad de los medios de prensa). junho, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/20/17. Acesso em: 04 jul. 2021. 136 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Bedoya Lima y otra Vs. Colombia. Sentença de 26 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_431_esp.pdf. Acesso em: 30 maio 2022. 435 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS Segundo as diretrizes do Sistema Global e Interamericano, o propósito das violências contra jornalistas é o silenciamento da expressão e, por consequência, da difusão de informações, conteúdos e opiniões à sociedade. Assim, violências no cotidiano da atividade jornalística configuram violações à liberdade de expressão137 e, como dito, geram efeitos de intimidação e autocensura. Por isso, estão bastante relacionadas com as hipóteses de restrições ilegítimas diretas e indiretas do exercício desse direito, e com as proteções especiais destinadas aos discursos e críticas sobre funcionários públicos, políticos e assuntos de interesse público. Segundo a Corte IDH, “[...] o exercício jornalístico só pode acontecer livremente quando as pessoas que o realizam não são vítimas de ameaças ou de agressões físicas, psíquicas ou morais, ou de outros atos de hostilidade.”138 Ao contrário disso, os estados possuem obrigações de prevenir, proteger e promover a justiça e os direitos humanos de jornalistas diante do marco normativo internacional. No âmbito do Sistema Global, a Observação Geral nº 34 do CDH da ONU estabelece que as medidas adotadas pelos Estados para proteger jornalistas devem ser preventivas, eficazes, respeitar as determinações do PIDCP e serem ativamente investigadas pelas instituições e jurisdição internas, garantido a devida reparação às vítimas ou seus representantes. Além disso, o Informe sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão de 2012, que tratou especialmente da proteção de jornalistas e da liberdade de expressão, determinou aos estados obrigações, a exemplo de: a) não promulgar legislações que criminalizem e limitem de forma indevida a liberdade de expressão de jornalistas; b) condenar publicamente agressões e violências contra jornalistas; c) adequar a regulação interna que recai sobre os meios de comunicação às normas e estândares internacionais.139 Já no âmbito do SIDH, a CIDH e Corte IDH indicam de igual forma que as violências contra jornalistas são incompatíveis com o artigo 13 da CADH e com proteções de outros direitos humanos, tendo vasta jurisprudência sobre o tema.140 Assim como indicado no Sistema Global, isso exige dos estados, a título de obrigações preventivas, o rechaço público por autoridades e agentes influentes à violência contra jornalistas e seus perpetradores. Além disso, o respeito da reserva de fontes de informação e outros documentos profissionais e pessoais de jornalistas, e, ainda, a coleta de dados sobre os temas, a fim de promover políticas públicas. Já nas obrigações de proteger, são apontadas o estabelecimento de programas de proteção para atenção jornalistas vítimas de violência, identificando riscos e características de contexto que os originam.141 436 137 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Violência contra jornalistas e funcionários de meios de comunicação: padrões interamericanos e práticas nacionais de prevenção, proteção e realização da justiça. 2013. NACIONES UNIDAS. Asemblea General. Informe del Relator Especial sobre la Promoción y Protección del Derecho a la Libertad de Opión y Expresión (la protección de los periodistas y la libertad de los medios de prensa). junho, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/20/17. Acesso em: 04 jul. 2021. 138 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Violência contra jornalistas e funcionários de meios de comunicação: padrões interamericanos e práticas nacionais de prevenção, proteção e realização da justiça. 2013. p. 1. 139 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. NACIONES UNIDAS. Asemblea General. Informe del Relator Especial sobre la Promoción y Protección del Derecho a la Libertad de Opión y Expresión (la protección de los periodistas y la libertad de los medios de prensa). junho, 2012. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/20/17. Acesso em: 04 jul. 2021. 140 De acordo com a CIDH, são casos importantes em relação à violência contra jornalistas: Caso Kimmel vs. Argentina, Caso Ríos y otros vs. Venezuela, Perozo y otros vs. Venezuela. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. 141 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Violência contra jornalistas e funcionários de meios de comunicação: padrões interamericanos e práticas nacionais de prevenção, proteção e realização da justiça. 2013. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO Por fim, nas obrigações de promover a justiça e os direitos humanos, é igualmente orientado no âmbito do SIDH que os Estados adotem um marco legislativo que respeite as normas internacionais de direitos humanos. Assim como orientado no Sistema Global, os estândares interamericanos argumentam que as legislações criminais de desacato, injúria, calúnia e difamação são incompatíveis com a CADH e frequentemente são ameaças à liberdade de expressão, principalmente de jornalistas e possíveis persecuções penais. Além disso, e igualmente de acordo com o princípio 9 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH, há a recomendação de que os Estados cumpram com um prazo razoável nas investigações e reparações aos jornalistas violentados e suas famílias, facilitando a participação de ambos nos processos judiciais e eliminando obstáculos à reparação.142 8. ACESSO À INFORMAÇÃO, DESINFORMAÇÃO E FAKE NEWS O direito à liberdade de expressão igualmente protege o acesso à informação, que consiste na garantia do acesso, por todas as pessoas, a informações e registros arquivadas em instituições públicas, o que está previsto igualmente no princípio 3 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH. Além disso, se estende igualmente aos meios de comunicação terem acesso à informação sobre assuntos de interesse público e, de acordo com as diretrizes globais e interamericanas, todas as autoridades públicas são incluídas na prestação do direito de acesso à informação, a exemplo dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e órgãos administrativos relacionados. A importância do acesso à informação pública se justifica por ser um elemento essencial na construção da cidadania e na tomada de decisões, pelos indivíduos, que sejam bem informadas e claras.143 No âmbito do SIDH, ter acesso à informação é a regra geral. Nesse sentido, no caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil, a Corte IDH argumentou que o Estado brasileiro violou o direito à liberdade de expressão ao ter negado o compartilhamento de informações sobre os desaparecimentos forçados dos membros da Guerrilha do Araguaia, ocorrida durante a ditadura civil-militar como reivindicação política e democrática. A Corte IDH estabeleceu a impossibilidade de retenção de informações com base na confidencialidade, justificada por motivos de segurança nacional, em situações de acesso à informação relativas a violações de direitos humanos. Além disso, esclareceu que as informações devem ser prestadas aos interessados sem exigências de explicação ou motivações pelo interesse em obtê-las.144 Disso decorre o princípio orientador da máxima publicidade, que significa a necessidade dos estados em maximizarem as informações públicas e, nas circunstâncias de eventuais restrições às divulgações, oferecem explicações suficientes para tanto. Em sentido similar, no caso Claude Reyes y otros vs. Chile, a Corte IDH determinou a violação do Estado chileno ao direito à liberdade de expressão, no âmbito do acesso à informação, porque as instituições públicas chilenas não cumpriram com interesse e justificativa adequados para negarem o acesso de informações públicas para as vítimas. Assim, a Corte IDH determinou que para que a garantia desse direito seja efetivo, “[...] é necessário que a legislação e a gestão estatais sejam pautadas pelos princípios 142 OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, 2014. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. 16 a 27 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.cidh.oas. org/basicos/portugues/s.convencao.libertade.de.expressao.htm. Acesso em: 02 jun. 2021. 143 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. CENTER FOR INTERNACIONAL MEDIA ASSISTANCE; COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH); ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Padrões internacionais de liberdade de expressão: Guia para operadores de justiça na América Latina. 2020. 144 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2020. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 01 ago. 2021. 437 O CONTEÚDO JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS NOS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS da boa fé e da máxima divulgação”145, sendo o princípio orientador da boa-fé aquele que orienta que as atuações públicas sejam direcionadas a satisfazer, de forma efetiva, a acessibilidade das informações, com explicações claras e satisfatórias sobre eventuais motivos para a impossibilidade de prestá-las.146 Além disso, no caso Claude Reyes y otros vs. Chile a Corte IDH ressaltou que apesar do direito de acesso à informação também não ser absoluto, e estar submetido às disposições do artigo 13.2 da CADH, todas as eventuais limitações devem ser condizentes com as sociedades democráticas, adequadas, legítimas e proporcionais. Isso significa que as possibilidades de sigilo às informações públicas devem ter fins legítimos e serem orientadas observando que: a) é necessário demonstrar que a divulgação da informação efetivamente ameace ou gere um prejuízo para o objetivo que legitima a restrição; b) comprovar que o possível dano é mais considerável que o interesse público em obter a informação, devendo a limitação estar relacionada com a temporalidade ou outras circunstâncias da eventual restrição.147 No âmbito do Sistema Global, é direcionado aos Estados que tomem as medidas possíveis e cabíveis para garantir a todas as pessoas o acesso rápido, fácil e seguro a tais informações e elaborem legislações sobre a liberdade de informação, que é igualmente protegida no âmbito do PIDCP.148 Além disso, as diretrizes globais têm emitido preocupações com as crescentes desinformações e seu potencial para manipular a população, obter lucros econômicos e fragilizar os sistemas democráticos, juntamente com o direito à liberdade de expressão.149 Segundo o Informe sobre a Promoção e Proteção do Direito á Liberdade de Opinião e Expressão de 2021 da ONU, a desinformação não é nova, mas seus contornos e transformações pelas novas tecnologias modificam seus impactos e possibilidades de disseminação e consequências, que se interseccionam com contextos de crises políticas, sociais e econômicas. Além disso, a “[...] desinformação é politicamente polarizante, impede que as pessoas exerçam verdadeiramente seus direitos humanos e destrói sua confiança nos governos e instituições.”150 No mesmo Informe, a ONU indica que não há uma definição jurídica universalmente aceita para a desinformação, assim como as respostas e enfrentamentos a essa problemática são complexos. Apesar disso, indica que existem evidências seguras de que mais informação, informações públicas bem geridas, meios de comunicação e jornalismo independentes, regulação das mídias sociais com base em normas e estândares de direitos humanos e, ainda, a proteção de dados pessoais são ferramentas imprescindíveis no enfrentamento à desinformação. Em relação ao marco jurídico internacional global, o Sistema Global determina que responsabilizações jurídicas e outras medidas estejam baseadas nos 438 145 No original: “[...] es necesario que la legislación y la gestión estatales se rijan por los principios de buena fe y de máxima divulgación”. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2020. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp. pdf. Acesso em: 01 ago. 2021. 146 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 147 OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Claude Reyes y otros vs. Chile. Sentença de 19 de setembro de 2006. Disponível em: https://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_151_esp.pdf. Acesso em: 01 ago. 2021. 148 COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DAS NAÇÕES UNIDAS. Observación General nº 34. Artículo 19: Libertad de opinión y libertad de expresión, 2011. 149 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Irene Khan (la desinformación y la libertad de opinión y de expresión). 13 de abril de 2021. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/47/25. Acesso em: 01 jun. 2021. 150 No original: “La desinformación es políticamente polarizante, impide que las personas ejerzan verdaderamente sus derechos humanos y destruye su confianza en los Gobiernos e instituciones.” ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Irene Khan (la desinformación y la libertad de opinión y de expresión). 13 de abril de 2021. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/47/25. Acesso em: 01 jun. 2021. p. 2. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO critérios do artigo 19 do PIDCP, e atendam a legalidade, legitimidade, proporcionalidade e necessidade. Nesse sentido, é considerado extremamente importante que as legislações internas dos Estados que regulem a desinformação ou as tipificadas “notícias falsas” cumpram com os critérios de legalidade e precisão nas tipificações legais.151 No âmbito do SIDH há a mesma preocupação com a desinformação e problemáticas daí decorrentes, como as notícias falsas também conhecidas popularmente por fake news. O tema tem sido trabalhado em Informes e do Sistema Interamericano, a exemplo dos Informes Anuais da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão de 2017 e 2018, que ressaltam a preocupação sobre como essas práticas geram desinformação, e são implementadas com o propósito de confundir a população, interferindo diretamente no direito do público de buscar, receber e transmitir informações e ideias. Além disso, sobre como as legislações internas dos Estados que regulam notícias falsas são utilizadas para reprimir e silenciar críticas aos governos.152 Com base nesses e outros contornos de complexos enfrentamentos, o DIDH emitiu a Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e “Notícias Falsas” (“Fake News”), Desinformação e Propaganda em 2017. A Declaração oferece uma série de orientações sobre os temas, merecendo destaque para aquelas que dizem respeito às obrigações dos Estados na proteção do direito à liberdade de expressão e na tomada de medidas para assegurar os direitos humanos que sejam, como dito, legítimas de acordo com as normas internacionais. A própria Declaração registra que a desinformação pode contribuir ou prejudicar diretamente grupos sociais e causar danos a indivíduos, já que “[...] algumas modalidades de desinformação e propaganda poderiam danificar a reputação e afetar a privacidade de pessoas, ou instigar a violência, a discriminação ou a hostilidade contra grupos identificáveis da sociedade.”153 Assim, a Declaração indica que: a) as proibições gerais de difusão de notícias falsas ou fake news são incompatíveis com os estândares internacionais sobre restrições legítimas do exercício da liberdade de expressão. Nesse sentido, as regulações devem ser claras, seguras e com critérios bem delimitados; b) os Estados devem assegurar os meios de comunicação independentes, atuando na proteção dos jornalistas e adotando medidas para promoção da diversidade nesses meios; c) é necessário que os Estados promovam medidas de educação e alfabetização midiática para a sociedade civil, além de atuar para conter os efeitos negativos da desinformação com base na proteção dos direitos humanos e na promoção da igualdade e não-discriminação.154 151 ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Informe de la Relatora Especial sobre la promoción y protección del derecho a la libertad de opinión y de expresión, Irene Khan (la desinformación y la libertad de opinión y de expresión). 13 de abril de 2021. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/47/25. Acesso em: 01 jun. 2021. 152 OEA. Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Informe de la Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. 2017 e 2018. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/docs/anual/2017/docs/AnexoRELE.pdf. Acesso em: 15 abr. 2021. 153 No original: “[...] algunas modalidades de desinformación y propaganda podrían dañar la reputación y afectar la privacidad de personas, o instigar la violencia, la discriminación o la hostilidad hacia grupos identificables de la sociedad.”ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Declaración Conjunta Sobre Libertad De Expresión Y “Noticias Falsas” (“Fake News”), Desinformación Y Propaganda. 2017. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/expresion/showarticle.asp?artID=1056&lID=2. Acesso em: 14 abr. 2021. 154 OEA. Comisión Interamericana de Derechos Humanos. Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. Declaración Conjunta Sobre Libertad De Expresión Y “Noticias Falsas” (“Fake News), Desinformación Y Propaganda. 2017. Disponível em: http://www.oas.org/es/ cidh/expresion/showarticle.asp?artID=1056&lID=2. Acesso em: 14 abr. 2021. 439