ISSN 1982-999x |
Conexões entre Kelsen e o Círculo de Viena
Connections between Kelsen and the Vienna Circle
Matheus Pelegrino da Silva
(Albert-Ludwigs-Universität Freiburg, Alemanha)
Resumo
Abstract
O artigo apresenta as relações entre
algumas das teorias e concepções de
Kelsen com o Círculo de Viena. O
método empregado é o da pesquisa
bibliográfica dos escritos de Kelsen
bem como da literatura relevante para
os temas abordados. Argumenta-se
que um elemento do Círculo de Viena
foi incorporado a algumas das teorias
de Kelsen, qual seja, a noção de que
ciências distintas podem compartilhar
um mesmo objeto de estudo e que
elas devem levar isto em conta quando
desenvolvem suas hipóteses. As metas
do Círculo de Viena são apresentadas,
principalmente levando em conta o
escrito A concepção científica de mundo. A fim de expor o principal exemplo
da influência do Círculo de Viena na
obra de Kelsen alguns aspectos do
livro de Kelsen Sociedade e Natureza
são analisados. Por meio da consideração das críticas de Kelsen ao sincretismo métodológico se estabelece uma
conexão subsequente entre Kelsen e o
Círculo de Viena, juntamente com a
apresen-tação de algumas críticas que
Kelsen realizou a uma certa forma de
socio-logia do direito e psicologia. Através da combinação desses aspectos,
indica-se que, em certa medida, é
possível falar de uma influência por
parte do Círculo de Viena no
pensamento e nos escritos de Kelsen.
Palavras-Chave: Círculo de Viena.
Kelsen. Sincretismo metodológico.
Teoria do direito.
The article presents the relations
between some of Kelsen’s theories and
conceptions and the Vienna Circle. The
employed method consists in the
bibliographical research of Kelsen’s
writings as well as the relevant literature on the subjects covered. It is
argued that in some of Kelsen’s
theories an element of the Vienna
Circle was incorporated, the notion
that different sciences may share a
same object of study and that they
need to take that into account while
developing their hypotheses. The goals
of the Vienna Circle are presented,
mainly taking into account the writing
The Scientific Conception of the World.
Some aspects of Kelsen’s book Society
and Nature are analyzed as a way to
display the main example of the
influence of the Vienna Circle on Kelsen’s work. A further connection
between Kelsen and the Vienna Circle
is established by considering Kelsen’s
criticisms on the methodological syncretism, together with the presentation
of some critics that Kelsen made to a
certain form of sociology of law and of
psychology. Through the combination
of these aspects it is indicated that to a
certain extend it is possible to speak of
an influence from the Vienna Circle on
Kelsen’s thought and writings.
Keywords: Kelsen. Legal theory.
Methodological syncretism. Vienna
Circle.
DOI https://doi.org/10.25247/P1982-999X.2019.v19n2.p117-151 •
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Atribuição 4.0 Internacional
ÁGORA FILOSÓFICA
1 Introdução
Este texto visa a expor em que medida certos
elementos dos escritos de Kelsen foram influenciados
pelos contatos que ele estabeleceu com o Círculo de
Viena. Pretende-se indicar que algumas das ideias
defendidas por Kelsen seriam compatíveis com um dos
objetivos desse grupo, a unificação das diferentes ciências
como uma meta do conhecimento científico, e busca-se
oferecer uma hipótese explicativa sobre os motivos que
teriam levado Kelsen a se aproximar do Círculo de Viena.
Almeja-se apontar que Kelsen não apenas concordou com
o método defendido pelo Círculo de Viena, mas também
incorporou um dos princípios fundamentais deste
movimento intelectual em seu pensamento, a saber, a
ideia de que cada ciência específica (tal como,
exemplificativamente, a ciência do direito) precisa levar em
consideração os conhecimentos das outras disciplinas que
possuem o mesmo objeto de estudo e integrá-los em sua
própria construção, de tal modo que um mesmo objeto
pudesse ser investigado a partir de diferentes
perspectivas. Essas metas serão realizadas em três etapas:
primeiramente serão expostos quais eram os objetivos do
Círculo de Viena; em seguida, tendo em conta
principalmente, a obra de Kelsen Sociedade e natureza,
será indicado um caso em que se torna evidente que
Kelsen, de fato, compartilhava de certos interesses
afirmados pelo Círculo de Viena; por fim será explicado o
que significava a rejeição, por parte de Kelsen, do
sincretismo metodológico, qual é a sua conexão com os
propósitos do Círculo de Viena e junto a isso serão
indicados alguns elementos pontuais nos escritos de
Kelsen nos quais é possível verificar o emprego das ideias
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ÁGORA FILOSÓFICA
de uma unificação dos conhecimentos e da delimitação
temática e metodológica dos objetos de estudo.
2 O programa do Círculo de Viena conforme o escrito
Compreensão científica de mundo
No breve texto Compreensão científica de mundo: o
Círculo de Viena1 (Wissenschaftliche Weltauffassung: Der
Wiener Kreis) é possível encontrar uma espécie de
declaração de intenções do referido movimento, conforme
a qual a unificação de todas as ciências, ou seja, a
construção de uma estrutura teórica comum e livre de
contradições internas seria a meta do Círculo de Viena.
Esse escrito inicia com o apontamento de que, no ano de
1929, existia o interesse em uma compreensão científica e
antimetafísica2, sendo que a rejeição da metafísica é
esclarecida e exemplificada no texto por meio da
descrição da pesquisa de Ernst Mach. Conforme o texto,
Mach conduziu uma “crítica ao [conceito de] espaço
absoluto” e seus resultados também incluíam uma “luta
contra a metafísica da coisa em si e do conceito de
substância, assim como [...] investigações sobre a
1
Esse escrito não possui um autor em sentido estrito, porém foi determinado
que ele resultou do trabalho conjunto de um grupo. Segundo uma observação
sobre a produção do texto, a qual se origina de Marie Neurath, Otto Neurath
havia escrito a primeira versão do texto, a qual foi posteriormente trabalhada
por Neurath juntamente com Hans Hahn e Rudolf Carnap. Os outros
membros do Círculo de Viena foram então questionados sobre se eles tinham
comentários ou contribuições a oferecer ao texto. Cf. “WISSENSCHAFTLICHE
Weltauffassung: Der Wiener Kreis”. In: NEURATH, Otto. Empiricism and
Sociology. Edited by Marie Neurath and Robert S. Cohen. Dordrecht: Springer,
1973, p. 318, n. 2.
2 Cf. “WISSENSCHAFTLICHE Weltauffassung – Der Wiener Kreis”. In:
HEGSELMANN, Rainer. (Org.). Otto Neurath: Wissenschaftliche Weltauffassung
und Logischer Empirismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1979, p. 81-84.
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construção dos conceitos científicos a partir dos
elementos últimos, os dados dos sentidos”.3
Essa compreensão de Ernst Mach compartilhada
pelo Círculo de Viena surge como uma reação a várias
teorias filosóficas, as quais tomavam como ponto de
partida determinadas ideias e conceitos, os quais eram de
alguma forma geralmente aceitos, a fim de afirmar que
um determinado ser ou uma determinada propriedade da
realidade de fato existia, sem contudo oferecer evidências
da existência delas. Os exemplos oferecidos no texto
Compreensão científica de mundo são a ideia de um
espaço absoluto e a crítica à concepção de uma coisa em
si, sendo que, em ambos os casos, ressalta-se a
compreensão do Círculo de Viena a respeito da realidade.
A esse respeito é preciso observar ainda que as
expressões “espaço absoluto” e “coisa em si” se encontram
diretamente associadas com a filosofia de Kant, para
quem o espaço seria um dos requisitos para a experiência
e, portanto, que não seria possível conhecer a não ser
supondo a existência do espaço. Kant também havia
defendido a perspectiva segundo a qual o conhecimento
humano seria um conhecimento do aparente, uma vez
que o conhecimento das coisas em si seria impossível.
Relativamente a esse tema é de se notar que Kant não foi
o único filósofo a afirmar a existência de algo tendo por
base apenas considerações intelectuais, e que um
exemplo significativo neste sentido se origina da filosofia
de Aristóteles, que, em sua Física, desenvolveu um
argumento, o qual partia do fato de que movimentos
existem, a fim de fundamentar a ideia de que existiria um
motor imóvel, o qual seria responsável pelo movimento
3
Id. Ibid., p. 82.
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dos corpos celestes.
A rejeição expressa da metafísica por parte do
Círculo de Viena significa a rejeição da ideia de que a
existência de uma entidade poderia ser provada por meio
de investigações meramente intelectuais, por meio de
considerações que não envolvessem a possibilidade de
uma confirmação empírica do afirmado, tal como ocorre
no exemplo do motor imóvel de Aristóteles. Relativamente
a esse tema, pode-se encontrar no escrito Compreensão
científica de mundo uma afirmação relevante a respeito
dos membros do Círculo de Viena: “[n]nenhum deles [dos
membros] é um denominado filósofo ‘puro’, ao invés disto,
todos eles trabalharam em uma área científica
específica”.4
Esse comentário se encontra relacionado com uma
observação sobre a postura científica com respeito à
investigação da realidade, compreendendo essa como a
tentativa de atingir uma compreensão unificada do
mundo: “Tem-se como meta a ciência unificada.
Ambiciona-se por os resultados das várias áreas científicas
em vínculo e harmonia uns com os outros”.5 Junto com a
apresentação da perspectiva adotada pelo Círculo de
Viena cumpre ainda referir qual seria, segundo seu
manifesto, o método e a meta adequados:
4
Id. Ibid., p. 85.
Id. Ibid., p. 87. Com respeito ao efeito antimetafísico cumpre referir a
seguinte observação: “Todos os partidários da compreensão científica de
mundo estão de acordo com respeito à rejeição da metafísica cega e do
apriorismo oculto. A esse respeito o Círculo de Viena defende a compreensão
de que também as afirmações do realismo e do idealismo (críticos) a respeito
da realidade ou não-realidade do mundo exterior e estranho ao psíquico
possuem caráter metafísico, uma vez que eles são atingidos pelas mesmas
objeções que [atingem] a metafísica antiga: eles são sem-sentido, pois não
são verificáveis, [pois] não [podem ser] fatos”. Id. Ibid., p. 89- 90.
5
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Caracterizamos a compreensão científica de
mundo essencialmente por meio de duas
determinações. Primeira [determinação], ela é
empírica e positivista: apenas existe
conhecimento por meio da experiência, o
qual diz respeito de modo direto ao dado.
Desse modo é traçada a fronteira com
respeito ao conteúdo da ciência legítima.
Segunda [determinação], a compreensão
científica de mundo é caracterizada por meio
da aplicação de um método determinado, a
saber, da análise lógica. A busca do trabalho
científico envolve a meta de atingir a unidade
da ciência por meio da aplicação dessa
análise lógica sobre o material empírico.6
A meta do Círculo de Viena, tal como se pode
identificar por meio do texto acima referido, consiste em
unificar as várias ciências distintas. O método, por sua vez,
está baseado em duas noções centrais: a análise lógica,
isto é, uma avaliação que leva em conta a presença de
contradições internas, e o empirismo, a perspectiva
conforme a qual todos os conhecimentos precisam estar
baseados em fatos, os quais podem ser confirmados por
meio da experiência.7
6
Id. Ibid., p. 90.
Relativamente às questões que foram tratadas e modificadas por meio de
descobertas científicas o texto refere vários exemplos, sendo por este motivo
é apropriado referir um destes, conforme o qual através das descobertas da
física as afirmações kantianas relativas ao tempo e ao espaço como categorias
fundamentais teriam se mostrado infundadas: “A análise teórico-cognitiva dos
conceitos principais da ciência natural libertou cada vez mais estes conceitos
das misturas metafísicas, as quais desde os primórdios estavam vinculadas a
eles. Especialmente os conceitos espaço, tempo, substância, causalidade,
probabilidade foram purificados, dentre outros, especialmente graças [aos
trabalhos de] Helmholtz, Mach e Einstein. As teorias do espaço absoluto e do
7
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O escrito Compreensão científica de mundo não
oferece detalhes com respeito à meta de unificação das
ciências, porém algumas investigações de Otto Neurath
que tratam deste tema podem ser empregadas como
fonte de informações adicionais para o esclarecimento do
significado da meta do Círculo de Viena.
Aqui o empirismo antimetafísico se depara
com uma grande tarefa, a qual o instiga
principalmente a tornar mais preciso o
instrumento lógico que deve servir de modo
direto à ciência. Trata-se nesse caso da
resistência frente à metafísica tradicional,
especialmente à teologia tradicional, ao
antropomorfismo tradicional com uma nova
forma, a fim de conseguir uma unidade da
ciência, a qual compreende tanto a geologia
quanto a etnologia, a astronomia quanto a
sociologia, a mecânica assim como a biologia
e a ciência behavioristica.8
Nesse texto, dois elementos são qualificados como
essenciais, os quais já haviam sido reconhecidos como
importantes no texto Compreensão científica de mundo:
a) o emprego do raciocínio lógico, isto é, a preocupação
tempo absoluto foram superadas por meio da teoria da relatividade; tempo e
espaço não são mais considerados receptáculos absolutos, mas sim apenas
estruturas organizadoras de operações elementares. A substância material foi
dissolvida por meio da teoria dos átomos e pela teoria dos campos. A
causalidade foi despida de seu caráter antropomórfico de uma ‘influência’ ou
‘vínculo necessário’ e reconduzida a [sua condição de] relação de
condicionalidade funcional”. Id. Ibid., p. 94-95.
8 NEURATH, O. “Einheit der Wissenschaft als Aufgabe”. In: STÖLTZNER,
Michael; UEBEL, Thomas (Orgs.). Wiener Kreis: Texte zur wissenschaftlichen
Weltauffassung von Rudolf Carnap, Otto Neurath, Moritz Schlick, Philipp
Frank, Hans Hahn, Karl Menger, Edgar Zilsel und Gustav Bergmann. Hamburg:
Felix Meiner, 2006, p. 360.
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em apenas formular afirmações que são organizadas
conforme certa estrutura e que não contêm contradições
internas; b) o reconhecimento da natureza multifacetada
dos objetos de estudos, de tal maneira que estes têm de
ser estudados pelas diversas ciências a partir de diferentes
pontos de vista, de tal modo que as afirmações científicas
formuladas possam levar em conta a complexidade e as
peculiaridades dos diversos aspectos dos objetos de
estudo.
Será tendo em vista esses dois elementos que, nas
próximas seções, serão apresentadas as conexões entre
algumas das análises de Kelsen e a meta de unificação das
ciências.
3 Pontos de contato direto entre Kelsen e o Círculo de
Viena
Em 1941, Kelsen publicou a obra Imputação e
causalidade (Vergeltung und Kausalität)9, que surgiu sob o
título Sociedade e natureza (Society and Nature)10 no
segundo volume da coleção Biblioteca da ciência
unificada, série de livros (Library of Unified Science, Book
series)11, sendo que a versão inglesa desse escrito de
Kelsen foi editada por Neurath juntamente com Carnap e
9
Cf. KELSEN, H. Vergeltung und Kausalität. Wien: Böhlau, 1982.
Cf. KELSEN, H. Society and nature. Chicago: The University of Chicago Press,
1943.
11 Uma apresentação geral da obra Imputação e causalidade pode ser
encontrada no seguinte texto: POHLMANN, R. “Zurechnung und Kausalität.
Zum wissenschaftstheoretischen Standort der Reinen Rechtslehre von Hans
Kelsen”. In: KRAWIETZ, Werner; SCHELSKY, Helmut (Orgs.). Rechtssystem und
gesellschaftliche Basis bei Hans Kelsen, Berlin: Duncker & Humblot, 1984, p.
102-106.
10
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Frank12, o que serve de indício de que o modo de pensar
de Kelsen teria sido considerado semelhante àquele dos
membros do Círculo de Viena.
Uma das metas do Círculo de Viena, tal como
apontado, era a promoção de uma unificação das ciências,
pois o principal interesse desse movimento era trabalhar
as teorias científicas das diferentes áreas, sempre tendo
em conta os resultados das outras ciências que se
ocupavam do mesmo objeto. O produto da adoção dessa
tarefa seria uma ciência unificada, e um elemento central
para atingir tal meta de unificação consistiria no
reconhecimento da possibilidade de harmonizar as
diferentes perspectivas sobre um objeto através da
articulação de afirmações nas quais não surgiriam
contradições com respeito ao que seria afirmado sobre o
objeto.
Cf. JABLONER, C. “Kelsen and his Circle: The Viennese Years”, European
Journal of International Law, n. 9, (1998), p. 380, n. 56. Na mesma nota de
rodapé Jabloner oferece algumas informações sobre a relação entre Kelsen e
o Círculo de Viena: “A aproximação pessoal (epistolar) entre Kelsen e o Círculo
de Viena não ocorreu na Áustria, mas sim principalmente entre Genebra e
Haia. No início de 1936 Kelsen escreveu para Neurath que ele desejava
participar dos estudos ideológico-críticos de seu círculo. Subsequentemente
Kelsen participou do 5º e do 6º Congresso Internacional para a Unidade das
Ciências. Seu ensaio ‘Causalidade e Retribuição’ foi publicado em 1939 no
Journal of Unified Science tanto em alemão quanto em inglês. Posteriormente
ele submeteu um extenso manuscrito intitulado ‘Vergeltung und Kausalität’
[Retribuição e causalidade], o qual, porém, não foi publicado antes [da
publicação de] sua tradução para o inglês”. Cf. Id. Ibid., loc. cit. Quanto ao
artigo “Causalidade e Retribuição” é de se notar que tal escrito evidencia como
Kelsen também dedicava grande atenção aos conhecimentos científicos de
áreas distintas da ciência do direito. Cf. KELSEN, H. “Die Entstehung des
Kausalgesetzes aus dem Vergeltungsprinzip”, The Journal of Unified Science
(Erkenntnis), 8. Bd., (1939), p. 101-127. Id. “Causality and Retribution“. In:
KELSEN, Hans. What is Justice? Justice, Law and Politics in the Mirror of
Science: Collected Essays by Hans Kelsen. Berkeley: University of California
Press, 1960, p. 303-323.
12
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Nesse contexto, a obra Sociedade e natureza pode
servir de exemplo da execução desta tarefa, pois, neste
livro, Kelsen oferece um argumento a respeito da origem
das noções “retribuição”, “justiça” e “causalidade”, que é
desenvolvido tendo por base certas descobertas
etnográficas. A principal meta de Kelsen com essa obra é
expor uma determinada evolução relativamente ao
emprego dos conceitos “retribuição” e “imputação”, de tal
forma que os vínculos existentes entre esses conceitos
serão identificados como o resultado de uma variável
histórica, qual seja, as formas como os seres humanos
interpretaram e interpretam a natureza.13 Kelsen
argumenta que, para os povos primitivos, uma
determinada vontade (anima) seria a fonte de todos os
acontecimentos, pois essa vontade estaria presente em
todos os objetos; em uma segunda fase do
desenvolvimento científico os seres humanos teriam
tomado como verdade que certos objetos não possuiriam
qualquer vontade e que os movimentos exibidos por estes
objetos seriam meros efeitos de determinadas causas; e
no final de Sociedade e natureza Kelsen afirma que em
virtude de conhecimentos existentes em seu tempo já se
podia
afirmar
que
todos
os
acontecimentos,
independentemente deles envolverem seres humanos ou
não, seriam efeitos de relações causais inevitáveis, de tal
modo que nada do que ocorre poderia ser conhecido
Na introdução de Sociedade e natureza Kelsen afirma o seguinte: “Este livro
cumpre a tarefa de investigar, tendo por base o material etnográfico, como o
homem primitivo interpreta a natureza ao seu redor e como se desenvolveu a
partir dos fundamentos desta interpretação, especialmente do princípio de
retribuição, a ideia de causalidade, e junto com esta o conceito moderno de
natureza”. KELSEN, H. Society and nature. Chicago: The University of Chicago
Press, 1943, p. vii.
13
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como mero resultado de uma vontade independente.14
Uma importante característica da compreensão da
causalidade oferecida por Kelsen se encontra no vincular
as perspectivas etnográfica, científica e jurídica, uma vez
que tal postura evidencia o compromisso de Kelsen com o
programa do Círculo de Viena. Conforme Kelsen, a partir
de um ponto de vista científico não é possível falar a
respeito da responsabilidade moral de alguém, pois todos
os atos são efeitos de determinadas causas, as quais
também são efeitos de outras causas e assim por diante.
Por outro lado, de um ponto de vista etnográfico as
diferentes perspectivas humanas a respeito do tema da
responsabilidade se mostram conectadas com elementos
culturais, de tal forma que algumas culturas imputam
responsabilidade a objetos inanimados, enquanto tal
imputação se mostra praticamente impensável para
outras culturas. Por fim, a partir de um ponto de vista
jurídico, Kelsen formula uma via para a unificação da
reivindicação jurídica (e em muitos casos da reivindicação
social) de atribuir responsabilidade a alguém com a
perspectiva científica conforme a qual não existe a
Ao final da introdução de Sociedade e natureza Kelsen escreve: “a suposta
revolução de nossa concepção do universo pode ser compreendida como o
último passo de um processo intelectual cujo significado é a emancipação
gradual da lei da causalidade frente ao princípio da retribuição. É a
emancipação de uma interpretação social da natureza”. Id. Ibid., p. viii. Com
respeito à tentativa de realizar uma interpretação de toda a realidade (e isto
inclui também os comportamentos humanos) conforme um modo de pensar,
o qual reconhece a “causalidade universal”, cumpre referir as observações de
Neurath a respeito da possibilidade de desenvolver uma teoria que
compreenda a realidade social como um efeito de fatores que funcionariam
como causas necessárias de determinados fenômenos sociais. Cf. NEURATH,
O. “Sociology in the framework of physicalism”. In: NEURATH, Otto.
Philosophical Papers 1913-1946, Edited and translated by Cohen, Robert S.
Cohen and Marie Neurath. Dordrecht: Reidel, 1983, p. 75-78.
14
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possibilidade de uma decisão humana livre, não-causada.
A solução oferecida por Kelsen, a qual opera por meio do
emprego do conceito “imputação”, sugere que o direito
deva identificar a “causa” de um ato humano com aquele
indivíduo que pratica tal ato, ainda que a possibilidade de
um comportamento humano autoproduzido (no sentido
de produzido de forma livre) tenha que ser excluída do
ponto de vista científico.15
Através dessa apresentação concisa do argumento
oferecido por Kelsen em Sociedade e natureza, é possível
identificar um interesse, a construção de categorias
jurídicas não apenas a partir do ponto de vista jurídico,
mas também tendo em conta as perspectivas das outras
ciências, visto que é possível identificar a tentativa de
posicionar a categoria jurídica da imputação em um
campo mais amplo, no qual também a etnografia e as
ciências naturais desempenham um papel. Com essa obra
Kelsen mostra seu interesse em adotar a perspectiva de
uma ciência unificada, tal como se pode observar na
A esse respeito Kelsen afirma: “Que o homem como uma parte da natureza
não seja considerado livre significa que seu comportamento, caso concebido
como um fato natural, precise estar em acordo com uma lei da natureza,
[precise estar] determinado por outros fatos como um efeito por suas causas.
Mas se interpretamos um comportamento humano definido de acordo com
uma lei moral, religiosa oi jurídica como um mérito, pecado ou crime,
imputamos as consequências determinadas pela lei moral, religiosa ou
jurídica: o prêmio para o mérito, a penitência para o pecado, a punição para o
crime, sem imputar o mérito, o pecado, o crime, a outro algo ou alguém. É
usual dizer que imputamos o mérito, o pecado, o crime à pessoa responsável
pelo comportamento caracterizado desta maneira. Mas o verdadeiro sentido
da afirmação de que um mérito é imputado a uma pessoa é que a pessoa
deve ser premiada por seu mérito; [...] o verdadeiro sentido da afirmação de
que um crime é imputado a uma pessoa é que esta pessoa deve ser punida
por seu crime”. KELSEN, H. “Causality and imputation”. In: KELSEN, Hans. What
is Justice? Justice, Law and Politics in the Mirror of Science: Collected Essays by
Hans Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960, p. 333.
15
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ÁGORA FILOSÓFICA
seguinte afirmação:
Sociedade e natureza, caso concebidas como
dois sistemas de elementos, são o resultado
de dois métodos de pensamento diferentes e
apenas como tais são dois objetos diferentes.
Os mesmos elementos, conectados uns com
os outros conforme o princípio da
causalidade,
constituem
a
natureza;
conectados uns com os outros de acordo com
o outro, a saber, com um princípio normativo,
eles constituem a sociedade.16
Kelsen emprega os conceitos “atribuição” e
“responsabilidade” de tal maneira que se torna possível
oferecer afirmações compatíveis tanto com as ciências
naturais quanto com a ciência do direito. Por conta desse
tratamento do tema, afirma-se, ao final de Sociedade e
natureza que, após a causalidade se emancipar da
retribuição, a “sociedade é – do ponto de vista da ciência –
uma parte da natureza”.17
Com respeito ao vínculo de Kelsen com o Círculo de
Viena ainda seria possível citar algumas passagens do
prefácio de Retribuição e causalidade, nas quais Kelsen
caracteriza seu trabalho como uma tentativa de
desenvolver uma investigação do problema da justiça por
meio das contribuições das várias ciências, de tal maneira
que suas afirmações deveriam ser observadas como os
“resultados de várias disciplinas”.18
16
KELSEN, H. Society and nature. Chicago: The University of Chicago Press,
1943, p. vii.
17 Id. Ibid., p. 266.
18 KELSEN, H. Vergeltung und Kausalität. Wien: Böhlau, 1982, p. XXXV. Esse
texto, quando comparado com o texto de Neurath acima citado, evidencia o
interesse de Kelsen na unificação das ciências, tal como Neurath havia
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ÁGORA FILOSÓFICA
O presente trabalho é a primeira parte –
encerrada em si mesma – de uma ampla
investigação de crítica ideológica sobre o
problema da justiça. A questão não é se e
como a “justiça” se realiza no direito positivo,
mas sim de que maneira esta ideia se
apresenta na religião, na poesia e na filosofia
e porque ela afirma ter um lugar tão
importante aqui [no direito positivo].19
Esse texto deixa claro o interesse de Kelsen em
adotar uma das metas do Círculo de Viena, a meta da
unificação das afirmações científicas a respeito de certo
tema por meio da consideração das contribuições das
diferentes ciências para a investigação de um único objeto,
no caso, a justiça. No mesmo sentido e com o propósito
de buscar uma unificação das ciências, também cumpre
apontar o seguinte texto:
A especificidade do projeto faz com que os
resultados de várias disciplinas precisem ser
consultados, a respeito das quais não sou um
descrito. Também é relevante para esse tema o seguinte texto: “No lugar do
dualismo entre natureza e sociedade se põe aquele entre realidade e
ideologia. Como uma parte da realidade, o fenômeno social da sociologia
moderna se mostra compreensível conforme as mesmas leis do que o
[fenômeno] natural. A impossibilidade de conhecer leis invioláveis nos
eventos sociais assim como nos [eventos] naturais desaparece assim que a
própria lei natural abandone a reivindicação da necessidade absoluta e se
satisfaça em ser uma afirmação sobre a probabilidade estatística. Em
princípio não existe qualquer obstáculo a fim de chegar a leis sociais dessa
espécie. Se a natureza era no início da especulação humana um pedaço da
sociedade, então agora a sociedade é – graças à plena emancipação da
causalidade frente à retribuição no conceito legal moderno – um pedaço da
natureza”. KELSEN, H. “Die Entstehung des Kausalgesetzes aus dem
Vergeltungsprinzip”, The Journal of Unified Science (Erkenntnis), 8. Bd., (1939),
p. 129-130.
19 KELSEN, H. Vergeltung und Kausalität. Wien: Böhlau, 1982, p. XXXV.
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especialista. Espero que me deem crédito
pelo fato de que na circunstância atual da
ciência não é possível dominar de modo
autoritativo [as disciplinas da] etnologia, da
história da religião, da arqueologia e da física,
e ao mesmo tempo avaliar seus resultados
como um sociólogo. [...] a significação socialteórica de um material trazido pelas outras
ciências é necessária quando se deve
responder a questão – não tanto [aquela
questão] sobre em que consiste a justiça, uma
questão, a qual talvez seja irrespondível, mas
muito mais [a questão sobre] qual é o papel
que esta ideia tão visivelmente dominante [a
ideia de justiça] desempenha na consciência
humana
em
suas
objetivações
mais
significativas, qual é sua função real para a
sociedade.20
A ideia de um trabalho conjunto das diferentes
disciplinas científicas será caracterizada por Kelsen na
passagem acima por meio da vinculação deste trabalho
com um propósito, o qual Neurath já havia reconhecido. 21
Com respeito à relevância do programa da unificação do
conhecimento das distintas ciências para a compreensão
do problema da justiça também é relevante observar a
20
Id. Ibid., loc. cit.
Nesse contexto também é relevante uma observação feita por Kelsen ao
final do prefácio da segunda edição de seu Hauptprobleme der
Staatsrechtslehre, na qual o interesse na integração com outras disciplinas já
pode ser identificado: “Talvez eu deva criar a esperança de que o seu
empenho [o empenho da ciência do direito] de aprofundar filosoficamente os
problemas da teoria do direito e do estado, vinculá-los com os problemas
análogos das outras ciências, liberte nossa ciência de seu isolamento tão nãosaudável e a inclua como um elo valioso no sistema científico, [de tal forma
que] ela também encontre compreensão em seus opositores”. KELSEN, H.
Hauptprobleme der Staatsrechtslehre: Entwickelt aus der Lehre vom
Rechtssatze. 2. Aufl. Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1923, p. XXIII.
21
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
• 131
ÁGORA FILOSÓFICA
passagem a seguir, na qual Kelsen elogia as observações
críticas que provêm de várias ciências distintas, pois esse
modo de proceder contribui para a meta da unificação:
É autoevidente que a tentativa de sintetizar os
resultados das diferentes ciências sob um
ponto de vista sociológico unificado, porém
estranho a estas ciências, precisa prever uma
crítica rigorosa por parte das disciplinas
especializadas envolvidas. Uma crítica dessas
é tanto bem-vinda, quanto ela torna possível
o trabalho conjunto, apenas por meio do qual
a meta aqui perseguida pode ser atingida.22
4 A crítica de Kelsen ao sincretismo metodológico, à
sociologia do direito e à psicologia e suas conexões
com as metas do Círculo de Viena
A qualificação da teoria do direito desenvolvida por
Kelsen como “pura” pode ser encontrada em uma
passagem na qual ele também oferece um comentário a
respeito da rejeição do sincretismo metodológico e que
permite estudar outro aspecto da relação de seu
pensamento com o Círculo de Viena:
Caso ela [a teoria do direito] se denomine
uma teoria “pura” do direito, isto ocorre, pois
ela
apenas
deseja
assegurar
um
conhecimento orientado ao direito e porque
ela deseja excluir deste conhecimento tudo o
que não pertence ao objeto exatamente
determinado como direito. Significa dizer: ela
quer libertar a ciência do direito de todos os
elementos que são estranhos a ela. Esse é seu
22
KELSEN, H. Vergeltung und Kausalität. Wien: Böhlau, 1982, p. XXXVI.
132 • Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai./ago., 2019
ÁGORA FILOSÓFICA
princípio metodológico fundamental. [...] De
modo completamente acrítico a doutrina se
misturou com a psicologia e com a sociologia,
com a ética e com a teoria política. Essa
mistura pode ser explicada [quando se nota
que] estas ciências se ocupam de objetos, os
quais sem dúvida se encontram em estreita
conexão com o direito. Quando a teoria pura
do direito delimita o conhecimento do direito
em oposição a essas disciplinas, ela não o faz,
pois ela ignora a relação, ou pois pretende
rejeitá-la, mas sim, pois ela pretende rejeitar
um sincretismo metodológico, o qual
obscurece a essência da ciência do direito e
elimina os limites que foram traçados por
meio da natureza de seu objeto.23
A teoria do direito oferecida por Kelsen é pura, pois
ela é uma teoria que tem por base e referencial apenas as
normas jurídicas, o conteúdo delas e os objetos
identificados por meio dessas normas e de seus
conteúdos. A teoria pura do direito rejeita a mistura de
métodos, pois ela afirma que, a fim de conhecer o direito,
os fenômenos jurídicos, é preciso se ater apenas às
normas e aos seus conteúdos. Contudo, ao lado dessas
afirmações, é de se notar que o emprego de outros
métodos não é negado como uma via possível para o
estudo dos fenômenos jurídicos, uma vez que a crítica ao
sincretismo metodológico significa apenas a crítica à
pretensão de explicar todo o conjunto dos fenômenos
jurídicos através do recurso a considerações de elementos
que não estão assentados em normas jurídicas válidas (p.
ex., considerações políticas, sociológicas, psicológicas).
23
KELSEN, H. Reine Rechtslehre. 2. Aufl. Tübingen: Mohr Siebeck, 2017, p. 2122.
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
• 133
ÁGORA FILOSÓFICA
Quanto a isso, cumpre apontar que, desde a
primeira edição de seu Principais problemas do direito
público (Hauptprobleme der Staatsrechtslehre), em 1911,
Kelsen já afirmava a meta de desenvolver uma
investigação que levasse em conta o fato de que
diferentes ciências empregam métodos distintos e que
não se deve buscar resolver os problemas que são
próprios de uma ciência por meio da consideração dos
resultados das demais ciências que empregaram um
método e ponto de partida distintos.
Tão distante quanto estou de ser capaz de
avaliar o problema do método em termos
gerais, tão seguro estou de que este
[problema] possui grande significado em uma
determinada direção. Com isso quero referir
as áreas fronteiriças daquelas disciplinas que
se encontram em contato com respeito ao
seu objeto, mas que por conta da diferença
no modo de tratamento se encontram
separadas.24
É de se notar que Kelsen critica o fato de a ciência
do direito, uma ciência normativa, empregue um método
que não leva em conta as normas existentes, mas sim
apenas os fenômenos sociais. Tendo isso em conta,
cumpre atentar a uma passagem dedicada ao problema
da explicação da natureza do estado na qual Kelsen
24
KELSEN, H. Hauptprobleme der Staatsrechtslehre: Entwickelt aus der Lehre
vom Rechtssatze. In: JESTAEDT, Matthias (Org.), Hans Kelsen Werke.
Veröffentlichte Schriften 1911. Band. 2, Halbband I. Tübingen: Mohr Siebeck,
2008, p. 53. A intenção de evitar o sincretismo metodológico é manifesta por
Kelsen nas primeiras páginas de várias de suas obras. Cf. Id. Ibid., p. 52-56. Id.
Allgemeine Staatslehre. Wien: Österreichische Staatsdruckerei, 1993, p.VII–VIII.
Id. Reine Rechtslehre. 1. Aufl. Tübingen: Mohr Siebeck, 2008, p. 3-8. Id. General
theory of law and state. Cambridge: Harvard University Press, 1945, p. xiii–xvii.
Id. Reine Rechtslehre. 2. Aufl. Tübingen: Mohr Siebeck, 2017, p. 9–11.
134 • Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai./ago., 2019
ÁGORA FILOSÓFICA
oferece um exemplo de situação em que o sincretismo
metodológico se faria presente através da defesa da ideia
de que o estado seria o produto de um contrato social.
O sincretismo do tratamento normativo e
explicativo conduz de modo necessário à
mentira necessária tão característica da
ciência do direito atual, à ficção. O exemplo
clássico de deslocamento entre o método
sociológico-natural-científico e [o método]
especificamente normativo é a técnica das
ficções,
a
qual
é
empregada
pelo
jusnaturalismo. Essa teoria jurídica supõe que
ela pode dar uma resposta satisfatória a uma
questão, a qual possui um sentido explicativo
e que visa o esclarecimento de um fato social
– como o estado surgiu? –, e por isto ela
responde: através [de um] contrato.25
A preocupação de Kelsen com o sincretismo
metodológico irá conduzi-lo a formular uma série de
comentários sobre distinções importantes a serem feitas
com respeito aos resultados obtidos por outras ciências –
KELSEN, H. “Die soziologische und die juristische Staatsidee”. In: JESTAEDT,
Matthias (Org.). Hans Kelsen Werke. Veröffentlichte Schriften 1911-1917.
Band. 3. Tübingen: Mohr Siebeck, 2010, p. 207. A respeito desse tema é
relevante o seguinte comentário: “Kelsen se dedica em particular à luta contra
a ficção, [contra] a mistura condenável de ciências, a qual resulta do
amalgamento entre dois tipos de abordagem exclusivos entre si – a saber,
entre a abordagem causal e a normativa. Ele critica toda solução oferecida a
um problema normativo por meio de uma construção causalista assim como,
reciprocamente, uma solução oferecida a um problema das ciências causais
por meio de uma construção normativa: trata-se de um ‘sincretismo de
métodos’ que mistura enunciados sobre o ser com enunciados sobre o deverser”. JESTAEDT, M. La science comme vision du monde: science du droit et
conception de la démocratie chez Hans Kelsen. In: JOUANJAN, Olivier (Coord.).
Hans Kelsen: Forme du droit et politique de l’autonomie. Paris: PUF, 2010, p.
185.
25
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
• 135
ÁGORA FILOSÓFICA
especialmente pela sociologia, pela história e pela
psicologia – e ao modo como se pode (ou não se pode)
combinar estes resultados com aqueles obtidos através de
uma perspectiva normativa, jurídica do direito.
É evidente que o pensamento jurídico difere
do pensamento sociológico e histórico. A
“pureza” de uma teoria do direito que visa
uma análise estrutural dos ordenamentos
jurídicos positivos consiste em nada mais
senão em eliminar de sua esfera os
problemas que requerem um método
diferente daquele que é apropriado para o
problema específico que lhe é próprio. O
postulado da pureza é o requisito
indispensável para evitar o sincretismo de
métodos, um postulado que a doutrina
tradicional não respeita, ou não respeita o
suficiente. A eliminação de um problema da
esfera da teoria pura do direito, é claro, não
implica na negação da legitimidade de seu
problema ou da ciência que lida com ele. O
direito pode ser o objeto de várias ciências; a
teoria pura do direito nunca reivindicou ser a
única ou a legítima ciência do direito. A
sociologia do direito e a história do direito são
outras. Elas, junto com a análise estrutural do
direito,
são
necessárias
para
uma
compreensão
completa
do
fenômeno
complexo do direito.26
Nessa passagem, fica mais uma vez claro o interesse
de Kelsen em desenvolver uma compreensão unificada do
KELSEN, H. “Law, State, and Justice in the Pure Theory of Law”. In: KELSEN,
Hans. What is justice? Justice, law and politics in the mirror of science.
Collected Essays by Hans Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960,
p. 294.
26
136 • Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai./ago., 2019
ÁGORA FILOSÓFICA
direito, principalmente visto que ele escreve sobre “uma
compreensão completa do fenômeno complexo do
direito”. Mas se por um lado Kelsen não formulou muitos
comentários adicionais quanto às relações entre a teoria
do direito e a história do direito, por outro é de se
constatar que ele se ocupou de modo aprofundado com
as relações e as diferenças entre a teoria do direito e a
sociologia do direito (e de modo conectado com as
relações entre o direito e a psicologia).
Nesse sentido cumpre inicialmente considerar a
seguinte passagem:
A teoria pura do direito não nega de maneira
alguma a validade de uma tal sociologia
jurídica, mas declina de ver nela, tal como
muitos de seus expoentes o fazem, a única
ciência do direito. A sociologia jurídica
encontra-se lado a lado com a teoria
normativa; nenhuma é capaz de substituir a
outra, pois cada uma lida com problemas
diferentes. É apenas tendo isso em conta que
a teoria pura do direito insiste em distinguir
claramente elas [as disciplinas em questão]
uma da outra, a fim de evitar aquele
sincretismo de métodos que é a causa de
inúmeros erros. O que precisa ser evitado é o
confundir [...] o conhecimento direcionado a
um “dever” jurídico com o conhecimento
direcionado a um “ser” efetivo. 27
KELSEN, H. “The Pure Theory of Law and Analytical Jurisprudence”. In:
KELSEN, Hans. What is justice? Justice, law and politics in the mirror of science.
Collected Essays by Hans Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960,
p. 269. Cf. DREIER, H. “Hans Kelsens Wissenschaftsprogramm”. In: SCHULZEFIELITZ, Helmuth (Org.). Staatsrechtslehre als Wissenschaft. Berlin: Duncker &
Humblot, 2007, p. 88-89.
27
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
• 137
ÁGORA FILOSÓFICA
Sobre a sociologia do direito Kelsen comenta que
ela não pode funcionar de modo independente da teoria
do direito, pois “o conceito não-jurídico de estado é para a
sociologia de Kelsen simplesmente sem sentido”.28 O
fundamento dessa afirmação se encontra no fato de que
apenas por meio de uma compreensão jurídica, jurídicoteórica do direito, torna-se possível identificar na série de
fenômenos sociais aqueles que são relevantes para a
sociologia do direito.29
28
MÖLLERS, C. Staat als Argument. München: Mohr Siebeck, 2000, p. 43.
Sobre o tema, cf. ROTTLEUTHNER, Hubert. “Rechtstheoretische Probleme der
Soziologie des Rechts: Die Kontroverse zwischen Hans Kelsen und Eugen
Ehrlich (1915/1917)”. In: KRAWIETZ, Werner; SCHELSKY, Helmut (Orgs.).
Rechtssystem und gesellschaftliche Basis bei Hans Kelsen, Berlin: Duncker &
Humblot, 1984, p. 547-51. TREVES, R. “Kelsen y la sociologia”. In: CORREAS,
Óscar (Org.). El otro Kelsen. México: Universidad Nacional Autónoma del
México, 1989, p. 203-204.
29 “A sociologia do direito não é capaz de traçar uma linha entre seu tema – o
direito – e os outros fenômenos jurídicos; ela não é capaz de definir seu
objeto especial como distinto de um objeto geral da sociologia – a sociedade –
sem pressupor o conceito de direito, tal como definido por uma doutrina
normativa. A questão sobre qual comportamento humano, como direito,
pode compor o objeto da sociologia, sobre como o comportamento fático dos
seres humanos caracterizados como direito é distinguível de outras condutas,
provavelmente pode ser respondida apenas da seguinte maneira: o ‘direito’
no sentido sociológico é o comportamento fático que é estipulado em uma
norma jurídica – no sentido de uma doutrina normativa – como condição ou
consequência. O sociólogo não observa esse comportamento – tal como o faz
o jurista – como o conteúdo de uma norma, mas como um fenômeno que
existe na realidade natural, isto é, em um nexo causal. O sociólogo busca suas
causas e feitos. A norma jurídica, como a expressão de um ‘dever’, não é para
ele, assim como o é para o jurista, o objeto de seu conhecimento; para o
sociólogo ela é um princípio de seleção. A função da norma jurídica para a
sociologia do direito é de designar seu objeto particular próprio, elevá-lo do
todo dos eventos sociais. Nessa medida a doutrina sociológica pressupõe a
doutrina normativa. Ela é um complemento da doutrina normativa”. KELSEN,
H. “The Pure Theory of Law and Analytical Jurisprudence”. In: KELSEN, Hans.
What is justice? Justice, law and politics in the mirror of science. Collected
Essays by Hans Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960, p. 270.
Cf. Id. “Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit besonderer
138 • Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai./ago., 2019
ÁGORA FILOSÓFICA
Conforme Kelsen a sociologia do direito sempre tem
que se ocupar de duas tarefas distintas, a descrição e a
previsão do direito como um fenômeno social.
Relativamente à função de previsão Kelsen destaca que tal
tarefa sempre envolve o risco do cometimento de falhas e
da apresentação de formulações imprecisas, pois no
melhor dos casos se atinge uma maior ou menor
probabilidade com respeito a acontecimentos futuros.30
Em virtude dessa característica do objeto de pesquisa da
sociologia Kelsen observa que seria melhor para a
sociologia se ocupar da descrição e identificação das
relações causais relacionadas com o direito como um
fenômeno social: “ela [a sociologia] precisa investigar as
ideologias através das quais os homens são influenciados
em suas atividades de criação e aplicação do direito”.31
Berücksichtigung von Freuds Theorie der Masse”. Imago, VIII.2, (1922), p. 100101. Cf. THIENEL, Rudolf. “Recht und Staat aus der Sicht der Reinen
Rechtslehre”. In: WALTER, Robert (Org.) Schwerpunkte der Reinen Rechtslehre.
Wien: Manz, 1992, p. 74.
30 “Enquanto o ordenamento jurídico como um todo for eficaz existe a maior
probabilidade de que os tribunais irão de fato decidir tal como – conforme a
perspectiva da ciência normativa – eles deveriam decidir. As atividades dos
órgãos criadores do direito, porém, especialmente dos órgãos legislativos, os
quais não estão vinculados por normas jurídicas vigentes ou estão apenas
vinculados em uma pequena medida, não podem ser previstas com qualquer
grau de probabilidade. A previsibilidade do funcionamento jurídico por parte
da doutrina sociológica é diretamente proporcional à medida na qual este
funcionar tem sido descrito pela doutrina normativa”. KELSEN, H. “The Pure
Theory of Law and Analytical Jurisprudence”. In: KELSEN, Hans. What is justice?
Justice, law and politics in the mirror of science. Collected Essays by Hans
Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960, p. 270-271.
31 Id. Ibid., p. 271. Com o mesmo objetivo em mente Kelsen também escreve:
“A teoria pura do direito se restringe a uma análise estrutural do direito
positivo baseada em um estudo comparativo dos ordenamentos sociais que
de fato existem e existiram na história sob o nome de direito. Portanto o
problema da origem do direito – do direito em geral ou de um ordenamento
jurídico particular –, ou seja, as causas do vir a existir do direito em geral ou
de um ordenamento jurídico particular com seu conteúdo específico, estão
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
• 139
ÁGORA FILOSÓFICA
Esses argumentos de Kelsen em favor da ideia de
que a sociologia deveria se ocupar da tarefa de identificar
e descrever as ideologias que atuam dentro dos
ordenamentos jurídicos podem ser vinculados aos seus
comentários sobre a relação entre a preferência individual
quanto à forma de estado e a análise psicológica da
natureza humana e das formas de caráter humanos. 32
Kelsen destaca que os indivíduos exibem preferências a
respeito de determinadas formas de estado ou fins do
estado33, por exemplo, alguns tendem a preferir a
satisfação das necessidades materiais, enquanto outros
dão prioridade à garantia de um amplo espaço de
além do escopo desta teoria. Eles são problemas da sociologia e da história e
como tais requerem métodos completamente diferentes daquele de uma
análise estrutural de ordenamentos jurídicos dados. [...] A teoria pura do
direito lida com o direito como um sistema de normas válidas criadas por atos
de seres humanos. Trata-se de uma abordagem jurídica para o problema do
direito. A sociologia e a história do direito tentam descrever e explicar o fato
de que os homens possuem uma ideia de direito, diferente em diferentes
tempos e locais, e o fato de que os homens conformam ou não seus
comportamentos a estas ideias”. KELSEN, H. “Law, State, and Justice in the
Pure Theory of Law”. In: KELSEN, Hans. What is justice? Justice, law and politics
in the mirror of science. Collected Essays by Hans Kelsen. Berkeley: University
of California Press, 1960, p. 293-294.
32 Cf. KELSEN, H. “Gott und Staat”. In: KLECATSKY, Hans R.; MARCIC, René;
SCHAMBECK, Herbert (Org.). Die Wiener rechtstheoretische Schule: Schriften
von Hans Kelsen, Adolf Merkl, Alfred Verdross. Band 1. Stuttgart: Franz Steiner
Verlag, 2010, p. 143-145. Id. “Staatsform und Weltanschauung”. In: KLECATSKY,
Hans R.; MARCIC, René; SCHAMBECK, Herbert (Org.). Die Wiener
rechtstheoretische Schule: Schriften von Hans Kelsen, Adolf Merkl, Alfred
Verdross. Band 2. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2010, p. 1577. Id. Reine
Rechtslehre. 2. Aufl. Tübingen: Mohr Siebeck, 2017, p. 343-345.
33 Cf. KELSEN, H. “Science and politics”. In: KELSEN, Hans. What is justice?
Justice, law and politics in the mirror of science. Collected Essays by Hans
Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960, p. 354-355. Id. “Value
judgments in the science of law”. Originalmente publicado em 1942. In:
KELSEN, Hans. What is justice? Justice, law and politics in the mirror of science.
Collected Essays by Hans Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960,
p. 228.
140 • Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai./ago., 2019
ÁGORA FILOSÓFICA
liberdade. São essas preferências oscilantes que, segundo
Kelsen, constituem o elemento principal para a
individualização de uma forma de estado, pois é tendo por
base essas preferências que os indivíduos irão considerar
uma determinada forma de estado como justa, como
adequada.34 Conforme essa perspectiva, as preferências
com respeito à forma de estado são o resultado de
fenômenos psicológicos pessoais, os quais são sempre as
manifestações
internas
das
personalidades
dos
35
indivíduos.
“Uma vez que o julgamento a respeito da liberdade individual, ou da
segurança econômica, ou de algo mais pressupõe um fim último ou um valor
supremo e que ele não permite uma justificação por um valor subsequente, a
única questão que pode ser colocada com respeito a um tal valor diz respeito
ao fato de que um indivíduo pressupõe a liberdade, outro a segurança, e um
terceiro algo diferente como um valor supremo. Ela é uma questão
psicológica, isto é, uma questão sobre a realidade, e não uma [questão] sobre
um valor. A investigação a respeito desse problema dificilmente pode ser
perseguida para além da afirmação de que a escolha entre pressuposições
diferentes é em última análise determinada pela personalidade do indivíduo
julgante em geral e pelo componente emocional de sua consciência em
particular. Um homem com uma forte autoconfiança pode preferir a
liberdade, enquanto um que sofre de um complexo de inferioridade pode
preferir a segurança econômica”. KELSEN, H. “Science and politics”. In: KELSEN,
Hans. What is justice? Justice, law and politics in the mirror of science.
Collected Essays by Hans Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960,
p. 355.
35
A respeito da maneira como Kelsen vincula as características de
personalidade com as preferências políticas Jabloner escreve o seguinte:
“Ainda existe outro aspecto da psicanálise que influenciou o pensamento de
Kelsen [...]. A ‘imagem de homem’ específica, a partir da qual Kelsen orientou
seus conceitos de democracia e de paz internacional, era claramente
influenciada por Sigmund Freud. [...] Kelsen examina o ‘caráter’ democrático e
encontra nele o tipo de pessoa que possui uma noção de ego relativamente
reduzida, o tipo de pessoa simpática, amante da paz e não-agressiva, uma
pessoa cuja tendência agressiva primária não é tanto direcionada para o
mundo exterior mas sim para si mesma, manifestando-se como uma
tendência à auto-crítica e em uma elevada disposição para um sentido de
culpa e responsabilidade. Conforme sua visão a democracia não formaria um
34
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
• 141
ÁGORA FILOSÓFICA
Esses fenômenos pessoais, escreve Kelsen, são o
resultado de características pessoais, as quais estão fora
do controle dos indivíduos: “seus julgamentos a respeito
do valor da liberdade e da segurança e, portanto, sua ideia
de justiça estão fundamentalmente baseados em nada
senão em seus sentimentos”36, de tal forma que uma
concordância a respeito da forma de estado mais
adequada é impossível, pois “uma vez que os homens
diferem e muito em seus sentimentos, suas ideias de
justiça são muito diferentes”.37 Será por conta dessa ideia
que Kelsen afirmará não ser possível atingir uma
compreensão unificada, aceita por todos os indivíduos, a
respeito da forma de estado mais adequada.
Com respeito ao emprego da psicologia a fim de
compreender a natureza do estado é necessário notar que
Kelsen desenvolveu uma análise crítica de algumas
investigações sociológicas do estado a partir de uma
perspectiva psicológica, as quais estariam em conflito com
a definição normativa de estado proposta por Kelsen,
conforme a qual o estado não seria nada senão o mesmo
terreno favorável ao princípio da autoridade. Ainda que faltem referências
explícitas a Freud aqui, encontramos uma reflexão sobre a construção do ego
ideal em sua dimensão social. De modo correspondente, o ideal coletivo é
baseado na concordância dos egos ideais individuais, no qual os indivíduos
substituem seu ego ideal pelo mesmo objeto, e portanto identificado tendo
por base seus egos. Portanto são conceitos chave por um lado a idealização, e
por outro a identificação. Kelsen obviamente vê em uma pessoa democrática
e raciona o ideal da ‘igualdade com o ‘você’’ substituindo a subjugação sob a
autoridade”. JABLONER, C. “Kelsen and his Circle: The Viennese Years”,
European Journal of International Law, n. 9, (1998), p. 384.
36 KELSEN, H. “Law, State, and Justice in the Pure Theory of Law”. In: KELSEN,
Hans. What is justice? Justice, law and politics in the mirror of science.
Collected Essays by Hans Kelsen. Berkeley: University of California Press, 1960,
p. 296.
37 Id. Ibid., loc. cit.
142 • Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai./ago., 2019
ÁGORA FILOSÓFICA
que o ordenamento jurídico válido.38 Em seu escrito “O
conceito de estado e a psicologia social”, Kelsen oferece
uma exposição crítica da tentativa de formular uma
explicação psicológica para a existência do estado, pois
segundo sua perspectiva os sociólogos se equivocam ao
distender “a moldura psicológica”, o que “acima de tudo
faz com que todas as investigações psicológicas sejam
apenas pensadas como psicologia individual”.39 Desse
modo, observa ele, apenas se conseguiria “caracterizar o
estado como uma realidade sócio-psicológica”, isto é,
“como uma comunidade formada conforme o esquema da
paralelidade de processos psíquicos”.40
Para Kelsen, a afirmação de que o estado existiria
como um efeito de um fenômeno psíquico social é
questionável, pois essa compreensão não é capaz de
esclarecer os fatos da variação de interesses e da
aceitação por parte dos submetidos ao estado. Conforme
Kelsen, não é possível explicar a existência do estado por
meio da aceitação de um elemento psicológico universal
(válido para todo o povo), pois a consciência individual, a
qual é a fonte de todos os elementos, encontra-se
submetida a grande variabilidade, a qual não é perceptível
quando se observa a estabilidade do estado existente. Por
isso não é possível tratar o estado como “uma massa
psicológica” na qual “os indivíduos que pertencem a um
estado precisariam se identificar uns com os outros”, pois
“não é possível se identificar com um número
38
Cf. KELSEN, H. Reine Rechtslehre. 2. Aufl. Tübingen: Mohr Siebeck, 2017, p.
501-508.
39 KELSEN, Hans. “Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit
besonderer Berücksichtigung von Freuds Theorie der Masse”. Imago, VIII.2,
(1922), p. 104.
40 Id. Ibid., p. 105.
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
• 143
ÁGORA FILOSÓFICA
desconhecido de indivíduos, nunca de fato conhecido e de
fato indeterminado”.41
Kelsen também analisa outra alternativa para a
descrição do estado, conforme a qual o estado poderia ser
identificado como o resultado de um processo, que teria
sido inicialmente exposto por Freud quando ele analisou a
relação entre os indivíduos e Deus.42 Conforme essa
perspectiva, o estado deveria ser compreendido como
uma pessoa, como uma entidade, a qual, de certa
maneira, existiria antes mesmo de o direito existir e que
originaria o direito.43 Entretanto uma tal compreensão não
compreenderia nada além de uma hipóstase, ela
consistiria na “tendência equivocada, [...] determinada
unicamente pela cognição, de resignificar através da
cognição determinadas relações em coisas fixas, [de
resignificar] a função como uma substância”.44 Essa
espécie de tratamento se manifesta claramente por meio
da substancialização de um ser, que existe simplesmente
como uma função, e a falha resulta da compreensão
insuficiente com respeito ao fato de que o evento exterior,
41 Id. Ibid., p. 122. Sobre o tema Müller escreve: “A psicologia é para Kelsen
inadequada para a explicação de fenômenos da socialização, pois ela está
vinculada ao indivíduo. Ele mapeia a especificidade da sociologia, a qual ele
identifica de modo correto [ao apontar] que ela possui manifestações
‘supraindividuais’ como objeto”. MÜLLER, C. “Hans Kelsens Staatslehre und die
marxistische Staatstheorie in organisationssoziologischer Sicht”. In: REINE
Rechtslehre und marxistische Rechtstheorie. Wien: Manz, 1978, p. 177.
42 Sobre o emprego das teorias de Freud por parte de Kelsen, cf. JABLONER, C.
“Kelsen and his Circle: The Viennese Years”, European Journal of International
Law, n. 9, (1998), p. 383.
43 Cf. KELSEN, H. “Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit
besonderer Berücksichtigung von Freuds Theorie der Masse”. Imago, VIII.2,
(1922), p. 138-139.
44 KELSEN, H. “Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit
besonderer Berücksichtigung von Freuds Theorie der Masse”. Imago, VIII.2,
(1922), p. 138.
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ÁGORA FILOSÓFICA
o qual exibe a função, não é o responsável pela existência
da função como tal.45 Segundo Kelsen o estado existe
como uma função e não deve ser confundido com os
objetos que exteriorizam o estado e o tornam visível,
assim como a dilatação térmica não deve ser confundida
com os objetos que se expandem em virtude da elevação
da temperatura.46
Com respeito à tendência à personificação do
estado, Kelsen também escreve que “[p]sicologicamente, a
propósito – e apenas psicologicamente – compreende-se
essa tendência à personificação e à hipóstase, essa
tendência à substancialização”47, e logo após oferecer este
comentário ele justifica da seguinte maneira a rejeição de
uma explicação psicológica da natureza do estado:
O
estado
transcendente
ao
direito,
metajurídico, o qual em verdade não é nada
Kelsen descreve a falha da seguinte maneira: “O ‘poder’ do estado pode se
exteriorizar apenas através de meios [de exercício] do poder, os quais estão à
disposição do governo: nas fortalezas e prisões, nos canhões e nas forcas, nas
pessoas uniformizadas como policiais e soldados. Mas essas fortalezas e
prisões, esses canhões e forcas são objetos inanimados; eles se tornarão
instrumentos do poder estatal apenas na medida em que eles forem
manuseados pelos comandados, pelo governo, na medida em que os policiais
e soldados sigam as normas, as quais regulam seus comportamentos. O
poder do estado não é uma força mística ou uma instância que se oculta por
trás do estado ou de seu direito; ele não é nada senão a efetivação do
ordenamento jurídico estatal”. KELSEN, H. Reine Rechtslehre. 2. Aufl.
Tübingen: Mohr Siebeck, 2017, p. 292-293. Cf. KELSEN, H. Der soziologische
und der juristische Staatsbegriff. Kritische Untersuchung des Verhältnisses
von Staat und Recht. 2. Auf. Tübingen: Mohr Siebeck, 1928, p. 89-90.
46 Cf. SCHÖNBERGER, C. “Hans Kelsens ‘Hauptprobleme der Staatsrechtslehre’.
Der Übergang vom Staat als Substanz zum Staat als Funktion”. In: JESTAEDT,
Matthias (Org.), Hans Kelsen Werke. Veröffentlichte Schriften 1911. Band. 2,
Halbband I. Tübingen: Mohr Siebeck, 2008. p. 27-28.
47 KELSEN, H. “Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit
besonderer Berücksichtigung von Freuds Theorie der Masse”. Imago, VIII.2,
(1922), p. 139.
45
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
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ÁGORA FILOSÓFICA
senão uma personificação hipostasiada, [...]
corresponde
precisamente
ao
Deus
transcendente supranatural da natureza, o
qual não é nada senão a personificação
grandiosa e antropomórfica da unidade desta
natureza. Assim como a teologia tenta
superar esse dualismo criado por ela mesma,
[...] também a teoria do estado e do direito
está forçada relacionar o estado metajurídico
ao direito e o direito extraestatal ao estado. A
teologia – não apenas a cristã – tenta
solucionar seu problema pela via mística: por
meio do vir a ser homem de Deus, o Deus
sobremundano
se
torna
mundo,
respectivamente [o estado] se torna humano
por meio de seus representantes. A solução
que a teoria do direito e do estado tenta é a
mesma. É a teoria da denominada autoobrigação ou autolimitação do estado, em
virtude da qual o estado sobrejurídico se
torna pessoa, se submete de modo voluntário
ao seu próprio ordenamento jurídico, isto é,
criado por ele mesmo, e se torna a partir de
seu poder extrajurídico um ser jurídico,
direito.48
Por meio das análises acima apresentadas, é
oferecida uma explicação sobre os motivos para a rejeição
de uma explicação psicológica dos motivos para a
obediência das normas e para a existência do estado.
Kelsen identifica o fenômeno da personificação do estado
e se preocupa em indicar as razões pelos quais a questão
sobre o motivo dos comportamentos humanos não será
respondida, e ele também argumenta que as tentativas
psicológicas não são capazes de explicar a natureza da
48
Id. Ibid., p. 139-140.
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ÁGORA FILOSÓFICA
forma de estado eventualmente adotada.
5 Considerações finais
Conforme acima apontado, a meta do Círculo de
Viena era o desenvolvimento de uma estrutura da
realidade que fosse lógica e livre de contradições, que
deveria ser elaborada tendo em conta e incluindo os
conhecimentos das diferentes ciências a fim de promover
a unificação das ciências. O pensamento de Kelsen se
alinha com os objetivos do Círculo de Viena, pois Kelsen
possuía o interesse em desenvolver uma investigação
unificada e elaborar uma apresentação unificada dos seus
objetos de estudo. O vínculo estreito entre Kelsen e o
Círculo de Viena torna-se absolutamente claro e
indiscutível quando se considera o afirmado por ele em
sua obra Sociedade e natureza. Além disso também é
importante destacar que a proximidade do pensamento
de Kelsen com o Círculo de Viena remonta à rejeição,
professada por ele já em 1911, do sincretismo
metodológico, bem como sua conexão com as
consequências de tal postura intelectual, principalmente
aquelas relacionadas às críticas elaboradas a certa
corrente da sociologia do direito e da psicologia social.
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Matheus Pelegrino da Silva
Doutor em Direito pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg e
doutor em Filosofia pela UNISINOS. Concluiu um pós-doutorado
no exterior junto à Faculdade de Direito da Albert-LudwigsUniversität Freiburg (2018-2019) e anteriormente outro pósdoutorado, desta vez junto ao PPG Direito UNISINOS (20162018).
E-mail: mathpelegrino@hotmail.com
Submetido: 08/06/2019
Aprovado: 08/07/2019
Ágora Filosófica, Recife, v. 19, n. 2, p. 117-151, mai/ago., 2019
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