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CP IURIS-Direito Administrativo (2022)

ORGANIZADO POR CP IURIS ISBN 978-65-5701-038-9 DIREITO ADMINISTRATIVO 3ª edição Brasília 2022 SOBRE A AUTORA FLÁVIA LIMMER. Pós-Doutora (2017) e Doutora em Direito (2013) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ . Possui graduação (2001) e mestrado (2004) em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Foi bolsista Nota 10 pela FAPERJ (bolsa prêmio por mérito acadêmico). É professora adjunta na PUC-Rio, lecionando nos cursos de graduação e especialização, e foi coordenadora adjunta do Instituto de Direito da mesma Instituição. Leciona ainda nos cursos de especialização da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ), no CEPED - UERJ, no IBMEC e na FGV. Foi pesquisadora da ANP (Agência Nacional do Petróleo) nas áreas de meio ambiente e regulação do petróleo. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Ambiental, Direito do Petróleo (regulação), Direito Constitucional e Direito Administrativo, atuando principalmente nos seguintes temas: princípios, teoria do risco, relações entre economia e meio ambiente, biocombustíveis, sustentabilidade e exploração e produção do petróleo e do gás. SUMÁRIO CAPÍTULO 1 - NOÇÕES PRELIMINARES .......................................................................................................................14 1. O ESTADO E SUAS FUNÇÕES .......................................................................................................................................15 1.1. Função Administrativa.................................................................................................................................16 1.2. Administração Pública .................................................................................................................................16 2. FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO ..........................................................................................................................17 3. SISTEMAS ADMINISTRATIVOS .....................................................................................................................................18 4. REFORMA ADMINISTRATIVA .......................................................................................................................................18 4.1. Contrato de Gestão .....................................................................................................................................19 4.2. Agências Executivas ....................................................................................................................................19 4.3. Agências Reguladoras .................................................................................................................................20 4.4. Terceiro Setor ..............................................................................................................................................20 4.5. Gestão Pública e Serviços Públicos ...............................................................................................................20 5. TENDÊNCIAS NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO ....................................................................................................21 5.1. Supremacia do Interesse Público sobre o Privado .........................................................................................21 5.2. Princípio da Subsidiariedade ........................................................................................................................21 5.3. Formas Consensuais como Instrumento de Resolução de Problemas da Administração ................................22 5.4. Administração Dialógica ..............................................................................................................................23 CAPÍTULO 2 - REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO ...................................................................................................25 1. CONTEÚDO DO REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO ........................................................................................................26 1.1. Princípios da Administração Pública.............................................................................................................26 1.2. Princípios Constitucionais Expressos ............................................................................................................29 2. JURISPRUDÊNCIA .....................................................................................................................................................45 2.1. Súmulas do STF ...........................................................................................................................................45 2.2. Súmulas do STJ ............................................................................................................................................46 2.3. Informativos do STF .....................................................................................................................................46 2.4. Informativos do STJ .....................................................................................................................................47 CAPÍTULO 3 - ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.....................................................................................52 1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................53 2. ÓRGÃOS PÚBLICOS ..................................................................................................................................................54 2.1. Classificação dos órgãos ..............................................................................................................................55 3. AUTARQUIAS .........................................................................................................................................................55 3.1 Universidades...............................................................................................................................................57 3.2 Autarquias corporativas ...............................................................................................................................57 3.3. OAB ............................................................................................................................................................58 3.4. Agências reguladoras ..................................................................................................................................59 3.5. Teoria do Risco da Captura ..........................................................................................................................60 3.6. Deslegalização e Teoria Função Regulatória ................................................................................................61 4. FUNDAÇÕES PÚBLICAS ..............................................................................................................................................62 4.1. Fundações públicas de direito público ..........................................................................................................63 4.2. Fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado ...............................................................63 4.3. Agências executivas ....................................................................................................................................63 5. EMPRESAS ESTATAIS.................................................................................................................................................64 5.1. Empresas Públicas .......................................................................................................................................64 5.2. Sociedades de Economia Mista ....................................................................................................................65 5.3. Criação e extinção .......................................................................................................................................65 5.4. Subsidiárias .................................................................................................................................................66 5.5. Controle e regime de pessoal .......................................................................................................................66 5.6. Regime jurídico aplicável às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista .........................................67 5.7. Regime híbrido aplicável às estatais ............................................................................................................68 5.8. Falência e recuperação judicial ....................................................................................................................69 5.9. Lei das Empresas Estatais (Lei n.º 13.303/2016) ...........................................................................................70 6. GESTÃO ASSOCIADA ................................................................................................................................................71 6.1. Consórcio público ........................................................................................................................................71 6.2. Convênio Público .........................................................................................................................................73 6.3. Contrato de rateio .......................................................................................................................................74 6.4. Contrato de programa .................................................................................................................................74 7. TESES DO STJ .........................................................................................................................................................75 7.1.Organização administrativa .........................................................................................................................75 7.2. Conselhos....................................................................................................................................................76 8. JURISPRUDÊNCIA .....................................................................................................................................................77 8.1.Súmulas do STF ............................................................................................................................................77 8.2. Súmulas do STJ ............................................................................................................................................77 8.3. Informativos do STF .....................................................................................................................................78 8.4. Informativos do STJ .....................................................................................................................................79 CAPÍTULO 4 - TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO ........................................................................................83 1. ENTIDADES DE APOIO ..............................................................................................................................................85 2. CERTIFICADO DE UTILIDADE PÚBLICA FEDERAL (UPF) ........................................................................................................86 3. ENTIDADES COM CERTIFICADO DE ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CEBAS) ....................................................86 4. INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR (ICES) ..........................................................................................87 5. SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMO (SISTEMA “S”) ...............................................................................................................87 6. ORGANIZAÇÃO SOCIAL (OS) ......................................................................................................................................88 7. ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP) ...................................................................................89 8. A LEI N.º 13.019/2014 E AS PARCERIAS COM ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL .................................................................90 9. CHAMAMENTO PÚBLICO ...........................................................................................................................................91 10. DIFERENÇAS ENTRE OSCIP’S E OS’S ..........................................................................................................................91 11. QUARTO SETOR ....................................................................................................................................................92 10. JURISPRUDÊNCIA ...................................................................................................................................................92 10.1. Informativos do STJ ...................................................................................................................................92 CAPÍTULO 5 - ATOS ADMINISTRATIVOS .....................................................................................................................96 1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................97 2. ATOS ADMINISTRATIVOS X FATOS ADMINISTRATIVOS ........................................................................................................97 3. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO ........................................................................................................................................97 4. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS PELA ADMINISTRAÇÃO ............................................................................................97 5. ATOS DA ADMINISTRAÇÃO E ATOS ADMINISTRATIVOS .......................................................................................................98 6. FASES DE CONSTITUIÇÃO DE UM ATO ADMINISTRATIVO .....................................................................................................98 7. FORMAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ......................................................................................................................99 8. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES ........................................................................................................................................ 100 9. REQUISITOS DE VALIDADE OU ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO .................................................................................. 100 9.1. Elementos do ato por Celso Antônio Bandeira de Melo .............................................................................. 100 9.2. Elementos tradicionais do ato administrativo ............................................................................................ 101 10. MÉRITO ADMINISTRATIVO ..................................................................................................................................... 105 11. ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO ....................................................................................................................... 106 12. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS .............................................................................................................. 109 13. ESPÉCIES DE ATOS ADMINISTRATIVOS ........................................................................................................................ 111 14. EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS .................................................................................................................... 114 15. CONVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................................................................................. 116 16. PRAZO PARA REVISÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ...................................................................................................... 117 17. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................. 117 17.1. Súmulas do STF ....................................................................................................................................... 117 17.2. Súmulas do STJ ........................................................................................................................................ 117 CAPÍTULO 6 - PODERES ADMINISTRATIVOS .............................................................................................................120 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 121 2. ABUSO DE PODER .................................................................................................................................................. 121 3. PODER DISCRICIONÁRIO E PODER VINCULADO ............................................................................................................... 121 4. CLASSIFICAÇÃO DOS PODERES ADMINISTRATIVOS ........................................................................................................... 122 4.1. Poder regulamentar (poder normativo) ..................................................................................................... 122 4.2. Poder hierárquico ...................................................................................................................................... 123 4.3. Poder disciplinar........................................................................................................................................ 124 4.4. Poder de polícia......................................................................................................................................... 124 5. TESES DO STJ ....................................................................................................................................................... 129 6. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................... 130 6.1. Súmulas STF .............................................................................................................................................. 130 6.2. Súmulas STJ............................................................................................................................................... 131 6.3. Informativos do STF ................................................................................................................................... 131 6.4. Informativos do STJ ................................................................................................................................... 131 CAPÍTULO 7 - AGENTES PÚBLICOS............................................................................................................................134 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 135 2. CLASSIFICAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................................................... 135 2.1. Agente político .......................................................................................................................................... 135 2.2. Servidores públicos .................................................................................................................................... 136 2.3. Militares ................................................................................................................................................... 138 2.4. Particulares em colaboração com o Poder Público ..................................................................................... 138 3. CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS ................................................................................................................... 139 3.1. Cargo público ............................................................................................................................................ 139 3.2. Emprego público ....................................................................................................................................... 139 3.3. Função pública .......................................................................................................................................... 140 4. REGIME JURÍDICO DO SERVIDOR ................................................................................................................................ 140 5. CONDIÇÕES DE INGRESSO ........................................................................................................................................ 141 6. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO .............................................................................................................................. 142 7. CONTROLE DOS CONCURSOS PÚBLICOS ....................................................................................................................... 143 8. RESERVA DE VAGAS................................................................................................................................................ 144 9. PROVIMENTO E VACÂNCIA ....................................................................................................................................... 145 10. CRIAÇÃO DE CARGOS ............................................................................................................................................ 147 11. REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES ............................................................................................................................ 147 12. PERDA DO CARGO DO SERVIDOR ESTÁVEL ................................................................................................................... 149 13. RESPONSABILIDADE DOS SERVIDORES ....................................................................................................................... 151 14. ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS .......................................................................................... 152 15. ESTABILIDADE, VITALICIEDADE E ESTÁGIO PROBATÓRIO .................................................................................................. 154 16. DIREITO DE GREVE ............................................................................................................................................... 155 17. TESES DO STJ: CONCURSO PÚBLICO, SERVIDORES ........................................................................................................ 156 17.1. Concurso Público ..................................................................................................................................... 156 17.2. Servidores ............................................................................................................................................... 159 17.3. Remuneração .......................................................................................................................................... 160 18. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................. 163 18.1. Súmulas STF ............................................................................................................................................ 163 18.2. Súmulas do STJ ........................................................................................................................................ 164 18.3. Informativos STF...................................................................................................................................... 164 18.4. Informativos STJ ...................................................................................................................................... 166 CAPÍTULO 8 - LICITAÇÕES PÚBLICAS ........................................................................................................................170 1. CONCEITO ........................................................................................................................................................... 171 2. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS ............................................................................................................................. 172 3. OBJETO .............................................................................................................................................................. 172 4. FINALIDADES DA LICITAÇÃO ...................................................................................................................................... 172 5. DESTINATÁRIOS DAS REGRAS LICITATÓRIAS ................................................................................................................... 172 6. PRINCÍPIOS GERAIS DA LICITAÇÃO .............................................................................................................................. 173 7. CONTRATAÇÃO DIRETA ........................................................................................................................................... 175 7.1. Dispensa de licitação ................................................................................................................................. 175 7.2. Inexigibilidade de licitação......................................................................................................................... 180 8. PROCEDIMENTO DA LICITAÇÃO .................................................................................................................................. 181 8.1. Fase interna .............................................................................................................................................. 181 8.2. Fase externa.............................................................................................................................................. 182 9. MODALIDADES DE LICITAÇÃO ................................................................................................................................... 186 10. TIPOS DE LICITAÇÃO ............................................................................................................................................. 192 11. RECURSOS......................................................................................................................................................... 192 12. ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DA LICITAÇÃO ................................................................................................................... 193 13. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE PUBLICIDADE ............................................................................................... 193 14. SISTEMA DE COTAÇÃO ELETRÔNICA .......................................................................................................................... 194 15. LICITAÇÕES PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE ................................................................................ 194 16. REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES (RDC) ...................................................................................................... 195 16.1. Regras aplicáveis às licitações do RDC...................................................................................................... 196 16.2. Fases do RDC ........................................................................................................................................... 197 16.3. Publicidade no RDC.................................................................................................................................. 197 16.4. Modos de disputa .................................................................................................................................... 198 16.5. Critérios de julgamento ........................................................................................................................... 198 16.6. Critérios de desempate ............................................................................................................................ 198 16.7. Recursos.................................................................................................................................................. 199 16.8. Regras aplicáveis aos contratos do RDC ................................................................................................... 199 16.9. Sanções administrativas .......................................................................................................................... 199 17. LICITAÇÕES NA LEI N.º 13.303/16 .......................................................................................................................... 200 18. LEI N.º 14.133/2021, O NOVO MARCO LEGAL EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ............................................. 202 18.1 Aplicação e vigência ................................................................................................................................. 202 18.2 Objetivos da Licitação............................................................................................................................... 203 18.3 Novos princípios ....................................................................................................................................... 203 18.4 Função regulatória da licitação................................................................................................................. 205 18.5 Agentes Públicos (arts. 7º ao 10). ............................................................................................................. 207 18.6 Fases da licitação ..................................................................................................................................... 207 18.7. Critérios de julgamento ........................................................................................................................... 209 18.8 Modalidades de Licitação ......................................................................................................................... 209 18.9 Diretrizes do processo de contratação direta : inexigibilidade (art. 73) e dispensa de licitação (art. 74) ...... 211 18.10 Procedimentos Auxiliares........................................................................................................................ 214 18.11 Building Information Modelling – BIM..................................................................................................... 217 18.12 Licitação internacional............................................................................................................................ 217 18.13 Utilização de meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias............................................ 217 18.14 Portal Nacional de Contratações Públicas ............................................................................................... 218 18.15 Prazo indeterminado (art. 108) e prorrogação automática (art. 110) ...................................................... 218 18.16 Regulação do parecer jurídico ................................................................................................................. 218 18.17 Sobrepreço e superfaturamento ............................................................................................................. 218 18.18 Crimes e punições administrativas (art. 155 e art. 178) ........................................................................... 219 18.19 Alterações nos contratos ........................................................................................................................ 219 19. MARCO LEGAL DAS STARTUPS (LC 182/2021) .......................................................................................................... 219 19.1 Sanbox Regulatório .................................................................................................................................. 221 20. TESES DO STJ ..................................................................................................................................................... 221 21. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................. 222 21.1. Informativos do STF ................................................................................................................................. 222 21.2. Informativos do STJ ................................................................................................................................. 223 CAPÍTULO 9 - CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ........................................................................................................227 1. CONCEITO ........................................................................................................................................................... 228 2. ESPÉCIES ............................................................................................................................................................. 228 3. PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS................................................................................................................................. 229 4. VIGÊNCIA DOS CONTRATOS ...................................................................................................................................... 232 5. PRORROGAÇÃO CONTRATUAL ................................................................................................................................... 233 6. ALTERAÇÕES CONTRATUAIS ...................................................................................................................................... 234 7. ADITIVO E APOSTILA ............................................................................................................................................... 236 8. EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO CONTRATO ....................................................................................................... 236 9. TEORIA DA IMPREVISÃO .......................................................................................................................................... 238 10. MATRIZ DE RISCOS .............................................................................................................................................. 239 11. EXECUÇÃO DO CONTRATO ..................................................................................................................................... 240 12. MEDIAÇÃO E AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .................................................... 241 13. INEXECUÇÃO E DA RESCISÃO DOS CONTRATOS ............................................................................................................. 243 14. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS ................................................................................................................................... 246 15. GARANTIAS........................................................................................................................................................ 247 16. OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA OU RETOMADA DO OBJETO CONTRATUAL ................................................................................. 248 17. NULIDADE DOS CONTRATOS ................................................................................................................................... 248 18. CONTRATAÇÃO INTEGRADA OU SEMI-INTEGRADA ......................................................................................................... 249 19. CONTRATO DE EFICIÊNCIA ...................................................................................................................................... 249 20. SERVIÇO CONTÍNUO ............................................................................................................................................. 249 21. CONSÓRCIOS PÚBLICOS ......................................................................................................................................... 250 22. CONVÊNIOS ....................................................................................................................................................... 250 23. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................. 250 23.1. Informativos do STF ................................................................................................................................. 250 CAPÍTULO 10 - SERVIÇOS PÚBLICOS .........................................................................................................................255 1. CONCEITOS E ELEMENTOS ........................................................................................................................................ 256 2. PRINCÍPIOS .......................................................................................................................................................... 256 3. CLASSIFICAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ......................................................................................................................... 258 4. REMUNERAÇÃO .................................................................................................................................................... 259 5. PRESTAÇÃO E EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ......................................................................................................... 259 6. SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO SONORA E DE SONS E IMAGENS .............................................................................................. 262 7. CONTRATOS DE CONCESSÕES COMUNS ....................................................................................................................... 262 8. CONTRATOS DE CONCESSÕES ESPECIAIS (PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA)............................................................................... 265 9. SOCIEDADES DE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE’S). .......................................................................................................... 267 10. CONCESSÕES PATROCINADAS ................................................................................................................................. 268 11. PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE ( PMI)............................................................................................. 268 12. TESES DO STJ ..................................................................................................................................................... 269 13. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................. 269 13.1. Informativos do STF ................................................................................................................................. 269 13.2. Informativos do STJ ................................................................................................................................. 271 CAPÍTULO 11 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO .............................................................................................275 1. TEORIAS ............................................................................................................................................................. 276 2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO ........................................................................................... 278 3. RESPONSABILIDADE DOS NOTÁRIOS ............................................................................................................................ 280 4. REQUISITOS PARA A DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE ESTATAL ................................................................................ 280 5. CAUSAS EXCLUDENTES E ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE ........................................................................................... 280 6. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS DECORRENTES DE SUA OMISSÃO ....................................................................... 281 7. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS ................................................................................................. 281 8. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS DECORRENTES DE SUA OMISSÃO LEGISLATIVA ....................................................... 282 9. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS JUDICIAIS ...................................................................................................... 282 10. A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DE OBRAS PÚBLICAS ........................................................................ 282 11. PRESCRIÇÃO ....................................................................................................................................................... 283 12. SUJEITO PASSIVO DA LIDE ...................................................................................................................................... 283 13. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS CAUSADOS POR ATOS TERRORISTAS ................................................................. 283 14. RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA PERDA DE UMA CHANCE ........................................................................................ 284 15 ERROS MÉDICOS E SUS .......................................................................................................................................... 284 16 CONCURSO PÚBLICO E FRAUDE ................................................................................................................................ 284 17. TESES DO STJ SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ............................................................................................ 284 18. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................. 285 18.1. Informativos do STF ................................................................................................................................. 286 18.2. Informativos do STJ ................................................................................................................................. 287 CAPÍTULO 12 - BENS PÚBLICOS ................................................................................................................................291 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 292 2. BENS DAS EMPRESAS PÚBLICAS E DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA ............................................................................. 292 3. CLASSIFICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS .......................................................................................................................... 292 4. POSSIBILIDADE DO USO DE BEM PÚBLICO PELO PARTICULAR .............................................................................................. 293 4.1. Instrumentos estatais de outorga de títulos para que o uso de bens públicos seja utilizado pelo particular . 293 4.2. Instrumentos privados de outorga de títulos para uso exclusivo de bens públicos por particulares .............. 294 5. BENS PÚBLICOS EM ESPÉCIE ..................................................................................................................................... 295 6. TESES DO STJ ....................................................................................................................................................... 296 7. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................... 297 7.1. Súmulas do STF ......................................................................................................................................... 297 7.2. Súmulas do STJ .......................................................................................................................................... 297 7.3. Informativos do STF ................................................................................................................................... 298 7.4. Informativos do STJ ................................................................................................................................... 298 CAPÍTULO 13 - INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO ...................................................................301 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 302 2. PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA ........................................................................................................................... 302 3. ATUAÇÃO REGULATÓRIA ......................................................................................................................................... 303 4. INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA ........................................................................ 303 5. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................... 304 5.1. Súmulas do STF ......................................................................................................................................... 304 5.2. Informativos do STF ................................................................................................................................... 305 5.3. Informativos do STJ ................................................................................................................................... 305 CAPÍTULO 14 - PROCESSO ADMINISTRATIVO ...........................................................................................................308 1. PRINCÍPIOS .......................................................................................................................................................... 309 2. COMPETÊNCIA ...................................................................................................................................................... 313 3. PECULIARIDADES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO .......................................................................................................... 314 3.1. Atos processuais........................................................................................................................................ 314 3.2. Pareceres e laudos técnicos ....................................................................................................................... 314 3.3. Tramitação prioritária ............................................................................................................................... 314 3.4. Recurso administrativo, coisa julgada administrativa e revisão .................................................................. 314 3.5. Preclusão .................................................................................................................................................. 315 3.6. Processo administrativo e súmula vinculante ............................................................................................. 315 3.7. Processo administrativo disciplinar ............................................................................................................ 316 4. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR ............................................................................................................................ 318 5. TESES DO STJ ....................................................................................................................................................... 319 6. TESES DO STF .................................................................................................................................................... 319 7. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................... 324 7.1. Súmulas do STF ......................................................................................................................................... 324 7.2. Súmulas do STJ .......................................................................................................................................... 324 7.3. Informativos do STF ................................................................................................................................... 325 7.4. Informativos do STJ ................................................................................................................................... 325 CAPÍTULO 15 - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA .....................................................................................................329 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 330 2. ELEMENTOS DO ATO DE IMPROBIDADE ........................................................................................................................ 332 2.1. Sujeito passivo .......................................................................................................................................... 332 2.2. Sujeito ativo .............................................................................................................................................. 332 2.3. Ato de improbidade ................................................................................................................................... 333 2.4. Elemento subjetivo .................................................................................................................................... 337 3. SANÇÕES POSSÍVEIS ............................................................................................................................................... 337 4. GRADAÇÃO DAS SANÇÕES ........................................................................................................................................ 338 5. DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS E JUDICIAL .............................................................................................................. 339 6. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO ............................................................................................................................ 340 7. PRESCRIÇÃO ........................................................................................................................................................ 340 8. MODIFICAÇÕES PELA LEI Nº 14.230/21 ..................................................................................................................... 341 9. RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DE PESSOAS JURÍDICAS PELA PRÁTICA DE ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO (LEI Nº 12.846/13) ........ 341 10. TESES DO STJ ..................................................................................................................................................... 344 11. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................. 346 11.1. Súmulas do STJ ........................................................................................................................................ 346 11.2. Informativos STF...................................................................................................................................... 346 11.3. Informativos STJ ...................................................................................................................................... 347 CAPÍTULO 16 - CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .......................................................................................350 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 351 2. CLASSIFICAÇÃO DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO ........................................................................................................ 351 3. CONTROLE EXERCIDO PELA PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO (RECURSOS ADMINISTRATIVOS) ............................................................ 352 3.1. Espécies de recursos administrativos ......................................................................................................... 352 4. CONTROLE LEGISLATIVO .......................................................................................................................................... 353 5. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................... 355 5.1. Informativos STJ ........................................................................................................................................ 355 CAPÍTULO 17 - INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE .................................................................................357 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 358 2. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA .................................................................................................................................... 358 3. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA ..................................................................................................................................... 359 4. OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA ........................................................................................................................................ 360 5. REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA .................................................................................................................................. 360 6. TOMBAMENTO ..................................................................................................................................................... 362 7. DESAPROPRIAÇÃO ................................................................................................................................................. 364 7.1. Base legal.................................................................................................................................................. 365 7.2. Competência ............................................................................................................................................. 366 7.3. Modalidades de desapropriação ................................................................................................................ 366 7.4. Desapropriação indireta e desapropriação por zona .................................................................................. 369 7.5. Procedimento da desapropriação .............................................................................................................. 370 8. TESES DO STJ ....................................................................................................................................................... 372 8.1. Intervenção do Estado na Propriedade....................................................................................................... 372 8.2. Desapropriação ......................................................................................................................................... 373 9. JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................................... 375 9.1. Súmulas do STF ......................................................................................................................................... 375 9.2. Súmulas do STJ .......................................................................................................................................... 375 9.3. Informativos do STF ................................................................................................................................... 376 9.4. Informativos do STJ ................................................................................................................................... 377 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................................381 FLÁVIA LIMMER 1 NOÇÕES PRELIMINARES • 1 NOÇÕES PRELIMINARES 14 FLÁVIA LIMMER NOÇÕES PRELIMINARES • 1 1. O ESTADO E SUAS FUNÇÕES Tradicionalmente, o Estado é uma instituição organizada social, jurídica e politicamente, detentora de personalidade jurídica de direito público e de poder soberano. Por meio das instituições e do governo, tem como função gerir os interesses de um povo dentro de um território. O art. 1º da CF/88 traz os fundamentos do Estado Democrático de Direito, a saber: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político. No Brasil adota-se a forma federativa de Estado, prevista no art. 1º caput e art. 60, § 4º, I, ambos da CF/88. Ou seja, é a maneira como se dá a distribuição de Poder no espaço territorial. Neste modelo há uma dispersão do poder político. Os entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) são dotados de autonomia, sendo a soberania atributo da República Federativa do Brasil ou o Estado Federal. Não se deve confundir soberania com autonomia. A República Federativa do Brasil, que representa o conjunto dos membros integrantes da federação, é munida de soberania. Os demais integrantes da federação, incluída aí a União, são dotados de autonomia, possuindo independência para agir dentro dos limites e parâmetros impostos pela constituição, as chamadas competências constitucionais. Sendo assim, a lei federal não se confunde com a lei nacional. Em outras palavras, a lei federal regula apenas ações do ente federativo União, como por exemplo a Lei n.º 8.112/1990, que só será aplicada aos servidores públicos federais. Já a lei nacional vincula todos os entes federativos, ou ainda, na repartição vertical de competências prevista nos art. 24 e art. 30, II CF/88, poderá ser norma geral, servindo como parâmetro para os estados-membros, o Distrito Federal e os municípios, que irão suplementá-la através de suas normas, visando atender às suas peculiaridades regionais e locais. Assim, inexiste relação de subordinação ou de hierarquia entre os entes federativos: cada um atua dentro dos limites de suas competências, delineadas nos arts. 21, 22, 23, 24 e 30 da CF/88. Visando o atendimento da coletividade, o Estado deve desenvolver três funções. Trata-se da Separação de Poderes, proposta por Montesquieu1 como forma de evitar abusos de poder e adotada pelo art. 2º CF/88. São elas: • • • Função legislativa: exercida principalmente pelo Poder Legislativo, cuja atuação principal é de legislar e de fiscalizar (art. 44 e seguintes da CF); Função executiva: exercida principalmente pelo Poder Executivo, cuja atuação principal é de administrar (art. 76 e seguintes da CF). Esta função é, basicamente, o objeto do Direito Administrativo; Função judicial ou jurisdicional: exercida principalmente pelo Poder Judiciário, cuja atuação principal é de julgar e colaborar na autocomposição de conflitos (art. 92 e seguintes CF/88). Os três Poderes exercem funções típicas e atípicas. As primeiras são aquelas que nomeiam o Poder, já que constituem sua atuação central. As funções atípicas são aquelas em que um Poder exerce, excepcionalmente e com autorização legal, a função que preponderantemente é atribuída a outro Poder. Por exemplo, em situações previstas pela Constituição o Poder Executivo poderá legislar, tal como acontece nas medidas provisórias previstas no art. 64 CF/88. Disto conclui-se que todos os quatros entes federativos possuem Poderes Legislativos e Executivos próprios; já a União, os Estados-membros possuem Poder Judiciário. A Constituição traz, ainda, as funções essenciais à justiça, sendo essas: • • • 1 o Ministério Público (art. 127 e seguintes da CF/88); a Advocacia Pública (art. 131 e 132 da CF/88); a Advocacia (art. 133 da CF/88); MONTESQUIEU. O Espírito das Leis 9ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2010. 15 FLÁVIA LIMMER • NOÇÕES PRELIMINARES • 1 a Defensoria Pública (art. 134 e 135 da CF/88). 1.1. Função Administrativa Como visto acima a função administrativa é tipicamente exercida pelo Poder Executivo. Entretanto, existem casos em que os Poderes Legislativo e Judiciário atipicamente a também a exercem: quando realizam concurso público, quando licitam para a compra de bens e aquisições de serviços, organizam folha de pagamento e licenças de servidores, dentre outros. Assim é possível identificar a função administrativa pelo seu caráter residual. Quando não se trata de atividade legislativa ou jurisdicional, será administrativa. A doutrina identifica a função administrativa por meio de três critérios: • • • Critério subjetivo (orgânico) – observa-se o sujeito que exerce a ação, ou seja, o órgão. Critério objetivo-material – observa-se o conteúdo da matéria tratada. Ou seja, pela atividade exercida – poder de polícia, intervenção na ordem econômica ou na propriedade privada. Critério objetivo-formal – observa-se a forma do regime que disciplina o assunto ou atividade (se regime de direito público ou de direito privado). A função administrativa do Estado compreende diversas atividades, tais como: • • • • Serviço público – atividade ou serviço prestado que visa proporcionar comodidade aos administrados. Poder de polícia – atividade que restringe o exercício das liberdades individuais em prol da coletividade. Fomento – atividade administrativa que estimula a iniciativa privada. Intervenção – atividade da administração no domínio econômico, seja direta (o Estado exerce atividade econômica) ou indiretamente (o Estado regulamenta o exercício ou fiscaliza a atividade econômica). O Poder Executivo (seja ele federal, estadual, distrital ou municipal) atua através do Governo (fixação dos objetivos e políticas públicas) e pela Administração Pública (execução das atividades). 1.2. Administração Pública O conceito de “administração pública” gera divergências doutrinárias, uma vez que pode ser entendido como as tarefas e objetivos que compõe os objetivos estatais, ou como os agentes públicos e órgãos que excutam tais atividades. Em regra, a administração pública pode ser entendida em dois sentidos: • • Sentido objetivo – refere-se a atividade de administrar a execução das atividades pelo Poder Público. Quando usada nesse sentido escreve-se “administração pública” em letras minúsculas. Sentido subjetivo – quando refere-se à Administração Pública como sujeito. Ou seja, o conjunto de órgãos, pessoas e agentes que executam as atividades administrativas. Por isso, escreve-se “Administração Pública” com letras maiúsculas. O direito administrativo vai envolver normas que disciplinam a administração pública nos seus dois sentidos, tanto do ponto de vista do sujeito que a exerce quanto da atividade. São critérios para conceituação do direito administrativo: • • Critério do Poder Executivo – o objeto do direito administrativo estaria relacionado à atuação exclusiva do Poder Executivo. Esse critério é incompleto. Critério do serviço público (León Duguit) – o objeto do direito administrativo é a disciplina do serviço público. Este critério é insuficiente. 16 NOÇÕES PRELIMINARES • 1 FLÁVIA LIMMER • • • • Critério das relações jurídicas (Laferrière) – o direito administrativo seria o conjunto de regras que disciplina as relações entre a Administração e os administrados. Esse critério despreza as relações internas da Administração, sendo incompleto. Critério teleológico (finalístico) – o direito administrativo é um conjunto de normas que disciplinam a forma de atuação do Poder Público para alcançar a sua finalidade e para consecução de seus fins. Critério negativo ou residual (Tito Prates da Fonseca) – tudo que não é matéria dos demais ramos do direito é direito administrativo. Seria definido por exclusão. Não é adotado. Critério da administração pública (Hely Lopes Meirelles) – o direito administrativo é o ramo do direito que envolve normas jurídicas que disciplinam a Administração Pública no sentido de exercício da sua função administrativa. É o adotado. Atente-se que existe ainda o conceito de Administração Pública extroversa e Administração Pública introversa: • • Administração Pública extroversa: relação que existe entre a Administração e os administrados. Administração Pública introversa: relação entre os próprios entes públicos. Percebe-se que a Administração Pública introversa é instrumental, visto que serve como um meio para se alcançar efetividade, para viabilizar a Administração Pública extroversa. Isso porque, em verdade, o Estado visa alcançar suas finalidades em prol do povo. 2. FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO São fontes do Direito Administrativo: • • • • • • • Princípios e regras; Leis; Atos normativos infralegais; Doutrina; Jurisprudência; Costumes; Precedentes administrativos. Os precedentes administrativos são fontes do Direito Administrativo. O precedente pressupõe uma reiteração de atos administrativos em situações similares, ficando a Administração vinculada a esses entendimentos quando analisar uma relação jurídica distinta, mas que as mesmas razões ou fundamentos estão presentes. Se a Administração vem constantemente atuando dessa forma, por uma questão de segurança jurídica, pressupõe-se que em uma situação similar ela atuará do mesmo jeito. Este é o disposto pelo art. 30 da Lei n.º 13.655/2018: Art. 30 As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. Apenas em três situações a Administração pode se afastar de um precedente administrativo: • • Se o ato invocado como precedente for um ato ilegal; Quando se verifica que há distinção significativa entre o paradigma e o caso ora analisado (distinguishing); 17 FLÁVIA LIMMER • NOÇÕES PRELIMINARES • 1 Quando a Administração se convencer de que o interesse público justifica a alteração do seu entendimento prévio (overruling). 3. SISTEMAS ADMINISTRATIVOS O sistema administrativo tem como destaque: • • Sistema do contencioso administrativo (sistema francês): em regra, os atos da Administração se sujeitarão à jurisdição do contencioso administrativo. Este é formado por um órgão específico da Administração Pública com competência para julgar os atos administrativos. Não é necessário bater às portas do Poder Judiciário para rever um ato da Administração, ou mesmo ainda o sistema normativo veda que o Judiciário analise os atos administrativos. Sistema judiciário (sistema inglês ou jurisdição una): é possível um controle de todos os atos da Administração pelo Poder Judiciário. É o sistema adotado no Brasil, apesar de algumas mitigações da Justiça Desportiva, ou no caso de habeas data, exigindo o prévio requerimento administrativo, ou mesmo no caso de reclamação no âmbito administrativo. Verificaremos adiante os limites para a revisão de atos discricionários pelo Poder Judiciário. 4. REFORMA ADMINISTRATIVA Principalmente após a era Vargas o Brasil adotou um modelo de estado intervencionista na economia e extremamente burocrático, ”engessado”. Em 1990, com a onda neoliberal, o país iniciou sua reforma administrativa. Paulatinamente se aproximou de um modelo gerencial, similar ao adotado pela iniciativa privada. Basicamente há três modelos de Administração Pública: • • • Administração Pública patrimonialista – o Estado se confunde com o príncipe (soberano). É uma extensão do poder do príncipe, sendo patrimônio desse; Administração Pública burocrática – surgiu como uma ideia de bloquear a corrupção. Visa profissionalizar os agentes, organizando-os em carreiras, havendo hierarquia funcional, controle formal, impessoalidade etc. O problema deste modelo é que o formalismo torna-se um fim em si mesmo, ficando evidenciada a incapacidade de se obter serviços públicos eficientes. A Administração burocrática atua para si mesma, e não para o povo. O interesse público se confunde com o interesse do próprio Estado (interesse público secundário); Administração pública gerencial – mantém alguns dos ideais da administração burocrática (tais como de impessoalidade e profissionalização dos agentes), mas os adapta para um modelo próximo ao adotado pela iniciativa privada. Há uma definição precisa dos objetivos que a Administração deve atingir, pautados pela eficiência. Há uma maior autonomia, mas haverá controle posterior dos resultados. Prevê maior descentralização das atividades e redução dos níveis hierárquicos, aproximando-se da administração privada. A ênfase é nos resultados. O interesse público irá se confundir com o interesse da coletividade. A reforma administrativa busca aproximar, no que for possível, a forma de gestão da Administração Pública da forma adotada pela iniciativa privada. Essa reforma ainda está em andamento. Visa-se a simplificação. Por exemplo a Lei n.º 13.726/2018, que racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (apelidada de Lei de Desburocratização). Em relação ao servidor público, a reforma administrativa trouxe alterações, fixando possibilidade de avaliação de desempenho destes, bem como a perda do cargo por excesso de despesa e violação das diretrizes de responsabilidade fiscal. Há também uma preocupação com o aumento da participação do 18 FLÁVIA LIMMER NOÇÕES PRELIMINARES • 1 administrado na gestão pública. Para tal, é necessário garantir a transparência, simplificar os meios de participação etc. Busca-se a “Privatização do Direito Administrativo” ou a “Fuga para o direito privado”: uma maior contratualização da atividade administrativa, com paulatina diminuição do tamanho do Estado através da delegação de serviços públicos para particulares. Esta linha de raciocínio norteia o novo projeto da lei geral de licitações. Na mesma linha, a Administração deverá ser consensual: deve-se construir um acordo de vontades entre o Estado e a sociedade com vistas a legitimação da atividade administrativa em prol do interesse público e para realização direitos fundamentais. O consensualismo visa ainda evitar litígios desnecessários. São três os principais desdobramentos do consensualismo: um influi na formação da vontade administrativa que passa a se operacionalizar (principalmente, e não exclusivamente) pelas consultas e audiências públicas (daí vem a expressão “Administração dialógica”); o segundo, na releitura do princípio da indisponibilidade do interesse público, no sentido de que não existe uma única forma de atender ao interesse público; por fim, a possibilidade de solução de conflitos e litígios por meio de mecanismos de conciliação, mediação, arbitragem – é o previsto pelo art. 26 e 27 da LINDB. O que se propõe é uma ponderação entre as diversas necessidades de uma sociedade cada vez mais plural, negando um caráter único e absoluto. 4.1. Contrato de Gestão A reforma administrativa também trouxe o contrato de gestão. Segundo Di Pietro, o contrato de gestão é uma forma de ajuste: • • Entre a administração pública direta e entidades da administração pública indireta; ou Entre a administração pública direta e entidades privadas que atuem paralelamente (organizações sociais). O contrato de gestão fixa parcerias com o Poder Público, e nele são discriminadas as metas a serem atingidas pelo contratado, bem como os benefícios que lhe serão conferidos. Quando celebrado entre órgãos da Administração ou entre o Poder Público e entidades da Administração Indireta o contrato de gestão basicamente amplia a autonomia gerencial, orçamentária e financeira do órgão ou entidade, dando uma maior margem de atuação. As metas fixadas pelo Contrato de Gestão possibilitam um controle maior por parte da Administração, ao que se dá o nome de administração gerencial. 4.2. Agências Executivas A reforma estabeleceu a possibilidade de o Poder Público qualificar como agência executiva uma autarquia ou uma fundação, desde que cumpridos requisitos legais, para então se alcançar uma maior eficiência no desempenho. A qualificação poderá ser conferida por iniciativa do Ministério supervisor, sendo efetuada por ato específico do chefe do Poder Executivo. Em seguida será firmado um contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor e será criado um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional. A qualificação e o plano estratégico visam a redução de custo e aumento da eficiência da autarquia ou fundação. O contrato de gestão terá duração mínima de um ano, podendo ser revisto a qualquer momento em caráter excepcional pelo Ministério Supervisor. O contrato poderá ser prorrogado, igualmente após a análise do Ministério Supervisor. 19 FLÁVIA LIMMER NOÇÕES PRELIMINARES • 1 São exemplos de agências executivas o Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro), a Agência Nacional do Desenvolvimento do Amazonas (ADA) e Agência Nacional do Desenvolvimento do Nordeste (ADENE). 4.3. Agências Reguladoras Com a adoção do modelo gerencial de Estado inúmeros serviços antes diretamente prestados pelo Poder Público foram transferidos para a iniciativa privada, através da delegação de serviços públicos. O fim dos monopólios estatais gerou a necessidade de criação de Agências Reguladoras no Brasil. As Agências Reguladoras são autarquias de regime especial, criadas para regulação de atividades econômicas que antes eram praticadas pelo Estado e foram transferidas para o setor privado. Sua função é ditar as normas que conduzirão os agentes envolvidos na prestação do serviço público delegado: o Poder Público, o particular que efetivamente prestará o serviço público e os usuários. A regulamentação significa, portanto, a intervenção estatal junto aos setores privados, onde serão impostas normas de conduta e a eficiência do serviço prestado. Assim, as Agências Reguladoras podem exercer poder de polícia em determinado setor, regular e controlar as atividades que constituem objeto de concessão, permissão ou autorização de serviços públicos, além de exercer poder normativo. Trata-se de um exemplo de intervenção por atuação indireta do Estado no domínio econômico. São exemplos a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). As Agências Reguladoras serão melhor exploradas no Capítulo 3, item 3.4. 4.4. Terceiro Setor Entidades do Terceiro Setor são organizações que não têm fim lucrativo e não pertencem ao Estado, mas procuram atender interesses coletivos. A reforma administrativa gerou dois novos títulos para o Terceiro Setor: • • Organizações Sociais (OS); Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Além disso, foi proposta a publicização de serviços não exclusivos ou uma descentralização de prestações que não envolvam o poder de Estado (que exige imperatividade do Estado). O Terceiro Setor será explorado no capítulo 4. 4.5. Gestão Pública e Serviços Públicos No âmbito da reforma do Estado, concebeu-se a ideia de que podem ser identificados quatro setores dentro da Administração Pública: • • • Setor de núcleo estratégico: é o governo em sentido lato, responsável pela definição de leis, políticas públicas e estratégias de atuação do Estado. Isso corresponde ao Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário, Ministério Público, mas não em relação à entidade, e sim aos agentes públicos, como o Presidente da República, ministros de Estado etc.; Setor de atividades exclusivas: são atividades que somente o Estado pode prestar, como a cobrança e fiscalização de impostos, emissão de passaporte, segurança pública etc.; Setor de serviços não exclusivos: são atividades em que o Estado atua com outras organizações, tanto com as chamadas públicas não estatais quanto com as organizações privadas; 20 FLÁVIA LIMMER • NOÇÕES PRELIMINARES • 1 Setor de produção de bens e serviços para o mercado: o Estado atua como empresa, consolidando as chamadas empresas estatais. Diante dessa concepção em relação aos serviços públicos, existe um intento dos chamados reformistas de limitar essa atuação do Estado. Atente-se que o serviço público não estatal (Terceiro Setor) é constituído por organizações sem fins lucrativos, os quais estão objetivando atingir interesse público e interesse da coletividade. Os reformistas afirmam que esse setor se encontra entre o Estado e o particular. Por isso, a expressão publicização. 5. TENDÊNCIAS NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO As mudanças de paradigmas descritas anteriormente influenciam uma revisitação do defendido pela doutrina clássica, havendo uma mudança da conceitos e institutos dentro do Direito Administrativo. Com base nessa alteração, inicia-se um diálogo sobre conceitos e institutos discutidos com base na administração pública gerencial. 5.1. Supremacia do Interesse Público sobre o Privado A supremacia do interesse público sobre o privado deixou de ser encarada como algo absoluto. A doutrina moderna diferencia entre: • • Interesse público primário: é o interesse da sociedade propriamente dito; Interesse público secundário: é o interesse do Estado, da máquina administrativa. No caso de colisão entre interesse particular e o interesse público secundário, não haverá necessariamente a supremacia do interesse público sobre o privado, pois será necessário analisar o caso concreto. Pode ocorrer que a situação em apreço justifique que sejam respeitados os interesses do particular e não os interesses secundários do Estado, já que estes, por exemplo, podem não ter amparo jurídico. O Ministro Luís Roberto Barroso afirma que, por vezes, o interesse privado do indivíduo deve prevalecer sobre o interesse público secundário2. 5.2. Princípio da Subsidiariedade Em relação ao princípio da subsidiariedade, é necessário observar que o Estado só irá atuar quando o particular não puder atuar ou atuar de forma insuficiente. Ele se subdivide em: • • Subsidiariedade em sentido negativo: é a estipulação de limites para a atuação estatal, naquilo que pode ser feito ao particular; Subsidiariedade em sentido positivo: é a imposição de um dever de intervenção, se for suficiente à atuação da iniciativa privada. Di Pietro3 afirma que o Estado só prestará as atividades que o particular não puder desenvolver, ou o Estado irá complementar apenas naquilo em que a atuação do particular se mostrar insuficiente. BARROSO, Luís Roberto. O estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a redefinição da supremacia do interesse público (prefácio). In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 2 21 FLÁVIA LIMMER NOÇÕES PRELIMINARES • 1 5.3. Formas Consensuais como Instrumento de Resolução de Problemas da Administração É um dos temas mais debatidos atualmente: a adoção de soluções consensuais de resolução de conflitos. É a possibilidade da Administração Pública chegar a um acordo com o particular. A resolução de litígios pelo Poder Público, no ambiente extrajudicial, é ação que se mostra necessária nos dias de hoje, sob pena de inefetividade tanto do setor administrativo quanto do Poder Judiciário. Isso será percebido, por exemplo, quando a Advocacia Geral da União realiza a função de resolução de conflitos por meio da Câmara de Conciliação e Arbitragem. O objetivo é que se evite litígios entre órgãos e entidades da própria Administração federal. Percebeu-se que essa atuação da Câmara é satisfatória e traz benefícios à União. O objetivo, neste momento, é solucionar controvérsias de natureza jurídica entre a Administração Pública federal e a Administração dos Estados e Distrito Federal. Não mais será a Câmara de Conciliação e Arbitragem responsável por dirimir litígios entre órgãos e entidades da Administração federal, mas também pela relação da União com os Estados e Distrito Federal. A Lei n.º 13.140/2015 passou a admitir que União, Estados, DF e Municípios criem câmaras de prevenção e de resolução administrativa de conflitos no âmbito de suas advocacias públicas. O consensualismo é o princípio pelo qual a Administração Pública deve procurar a autocomposição para solucionar os conflitos nos quais é parte. Antigamente, se entendia que a Administração Pública não poderia realizar qualquer autocomposição, pois o interesse público seria indisponível. Todavia, hoje se entende possível ao Poder Público realizar a autocomposição, visto que seria um método mais eficiente e econômico de resolução de seus conflitos, não somente racionalizando atos administrativos e/ou processuais, mas também gerando maior potencial de obtenção daquilo que a Administração pretende, seja o adimplemento de um contrato, o pagamento de um tributo ou de uma multa etc. De acordo com o art. 26, parágrafo 1º da LINDB, esse compromisso buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; e deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. § 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I – buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; II – (VETADO); III – não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV – deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. 22 FLÁVIA LIMMER NOÇÕES PRELIMINARES • 1 5.4. Administração Dialógica Como o próprio nome indica, a administração dialógica traz a ideia de estabelecimento de debate. É a abertura de um diálogo entre o Poder Público e os particulares, permitindo que estes colaborem com a agilidade das atividades administrativas. Dessa forma, a atividade administrativa será aperfeiçoada e terá mais legitimidade, visto que se chegou a uma decisão após ouvir a sociedade. A administração dialógica pode ocorrer quando a Administração Pública se presta a fazer audiências públicas para ouvir as pessoas da localidade quando irá promover grande empreendimento no local ou quando ouve a sociedade em relação ao orçamento participativo. QUESTÕES 1. (TRF2) TRF2, 2018. A reforma administrativa, no âmbito da gestão do Estado brasileiro, busca tornar administração pública mais eficiente e voltada para a cidadania. Nesse sentido, é correto afirmar que: a) foram restringidas as modalidades de parceria do Poder Público a fim de permitir maior controle de gastos e, por conseguinte, maior eficiência. b) foram criadas fontes de receitas para o Estado, sob autorização do STF, tais como a taxa de iluminação pública e a taxa de limpeza e conservação urbana. c) foi retomada a ideia de uma Administração Pública rígida e voltada para o controle interno, em detrimento da Administração Pública gerencial, que se mostrou inábil no combate à corrupção e ao nepotismo. d) a Lei 13.334, de 13.09.2016 criou o Programa de parceiros de investimento, destinado ao fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada, para a execução de empreendimento público de infraestrutura. e) o Estado retoma atividades que são próprias da iniciativa privada, ampliando sua atuação, a título de intervenção no domínio econômico, nos termos do art. 173 da Constituição Federal. 2. (TJPR) PUC-PR, 2014 Sobre o conceito do direito administrativo e a sua formação histórica no Brasil, analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa CORRETA. I A primeira cadeira de direito administrativo no Brasil foi criada em 1851 e com a implantação da República acentuou-se a influência do Direito Público Norte-Americano, adotando-se todos os postulados do rule of law e do judicial control. II O Brasil adotou, desde a instauração da primeira República, o sistema da jurisdição única, com exceção do período de vigência da Emenda Constitucional nº. 07/77, com a instalação dos dois contenciosos administrativos por ela estabelecidos. III O direito administrativo tem como fontes a lei, a doutrina, os costumes e a jurisprudência, vigorando entre nós, desde o início da República, dado a influência sofrida do direito norte-americano, o princípio do stare decises. IV A interpretação do direito administrativo, além da utilização analógica das regras do direito privado que lhe foram aplicáveis, há de considerar, necessariamente, três pressupostos: 1º) a desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados; 2º) a presunção de legitimidade dos atos da Administração; 3º) a necessidade de poderes discricionários para a Administração atender ao interesse público. a) b) c) d) Apenas as assertivas III e IV estão corretas. Apenas as assertivas I e III estão corretas. Apenas as assertivas I e II estão corretas. Apenas as assertivas I e IV estão corretas. 3. (MP-CE) FCC, 2014. Em sua formação, o Direito Administrativo brasileiro recebeu a influência da experiência doutrinária, legislativa e jurisprudencial de vários países, destacando-se especialmente a França, considerada como berço da disciplina. No rol de contribuições do Direito Administrativo francês à prática atual do Direito Administrativo no Brasil, NÃO é correto incluir: a) a adoção de teorias publicísticas em matéria de responsabilidade extracontratual das entidades estatais. 23 NOÇÕES PRELIMINARES • 1 FLÁVIA LIMMER b) c) d) e) a adoção do interesse público como eixo da atividade administrativa. ideia de exorbitância em relação ao direito comum, aplicável aos particulares. a teoria do desvio de poder. o sistema de contencioso administrativo. 4. (DPE-AM) Instituto Cidades, 2011. De acordo com a doutrina nacional, os órgãos e agentes públicos estão compreendidos no sentido de Administração Publica: a) subjetivo b) objetivo c) de atividade administrativa d) de atividade política e) de atividade política e administrativa COMENTÁRIOS 1 – Gabarito D a) A Lei nº 11.079 de 2004 ampliou b) Súmula vinculante 41-STF: O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa. c) Segundo Di Pietro a reforma administrativa instaurou a “Administração Pública Gerencial, que envolve (..) substituição do controle formal pelo controle de resultados” (p.81). d) Correta e) Segundo Di Pietro o atual direito administrativo prevê a "aplicação do princípio da subsidiariedade: com as seguintes consequências [...] reconhecimento de que a iniciativa privada, seja através dos indivíduos, seja através das associações, tem primazia sobre a iniciativa estatal [...] o Estado deve abster-se de exercer atividades que o particular tem condições de exercer por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos" (p.80). 2 – Gabarito D I – Correta II – Errado. Segundo Alexandre Mazza “Sob a égide da Carta de 1967, a Emenda Constitucional n. 7, de 13 de abril de 1977, autorizou a criação de contenciosos administrativos federais e estaduais para decisão de questões fiscais, previdenciárias e de acidentes de trabalho, mas que nunca chegaram a existir" (p. 61). III – A primeira parte da afirmativa está correta. Contudo tradicionalmente o Brasil adota o sistema da civil law. O princípio do stare decisis é proveniente da common law. Embora o atual Código de Processo Civil aponte uma inegável adoção do sistema de precedentes típico da common law não é correto afirmar que este sistema é adotado no Brasil desde o início da República. IV – Correta. 3 – Gabarito E Na questão o candidato deverão assinalar a alternativa errada. Sendo assim o gabarito analisará apenas o erro da alternativa E. O Brasil adota o sistema da jurisdição una e da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CF). O sistema do contencioso administrativo, adotado por exemplo na França, prevê a existência de um órgão paralelo ao Poder Judiciário com competência para julgamento de conflitos em que uma das partes seja o ente público, com a possibilidade de decisões definitivas. O sistema brasileiro recebeu influencia do norte americano, portanto a alternativa errada é a ‘E”. 4 – Gabarito A O sentido Formal ou Orgânico ou Subjetivo significa o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Já o sentido Material ou Funcional ou Objetivo refere-se à atividade administrativa desenvolvida pelo Estado, por seus órgãos e agentes. 24 FLÁVIA LIMMER 2 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO 25 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 1. CONTEÚDO DO REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO É interessante começar o estudo da matéria chamando atenção para duas pedras de toque do Direito Administrativo: a supremacia do interesse público e a indisponibilidade do interesse público. Esses conceitos, que serão aprofundados em seguida, compõem um arcabouço do regime jurídico administrativo, ou seja, o conjunto de regras e princípios que regem a atuação da Administração Pública. O regime jurídico-administrativo é caracterizado pela incidência de normas específicas, de caráter administrativo, referindo-se a princípios e regras. Em relação aos princípios, Dirley da Cunha Jr4 traz a teoria da tridimensionalidade funcional dos princípios. Os princípios vão servir como: • • • Fundamentadores – princípios como valores fundamentadores do sistema jurídico, e pressuposto de validade das normas. Orientadores – princípios como orientadores da sua exata compreensão, tendo função interpretativa. Supletivos – princípios como supletivos das demais fontes do direito. Portanto, os princípios terão as funções de fundamentar, orientar e suplementar. 1.1. Princípios da Administração Pública Gustavo Binenbojm5 argumenta que o Direito Administrativo poderia ser dividido em duas fases: o chamado giro democrático-constitucional coloca os direitos fundamentais como foco das políticas públicas, transformando Administração Pública em uma Administração Pública cidadã. Paralelamente ocorre o giro pragmático, voltado para a eficiência e solução de problemas reais, se distanciando de uma atuação meramente burocrática. Em ambos o princípios são essenciais para nortear a atuação estatal. Já Celso Antônio Bandeira de Mello6 sugere que o regime jurídico-administrativo é formado por princípios maiores ou magnos, sendo que a partir daí todos os demais princípios se organizariam: • • Supremacia do interesse público sobre privado – há uma relação vertical, ou seja, uma preponderância do interesse da Administração sobre o interesse particular. Isso se percebe com as cláusulas extravagantes em contratos administrativos. Indisponibilidade do interesse público – o patrimônio pertence à coletividade, não podendo o administrador dispor destes. Cabe ao agente administrativo gerir esses bens e interesses em prol da coletividade. A união destes dois princípios forma o Regime Jurídico-Administrativo, ou seja, o raciocínio base, que deve pautar toda a atuação da Administração Pública. Eles serão detalhados abaixo, mas cabe uma explicação inicial. É certo que a Administração Pública não pode agir da mesma maneira que age um particular, pois está submetida a algumas limitações que decorrem da indisponibilidade do interesse público. Mas, ao mesmo tempo, também é contemplada com uma série de benefícios que decorrem da supremacia do interesse público. Tratando-se de interesse público (algo que atinge toda a coletividade), a Administração Pública detém certas prerrogativas que visam a permitir o melhor exercício de suas atribuições, buscando atingir a finalidade pública. Por outro lado, por ser uma atividade pública e não a atuação de um particular, o Estado está submetido a uma série de restrições como, por exemplo, a regra do concurso público. A Administração CUNHA Jr, Dirley. Curso de Direito Constitucional 13ª ed. Salvador: Juspodivum, 2018. BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, Ordenação, Regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e institucionais do Direito Administrativo Ordenador 2ª ed. Rio de Janeiro: Fórum, 2017. 4 5 6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019. 26 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 Pública não pode contratar quem bem entender; ela deve selecionar os candidatos tanto para que possa contratar, de fato, os melhores, como para evitar favoritismos. É nesse sentido que o regime jurídico administrativo cria uma série de regras e sistemas que serão estudados ao longo de todo este livro. O regime jurídico administrativo é aquilo que une toda a matéria a ser estudada e que decorre da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público. Por um lado, a supremacia implica prerrogativas, formas de o Estado atuar que sejam compatíveis com os bens jurídicos por ele tutelados; por outro lado, há limites, de modo que o poder estatal possa ser controlado e que não haja um desvio daquilo que é de todos, a fim de impedir favoritismos, contratações com interesses escusos e assim por diante. O regime jurídico-administrativo vai permitir que existam prerrogativas em favor da Administração Pública, mas também a colocará em uma posição de sujeição às regras do regime jurídico-administrativo. 1.1.1. Supremacia do interesse público sobre privado É um princípio implícito na CF/88, e decorre da interpretação extensiva de institutos como a desapropriação ou a requisição. Renato Alessi7, baseando-se em Carnelutti, distingue o interesse publico primário do interesse público secundário. O primeiro é o conjunto de interesses individuais preponderantes em uma coletividade. Está relacionado à satisfação das necessidades coletivas. Luís Roberto Barroso esclarece que “o interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social”8. Já o interesse público secundário está inserido no primário. Trata-se do aparelhamento do Estado, ou seja, o interesse da própria Administração Pública, se traduzindo na manutenção das receitas públicas e a defesa dos bens públicos. Segundo Barroso são os interesses “da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União, do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do Erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas”9. Os interesses públicos primários são definidos pelo legislador, especialmente o Constituinte. No conflito entre o interesse público primário e o secundário, o primário sempre irá prevalecer. O interesse público possui caráter instrumental. A Administração Pública é o instrumento que o Governo possui para atingir o bem comum, sendo assim esta possuirá privilégios sobre o interesse particular. A representação material do interesse público garante uma posição privilegiada de supremacia do órgão administrativo em relação ao individual / privado, por exemplo na possibilidade de desapropriação, na imposição de cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos, prazos maiores em demanda judicial, possibilidade de modificação unilateral de seus atos e na intervenção no domínio econômico. Deve-se destacar que se trata de um poder-dever: atos administrativos que não tenham finalidade pública são considerados desvio de finalidade. De acordo com autores tradicionais, como Celso Antônio Bandeira de Mello10, Hely Lopes Meirelles11 e Maria Sylvia Di Pietro12, a supremacia do interesse público sobre o particular consubstancia um princípio do ordenamento jurídico brasileiro, ainda que não esteja expressamente contemplado em nenhum texto 7 Renato Alessi apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 114. 8 BARROSO, Luís Roberto. Prefácio: o estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a redefinição da supremacia do interesse público. In: SARMENTO, Daniel (org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. XIII. Idem, ibidem. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 53. 11 MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro 43a. edição. São Paulo: Malheiros, 2018. 12 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 9 10 27 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 normativo. Para eles, no conflito entre o interesse do administrado e o do Poder Público, este último sempre irá prevalecer, por que em tese representa o interesse da coletividade. Já uma segunda corrente contesta a versão clássica da supremacia do interesse público sobre o privado: Humberto Ávila13, Daniel Sarmento14, Gustavo Binenbojm15 e Alexandre Aragão16. Este último esclarece que em uma sociedade plural e complexa, não se pode destacar apenas um interesse público. Pelo contrário, vários coexistem, tal como saúde pública, acesso à educação, liberdade de expressão, geração de empregos, preservação ambiental, combate ao déficit público, melhoria e ampliação dos serviços públicos, entre outros. Idosos colocarão como prioridade o acesso à saúde, pais de crianças pequenas apontarão o acesso universal à educação de qualidade como meta governamental principal. São múltiplos os interesses que coexistem na sociedade, todos igualmente relevantes e justificáveis. A escolha do que será priorizado pelo Governo no momento não pode ser pensada apenas sob o prisma de “maioria”, seja no sentido numérico ou sociológico, já que há o dever de respeito e atendimento às minorias. O verdadeiro interesse público predominante deve ser absorvido através do disposto pela Constituição. Soma-se que a CF consagra tanto interesses da coletividade quanto direitos fundamentais individuais. Não há hierarquia entre eles no texto constitucional, logo, esses devem ser sempre ponderados. Sendo assim, o termo interesse público deve ser interpretado como a máxima realização de todos os interesses, individuais e coletivos, protegidos juridicamente. O debate sobre a existência ou não da supremacia do interesse público se materializa especialmente entre Celso Antônio Bandeira de Mello e Humberto Ávila. Ávila afirma que, de acordo com a teoria formulada por Robert Alexy17, os princípios devem ser sempre sopesáveis. Logo, não é possível se falar em supremacia. Ainda que esta exista não pode ser considerada um princípio jurídico: princípios tem como característica principal serem ponderáveis, prevalecendo em algumas circunstâncias, mas podendo ser aplicados de forma diminuta em outras. Ávila defende que, seguindo a teoria de Alexy, a supremacia do interesse público sobre o privado não pode existir. Do contrário o lado público (através do princípio que representa o interesse público) sempre teria prioridade sobre qualquer outro ou não seria classificado como supremo. Portanto para Ávila não há que se falar em supremacia. 13 ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular.” In: Revista Trimestral de Direito Público, nº 24. São Paulo: Malheiros, 1998; e ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular.” In: SARMENTO, Daniel (org.), Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 14 SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos vs. Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional. In: SARMENTO, Daniel (org.) Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 15 BINEMBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade. Um Novo Paradigma para o Direito Administrativo. In: SARMENTO, Daniel (org.) Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos fundamentais, democracia e constitucionalismo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. 16 ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “supremacia do interesse público” no advento do estado de direito e na hermenêutica do direito público contemporâneo. In: SARMENTO, Daniel (org.) Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 17 A teoria da ponderação de princípios é uma das grandes contribuições de Robert Alexy para o estudo dos direitos fundamentais. Segundo o autor dois princípios jurídicos podem incidir sobre o mesmo caso concreto, sem que uma anule completamente o outro: prevalecerá na circunstância específica, mas segundo ainda será aplicável no caso, ainda que com peso menor. Por exemplo: P 1 (princípio 1) prevalece na circunstância C sobre P2 (princípio 1). Logo (P1CP2). A linguagem matemática pode assustar em um primeiro momento. Mas o que a teoria proposta por Alexy explica é que em uma determinada circunstância C, por exemplo um caso de injúria na imprensa, o P1, princípio constitucional será sopesável: imagine que o P1 é o direito fundamental à privacidade; ele será ponderado com o P2, princípio da liberdade de expressão, e eventualmente poderá prevalecer sobre esse. Em outras palavras, princípios não se anulam, mas o intérprete deve encontrar concordância prática entre eles, para que no caso concreto um prevaleça sobre o outro. Porém, nada impede que na concordância C2, em outro cenário fático, o princípio P 2 venha a prevalecer sobre P1, por exemplo, na divulgação de informações sobre uma figura pública. Cf. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001, p.134. 28 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 Por seu turno Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta que jamais se afirmou que a supremacia do interesses público seria absoluta; e sim que o interesse público é muito relevante por ser interesse coletivo, conferindo à Administração Pública certas prerrogativas. Sobre o tema deve se considerar que a supremacia do interesse público não está acima de direitos e garantias fundamentais, principalmente aqueles que são oponíveis por parte do indivíduo em face do Estado da sociedade. A supremacia do interesse público é aceita amplamente pela doutrina clássica e, em uma prova objetiva, convém marcar a alternativa que a entenda como algo existente, ainda que não expressa na Constituição brasileira. Lembre-se: é a supremacia que fundamenta às prerrogativas da Administração, enquanto a indisponibilidade do interesse público baseia as limitações a que se submete o Poder Público, não possuindo este a mesma liberdade que um particular. 1.1.2. Indisponibilidade do interesse público sobre privado A Administração Pública jamais deve atuar visando suas predileções, e sim tendo como foco a efetivação dos interesses públicos primários. O patrimônio pertence à coletividade, não podendo o administrador dispor destes. Cabe ao agente administrativo gerir esses bens e interesses em prol da coletividade. A indisponibilidade também é um princípio implícito na Constituição. Além da desvinculação aos interesses pessoais do administrador público, aponta que o agente público não tem disponibilidade sobre estes interesses. A Administração Pública gerencia o patrimônio público pautada no ordenamento jurídico, não podendo deixar de perseguir o bem comum (interesse público primário) ou conservar o patrimônio público (secundário). Por exemplo, a obrigatoriedade licitar e de realização de concursos públicos, o dever de justificar os subsídios e as anistias fiscais etc. 1.2. Princípios Constitucionais Expressos São aqueles previstos no art. 37 caput da CF, que dispõe: “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência[...]”. 1.2.1. Princípio da Legalidade Apontado como central pela doutrina clássica do Direito Administrativo, o princípio da legalidade surge em oposição aos regimes absolutistas, comuns entre os séculos XVI a XVIII. Neste modelo a atuação do Estado se confundia com a vontade do governante, e era marcada pela arbitrariedade. Existia o pensamento que não deveriam existir limitações jurídicas na atuação estatal, como resume a expressão “the king can do no wrong” (o rei não erra), tão comum na época. No século XIX há o advento do conceito de Estado de Direito, em que o Estado passa a ser submetido a limites jurídicos. Nesta fase inicialmente o princípio é desenhado como legalidade como vinculação negativa à lei: o administrador público poderia agir livremente, desde que não houvesse uma vedação legal. Dava-se ao administrador o mesmo limite que era imposto aos particulares. Uma nova leitura da legalidade passa a ser defendida por notórios doutrinadores, dentre eles Hans Kelsen. É o pensamento de Kelsen que influencia a noção clássica de princípio da legalidade administrativa, defendida por diversos autores do Direito Administrativo até hoje: legalidade como vinculação positiva à lei. O positivismo normativista de Kelsen gera a exigência que a Administração Pública tenha sua atuação pautada na vontade coletiva, materializada na Constituição e nas leis. A lei passa a ser o centro do 29 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 ordenamento jurídico. Vigorava o mito da completude, em que a lei seria capaz de prever todas as situações possíveis. No Brasil o princípio da legalidade é extraído do art. 5º, II da CF, o qual diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei. Para uma prova de primeira fase, a lição que deve ser levada é que o princípio da legalidade exige que toda conduta da Administração Pública tenha base em lei. Esse conceito é basilar no Direito Administrativo: costumes não permitem que a Administração faça X ou Y, todo ato administrativo deve ter base jurídica na legislação. Podemos apontar alguns exemplos de aplicação do princípio da legalidade: • • Não se pode exigir exame psicotécnico como etapa em um concurso público sem previsão de lei (STF, AI 677718 AgR); Não é possível impor limite de idade em concursos públicos se não for por lei (STF, RE 425760 RE). Há algumas críticas a essa posição, que já foram cobradas em provas para o Ministério Público. Parte da doutrina defende que o princípio da legalidade é importantíssimo, mas que hoje não há, simplesmente, um dever de observância à legalidade, mas sim um dever de observância da juridicidade, ou seja, além do respeito à lei, é preciso que se respeitem as escolhas valorativas e axiológicas feitas pela Constituição. Este posicionamento será detalhado como um princípio próprio, abaixo. No tocante ao administrador, a legalidade traz duas vertentes: • • Vertente negativa – a legalidade representa uma limitação à atuação do administrador, pois não pode fazer o que a lei não permite; Vertente positiva – a atuação do administrador depende de autorização legal, e havendo mandamento legal, o administrador deve cumpri-lo. Em outras palavras, se a lei permite algo, o administrador deve respeitá-lo. O avanço da democracia e a reinterpretação do positivismo tornaram insuficiente o raciocínio de que é suficiente que a atuação administrativa seja legal. Percebe-se que há uma mutação da noção clássica da legalidade, fazendo com que não baste que o ato seja legal, devendo ele também ser legítimo. Isto é, além de obedecer à lei, o ato deve obedecer à moralidade e atingir finalidade pública. Essa concepção de legitimidade confere maior grau de controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário. Isso porque, agora, o Poder Judiciário pode invalidar um ato administrativo quando ele não atinge finalidade pública ou quando ele viola princípios da Administração Pública, tal o princípio da moralidade. Percebe-se que o avanço da legalidade vai permitir o conceito de legitimidade, ampliando a vinculação negativa, pois a Administração não pode praticar um ato ilegal, um ato contrário à moralidade ou um ato contrário à finalidade pública. Alexandre Mazza18 afirma que essa possibilidade de controle pelo Judiciário da legitimidade do ato praticado pela Administração Pública é denominada de princípio da sindicabilidade. Raquel Melo Urbano de Carvalho19 diz que o princípio é denominado princípio da constitucionalidade, pois se permite o controle da atividade administrativa em razão das normas constitucionais estabelecidas, ou seja, por meio do princípio da moralidade ou do princípio da eficiência. Quando se começa a permitir um maior controle da Administração com base na constituição, Raquel Carvalho afirma que há incidência do princípio da constitucionalidade, enquanto Alexandre Mazza se refere a esse fenômeno como princípio da sindicabilidade. 18 19 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123. CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 52. 30 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER Além dessa evolução do conceito de legalidade, que vai abranger também a legitimidade, há também a abrangência da juridicidade, que passaremos a abordar agora. 1.2.2. Princípio da Juridicidade Paulo Otero20 influenciou a doutrina brasileira ao defender o que a Administração Pública deve respeitar as escolhas valorativas e axiológicas feitas pela Constituição, o que nomeia como princípio da juridicidade. Em outras palavras, a Administração fica vinculada ao ordenamento jurídico como um todo, e não apenas à lei stricto sensu. A juridicidade será apresentada como um conceito maior, que vincula a Administração Pública ao ordenamento jurídico como um todo, o que permite uma maior margem ao administrador, que ganha maior autonomia, pois poderá atuar dentro do ordenamento constitucional, e não apenas dentro da regra legal específica. Para Gustavo Binembojm21 a juridicidade é uma evolução do princípio da legalidade. O autor destaca que: Com a constitucionalização do direito administrativo, a lei deixa de ser o fundamento único e último da atividade administrativa. A Constituição – entendida como sistema de regras e princípios – passa a constituir o cerne da vinculação administrativa à juridicidade. A legalidade, embora ainda muito importante, passa a constituir apenas um princípio do sistema de princípios e regras constitucionais. Passa-se, assim, a falar em um princípio da juridicidade administrativa para designar a conformidade da atuação da Administração Pública ao direito como um todo, e não mais apenas à lei. Então, em uma prova de primeira fase, a resposta é: a Administração, diferentemente do particular, só pode fazer o que a lei lhe permite fazer. O particular pode fazer, em regra, tudo que a lei não lhe veda expressamente, já a Administração, o Estado e o agente público só podem agir se seu comportamento tiver base legal. Para uma prova discursiva, é importante citar a visão de Paulo Otero de que essa obediência à legalidade não deve se restringir apenas à lei, mas a todo o ordenamento jurídico, inclusive à Constituição e aos valores previstos na Constituição e por ela consagrados, com a observação que a legalidade evoluiu e hoje consubstancia o princípio da juridicidade. Lembre-se: o particular pode fazer tudo que não lhe é proibido. É possível, enfim, perceber pelo menos três fases do conceito de legalidade: • • • Legalidade estrita – a Administração somente irá atuar nos limites da lei; Legitimidade – a atuação administrativa deve ser legal, mas também conforme a moralidade e buscando finalidade pública; Juridicidade – na verdade, a atuação da Administração deve ser legal, legítima, mas também jurídica, visto que ela deverá atuar conforme o ordenamento jurídico e os limites estabelecidos na ordem jurídica. 1.2.3. Princípio da Impessoalidade A Administração Pública deve adotar uma postura objetiva, sem favoritismo perante os cidadãos e os próprios agentes públicos, ou seja, a Administração tem o dever de tratar todos de forma equânime, isonômica, sem que pessoalize a relação que estabelece com o administrado e mesmo entre os seus agentes. OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2011. 21 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 311-312. 20 31 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER A ideia é que todas as pessoas deram poderes ao Estado e, portanto, esse poder não pode ser desviado, de forma a favorecer interesses particulares. O princípio da impessoalidade deve ser concebido em dois aspectos: • • Buscar o interesse público – não pode o agente público utilizar o seu cargo para promover um amigo ou beneficiar o seu parente. As decisões devem ter finalidade pública. O princípio do concurso público (art. 37, II, CF) é reflexo desse conceito, ou ainda o princípio do procedimento licitatório (art. 37, XXI, CF/88) e a vedação do nepotismo (STF, Súmula Vinculante nº 13); Imputação do ato administrativo – quem faz o ato não é o agente público pessoalmente, e sim o órgão ou entidade da Administração à qual o agente pertence. Sobre a publicidade governamental é importante lembrar que esta deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. Jamais deve trazer nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Por exemplo, a propaganda pode indicar que se trata de uma obra do Governo do Município de Recanto Feliz, mas será proibido colocar a foto ou o nome do prefeito ou do secretário de obras. O princípio da impessoalidade implicará que a atuação se dê para o interesse público e para o fato de que será o Estado que atua, e não o agente público. 1.2.4. Princípio da Moralidade O princípio da moralidade é a exigência de que a atuação da Administração Pública seja ética. Esse princípio, juntamente com o da impessoalidade visto acima, justificam a Súmula Vinculante nº 13 do STF que veda o nepotismo: Súmula Vinculante 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. Em relação à vedação do nepotismo, o STF entende que a nomeação de um parente para cargo político não viola a súmula vinculante 13, ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral (STF, Rcl 34.413 AgR DJE 220 de 10/10/2019 e Rcl 28.024 AgR, DJE 125 de 25/06/2018). Como se trata de um ato de natureza eminentemente política, os cargos apontados pela SV 13 são de livre nomeação e exoneração. A SV 13 se refere até o parente em 3º grau (tio e sobrinho), portanto o primo (4º grau) não está sob a incidência da súmula (STF, Rcl 9.013). Ainda segundo a Corte, essa vedação ao nepotismo não pode alcançar os servidores admitidos mediante prévia aprovação em concurso público, ocupantes de cargo de provimento efetivo, haja vista que isso poderia inibir o próprio provimento desses cargos, violando, dessa forma, o art. 37, I e II da CF/88, que garante o livre acesso aos cargos, funções e empregos públicos aos aprovados em concurso público (Inf. 786, STF). O STJ também se manifestou no mesmo sentido, estabelecendo que não há nepotismo na nomeação de servidor para ocupar o cargo de assessor de controle externo do Tribunal de Contas mesmo que seu tio (parente em linha colateral de 3º grau) já exerça o cargo de assessor-chefe de gabinete de determinado Conselheiro, especialmente pelo fato do cargo do referido tio não exercer qualquer poder legal de nomeação do sobrinho. A incompatibilidade da prática enunciada na SV 13 com o art. 37 da CF/1988 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor 32 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER público, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada à pessoa com relação de parentesco com quem tenha potencial de interferir no processo de seleção (Inf. 815, STF). Em decisão de fevereiro de 2021 o STJ decidiu que configura nepotismo póstumo a nomeação de responsável temporário pelo expediente de cartório após a morte de seu pai, anterior titular da serventia extrajudicial. Como os cartórios estão sujeitos à permanente fiscalização do Poder Judiciário e do próprio CNJ, se subordinam aos princípios regentes da administração pública. Assim a restrição imposta pela Corregedoria Nacional de Justiça à existência de parentesco para a nomeação de interinos em cartórios deve ser observada em consonância com o requisito legal da antiguidade, em sintonia com o princípio constitucional da moralidade (STJ, RMS 63.160). 1.2.5. Princípio da Publicidade Atualmente, a publicidade não significa simplesmente a publicação de um ato, devendo ser compreendida de uma forma mais ampla. É preciso que essa publicação seja clara e haja transparência, permitindo ao cidadão fiscalizar a atuação. Sua base está no próprio art. 5º CF, incisos XIV e XXXIII: Art. 5º, XIV CF: é assegurado a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Art. 5º, XXXIII CF: todos tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. A Lei n.º 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) diz que qualquer interessado poderá pedir acesso à informação a um órgão ou entidade (art. 10). É vedado à Administração impor quaisquer exigências relativas aos motivos determinantes da solicitação de informações de interesse público. Apresentando o requerimento (que deve conter a identificação do requerente e a informação que deseja), o acesso à informação compreenderá: • • • • • O direito de obter uma informação contida em registro ou em documento que seja do órgão ou entidade; O direito à informação íntegra e atualizada; O direito a uma informação sobre uma atividade exercida pelo órgão ou entidade; O direito à informação do patrimônio público; O direito à informação ao resultado de uma inspeção ou auditoria, ou ainda de uma prestação de contas. O órgão deve autorizar ou conceder o acesso imediato à informação (art. 11). Caso não possa fazêlo de imediato, a Administração terá o prazo de no máximo 20 (vinte) dias, podendo ser prorrogado justificadamente por 10 (dez) dias, comunicando ao administrado o modo e o local de como será feita a consulta. O prazo de até 20 (vinte) dias também será para indicar as razões de direito pelas quais houve a recusa da informação. Se o órgão ou a entidade requerido não possuir a informação, e tiver ciência de qual a detém, deverá indicar qual é o órgão responsável no momento da resposta. Poderá ainda remeter o requerimento ao órgão ou a entidade para que seja informado ao administrado. Havendo o indeferimento da informação, o interessado poderá recorrer no prazo de 10 (dez) dias (art. 15). O serviço de busca e fornecimento da informação é gratuito, salvo nas hipóteses de reprodução de documentos pelo órgão ou entidade pública consultada, situação em que poderá ser cobrado exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento do custo dos serviços e dos materiais utilizados (art. 12). 33 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 A lei vai dar acesso à informação, mas admitirá hipóteses de restrição à informação, tal como (art.23): • • • • • • • • • • Hipótese em que se mostre imprescindível o sigilo à segurança da sociedade ou do Estado; Hipótese em que o acesso irrestrito põe em risco a defesa e a soberania nacional; Hipótese em que o acesso colocar em risco a condução de negociações ou relações internacionais do Brasil; Hipótese em que o acesso colocar em risco a segurança, vida ou saúde da sociedade ou da população. Hipótese em que o acesso colocar em risco a estabilidade financeira, econômica ou monetário do país. Hipótese em que o acesso colocar em risco planos e operações estratégicas das forças armadas. Hipótese em que o acesso colocar em risco projeto de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico. Hipótese em que o acesso colocar em risco de instituições. Hipótese em que o acesso colocar em risco de altas autoridades. Hipótese em que o acesso colocar em risco atividade de inteligência ou investigação, relacionadas à prevenção e repressão de crimes. Perceba que há restrição ao acesso. As informações que guardam sigilo são passíveis de classificação (art. 24). • • • Informação ultrassecreta: a informação poderá ficar restrita à sua informação por até 25 anos. Informação secreta: a informação poderá ficar restrita à sua informação por até 15 anos. Informação reservada: a informação poderá ficar restrita à sua informação por até 05 anos. Em suma, o princípio da publicidade impõe a ampla divulgação dos atos da Administração e as informações existentes em seus cadastros, exceto as sob necessário sigilo (tais como as que visam a segurança da sociedade) e as pessoais (ligadas à honra e intimidade dos particulares). Está fundamentado nos princípios fundamentais da Constituição (art. 1º), especialmente o democrático e republicano, pois permite o exercício da cidadania ativa. É a publicidade que garante controle dos atos administrativos, já que para controlar, é necessário conhecer. Sendo assim, é requisito para eficácia dos atos administrativos. Na mesma linha possibilita a divulgação dos vencimentos brutos mensais dos servidores públicos, desde que não sejam divulgados o endereço residencial e o CPF (STF, ADI 2.472). Entende o STF que estes dados já são de publicação obrigatória nos veículos oficiais de imprensa dos diversos entes federados. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito aos indivíduos enquanto agentes públicos e sua atuação e remuneração como tais. A prevalência do princípio da publicidade administrativa é um dos principais modos de concretizar a República enquanto forma de governo. A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. (STF, ADI 2.198). O princípio da publicidade não impõe apenas a divulgação da decisão administrativa. Na máxima efetividade do princípio da publicidade, é preciso garantir transparência de toda a tramitação processual, visto que permitirá maior fiscalização do particular. O art. 11 da Lei n.º 8.429/1990 diz que constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, negar publicidade aos atos oficiais. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 15, que dispõe: a Administração Pública promoverá a publicidade das arbitragens da qual seja parte, nos termos da Lei n.º 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). 34 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 Em 2021 o STF decidiu que viola a CF a delegação a cada Poder para definir, por norma interna, as hipóteses pelas quais a divulgação de ato, programa, obra ou serviço públicos não constituirá promoção pessoal. O agente público não pode se valer do cargo que exerce ou dos recursos públicos que gere para a autopromoção política, sob pena de incorrer em desvio de finalidade e contrariar os princípios da impessoalidade e da probidade. Logo, a divulgação de atos e iniciativas de parlamentares é considerada legítima quando efetuada — com a finalidade exclusiva de informar ou educar — nos ambientes de divulgação do mandatário ou do partido político, não se havendo de confundi-la com a publicidade do órgão público ou entidade. Uma lei estadual que atribui a cada Poder a edição dos critérios pelos quais a divulgação de ato, programa, obra ou serviço públicos não será considerada promoção pessoal abre espaço indevido de regulamentação não previsto na CF/88, tornando deficiente a proteção contra eventuais desvios de finalidade. Não cabe a órgão ou Poder fixar critérios, pressupostos ou requisitos para a incidência de norma autoaplicável da Constituição, prevista no § 1º de seu art. 37 (STF, ADI 6.522, julgada em maio de 2021) . 1.2.6. Princípio da Eficiência É outro princípio expresso na CF, trazido pela EC 19/1998. Se traduz pela atuação competente, que alcança bons resultados com o mínimo de desperdício, evitando a morosidade, desperdício, baixa produtividade. É mais do que fazer melhor gastando menos, também significa executar a atividade com presteza, perfeição e bom rendimento funcional. Diogo de Figueiredo Moreira Neto22 aponta que este princípio marcou a passagem de um modelo burocrático para uma administração pública gerencial. A Administração Pública deve se aproximar, na medida do possível, do modelo de gestão da iniciativa privada. Assim o Estado deve se preocupar não só em cumprir as tarefas estabelecidas pela legislação, mas também em desempenhar tais atribuições com qualidade, perfeição e celeridade, visando a efetivação dos direitos fundamentais. Já Celso Antônio Bandeira de Mello23 diz que o princípio da eficiência decorre de uma faceta do princípio italiano da boa administração: o agente público deve sempre buscar a melhor e mais adequada solução, tendo como parâmetro o interesse público e a legalidade. Por exemplo a CF estabelece que, para adquirir estabilidade, o servidor deve passar por avaliação de desempenho (art. 41 §4º) e que mesmo após a estabilidade haverá avaliação de desempenho (art. 41 § 1º III). O princípio exige justamente que as ações públicas não desperdicem recursos e consigam implementar suas finalidades de forma econômica, ótima, valendo a pena o custo benefício, não podendo a Administração gastar mal. Haverá controle dos gastos e da aplicação de recursos, segundo o art. 70 CF. Não se trata de uma mera norma programática: há auditorias operacionais do TCU que visam justamente verificar o controle da eficiência de acordo com parâmetros objetivos. Embora o gestor tenha hoje uma discricionariedade considerável para estabelecer prioridades e gastos mais importantes no momento, em alguns casos específicos é possível verificar um total descompasso no que se refere à eficiência. Ressalte-se que eficiência não se resume apenas à rentabilidade, custo benefício, mas também celeridade e rapidez, está intrinsecamente ligada a uma razoável duração do processo administrativo e há controle sobre esta matéria. 1.2.7. Outros princípios a) Princípio da economicidade Intimamente ligado ao princípio da eficiência, a economicidade pode ser traduzida como o princípio do custo-benefício. Maria Sylvia Di Pietro indica que a economicidade, assim como a legitimidade, envolve MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. R. de Dir. Administrativo & Constitucional, ano 11, n. 45, jul./set. 2011. Belo Horizonte: Forum, 2011, p. 13-37. 23 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 50. 22 35 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 uma “questão de mérito, para verificar se o órgão procedeu, na aplicação da despesa pública, de modo mais econômico, atendendo, por exemplo, a uma adequada relação custo-benefício”24. Trata-se da adequação entre receita e despesa, o que permitirá que o não seja obrigado a fazer um maior sacrifício, suportando um peso maior de carga tributária para obter bens e serviços que estão disponíveis no mercado a menor preço. b) Princípio da razoabilidade e proporcionalidade O STF aplica com frequência estes princípios, que podem ser resumidos como uma conduta coerente equilibrada, sem excessos e pautada na racionalidade. Virgílio Afonso da Silva25 esclarece que os princípios não possuem origem brasileira. A razoabilidade teria sua origem nos Estados Unidos, pela common law, por uma leitura do devido processo legal: deve ter caráter substantivo, vedando excessos e atuações arbitrárias do Estado, permitindo o controle de mérito sobre a atuação do legislador no que tange a defesa dos direitos fundamentais, e como critério de aferição de constitucionalidade das leis. A proporcionalidade nasce na Alemanha, também permitindo que o Estado de Direito afaste a arbitrariedade. A Proporcionalidade desenvolve-se no âmbito do direito administrativo, para controle dos atos da Administração Pública. A doutrina alemã divide a proporcionalidade em subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. O razoável seria a ideia de que uma medida deve respeitar o bom senso, sendo adequada, racional, sem que haja especificação clara quanto a isso. Seria aferível apenas no caso concreto, ligada à ideia de bom senso ou boa medida. Já a proporcionalidade é mais específica, traz a ideia de que deve haver adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito ou sopesamento. Embora os princípios, em tese, não sejam sinônimos ou fungíveis, o STF comumente os aplica juntos, principalmente para controle de atos discricionários. A razoabilidade vai impor uma tríplice exigência ao desempenho da atividade administrativa, devendo o ato administrativo ser dotado de características que jurisprudência da Corte denomina de filtros, subprincípios ou testes: • • • Adequação ou idoneidade – ato deve ser apto para alcançar o fim pretendido; Necessidade ou exigibilidade – o ato deve ser o estritamente necessário para atingir o fim desejado, sempre se optando pela medida menos gravosa para o particular; Proporcionalidade – ponderação entre ônus imposto e benefício que será alcançado com o ato. O ato administrativo deve ser aprovado nos três testes acima. Para saber se um ato administrativo é adequado é preciso, em primeiro lugar, saber se a medida restritiva que se quer implementar de alguma forma contribui para o objetivo a ser alcançado. É sempre uma relação entre o fim que se quer atingir e o meio que se utiliza. Imagine que a polícia queira limitar uma manifestação que poderá reunir grupos em conflito, que potencialmente podem se agredir fisicamente. A ideia aqui é preservar vidas e a integridade física. Diferentes meios, de alguma forma, são adequados a esta finalidade. Para que seja adequado, basta que em alguma medida aquele meio contribua para o objetivo. É possível simplesmente cancelar a passeata, o que de alguma forma contribui para a finalidade. Dificilmente uma medida não será adequada, mesmo as medidas mais drásticas, porque de alguma forma atingem o objetivo. Na segunda fase, a da necessidade, é preciso verificar se existe um outro meio, igualmente efetivo, que irá atingir o objetivo com a mesma eficácia, mas menos gravoso para o direito fundamental e o interesse ali discutido. Seria possível, por exemplo, policiar o local, colocar muros entre as torcidas ou blocos de manifestantes etc. É comum imaginar que proibir a passeata não passa no crivo da necessidade, mas mesmo 24 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 25 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável in Revista dos Tribunais nº 798. São Paulo: RT, 2002, p. 23-50. 36 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER medidas extremas e drásticas podem atender à esse quesito, pois se essa necessidade se impõe, dificilmente se encontrará medida igualmente eficaz para atingir o objetivo. No teste final, da proporcionalidade em sentido estrito ou do sopesamento, o juiz constitucional deverá colocar na balança os dois interesses em jogo. Deve-se perguntar: ante a eficácia da medida drástica, que é uma forma adequada de colocar em equilíbrio o bem jurídico liberdade de expressão/manifestação/reunião, como fica o bem jurídico da segurança pública os direitos das pessoas que moram na região? Essa terceira etapa permite verificar se a medida violará ou não direitos fundamentais. A jurisprudência do STF apresenta outros casos de aplicação dos princípios. Por exemplo, a imposição de limite de idade para inscrição em concurso público apenas é legítima quando justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido (STF, ARE 678.112 RG); a exigência de altura mínima para o cargo de carreiras policiais é possível para o cargo de agente, mas não constitucional para a habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriturária (STF, RE 150.455); é possível apresentar apenas um documento com foto para votar, sem ter o titulo de eleitor em mãos não sendo razoável impedir o voto caso o cidadão não apresente os dois (STF, ADI 4.467). O princípio da proporcionalidade é essencial ao estado democrático de direito, pois proíbe o excesso, mas também proíbe a proteção deficiente. c) Princípio da autotutela Trata-se de um poder-dever. O princípio da autotutela permite que a Administração revise os seus atos tanto os ilegais, quanto os inconvenientes ou inoportunos: seja por meio de uma revogação (no caso de atos discricionários) ou por invalidação (no caso de atos ilegais). O STF, na Súmula 473, diz que a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direito, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 20, que dispõe: O exercício da autotutela administrativa, para o desfazimento do ato administrativo que produza efeitos concretos favoráveis aos seus destinatários, está condicionado à prévia intimação e oportunidade de contraditório aos beneficiários do ato. d) Princípio da presunção de legitimidade Os atos administrativos se revestem de uma presunção de legitimidade, ou seja, é uma presunção relativa de que os atos foram praticados conforme o direito. A legitimidade se divide em: • • • Presunção de verdade – se presume que das alegações da Administração Pública são verdadeiras; Presunção de legalidade – presunção de adequação dos atos às normas legais; Presunção relativa (juris tantum) – gera a inversão do ônus da prova em desfavor do administrado. Como consequência do princípio, as decisões administrativas possuem execução imediata, podem criar obrigações para os particulares, mesmo que estes não concordem, e o Poder Público pode executar suas próprias decisões sem a necessidade de prévio processo judicial. 37 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 e) Princípio da segurança jurídica O princípio da segurança jurídica fundamenta-se na necessidade da atuação da Administração Pública ser previsível e estável, evitando incertezas e receios nos particulares. Está previsto no art. 2º, caput, da Lei n.º 9.784/1999. A prescrição e a decadência são exemplos de institutos decorrentes da segurança jurídica. Por outro lado, a estabilidade difunde a consolidação das ações administrativas, criando novos mecanismos de defesa por parte do administrado, tais como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, de uso mais constante no direito privado. Segundo JJ Gomes Canotilho26 e José Santos Carvalho Filho27 o princípio da segurança jurídica pode ser visualizado sob dois prismas: • • Prisma objetivo – o princípio da segurança jurídica implica irretroatividade das normas, ou seja, a proteção de atos perfeitamente realizados conforme a norma que vigia à época. Trata-se a da inafastabilidade da estabilização jurídica (art. 5º, XXXVI CF) Prisma subjetivo – o princípio da segurança jurídica implica preservação das expectativas legítimas da sociedade. É o princípio da proteção da confiança legítima, que será explorado abaixo. Nesse sentido, o art. 24 da LINDB estabelece que a revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Ainda sobre o tema, leia o art. 30 da LINDB e o seu regulamento (o Decreto n.º 9.830/2019, especialmente o seu art. 19). f) Princípio da confiança legítima Decorrente da dimensão subjetiva da segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança legítima busca proteger o sentimento do indivíduo em relação a atos do Estado dotados de presunção de legitimidade e com a aparência de legalidade. Aponta a necessidade de ponderação de interesses e modulação de decisões trazidas por alterações supervenientes, na legislação ou no entendimento do Poder Público, que possam trazer instabilidade para a sociedade. Tem-se apontado limites para atuação da Administração Pública na revisão de seus atos, visando o respeito ao princípio da segurança jurídica. Há confiança legítima do cidadão no Estado, que deve ser protegida, e restringe a autotutela mesmo em algumas hipóteses de ilegalidade. A confiança legítima tem efeitos: • • Negativos ou de abstenção – Estado fica impedido de anular seus atos; Positivos – a expectativa criada no cidadão pelo Estado deve ser atendida. Há limites: a má-fé do particular impede a alegação de quebra da confiança; e se o caso for de mera expectativa (promessa em aberto, sem indício razoável que será cumprida). A promessa deve ser firme ou haver ato formal para gerar a exigência. Um exemplo de aplicação dessa dimensão está no art. 54 da Lei n.º 9.784/1994, ao determinar que a Administração pode anular atos administrativos, mas ao mesmo tempo consagra o princípio da segurança jurídica ao estabelecer que deve ser respeitado o prazo de 05 (cinco) anos para anular atos 26 27 CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 257. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p.34. 38 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 administrativos geradores de efeitos favoráveis para os destinatários, salvo se comprovada má-fé, contados da data em que praticados os referidos atos, ainda que anteriores à edição da lei. O art. 27 da Lei n.º 9.868/1999 e o art. 11 da Lei n.º 9.882/1999 permitem a modulação de efeitos em decisão acerca de controle de constitucionalidade, de modo a resguardar a confiança depositada pelo indivíduo na lei editada pelo Estado. O art. 23 da LINDB prevê que a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais. No campo da jurisprudência o STF já julgou que a União deveria indenizar os prejuízos causados a empresários do setor sucroalcooleiro em virtude de sua intervenção no domínio econômico, fixando preços inferiores aos propostos por autarquia vinculada ao próprio governo (RE 422.941/DF). Por seu turno, o STJ decidiu que a União não tem de indenizar indústrias nacionais prejudicadas com a redução das alíquotas do imposto de importação, visto que não há direito subjetivo da indústria quanto à manutenção da alíquota do imposto de importação, não havendo quebra do princípio da confiança (REsp 1.492.832/DF). Todavia, o STF, por meio do Informativo 833, decidiu que a Administração Pública não pode, depois de terem se passado mais de 05 anos, anular a anistia política concedida mesmo que, antes de completar este prazo, a AGU tenha emitido nota questionando os critérios adotados na concessão. A nota emitida pela AGU teve efeito similar ao de um parecer e, por isso, não impediu o fluxo do prazo decadencial, não podendo ser classificada como "exercício do direito de anular", para os fins do § 2º do art. 54 da Lei n.º 9.784/1999. Vale ressaltar que, no caso concreto, não ficou demonstrada má-fé do interessado. Além disso, não houve flagrante inconstitucionalidade na concessão de anistia, mas sim nova interpretação da Administração Pública quanto ao efetivo enquadramento como anistiado político. Por outro lado, o Supremo entendeu que o servidor que recebeu auxílio-moradia apresentando declaração falsa de que havia se mudado para outra cidade terá que ressarcir o erário e devolver os valores recebidos mesmo que já se tenha passado mais de 05 anos, desde a data em que o pagamento foi autorizado. (Inf. 839, STF). g) Princípio da motivação Impõe a necessidade de externalizar os motivos, ou seja, os fundamentos da decisão estatal. Ao explicitar o fundamento normativo e o raciocínio que levou ao ato ou a decisão, permite-se o exercício do controle seja ele interno, externo e/ou pelo cidadão. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 12, que dispõe: a decisão administrativa robótica deve ser suficientemente motivada, sendo a sua opacidade motivo de invalidação. h) Princípios do informalismo e da simplificação O princípio da simplificação e o princípio do informalismo ou formalidade moderada caminham juntos. Os atos administrativos devem ser realizados, veiculados e ter o seu teor da maneira mais simples possível, visando alcançar a eficiência administrativa. Os atos administrativos devem gerar o mínimo de encargo sobre os interessados: a Administração deve procurar os procedimentos, documentos e atos que tenham de praticar ou enviar para as entidades competentes, bem como a necessidade de deslocações físicas. 39 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER i) Princípio da igualdade O princípio da igualdade baseia-se na máxima aristotélica, posteriormente explicada por Rui Barbosa: igualdade é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades – igualdade do ponto de vista material. Como reflexo do princípio da igualdade, há a chamada teoria da autovinculação administrativa, reflexo da “autolimitação administrativa”, explicada por Paulo Otero 28 como as medidas adotadas pelo Poder Público que geram, a ele próprio, determinadas contenções. A autovinculação administrativa significa uma limitação à prática dos atos administrativos, mesmo os discricionários, em razão de precedentes administrativos anteriores. Os precedentes administrativos impedem o atuar contraditório pela Administração Pública, ainda que o ato seja discricionário. A fixação um entendimento pela Administração Pública, por respeito à boa-fé ou igualdade, a vinculará quando for analisar outra relação jurídica similar. Rafael Carvalho Rezende de Oliveira29 esclarece que O precedente administrativo pode ser conceituado como a norma jurídica retirada da decisão administrativa anterior, válida e de acordo com o interesse público, que, após decidir determinado caso concreto, deve ser observada em casos futuros e semelhantes pela Administração. A Administração poderá alterar o seu entendimento (overruling), mas essa alteração deverá ser prospectiva (prospect overruling), além de não ensejar efeitos retroativos, sob pena de violação à segurança jurídica. Nesse sentido, o art. 30 da LINDB esclarece que: Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. Veja, ainda. o art. 2º, parágrafo único, XIII e o art. 50, VII, da Lei n.º 9.784/1999. Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; j) Princípio da finalidade pública Com base neste princípio a Administração deverá atuar, nas suas ações e prerrogativas, de acordo com uma finalidade: atender aos interesses da coletividade, explícito ou implícito na ordem jurídica. O desvio dessa finalidade torna o ato ilegal, e poderá ser: Cf. OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003. 29 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de Oliveira. Precedentes no Direito Administrativo. Forense. Rio de Janeiro, 2018, p. 95. 28 40 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER • • Desvio de finalidade genérico – quando a ação administrativa não atende a qualquer interesse público. Por exemplo, quando o prefeito desapropria imóvel de um desafeto, apenas por vingança. Desvio de finalidade específico – quando o Estado, embora tenha uma intenção de atender aos anseios públicos em sua atuação, se desvia do que determina a lei. Assim, caso um servidor cometa um erro passível de punição, mas ao invés de instaurar um Processo Administrativo Disciplinar seu superior simplesmente o remove para outra comarca, haverá desvio de finalidade. l) Princípio da ampla defesa e contraditório Por força da Constituição deve ser observado o direito de ampla defesa e contraditório a todo cidadão também no processo administrativo. A regra geral é que o contraditório seja prévio. Eventualmente, em casos de urgência, é possível que o contraditório seja diferido. O contraditório deve ser protegido em seus dois aspectos, formal e material. No sentido formal, o contraditório significa a possibilidade de a pessoa ser ouvida, já o material significa que a manifestação do particular deve ser capaz de modificar o convencimento de quem irá decidir – em outras palavras a oitiva do administrado não pode ser um ato meramente pro forma em um processo em que a decisão final já esteja previamente formada. É absolutamente necessário que o contraditório seja substancial. Além de ser ouvido, em regra previamente, o administrado deve ter a possibilidade de influir no juízo de quem decidirá. Sobre a questão deve ser observada a Súmula Vinculante nº 05 do STF: Súmula Vinculante 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. A análise detalhada da Súmula Vinculante n.º 05 do STF é importantíssima, uma vez que esta se contrapõe à súmula 343, do STJ (“é obrigatória a presença de advogado em todas as fases de processo administrativo disciplinar”). O STJ jamais alterou expressamente o seu entendimento, mas atualmente prevalece que a Súmula 343 está revogada. Portanto, em um processo administrativo, não necessariamente disciplinar, o administrado pode ser acompanhado por advogado apenas se assim desejar. Caso o acusado não tenha assistência jurídica, esta circunstância não gerará a nulidade do processo administrativo. Outro importante entendimento, também muito cobrado, está na Súmula Vinculante 21: Súmula Vinculante 21. É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo. Certas leis, sobretudo em matéria tributária, condicionam a interposição de recurso administrativo a depósito prévio, uma vez que a sua interposição seria causa de suspensão do crédito tributário. O fisco desejava condicionar o exercício do direito do recurso a um depósito integral do valor da dívida. Entendeu o STF que tal ato é inconstitucional: caso, por ventura, ainda existam leis formalmente permitindo esta exigência, estas não podem ser aplicadas pelos entes federativos, não prevalecem ante a vedação da súmula vinculante. Uma observação importante diz respeito ao prazo para a Administração anular seus próprios atos. É sabido que no artigo 54, da Lei do Processo Administrativo postula prazo decadencial para que a Administração possa anular seus atos: Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. 41 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER Em virtude da segurança jurídica, essa possibilidade não é infinita. A Administração tem em regra 05 anos, salvo má-fé do beneficiado, para anular seus próprios atos – comprovada a má-fé de quem se beneficiou não existe prazo, pode-se anular a qualquer tempo. Mas atenção: leis específicas podem estipular prazos diferentes da regra geral de 05 anos. O que fazer quando o ente federativo (estado-membro, município ou o Distrito Federal) não possua lei específica que preveja prazo decadencial para anulação? A Administração teria a eternidade para anular atos? O STJ proferiu uma decisão emblemática sobre o tema, com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entendendo que deve ser aplicado o prazo decadencial de 05 anos da Lei Federal por analogia integrativa, não obstante a autonomia legislativa dos entes para regular a matéria em seus territórios. (STJ, MS 18.338/DF). Deve-se lembrar, porém, que o Supremo Tribunal Federal entendeu que prazo decadencial do art. 54 da Lei n.º 9.784/1999 não se aplica quando o ato a ser anulado afronta diretamente a Constituição Federal. A situação de flagrante inconstitucionalidade não pode ser amparada em razão do decurso do tempo ou da existência de leis locais que, supostamente, agasalham a pretensão de perpetuação do ilícito. [...] A inconstitucionalidade prima facie evidente impede que se consolide o ato administrativo acoimado desse gravoso vício em função da decadência (MS 26.860). Observe ainda a Súmula Vinculante n.º 03: Súmula Vinculante 3. Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. Esta Súmula Vinculante tem sido muito cobrada em concursos públicos. O STF entende que os atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões têm natureza complexa (MS 3.881). A análise do TCU é necessária para completar o ato administrativo de concessão, por força do art. 71 III CF e do art. 54 da Lei n.º 9.784/1999. Em outras palavras, o ato do TCU é essencial, não meramente homologatório. Porém esta apreciação dispensa um processo formal, com atendimento a todos os princípios constitucionais processuais, sendo, na verdade, um ato de verificação do valor dos proventos. O STF entendeu e sumulou que a análise do TCU dispensa o contraditório: como o ato é complexo, a aposentadoria nunca foi de fato concedida, pois o ato só se completa após a decisão do TCU. A súmula causa estranheza inicial, justamente porque seria uma exceção ao contraditório e ampla defesa no processo administrativo. Porém, isso ocorre porque o ato é complexo, ou seja, quando o cidadão apresentou o requerimento já deveria saber que a obtenção de sua aposentadoria só ocorreria com o ato do TCU. Porém, como a concessão de aposentadorias, reformas e pensões são essenciais à manutenção e à subsistência dos indivíduos, geralmente o órgão competente inicia o pagamento antes da análise do TCU. Na prática o TCU só realiza o controle de legalidade após um longo período em que o benefício já está sendo pago. E, como já visto, o Direito Administrativo atual também apresenta como princípios a segurança jurídica e o respeito à confiança legítima. Caso o entendimento fosse que a concessão da aposentadoria, reforma ou pensão efetivamente se aperfeiçoasse com o ato de concessão inicial a Administração Pública teria cinco anos para, constatada alguma ilegalidade, anular o benefício, salvo comprovada má-fé. Para evitar isso é que o STF entende que o ato que concede a aposentadoria é ato complexo – a ideia é um ato que exige duas manifestações independentes de vontade, ou seja, enquanto o TCU não se manifesta, a aposentadoria não começa efetivamente, já que o ato administrativo não se aperfeiçoa. Em outras palavras a concessão inicial pelo órgão previdenciário e a análise do TCU são na verdade um único ato, de formação longa no tempo, que somente se completaria com o registro efetuado pelo TCU. 42 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER Logo, duas consequências ocorrerão: • • A decadência do direito da Administração anular a concessão do benefício não ocorrerá enquanto o TCU não efetuar o registro. O prazo de cinco anos previsto no art. 54 da Lei n.º 9.784/1999 só começará a fluir após o registro efetuado pelo TCU. Não cabe cogitar contraditório e ampla defesa previamente à atuação do TCU. A análise da corte de contas pode ocorrer sem que o particular apresente sua manifestação. Em 19/02/2020 o STF entendeu em repercussão geral que o TCU tem cinco anos, contados do recebimento do processo de aposentadoria, reforma ou pensão, para negar o registro do benefício, por motivo de ilegalidade. Passado esse prazo, fica extinto esse direito, ou seja, o benefício não mais poderá ser cancelado/anulado. Foi fixada a tese que “em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de cinco anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas” (RE 636.553/RS). Por fim o STF já havia declarado que [...] não há direito adquirido a regime jurídico referente à composição dos vencimentos de servidor público, podendo, destarte, a Corte de Contas da União concluir pela ilegalidade do ato de concessão de aposentadoria se a conclusão obtida, embora respeitando decisão judicial transitada em julgado, se fundamenta na alteração do substrato fático-jurídico em que proferido o decisum (tais como alteração do regime jurídico do vínculo ou reestruturação da carreira. (MS 35.303 AgR, rel. min. Dias Toffoli, julgado em 05/02/2018). n) Princípio da continuidade Trata-se de um princípio implícito, ligado à prestação de serviços públicos, que não pode ser interrompida, sob pena de grave prejuízo à coletividade. Não se trata de prestar o serviço em horário integral, e sim de garantir a prestação de acordo com a necessidade da população. Duas questões comumente cobradas em concursos derivam deste princípio. A primeira se refere ao direito de greve do servidor público. Nem sempre a greve será permitida. Categorias militares, inclusive o corpo de bombeiros e as polícias militares, são consideradas essenciais e portanto este direito é mitigado (art. 142, da CF). Para os demais servidores o direito de greve é possível. O art. 37, inc. VII CF não possui eficácia plena, exigindo a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Como a mesma não foi editada o STF consolidou, nos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, o entendimento que deve ser aplicado, por analogia à Lei de Greve (Lei n.º 7.783/1989) que rege a paralisação dos celetistas à esfera pública. Porém essa aplicação deverá ser feita com adaptações. O STF entende que a greve deve ser ponderada com o princípio da continuidade do serviço público. Logo, alguns pontos devem ser observados: • • • • A paralisação dos serviços (quaisquer que sejam) pode ser apenas parcial. A regularidade na prestação deve ser mantida, especialmente visando suprir as necessidades urgentes da população, sob pena de configurar abuso de direito. A Administração Pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público (STA 867 MC). O movimento grevista deve cientificar a Administração com antecedência mínima de 72 horas da paralização, mediante comunicação formal. 43 FLÁVIA LIMMER • REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 Necessidade da paralisação deverá ser parcial, assegurando o funcionamento dos serviços essenciais em cota mínima. A segunda se refere a suspensão do serviço público por inadimplemento. Por exemplo, há possibilidade do corte de fornecimento de água e luz em razão do não pagamento da conta? Apesar da divergência entre o art. 6º, § 3º, II Lei n.º 8.987/1995 e o art. 22 do CDC, pacificou-se o entendimento de que havendo inadimplemento é possível o corte do fornecimento. Porém não se admite o corte de fornecimento de serviços essenciais, tais como escolas, hospitais ou presídios. Nesse caso, há uma essencialidade do serviço público, que sobretudo é prestado à coletividade (STJ, REsp 285.262-MG). Deve-se ressaltar que em razão da pandemia de COVID19 alguns Tribunais de Justiça concederam decisões cautelares suspendendo a possibilidade de interrupção de fornecimento de serviços essenciais, inclusive de telefonia e internet, enquanto perdurasse o período de isolamento. Em 08/04/2021 o STF (por apertada maioria) julgou constitucional a lei do estado de Roraima que, entre outros pontos, veda o corte no fornecimento de energia elétrica e de outros serviços públicos essenciais por falta de pagamento, suspende a incidência de multas e juros por atraso e possibilita o parcelamento de débitos das faturas referentes ao período de contingência (ADI 6.432/RR). O voto da Min. Relatora considerou que a lei em questão versa sobre a relação entre o usuário do serviço público e a empresa concessionária, possuindo natureza consumerista. Como não atingiria frontalmente a relação contratual estabelecida entre a concessionária e o Poder Público, titular do serviço, nem o núcleo de atuação das empresas voltadas à prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica, não haveria, em seu entendimento, invasão de competência legislativa privativa da União. O mesmo entendimento foi adotado no julgamento da ADI 6.588/AM, em maio de 2021, quando o STF julgou que, desde que atendida a razoabilidade, é constitucional legislação estadual que prevê a vedação do corte do fornecimento residencial dos serviços de energia elétrica, em razão do inadimplemento, parcelamento do débito, considerada a crise sanitária. Soma-se que a superveniência da Lei Federal n.º 14.015/2020, que dispõe sobre interrupção, religação ou restabelecimento de serviços públicos, editada em razão da pandemia de Covid-19, não afastaria a competência estadual para disciplinar a matéria de proteção e defesa do consumidor de forma mais ampla do que a estabelecida pela legislação federal. O fornecimento de energia elétrica, segundo seu voto, constitui direito fundamental relacionado à dignidade humana, ao direito à saúde, à moradia, à alimentação, à educação e à profissão, "constituindo-se em serviço público essencial e universal, que deve estar disponível a todos os cidadãos, especialmente no complexo contexto pandêmico vivenciado" (STF, ADI 6.432). A decisão vai de encontro com a jurisprudência tradicional do STF, que costuma entender que tais leis estaduais não configuram exercício de competência legislativa suplementar em matéria de “consumo” (CF, art. 24, V) ou de “responsabilidade por dano ao consumidor” (CF, art. 24, VIII). Pelo contrário, segundo os precedentes, quando os estados editam normas dirigidas às empresas prestadoras de serviços de energia elétrica, dispondo sobre direitos dos usuários e obrigações das concessionárias, na verdade estão usurpando a competência legislativa privativa da União Federal em tema de organização do setor energético (CF/88, art. 21, XII, “b”, art. 22, IV, e art. 175) e intervindo, indevidamente, no âmbito das relações contratuais entre o poder concedente e as empresas delegatárias de tais serviços públicos (STF, ADI 2.337/SC julgada em 19/10/2020; ADI 5.610/BA e ADI 5.568/PB, julgadas em 2019). A última se refere ao inadimplemento por parte da administração pública, quando esta contrata particulares para a prestação de serviços ou fornecimento de bens, em razão da não aplicação da teoria da exceção de contrato não cumprido aos contratos administrativos (Art. 39 Lei n.º 8.987/1995). Esta questão será explorada em item específico, mas brevemente adianta-se que não é possível invocar a exceção do contrato não cumprido se o inadimplemento não superar 90 dias. É importante lembrar que a supremacia 44 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER do interesse público confere prerrogativas à Administração Pública, e uma delas é: se o Estado não paga o concessionário, este não pode de imediato interromper o serviço, devendo aguardar minimamente 90 dias. o) Princípio da intranscendência e atos praticados pelas gestões anteriores Segundo o entendimento do STF, o Estado só pode sofrer restrições nos cadastros de devedores da União por atos praticados pelo Poder Executivo. Dessa forma, atos do Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e dos entes da Administração Pública indireta (como as autarquias e as empresas públicas) não podem gerar sanções da União contra o Estado, diante da ausência de ingerência direta do Executivo sobre eles. Na mesma linha, o princípio da intranscendência subjetiva das sanções proíbe a aplicação de punições às Administrações atuais por atos de gestão praticados por gestores anteriores. Para isso, a gestão atual deverá tomar medidas para ressarcir o erário e corrigir as falhas após sua posse, por exemplo apresentando os documentos cabíveis ao órgão fiscalizador, ajuizando ações de ressarcimento contra o antigo gestor etc. Caso o faça, o ente federativo não poderá ser incluído nos cadastros de inadimplentes da União (STF AC 2614/PE, AC 781/PI e AC 2946/PI, Info 791). Em 05/08/2020 o STF decidiu que é possível ao Município obter certidão positiva de débitos com efeito de negativa quando a Câmara Municipal do mesmo ente possui débitos com a Fazenda Nacional, tendo em conta o princípio da intranscendência subjetiva das sanções financeiras (RE 770.149). p) Princípio da responsividade Segundo Alexandre Mazza30 a Administração deve reagir adequadamente às demandas da sociedade, principalmente no que concerne a responsabilidade fiscal, tanto evitando gastos e endividamentos desnecessários, mas principalmente em relação ao dever do administrador público de prestar contas. Trata-se da teoria da accountability (ou da responsividade), de origem norte-americana. Segundo ela, a função do administrador público inclui o dever subjetivo de prestar contas pela legitimidade das suas escolhas fiscais. O princípio da responsividade prevê que o administrador público deve ser responsabilizado quando não observa a vontade do administrado, supostamente constante na lei, inclusive orçamentária. 2. JURISPRUDÊNCIA 2.1. Súmulas do STF Súmula vinculante 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. 30 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123. 45 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER Súmula 06: A revogação ou anulação, pelo Poder Executivo, de aposentadoria, ou qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não produz efeitos antes de aprovada por aquele tribunal, ressalvada a competência revisora do judiciário. 2.2. Súmulas do STJ Súmula 615: Não pode ocorrer ou permanecer a inscrição do município em cadastros restritivos fundada em irregularidades na gestão anterior quando, na gestão sucessora, são tomadas as providências cabíveis à reparação dos danos eventualmente cometidos. 2.3. Informativos do STF31 STF, Info 956. Plenário. RE 817338/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/10/2019. Repercussão geral – Tema 839 No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas. STF, Info 951. Plenário. ACO 2892 AgR/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/9/2019 A Corte tem afastado a aplicação da SV 13 a cargos públicos de natureza política, como são os cargos de Secretário Estadual e Municipal. Mesmo em caso de cargos políticos, será possível considerar a nomeação indevida nas hipóteses de: nepotismo cruzado; fraude à lei e inequívoca falta de razoabilidade da indicação, por manifesta ausência de qualificação técnica ou por inidoneidade moral do nomeado. STF, Info 952. 1ª Turma. Rcl 29033 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/9/2019. O cadastro restritivo não deve ser feito de forma unilateral e sem acesso à ampla defesa e ao contraditório. Isso porque, muitas vezes, a inscrição pode ter, além de motivação meramente financeira, razões políticas. Assim, ao poder central (União) é possível suspender imediatamente o repasse de verbas ou a execução de convênios, mas o cadastro deve ser feito nos termos da lei, ou seja, mediante a verificação da veracidade das irregularidades apontadas. Isso porque o cadastro tem consequências, como a impossibilidade da repartição constitucional de verbas das receitas voluntárias. A tomada de contas especial, procedimento por meio do qual se alcança o reconhecimento definitivo das irregularidades, com a devida observância do contraditório e da ampla defesa, tem suas regras definidas em lei. Ao final, é possível tornar o dano ao erário dívida líquida e certa, e a decisão tem eficácia de título executivo extrajudicial. STF, Info 825. 1ª Turma. ACO 732/AP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2016. É necessária a observância da garantia do devido processo legal, em especial, do contraditório e da ampla defesa, relativamente à inscrição de entes públicos em cadastros federais de inadimplência. Assim, a União, antes de incluir Estados-membros ou Municípios nos cadastros federais de inadimplência (exs: CAUC, SIAF) deverá assegurar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. STF Info 815. 2ª Turma. Rcl 18564/SP, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 23/2/2016. Não há nepotismo na nomeação de servidor para ocupar o cargo de assessor de controle externo do Tribunal de Contas mesmo que seu tio (parente em linha colateral de 3º grau) já exerça o cargo de assessor-chefe de gabinete de determinado Conselheiro, especialmente pelo fato de que o cargo do referido tio não tem qualquer poder legal de nomeação do sobrinho. A incompatibilidade da prática enunciada na SV 13 com o art. 37 da 31 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 46 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público, mas de presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionado à pessoa com relação de parentesco com quem tenha potencial de interferir no processo de seleção. STF, Info 782. Plenário. ARE 652777/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 23/4/2015 (repercussão geral). É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes de seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias. STF, Info 732. 2ª Turma. RMS 31661/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/12/2013. A Administração Pública pode anular seus próprios atos quando estes forem ilegais. No entanto, se a invalidação do ato administrativo repercute no campo de interesses individuais, faz-se necessária a instauração de procedimento administrativo que assegure o devido processo legal e a ampla defesa. Assim, a prerrogativa de a Administração Pública controlar seus próprios atos não dispensa a observância do contraditório e ampla defesa prévios em âmbito administrativo. 2.4. Informativos do STJ32 STJ Info 634. REsp 1412433-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo). Na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no aparelho medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte administrativo do fornecimento do serviço de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado correspondente ao período de 90 (noventa) dias anterior à constatação da fraude, contanto que executado o corte em até 90 (noventa) dias após o vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos mencionados 90 (noventa) dias de retroação. STJ, Info 598. 1ª Turma. REsp 1270339-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 15/12/2016. Em regra, o serviço público deverá ser prestado de forma contínua, ou seja, sem interrupções (princípio da continuidade do serviço público). Excepcionalmente, será possível a interrupção do serviço público nas seguintes hipóteses previstas no art. 6º, § 3º da Lei n.º 8.987/95: a) Em caso de emergência (mesmo sem aviso prévio); b) Por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, desde que o usuário seja previamente avisado; c) Por causa de inadimplemento do usuário, desde que ele seja previamente avisado. Se a concessionária de energia elétrica divulga, por meio de aviso nas emissoras de rádio do Município, que haverá, daqui a alguns dias, a interrupção do fornecimento de energia elétrica por algumas horas em virtude de razões de ordem técnica, este aviso atende a exigência da Lei nº 8.987/95? SIM. A divulgação da suspensão no fornecimento de serviço de energia elétrica por meio de emissoras de rádio, dias antes da interrupção, satisfaz a exigência de aviso prévio, prevista no art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95. STJ, Info 540. 1ª Turma. REsp 1.193.248-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 24/4/20. 1. Não configura improbidade administrativa a contratação, por agente político, de parentes e afins para cargos em comissão ocorrida em data anterior à lei ou ao ato administrativo do respectivo ente federado que a proibisse e à vigência da Súmula Vinculante 13 do STF. STJ, Info 529. 1ª Turma. AgRg no RMS 40427-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 3/9/2013. 32 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 47 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 O ato de remoção de servidor público por interesse da Administração Pública deve ser motivado. Caso não o seja, haverá nulidade. No entanto, é possível que o vício da ausência de motivação seja corrigido em momento posterior à edição dos atos administrativos impugnados. Assim, se a autoridade removeu o servidor sem motivação, mas ela, ao prestar as informações no mandado de segurança, trouxe aos autos os motivos que justificaram a remoção, o vício que existia foi corrigido. STJ. 1ª Turma. AgRg no RMS 40427-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 3/9/2013 (Info 529O ato de remoção de servidor público por interesse da Administração Pública deve ser motivado. Caso não o seja, haverá nulidade. No entanto, é possível que o vício da ausência de motivação seja corrigido em momento posterior à edição dos atos administrativos impugnados. Assim, se a autoridade removeu o servidor sem motivação, mas ela, ao prestar as informações no mandado de segurança, trouxe aos autos os motivos que justificaram a remoção, o vício que existia foi corrigido. STJ, Info REsp 730.800-DF, Rel. Min.Franciulli Netto, julgado em 6/9/2005. Não pode a Administração, após a efetivação do contrato e a prestação dos serviços, reter o pagamento ao fundamento de que não comprovada a regularidade fiscal pela empresa contratada, porquanto isso fere os princípios da moralidade administrativa e da legalidade. No caso, cuidou-se do fornecimento de “quentinhas” e sequer foi exigida a certidão de regularidade fiscal (art. 29, III, da Lei n.8.666/1993) quando da habilitação dos concorrentes. QUESTÕES 1. (MPE-BA) CEFET BA, 2018. De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prática do nepotismo nas nomeações para cargo em comissão, de confiança ou de função gratificada, é correto afirmar que a) vedação à prática do nepotismo abrange toda a administração pública, exceto as empresas estatais, em função do regime híbrido de pessoal a que estão submetidas. b) com fundamento na máxima proteção à moralidade administrativa, a Lei Estadual pode ampliar a vedação ao nepotismo para os cargos de provimento efetivo por concurso público. c) desde que haja previsão expressa em Lei Estadual, é possível excepcionar as vedações à prática dos atos de nepotismo, já que a matéria não se encontra regulada em Lei Federal. d) excepcionalmente, é possível a análise da configuração da prática vedada de nepotismo em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, desde que, em análise concreta, além do parentesco, seja verificada troca de favores ou fraude à lei. e) para a configuração da prática ilícita de nepotismo, nos cargos administrativos e políticos, basta a configuração da relação de parentesco entre a autoridade nomeante ou servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, e, de outro lado, o nomeado: cônjuge, companheiro, parente em linha reta ou colateral ou por afinidade até o terceiro grau. 2. (TJCE) CESP, 2018. Considerando o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca dos princípios constitucionais e infraconstitucionais que regem a atividade administrativa, julgue os itens a seguir. I Em obediência ao princípio da legalidade, a vedação à prática do nepotismo no âmbito da administração pública é condicionada à edição de lei formal. II A publicidade é condição de eficácia dos atos administrativos, razão pela qual pode caracterizar prática de ato de improbidade administrativa a desobediência ao dever de publicação de atos oficiais. III Viola o princípio da isonomia a previsão de critérios discriminatórios de idade em certame de concursos públicos, ressalvados os casos em que a natureza das atribuições do cargo justificar. IV O princípio da proteção da confiança legítima não autoriza a manutenção em cargo público de servidor público empossado por força de decisão judicial de caráter provisório posteriormente revista, ainda que decorridos mais de cinco anos da investidura no cargo. Estão certos apenas os itens a) I e II. b) I e III. c) III e IV. d) I, II e IV. 48 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 e) II, III e IV. 3. (PGE-PE). CESPE, 2018. Considerando a doutrina e o entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores acerca do regime jurídico-administrativo e do princípio constitucional da legalidade na administração pública, assinale a opção correta. a) O princípio da legalidade veda à administração a prática de atos inominados, embora estes sejam permitidos aos particulares. b) Em virtude do princípio da reserva legal, a administração pública deve fazer o que está prescrito em lei e abster-se de atuar quando a lei proibir. c) A utilização de prova emprestada nos processos administrativos disciplinares ofende o princípio da legalidade. d) Apesar de estar submetida à legalidade estrita, a administração pública poderá interpretar normas de maneira extensiva ou restritiva com relação aos direitos dos particulares quando não existir conteúdo legal expresso. e) Aplica-se a teoria do fato consumado no caso de remoção de servidor público para acompanhar cônjuge em virtude de decisão judicial liminar, ainda que a remoção não se ajuste à legalidade estrita. 4. (PGE-TO) FCC, 2018. Acerca das modernas correntes doutrinárias que buscam repensar o Direito Administrativo no Brasil, Carlos Ari Sundfeld observa: Embora o livro de referência de Bandeira de Mello continue saindo em edições atualizadas, por volta da metade da década de 1990 começou a perder aos poucos a capacidade de representar as visões do meio – e de influir [...] Ao lado disso, teóricos mais jovens lançaram, com ampla aceitação, uma forte contestação a um dos princípios científicos que, há muitos anos, o autor defendia como fundamental ao direito administrativo [...]. (Adaptado de: Direito administrativo para céticos, 2a ed., p. 53) O princípio mencionado pelo autor e que esteve sob forte debate acadêmico nos últimos anos é o princípio da a) presunção de legitimidade dos atos administrativos. b) processualidade do direito administrativo. c) supremacia do interesse público. d) moralidade administrativa. e) eficiência. 5. (TRF-5) CEBRASPE/CESPE, 2018. Acerca dos princípios constitucionais e legais que regem a administração pública, assinale a opção correta. a) Situação hipotética: Lei de determinado estado da Federação estipula programa de incentivo fiscal exclusivamente para atletas nascidos no estado e que tenham a melhor classificação no campeonato estadual. Assertiva: Nessa situação, para o STF, a fixação de condições formais para a concessão de benefício fiscal exime a lei estadual de resguardar o tratamento isonômico no que se refere aos concidadãos. b) Conforme o STJ, o princípio da continuidade dos serviços públicos não impede a interrupção do fornecimento de energia elétrica destinada à iluminação pública de hospital municipal inadimplente. c) Situação hipotética: Uma autarquia federal constatou, a partir de denúncia, que servidor efetivo com dois anos de exercício no cargo havia apresentado documentação falsa para a investidura no cargo. Assertiva: Nessa situação, conforme o STF, os atos praticados pelo servidor até o momento são válidos, em razão dos princípios da proteção à confiança e da segurança jurídica. d) Não configura ofensa ao princípio da moralidade a nomeação de esposa de magistrado, devidamente concursada, para função de confiança diretamente subordinada ao juiz cônjuge. e) Todo ato administrativo emitido por agente público submete-se ao princípio da legalidade; quando o ato atende exclusivamente à legalidade, exclui-se do controle judicial o juízo de conveniência e oportunidade. 6. (PGE-SE) CESPE, 2017. Considerando os princípios constitucionais e legais, implícitos e explícitos, que regem a atividade da administração pública, assinale a opção correta. 49 REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 FLÁVIA LIMMER a) Os princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público guiam a atuação do administrador, de modo que apenas o juízo discricionário excepciona-se ao controle judicial. b) Em decorrência do princípio da reserva legal, a administração pública está autorizada a fazer apenas aquilo que não seja legalmente proibido. c) De acordo com o STJ, o princípio da continuidade dos serviços públicos não impede a interrupção do fornecimento de energia elétrica para município inadimplente, ainda que o valor cobrado esteja sob questionamento em sede administrativa. d) Em virtude dos princípios da proteção à confiança e da segurança jurídica, entende o STF que podem ser considerados válidos os atos praticados por agente público ilegalmente investido. e) Por ser um princípio estruturante implícito da atuação da administração pública, na prática, a supremacia do interesse público é um conceito jurídico indeterminável. COMENTÁRIOS 1 – Gabarito D a) Incorreta, conforme o próprio texto da Súmula Vinculante nº 13. b) Incorreta. Norma que impede nepotismo no serviço público não alcança servidores de provimento efetivo. Info 786 STF c) Incorreta. "É inconstitucional lei estadual que excepciona a vedação da prática do nepotismo, permitindo que sejam nomeados para cargos em comissão ou funções gratificadas de até dois parentes das autoridades estaduais, além do cônjuge do Governador." STF. Plenário. ADI 3745/GO, rel. Min. Dias Toffoli, 15/5/2013 (Info 706). d) Correta. STF. 1ª Turma. Rcl 29033 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/9/2019 (Info 952). e) Incorreta. "Não há nepotismo na nomeação de servidor para ocupar o cargo de assessor de controle externo do Tribunal de Contas mesmo que seu tio (parente em linha colateral de 3º grau) já exerça o cargo de assessor-chefe de gabinete de determinado Conselheiro, especialmente pelo fato de que o cargo do referido tio não tem qualquer poder legal de nomeação do sobrinho. A incompatibilidade da prática enunciada na SV 13 com o art. 37 da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público, mas de presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionado à pessoa com relação de parentesco com quem tenha potencial de interferir no processo de seleção." STF. 2ª Turma. Rcl 18564/SP, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 23/2/2016 (Info 815). 2 – Gabarito E I – Errada. Segundo o STF a vedação do nepotismo decorre diretamente dos princípios constitucionais, especialmente os da moralidade e da impessoalidade, não demandando edição de lei formal. II – Correta. Ver art. 11, IV, da Lei 8.429/92. III – Correta. Os critérios para cargos públicos devem obedecer os princípios da isonomia e da razoabilidade, só podendo ser estabelecidos em razão da natureza e atribuição do cargo. Cf. Súmula 683 STF: "o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido." IV – Correta. Cf. STF, RE 608.482. A teoria do fato consumado não é compatível com o sistema de acesso a cargos públicos, quando o candidato tomou posse em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, posteriormente cassado. 3 – Gabarito A a) Correta b) Errada. Na parte final da questão está descrito o princípio da legalidade quando aplicável a particulares. Soma-se que não se confunde o princípio da legalidade (em que a Administração Pública deve se pautar na norma jurídica em sentido amplo) com o da reserva legal (que postula que determinadas matérias devem ser regulamentadas por lei formal). c) Errada. Súmula 591, STJ: é permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar; desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa. 50 FLÁVIA LIMMER REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO • 2 d) Errada. A Administração Pública não pode realizar interpretação extensiva ou restritiva salvo quando a lei assim determinar. STJ RMS 26944/CE. e) Errada. A teoria do fato consumado não pode ser aplicada para validar a remoção de servidor público destinada a acompanhamento de cônjuge. STJ, EREsp 1.157.628-RJ. 4 – Gabarito C De acordo com autores tradicionais, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Di Pietro, a supremacia do interesse público sobre o particular consubstancia um princípio do ordenamento jurídico brasileiro, ainda que não esteja expressamente contemplado em nenhum texto normativo. Para eles, no conflito entre o interesse do administrado e o do Poder Público, este último sempre irá prevalecer, por que em tese representa o interesse da coletividade. Já uma segunda corrente contesta a versão clássica da supremacia do interesse público sobre o privado: Humberto Ávila, Daniel Sarmento, Gustavo Binenbojm e Alexandre Aragão. Sustentam que em uma sociedade plural e complexa, não se pode destacar apenas um interesse público. Pelo contrário, vários coexistem, tal como saúde pública, acesso à educação, liberdade de expressão, geração de empregos, preservação ambiental, combate ao déficit público, melhoria e ampliação dos serviços públicos, entre outros. 5 – Gabarito C a) Incorreta. A simples fixação de condições formais para a concessão de benefício fiscal não exime o instrumento normativo de resguardar o tratamento isonômico no que se refere aos concidadãos. STF, ADI 4259/2016. b) Incorreta. É lícita a interrupção do fornecimento de energia elétrica por inadimplemento, após aviso prévio da concessionária. Porém o mesmo não se à serviços básicos essenciais, como hospitais. STJ, REsp 721119 – RS. c) Correta. d) Incorreta. Cf. Súmula Vinculante nº 13. e) Incorreta. A discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, o ato deve observar a legalidade e o Poder Judiciário poderá analisar o mérito administrativo quanto ao atendimento dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e moralidade. 6 – Gabarito D a) Incorreta. As decisões discricionárias também se submetem ao princípio da legalidade, já que a conduta da Administração Pública não pode ser arbitrária. b) Incorreta. A Administração Pública se submete ao princípio da legalidade estrita. c) Incorreta. É possível a interrupção de fornecimento de serviço público por inadimplência do município, desde que respeitada a regra da notificação prévia e que o corte não gere prejuízo aos serviços essenciais. STJ, REsp 726627/MT. d) Correta. O ato praticado por servidor ilegalmente investido poderá ser validado, visando não prejudicar o particular de boa fé. e) Incorreta. A supremacia do interesse público é conceito jurídico indeterminado (possui significados diversos, sendo estabelecido de acordo com o caso concreto), e não indeterminável (que jamais poderá ser definido). 51 FLÁVIA LIMMER 3 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 52 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 1. INTRODUÇÃO A Administração Pública pode prestar suas funções de várias maneiras: por si mesma ou as transferindo para outros sujeitos – nesta última hipótese quando cria pessoas jurídicas para executar atividades que definirá e delegará. Na centralização administrativa ou atuação centralizada não há delegação de funções: é o próprio Poder Público que executa suas atividades de forma direta, por seus órgãos integrantes da administração pública direta. Por exemplo, quando a própria Administração Pública constrói uma escola, realiza concursos públicos, ou organiza seus órgãos. Veja ainda o art. 37 XXII CF/88, que dispõe sobre a administração tributária como exemplo de atuação centralizada. Na desconcentração, a atividade desenvolvida pelo Ente federativo é distribuída internamente. Para isso são criados órgãos, centros de competência, para o exercício de cada função. Nessa situação há uma só pessoa jurídica de direito público (o ente federativo), que distribui suas competências entre os órgãos que ela mesma criou. Não há, assim, a criação de uma entidade com personalidade jurídica própria. Na desconcentração há hierarquia administrativa: os órgãos ficam subordinados ao Ente que os criou. Por exemplo, a secretaria de educação em um município. Já na descentralização administrativa ou atuação descentralizada a Administração Pública cria entidades administrativas que possuem personalidade jurídica própria, e transfere para estas algumas das funções administrativas. Logo há duas pessoas diferentes: o Ente da federação e a pessoa jurídica que ele criou. Não há relação de subordinação entre elas, apenas de vinculação. A descentralização administrativa pode ocorrer por três formas: • • • Por outorga – nesse modelo o Ente da federação cria uma pessoa jurídica, visando alienar para esta a execução de determinada atividade pública. Por delegação – aqui a o Ente irá repassar a execução da atividade pública para uma pessoa jurídica de direito privado, tal como acontece nos contratos de concessão e permissão de serviços públicos, que serão detalhados no item 2.11. Ressalte-se que só é possível a transferência da execução do serviço. A titularidade sempre permanecerá com o Ente Federativo, já que está baseada no poder de império que só este possui. Territorial – trata-se de uma hipótese específica, geralmente estudada em Direito Constitucional. Ocorre quando a União cria os chamados Territórios Federais (art. 18, §2º CF/88) – uma pessoa jurídica de direito público, com espaço geográfico determinado, e dotada de competências administrativas, mas que não possui autonomia política e legislativa. Os territórios são chamados pela doutrina de autarquias territoriais. Contudo, apesar do nome, não pertencem à administração indireta, logo não podem ser confundidos coma as autarquias que veremos no item 3, abaixo. Hely Lopes Meirelles esclarece que a administração é um instrumento que o Estado tem para pôr em prática as decisões do governo. Em razão da possibilidade da atuação ser centralizada ou descentralizada, como visto acima, a Administração pode ser dividida em administração direta e administração indireta. • • Administração direta: é composta por órgãos públicos pertencentes aos entes federativos, não tendo personalidade jurídica própria. É o fenômeno da desconcentração. A atividade administrativa é exercida pelo próprio ente federativo, de forma centralizada, através dos seus órgãos internos. Veja sobre o tema o art. 4º I do Decreto-Lei nº 200/67 e o item 2 abaixo. Ex.: União se desdobrando em órgãos desconcentrados, tais como o Ministérios. Administração indireta: é produto da descentralização, resultando na criação de outras pessoas com personalidade jurídica própria, sujeito de direitos e obrigações, bem como responsáveis pelos seus atos. Possuem, ainda, receita e patrimônio próprios, bem como capacidade de autoadministração. Para a criação ou extinção destas pessoas jurídicas o art. 37 XIX da CF impõe 53 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 lei específica – a lei em questão será lei ordinária, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (por exemplo como está previsto no art. 61 § 1º II, “e” da CF/88, que dispõe sobre a iniciativa legislativa na esfera federal). É composta pelas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. Confira o art. 4º II do Decreto-Lei n.º 200/1967 e o item 3.3 e seguintes, mais adiante. 2. ÓRGÃOS PÚBLICOS Os órgãos são divisões da estrutura estatal que recebem funções determinadas e executam atividades estatais por meio de agentes públicos. Integram a estrutura de uma mesma pessoa jurídica. São fruto da desconcentração administrativa, logo, não são dotados de personalidade jurídica própria. Ou, nas palavras de Hely Lopes Meirelles33, “são centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertence”. O art. 1 § 2º, I da Lei n.º 9.784/1999 traz o conceito legal de órgão administrativo. A exteriorização das vontades da Administração Pública seguem as seguintes teorias: • • • Teoria do mandato – o Estado outorga ao seu agente um mandato, a fim de que este aja em seu nome. Esta teoria é criticada por não explicar a forma pela qual o Estado transfere seus poderes ao agente. Portanto, não é adotada. Teoria da representação – o Estado é representado pelo seu agente. Maria Sylvia Zanella Di Pietro34 crítica esta vertente, pois nivela o Estado como um incapaz, que necessita de representação. Também não é adotada. Teoria do órgão ou teoria da imputação volitiva – o Estado manifesta sua vontade por meio de órgãos que integram a sua estrutura. Por sua vez, os agentes manifestam sua vontade em nome do órgão, sendo imputada ao Estado a vontade exteriorizada pelo seu agente. É a teoria adotada no Brasil. Hely Lopes Meirelles35, como visto, aponta que os órgãos públicos são centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, cuja atuação é imputada às pessoas jurídicas que compõem esses órgãos. São exemplos de órgãos a Câmara dos Deputados, STF, Senado, etc. Por seu turno, José dos Santos Carvalho Filho36 diz que, apesar dos órgãos serem entes despersonalizados, os órgãos representativos de poder, tais como os Tribunais, a Câmara dos Deputados, o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas, poderão defender em juízo as suas prerrogativas constitucionais. Por exemplo, o Tribunal de Justiça poderá impetrar mandado de segurança contra ato do governador do Estado que não repassa o duodécimo orçamentários devidos. O Tribunal não tem personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária. Em função disso, o STJ editou a Súmula 525, afirmando que a Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais. 33 MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro 43a. edição. São Paulo: Malheiros, 2018, p.40. 34 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 35 36 MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro 43a. edição. São Paulo: Malheiros, 2018. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 561. 54 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 2.1. Classificação dos órgãos 2.1.1. Quanto à posição estatal • • • • Órgãos independentes: os órgãos são independentes quando não se subordinam hierarquicamente a nenhum outro órgão. Por exemplo, Congresso Nacional. Órgãos autônomos: são os órgãos da cúpula da administração, que tem autonomia, mas se subordinam ao órgão independente. Por exemplo, o Ministério do Trabalho é autônomo, mas se submete ao Presidente da República. Órgãos superiores: são órgãos que exercem função de direção, controle, chefia, mas se subordinam aos órgãos autônomos. Por exemplo, diretorias de empresas públicas. Órgãos subalternos: são órgãos de execução, fazendo somente aquilo é designado. Por exemplo, almoxarifado. 2.1.2. Quanto à estrutura • • Órgãos simples (ou órgãos unitários): são órgãos que não possuem outros órgãos subordinados. Não há mais órgãos dentro da sua estrutura. Órgãos compostos: São órgãos em que há uma desconcentração das atividades, pois outros órgãos exercem parcela de sua atividade. Por exemplo, a Procuradoria Geral da União é um órgão superior as Procuradorias Regionais. 2.1.3. Quanto à atuação funcional • • Órgãos singulares (unipessoais): são órgãos cuja decisão depende da vontade de uma pessoa. Por exemplo, a Presidência da República. Órgãos colegiados (pluripessoais): são órgãos cujas decisões são tomadas por mais de uma pessoa. Não há hierarquia entre seus membros. Por exemplo, as decisões do Plenário do CNJ. 3. AUTARQUIAS A Autarquia tem natureza jurídica de pessoa jurídica de direito público interno (art. 41, IV CC/2002) criada por lei específica, a fim de prestar atividades típicas de Estado, dentro das competências e limites que lhe foram definidas. Não são subordinadas aos órgãos da Administração Direta, existindo apenas uma relação de vinculação. Veja o art. 4º II “a” e art. 5º, ambos do Decreto-Lei n.º 200/1967; e o art. 2º do Decreto-Lei n.º 6.016/1943. São exemplos de Autarquias a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o BACEN (Banco Central), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Note-se que as Autarquias serão criadas diretamente por lei específica (art. 37, XIX, CF/88), ou seja, passam a existir já com a promulgação e publicação da lei, e não dependem de qualquer outro ato adicional como registro em cartório de registro civil das pessoas jurídicas e nem de registro na junta comercial. A lei que criar a autarquia deve ser específica para esta finalidade, e será lei ordinária de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo do ente federativo ao qual ela estará vinculada. É comum que seja editado um ato infralegal, via de regra um decreto, que disciplina a organização da Autarquia. Em razão do princípio do paralelismo das formas, como as Autarquias são criadas por lei, serão extintas por meio de outra lei. 55 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 Trata-se de descentralização administrativa, tendo personalidade jurídica própria. Assim titulariza direitos e obrigações e possui patrimônio próprio, inicialmente formado pela transferência de bens (móveis e imóveis) do ente federativo que a criou. Após a incorporação, o patrimônio da Autarquia será classificado como bem público, e na hipótese de extinção da Autarquia deverá ser devolvido ao ente federativo. De acordo com o Decreto-Lei n.º 200/1964 as Autarquias executam atividades típicas da Administração Pública. Se o ente político optar por descentralizar um serviço público tipicamente estatal, que não possa ser prestado por uma entidade privada, essa descentralização deverá se dar através de autarquia. Por exemplo o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social – é a Autarquia que executa atividades para previdência social. Assim, os atos praticados pelas Autarquias serão classificados como atos administrativos. Como elas concretizam serviços públicos e atividades de escopo social, e não atuam nas operações de natureza estritamente econômica, podem fazer uso de cláusulas exorbitantes, já que seus contratos são classificados como contratos administrativos. As Autarquias responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, sendo assegurado o direito de regresso contra o responsável se este tiver agido com dolo ou culpa, conforme o art. 37 § 6º CF/88. A responsabilidade civil é objetiva, na modalidade do risco administrativo, ou seja, independe de culpa, basta o ato, o dano e o nexo causal para que a autarquia deva indenizar eventual prejuízo. Entende o STJ que, caso a Autarquia não possua patrimônio suficiente para indenizar os danos causados, o ente federativo responderá subsidiariamente37. A Autarquia segue o regime de pessoal do ente que a criou, em razão do art. 39 da CF/88. Os agentes públicos das Autarquias serão agentes públicos, da categoria de servidores públicos. Ao menos por enquanto segue-se o chamado regime jurídico único38. Nesta linha, as Autarquias devem observar regras tais como exigência de realização de concurso público, proibição de acumulação de cargos, teto remuneratório, regime especial de aposentadoria etc. As Autarquias gozam de todas as prerrogativas inerentes à Fazenda Pública, possuindo privilégios processuais tais como: • • • • • • • Isenção das custas judiciais, salvo o reembolso das despesas judiciais feitas pela parte autora (art. 4º, I, da Lei n.º 9.289/1996); Duplo grau de jurisdição obrigatório quando a sentença lhe for contrária (art. 496, I CPC c/c art. 2º, § 1º Lei n.º 6.830/1980); Dispensa de depósito prévio para interposição de recurso (Art. 1-A da Lei n.º 9.494/1997); Prazo em dobro para se manifestar (art. 183 CPC c/c art. 10 Lei n.º 9.469/1997); Realização de execução para cobrança de seus créditos de acordo com o rito da lei de execução fiscal; O pagamento das condenações judiciais das Autarquias será por precatório (art. 100, CF/88). As autarquias têm fila própria de precatórios, então, por exemplo, uma dívida do INSS não faz com que o particular aguarde na fila da União, mas da própria Autarquia, uma vez que as dotações orçamentárias são específicas. Estão submetidas a prescrição quinquenal, ou seja, eventuais prestações de direitos contra a autarquia prescrevem no prazo de 05 anos. Como visto, os bens das Autarquias são classificados como bens públicos. Esta classificação gera diversas consequências jurídicas. Há a impenhorabilidade de seus bens, que também não podem ser objeto de hipoteca ou anticrese. Além disse são imprescritíveis, ou seja, como no caso da usucapião que é uma 37 38 STJ, AgRg no AREsp 203.785/RS. Sobre o regime jurídico único veja o item Servidores Públicos. 56 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 prescrição aquisitiva, sendo o decurso do tempo que faz nascer direitos. Por fim, são relativamente inalienáveis: podem ser alienados de forma condicionada, desde que haja lei. As Autarquias gozam de imunidade tributária recíproca, também chamada de ontológica, prevista no artigo 150, da CF. Veda-se a instituição e cobrança de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços por elas prestados, com o requisito que estes estejam vinculados as suas finalidades principais. Caso a Autarquia explore outras atividades, mesmo que distantes das essenciais aos seus fins, mas comprove que são revertidas para a sua finalidade principal, a imunidade recíproca também será aplicada (STF, AgR RE 475.268). Por fim, as Autarquias possuem autonomia administrativa, mas se subordinam a um controle finalístico pela entidade que a criou. Este controle finalístico é também chamado de tutela ou de supervisão ministerial. Estas, no entanto, não são presumidas. A supervisão ministerial visa essencialmente a realização dos objetivos que justificaram a criação da entidade (autarquia). A diferença entre supervisão ministerial e subordinação hierárquica é que, nesta última, ocorre em uma estrutura vertical, dentro da mesma pessoa jurídica, havendo hierarquia como o nome indica. A hierarquia independe da previsão legal, decorrendo da própria estrutura da entidade. 3.1 Universidades As universidades públicas podem ser organizadas como autarquias de regime especial (melhor abordado adiante), e tem em comum com as agências reguladoras uma maior autonomia. Como principal característica das universidades está o fato de o reitor não poder ser exonerado ad nutum, dependendo do preenchimento de requisitos. Há a cultura de que o reitor seja nomeado a partir de lista tríplice, formulada pelos membros da própria instituição, mas não há obrigatoriedade. As autarquias possuem as prerrogativas, tais como: • • • • • Imunidade tributária: as autarquias terão imunidades relativas sobre seu patrimônio, rendas e serviços, desde que vinculados às suas finalidades essenciais. É a imunidade condicionada. O STF confere uma interpretação ampliativa dessa imunidade, pois como visto acima entende que basta que a renda seja destinada à consecução à finalidade essencial para ser imune. Por exemplo, os ganhos do estacionamento são revertidos em prol da entidade, logo, não há incidência do tributo. Impenhorabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade dos bens; Débitos pagos por meio de precatórios; Execução fiscal dos seus créditos; Benefício da prescrição quinquenal de seus débitos. 3.2 Autarquias corporativas As autarquias corporativas são as entidades de classe, como o CFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), CFM (Conselho Federal de Medicina), CRO (Conselho Regional de Odontologia). O STJ e o STF classificam estes conselhos como autarquias especiais, gozando de imunidade tributária, submetendo-se à fiscalização e prestação de contas ao Tribunal de Contas da União, tendo que realizar concurso público para contratação de pessoal e licitações para contratação. Os conselhos profissionais, também chamados de autarquia de controle ou autarquias corporativas, são espécie de autarquias muito peculiares. Tais entidades inicialmente eram públicas, e servem para fiscalizar uma determinada arte ou ofício, como o caso do Conselho Federal de Medicina. Diferentes corporações tem um conselho profissional responsável pelo exercício do poder de polícia. Essas entidade tem a responsabilidade de fiscalizar o exercício dessas profissões, e inicialmente eram 57 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 entendidas como entidades privadas. Foram objeto da ADI 1717, em que o STF entendeu que devem ser organizadas sob a forma de Autarquias, já que o poder de polícia não poderia ser transferido/delegado a um agente particular. Na mesma linha, [...] ficou consignado que: (i) estas entidades foram criadas por lei, tendo personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira; (ii) exercem a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos artigos 5º, XIII, e 21, XXIV [da Constituição Federal], é atividade tipicamente pública; (iii) têm o dever de prestar contas ao Tribunal de Contas da União. Aliás, há vários precedentes do STF no sentido de que conselhos profissionais podem e devem ser fiscalizados pelo TCU (MS 22.643, RE 539.224). O valor cobrado a título de anuidade dos inscritos nos conselhos profissionais, segundo o STF, tem natureza jurídica de contribuição especial (de interesse das categorias profissionais). Portanto, é tributo, devendo estar previsto em lei, assim como sua base de cálculo e alíquota (RE 704.292). Durante muito tempo essas cobranças ocorriam com base em mera resolução, hoje não mais. Trata-se de obrigação ex lege. Como os conselhos profissionais são autarquias, a doutrina defendia que seus servidores estariam submetidos ao regime estatutário. Porém, no final de 2020, o STF entendeu que os conselhos Profissionais, enquanto autarquias corporativas criadas por lei com outorga para o exercício de atividade típica do Estado, tem maior grau de autonomia administrativa e financeira, constituindo espécie sui generis de pessoa jurídica de direito público não estatal, a qual não se aplica a obrigatoriedade do regime jurídico único preconizado pelo artigo 39 do texto constitucional. Sendo assim, é possível a contratação no âmbito dos Conselhos Profissionais sob o regime celetista (ADC 36, a ADI 5.367 e a ADPF 367). Embora as Autarquias em geral estejam submetidas ao regime jurídico público, podendo pagar suas dívidas por meio de precatórios, o mesmo não se aplica aos conselhos profissionais. Em virtude da decisão do STF no RE 938.837, embora sejam Autarquias, os conselhos profissionais não pagam suas dívidas por meio de precatórios, mas por execução comum, como se particular fosse, uma vez que o conselho profissional tem receita própria e não orçamento. Assim, não estando submetido à lei orçamentária, não haveria sentido pagar suas dívidas por meio de precatórios. Os conselhos profissionais não estão isentos de custas processuais. Quando um determinado conselho profissional busca cobrar as anuidades, o faz por meio de execução fiscal, pois é entidade que atua em nome do estado e a anuidade é um tributo. A ação que permite a execução desse tributo é uma execução fiscal, mas diferentemente dos outros entes os conselhos profissionais não gozam de isenção de custas. Por fim o STF entende que os conselhos profissionais não podem ajuizar ADI, ADC ou ADPF pois não são sindicatos nem entidades de classe, mas sim autarquias que exercem poder de polícia. Porém podem ajuizar ação civil pública, já que as autarquias em geral têm legitimidade para ajuizar ACP. 3.3. OAB De acordo com o STF, a Ordem dos Advogados do Brasil não deve ser considerada uma entidade pública, mas autarquia sui generis em virtude do papel que tem para defesa do estado democrático. Portanto, o regime jurídico aplicável aos demais conselhos profissionais não é extensível à OAB (ADI 3.026). Por exemplo, a OAB cobra seus devedores como particular e não por execução fiscal. Além disso não goza das prerrogativas de que gozam os conselhos profissionais. Permanece como uma entidade privada, sob o argumento de que à OAB deve ser concedida maior autonomia, independência e distanciamento da entidade ao Poder Público. Há diversas posições doutrinárias que defendem que a OAB não se submete à fiscalização dos Tribunais de Contas. A questão está pendente de julgamento pelo STF no RE 1.182.189. 58 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER 3.4. Agências reguladoras Maria Sylvia Zanella Di Pietro39 esclarece que, de forma genérica, qualquer órgão da administração direta ou entidade da administração indireta, que possua função de regular as matérias de sua competência, poderá ser classificado como agência reguladora. Mas de forma específica, o termo agências reguladoras se refere ao regime jurídico estabelecido a determinadas Autarquias, denominadas Autarquias Especiais. Recebem esta classificação porque gozam de um regime jurídico diferenciado e, consequentemente, guardam uma série de peculiaridade. Ou, como definem Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino: [...] são entidades administrativas com alto grau de especialização técnica, integrantes da estrutura formal da administração pública, instituídas como autarquias sob regime especial, com a função de regular um setor específico de atividade econômica ou um determinado serviço público, ou de intervir em certas relações jurídicas decorrentes dessas atividades, que devem atuar com a maior autonomia possível relativamente ao Poder Executivo e com imparcialidade perante as partes interessadas (Estado, setores regulados e sociedade).40 As agências reguladoras surgiram nos EUA após a Quebra da Bolsa de Nova York em 1929. O governo americano apresentou o New Deal, um amplo plano para recuperação da economia. Entre as suas propostas estava o maior controle do Poder Público sobre a atuação das empresas privadas. Ou seja, nos EUA as agências reguladoras surgiram como uma forma de possibilitar que o Estado intervisse na economia, mas sem interferir de modo drástico na liberdade do empresariado. Já no Brasil, as agências reguladoras foram criadas para regular setores que antes eram explorados unicamente pelo Poder Público, em regime de monopólio estatal. Na década de 1980 os governos militares brasileiros adotavam uma política econômica extremamente intervencionista e concentradora. Os serviços públicos eram prestados diretamente pelo Estado, em regime de monopólio de produção. A regulação e gerência dos setores de infra-estrutura eram atribuídas à departamentos ministeriais diretamente subordinados aos ministros de Estado. A chegada do modelo neoliberal para o Brasil, na década seguinte, gerou a contestação do modelo econômico até então vigente, sob a alegação de excesso de burocracia, atraso técnico, má qualidade dos produtos e serviços e mobilização dos recursos públicos em serviços não essenciais. A Lei n.º 8.031/1990 instituiu o Plano Nacional de Desestatização, visando a retirada da execução direta dos serviços públicos e das atividades econômicas das mãos do Estado, transferindo estas funções para a iniciativa privada. Neste contexto surgem as agências reguladoras no Brasil, visando garantir que o livre mercado ingressasse em áreas que antes eram monopólio do Poder Público, mas permitindo a supervisão estatal sobre a correta execução das atividades41. Por exemplo são agências reguladoras existentes no Brasil a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), a ANA (Agência Nacional de Águas, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) dentre outras. As agências reguladoras são disciplinadas pelas Leis n.º 9.986/2000 e pela Lei n.º 13.848/2019. São características delas: a) As decisões das agência reguladoras não se submetem a uma revisão de um órgão integrante do Poder Executivo. É o caráter técnico que deve prevalecer. As agências reguladoras são órgãos colegiados e com perfil técnico. Nesta linha, sua atuação estaria menos suscetível às pressões 39 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 40 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 25ª ed., São Paulo: Método, 2017, p. 204. 41 Sobre o histórico das Agências Reguladoras, cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Gen Forense, 2013. 59 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER b) c) d) políticas transitórias e momentâneas, permitindo a tomada de decisões neutra e acertada. Para isso, a lei criou uma série de medidas de salvaguarda para fortalecer essas instituições e para blindá-las de eventual pressão política indevida. Embora cada agência reguladora tenha um regime jurídico próprio, previsto pela lei que a instituiu, a regra é da adoção do regime colegiado. São presididas por vários diretores, que possuem mandatos não coincidentes (art. 4º, § 1º da Lei n.º 9.986/2000), evitando que o Governo da ocasião nomeie de uma vez só todos os diretores daquela entidade. Os dirigentes das agências reguladoras são nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado Federal, exercendo mandados fixos e com estabilidade. Há vedações para a indicação, previstas no art. 8º-A da Lei n.º 9.986/2000. Os requisitos para ser dirigente estão dispostos no art. 5º da mesma lei42. Os mandatos não devem coincidir com o mandato do Presidente da República. Uma vez nomeados, os dirigentes das agências reguladoras só poderão perder seus cargos no caso de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar. Assim, o Presidente da República pode nomeá-los, mas não pode destituí-los, salvo em hipóteses excepcionais previstas em lei, como por exemplo a prática de crime ou perda da capacidade. O dirigente não pode ser exonerado ad nutum. (art. 9º Lei n.º 9.986/2000). Com relação aos dirigentes, há a quarentena. Terminado o mandato, o ex-dirigente ficará impedido pelo período de no mínimo 06 meses de prestar qualquer serviço no setor público ou em empresa integrante de setor regulado pela agência reguladora. Ele receberá remuneração compensatória durante a quarentena, ficando vinculado à agência (art. 8º Lei n.º 9.986/2000). As agências reguladoras gozam de autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira. Não há tutela ou subordinação hierárquica. Sendo assim, os atos das agências reguladoras só poderão ser revistos por elas próprias ou pelo Poder Judiciário. O Ministério ao qual estão vinculadas não poderá rever seus atos, salvo na hipótese de edição de ato que exorbite os limites de sua competência regulatória. Já o controle externo das agências reguladoras será exercido pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas da União. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou os enunciados 25 e 38, que dispõem: Enunciado 25. A ausência de tutela a que se refere o art. 3º, caput, da Lei n. 13.848/2019 impede a interposição de recurso hierárquico impróprio contra decisões finais proferidas pela diretoria colegiada das agências reguladoras, ressalvados os casos de previsão legal expressa e assegurada, em todo caso, a apreciação judicial, em atenção ao disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Enunciado 38. A realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR) por órgãos e entidades da Administração Pública federal deve contemplar a alternativa de não regulação estatal ou desregulação, conforme o caso. 3.5. Teoria do Risco da Captura O regime específico adotado pelas agências reguladoras visa evitar conflito de interesses, a advocacia administrativa, e uso de informações obtidas ou conhecimento obtido para atuar de plano naquele setor. Os candidatos a dirigentes das Agências Reguladoras deverão ser cidadãos brasileiros de reputação ilibada e de notório conhecimento no campo de sua especialidade, com formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado, e devendo ter experiência profissional de, no mínimo: - 10 (dez) anos, no setor público ou privado, no campo de atividade da agência reguladora, OU - 04 (quatro) anos ocupando cargo de direção ou de chefia superior em empresa no campo de atividade da agência reguladora ou cargo em comissão ou função de confiança no setor público, OU - cargo de docente ou de pesquisador no campo de atividade da agência reguladora ou em área conexa OU - 10 (dez) anos de experiência como profissional liberal no campo de atividade da agência reguladora ou em área conexa. 42 60 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 É aqui que se trata da Teoria do Risco da Captura. Segundo José dos Santos Carvalho Filho43, buscase impedir uma vinculação promíscua entre a agência reguladora de um lado e o governo instituidor, ou os entre regulados, de outro, com flagrante comprometimento da independência da pessoa controladora. A captura acaba por reduzir a independência político-administrativa da agência em relação aos regulados, bem como aos agentes políticos, violando a impessoalidade exigida para a função institucional. A doutrina divide a captura em captura econômica e captura política: • • Captura econômica: é a materializada em razão da vinculação entre os interesses dos setores regulados e a agência reguladora, gerando um desvirtuamento das finalidades regulatórias da agência reguladora. Captura política: é a prevalência das decisões de ordem política em detrimento das tecnicamente apropriadas, estando relacionada diretamente ao processo de escolha dos dirigentes das agências. A Constituição de 1988 reforça a ideia de regulação imparcial e impessoal, exemplo disto é a previsão inserta em seu art. 52, III, f, que autoriza, por meio de lei ordinária, a aprovação prévia pelo legislativo, por voto secreto, dos dirigentes de entidades reguladoras indicados pelo chefe do Poder Executivo. Assim, a teoria da captura se corporifica através da influência de interesses privados no desempenho das atividades regulatórias, visando seu benefício em detrimento dos fins legalmente previstos para tal atividade. Nesta linha, em setembro de 2021 o STF julgou constitucional dispositivo legal que veda a indicação para a alta direção das agências reguladoras de pessoa que exerça cargo em organização sindical ou que seja membro de conselho ou diretoria de associação patronal ou trabalhista, uma vez que as tomadas de decisões das agências reguladoras devem ser imparciais, isentas de influências políticas, sociais e econômicas externas à própria finalidade dessas autarquias. Nas palavras do STF, “devem preservar suas administrações da captura de gestão, compreendida como qualquer desvirtuação da finalidade conferida às agências, quando estas atuam em favor de interesses comerciais, especiais ou políticos, em detrimento do interesse da coletividade”. A restrição não viola o princípio da igualdade ou a garantia da liberdade de associação, uma vez que é episódica e pontual a quem exerça cargo no conselho diretor ou na diretoria colegiada das agências reguladoras. (STF, ADI 6276/DF). 3.6. Deslegalização e Teoria Função Regulatória É muito comum associar o processo de surgimento das agências à chamada deslegalização, o processo em que o Parlamento delega toda ou parcela de sua competência legislativa, para que certas decisões passem a ser tomadas por um órgão técnico, e não mais por lei. Na França, por exemplo, a deslegalização é plena – o Poder Legislativo transfere totalmente a edição de determinadas normas aos órgãos técnicos. Nessas situações, a agência reguladora teria competência para editar um ato normativo geral e abstrato relativo ao setor que atua, inclusive com caráter inovador na ordem jurídica. No Brasil, a deslegalização total não é permitida. Os regulamentos emanados por agências reguladoras não podem ser atos normativos primários, que inovam a ordem jurídica. Cabem aos órgãos ou entidades com função regulatória editar apenas atos normativos complementares, especialmente de conteúdo técnico, regulamentando o setor, mas sem inovar na ordem jurídica. Ou seja, as agências reguladoras possuem discricionariedade técnica, um poder normativo fundado no seu conhecimento de causa e sua capacidade institucional. Mas como se trata de um juízo regrado e baseado em conceitos técnicos, não pode ser discricionário, aberto e indefinido, que daria margem a diferentes decisões. O STF já confirmou que agências reguladoras possuem a incumbência de fiscalizar os setores a elas submetidos. E, para a adequada execução dessa função, surge o poder de expedir normas como inerente à 43 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. 61 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 atividade regulatória das agências. Porém, a competência normativa da Agência Reguladora deve se subordinar aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos serviços de sua área de atuação. Por exemplo, no caso da ANATEL, os de telecomunicações no regime público e no regime privado. Não há delegação de poderes legislativos, pois a expedição de normas regulatórias é sempre exercida com fundamento na lei. Este é o limite para a agência reguladora, mas não esgota as possibilidades de mediação dos diversos interesses que serão apreciados pelos órgãos reguladores. Por exemplo: para o STF seria inconstitucional a ANATEL promover a busca e posterior apreensão efetuada sem ordem judicial, com base apenas no poder de polícia inerente à atuação da agência reguladora, por se tratar de violação ao princípio da inviolabilidade de domicílio. Por outro lado, a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos, e apreensão de bens ou produtos constitui exercício do poder de polícia da Administração Pública, dotado de autoexecutoriedade, inerente ao exercício da atuação da Agência Reguladora. No mesmo julgado, o STF entendeu que, diante da especificidade de certos setores (como o de telecomunicações), é válida a criação de novas modalidades licitatórias. No entanto, sua disciplina deve ser feita por meio de lei, e não de atos infra legais, em razão dos arts. 21, XI, e 22, XXVII, CF/88. A Agência Reguladora (no caso a ANATEL) não pode disciplinar procedimento licitatório simplificado por meio de norma de hierarquia inferior à Lei Geral de Licitações, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal. (STF, ADI 1668/DF, julgado em março de 2021). 4. FUNDAÇÕES PÚBLICAS A fundação pública visa transportar os conceitos da fundação privada para o direito administrativo. Observe-se que existem diferentes tipos de fundação e que a fundação pública possui semelhanças com a fundação privada, no sentido de que há um patrimônio afetado para um determinado fim social. Há, assim, três traços marcantes: a ausência de fins lucrativos, a finalidade social e a afetação do patrimônio ao fim desejado pelo instituidor ou fundador. No caso das fundações públicas, o instituidor sempre será um ente da federação. As fundações públicas são entidades da Administração Indireta e estão previstas no art. 5º IV do Decreto-Lei n.º 200/1967. Visam a execução do interesse público, e podem adotar duas feições: fundação pública de natureza privada; ou fundação pública de natureza pública. Neste último caso é também chamada de fundação autárquica, ou seja, tudo o que foi dito à respeito da autarquia, vale para esta forma de fundação. São exemplos de fundação pública a UnB (nome jurídico Fundação Universidade de Brasília), sendo portanto uma fundação pública de natureza pública, equiparando-se a uma Autarquia e com personalidade jurídica de direito público. Já as fundações públicas de natureza privada são entidades com personalidade de direito privado, com atribuição de competências administrativas específicas, cujas áreas de atuação devem ser definidas em lei complementar, conforme o art. 37, XIX, CF/88. Há inclusive na doutrina quem entenda que elas não deveriam existir, tal como postula Celso Antônio Bandeira de Mello, uma vez que a CF/88 não teria feito essa distinção: para este autor, uma vez que as fundações possuem atribuições claramente públicas, elas nada mais são do que Autarquias. Maria Sylvia Zanella Di Pietro44 defende que o Poder Público pode criar tanto fundações de direito público quanto de direito privado, de acordo com o fixado pela sua lei instituidora. Esta posição foi adotada pelo STF na ADI 191. Isso significa que o legislador poderá optar por criar uma fundação através de lei, ou autorizar a criação de uma fundação pública através de lei. Se o nascimento da fundação emana diretamente da lei, haverá uma fundação pública com personalidade jurídica de direito público. Se a lei apenas autoriza a 44 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 62 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 criação da fundação, haverá uma fundação pública com personalidade jurídica de direito privado, já que será criado nos moldes da fundação de direito privado. A instituidora sempre será uma entidade pública, que a criará por meio de uma lei específica, destacando parcela de seus bens e conferindo a esse patrimônio uma personalidade jurídica. O patrimônio irá desempenhar funções estatais com autonomia, mas a fundação ficará sujeita ao controle finalístico de suas atividades. No que tange aos bens das fundações públicas, qualquer que seja a natureza de sua personalidade, serão impenhoráveis, pois são afetados, tendo finalidade pública. A imunidade tributária recíproca em relação aos impostos também é uma prerrogativa conferida às fundações públicas de qualquer natureza. 4.1. Fundações públicas de direito público As fundações públicas com personalidade jurídica de direito público gozam das mesmas prerrogativas das autarquias. São denominadas de fundações de fundações autárquicas por Celso Antônio Bandeira de Melo. O STJ segue o entendimento de equiparação da fundação de direito público à autarquia, tal como se extrai do CC 169.704-TO. É exemplo deste tipo de fundação a FUNAI – Fundação Nacional do Índio. As fundações autárquicas são criadas por lei, não estando submetidas à exigência de inscrição do ato constitutivo no registro civil das pessoas jurídicas. Seus bens são considerados bens públicos, e gozam de privilégios processuais e tributários dados à fazenda pública. Adotam o regime estatutário de pessoal. 4.2. Fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado Estas fundações, apesar criadas e mantidas pelo Poder Público, são regidas pelo direito privado. Também são chamadas de fundações governamentais e seguem um regime jurídico híbrido. São criadas por lei específica, aplicando-se o disposto no art. 37, XIX, CF/88: caberá à lei complementar definir suas finalidades. Por serem mantidas com o patrimônio público, não são fiscalizadas pelo Ministério Público. Seu Controle será feito pelo Tribunal de Contas da União ou estadual, a depender do ente federativo que a criou. Não gozam de privilégios processuais. 4.3. Agências executivas A reforma administrativa estabeleceu a possibilidade de o Poder Público qualificar como agência executiva uma autarquia ou uma fundação para se alcançar uma maior eficiência no desempenho, desde que cumpridos requisitos legais. As agências executivas são autarquias ou fundações qualificadas como agências executivas pelo Chefe do Executivo. Há a celebração de um contrato de gestão entre a autarquia ou fundação e o seu ministério supervisor. Com elas busca-se o cumprimento do princípio da eficiência. Isso porque há uma maior liberdade de atuação para a autarquia ou fundação, mas haverá fixação de metas, por meio de contratos de gestão, como se verá abaixo. A qualificação poderá ser conferida por iniciativa do Ministério supervisor, sendo efetuada por ato específico do chefe do Poder Executivo. Em seguida será firmado um contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor e será criado um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional. A qualificação e o plano estratégico visam a redução de custo e aumento da eficiência da autarquia ou fundação. O contrato de gestão terá duração mínima de um ano, podendo ser revisto a qualquer momento em caráter excepcional pelo Ministério Supervisor. O contrato poderá ser prorrogado, igualmente após a análise do Ministério Supervisor. 63 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 São requisitos para qualificação de agência executiva: • • Plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional em andamento; Contrato de gestão celebrado com o respectivo Ministério supervisor, constando os objetivos, metas e quais os instrumentos a ser empregados para que as metas sejam alcançadas. Firmado o contrato de gestão entre a autarquia e o Ministério supervisor, o supervisor irá renunciar determinados instrumentos de controle pelo tempo pactuado no contrato de gestão, aumentando, assim, a autonomia da agência executiva. O ente supervisor se compromete a repassar constantemente verbas, visando o cumprimento das metas estabelecidas no contrato de gestão. A qualificação como agência executiva ocorre por meio de decreto do Presidente da República, editado após a celebração do contrato de gestão. Esta qualificação vigorará enquanto perdurar o contrato. São exemplos de agências executivas o Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro), a Agência Nacional do Desenvolvimento do Amazonas (ADA) e Agência Nacional do Desenvolvimento do Nordeste (ADENE). O art. 24, §1º, da Lei de Licitações estipula que as agências executivas podem dispensar licitação na contratação de bens, serviços e obras pelo dobro do limite estipulado para as demais autarquias e fundações públicas que não recebem a qualificação de agência executiva. 5. EMPRESAS ESTATAIS Consideram-se empresas estatais todas as sociedades, sejam civis ou empresariais, em que o Poder Público detém o controle acionário. As empresas governamentais podem ser empresas públicas ou sociedades de economia mista, de acordo com o previsto no art. 5º II e III do Decreto-Lei nº 200/1967. O STF ampliou a interpretação do art. 173 da CF/88, entendendo que tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista podem ser criadas para a prestação de serviços públicos ou para a exploração de atividades econômicas45. Este entendimento foi cristalizado pelo art. 1º da Lei n.º 13.303/2016. 5.1. Empresas Públicas São definidas pelo art. 3º da Lei n.º 13.303/2016. As empresas públicas são pessoas jurídicas com criação autorizada por lei. Contudo só serão efetivamente criadas após o registro de seus atos constitutivos no órgão competente. Podem adotar qualquer forma acionária (por exemplo, limitada ou sociedade anônima), mas terão seu capital social formado unicamente por recursos públicos, admitindo a participação acionária de outras pessoas jurídicas de direito público interno e/ou de entidades da administração indireta. Contudo a maioria do capital votante deve pertencer aos entes federativos (União, estados-membros, Distrito Federal ou municípios). O regime jurídico a que estão submetidas poderá ser predominantemente de direito público (se atuarem em regime de monopólio ou prestando serviços públicos) ou de direito privado (caso explorem atividades econômicas em concorrência com a iniciativa privada). Mesmo na segunda hipótese estarão submetidas a certas regras especiais, uma vez que compõe a Administração Indireta e em razão da finalidade pública que perseguem. As causas em que as empresas públicas federais forem autoras, rés, assistentes ou oponentes serão processadas pela Justiça Federal (art. 109, I, CF/88). São exemplos de empresas públicas o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a CEF (Caixa Econômica Federal) e a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). 45 STF, AgR no RE 605.908e AgR-ED no AI 651.512. 64 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 5.2. Sociedades de Economia Mista Estão previstas no art. 4º da Lei n.º 13.303/2016. Igualmente exigem autorização legal, mas são efetivamente criadas após o registro de seus atos constitutivos no órgão competente; e visam a prestação de serviços públicos ou a exploração de atividades econômicas. Na mesma linha são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, mas submetidas à regras especiais em razão de sua finalidade pública. No entanto, adotam necessariamente a forma de sociedade anônima. O Ente da federação deverá possuir o controle acionário. Para isso, ele deverá possuir a maior parte das ações ordinárias (com direito a voto), sendo permitido vender o remanescente aos particulares interessados. Desta forma, o Estado poderá tomar as decisões essenciais e estratégicas da empresa, e deter o controle sobre sua administração. Outra possibilidade que garante o controle estatal é o Estado deter uma golden share, ou seja, ações de classe especial que garantem ao detentor o direito absoluto na tomada de decisões estratégicas. As causas das sociedades de economia mista serão julgadas pela justiça estadual, conforme a Súmula 556 do STF (“é competente a Justiça Comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista.”). São exemplos de Sociedades de Economia Mista a PETROBRAS, o Banco do Brasil e a ELETROBRAS. 5.3. Criação e extinção Ambas são criadas após autorização legislativa específica, não cabendo lei genérica (art. 37, XIX, CF/88). A lei que autoriza a criação deve indicar de forma clara se visa atender relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional (art. 2º § 1º da Lei nº 13.303/2016). Contudo a lei não as institui por si só, apenas as autoriza; a criação se dá após o registro dos atos constitutivos no órgão competente (cartório de registro civil ou na junta comercial). Somente após essa fase a empresa pública e a sociedade de economia mista irão adquirir personalidade jurídica própria. Em razão do princípio do paralelismo das formas a extinção das empresas governamentais, também dependerá de lei com autorização específica. Tanto a lei que cria as empresas estatais, como a lei que as extinguem serão de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo (art. 61 §1º, II, “e” CF/88). É importante fazer uma nota adicional, em razão de decisão do STF em 2019 (ADIs 5.624, 5.846, 5.924, e 6.029): a privatização das estatais, ou seja, a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedade de economia mista exige autorização legislativa e licitação. O STF considerou que para o Poder Público passar a atuar em determinada atividade econômica, o que pode ocorrer somente em situações excepcionais, a Constituição prevê a necessidade de edição de lei, ou seja, de autorização expressa do Poder Legislativo. Da mesma forma, para que o Estado se retire de determinada atividade econômica, também há necessidade de concordância do Poder Legislativo. Como a perda do controle acionário é equivalente à extinção completa da sociedade de economia mista, essa operação demanda autorização legislativa. Em fevereiro de 2021 o STF completou o raciocínio, entendendo que para a privatização ou a extinção de empresas estatais é suficiente a autorização genérica prevista em lei que veicule programa de desestatização. A lei que autoriza a privatização, ainda que genérica, é pautada em princípios e objetivos que devem ser observados nas diversas fases deliberativas do processo de desestatização, logo a atuação do Chefe do Poder Executivo vincula-se aos limites e condicionantes legais previstos. Assim a previsão do artigo 2º e no artigo 6º, inciso I e parágrafo 1º, da Lei n.º 9.491/1997 é suficiente para viabilizar o processo de privatização de empresas públicas e sociedades de economia mista, tais como da Casa da Moeda do Brasil, do Serviço de Processamento de Dados (Serpro), da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência 65 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 Social (Dataprev) e outras. Não é necessário, então, lei específica para a inclusão de sociedade de economia mista e empresa pública em programa de desestatização (ADI 6.241). 5.4. Subsidiárias As empresas subsidiárias ou controladas são subdivisões de uma estatal, que se encarregam da execução de tarefas específicas. Trata-se de uma nova empresa, com personalidade jurídica independente da empresa controladora. São disciplinadas pelo Decreto n.º 8.945/2016. Por exemplo, no Brasil, a PETROBRAS possui como subsidiárias a TRANSPETRO e a Liquigás. A empresa pública ou sociedade de economia mista responsável pela constituição de uma empresa subsidiária será conhecida como sociedade ou empresa de primeiro grau (primária) e a subsidiária será conhecida como uma sociedade de economia mista ou empresa pública segundo grau (secundária). Essas subsidiárias serão controladas diretamente pela sociedade ou empresa primária, mas também sofrerão um controle indireto pelo ente instituidor da entidade de primeiro grau. O art. 37, XX, CF/88 c/c art. 2º, § 2º, da Lei n.º 13.303/2016 possibilita a criação de empresas subsidiárias, dependendo para tal de autorização legislativa. O STF entende que não será necessário promulgar uma nova lei cada vez que a empresa governamental deseje criar uma subsidiária. Basta que a lei que instituiu a empresa pública ou sociedade de economia mista preveja, de forma genérica, que estas poderão criar subsidiárias, que será possível a criação de quantas controladas a empresa-mãe desejar (ADI 1.649). Seguindo o mesmo raciocínio o STF decidiu que a venda de subsidiárias de estatais não exige autorização legislativa. Neste caso, como não há necessidade de lei para cada subsidiária a ser criada, a extinção destas também prescinde de lei específica. Soma-se que a alienação do controle das subsidiárias e das controladas não precisa de prévia licitação. Contudo será indispensável que essa alienação cumpra procedimentos que observem os princípios da administração pública inscritos no art. 37 da CF/88, respeitada, sempre, a exigência de necessária competitividade. Assim é dispensável a autorização legislativa para a alienação de controle acionário de empresas subsidiárias: se é compatível com a CF/88 a possibilidade de criação de subsidiárias quando há previsão na lei que cria a respectiva empresa estatal, por paralelismo, não é possível proibir a alienação de ações da empresa subsidiária, ainda que tal medida envolva a perda do controle acionário do Estado, mesmo sob a alegação de falta de autorização legislativa (ADI 5.624, julgada em 2019, e ADPF 794, julgada em maio de 2021). O STF entendeu que a alienação de subsidiárias é hipóteses de desinvestimento, ou seja, é alienação de ativos da empresa estatal com a mera intenção de adequação do seu portifólio para que ela possa aperfeiçoar seus objetivos econômicos. Para essa situação, a alienação é dispensável por força do art. 29, XVIII, da Lei n.º 13.303/2016. Caso fosse hipótese de desestatização, em que ocorre a alienação da própria estatal-mãe em razão de desistência do Estado na atuação no setor econômico, o procedimento licitatório deve ser realizado, em razão do disposto na Lei n.º 9.491/1997. 5.5. Controle e regime de pessoal As empresas governamentais integram a Administração Indireta, consequentemente também estão sujeitas ao controle interno e externo, seja pelo Tribunal de Contas, pela Supervisão Ministerial, interposição de ação popular ou ação de improbidade administrativa. O regime de pessoal aplicável será o de emprego público, regido pela CLT. Apesar de incidência das regras trabalhistas, os empregados das estatais: • • Não podem acumular seus empregos com cargos ou funções públicas; São equiparados a funcionários públicos para fins penais; 66 FLÁVIA LIMMER • ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 São agentes públicos para fins de improbidade administrativa. Tradicionalmente, o STF entende que a demissão do empregado de empresa pública e sociedade de economia mista exige Processo Administrativo Disciplinar. Isto porque os princípios extensíveis à administração pública também se aplicam às empresas estatais, que tem as limitações típicas de uma entidade estatal. Porém no julgamento do RE 589.998-ED, ocorrido em 2018, a Corte estabeleceu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT tem o dever de motivar os atos de dispensa sem justa causa de seus empregados. A fim de conciliar a natureza privada dos vínculos trabalhistas com o regime essencialmente público reconhecido à ECT, não é possível impor-lhe nada além da exposição, por escrito, dos motivos ensejadores da dispensa sem justa causa. Entendeu o STF que não se pode exigir, em especial, instauração de processo administrativo ou a abertura de prévio contraditório. Foi fixada a seguinte tese de julgamento: a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados. 5.6. Regime jurídico aplicável às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista Como visto acima, a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista não é livre. Isto porque a Constituição Federal explicita que a exploração das atividades econômicas deve ser exercida preferencialmente por empresas privadas. A atuação direta do Poder Público na economia, também chamada de Estado Empresário, deve ser excepcional, sendo possível apenas nas situações previstas nos art. 173 e 175 da CF/88. O art. 173 CF dispõe que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Já o art. 175, CF/88 esclarece que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Ou seja, a autorização para criação de uma empresa pública ou sociedade de economia mista para exploração de atividade econômica só será realizada se for indispensável para a segurança nacional ou quando houver relevante interesse público. A ideia central da Carta Magna é que a intervenção do Estado diretamente na economia deve ser excepcional, pois a livre iniciativa deve preponderar. Embora a CF não faça expressamente, o STF diferencia as empresas estatais que exploram serviços públicos ou que estejam em regime de monopólio das que exploram atividades econômicas. Extremamente importante é o § 2º do art. 173 CF/88, ao postular que “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”. Para o STF, as empresas governamentais que exploram atividades econômicas são regidas pelo art. 173 da CF/88, devendo ser orientadas preponderantemente pelo direito privado – como atuam em concorrência com a iniciativa privada não podem receber vantagens não extensíveis aos demais, já que a livre concorrência é garantida pelo art. 170, CF/88. Por exemplo, a PETROBRAS, quando compete nas licitações para arrematar blocos exploratórios de petróleo que serão objeto de contratos de concessão; ou o Banco do Brasil quando fornece cartão de crédito aos seus correntistas. Já as empresas estatais que prestam serviços públicos ou que atuam em monopólio seguem o disposto no art. 175 da CF/88, e suas atividades são comandadas preponderantemente pelo direito público. O STF assinalou que a atividade destas empresas está voltada à atuação própria do Estado, de natureza não concorrencial, logo, elas poderão gozar de prerrogativas vedadas ao setor privado. É o caso da INFRAERO (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) e da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos). Na hipótese dessas entidades tem-se uma empresa governamental que, por ser prestadora de serviço púbico, recebe a incidência de boa parte do regime administrativo. Por exemplo: os Correios são 67 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER beneficiados pela imunidade recíproca do artigo 150 da CF/88 e pela prescrição quinquenal prevista no Decreto n.º 20.910/1932. Além disso, estão submetidas à responsabilidade objetiva, devem fazer concurso e licitar, ao menos no que se refere às atividades meio. Na mesma linha, o STF também já esclareceu que as empresas públicas prestadoras de serviços públicos podem pagar suas dívidas por meio de precatórios e não por meio de uma execução cível comum (STF, Rcl 32.882 e Rcl 32.888). A tese foi reforçada em agosto de 2021, quando o STF decidiu que são inconstitucionais atos de constrição, por decisão judicial, do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, para fins de quitação de suas dívidas. Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de suas dívidas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/88, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, CF) e da eficiência da administração pública (ADPF 588/PB, julgada em abril de 2021; e ADPF 789/MA, julgada em agosto de 2021). 5.7. Regime híbrido aplicável às estatais Resumidamente pode-se afirmar que as empresas governamentais seguem um duplo regime, de direito público e de direito privado, dependendo da área que atuam. Se exploram atividades econômicas em concorrência com o setor privado seguirão precipuamente o regime de direito privado, mas se submetem subsidiariamente às regras de Direito Público previstas na CF/88. Caso prestem serviços públicos estão sujeitas principalmente ao regime de direito público, em razão do princípio da continuidade dos serviços públicos, aplicando-se secundariamente o direito privado. José dos Santos Carvalho Filho46 explica o regime híbrido normativo: A análise do regime jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias deve partir de dois pressupostos – um deles, considerando o fato de que são pessoas de direito privado, e o outro, a circunstância de que integram a Administração Pública. Sem dúvida, são aspectos que usualmente entram em rota de colisão, mas, por sua vez, inevitáveis ante a natureza das entidades. Diante disso, a consequência inevitável é a de que seu regime jurídico se caracteriza pelo hibridismo normativo, no qual se apresenta o influxo de normas de direito público e de direito privado. Semelhante particularidade, como não poderia deixar de ser, rende ensejo a numerosas perplexidades e divergências. O mesmo raciocínio será utilizado quanto ao regime tributário aplicável. O STF, na ACO 14.60/SP já decidiu que a imunidade tributária recíproca do art. 150, VI, “a” CF/88 pode ser estendida à empresa pública e à sociedade de economia mista, desde que três requisitos sejam observados: a) a imunidade tributária recíproca se aplica apenas à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado; b) atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política; e c) a desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre concorrência e do livre exercício de atividade profissional ou econômica lícita. O STF vem reconhecendo a impenhorabilidade de bens e imunidade em relação a impostos de empresas públicas e sociedade de economia mista que prestam serviços públicos, mas também de empresas públicas e sociedade de economia mista que prestam serviço público com exclusividade (RE 220.906). 46 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 561. 68 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER Por fim, cabe ressaltar que tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista possuem personalidade jurídica de direito privado, independente de atuarem em monopólio, executarem serviços públicos ou explorarem atividades econômicas. Sobre o tema a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou os enunciados 8, 13, 14, 17, 22, 27 e 32 que dispõem: Enunciado 8. O exercício da função social das empresas estatais é condicionado ao atendimento da sua finalidade pública específica e deve levar em conta os padrões de eficiência exigidos das sociedades empresárias atuantes no mercado, conforme delimitações e orientações dos §§ 1º a 3º do art. 27 da Lei n. 13.303/2016. Enunciado 13. As empresas estatais são organizações públicas pela sua finalidade, portanto, submetem-se à aplicabilidade da Lei n. 12.527/2011, “Lei de Acesso à Informação”, de acordo com o art. 1º, parágrafo único, inc. II, não cabendo a decretos e outras normas infralegais estabelecer outras restrições de acesso a informações não previstas na Lei. Enunciado 14. A demonstração da existência de relevante interesse coletivo ou de imperativo de segurança nacional, descrita no § 1º do art. 2º da Lei n. 13.303/2016, será atendida por meio do envio ao órgão legislativo competente de estudos/documentos (anexos à exposição de motivos) com dados objetivos que justifiquem a decisão pela criação de empresa pública ou de sociedade de economia mista cujo objeto é a exploração de atividade econômica. Enunciado 17. Os contratos celebrados pelas empresas estatais, regidos pela Lei n. 13.303/2016, não possuem aplicação subsidiária da Lei n. 8.666/1993. Em casos de lacuna contratual, aplicam-se as disposições daquela Lei e as regras e os princípios de direito privado. Enunciado 22. A participação de empresa estatal no capital de empresa privada que não integra a Administração Pública enquadra-se dentre as hipóteses de “oportunidades de negócio”, prevista no art. 28, § 4º, da Lei n. 13.303/2016, devendo a decisão pela referida participação observar os ditames legais e os regulamentos editados pela empresa estatal a respeito dessa possibilidade. Enunciado 27. A contratação para celebração de oportunidade de negócios, conforme prevista pelo art. 28, § 3º, II, e § 4º da Lei n. 13.303/2016 deverá ser avaliada de acordo com as práticas do setor de atuação da empresa estatal. A menção à inviabilidade de competição para concretização da oportunidade de negócios deve ser entendida como impossibilidade de comparação objetiva, no caso das propostas de parceria e de reestruturação societária e como desnecessidade de procedimento competitivo, quando a oportunidade puder ser ofertada a todos os interessados. Enunciado 32. É possível a contratação de seguro de responsabilidade civil aos administradores de empresas estatais, na forma do art. 17, § 1º, da Lei n. 13.303/2016, a qual não abrangerá a prática de atos fraudulentos de favorecimento pessoal ou práticas dolosas lesivas à companhia e ao mercado de capitais. 5.8. Falência e recuperação judicial Embora o art. 2º, I da Lei n.º 11.101/2005 tenha fixado que as empresas públicas e sociedades de economia mista não se submetem ao regramento concernente à recuperação judicial, extrajudicial e à falência, há divergência doutrinária relevante sobre a possibilidade de elas se submeterem ao regime de falência. Rafael Oliveira47 aponta que existem basicamente três posições sobre o tema: 47 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo 6ª ed. São Paulo: GenMétodo, 2018, p. 137. 69 FLÁVIA LIMMER • • • ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 A primeira defende a inconstitucionalidade do art. 2º, inciso I, da Lei n.º 11.101/2005, por violar o art. 173, § 1º, inciso II, da CF. Nesse sentido: José Edwaldo Tavares Borba48; A segunda advoga que o art. 2º, inciso I, da Lei n.º 11.101/2005 deve ser interpretado conforme a CF, limitar a sua aplicação às empresas estatais prestadoras de serviços público. Nesse sentido: Celso Antônio Bandeira de Mello, José dos Santos Carvalho Filho, Diógenes Gasparini e Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Por fim, há a que se posiciona a favor a constitucionalidade do art. 2º, inciso I, da Lei n.º 11.101/2005 e a sua aplicabilidade a todas às empresas estatais, independentemente de serem prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividade econômica em sentido estrito. Em caso de insolvência, o ente político é responsável pela reparação dos lesados, caso a empresa pública ou sociedade de economia mista não consiga arcar com as responsabilidades. Nesse sentido: Marcos Juruena Villela Souto, Marçal Justen Filho e Marcos Bemquerer. A matéria será discutida pelo STF no Recurso Extraordinário (RE) 1.249.945, com repercussão geral reconhecida em 27/11/2020, com fundamento no art. 173, §1º, II CF/88. 5.9. Lei das Empresas Estatais (Lei n.º 13.303/2016) A Lei n.º 13.303/2016 alterou significativamente a ordem jurídica, trazendo um novo arcabouço jurídico aplicável às empresas estatais, especialmente às licitações, que serão trabalhadas em item específico. O conceito da nova Lei das Estatais foi evitar o aparelhamento e corrupção, aumentando a transparência e permitindo que sejam administradas de forma impessoal, com base em uma racionalidade própria do mercado, sem que elas sejam utilizadas para fins políticos. Nesse aspecto, a Lei das Estatais cria regras para nomeação de dirigentes, por exemplo definindo critérios mínimos, visando que pessoas sem experiência na área ou que não possuam certos requisitos técnicos não possam preencher determinados cargos no conselho de administração das empresas estatais. Em seus artigos iniciais, a Lei n.º 13.303/2016 estabelece ser uma lei nacional, aplicável em todos os entes federativos, bem como a todas as espécies de empresas estatais (sociedades de economia mista e empresas públicas), sejam elas exploradoras de atividades econômicas ou prestadoras de serviços públicos. A lei abrange, por exemplo, estatais diversas tais como os Correios, a INFRAERO, assim como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. São estabelecidas regras especiais para as licitações, facilitando a realização destas. Como visto, as empresas governamentais não podem receber privilégios não extensíveis às empresas privadas, em razão do princípio da livre concorrência. No entanto, a adoção de procedimentos licitatórios “clássicos”, embora indispensável, engessava as estatais e faziam com que essas perdessem a competitividade. O estatuto jurídico das empresas estatais se inspirou e reproduziu em parte o Regime Diferenciado de Contratações, que permite, por exemplo, contratações mais ágeis e simplificadas, processos menos morosos etc. Exemplificando: para a dispensa de licitação, quando se tratar de uma empresa estatal, o valor é de R$ 100.000,00; quando se tratar de obras e serviços e R$ 50.000,00 quando se tratar de compras e serviços. Nessas hipóteses será dispensável a licitação, podendo haver contratação direta. Ademais, a lei permite que os conselhos de administração dessas empresas estatais deliberem por aumentar esse patamar de acordo com a realidade de cada empresa estatal. 48 BORBA, José Edwaldo Tavares. Sociedade de economia mista e privatização. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 1997, p. 23. 70 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER 6. GESTÃO ASSOCIADA O art. 241, CF/88, estabelece que os entes políticos podem promover uma gestão associada dos serviços públicos, para que recursos sejam poupados e serviços otimizados, maximizando a eficiência. O Decreto n.º 6.017/2007 conceitua a gestão associada de serviços públicos como o Art. 3º, IX. [...] exercício das atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação entre Entes federados, acompanhadas ou não da prestação de serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. A gestão associada amplia, assim, as formas de prestação dos serviços públicos: além da prestação direta pelos Entes federativos e da indireta, por meio de concessão ou permissão, há também a possibilidade da gestão associada. A gestão associada possibilita a prestação conjunta de serviços públicos por dois ou mais entes federativos, conforme o art. 4.º, inciso XI, da Lei n.º 11.107/2005, e se materializa pela celebração de um contrato de programa e/ou um consórcio público. O artigo trata, na verdade, do Protocolo de Intenções, instrumento que precede a celebração de um consórcio público (que será melhor abordado no próximo item). É o protocolo de intenções que autoriza a gestão associada, e irá esclarecer as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público; os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão prestados; a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da prestação dos serviços; as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no caso de a gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um ente da federação consorciado; e, finalmente, os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem como para seu reajuste ou revisão. 6.1. Consórcio público Os consórcios públicos foram citados pela primeira vez na Constituição de 1937, mas receberam nova roupagem com a edição da Lei n.º 11.107/2005. Assim, são nomeados Consórcios Administrativos aqueles constituídos antes de 2005. Estes são meros pactos de colaboração, sem vínculo contratual entre os participantes e sem personalidade jurídica própria, só poderiam ser celebrados entre entes que se encontrassem no mesmo nível federativo (por exemplo, só entre municípios, ou só entre estados-membros). Também não há fixação de obrigações recíprocas ou de sanções por inadimplência – há total liberdade para se retirar a qualquer momento. Alguns persistem até hoje, já que não há obrigatoriedade de conversão para o modelo previsto atualmente pela lei. Disciplinados pela Lei n.º 11.107/2005, os chamados consórcios públicos atuais passam a ser constituídos unicamente por Entes da federação, inclusive de níveis federativos diferentes, por meio de uma associação pública ou privada. Visam permitir que uma prestação de serviços ou gestão de determinada atividade seja feita em conjunto. Por exemplo, a Autoridade Pública Olímpica, que envolveu o consórcio entre a União, o Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro. O art. 3º do Decreto n.º 6.017/2007 lista algumas das possibilidades de atuação dos consórcios públicos, tais como desenvolvimento econômico, agricultura, assistência social, educação, energia, habitação, infraestrutura, meio ambiente, planejamento urbano, saneamento básico, saúde, segurança pública, transporte e mobilidade e turismo O consórcio público criado nos moldes da Lei n.º 11.107/2005 visa a cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum (art. 2º, inciso I, do Decreto 6.017/2007) e depende de autorização legislativa e celebração de vínculo contratual. Possui personalidade jurídica (de direito público e 71 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos, de acordo com o art. 6º da Lei n.º 11.107/2005) com fixação de direitos e deveres recíprocos entre os participantes. Segundo José dos Santos Carvalho Filho o consórcio público [...] se concentra na realização de atividades e metas de interesse comum das pessoas federativas consorciadas (art. 1º). Cuida-se, em última instância, de profícuo instrumento do federalismo cooperativo, através do qual os entes estatais, sem embargo de não abrirem mão de sua ampla autonomia, preservada na Constituição, se associam a outras pessoas também estatais para alcançar metas que são importantes para todos, sempre observados os parâmetros constitucionais49. Como dessa reunião de entes federativos se cria uma nova entidade, o consórcio tem personalidade jurídica própria (art. 6º da Lei n.º 11.107/2005). É uma hipótese de descentralização administrativa, pois sua personalidade jurídica não se confunde com a personalidade jurídica de cada ente que o compõe. Em regra regra, o consórcio é constituído como associação pública e possui natureza autárquica (personalidade de direito público). Caso seja constituído sob regime de direito privado, adotará regime híbrido, similar ao das empresas públicas ou sociedades de economia mista. A área de atuação do consórcio público corresponde a soma dos territórios dos Entes envolvidos, conforme previsto no art. 2º, II, alíneas a, b e c, Decreto n.º 6.017/2007. Assim, um consórcio composto por estado-membro e municípios poderá gerir os serviços de transporte municipal e intermunicipal. O Decreto n.º 6.017/2007 estabelece que a União só pode participar de um consórcio público em que também estejam presentes todos os Estados em cujo territórios estejam situados municípios consorciados (art. 1º § 2º). Por exemplo: um consórcio formado pelos municípios de Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória. Para a União integrar esse consórcio, é preciso que os Estados de GO, SP, RJ e ES estejam presentes. O mesmo Decreto determina que a União celebrará convênios somente com consórcios públicos constituídos sob a forma de associação pública. Mas mesmo que não o integrem, a participação dos Estados e/ou da União pode acontecer por meio de apoio técnico e financeiro, já que poderão celebrar convênios com os consórcios públicos. São requisitos para o consórcio público: • • • • • • 49 Celebração necessária de um protocolo de intenções. O consórcio é formalizado por um protocolo de intenções. Este deverá ser ratificado por lei ou ter uma autorização legal para ser celebrado. Cada ente federativo deverá aprová-lo, por suas respectivas casas legislativas. O protocolo será transformado no contrato de consórcio, criando, assim, a pessoa jurídica. O representante legal do consórcio público deve ser o chefe do poder executivo de qualquer dos entes de federação que estejam consorciados. Constituir pessoa jurídica, seja de direito público ou direito privado. Sendo de direito público, será denominado de associação pública ou autarquia multifederativa. As prerrogativas do consórcio público são: • Competência para celebrar contratos com entidades públicas ou privadas, receber incentivos públicos, promover desapropriação, emitir documento de cobrança, exercer atividade de arrecadação de tarifa, etc. Haverá dispensa de licitação caso o consórcio seja contratado pela própria pessoa da administração direta ou indireta que participa dele. Ou seja, a pessoa jurídica criada pelo consórcio pode celebrar um contrato com dispensa de licitação com uma das demais entidades administrativas que compõem o consórcio (24, XXVI, da Lei n.º 8.666/1993). As contratações feitas pelo consórcio requerem licitação. Aplicam-se ao consórcios as regras da Lei n.º 8.666/93 e do PL 4.253/2020, inclusive para as hipóteses de dispensa de licitação. No entanto, serão duplicados os valores de dispensa da modalidade convite, quando houver até CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 240. 72 FLÁVIA LIMMER • ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 três entes consorciados (art. 24, parágrafo único Lei n.º 8.666/1993). Caso haja mais de três entes consorciados, este valor de dispensa será triplicado (art. 23, §8º Lei n.º 8.666/1993). A área de atuação do consórcio será relativa às competências constitucionais materiais dos entes consorciados. Poderá abranger municípios e o DF, já que este possui também competência municipal. É importante destacar que, caso um consórcio público celebre convênio com a União, com previsão de repasses federais e um dos integrantes do consórcio possuir pendência inscrita CAUC50, esta dívida não pode impedir que o consórcio receba os valores prometidos. Como o consórcio possui personalidade jurídica própria, independente dos demais entes federativos que o compõe, aplica-se o princípio da intranscendência das sanções. Logo, as punições impostas não podem superar a dimensão estritamente pessoal do ente federativo infrator. Caso contrário, a restrição significaria prejudicar outras pessoas jurídicas que não praticaram o ato. Assim, o fato de ente integrante de consórcio público possuir pendência no Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CAUC) não impede que o consórcio faça jus, após a celebração de convênio, à transferência voluntária a que se refere o art. 25 da LC 101/2000 (STJ REsp 1.463.921-PR). Na mesma linha, a Lei n.º 13.821/2019, ao alterar o art. 14 da Lei n.º 11.107/2005 reduziu os requisitos para a celebração de convênios entre a União e os consórcios públicos: as exigências previdenciárias, fiscais e tributárias fiscais necessárias para a celebração dos convênios só podem ser cobradas do consórcio em si, e não dos entes federativos que o compõem. Caso o consórcio público esteja adimplente, ele poderá ser contratado para prestar serviços, mesmo que os municípios ou estados que o integram estejam em débito com a União. O consórcio, tanto de direito público quanto de direito privado, adotará como regime de pessoal o de emprego público (empregados públicos regidos pela CLT, cf. art. 6º § 2º da Lei n.º 11.107/2005), podendo ainda receber a cessão de servidores provenientes da Administração Direta. 6.2. Convênio Público Assim como os consórcios, os convênios públicos são hipótese de descentralização e sua personalidade jurídica não se confunde com a personalidade jurídica de cada ente que o compõe. Para a doutrina, os convênios são acordos celebrados entre entes públicos (de níveis federativos iguais ou diferentes), entre entes da administração indireta ou mesmo entre entes federativos e particulares. Os partícipes nos convênios atuam em regime de cooperação visando alcançar um objetivo comum, sem fins lucrativos ou vantagens econômicas para nenhum deles. Trata-se de negócio jurídico, logo, não há formação de nova pessoa jurídica ou entidade. A doutrina debate se os ajustes firmados entre os entes da Administração Pública teriam natureza jurídica de contratos administrativos ou de convênios. Para Hely Lopes Meirelles, estes possuem natureza de contrato administrativo51, já para Maria Sylvia Zanella Di Pietro52, representando a posição majoritária, são caraterizados como convênios. Odete Medauar53 destaca que os convênios se caracterizam pela busca de interesses recíprocos e convergentes, e para a realização de objetivos de caráter comum. Assim, segundo a autora, poderiam ser firmados inclusive pelos estes federativos entre si, ou entre estes e particulares. Por exemplo, um convênio entre universidades públicas e privadas para que partilhassem o acervo de suas bibliotecas entre os respectivos discentes. Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro 43a. edição. São Paulo: Malheiros, 2018. 52 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 53 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno 21ª ed. São Paulo: Fórum, 2018. 50 51 73 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 Nesta linha o convênio gera obrigações recíprocas, e é caracterizado pelo tipo de resultado que se pretende atingir, sendo similar ao contrato de sociedade no direito privado. Há comunhão de interesses, um fim comum a ser buscado. Podem existir prestações específicas e individualizadas, mas não há interesses individuais, como no contrato. Por isso se denomina seus participantes de partícipes, e não de partes. Para Di Pietro, não se deve cogitar de remuneração para os partícipes, assim são incompatíveis com os convênios quaisquer modalidades de cláusulas penais, garantias ou arras. Isso não impede, porém, a presença de cláusulas sobre os valores pecuniários necessários à concretização do ajuste – questões como repartição de gastos podem ser dispostos no instrumento que institui o convênio. Os convênios seriam identificados exatamente pela análise global das cláusulas contidas em seu instrumento de formalização: havendo relação jurídica de coordenação (e não de subordinação) e cooperação (interesse na produção dos mesmos resultados concretos) estaríamos perante um convênio. Ainda segundo a autora, os convênios pressupõem pessoalidade no cumprimento das obrigações: a busca de objetivos comuns exige soma de esforços, tornando a pessoalidade uma característica natural dos convênios administrativos. Sua natureza cooperativa teria o poder de repelir cláusulas de permanência obrigatória. A própria legislação indicaria a diferença: os contratos administrativos estariam previstos no art. 2º parágrago único e , art. 6º XIV e XV Lei n.º 8.666/1993. Já os convênios seriam disciplinados pelo art. 2º e 116 Lei n.º 8.666/1993, e pelo Decreto n.º 6.017/2017. 6.3. Contrato de rateio O contrato de rateio é a divisão de despesas. No contrato de rateio há o instrumento pelo qual entes consorciados irão se comprometer a custear as despesas do objeto do contrato. O ente consorciado que não consignar na sua lei orçamentária ou crédito adicional dotações suficientes para suportar com as despesas assumidas pelo contrato de rateio pode ser suspenso ou mesmo excluído do consórcio. E mais, é ato de improbidade administrativa celebrar contrato de rateio de consórcio público sem a suficiente e prévia dotação orçamentária, ou então sem observar formalidades especificadas em lei. 6.4. Contrato de programa O contrato de programa vai regular as obrigações de um ente federado com outro ente federado no âmbito das prestações de serviço público, por meio da cooperação federativa. Através do contrato de programa poderá ocorrer a transferência parcial ou total de encargos, serviços, pessoal, inclusive de bens necessários à continuidade de serviços transferidos pelo contrato de programa. O contrato de programa pode ser usado para efetivar qualquer forma de gestão associada de serviço público, sendo celebrado em decorrência de um consórcio público ou de um convênio de cooperação. O art. 13 da Lei n.º 11.107/2005 detalha o contrato de programa. Por exemplo, o consórcio público se materializa por através da celebração do Contrato de Programa, conceituado como o “instrumento pelo qual devem ser constituídas e reguladas as obrigações que um Ente da Federação, inclusive sua administração indireta, tenha para com outro Ente da Federação, ou para com consórcio público, no âmbito da prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa” (art. 3º, XVI, Decreto n.º 6.017/2007). O contrato de programa deverá ser celebrado quando a gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da federação consorciados (art. 4.º, XI, alínea ‘d’, Lei n.º 11.107/2005). Nesse caso, previamente já foi celebrado um contrato de consórcio entre entes federativos, que são os titulares do serviço público objeto da gestão associada. O contrato de programa, 74 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 nesse, caso cumpre a função de efetivar a prestação do serviço objeto da gestão associada, que poderá ser realizada pelo consórcio público de forma direta, ou indireta, mediante a contratação de particulares em regime de concessão, por exemplo. 7. TESES DO STJ 7.1.Organização administrativa 1) Aplica-se a prescrição quinquenal do Decreto n. 20.910/32 às empresas públicas e às sociedades de economia mista responsáveis pela prestação de serviços públicos próprios do Estado e que não exploram atividade econômica. 2) Inexiste direito à incorporação de vantagens decorrentes do exercício de cargo em comissão ou função de confiança na administração pública indireta. 3) As autarquias possuem autonomia administrativa, financeira e personalidade jurídica própria, distinta da entidade política à qual estão vinculadas, razão pela qual seus dirigentes têm legitimidade passiva para figurar como autoridades coatoras em Mandados de Segurança. 4) As empresas públicas e as sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos possuem legitimidade ativa ad causam para a propositura de pedido de suspensão, quando na defesa de interesse público primário. 5) A universidade federal, organizada sob o regime autárquico, não possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que visa à repetição de indébito de valores relativos à contribuição previdenciária por ela recolhidos e repassados à União. 6) Os Conselhos de Fiscalização Profissionais possuem natureza jurídica de autarquia, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico de direito público. 7) O benefício da isenção do preparo, conferido aos entes públicos previstos no art. 4º, caput, da Lei n. 9.289/1996, é inaplicável aos Conselhos de Fiscalização Profissional. 8) O arquivamento provisório previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, dirigido aos débitos inscritos como dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, não se aplica às execuções fiscais movidas pelos conselhos de fiscalização profissional ou pelas autarquias federais. (Súmula n. 583/STJ) 9) Os créditos das autarquias federais preferem aos créditos da Fazenda estadual desde que coexistam penhoras sobre o mesmo bem. (Súmula n. 497/STJ) 10) As agências reguladoras podem editar normas e regulamentos no seu âmbito de atuação quando autorizadas por lei. 11) Não é possível a aplicação de sanções pecuniárias por sociedade de economia mista, facultado o exercício do poder de polícia fiscalizatório. 12) Compete à justiça federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas. (Súmula n. 150/STJ) 13) Compete à justiça comum estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento. (Súmula n. 42/STJ) 14) Compete à Justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista. (Súmula n. 501/STF) 75 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 7.2. Conselhos 1) Os conselhos de fiscalização profissionais possuem natureza jurídica de autarquia, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico de direito público. 2) Com a suspensão da redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/1998 ao caput do art. 39 da Constituição Federal de 1988, no julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.135/DF, o regime jurídico dos conselhos profissionais deve ser, obrigatoriamente, o estatutário. 3) Os servidores dos conselhos de fiscalização profissional submetem-se ao regime jurídico único, de modo que a aposentadoria ocorrida após a publicação das decisões proferidas nas ADI n. 1.717/DF e ADI n. 2.135/DF, esta última em sede de liminar, segue o regime estatutário. 4) Os conselhos de fiscalização profissionais não podem registrar seus veículos como oficiais porque compõem a administração pública indireta e o §1º do art. 120 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB autoriza apenas o registro de veículos oficiais da administração direta. 5) Os conselhos profissionais têm poder de polícia para fiscalizar as profissões regulamentadas, inclusive no que concerne à cobrança de anuidades e à aplicação de sanções. 6) A partir da vigência da Lei n. 12.514/2011, o fato gerador para a cobrança de anuidades de órgão de fiscalização profissional é o registro no conselho e não mais o efetivo exercício da profissão. 7) As anuidades devidas aos conselhos profissionais constituem contribuição de interesse das categorias profissionais, de natureza tributária, sujeita a lançamento de ofício. 8) O prazo prescricional para cobrança de anuidades pagas aos conselhos profissionais tem início somente quando o total da dívida inscrita atingir o valor mínimo correspondente a 4 (quatro) anuidades, conforme disposto no art. 8º da Lei n. 12.514/2011. 9) A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, embora possua natureza jurídica especialíssima, submete-se ao disposto no art. 8º da Lei n. 12.514/2011, que determina que os conselhos de classe somente executarão dívida de anuidade quando o total do valor inscrito atingir o montante mínimo correspondente a 4 (quatro) anuidades. 10) Compete a Justiça Federal processar e julgar execução fiscal promovida por Conselho de Fiscalização Profissional. (Súmula n. 66/STJ) 11) Não se aplica o art. 20 da Lei n. 10.552/2002, que determina o arquivamento provisório das execuções de pequeno valor, às execuções fiscais propostas pelos conselhos regionais de fiscalização profissional. 12) Em execução fiscal ajuizada por conselho de fiscalização profissional, seu representante judicial possui a prerrogativa de ser pessoalmente intimado. (Tese julgada sob o rito do art. 1.039 do CPC/2015 – TEMA 580) 13) O registro no conselho de fiscalização profissional está vinculado à atividade básica ou à natureza dos serviços prestados pela empresa, por força do que dispõe o art. 1º da Lei n. 6.839/1980. 14) A atividade fiscalizatória exercida pelos conselhos profissionais, decorrente da delegação do poder de polícia, está inserida no âmbito do direito administrativo, não podendo ser considerada relação de trabalho e, de consequência, não está incluída na esfera de competência da Justiça Trabalhista. 15) O benefício da isenção do preparo, conferido aos entes públicos previstos no art. 4º, caput, da Lei n. 9.289/1996, é inaplicável aos conselhos de fiscalização profissional. 16) A atividade de músico é manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão, de modo que a exigência de inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil – OMB, bem como de pagamento de anuidade para o exercício de tal profissão, torna-se incompatível com a Constituição Federal de 1988. 17) As empresas de factoring convencional não precisam ser registradas nos conselhos regionais de administração, visto que suas atividades são de natureza eminentemente mercantil, ou seja, não envolvem gestões estratégicas, técnicas e programas de execução voltados a um objetivo e ao desenvolvimento de empresa. 76 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER 18) O exame de suficiência instituído pela Lei n. 12.249/2010, que alterou o art. 12, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.295/1946, será exigido de contadores e de técnicos em contabilidade que completarem o curso após a vigência daquela lei. 19) O ato do Conselho de Contabilidade, que requisita dos contadores e dos técnicos livros e fichas contábeis de seus clientes, não viola os princípios da privacidade e do sigilo profissional, já que visa à fiscalização da atividade contábil dos profissionais nele inscritos. 20) Os Conselhos Regionais de Farmácia possuem atribuição para fiscalizar e autuar as farmácias e as drogarias quanto ao cumprimento da exigência de manter profissional legalmente habilitado (farmacêutico) durante todo o período de funcionamento dos respectivos estabelecimentos. (Súmula n. 561/STJ) (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – TEMA 715) 21) É facultado aos técnicos de farmácia, regularmente inscritos no Conselho Regional de Farmácia, a assunção de responsabilidade técnica por drogaria, independentemente do preenchimento dos requisitos previstos no art. 15, § 3º, da Lei n. 5.991/1973, c/c o art. 28 do Decreto n. 74.170/1974, entendimento que deve ser aplicado até a entrada em vigor da Lei n. 13.021/2014. (Tese julgada sob o rito do art. 1036 do CPC/2015 – TEMA 727) 22) Não estão sujeitas a registro perante o respectivo Conselho Regional de Medicina Veterinária, nem à contratação de profissionais nele inscritos como responsáveis técnicos, as pessoas jurídicas que explorem as atividades de comercialização de animais vivos e de venda de medicamentos veterinários, pois não são atividades reservadas à atuação privativa de médico veterinário. 23) Não há comando normativo que obrigue a inscrição de professores e de mestres de artes marciais, ou mesmo de danças, de capoeira e de ioga, nos Conselhos de Educação Física, porquanto, à luz do que dispõe o art. 3º da Lei n. 9.696/1998, essas atividades não são próprias dos profissionais de educação física. 24) O registro de restaurantes e de bares no Conselho Regional de Nutrição e a presença de profissional técnico (nutricionista) não são obrigatórios, pois a atividade básica desses estabelecimentos não é a fabricação de alimentos destinados ao consumo humano (art. 18 do Decreto n. 84. 444/1980), nem se aproxima do conceito de saúde trazido pela legislação específica. 8. JURISPRUDÊNCIA 8.1.Súmulas do STF Súmula Vinculante 52: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c", da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas. Súmula Vinculante 27: Compete à Justiça Estadual julgar causas entre consumidor e concessionária de serviço público de telefonia, quando a ANATEL não seja litisconsorte passiva necessária, assistente, nem opoente. Súmula 08: Diretor de sociedade de economia mista pode ser destituído no curso do mandato. 8.2. Súmulas do STJ Súmula 525: A Câmara de vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais. 77 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER 8.3. Informativos do STF54 Info 966. Plenário. ADI 4579/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/2/2020. É possível que o chefe do Poder Executivo estadual convide, em consenso com a OAB, um representante da Ordem para integrar órgão da Administração. Isso é válido. No entanto, a lei não pode impor a presença de representante da OAB (“autarquia federal”) em órgão da Administração Pública local. Info. 946. Plenário.RE 716378/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 1º e 7/8/2019 (repercussão geral). A qualificação de uma fundação instituída pelo Estado como sujeita ao regime público ou privado depende: i) do estatuto de sua criação ou autorização e ii) das atividades por ela prestadas. As atividades de conteúdo econômico e as passíveis de delegação, quando definidas como objetos de dada fundação, ainda que essa seja instituída ou mantida pelo poder público, podem se submeter ao regime jurídico de direito privado. Info 943. Plenário. ADI 5624 MC-Ref/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 5 e 6/6/2019. A alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista exige autorização legislativa e licitação. Por outro lado, não se exige autorização legislativa para a alienação do controle de suas subsidiárias e controladas. Nesse caso, a operação pode ser realizada sem a necessidade de licitação, desde que siga procedimentos que observem os princípios da administração pública inscritos no art. 37 da CF/88, respeitada, sempre, a exigência de necessária competitividade. Info 920. Plenário. ADPF 275/PB, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/10/2018. É aplicável o regime dos precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial. STF. Plenário. ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/3/2017 (Info 858). É inconstitucional determinação judicial que decreta a constrição de bens de sociedade de economia mista prestadora de serviços públicos em regime não concorrencial, para fins de pagamento de débitos trabalhistas. Sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial está sujeita ao regime de precatórios (art. 100 da CF/88) e, por isso, impossibilitada de sofrer constrição judicial de seus bens, rendas e serviços, em respeito ao princípio da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/88) e da separação funcional dos poderes (art. 2º c/c art. 60, § 4º, III). Info. 919. Plenário. RE 589998 ED/PI, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 10/10/2018 (repercussão geral). A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados. Info 910. 1ª Turma. RE 892727/DF, rel. orig. Min. Alexandre de Morais, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 7/8/2018. Não se submetem ao regime de precatório as empresas públicas dotadas de personalidade jurídica de direito privado com patrimônio próprio e autonomia administrativa que exerçam atividade econômica sem monopólio e com finalidade de lucro. Info 889. Plenário. ADI 4874/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 1º/2/2018. É constitucional o art. 7º, III e XV, da Lei nº 9.782/99, que preveem que compete à ANVISA: III – estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária; XV – proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; Entendeu-se que tais normas consagram o poder normativo desta agência reguladora, sendo importante instrumento para a implementação das diretrizes, finalidades, objetivos e princípios expressos na Constituição e na legislação 54 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 78 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER setorial. Além disso, o STF, após empate na votação, manteve a validade da Resolução RDC 14/2012-ANVISA, que proíbe a comercialização no Brasil de cigarros com sabor e aroma. Esta parte do dispositivo não possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. Significa dizer que, provavelmente, as empresas continuarão ingressando com ações judiciais, em 1ª instância, alegando que a Resolução é inconstitucional e pedindo a liberação da comercialização dos cigarros com aroma. Os juízes e Tribunais estarão livres para, se assim entenderem, declararem inconstitucional a Resolução e autorizar a venda. Existem, inclusive, algumas decisões nesse sentido e que continuam valendo. Info 861. Plenário. RE 938837/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 19/4/2017 (repercussão geral). Os pagamentos devidos, em razão de pronunciamento judicial, pelos Conselhos de Fiscalização (exs: CREA, CRM, COREN, CRO) não se submetem ao regime de precatórios. 8.4. Informativos do STJ55 Info. 615. 1ª Seção. MS 21750-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/10/2017. A divulgação do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS pela CGU tem mero caráter informativo, não sendo determinante para que os entes federativos impeçam a participação, em licitações, das empresas ali constantes. Info. 659. REsp 1.318.740-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por maioria, julgado em 16/10/2018, DJe 05/11/2019 Não é ilegal a terceirização de serviços jurídicos pela Caixa Econômica Federal. STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 825776/SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 05/04/2016. Não há violação do princípio da legalidade na aplicação de multa previstas em resoluções criadas por agências reguladoras, haja vista que elas foram criadas no intuito de regular, em sentido amplo, os serviços públicos, havendo previsão na legislação ordinária delegando à agência reguladora competência para a edição de normas e regulamentos no seu âmbito de atuação. QUESTÕES 1. (MP-GO) MP-GO, 2019. Acerca da Administração Indireta do Estado, assinale a alternativa incorreta: a) As entidades integrantes da Administração Indireta sujeitam-se ao controle finalístico da pessoa política, por meio do órgão da Administração Direta a que estejam vinculadas, em razão do poder hierárquico da pessoa política que as criou. b) As despesas e receitas das entidades integrantes da Administração Indireta do Estado integram o orçamento fiscal da pessoa política a que estão vinculadas. c) Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos essenciais e próprios do Estado, em condições não concorrenciais, sujeitam-se ao regime de precatórios. d) As empresas públicas e as sociedades de economia mista que explorem atividade econômica em sentido estrito não respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros. 2. (TJPA) CESPE/CEBASPE, 2019. Com relação à distinção entre empresa pública e sociedade de economia mista, assinale a opção correta. a) Empresa pública é uma entidade privada criada por lei com a finalidade de realizar um serviço público, enquanto a sociedade de economia mista é criada de forma similar às empresas privadas, com a finalidade de exercer atividade econômica. b) Empresa pública possui personalidade jurídica de direito público, enquanto a sociedade de economia mista possui personalidade jurídica de direito privado. 55 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 79 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 c) Na empresa pública, o capital é exclusivo das pessoas jurídicas de direito público; na sociedade de economia mista, o Poder Público detém a maioria das ações com direito a voto, mas pode haver participação privada no capital. d) Na empresa pública, as ações com direito a voto são exclusivas do ente público que a controla; na sociedade de economia mista, o ente público controla a maior parte do capital, mas pode não possuir a maioria das ações com direito a voto. e) Na empresa pública, o capital social é inteiramente público; na empresa de economia mista, o Poder Público detém a maioria do capital social da empresa. 3. (TJRO) VUNESP, 2019. O ente personalizado, integrante da Administração Pública indireta, cuja criação é autorizada por lei, mas adquire existência jurídica após o registro dos seus estatutos, é a) agência executiva. b) fundação de direito privado. c) autarquia. d) serviço social autônomo. e) agência reguladora. 4. (TJAL) FCC, 2019. Considerando as medidas de organização da Administração Pública necessárias para o desempenho de suas atividades, operadas a partir dos mecanismos de desconcentração e de descentralização, nos limites estabelecidos pela Constituição Federal, tem-se que a a) desconcentração e a descentralização pressupõem a criação de novos entes, com personalidade jurídica própria, no primeiro caso para execução direta e, no segundo, para execução indireta de atividades públicas. b) descentralização por colaboração é utilizada precipuamente para transferência da titularidade de serviços públicos para a iniciativa privada ou organizações do terceiro setor, mediante delegação operada pelos institutos da concessão ou permissão. c) criação de órgãos públicos é uma expressão da desconcentração, porém extravasa a competência do Chefe do Executivo para dispor, mediante decreto, sobre organização da Administração, sendo matéria de reserva de lei formal. d) desconcentração pressupõe a criação de outros entes públicos ou privados, integrantes da estrutura administrativa, enquanto a descentralização refere-se à mera realocação de competências dentro da estrutura existente. e) descentralização ocorre sempre que se cria um novo órgão com plexo de atribuições próprias, o que se insere na competência normativa e regulamentar do Chefe do Executivo para dispor sobre organização administrativa. 5. (TJAL) FCC, 2019. Os consórcios públicos são um instituto relativamente recente, representando uma outra vertente em relação aos mais antigos consórcios administrativos. Referido instituto, tal como atualmente regulado pela legislação federal (Lei n° 11.107/2005), a) possui uma governança extremamente complexa em decorrência da obrigação de participação da União, como ente consorciado, sempre que estiverem consorciados ao menos dois Estados, ou um Estado e Municípios situados fora do território correspondente. b) constitui uma alternativa de prestação de serviços públicos utilizada em substituição a contratos de concessão, tendo como diferencial a possibilidade de outorga da titularidade dos serviços de um ente federativo para uma entidade privada consorciada. c) é obrigatoriamente constituído como pessoa jurídica de direito público, mediante prévia autorização legislativa, não admitindo estabelecimento de vínculo jurídico com entidades privadas para compartilhamento de recursos financeiros. d) demanda prévia celebração de contrato de rateio entre os entes públicos e os concessionários privados consorciados, com a definição clara das responsabilidades pelos investimentos demandados para a execução de seu objeto. e) permite a gestão associada de serviços públicos pelos diferentes entes federativos, com a possibilidade de conjugação de recursos fiscais, podendo o consórcio público ser contratado, com dispensa de licitação, por entidades da Administração indireta dos entes consorciados. 80 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 FLÁVIA LIMMER COMENTÁRIOS 1. Gabarito – A O comando da questão solicita assinalar a alternativa incorreta. Sendo assim: a) Incorreta. O controle ministerial é o poder exercido pelos Ministérios Federais e pelas Secretarias Estaduais e Municipais, sobre órgãos e entidades pertencentes à Administração Pública Indireta. Na descentralização não há subordinação, uma vez que as entidades são dotadas de autonomia. b) Correta. Cf. art. 165, §5º, I, da CF/88. c) Correta. O STF, nas ADPFs 524 e 530, decidiu que “estão submetidas ao regime constitucional de precatórios as empresas estatais que atuam na ordem econômica prestando serviços públicos e, portanto, próprios do Estado, sem intuito de lucratividade nem caráter concorrencial". d) Correta. Cf. art. 37, §6º, da CF/88. 2. Gabarito – C a) Incorreta. Tanto na criação da empresa pública quanto da sociedade de economia mista a lei é meramente autorizativa, dependendo do registro dos atos constitutivos no órgão competente. b) Incorreta. Segundo a Lei nº 13.3030/2016 ambas estatais possuem natureza jurídica de direito privado, e não de direito público. c) Correta. d) Incorreta. Nas sociedades de economia mista a maioria das ações com direito a voto devem pertencer ao ente público. e) Incorreta. Nas sociedades de economia mista o Poder Público não precisa deter a maior parte do capital social, e sim a maioria das ações com direito a voto devem pertencer ao ente público. 3. Gabarito – B a) Incorreta. A Agência Executiva é uma qualificação dada a uma autarquia ou fundação pública de direito público. b) Correta. A lei poderá criar diretamente ou autorizar a criação de uma fundação pública. Na segunda hipótese os atos constitutivos deverão ser inscritos no registro civil das pessoas jurídicas, sendo assim uma fundação pública de direito privado. c) Incorreta. A autarquia é instituída diretamente pela lei e sua personalidade jurídica tem início com a vigência da lei criadora. d) Incorreta. O serviço social autônomo faz parte do terceiro setor, que não compõe a Administração Pública. e) Incorreta. A Agência Reguladora é uma autarquia especial, logo é instituída diretamente pela lei e sua personalidade jurídica tem início com a vigência da lei criadora. 4. Gabarito – C a) Incorreta. Na desconcentração há a criação de órgãos públicos que integram a estrutura interna da Administração Pública direta. Já na descentralização cria-se a outras entidades dotadas de personalidade jurídica própria, integrando a Administração Pública indireta. b) Incorreta. Na descentralização por colaboração transfere-se apenas da execução da atividade, permanecendo a titularidade com o Poder Público (caso das concessionárias e permissionárias de serviço público). Já na descentralização por outorga há a transferência da titularidade e da execução do serviço público, por exemplo para as entidades da Administração indireta. c) Correta. Cf. art. 84, VI, "a" CF/88. d) Incorreta. A alternativa trocou os conceitos de desconcentração e descentralização. e) Incorreta. A afirmação se refere ao conceito de desconcentração administrativa. 5. Gabarito – E a) Incorreta. Art. 1º, § 2º, da Lei 11.107/05. b) Incorreta. Art. 241 CF/88. 81 FLÁVIA LIMMER ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 3 c) Incorreta. Art. 1º, § 1º, da Lei 11.107/05. d) Incorreta. Os entes públicos, no consórcio público, firmam o protocolo de intenções, que deverá ser remetido ao Poder Legislativo de cada um dos entes consorciados. que após ratificado, será formalizado o consórcio. O contrato de rateio não é indispensável na criação do consórcio, e só será exigido quando o objetivo for transferência de recursos do ente consorciado ao consórcio público. e) Correta. Cf. o art. 2º, § 1º, III, da Lei 11.107/05. 82 FLÁVIA LIMMER 4 TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO 83 FLÁVIA LIMMER TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 Para entender o terceiro setor, é interessante esclarecer quais são os demais. O primeiro setor é o Estado, e o segundo a iniciativa privada/mercado. No terceiro estão organismos, instituições ou organizações sem fins lucrativos que realizam projetos de interesse do Estado. Desempenham atividades em áreas que não são de atuação exclusiva do Poder Público, com o objetivo de agir junto à sociedade, visando a sua melhora e desenvolvimento. Estes entes de cooperação não integram a administração indireta e compreendem: • • • • Serviços Sociais Autônomos (Sistema S); Entidades de Apoio; Organizações Sociais (OS); Organizações da Sociedade Civil de Serviço Público (OSCIP); Ronny Charles56 prefere inserir essas últimas duas entidades (OS e OSCIP) dentro do terceiro setor, que para ele inclui: • • • • • Organizações Sociais (OS); Organizações da Sociedade Civil de Serviço Público (OSCIP); Entidades de Utilidade Pública Federal (UPF); Entidades com certificado de entidades beneficentes de assistência social (CEBAS); Instituições Comunitárias de Ensino Superior (ICES). É bom ressaltar que existem autores que se utilizam da expressão terceiro setor como sinônimo de entes de cooperação. De toda sorte, a Lei n.º 13.019/2014 estabelece o regime jurídico das parcerias entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco. Importante ter em mente que essas pessoas jurídicas não pertencem ao Estado, e em regra se submetem ao regime jurídico de direito privado. O terceiro setor está em uma área intermediária, em princípio privada, mas que se volta para a execução de atividades privadas e auxilia o Estado no atendimento do interesse público e na realização de atividades que beneficiam a coletividade. Embora não integrem a Administração Pública, alguns entes do terceiro setor recebem fomento estatal e inclusive podem ser mantidos por recursos orçamentários ou contribuições parafiscais, que servem para custeio de atividades realizadas por entidades privadas que não integram funções próprias do Estado, mas que tenham finalidade pública. São chamadas de entidades paraestatais, pois atuam ao lado do Estado. Existiu uma longa discussão quanto à submissão dessas entidades ao regime jurídico administrativo, que hoje estão pacificadas. Di Pietro57 já sustentava que os integrantes do terceiro setor são “predominantemente de direito privado, mas parcialmente derrogado por normas de direito público”. O STF, na ADI 1923/DF, determinou que trata-se de um regime híbrido: por receberem recursos públicos, bens públicos e servidores públicos, o regime jurídico das organizações sociais tem de ser minimamente informado pela incidência dos princípios da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Resumidamente: • • • • 56 57 Não há obrigatoriedade de licitação; Apesar de afastado o dever de licitar, os princípios administrativos devem ser observados; As compras e contratações com emprego de recursos públicos devem ocorrer mediante regulamento próprio, com a devida publicidade e pautados pelos princípios administrativos; Os contratos de trabalho destas instituições são regidos pela CLT. TORRES, Ronny Charles Lopes de. Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle. Salvador: Juspodivm, 2013. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 84 TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 FLÁVIA LIMMER O Estado e o terceiro setor firmam parcerias, ações públicas para aprimorar projetos e prestação de serviços de interesse da sociedade. São os chamados acordos administrativos colaborativos que, segundo Justino de Oliveira, tem por fim instituir vínculos de colaboração entre o Estado e a sociedade civil. A finalidade desses vínculos colaborativos é promover a efetivação do direito ao desenvolvimento, principalmente por meio da realização de serviços sociais58. É na concepção de parceria da Administração Pública com a sociedade civil que nasce o terceiro setor. Seu grande diferencial quando comparado com os demais entes de cooperação é que o terceiro setor realiza as atividades independentemente da vontade estatal. É justamente sua área de atuação que vai justificar a iniciativa do Estado de fomentar o terceiro setor, através de parcerias. As entidades desse setor não são criadas por lei; as seguintes características – cumulativamente – são necessárias a elas para que façam parte do terceiro setor: • • • • Pertencer à iniciativa privada, nem direta ou indiretamente; Não ter finalidade lucrativa; Dotadas de personalidade jurídica; Exercer atividades voluntária. São elementos essenciais para caracterização do terceiro setor: • • • Origem privada, fora do Estado; Inexistência de finalidade lucrativa; Objetivos e ações devem envolver atividades de interesse público. Existem outras entidades paraestatais que contribuem para a persecução de finalidades públicas, como as entidades fechadas. Existe uma diferença entre terceiro setor e entidade fechada. Na entidade fechada, a atuação está restrita a determinado grupo social, voltada aos seus interesses (associações de classe, sindicatos, clubes, etc.). Alguns autores entendem que as entidades fechadas poderiam ser inseridas dentro do terceiro setor, mas, na verdade, não seria possível. Isso porque as entidades fechadas têm diferentes finalidades. Ainda, no terceiro setor há interesses altruísticos que estão sendo defendidos para toda a sociedade; já as entidades fechadas realizam suas atividades não em prol da coletividade, e sim da categoria para qual é exclusivamente voltada. 1. ENTIDADES DE APOIO As entidades de apoio também são pessoas jurídicas de direito privado e não tem finalidade lucrativa, exercendo atividades não exclusivas de Estado, mas relacionadas à ciência, pesquisa, saúde e educação. Di Pietro esclarece que as entidades de apoio são, muitas vezes, criadas por servidores públicos via fundação ou associação, ou, ainda, cooperativas. A Lei n.º 8.958/1994 regula as relações entre as instituições federais de ensino superior e as fundações de apoio. As instituições federais de ensino superior (IFES) e as demais instituições científicas tecnológicas (ICT) podem celebrar convênios e contratos com prazo determinado com as fundações instituídas para apoiar projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico, tecnológico, de estímulo à inovação, inclusive para a gestão administrativa e financeira que se mostre necessária para execução dos projetos. São, por exemplo, as entidades de apoio contratadas para realizar concurso público ou vestibular. 58 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: termo de parceria e licitação. In Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, n.º 2, junho/julho/agosto de 2005. 85 FLÁVIA LIMMER TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 A entidade de apoio será constituída sob a forma de uma fundação de direito privado, logo, terão patrimônio próprio e administração própria. Não precisam realizar licitação, e há, ainda, hipóteses de dispensa de licitação para contratação, pela Administração Pública, de entidades de apoio brasileiras e que se destinem à pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional, desde que tenham inquestionável reputação ética e profissional. O regime de pessoal das entidades de apoio é celetista. Logo, não há necessidade de contratação por meio de concurso público. É vedada a subcontratação total do objeto de ajuste realizado entre uma instituição de ensino superior com a entidades de apoio, bem como é vedada a contratação parcial que delegue o núcleo do objeto contratual. A fundação deve ser apta à realização desse serviço. 2. CERTIFICADO DE UTILIDADE PÚBLICA FEDERAL (UPF) Trata-se de uma entidade que recebe um certificado de utilidade pública federal. Este certificado estava inicialmente previsto na Lei n.º 91/1935, que determinava regras para que as sociedades civis pudessem ser declaradas de utilidade pública (existência de personalidade jurídica, diretoria e conselhos não remunerados e efetivo funcionamento e exercício desinteressado da sociedade). A Lei de 1935 foi revogada pela Lei n.º 13.204/2015; mesmo antes disso entendia-se que os requisitos exigidos para o certificado de utilidade pública eram simples, o que impediria que estas fossem consideradas parte do terceiro setor. Contudo, subsiste, ainda, a Utilidade Pública nas esferas estaduais e municipais, isto é, os títulos de Utilidade Pública Estadual (UPE) e Utilidade Pública Municipal (UPM). 3. ENTIDADES COM CERTIFICADO DE ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CEBAS) A conferência desse título permite imunidade tributária em relação a impostos (Art. 150, VI, “c”, CF/88) e contribuições para a seguridade social (Art. 195, §7º, CF/88). A Lei n.º 12.101/2009 impõe os requisitos para a concessão da certificação de entidade beneficentes de assistência social: • • • • • Pessoas jurídicas de direito privado; Que não tenham fins lucrativos; Que sejam reconhecidas como entidades beneficente de assistência social; Devem ter atividades prestadas na área de assistência social, saúde e educação; Atender aos requisitos legais. O CEBAS será conferido à entidades que atuam nas áreas de saúde, educação e assistência social (art. 21, I a III, da Lei n.º 12.101/2009), através dos Ministérios das respectivas pastas. Por exemplo uma entidade que atua na área da saúde terá CEBAS conferido pelo Ministério da Saúde. A certificação tem um prazo de 01 a 05 anos, podendo ser renovado. Em dezembro de 2019, o STF decidiu que é constitucional a exigência do CEBAS – Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social como requisito para fruição da imunidade tributária às contribuições para a seguridade social, ainda que esteja previsto em lei ordinária (RE 566.622). De acordo com o acórdão, os aspectos procedimentais da imunidade, relacionados à certificação, à fiscalização e ao controle das entidades beneficentes de assistência social podem ser regulamentados por lei ordinária; a lei complementar é exigida apenas para poder estabelecer as contrapartidas para que as entidades usufruam da imunidade tributária prevista na CF, de acordo com o art. 195, § 7º. O STF entende que o certificado de entidades de fins filantrópicos é um mero reconhecimento pelo Poder Público do preenchimento das condições, situação na qual receberá o benefício constitucional da 86 FLÁVIA LIMMER TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 imunidade. Questionou-se se seria constitucional exigir a renovação da certificação ao término do prazo, e o STF entendeu que é constitucional a exigência da renovação periódica (ADI 4.891 e MS 30.576). O STJ trouxe a Súmula 352, pela qual a obtenção ou a renovação do certificado de entidade beneficente de assistência social não exime a necessidade de cumprimento dos requisitos legais supervenientes. Para obter o CEBAS, é necessário que a entidade atendas aos seguintes requisitos: • • • • Diretor, conselheiro ou sócio não devem receber remuneração, vantagem ou benefício. A exceção se refere aos dirigentes que exerçam a gestão executiva da empresa. Já há, inclusive, lei afirmando que devem ser remunerados, mas deverá ter o limite máximo os valores praticados no mercado. Aplicação de recursos, resultados positivos ou lucros integralmente no território nacional e na manutenção de seus objetivos institucionais. É preciso que a entidade conserve em bom estado, pelo prazo de 10 anos, contados da data da emissão, documentos que comprovem a origem dos recursos aplicados. A entidade precisa cumprir as obrigações tributárias acessórias. 4. INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR (ICES) São as instituições de ensino superior, reguladas pela Lei n.º 12.881/2013, que cumprem as características abaixo, cumulativamente: • • • • Devem ser constituídas sob a forma de associação ou fundação; Sem fins lucrativos; Adotam instrumentos de transparência administrativa Seu patrimônio, em caso de extinção, será destinado para outra instituição, seja pública ou privada, desde que voltada para a educação superior. A ICES deve ofertar serviços gratuitos à população, voltado ao desenvolvimento dos alunos ou da sociedade. A qualificação como ICES permite que ela receba recursos orçamentários. Por isso o dever de transparência. A intitulação de ICES à uma entidade é feita pelo Ministério da Educação. O Ministério tem 30 dias para decidir sobre o deferimento ou indeferimento. Deferindo, haverá o prazo de 15 dias para emitir o certificado. A qualificação da ICES é um ato vinculado ao cumprimento dos requisitos legais, não havendo discricionariedade. 5. SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMO (SISTEMA “S”) Os serviços sociais autônomos são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, criadas por lei, que prestam atividade de interesse público em favor de certas categorias, sejam sociais ou profissionais. Por exemplo, o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). São regulados pela Lei n.º 9.637/1998. As entidades dos Terceiro Setor são custeadas por tributos (contribuições especiais), portanto, submetem-se ao controle do Tribunal de Contas. Ainda que não tenham a obrigação de licitar e de realizar concursos públicos, devem contratar com observação dos princípios da administração: a contratação será por meio de processo seletivo minimamente impessoal e que respeite os ditames da moralidade, legalidade, publicidade e eficiência. As organizações sociais firmam Contrato de Gestão para a colaboração com o Estado, regulados pela Lei n.º 9.637/1998. 87 FLÁVIA LIMMER TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 Nos serviços sociais autônomos há uma incidência parcial do regime jurídico público, mas há algumas características específicas: • • • • Em regra, não estão sujeitos à necessidade de observar a Lei de Licitações, podendo utilizar os seus próprios regramentos, mas deverão observar os princípios gerais da administração pública, por conta da destinação de recursos públicos. Em relação ao regime de pessoal, o será trabalhista. O STF não exige a observância de concurso público, já que são entidades do setor privado. São criados através de lei, possibilitando às respectivas confederações nacionais a constituir formalmente os serviços sociais autônomos, sob uma das formas jurídicas admitidas: fundação, associação etc. 6. ORGANIZAÇÃO SOCIAL (OS) Segundo a Lei n.º 9.637/1998, o Poder Executivo pode qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado quando: • • Não tiverem fins lucrativos; Tenham por finalidade desenvolver o ensino, pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico, preservação do meio ambiental, cultura e saúde. A aprovação da qualificação como organização social se insere na competência discricionária do Ministério responsável ao objeto social da pessoa jurídica, bem como ao Ministério do Planejamento. A Lei n.º 9.637/1998 exige a permanência no controle da organização de representantes do Estado. Portanto, a OS deverá ter no mínimo 20% de participação do Poder Público, podendo chegar em até 40%. Deverá ser firmado um contrato de gestão, igualmente previsto pela Lei n.º 9.637/1998. O contrato de gestão é um contrato firmado entre o Poder Público e a entidade classificada como OS. A ideia do contrato de gestão é fomentar a execução de atividades relativas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, preservação do meio ambiental, cultura, saúde, etc. O contrato de gestão discrimina as atribuições, responsabilidade e obrigações do Poder Público e da organização social. No entanto, o contrato de gestão estabelece metas, bem como objetivos, os quais deverão fixar critérios para avaliação do cumprimento dessas metas pela organização social. Feito o contrato, ele é submetido à aprovação do conselho de administração da organização social. Aprovado o contrato de gestão, será submetido ao Ministro de Estado respectivo, ou a uma autoridade supervisora da correspondente área de atividade para aprová-lo. As organizações sociais podem receber recursos orçamentários e bens públicos para o cumprimento do contrato de gestão (art. 12 e 14 Lei n.º 9.637/1998). O Poder Público também poderá desqualificar essa entidade, retirando o grau de OS, quando ficar constatado que a entidade descumpriu o contrato de gestão firmado. Atente-se que a organização social não precisa seguir a Lei de Licitações. O art. 17 da Lei n.º 9.637/1998 diz que a organização social fará publicar, no prazo máximo de 90 dias contado da assinatura do contrato de gestão, o regulamento dos procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos públicos. Ainda existem hipóteses de dispensa licitatória para celebração de contrato de prestação de serviços com as organizações sociais para atividades contempladas no contrato de gestão. 88 FLÁVIA LIMMER TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 7. ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP) As OSCIP’s são reguladas pela Lei n.º 9.790/1999. A OSCIP não é uma pessoa jurídica, mas uma qualificação que uma pessoa jurídica recebe, desde que não tenham fins lucrativos. Sua finalidade é realizar determinadas atividades sociais, que estão elencadas na Lei. A qualificação como OSCIP só é conferida a pessoas jurídicas que tenham objetivos sociais com pelo menos uma das finalidades previstas em lei: • • • • • • • • • • • • • Promoção da assistência social; Promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; Promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; Promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; Promoção da segurança alimentar e nutricional; Defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; Promoção do voluntariado; Promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; Experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; Promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; Promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; Estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo; Estudos e pesquisas para o desenvolvimento, a disponibilização e a implementação de tecnologias voltadas à mobilidade de pessoas, por qualquer meio de transporte. Por outro lado, não poderão ser consideradas como OSCIP: • • • • • • • • • • • • • As sociedades comerciais; Os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; As instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; As organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; As entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; As entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; As instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; As escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; As organizações sociais; As cooperativas; As fundações públicas; As fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; As organizações creditícias que tenham quaisquer tipos de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal. 89 FLÁVIA LIMMER TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 A qualificação da OSCIP, diferentemente da OS, é um ato vinculado. O requerimento da qualificação é formulado ao Ministro da Justiça. A lei traz um prazo de 30 (trinta) dias para deferimento ou indeferimento do Ministro da Justiça. Em caso de deferimento, o prazo para emissão do certificado é de 15 (quinze) dias. A perda da qualificação da OSCIP se dá: • • • A pedido da entidade (perda voluntária); Por processo administrativo; Por processo judicial. Também nas OSCIPs é permitida a participação de servidores públicos na composição do seu conselho de administração. O instrumento entre a OSCIP e o Poder Público é denominado termo de parceria, igualmente previsto pela Lei n.º 9.790/1999. Com isso, a OSCIP passa a exercer atividades que não sejam exclusivas do Estado. O termo de parceria permite a destinação de recursos públicos à OSCIP. Caso a OSCIP adquira bem imóvel com recursos públicos do termo de parceria, o bem adquirido será gravado com cláusula de inalienabilidade, não podendo ser vendido. A OSCIP também não precisa seguir o rito estrito da Lei de Licitações. O art. 14 da Lei n.º 9.790/1999 estabelece que a organização parceira fará publicar, no prazo máximo de 30 dias, contado da assinatura do Termo de Parceria, o regulamento que explicará os procedimentos para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público. 8. A LEI N.º 13.019/2014 E AS PARCERIAS COM ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL A Lei n.º 13.019/2014 estabelece o conceito de organização da sociedade civil, compreendendo: • • • Entidades privadas sem fins lucrativos; Sociedades cooperativas que sejam integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade, ou voltadas para o fomento, educação, capacitação de trabalhadores rurais, ou sociedade cooperativas capacitadas para o exercício de atividade de interesse público; Organizações religiosas que se dediquem a atividades e projetos de interesse público, de cunho social, diferente das destinadas exclusivamente para fins religiosos (ex.: creche, abrigo, alimentação dos pobres, etc.). A Lei n.º 13.019/2014 trouxe uma ampliação do rol de entidades da sociedade civil que podem firmar parcerias com o Estado. A Lei prevê os seguintes instrumentos de parceria que podem ser firmados com o Poder Público: • • • Termo de colaboração: é um instrumento em que são formalizadas parcerias propostas pela administração pública, que envolvem a transferência de recursos públicos. Quem propõe a parceria é o Poder Público. Termo de fomento: são formalizadas parcerias propostas pela organização da sociedade civil, e que envolvem a transferência de recursos públicos. Aqui quem propõe a parceria é a organização civil. Acordo de cooperação: é um termo de parceria firmado, não importando se quem propôs foi o Poder Público ou a organização da sociedade civil. O que caracteriza o acordo de cooperação é que não envolve a transferência de recursos públicos. 90 TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 FLÁVIA LIMMER 9. CHAMAMENTO PÚBLICO O chamamento público é o procedimento destinado a selecionar a organização da sociedade civil que irá firmar uma parceria com o Poder Público. Haverá o chamamento de entidades interessadas, que apresentam as suas propostas. Estas são julgadas por uma comissão de seleção, com pelo menos 01 servidor de cargo efetivo ou emprego público permanente. A Administração Pública pode dispensar o chamamento público em algumas situações: • • Quando a peculiaridade do caso exigir (por exemplo, urgência em razão da paralisação de atividades de relevante interesse público ou iminência de paralisação), ficando formalizado o termo de parceria com a sociedade civil pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias. Estiver em situação de guerra, calamidade pública, grave perturbação da ordem pública, pois excepcionalidade da situação dispensa o chamamento público. Por outro lado, o chamamento público pode ser inexigível: • • Quando a competição entre as organizações da sociedade civil é inviável, em razão da natureza singular do objeto da parceria. Quando as metas somente puderem ser atingidas por certa entidade específica. Isso será claro nos casos de tecnologia. 10. DIFERENÇAS ENTRE OSCIP’S E OS’S De forma breve, cabe diferenciar as duas entidades. As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público são disciplinadas pela Lei n.º 9.790/1999. • • • • • O Ministério da Justiça confere título de OSCIP, que vale para todo o território nacional. A qualificação como OSCIP é um ato vinculado, uma vez preenchidos os requisitos, a entidade pode exigir o certificado. Firmam Termos de Parceria com a Administração Pública. A posterior desqualificação prejudica qualquer Termo de Parceria vigente em território nacional e a impede de firmar novos. Há necessidade de concurso de projetos (art. 23 do Decreto n.º 3.100/1999). Já as Organizações Sociais são reguladas pela Lei nº 9.637/98, e atuam nas áreas ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. • • • • • • Cada ente federativo deve ter legislação própria para poder qualificar entidades como OS. A qualificação como OS é um ato discricionário do chefe do Poder Executivo. A desqualificação posterior prejudica a entidade apenas perante aquele determinado ente federado, não afetando a continuidade de suas atividades junto aos demais. Firmam Contratos de Gestão com a Administração Pública. Há possibilidade de dispensa de licitação pública (art. 24, XXIV, Lei 8.666/1993). Devem adotar procedimento público, impessoal e objetivo. Sobre o tema terceiro setor a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou os enunciados 5, 9 e 11 que dispõe: Enunciado 05 – O conceito de dirigentes de organização da sociedade civil estabelecido no art. 2º, inc. IV, da Lei n. 13.019/2014 contempla profissionais com a atuação efetiva na gestão executiva da entidade, por meio do exercício de funções de administração, gestão, controle e representação da pessoa jurídica, e, por isso, não se estende aos membros de 91 TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 FLÁVIA LIMMER órgãos colegiados não executivos, independentemente da nomenclatura adotada pelo estatuto social. Enunciado 9 – Em respeito ao princípio da autonomia federativa (art. 18 da CF), a vedação ao acúmulo dos títulos de OSCIP e OS prevista no art. 2º, inc. IX, c/c art. 18, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.790/1999 apenas se refere à esfera federal, não abrangendo a qualificação como OS nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios. Enunciado 11 – O contrato de desempenho previsto na Lei n. 13.934/2019, quando celebrado entre órgãos que mantêm entre si relação hierárquica, significa a suspensão da hierarquia administrativa, por autovinculação do órgão superior, em relação ao objeto acordado, para substituí-la por uma regulação contratual, nos termos do art. 3º da referida Lei. 11. QUARTO SETOR Alguns doutrinadores, como Ricardo Alexandre e João de Deus 59 entendem que existe um quarto setor, à margem dos demais setores. Esse seria caracterizado pela informalidade e incluiria atividades como comércio informal e “bicos”, mas também o exercício de atividades ilícitas como o tráfico de drogas, a corrupção, a lavagem de dinheiro etc. Por isso Ronny Charles entende que estas atividades não poderiam ser tidas como um quarto setor, pois seriam disfunções dentro de cada um deles. Fernanda Marinela60 observa que o quarto setor está infiltrado dentro dos demais. No primeiro setor (Estado), a corrupção está infiltrada como o quarto setor. No segundo setor (Privado), há mercadorias falsificadas, combustíveis adulterados, etc. No terceiro setor (Entes de Cooperação), há inúmeras instituições que são apenas de fachadas. Percebe-se que o quarto setor é um setor informal, mas que destrói, em parte, os demais setores. 10. JURISPRUDÊNCIA 10.1. Informativos do STJ STJ, Info 646. 1ª Seção. EREsp 1.619.954-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/04/2019. As entidades dos serviços sociais autônomos não possuem legitimidade passiva nas ações judiciais em que se discute a relação jurídico-tributária entre o contribuinte e a União e a repetição de indébito das contribuições sociais recolhidas. Os serviços sociais são meros destinatários de subvenção econômica e, como pessoas jurídicas de direito privado, não participam diretamente da relação jurídico-tributária entre contribuinte e ente federado. O direito que tais entidades possuem à receita decorrente da subvenção não gera interesse jurídico a ponto de justificar a ocorrência de litisconsórcio com a União. O interesse dos serviços sociais autônomos nesta lide é reflexo e meramente econômico. QUESTÕES 1. (TJSC) CESPE/CEBRASPE, 2109. A respeito de organizações sociais, assinale a opção correta considerando o entendimento do STF em sede de controle concentrado. a) É inconstitucional a previsão legal de cessão de servidor público a organização social: essa hipótese configura desvio de função. b) O contrato de gestão não configura hipótese de convênio, uma vez que prevê negócio jurídico de natureza comutativa e se submete ao mesmo regime jurídico dos contratos administrativos. ALEXANDRE, Ricardo; DE DEUS, João. Direito Administrativo Esquematizado 3ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. 60 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 297. 59 92 FLÁVIA LIMMER TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 c) As organizações sociais, por integrarem o terceiro setor, integram a administração pública, razão pela qual devem submeter-se, em suas contratações com terceiros, ao dever de licitar. d) O indeferimento do requerimento de qualificação da organização social deve ser pautado pela publicidade, transparência e motivação, mas não precisa observar critérios objetivos, devendo ser respeitada a ampla margem de discricionariedade do Poder Público. e) A qualificação da entidade como organização social configura hipótese de simples credenciamento, o qual não exige licitação em razão da ausência de competição. 2. (PGE-SC) FEPESE, 2018. Atendidos os requisitos previstos na atual Lei 9.637/1998, o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas: 1. ao ensino. 2. à segurança pública. 3. à pesquisa científica. 4. ao desenvolvimento tecnológico. Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas. a) São corretas apenas as afirmativas 1, 2 e 3. b) São corretas apenas as afirmativas 1, 2 e 4. c) São corretas apenas as afirmativas 1, 3 e 4. d) São corretas apenas as afirmativas 2, 3 e 4. e) São corretas as afirmativas 1, 2, 3 e 4. 3. (DPE-PE) CESPE, 2018. Considerando-se as novas formas de desestatização da prestação de serviços públicos de caráter social, as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que, atendidos os requisitos previstos em lei, firmam parceria com o Poder Público, por instrumento de contrato de gestão, para a execução de atividades de interesse público — especialmente ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde — recebem a qualificação de a) agência executiva. b) fundação pública. c) organização social. d) organização da sociedade civil de interesse público. e) serviço social autônomo. 4. (DPE-AL) CESPE, 2017. Os serviços sociais autônomos a) são beneficiados pelos privilégios processuais de dilação de prazo recursal. b) devem ser criados mediante autorização por lei. c) são alcançados pelos sistemas de precatórios. d) possuem personalidade jurídica de direito público. e) estão obrigados a realizar procedimentos licitatórios 5. (DPE-AC) CESPE/CEBRASPE, 2017. Acerca dos serviços sociais autônomos, julgue os itens a seguir. I. As entidades de cooperação governamental, às quais são destinados recursos oriundos de contribuições parafiscais, têm por finalidade desenvolver atividade social que represente a prestação de serviço de utilidade pública em benefício de certos grupamentos sociais ou profissionais. II. As entidades de cooperação governamental não integram a estrutura da administração pública indireta, e, dada a natureza jurídica de direito privado que ostentam, não se submetem ao controle do tribunal de contas. III. Conforme entendimento do STF, as entidades de serviços sociais autônomos integrantes do sistema “S” não se submetem à exigência do concurso público para a contratação de pessoal. IV. As entidades de serviços sociais autônomos submetem-se a licitações para a realização de contratações, em cumprimento aos estritos termos da Lei n.º 8.666/1993. Estão certos apenas os itens a) I e II. 93 FLÁVIA LIMMER b) c) d) e) TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 I e III. II e IV. I, III e IV. II, III e IV. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – E a) Incorreta. Cf. art. 14 da Lei nº 9.637 de 1998. b) Incorreta. O contrato de gestão é instrumento que formaliza o vínculo entre os pactuantes, estabelece os objetivos do ajuste e define os direitos e as obrigações dos signatários, não se assemelhando a um contrato administrativo, uma vez que não há a previsão da adoção de cláusulas exorbitantes. c) Incorreta. As organizações socieis não se submetem ao dever de licitar nos moldes da Lei nº 8.666/93. Segundo o STF “as organizações sociais, por integrarem o Terceiro Setor, não fazem parte do conceito constitucional de Administração Pública, razão pela qual não se submetem, em suas contratações com terceiros, ao dever de licitar, o que consistiria em quebra lógica de flexibilidade do setor privado, finalidade por detrás de todo marco regulatório instituído por Lei" (ADI 1.923). d) Incorreta. De acordo com o STF “a previsão de competência discricionária no art. 2º, II, da Lei nº 9.637/98 no que pertine à qualificação tem de ser interpretada sob o influxo da principiologia constitucional, em especial dos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37, caput). É de se ter por vedada, assim, qualquer forma de arbitrariedade, de modo que o indeferimento do requerimento de qualificação, além de pautado pela publicidade, transparência e motivação, deve observar critérios objetivos fixados em ato regulamentar expedido em obediência ao art. 20 da Lei nº 9.637/98, concretizando de forma homogênea as diretrizes contidas nos incisos I a III do dispositivo". (ADI 1.923). e) Correta. Segundo o STF "A atribuição de título jurídico de legitimação da entidade através da qualificação configura hipótese de credenciamento , no qual não incide a licitação pela própria natureza jurídica do ato, que não é contrato, e pela inexistência de qualquer competição, já que todos os interessados podem alcançar o mesmo objetivo, de modo includente, e não excludente". (ADI 1.923). 2. Gabarito – C Segundo o STF " A atividade policial é carreira de Estado imprescindível à manutenção da normalidade democrática, sendo impossível sua complementação ou substituição pela atividade privada.” (ARE 654432/GO). As instituições que prestam serviços de segurança pública estão dispostas em rol taxativo no art. 144 CF/88, onde não consta as organizações sociais. Na mesma linha o art. 1º da Lei 9.637/98 estabelece que o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Sendo assim estão incorretas as alternativas A, B, D e E, que listam a segurança pública. 3. Gabarito – C a) Incorreta. A agência executiva é a qualificação que o Poder Público confere a determinadas entidades, e não um novo tipo de pessoa jurídica. b) Incorreta. A fundação pública é instituída por lei, tendo regime jurídico de direito público, similar ao adotado pelas autarquias. c) Correta. Cf. o art. 1º da Lei nº 9.637/98. d) Incorreta. As OSCIP’s são organizações sem fins lucrativos voltadas à resolução de problemas coletivos de interesse social, podendo prestar serviços públicos através de celebração de termo de parceria, na forma da Lei nº 9.790/98. e) Incorreta. O Serviço Social Autônomo é um entes de cooperação com o Poder Público. 4. Gabarito – B a) Incorreta. Os serviços sociais autônomos não pertencem à Administração Pública direta ou indireta, logo não possuem os privilégios da Fazenda Pública em juízo. 94 FLÁVIA LIMMER TERCEIRO SETOR E ENTES DE COOPERAÇÃO • 4 b) Correta. c) Incorreta. Os serviços sociais autônomos não pertencem à Administração Pública direta ou indireta, logo não estão sujeitos ao regime de precatórios. d) Incorreta. O terceiro setor não integra a Administração Pública, logo possuem personalidade jurídica de direito privado. e) Incorreta. Cf. STF, ADI 1.923/DF e TCU Acórdão 3239/2013. 5. Gabarito – B I – Correta II – Incorreta. As entidades de cooperação governamental recebem recursos públicos estão sujeitos a fiscalização dos Tribunais de Contas. III – Correta. IV – Incorreta. As entidades de serviços sociais autônomos não estão obrigadas a licitar conforme o procedimento estabelecido pela Lei nº 8.666/93, porém deverão contratar segundo os critérios de impessoalidade e moralidade. 95 FLÁVIA LIMMER 5 ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 ATOS ADMINISTRATIVOS 96 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 1. INTRODUÇÃO Os atos administrativos são produzidos no exercício das prerrogativas públicas, sob regime de direito público. Di Pietro61 explica que o ato administrativo é uma declaração do Estado, que produz efeitos jurídicos imediatos, sob regime jurídico de direito público e sujeito a controle do Poder Judiciário. Ainda que a Administração venha a manifestar sua vontade, não necessariamente seus atos poderão ser denominados de atos administrativos. Eles só poderão receber essa classificação se forem submetidos ao regime jurídico de direito público, como veremos adiante. 2. ATOS ADMINISTRATIVOS X FATOS ADMINISTRATIVOS Os atos administrativos não se confundem, por exemplo, com os fatos administrativos. Os últimos não visam produzir efeitos jurídicos, não há intenção; são apenas fatos concretos que podem ou não produzir efeitos no Direito Administrativo. Pontes de Miranda62 esclarece “que atos administrativos são aqueles que possuem um conteúdo humano e o fato administrativo em sentido estrito é aquele que não tem esse conteúdo propriamente humano, não tem propriamente vontade”. Celso Antônio Bandeira de Mello ilustra o entendimento doutrinário majoritário: o fato da administração não envolve propriamente uma vontade, sendo uma mera exteriorização ou concretização de uma decisão anterior. Os exemplos dados pela doutrina são: a criação de uma estrada, sua pavimentação, a construção ou demolição de um colégio, o falecimento de um servidor, ou até mesmo um fato da natureza que repercuta sobre a Administração, como a destruição de um prédio por uma enchente. Os fatos administrativos são fatos concretos que produzem efeitos no direito administrativo, por exemplo a morte do servidor. Já os atos administrativos decorrem de uma manifestação de vontade da Administração, e por ela podem ser anulados ou revogados. Há, também, a classificação de atos como políticos ou de governo. São os caracterizados como parte da atuação política do Estado. Um exemplo seria o caso de uma sanção de lei, não caracterizando, para Celso Antônio Bandeira de Mello63, um ato administrativo, mas sim um ato político, um exercício de vontade e de representação do Presidente da República. 3. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO O silêncio da Administração não pode ser considerado um ato administrativo, salvo quando houver um silêncio qualificado: para tanto, é necessário que haja norma legal prevendo que o silêncio da administração signifique algo. Apenas com este pressuposto é possível inferir que o silêncio da Administração indica um posicionamento. 4. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS PELA ADMINISTRAÇÃO Os atos praticados pela administração poderão ser classificados como: • • • Atos da administração de direito público: seriam os atos administrativos. Atos da administração de direito privado: seriam os atos da administração. Atos administrativos típicos: são aqueles regidos pelo direito público. 61 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 62 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado tomo III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 14. 63 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p.210. 97 FLÁVIA LIMMER • ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 Atos administrativos atípicos: são aqueles regidos pelo direito privado. A Administração poderá praticar atos administrativos e atos de natureza privada, também chamados de atos da administração. A Administração pode praticar atos políticos, não se sujeitando ao controle do Poder Judiciário, pois há uma discricionariedade mais ampla. Por exemplo, a declaração de guerra, veto, anistia etc. A Administração também pratica atos materiais, os quais executam de atividade, sem manifestação de vontade da administração. 5. ATOS DA ADMINISTRAÇÃO E ATOS ADMINISTRATIVOS É importante que se faça a diferenciação entre atos da administração e atos administrativos. Os atos da administração são todos os atos jurídicos praticados pelo Poder Público, estando ou não sujeitos ao regime jurídico público. Toda vez que a Administração atua, ela pode optar se irá se valer de suas prerrogativas (garantidas pelo regime jurídico administrativo) ou se, eventualmente, irá praticar atos que se assemelham àqueles que são praticados pelo particular. Os atos da administração são gênero, do qual derivam duas espécies: os atos privados da administração e os atos administrativos propriamente ditos (submetidos ao regime jurídico administrativo visto no capítulo 02, específico e diferenciado, que geram as chamadas prerrogativas da Administração Pública). Tome-se por exemplo a locação: um ato praticado sob as regras de direito privado. Quando a Administração aluga um imóvel, está dispensada de fazer licitação (poderá fazer, se quiser) e, ao celebrar esse contrato, a Administração se coloca num nível horizontal igual, ao do particular. Será um contrato regido pela igualdade entre as partes são iguais, sem que a Administração disponha de garantias e prerrogativas típicas de quem exerce o poder em nome da coletividade. Nesse caso, ela pratica o chamado ato da administração ou ato privado da administração. Os atos administrativos estão sujeitos ao regime jurídico de Direito Público. Neles, a Administração está em posição superior a do particular, inexistindo igualdade. Quando a Administração age de forma a, efetivamente, exercer seu poder em nome da coletividade, e se valendo do conjunto de prerrogativas garantidas pelo regime jurídico administrativo, estaremos diante de um ato administrativo e não de um ato da administração. Nos atos administrativos o Estado pratica um ato unilateral, tomando decisões que, com certa frequência, geram obrigações para os particulares. Por exemplo, a emissão de uma licença ou uma autorização para funcionamento de um táxi – o Poder Público possui a prerrogativa de fazer surgir, unilateralmente, uma obrigação para os administrados. 6. FASES DE CONSTITUIÇÃO DE UM ATO ADMINISTRATIVO São três: perfeição, validade e eficácia. Se parecem muito com a Escada Ponteana, famosa teoria de Pontes de Miranda64, que postula que todos os fatos jurídicos podem ser divididos em três planos de análise: existência, validade e eficácia. a) Perfeição Em direito administrativo, a perfeição significa a existência do ato, seu aperfeiçoamento e materialização, independentemente de ser ele válido ou não. Quando se diz que um ato é perfeito no âmbito do direito administrativo significa apenas que ele está completo, não faltando nenhum outro requisito para que ele esteja absolutamente pronto e acabado. 64 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado tomo III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 15. 98 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 Eventualmente pode ser considerado inválido: pode ser um ato perfeito, mas inválido, ou ineficaz. A validade e a eficácia são outras fases, autônomas. O ato jurídico perfeito é o que está terminado, que pode ser inválido ou ineficaz, pois se tratam de classificações independentes. b) Validade A validade deve ser aferida de acordo com a lei. O ato, embora esteja completo (perfeito), pode desrespeitar uma norma imperativa, contrariar a lei, não ter base legal, violar a finalidade pública, ter um motivo falso, pode ser objeto de desvio ou excesso de poder etc. Em todas essas hipóteses o ato será inválido. c) Eficácia Diz respeito à materialização do ato na ordem jurídica, na realidade fática. O ato será eficaz quando, de fato, produzir efeitos. 7. FORMAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Quanto à formação dos atos administrativos, estes podem ser simples, compostos ou complexos. a) Simples É aquele que se aperfeiçoa com apenas uma manifestação de vontade. Por exemplo, é próprio o órgão que decide se concede ou não uma licença. Se o ato de atribuição de licença depende apenas do entendimento desse único órgão, o ato é simples. Ainda que haja, eventualmente, um procedimento administrativo, é um único órgão que decide se a concede ou não. b) Compostos São os atos que são praticados por um órgão, mas depois devem passar por algum tipo de homologação por outro. A primeira manifestação é importante e decisiva, mas a segunda, embora necessária, é uma espécie de juízo de ratificação: não constitui uma decisão de mérito tão importante quanto a primeira, e sim uma forma de se verificar se estão presentes ou não os requisitos formais. Um exemplo comum é o concurso público, em que a banca examinadora estabelece quais os candidatos foram aprovados no concurso, e após há um órgão, distinto do primeiro, que homologa ou não o certame. A homologação não é um ato que verificará novamente se os candidatos mereciam ou não ser aprovados, não fazendo qualquer juízo de valor no que diz respeito ao mérito. É um juízo de valor reduzido, relacionados a requisitos formais. Caso não haja qualquer irregularidade formal, a homologação é medida que se impõe, sendo uma obrigação, sem que o segundo órgão possa rever a decisão do primeiro órgão. Todo tipo de homologação, quando exigida, compõe um ato administrativo composto. c) Complexos São os atos administrativos em que existem dois juízos independentes, ambos de mérito, e de igual importância e com a mesma profundidade cognitiva. São atos em que os dois órgãos se manifestam de forma independente, sem que a segunda análise seja uma mera chancela ou aferição de regularidade ou não. Um exemplo é a concessão de aposentadoria, que por ser ato administrativo complexo só se aperfeiçoa após a análise do TCU, como visto no capítulo 02. Existem duas manifestações de vontade, e quando a primeira é praticada, o ato ainda não tem os seus efeitos principais. Só estará aperfeiçoado quando houver a segunda manifestação de vontade. As duas 99 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 são essenciais para que o ato possa ser considerado perfeito e completo. O efeito da primeira manifestação de vontade é preliminar, antecipatório: fazer com que o segundo órgão se manifeste. Essa é a ideia de efeitos prodrômicos, que são justamente os efeitos preliminares de um ato administrativo. Quando o primeiro órgão emite o seu juízo em um ato administrativo complexo, não haverá ainda os efeitos próprios do ato; mas já existem efeitos antecipatórios que são a possibilidade, agora, do segundo órgão se manifestar. Há uma divergência em relação à classificação de certos atos, como, por exemplo, a nomeação do Procurador Geral da República, em que a divergência consiste em saber se é complexo ou composto. Ou seja, o Presidente nomeia, mas a sabatina e a aprovação do Senado constitui uma mera homologação, uma chancela do ato administrativo; ou se o Senado atua como órgão que deve realmente aferir e fazer um juízo de conteúdo profundo sobre a nomeação. Maria Sylvia Zanella di Pietro65 entende que a nomeação seria um ato composto, em que o Senado apenas homologa a decisão do Presidente da República. José Santos Carvalho Filho66, por sua vez, entende que o ato é complexo. Embora haja divergência doutrinária, há uma leve tendência da doutrina em entender que se trata de um ato administrativo complexo e não composto, já que o Senado teria toda uma possibilidade de aferir o ato em profundidade, investigando todo o passado daquele nomeado, fazendo um juízo político, jurídico e econômico sobre aquela nomeação. Outros exemplos de ato composto são: intervenção federal (para alguns), pois ela deve ser homologada e posteriormente ser aprovada pelo Congresso Nacional e, da mesma forma, o estado de sítio, que passa por prévia aprovação. 8. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES Os atos administrativos possuem outras classificações. O ato pode ser geral, quando é voltado a indivíduos incertos e indeterminados, havendo pluralidade indefinida. O ato pode ser individual, quando o ato administrativo interfere na órbita jurídica de uma pessoa física ou jurídica determinada, como é o caso de uma licença. O ato pode ser constitutivo quando cria, modifica ou extingue relações dali em diante. Ou declaratório, quando reconhece uma relação jurídica/situação jurídica pré-existente. O ato pode ser enunciativo, como nas certidões, em que a Administração não emite propriamente um juízo, uma manifestação de vontade, mas apenas atesta ou certifica uma situação de fato. 9. REQUISITOS DE VALIDADE OU ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO Hely Lopes Meirelles sustentava que poderia se falar genericamente em requisitos. Diferentemente, Celso Antônio Bandeira de Melo entende que se deve se diferenciar os elementos (parte do ato) dos pressupostos do ato. Para o autor “sem os elementos não há ato jurídico algum (administrativo ou não). Sem os pressupostos não há ato administrativo formado de maneira válida” 67. 9.1. Elementos do ato por Celso Antônio Bandeira de Melo Os elementos dos atos são as realidades intrínsecas a ele. Se dividem em: • Conteúdo – o que o ato dispõe. 65 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado 66 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 119. 67 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 177. 100 ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 FLÁVIA LIMMER • Forma – revestimento exterior do ato. Quanto ao conteúdo do ato administrativo, o ato pode ser uma autorização (ato discricionário, unilateral e precário, que não gera um direito propriamente adquirido); permissão (ato discricionário e precário) ou a licença (ato vinculado e definitivo). São espécies quanto ao conteúdo de atos. A licença é um ato definitivo e vinculada, ou seja, se o particular preencher os requisitos definidos em lei, faz jus à licença. A autorização, por outro lado, é um ato precário, e que depende de um juízo de oportunidade e conveniência, podendo ser revogada a qualquer tempo. Existe, entretanto, uma exceção, que está contida na súmula 23 do STF, que trata sobre a licença para construir. Súmula 23 – Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada. Entende-se que a licença para construir é uma exceção porque comporta revogação, mesmo sendo o ato vinculado (que não comporta, já que não possui mérito administrativo). No entanto, pelo teor da súmula, extrai-se que não há um direito absoluto para construir, logo, a eventual desapropriação pode implicar na revogação da licença para construir. Ainda segundo Bandeira de Mello, o ato administrativo deve preencher os pressupostos de existência, o objeto e pertinência do ato ao exercício da função administrativa. Ou seja: • • • Objeto – é aquilo sobre o que o ato dispõe. Por exemplo, a intimação tem por objeto cientificar alguém. Conteúdo – é o que o ato dispõe. Pertinência temática – é preciso que o ato possa ser atribuído ao Estado na sua função administrativa. Por fim, Bandeira de Mello se refere aos pressupostos de validade: • • • • • Pressuposto subjetivo – o ato deve ter emanado de uma autoridade competente. Pressuposto objetivo – o ato deve ser dotado de motivos, requisitos procedimentais. Pressuposto teleológico – a finalidade do ato deve ser pública, prevista em lei. Pressuposto lógico – é a causa que gera o ato. Pressuposto formalístico – forma adotada pelo ato deve ser adequada para o ato. 9.2. Elementos tradicionais do ato administrativo São elementos do ato administrativo estabelecido, segundo o art. 2º da Lei de Ação Popular (Lei n.º 4.717/1965): • • • • • Competência; Finalidade; Forma; Motivo; Objeto. 9.2.1. Competência (ou sujeito competente) A competência verifica se a autoridade administrativa poderá, pela lei, produzir o ato. É sempre um elemento vinculado do ato administrativo. A Lei define em todas as situações quem é a autoridade 101 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 administrativa competente. A competência é irrenunciável, imprescritível e improrrogável. A competência é um dever, pois a lei determina que se pratique o ato apenas nos casos em que haja a adequação à norma. A competência pode ser objeto de delegação ou avocação, desde que a lei não tenha conferido exclusividade à competência. A Lei n.º 9.784/1999 veda algumas hipóteses de delegação da competência: • • • Atos normativos; Decisões de recurso hierárquico; Competência exclusiva. A Lei n.º 9.784/1999 vai admitir a delegação de competência de um órgão administrativo ao outro, mesmo que não seja hierarquicamente inferior à autoridade delegante. Não há, necessariamente, a relação de verticalidade na delegação. Vale lembrar que a delegação deve ser específica, não se admitindo que haja a delegação genérica para outra autoridade. Existe a possibilidade de cláusula de reserva. Esta significa que a autoridade delegante reserva para si a possibilidade de continuar praticando o ato delegado, mas ao mesmo tempo o delega para outro órgão. Há uma concorrência de competências neste caso. Trata-se de uma cláusula implícita dos atos de delegação. Do mesmo modo, José dos Santos Carvalho Filho68 defende que a delegação não retira da autoridade delegante a competência para desempenhar a atribuição que foi delegada. Há hipótese de competência conjunta. Já no caso da avocação, é necessária a verticalidade. A Lei n.º 9.784/1999 restringe a possibilidade de avocação para os casos temporário e que se justifiquem por motivos relevantes. É possível avocar, mas para tanto deverá ser temporária e os motivos devem ser relevantes. 9.2.2. Finalidade Significa saber qual é o resultado que a Administração pretende alcançar com o ato administrativo. É o reflexo da legalidade, pois é o Poder Legislativo que vai definir o objetivo que pode ser atingido com aquele ato. Não há uma margem de discricionariedade da Administração. Ou seja, o elemento é vinculado. A violação da finalidade trazida pela lei gera o chamado desvio de poder. Esse desvio pode se mostrar de duas espécies: • • Ato praticado com finalidade alheia ao interesse público – por exemplo, a remoção de ofício de servidor público em razão de ser inimigo da autoridade superior. Ato praticado com desvio da finalidade pública específica – como o caso de punição do servidor com remoção ex officio, mas sem que esta seja prevista para o ato. Nos dois casos há desvio de poder. O abuso de poder é um gênero, do qual são espécies o excesso de poder e o desvio de poder, que é o desvio de finalidade. Tanto no excesso como no desvio há nulidade do ato administrativo. Todavia, no excesso de poder, o agente extrapola a sua competência. No desvio de poder, o agente age de acordo com sua competência, mas não de acordo com o interesse público trazido pela lei. 9.2.3. Forma O ato administrativo deve ter uma forma, que, normalmente, é determinada em lei. Em regra, o ato administrativo será escrito, mas são possíveis atos administrativos orais, em casos de urgência e de pouca relevância. Inclusive, são possíveis atos administrativos gestuais ou por meio de sinais sonoros, como, por exemplo, as ordens verbais e o apito do agente de trânsito. 68 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. 102 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 Cabe mencionar o princípio da instrumentalidade das formas, em que estabelece não ser a forma a essência do ato, motivo pelo qual a forma somente seria um instrumento para se alcançar o interesse público. Por essa razão, se o ato conseguir alcançar a sua finalidade, ainda que haja vício de forma, tal vício será considerado sanável. A doutrina entende que, em regra, a forma é ato vinculado. No entanto, se a lei não previr em determinada situação a forma do ato, essa será considerada discricionária. 9.2.4. Motivo É o pressuposto de fato e de direito que justifica a prática do ato administrativo, ou seja, o que levou o Poder Público a fazer aquilo. O motivo pode ser vinculado ou discricionário. Há referência à motivação nos seguintes enunciados da Constituição Federal: art. 93, X; art. 121, § 2º; e art. 169, § 4º. Já no âmbito da Administração Pública Federal, a motivação do ato administrativo encontra tratamento mais denso no art. 2º, caput, parágrafo único, no art. 38, § 2º, e no art. 50, ambos da Lei Federal n.º 9.784/1999. Entretanto, também há referência expressa ou implícita ao dever de fazê-lo em outros dispositivos legais. Maria Sylvia Zanella Di Pietro e José dos Santos Carvalho Filho fazem uma distinção entre motivo e motivação. Para eles, o motivo é a circunstância de fato que impele a vontade do administrador. A motivação é a explicitação do motivo, ou dessa circunstância que impele o administrador. Carvalho Filho entende que apenas os atos vinculados necessitam de motivação. Portanto, os atos discricionários não precisariam. Todavia, Di Pietro, Eros Roberto Grau e Hely Lopes Meirelles entendem que é necessária a motivação tanto em atos discricionários como em atos vinculados. Este entendimento é prevalente, razão pela qual a motivação é obrigatória. É importante diferenciar que o motivo é a causa que dá origem a determinado ato administrativo; já a motivação é a manifestação deste motivo. A motivação não será obrigatória quando bastar a declaração de vontade do agente público no exercício da sua competência para que o ato seja completo, por exemplo a exoneração ad nutum. Alguém pode praticar um ato sem motivá-lo, como é o caso da dispensa do funcionário em cargo comissionado, por exemplo, que em regra é um agente público exonerável ad nutum. Há uma exceção: pela Lei do Processo Administrativo, todo ato que restrinja direitos deve ser motivado. Embora a regra seja de que atos discricionários não necessitam de motivação, se restringirem direitos de um indivíduo deverão ser motivados, como, por exemplo, a negativa de determinada autorização. Cabe ressaltar que essa regra é, a rigor, aplicável para a esfera federal. Já nos demais Entes há a possibilidade de se aplicar a regra federal por analogia caso não haja previsão por lei estadual, municipal ou distrital. Não há, contudo, determinação expressa do STF nesse sentido. Mas atenção: a motivação só será dispensada, como visto acima, nos cargos demissíveis ad nuntum. Entende o STF que os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista não podem ser demitidos sem motivação. No caso específico, foi deliberado que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, o ato de dispensa de seus empregados. O STF entendeu que os servidores da ECT são admitidos por concurso público, mas não gozam da estabilidade prevista no art. 41, CF/88. Mesmo assim só poderão ser demitidos por procedimento formal, com a garantia do contraditório e da ampla defesa. Ao final, a demissão deverá ser motivada. O regime híbrido aplicável às empresas públicas gera uma mitigação da CLT, em razão da aplicação das regras de direito público. Logo, a motivação da demissão é necessária, em razão dos princípios da isonomia e da impessoalidade. Soma-se que os empregados públicos são admitidos por concurso público, assim, a motivação da dispensa se impõe, como forma de paralelismo entre os atos. A decisão de 2013 (RE 589.998) foi confirmada em no final de 2018 (RE 589.998 ED/PI). Para a Corte, a decisão não será necessariamente válida para todas as empresas públicas e sociedades de economia mista: a aplicação do 103 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 precedente deverá ser observada de acordo com o caso concreto. Porém o STF já reconheceu a repercussão geral sobre a matéria no RE 688.267/CE, ainda pendente de julgamento em 2021. Por outro lado, em se tratando de motivação não obrigatória, caso o Poder Público justifique por conta própria a motivação do seu ato, estará vinculado à sua motivação. É a aplicação da teoria dos motivos determinantes. Essa teoria será aplicada sempre que existir motivação, seja em atos vinculados ou discricionários: uma vez que o agente enuncia os motivos de ter decidido ou agido de determinada maneira, ainda que a lei não o tenha exigido expressamente, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e tiveram o condão de justificar o ato. Caso os motivos do ato sejam falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados isto viciará o ato administrativo. A validade de um ato está vinculada, pela teoria dos motivos determinantes, à veracidade dos fatos descritos como motivadores da prática desse ato. O ato discricionário, se for motivado, passa a se vincular aos motivos indicados pela administração. Se esses motivos se mostrarem insuficientes ou inválidos, o ato administrativo discricionário praticado também será considerado inválido. Por isso se dá o nome teoria dos motivos determinantes, os quais vão determinar a validade ou invalidade do ato. O momento dessa motivação deve ser contemporâneo à prática do ato ou mesmo anterior à prática do ato. Admite-se, em relação aos atos vinculados, a motivação tardia, ou seja, após a prática do ato, desde que fique evidente que o motivo existia anteriormente. Nos atos discricionários, a ausência de motivação contemporânea ou anterior à prática do ato gerará a nulidade do ato. Este é o entendimento da doutrina. No entanto, o STJ já entendeu que nas situações em que a lei não exige motivação, é possível que excepcionalmente se admita uma motivação tardia, desde que se observe três requisitos (STJ, MS 40.427/DF): • • • O motivo extemporaneamente alegado seja preexistente. O motivo seja idôneo para justificar o ato. O motivo seja a razão determinante da prática do ato. 9.2.5. Objeto ou conteúdo O objeto (ou conteúdo) é o efeito jurídico imediato que o ato produz. Pode ou não vir fixado em lei, podendo o objeto ser discricionário ou vinculado. Perceba que objeto e motivo são discricionários, como regra, e compõe o mérito administrativo que passará a ser explorado abaixo, no item 5.10. 9.2.6. Causa Bandeira de Mello69 diz que a causa é um novo requisito para o ato administrativo. Essa seria a relação de adequação entre o pressuposto do ato e o seu objeto, a correlação lógica entre o pressuposto (motivo) e o conteúdo, em função da finalidade do ato. O pressuposto de fato é o motivo, e entre o pressuposto do ato e o objeto do ato deve existir a causa, que é a correlação lógica entre aquilo que aconteceu e aquilo que foi praticado, com o objetivo de atingir a finalidade prevista no ato. Perceba que quando se fala em causa se fará uma análise da razoabilidade e da proporcionalidade dela. Fernando Baltar complementa que a causa é um pressuposto de validade do ato administrativo. Se há uma correlação lógica entre o motivo do ato e a sua finalidade, há uma causa, o que significa que o ato foi válido. No entanto, se o motivo foi X e deveria ter feito Y, mas foi feito Z pelo agente público, o ato existe, porém não será válido. Dessa forma, não há como considerar causa como elemento da manifestação de vontade da Administração. 69 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 407. 104 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 Por fim, fechando o tema: a motivação per relationen ou aliunde é uma técnica de fundamentação (admitida no Brasil) pela qual o servidor incumbido do ato, ao invés de fornecer argumentos próprios em sua decisão, adota algum parecer como fundamentação. É possível que uma autoridade decida sobre um recurso e, ao invés de declinar novas razões, simplesmente adote as razões de decidir da autoridade anterior. Entende que essas são suficientes e, portanto, que haveria motivação para tal por relação, com base nos motivos apresentados por outra pessoa. 10. MÉRITO ADMINISTRATIVO O mérito administrativo está relacionado com a possibilidade da Administração valorar os critérios de conveniência e oportunidade do ato administrativo, ou seja, seu conteúdo. Só é possível falar em mérito administrativo nos casos de ato discricionário. Se o ato é vinculado, o legislador já exerceu o juízo de avaliação discricionário. Relembre a diferença entre ato vinculado e ato discricionário. Quando uma ato é vinculado, a Administração não tem a faculdade de praticar ou não o ato; caso o particular preencha os requisitos previstos em lei, este deverá ser praticado. O agente público não tem margem de liberdade, não faz juízo de valor, nem de conveniência e oportunidade. No ato discricionário, por outro lado, os elementos finalidade, forma e competência são vinculados, mas o mérito administrativo (o motivo e o objeto) é discricionário. Nesse ato, a lei permite o juízo de valor e também delimita o grau de liberdade. Conforme mecionado, mesmo um ato administrativo discricionário está sujeito a um controle de legalidade: a finalidade, forma e competência, serão SEMPRE elementos vinculados. Os elementos que caracterizam a discricionariedade do ato administrativo são o motivo e o objeto. Esses dois compõem o chamado mérito administrativo, ou seja, eles serão definidos a partir de um juízo de conveniência e oportunidade do administrador, uma vez que este que detém legitimidade democrática e competência institucional (conhecimento específico para praticar aquele ato). É pacífico que os elementos vinculados podem sofrer controle de legalidade. O que se discute é se é possível o controle de legalidade do mérito administrativo. Em outras palavras, se o Poder Judiciário pode se imiscuir no mérito administrativo. Esse tema pode ser respondido de duas formas. Em uma na prova objetiva, geralmente a resposta mais segura é que é negativa: o mérito administrativo é insindicável, não podendo o Poder Judiciário ingressar no mérito administrativo. Entretanto, em uma prova discursiva, onde há espaço para argumentação, deve-se apontar que alguns autores como Juarez Freitas 70 e José de Alfredo de Oliveira Baracho71 defendem a possibilidade de controle mérito administrativo. Principalmente em hipóteses como teratologia e absurdos jurídicos, não haveria mérito administrativo totalmente blindado ao controle de legalidade. O STJ também já enfrentou a matéria se posicionando pela possibilidade do Poder Judiciário realizar o controle do mérito do ato administrativo, já que a Administração deve respeitar a juridicidade, inclusive quanto à conveniência e oportunidade (STJ, REsp 429.570/GO). Por fim, o próprio STF admite o controle, pelo Poder Judiciário, de ato administrativo quando eivado de ilegalidade ou abusividade (Ag.Reg. no RE 663.078 e Ag. Reg. no RE 761.714). Porém a suprema Corte só o fará nos casos de ilegalidade, defeito de forma, abuso de autoridade, violação da razoabilidade ou proporcionalidade, ou teratologia. O mérito administrativo é controlável pelo Poder Judiciário, mas este não poderá analisar o conteúdo propriamente dito. Ou seja, o juiz poderá apreciar o ato praticado pelo administrador que tenha violado à razoabilidade, já que esse é um princípio constitucional implícito. Contudo, o Poder Judiciário só poderá 70 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 388-389. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Atos administrativos: elementos poder discricionário e o princípio da legalidade, limites da convalidação, forma de exercício. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, v. 13, n. 7, jul. 1997, p.398. 71 105 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 anular o ato administrativo discricionário, sendo vedado, por exemplo, aplicar ele mesmo outra penalidade ao servidor que tenha sido punido indevidamente. Outra hipótese é o controle pelo Poder Judiciário de políticas públicas, quando estas se referem ao mínimo existencial. A rigor, a escolha da atividade estatal prioritária é uma atividade discricionária do Poder Executivo. Porém, mesmo na escassez ou até na inexistência de recursos, o Estado não poderá se escusar do dever de observar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, que visam garantir o mínimo de dignidade para a vida humana. O particular que se sentir prejudicado, sob a justificativa do Poder Executivo não atender ao mínimo existencial previsto constitucionalmente, poderá entrar com as medidas judiciais pertinentes. O direito fundamental deve ser garantido mesmo perante da alegação do princípio da reserva do possível pela Administração Pública. A reserva do possível é uma limitação, tanto fática quanto jurídica, que pode ser alegada pelo Estado para a impossibilidade de plena satisfação dos direitos fundamentais, especialmente os prestacionais. Como os recursos financeiros do Poder Público são limitados, e cada vez mais escassos, não é viável suprir todos os anseios da sociedade. Assim, caberá aos Poderes Executivo e Legislativo, órgãos com representantes escolhidos diretamente pela população, a escolha trágica de quais políticas públicas serão priorizadas. Trata-se de uma decisão discricionária, afeita a disponibilidade de recursos orçamentários, que não pode ser transferida ao Poder Judiciário já que este não possui conhecimento técnico sobre determinados temas (por exemplo, em questões como saúde e educação), e nem é composto por membros eleitos. Porém a Teoria da Reserva do Possível deve ser interpretada sob o prisma dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ponderando-se as limitações financeiras com a necessidade de efetivação da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. O Poder Público deverá motivar a razão, factível, que o impede de atender ao mínimo existencial. Segundo o STF, como a CF/88 garante o direito fundamental à educação, é dever dos municípios oferecer acesso à creche. Trata-se de obrigação constitucional vinculante, uma vez que deriva da lei maior. Também possui aplicabilidade imediata, por ser direito fundamental. Não há, assim, o que se falar de discricionariedade da Administração Pública, pois se trata de atendimento à legislação, logo, o Poder Judiciário poderá forçar o Executivo a garantir as vagas em creches (RE 436.966). Seguindo essa linha, em 2021 o STF entendeu que o controle judicial da exigência de aplicação de um percentual mínimo de recursos orçamentários em ações e serviços públicos de saúde (art. 77, caput, III e § 1º ADCT), é compatível com a Constituição Federal desde a edição da Emenda Constitucional (EC) 29/2000. O artigo indica expressamente os percentuais mínimos a serem observados pelos municípios desde o ano 2000, deixando claro o caráter autoaplicável da previsão, que deveria ser obedecida desde a sua promulgação (RE 85.8075/RJ, julgado em maio de 2021). 11. ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO São as características próprias dos atos administrativos, presentes quando há supremacia do interesse público. Os atributos são: presunção de legitimidade, presunção de veracidade, coercibilidade ou exigibilidade, a auto executoriedade e, para alguns, a tipicidade. O ato administrativo pode ou não ter esses atributos, não sendo todos os atos que os apresentam. a) Presunção de legitimidade A presunção de legitimidade implica em uma suposição: entende-se que o ato administrativo está conforme o direito, a Constituição e as leis. Toda vez que a Administração pratica um ato, presume-se que ele está em sintonia com o ordenamento jurídico, detendo legitimidade. 106 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 Eventualmente caberá ao particular (se desejar) afastar essa presunção, provando que o ato do Poder Público é ilegítimo. Por exemplo, quando for lavrada uma multa, será ônus do particular provar que a sanção não foi aplicada no dia que ele circulou de carro, ou que o policial não possuía visibilidade da placa do automóvel, ou que não possuía aparelhos adequados etc. A Administração, quando atua em nome da coletividade, pratica um ato regido pelo regime jurídico administrativo estudado no capítulo 02. Consequentemente, esse ato gozará da suposição de estar conforme a lei, cabendo eventualmente a quem quiser afastá-lo, provar a sua ilegitimidade: essa presunção é juris tantum, ou seja, admite prova em contrário. A presunção de legitimidade é relativa, tanto é que no caso de mandado de segurança, havendo empate entre os julgadores, prevalecerá a denegação da segurança, visto que há presunção de legitimidade do ato administrativo. Também é importante distinguir a presunção de legitimidade com a presunção de veracidade. A presunção de legitimidade significa que o ato, a princípio, está de acordo com a lei. Já a presunção de veracidade, significa que parte-se do pressuposto que os fatos narrados são verdadeiros. Por essa razão, os atos administrativos também têm presunção de veracidade. b) Presunção de veracidade Os agentes públicos possuem fé pública. Portanto, quando um ato administrativo é praticado, presume-se que ele é verdadeiro e que a Administração não faltou com a verdade ou trouxe informações incompletas. Novamente será ônus do particular provar que esse pressuposto é falso no caso concreto. Essa presunção também é juris tantum, ou seja, admite prova em contrário. c) Imperatividade O ato administrativo tem uma qualidade de império. Os atos administrativos vão se impor aos terceiros, independentemente da concordância ou não destes. A imperatividade não está presente em todos os atos administrativos, mas se caracteriza uma ordem ao particular. É o atributo administrativo que permite que o Poder Público, com base no seu ato, crie de maneira unilateral obrigações para o administrado. Ou seja, quando uma pessoa é notificada para pagar uma multa, por exemplo, surge uma obrigação no mundo jurídico que foi constituída por só uma das partes. No direito privado, tradicionalmente, a obrigação ou decorre de lei ou decorre da vontade das partes, e ambas precisam contribuir, anuir e aceitar para que a obrigação contratual surja. Já no caso no direito administrativo, o Estado tem o poder de, unilateralmente e independentemente da concordância do particular, criar-lhe uma obrigação. O cidadão é obrigado a respeitá-la e cumpri-la mesmo que dela discorde, independentemente da sua vontade. Se discordar, poderá impugnar via processo administrativo ou, em virtude do princípio da inafastabilidade da jurisdição, pela via judicial. Contudo, enquanto não ocorrer o afastamento da presunção de legitimidade, de veracidade e da imperatividade, aquela obrigação vale e, portanto, o particular estará efetivamente obrigado e vinculado, ainda que este discorde. d) Exigibilidade A exigibilidade é o atributo do ato administrativo que exige obediência a uma obrigação imposta pela Administração por meios indiretos de coação. Como visto acima, o Estado, no exercício da função administrativa, pode exigir de terceiros o cumprimento e a observância das obrigações que impôs. A imperatividade, contudo, apenas constitui uma dada situação ou impõe uma obrigação. Na exigibilidade, Administração tenta induzir o particular a cumprir o ato que entende correto, por exemplo, pela aplicação de multas. Nesse caso, não é exigida a situação de urgência ou previsão expressa em 107 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 lei: é algo implícito à luz do ordenamento jurídico e proveniente da própria capacidade que a Administração tem de exercer o poder de polícia. Aplicar multas é tipicamente uma atribuição da Administração Pública, bem como zelar pela garantia e o respeito à certas práticas e normas jurídicas. e) Autoexecutoriedade Na autoexecutoriedade, a Administração põe em execução o seu ato, através dos seus próprios meios, sem que haja intervenção do Poder Judiciário. A autoexecutoriedade só é admitida quando: • • Existir expressamente essa previsão legal; Houver necessidade de medidas administrativas urgentes. A autoexecutoriedade não se confunde com a exigibilidade, pois, nesta, o Estado se vale de um meio indireto, enquanto na autoexecutoriedade a Administração faz o uso direto de suas decisões. Por exemplo, o agente do DETRAN aplica uma multa quando o particular estaciona no lugar errado. Trata-se de um ato administrativo dotado de exigibilidade, ou seja, um meio indireto de coação. No caso do agente do DETRAN apreender o veículo, chamando o guincho e levando-o para o depósito, o ato passa a ser dotado de autoexecutoriedade, pois o Estado empregou força física direta. Por outro lado, se a Administração pratica o ato, tentando por meios indiretos, sobretudo multa, forçar o administrado a cumprir a obrigação por ela imposta, estamos diante da exigibilidade. Para Celso Antonio Bandeira de Mello72 é o poder que os atos administrativos têm de serem executados pela própria Administração independentemente de qualquer solicitação ao Poder Judiciário. Quando o Poder Público, por meios próprios, pratica a ação, estaremos diante do atributo da autoexecutoriedade. Um exemplo é o caso da demolição de imóveis construídos irregularmente em áreas de preservação ambiental. A derrubada pode ser feita sem que a Administração tenha que recorrer ao Poder Judiciário: o Estado verifica a necessidade da demolição e, por força própria, a pratica. A autoexecutoriedade é uma exceção, já que nem todos os atos administrativos possuem tal atributo. Para que um ato seja autoexecutável é necessária a previsão legal ou que se trate de um caso de urgência. Se ao menos um destes dois requisitos não estiverem presentes, o ato não detém o atributo autoexecutoriedade. f) Coercitibilidade ou Coercibilidade A coercibilidade significa que, por meios indiretos, a Administração pode tentar forçar que o particular cumpra aquele ato. Os atos administrativos possuem o poder de serem exigidos quanto ao seu cumprimento, sob ameaça de sanção. Vai além da imperatividade, pois traz uma coerção para que se cumpra o ato administrativo. Por exemplo, quando a Administração notifica o particular a retirar materiais de construção da porta da sua residência, os agentes públicos poderão, à força, retirar os materiais. Ou poderão notificar o indivíduo e aplicar uma multa, meio indireto que visa a coibir prática, obrigando o particular a cumprir o que a Administração determinou. g) Tipicidade Segundo esse atributo, o ato administrativo deve sempre corresponder a uma forma previamente prevista em lei. A tipicidade decorre como um corolário do princípio da legalidade, ou seja, se a administração 72 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 431. 108 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 só pode fazer o que está previsto em lei. Os atos administrativos devem ter uma forma já prevista na legislação. 12. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Quanto aos destinatários, os atos podem ser classificados em: • • Atos gerais – são aqueles que não tem destinatário certo ou específico, tendo caráter de norma. Ex.: edital de concurso público. Atos individuais – são os que tem um destinatário certo ou específico. O ato geral prevalece sobre o ato individual. O ato individual pode ter como destinatário um sujeito ou sujeitos específicos. Se subdividem em singulares e plurais. o Ato individual singular – nomeação de um sujeito para um cargo comissionado. o Ato individual plural – nomeação de diversos sujeitos para um cargo efetivo. Os atos administrativos também poderão ser classificados quanto às prerrogativas: • • • Atos de império – são os atos administrativos propriamente ditos, revestidos de imperatividade. A Administração atua com supremacia e prerrogativas. Atos de gestão – são os atos praticados com a finalidade de gerir os bens e serviços do Poder Público. Não há necessidade do uso das prerrogativas dadas pelo regime de direito público. O Estado age em situação de igualdade com o particular. Atos de expediente – são os atos destinados a unicamente dar andamento às atividades da Administração. Quanto ao grau de liberdade, os atos ainda podem ser classificados em: • • Atos vinculados – ocorrem quando os atos não detém nenhum juízo de valor, porque todos os seus elementos já estão previstos na lei. Atos discricionários – quando a lei confere ao administrador o juízo de conveniência e oportunidade. Quanto à formação, os atos também se classificam em: • • • Ato simples – os que dependem da manifestação de vontade de um único órgão. Ex.: alvará de construção dado por uma prefeitura. Ato complexo – o que depende de duas ou mais manifestações de vontade, que ocorrem em patamar de igualdade, em órgãos diferentes. Ex.: nomeação de dirigente de agência reguladora (Senado Federal aprova + Presidente da República nomeia); concessão inicial de aposentadoria. Ato composto – também depende de duas ou mais manifestações de vontade, que ocorrem em patamar de desigualdade. A primeira é principal e a segunda é secundária, sendo que ambas ocorrem dentro de um mesmo órgão. Ex: atos que dependem do visto, da confirmação do chefe. Segundo Carvalho Filho73, quanto aos efeitos, os atos que traduzem a vontade final da Administração só podem ser considerados perfeitos e acabados quando se consuma a última das vontades constitutivas de seu ciclo. O autor acrescenta que a vontade dos órgãos colegiados se configura como ato simples coletivo. É que as vontades formadoras são interna corporis e se dissolvem no processo de formação, de modo que a vontade que se projeta no mundo jurídico é apenas uma. Quanto à formação e eficácia dos atos administrativos, classificam-se em: 73 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. 109 ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 FLÁVIA LIMMER • • • Ato perfeito – para a doutrina majoritária, perfeição significa cumprir o ciclo de formação (percorreu a sua trajetória). Ato válido – o ato administrativo é válido quando cumpre os requisitos previstos em lei, sem vícios. Validade é a situação jurídica que resulta da conformidade do ato com a lei ou como outro ato de grau mais elevado. Ato eficaz – se o ato cumpre seus requisitos e está pronto (idôneo) para produzir efeitos, é eficaz, ainda que penda de condição suspensiva. Celso Antonio Bandeira de Mello esclarece que a eficácia é uma situação de disponibilidade para produção de efeitos próprios daquele ato. Portanto, os atos podem ter efeitos típicos e atípicos: • • Efeitos típicos – são os efeitos próprios do ato, sendo uma consequência lógica dele. Efeitos atípicos – podem ser subdivididos em: o o • Preliminares (prodrômicos): é o efeito existente enquanto o ato administrativo ainda está pendente de uma homologação ou verificação. O ato é eficaz, mas não exequível, pois depende da ocorrência de uma condição futura. Ou seja, o efeito prodrômico acarreta para o órgão controlador a obrigação de emitir o ato de controle (homologar ou não o ato administrativo). É um reflexo produzido enquanto esta situação pendente de revisão do ato existir. Enquanto essa homologação não é concretizada o ato administrativo não poderá produzir todos os seus efeitos. O efeito prodrômico surge quando o início de um ato já faz nascer a necessidade do controle (homologação). Reflexos – é o efeito que atinge indiretamente uma terceira pessoa. O Poder Público pode promover uma ação de desapropriação de um imóvel. Neste caso, o sujeito passivo será o proprietário, mas se estiver locado o imóvel, também atingirá o locatário, sendo atingido indiretamente pelo ato administrativo. Ato exequível – é aquele que já está apto a produzir efeitos imediatamente. Ex.: um ato publicado em janeiro diz que irá começar a produzir efeitos no dia 15 de fevereiro. Este ato será eficaz desde o dia da sua publicação, mas não se está apto a produzir efeitos imediatamente. Portanto, só no dia 15 de fevereiro será exequível. Quanto aos efeitos, os atos podem ser classificados em: • • • • Atos constitutivos – os que constituem direitos, ou cuja manifestação de vontade da Administração faz constituir um direito ao particular. Ex: as permissões e as autorizações Atos declaratórios – são os que apenas declaram situação preexistente. Ex.: ato que declara que certa construção provoca riscos à integridade física dos transeuntes. Atos ablatórios – é um ato que restringe o direito do administrado. Ex.: rescisão de um contrato administrativo. Atos enunciativos – em um sentido estrito, são atos que indicam juízos de valor, dependendo, portanto, de outros atos de caráter decisório. Ex.: pareceres. Em um sentido amplo, são atos declarativos, sem coercibilidade, como certidões e atestados. Por fim os atos administrativos podem ser: • • Ato nulo – é o ato que é contaminado por um vício insanável ou nulidade absoluta. A decisão terá efeito ex tunc, retroagindo ao momento de produção do ato. Ato anulável – é o ato contaminado pelo vício sanável, admitindo a convalidação. A convalidação gera efeitos ex tunc, retroagindo ao momento da produção. Diante de um ato anulável, a administração deve convalidá-lo quando isso ser possível, não sendo decisão discricionária. A única exceção é o caso em que o vício se deu em razão de incompetência da autoridade. A autoridade competente não necessariamente teria a mesma decisão que incompetente tomou, logo, a Administração não necessariamente irá convalidá-lo. 110 ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 FLÁVIA LIMMER • • Os vícios relacionados à competência admitem a convalidação, sendo denominado ratificação, desde que não se trate de matéria de competência exclusiva. Em relação aos vícios quanto à forma, também será possível a ratificação, desde que a forma não seja essencial à validade do ato. Mas é indispensável que tenha havido uma forma, seja ela qual for, pois do contrário o ato seria inexistente. • Já relação ao motivo e a finalidade, se o ato estiver contaminado, jamais poderá ser convalidado. • Em se tratando do objeto, quando ele for ilegal, não poderá ser convalidado. Todavia, é possível falar em conversão, a qual ocorre quando há a transformação de um ato inválido em outro ato, de outra categoria, e com efeitos retroativos. Ex.: quando o Poder Público promove uma concessão do solo sem a licitação, exigida por lei, há um ato inválido. Nesse caso, não é possível convalidar a concessão de uso, mas é possível convertê-la em uma autorização ou permissão de uso, que são atos precários que não dependem de licitação. Ato inexistente – o ato guardaria apenas uma aparência de um ato. Ex.: ato praticado por um particular se apresenta como funcionário público. Vale ressaltar que o ato nulo poderá ser convalidado pela prescrição em homenagem à segurança jurídica. Todavia, o ato inexistente não pode ser convalidado jamais. 13. ESPÉCIES DE ATOS ADMINISTRATIVOS São espécies de atos administrativos: • • • • • Atos normativos; Atos ordinatórios; Atos negociais; Atos enunciativos; Atos punitivos. a) Atos normativos Os atos normativos são manifestações de vontade do Poder Público, mas de caráter abstrato, para destinatários indeterminados, ainda que sejam determináveis. Devem ser expedidos sempre que a lei demandar uma regulamentação. Com a EC n.º 32/2001, passou-se a admitir decretos autônomos do chefe do Poder Executivo em situações específicas, não visando a explicitação da lei. As hipóteses de decretos autônomos estão previstas nas alíneas a e b do inciso VI, do art. 84, da CF, e não podem ser ampliadas: • • Decreto do Presidente da República sobre a organização e funcionamento da administração pública federal, desde que esse funcionamento não implique aumento de despesa, ou criação ou extinção de órgão. Decreto do Presidente da República extinguir cargo ou função, quando estiver vago. Como tipos de atos normativos, existem: • • • Decretos – são atos regulamentares de competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Regulamentos – visam explicar a correta execução da lei, detalhando-a. Há quem coloque regulamentos dentro do decreto. Instruções normativas – são atos normativos de caráter geral ou individual, emanados por autoridades como ministros de estado, secretários de estado ou municipais. As resoluções 111 FLÁVIA LIMMER • • ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 uniformizam o procedimento administrativo ou detalham as leis ou decretos, dentro das respectivas pastas. Avisos ministeriais – atos normativos que decorrem dos ministérios, das secretarias estaduais ou municipais, dos órgãos imediatamente inferiores ao chefe do executivo. Deliberações e resoluções – atos normativos de órgãos colegiados e conselhos diretivos. Entende o STF que é admissível o controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. São inconstitucionais tanto a lei que autoriza o chefe do Poder Executivo a dispor mediante decreto sobre criação de cargos públicos remunerados, quanto os decretos que lhe deem execução (ADI 3.232). No final do ano de 2019, o STF decidiu, ainda, que considerado o princípio da separação dos poderes, conflita com a Constituição Federal a extinção, por ato unilateralmente editado pelo Chefe do Executivo, de órgãos colegiados que, contando com menção em lei em sentido formal, viabilizem a participação popular na condução das políticas públicas – mesmo quando ausente expressa ‘indicação de suas competências ou dos membros que o compõem’ (ADI 6.121 MC). b) Atos ordinatórios No ato ordinatório, há um comando expedido pela autoridade administrativa superior para seus subordinados. São exemplos de atos ordinatórios: • • • • Portaria – as portarias são atos administrativos formais praticados por autoridades em nível inferior ao Chefe do Executivo, quaisquer que sejam os escalões, que se destinam a uma variedade de situações (expedir orientações funcionais em caráter concreto, impor aos servidores determinada conduta funcional, instaurar procedimentos investigatórios e disciplinares). A portaria é um ato administrativo individual interno, pois atinge apenas os indivíduos especificados no próprio ato. Ex.: portaria de posse; portaria de vacância, etc. Ordens de serviços – ato formal que determina a maneira que uma atividade deve ser conduzida, confundindo-se com a circular. Ex.: o procurador chefe pode determinar a forma de distribuição de processos na procuradoria. Ele edita uma norma de caráter geral que vai disciplinar a forma como será conduzida a atividade. Circulares – é ato administrativo formal pelo qual autoridades superiores expedem ordens uniformes aos servidores subordinados. São orientações em caráter concreto, distinguindo-se das instruções. Não se trata de um ato individual, e sim um ato geral interno, pois não individualiza as pessoas a serem atingidas pelo ato. É imposição em razão da hierarquia e da subordinação, só podendo ser expedida pelo chefe do órgão. Memorandos e ofícios – são atos de comunicação. O memorando é de comunicação interna, entre agentes do mesmo órgão. O ofício é um ato de comunicação entre uma autoridade e um particular ou entre autoridades. c) Atos negociais Os atos negociais são manifestações de vontade da Administração que vão coincidir com a pretensão de um particular. É um ato de consentimento. Não se deve confundir ato negocial com contrato administrativo, pois no contrato há manifestação bilateral de vontades, enquanto nos atos negociais há uma manifestação unilateral de vontade do Poder Público, que por acaso coincide com a pretensão do administrado. Quando há uma licença para construir, a faculdade da Administração coincide com a vontade do particular. 112 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 São exemplos de atos negociais: • Autorização Ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual a Administração o Faculta o uso de bem público pelo particular para atender interesse do particular: ex.: interdição da rua para festa junina; o Faculta a prestação do serviço público pelo particular, em caráter extremamente precário: ex.: serviço de táxi; o Autoriza o exercício de certa atividade material: ex.: porte de armas. É denominada de autorização de polícia. Como a autorização tem caráter precário, a Administração poderá revoga-la a qualquer tempo, por razões de conveniência e/ou oportunidade, sem que o administrado tenha direito à indenização. Todos os bens públicos podem tem uso cedido ao particular por meio de autorização, concessão ou permissão de uso, a depender do caso concreto. Ela pode ser simples, qualificada (com prazo), gratuita ou onerosa. Como visa a satisfazer interesse do administrado, não gera qualquer direito. • Permissão de uso de bem público Ato unilateral, discricionário e precário (em menor grau), através do qual a Administração faculta ao particular interessado a utilização de bem público. Distingue-se da autorização porque a permissão atende ao interesse do particular e da coletividade (e não apenas do particular, como na autorização). É bom destacar que não se pode confundir permissão de serviços públicos com a permissão de uso de bem público. No caso da permissão de serviço público, há um contrato administrativo, previsto no art. 40 da Lei n.º 8.987/1995 e que será estudado em capítulo próprio. Se a permissão de uso de bem público contiver um termo, isto é, se fixar prazo, ela deixa de ser precária. Além disso, a permissão de uso, apesar de ter natureza jurídica de ato administrativo, depende de prévio procedimento licitatório. • Licença É ato negocial vinculado, sempre sendo um ato de polícia. A administração Pública, após verificar o preenchimento de todos os requisitos estabelecidos pela lei, libera o desempenho de determinada atividade. Por se tratar de ato vinculado, não admitirá revogação, em regra regra. Ex.: licença para construir. • Admissão É o ato pelo qual se permite que o particular usufrua de um serviço prestado pelo Estado. d) Atos enunciativos Atos enunciativos são os que a Administração se limita a expor algo. O Poder Público irá certificar ou atestar um fato, que consta de seu registro, processo, arquivo público; ou, ainda, irá emitir uma opinião sobre determinado assunto. São exemplos de atos enunciativos: • • • • Parecer administrativo: são opinativos. Certidões: apenas reproduzem o que está registrado na repartição, e é espelhado para o requerente. Ex.: certidão negativa de débitos. Atestados: a Administração verifica que uma situação ocorreu, para depois atestá-la. Ex.: atestado médico. Apostila (averbação): é o ato pelo qual o Estado acrescenta informação ao registro público. 113 ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 FLÁVIA LIMMER A lei poderá conceder aos pareceres ou notas técnicas caráter vinculante. Nesse caso, apesar de ser uma opinião, vinculará o Administrador. Em regra, porém, o parecer não será vinculante. Vale lembrar que os pareceres podem ser: • • Pareceres facultativos. Pareceres obrigatórios: definidos em lei como necessários para a validade do ato administrativo. Ex.: parecer da licitação, na fase interna. Os pareceres obrigatórios poderão ser: o o Pareceres obrigatórios vinculantes; Pareceres obrigatórios não vinculantes – a autoridade poderá decidir se atua conforme o parecer ou não. Como regra, os pareceres são não vinculantes em relação à autoridade que recebe o parecer, que podem fundamentadamente discordar do parecer. O parecer jurídico é opinativo e não gera responsabilidade a quem o emite. Caso o servidor somente detenha competência para emitir parecer técnico, sob o prisma estritamente jurídico, não cabendo a ele a análise dos aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, ou examinar a veracidade das questões de natureza técnica sua manifestação será meramente opinativa e, portanto, não vinculante para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar ou não a orientação exposta no parecer. Ou seja, o parecer tem natureza obrigatória (art. 38, VI, da Lei nº 8.666/93), porém não vinculante (STF, AgReg no HC nº 155.020). Tradicionalmente, o STF entende que só é possível a responsabilização de advogado público pela emissão de parecer de natureza opinativa, apenas quando reste configurada a existência de culpa ou erro grosseiro (MS 27867 AgR/DF). No final de 2019, a Corte entendeu que o erro grave ou grosseiro do parecerista público define a extensão da sua responsabilidade, uma vez que a interpretação ampliativa desses conceitos pode gerar indevidamente a responsabilidade solidária do profissional pelas decisões gerenciais ou políticas do administrador público. Nessa linha, a responsabilidade do parecerista deve ser proporcional ao seu efetivo poder de decisão na formação do ato administrativo, porquanto a assessoria jurídica da Administração, em razão do caráter eminentemente técnico-jurídico da função, dispõe das minutas tão somente no formato que lhes são demandadas pelo administrador (MS 35196 A GR / DF). e) Atos punitivos Nos atos punitivos a Administração aplica sanção aos servidores ou administrados. Por exemplo, a multa de trânsito, a interdição de atividade, a destruição de coisa, e a demolição administrativa. 14. EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS A extinção dos atos administrativos poderá se dar por: • • • • Revogação; Anulação; Cassação; Caducidade. a) Revogação A revogação não é propriamente uma invalidação, pois apenas se retira o ato administrativo do mundo jurídico. Nela, há a invalidação de um ato administrativo por razões de conveniência e oportunidade. A revogação poderá ser expressa ou tácita. Esta última hipótese pode ocorrer quando a Administração pratica um novo ato incompatível com um anterior por ela emanado. 114 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 Se a Administração pratica um determinado ato discricionário com base nesse juízo de conveniência, ela pode, a qualquer momento, decidir que revogará o ato, também com base no seu juízo de oportunidade e conveniência. Nessa hipótese, revogado o ato, os efeitos serão ex-nunc, ou seja, a revogação só terá efeitos dali em diante. Se estamos tratando de mérito administrativo, apenas os atos discricionários poderão ser revogados. Na revogação, a Administração apenas revê o seu julgamento acerca da oportunidade e/ou conveniência, e portanto somente ela, segundo prevalece na doutrina, poderá rever o mérito administrativo. Como visto no item sobre mérito administrativo o Poder Judiciário, a princípio, não pode revogar um ato do Poder Público, do Poder Executivo. Porém, como visto no item 10 desse capítulo, o STF entende que o Poder Judiciário também poderá rever o mérito administrativo nos casos de ilegalidade, defeito de forma, abuso de autoridade ou teratologia. Assim, tanto a própria Administração, no exercício da autotutela, quanto o Judiciário podem anular um ato, por violar a lei ou a constituição. Mas só o próprio detentor do juízo de conveniência e oportunidade, aquele que exerce e decide com base no mérito administrativo, é que pode revogar o ato administrativo. Quando o Poder Judiciário exerce a sua função atípica, por exemplo, organizando um concurso público, está praticando atos típicos de administração. Sendo um ato discricionári, poderá exercerá o juízo de oportunidade e conveniência e, revogar seus próprios atos nesse caso. O professor José dos Santos Carvalho Filho elenca cinco hipóteses de atos administrativos que não admitem revogação: • • • • • Ato que já exauriu os seus efeitos (ex.: ato que conferiu férias, e estas já foram gozadas, não será mais possível a revogação); Atos vinculados; Atos que geram direitos adquiridos; Atos integrativos, pois integram o processo administrativo, impedidos pela preclusão administrativa; Atos como pareceres, certidão ou atestados. b) Anulação A anulação é a declaração de que um ato administrativo foi produzido em desobediência à norma. Tanto a Administração quanto o Poder Judiciário poderão anular atos ilegais. A Administração possui o dever de anular os seus atos quando forem contrários à Constituição ou à lei. Este poder compõe a autotutela administrativa. Quando a administração anula um ato, todos os demais decorrentes deste devem ser desfeitos, uma vez que atos nulos não produzem direitos. A anulação produzirá efeitos ex tunc, retroagindo à data de produção do ato. Em que pese ser esta a regra geral, existem situações específicas que podem recomendar que o ato, apesar de nulo, produza resultado até o momento de sua anulação, tendo efeitos ex nunc, não retroagindo. Carvalho Filho74 afirma que se o ato administrativo eivado de um vício for ampliativo de um direito, a declaração de sua nulidade deverá produzir efeitos ex nunc, ou seja, não poderia retroagir, pois o particular já se valeu dele. Quando se afirma que atos nulos podem ser invalidados a qualquer momento, não significa que não possam ser sanados. Caso ocorra a decadência, há a convalidação do ato, mesmo que eivado de uma nulidade absoluta. A Lei n.º 9.784/1999 estabelece, no art. 54, que o direito da Administração de anular os atos administrativos de que geram efeitos favoráveis aos destinatários decai em 05 anos, salvo se o ato tiver sido praticado com má-fé. 74 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. 115 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 Para o STF, é materialmente inconstitucional, por violação ao princípio da isonomia na relação Estado-cidadão, uma lei estadual que estabeleça prazo decadencial de 10 (dez) anos para anulação de atos administrativos reputados como inválidos pela Administração Pública estadual. Para a Corte, o prazo quinquenal foi consolidado como o marco temporal geral nas relações entre o Poder Público e particulares. Assim, eventuais exceções só podem ser admitidas quando existir fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio específico entre as partes. Se a maior parte dos estados da Federação aplicam, indistintamente, o prazo de 05 anos para anulação de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados, seja por previsão em lei própria ou por aplicação analógica do art. 54 da Lei n.º 9.784/1999, não há fundamento constitucional que justifique a situação excepcional de um determinado estado-membro. Logo, a lei estadual que estabelecia prazo decadencial de 10 anos deve ser declarada inconstitucional, por violar a necessidade de tratamento igualitário nas relações Estado-cidadão sem justificativa razoável (STF, ADI 6.019/SP, julgada em 12.04.2021). É importante destacar a teoria do fato consumado. Segundo esta teoria, uma ilegalidade poderá ser convalidada pela consolidação da situação de fato. Haveria mais prejuízos em anular do que manter o ato administrativo. O STJ e STF (Ag. Reg no RE 740.029) rejeitam a aplicação da teoria do fato consumado quando os efeitos produzidos foram provenientes de decisões de caráter provisório. No entanto, essa teoria do fato consumado será abarcada na seara jurisdicional em algumas hipóteses excepcionais. Por exemplo, se há uma liminar que autoriza o sujeito se transferir da universidade particular para a universidade pública, mas quando do julgamento do mérito do mandado de segurança esse sujeito já tiver concluído a faculdade. Nesse caso, a teoria do fato consumado deverá ser aplicada no julgamento. Cabe destacar duas súmulas sobre o tema, ambas do STF. A Súmula 346 dispõe que “a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”. Já a Súmula 473 estabelece que “a administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. c) Cassação Na cassação, haverá a invalidação de um ato que nasceu regular, mas que no momento da sua execução passa a existir uma desconformidade. Por exemplo: foi concedido um alvará de construção, mas houve a alteração do plano diretor, tornando impossível a obra. Dessa forma, o ato foi cassado em face da irregularidade superveniente. Como a cassação é o reconhecimento de um vício, haverá o efeito retroativo ao momento da produção do ato viciado. O ato não poderá mais existir, apesar de ter nascido válido. d) Caducidade É a extinção do ato pelo surgimento de uma lei posterior incompatível com o ato. 15. CONVALIDAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Imagine que o agente público, sem possuir competência para aquela função, pratique equivocadamente um ato administrativo, e ainda não observe a forma prevista na lei. A forma e competência foram violadas. É possível, de alguma forma, aproveitar esse ato administrativo? Sim. Existem vícios que podem ser ou seja, torna aproveitável o ato administrativo anulável. Se o vício for de forma, ou se a autoridade que praticou não foi a competente, o ato é anulável, sendo possível a convalidação. Ela salva todos os atos já praticados, a ideia é exatamente preservar o que já foi praticado. No caso de incompetência 116 ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 FLÁVIA LIMMER basta consultar o agente que seria, pela lei, responsável pela prática do ato. O servidor realmente competente poderá chancelar, convalidar, o que foi praticado. No caso da forma, troca-se para a forma correta. A convalidação gera efeitos ex-tunc. Precisa produzir efeitos retroativos porque, do contrário, seria mais fácil praticar um ato novo. A vantagem da convalidação é justamente permitir que um ato já praticado e que era anulável, seja aproveitado, seja salvo. 16. PRAZO PARA REVISÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS O art. 54 da Lei n.º 9.784/99 estabelece um prazo decadencial de 05 anos para a revisão dos atos administrativos emanados pela Administração Pública federal, contados da data que eles forem praticados. Essa regra admite duas exceções: em casos de ma-fé a Administração poderá anular o ato mesmo passado esse prazo. Também quando há afronta à Constituição o ato pode ser anulado a qualquer tempo (STF, MS 26860/DF). Em razão da autonomia federativa estados-membros e municípios podem dispor outros prazos para a invalidação dos atos administrativos. Caso não possuam leis próprias disciplinando o prazo, é possível estender, por analogia integrativa, o prazo de 05 anos a toda a esfera estadual e municipal que não tenha prazo específico, em razão dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (STJ, AgRg no AREsp 345.831/PR; AgRg no AREsp 393.378/DF). Por fim a prerrogativa de a Administração Pública exercer a autotutela sobre seus próprios atos não prescinde a instauração de processo administrativo, que deverá observar o contraditório e a ampla defesa, permitindo que o particular interessado se manifeste sobre a ilegalidade (STJ, AgInt no AgRg no AREsp 760.681/SC, julgado em 03/06/2019; STF, RE 946.481 AgR; RE 594.296). 17. JURISPRUDÊNCIA 17.1. Súmulas do STF Súmula 346: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. Súmula 473: A administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. 17.2. Súmulas do STJ Súmula 633 A Lei n. 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria. QUESTÕES 1. (TJMS) FCC, 2020. No tocante ao exercício do poder de autotutela pela Administração Pública, é correto afirmar: a) O exercício, pela Administração Pública, do poder de anular seus próprios atos não está sujeito a limites temporais, por força do princípio da supremacia do interesse público. b) Somente é admissível a cassação de ato administrativo em razão de conduta do beneficiário que tenha sido antecedente à outorga do ato. 117 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 c) É vedada a aplicação retroativa de nova orientação geral, para invalidação de situações plenamente constituídas com base em orientação geral vigente à época do aperfeiçoamento do ato administrativo que as gerou. d) É possível utilizar-se a revogação, ao invés da anulação, de modo a atribuir efeito ex nunc à revisão de ato administrativo, quando se afigurar conveniente tal solução, à luz do princípio da confiança legítima. e) Não é possível convalidar ato administrativo cujos efeitos já tenham se exaurido 2. (TJPA) CESPE/CEBRASPE, 2019. De acordo com a doutrina administrativista clássica e majoritária, são atributos dos atos administrativos a) o sujeito, o objeto e a tipicidade. b) a presunção de legitimidade, a imperatividade e a autoexecutoriedade. c) a autoexecutoriedade, a tipicidade e a finalidade. d) a imperatividade, a finalidade e a presunção de legitimidade. e) a finalidade, o sujeito e o objeto. 3. (TJSC) CESPE/CEBRASPE, 2019. No âmbito do direito administrativo, segundo a doutrina majoritária, a autoexecutoriedade dos atos administrativos é caracterizada pela possibilidade de a administração pública a) anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, sem necessidade de controle judicial. b) assegurar a veracidade dos fatos indicados em suas certidões, seus atestados e suas declarações, o que afasta o controle judicial. c) impor os atos administrativos a terceiros, independentemente de sua concordância, por meio de ato judicial. d) executar suas decisões por meios coercitivos próprios, sem a necessidade da interferência do Poder Judiciário. e) executar ato administrativo por meios coercitivos próprios, o que afasta o controle judicial posterior. 4. (TJ-PR) CESPE/CEBRASPE, 2019. A administração pública pode produzir unilateralmente atos que vinculam os particulares. No entanto, tal vinculação não é absoluta, devendo o particular, para eximir-se de seus efeitos e anular o ato, comprovar, em juízo ou perante a própria administração, o defeito do ato administrativo contra o qual se insurge, por caber-lhe o ônus da prova. Essa descrição refere-se ao atributo do ato administrativo denominado a) autoexecutoriedade. b) imperatividade. c) presunção de legalidade. d) exigibilidade. 5. (MPE-PI) CESPE, 2019. O chefe do Poder Executivo estadual baixou resolução pela qual declarou ser de utilidade pública para fins de desapropriação determinado imóvel particular, situado no território do respectivo ente federado. Nessa situação hipotética, o referido ato administrativo foi eivado de vício quanto a) à forma. b) à finalidade. c) ao objeto. d) ao motivo. e) à competência. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – C a) Incorreta. Cf. art. 54 da Lei 9.487/99. b) Incorreta. Na cassação o ato administrativo é extinto por ilegalidade superveniente em face do descumprimento pelo beneficiário dos requisitos impostos para sua expedição. c) Correta. Cf. art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/99. 118 FLÁVIA LIMMER ATOS ADMINISTRATIVOS • 5 d) Incorreta. O particular de boa-fé deve ser protegido, em razão do princípio da segurança jurídica. Logo em algumas situações devem ser mantidos todos os efeitos produzidos pelo ato, ainda que seja ato que sofre de nulidade insanável e) Incorreta. A convalidação possui efeito ex tunc e consiste na correção do vício do ato administrativo e consequente manutenção do ato no ordenamento jurídico. Cf. art. 55 da Lei 9.784/99. 2. Gabarito – B a) Incorreta. A alternativa traz os elementos do ato administrativo e não atributos (exceto a tipicidade). b) Correta. c) Incorreta. A finalidade é elemento do ato administrativo e não atributo. d) Incorreta. A finalidade é elemento do ato administrativo e não atributo. e) Incorreta. A alternativa traz apenas elementos do ato administrativo. 3. Gabarito – D. a) Incorreta. Conf. Súmula nº 473, do STF: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vício que os tornem ilegais, porque deles não originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". b) Incorreta. A presunção de veracidade não afasta a apreciação judicial. c) Incorreta. A alternativa descreve a imperatividade. d) Correta. e) Incorreta. A autoexecutoriedade não afasta o controle judicial. 4. Gabarito – C. Toda vez que a Administração pratica um ato presume-se que ele está em com o ordenamento jurídico, detendo legitimidade e cabendo eventualmente ao administrado (se desejar) afastar essa presunção, provando que o ato da administração é ilegítimo. Consequentemente esse ato gozará da presunção de estar conforme à lei, cabendo eventualmente a quem quiser afastá-lo, provar a sua ilegitimidade: essa presunção é juris tantum, ou seja, admite prova em contrário. 5. Gabarito – A. a) Correta. A declaração de utilidade pública deveria ter sido feita por Decreto ou por lei com efeito concreto, e não por Resolução. b) Incorreta. A forma está errada. c) Incorreta. A forma está errada. d) Incorreta. A forma está errada. e) Incorreta. A forma está errada. 119 FLÁVIA LIMMER 6 PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 PODERES ADMINISTRATIVOS 120 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 1. INTRODUÇÃO É o conjunto de medidas e instrumentos, e eventuais prerrogativas, de que se vale a Administração Pública para a consecução de sua finalidade. O Estado, para exercer suas atribuições, necessita de alguns poderes, que são considerados instrumentais. Celso Antonio Bandeira de Mello75 esclarece que o ordenamento atribui aos entes públicos obrigações de atendimento às necessidades da coletividade, e só por isso a dota de poderes. A doutrina fala em poderes-deveres da administração, ou deveres-poderes. Por consequência os poderes administrativos são irrenunciáveis, pois visam o interesse público. 2. ABUSO DE PODER Esse tema diz respeito ao princípio administrativo da finalidade. A ideia é de que todo ato público deve servir à finalidade para a qual foi criado. Existe uma finalidade geral, que é comum a todos os atos, e a finalidade específica de cada ato, que deverá ser aferida com base no ato. Por exemplo, a remoção do servidor, não tendo caráter punitivo (essa não é sua finalidade), visa permitir que ele mude de lugar (essa é sua finalidade) de acordo com certos critérios. O abuso de poder é um gênero, que significa usar de forma inadequada o Poder Público, do qual se desdobram duas espécies, o desvio de poder e o desvio de finalidade. O desvio de poder ocorre quando determinado indivíduo tem competência para praticar um ato, mas exacerba daquela competência. Já o desvio de finalidade, ocorre quando um determinado ato serve para uma finalidade e é desvirtuado para servir outra para a qual não foi criado. Por exemplo, a remoção utilizada com a finalidade punitiva, no caso de um servidor que praticou algum ato ímprobo, que poderia ser punida por meio de um procedimento administrativo disciplinar ou sindicância, mas o chefe, ao invés, decide remover a pessoa alegando interesse público, e determinando que vá para outra localidade. Essa remoção é nula, a própria Administração deve proceder à anulação e se não o fizer esse ato comporta impugnação judicial. Resumidamente, todas as vezes que a administração pública extrapola o caráter do poder, há o chamado abuso de poder: • • Excesso de poder – ocorre quando o agente extrapola a competência conferida por lei. É um vício de competência. Esse vício, a princípio, é sanável. O agente exerce o poder respeitando o interesse público, mas extrapola os limites. Desvio de poder – ocorre quando o agente atua em violação ao interesse público, ou seja, com finalidade diversa da conferida pela lei. Trata-se de um vício de finalidade. Há desvio de poder quando o agente atua visando finalidade diversa daquela trazida pela regra de competência. 3. PODER DISCRICIONÁRIO E PODER VINCULADO Vale lembrar que o poder discricionário e o poder vinculado são, na verdade, formas do exercício dos demais poderes administrativos. Ou seja, o atos administrativos são praticados com competências vinculadas ou discricionárias. Toda atuação administrativa é minimamente vinculada à lei. Nos atos vinculados, não há opção de escolha ao administrador, enquanto nos atos discricionários cabe ao administrador uma certa margem de liberdade para decidir e atuar. No caso de conceitos jurídicos indeterminados, há discricionariedade do administrador, ou seja, há margem de escolha, sendo sujeito ao juízo de conveniência e oportunidade, o chamado mérito administrativo. 75 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019. 121 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 O poder discricionário não é um poder jurisdicional, e sim administrativo, não cabendo ao Poder Judiciário substituir a Administração na oportunidade e conveniência. Claro que é possível, como já visto no capútlo 5, item 10, controlar o poder discricionário, desde que seja com base na violação ao princípio da legalidade e/ou moralidade, proporcionalidade ou razoabilidade (legitimidade do ato), ou atendimento ao mínimo existencial. Os limites do mérito da discricionariedade são controláveis pelo Poder Judiciário, mas não cabe fazê-lo com relação ao conteúdo propriamente dito. Em outras palavras, o juiz pode analisar o ato praticado pelo administrador que tenha violado à razoabilidade, eis que se trata de um princípio constitucional implícito. Assim, no caso de atuação do Poder Judiciário, com relação ao poder discricionário, só caberá a anulação do ato administrativo, não podendo aplicar a penalidade ao servidor que tenha sido punido indevidamente. Deve-se ter em mente que a discricionariedade é diferente de arbitrariedade: o ato arbitrário é ilegal, ilegítimo e inválido. O que existe é uma margem de liberdade, e não de arbitrariedade. Por exemplo, uma pena de suspensão em que a lei prevê prazo de 30 (trinta) a 60 (sessenta) dias e o agente suspende por 90 (noventa) dias, trata-se de um ato arbitrário e não discricionário. Assim, há limites ao exercício do poder discricionário: a liberdade de atuação corresponde ao limites definidos em lei, e caberá ao Judiciário, por meio da razoabilidade e proporcionalidade, controlar o exercício desse poder discricionário, declarando a ilegalidade de atuação que viole estes princípios. 4. CLASSIFICAÇÃO DOS PODERES ADMINISTRATIVOS Os poderes administrativos são classificados em: • • • • Poder regulamentar; Poder hierárquico; Poder disciplinar; Poder de polícia. 4.1. Poder regulamentar (poder normativo) É o poder de expedir normas gerais e abstratas, dentro dos limites das leis. Os atos administrativos regulamentares, a rigor, só podem ser expedidos segundo a lei, não podendo ser contrário à ela e nem inovar na ordem jurídica. O regulamento é o ato normativo por excelência. É formalizado por decreto. Os regulamentos ou decretos são privativos do Chefe do Poder Executivo. Demais autoridades administrativas poderão expedir outros atos, como resoluções e instruções normativas, mas não decretos. Por essa razão, parte da doutrina aponta que o poder regulamentar seria do chefe do Poder Executivo, logo, este poder seria espécie do gênero poder normativo. O exercício do poder regulamentar poderá ser autorizado (delegado) quando a lei determina expressamente que ela demanda regulamentação. O STF tem entendimento pacífico de que não pode ocorrer a delegação da função legislativa em si. Ou seja, o STF não admite a delegação em branco, pois viola o princípio da Separação de Poderes. Alguns atos administrativos possuem caráter normativos, mas não foram emanados de um poder regulamentar, ou mesmo não estão sequer regulamentando qualquer lei. Possuem origem no poder hierárquico, que atribui competência às autoridades superiores para expedirem ordens aos seus subordinados. Por exemplo, quando o Tribunal elabora seu regimento interno, exigindo que quem está nas dependências do Tribunal deverá obedece-lo. Isso decorre do poder hierárquico, e não pode poder regulamentar. Por essa razão, nem todo ato normativo decorre do poder regulamentar. 122 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 José dos Santos Carvalho Filho76 aponta que existem atos de regulamentação de primeiro grau e atos de regulamentação de segundo grau: • • Atos de regulamentação de primeiro grau – decretos e regulamentos, que vão detalhar e explicar a lei. Atos de regulamentação de segundo grau – atos que regulamentam os decretos. São as instruções, orientações e resoluções. Por fim, os regulamentos se dividem em dois grupos: • • Regulamentos executivos (ou Decretos) – é expedido para fiel execução da lei. Trata-se de um ato de 2º grau. É a regra no direito brasileiro. Regulamentos autônomos (ou Decretos) – como já visto no capítulo 5, item 13, letra a, são atos normativos de primeiro grau. O art. 84, VI, da CF/88 determina que o Presidente da República pode extinguir cargo público, desde que vago, por decreto autônomo, assim como disciplinar matéria de organização administrativa, desde que não gere despesas e não crie ou extinga órgão público, ainda que esteja vago. Cabe ressaltar que os regulamentos autônomos, por serem atos de primeiro grau, estão sujeitos ao controle de constitucionalidade, e não de legalidade. Lembre-se que a lei não pode estipular um prazo para que o chefe do Poder Executivo faça a sua regulamentação. Ofende os arts. 2º e 84, II, da Constituição Federal, norma de legislação estadual que estabelece prazo para o chefe do Poder Executivo apresentar a regulamentação de disposições legais (STF, ADI 4.728/DF, julgada em 12/11/2021). 4.2. Poder hierárquico O poder hierárquico é um instrumento concedido à Administração para que essa possa distribuir e escalonar, ordenar, fiscalizar e rever a atuação dos seus agentes. Há uma relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal, já que há o escalonamento – uma relação de quem emana as ordens e quem as recebe. O poder hierárquico não depende de uma prévia existência legal, presumindo-se da própria estrutura verticalizada da Administração. É exercido no âmbito interno de órgãos integrantes de uma mesma entidade. Sendo assim, não há que se falar de exercício do poder hierárquico da Administração em face do cidadão. Por essa razão, também não se fala em hierarquia quando se está diante de duas entidades distintas. Há hierarquia entre o Presidente da República e o Ministro da Defesa, mas não há entre o Ministro da Defesa e o Presidente do INSS, pois se trata de outra entidade, dotada de personalidade jurídica própria. Ainda, o controle da autarquia é finalístico, por meio de supervisão, também denominado de tutela. No entanto, não há hierarquia. Do poder hierárquico decorrem: • • • • 76 Poder de dar ordem; Poder de fiscalizar; Poder de delegar e avocar atribuições; Poder de rever os atos inferiores. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. 123 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 Na delegação, transfere-se uma parcela de competência do superior ao subordinado na escala hierárquica. Quando se fala em avocação, haverá o movimento inverso, chamando parcela de competência do subordinado para superior hierárquico. Vale lembrar que a delegação poderá ocorrer entre órgãos que não guardam relação de subordinação entre um e outro. Mas de qualquer forma, a delegação somente poderá ser excepcional e temporária, visto que já existe uma ordem estabelecida. O poder de rever atos inferiores autoriza a anulação do ato proferido pelo agente inferior, e até mesmo revogação de atos. 4.3. Poder disciplinar Poder disciplinar é o instrumento que visa apurar infrações cometidas e aplicar penalidades cabíveis aos servidores (vínculo hierárquico) ou demais pessoas submetidas ou vinculadas à administração (vínculo contratual). Esse poder não é exclusivamente interno, pois também pode ser aplicado em relação às pessoas jurídicas externas, como as concessionárias de serviço público. Percebe-se que apenas servidores e pessoas submetidas à Administração irão se submeter ao poder disciplinar da administração. O que marca o fim do poder hierárquico e o início do poder disciplinar é a abertura do processo administrativo para apurar a responsabilidade pela prática de uma irregularidade administrativa. O poder hierárquico permite dar ordem e fiscalizar a ordem dada. Se for percebido que a ordem dada não foi cumprida, há necessidade de ser instaurado um processo administrativo para verificar essa irregularidade. Neste momento, encerra-se o poder hierárquico e inicia o poder disciplinar. Atente-se que a doutrina tradicional costuma destacar a natureza discricionária do poder disciplinar, pois existe a possibilidade de a autoridade competente aferir aspectos como gravidade da infração, danos que provieram dessa infração, existência de agravantes e atenuantes etc. Todavia, o STJ vem entendendo que não há discricionariedade do poder disciplinar, e sim uma efetivação de comandos constitucionais e infraconstitucionais (REsp 429.570/GO, MS 13.083). A opção mais segura, em uma prova objetiva, é apontar a característica discricionária. Já em provas de segunda fase, deve-se apontar a posição do STJ. Não são apenas os servidores públicos que se submetem ao poder disciplinar. Isso porque o poder disciplinar também será exercido em face de pessoas físicas e jurídicas que celebram contratos com a Administração. Ou seja, pessoas vinculadas ao Poder Público estão sujeitas ao poder disciplinar. 4.4. Poder de polícia O poder de polícia é uma faculdade conferida ao Estado para que possa restringir direitos individuais em face de um potencial benefício, decorrente dessa restrição, para a sociedade. Pode ser entendido em sentido amplo ou em sentido estrito. Em sentido amplo, é qualquer atividade desempenhada pelo Estado, que, de alguma forma, restringe direitos individuais, exercido inclusive pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em suas funções típicas. Decorre do poder estatal de império. Nessa visão, a lei seria um reflexo do poder de polícia. Em um conceito mais estrito (geralmente usado em Direito Administrativo) é o exercido pelo Poder Executivo, por meio de atos administrativos, na tentativa de conciliar interesses antagônicos. São intervenções gerais e abstratas (regulamentos) ou concretas e específicas (autorizações e licenças) do Poder Público, para prevenir, condicionar ou obstar atividades particulares. O Estado intermedia as relações e estabelece regras e limites, como por exemplo sonoros, regras de higiene que devem ser observadas em restaurantes e estabelecimentos comerciais etc. Temos aqui a possibilidade de o Estado regrar esses direitos individuais, exigindo que o particular suporte, abstenha-se de determinada conduta, ou que tome certas precauções, como instalar extintores de incêndio. O objeto do poder de polícia é regrar o direito, sem que esse seja completamente abolido – ou seja, o que se tem é a 124 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 prerrogativa de que dispõe o Estado de delimitar comportamentos, ainda que lícitos, mas não de suprimir direitos fundamentais, observando sempre a máxima da proporcionalidade. O que justifica o poder de polícia é a supremacia do interesse público sobre o privado. Será restringida a liberdade individual para garantir um bem social. As sanções aplicáveis, por certo, devem estar previstas em lei. Mas o poder de polícia não envolve apenas a punição em si: o deferimento de licenças também é uma expressão do poder de polícia. Assim, o poder de polícia se manifesta por atos gerais (limitação administrativa) ou individuais (concessão de Carteira Nacional de Habilitação), podendo ser preventivos (concessão de alvará) ou repressivos (dissolução de passeata). Vale lembrar que, em regra, o poder de polícia é negativo. No entanto, poderá ser positivo, impondo obrigações de fazer. É o caso da propriedade urbana que descumpre a função social, situação na qual o Poder Público impõe ao proprietário o dever de parcelar ou edificar o terreno, tal como disposto no art. 182, CF/88 e na Lei n.º 10.257/2001, o Estatuto da Cidade. O poder de polícia é, em regra, discricionário. Embora haja grande divergência doutrinária, para fins de prova de primeira fase é possível marcar como correto que o poder de polícia se caracteriza pela discricionariedade. Importante ressaltar que a Administração não tem a possibilidade de ficar inerte e não tomar providências. Há um poder-dever, havendo a possibilidade da Administração efetuar um juízo de conveniência quanto à melhor forma de concretizar um determinado objetivo. O poder de polícia é imperativo, ou seja, envolve a possibilidade da Administração criar obrigações unilateralmente. É coercitivo, permitindo que o Estado se valha de meios indiretos de cumprimento, fixando multas, por exemplo. Só será autoexecutável quando houver previsão em lei ou em se tratando de casos de urgência. E como todos os atos administrativos, aqueles que decorrem do poder de polícia gozam de presunção de veracidade e legitimidade. 4.4.1. Ciclo de polícia Quando se desdobra a atuação administrativa no âmbito do poder de polícia, haverá o denominado ciclo do poder de polícia (Diogo de Figueiredo Moreira Neto77). O STF utilizou essa tese expressamente no RE 633.782/MG, julgado em 25/11/2020. Segundo o julgado, a teoria do ciclo de polícia demonstra que o poder de polícia se desenvolve em quatro fases, cada uma correspondendo a um modo de atuação estatal: (i) a ordem de polícia, (ii) o consentimento de polícia, (iii) a fiscalização de polícia e (iv) a sanção de polícia. • Ordem de polícia É um comando estatal, podendo ser: o Comando negativo absoluto (ordem de não fazer); o Comando negativo com reserva de consentimento (ordem de não fazer enquanto a Administração não autorizar a fazer); o Comando positivo (ordem de fazer). Em todos os casos há uma ordem de polícia. Por exemplo, o comando de “não dirigir alcoolizado” é um comando negativo absoluto. Por outro lado, a condução de veículo sem carteira de habilitação é um comando negativo que, com consentimento, ou sem consentimento poderá ser feito (com reserva). Segundo o STJ, não depende de prévio procedimento administrativo a recusa à expedição da CNH definitiva motivada pelo cometimento de infração de trânsito de natureza grave durante o prazo anual de permissão provisória para dirigir (art. 148, § 3º, do CTB). O direito à obtenção da habilitação definitiva somente se perfaz se o candidato, após 01 ano da expedição da permissão para dirigir, não tiver cometido infração de natureza grave ou gravíssima e não for MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 15. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 444-447. 77 125 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 reincidente em infração média, segundo disposto no § 3º do art. 148 do CTB. Assim, a expedição da CNH é mera expectativa de direito, que se concretizará com o implemento das condições estabelecidas na lei. Havendo o cometimento de infração grave, revela-se desnecessária a instauração de prévio processo administrativo, considerando que a aferição do preenchimento dos requisitos estabelecidos pela lei para a concessão da CNH definitiva se dá de forma objetiva (Inf. 550, STJ). • Consentimento de polícia Há um ato administrativo pelo qual a Administração verifica se a atividade ou o uso da propriedade estão adequados à ordem de polícia. O consentimento se exterioriza por um alvará, licença ou autorização. • Fiscalização A Administração verifica se o particular está observando a ordem e o consentimento de polícia. Se o particular não tem carteira de motorista, não poderia dirigir. Em outro momento, o cidadão foi aprovado na prova de habilitação e agora possui a CNH (consentimento). A lei diz que ele poderá dirigir, mas dentro da velocidade compatível, aferida pelo agente de trânsito. Neste último caso, estamos no ciclo de fiscalização. • Sanção de polícia Aqui há um ato administrativo que pune o particular pelo desrespeito à ordem de polícia ou ao consentimento de polícia. A imposição de restrição a direito individual não pode decorrer apenas e diretamente de um ato administrativo, ainda que de cunho normativo. Como é uma restrição a direito individual, é necessário que decorra da lei. Dessa maneira, o poder de polícia poderá ser compreendido em dois sentidos: • • Poder de polícia em sentido amplo – seria o poder do Estado, incluindo a atuação do Poder Legislativo para editar normas de caráter geral e inovador, que diminuirão ou condicionarão o exercício de um direito individual. Poder de polícia em sentido estrito – não se pode ter uma restrição a um direito individual somente por meio de um ato normativo. A lei terá que ser complementada por um ato concreto. O poder de polícia em sentido estrito seria a faculdade dada à Administração de fiscalizar e aplicar sanções nos casos de descumprimentos da lei. Para o STJ, os atos de ciclos de polícia, denominados consentimento de polícia e fiscalização de polícia, podem ser delegados a particulares, como será aprofundado no próximo item. 4.4.2. Delegação do poder de polícia Um debate enfrentado na doutrina e no STF refere-se à possibilidade de delegação do poder de polícia. Ele só poderia ser exercido pela Administração Direta? Em regra entende-se que a delegação é possível, mas não para particulares stricto sensu. A delegação seria possível para a Administração Indireta, especialmente para as entidades regidas predominantemente pelo regime de direito público. Assim, é pacífica a possibilidade de delegação do poder de polícia para autarquias. Por exemplo, o INMETRO e o IBAMA exercem poder de polícia. De acordo com o recente acórdão do STF, que será detalhado abaixo, a delegação também poderia ser feita para pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração pública indireta, de capital social majoritariamente público, que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado, 126 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 e em regime não concorrencial. Ou seja, igualmente predominantemente regidas por regime jurídico de direito público. Na ADI 1.717/DF, discutiu-se o regime jurídico dos conselhos profissionais e o STF entendeu que o particular não pode exercer o poder de polícia, declarando inconstitucional a delegação para uma entidade privada de atividades típicas de Estado. A exceção é a fiscalização das profissões. Mesmo sendo atividade típica de Estado (já que abrange o poder de polícia, de tributar e de punir), pode ser delegada apenas para conselhos profissionais em geral que, criados por lei, têm a natureza de autarquia e, portanto, personalidade jurídica de direito público (STF MS 22.643), sendo possível também a delegação para a Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 3.026). A tese 05 do STJ complementa ao estabelecer que os conselhos profissionais têm poder de polícia para fiscalizar as profissões regulamentadas, inclusive no que concerne à cobrança de anuidades e à aplicação de sanções Em 25/11/2020, no RE 633.782/MG, o STF proferiu decisão com um novo paradigma sobre a delegação do poder de polícia: considerou que é constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial. Note que pesou no entendimento do STF o regime híbrido das estatais visto no capítulo 3, itens 5.5 e 5.6: a delegação poderá ser feita apenas para entes da administração indireta que atuem em regime de monopólio. Logo, não haverá prejuízo à livre iniciativa e nem a livre concorrência. Somase que o capital deverá ser majoritariamente público. Ou seja, essa estatal será regida predominantemente pelo regime de direito público. Assim, o poder de polícia não pode ser delegado a concessionárias ou a permissionárias, tampouco às entidades da administração indireta regidas predominantemente pelo de direito privado, e que atuam em concorrência com a iniciativa privada. O voto do relator esclarece que [...] verifica-se, em relação às estatais prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e em regime de monopólio, não há razão para o afastamento do atributo da coercibilidade inerente ao exercício do poder de polícia, sob pena de esvaziamento da finalidade para a qual aquelas entidades foram criadas. Ainda, como não há fins lucrativos, afastaria a possibilidade de uma “indústria da multa”. O voto do Ministro Fux esclarece que a tese da indelegabilidade do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado não possui caráter absoluto e pode ser afastada quando se tratar de entidades da administração pública indireta que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado de capital social majoritariamente público, sem o objetivo de lucro, em regime não concorrencial. A Constituição Federal, ao autorizar a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham por objeto exclusivo a prestação de serviços públicos de atuação típica do Estado, autoriza, consequentemente, a delegação dos meios necessários à realização do serviço delegado, sob pena de inviabilizar a atuação dessas entidades. Também não se sustentaria a tese de que a estabilidade de que goza o servidor público é requisito indispensável ao exercício do poder de polícia. Em uma situação que não se confunde com a anterior, o STJ entende que o particular pode, de forma eventual, receber a delegação dos atos materiais acessórios (prévios ou posteriores) ao exercício do poder de polícia, mas não poderá receber a delegação do próprio poder de polícia, em si. Assim, é possível a delegação de atos de fiscalização e do consentimento, mas jamais a sanção ou decisão (STJ, REsp 817.534/MG e EDcl no REsp 817534 / MG). Não há desequilíbrio entre os administrados porque não envolve se houve violação, apenas mera constatação: são atividades meramente operacionais, por vezes, inclusive, realizadas por maquinas e equipamentos, e não incluem o poder de decisão. É o caso da fiscalização de trânsito por pardais e radares eletrônicos. Para tal, a contratação do particular deve ser impessoal, assegurando a igualdade de tratamento. 127 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 Os atos materiais podem ser delegados, mas o poder de polícia, em si, não. Assim a empresa privada pode ser responsável por manutenção de radares de velocidade em rodovia, mas não pode efetivamente lavrar a multa e notificar o infrator. Outra hipótese é a delegação de atos materiais sucessivos ao ato jurídico de polícia, apenas referente à propriedade, jamais à liberdade. Por exemplo a demolição de obras irregulares e já desocupadas. 4.4.3. Atributos do poder de polícia São atributos do poder de polícia: • Discricionariedade Cabe à Administração avaliar qual é o momento mais oportuno para aplicar o poder de polícia, bem como avaliar qual a sanção mais conveniente ao caso. Por isso, o poder de polícia é discricionário. Ex.: produção de material bélico e autorização para portar arma, em que mesmo preenchidos os requisitos, a administração poderá negar a atividade. Existem situações, contudo, em que a Administração estará compelida a agir de uma única forma. Nesses casos excepcionais, o poder de polícia é vinculado. Ex.: licença para dirigir veículo. Se a pessoa preencher os requisitos, deverá receber a CNH. Outro caso é a licença para construir. • Autoexecutoriedade É a possibilidade da Administração decidir e executar diretamente o que ela decidiu, sem a necessidade do Poder Judiciário. Este atributo não estará presente em todas as medidas de polícia da Administração. A multa tem exigibilidade (coerção indireta), mas não tem executoriedade (coerção direta). Para receber a multa não paga será necessário ingressar no Poder Judiciário. Tanto é que não é permitido reter o veículo para compelir ao pagamento do valor da multa (STJ). Deve a lei prever que o ato administrativo terá autoexecutoriedade, ou a urgência da situação poderá justificar que o ato possua autoexecutoriedade. Neste caso, há uma presunção de que a lei traz de forma implícita a autorização de que o ato seja executável. • Imperatividade / Exigibilidade É o poder que a administração pública tem de impor uma obrigação ao particular, ainda que ele não concorde. Permite que a sanção seja imposta ao particular, ainda que contrárias à vontade deste. • Coercibilidade A Administração pode utilizar de força para remover os obstáculos à efetivação de suas decisões. A coercibilidade é inerente à autoexecutoriedade. A diferença é que a autoexecutoriedade permite que a Administração execute diretamente os seus atos. A coercibilidade é a força suficiente para que o Poder Público execute o ato. Se não existisse a coercibilidade, a autoexecutoriedade estaria esvaziada. 4.4.4. Condições de validade ou limites do poder de polícia São os limitadores do exercício do poder de polícia. Limitam o poder de polícia a competência, a validade, a forma, pois estão ligados à validade do ato administrativo. Um outro limite é a exigência do ato respeitar o princípio da razoabilidade de da proporcionalidade. O Estado, quando exerce o poder de polícia, relativizando o direito e a liberdade do indivíduo, deverá restringi-lo na exata proporção para beneficiar a coletividade. 128 PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 FLÁVIA LIMMER Também poderá ser considerado limitador ao poder de polícia a prescrição. O art. 1º da Lei n.º 9.873/1999 dispõe que prescreve em 05 anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Depois de instaurado o processo administrativo, se este processo ficar paralisado por 03 anos, ocorrerá a prescrição intercorrente. 4.4.5. Taxas de polícia A Administração, quando exerce o poder de polícia, pode cobrar taxas de polícia, espécie tributária. A taxa é um tributo vinculado a uma contraprestação estatal. No caso da taxa de polícia, este tributo vinculase ao custo da diligência. O poder de polícia está conceituado no art. 78 do CTN, o qual estabelece que: Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. O parágrafo único afirma ainda que: [..] considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. O STF entende que a taxa de renovação de licença de funcionamento é constitucional, desde que haja o efetivo exercício do poder de polícia, o qual é demonstrado pela mera existência de órgão administrativo que possua estrutura e competência para a realização da atividade de fiscalização (presunção de fiscalização efetiva). A base de cálculo da taxa de fiscalização seria a área de fiscalização (RCL 30.326). 4.4.6. Competência A competência para exercer o poder de polícia é, em princípio, da pessoa federativa à qual a Constituição Federal conferiu o poder de regular a matéria, sendo possível o poder concorrente (exercício conjunto do poder de polícia, tal como ocorre no direito ambiental). Assim, será inválido o ato de polícia praticado por agente de pessoa federativa que não tenha competência constitucional para regular a matéria e, portanto, para impor a restrição. Há, inclusive, a Súmula 646 do STF, que diz: “ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”. Na mesma linha, a Súmula 645 do STF estabelece que é competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. O STJ também editou a Súmula 19, afirmando que a fixação de horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União (com base no art. 48 XIII e art. 192 CF). 5. TESES DO STJ 1) A administração pública possui interesse de agir para tutelar em juízo atos em que ela poderia atuar com base em seu poder de polícia, em razão da inafastabilidade do controle jurisdicional. 2) O prazo prescricional para as ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, quando não existir legislação local específica, é quinquenal, conforme previsto no art. 1º do Decreto n. 129 PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 FLÁVIA LIMMER 20.910/32, sendo inaplicáveis as disposições contidas na Lei n. 9.873/99, cuja incidência limita-se à Administração Pública Federal Direta e Indireta. 3) Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental. (Súmula n. 467/STJ) 4) A prerrogativa de fiscalizar as atividades nocivas ao meio ambiente concede ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado. 5) Ante a omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, o IBAMA pode exercer o seu poder de polícia administrativa, já que não se confunde a competência para licenciar com a competência para fiscalizar. 6) O Programa de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON detém poder de polícia para impor sanções administrativas relacionadas à transgressão dos preceitos ditados pelo Código de Defesa do Consumidor – art. 57 da Lei n. 8.078/90. 7) O PROCON tem competência para aplicar multa à Caixa Econômica Federal – CEF por infração às normas do Código de Defesa do Consumidor, independentemente da atuação do Banco Central do Brasil. 8) A atividade fiscalizatória exercida pelos conselhos profissionais, decorrente da delegação do poder de polícia, está inserida no âmbito do direito administrativo, não podendo ser considerada relação de trabalho e, por consequência, não está incluída na esfera de competência da Justiça Trabalhista. 9) Não é possível a aplicação de sanções pecuniárias por sociedade de economia mista, facultado o exercício do poder de polícia fiscalizatório. 10) É legítima a cobrança da taxa de localização, fiscalização e funcionamento quando notório o exercício do poder de polícia pelo aparato administrativo do ente municipal, sendo dispensável a comprovação do exercício efetivo de fiscalização. 11) Quando as balanças de aferição de peso estiverem relacionadas intrinsecamente ao serviço prestado pelas empresas ao consumidor, incidirá a Taxa de Serviços Metrológicos, decorrente do poder de polícia do Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial – Inmetro em fiscalizar a regularidade desses equipamentos. 12) É legitima a cobrança da Taxa de Fiscalização dos Mercados de Títulos e Valores Mobiliários decorrente do poder de polícia atribuído à Comissão de Valores Mobiliários – CVM, visto que os efeitos da Lei n. 7.940/89 são de aplicação imediata e se prolongam enquanto perdurar o enquadramento da empresa na categoria de beneficiária de incentivos fiscais. 13) Os valores cobrados a título de contribuição para o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – FUNDAF têm natureza jurídica de taxa, tendo em vista que o seu pagamento é compulsório e decorre do exercício regular de poder de polícia. 6. JURISPRUDÊNCIA 6.1. Súmulas STF Súmula vinculante 49: Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área. 130 PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 FLÁVIA LIMMER Súmula Vinculante 38: É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. 6.2. Súmulas STJ Súmula 312 STJ: No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração. 6.3. Informativos do STF78 As guardas municipais, desde que autorizadas por lei municipal, têm competência para fiscalizar o trânsito, lavrar auto de infração de trânsito e impor multas. O STF definiu a tese de que é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício do poder de polícia de trânsito, inclusive para a imposição de sanções administrativas legalmente previstas (ex: multas de trânsito). STF. Plenário. RE 658570/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 6/8/2015 (repercussão geral) (Info 793). 6.4. Informativos do STJ79 Um dos atributos do poder de polícia é a autoxecutoriedade. Isso significa que a Administração Pública pode, com os seus próprios meios, executar seus atos e decisões, sem precisar de prévia autorização judicial. A Administração, contudo, pode, em vez de executar o próprio ato, ingressar com ação judicial pedindo que o Poder Judiciário determine essa providência ao particular. Ex: diante de uma irregularidade grave, a Administração Pública poderia, em tese, interditar o estabelecimento. Se ela, em vez de executar esta ordem diretamente, ajuíza ação pedindo que o Poder Judiciário determine essa providência, tal ação não pode ser julgada extinta por falta de interesse de agir. A autoexecutoriedade não retira da Administração Pública a possibilidade de valer-se de decisão judicial que lhe assegure a providência fática que almeja, pois nem sempre as medidas tomadas pelo Poder Público no exercício do poder de polícia são suficientes. STJ. 2ª Turma. REsp 1651622/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/03/2017. A legislação de cada ente deverá prever o prazo prescricional da sanção de polícia. No âmbito federal o prazo é de 5 anos, com fundamento na Lei n.º 9.873/99. Caso não haja lei estadual ou municipal sobre o assunto, deverá ser aplicado o prazo prescricional de 5 anos por força, não da Lei n. 9.873/99, mas sim do art. 1º do Decreto 20.910/32; As disposições contidas na Lei n.º 9.873/99 não são aplicáveis às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, pois o seu art. 1º é expresso ao limitar sua incidência ao plano federal. Assim, inexistindo legislação local específica, incide, no caso, o prazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32. STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1409267/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 16/03/2017. O PROCON detém poder de polícia para impor multas (art. 57 do CDC) decorrentes de transgressão às regras ditadas pela Lei n.º 8.078/90. Assim, a sanção administrativa aplicada pelo PROCON reveste-se de legitimidade, em virtude de seu poder de polícia (atividade administrativa de ordenação) para cominar multas relacionadas à transgressão do CDC. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1594667/MG, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 04/08/2016. QUESTÕES 1. (MPE-MG) FUNDEP, 2019. Sobre o poder de polícia e o exercício da segurança pública municipal, é correto afirmar, à luz do posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal, que: CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 79 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 78 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 131 FLÁVIA LIMMER PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 a) a segurança pública, numa de suas dimensões, toca o exercício do poder de polícia, o que confere à polícia militar a titularidade da imposição de multas de trânsito, excluindo-se a possibilidade de a guarda municipal executar essa atividade. b) a fiscalização do trânsito, com aplicação das sanções administrativas legalmente previstas, embora possa dar-se ostensivamente, constitui atividade típica de segurança pública. c) o poder de polícia não se confunde com segurança pública; o exercício do primeiro não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, a quem a Constituição outorgou, com exclusividade, no art. 144, apenas as funções de promoção da segurança pública. d) a ordem jurídica brasileira estabeleceu que a atividade administrativa de fiscalização do trânsito é permitida à guarda municipal nas hipóteses de convênios celebrados com os órgãos policiais constitucionalmente legitimados para tanto. 2. (TJ-AL) FCC, 2019. A atuação da Administração Pública se dá sob diferentes formas, sendo o exercício do poder de polícia uma de suas expressões, a) presente na aplicação de sanções a particulares que contratam com a Administração ou com ela estabelecem qualquer vínculo jurídico, alçando a Administração a uma posição de supremacia em prol da consecução do interesse público. b) presente nas limitações administrativas às atividades do particular, tendo como principal atributo a imperatividade, que assegura a aplicação de medidas repressivas, independentemente de previsão legal expressa, a critério do agente público. c) dotada de exigibilidade, que confere meios indiretos para sua execução, como a aplicação de multas, e admitindo, quando previsto em lei ou para evitar danos irreparáveis ao interesse público, a autoexecutoriedade, com o uso de meios diretos de coação. d) verificada apenas quando há atuação repressiva do Poder Público, tanto na esfera administrativa, com aplicação de multas e sanções, como na esfera judiciária, com apreensão de bens e restrições a liberdades individuais. e) dotada de imperatividade, porém não de coercibilidade, pressupondo, assim, a prévia autorização judicial para a adoção de medidas que importem restrição à propriedade ou liberdade individual. 3. (MPE-PI) CESPE, 2019. De acordo com o STF, a competência das agências reguladoras para editar atos normativos que visem à organização e à fiscalização das atividades por elas reguladas representa o exercício de seu poder administrativo a) discricionário, que depende da conveniência e da oportunidade. b) de polícia, na sua função normativa, estando subordinado ao disposto na lei. c) normativo, que é dotado de autonomia com relação às competências definidas em lei. d) regulamentar, visando à normatização de situações concretas voltadas à atividade regulada. e) disciplinar, objetivando a punição do administrado pela prática de atividade contrária ao disposto no ato normativo. 4. (MPE-MG) FUNDEP, 2017. Dentre as alternativas abaixo sobre desvio de poder, indique a INCORRETA: a) O desvio de poder é vício de intenção, que deriva dos propósitos subalternos que animam o agente ou das circunstâncias de não realização da finalidade preordenada pela lei. b) O desvio de poder é vício objetivo que se refere ao descompasso entre a finalidade a que o ato serviu e a finalidade legal que por meio dele poderia ser servida. c) O desvio de poder é vício por omissão nas hipóteses em que a abstenção do ato é contrária ao que deveria ser feito, afinal “não agir é também agir”. d) O desvio de poder desnatura a finalidade da competência no exercício de atos impróprios à providência adotada. 5. (MPE-MG) FUNDEP. 2017. A respeito da legalidade administrativa, é CORRETO dizer: a) normatividade do Estado, no âmbito da atividade econômica, pressupõe planejamento como fator indicativo e estatístico ao setor público. b) Na regulamentação observa-se o poder de editar atos normativos (gerais e abstratos), bem como exercer a atividade administrativa controlando, fiscalizando e planejando o setor sob interesse. 132 PODERES ADMINISTRATIVOS • 6 FLÁVIA LIMMER c) O decreto é espécie de ato administrativo de exclusiva competência do Presidente da República, cujo exercício, nos limites estabelecidos pelas leis e Constituição, ordena e organiza a ação administrativa, quer abstratamente, quer concretamente. d) O decreto regulamentar não cria, altera ou constitui direitos, apenas viabiliza na perspectiva operacional a adequada interpretação e aplicação da lei, ao passo que o decreto autônomo é espécie normativa primária, preexistente à lei. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – C. a) Incorreta. A fiscalização do trânsito pode ser exercida pelas Guardas Municipais. b) Incorreta. A fiscalização do trânsito constitui atividade típica de segurança pública. c) Correta. Cf. STF, RE 658.570. d) Incorreta. Não é necessário convênio para que as Guardas Municipais possam exercer o poder de polícia. 2. Gabarito – C. a) Incorreta. A assertiva versa sobre o poder disciplinar, ou seja, a aplicação de sanções a particulares com vínculo específico com a Administração. b) Incorreta. As medidas aplicadas com base na imperatividade devem seguir o disposto na lei. c) Correta. A exigibilidade permite que o Poder Público imponha sanções administrativas por meios indiretos, sem necessidade de ação judicial. Já a autoexecutoriedade permite que se execute materialmente os atos administrativos, como forma de coagir o administrado, por meios diretos. d) Incorreta. O poder de polícia também atua de forma preventiva. e) Incorreta. Tanto a imperatividade como a coercibilidade são atributos do poder de polícia. 3. Gabarito – B a) Incorreta. Cf. Informativo nº 889 STF o poder de polícia está relacionado com a competência para editar atos normativos, visando à organização e a fiscalização. b) Correta. Cf. Informativo nº 889 STF. c) Incorreta, de acordo com o Informativo nº 889 do STF o poder de polícia está relacionado com a competência para editar atos normativos visando à organização e a fiscalização. d) Incorreta, uma vez que o poder normativo das agências reguladoras não abrange o poder de regulamentar leis, e sim atos de conteúdo técnico. e) Incorreta. Cf. Informativo nº 889 STF. 4. Gabarito – A a) Incorreta. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello "No desvio de poder, ao contrário do que habitualmente se afirma e do que nós mesmos vínhamos sustentando, nem sempre há um 'móvel', isto é, uma intenção inadequada. Com efeito, o agente pode, equivocadamente, supor que uma dada competência era prestante, de direito, para a busca de um dado resultado e por isto haver praticado o ato almejando alcançá-lo pela via utilizada. Neste caso não haverá intenção viciada. [...]o ato será sempre viciado por não manter relação adequada com a finalidade em vista da qual poderia ser praticado. O que vicia, portanto, não é o defeito de intenção, quando existente – ainda que através disto se possa, muitas vezes, perceber o vício -, mas o desacordo objetivo entre a finalidade do ato e a finalidade da competência." 5. Gabarito – D. a) Incorreta. Cf. Art. 174 da CF/88. b) Incorreta. Os atos normativos administrativos possuem a função de complementar a lei, visando possibilitar sua fiel execução. c) Incorreta. Pelo princípio da simetria, os decretos podem ser editados por Chefes do Poder Executivo dos demais Entes federativos. d) Correta. Cf. art. 84, VI da CF/88. 133 FLÁVIA LIMMER 7 AGENTES PÚBLICOS • 7 AGENTES PÚBLICOS 134 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 1. INTRODUÇÃO Qualquer pessoa que seja responsável, de forma definitiva ou transitória, pelo desempenho de uma função pública será considerada agente público. A nomenclatura “agentes públicos” é a mais abrangente possível, assemelhando-se, inclusive, à prevista no art. 327, caput, CP. Embora o Código Penal use a expressão “funcionário público”, essa encontra-se em desuso no Direito Administrativo. Mas os conceitos de agente público e funcionário público são semelhantes, no sentido de que ambos são bastante abrangentes e, nesse ponto, são também semelhantes ao conceito de agente público previsto no art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa (lei n.º 8.429/1992). Portanto, ainda que exercendo função pública de forma temporária ou não remunerada, será caracterizado o sujeito como agente público. Ou seja, agente público é uma expressão que designa qualquer pessoa, particular ou não, que de forma transitória, ainda que sem remuneração, atue em nome do Estado. Não é necessário que essa pessoa tenha um vínculo específico com a Administração. Poderá ser um particular, mas desde que atue em nome do Estado. Por exemplo o jurado ou mesário. Imagine, então, que dentro da divisão agentes públicos, nós tenhamos três grandes grupos: agentes políticos, particulares em colaboração e agentes estatais/agentes administrativos. A doutrina, no entanto, diverge bastante no que diz respeito a essa classificação. Hely Lopes Meirelles80, que traz uma classificação bastante tradicional, entende que seriam agentes políticos os agentes delegados, os agentes credenciados e os agentes administrativos. Adotaremos aqui que os agentes credenciados, os agentes honoríficos e os agentes delegados estarão dentro da classificação de particulares em colaboração. Destaque-se que parte da doutrina entende que os agentes públicos são apenas os agentes políticos, agentes credenciados, agentes honoríficos, agentes delegados e agentes administrativos. Será considerado agente público o sujeito pela atividade que exerce, e não pela pessoa que é. 2. CLASSIFICAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS Celso Antonio Bandeira de Mello81 classifica os agentes públicos em: • Agentes políticos; • Servidores públicos; • Militares; • Particulares em colaboração com o Poder Públicos. 2.1. Agente político Agentes políticos são os responsáveis pela vontade política do Estado, aqueles que exercem função política. Há um dissenso doutrinário sobre quais agentes exercem função política, existindo um conceito mais restritivo e um conceito mais amplo. Há um consenso, porém, no que se refere aos exercentes de mandato eletivo. Com certeza são agentes políticos, por exemplo, o Presidente da República, os parlamentares, os prefeitos, os governadores. Também são considerados agentes políticos os secretários e ministros de Estado. Estes seriam o núcleo duro do conceito de agentes políticos. 80 81 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro 43a. edição. São Paulo: Malheiros, 2018. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019 135 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 Mas há autores como Diógenes Gasparini82 que entendem que membros do Ministério Público e da Magistratura também são agentes políticos. São indivíduos bastante diferenciados do servidor público comum, uma vez que compõe estruturas autônomas e exercem ao fim ao cargo funções políticas. Nesse sentido, há quem coloque dentro da classificação de agentes políticos não só os exercentes de mandato eletivo (eventualmente secretários e ministros) como também MP e magistratura. Caso seja cobrado em provas objetivas pode-se considerar esta alternativa como correta, pois esse entendimento já goza de certa aceitação da boa parte da doutrina. Há um conceito ainda mais amplo, com ampla divergência, em que os integrantes das carreiras dos Tribunais de Contas e defensores públicos também seriam agentes políticos. Resumindo são agentes político, indiscutivelmente: • • • • Presidente da República, governador de Estado e prefeitos. Ministro de estado, secretário estadual e secretário municipal. Deputados federais e senadores, deputados estaduais, distritais e vereadores. Membros do MP e membros do Poder Judiciário (STF, Info. 438, RE 228.977 e RE 553.637 ED). Em relação aos membros de Tribunais de Contas há precedente do STF que estes não se enquadram no conceito de agente político (Info. 537). Contudo o STF entende que a Súmula Vinculante n.º 13, que veda o nepotismo, se aplica aos membros dos Tribunais de Contas (Rcl 6.702 MC-AgR). Para o STF a doutrina, de um modo geral, repele o enquadramento dos Conselheiros dos Tribunais de Contas na categoria de agentes políticos, os quais, como regra, estão fora do alcance da Súmula Vinculante n.º 13, salvo nas exceções apontadas pela Corte: as hipóteses de nepotismo cruzado ou de fraude à lei. 2.2. Servidores públicos Servidor público é o agente público que tem vínculo com a Administração direta ou indireta. É um agente público que recebe a remuneração do Estado. Os servidores públicos podem ser classificados em: • • • Servidores estatutários; Empregados públicos; Servidores temporários. 2.2.1. Servidores estatutários Servidor estatutário, como indica o nome, é aquele que está sujeito a um estatuto. O regime estatutário é o estabelecido pela lei, impondo direito e obrigações do servidor público para com o Estado. Estes servidores ocupam cargos públicos. Havendo uma desavença pelo servidor contra o Estado, é solucionada pela Justiça comum, e não pela trabalhista. Inclusive o STF decidiu, em 10/12/2020, que compete à Justiça comum processar e julgar demandas em que se discute o recolhimento e o repasse de contribuição sindical de servidores públicos regidos pelo regime estatutário (RE 1.089.282). Na mesma linha, em 2019 o STF entendeu que a Justiça comum também será competente para processar e julgar causa de servidor público municipal admitido mediante aprovação em concurso público sob o regime da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e que, posteriormente, passou a ser regido pelo estatuto dos servidores públicos municipais. Como o vínculo do servidor com a administração pública é 82 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 136 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 estatutário, a competência para julgar a causa é da justiça comum, ainda que as verbas requeridas sejam de natureza trabalhista e relativas ao período anterior à alteração do regime de trabalho (CC 8.018). 2.2.2. Empregados públicos O empregado público tem uma relação empregatícia, sendo submetido à legislação trabalhista. É uma relação de trabalho regida pela CLT. Antigamente entendia-se que havendo uma desavença com seu empregador, o caso seria julgado pela Justiça de Trabalho. Era o posicionamento do STJ, no Conflito de Competência n.º 153.155-RN e de acordo com a ADI 3.395. A jurisprudência foi recentemente revista. Para o STF, agora, a natureza jurídica do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista. Logo a justiça comum é competente para processar e julgar ação em que se discute a reintegração de empregados públicos dispensados em face da concessão de aposentadoria espontânea (STF, RE 655.283/DF, julgado em 16.06.2021). Na mesma linha a justiça comum julgará a greve do servidor público, seja ele estatutário ou celetista (RE 846.854/SP). 2.2.3. Servidores temporários O concurso público é a forma determinada pela CF/88 para a seleção e contratação de pessoal na Administração Pública. Mas há a previsão de duas hipóteses de contratação sem concurso prévio: as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, inciso II); e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). A Lei n.º 8.745/1993 regula a contratação de servidores temporários, determinando o que deve ser a necessidade temporária de excepcional interesse público. Por exemplo: situações de calamidade pública (como a COVID-19 – STJ, RMS 65.757), assistência a emergência em saúde pública, realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, admissão de professor substituto e professor visitante, entre outros. O servidor temporário encontra suas previsões na CF/88, podendo ser contratados sem concurso por um tempo determinado. O servidor temporário vai exercer uma função, mas não está vinculado a um cargo e nem a um emprego público. Sempre o que justifica a contratação de servidores temporários é a situação de necessidade temporária de excepcional interesse público. Para o STJ é possível a contratação temporária de servidor temporário, ainda que seja para o exercício de atividade permanente, desde que haja uma situação temporária de excepcional interesse público (MS 20.335-DF). Já o STF entende que o art. 37, IX, da CF/88 autoriza que a Administração Pública contrate pessoas, sem concurso público, tanto para o desempenho de atividades de caráter eventual, temporário ou excepcional, como também para o desempenho das funções de caráter regular e permanente, desde que indispensáveis ao atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. (ADI 3068). Servidor temporário deverá ser julgado na Justiça Comum, pois o vínculo estabelecido com o Estado é de relação jurídica de direito público. Por fim, em maio de 2020, o STF decidiu que servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo: I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações. (RE 1.066.677). 137 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 2.3. Militares Os militares são agentes públicos, com previsão na CF/88, mas com regime disciplinado em lei própria. O regime jurídico pelos militares é erigido sob dois pilares hierarquia e disciplina. São direitos dos militares: • • • • 13º salário; Salário família; Gozo de férias remuneradas com um terço a mais; Direito a licença gestante e paternidade. Aos militares é vedada a sindicalização, a greve e a filiação partidária. Quanto à vedação de greve por militares, o STF estende esta vedação aos policiais civis, a despeito de a norma ser restritiva de direitos e da inexistência de óbice explícito ao policial civil (ARE 654.432). É inconstitucional lei estadual de iniciativa parlamentar que disponha sobre a concessão de anistia a infrações administrativas praticadas por policiais civis, militares e bombeiros. Trata-se de matéria reservada a iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo, uma vez que se trata de lei sobre regime jurídico dos servidores ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos (art. 61, § 1º, II “c” e “e” CF/88). Há também inconstitucionalidade material, uma vez que a norma invade matéria reservada a órgãos administrativos, contrariando o princípio da separação dos Poderes (STF, ADI 4.928/AL, julgada em 08.10.21). 2.4. Particulares em colaboração com o Poder Público São as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração. Os particulares em colaboração com o Poder Público podem ser classificados em: • Particulares que receberam uma delegação do Poder Público – é o caso dos serviços notariais (concurso de cartórios). O oficial de cartório recebe uma delegação do Estado, exercendo uma função pública em seu próprio nome. Aqui há o oficial do cartório, registrador, notarial, etc., os quais são remunerados pelo particular. • Particulares em colaboração por requisição, nomeação ou designação – são os jurados, conscritos, mesários da justiça eleitoral etc. • Gestores de negócios – trata-se de uma pessoa que assume espontaneamente o desempenho de uma função pública, pois está diante de uma situação de emergência. Não há nomeação e nem designação do Estado. Ex.: terremoto, epidemia ou inundação, o particular colabora com o Poder Público. O que une essas três classificações é o fato de que todas são particulares e remanescem particulares, mas atuam em uma função estatal. Estão aqui, também, os agentes honoríficos e os agentes credenciados. Os exemplos clássicos de agentes honoríficos são os jurados e os mesários. Se eventualmente um mesário durante a eleição agride uma pessoa que vai votar, ou falta com o seu dever e prejudica alguém, haverá uma hipótese de responsabilidade civil do Estado. Trata-se de um particular em colaboração com o Poder Público, especificamente é um agente honorífico – aquele particular só está ali em razão do Estado. Os médicos particulares que atuam no SUS são um bom exemplo de agentes credenciados. Podem ser um profissional liberal ou um empresário individual que prestam serviços ao SUS, ou mesmo empregado do hospital particular que está conveniado ao SUS. Em todos os casos o profissional de saúde pode ser 138 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 considerado agente público por se tratar de ser um agente credenciado. Assim, ainda que ele seja um particular que nunca fez concurso público e que, portanto, não está vinculado de forma mais estreita ao Estado, age naquele momento enquanto médico da rede conveniada do SUS e qualquer erro médico por ele praticado gera responsabilidade civil do Estado. Como visto acima os mais conhecidos dentre os agentes delegados são os titulares de serventias registrais e notariais (mais popularmente conhecidos como “donos de cartórios”): são agentes que não exercem cargo público, que continuam sendo particulares, mas que atuam como delegação do Estado. É o titular de uma serventia que presta serviços públicos. Nesse sentido, ele atua por conta própria, sendo responsável pelos ônus e bônus de sua atividade. Paga tributos como pessoa natural, mas atua exercendo uma função que é pública, portanto, é possível cogitar a responsabilização do Estado. Não por acaso o STF decidiu, em 2019, que Estado tem responsabilidade civil objetiva para reparar danos causados a terceiros por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções cartoriais, devendo o Poder Público ajuizar ação de regresso contra o responsável pelo dano, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. O Estado, na condição de delegante dos serviços notariais, responde objetivamente pela reparação de tais danos em decorrência do art. 37, § 6°, CF/88. Contudo na ação de regresso a responsabilidade será subjetiva. Ou seja, o Estado, para ser indenizado, deverá comprovar que o tabelião ou registrador agiu com dolo ou culpa (RE 842.846). Os agentes delegados, como os titulares de serventias registrais e notariais, não são propriamente servidores públicos, não exercem cargo público, sendo o concurso de seleção apenas uma exigência para fins de impessoalidade, para que essa delegação seja dada para quem mais merece, o que significa que essas pessoas não estão sujeitas à aposentadoria compulsória, tendo o STF pacificado a questão (ADI 2.602). Quanto aos substitutos ou interinos designados para o exercício de função notarial e registral em serventias extrajudiciais, o STF entende que deve ser observado o teto constitucional dos servidores públicos. Isso porque os interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares das serventias extrajudiciais. Os substitutos não são selecionados por concurso público, como prevê os artigos 37, inciso II, e 236, parágrafo 3º, da Constituição, para o ingresso na atividade notarial e de registro. Pelo contrário, são agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, XI, CF/88 (RE 808.202). 3. CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS 3.1. Cargo público Cargo é um local criado por lei, dentro do serviço público, que possui uma atribuição, nomenclatura e uma remuneração própria. Por exemplo concurso para o cargo de delegado de polícia civil. O cargo se subdivide em: • Cargo efetivo – é o cargo cujo provimento deriva de prévia aprovação em concurso público. • Cargo em comissão – é um cargo de livre nomeação e livre exoneração, devendo ser criados por lei, mas apenas para atribuições de direção, assessoramento ou de chefia. A CF/88 estabelece que a lei vai determinar um percentual mínimo para esses cargos em comissão que devem ser ocupados por servidores de carreira. 3.2. Emprego público Emprego público é um local no serviço público, também criado por lei, que também possui atribuição, nomenclatura e remuneração próprias. O emprego público se submete ao regime trabalhista (CLT). 139 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 É o vínculo que liga a pessoa à Administração que diferencia o emprego público do cargo público. 3.3. Função pública Função é atribuição, a atividade que o servidor faz. Existe função sem cargo e sem emprego, como é o caso do particular em colaboração com a Administração. Todo cargo possui função, mas nem toda função tem um cargo. A função pode ser conferida ao cargo, mas também pode ser conferida a alguém que desempenha uma função pública em caráter excepcional. Os cargos, empregos e as funções públicas só podem ser criados por lei. No entanto, a extinção de cargos e funções públicas, quando vagos, podem se dar por meio de decretos ou por meio de lei. São os chamados decretos autônomos, expedidos pelo chefe do Poder Executivo, já trabalhados no item sobre Poder Regulamentar. 3.3.1. Diferença entre cargo em comissão e função de confiança Funções de confiança só podem ser criadas por lei, para o desempenho de chefia, assessoramento ou direção. A diferença é que a função de confiança só pode ser desempenhada por servidor de carreira (efetivo). O cargo em comissão pode ser exercido por uma pessoa sem vínculo com a Administração ou por servidores de cargos efetivo. 4. REGIME JURÍDICO DO SERVIDOR Em primeiro lugar, o STF entende que servidor não tem direito adquirido a regime jurídico, podendo o Estado modificá-lo unilateralmente, desde que respeitado o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos (RE 563.965). O Estado poderá inclusive transformar o regime jurídico estatutário num regime jurídico celetista. Mas se o vínculo do servidor com o Estado é celetista (contratual), o Estado não pode obrigar o servidor a adotar o novo regime, pois o vínculo é contratual. Neste caso, o servidor terá a opção de mudar para o novo regime. Já o servidor estatutário não tem essa opção, não tendo direito adquirido ao regime jurídico. Cabe analisar aqui o chamado regime jurídico único, que decorre do art. 39, CF/88. Este prevê que os entes da federação deverão adotar um único regime para reger os servidores das respectivas Administrações Públicas (direta, autárquica e fundacional), devendo optar por exclusivamente o regime estatutário ou apenas o regime celetista. A CF/88 não indica, contudo, em quais situações deverá ser utilizado um ou outro regime, apenas que deverá ser único. Porém a questão está sob análise do STF. Explica-se: a EC n.º 19/1998 deu nova redação ao art. 39 CF/88, tornando possível a adoção do regime jurídico pluralizado (adoção dos dois regimes na Administração Pública, o estatutário para cargos públicos e o celetista para empregos públicos) ao suprimir a exigência de obrigatoriedade de adoção de regime único. Em seguida a lei n.º 9.962/2000 admitiu a adoção do regime celetista, além do estatutário, para a Administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Assim a União poderia, por exemplo, realizar concurso para admitir empregados celetistas para Autarquias. A EC n.º 19/1998 teve sua constitucionalidade formal contestada através da ADI n.º 2.135-4, sob a alegação que não teria sido observado o quórum mínimo de 3/5 previsto no art. 60, § 2º, CF/88. O STF, em decisão cautelar de 02/08/2007, suspendeu a eficácia da nova redação do art. 39 CF/88. A decisão precária e provisória impede a adoção do regime jurídico pluralizado a partir da data de deferimento da cautelar, e até que seja julgada em definitivo a ADI. Assim, a partir da publicação do acórdão do deferimento da medida cautelar em 07/03/2008 tornou-se inviável a contratação de pessoal pela CLT, por considerar que esta disciplina relação de caráter tipicamente privado. Porém, em nome da segurança jurídica, foram ressalvados os contratos já existentes. A medida cautelar também atingiu os casos de contratação por tempo 140 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, CF/88). Até o momento do fechamento desse capítulo a ação principal da ADI 2.135 ainda não havia sido julgada. Mas em setembro de 2020 a Min. Relatora Carmen Lúcia votou pela inconstitucionalidade da redação dada pela EC 19/1998, com efeitos ex-nunc da cautelar deferida pelo STF em 2007. Para a Relatora a EC é formalmente inconstitucional, já que não respeitou a regra de dois turnos de votação. Contudo, em 29/05/2020 o STF declarou que compete a cada Ente federativo estipular, por meio de lei em sentido estrito, o regime jurídico de seus servidores, escolhendo entre o regime estatutário ou o regime celetista. Inclusive considerou que a CF/88 não impede textualmente a possibilidade de ser adotado o regime de emprego público (celetista) para as autarquias. Assim, para que haja produção completa dos efeitos do art. 39 da CF, é indispensável que o Ente federativo edite norma específica instituindo o regime jurídico de seus servidores da Administração Direta. A ausência da lei instituidora de um único regime de servidores na Administração Direta, autárquica e fundacional, apesar de se mostrar como uma situação constitucionalmente indesejável, não possui o condão de censurar as normas que estipularem um ou outro regime enquanto perdurar essa situação de mora legislativa. (ADI 5.615) 5. CONDIÇÕES DE INGRESSO O art. 37 da CF, em seu inciso II, diz que a investidura em cargo ou emprego público dependem de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. O que não pode é haver concurso apenas por meio de títulos. Ressalva-se em relação aos cargos em comissão, que são cargos de livre nomeação e livre exoneração. O STF entende que é inconstitucional o aproveitamento de servidor, aprovado em concurso público que exigia formação de nível médio, em cargo que pressuponha escolaridade superior. O enquadramento de servidor público ocupante de cargo, cujo requisito de investidura era a formação no ensino médio, em outro que exige a formação em curso superior, constitui burla à exigência constitucional de concurso público, bem como ao disposto no art. 39, § 1º, II, da Constituição Federal (STF, RE 740.008/RR, julgado em dezembro de 2020). Assim é inconstitucional a interpretação de disposições legais que viabilizem a promoção a cargo de nível superior a servidores que ingressaram por concurso público para cargo de nível médio. A equiparação de carreira de nível médio a outra de nível superior constitui ascensão funcional, vedada pelo art. 37, II, da Constituição Federal (ADI 6.355/PE, julgada em maio de 2021). Os cargos e os empregos públicos são acessíveis aos brasileiros, sejam eles brasileiros natos ou naturalizados. Também são acessíveis aos estrangeiros na forma da lei. A CF consagra uma norma de eficácia limitada. Portanto, a admissão de estrangeiro em cargo público e em emprego público depende de regulamentação legal. A lei n.º 11.892 autoriza o ingresso de estrangeiros a cargo ou empregos públicos de professor de universidades federais ou professor de instituto federal de pesquisa científica (pesquisador). Porém o STF irá decidir se estrangeiro aprovado em concurso público para provimento de cargo de professor, técnico ou cientista em universidades e instituições de pesquisa científica e tecnológica federais tem direito à nomeação e à posse. O tema é objeto do Recurso Extraordinário 1.177.699, que, por unanimidade, teve a repercussão geral reconhecida no Plenário Virtual do Tribunal, mas ainda está pendente de julgamento. É vedada, via de regra, distinção entre brasileiro nato e brasileiros naturalizados, salvo aquelas previstas na CF e instituídas pelo poder constituinte originário. Portanto, serão somente admissíveis aos brasileiros natos os seguintes cargos: • • • • Presidente e Vice-Presidente da República; Presidente da Câmara dos Deputados; Presidente do Senado Federal; Ministro do Supremo Tribunal Federal; 141 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 • Carreira diplomática; • Oficial das Forças Armadas; • Ministro de Estado da Defesa. 6. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO O inciso III do art. 37 da CF diz que o prazo de validade do concurso público será de até 02 anos, prorrogável uma vez, por igual período. Pode ter prazo de validade de até 1 ano, podendo ser renovado por igual período. O candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previsto no edital, tem direito líquido e certo à nomeação. Já o aprovado fora do número de vagas não possui esse direito subjetivo à nomeação, mesmo que surjam novas vagas no prazo de validade do certame. No RE 598.099, decidido em repercussão geral pelo STF, chegou-se ao entendimento de que há, sim, direito subjetivo à nomeação daquele que foi aprovado dentro do número de vagas previstas no edital. O STJ entende que o candidato aprovado fora das vagas, mas classificado dentro do limite de vagas surgidas dentro do prazo e validade do concurso terá direito líquido e certo se o edital dispuser que, além das vagas previstas no edital, serão providas as vagas que vierem a existir durante a validade do concurso (RMS 37.700 e AgRg no RMS 28368/RS). O mesmo Tribunal julgou que o candidato aprovado fora das vagas passa a ter o direito subjetivo à nomeação, quando o candidato imediatamente anterior a ele for convocado para a vaga posteriormente e manifestar a desistência (AgRg no RMS 41.031/PR e STJ, AgRg no ROMS 48.266/TO). Caso haja a desistência de aprovados classificados em colocação superior ao do candidato aprovado fora do número de vagas, a expectativa de direito se transforma em direito subjetivo à nomeação, dentro do quantitativo ofertado no edital do concurso. No entanto, não existe direito líquido e certo à nomeação no caso da desistência do candidato mais bem classificado – e que deu origem à vaga para o impetrante – ocorrer após o prazo de validade do concurso (STJ, AgInt no RMS 63. 676/RS, julgado em 22/03/21). O STF já dispôs que o direito subjetivo à nomeação não tem caráter absoluto, pois excepcionalmente a Administração poderá deixar de nomear os candidatos que foram aprovados dentro do número de vagas. Mas para tal deverá cumprir os seguintes requisitos (RE 598.099): • • • • Superveniência do fato ensejador – o fato ensejador da impossibilidade de nomeação deve ter sido posterior à publicação do edital. Imprevisibilidade – a situação deve ser imprevisível à época da publicação do edital. Gravidade – os acontecimentos devem ser extremamente gravosos. Necessidade – a Administração só pode deixar de nomear os candidatos quando não existirem meios menos gravosos de lidar com a situação excepcional. Mas atenção: em 2021 o STJ decidiu que justificativas como a pandemia, crise econômica e limite prudencial atingido para despesas com pessoal não são motivos suficientes para se deixar de nomear o candidato aprovado dentro do número de vagas do concurso público. Para que a recusa à nomeação de aprovados dentro do número de vagas em concurso público seja legítima devem ficar comprovadas as situações excepcionais elencadas pelo Supremo Tribunal Federal no RE 598.099/MS, não sendo suficiente a mera alegação de estado das coisas (pandemia, crise econômica, limite prudencial atingido para despesas com pessoal), tampouco o alerta da Corte de Contas acerca do chamado limite prudencial. Para o STF a recusa à nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas deve ser a última das alternativas, somente sendo adotada quando realmente já não houver outra saída para a Administração Pública (STJ, RMS 66.316-SP, julgado em 19/10/2021). O STF ainda estabelece que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à 142 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital. São ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da Administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Ressalte-se: o candidato terá o ônus de provar a necessidade de nomeação, por exemplo apontando que o Ente está contratando terceirizados para a mesma função. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: • • • Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da Administração nos termos acima (RE 837.311). 7. CONTROLE DOS CONCURSOS PÚBLICOS No que concerne ao controle dos concursos públicos, a própria Administração o realiza em autotutela. O Poder Judiciário também poderá fazê-lo mas através de um juízo de legalidade. Não cabe ao Poder Judiciário o papel de revisor das bancas de concurso público, devendo se pautar na verificação de compatibilidade daquilo que foi cobrado e aquilo que está previsto no edital. O Judiciário não pode corrigir a questão ou apresentar padrões de respostas alternativos. Admite-se que o legislador fixe critérios limitativos quanto ao sexo e idade dos candidatos, mas para tanto é necessário que haja uma relação lógica e sejam necessários em razão das atribuições que serão exercidas. As limitações são possíveis desde que respeitem a proporcionalidade. A aferição do cumprimento dos requisitos do edital deve ser checada no momento da posse (regra geral). No caso específico dos concursos para ingresso na magistratura, o STF firmou o entendimento de que é constitucional a exigência do edital de comprovação do preenchimento dos requisitos na inscrição definitiva do concurso (RE 655.265). A exigência de exame psicotécnico é legal, desde que esteja prevista na lei e no edital. Não basta apenas que o edital exija a previsão de psicotécnico, sendo necessário que a lei faça essa previsão. O STF, na súmula 686 e posteriormente na Súmula Vinculante n.º 44, diz que só por lei pode sujeitar a exame psicotécnico candidato para determinado cargo público. Portanto, o exame psicotécnico depende de previsão legal. Na mesma linha, em 2020, o STF deliberou que não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou a ação penal, salvo se essa restrição for instituída por lei e se mostrar constitucionalmente adequada. Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou a ação penal (RE 560.900/DF). Os exames físicos são legítimos, desde que exista previsão legal e em edital e guarde relação de pertinência com as atividades que serão desenvolvidas. (STJ RMS 56.200-AgInt-EDcl/PE). Em relação à exigência de exame físico, o STF já definiu que é vedada a realização de segunda chamada, ainda que haja uma incapacidade temporária excepcional, salvo se o edital trouxer a previsão no sentido da possibilidade de admitir a segunda chamada (630.733/DF). Porém no final de 2018 o mesmo STF reconheceu o direito de candidatas gestantes à remarcação de testes de aptidão física em concursos públicos, independentemente de haver previsão no edital (RE 1.058.333). O STF entendeu o nascimento com êxito exorbita os limites individuais da genitora, alcançando a própria coletividade. Enquanto a saúde pessoal do candidato em concurso é motivo exclusivamente individual e particular, a maternidade e a família constituem direitos de 143 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 solidariedade. Por ter o Poder Constituinte estabelecido expressamente a proteção à maternidade, à família e ao planejamento familiar, a condição de gestante goza de proteção constitucional reforçada. Em razão desse amparo constitucional específico, a gravidez não pode causar prejuízo às candidatas, sob pena de ofender os princípios da isonomia e da razoabilidade. No caso de pessoa com deficiência, deve-se garantir a adaptação razoável da prova física: serão consideradas inconstitucionais tanto a interpretação que exclui o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos; bem como é inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o exercício da função pública. A exclusão da previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência viola o bloco de constitucionalidade composto pela CF/88 e pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Legislativo 186/2008), incorporada à ordem jurídica brasileira com o “status” de Emenda Constitucional. Assim o art. 3º, VI, do Decreto n.º 9.508/2018 estabelece uma faculdade em favor do candidato com deficiência, que pode fazer uso de suas próprias tecnologias assistivas e de adaptações adicionais, se assim preferir. Já o art. 4º, § 4º, do Decreto n.º 9.508/2018 — que estabelece que os critérios de aprovação nas provas físicas poderão ser os mesmos para candidatos com e sem deficiência — somente é aplicável às hipóteses em que essa exigência for indispensável ao exercício das funções próprias de um cargo público específico (STF, ADI 6.476/DF, julgada em setembro de 2021). No final de 2020 o STF decidiu que é possível a fixação de obrigações alternativas a candidatos em concursos públicos e a servidores em estágio probatório, que se escusem de cumprir as obrigações legais originalmente fixadas por motivos de crença religiosa. Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal, é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada. Nos termos do art. 5º, VIII, da Constituição Federal, é possível à Administração Pública, inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de por motivos de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada. (RE 611.874/DF). 8. RESERVA DE VAGAS Com relação à reserva de vagas para pessoas com deficiência, a CF, no art. 37, VIII, estabelece que será reservado por lei um percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência. A Lei n.º 7.852/1989 garantiu o percentual mínimo de 5% das vagas a ser destinadas às pessoas com deficiência. A Lei n.º 8.112/1990 trouxe o percentual máximo, de até 20%. Assim diante do mínimo ser 5% e se o máximo for de 20%, se existirem apenas duas vagas, não será necessário observar os percentuais. Já na hipótese de 05 vagas, uma deverá ser reservada para pessoa com deficiência. A lei n.º 12.990/2014 reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. A lei tem validade de dez anos, período contado a partir da data da sanção presidencial. A lei foi declarada constitucional pelo STF na ADC 41/DF. A Corte considerou que uma sociedade justa e solidária repousa no tratamento igualitário, sendo o sistema de cotas instrumento cabível para corrigir a notória a falta de oportunidade para os negros, concluindo que é legítima a utilização, além da autodeclaração, de 144 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 9. PROVIMENTO E VACÂNCIA a) Provimento Prover é preencher. Assim o provimento nada mais é do que o preenchimento de um cargo ou função. São tipos de provimento: • • Provimento originário – não há prévia vinculação com a Administração Pública. Provimento derivado – depende de vínculo anterior do servidor com a Administração Pública. Quando o servidor é nomeado e não toma posse, ele não será exonerado. Neste caso, a nomeação é tornada sem efeito. Por outro lado, caso o servidor tome posse, mas não entre em exercício, será exonerado. Lembre-se que posse poderá se dar por procuração, mas o exercício não. São formas de provimento: • • • • Nomeação – é a forma mais comum, ocorrendo para o provimento originário, em relação aos cargos efetivos e para os cargos em comissão. Após a nomeação, o servidor tem 30 dias para tomar posse e 15 dias para entrar em exercício, na órbita federal. Provimento vertical – o servidor ingressará no cargo em uma categoria mais elevada. Ex.: a pessoa que exercia o cargo de Juiz de Direito e é promovido a Desembargador. Readaptação – ocorre quando o servidor passa a ocupar um cargo diverso do anterior, em razão da necessidade de adequação da função com uma limitação física ou psíquica superveniente. Recondução – é o retorno do servidor estável ao cargo que anteriormente ocupava, em razão da anterior inabilitação de estágio probatório relativo a outro cargo ou porque houve a reintegração de outro servidor ao cargo que ele estava ocupando. Reconduzir é fazer voltar para o cargo que ocupava. Ou seja, é necessário que não se tenha adquirido a estabilidade no novo cargo e que tenha estabilidade no cargo anterior. Segundo o STJ, não é possível a aplicação, por analogia, do instituto da recondução previsto na lei n.º 8.112/1990 a servidor público estadual na hipótese em que o ordenamento jurídico do estado for omisso sobre essa possibilidade. A analogia das legislações estaduais e municipais com a lei n.º 8.112/1990 somente é possível se existir omissão quanto a direito de cunho constitucional autoaplicável; nesse caso seria possível a omissão da legislação estadual com a interpretação ampliativa na norma federal. Soma-se que essa também só será possível se a aplicação da legislação federal ao outro ente federativo não gerar aumento de gastos. • • • • Reintegração – é o retorno do servidor demitido ilegalmente, por força de anulação da demissão. Aproveitamento – é o reingresso de servidor que estava em disponibilidade (veja logo abaixo), sendo agora aproveitado. Por exemplo quando surge uma vaga em um cargo com a natureza e vencimento compatíveis com o cargo que o servidor ocupava antes de ter sido colocado em disponibilidade. Reversão – a reversão é o retorno à atividade do servidor aposentado, dando-se em interesse da Administração ou por conta da cessação da invalidez temporária. Quando o pedido de reversão ocorre no interesse Poder Público, só será atendido se três condições estiverem presentes: Existência de um cargo vago; 145 AGENTES PÚBLICOS • 7 FLÁVIA LIMMER o o • A aposentadoria ter sido voluntária e ter ocorrido há menos de 05 anos da solicitação da reversão; O servidor ser anteriormente estável na atividade. Transformação e reclassificação – o servidor público civil será investido em um novo cargo ou função, com diferente denominação ou enquadramento, por força da extinção do cargo ou da função que detinha. Isto é comum em procuradorias de autarquias federais que se tornam procuradorias federais. É uma forma de provimento que não está no rol da lei n.º 8.112/1990. A disponibilidade é uma garantia de inatividade remunerada. É assegurada ao servidor estável, no caso do cargo em que ocupava ser extinto ou ser declarada a desnecessidade do cargo. Nesse caso, passa à inatividade remunerada, recebendo remuneração proporcional ao tempo de serviço. b) Vacância Vacância é o fato administrativo pelo qual o servidor é destituído do cargo, surgindo uma vaga. Além das hipóteses de provimento, há a vacância, que é exatamente o oposto. A vacância ocorre justamente quando uma pessoa deixa de ocupar um cargo público, enquanto o provimento é quando ela passa a ocupar o cargo público, seja alterando de cargos dentro da administração (provimento derivado), seja tendo a possibilidade de ingressar em um cargo sem que antes ocupasse algum outro na Administração (provimento originário, como nomeação). A vacância ocorre por exoneração, demissão, promoção, readaptação, aposentadoria ou posse em outro cargo inacumulável (art. 33 da lei n.º 8112/1990). Haverá vacância quando ocorrer: • • • • • • • Exoneração – seja a pedido, ou de ofício pela Administração nos casos de cargo em comissão ou de inabilitação em estágio probatório. Demissão – é uma sanção administrativa, aplicada após um procedimento administrativo com ampla defesa e contraditório. Promoção. Readaptação – o servidor é remanejado, saindo do cargo que ocupa para ser alocado em um mais compatível com suas necessidades. Aposentadoria. Posse de outro cargo inacumulável. Falecimento do servidor. Quando a pessoa se aposenta, o cargo fica vago, pois deixa de ocupar o cargo. De igual maneira, quando é promovida, se era, por exemplo, procuradora federal de primeira categoria e passa para a segunda categoria, haverá a troca de cargo, permanece na mesma carreira, mas ascendeu de nível, vagando o cargo anterior. Por outro lado, a demissão é uma hipótese de vacância. No Direito Administrativo a palavra tem sentido diferente do Direito do Trabalho: a demissão ocorrerá quando o servidor comete algum tipo de irregularidade (um ato de corrupção ou de improbidade), e será aplicada após um procedimento administrativo disciplinar. Já quando o próprio servidor “pede para sair” trata-se de hipótese de exoneração. Importante lembrar, também, que o indivíduo que está em estágio probatório pode ser “mandado embora” sem que configure uma demissão, mas sim uma exoneração, uma vez que ainda não havia estabilidade. Portanto, caso não seja aprovado na avaliação de desempenho pode ser exonerado do serviço público. A exoneração pode ser tanto um ato de vontade do titular do cargo que deseja sair e pede a sua exoneração como, eventualmente, forma de vacância do cargo quando o indivíduo não goza de estabilidade ou vitaliciedade. Já a demissão tem um caráter punitivo. A exoneração de pessoa que não foi aprovada no 146 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 estágio probatório não se trata de uma punição, mas sim de se constatar que ela não preenche os requisitos para se tornar estável no serviço público, a fim de que ingresse de forma definitiva. Por fim, a posse em outro cargo inacumulável ocorre quando uma determinada pessoa toma posse em um cargo sem antes pedir exoneração do cargo anterior. Sendo os dois cargos inacumuláveis, o primeiro se tornará vacante. Se o indivíduo toma posse sem pedir exoneração do anterior e sendo os cargos inacumuláveis, automaticamente haverá vacância do primeiro, conforme estabelece a lei n.º 8.112/1990. De acordo com a inteligência do art. 133, o servidor tem uma espécie de boa-fé presumida: se no prazo para apresentação de resposta ele fizer opção pelo cargo que desejar, não terá, inclusive, que devolver o que recebeu de forma equivocada porque se presume a sua boa-fé, conforme dispõe o §5º. Sobre a possibilidade de acumulação de cargos confira o item 9.11. Sobre o tema vacância, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 23, que dispõe: o art. 9º, II, c/c art. 10 da lei n.º 8.112/1990 estabelece a nomeação de servidor em comissão para cargos de confiança vagos. A existência de processo seletivo por competências para escolha de servidor para cargos de confiança vagos não equipara as regras deste processo seletivo às de concurso público, nem o regime jurídico de servidor em comissão ao de servidor em caráter efetivo, quando se tratar de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira. 10. CRIAÇÃO DE CARGOS Pelo disposto no art. 169, CF/88, eventual aumento da remuneração dos servidores ou autorização para provimento de cargos, devem estar previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Não basta a previsão no orçamento, na Lei Orçamentária Anual (LOA). A Lei de Diretrizes Orçamentárias, que disciplina a edição da LOA, deve conter autorização para eventual aumento remuneratório. A LDO sempre precisa conter autorização para aumento remuneratório ou para provimento de cargos. O STF entende que é inconstitucional uma lei que conceda aumento a servidor público do Executivo federal sem iniciativa do Presidente da República (ADI 1.124). Apenas o Presidente da República tem iniciativa para propor projeto de lei com aumento remuneratório ao executivo federal. Essa regra é aplicada por simetria aos servidores dos estados, ou seja, é o Governador que possui iniciativa privativa para aumentar a remuneração dos professores da rede pública estadual, por exemplo (ADI 2872). Por outro lado, quando se tratar de criação de cargos no legislativo, cada Mesa é que deterá a iniciativa. Por exemplo, no Senado Federal será a Mesa do Senado que possuirá iniciativa para propor a criação de cargos; da mesma forma acontece com a Câmara dos Deputados, devendo a aprovação vir por meio de resolução interna de cada Casa. Quando se tratar de criação de cargos ou aumento no Poder Judiciário, os próprios Tribunais que gozam da iniciativa. Tratando da esfera federal, o STF é quem goza da iniciativa, enviando a proposta de LDO, e depois de LOA, para o Executivo. Mas essas terão que ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Na mesma linha o Procurador Geral da República, na esfera federal, é quem poderá solicitar a criação de cargos e propor aumento remuneratório no Ministério Público, nas esferas do MPU como um todo (MPT, MPM, MPDFT, MPF); já na esfera estadual será o Procurador Geral de Justiça. Possuem a iniciativa, mas a aprovação será por lei, aprovada no Poder Legislativo correspondente. 11. REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES • • Remuneração – há o pagamento de uma parcela fixa e uma parcela variável (gratificação, adicional, indenização, etc.). As parcelas fixas são chamadas de vencimento, e as variáveis são as vantagens (adicionais, gratificações etc). Quando se refere à remuneração compreende-se a parcela fixa mais a variável. Subsídios – o pagamento feito por uma parcela única. 147 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 A Constituição diz que alguns cargos necessariamente devem ser pagos por subsídio: • • • • • • • Membros do Poder Judiciário; Membros do MP; Membros do Legislativo; Membros do Tribunal de Contas; Membros da AGU; Membros da defensoria pública; Policiais. Outros cargos podem receber subsídios, mas também podem ser remunerados por vencimentos, a depender da lei regulamentadora. É importante saber que a fixação ou alteração da remuneração só pode ser feita por lei específica, com exceção dos membros do Poder Legislativo que terão suas remunerações fixadas por ato do Congresso Nacional, conforme a CF/88. A EC 19/98 proibiu qualquer vinculação ou equiparação de remuneração. Isto significa que estão vedados os denominados reajustes automáticos de vencimentos ou subsídios. A EC vedou por exemplo que o delegado de polícia tenha subsídio de 80% do subsídio do juiz. A CF/88 assegura aos servidores públicos a chamada revisão geral anual (art. 37, X). Assim a remuneração dos servidores públicos somente poderá ser fixada ou alterada por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices. Porém em 2019 e 2020 o STF interpretou o alcance do dispositivo em vários julgamentos. Foi decidido que a revisão anual da remuneração dos servidores públicos só é possível se a despesa constar da Lei Orçamentária Anual (LOA) e estiver prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Assim, a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração está condicionada a existência de prévia dotação orçamentária, suficiente para atender às projeções de despesa, e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, cumulativamente. Logo, não basta a inserção na LDO, se não há disposição expressa na LOA. Soma-se que a LDO é uma norma de orientação para a elaboração do orçamento para o ano subsequente, logo, não cria direitos subjetivos para eventuais beneficiários, tampouco exclui a necessidade de inclusão da despesa na LOA (RE 905.357). O STF também julgou que o Poder Judiciário não tem competência para determinar ao Poder Executivo a apresentação de projeto de lei que vise promover a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos nem para fixar o respectivo índice de correção. O ato de proposta de revisão anual é de iniciativa reservada ao prefeito municipal, e que a concessão da revisão afrontaria o princípio da previsão orçamentária, pois os recursos orçamentários, por serem escassos, devem ser harmonizados com outras prioridades: a reposição das perdas inflacionárias não pode ser considerada constitucionalmente obrigatória, devendo ser compatibilizada com restrições orçamentárias, ajustes fiscais e eventual compensação de outras formas de aumento remuneratório já concedidas, sobretudo em casos de escassez de recursos. Soma-se que o STF, possui diversos precedentes em que afastou o direito à reposição do valor real por perdas inflacionárias (RE 843.112). Completando o raciocínio, ainda que em outro julgado, o STF dispôs que não há afronta à garantia de irredutibilidade dos vencimentos e a regra que assegura a revisão geral anual dos servidores públicos com índice que não corresponda aos efeitos inflacionários. O art. 169, § 1º, CF/88, veda a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, sem que haja prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes. O artigo ao mesmo tempo garante a revisão, mas efetiva o seu pagamento de modo sadio às contas públicas. (ADI 5.560). Na mesma linha, o reajuste de remunerações e subsídios por lei específica tem por objeto a readequação da retribuição pecuniária devida pelo exercício de determinado cargo, ajustando-a à realidade das suas responsabilidades, atribuições e mercado de trabalho, enquanto que a revisão geral anual tem por escopo a 148 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 mera recomposição do poder aquisitivo das remunerações e subsídios de todos os servidores públicos e agentes políticos de determinado ente federativo (ADI 3.968). A Constituição fixa como teto máximo de remuneração o subsídio mensal do ministro do STF (art. 37 XI). A indenização não entra no limite do teto constitucional. Note que o subsídio de ministro do STF também é o teto para empresas públicas, sociedades de economia mista e as suas subsidiárias que recebam recursos públicos para custearem as suas despesas de pessoal e de custeio em geral (art. 37, XI, c/c art. 37, § 9,º, CF/88). Caso não haja repasse de verba governamental para o custeio de despesas, não será necessário observar a exigência do teto constitucional. Para o STF o teto constitucional remuneratório não incide sobre os salários pagos por empresas públicas e sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que não recebam recursos da Fazenda Pública (STF, ADI 6.584/DF, julgado em maio de 2021). O teto constitucional remuneratório deve incidir sobre a soma do benefício de pensão com a remuneração ou os proventos de aposentadoria recebidos pelo servidor público. Assim, ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou provento e a pensão recebida por servidor (STF, RE 602.584). É incompatível com a Constituição Federal norma estadual que institui como limite remuneratório único dos servidores públicos estaduais, o valor do subsídio dos ministros do STF. Os estados-membros devem observar o sistema dos subtetos aplicáveis no âmbito de cada um dos Poderes (art. 37, XI, CF/88) ou optar por instituir um limite remuneratório único para os servidores estaduais. Caso opte por instituir o limite único os estados-membros devem adotar como parâmetro remuneratório máximo o subsídio mensal dos desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça (STF, ADI 6.746/RO, julgada em maio de 2021). Já no âmbito municipal o teto remuneratório para os servidores (exceto os vereadores) será o subsídio do prefeito municipal (STF, ADI 6.811/PE, julgada em agosto de 2021). Por fim, é inconstitucional a vinculação de reajuste de vencimentos de servidores públicos estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária, por desrespeitar a autonomia dos entes federativos e a Súmula Vinculante n.º 42 (STF, ADI 5.584/MT, julgada em dezembro de 2021). A instituição de subtetos remuneratórios com previsão de limites distintos para as entidades políticas, bem como para os Poderes, no âmbito dos estados e do Distrito Federal não ofende o princípio da isonomia. A fixação de tetos diferenciados para União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 37, XI, CF/88) busca encorajar os entes federativos a proceder de forma particular quanto à limitação da remuneração do “seu” serviço público, visando a obter soluções compatíveis com as respectivas realidades financeiras. Prestigia a autonomia dos entes federados e a separação de poderes na medida em que poderão solucionar – conforme a peculiaridade de cada um – os limites máximos de remuneração do seu pessoal. (ADI 3.855/DF e ADI 3.872/DF, julgadas em novembro de 2021). O pagamento indevido feito ao servidor público deve ser devolvido, mesmo que decorra de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração. O servidor só não estará obrigado a realizar a devolução se demonstrar sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. No caso de devolução é legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário (STJ, REsp 1.769.306/AL, julgado em março de 2021). 12. PERDA DO CARGO DO SERVIDOR ESTÁVEL Um servidor estável pode perder o cargo público quando estiverem presentes qualquer das hipóteses do art. 41 e 169, §3º, ambos da CF/88. O art. 169, §3º, CF trata justamente sobre a possibilidade de enxugamento de despesas da máquina pública. 149 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 Segundo o art. 41, servidor poderá perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, por ter sido condenado por um crime com pena igual ou superior a um ano, com abuso do poder do cargo, como o crime de facilitação de descaminho, corrupção ou concussão, por exemplo. Também pode ser demitido mediante processo administrativo, em que lhe seja assegurada a ampla defesa – nesse caso não há necessidade de processo judicial. Ainda pode ser exonerado mediante avaliação periódica de desempenho, assegurada ampla defesa, disposição incluída pela EC 19/98 numa tentativa de desburocratizar a máquina pública, permitindo que servidores sejam exonerados quando não preenchessem certos requisitos de produtividade. O art. 169 CF/88 fixa, nos seus parágrafos 3º e 4º, a possibilidade de exoneração do servidor para conter gastos do ente federativo gastos com pessoal. Os limites de gastos com pessoal foram fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 19, LC 101/2000). A LC 178/21 determinou que para a apuração da despesa total com pessoal deve ser observada a remuneração bruta do servidor, sem qualquer dedução ou retenção, ressalvada a redução para atendimento ao disposto no art. 37, XI, CF/88. Ultrapassado o teto (de por exemplo, 50% da receita corrente líquida para a União e 60% para estados, DF e municípios), o ente federativo deve nos próximos quadrimestres, reduzir esse gasto. Mesmo sendo tema, a rigor, da disciplina Direito Financeiro, recomenda-se a leitura das Emendas à Constituição 106/2020 e 109/2021, promulgadas com o objetivo de instituir regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia e viabilizar a concessão de auxílio emergencial residual . A exoneração de pessoal seguirá uma ordem: inicialmente exonera-se pelo menos 20% dos cargos em comissão. Após parte-se para a exoneração dos que ainda não são estáveis no serviço público. Caso ainda haja um excesso de gasto com pessoal, será possível exonerar os servidores estáveis, utilizando critérios impessoais (para evitar perseguição), garantida a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço. Há lei específica que dispõe sobre a exoneração para enxugamento de máquina pública: a lei n.º 9.801/1999 estabelece requisitos mais específicos para que o servidor seja exonerado, especialmente os que ocupam carreiras com atividade exclusiva de Estado (tais como advogados públicos.) Seu art. 2º, caput, dispõe que a exoneração será por ato normativo dos Chefes de cada um dos Poderes da União, estados e municípios, devendo adotar um critério geral e impessoal. O artigo 3º estabelece que a exoneração dos servidores estáveis que desenvolvam atividades exclusivas de Estado (assim definida em lei), observará as seguintes condições: somente será admitida quando a exoneração de servidores dos demais cargos do órgão ou da unidade administrativa objeto da redução de pessoal tenha alcançado, pelo menos, trinta por cento do total desses cargos, e cada ato reduzirá em no máximo trinta por cento o número de servidores que desenvolvam atividades exclusivas de Estado. Importante lembrar que certas licenças não podem ser obtidas por servidores que estejam no estágio probatório. A lei n.º 8.112/1990 possui uma série de possibilidade de licenças e afastamento e algumas delas não podem ser obtidas durante o estágio probatório, como, por exemplo, licença para mandato classista, licença para tratar de assuntos particulares sem remuneração, licença para capacitação. O estágio será suspenso nos seguintes casos: afastamento para participar de curso de formação, licença por motivo de doença de pessoa da família, licença por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro, licença para atividade política e afastamento para servir em organismo internacional. Nesses casos o estágio é suspenso por não ser possível a avaliação de desempenho. O art. 41 CF/88 expõe que são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público O prazo trienal para aquisição de estabilidade no cargo, fixado pela EC 19/1998, é aplicável indistintamente a todos os servidores públicos (STF, ADI 2.30). Embora a jurisprudência oscile um pouco, o que prevalece é que o mero decurso do prazo de 03 anos não garante automaticamente a aprovação em estágio probatório e a estabilidade. 150 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 16, que dispõe: as hipóteses de remoção de servidor público a pedido, independentemente do interesse da Administração, fixadas no art. 36, parágrafo único, III, da Lei n.º 8.112/1990 são taxativas. Por esse motivo, a autoridade que indefere a remoção, quando não presentes os requisitos da lei, não pratica ato ilegal ou abusivo. 13. RESPONSABILIDADE DOS SERVIDORES A responsabilidade dos servidores pode ser civil, administrativa e penal. a) Reponsabilidade civil O art. 37, § 6º, CF/88 estabelece a responsabilidade objetiva da Administração Pública, na modalidade risco administrativo, pelos danos causados por seus agentes aos particulares, quando aqueles estiverem desempenhando função pública. Esta questão será aprofundada em capítulo específico mais a frente, mas é importante ter em mente que a responsabilidade civil do Estado independe da presença de um elemento subjetivo,. Já a responsabilização civil do agente estatal provocador do dano pressupõe a prova do dolo ou culpa. Caso tenha o servidor causado um dano ao particular, o administrado terá direito a responsabilidade objetiva contra o Estado. Caso condenado pelo ato praticado por seu agente o Poder Público terá, então direito de regresso contra o servidor. Mas agora a se aplicará a responsabilidade subjetiva. A parte final do parágrafo 6° do artigo 37 da CF/88 estipula que o agente causador do dano pode ser responsabilizado, e terá que ressarcir a Administração que tenha sido condenada a indenizar o particular prejudicado. Cabe ressaltar que o agente somente será responsabilizado se restar comprovado que este agiu com dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva na modalidade culpa comum). O ônus da prova será do Estado: só será assegurado o direito de regresso ao Poder Público se este comprovar a culpa do seu agente. No segundo semestre de 2019 o STF consagrou a tese da dupla garantia, entendendo que em razão do disposto no art. 37, § 6º, da CF/88, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (STF. RE 1027633/SP). Dupla garantia pois há a proteção do particular prejudicado pela responsabilidade objetiva do Estado, e também a proteção do servidor, que somente pode ser responsabilizado em regresso pelo Estado, mediante demonstração de culpa ou dolo. Assim o STF afastou o entendimento defendido pelo STJ e por Celso Antônio Bandeira de Mello, que admitiam a possibilidade de ajuizamento de ação diretamente contra o agente público. Ficou pacificado, então, que a vítima somente poderá ajuizar a ação contra o Estado (Poder Público). Se este for condenado, poderá acionar o servidor que causou o dano em caso de dolo ou culpa. O ofendido não poderá propor a demanda diretamente contra o agente público. Os danos causados pelo servidor ao particular, e já indenizados pela Administração, serão apurados por meio de processo administrativo, assegurando-se ampla defesa e contraditório. Existe controvérsia da forma como o servidor irá reparar o dano. Entende-se que os valores devem ser descontados mensalmente da remuneração dos servidores. A discussão reside no fato de que se haveria a necessidade ou não do prévio consentimento do servidor para a ocorrência do desconto em folha. A primeira corrente sustenta que é desnecessário o consentimento, bastando que o servidor seja notificado. Já a corrente dominante, aqui representada por Ronny Charles, defende que é necessário o consentimento do servidor para que se proceda a este desconto. Diante disso, se o servidor não concordar, deverá o Poder Público buscar o Poder Judiciário para efetuar a cobrança. 151 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 b) Responsabilidade administrativa Na responsabilidade administrativa o ilícito administrativo praticado pelo servidor é punido pela própria Administração Pública, através do poder disciplinar visto no item 6.4. O exercício do poder disciplinar fica sujeito ao controle exercido pelo Poder judiciário, mas apenas quanto ao controle de legalidade, e não de mérito. Isto é, o Poder Judiciário poderá anular a decisão administrativa ou o processo administrativo, não podendo substituí-lo. A responsabilidade administrativa independe da existência da responsabilidade civil ou da responsabilidade penal. Mas há certas circunstâncias em que o decidido na esfera penal surtirá efeitos na esfera administrativa, e inclusive para a civil. Segundo o STF (Informativo 816), são três as situações em que há a comunicabilidade a partir da sentença absolutória penal: • • • Quando a sentença decide pela inexistência do fato; Quando a sentença decide pela inexistência de autoria; Quando a sentença foi absolutória por provada a presença de uma excludente de ilicitude. Nesses casos, a sentença penal irá se comunicar à administrativa. c) Responsabilidade penal Decorre da prática de um ilícito penal pelo servidor no exercício de sua função ou em razão dela. São os chamados crimes próprios. São estudados em direito penal. 14. ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS A CF/88, como regra geral, veda a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas, seja na administração direta ou indireta, bem como subsidiárias, empresas controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público. O artigo 37, XVI, CF, permite que o indivíduo cumule dois cargos de professor, sendo muito comum que haja professores na rede estadual e municipal, por exemplo. Permite também que o indivíduo cumule cargo de professor com outro técnico ou científico. O científico é aquele que se exige conclusão em nível superior, que seria a hipótese de um juiz, promotor, procurador federal etc., e o técnico pode ser considerado, segundo o STJ, que exige algum tipo de formação técnica, como por exemplo técnico em edificação, técnico em contabilidade. A docência em cursos técnicos pode ser considerada cargos técnicos, ou seja, se a pessoa ocupa um cargo público de técnico em edificação, pode também ser professor de engenharia civil de uma universidade pública ou em um instituto federal de tecnologia, por exemplo. Em geral é possível cumular o cargo público com a atuação como professor em instituições privadas de ensino. O que se impede é a cumulação de cargos públicos para limitar o gasto da máquina pública e, de certa forma, uma oligarquia funcional, em que um número pequeno de pessoas ocupe vários cargos. Note, apenas, que existem funções que exigem dedicação exclusiva (como os de alguns docentes de universidades públicas). Há também a possibilidade de cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde com profissões regulamentadas. Isso é bastante comum, por exemplo médico da rede estadual ou municipal ou em dois hospitais públicos. Assim em alguns casos é possível a acumulação remunerada, desde que: • • Compatibilidade de horários; e Obedeça ao teto remuneratório. 152 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 A acumulação será possível nas seguintes situações: • • • Dois cargos de professor; Um cargo de professor e outro de técnico científico; Dois cargos ou dois empregos privativos de profissionais de saúde, que tenham profissões regulamentadas. O teto remuneratório está previsto no art. 37, XI, CF/88. O entendimento clássico é o teto deve ser aplicado mesmo quando se cumulam cargos. Nesse aspecto, há decisão do TCU (acórdão 1994/2015) e do STF (MS 24.448) no sentido que é a soma dos rendimentos que deve ser confrontada com o teto remuneratório, por força do art. 40, §11, CF/88. Essa seria a norma caso servidor que receba seu salário já no valor do teto, tal como um Ministro do STF, seja contratado também como professor de uma universidade federal. Se entendeu, durante muito tempo, que o teto já seria a remuneração dele como ministro, ou seja, já ganha o máximo que um servidor público pode ganhar no Brasil. Em outras palavras, ser professor de uma universidade pública seria uma hipótese em que teria que trabalhar de graça. Porém o STF em 2017 adotou posição oposta, entendendo que, se a constituição permite a cumulação desses dois cargos, o teto deve ser aferido individualmente em relação a cada um deles. Assim nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público. (REs 602.043 e 612.975). Supondo que o teto seja de 36 mil, e que o servidor já receba isso, não pode ganhar mais de R$36 mil em nenhum dos dois cargos, cada um. Mas a soma dos dois pode ser mais de R$36 mil. O teto deve ser aferido em relação a cada cargo individual, porque a cumulação nesse caso é permitida pela Constituição. A vedação à cumulação é a remunerada. Se não houver remuneração, segundo precedentes do STF, a cumulação não remunerada é permitida. Exemplo do caso de um delegado que exercia determinado cargo sem remuneração e esse cargo era uma das hipóteses de vedação. Ele pediu licença do primeiro cargo para assumir o segundo cargo, de delegado, e o STF entendeu que essa cumulação seria permitida, pois o que se veda é que o indivíduo seja remunerado por vários cargos. Se a cumulação não é remunerada é permitida (RE 646.260). Outra limitação imposta pela CF/88, no art. 37, XVI, veda a acumulação de cargos públicos exceto quando houver compatibilidade de horário. Em 2018 o STF entendeu que a acumulação lícita de cargos acumuláveis não se encontra limitada ao patamar de 60 horas semanais pois inexiste tal requisito na Constituição Federal (RE 1.094.802 AgR), entendimento que passou a ser adotado pelo STJ, derrubando o adotado anteriormente por esta corte, no ano seguinte (REsp 1.767.955/RJ). Vale lembrar que a Constituição admite que o servidor eleito para o cargo de vereador venha a acumular o cargo de vereador com outro cargo que ele ocupa, desde que haja a compatibilidade de horários, acumulando também as remunerações. Ex.: vereador acumulando cargo de enfermeiro do Estado. A lei n.º 8.112/1990 vai admitir, no art. 119, que o servidor possa exercer mais de um cargo de confiança ou de natureza especial interinamente, sem prejuízo das atribuições do cargo que ocupa atualmente. Nessa situação deverá exercer uma opção, ou seja, optar por uma das remunerações no período da interinidade. O art. 37, §10, da CF veda que haja a percepção simultânea de proventos de aposentadoria com a remuneração do cargo ou função pública, salvo se os dois cargos eram acumuláveis na atividade, e também salvo nos cargos eletivos e de comissão, declarados em lei de livre nomeação ou exoneração. 153 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 15. ESTABILIDADE, VITALICIEDADE E ESTÁGIO PROBATÓRIO a) Estabilidade Estabilidade é um direito outorgado ao servidor estatutário, que tenha sido nomeado em razão de concurso público, sendo um direito de permanecer no serviço público após o prazo de três anos de efetivo exercício. Isso vai depender da avaliação especial de desempenho, por meio da comissão de estágio probatório. O art. 41 CF/88 expõe que são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público O prazo trienal para aquisição de estabilidade no cargo, fixado pela EC 19/1998, é aplicável indistintamente a todos os servidores públicos (STF, ADI 230). Embora a jurisprudência oscile um pouco, o que prevalece é que o mero decurso do prazo de 03 anos não garante automaticamente a aprovação em estágio probatório e a estabilidade. O art. 19 do ADCT traz um outro caso de estabilidade, estabelecendo que também são considerados estáveis todos os servidores públicos civis que sejam federais, estaduais, municipais, da administração direta ou indireta, que estivessem em exercício há pelo menos 05 anos da data da promulgação da Constituição, ainda que tenham ingressado no serviço público sem concurso. José dos Santos Carvalho Filho chama isso de estabilização. Não fazem jus à estabilidade os empregados públicos. Há um precedente antigo do STF estabelecendo que não se aplica a empregado de sociedade de economia mista, regido pela CLT, o disposto no art. 41 da CF, o qual somente disciplina a estabilidade dos servidores públicos civis. Ademais, não há ofensa aos princípios de direito administrativo previstos no art. 37 da Carta Magna, porquanto a pretendida estabilidade não encontra respaldo na legislação pertinente, em face do art. 173, § 1º, da Constituição, que estabelece que os empregados de sociedade de economia mista estão sujeitos ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas (AI 660.311 AgR). O STF entende que empregados de empresas públicas e sociedades de economia que prestem serviço público não tem estabilidade (AI 468.580 AgR), mas esses servidores devem ser demitidos motivadamente. A falta de motivação é vício insanável, sendo nulo o ato de demissão. Destaque-se a Súmula 650 do STJ, aprovada em 30/09/2021: a autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão quando caracterizadas as hipóteses previstas no artigo 132 da lei n.º 8.112/1990. Adquirida estabilidade, o servidor só poderá ser demitido nas seguintes hipóteses: • • • • Se houver decisão judicial transitada em julgado; Se houver um processo administrativo disciplinar; Se demonstrar insuficiência de desempenho, através de avaliação periódica; Necessidade de adequação de gastos de pessoal nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 37, que dispõe: a estabilidade do servidor titular de cargo público efetivo depende da reunião de dois requisitos cumulativos: (i) o efetivo desempenho das atribuições do cargo pelo período de 3 (três) anos; e (ii) a confirmação do servidor no serviço mediante aprovação pela comissão de avaliação responsável (art. 41, caput e § 4º, da CF c/c arts. 20 a 22 da Lei n. 8.112/1990). Assim, não há estabilização automática em virtude do tempo, sendo o resultado positivo em avaliação especial de desempenho uma condição indispensável para a aquisição da estabilidade. 154 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 b) Vitaliciedade A vitaliciedade é uma garantia conferida aos membros da magistratura, MP e Tribunal de Contas. Aqueles que possuem vitaliciedade só perderão o cargo por meio de sentença judicial transitada em julgado. A para os que ingressaram por concurso público a vitaliciedade é adquirida após 02 anos de exercício, quando adquirida em primeiro grau. Membros de segundo grau, nomeados pelo quinto constitucional, ministros de Tribunal Superior e ministros do STF vão adquirir essa vitaliciedade no momento em que tomam posse (investidura). Os membros dos tribunais de contas também adquirem a vitaliciedade com a investidura no cargo. c) Estágio probatório O estágio probatório é o período em que o servidor será avaliado quanto aos requisitos necessários para o desempenho do cargo. A EC 19/98 alterou o art. 41 CF/88 e aumentou para 03 anos o prazo para que o servidor estatutário adquira a estabilidade. O entendimento que prevalece é de que é indissociável o prazo da estabilidade do estágio probatório, razão pela qual ele terá o mesmo prazo. 16. DIREITO DE GREVE Os servidores públicos possuem direito à greve. Segundo a CF, o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica (art. 37, VII). Esta lei, até o presente momento, não foi editada. O art. 37, VII, CF/88 não possui eficácia plena, exigindo a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Como esta não foi editada, o STF consolidou, nos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, o entendimento que, mesmo sem haver lei, os servidores públicos podem fazer greve, devendo ser aplicadas as leis que regulamentam a greve para os trabalhadores da iniciativa privada (Lei n.º 7.701/88 e Lei n.º 7.783/89). Este é o entendimento do STF. Nem sempre a greve será permitida. Categorias militares, inclusive o corpo de bombeiros e as polícias militares, são consideradas essenciais e este direito é portanto mitigado (art. 142, da CF/88). Para os demais servidores o direito de greve é possível. Ainda assim é possível que, diante do caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao juízo competente a fixação de regime de greve mais severo, em razão de tratarem de "serviços ou atividades essenciais". São requisitos para a deflagração de uma greve no serviço público: • • • • • • • Tentativa de negociação prévia, direta e pacífica; Frustração ou impossibilidade de negociação ou de se estabelecer uma agenda comum; Deflagração após decisão assemblear; Comunicação formal aos interessados, no caso, ao ente da Administração Pública a que a categoria se encontre vinculada e à população, com antecedência mínima de 72 horas (uma vez que todo serviço público é atividade essencial); Adesão ao movimento por meios pacíficos; Necessidade da paralisação deverá ser parcial, assegurando o funcionamento dos serviços essenciais em cota mínima; A paralisação dos serviços (quaisquer que sejam) pode ser apenas parcial. A regularidade na prestação deve ser mantida, especialmente visando suprir as necessidades urgentes da população, sob pena de configurar abuso de direito. Caso os servidores públicos realizem greve, a Administração Pública, em regra, deverá descontar da remuneração os dias em que eles ficaram sem trabalhar, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar 155 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público (STA 867 MC). Vale lembrar que os dias em que o trabalhador fica afastado do serviço com o objetivo de participar da greve são considerados pela legislação como período de suspensão do contrato de trabalho. O contrato de trabalho pode sofrer a paralisação temporária de seus efeitos, embora mantenha a sua vigência. Essa paralisação pode ser classificada como suspensão ou interrupção: • • Suspensão (total) – não há trabalho, não há pagamento de salários, não há contagem do tempo de serviço e não há recolhimento fundiário ou mesmo previdenciário. Interrupção (parcial) – não há trabalho, há pagamento de salários, há contagem do tempo de serviço e há recolhimento fundiário ou mesmo previdenciário. Quando a lei classifica a greve como hipótese de suspensão do contrato de trabalho, ela está dizendo que não haverá trabalho, e que também não haverá pagamento de salários. O administrador público não poderá deixar de descontar da remuneração do servidor os dias em que ele ficou sem trabalhar fazendo greve. Caso não haja o desconto dos dias paralisados, isso representará: • • • Enriquecimento sem causa dos servidores que não trabalharam; Violação ao princípio da indisponibilidade do interesse público; Violação ao princípio da legalidade. Não poderá ser feito o desconto se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público. Considera-se assim aquelas circunstâncias em que o ente da administração tenha contribuído, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorresse. Ex: não haverá desconto se a greve tiver sido provocada por atraso no pagamento aos servidores públicos ou se houver outras circunstâncias excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação funcional ou de trabalho. Em vez de realizar o desconto, é possível que os servidores públicos façam a compensação dos dias parados (ex: trabalhando duas horas a mais por dia). Ressalte-se, contudo, que não há uma obrigatoriedade da Administração Pública aceitar a compensação. Todavia, o STF decidiu que não se mostra razoável a possibilidade de desconto em parcela única sobre a remuneração do servidor público dos dias parados e não compensados provenientes do exercício do direito de greve (Inf. 592). Assim o desconto dos dias parados pode ser feito de forma parcelada. Por tudo isso, o STF entendeu que a Administração Pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre. É permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público. Foi decidido que não há necessidade de processo administrativo prévio para realizar descontos na remuneração do servidor, em razão de dias parados decorrentes de greve. Por fim lembre-se que as questões envolvendo greve do servidor público, seja ele estatutário ou celetista, serão julgadas pela justiça comum estadual ou federal (STF, RE 846.854/SP). 17. TESES DO STJ: CONCURSO PÚBLICO, SERVIDORES Por fim, seguem as teses do STJ sobre os temas abordados no capítulo. 17.1. Concurso Público 1) O Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora do certame e tampouco se imiscuir nos critérios de atribuição de notas e de correção de provas, visto que sua atuação se restringe ao controle jurisdicional da legalidade do concurso público e da observância do princípio da vinculação ao edital. 156 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 2) A divulgação, ainda que a posteriori, dos critérios de correção das provas dissertativas ou orais não viola, por si só, o princípio da igualdade, desde que os mesmos parâmetros sejam aplicados uniforme e indistintamente a todos os candidatos. 3) O provimento originário em concurso público não permite a invocação do instituto da remoção para acompanhamento de cônjuge ou companheiro, em razão do prévio conhecimento das normas expressas no edital do certame. 4) A administração pública pode anular, a qualquer tempo, o ato de provimento efetivo flagrantemente inconstitucional, pois o decurso do tempo não possui o condão de convalidar os atos administrativos que afrontem a regra do concurso público. 5) A investidura em cargo público efetivo submete-se a exigência de prévio concurso público, sendo vedado o provimento mediante transposição, ascensão funcional, acesso ou progressão. *(VIDE SÚMULA VINCULANTE N. 43/STF) 6) Na hipótese de abertura de novo concurso público dentro do prazo de validade do certame anterior, o termo inicial do prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança por candidatos remanescentes é a data da publicação do novo edital. 7) A nomeação ou a posse tardia de candidato aprovado em concurso público, por força de decisão judicial, não configura preterição ou ato ilegítimo da Administração Pública a justificar uma contrapartida indenizatória, salvo situação de arbitrariedade flagrante. 8) A nomeação tardia de candidatos aprovados em concurso público, por meio de decisão judicial, à qual atribuída eficácia retroativa, não gera direito às promoções e às progressões funcionais que alcançariam caso a nomeação houvesse ocorrido a tempo e a modo. 9) A vedação de execução provisória de sentença contra a Fazenda Pública inserida no art. 2º-B da Lei n. 9.494/1997 não incide na hipótese de nomeação e de posse em razão de aprovação em concurso público. 10) A contratação de servidores sem concurso público, quando realizada com base em lei municipal autorizadora, descaracteriza o ato de improbidade administrativa, em razão da ausência de dolo genérico do gestor público. 11) O titular da conta vinculada ao FGTS tem o direito de sacar o saldo respectivo quando declarado nulo seu contrato de trabalho por ausência de prévia aprovação em concurso público. (Súmula n. 466/STJ) 12) O candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital tem direito subjetivo a ser nomeado no prazo de validade do concurso. 13) A desistência de candidatos convocados, dentro do prazo de validade do concurso, gera direito subjetivo à nomeação para os seguintes, observada a ordem de classificação e a quantidade de vagas disponibilizadas. 14) A abertura de novo concurso, enquanto vigente a validade do certame anterior, confere direito líquido e certo a eventuais candidatos cuja classificação seja alcançada pela divulgação das novas vagas. 15) O candidato aprovado fora do número de vagas previsto no edital possui mera expectativa de direito à nomeação, que se convola em direito subjetivo caso haja preterição na convocação, observada a ordem classificatória. 16) A simples requisição ou a cessão de servidores públicos não é suficiente para transformar a expectativa de direito do candidato aprovado fora do número de vagas em direito subjetivo à nomeação, porquanto imprescindível a comprovação da existência de cargos vagos. 17) O candidato aprovado fora do número de vagas previsto no edital possui mera expectativa de direito à nomeação, que se convola em direito subjetivo caso haja preterição em virtude de contratações precárias e comprovação da existência de cargos vagos. 18) Não ocorre preterição na ordem classificatória quando a convocação para próxima fase ou a nomeação de candidatos com posição inferior se dá por força de cumprimento de ordem judicial. 19) A surdez unilateral não autoriza o candidato a concorrer às vagas reservadas às pessoas com deficiência. 157 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 20) Deverão ser reservadas, no mínimo, 5% das vagas ofertadas em concurso público às pessoas com deficiência e, caso a aplicação do referido percentual resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente, desde que respeitado o limite máximo de 20% das vagas ofertadas, conforme art. 37, §§ 1º e 2º, do Decreto n. 3.298/99, e art. 5º, §2º, da Lei n. 8.112/90. 21) O candidato sub judice não possui direito subjetivo à nomeação e à posse, mas à reserva da respectiva vaga até que ocorra o trânsito em julgado da decisão que o beneficiou. 22) A nomeação ou a convocação para determinada fase de concurso público após considerável lapso temporal entre uma fase e outra, sem a notificação pessoal do interessado, viola os princípios da publicidade e da razoabilidade, não sendo suficiente a publicação no Diário Oficial. 23) Não se aplica a teoria do fato consumado na hipótese em que o candidato toma posse em virtude de decisão liminar, salvo situações fáticas excepcionais. 24) É legítimo estabelecer no edital de concurso público critério de regionalização. 25) É legítimo estabelecer no edital de concurso público limite de candidatos que serão convocados para as próximas etapas do certame (Cláusula de Barreira). 26) O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público. (Súmula n. 266/STJ) 27) Nos concursos públicos para ingresso na Magistratura ou no Ministério Público a comprovação dos requisitos exigidos deve ser feita na inscrição definitiva e não na posse. 28) A prorrogação do prazo de validade de concurso público é ato discricionário da Administração, sendo vedado ao Poder Judiciário o reexame dos critérios de conveniência e oportunidade adotados. 29) A Administração atua com discricionariedade na escolha das regras do edital de concurso público, desde que observados os preceitos legais e constitucionais. 30) A exoneração de servidor público em razão da anulação do concurso pressupõe a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 31) O candidato que possui qualificação superior à exigida no edital está habilitado a exercer o cargo a que prestou concurso público, nos casos em que a área de formação guardar identidade. 32) O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de anular concurso realizado sem a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal. 33) A nomeação tardia do candidato por força de decisão judicial não gera direito à indenização. 34) O servidor não tem direito à indenização por danos morais em face da anulação de concurso público eivado de vícios. 35) O militar aprovado em concurso público e convocado para a realização de curso de formação tem direito ao afastamento temporário do serviço ativo na qualidade de agregado. 36) O provimento originário de cargos públicos deve se dar na classe e padrão iniciais da carreira, conforme a legislação vigente na data da nomeação do servidor. 37) A Administração Pública pode promover a remoção de servidores concursados, sem que isso caracterize, por si só, preterição aos candidatos aprovados em novo concurso público. 38) Há preterição de candidatos aprovados se as vagas regionalizadas estabelecidas no edital de concurso público forem preenchidas por remoção lançada posteriormente ao início do certame. 39) O candidato aprovado dentro do número de vagas que requer transferência para o final da lista de classificados passa a ter mera expectativa de direito à nomeação. 40) A banca examinadora pode exigir conhecimento sobre legislação superveniente à publicação do edital, desde que vinculada às matérias nele previstas. 158 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 41) O Poder Judiciário não analisa critérios de formulação e correção de provas em concursos públicos, salvo nos casos de ilegalidade ou inobservância das regras do edital. 42) A limitação de idade, sexo e altura para o ingresso na carreira militar é válida desde que haja previsão em lei específica e no edital do concurso público. 43) Somente a lei pode estabelecer limites de idade nos concursos das Forças Armadas, sendo vedado, diante do princípio constitucional da reserva legal, que a lei faculte tal regulamentação a atos administrativos expedidos pela Marinha, Exército ou Aeronáutica. 44) A aferição do cumprimento do requisito de idade deve se dar no momento da posse no cargo público e não no momento da inscrição. 45) O edital é a lei do concurso e suas regras vinculam tanto a Administração Pública quanto os candidatos. 46) O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes. (Súmula n. 377 do STJ) 47) A exigência de exame psicotécnico é legítima quando prevista em lei e no edital, a avaliação estiver pautada em critérios objetivos e o resultado for público e passível de recurso. 48) Constatada a ilegalidade do exame psicotécnico, o candidato deve ser submetido a nova avaliação, pautada por critérios objetivos e assegurada a ampla defesa. 49) A exigência de teste de aptidão física é legítima quando prevista em lei, guardar relação de pertinência com as atividades a serem desenvolvidas, estiver pautada em critérios objetivos e for passível de recurso. 50) É vedada a realização de novo teste de aptidão física em concurso público no caso de incapacidade temporária, salvo previsão expressa no edital. 51) É possível a realização de novo teste de aptidão física em concurso público no caso de gravidez, sem que isso caracterize violação do edital ou do princípio da isonomia. 52) O candidato não pode ser eliminado de concurso público, na fase de investigação social, em virtude da existência de termo circunstanciado, inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado ou extinta pela prescrição da pretensão punitiva. 53) O entendimento de que o candidato não pode ser eliminado de concurso público, na fase de investigação social, em virtude da existência de termo circunstanciado, inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado ou extinta pela prescrição da pretensão punitiva não se aplica aos cargos cujos ocupantes agem stricto sensu em nome do Estado, como o de delegado de polícia. 54) O candidato pode ser eliminado de concurso público quando omitir informações relevantes na fase de investigação social. 55) O termo inicial do prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança, na hipótese de exclusão do candidato do concurso público, é o ato administrativo de efeitos concretos e não a publicação do edital, ainda que a causa de pedir envolva questionamento de critério do edital. 56) O termo inicial do prazo decadencial para a impetração de mandado segurança, na hipótese em que o candidato aprovado em concurso público não é nomeado, é o término do prazo de validade do concurso. 57) O encerramento do concurso público não conduz à perda do objeto do mandado de segurança que busca aferir suposta ilegalidade praticada em alguma das etapas do processo seletivo. 17.2. Servidores 1) A Justiça do Trabalho não tem competência para decidir os feitos em que se discutem critérios utilizados pela administração para a seleção e a admissão de pessoal em seus quadros, uma vez que envolve fase anterior à investidura no emprego público. 159 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 2) Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar demandas visando a obtenção de prestações trabalhistas, nas hipóteses em que o trabalhador foi admitido na administração pública pelo regime celetista, antes da Constituição Federal de 1988 e sem concurso público. 3) As contratações temporárias celebradas pela administração pública, na vigência da Constituição Federal de 1988, ostentam caráter precário e submetem-se à regra do art. 37, inciso IX, não sendo passíveis de transmutação de sua natureza eventual pelo decurso do tempo. 4) Não ocorre a decadência administrativa prevista no art. 54 da Lei n. 9.784/1999 em situações de evidente inconstitucionalidade, como é o caso de admissão de servidores sem concurso público. 5) Não é possível estender a estabilidade excepcional do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT aos servidores contratados sem concurso público após a promulgação da Constituição Federal de 1988. 6) A contratação de servidores temporários ou o emprego de servidores comissionados, terceirizados ou estagiários, por si sós, não caracterizam preterição na convocação e na nomeação de candidatos advindos de concurso público, tampouco autorizam a conclusão de que tenham automaticamente surgido vagas correlatas no quadro efetivo, a ensejar o chamamento de candidatos aprovados em cadastro de reserva ou fora do número de vagas previstas no edital. 7) Ocorrida a vacância na titularidade da serventia extrajudicial na vigência da atual Constituição Federal, o provimento de novo titular deve ser realizado por meio de concurso público, nos termos do art. 236, § 3º, da CF/1988. 8) O direito à liberdade de crença, assegurado pela Constituição, não pode criar situações que importem tratamento diferenciado – seja de favoritismo, seja de perseguição – em relação a outros candidatos de concurso público que não professam a mesma crença religiosa. 9) É ilegítima a previsão de edital de concurso público que exige o prévio registro na Delegacia Regional do Trabalho como condição para que os graduados em Letras ou em Secretariado Bilíngue exerçam a atividade de Secretário-Executivo. 10) A investigação social em concursos públicos, além de servir à apuração de infrações criminais, presta-se a avaliar idoneidade moral e lisura daqueles que desejam ingressar nos quadros da administração pública. 11) Em concursos públicos, a inaptidão na avaliação psicológica ou no exame médico exige a devida fundamentação. 12) É indevida a acumulação de proventos de duas aposentadorias, de cargos públicos não acumuláveis na atividade, ainda que uma delas seja proveniente do reingresso no serviço público mediante aprovação em concurso, antes da Emenda Constitucional n. 20/98. 17.3. Remuneração 1) A lei que garanta aos servidores públicos o direito à revisão geral anual dos seus vencimentos (art. 37, X, da Constituição Federal), tem natureza constitucional, razão pela qual não pode ser apreciada em sede de recurso especial. 2) Não compete ao Poder Judiciário equiparar ou reajustar os valores do auxílio-alimentação dos servidores públicos. 160 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 3) É indevida a devolução ao erário de valores recebidos de boa-fé, por servidor público ou pensionista, em decorrência de erro administrativo operacional ou nas hipóteses de equívoco ou má interpretação da lei pela administração pública. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – Tema 531) 4) É de 200 horas mensais o divisor adotado como parâmetro para o pagamento de horas extras aos servidores públicos federais, cujo cálculo é obtido dividindo-se as 40 horas semanais (art. 19 da Lei n. 8.112/90) por 6 dias úteis e multiplicando-se o resultado por 30 (total de dias do mês). 5) O pagamento do adicional de penosidade (art. 71 da Lei n. 8.112/90) depende de regulamentação do Executivo Federal. 6) A incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas aos vencimentos de servidores públicos federais somente é possível até 28.2.1995, enquanto que, no interregno de 1.3.1995 a 11.11.1997 a incorporação devida seria de décimos, sendo indevida qualquer concessão a partir de 11.11.1997, data em que a norma autorizadora da incorporação foi expressamente revogada pela Medida Provisória n. 1.595-14, convertida na Lei n. 9.527/1997 (art. 15). 7) Os efeitos do Decreto n. 493/92, que regulamentou o pagamento da Gratificação Especial de Localidade – GEL, devem retroagir à data em que se encerrou o prazo de 30 (trinta) dias previsto no art. 17 da Lei n. 8.270/91. 8) É legítimo o tratamento diferenciado entre professores ativos e inativos, no que tange à percepção da Gratificação de Estímulo à Docência – GED, instituída pela Lei n. 9.678/1998, tendo em vista a natureza da gratificação, cujo percentual depende da produtividade do servidor em atividade. 9) A lei que cria nova gratificação ao servidor sem promover reestruturação ou reorganização da carreira não tem aptidão para absorver índice de reajuste geral. 10) A fixação ou alteração do sistema remuneratório e a supressão de vantagem pecuniária são atos comissivos únicos e de efeitos permanentes, que modificam a situação jurídica do servidor e não se renovam mensalmente. 11) A contagem do prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança contra ato que fixa ou altera sistema remuneratório ou suprime vantagem pecuniária de servidor público inicia-se com a ciência do ato impugnado. 12) Não cabe o pagamento da ajuda de custo prevista no art. 53 da Lei n. 8.112/90 ao servidor público que participou de concurso de remoção. 13) É devida ao servidor público aposentado a conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada, ou não contada em dobro para aposentadoria, sob pena de enriquecimento ilícito da administração. 14) O prazo prescricional de cinco anos para converter em pecúnia licença-prêmio não gozada ou utilizada como lapso temporal para jubilamento tem início no dia posterior ao ato de registro da aposentadoria pelo Tribunal de Contas. 15) Os efeitos da sentença trabalhista, quanto ao reajuste de 84,32%, referente ao IPC – Índice de Preços ao Consumidor de março de 1990, têm por limite temporal a Lei n. 8.112/90, que promoveu a transposição do regime celetista para o estatutário. 16) O termo inicial da prescrição do direito de pleitear a indenização por férias não gozadas é o ato de aposentadoria do servidor. 17) É possível a supressão do índice de 26,05% relativo à URP – Unidade de Referência de Preços de 1989 incorporado em decorrência de sentença trabalhista transitada em julgado, pois a eficácia desta está adstrita 161 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 à data da transformação dos empregos em cargos públicos e ao consequente enquadramento no Regime Jurídico Único. 18) A Vantagem Pecuniária Individual – VPI possui natureza jurídica de Revisão Geral Anual, devendo ser estendida aos Servidores Públicos Federais o índice de aproximadamente 13,23%, decorrente do percentual mais benéfico proveniente do aumento impróprio instituído pelas Leis n. 10.697/2003 e 10.698/2003. 19) Os candidatos aprovados em concurso público para os cargos da Polícia Civil do DF e da Polícia Federal fazem jus, durante o programa de formação, à percepção de 80% dos vencimentos da classe inicial da categoria. 20) É legítimo o ato da Administração que promove o desconto dos dias não trabalhados pelos servidores públicos participantes de movimento grevista. 21) É vedado o cômputo do tempo do curso de formação para efeito de promoção do servidor público, sendo, contudo, considerado tal período para fins de progressão na carreira. 22) O tempo de serviço prestado às empresas públicas e sociedades de economia mista somente pode ser computado para efeitos de aposentadoria e disponibilidade. 23) O direito de transferência ex officio entre instituições de ensino congêneres conferido a servidor público federal da administração direta se estende aos empregados públicos integrantes da administração indireta. 24) Os efeitos da sentença trabalhista têm por limite temporal a Lei n. 8112/90, que promoveu a transposição do regime celetista para o estatutário, inexistindo violação à coisa julgada, ao direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade de vencimentos. 25) A pensão por morte do servidor público federal é devida até a idade limite de 21 (vinte e um) anos do dependente, salvo se inválido, não cabendo postergar o benefício para os universitários com idade até 24 (vinte e quatro) anos, ante a ausência de previsão normativa. 26) Não é possível o registro de penas nos assentamentos funcionais dos servidores públicos quando verificada a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, por força do entendimento do Supremo Tribunal Federal de que o art. 170 da Lei n. 8.112/90 viola a Constituição Federal. 27) A abertura de concurso de remoção pela administração revela que a existência de vaga a ser preenchida pelo servidor aprovado é de interesse público. 28) A investidura originária não se enquadra no conceito de deslocamento para fins da concessão da licença para acompanhar cônjuge com exercício provisório. 29) É lícita a cassação de aposentadoria de servidor público, não obstante o caráter contributivo do benefício previdenciário. 11) O termo inicial para o pagamento dos proventos integrais devidos na conversão da aposentadoria proporcional por tempo de serviço em aposentadoria integral por invalidez é a data do requerimento administrativo. 12) A concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos será regulada pela Lei n. 8.213/91, enquanto não editada a lei complementar prevista no art. 40, § 4º, da CF/88. 13) A limitação da carga horária semanal para servidores públicos profissionais de saúde que acumulam cargos deve ser de 60 horas semanais. 14) O Auxiliar Local que prestou serviços ininterruptos para o Brasil no exterior, admitido antes de 11 de dezembro de 1990, submete-se ao Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (art. 243 da Lei n. 8.112/1990). 162 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 15) A Lei n. 8.112/90, quando aplicada aos servidores do Distrito Federal por força da Lei Distrital n. 197/91, assume status de lei local, insuscetível de apreciação em sede de recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 280/STF. 18. JURISPRUDÊNCIA 18.1. Súmulas STF Súmula vinculante 55: O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos. Súmula vinculante 51: O reajuste de 28,86%, concedido aos servidores militares pelas Leis 8.622/1993 e 8.627/1993, estende-se aos servidores civis do Poder Executivo, observadas as eventuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados concedidos pelos mesmos diplomas legais. Súmula vinculante 42: É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária. Súmula vinculante 37: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia. Súmula vinculante 33: Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica. Súmula vinculante 16: Os arts. 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor. Súmula vinculante 15: O cálculo de gratificações e outras vantagens não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo do servidor público. Súmula vinculante 4: Salvo os casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial. Súmula vinculante 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. Súmula 682: Não ofende a Constituição a correção monetária no pagamento com atraso dos vencimentos de servidores públicos. Súmula 359: Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários. Súmula 47: Reitor de universidade não é livremente demissível pelo presidente da república durante o prazo de sua investidura. 163 AGENTES PÚBLICOS • 7 FLÁVIA LIMMER Súmula 39: À falta de lei, funcionário em disponibilidade não pode exigir, judicialmente, o seu aproveitamento, que fica subordinado ao critério de conveniência da administração. Súmula 36: Servidor vitalício está sujeito à aposentadoria compulsória, em razão da idade Súmula 20: É necessário processo administrativo, com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso. 18.2. Súmulas do STJ Súmula 650. A autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão quando caracterizadas as hipóteses previstas no artigo 132 da Lei 8.112/1990. Súmula 635. Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido – sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar – e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção. Súmula 378. Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes. 18.3. Informativos STF Presunção de inocência e eliminação de concurso público Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou a ação penal. Com essa tese de repercussão geral (Tema 22), o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de se restringir a participação em concurso público de candidato que respondia a processo criminal (Informativo 825). Na espécie, foi inadmitida a participação de soldado da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) — acusado pela suposta prática do delito de falso testemunho — em seleção para o Curso de Formação de Cabos no Quadro de Praças Policiais e Militares Combatentes (QPPMC). O ato de exclusão do candidato foi fundamentado no edital de convocação do referido processo seletivo, que vedaria a participação de concorrente “denunciado por crime de natureza dolosa”. Em sede de mandado de segurança, o magistrado de piso assegurou a matrícula e a frequência do soldado no Curso de Formação. Posteriormente, a decisão foi mantida pelo tribunal a quo no acórdão ora recorrido. Prevaleceu o voto do ministro Roberto Barroso (relator), que assentou a necessidade de ponderação entre bens jurídicos constitucionais para a solução da controvérsia posta. Assim, a questão não poderia ser solucionada a partir de um tradicional raciocínio silogístico, ou dos critérios usuais para resolução de antinomias — hierárquico, de especialidade e cronológico —, haja vista a existência de normas de mesma hierarquia indicando soluções diferentes. Nessas situações, o raciocínio deve percorrer três etapas: a) identificar as normas que postulam incidência na hipótese; b) identificar os fatos relevantes ou os contornos fáticos gerais do problema; e c) harmonizar as normas contrapostas, calibrando o peso de cada qual e restringindo-as no grau mínimo indispensável, de modo a fazer prevalecer a solução mais adequada à luz de todo o sistema jurídico. Na espécie, de um lado, destaca-se o princípio da presunção de inocência [Constituição Federal (CF), art. 5º, LVII], reforçado pelos princípios da liberdade profissional (CF, art. 5º, XIII) e da ampla acessibilidade aos cargos públicos (CF, art. 37, I). De outro lado, ressalta-se o princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput). O ministro Roberto Barroso apresentou duas regras para a ponderação dos valores em jogo e a determinação objetiva de idoneidade moral, quando aplicável ao ingresso no serviço 164 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 público mediante concurso. A primeira, apta a estabelecer parâmetro pelo qual se pode recusar a alguém a inscrição em concurso público, é a necessidade de condenação por órgão colegiado ou de condenação definitiva. Há analogia com a Lei da “Ficha Limpa” (LC 135/2010), critério que já foi aplicado mesmo fora da seara penal. A segunda regra é a necessidade de relação de incompatibilidade entre a natureza do crime e as atribuições do cargo. Nem toda condenação penal deve ter por consequência direta e imediata impedir alguém de se candidatar a concurso público. Entretanto, para concorrer a determinados cargos públicos, pela natureza deles, é possível, por meio de lei, a exigência de qualificações mais restritas e rígidas ao candidato. Por exemplo, as carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça — Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública — e da segurança pública. O relator concluiu que a solução mediante o emprego dessas regras satisfaz o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, visto que é: a) adequada, pois a restrição imposta se mostra idônea para proteger a moralidade administrativa; b) não excessiva, uma vez que, após a condenação em segundo grau, a probabilidade de manutenção da condenação é muito grande e a exigência de relação entre a infração e as atribuições do cargo mitiga a restrição; e c) proporcional em sentido estrito, na medida em que a atenuação do princípio da presunção de inocência é compensada pela contrapartida em boa administração e idoneidade dos servidores públicos. Para ele, a negativa de provimento ao recurso é reforçada pelo fato de ter havido a suspensão condicional do processo. Não fosse o longo período entre o oferecimento da denúncia e a audiência de suspensão condicional, provavelmente o processo criminal não estaria em curso no momento em que o recorrido foi excluído do aludido curso. Informativo 965, Plenário. RE 560900/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 5 e 6.2.2020.O não encaminhamento de projeto de lei de revisão anual dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no inciso X do art. 37 da CF/88, não gera direito subjetivo a indenização. Deve o Poder Executivo, no entanto, se pronunciar, de forma fundamentada, acerca das razões pelas quais não propôs a revisão. STF. Plenário. RE 565089 /SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/9/2019 (repercussão geral – Tema 19) (Info 953). O § 4º do art. 39 da CF/88 prevê que os servidores remunerados pelo regime de subsídio recebem “parcela única” mensal, sendo “vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”. Vale ressaltar, no entanto, que o art. 39, § 4º, da CF/88 não estabelece uma vedação absoluta ao pagamento de outras verbas além do subsídio. O modelo de remuneração por subsídio tem por objetivo evitar que atividades “normais” exercidas pelo servidor público, ou seja, atividades que são inerentes ao cargo que ele ocupa (e que já são remuneradas pelo subsídio) sejam também remuneradas com o acréscimo de outras parcelas adicionais. Dito de outra forma: o subsídio remunera o servidor pelas atividades que ele realiza e que são inerentes ao seu cargo, ou seja, as atividades “normais” de seu cargo. O art. 39, § 4º proíbe que este servidor receba outras verbas (além do subsídio) para exercer essas atividades “normais”. Contudo, o art. 39, § 4º, não proíbe que o servidor receba: a) valores que não ostentam caráter remuneratório, como os de natureza indenizatória; e b) valores pagos como retribuição por eventual execução de encargos especiais não incluídos no plexo das atribuições normais e típicas do cargo considerado. O que o art. 39, § 4º, da CF/88 impede é a acumulação do subsídio com outras verbas destinadas a retribuir o exercício de atividades próprias e ordinárias do cargo. Justamente por isso, é constitucional lei estadual que preveja o pagamento de gratificação para servidores que já recebem pelo regime de subsídio quando eles realizarem atividades que extrapolam as funções próprias e normais do cargo. Essas atividades, a serem retribuídas por esta parcela própria, detêm conteúdo ocupacional estranho às atribuições ordinárias do cargo e, portanto, podem ser remuneradas por gratificação além da parcela única do subsídio, sem que isso afronte o art. 39, § 4º, da CF/88. Essa gratificação somente seria inconstitucional se ficasse demonstrado que estaria havendo um duplo pagamento pelo exercício das mesmas funções normais do cargo. STF. Plenário. ADI 4941/AL, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado 14/8/2019 (Info 947). 165 AGENTES PÚBLICOS • 7 FLÁVIA LIMMER A estabilidade especial do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não se estende aos empregados das fundações públicas de direito privado, aplicando-se tão somente aos servidores das pessoas jurídicas de direito público. O termo “fundações públicas”, utilizado pelo art. 19 do ADCT, deve ser compreendido como fundações autárquicas, sujeitas ao regime jurídico de direito público. Ex: empregados da Fundação Padre Anchieta não gozam dessa estabilidade do art. 19 do ADCT em razão de se tratar de uma fundação pública de direito privado. STF. Plenário.RE 716378/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 1º e 7/8/2019 (repercussão geral) (Info 946). 18.4. Informativos STJ A norma de edital que impede a participação de candidato em processo seletivo simplificado em razão de anterior rescisão de contrato por conveniência administrativa fere o princípio da razoabilidade. STJ. 2ª Turma. RMS 67.040-ES,Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/11/2021. Se o servidor se remover por interesse da Administração Pública, o seu cônjuge terá direito à remoção para o mesmo lugar, ainda que eles não morassem no mesmo Município antes. Havendo remoção de um dos companheiros por interesse da Administração Pública, o(a) outro(a) possui direito líquido e certo de obter a remoção independentemente de vaga no local de destino e mesmo que trabalhem em locais distintos à época da remoção de ofício. Não se trata de ato discricionário da Administração, mas sim vinculado. A remoção visa garantir à convivência da unidade familiar em face a um acontecimento causado pela própria Administração Pública. STJ. 2ª Turma. RMS 66.823-MT, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/10/2021. O candidato que possua qualificação superior àquela exigida para o cargo, no edital, tem direito de a ele concorrer. STJ. 1ª Seção. REsp 1.888.049-CE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 22/09/2021. Tratando-se da fase de investigação social para cargos sensíveis, como são os da área policial, a análise realizada pela autoridade administrativa não deve se restringir à constatação de condenações penais transitadas em julgado, englobando o exame de outros aspectos relacionados à conduta moral e social do candidato, a fim de verificar sua adequação ao cargo pretendido. Impedir que candidato em concurso público que já é integrante dos quadros da Administração prossiga no certame público para ingresso nas fileiras da Política Militar na fase de sindicância de vida pregressa, fundada em relato do próprio candidato no formulário de ingresso na corporação de que foi usuário de drogas há sete anos, acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter perpétuo, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social. STJ. 2ª Turma. AREsp 1.806.617-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 01/06/2021 A contratação temporária de terceiros para o desempenho de funções do cargo de enfermeiro, em decorrência da pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2, e determinada por decisão judicial, não configura preterição ilegal e arbitrária nem enseja direito a provimento em cargo público em favor de candidato aprovado em cadastro de reserva. STJ. 2ª Turma. RMS 65.757-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 04/05/2021. Inexiste direito adquirido para os médicos cooperados estrangeiros de permanecer nos quadros de agentes públicos da saúde pública, ainda que já tenham sido vinculados ao Projeto Mais Médicos para o Brasil. STJ. 2ª Turma. RO 213-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/12/2019 (Info 663). Info 651. MS 20.857-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por maioria, julgado em 22/05/2019, DJe 12/06/2019 O prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da conduta do servidor. 166 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 Info 646. REsp 1.767.955-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 27/03/2019, DJe 03/04/2019. A acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/1988, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais. Info 648. REsp 1.549.433-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por maioria, julgado em 09/04/2019, DJe 15/05/2019. Profissionais de empresas privadas que exerçam atividade de prevenção e combate ao incêndio podem adotar a nomenclatura "bombeiro civil". Info 645. RMS 52.622-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 26/03/2019, DJe 29/03/2019. É constitucional a remarcação de curso de formação para o cargo de agente penitenciário feminino de candidata que esteja lactante à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público. Info 658. REsp 1.666.294-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 05/09/2019, DJe 11/10/2019. A existência de condenação criminal transitada em julgado impede o exercício da atividade profissional de vigilante por ausência de idoneidade moral. Info 644. REsp 1.569.560-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. Ac. Min. Og Fernandes, por maioria, julgado em 21/06/2018, DJe 11/03/2019 O cômputo dos dez ou quinze minutos que faltam para que a "hora-aula" complete efetivamente uma "hora de relógio" não pode ser considerado como tempo de atividade extraclasse dos profissionais do magistério. QUESTÕES 1. (TJ-MS), FCC, 2020. Juan Mesquita é brasileiro naturalizado, tem 55 anos de idade e acaba de se aposentar. Antes da aposentadoria, ocupava emprego público de fisioterapeuta em Hospital Municipal. Candidatou-se em concurso público para o cargo efetivo de fiscal de rendas do Estado e foi aprovado. Sabe-se que dispõe da escolaridade exigida para o cargo, goza de boa saúde física e mental, está em dia com suas obrigações militares e eleitorais e em pleno gozo de seus direitos políticos. Considerando a situação descrita, é correto concluir que Juan a) poderá tomar posse no cargo público, desde que requeira a desaposentação em relação ao vínculo anterior. b) não poderá tomar posse no cargo público, pois se trata de cargo privativo de brasileiro nato. c) não poderá tomar posse no cargo público, pois a percepção da aposentadoria com os vencimentos do cargo implica acúmulo vedado pela Constituição Federal. d) poderá tomar posse no cargo público, pois não há nenhum impedimento para tanto. e) não poderá tomar posse no cargo público, pois ultrapassou a idade máxima exigida para vincular-se ao regime próprio de previdência dos servidores públicos. 2. (TJ-PA) CESPE/CEBRASPE, 2019. Determinado servidor público estadual possui vencimento-base inferior ao salário mínimo. Sua remuneração é complementada por meio de um abono, destinado a garantir a percepção do mínimo legal. Considerando-se os enunciados de súmula vinculante do STF, nesse caso, se for criada uma nova gratificação de desempenho aplicável a esse servidor, ela a) deverá incidir sobre o salário mínimo. b) deverá incidir sobre a soma do vencimento-base com o abono, excluídas as demais parcelas indenizatórias. c) deverá incidir sobre a remuneração bruta do servidor, excluídas apenas as parcelas de caráter transitório. d) não poderá incidir sobre o abono. e) não poderá incidir sobre o vencimento-base. 167 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 3. (TJBA) CESPE/CEBRASPE, 2019. Se os servidores estatutários de uma autarquia ambiental deflagrarem greve e pararem de trabalhar, a) a greve será, de pronto, ilegal, visto que ainda não foi editada lei que regulamente a greve no serviço público. b) a greve poderá ser considerada legal se o Estado der causa à deflagração, assim como ocorreria no caso de servidores policiais civis. c) a administração pública poderá agir discricionariamente para escolher se desconta da remuneração dos servidores os dias parados. d) a greve poderá ser declarada legal, porém a administração pública deverá, em regra, descontar da remuneração dos servidores os dias parados. e) a administração pública será obrigada, caso haja requerimento de sindicato ou associação, a promover uma compensação pelas horas não trabalhadas, evitando o desconto na remuneração dos servidores. 4. (MPE-GO) MPE-GO, 2019. Quanto ao direito de greve, a luz da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, podemos afirmar que: a) O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança. b) O direito de greve é assegurado aos integrantes da polícia civil, por serem servidores públicos e não militares, assegurados à aplicação da Lei n. 7.783/83, até que a matéria seja regulamentada por lei ordinária. c) A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralização decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, não permitida a compensação em caso de acordo. d) A Justiça Comum é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada. 5. (MPE-MT) FCC, 2019. Em matéria de servidor público: a) Não há cargo sem função, tampouco função sem cargo. b) Há distinção entre cargo e emprego público, pois o vínculo que une o servidor à Administração pública é diferente. c) Inexiste diferença entre cargo e emprego público, pois em ambos os casos o vínculo que une o servidor à Administração pública é o mesmo. d) Todo servidor público só pode ser contratado mediante concurso público de provas ou de provas e títulos, sem qualquer exceção. e) Não há previsão legal para que o servidor público seja contratado mediante concurso público de provas ou de provas e títulos COMENTÁRIOS 1. Gabarito – D a) Incorreta. Juan Mesquita não possui mais vínculo funcional, pois já está aposentado e, segundo o STF, a desaposentação não é possível (RE 381.367, RE 827.833 e RE 661.256). b) Incorreta. Conferir art. 12, § 3º CF/88. c) Incorreta. Conferir art. 37, XVI, da CF/88 c/c art. 40, § 6º CF/88. Como Juan era empregado público (celetista) sua aposentadoria será pelo Regime Geral de Previdência Social. Logo poderá tomar posse no público. d) Correta. e) Incorreta. Cf art. 40, II, da CF c/c art. 1º LC 152/2015. Veja ainda a Súmula 683 do STF. 2. Gabarito – D. a) b) c) d) Incorreta. Conferir Súmula vinculante n.º 4 STF. Incorreta. Conferir Súmula vinculante n.º 15 STF. Incorreta. Conferir Súmula vinculante n.º 15 STF. Correta. 168 FLÁVIA LIMMER AGENTES PÚBLICOS • 7 e) Incorreta. A legislação local fixará a base de cálculo a ser adotada, podendo ser o vencimento-base. Conferir art. 39 CF/88 cada Ente federativo terá competência para instituir o regime jurídico bem com os valores pecuniários a serem recebidos pelos seus servidores. 3. Gabarito – D a) Incorreta. O STF reconhece o direito de greve dos servidores, aplicando por analogia a Lei 7.783/89, no que couber. b) Incorreta. Segundo o STF o direito de greve não se estende aos policiais civis, cf. art. 142, §3º, IV, da CF/88. Ver também STF Recl. 11246 AgR/BA. c) Incorreta. Não há discricionariedade no desconto dos dias parados, segundo o STF no RE 693.456/RJ. d) Correta. e) Incorreta. Não há obrigação do Estado de possibilitar a compensação dos dias parados, é assunto passível de acordo. 4. Gabarito – A a) Correta. b) Incorreta. Segundo o STF o direito de greve não se estende aos policiais civis, cf. art. 142, §3º, IV, da CF/88. Ver também STF Recl. 11246 AgR/BA. c) Incorreta. Não há obrigação do Estado de possibilitar a compensação dos dias parados, é assunto passível de acordo. d) Incorreta. A justiça comum, federal ou estadual, é competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração pública direta, autarquias e fundações públicas. STF RE 846854/SP. 5. Gabarito – B a) Incorreta. Todo cargo público deverá ter uma função pública estipulada por lei, mas é permitida a criação de funções de confiança para o exercício de atividades de chefia, direção e assessoramento. b) Correta. c) Incorreta. O cargo público gera vínculo estatutário, enquanto o emprego público gera vínculo celetista. d) Incorreta. Conferir Art 37 II CF/88. e) Incorreta. Conferir Art 37 II CF/88. 169 FLÁVIA LIMMER 8 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 LICITAÇÕES PÚBLICAS 170 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 1. CONCEITO Segundo Ronny Charles83, a licitação é um procedimento prévio de seleção, pelo qual a Administração, através de critérios previamente estabelecidos e isonômicos, seleciona a melhor alternativa para a celebração de um contrato para a administração. Na licitação são consagrados os procedimentos administrativos para que se escolha com quem a Administração Pública irá contratar. Essa opção não pode ser feita de forma aleatória, como se particular fosse. A ideia é identificar a proposta mais vantajosa para o Poder Público, ao mesmo tempo em que se assegura a isonomia, que a Administração Pública deve guardar perante todos os cidadãos de toda a sociedade. A licitação serve para três finalidades: escolher a proposta mais profícua, garantia da isonomia no procedimento e, posteriormente com a alteração legislativa que sofreu o art. 3º da lei n.º 8.666/1993, a garantia de promoção do desenvolvimento nacional sustentável, eventualmente possibilitando como critério de desempate a escolha de empresa brasileira em detrimento de estrangeiras, para que aquele gasto público seja revertido para o próprio país com a permanência do capital no território brasileiro. Quem pode licitar? Quais são os que, em virtude da indisponibilidade do interesse público, não podem contratar com qualquer pessoa? São todas as pessoas jurídicas que compõe a administração direta e indireta. Por exemplo, os entes federados e seus órgãos, como também autarquias fundações. Lembrando que as empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) que sejam exploradoras de atividades econômicas ou prestadoras de serviços públicos, possuem regime próprio licitatório previsto na lei n.º 13.303/2016 Também já foi visto capítulo 06 que as entidades do terceiro setor, por exemplo, não têm o dever de licitar. Mas apesar de não estarem sujeitas à lei n.º 8.666/1993 é necessário respeitar o mínimo que se espera de uma entidade que deva exercer uma atividade com múnus público, devendo adotar procedimentos que permitam o atendimento ao regime jurídico administrativo, especialmente quanto a impessoalidade e a moralidade. A principal lei que rege a matéria, por enquanto, é a lei n.º 8.666/1993, sendo este um verdadeiro estatuto das licitações e contratos administrativos. Porém em breve ela será completamente substituída pela lei n.º 14.133/2021. Esta entrou em vigor na data de sua publicação, mas prevê um período de adaptação. Ou seja, a lei n.º 8.666/1993, a lei n.º 10.520/2002 (Pregão) e lei n.º 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações) ainda valerão por dois anos. Durante esse biênio o novo regime coviverá com o antigo, e a Administração poderá optar se licita através do diploma de 2021 ou dos antigos. Soma-se que os contratos administrativos serão regulados, até a sua extinção, pela lei que conduziu seu procedimento licitatório. Por exemplo, se a compra de bens foi precedida por uma licitação realizada nos moldes da lei n.º 8.666/1993, será essa lei que determinará as cláusulas do contrato até que este termine. Exatamente por isso optou-se por manter nesse livro os itens sobre a lei n.º 8.666/1993, Pregão e RDC, abordando a nova lei em item separado. Sobre o tema licitações na lei n.º 8.666/1993 a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou dois enunciados, que dispõe: Enunciado 35 . Cabe mandado de segurança para pleitear que seja obedecida a ordem cronológica para pagamentos em relação a crédito já reconhecido e atestado pela Administração, de acordo com o art. 5º, caput, da Lei n. 8.666/1993. Enunciado 36 . A responsabilidade solidária das empresas consorciadas pelos atos praticados na licitação e na execução do contrato, de que trata o inc. V do art. 33 da Lei n. 8.666/1993, refere-se à responsabilidade civil, não se estendendo às penalidades administrativas. 83 TORRES, Ronny Charles Lopes de; BARCELOS, Dawison. Licitações e Contratos nas Empresas Estatais. Salvador: Juspodivm, 2018. 171 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 2. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS O art. 22, XXVII, CF/88 outorga à União a competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitação e contratos. Assim os demais entes federativos poderão legislar sobre normas específicas sobre o tema. Caso a União não tivesse criado a lei n.º 8.666/1993 ainda assim o estado membro não poderia legislar sobre normas gerais, pois a competência não é concorrente e sim privativa. Atente-se que, naquilo que é geral, a lei que tratar de licitação terá caráter nacional, mas no que for específico terá natureza federal, regulando apenas o procedimento da União, não existindo impedimento para que exista uma regulação diversa no campo estadual ou municipal. O art. 22, XXVII, CF/88 remete ao inciso XXI do art. 37 CF/88: as obras, serviços, compra e alienações serão contratados por meio de licitação pública que vão assegurar igualdade de condições a todos os concorrentes. Dessa forma, garante-se isonomia, de forma que só é possível que se institua exigências de qualificação técnica e econômica que se mostrem indispensáveis ao cumprimento da licitação. O art. 22, XXVII, faz uma alusão ao inciso III, §1º, do art. 173 da CF. Este dispositivo diz que a lei irá estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica. Assim, para estas, aplica-se a Lei n.º 13.303/16. 3. OBJETO O objeto da licitação são as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões e permissões, locações demandadas pela Administração, quando esta for contratar com terceiros. 4. FINALIDADES DA LICITAÇÃO A licitação tem como finalidade uma contratação mais vantajosa para a Administração, e, ao mesmo tempo, respeitar o tratamento igualitário daqueles que queiram participar do processo licitatório. A lei 12.349/10 incluiu dentro dessas finalidades a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Portanto são finalidades: • • • Obter a contratação mais vantajosa para a administração; Assegurar princípio da isonomia; Promover o desenvolvimento nacional sustentável. Nos processos licitatórios poderá ser estabelecida uma margem de preferência. Será dada preferência a: • • Produtos manufaturados nacionais; Bens e serviços produzidos ou prestados por empresas com reservas de cargos para pessoas com deficiência ou para reabilitados da previdência social. É possível que haja margem de preferência adicional para os produtos manufaturados e para os serviços nacionais resultantes de desenvolvimento de inovação tecnológica realizados no Brasil. Essa margem de preferência tem como limite 25% acima do preço do produto ou do produto estrangeiro. Pode ser que o edital fixe percentual menor. 5. DESTINATÁRIOS DAS REGRAS LICITATÓRIAS Segundo o art. 1º, parágrafo único da lei n.º 8.666/1993, serão destina-se aos: • Órgãos da administração direta; 172 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER • • • • • • Fundos especiais; Autarquias; Fundações públicas; Empresas públicas; Sociedades de economia mista; Demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Não estão sujeitos ao dever de licitar: • • • Serviços sociais autônomos; Organizações sociais (OS); Organizações da sociedade civil de interesse civil (OSCIP). Como visto o capítulo 06 essas são entidades do terceiro setor, logo permite-se que se estabeleça um regulamento próprio para contratação de obras, serviços e produtos. Tais entidades, apesar de não licitarem, devem observar princípios que regem a Administração Pública no que tange aos regramentos que adotam para fins de contratação. Com relação às empresas estatais (Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista e subsidiárias) que explorem atividade econômica também não podem dispensar a obediência dos princípios licitatórios. Porém a lei não pode significar, para elas, um óbice à atividade de mercado. Parte significativa da doutrina vai dizer que essa exceção estará presente quando estivermos diante da atividade-fim. Portanto, para a atividade-fim, as empresas públicas e sociedades de economia mista estariam dispensados de observar a lei n.º 8.666/1993. Para a atividade-meio, será necessário licitar. Celso Antônio Bandeira de Mello84 aponta que: Sem dúvida, a adoção do mesmo procedimento licitatório do Poder Público seria inconveniente com a normalidade de suas atuações na esfera econômica, isto é, não seria exequível em relação aos seus rotineiros procedimentos para operar o cumprimento das atividades negociais em vista das quais foram criadas. As delongas que lhe são próprias inibiriam seu desempenho expedito e muitas vezes obstariam à obtenção do negócio mais vantajoso. Dela não haveria cogitar em tais casos. O STF entende que as empresas estatais exploradoras de atividades econômicas pode ficar submetidas a um regime diferenciado de licitação. A lei n.º 13.303/2016 trouxe exatamente novos requisitos para o afastamento da licitação e procedimentos licitatórios específicos para as empresas estatais, visando compatibilizar a necessidade de flexibilidade e competitividade com empresas privadas, com o atendimento dos princípios administrativos. 6. PRINCÍPIOS GERAIS DA LICITAÇÃO A lei de licitações, em seu art. 3º, traz os princípios básicos da licitação. Alguns já foram abordados no capítulo 02 e se recomenda a revisão, embora um breve resumo seja apresentado abaixo. Os princípios aplicáveis às licitações são os da: • • • 84 Legalidade; Impessoalidade; Moralidade; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019. 173 FLÁVIA LIMMER • • • • • LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Publicidade; Igualdade; Vinculação ao instrumento licitatório; Julgamento objetivo; Probidade. O art. 3º indica a existência de outros princípios correlatos, tais como princípio da competitividade, formalismo, obrigatoriedade da licitação, economicidade, sigilo das propostas, etc. a) Legalidade O princípio da legalidade pode ser enxergado por duas vertentes: • Vertente negativa – o administrador não poderá ir além da lei. • Vertente positiva – o administrador deve agir segundo a lei, com autorização legal. O conceito de legalidade administrativa vem evoluindo para a ideia de legitimidade, não bastando a legalidade nua e crua, sendo necessário observar a moralidade e a finalidade pública no ato administrativo. Veja o item 2.2.1. b) Impessoalidade A impessoalidade abomina os favoritismos. Quando o Poder Público contratar, deverá fazê-lo com base na melhor proposta, e não com o licitante A ou B. Quando é feito o contrato, o responsável pela licitação não está contratando em nome próprio, e sim em nome do Estado. Veja o item 2.2.2. c) Moralidade Exige que a atuação do administrador seja ética e honesta. Veja o item 2.2.3. Assim, para o STF é constitucional lei municipal que proíbe contratos entre o município e parentes (STF, RE 423.5600). O STJ julgou que a empresa que possui agente público em seus quadros é proibida de contratar com o órgão público de origem do agente, ainda que este esteja licenciado (STJ, REsp 1.607.715/AL). d) Igualdade Impede que haja uma discriminação irrazoável entre os participantes do certame. e) Publicidade É a publicidade dos atos administrativos do processo licitatório. É nulo o ato praticado em inobservância à publicidade. O art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa diz que constitui improbidade administrativa, que atenta contra os princípio administrativos, negar publicidade aos atos oficiais. Veja o item 2.2.4. f) Probidade É a moralidade qualificada, pela qual o administrador exerce as suas funções. Sobre o tema veja o capítulo sobre improbidade administrativa. 174 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 g) Vinculação ao instrumento convocatório Essa vinculação é a imposição de respeito a normas previamente estabelecidas como regras do certame, que se aplica tanto ao particular quanto à Administração Pública. Deve-se obedecer ao previsto no edital. Trata-se da famosa frase que “o edital é a lei interna da licitação”. A licitação tem como primeira manifestação externa justamente a publicação de um edital. Na fase interna abre-se um processo administrativos para se averiguar o quantitativo, a necessidade da contratação, o objeto, verificar se há condições orçamentárias de efetuar aquela contratação. Após publica-se o edital, dando início à uma fase externa, que irá chamar eventuais interessados. O edital é um instrumento convocatório que atrai os interessados para participar do procedimento licitatório e é absolutamente essencial que tenha obrigatoriedade e vinculatividade. h) Julgamento objetivo É um julgamento de acordo com os critérios estabelecidos, de forma clara e precisa, no instrumento convocatório. É necessário preservar a isonomia, bem como assegurar a vantagem para Administração Pública. Logo o julgamento deve ser objetivo, ou seja, o critério que permite aferir a proposta mais vantajosa deve ser extraído de uma forma que não dependa de valores, subjetividades pessoais comissão julgadora. A ideia é justamente permitir que, numa comparação entre a proposta ofertada pelo particular e o edital, se possa chegar de forma objetiva ao resultado. Visualizando qual é a melhor opção, sem que ao final a escolha da melhor proposta seja algo que dependa das emoções ou preferências dos envolvidos no procedimento licitatório i) Sigilo das propostas O princípio do sigilo das propostas impede que a proposta seja publicizada antes da abertura dos envelopes. Há o edital que convoca os interessados a apresentar uma proposta de fornecimento de um bem, por exemplo. É importante que essas manifestações sejam mantidas em sigilo até a efetiva abertura conjunta e pública, para que as empresas não possam combinar entre si um preço, nem mudar a proposta, ajustandoa por saber o preço da concorrente. 7. CONTRATAÇÃO DIRETA Contratação direta é a contratação sem a necessidade de licitar. A lei de licitações prevê hipóteses de contratação direta: • • Dispensa de licitação; Inexigibilidade de licitação. 7.1. Dispensa de licitação Nos casos de dispensa de licitação as hipóteses arroladas em lei são taxativas. São as situações onde a competição é possível, mas o legislador preferiu não tornar essa competição obrigatória, autorizando a contratação direta. A doutrina divide as hipóteses de dispensa em: • • Licitação dispensada; Licitação dispensável. 175 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 7.1.1. Licitação dispensada A licitação dispensada está prevista no art. 17, I e II da lei n.º 8.666/1993, em hipóteses de alienação de bens da administração. Como regra, quando os bens forem imóveis, a alienação dependerá de: • • • Autorização legislativa; Avaliação prévia; Licitação na modalidade de concorrência. Essa licitação de modalidade concorrência estará dispensada quando estiver diante de dação em pagamento, doação, permuta, entre outros casos. Apesar da alienação do imóvel, via de regra, exigir licitação na modalidade concorrência, será ela dispensada nos casos especificados em lei. Em relação aos bens móveis, a alienação dependerá de: • • Avaliação prévia; Licitação na modalidade de concorrência ou leilão. Note que não será necessária autorização legislativa. Essa licitação será dispensada quando houver doação, permuta e venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da administração pública e outros casos previstos em lei. 7.1.2. Licitação dispensável As hipóteses estão previstas nos art. 24 da lei n.º 8.666/1993. Apesar de também ser um rol taxativo, o gestor poderá entender que no caso concreto a licitação atende ao interesse público, podendo realizá-la, caso assim entenda necessário. A licitação é dispensável: • • • • Em razão do seu valor; Por razões excepcionais; Por conta do seu objeto; Em razão da pessoa. Na aquisição de serviços e obras de engenharia com valor de até 10% do convite, a licitação será dispensável. Esse percentual será de 20% do convite, se houver contratação por consórcios públicos, sociedades de economia mista, empresas públicas e autarquias e fundações qualificadas como agência executiva. (art. 24, §1º, lei n.º 8.666/1993). Em razão de causas excepcionais, objeto e pessoa, a licitação poderá ser dispensada nas hipóteses de: • Licitação deserta – é a licitação que não houve interessados, ocorrendo quando não acudirem interessados à licitação, não podendo se repetir o processo licitatório sem prejuízo para a administração. • Houver interesse de intervenção ao domínio econômico – nesses casos, em que a União age para regularizar determinado abastecimento ou regularizar os preços, a licitação será dispensável. • Houver propostas incompatíveis – a proposta será tida como incompatível quando as propostas consignam preços manifestamente superiores aos praticados no mercado. Neste caso, haverá uma renovação das propostas. Caso persista esta situação, será admitido a adjudicação direta pelo valor que não seja superior ao constante no registro de preços. 176 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • Contratação de órgãos da administração pública – bens produzidos ou serviços prestados pela administração pública, e que tenha sido criados para este fim específico, autoriza a dispensa. • Segurança nacional. • Locação de imóvel – mas para dispensar deverá obedecer alguns critérios: i) deve atingir as finalidades precípuas da administração; ii) motivos para que seja no imóvel a escolha; iii) preço compatível com o valor de mercado. • Contratação remanescente – neste caso, há uma contratação pendente de obras, serviços ou fornecimento, pois ocorreu uma rescisão contratual. Assim será chamado o segundo colocado da lista da licitação, submetendo-se este às mesmas condições do vencedor da licitação. • Compras de gêneros perecíveis – os hortifrutigranjeiros, pães etc. • Contratação de institutos de pesquisa: é necessário que a instituição não tenha fins lucrativos. Com base nisso, entende-se que é lícito a contratação de serviços organização de concurso público por meio direto. • Acordo internacional para aquisição de bens e serviços – é necessário apenas que este acordo internacional seja específico nesse sentido. • Compra de obras de arte e objetos históricos. • Impressões e serviços de informática. • Aquisição vinculada à garantia – no caso de faltar alguma peça, e para não perder a garantia fornecida pelo fabricante, seja necessário adquirir diretamente o produto com o fornecedor, visando a manutenção e reparo do bem. • Abastecimento de embarcação, aeronaves ou tropas – para padronização do material militar (bélico), salvo o de uso especial ou administrativo. • Contratação de associação de portadores de deficiência – desde que não tenha fins lucrativos. • Pesquisa e desenvolvimento – limitada, no caso de obras e serviços de engenharia, a 20% (vinte por cento) do valor de que trata a alínea “b” do inciso I do caput do art. 23 (R$ 300 mil). • Contratação de energia elétrica e gás natural – caso haja um único fornecedor de gás ou energia elétrica, a hipótese será de inexigibilidade de licitação. • Contratação de subsidiárias e empresas controladas. • Contratação de organizações sociais para prestação de serviços públicos – desde que as atividades estejam contempladas no contrato de gestão. A doutrina estende essa regra às OSCIP’s, desde que para cumprimento do termo de parceria. • Contratação de instituição científica e tecnológica – busca-se a transferência de tecnologia, sendo o licenciamento do direito de uso ou exploração de uma criação que está protegida por lei. Ressalta-se que instituição científica e tecnológica é órgão ou entidade da administração pública, tendo como missão executar atividades de pesquisa. Agência de fomento é órgão ou instituição que pode ter natureza pública ou privada, tendo como objetivo financiar o desenvolvimento da ciência, tecnologia ou inovação. • Contratação de consórcio público ou convênio de cooperação – celebrado o contrato de programa com determinado ente da federação, a contratação poderá ser feita diretamente, sem a necessidade de licitação. Lembrando que o consórcio poderá ter personalidade jurídica de direito público ou privado. • Contratação para coleta de resíduos sólidos – para contratação de coleta, processamento e da comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis e/ou reutilizáveis, será dispensável a licitação para a contratação de cooperativas, formadas por pessoas físicas de baixa renda, assim reconhecidas pelo Poder Público. 177 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • Complexidade tecnológica e defesa nacional – portanto, bens e serviços que exijam cumulativamente uma complexidade tecnológica e necessidade de garantia da defesa nacional, podem ser contratados diretamente, sem licitação. • Contingentes militares – para aquisição de bens e serviços para atender contingentes militares para realização de missão de paz no exterior. • Assistência técnica e extensão rural por meio do PRONATERRA – há uma contratação de uma instituição com fins lucrativos ou não, mas que preste serviços de assistência técnica e extensão rural no âmbito do PRONATERRA. • Estímulo à inovação científica. • Transferência de produtos estratégicos para o SUS • Contratação de entidades sem fins lucrativos para combate à seca – objetivo é implementar cisternas e outras tecnologias para obtenção de água. • Contratação direta de insumos que se mostrem estratégicos para a saúde. • Guerra. • Grave perturbação da ordem. • Emergência ou calamidade pública, caso em que será preciso licitar apenas os bens necessários àquela situação, e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídos no prazo máximo de 180 dias, contados do fato que ensejou a contratação. Importante destacar a hipótese de licitação dispensável em situações de guerra, grave perturbação da ordem, emergência ou calamidade pública, casos de comprometimento da segurança nacional. As duas primeiras se relacionam com os arts. 136 a 139 da CF/88, que regulam o sistema constitucional de crises, ou direito de auto preservação do estado. Exige-se a decretação de estado de defesa ou de sítio. Já as duas últimas se vinculam com os arts. 62 e 167, § 3º, CF/88 A decretação do estado de calamidade e de emergência geram uma exceção prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, que permite ao ente federativo realizar gastos públicos sem esclarecer de onde virá a receita para tal. O estado de emergência é preventivo, e deve ser decretado antes da confirmação da situação calamitosa; já o estado de calamidade será decretado simultaneamente a situação. Ambos são decretados pelo chefe do Poder Executivo com a autorização do Legislativo. Durante a pandemia de COVID-19 inúmeros entes federativos decretaram estado de emergência e/ou calamidade visando exatamente esta flexibilização do orçamento. Na mesma linha a lei n.º 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 determina, em seu art. 4º, hipóteses licitação dispensável: Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição ou contratação de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei. § 1º A dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. § 2º Todas as aquisições ou contratações realizadas com base nesta Lei serão disponibilizadas, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis, contado da realização do ato, em site oficial específico na internet, observados, no que couber, os requisitos previstos no § 3º do art. 8º da Lei n.º 12.527, de 18 de novembro de 2011 , com o nome do contratado, o número de sua inscrição na Secretaria da Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de aquisição ou contratação, além das seguintes informações: I – o ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato; II – a discriminação do bem adquirido ou do serviço contratado e o local de entrega ou de prestação; III – o valor global do contrato, as parcelas do objeto, os montantes pagos e o saldo disponível ou bloqueado, caso exista; 178 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 IV – as informações sobre eventuais aditivos contratuais; V – a quantidade entregue em cada unidade da Federação durante a execução do contrato, nas contratações de bens e serviços. VI – as atas de registros de preços das quais a contratação se origine. § 3º Na situação excepcional de, comprovadamente, haver uma única fornecedora do bem ou prestadora do serviço, será possível a sua contratação, independentemente da existência de sanção de impedimento ou de suspensão de contratar com o poder público. § 3º-A. No caso de que trata o § 3º deste artigo, é obrigatória a prestação de garantia nas modalidades previstas no art. 56 da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993 , que não poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor do contrato. § 4º Na hipótese de dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo, quando se tratar de compra ou de contratação por mais de um órgão ou entidade, poderá ser utilizado o sistema de registro de preços, previsto no inciso II do caput do art. 15 da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993 . § 5º Nas situações abrangidas pelo § 4º deste artigo, o ente federativo poderá aplicar o regulamento federal sobre registro de preços se não houver regulamento que lhe seja especificamente aplicável Art. 4º-A. A aquisição ou contratação de bens e serviços, inclusive de engenharia, a que se refere o caput do art. 4º desta Lei, não se restringe a equipamentos novos, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e de funcionamento do objeto contratado. Art. 4º-B. Nas dispensas de licitação decorrentes do disposto nesta Lei, presumem-se comprovadas as condições de: I – ocorrência de situação de emergência; II – necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; III – existência de risco à segurança de pessoas, de obras, de prestação de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares; e IV – limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência. Art. 4º-C. Para a aquisição ou contratação de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de saúde pública de que trata esta Lei, não será exigida a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e de serviços comuns. Soma-se a publicação da lei n.º 14.124/2021, que dispõe sobre as medidas excepcionais relativas à aquisição de vacinas e de insumos e à contratação de bens e serviços de logística, de tecnologia da informação e comunicação, de comunicação social e publicitária e de treinamentos destinados à vacinação contra a covid-19 e sobre o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. Seu art. 2º estabelece outras hipóteses de dispensa de licitação. Art. 2º Fica a administração pública direta e indireta autorizada a celebrar contratos ou outros instrumentos congêneres, com dispensa de licitação, para: I – a aquisição de vacinas e de insumos destinados à vacinação contra a covid-19, inclusive antes do registro sanitário ou da autorização temporária de uso emergencial; e II – a contratação de bens e serviços de logística, de tecnologia da informação e comunicação, de comunicação social e publicitária, de treinamentos e de outros bens e serviços necessários à implementação da vacinação contra a covid-19. § 1º A dispensa da realização de licitação para a celebração de contratos ou de instrumentos congêneres de que trata o caput deste artigo não afasta a necessidade de processo administrativo que contenha os elementos técnicos referentes à escolha da opção de contratação e à justificativa do preço ajustado. [...] Art. 3º Nas dispensas de licitação decorrentes do disposto nesta Lei, presumem-se comprovadas: I – a ocorrência de situação de emergência em saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus responsável pela covid-19 (SARS-CoV-2); 179 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER II – a necessidade de pronto atendimento à situação de emergência em saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus responsável pela covid-19 (SARS-CoV-2). Art. 4º Nas aquisições e nas contratações de que trata esta Lei, não será exigida a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns. 7.2. Inexigibilidade de licitação Na inexigibilidade, a competição é inviável. Portanto, as hipóteses que a lei traz são exemplificativas. Marçal Justen Filho85 esclarece que É inexigível a licitação quando a disputa for inviável. Havendo viabilidade de disputa é obrigatória a licitação, excetuados os casos de dispensa imposta por lei. Sob esse ângulo, a inexigibilidade deriva da natureza das coisas, enquanto que a dispensa é produto da vontade legislativa. Esse é o motivo pelo qual as hipóteses de inexigibilidade indicadas em lei são meramente exemplificativas, enquanto as de dispensa são exaustivas. São hipóteses de inexigibilidade: • Aquisição junto a um fornecedor exclusivo – é vedada a preferência por marca, mas há a possibilidade de só existir um único fornecedor. Essa exclusividade pode ser absoluta (só há um no país) ou relativa (só há um no local da licitação). • Contratação de serviços técnicos especializados – é inexigível a licitação, pois se está diante de uma situação em que há uma notória especialização do contratado e se está diante de um serviço dotado de singularidade. São dois requisitos: i) notória especialização; ii) singularidade do serviço. • Contratação de profissional do setor artístico – poderá ser feita diretamente ou pelo empresário exclusivo desse artista, desde que seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Para haver licitação é necessário que se cumpra três requisitos. Não havendo um deles, não será possível a licitação: • Pressuposto lógico – pluralidade de bens e fornecedores de bens admitem a licitação. Se o fabricante for exclusivo, mas houver mais de um fornecedor, segundo o STJ, não há inexigibilidade. • Pressuposto fático – generalidade da contratação admite a licitação. Deve haver uma contratação específica para haver a inexigibilidade. Ex.: contratação de um advogado famoso para uma causa singular. • Pressuposto jurídico – interesse público. Sempre que a licitação prejudicar o interesse público, a licitação será inexigível. Nas situações de inexigibilidade e nas situações de dispensa, caso reste comprovado que houve superfaturamento, respondem solidariamente o fornecedor, o prestador de serviços e também o agente público, sem prejuízo de outras sanções. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários pág. 233. 85 à lei de licitações e contratos administrativos. 18ª Edição. São Paulo: RT, 2019, 180 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 8. PROCEDIMENTO DA LICITAÇÃO A modalidade concorrência é a mais completa, incluindo todas as fases do processo licitatório, e será utilizada aqui para explicar o rito da licitação. Em regra, uma licitação inclui uma fase interna e outra externa. O procedimento da concorrência seguirá a seguinte ordem: • • • • • • Fase interna; Audiência pública ou publicação do edital; Habilitação das propostas; Classificação; Homologação; Adjudicação. 8.1. Fase interna Na fase interna, ou seja, antes da publicação do edital, há vários procedimentos formais importantíssimos, tais como: • • • • • • • • Solicitação da contratação; Confecção e aprovação do projeto básico; Estimativa dos gastos necessários para a contratação; Indicação dos recursos orçamentários para contratação (é dispensável, segundo o STJ); Designação da comissão ou do pregoeiro; Elaboração da minuta do edital; Exame da minuta pelo órgão de assessoramento jurídico (parecer obrigatório, não vinculante); Autorização a abertura da licitação pela autoridade competente. Na fase interna da licitação a Administração Pública define o objeto, estabelece os parâmetros da obra ou do serviço que se deseja contratar ou do bem que se deseja adquirir. Para isso ela elabora um projeto arquitetônico , o chamado projeto básico (art. 6º, IX, lei n.º 8.666/1993), que será acompanhado de um esboço orçamentário que estipula qual o valor máximo que Administração poderá gastar. Esse orçamento, em regra, é público, mas o valor máximo que a administração está disposta a gastar com aquela obra é mantido em sigilo. Após o projeto básico é editado o projeto executivo, e em seguida é executada a obra propriamente dita. O projeto executivo contém um cronograma, sendo o roteiro a ser seguido por quem irá executar a obra. O ideal é que o responsável por elaborar o projeto básico não possa, sob nenhuma hipótese, ganhar a licitação para construir, visando evitar fraudes. A regra é que poderá ser contratado somente para fiscalizar a obra. O ideal seria sempre realizar uma licitação somente para o projeto básico e outra para elaborar o projeto executivo. A lei n.º 8.666/1993, entretanto, prevê a possibilidade de que a pessoa que se sagrar vencedora na licitação também faça o projeto executivo. Quem ganha a licitação recebe uma cópia do projeto básico e, além disso, o edital pode conter cláusula que estabelece que a mesma empresa também fará o projeto executivo. O que não pode é o contratado para executar a obra elaborar também o projeto básico. 8.1.1. Comissão de licitação A comissão de licitação terá no mínimo três membros, sendo dois servidores efetivos do órgão público que está licitando. Todos os membros respondem solidariamente pelos atos praticados na licitação. 181 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Um membro poderá se exonerar da responsabilidade se ele for voto vencido numa decisão, mas deverá consigná-la em ata. Essa comissão poderá ser: • Especial – designada especialmente para a licitação. Dissolve-se após a conclusão da licitação. • Permanente – designada para o órgão, fazendo todos os processos licitatórios no período de 01 ano. É vedada a recondução de todos os membros de um ano para o outro, mas basta que altere apenas um deles para que respeite as disposições legais. 8.2. Fase externa A fase externa é inaugurada com a realização de audiência pública ou com a publicação do edital. Sempre que o valor estimado para uma licitação, ou para licitações simultâneas ou sucessivas, for superior a 100 vezes ao valor máximo estabelecido para a tomada de preços, o procedimento licitatório será iniciado obrigatoriamente com uma audiência pública, que deverá ocorrer com uma antecedência mínima de 15 dias úteis da data da publicação do edital. Este valor poderá ser para uma única licitação ou para licitações simultâneas ou sucessivas. • Licitações simultâneas – são as que têm objetos similares, mas tem uma realização prevista com intervalos não superiores a 30 dias, entre uma e outra. • Licitações sucessivas – são licitações que também têm objetos similares, mas o edital subsequente tem uma data anterior a 120 dias, após o término do contrato resultante da licitação antecedente. Há uma licitação sucessiva quando entre o término da contratação da licitação vigente (antecedente) e a publicação do novo edital há um intervalo de até 120 dias. Por isso é necessário verificar se os valores das licitações ultrapassam 100 vezes o valor máximo da tomada de preço para promover audiência pública. O edital poderá ser publicado completo ou em uma versão resumida, estando a completa disponível para consulta em versão eletrônica ou na repartição pública. A publicação será no Diário Oficial e em jornal de grande circulação. Caso a licitação seja na modalidade convite, publica-se a carta convite. 8.2.1. Publicação do instrumento convocatório Os resumos dos editais devem ser publicados ao menos uma vez no Diário Oficial da União, se for entidade federal, ou no Diário Oficial do Estado ou do DF, se a licitação tiver caráter estadual, municipal ou distrital. Ainda, publica-se ao menos uma única vez em jornal diário de grande circulação, normalmente o do Estado onde ocorre o certame. Se o município tiver um jornal de grande circulação, também será feito nesse jornal local. Na modalidade de licitação convite, não é necessária essa publicação, bastando que a unidade administrativa afixe na repartição, em local apropriado, a cópia da carta-convite. Será fixado o prazo para os interessados apresentarem suas propostas. O prazo mínimo para receber as propostas ou realizar o evento em que as propostas serão apresentadas dependerá da modalidade licitatória: • Concurso – prazo de 45 dias. • Concorrência – via de regra, o prazo é de 30 dias. Mas se for regime de empreitada integral ou do tipo melhor técnica ou técnica e preço, o intervalo será de 45 dias. 182 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • Tomada de preços – via de regra, o prazo é de 15 dias. Se a licitação for do tipo melhor técnica ou técnica e preço, o prazo é de 30 dias. • Leilão – o prazo é de 15 dias. • Pregão – o prazo é de 08 dias úteis. • Convite – o prazo é de 05 dias úteis. Esses prazos podem ser superiores, pois se trata de intervalo mínimo! Um fase possível é a de impugnação do edital. Administrativamente, qualquer cidadão interessado poderá impugnar o edital, desde que o faça até o quinto dia útil anterior à data marcada para abertura dos envelopes que contém as propostas. Sendo licitante, a impugnação poderá ser feita até o segundo dia anterior à data da abertura dos envelopes. Se houver alguma alteração no edital, deverá sempre haver nova publicação. É denominado de errata. Todavia, será preciso observar novamente o intervalo mínimo, salvo se a alteração não modificar o conteúdo das propostas. 8.2.2. Habilitação Habilitação é o momento em que será verificado se o interessado pode ou não participar da licitação. O órgão licitante vai procurar identificar a capacidade do licitante de efetivamente executar os serviços ou entregar os bens que a Administração deseja contratar. Até essa fase qualquer licitante poderá desistir da licitação. Após será necessário ter uma justificativa para o Poder Público. A lei n.º 8.666/1993 determina em seu art. 43, § 6º, que, após a fase de habilitação, não cabe desistência de licitação, salvo por motivo justo decorrente de fato superveniente e aceito pela Comissão. Vale lembrar que na tomada de preços não ocorrerá a fase de habilitação, pois os licitantes são previamente cadastrados. No entanto, a Administração poderá exigir documentos específicos. Da mesma forma, no convite não há fase de habilitação. O edital de licitação poderá dispensar um ou mais documentos de habilitação para o procedimento licitatório, quando estiver contratando com institutos de ciência e tecnologia, segundo a lei n.º 8.666/ 1993. Geralmente exige-se nessa fase as seguintes documentações: • • • • • Habilitação jurídica; Habilitação técnica; Qualificação econômico-financeira; Regularidade fiscal e trabalhista; Necessidade de se comprovar a observância do preceito que veda o trabalho noturno, perigoso e insalubre para menores de 18 anos e para qualquer tipo de trabalho para os menores de 16 anos, salvo se for aprendiz a partir dos 14 anos. Com a habilitação jurídica busca-se verificar se o licitante tem capacidade jurídica de ser titular de direito e deveres em relação ao contrato, sendo necessária a juntada do contrato social. Na qualificação técnica será verificado se o licitante tem aptidão e habilidade para execução da pretensão contratual. Se a empresa tem experiência no ramo, o maquinário e o número de funcionários necessários para o correto atendimento do objeto do contrato. O STJ admite editais que contenham regra de experiência prévia, com a exigência de execução de obras similares anteriormente. Só não é possível extrapolar o que é necessário para que o contrato seja firmado e executado (REsp 1.257.886/PE). A qualificação econômico-financeira é a verificação sobre as condições que têm o licitante para cumprir com seu compromisso. É a verificação da 183 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 capacidade econômica do particular, ou seja, se ele tem fôlego financeiro suficiente para executar o contrato. O art. 31 da lei n.º 8.666/1993 traz exigências originárias e rotineiras para tanto. Segundo esse dispositivo, a documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á apresentação de: • Balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios; • Certidão negativa de falência ou concordata, ou certidão negativa de execução patrimonial; • Garantia limitada a 1% do valor estimado do objeto da contratação. Com relação à exigência de certidão negativa de concordata, o STJ entende que a empresa em recuperação judicial tem o direito de participar da licitação, ainda que junte a certidão de que comprove sua situação em recuperação judicial. A preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. O estimulo a atividade econômica, cumpre a verdadeira a função da recuperação judicial (AREsp 309.867). A regularidade fiscal e trabalhista visa demonstrar se o interessado se mantém regular com suas obrigações fiscais e trabalhistas. Se for verificada a existência de débitos, mas estes estiverem garantidos por penhora ou com a exigibilidade suspensa, será expedida uma certidão positiva com efeitos de negativa. A microempresa e a empresa de pequeno porte ficam dispensadas da regularidade fiscal, ou seja, deverá juntar a certidão positiva de débito com a fazenda pública, mesmo assim poderá participar da licitação. Caso ela se sagre vencedora, a administração dará o prazo de 05 dias úteis para se regularizar com o fisco. A isto se dá o nome de saneamento. Quanto a necessidade de se comprovar a observância do preceito que veda o trabalho noturno, perigoso e insalubre para menores de 18 anos e para qualquer tipo de trabalho para os menores de 16 anos, salvo se for na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, trata-se do o cumprimento do art. 7º, XXIII, da CF/88. A (antiga) lei de licitações, em seu art. 32, §1º, diz que a exigência de documentos de habilitação poderá ser dispensada se for realizado nas modalidades: • • • • Concurso; Convite; Fornecimento de bem para pronta entrega; Leilão. 8.2.3. Classificação das propostas Terminada a habilitação, haverá a classificação das propostas. As propostas serão avaliadas em seu conteúdo, a fim de verificar se é adequada ou inadequada, utilizando para tal critérios como preço máximo, planilha de preços, exequibilidade de preços. Verificada que a proposta está inadequada, a proposta será desclassificada. Se todos os licitantes forem inabilitados, ou se todos os participantes tiverem suas propostas desqualificadas, haverá uma licitação fracassada. Se todos tiverem sido inabilitados, a Administração poderá fixar aos licitantes o prazo de 08 dias úteis para que possam apresentar novas documentações a fim de se habilitar na licitação. Supondo, por exemplo, que de dez interessados, cinco foram considerados habilitados, ficando os demais inabilitados. Neste caso, haverá a classificação das propostas. No entanto, foi verificado que as cinco propostas foram consideradas inidôneas, havendo a desclassificação dos cinco interessados. 184 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Nesta situação, a Administração poderá conceder um prazo de 08 dias úteis para que estes apresentem novas propostas. No caso de convite, estes prazos caem para 03 dias úteis. 8.2.4. Julgamento das propostas Em igualdade de condições, será necessário desempatar. Será assegurada a preferência a bens e serviços na seguinte ordem: • Bens e serviços produzidos no país; • Bens e serviços produzidos ou prestados por empresas brasileiras (não importa a origem do capital); • Bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que invistam pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no Brasil; • Bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovem o cumprimento para reserva de cargos para pessoas com deficiência ou reabilitados da previdência social; • Atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação. Se nenhum dos critérios resolver o empate, será promovido o sorteio. Se alguma das empresas for de pequeno porte ou microempresa, terá essa preferência no desempate, diminuindo a sua proposta. Se ela não diminuir, então irá em pé de igualdade passar pelos critérios acima mencionados. O empate é considerado até 10% a mais da proposta vencedora. Já no pregão, esse empate ficto é limitado a 5% para as empresas de pequeno porte ou microempresa. 8.2.5. Homologação e adjudicação Homologação é o ato administrativo através do qual a autoridade superior vai manifestar sua concordância com a legalidade: não apenas com a legalidade do procedimento licitatório, mas também se a contratação é conveniente para a Administração Pública (conveniência do procedimento licitatório). A adjudicação é o ato administrativo pelo qual se declara como satisfatória a proposta vencedora. Através da adjudicação, afirma-se a intenção de celebrar o contrato com o ofertante, com a proposta vencedora. O primeiro classificado não tem o direito subjetivo à adjudicação, ou seja, pode haver a homologação, mas não haver a adjudicação. O adjudicatário também não tem direito subjetivo ao contrato. A administração fica vinculada à licitação, mas não fica obrigada a contratar. O particular também fica vinculado, mas diferentemente ele deverá celebrar o contrato dentro do prazo de 60 dias, a contar da abertura da proposta. Caso não assine no prazo, sofrerá sanções. Se a administração não o convocar no prazo, poderá ele se recusar a assinar após o prazo. Neste caso, chamará o segundo colocado para celebrar o contrato na proposta do primeiro. Segundo o STJ, o licitante que for convocado dentro do prazo de validade de sua proposta e não celebrar o contrato, deixar de entregar a documentação, apresentar documentação falsa, retardar a execução do que contratado, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios pelo prazo de até 05 anos (REsp 520.553/RJ). O termo inicial para efeito de contagem e detração (abatimento) da penalidade prevista no art. 7º da lei n.º 10.520/2002, aplicada por órgão federal, coincide com a data em que foi publicada a decisão administrativa no Diário Oficial da União – e não com a do registro no SICAF (Inf. 561, STJ). No pregão, essa adjudicação é feita pelo próprio pregoeiro. Nas demais modalidades, a adjudicação é feita pela autoridade que autorizou o certame. 185 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER 9. MODALIDADES DE LICITAÇÃO As modalidades de licitação são: • • • • • • Concorrência; Tomada de preço; Convite; Concurso; Leilão; Pregão. A escolha da modalidade vai depender de dois critérios: pelo valor ou pelo objeto. A modalidade de licitação é determinada da licitação, se será concorrência, tomada de preço ou convite. Quanto ao valor, a escolha ocorre da seguinte forma: • Obras e serviços de engenharia (art. 23, I, da lei n.º 8.666/1993): o o o Até R$150 mil é modalidade convite. Entre R$150 mil e R$1,5 milhão é modalidade tomada de preços. Acima de R$ 1,5 milhão é modalidade concorrência. • Demais compras e serviços (art. 23, II, da lei n.º 8.666/1993): o o o Até R$ 80 mil é modalidade convite. Entre R$80 mil e R$ 650 mil é modalidade tomada de preços. Acima de R$650 mil é modalidade concorrência. O Decreto n.º 9.412/2018 alterou os valores do art. 23 da lei n.º 8.666/1993 para os seguintes patamares: Art. 1º – para obras e serviços de engenharia: a) na modalidade convite – até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais); b) na modalidade tomada de preços – até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e c) na modalidade concorrência – acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e II – para compras e serviços não incluídos no inciso I: a) na modalidade convite – até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais); b) na modalidade tomada de preços – até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais); e c) na modalidade concorrência – acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais). Deve-se atentar, porém, que o decreto em questão é federal, e há significativa controvérsia nos Tribunais de Contas Estaduais se este seria aplicável aos demais entes federativos, ou apenas à União. Isto porque a norma geral, nacional, para licitações seria apenas a emanada por Poder Legislativo, no caso a 8.666/1993. Logo o Decreto n.º 9.412/2018 seria válido apenas para contratações realizadas pela União, uma vez que que estados, municípios e o Distrito Federal não estariam obrigados a seguir atos do Poder Executivo federal, em razão da autonomia característica do pacto federativo. Sobre a questão, em julgado antigo, porém pertinente ao debate, o STF entendeu que alguns dispositivos da lei n.º 8.666/1993 possuiriam aplicabilidade restrita à União (ADI-MC 927). Em situação similar o Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso entendeu que o art. 23 da lei n.º 8.666/1993 é norma específica da União federal, logo há possibilidade constitucional dos demais entes da federação estabelecerem valores distintos para fixação das modalidades licitatórias, mediante lei. 186 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Segundo a Corte: O artigo 23 da lei de licitações é norma específica, editada pela União com vistas a fixar os valores a que tão somente seus órgãos e entidades se sujeitam para escolha das modalidades licitatórias, sendo juridicamente possível a outros entes da federação, a exemplo dos municípios, estabelecerem novos valores para a definição das modalidades licitatórias previstas na Lei n.º 8.666/93 [...] O artigo 120 da Lei n.º 8.666/1993 é norma geral, editada pela União, tão somente na parte em que prescreve o indexador de reajuste dos valores fixados na referida lei, e a periodicidade do reajuste. Os Chefes do Poder Executivo poderão atualizar monetariamente os valores fixados pela Lei n.º 8.666/1993, tão somente com base no indexador e na periodicidade nacionalmente fixados pelo artigo 120 da Lei n.º 8.666/1993” (Processo n.º 12.174-6/2014 – Resolução de Consulta n.º 17/2014). O Tribunal de Justiça do Estado, ao analisar a controvérsia, considerou que inexiste vício de inconstitucionalidade nas leis municipais que atualizam os valores de suas licitações, desconsiderando o estipulado pelo decreto federal (TJMT, ADI 1328403520168110000-132840-2016 ). Em outra corrente Jessé Torres Pereira Jr86. sustenta que o art. 23, I e II da lei n.º 8.666/1993 é norma geral, sendo de observância obrigatórias para todos os Entes federativos. Para o autor o art. 120 da mesma lei teria garantido ao Poder Executivo federal o poder de atualizar tais valores. A posição foi parcialmente acompanhada pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, que entendeu que “o Decreto Federal 9.412/2018 é imediatamente aplicável a todas as esferas federativas, sem necessidade de edição de decretos ou outros instrumentos normativos próprios; no entanto, é facultado aos estados e municípios fixar valores inferiores aos estabelecidos no Decreto n.º 9.412/2018 por meio de lei” (Processo n.º 09813/2018-5, 00551/2019-4). Também poderá ser com base no objeto que será determinada a licitação, podendo ser concurso, leilão ou pregão, como se verá adiante. a) Concorrência A concorrência é, em regra, utilizada para contratações de maior vulto econômico. É a modalidade mais complexa, justamente para evitar fraudes, prevista no art. 22, § 1º, da lei 8.666/1993. De acordo com o Decreto n.º 9.412, de 18 de junho de 2018 a concorrência é obrigatória em licitações a partir de R$ 3.300.000,00, mas é possível que se licite por modalidade concorrência, um objeto que tenha por valor R$ 1.000.000,00. Ou seja, em tese, poderia se adotar a tomada de preços, mas o administrador que quiser poderá adotar a modalidade licitatória mais complexa. O que se veda é que se adote o convite. Em algumas hipóteses raras, independentemente do valor, a modalidade será concorrência: contrato de concessão de serviço público (independente se o valor é superior ou não a R$ 3.300.000,00), concessão de direito real de uso, contratos de obras celebrados por meio de empreitada integral e licitações internacionais, salvo na hipótese em que o consulado ou a embaixada brasileira no exterior já tenha um rol de fornecedores, admitindo-se a tomada de preços. Também se admite se o bem ou serviço a ser contratado não tiver fornecedor no Brasil, que o órgão faça licitação internacional na modalidade convite ou tomada de preços, desde que respeitados os limites de valor. No RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas, instituído pela lei n.º 12.462/2011) admitese, nessa modalidade específica, que haja uma contratação integrada de forma que a mesma empresa faça o projeto básico, o projeto executivo e a obra. A Administração fará apenas um anteprojeto muito simples e quem irá apresentar o projeto arquitetônico, a proposta de materiais que serão usados etc. será a própria PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública, 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 275. 86 187 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 empresa que deseja também licitar para construir. Esta é contratação integrada, a empresa vencedora fará absolutamente tudo, do projeto básico até a obra. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 29, que dispõe: A Administração Pública pode promover comunicações formais com potenciais interessados durante a fase de planejamento das contratações públicas para a obtenção de informações técnicas e comerciais relevantes à definição do objeto e elaboração do projeto básico ou termo de referência, sendo que este diálogo público-privado deve ser registrado no processo administrativo e não impede o particular colaborador de participar em eventual licitação pública, ou mesmo de celebrar o respectivo contrato, tampouco lhe confere a autoria do projeto básico ou termo de referência. Na lei n.º 13.303/2016 não se permite exatamente a mesma hipótese do RDC. Não é possível que a empresa faça o projeto básico, executivo e obra, mas admite-se em seu art. 42, V, a contratação semiintegrada, que é próxima ao RDC. Em outras palavras, no estatuto das estatais, o projeto básico deve ser feito por uma outra empresa. Entretanto, poderá a empresa contratada, além de fazer o projeto executivo, poderá propor e realizar alterações no projeto básico. Existem hipóteses em que a concorrência terá aplicação independentemente do valor envolvido: • Concessão de serviço público comum ou especial; • Concessão de direito real de uso de bem público salvo quando se tratar de hipótese de inexigibilidade; • Empreitada integral; • Compra e alienação de bens imóveis salvo os casos de dispensa e nos casos de dação ou decisão judicial, que poderá ser leilão; • Licitação internacional, aquela que admite a participação de empresa estrangeira que não tenha sede no país; se tiver cadastro internacional de licitantes, poderá ser feito por tomada de preço, desde que não ultrapasse os limites máximos da tomada de preço; poderá ser feita na modalidade convite também, quando não houver fornecedor no país, observando o limite máximo estabelecido para os valores. b) Tomada de preços Na tomada de preços há uma disputa entre os interessados cadastrados na administração, podendo ser acrescidos à disputa os não cadastrados que atenderem às condições previstas no edital de cadastramento até o 3º dia anterior à data do recebimento das propostas. Na esfera federal, esse cadastramento é feito no SICAF (Sistema de Cadastro Federal), com duração de 01 ano. c) Convite O órgão contratante convida ao menos três empresas ou profissionais no ramo de atuação. Estas, que poderão estar previamente cadastradas ou não, apresentarão suas ofertas. Não estando cadastradas, deverão manifestar interesse no prazo de 24 horas antes do início da licitação. Se existirem na praça mais de três possíveis interessados e for realizado um novo convite com objeto idêntico ou assemelhado, é obrigatório convidar mais ao menos mais um interessado. O convite dispensa a publicação de edital em diário oficial ou em jornal, exigindo que a unidade administrativa afixe em lugar adequado uma cópia do instrumento convocatório (carta-convite) A publicidade é feita pelo envio aos convidados e afixando no átrio da repartição. Pode ser que a comissão seja composta por um servidor, desde que seja efetivo do órgão. 188 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 O início do prazo mínimo de 05 dias úteis conta-se a partir do último recebimento do AR da cartaconvite ou da afixação da carta-convite no átrio da repartição. No convite, o recurso deverá ser apresentado em 02 dias úteis. Sendo todos licitantes desclassificados por inabilitação, o prazo para apresentarem novas documentações poderá ser de 03 dias úteis. É facultativo esse prazo, que poderá variar entre 08 e 03 dias úteis. d) Concurso Concurso é modalidade para escolha de trabalho científico, técnico ou artístico, mediante ao pagamento de um prêmio ou uma remuneração, obedecendo aos critérios estabelecidos no edital. No concurso, o julgamento das apresentações feitas é realizado por uma comissão especial, integrada por pessoas de reputação ilibada, mas que tenham conhecimento da matéria que está sendo analisada, podendo ser servidores públicos ou não. O intervalo mínimo é de 45 dias, como dito antes. e) Leilão Leilão é utilizado para: • Alienação de bens móveis inservíveis, apreendidos ou penhorados (empenhado) pela a administração; • Alienação de bens imóveis cuja aquisição tenha derivado de procedimentos judiciais ou dação em pagamento. O maior lance ou maior oferta deverá ser ao menos o valor da avaliação. Acima de R$ 650 mil Reais não se poderá fazer leilão. Sempre o tipo será maior lance, devendo ser superior ao da avaliação. f) Pregão É utilizado para aquisição de bens e serviços comuns, independentemente do valor da contratação. Consideram-se bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado. Tem-se entendido que é possível realização de pregão para serviços de engenharia, desde que sejam caracterizados como serviços comuns (Decreto n.º 10.024/2019 e Súmula TCU n.º 257 – “O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei n.º 10.520/2002”). Já para obras públicas não poderá ser utilizada a modalidade pregão. A tendência atual é a ampliação da utilização do pregão, reforçada pelo Decreto n.º 10.024/2019. O pregão poderá se dar de forma eletrônica ou presencial. A lei n.º 10.520/2002 estabele que a adoção da modalidade de pregão é facultativa. Porém o Decreto n.º 10.024/2019 impõe a adoção da modalidade eletrônica nos pregões organizados pela União, pois aumenta o número de pessoas que pode se interessar em participar. São características específicas da modalidade pregão: • Pregoeiro – ao invés da comissão de licitação, será designado entre os servidores do órgão ou da entidade que promove a licitação, o pregoeiro. É o pregoeiro que recebe as propostas, assim como 189 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 os lances, fazendo análise das propostas, fazendo também a classificação delas, bem como a habilitação dos licitantes e a adjudicação do objeto do certame ao vencedor. • Comissão de apoio – não se trata de comissão licitante, somente dará apoio ao pregoeiro. • Inversão de fases – no pregão, antes de verificar quem está habilitado, é realizada a disputa de preços. Ou seja, a fase de disputa de preços é anterior à habilitação. Depois que alguém venceu no preço é que será verificado se ele está habilitado ou cumpre os requisitos para tal. • Apresentação de lances – além das propostas que são inicialmente apresentadas, os licitantes podem apresentar lances verbais e consecutivos. No caso do pregão presencial, estes lances poderão ser feito pelos licitantes que tiverem até 10% de sua proposta superior à dos vencedores. Encerrada a etapa dos lances, o pregoeiro pode realizar uma negociação com o licitante que apresentou a proposta mais vantajosa. O que não pode ocorrer é negociar condições diferentes das previstas no edital, pois está vinculado ao instrumento convocatório. • Fase única recursal – o pregão só tem a possibilidade de apresentar o recurso uma vez. • Prazo de publicação do edital – o prazo é de 08 dias úteis. • Tipo menor preço – sempre será esse tipo de licitação. No pregão, são vedadas algumas exigências, tais como: • É vedada a garantia de propostas; • É vedada a aquisição de edital como condição para participar do certame; • É vedado o pagamento de taxas e emolumentos, salvo as que se referem ao custo do fornecimento do edital quando for o caso. No pregão ordem do rito licitatório é alterada: a aferição a fase da habilitação é feita após a classificação das propostas. Ou seja, primeiro se classifica e depois de habilita. O conceito é agilizar o procedimento, além de potencialmente atrair um maior número de interessados. Assim a ordem será: • • • • • Publicação do edital; Classificação das propostas; Habilitação das propostas; Adjudicação do objeto; Homologação. Todos os licitantes que apresentem até 10% da proposta vencedora passam para a próxima fase do pregão. Na classificação, passarão no mínimo três propostas para os lances verbais. Não havendo o mínimo de três propostas com valores de até 10%, serão chamados os licitantes que ultrapassaram os 10% para promoverem lances verbais. Caso o primeiro colocado não seja habilitado, será chamado o segundo colocado, mas não na proposta do primeiro, pois este já teve a oportunidade de baixar sua proposta nos lances verbais. Neste caso, será chamado o segundo para uma negociação do preço. Habilitado o licitante, o pregoeiro irá adjudicar. Neste momento, haverá o prazo de recurso, devendo este ser imediato. Se recorrer imediatamente, haverá o prazo de 03 dias para elaborar as razões. Sobre o tema a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 26, que dispõe: a lei n.º 10.520/2002 define o bem ou serviço comum com base em critérios eminentemente mercadológicos, de modo que a complexidade técnica ou a natureza intelectual do bem ou serviço não impedem a aplicação do pregão se o mercado possui definições usualmente praticadas em relação ao objeto da licitação. 190 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 g) Sistema de registro de preços (SRP) O sistema de registro de preços não é uma modalidade licitatória, mas um instrumento que facilita a atuação da Administração em futuras contratações. Há aqui um registro formal de preços para que seja usado otimizando as contratações futuras. O sistema de registro de preços será adotado nas situações de: • Contratação frequente em razão das características do bem ou do serviço, exista necessidade de contratação frequente. • Contratação por mais de um órgão ou entidade. • Entregas parcelas ou serviços por unidade de medida – é possível também o sistema de registro de preços quando for mais propícia a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas, ou serviços remunerados com unidades de medida. • Imprevisibilidade de uso efetivo pela administração também se admite a preferência do sistema de registro de preços quando não for possível pela natureza do objeto prever quanto será necessária a compra ou quando o bem será utilizado efetivamente pela Administração. O sistema de registro de preços dispensa a prévia dotação orçamentária, pois o objetivo imediato não é contratar, e sim registrar o preço. A seleção de licitantes será feita na modalidade de concorrência ou de pregão, havendo então o sistema de registro de preços. Veja, não é modalidade de licitação. A partir de então, serão convocados os selecionados para assinar a ata de registro de preços, produto do pregão ou concorrência, terá vigência de 12 meses, surgindo um dever de compromisso ao licitante pelo valor estabelecido na ata de registro de preços. É necessário fazer uma distinção entre: • Órgão gerenciador – é o responsável pela condução do certame e pelo gerenciamento da ata de registro de preços. • Órgão participante – é o órgão que integra a ata de registro de preços, demonstrando uma pretensão contratual. Porém não é ele que conduz o procedimento licitatório. Ou seja, terá interesse de contratar o bem, constando o órgão na ata de registro de preços. • Órgão não participante – o sistema de registro de preços permite que o órgão que não tenha sido incluído na origem. Ou seja mesmo que não tenha integrado a ata de registro de preços possa vir a aderir a ata do registro de preços. É a denominada licitação carona, ou órgão carona, criticada por parte da doutrina. Atente-se que a União não poderá aderir à ata de entidades estaduais e municipais, podendo aderir à ata de outras entidades federais (da sua administração indireta). O decreto n.º 7.892/2013 também estabelece que o quantitativo não poderá ser superior a cinco vezes o que está definido no edital. Ex.: edital da licitação era de 30 carros, só poderá comprar no máximo 150 carros. Na sistemática do sistema de registro de preços, a licitação vai englobar o somatório das pretensões contratuais do órgão gerenciador e do órgão participante. Então, por exemplo, se um órgão quiser 100 unidades, o outro órgão quer mais 200, outro ainda quer 100 unidades, o sistema de registro de preços será feito considerando uma possível aquisição de 400 unidades, somando o interesse de todos os órgãos. 191 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER 10. TIPOS DE LICITAÇÃO a) Menor preço O tipo de licitação de menor preço é o tipo preferência para a aquisição de bens e serviços comuns. No pregão só é admitido o tipo menor preço. b) Melhor técnica O gestor vai realizar uma análise das propostas em duas fases: • 1ª fase – serão abertas as propostas técnicas criando-se uma classificação de acordo com os critérios pertinentes. • 2ª fase – abertura dos envelopes em que estão verificados os preços. Após, o gestor chama o candidato melhor classificado na apresentação das propostas técnicas para a negociação do preço, tendo como parâmetro a proposta de menor valor apresentada entre os licitantes que tiveram uma pontuação mínima na primeira fase. Como o objetivo do certame é escolher a melhor técnica, chama-se o primeiro colocado para negociar com ele o preço. Só se admite esse tipo de licitação para serviços de informática e serviços de natureza intelectual (art. 13 da lei n.º 8.666/1993). c) Melhor técnica e menor preço Aqui há uma avaliação única dos dois tipos diferentes de propostas, realizando uma média ponderada para determinar o vencedor. d) Tipo maior lance ou oferta O licitante oferece uma oferta, com maior valor possível. O parâmetro mínimo é o valor da avaliação do bem. 11. RECURSOS A lei de licitações, no art. 109, traz três espécies de recursos: • Recurso hierárquico: tem o prazo de 05 dias úteis, com efeito suspensivo automático, sendo cabível quando: o o o o o o Sujeito for habilitado ou inabilitado; Houver julgamento das propostas; Anulação ou revogação da licitação; Indeferimento do pedido de inscrição em registro cadastral; Rescisão unilateral do contrato; Houver aplicação de penas de advertência, suspensão temporária ou multas. • Pedido de reconsideração: é cabível contra decisão do Ministro de Estado (ou Secretário de Estado ou Municipal) que aplicar àquela empresa a pena de declaração de inidoneidade. O prazo de interposição do pedido de reconsideração é de 10 dias úteis. 192 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • Representação: o prazo de interposição é de 05 dias úteis. A representação tem objeto residual. Isto quer dizer que situações em que não foram contempladas no recurso hierárquico ou pedido de reconsideração serão abarcadas pela representação. O prazo para recursos não é o mesmo estabelecido para juntada de documentos obrigatórios, estes devem ser entregues dentro do prazo mínimo estabelecido pela modalidade licitatória. No pregão, quando é declarado o vencedor, qualquer licitante pode manifestar imediatamente e motivadamente a intenção de recorrer. Caso não o faça no prazo incidirá a preclusão. Manifestando o interesse de recorrer será dado a ele o prazo de 03 dias para apresentar as razões do seu recurso, ficando desde já intimados os demais licitantes para apresentarem contrarrazões, também no prazo de 03 dias a partir do esgotamento do prazo do recorrente. 12. ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DA LICITAÇÃO Quando se fala em anulação ou revogação, é preciso lembrar do princípio da autotutela. Esse princípio autoriza a Administração a anular ou a revogar os seus atos, seja por vício de legalidade ou por motivo de conveniência ou oportunidade. A anulação é decorrente de um vício de legalidade, enquanto a revogação se dá por falta de conveniência e oportunidade. No caso da revogação, como já visto, há um juízo de conveniência e oportunidade. A licitação poderá ser revogada por razões de interesse público. Tais razões devem se dar por fato superveniente. É necessário que este fato superveniente esteja comprovado, que se mostre pertinente e suficiente para justificar essa conduta. A ideia é impedir a arbitrariedade do administrador/gestor público. Assim pode-se revogar a licitação, mas somente por fato superveniente. Este fato deverá ser pertinente, ou seja, ter relação com o objeto licitatório, além de ser suficiente para justificar a medida tão gravosa como o é a revogação da licitação. O particular terá 05 dias úteis para recorrer da decisão que revogou ou anulou a licitação. O recurso não terá efeito suspensivo. A invalidação, como regra, não gera a obrigação de indenizar do Estado em favor do particular, salvo quando o contratado tiver executado obras, serviços, ou fornecido bens até a data da nulidade da licitação, devendo ainda comprovar eventuais prejuízos sofridos. Caso o licitante, agora contratado, não tenha sido o causador da nulidade terá direito à indenização. 13. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE PUBLICIDADE O serviço de publicidade está submetido à lei de licitações. A lei n.º 12.232/2010 traz as normas gerais para licitação e para contratação de serviços de publicidade, prestados por meio das agências de propaganda. Nas contratações de serviços de publicidade, poderão ser incluídas não apenas o serviço de publicidade propriamente dito, mas também as atividades complementares, que também serão reguladas pela lei n.º 12.232/2010. Serão considerados como atividade complementar aos serviços de publicidade: • Planejamento e execução de pesquisa, relacionada à atividade publicitária; • Produção e execução técnica de peça publicitária ou de projetos publicitários desenvolvidos; • Criação e o desenvolvimento de formas inovadoras de comunicação publicitária. Todas essas atividades também se sujeitam à licitação. É terminantemente proibido incluir nas licitações de serviços de publicidade atividades não previstas pela lei n.º 12.232/2010, em especial: 193 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • Assessoria de imprensa; • Comunicações e relações públicas; • Atividades que tenham por finalidade a realização de eventos festivos. O instrumento convocatório das licitações de publicidade irá possuir algumas exigências específicas. • Esses procedimentos licitatórios adotarão obrigatoriamente o tipo melhor técnica ou melhor técnica e preço, já que se trata de serviço de publicidade. • Os documentos de habilitação serão apresentados apenas pelos licitantes classificados no julgamento final da proposta. • É possível a adjudicação do objeto de licitação a mais de uma agência de propaganda. Neste caso, haverá um procedimento de licitação interno entre as contratadas. 14. SISTEMA DE COTAÇÃO ELETRÔNICA O sistema de cotação eletrônica tem por objetivo de ampliar a competitividade, racionalizando o procedimento para a aquisição de bens, especialmente os de pequeno valor, previstos no inciso II do art. 24 da lei .º 8.666/1993, que podem ser adquiridos com dispensa de licitação. O art. 4, § 2º, do Decreto n.º 5.450/2005 prevê de que as contratações diretas promovidas pela Administração Federal sejam realizadas preferencialmente por meio de Cotação Eletrônica (na esfera federal, via o sistema Comprasnet). Cria-se uma infraestrutura informatizada, que permite uma melhor apuração do menor preço para as contratações de pequeno valor. O sistema visa permitir a transparência e a maior publicidade, reduzindo os riscos de fraude e ampliando a competição entre os interessados. 15. LICITAÇÕES PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE A lei n.º 11.488/2007 estendeu para as sociedades cooperativas, que tenham auferido no calendário anterior receita bruta idêntica às empresas de pequeno porte, o mesmo tratamento diferenciado das licitações dado pela LC n.º 123/06 às microempresas e empresas de pequeno porte. Ressalte-se que se consideram: • Microempresas aquela que teve o faturamento bruto anual de até R$ 360 mil. • Empresas de pequeno porte aquelas que tiveram receita bruta superior a R$ 360 mil até R$ 4.8 milhões. É possível classificar as disposições da LC n.º 123/06 em relação ao tratamento diferenciado no ambiente das licitações públicas em 3 espécies: • Benefício nas licitações Existe a possibilidade de regularidade fiscal postergada. Ou seja, a regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte só será exigida para a assinatura do contrato administrativo. Outro benefício é o chamado desempate ficto. Nas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% superiores a da melhor empresa que não seja microempresa e empresa de pequeno porte, haverá o desempate ficto ao seu favor. Ressalte-se que sendo modalidade pregão, o percentual acima referido cairá para 5%. O art. 45 da LC 123 afirma que a microempresa ou empresa de pequeno porte melhor classificada, dentre as empatadas em empate ficto, poderá apresentar uma proposta pelo preço 194 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 inferior à proposta que até o momento se mostrava vencedora. A lei não permite uma nova proposta por aquela que outrora era a vencedora. • Benefício creditício A microempresa e a empresa de pequeno porte são titulares de direitos creditórios, decorrentes de empenhos que foram liquidados por órgão ou entidade da União, dos Estados, DF e municípios que não foram pagos em até 30 dias, contados da liquidação desses empenhos, poderão exigir que estas entidades emitam uma cédula de crédito microempresarial, que é um título de crédito. • Licitações diferenciadas As licitações diferenciadas são as mais importantes. A Administração Pública poderá realizar um processo licitatório diferenciado quando se tratar de microempresa e empresa de pequeno porte. Poderá haver licitações exclusivas, ou seja, certames realizados exclusivamente com a participação de microempresa e empresa de pequeno porte, desde que o valor do certame seja de até R$ 80 mil. Irão participar apenas microempresa e empresa de pequeno porte. Outra licitação diferenciada é a subcontratação obrigatória, podendo ser exigido dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte nas licitações de serviços ou de obras. Também é possível a chamada cota reservada, ou seja, é possível que se estabeleça uma cota de até 25% do objeto para contratação de microempresa ou empresa de pequeno porte em certame que exija a aquisição de bens e serviços de natureza divisível. Não havendo vencedor microempresa ou de empresa de pequeno porte, essa margem de 25% poderá ser adjudicada para o vencedor da licitação, ou ainda, em caso de recusa, para os licitantes remanescentes. O art. 49 da LC 123 estabelece as licitações diferenciadas não se aplicam quando: • Não existir ao menos 03 fornecedores competitivos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte sediados no local ou regionalmente, e se mostrem capazes de cumprir as exigências do edital; • Não for vantajosa para a administração pública; • Estiver diante de um caso em que a licitação é dispensável ou inexigível. 16. REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES (RDC) O Regime Diferenciado de Contratações (RDC), inaugurado pela lei n.º 12.462/2011, vai apresentar diversas inovações para licitações e contratos. Ele é aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização: • Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; • Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação e Copa do Mundo Fifa 2014; • Obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km das cidades sedes dos mundiais. • Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); • Obras e serviços de engenharia do Sistema Único de Saúde – SUS; • Obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo; • Segurança pública; • Obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística; 195 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER • Locação de bens móveis e imóveis pela administração pública, nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração; • Ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação. O RDC não é obrigatório, mesmo para os projetos previstos na lei. A opção pelo RDC deverá constar no instrumento convocatório, implicando o afastamento das regras da lei n.º 8.666/1993, que passarão a ser aplicadas somente subsidiariamente. As modalidades licitatórias previstas na lei n.º 8.666/1993, como não são citadas no RDC, não serão aplicadas. Isso porque o próprio RDC é uma nova modalidade de licitação, contendo regras e procedimentos próprios. Em relação aos contratos administrativos formulados com base no RDC, serão regidos pela Lei de Licitações, mas irão observar regras específicas na lei n.º 12.462/2011. 16.1. Regras aplicáveis às licitações do RDC 16.1.1. Caráter sigiloso do orçamento O orçamento só será tornado público ao final da licitação, pois possibilita à empresa a apresentar um valor menor. Este orçamento é informado aos órgãos de controle interno e externo. A comissão e demais servidores que participarem do procedimento do RDC não saberão. Não é cabível o orçamento sigiloso quando estiver utilizando critério de: • Maior desconto; • Melhor técnica; ou • Conteúdo artístico. 16.1.2. Inovações para aquisição No caso das licitações para aquisição de bens, o RDC expressamente prevê algumas inovações para aquisição, tais como: • Indicação de marca ou modelo, quando: o o o Houver a necessidade de padronização do objeto; A marca ou modelo for o único capaz de atender às necessidades da administração; Marca ou modelo servirem como referência, caso em que indicará a marca X, ou outra semelhante ou de melhor qualidade. • Exigência de amostra do bem no procedimento de pré-qualificação, na fase de julgamento das propostas ou de lances; • Exigência de certificação da qualidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, por qualquer instituição oficial competente ou por entidade credenciada; e • Exigir carta de solidariedade emitida pelo fabricante, que assegure a execução do contrato, no caso de licitante revendedor ou distribuidor. 16.1.3. Regime de contratação integrada O RDC permite um regime de contratação integrada, tais como: • Empreitada por preço unitário; 196 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER • • • • Empreitada por preço global; Contratação por tarefa; Empreitada integral; ou Contratação integrada. A contratação integrada compreende a elaboração e desenvolvimento de projeto básico e projeto executivo. Elaborado o projeto, executa-se a obra e serviços de engenharia, a montagem que se mostrar necessária, a realização de testes para verificar se está tudo como o acordado, a pré-operação e as operações necessárias até a entrega final do objeto. Na contratação integrada existe a proibição de aditivos contratuais para evitar a descaracterização da proposta inicial. O aditivos contratuais só será admitido para recomposição do equilíbrio econômicofinanceiro, e também se for necessária a alteração do projeto ou de suas especificações para uma melhor adequação técnica aos objetivos da contratação. 16.1.4. Remuneração variável É possível a chamada remuneração variável, em sede de RDC. Nas contratações de obras e serviços, é possível estabelecer uma remuneração variável, a qual vai depender do desempenho da empresa contratada. Serão estabelecidas metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega. A remuneração dependerá do cumprimento desse estipulado. A remuneração variável irá respeitar o limite orçamentário fixado pela administração para aquela obra ou serviço, mas a remuneração será variável. 16.1.5. Contratações simultâneas É permitida a contratação de mais de uma empresa ou instituição para execução do mesmo serviço, quando esta for possível ou se mostrar conveniente. Esta contratação só é permitida para serviços, e não para obras ou serviços de engenharia. 16.2. Fases do RDC As fases do RDC são semelhantes às do pregão. Poderá haver inversão de fase no RDC, mas em regra terá o rito similar ao previsto no procedimento licitatório padrão, pois terá a habilitação antes do julgamento das propostas. Porém os documentos de regularidade fiscal da empresa podem ser exigidos em momento posterior ao julgamento das propostas. Ou seja, a habilitação se dá em momento posterior. Pode acontecer, no caso do RDC, essa exigência apenas em relação ao licitante mais bem classificado. 16.3. Publicidade no RDC A publicidade no RDC será realizada da seguinte forma – primeiro, é feita a publicação do edital no Diário Oficial da União, do Estado, DF ou município. Após, o edital será divulgado no site oficial. O regime diferenciado de contratação irá prever prazos mínimos entre a publicação do edital e a sessão em que serão julgadas as propostas: • Aquisição de bens: o o • Prazo mínimo de 5 dias úteis: o critério de menor preço ou maior desconto. Prazo mínimo de 10 dias úteis: não for o critério de menor preço ou de maior desconto. Contratação de serviços e obras: 197 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER o o • • Prazo mínimo de 15 dias úteis: critério for o menor preço ou maior desconto. Prazo mínimo de 30 dias úteis: não for o critério de menor preço ou de maior desconto. Prazo mínimo de 10 dias úteis: critério maior oferta. Prazo mínimo de 30 dias úteis: critério em combinação de técnica e preço, melhor técnica, ou se for de conteúdo artístico. 16.4. Modos de disputa O RDC vai admitir alguns modos de disputa: • Modo de disputa aberto os licitantes apresentarão as suas ofertas mediante lances públicos e sucessivos, até alguém ser o vencedor. • Modo de disputa fechado as propostas são entregues pelo licitante de forma sigilosa até a data e horário designado, situação na qual será divulgada. • Modo de disputa combinado o instrumento convocatório estabelece que o procedimento será realizado em duas etapas, uma aberta em seguida de uma fechada, ou uma fechada seguida de uma aberta, sendo sempre a primeira eliminatória. 16.5. Critérios de julgamento O RDC estabelece alguns critérios de julgamento, sendo eles: • Menor preço e maior desconto – nesse critério será considerado o menor dispêndio para a administração pública. No caso de maior desconto, quando a licitação envolver obras ou serviços de engenharia, o desconto pelo licitante deve incidir sobre toda a planilha de custos apresentada no orçamento estimado pela administração. Quem der o maior desconto será o vencedor. • Técnica e preço – haverá ponderação quanto às técnicas e ao preço. A lei permite que se atribua fatores de ponderação distintos para valorar a técnica e preço (ex.: 70% técnica e 30% preço). • Melhor técnica ou conteúdo artístico – será o critério utilizado para contratação de projetos, projetos arquitetônicos, natureza técnica, científica ou artística. O edital vai informar o pagamento que a administração vai fazer, podendo ser de um prêmio ou remuneração relacionada àquela contratação que a administração fará. • Maior oferta de preço – é o “quem paga mais”. Isto será utilizado quando o contrato gerar uma receita para a administração, querendo ela receber o máximo possível. • Maior retorno econômico – nesse critério, procura-se selecionar a proposta que proporcione a maior economia para a Administração Pública. É celebrado um contrato de eficiência com o contratado. O contrato de eficiência envolve a prestação de um serviço, podendo incluir obras ou serviços de bens, mas essencialmente é um contrato de serviços. O objetivo é proporcionar uma redução das despesas correntes, que são aquelas em que a Administração tem todo mês. A remuneração do contratado se dará através de um percentual da economia gerada. Neste caso a licitação é de maior retorno econômico para o Poder Público. 16.6. Critérios de desempate Havendo empate entre duas ou mais empresas no RDC, o desempate será definido a partir da apresentação de uma nova proposta fechada ato contínuo à classificação. Outro desempate poderá ser a avaliação de desempenho contratual prévio. Para tanto, é necessário haver um sistema objetivo de avaliação 198 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 já instituído. O terceiro critério de desempate é o mesmo estabelecido nos arts. 3º da lei n.º 8.248/1991 e da lei n.º 8.666/1993: bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País 16.7. Recursos Via de regra, o RDC adota uma fase recursal única, tal como no pregão, que se dará após a habilitação do vencedor. Se houver a inversão das fases, o procedimento de habilitação irá anteceder à apresentação das propostas e julgamento delas, adotando uma fase recursal múltipla, de forma que os procedimentos serão muito similares aos da lei de licitação. Quer sejam vários recursos admitidos, em razão da inversão da fase no RDC, ou quer seja por único recurso admitido, em virtude da obediência da regra do RDC, o prazo recursal é de 05 dias úteis. 16.8. Regras aplicáveis aos contratos do RDC A lei n.º 13.190/2015 incluiu um dispositivo que admite expressamente o emprego de mecanismos privados de resolução de disputas, tais como arbitragem e mediação, para resolver conflitos do próprio RDC. São regras dos contratos do RDC: • Convocação de licitante remanescente Quando o convocado (vencedor) não assinar o termo do contrato, não o aceitar ou não retirar o instrumento no prazo definido pelo edital e naquelas condições, será necessário convocar o licitante remanescente na ordem de classificação. Será convocado para assinar o contrato nas condições do licitante vencedor. Se nenhum desses licitantes remanescentes aceitar a convocação nas condições do vencedor, a administração poderá convocá-los nas condições que os licitantes apresentaram, respeitando o limite orçamentário para a contratação. Ex.: o vencedor disse que entregaria os bens por 10 mil reais, porém ocorreu uma mudança significativa no mercado e atualmente os mesmos produtos estão valendo 140 mil reais. O segundo licitante disse que entregaria mercadorias idênticas por 160 mil reais. Pelo orçamento da Administração até 200 mil reais seria possível contratar. Se nenhum outro licitante aceitar vender por 100 mil reais, chamará o segundo lugar e será oferecido nas suas condições (160 mil reais). • Contratação de remanescente por dispensa Nesse caso, há dispensa para contratação de um remanescente de obras, serviços ou fornecimentos, chamando os demais licitantes para que cumpram o objeto do contrato, nas condições que eles ofertaram, desde que respeite o orçamento do Poder Público como limite de despesas. • Regra dos prazos contratuais O RDC indica duas regras para o prazo de seus contratos: o Obras – os contratos para execução de obras, previstos no plano plurianual, estes contratos poderão ter o prazo máximo de 04 anos. o Serviços contínuos – se a contratação do RDC se der para serviços contínuos, o contrato celebrado pelos entes públicos, responsáveis pelo objeto do RDC, poderão ter sua vigência estabelecida por até 60 meses. 16.9. Sanções administrativas O descumprimento de normas do RDC e a inexecução do contrato podem levar a sanções administrativas. Estas são: • Impedimento de licitar; 199 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • Impedimento de contratar com a administração pública por até 05 anos; • Multa; • Descredenciamento do sistema de cadastramento dos entes federativos. A aplicação dessas sanções poderá advir das seguintes infrações, para o licitante que: • • • • Não celebrar o contrato dentro do prazo de validade da sua proposta; Deixar de entregar a documentação exigida para o certame ou apresentar documento falso; Retardar da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado; Não mantiver a proposta, salvo se em decorrência de fato superveniente, devidamente justificado; • Fraudar a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato; • Comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal; ou • Der causa à inexecução total ou parcial do contrato. 17. LICITAÇÕES NA LEI N.º 13.303/16 A nova Lei das Estatais passou regular as licitações e contratos no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista nos seus arts. 28 a 84. De acordo art. 28 da lei n.º 13.303/2016, as contratações com terceiros, como regra, serão precedidas de licitação. Já o pregão poderá continuar sendo utilizado pelas estatais para a aquisição de bens e serviços comuns. É importante ter em mente que o estatuto das estatais será aplicado independente da atividade desempenhada, ou seja, se prestadora de serviço ou exploradora de atividade econômica. Assim, a lei n.º 8.666/1993 não será mais aplicável às estatais, salvo nas hipóteses de lacuna e situações expressamente previstas na própria Lei n.º 13.303/2016, como defende Carvalho Filho87. Não foi outro o entendimento do STF, que estipulou que o regime de licitação e contratação previsto na lei n.º 8.666/1993 é inaplicável às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica própria das empresas privadas, concorrendo, portanto, no mercado. Não é possível conciliar o regime previsto na lei n.º 8.666/1993 com a agilidade própria desse tipo de mercado que é movido por intensa concorrência entre as empresas que nele atuam, logo, o regime previsto na lei n.º 8.666/93 não será aplicável, por exemplo, à PETROBRAS (RE 441.280/RS, julgado em março de 2021). A lei n.º 13.303/2016 visa dar flexibilidade para as estatais, permitindo que elas se aproximem mais das práticas adotadas pela iniciativa privada, mas sem abandonar a submissão necessária ao regime jurídico administrativo. São estabelecidas regras especiais no que se refere às licitações, facilitando a realização destas. Como visto, as empresas governamentais não podem receber privilégios não extensíveis às empresas privadas, em razão do princípio da livre concorrência. Porém a adoção de procedimentos licitatórios, embora indispensável, engessava as estatais e faziam com que essas perdessem a competitividade. O estatuto jurídico das empresas estatais se inspirou e reproduziu em parte o Regime Diferenciado de Contratações, que permite, por exemplo, contratações mais ágeis e simplificadas, processos menos morosos etc. Por exemplo, a dispensa de licitação, que na lei n.º 8.666/1993 corresponde a 10% ou 20% do valor da carta convite, quando se tratar de uma empresa estatal, o valor é de R$ 100.000,00 quando se tratar de obras e serviços e R$ 50.000,00 quando se tratar de compras e serviços. Ou seja, nessas hipóteses, em se tratando de uma obra de até R$ 100.000,00 ou de bens e serviços de até R$ 50.000,00, será dispensável a licitação, não sendo necessário à sua realização, podendo haver contratação direta (art. 29). O mesmo artigo apresenta outras hipóteses de licitação dispensada: 87 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 551. 200 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • Quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes; • Para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento de suas finalidades precípuas, quando as necessidades de instalação e localização condicionarem a escolha do imóvel, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia; • Na contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento, em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições do contrato encerrado por rescisão ou distrato, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido; • Na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos; • Para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia; • Na contratação de associação de pessoas com deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado; • Na contratação de concessionário, permissionário ou autorizado para fornecimento ou suprimento de energia elétrica ou gás natural e de outras prestadoras de serviço público, segundo as normas da legislação específica, desde que o objeto do contrato tenha pertinência com o serviço público. • Nas contratações entre empresas públicas ou sociedades de economia mista e suas respectivas subsidiárias, para aquisição ou alienação de bens e prestação ou obtenção de serviços, desde que os preços sejam compatíveis com os praticados no mercado e que o objeto do contrato tenha relação com a atividade da contratada prevista em seu estatuto social; • Na contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda que tenham como ocupação econômica a coleta de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública; • Para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pelo dirigente máximo da empresa pública ou da sociedade de economia mista; • Nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei n.º 10.973, de 2 de dezembro de 2004 , observados os princípios gerais de contratação dela constantes; • Em situações de emergência, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contado da ocorrência da emergência, vedada a prorrogação dos respectivos contratos, observado o disposto no § 2º ; 201 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER • Na transferência de bens a órgãos e entidades da administração pública, inclusive quando efetivada mediante permuta; • Na doação de bens móveis para fins e usos de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica relativamente à escolha de outra forma de alienação; • Na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem. Sobre o tema a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou os enunciados 24 e 30 que dispõe: Enunciado 30. Viola a legalidade o regulamento interno de licitações e contratos editado por empresa estatal de qualquer ente da federação que estabelece prazo inferior ao previsto no art. 83, § 2º, da Lei n. 13.303/2016, referente à apresentação de defesa prévia no âmbito de processo administrativo sancionador. Enunciado 30. A "inviabilidade de procedimento competitivo" prevista no art. 28, § 3º, inc. II, da Lei n. 13.303/2016 não significa que, para a configuração de uma oportunidade de negócio, somente poderá haver um interessado em estabelecer uma parceria com a empresa estatal. É possível que, mesmo diante de mais de um interessado, esteja configurada a inviabilidade de procedimento competitivo. 18. LEI N.º 14.133/2021, O NOVO MARCO LEGAL EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS O final do ano de 2020 trouxe um “presente” inesperado: o Senado Federal aprovou o novo marco regulatório para as licitações e contratos administrativos. A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, lei n.º 14.133, foi promulgada em 1º de abril de 2021. Assustador em um primeiro momento, sem dúvidas. Mas respire fundo: a lei traz importantes novidades, mas também consolida diversos entendimentos já existentes na jurisprudência e em legislações esparsas, como a Lei do Pregão (lei n.º 10.520/2002) e a Lei do Regime Diferenciado de Contratações (RDC – Lei 12.462/11). Rafael Oliveira, por exemplo, se referiu ao PL como “um museu de grandes novidades”88. Os itens a seguir não pretendem esgotar o tema – até porque ainda não se sabe como a doutrina e a jurisprudência interpretarão o novo texto legal – e sim apresentar um panorama geral. 18.1. Aplicação e vigência A nova lei estabelece normas gerais sobre licitação e contratos administrativos aplicáveis aos Três Poderes, a toda Administração Pública direta, autárquica e fundacional de todos os entes da Federação, incluindo os Fundos Especiais e as Entidades Controladas. Porém, as empresas públicas e sociedades de economia mista continuarão organizando suas licitações pela lei n.º 13.303/2016, uma vez que adotam o regime híbrido. Serão aplicáveis às estatais apenas as disposições penais trazidas pelo novo marco legal. Podemos inferir, ainda, que os novos princípios também serão aplicáveis às estatais, uma vez que estes não interferem no regime híbrido. O art. 3º estabelece que não se subordinam ao regime da lei os contratos de operação de crédito, gestão de dívida pública e contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria. Ainda, a possibilidade de se estabelecerem condições específicas em caso de licitações e contratos que envolvam recursos provenientes de empréstimo ou doação de agência oficial de cooperação estrangeira ou organismo OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A nova Lei de Licitações: um museu de novidades? Disponível em < https://www.conjur.com.br/2020-dez-23/rafael-oliveira-lei-licitacoes-museu-novidades>. Acesso em 24/12/2020. 88 202 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 financeiro de que o Brasil seja parte. Na mesma linha, a nova lei de licitações não se aplica ao terceiro setor, inclusive aos Serviços Sociais Autônomos. A lei n.º 14.133/2021 não terá vacatio legis, e entrou em vigor na data de sua publicação (art. 194). Ela substitui não só a lei n.º 8.666/1993, mas também a Lei do Pregão (lei n.º 10.520/2002) e a do Regime Diferenciado de Contratações (lei n.º 12.462/2011) – todos esses institutos agora estão reunidos no novo diploma legal. Contudo, haverá um período de adaptação: apenas os tipos penais e correlatos da lei n.º 8.666/1993 já estão imediatamente revogados (os arts. 89 a 108). Os demais artigos, tanto da lei n.º 8.666/1993 quanto do Pregão e do RDC valerão ainda por dois anos após a publicação da nova lei. Durante esse prazo o novo regime conviverá com o antigo; somente após deixarão de valer totalmente. O art. 191 deixa claro que, durante esse período, a Administração estará livre para optar se licita de acordo com a nova lei ou de acordo com as leis anteriores. A opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital e regerá o contrato administrativo posteriormente assinado até o seu encerramento (art. 191, parágrafo único). Seguindo o mesmo raciocínio, o contrato assinado antes da entrada em vigor da lei n.º 14.133/2021 continua sendo regido pelas regras das leis revogadas (art. 190). Os municípios com até 20 mil habitantes terão regras especiais, uma vez que se presume que estes geralmente possuem estrutura administrativa insuficiente. Logo, terão um prazo de 06 anos para a transição para o regime previsto pela lei n.º 14.133/2021, para o cumprimento dos requisitos relativos ao agentes responsáveis pela condução das licitações e à segregação de funções; obrigatoriedade de licitações sob a forma eletrônica e divulgações via internet (art. 176). 18.2 Objetivos da Licitação A lei n.º 14.133/2021 mantém os objetivos tradicionais da lei n.º 8.666/1993, e agrega às licitações verdes/sustentáveis, que também constituem função regulatória da licitação: • assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; • assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; • evitar contratações com sobrepreço (preço orçado para licitação ou contratado em valor expressivamente superior aos preços referenciais de mercado) ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos; • incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável. O superfaturamento ocorre quando há dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecimento; deficiência na execução de obras e de serviços de engenharia; alterações no orçamento que causem desequilíbrio econômico; alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção de cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada no prazo contratual, ou reajuste irregular de preços. 18.3 Novos princípios O art. 5º traz uma série de novos princípios, alguns já anteriormente reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência e inclusive repetindo os já consagrados pela lei n.º 8.666/1993 (e por isso não serão detalhados abaixo, recomenda-se a leitura do tópico correspondente no estudo da lei n.º 8.666/1993). Há ainda previsão expressa de aplicação da LINDB, logo os seus princípios implícitos também serão aplicáveis (tal como o consequencialismo). São princípios comuns à lei n.º 8.666/1993: 203 FLÁVIA LIMMER • • • • • • • • • • • • • • • • • • LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Legalidade; Impessoalidade; Moralidade; Publicidade; Eficiência; Interesse público; Probidade administrativa; Igualdade; Transparência; Eficácia; Motivação; Vinculação ao edital; Julgamento objetivo; Segurança jurídica; Razoabilidade; Proporcionalidade; Economicidade; Desenvolvimento nacional sustentável. Passaremos a ver os novos princípios trazidos pela lei n.º 14.133/2021: a) Celeridade O princípio é bem direto: a Administração deve ser ágil em seu procedimento licitatório. O que não se confunde com afobação: a licitação deve observar o tempo necessário e razoável para a boa apreciação das propostas e cumprimento dos ritos necessários. b) Planejamento Incide principalmente na fase interna da licitação, nos seus procedimentos preparatórios. A Administração deve identificar a necessidade do produto/serviço, suas quantidades, preço de mercado, recurso para pagamento antes de formalizar a abertura do certame. O ideal é que seja elaborado um plano de contratação anual, com o objetivo de racionalizar as contratações, alinhando os órgãos e seus respectivos recursos orçamentários. O plano deverá ser público e divulgado na internet. c) Segregação de funções Está previsto no art. 7º, § 1º. Consiste na separação de funções de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações, evitando o acúmulo de funções por parte de um mesmo servidor. A licitação não deve ser conduzida por uma única autoridade. O procedimento licitatório exige pessoas com conhecimentos diferentes. Não há como uma única pessoa identificar a necessidade da licitação, elaborar o edital e julgar as propostas. Caso contrário o mesmo servidor faz o ato e o fiscaliza. Assim não é possível que o mesmo agente público seja escalado para atuar simultaneamente em funções mais suscetíveis à riscos, para reduzir erros e fraudes. 204 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 d) Competitividade Visa garantir a competitividade significa, em outras palavras, assegurar a proposta mais vantajosa para a Administração, e a manutenção da igualdade entre licitantes. Logo, o Poder Público não pode exigir requisitos para a participação na licitação que não estejam previamente previstos em lei e que sejam indispensáveis para a sua realização. O STF entende que é inconstitucional lei estadual que coloque como condição para ser licitante a fábrica ter sede no estado membro (ADI 3.583/PR). Pode-se afirmar que a lei também traz princípios em outros artigos, tais como o da cooperação (especificamente sobre a preferência de tramitação do licenciamento ambiental, em órgãos do SISNAMA, de obras e serviços de engenharia licitados e contratados nos termos da Lei); da padronização, do parcelamento e responsabilidade fiscal, que deverão ser observados no planejamento de compras (art. 40, V); e da anualidade nos reajustes de preços da contratação. A lei n.º 14.133/2021 também adotou o conceito de formalismo moderado, inclusive dispondo que o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo (art. 12, III). Assim apenas poderão ser desclassificadas as propostas com vícios insanáveis (Art. 59, I e V) Na mesma linha são dispensadas, como regra, as autenticações de documentos. A prova de autenticidade de cópia de documento público ou particular poderá ser feita com a apresentação, para o agente da Administração, do original ou ainda por declaração de autenticidade feita por advogado, sendo que este assumirá responsabilidade pessoal. Assim o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade, ou por expressa imposição legal (art. 12, IV e V). A lei dá clara preferência para os atos digitais. Fica disciplinada a identificação e assinatura digital por pessoa física ou jurídica em meio eletrônico, mediante certificado digital emitido em âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira -ICP–Brasil (art. 12, §§ 1º e 2º). 18.4 Função regulatória da licitação A função regulatória ou extra-econômica já era defendida por Marcos Juruena Villela Souto89, e certamente influenciou o conceito de licitações sustentáveis, já adotado pela antiga Lei n.º 8.666/93 e mantido pela nova como princípio. Também foi reconhecida pelo STF na ADI 1923. Sendo o Poder Público detentor de parcela significativa do PIB e um dos maiores compradores, suas decisões de aquisição de bens e serviços (sempre em considerável volume) podem influenciar as atitudes do empresariado e da sociedade. As compras públicas se transformam em um instrumento para a indução de comportamentos desejáveis, um sistema de fomento que equilibra, de forma pouco invasiva, a liberdade do particular com o atendimento de anseios da Administração e da sociedade, visando a promoção de políticas públicas. Assim a Administração poderá considerar, como proposta mais vantajosa, não só a que possui menor preço, mas a que também atende a valores constitucionais e à dignidade da pessoa humana. E o particular que não seguir o marco regulatório imposto pela licitação será excluído como potencial fornecedor. Nesse sentido a Lei prevê, em seu art. 25 § 9º que o edital poderá exigir que percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por mulheres vítimas de violência doméstica e oriundos ou egressos do sistema prisional. Há também uma preocupação com o combate da corrupção, através da adoção de medidas de compliance: o art. 25 § 4º impõe que nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, 89 VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005. 205 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento. Resumidamente as finalidades extraeconômicas previstas na Função Regulatória da Licitação visam o desenvolvimento nacional sustentável; a promoção da defesa do meio ambiente; a inclusão de portadores de deficiência no mercado de trabalho; e o fomento à contratação de microempresas e empresas de pequeno porte. O marco regulatório se concretiza também nas chamadas margens de preferência. a) Micro empresas e empresas de pequeno porte A microempresas e a empresas de pequeno porte gozam de benefícios, aplicando-se às licitações e contratos o previsto na LC 123/2006. Porém estes pode ser afastados previstos no de licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte (R$ 4.800.000,00). Na mesma linha não valerão no caso de contratação de obras e serviços de engenharia, às licitações cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte. Por fim a obtenção de benefícios fica limitada às microempresas e às empresas de pequeno porte que, no anocalendário de realização da licitação, ainda não tenham celebrado contratos com a Administração Pública cujos valores somados extrapolem a receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, devendo o órgão ou entidade exigir do licitante declaração de observância desse limite na licitação (R$ 4.800.000,00). Há também previsão de valor diferenciado do comumente exigido para o consórcio licitante, para a habilitação econômico-financeira, caso este seja integralmente composto por microempresas e pequenas empresas (Art. 15, § 2º). A Administração Pública poderá instituir o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI, que será detalhado posteriormente), restrito a startups, assim considerados os microempreendedores individuais, as microempresas e as empresas de pequeno porte, de natureza emergente e com grande potencial, que se dediquem à pesquisa, ao desenvolvimento e à implementação de novos produtos ou serviços baseados em soluções tecnológicas inovadoras que possam causar alto impacto, exigida, na seleção definitiva da inovação, validação prévia fundamentada em métricas objetivas, de modo a demonstrar o atendimento das necessidades da Administração (art. 81, § 4º). Por fim, a ordem cronológica de pagamentos que deverá ser observada pela Administração poderá ser alterada quando se tratar de microempresa, empresa de pequeno porte, agricultor familiar, produtor rural pessoa física, microempreendedor individual e sociedade cooperativa, desde que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato (Art. 141, § 1º, II). b) Margens de preferência Com a margem de preferência mesmo que a proposta do licitante seja mais cara, pode ser considerada mais vantajosa pela Administração. O art. 26 traz a possibilidade de margens de preferência para bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras e bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, conforme regulamento. A margem de preferência será definida em decisão fundamentada do Poder Executivo federal, no caso de produtos e serviços nacionais, e poderá ser de até 10% (dez por cento) sobre o preço dos bens e serviços que não se enquadrem mas suas especificações. 206 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Já para os bens manufaturados nacionais e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País, definidos conforme regulamento do Poder Executivo federal, a margem de preferência poderá ser de até 20% (vinte por cento). 18.5 Agentes Públicos (arts. 7º ao 10). A lei n.º 14.133/2021 busca profissionalização dos agentes públicos que atuam em licitações, criando novas classificações. • Agente de contratação (art. 8º): esse será designado entre servidores efetivos ou empregados públicos, sendo o principal responsável pelo procedimento licitatório. Deverá ter atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público. Não podem ser cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil Ele contará com uma equipe de apoio que não possui poder decisório, apenas para função de assessoramento, em atendimento ao princípio da separação de funções. • Autoridade superior (art. 7º): está hierarquicamente acima do agente de contratações. Possui a competência para adjudicar e homologar o processo de licitação. Os recursos no procedimento licitatório, por exemplo em razão de indeferimento de pedido de pré-qualificação, inabilitação de licitante, anulação da licitação ou extinção do contrato, entre outros, serão encaminhados à autoridade superior (art. 165, §2º); assim como o recurso pela aplicação de sanções (art. 166, parágrafo único). Também poderá acompanhar a execução do contratos administrativos (art. 137). • Comissão de Licitação: é facultativa a formação de comissão de licitação, com no mínimo 03 membros, para licitações de contratação de bens e serviços especiais. Já na modalidade diálogo competitivo será obrigatória a formação de comissão de licitação, também com no mínimo 03 membros (art. 6º, L, art. 8º, §2º, art. 32, XI). A Lei ressalta a exigência de promoção da gestão por competências na designação de agentes públicos para trabalhar na área de licitação e contrato (art. 7º). Salientamos a manutenção do pregoeiro como o responsável pela condução dos certames na modalidade pregão (art. 8º, § 5º). 18.6 Fases da licitação a) Fase preparatória A lei dedicou um capítulo para a fase preparatória do processo licitatório (a antiga fase interna), disciplinando-o de forma mais rígida (art. 18 a 27). Vários conceitos do RDC são incorporados aqui. Os órgãos públicos devem fazer um planejamento de longo prazo de suas compras e este deve ser divulgado de forma ampla, respeitando a publicidade. Assim o plano de contratações deverá ser anual (art. 12, §1º) e compatibilizado com as leis orçamentárias. Note aqui que o art. 5º lista o planejamento, logo, pode-se afirmar que ele é um novo princípio geral das licitações e o plano anual de contratações um de seus instrumentos efetividade. Deve ser elaborado o estudo técnico preliminar, a primeira etapa do planejamento. Ele motiva a necessidade da licitação, e também baseará o anteprojeto, o termo de referência e/ou projeto básico. 207 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Também deixa claro qual o problema que a Administração visa sanar, bem como a melhor solução para tal, permitindo a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação (art. 6º, XX). O anteprojeto será elaborado pela Administração pública quando o regime de execução indireta de obras e serviços de engenharia for o de contratação integrada. Trata-se de uma em peça técnica, onde estão fixados os parâmetros e informações necessárias para a confecção dos projetos básico e executivo que ficarão a cargo do vencedor da disputa, tais como demanda do público-alvo, condições de solidez, de segurança e de durabilidade, prazo de entrega, estética do projeto arquitetônico entre outras (art. 6º, XXIV). Termo de referência é o documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter parâmetros e elementos descritivos tais como definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação, fundamentação da contratação, descrição da solução como um todo, forma e critérios de seleção do fornecedor etc (art. 6º, XXIII). Projeto básico conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter elementos tais como levantamentos topográficos e cadastrais, soluções técnicas globais e localizadas, identificação dos tipos de serviços a executar e dos materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como das suas especificações, orçamento detalhado do custo global da obra (Art. 6º, XXV, c/c art. 46, §§ 2º, 3º e 5º). O projeto executivo para obra deve ser completo, trazendo os elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, com o detalhamento das soluções previstas no projeto básico, a identificação de serviços, de materiais e de equipamentos a serem incorporados à obra, bem como suas especificações técnicas, de acordo com as normas técnicas pertinentes, para a definição de preços, entre outros. Não se poderá mais começar a obra sem o projeto executivo. É possível a contratação integrada, onde uma mesma empresa poderá realizar o projeto e a construção em si, mas apenas para obras maiores que R$ 100 milhões (art. 6º, XXVI). Os órgãos públicos poderão fazer seus orçamentos pelo preço global da obra, sem necessariamente ter que especificar valores item a item. Caberá a Administração elaboração do orçamento, estimando composição dos preços utilizados para a sua formação (art. 18, IV). Este poderá ser mantido em sigilo até que se finalize a fase de julgamento das propostas (art. 24), estando plenamente disponível a qualquer momento apenas para os órgãos de controle interno e externo. A intenção, aqui, é evitar que os licitantes ao terem conhecimento de quanto o Poder Público está disposto a gastar, elevem suas propostas até o mais próximo do teto estipulado, ao invés de as fixarem em um valor razoável. b) Fase externa da licitação A fase externa se inicia com a publicação do edital. Inspirando-se no pregão e no RDC, a lei fixa como regra a apresentação de propostas e lances antecedendo a fase de habilitação, em todas as modalidades licitatórias. Para todas as modalidades de licitação, a ordem das fases passa a ser a seguinte: preparatória; divulgação do edital de licitação; apresentação de propostas e lances, nos casos em que há lances; julgamento; habilitação; recursal; homologação (art. 17). A inversão das fases poderá ocorrer apenas mediante ato motivado e com previsão expressa em edital, como pro exemplo no diálogo competitivo (nova modalidade que será explicada abaixo). A habilitação dos licitantes está prevista no art. 37 da lei n.º 14.133/2021. O art. 62 da lei n.º 14.133/2021 apresenta quatro espécies de habilitação: jurídica; técnica; fiscal, social e trabalhista; econômico-financeira. No julgamento da habilitação a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que 208 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação. O julgamento das propostas dependerá do critério adotado, que serão abordados no item 18.7. As propostas deverão ser exequíveis, e a Administração não poderá aceitar propostas menores que 80% do seu orçamento. Aquelas que apresentares valores entre 80% e 85% do orçamento terão que fazer um seguro adicional para garantir sua execução. Outra novidade é a verificação da conformidade das propostas. Essa poderá ser feita exclusivamente em relação à proposta mais bem classificada e, após definido o resultado do julgamento, a Administração poderá negociar condições ainda mais vantajosas com o primeiro colocado. 18.7. Critérios de julgamento Ao invés de utilizar a nomenclatura “tipos de licitação”, a lei n.º 14.133/2021 optou pela terminologia “critérios de julgamento”. Estes estão diretamente ligados aos tipos de licitação. Assim o julgamento das propostas será realizado de acordo com os critérios de: • • • • • • menor preço; maior desconto; melhor técnica ou conteúdo artístico; técnica e preço; maior lance, no caso de leilão; maior retorno econômico. Os critérios de menor preço, maior desconto, melhor técnica e preço e maior lance não apresentam grandes novidades em relação à lei n.º 8.666/1993. O critério de melhor técnica ou conteúdo artístico: poderá ser utilizado para a contratação de projetos e trabalhos de natureza técnica, científica ou artística. O edital deverá definir o prêmio ou a remuneração que será atribuída aos vencedores. A banca julgadora terá no mínimo 03 membros e poderá ser composta por servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração Pública; ou profissionais contratados por conhecimento técnico, experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados em edital, desde que supervisionados por agentes públicos (art. 37, § 1º). Já o maior retorno econômico será o critério adotado para celebração de contrato de eficiência. Nestes o contratado se compromete a gerar alguma economia de despesa à Administração Pública, sendo sua remuneração vinculada ao desempenho eficiente. 18.8 Modalidades de Licitação A nova lei extingue as modalidades convite e tomada de preço. Permanecem a concorrência, pregão, concurso e leilão. Mas surge uma nova modalidade: o diálogo competitivo, que de certa forma substitui o RDC, que também deixa de existir. Uma mudança significativa: se hoje o que define a modalidade da licitação é o valor do contrato ou a natureza do objeto, usaremos apenas a natureza do objeto (art. 28). É proibida a criação de outras modalidades além daquelas previstas na lei, assim como a combinação das modalidades existentes (art. 28, § 2º). 209 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 a) Pregão (art. 6º, XLI, c/c art. 29) Se torna obrigatório para bens e serviços comuns (com padrões de desempenho e qualidade objetivamente definidos por especificações usuais do mercado). Não poderá ser utilizado para licitar obras e serviços de engenharia. Usa os critérios de menor preço e maior desconto. b) Concorrência (art. 6º, XXXVIII, c/c art. 29) Será utilizado para a contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e obras e serviços de engenharia e arquitetura; de bens e demais serviços considerados especiais. Pode utilizar todos os critérios de julgamento, exceto maior lance. c) Concurso (art. 6º, XXXIX c/c art. 30) Tal como na lei n.º 8.666/1993, será utilizado para a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico. Usa o critério de melhor técnica ou conteúdo artístico (art. 5º, XXXIX). d) Leilão (art. 5º, XL,, c/c art. 31) Também sem grandes diferenças. Pode ser utilizado para a alienação de qualquer bem móvel e imóvel, independentemente do valor. Não há mais o limite máximo de valor para a realização do leilão, nem restrição sobre quais bens móveis e imóveis são sujeitos ao leilão. Agora qualquer bem da Administração, móvel ou imóvel, poderá ser leiloado. Usa o critério de maior lance. e) Diálogo Competitivo (art. 6º, XLII, c/c art. 32) Essa é a nova modalidade trazida pela Lei, para a contratação de obras, serviços e compras, com escopo complexo. Os diálogos visam exatamente permitir que o mercado colabore com o Poder Público para que juntos elaborem alternativas capazes de atender à necessidade pública, bem como definirem as regras do contrato. Assim só deverá ser utilizado objetos com alta para complexidade técnica, jurídica ou financeira. Por exemplo, a necessidade de desenvolvimento de um software ou de um aplicativo. Flávio Amaral Garcia e Egon Bockmann Moreira esclarecem que “o diálogo competitivo foi concebido para conferir maior flexibilidade nas licitações públicas, nomeadamente naqueles contratos complexos que não comportam, a priori, soluções herméticas. A essência do diálogo competitivo é viabilizar, no curso do próprio procedimento licitatório, a construção da solução mais satisfatória para objetos demasiadamente complexos, seja pelas características técnicas, financeiras ou mesmo jurídicas. Como notório, existem determinados objetos que se notabilizam pelo elevado desnível informacional entre a Administração Pública e os operadores econômicos” 90. A Administração Pública realizará diálogos com licitantes, previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar suas propostas finais após o encerramento dos diálogos. O diálogo competitivo em si não é uma etapa prévia a licitação, e sim o próprio procedimento licitatório. Segundo Garcia e Moreira, ele se desdobra em três fases. Em uma primeira etapa haverá uma a qualificação técnica e econômico-financeira (similar à habilitação técnica e econômico-financeira da lei n.º 8.666/1993) dos potenciais licitantes que pretendem apresentar suas sugestões de solução. Em seguida abre- 90 GARCIA, Flávio Amaral; MOREIRA, Egon Bockmann Moreira. O projeto da nova lei de licitações brasileira e alguns de seus desafios. Revista de Contratos Públicos n.º 21, setembro de 2019. 210 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 se a fase dinâmica e dialógica, o diálogo em si, em que a Administração debate com os licitantes as melhores propostas para seu projeto, bem como as adaptações indispensáveis – onde cada um deles apresentará, individualmente, possíveis soluções e alternativas para o projeto da Administração. Na terceira e última fase a Administração já concluiu qual é a alternativa que melhor atende às suas necessidades, e com base em sua escolha fará o julgamento das propostas apresentadas pelos licitantes, usando um dos critérios previstos na lei de licitações (menor preço; maior desconto; melhor técnica ou conteúdo artístico; técnica e preço; maior retorno econômico). A primeira e a última etapa são rígidas, a flexibilidade só está presente na segunda etapa, em que a cooperação é essencial. Nela podem ser definidas questões como o detalhamento do objeto a ser contratado, as condições contratuais, fases de desenvolvimento e seus prazos, como será fornecido o objeto e modo de remuneração do ente privado, por exemplo. Na fase competitiva (a última) será divulgado edital contendo a especificação da solução que atenda às suas necessidades e os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa Abrese o prazo de no mínimo 60 (sessenta) dias úteis para que todos os licitantes pré-selecionados apresentem suas propostas, que deverão conter os elementos necessários para a realização do projeto – ou seja, mesmo que apenas uma solução tenha agradado ao Poder Público na segunda etapa, o particular que a apresentou ainda não está contratado; ele deverá competir com os demais licitantes, tal como ocorre nas demais modalidades de licitação. Na última fase a Administração poderá solicitar esclarecimentos ou ajustes às propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação nem distorçam a concorrência entre as propostas, e definirá a proposta vencedora de acordo com critérios divulgados no início da fase competitiva, assegurada a contratação mais vantajosa como resultado. Em razão de suas peculiaridades o diálogo competitivo não será utilizado para qualquer situação. Apenas quando o objeto a ser contratado envolva inovação tecnológica ou técnica, impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado e impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração. 18.9 Diretrizes do processo de contratação direta : inexigibilidade (art. 73) e dispensa de licitação (art. 74) Tal como na lei n.º 8.666/1993 a contratação direta é a contratação sem a necessidade de licitar, pelas hipóteses de dispensa de licitação e inexigibilidade de licitação. A contratação direta pode lançar mão dos procedimentos auxiliares, que serão estudados no item 18.20. a) inexigibilidade de licitação As hipóteses clássicas de inexigibilidade continuam existindo: contratação por exclusividade de fornecedor; contratação de serviço técnico; contratação de profissional do setor artístico. O serviço técnico especializado passa a ser o com natureza predominantemente intelectual, prestado por um profissional de notória especialização. Os shows de artistas consagrados poderão ser contratados sem concorrência, mas os valores pagos pelo cachê devem ser especificados, assim como o custo por transporte, da banda, entre outros. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de: • aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos; • contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública; 211 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • contratação serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação: • estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos; • pareceres, perícias e avaliações em geral; • assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; • fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; • patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; • treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; • restauração de obras de arte e de bens de valor histórico; • controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem nesta possibilidade; • objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento; • aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha. b) dispensa de licitação A nova Lei prevê ainda duas novas hipóteses para a contratação direta por inexigibilidade: credenciamento (onde o Poder Público fará o cadastro prévio, que será explicado abaixo); e aquisição ou locação de imóveis cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha. É dispensável a licitação: • para contratação que envolva valores inferiores a R$ R$ 108.040,82 (cento e oito mil quarenta reais e oitenta e dois centavos), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; • para contratação que envolva valores inferiores a R$ R$ 54.020,41 (cinquenta e quatro mil vinte reais e quarenta e um centavos) no caso de outros serviços e compras; • para contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de 1 (um) ano, quando se verificar que naquela licitação: não surgiram licitantes interessados ou não foram apresentadas propostas válidas; e as propostas apresentadas consignaram preços manifestamente superiores aos praticados no mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes; • para contratação que tenha por objeto bens, componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira necessários à manutenção de equipamentos, a serem adquiridos do fornecedor original desses equipamentos durante o período de garantia técnica, quando essa condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia; • para contratação que tenha por objeto bens, serviços, alienações ou obras, nos termos de acordo internacional específico aprovado pelo Congresso Nacional, quando as condições ofertadas forem manifestamente vantajosas para a Administração; • para contratação que tenha por objeto produtos para pesquisa e desenvolvimento, limitada a contratação, no caso de obras e serviços de engenharia, ao valor de R$ 324.122,46 (trezentos e vinte e quatro mil cento e vinte dois reais e quarenta e seis centavos) • transferência de tecnologia ou licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida, nas contratações realizadas por instituição científica, tecnológica e de inovação (ICT) pública ou por agência de fomento, desde que demonstrada vantagem para a Administração; 212 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • hortifrutigranjeiros, pães e outros gêneros perecíveis, no período necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes, hipótese em que a contratação será realizada diretamente com base no preço do dia; • bens ou serviços produzidos ou prestados no País que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional; • materiais de uso das Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante autorização por ato do comandante da força militar; • bens e serviços para atendimento dos contingentes militares das forças singulares brasileiras empregadas em operações de paz no exterior, hipótese em que a contratação deverá ser justificada quanto ao preço e à escolha do fornecedor ou executante e ratificada pelo comandante da força militar; • abastecimento ou suprimento de efetivos militares em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento; • coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, realizados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente de pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública; • aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que inerente às finalidades do órgão ou com elas compatível; • serviços especializados ou aquisição ou locação de equipamentos destinados ao rastreamento e à obtenção de provas previstas nos incisos II e V do caput do art. 3º da lei n.º 12.850/2013 (combate às rganizações criminosas), quando houver necessidade justificada de manutenção de sigilo sobre a investigação; • aquisição de medicamentos destinados exclusivamente ao tratamento de doenças raras definidas pelo Ministério da Saúde; • para contratação com vistas ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 3º-A, 4º, 5º e 20 da Lei n.º 10.973/2004 (incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtiva), observados os princípios gerais de contratação constantes da referida Lei; • para contratação que possa acarretar comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos pelo Ministro de Estado da Defesa, mediante demanda dos comandos das Forças Armadas ou dos demais ministérios; • nos casos de guerra, estado de defesa, estado de sítio, intervenção federal ou de grave perturbação da ordem; • nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base nessa hipótese; 213 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integrem a Administração Pública e que tenham sido criados para esse fim específico, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado; • quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento; • para celebração de contrato de programa com ente federativo ou com entidade de sua Administração Pública indireta que envolva prestação de serviços públicos de forma associada nos termos autorizados em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação; • para contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição desses produtos durante as etapas de absorção tecnológica, e em valores compatíveis com aqueles definidos no instrumento firmado para a transferência de tecnologia; • para contratação de profissionais para compor a comissão de avaliação de critérios de técnica, quando se tratar de profissional técnico de notória especialização; • para contratação de associação de pessoas com deficiência, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgão ou entidade da Administração Pública, para a prestação de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado e os serviços contratados sejam prestados exclusivamente por pessoas com deficiência; • para contratação de instituição brasileira que tenha por finalidade estatutária apoiar, captar e executar atividades de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive para gerir administrativa e financeiramente essas atividades, ou para contratação de instituição dedicada à recuperação social da pessoa presa, desde que o contratado tenha inquestionável reputação ética e profissional e não tenha fins lucrativos; • para aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de insumos estratégicos para a saúde produzidos por fundação que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da Administração Pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o SUS e que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior à entrada em vigor desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado. 18.10 Procedimentos Auxiliares Os arts. 28, § 1º, e 78 da lei n.º 14.133 estabelecem os procedimentos auxiliares que podem ser usados pela Administração. Estes podem ser divididos em dois tipos: os que resultam na contratação do licitante e os que antecedem à licitação Os primeiros são o credenciamento e o sistema de registro de preços. Os que antecedem a licitação, como o próprio nome indica, possuem caráter preparatório: pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse e registro cadastral. a) Credenciamento Ocorre quando não há interesse público em contratar apenas um licitante. É mais vantajoso para a Administração criar uma lista com vários particulares aptos a fornecer o bem ou o serviço. Por exemplo, o 214 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 credenciamento de hospitais para o SUS ou de clínicas para exames de autoescola. Nestes casos o Poder Público não precisa escolher um único fornecedor. Pelo contrário: não há aqui competição entre os interessados em fornecer o serviço (um hospital cardíaco não compete com o de ortopedia). O mais vantajoso é ter todos no leque de opções. Assim o credenciamento visa otimizar as contratações diretas por inexigibilidade (art. 78). A Administração mantém cadastro com número ilimitado de credenciados. Caberá ao Poder Público fixar o preço, e realizar a publicidade por instrumento de chamamento público. A inclusão de novos credenciados pode ser feita a qualquer tempo. A lei n.º 14.133/2021 apresenta três situações em que é cabível o credenciamento: • paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas; • com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação; • em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação. Os procedimentos de credenciamento serão definidos em regulamento, observadas as seguintes regras: • a Administração deverá divulgar e manter à disposição do público, em sítio eletrônico oficial, edital de chamamento de interessados, de modo a permitir o cadastramento permanente de novos interessados; • na hipótese paralela e não excludente, quando o objeto não permitir a contratação imediata e simultânea de todos os credenciados, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição da demanda; • o edital de chamamento de interessados deverá prever as condições padronizadas de contratação. Nas hipóteses paralela e não excludente e com seleção a critério de terceiros , deverá definir o valor da contratação; • em mercados fluidos a Administração deverá registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação; • não será permitido o cometimento a terceiros do objeto contratado sem autorização expressa da Administração; • será admitida a denúncia por qualquer das partes nos prazos fixados no edital. O credenciamento não estava expresso na lei n.º 8.666/1993, mas já era admitido pelo STJ. Para a Corte sendo o credenciamento é modalidade de licitação inexigível em casos que há inviabilidade de competição, ao mesmo tempo em que se admite a possibilidade de contratação de todos os interessados em oferecer o mesmo tipo de serviço à Administração Pública. Logo o estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de licitantes em credenciamento é ilegal (STJ. 1ª Turma. REsp 1.747.636-PR). b) Pré-qualificação Visa antecipar a apreciação dos documentos necessários à qualificação do licitante e/ou do seu produto. É realizada antes da licitação e poderá ser utilizada para qualquer uma das modalidades (art. 79). A Administração pré-seleciona licitantes com condições de habilitação para participar de futuras licitações, que poderão ou não ser exclusivas para os já pré-qualificados. 215 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Também podem ser pré-qualificados bens que atendam exigências técnicas ou de quantidades. Logo são então duas pré-qualificações diferentes: uma para licitantes, outra para bens. A pré qualificação deve ter as informações mínimas do objeto, modalidades e critérios da futura licitação. Os interessados apresentam a documentação solicitada para análise e aprovação do órgão ou comissão da Administração. Quando a pré qualificação for aberta a licitantes, poderão ser dispensados os documentos que já constarem do registro cadastral. Já quando aberta a bens, poderá ser exigida a comprovação de qualidade. O procedimento de pré-qualificação ficará permanentemente aberto para a inscrição de interessados. c) Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) É um procedimento que ocorre antes da licitação propriamente dita. Não é obrigatório, ocorre quando o Poder Público julga necessário – geralmente quando ela tem dificuldade de elaborar o edital de licitação. Visa levantar, através do mercado informações sobre preços soluções possíveis para os problemas enfrentados pelo Poder Público. É útil especialmente para a avaliação de projetos que envolvem novas tecnologias, e que serão desenvolvidos em entes federativos que não possuem corpo técnico especializado para a sua avaliação. A Administração poderá solicitar que empresas privadas interessadas realizem os estudos necessários e façam os projetos para obras ou concorrências. Estas serão remuneradas pelos vencedores da licitação, que pagarão pelo projeto após o término da disputa. A própria empresa que elaborou o PMI poderá participar da licitação para a obra/concorrência (art. 80). O diálogo competitivo se diferencia do procedimento de manifestação de interesse (PMI) por ser uma modalidade de licitação – ou seja, a Administração de certa forma garante que haverá a contratação ao final do procedimento. Já no PMI não há nenhuma garantia que a licitação será realizada no futuro. Sobre o tema PMI leia também o item 11 do Capítulo 10 d) Sistema de Registro de Preço – SRP O Poder Público mantém um catálogo com os preços médios praticados pelo mercado. Poderá ser usado para obras (art. 81, § 5º), com vigência da ata por até dois anos (art. 83). Também pode ser usado para contratação direta (art. 81, § 6º). O fornecedor tem seus preços registrados para que eventuais necessidades de aquisição de bens e serviços sejam direcionadas a ele. Nesse sistema os licitantes apresentam suas propostas para cada item. A melhor proposta firma uma Ata de Registro de Preços com a Administração para fornecimento sob demanda, conforme os valores e quantidades registradas. A contratação terá validade máxima de 01 ano, prorrogável por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso. A entrega é parcelada, de acordo com a necessidade do Poder Público. A vantagem é reduzir a necessidade de estoque. Logo deve ser usado quando a quantidade a ser usada pela Administração é só estimada. É possível a adesão à ata de registro de preços, ou a “carona”: um órgão ou entidade que não participou do processo licitatório pega emprestada a ata de outro órgão ou entidade. A vantagem da carona deve ser justificada, além de ter a aceitação do fornecedor. Também não pode prejudicar as obrigações presentes e futuras da ata já assumida preliminarmente. As contratações extras não podem exceder 50% dos quantitativos de registrados na ata original do órgão gerenciador (art. 86, §4º). e) Registro Cadastral O Poder Público mantém um registro do histórico de performance e de reputação dos particulares que já contratou, possibilitando inclusive conferir incentivos aos com bom desempenho (art. 86). Trata-se de 216 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 um sistema de registro cadastral unificado, amplamente divulgado e permanentemente aberto aos interessados. Porém a Administração deve promover um chamamento anual para atualização dos já cadastrados e chamada para novos (como um “lembrete”). O registro cadastral visa unificar as informações sobre todos os licitantes. Eles são classificados por categorias conforme área de atuação. Após são divididos em grupos pela qualificação técnica e econômicofinanceira. É fornecido um certificado ao licitante 18.11 Building Information Modelling – BIM O art. 19 da nova lei dispõe que os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, utilização e atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia. O §3º do mesmo artigo estabelece Nas licitações de obras e serviços de engenharia e arquitetura, sempre que adequada ao objeto da licitação, será preferencialmente adotada a Modelagem da Informação da Construção (Building Information Modelling – BIM) ou tecnologias e processos integrados similares ou mais avançados que venham a substituí-la. O Decreto Federal n.º 10.306/2020 já estabelecia o uso do BIM na execução direta ou indireta de obras e serviços de engenharia realizada pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal, no âmbito da Estratégia Nacional de Disseminação do Building Information Modelling – Estratégia BIM BR. O BIM visa desenvolver um modelo virtual do empreendimento que será construído, que pode ser alimentado não só com parâmetros geométricos, técnicos e de escala, mas também com os valores dos materiais, maquinário e mão de obra necessários, gerando um protótipo / maquete virtual da obra, inclusive com o uso de tecnologia 3D. Assim as construtoras podem apresentar uma estimativa de orçamento mais precisa, bem como uma previsão dos possíveis riscos. A tecnologia pode ser utilizada em todas as etapas de uma obra, inclusive após a ocupação do prédio, prevendo inclusive como a obra reagirá aos efeitos do tempo e quais as reformas serão necessárias e como deverão ser feitas. O modelo computacional também permite a partilha de informações entre engenheiros, arquitetos, economistas e administradores, permitindo a redução de custos, melhor atendimento às expectativas da sociedade e consequentemente redução da edição de aditivos contratuais. 18.12 Licitação internacional A Lei estabelece que licitação internacional será aquela processada em território nacional na qual é admitida a participação de licitantes estrangeiros, com a possibilidade de cotação de preços em moeda estrangeira, ou ainda a licitação na qual o objeto contratual pode ou deve ser executado no todo ou em parte em território estrangeiro (art. 6º, XXXV). O art. 52 completa, ao dispor que nas licitações de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes. Nelas edital não poderá prever condições de habilitação, classificação e julgamento que constituam barreiras de acesso ao licitante estrangeiro, admitida a previsão de margem de preferência para bens produzidos no País e serviços nacionais que atendam às normas técnicas brasileiras. 18.13 Utilização de meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias Seguindo a tendência do consensualismo e da administração dialógica, o a lei prevê o uso de métodos alternativos de solução de disputas: conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e arbitragem, com aplicação em casos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao 217 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações (art. 151-154). 18.14 Portal Nacional de Contratações Públicas A lei faz clara opção pela licitação via meios eletrônicos, ao estipular que “os atos serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico” (art. 12, VI).A regra para todos os procedimentos de contratação passa a ser a contratação eletrônica, possível em todas as modalidades de licitação. Nos termos do § 2º do art. 17, “as licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica”. O uso da forma presencial será possível, quando o Poder Público apresente essa opção de forma motivada e desde que que registre a sessão pública em ata e grave o referido ato com a utilização de recursos tecnológicos de áudio e vídeo (art. 17.7, § 2º e § 5º). A criação do Portal Nacional de Contratações Públicas para assegurar transparência nas contratações em toda a Administração, de todos os entes da Federação. Ele concentrará todas as licitações dos órgãos e entidades da Administração direta, autárquica e fundacional da União, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O PL pretende que o Portal seja uma plataforma para os procedimentos licitatórios e realização das licitações, cuja adesão será facultativa (art. 174). 18.15 Prazo indeterminado (art. 108) e prorrogação automática (art. 110) A Administração poderá celebrar contratos por prazo indeterminado nos casos em que seja usuária de serviço público oferecido em regime de monopólio. Também há a hipótese o prazo de vigência contratual será automaticamente prorrogado quando a contratação estabelecer a conclusão de um escopo predefinido e o seu objeto não houver sido concluído no período firmado no contrato. 18.16 Regulação do parecer jurídico O art. 53, §3º, estabelece a elaboração de parecer jurídico como mecanismo de controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação. Na elaboração do parecer o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade, e redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica. 18.17 Sobrepreço e superfaturamento A lei estabelece que o sobrepreço ocorre quando o preço orçado para licitação ou contratado apresenta valor expressivamente superior aos preços referenciais de mercado, seja de apenas 1 (um) item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, seja do valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por tarefa, empreitada por preço global ou empreitada integral, semi-integrada ou integrada (art. 6º, LI). Já no superfaturamento há dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por (art. 6º, LII): • Medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas; • Deficiência na execução de obras e de serviços de engenharia que resulte em diminuição da sua qualidade, vida útil ou segurança; 218 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 • Alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado; • Outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a Administração ou reajuste irregular de preços. 18.18 Crimes e punições administrativas (art. 155 e art. 178) A lei revoga imediatamente os crimes previstos na lei n.º 8.666/1993, acrescentando em substituição um novo capítulo ao Código Penal. A maioria dos dispositivos mantém a redação dos tipos penais previstos atualmente, com a majoração de várias das penas. Por exemplo o crime de fraude a licitação ou nos contratos terá pena de reclusão de 4 a 8 anos. Na esfera administrativa as empresas que fraudarem a concorrência poderão sofrer três punições: multa, impedimento de licitar por até 03 anos e declaração de inidoneidade de 03 anos até 06 anos. A empresa poderá ter a punição retirada se reparar o dano. 18.19 Alterações nos contratos A lei altera algumas regras gerais sobre os contratos administrativos, que estão detalhadas no capítulo específico (09). Lembrando que os contratos administrativos serão regulados, até a sua extinção, pela lei que conduziu seu procedimento licitatório. Por exemplo, se a compra de bens foi precedida por uma licitação realizada nos moldes da lei n.º 8.666/1993, será essa lei que determinará as cláusulas do contrato. 19. MARCO LEGAL DAS STARTUPS (LC 182/2021) A LC 182/2021 estabeleceu o marco legal das startups, ou seja, as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados. Para o enquadramento como tal exige-se que o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples atendam ao seguinte: • • • auferir receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, independentemente da forma societária adotada; ter até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); atender aos requisitos de declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços OU enquadramento no regime especial Inova Simples. Seguindo a lógica de tratamento diferenciado às empresas de pequeno porte previstos na Lei n.º 14.133/021, a LC 182/2021 trouxe disposições aplicáveis à contratação de soluções inovadoras pelo Estado, prevendo, em capítulo próprio (artigos 12 a 15), normas gerais para as licitações e contratos que possuam as finalidades de resolver demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia; e/ou promover a inovação no setor produtivo por meio do uso do poder de compra do Estado. As normas específicas subordinam todos os órgãos e as entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 12 § 1º LC). As empresas estatais poderão adotar a regulamentação específica para licitação de startups, desde que compatibilizem com o disposto no art. 40 da lei n.º 13.303/2016. 219 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 A LC 182/2021 estabeleceu uma nova modalidade de licitação, denominada simplesmente de “modalidade especial”, visando a contratação de pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a ser desenvolvidas, com ou sem risco tecnológico (art. 13). Administração Pública poderá delimitar o escopo da licitação à indicação do problema a ser resolvido e dos resultados esperados, incluídos os desafios tecnológicos a serem superados, dispensando, ainda, a descrição de eventual solução técnica previamente mapeada e suas especificações técnicas, cabendo aos proponentes propor diferentes meios para a resolução do problema. O edital da modalidade especial de licitação será divulgado, com antecedência de, no mínimo, 30 dias corridos até a data de recebimento das propostas, em sítio eletrônico oficial centralizado de divulgação de licitações ou mantido pelo ente público licitante e no diário oficial do ente federativo. As propostas serão avaliadas e julgadas por comissão especial integrada por, no mínimo, 03 (três) pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento no assunto, sendo obrigatório que uma seja servidor público integrante do órgão para o qual o serviço está sendo contratado e a segunda professor de instituição pública de educação superior na área relacionada ao tema da contratação. Os critérios para julgamento das propostas deverão considerar, sem prejuízo de outros definidos no edital: • • • • • o potencial de resolução do problema pela solução proposta e, se for o caso, da provável economia para a administração pública; o grau de desenvolvimento da solução proposta; a viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução; a viabilidade econômica da proposta, considerados os recursos financeiros disponíveis para a celebração dos contratos; e a demonstração comparativa de custo e benefício da proposta em relação às opções funcionalmente equivalentes. A administração pública poderá, mediante justificativa expressa, dispensar, no todo ou em parte a documentação de habilitação e de regularidade fiscal prevista, bem como a prestação de garantia para a contratação. Após a fase de julgamento das propostas, a administração pública poderá negociar com os selecionados as condições econômicas mais vantajosas para a administração e os critérios de remuneração que serão adotados. Encerrada a fase de julgamento e de negociação, na hipótese de o preço ser superior à estimativa, a administração pública poderá, mediante justificativa expressa, com base na demonstração comparativa entre o custo e o benefício da proposta, aceitar o preço ofertado, desde que seja superior em termos de inovações, de redução do prazo de execução ou de facilidade de manutenção ou operação, limitado ao valor máximo que se propõe a pagar. Com a homologação do resultado da licitação, a administração pública celebrará Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI) com as proponentes selecionadas, com vigência limitada a 12 meses, prorrogável por igual período. Este contrato terá valor máximo a ser pago à contratada de R$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais) e deverá conter, entre outras cláusulas: • • • as metas a serem atingidas para que seja possível a validação do êxito da solução inovadora e a metodologia para a sua aferição; a forma e a periodicidade da entrega à administração pública de relatórios de andamento da execução contratual, que servirão de instrumento de monitoramento, e do relatório final a ser entregue pela contratada após a conclusão da última etapa ou meta do projeto; a matriz de riscos entre as partes, incluídos os riscos referentes a caso fortuito, força maior, risco tecnológico, fato do príncipe e álea econômica extraordinária; 220 FLÁVIA LIMMER • • LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 a definição da titularidade dos direitos de propriedade intelectual das criações resultantes do CPSI; e a participação nos resultados de sua exploração, assegurados às partes os direitos de exploração comercial, de licenciamento e de transferência da tecnologia de que são titulares. Encerrado o período máximo do CPSI, a administração pública poderá celebrar com a mesma contratada, sem nova licitação, contrato para o fornecimento do produto, do processo ou da solução resultante do CPSI ou, se for o caso, para integração da solução à infraestrutura tecnológica ou ao processo de trabalho da administração pública. A vigência do contrato de fornecimento será limitada a 24 (vinte e quatro) meses, prorrogável por mais um período de até 24 (vinte e quatro) meses. Os contratos de fornecimento serão limitados a 5 (cinco) vezes o valor máximo CPSI. 19.1 Sanbox Regulatório A LC 182/2021 ainda dispõe, em seus arts. 2º, II, e 11, sobre ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório). Trata-se do conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado. A regulação sandbox visa dar respostas regulatórias mais eficientes no âmbito das rápidas transformações no mercado. Para se testar uma aplicação, cria-se um ambiente isolado e seguro, visando que o experimento danifique outras ações já em curso ou o próprio sistema em si. Em outras palavras trata-se de um ambiente em que as empresas selecionadas poderão oferecer produtos e serviços sem se submeter às restrições impostas pela regulação já existente. Por exemplo o Banco Central já instituiu sandbox regulatório que permite que instituições financeiras já autorizadas e ainda não autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil possam testar projetos inovadores (produtos ou serviços experimentais) com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos, mais brandos do que os existentes e já aplicados para “bancos padrão”. Na mesma linha a CVM já estabeleceu sandbox para empresas que desejam ofertar valores mobiliários emitidos ou representados na forma de tokens em redes de blockchain. O sandbox é um modelo de teste, logo as startups participantes recebem uma autorização temporária e condicionada do órgão regulador. Logo o órgão estabelecerá O sandbox é um modelo de teste, logo as startups participantes recebem uma autorização temporária e condicionada do órgão regulador. Logo o órgão estabelecerá os critérios para seleção ou para qualificação do regulado; a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas; e as normas abrangidas. 20. TESES DO STJ 1) A Lei n. 8.666/1993, que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, não guarda pertinência com as questões envolvendo concursos para preenchimento de cargos públicos efetivos. 2) Ainda que o servidor esteja de licença à época do certame, não é possível a participação de empresa que possua no seu quadro de pessoal servidor público, efetivo ou ocupante de cargo em comissão/função gratificada, ou dirigente do órgão contratante ou responsável pela licitação. 221 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER 3) A previsão indenizatória do art. 42, §2º, da Lei n. 8.987/1995 não se aplica às hipóteses de permissão, mas apenas aos casos de concessão de serviço público. 4) Não é devida indenização a permissionário de serviço público de transporte coletivo por prejuízos suportados em face de déficit nas tarifas quando ausente procedimento licitatório prévio. 5) Nos termos do §2º do art. 42 da Lei n. 8.987/1995, a administração deve promover certame licitatório para novas concessões de serviços públicos, não sendo razoável a prorrogação indefinida de contratos de caráter precário. 6) Extinto o contrato de concessão por decurso do prazo de vigência, cabe ao Poder Público a retomada imediata da prestação do serviço até a realização de nova licitação, independentemente de prévia indenização, assegurando a observância do princípio da continuidade do serviço público. 7) A contratação de advogados pela administração pública, mediante procedimento de inexigibilidade de licitação, deve ser devidamente justificada com a demonstração de que os serviços possuem natureza singular e com a indicação dos motivos pelos quais se entende que o profissional detém notória especialização. 8) A contratação direta, quando não caracterizada situação de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, gera lesão ao erário (dano in re ipsa), na medida em que o Poder Público perde a oportunidade de contratar melhor proposta. 9) A alegação de nulidade contratual fundamentada na ausência de licitação não exime o dever de a administração pública pagar pelos serviços efetivamente prestados ou pelos prejuízos decorrentes da administração, quando comprovados, ressalvadas as hipóteses de má-fé ou de haver o contratado concorrido para a nulidade. 10) A superveniente homologação/adjudicação do objeto licitado não implica a perda do interesse processual na ação em que se alegam nulidades no procedimento licitatório. 21. JURISPRUDÊNCIA 21.1. Informativos do STF91 A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), empresa pública federal, pode ser contratada sem licitação, com fundamento no art. 24, VIII, da Lei n.º 8.666/93, para a prestação de serviços de logística: Art. 24 [...] VIII – para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado; A ECT preenche todos os requisitos legais necessários à possibilidade de sua contratação direta, haja vista integrar a Administração e ter sido criada em data anterior à da Lei n.º 8.666/93 para prestação de serviços postais, dentre os quais se incluem os serviços de logística integrada. STF. 2ª Turma. MS 34939/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/3/2019 (Info 934). É inconstitucional lei estadual que exija Certidão negativa de Violação aos Direitos do Consumidor dos interessados em participar de licitações e em celebrar contratos com órgãos e entidades estaduais. Esta lei é inconstitucional porque compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratos (art. 22, XXVII, da CF/88). STF. Plenário. ADI 3.735/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 8/9/2016 (Info 838). 91 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 222 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER O Governo do Rio Grande do Sul editou uma lei estadual determinando que a administração pública do Estado, assim como os órgãos autônomos e empresas sob o controle do Estado utilizarão preferencialmente em seus sistemas e equipamentos de informática programas abertos, livres de restrições proprietárias quanto à sua cessão, alteração e distribuição (“softwares” livres). Determinado partido político ajuizou uma ADI contra essa lei afirmando que ela teria inconstitucionalidades materiais e formais. O STF julgou improcedente a ADI e afirmou que a lei é constitucional. A preferência pelo “software” livre, longe de afrontar os princípios constitucionais da impessoalidade, da eficiência e da economicidade, promove e prestigia esses postulados, além de viabilizar a autonomia tecnológica do País. Não houve violação à competência da União para legislar sobre licitações e contratos porque a competência da União para legislar sobre licitações e contratos fica restrita às normas gerais, podendo os Estados complementar as normas gerais federais. A referida lei também não viola o art. 61, II, “b”, da CF/88 porque a competência para legislar sobre “licitação” não é de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, podendo ser apresentada por um parlamentar, como foi o caso dessa lei. STF. Plenário. ADI 3059/RS, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 9/4/2015 (Info 780). A União detém competência para legislar sobre as normas gerais de licitação, podendo os Estados e Municípios legislar sobre o tema para complementar as normas gerais e adaptálas às suas realidades. Assim, lei municipal pode proibir que os agentes políticos do município (e seus parentes) mantenham contrato com o Poder Público municipal. STF. 2ª Turma. RE 423560/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 29/5/2012 (Info 668). 21.2. Informativos do STJ92 O credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade de licitação na qual “a Administração aceita como colaborador todos aqueles que, atendendo as motivadas exigências públicas, manifestem interesse em firmar contrato ou acordo administrativo.” (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas comentadas. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 348). Desse modo, o credenciamento é um procedimento por meio do qual a Administração Pública anuncia que precisa de pessoas para fornecer determinados bens ou para prestarem algum serviço e que irá contratar os que se enquadrem nas qualificações que ela exigir. Após esse chamamento público, os interessados podem se habilitar para serem contratados. Fala-se que é uma hipótese de inexigibilidade de licitação porque não haverá competição (disputa) entre os interessados. Todos os interessados que preencham os requisitos anunciados serão considerados “credenciados” e estarão aptos a serem contratos. O Banco do Brasil publicou edital para credenciamento de advogados para prestar serviços advocatícios. Ocorre que o edital de credenciamento publicado previu um critério de pontuação, de forma que os advogados e escritórios que se inscrevessem iriam ser avaliados e organizados segundo uma ordem de classificação baseada no currículo, experiência etc. O TCU e o STJ entendem que isso não é válido. O estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de licitantes em credenciamento é ilegal. O credenciamento é considerado como uma espécie de inexigibilidade de licitação justamente pelo fato de não ser possível, em tese, a competição entre os interessados. Logo, a previsão de critérios de pontuação entre os interessados contraria a natureza do processo de credenciamento. Assim, no credenciamento só se admite a existência de requisitos mínimos. Se o interessado preencher, ele está credenciado; se não atender, encontra-se eliminado. Os critérios permitidos são, portanto, meramente eliminatórios (e não classificatórios). STJ. 1ª Turma. REsp 1747636-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 03/12/2019 (Info 662). Sociedade empresária em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica. STJ. 1ª Turma. AREsp 309867-ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 26/06/2018 (Info 631). 92 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 223 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 Se um servidor público for sócio ou funcionário de uma empresa, ela não poderá participar de licitações realizadas pelo órgão ou entidade ao qual estiver vinculado este servidor público (art. 9º, III, da Lei n.º 8.666/93). O fato de o servidor estar licenciado do cargo não afasta a referida proibição, considerando que, mesmo de licença, ele não deixa possuir vínculo com a Administração Pública. Assim, o fato de o servidor estar licenciado não afasta o entendimento segundo o qual não pode participar de procedimento licitatório a empresa que possuir em seu quadro de pessoal servidor ou dirigente do órgão contratante ou responsável pela licitação. STJ. 2ª Turma.REsp 1.607.715-AL, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 7/3/2017 (Info 602). O pregão é uma modalidade de licitação disciplinada pela Lei 10.520/2002. O art. 7º da Lei prevê que o licitante que for convocado dentro do prazo de validade de sua proposta e não celebrar o contrato, deixar de entregar a documentação, apresentar documentação falsa, retardar a execução do que contratado, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios pelo prazo de até 5 anos. Esse prazo de 5 anos (ou menos) de punição começa a ser contado quando? Inicia-se com a publicação da decisão no Diário Oficial ou somente no dia em que é feito o registro negativo sobre a empresa no SICAF? Isso é importante porque a inserção dessa informação no SICAF pode demorar um tempo para acontecer. Qual é, portanto, o termo inicial da sanção? A data da publicação no Diário Oficial. O termo inicial para efeito de contagem e detração (abatimento) da penalidade prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002, aplicada por órgão federal, coincide com a data em que foi publicada a decisão administrativa no Diário Oficial da União — e não com a do registro no SICAF. STJ. 1ª Seção. MS 20784-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. para acórdão Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 9/4/2014 (Info 561). O edital da licitação poderá exigir que a empresa a ser contratada tenha, em seu acervo técnico, um profissional que já tenha conduzido serviço de engenharia similar àquele previsto para a licitação. Além disso, o edital também poderá exigir que a própria empresa já tenha atuado em serviço similar. STJ. 2ª Turma. RMS 39883-MT, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/12/2013 (Info 533). Não deve ser reconhecida a nulidade em processo licitatório na hipótese em que, a despeito de recurso administrativo ter sido julgado por autoridade incompetente, tenha havido a posterior homologação de todo o certame pela autoridade competente. STJ. 2ª Turma. REsp 1348472-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 21/5/2013 (Info 524). O art. 24, II da Lei n.º 8.666/93 c/c o art. 1º, II, "a", do Decreto 9.412/2018 prevê que o administrador público não precisa fazer licitação se for para contratar compras ou serviços (que não sejam de engenharia) que não ultrapassem R$ 17.600,00. Se a Administração Pública contrata uma empresa privada para organizar um concurso e esse contrato prevê que a empresa receberá R$ 15.000,00 e mais o dinheiro arrecadado com as inscrições dos candidatos, esta situação não se enquadra no art. 24, II da Lei. Ainda que os valores recolhidos como taxa de inscrição não sejam públicos, a adequada destinação deles é de interesse público primário. Mesmo que a contratação direta de banca realizadora de concurso sem licitação não afete o interesse público secundário (direitos patrimoniais da Administração Pública), é contrária ao interesse público primário, pois a destinação de elevado montante de recursos à empresa privada ocorrerá sem o processo competitivo, violando, dessa maneira, o princípio da isonomia. STJ. 2ª Turma. REsp 1356260-SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 7/2/2013 (Info 516). A Lei n.º 8.666/93 prevê o seguinte: "Art. 7º [...] § 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: III — houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;" Para que seja atendido o inciso III do § 2º do art. 7º da Lei de Licitações, não se exige a disponibilidade financeira, mas tão somente que haja previsão destes recursos na Lei Orçamentária. STJ. 2ª Turma. REsp 1141021-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 21/8/2012 224 FLÁVIA LIMMER LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 QUESTÕES 1. (TJ-MS) FCC, 2020. A Lei das Estatais – Lei Federal n° 13.303/2016 – estabelece diversas hipóteses de dispensa de licitação aplicáveis às empresas públicas e sociedades de economia mista. Segundo o artigo 29 da lei, é dispensável a licitação: a) para obras e serviços de engenharia de valor até R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda a obras e serviços de mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente. b) para aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo. c) na contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento, em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e mantidas as condições da proposta do licitante a ser contratado, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido. d) na doação de bens móveis para fins e usos de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica relativamente à escolha de outra forma de alienação. e) na contratação de serviços técnicos especializados relativos a assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias, com profissionais ou empresas de notória especialização. 2. (TJ-MS) FCC, 2020. No tocante aos chamados “tipos de licitação”, dispõe a Lei Federal n° 8.666/1993 que: a) quando a concorrência for do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço", o prazo mínimo para recebimento das propostas será de 45 dias. b) é vedada a adoção dos tipos "melhor técnica" ou "técnica e preço" para licitações na modalidade convite. c) quando a tomada de preço for do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço", o prazo mínimo para recebimento das propostas será de 20 dias. d) a adoção dos tipos "melhor técnica" ou "técnica e preço" para licitações na modalidade pregão é possível, porém limitada à fase de julgamento e classificação das propostas, não se aplicando à fase de lances. e) para contratação de bens e serviços de informática, a Administração Pública adotará obrigatoriamente o tipo de licitação "melhor técnica", permitido o emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo. 3. (MPE-GO) MPE-GO, 2020. Conforme Lei n. 8.666/93, assinale a alternativa incorreta: a) A Administração Pública poderá nos editais de licitação para contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a finalidade de ressocialização do reeducando, na forma estabelecida em regulamento. b) Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência aos bens e serviços produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional e que invistam no desenvolvimento social do País. c) É dispensável a licitação para a construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco á segurança pública. d) É vedada a inexigibilidade de licitação para serviços de publicidade e divulgação. 4. (TJRJ) VUNESP, 2019. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às autarquias, agências executivas, empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens serão, em regra, precedidos de licitação. Excepcionalmente, a contratação poderá se dar de forma direta a) para serviços e compras em geral, de valor até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e para alienações, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizado de uma só vez. b) nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características peculiares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo. c) para serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, inclusive para serviços de publicidade e divulgação ou aqueles prestados por intermédio de agência de propaganda. 225 LICITAÇÕES PÚBLICAS • 8 FLÁVIA LIMMER d) para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento de suas finalidades precípuas, quando as necessidades de instalação e localização condicionarem a escolha do imóvel, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia. e) nos casos de obras e serviços de engenharia de valor até R$ 100.000,00 (cem mil reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda a obras e serviços de mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente. 5. (TJPA) CESPE, 2019. Determinado órgão público deseja contratar uma associação de pessoas com deficiência física para o fornecimento de mão de obra. O valor da contratação é de R$ 10 milhões, preço compatível com o praticado no mercado. A associação é de comprovada idoneidade e não tem fins lucrativos. Nesse caso, de acordo com a Lei n.º 8.666/1993, a licitação é a) dispensável. b) inexigível. c) dispensada. d) deserta. e) obrigatória. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – D. a) Incorreta. Conferir art. 29, I, Lei n.º 13.383/16. b) Incorreta. Conferir art. 30, I, Lei n.º 13.303/16. c) Incorreta. Conferir art. 29, VI, Lei n.º 13.303/16. d) Correta. Conferir art. 29, XVII, Lei n.º 13.303/16. e) Incorreta. Conferir art. 30 II, Lei n.º 13.303/16. 2. Gabarito – A a) Correta. Conferir art. 21, § 2º, I, “b", Lei n.º 8.666/93. b) Incorreta. Conferir art. 45, § 1º, Lei 8.666/93. c) Incorreta. Conferir art. 21, § 2º, II, “b", da Lei n.º 8.666/93. d) Incorreta. Conferir art. 4º, X, da Lei 10.520/02. e) Incorreta. Conferir art. 45, § 4º, da Lei 8.666/93. 3. Gabarito – B a) Incorreta. Conferir art. 40, §5º, da Lei n.º 8.666/93. b) Correta. Conferir art. 3º, §2º, da Lei n.º 8.666/93. c) Incorreta. Conferir art. 24, XXXV, da Lei n.º 8.666/93. d) Incorreta. Conferir art. 25, II, da Lei n.º 8.666/93. 4. Gabarito – D a) Incorreta. Conferir art, 24, II, da Lei 8.666/93. b) Incorreta. Conferir art. 28, § 3º, II, da Lei 13.303/16. c) Incorreta. Conferir art. 25, II, Lei 8.666/93 c/c art. 30, II, Lei 13.303/16. d) Correta. Conferir art. 24, X, da Lei 8.666/93 c/c art. 29, V, da Lei 13.303/16. e) Incorreta. Conferir art, 24, I, da Lei 8.666/1993 5. Gabarito – A a) Correta. Conferir art. 24 XX Lei n.º 8.666/1993. b) Incorreta. Conferir art. 25 Lei 8.666/1993 c) Incorreta. Conferir art. 17 Lei 8.666/1993 d) Incorreta. A licitação deserta não é uma modalidade de licitação, e sim a situação que ocorre quando, em um processo licitatório, não surgem interessados no dia da sessão de julgamento da proposta e) Incorreta. Não se trata de obrigatoriedade de licitar, trata-se de uma das exceções da Lei n.º 8.666/93. 226 FLÁVIA LIMMER 9 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 227 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 1. CONCEITO Os contratos administrativos, como o próprio nome indica, são aqueles firmados pela Administração Pública. Esses se submetem a regras específicas, baseadas no regime jurídico administrativo, as quais geram prerrogativas e restrições para o Poder Público. O ensinamento básico é a diferenciação com os contratos da administração, que são todos aqueles em que o Estado figura como parte; e os contratos administrativos stricto sensu. Os últimos são aqueles em que o Estado figura como parte (portanto é uma espécie do gênero contratos da administração), mas em que a Administração ocupa um lugar privilegiado. São regidos precipuamente pelo regime jurídico próprio do direito público, e há a presença de cláusulas exorbitantes, prerrogativas dadas única e exclusivamente ao Poder Público. 2. ESPÉCIES Maria João Estorninho93 é a autora portuguesa referência no tema contratos públicos, e esclarece que os Contratos da Administração regem-se por três princípios característicos: • • • Consensualismo; Prossecução do interesse público; Equilíbrio econômico financeiro. A lei n.º 8.666/1993 estabelece em seu artigo 6º, XIV e XV quais serão as partes contratantes e contratada; na lei 14.133/2021, estão previstos no art. 6º, VII e VIII. Nem todo o contrato firmado pelo Poder Público possui necessariamente prerrogativas. Os contratos em que o Estado figura como parte constituem um gênero, chamados pela doutrina de Contratos da Administração e englobam dois tipos: • • Contratos privados da Administração: há aqui uma relação de igualdade e equilíbrio entre as partes (Administração e particular), sem a estipulação automática de cláusulas exorbitantes. Adotam o regime predominantemente privado, especialmente o direito civil e empresarial. Por exemplo quando na locação, compra de imóvel, abertura de conta bancária. NÃO há a incidência automática de cláusulas exorbitantes/prerrogativas para a Administração. Contratos administrativos: são os contratos administrativos stricto sensu. São regidos pelo Direito Público, e a própria lei garante vantagens especiais para a Administração, as chamadas cláusulas exorbitantes. Por exemplo no caso dos contratos de concessão de serviços públicos e o uso dos bens públicos. É importante ter em mente que todos os contratos celebrados pelo Poder Público mostram-se submissos ao regime jurídico administrativo, em maior ou menor intensidade. Alguns pontos via de regra estarão presentes, tais como existência de condições e formalidades para estipulação e aprovação, necessidade de autorização para contratar, prévia licitação e possibilidade de controle pelos Tribunais de Contas. O que diferencia os contratos privados da administração dos Contratos Administrativos, então, é a existência ou não de uma relação desigual entre as partes, com vantagens dadas pela lei ao Estado. Se a relação é equilibrada estaremos diante dos contratos privados da Administração, também chamados por Rafael Carvalho Rezende Oliveira94 de contratos semi-públicos ou quase públicos. Estão exemplificados no Art. 62, § 3º, I, da lei n.º 8.666/1993. Aplica-se o regime jurídico administrativo de forma não preponderante, ESTORNINHO, Maria João. Curso de Direito dos Contratos Públicos: por uma contratação pública sustentável. Coimbra: Almedina, 2013. 94 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Oliveira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Gen Método, 2020. 93 228 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 sendo regidos pelo direito privado. As cláusulas exorbitantes só serão permitidas se estiverem expressas no contrato, caso contrário não serão aplicadas. Já os contratos administrativos stricto sensu, que a partir de agora serão denominados simplesmente de contratos administrativos nesse texto, são caracterizados por uma relação verticalizada, onde o Poder Público ocupa a posição privilegiada. Não há paralelo destes no direito privado, logo são regidos predominantemente pelo Direito Administrativo. São os contratos públicos por excelência, regidos pelo art. 54 da lei n.º 8.666/1993 e art. 89 da lei n.º14.133/2021. A possibilidade de adoção de cláusulas exorbitantes deriva, então, da lei. Os contratos administrativos, em geral, apresentam algumas características. Resumiremos agora, e detalharemos os desdobramentos de alguns em seguida: • • • • • • • Consensuais – se tornam perfeitos e acabados com a manifestação de vontade; Bilaterais – as obrigações são pré-definidas, não são contratos aleatórios e ambas as partes assumem obrigações; Comutativos – há equivalência de prestações, previamente conhecidas; Onerosos – as prestações são avaliáveis economicamente; Formais – assumem, via de regra, a forma escrita, e não basta o consenso de vontade, há requisitos que devem ser obedecidos (presentes no art. 60 lei n.º 8.666/1993 e art. 91 lei n.º 14.133/2021); Personalíssimos – as partes envolvidas na contratação são essenciais para o próprio contrato, cabendo sua execução ao próprio contratado. As partes não podem ser alteradas sem consentimento do Poder Público, existindo também limites à subcontratação; De adesão – o particular contratado não possui espaço para debater as cláusulas contratuais. A Administração Pública tem o monopólio da situação. Lembre-se que não é possível “mesclar” em um mesmo contrato administrativo cláusulas baseadas na lei n.º 8.666/1993 com outras fundadas na lei n.º 14.133/2021. Também não é possível licitar com base em uma lei (a n.º 8.666, a do Pregão ou do RDC), e elaborar o respectivo contrato sob a regência da lei de 2021, e vice-versa. Apenas por questões didáticas apresentaremos, daqui em diante, as características e demais questões dos contratos administrativos com base em ambos os textos normativos. 3. PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS São características dos contratos administrativos: a) Formalismo Os contratos administrativos devem ser formalizados. Não basta o consenso de vontade, há requisitos que devem ser observados: por exemplo licitação prévia, forma escrita salvo pequenas compras de pronto pagamento (Art. 60, parágrafo único, lei n.º 8.666/1993), existência de cláusulas necessárias (art. 55) e prazo determinado (art. 57, § 3º, lei n.º 8.666/1993). Também se exige o arquivamento dos contratos administrativos em ordem cronológica e o registro de seus extratos (art. 60, lei n.º 8.666/1993), que os contratos devem mencionar “os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta lei e às cláusulas contratuais” (art. 61 da lei n.º 8.666/1993) e a publicação na imprensa oficial dos contratos e seus aditamentos (art. 61, parágrafo único, da lei n.º 8.666/1993) etc. A lei n.º 14.133/2021 também traz algumas regras, ao dispor que todo contrato deverá mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou sua lavratura, o número do processo da licitação ou da contratação direta e a sujeição dos contratantes às normas da lei e às cláusulas 229 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 contratuais, bem como que os contratos deverão estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, as obrigações e as responsabilidades das partes, em conformidade com os termos do edital de licitação e os da proposta vencedora ou com os termos do ato que autorizou a contratação direta e os da respectiva proposta (art. 89, §§ 1º e 2º). O art. 91 estabelece que os contratos e seus aditamentos terão forma escrita e serão juntados ao processo que tiver dado origem à contratação, divulgados e mantidos à disposição do público em sítio eletrônico oficial. O instrumento contratual, portanto, é obrigatório como regra. Mesmo nos casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação, este instrumento contratual é obrigatório, quando esses preços estiverem compreendidos nessas modalidades de licitação de dispensa ou de inexigibilidade. Ou seja, nos casos de concorrência e tomada de preços, o instrumento contratual sempre será escrito. Se estivermos diante de dispensa ou inexigibilidade, em cujo valor do contrato se insira no valor em que geralmente se exige concorrência ou tomada de preços, o instrumento contratual será obrigatório. A exceção em que se admite o contrato verbal ocorre quando há compras de pronto pagamento com valor não superior a 5% da modalidade convite (regime de adiantamento). Nos casos de compra de entrega imediata e integral dos bens adquiridos, esses instrumentos contratuais poderão ser substituídos por outros instrumentos, como a carta-contrato, nota de empenho de despesas, autorização de compras, ordem de autorização de serviços, que são instrumentos mais simples. Nesses casos, há documentos mais simples, pois a entrega é imediata e integral dos bens adquiridos (art. 62 lei n.º 8.666/1993). Note ainda que a lei n.º 14.133/2021 também estabelece que o instrumento de contrato é obrigatório. Porém a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço nas hipóteses de dispensa de licitação em razão de valor e compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos e dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive quanto a assistência técnica, independentemente de seu valor (art. 95). É importante destacar que em nome dos princípios da boa fé, da vedação enriquecimento sem causa e da confiança legítima o STJ vem entendendo que mesmo que o contrato verbal em compras de pronto pagamento ultrapasse um pouco o limite legal, o pagamento será feito, desde que os valores das mercadorias e serviços sejam compatíveis com o praticado no mercado (STJ, REsp 1.111.083 / GO). Exatamente por os aspectos formais poderem, atualmente, sofrer flexibilização parte da doutrina se refere a essa características como formalismo moderado95, conceito também adotado pela lei n.º 14.133/2021. Inclusive a nova lei de licitações destaca que são nulos os contratos verbais com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), claramente incorporando o entendimento da jurisprudência (art. 92, §2º). b) Bilateralidade Ninguém pode ser obrigado a contratar com o Estado. Logo a manifestação de vontade do todas as partes contratantes é necessária. Assim são fixadas obrigações recíprocas. Há liberdade para manifestação de vontade do particular, ainda que reduzida (preço, reajuste). Alguns contratos administrativos específicos, como os de petróleo e gás, permitem uma maior negociação, como de prazos para a execução do objeto. c) Comutatividade As obrigações devem ser equivalentes e previamente estabelecidas. Isto se traduz, especialmente, no fato que os termos da proposta vencedora na licitação devem ser mantidos até o final do contrato. A 95 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Oliveira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Gen Método, 2020. 230 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 comutatividade se reflete especialmente na fixação das obrigações das partes e na necessidade de preservação do equilíbrio econômico financeiro, que será visto abaixo. A comutatividade está presente, ainda, no art. 115 da lei n.º 14.133/2021. d) Publicidade A publicação resumida do instrumento contratual é uma condição de eficácia do contrato. É indispensável para que o contrato tenha eficácia que ele seja publicado. A publicação na imprensa oficial não só dos contratos mas também de seus aditamentos (art. 61, parágrafo único, lei n.º 8.666/1993). A lei n.º 14.133/2021 traz dispositivo semelhante, porém privilegiando a publicação por meio eletrônico (art. 91). A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos (art. 94). e) Personalíssimo (intuito personae) O contrato deve ser executado pelo escolhido na licitação, sob pena de violação aos princípios da impessoalidade e moralidade. Como a escolha na licitação deve ser respeitada, cabe a execução ao próprio contratado, não cabendo a sua substituição. Esse conceito é mantido pelo art. 90 da lei n.º 14.133/2021. O caráter personalíssimo não é absoluto. A lei autoriza subcontratação parcial (se prevista no edital e no contrato administrativo), a cessão de posição e a mudança no controle acionário (art. 72 e 78, VI, lei n.º 8.666/1993). Na mesma linha a lei n.º 14.133/2021 veda a subcontratação apenas em caso de inexigibilidade por se tratar de serviço especializado (art. 74, §4°). f) Mutabilidade / Instabilidade Trata-se da possibilidade de alteração do contrato administrativo. O contrato administrativo também pode ser modificado, inclusive de forma unilateral pela Administração Pública. Como o interesse público é mutável a Administração possui a prerrogativa de rescindir o contrato ou de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares (Art. 58, I e II, lei n.º 8.666/1993 e art. 104, I, lei n.º14.133/2021). Dirley da Cunha Jr96 diz que a alteração do contrato poderá se dar por uma álea administrativa, ou seja, ato decorrente da Administração Pública (fato do príncipe ou fato da administração), ou por uma álea econômica (teoria da imprevisão). Ronny Charles e Fernando Baltar 97 vão dizer que deve ser acrescentado que é possível haver alteração de contrato em decorrência do consenso entre as partes, bem como outras áleas econômicas, como ocorre com o reajuste e com a repactuação. g) Desequilíbrio O regime jurídico dos contratos administrativos confere prerrogativas ao Poder Público. Há uma desigualdade entre as partes, onde a posição superior é da Administração Pública, em razão do princípio da supremacia do interesse público. O desequilíbrio e a instabilidade resguardam o interesse público que motivou a contratação e garantem que o serviço a ser prestado seja regular e contínuo, e por isso extrapolam o padrão comum dos contratos em geral. O art. 58 da lei n.º 8.666/1993 e o art. 104 da lei n.º 14.133/2021 trazem exemplos de cláusulas exorbitantes, também conhecidas como cláusulas de privilégio: CUNHA Jr, Dirley. Curso de Direito Administrativo 13ª ed. Salvador: Juspodivum, 2019. TORRES, Ronny Charles Lopes e BALTAR NETO, Fernando Ferreira. Sinopse para Concursos vol. 09 – Direito Administrativo 10ª. Salvador: Juspodivum, 2020. 96 97 231 FLÁVIA LIMMER • • • • • CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Modificação unilateral do contrato para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; Rescisão unilateral do contrato Fiscalização da execução; Aplicação de sanções pela inexecução total ou parcial do ajuste; Ocupação provisória dos bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo, nos casos de serviços essenciais. Com a edição da lei n.º 13.303/2016 pacificou-se que os contratos das empresas públicas e sociedades de economia mista seguirão preceitos de direito privado (art. 68). Porém estas também estão submetidas parcialmente pelo regime de direito público. Então alguns pontos deverão ser observados: necessidade de caução; proibição de contrato por tempo indeterminado e alterações contratuais somente por acordo entre as partes (art.72 e art. 81). 4. VIGÊNCIA DOS CONTRATOS O art. 57 da lei n.º 8.666/1993 diz que, em regra, os contratos vão durar enquanto vigente o exercício financeiro (crédito orçamentário). Como o crédito orçamentário tem vigência de um ano o prazo de duração do contrato será de 01 ano. São exceções: • • • • Aquisição de projetos de produtos que estejam contemplados no plano plurianual (04 anos) Serviços contínuos (até 60 meses) Aluguel de equipamento para informática (até 48 meses) Algumas hipóteses de dispensa de licitação (até 120 meses) No caso de serviços contínuos, excepcionalmente e justificadamente, além desses 60 meses, é possível estender o prazo por mais 12 meses, no máximo. A lei de licitação estabelece que é vedado o prazo de contratação indeterminado. Contudo, tem-se entendido que a Administração pode ter vigência por prazo indeterminado, nos casos em que a Administração seja usuária do serviço e o serviço seja prestado por um único fornecedor (Advocacia Geral da União, registrado em sua Orientação Normativa n.º 36; Parecer SEORI/AUDIN–MPU N.º 332/2017). Ex.: casos de águas e esgotos. Atente-se que tais contratos não se confundem com os denominados contratos de escopo. Estes são contratos que possuem uma finalidade de realização do objeto. Este contrato vai se extinguir com a realização do objeto, com a entrega da obra, e não com a vigência do prazo. Ex.: o contrato para um serviço de obra irá se concluir com o término da obra, ainda que haja vigência o contrato. A lei n.º 14.133 trata especificamente dos contratos de escopo em seu art. 111, dispondo que neles o prazo de vigência será automaticamente prorrogado quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato. A lei n.º 14.133/2021, por seu turno, estabelece que em regra a duração dos contratos será a prevista em edital, e deverão ser observadas, no momento da contratação e a cada exercício financeiro, a disponibilidade de créditos orçamentários, bem como a previsão no plano plurianual, quando ultrapassar 1 (um) exercício financeiro – ou seja podem ultrapassar de um ano, até o máximo de 04, a validade do plano plurianual. Excepcionalmente a Administração poderá contratar por até 05 anos, quando (art. 106): • • A autoridade competente do órgão ou entidade contratante ateste a maior vantagem econômica trazida pela contratação plurianual; A Administração ateste, no início da contratação e de cada exercício financeiro, a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação e a vantagem em sua manutenção; 232 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Nos dois casos a Administração terá a opção de extinguir o contrato, sem ônus, quando não dispuser de créditos orçamentários para sua continuidade ou quando entender que o contrato não mais lhe oferece vantagem. A Administração poderá celebrar contratos com prazo de até 10 (dez) anos nas hipóteses contratos que tenham como objeto bens ou serviços produzidos ou prestados no País que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional; materiais de uso das Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante autorização por ato do comandante da força militar; contratação que possa acarretar comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos pelo Ministro de Estado da Defesa, mediante demanda dos comandos das Forças Armadas ou dos demais ministérios; projetos de cooperação envolvendo empresas, ICTs e entidades privadas sem fins lucrativos voltados para atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos, processos e serviços inovadores e a transferência e a difusão de tecnologia; para contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição desses produtos durante as etapas de absorção tecnológica, e em valores compatíveis com aqueles definidos no instrumento firmado para a transferência de tecnologia; aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de insumos estratégicos para a saúde produzidos por fundação que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da Administração Pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o SUS (art. 108). Em razão da não violação ao princípio da livre concorrência a Administração poderá estabelecer a vigência por prazo indeterminado nos contratos em que seja usuária de serviço público oferecido em regime de monopólio, desde que comprovada, a cada exercício financeiro, a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação (art. 109). Outros prazos especiais de duração do contrato estão previstas nos artigos 110 a 114 • • • Na contratação que gere receita e no contrato de eficiência que gere economia para a Administração, os prazos serão de até 10 anos, nos contratos sem investimento e até 35 anos, nos contratos com investimento, (os com benfeitorias permanentes, realizadas a expensas do contratado, e revertidas ao patrimônio da Administração Pública ao término do contrato); O contrato firmado sob o regime de fornecimento e prestação de serviço associado terá sua vigência máxima definida pela soma do prazo relativo ao fornecimento inicial ou à entrega da obra com o prazo relativo ao serviço de operação e manutenção, este limitado a 5 (cinco) anos contados da data de recebimento do objeto inicial, autorizada a prorrogação. Até 15 anos para o contrato que previr a operação continuada de sistemas estruturantes de tecnologia. 5. PRORROGAÇÃO CONTRATUAL A prorrogação contratual consiste na prolongação do prazo contratual com o mesmo contratado e nas mesmas condições (Art. 57 da lei n.º 8.666/1993). Só é possível prorrogar contratos ainda em andamento. Um contrato já extinto jamais poderá ser prorrogado. Essa prorrogação é feita através de um termo aditivo, termo esse firmado entre as partes. Para fins didáticos, Ronny Charles e Fernando Baltar98 sugerem que essas prorrogações sejam divididas em duas espécies: 98 TORRES, Ronny Charles Lopes e BALTAR NETO, Fernando Ferreira. Sinopse para Concursos vol. 09 – Direito Administrativo 10ª. Salvador: Juspodivum, 2020. 233 FLÁVIA LIMMER • • CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Renovação: há prolongamento de um contrato de serviços contínuos. Ex.: serviço contínuo de vigilância de 12 meses. Este contrato pode ser renovado por mais 12 meses, continuando o pagamento. Trata-se de uma renovação contratual. Prorrogação em sentido estrito: a lei autoriza que os prazos e início da etapa de execução, de conclusão ou de entrega sejam alterados, ou seja, há prorrogação dos prazos, não necessariamente haverá uma repercussão econômica. Ex.: por conta de um fato excepcional, prorroga-se o prazo por mais 90 dias. Neste caso, há uma prorrogação, não sendo necessariamente obrigatório a pagar algo a mais. Note que na lei n.º 8.666/1993 a prorrogação segue a regra da excepcionalidade (art. 57, §4º). Já a lei n.º 14.133/2021 estabelece a regra de prorrogação em razão do tipo de contrato, como visto acima. Note que na lei nova os contratos de serviços e fornecimentos contínuos, aqueles cuja interrupção possa comprometer a continuidade das atividades da Administração, poderão ser prorrogados sucessivamente, respeitada a vigência máxima decenal, desde que haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração, permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual sem ônus para qualquer das partes (art. 107). 6. ALTERAÇÕES CONTRATUAIS Os contratos administrativos podem ser alterados bilateralmente ou, como cláusula exorbitante, unilateralmente. a) Alterações bilaterais Ocorrem quando a Administração e o particular concordam em alterar o contrato. NÃO configura cláusula exorbitante. Por exemplo: • • • • Substituição da garantia do contrato; Necessidade de modificação do regime de execução da obra e serviço, ou modo de fornecimento, em razão de verificação técnica da inaplicabilidade do termo original; Necessidade de modificação da forma de pagamento; Alteração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A lei n.º 14.133/2021 trata das alterações bilaterais no art. 124, II, para as seguintes situações: • • • • For conveniente a substituição da garantia de execução; Necessidade de modificação do regime de execução da obra ou do serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; Necessidade de modificação da forma de pagamento por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado e vedada a antecipação do pagamento em relação ao cronograma financeiro fixado sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço; Para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato. Essas hipóteses são tratadas abaixo, no item “Teoria da Imprevisão” . 234 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 b) Alterações unilaterais Dentre as prerrogativas da Administração, denominadas cláusulas exorbitantes, encontra-se a possibilidade de modificação unilateral dos contratos, as quais serão admitidas em algumas situações. O Estado pode impor sua vontade ao particular e unilateralmente alterar algumas disposições contratuais para atender ao interesse público, dentro de limites legais. A alteração só pode ser do objeto e cláusulas regulamentares (modo de execução do contrato). Não se pode alterar as cláusulas econômico financeiras (relação entre remuneração e encargos do contratado) sob pena de enriquecimento ilícito da Administração (art. 58, § 1º e 2º, lei n.º 8.666/1993). Segundo a lei n.º 8.666/1993 será admitida a alteração contratual unilateral para: • • Alterações qualitativas: modificação do projeto ou das especificações, são as alterações para aprimorar a técnica que será utilizada; Alterações quantitativas: relacionadas à diminuição ou aumento do seu objeto, desde que respeitados os limites legais. São as modificações do valor contratual em decorrência de acréscimo ou de uma diminuição do seu objeto. O art. 65 lei n.º 8.666/1993 coloca os requisitos limites para a alteração dos contratos, ainda que essa alteração se dê por acordo entre as partes. Requisitos: • • • • • • Necessidade de alteração por interesse público; Não pode prejudicar os direitos do contratado; Não pode modificar o objeto do contrato; Devida motivação, pautada sempre no melhor atingimento do interesse público; Respeito aos limites legais impostos à uma alteração contratual; e Necessidade de manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato. c) Limites na lei n.º 8.666/1993: • • Em regra, poderá suprimir ou acrescentar até 25% do objeto inicialmente contratado. Se for serviços de obra ou reforma de edifício ou de equipamento, esse acréscimo poderá ser de até 50% do quantitativo originariamente fixado. O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições anteriormente fixado, os acréscimos ou supressões do serviço. Art. 58, § 1º, da lei n.º 8.666/1993 determina que as cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. Já a lei n.º 14.133/2021 prevê a alteração unilateral para as hipóteses (art. 124, I): • • De modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos; Necessidade a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta lei. A alteração unilateral do contrato impõe a revisão das cláusulas econômico-financeiras do contrato, para que se mantenha o equilíbrio contratual (art. 104, §1º, lei n.º 14.133/2021). Note que as alterações unilaterais qualitativas não poderão transfigurar o objeto da contratação. A nova lei de licitações também impõe limites para a alteração quantitativa, onde o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais (art. 125): 235 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 FLÁVIA LIMMER • • 25% para acréscimos ou supressões do valor inicial atualizado do contrato para alterações nas obras, nos serviços ou nas compras, 50% no caso de reforma de edifício ou de equipamento. Se forem decorrentes de falhas de projeto, as alterações de contratos de obras e serviços de engenharia ensejarão apuração de responsabilidade do responsável técnico e adoção das providências necessárias para o ressarcimento dos danos causados à Administração. Será aplicada essa regra às contratações de obras e serviços de engenharia, quando a execução for obstada pelo atraso na conclusão de procedimentos de desapropriação, desocupação, servidão administrativa ou licenciamento ambiental, por circunstâncias alheias ao contratado. 7. ADITIVO E APOSTILA As alterações contratuais, em regra, exigirão a formalização de um aditivo, tal como prevê o art. 132 da lei n.º 14.133/2021, impondo inclusive o prazo de um mês. A lei n.º 8.666/1993 permite a utilização da apostila em algumas situações, nas situações em que seria desnecessária o termo aditivo. A apostila é a anotação ou registro administrativo que é realizado no contrato, podendo ser realizado na última página do contrato ou da juntada de um termo ao contrato. Poderá se valer da apostila quando: • • • • • • • • Variação do valor contratual for decorrente de um reajuste já previsto no contrato; Compensações ou penalizações financeiras, compensando um débito com uma multa imposta; Empenho de dotações orçamentárias suplementares até o valor corrigido. A previsão de uso de apostila na lei n.º 14.133/2021 está no art. 136, para as seguintes hipóteses: Variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à repactuação de preços previstos no próprio contrato; Atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento previstas no contrato; Alterações na razão ou na denominação social do contratado; Empenho de dotações orçamentárias. 8. EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO CONTRATO A ideia é proteger a equação econômica do contrato, visando a manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro; a manutenção pode ser proposta pelo particular quanto pela Administração. Seu fundamento legal está no art. 37, XXI, CF/88 (“mantidas as condições efetivas da proposta”). A equação será sempre calculada a partir da data da proposta, e não da assinatura do contrato. É o equilíbrio entre encargos e vantagens assumidas pelas partes do contrato. Uma vez que estes foram estabelecidos na contratação, devem ser preservadas ao longo da execução. Engloba todos os aspectos econômicos relevantes para a execução: não só o montante de dinheiro devido ao particular, mas também prazo para pagamento, periodicidade, abrangência do contrato e qualquer outra vantagem. Celso Antônio Bandeira de Mello99 explica que: Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro, pela compensação econômica que lhe corresponderá. A equação econômico-financeira é intangível. São dois os institutos que asseguram a revisão econômica do contrato: 99 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 619-620 236 FLÁVIA LIMMER • • CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Reajuste: decorre de um risco ordinário (álea ordinária); Reequilíbrio econômico-financeiro: decorre de algo extraordinário (álea extraordinária). O art. 55, III da lei n.º 8.666/1993 expõe os pagamentos devidos ao particular contratado: o preço expressamente previsto e as formas de atualização (correção monetária, reajustamento de preços e recomposição de preços). Na lei n.º 14.133/2021 há a previsão de matriz de risco, como veremos adiante. A mesma lei também define, em seu art. 6º, LVIII e LIX, reajustamento em sentido estrito como “forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato consistente na aplicação do índice de correção monetária previsto no contrato, que deve retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais”; e repactuação como a “forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato utilizada para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, por meio da análise da variação dos custos contratuais, devendo estar prevista no edital com data vinculada à apresentação das propostas, para os custos decorrentes do mercado, e com data vinculada ao acordo, à convenção coletiva ou ao dissídio coletivo ao qual o orçamento esteja vinculado, para os custos decorrentes da mão de obra”. Segundo a nova lei as cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. (art. 104, §1º, lei n.º 14.133/2021). Na mesma linha caso haja alteração unilateral do contrato que aumente ou diminua os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, no mesmo termo aditivo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial (art.130). a) Correção monetária É a atualização da margem de lucro inicialmente acordada, a manutenção do valor real do contrato. Não há acréscimo ou ganho, só atualização em decorrência da desvalorização da moeda / inflação (Art. 40, XIV, “c”, da lei n.º 8.666/1993; art. 92, V, lei n.º 14.133/2021). b) Reajuste O reajuste é um instrumento para recomposição econômica ordinária, estando relacionada com um evento futuro desfavorável, mas previsível e suportável, sendo usual para determinado negócio, as chamadas áleas ordinárias. Trata-se do aumento ordinário e regular do custo dos insumos necessários para o cumprimento do contrato, logo são variações previsíveis e esperadas. Como há alteração no custo, logo aumenta-se automaticamente o valor do pagamento (Art. 40, XI, lei n.º 8.666/1993). Não é igual à correção monetária. Na correção monetária não há alteração de valor, no reajuste há alteração do custo da prestação do serviço pactuado. Logo aumenta o pagamento para que a margem de lucro do particular fique igual. O edital da licitação já prevê o critério de reajuste, tal como o IPCA/FGV, ou índices de preços específicos para insumos hospitalares, material de construção etc. O reajuste deve ser previsto em contratos com prazo igual ou superior a um ano. Pode ter prazo superior ao ano, mas a periodicidade deverá ser anual, a fim de garantir a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A lei n.º 14.133/2021 estabelece que independentemente do prazo de duração do contrato, será obrigatória a previsão no edital de índice de reajustamento de preço, com data-base vinculada à data do orçamento estimado e com a possibilidade de ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos (art. 6º, LVIII; art. 25, §§ 7º e 8º; art. 92, §§ 3º e 4º). Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 34, que dispõe: nos contratos de concessão e PPP, o reajuste contratual para reposição do valor da moeda no tempo 237 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 é automático e deve ser aplicado independentemente de alegações do Poder Público sobre descumprimentos contratuais ou desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, os quais devem ser apurados em processos administrativos próprios para este fim, nos quais serão garantidos ao parceiro privado os direitos ao contraditório e à ampla defesa. c) Recomposição / revisão de preços Em razão de alguma situação ou de algum fato, houve o desequilíbrio econômico-financeiro. Aqui está se tratando de eventos imprevisíveis ou fatos extraordinários, ou ainda eventos previsíveis, mas de consequências imprevisíveis, que vão retardar ou impedir a execução daquilo que foi originalmente ajustado. Ou seja, aqui a previsão de reajuste foi insuficiente. Podem ser alterações no contrato em relação ao valor ou ao regime de execução da obra / serviço ou situações inesperadas que levam ao desequilíbrio contratual Há o desequilíbrio contratual e a necessidade da revisão do mesmo (Art. 65 II “d” lei n.º 8.666/1993). A recomposição ocorre quando se fizer necessária, sempre que ocorrerem situações inesperadas tais como caso fortuito, força maior, fato da administração ou fato do príncipe. Não segue, assim, o critério anual. Há anos a Administração já utilizava o modelo de matriz de riscos para solucionar a necessidade de revisão de preços. Nesta metodologia no momento da elaboração do contrato faz-se a matriz de riscos associados ao empreendimento, que estabelece quais os riscos serão suportados pela Administração e quais serão encargos do particular contratado, esclarecendo os que levarão à recomposição. A questão se relaciona com a teoria da imprevisão, que será abordada logo abaixo. Soma-se que a nova lei de licitações aprofundou a matriz de riscos, como veremos adiante (item 9.11). 9. TEORIA DA IMPREVISÃO A Teoria da Imprevisão se baseia na chamada cláusula rebus sic standibus (“enquanto as coisas estão assim”), implícita em todos os contratos de prestação sucessiva. Segundo ela, o contrato deve ser cumprido desde que presentes as condições de quando foi pactuado. Caso elas se alterem substancialmente rompe-se o equilíbrio contratual: se é possível reestabelecer a equação financeira inicial se recompõe / revisa; caso não seja possível o contrato será rescindido (Art. 78, XVII, c/c art. 65, II, “d”, da lei n.º 8.666/1993). A teoria da imprevisão não se aplica na ocorrência de simples elevação suportável de preço. Isso é risco do contrato/risco empresarial. Por exemplo, não enseja a aplicação da teoria da imprevisão: o aumento do piso salarial da categoria, em dissídio coletivo (STJ, AgRg no REsp n.º 417.989/PR); a majoração da folha de pagamento por acordo/convenção coletiva, já que esta é previsível; a concessão de benefício de participação nos lucros ou resultados (uma vez que essa é uma negociação entre particular e seus empregados e não envolve a Administração Pública). A Teoria da Imprevisão pode se manifestar em razão de: • Fato do príncipe; • Fato da Administração; • Caso fortuito e força maior; • Interferências imprevistas. a) Fato do Príncipe São atos gerais do Estado que afetam indiretamente o contrato. A atuação do Poder Público é geral e abstrata, e atinge indiretamente a relação contratual. Por exemplo a recente proibição do amianto em contratos de construção civil, que exige a troca de insumos; o aumento exorbitante de carga tributária, tal como ICMS-Combustível e contrato de transporte público (Art. 65, §5º, lei n.º 8.666/1993). 238 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 FLÁVIA LIMMER O Poder Público aqui não age como parte contratual (estado administrador) e sim como Estado Império (com uso da supremacia). Para a doutrina majoritária, representada por Di Pietro, para configurar fato do príncipe é necessário que o agente que praticou a conduta seja da mesma esfera do ente federativo que celebrou o contrato atingido. Se for ente federativo diverso será caso fortuito. b) Fato da Administração São atos ou omissões da Administração que incidem diretamente sobre o contrato e impedem sua execução (Art. 78, XIII, da lei n.º 8.666/1993) Podem levar a revisão ou rescisão do contrato. Por exemplo, a não concessão da licença ambiental ou a demora na desapropriação do terreno necessário para a obra. c) Caso Fortuito e Força Maior São os eventos imprevisíveis ou inevitáveis que impedem ou oneram a execução do contrato. Além da rescisão ou revisão do contrato, podem gerar indenização ao particular contratado pelos prejuízos decorrentes (art. 79, § 2º, lei n.º 8.666/1993). Por exemplo um fato imprevisível da natureza que atrasa ou torna mais custosa a prestação contratual, como um tsunami, um deslizamento ou uma pandemia. d) Interferências Imprevisíveis São fatos imprevistos, preexistentes, que oneram mas não impedem a execução do contrato. Já existiam no momento que o contrato foi assinado, mas só foram reveladas durante a sua execução. Por exemplo, o solo ser diferente do previsto, o que aumenta o curso de perfuração, terraplanagem. 10. MATRIZ DE RISCOS A exploração de qualquer atividade econômica gera um risco, sendo inerente a isso. Não seria diferente nos contratos administrativos, onde o exercício da atividade econômica se dá, via de regra, por conta e risco do particular contratado. Já há algum tempo a Administração Pública utilizava o instrumento da matriz de riscos associados ao empreendimento, visando facilitar a solução de conflitos e divergências na interpretação das cláusulas contratuais. Trata-se de um documento onde se detalha quais os riscos serão suportados pela Administração e quais serão encargos do particular Contratado. Por exemplo riscos ambientais, decorrentes do processo de engenharia, aumento de demanda etc. Logo, ao invés de ser utilizar hipóteses inflexíveis (tal como fazia a lei n.º 8.666/1993) a distribuição de riscos é moldada no contrato, de acordo com o seu objetivo e o caso concreto. Assim a matriz de risco fixará as hipóteses de alteração do contrato, visando o restabelecimento da equação econômico-financeira nos casos em que o sinistro seja considerado na matriz de riscos como causa de desequilíbrio não suportada pela parte que pretenda o restabelecimento. A lei n.º 14.133/2021 define matriz de riscos como XXVII – matriz de riscos: cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação, contendo, no mínimo, as seguintes informações: a) listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato que possam causar impacto em seu equilíbrio econômico-financeiro e previsão de eventual necessidade de prolação de termo aditivo por ocasião de sua ocorrência; b) no caso de obrigações de resultado, estabelecimento das frações do objeto com relação às quais haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, em termos de modificação das soluções previamente delineadas no anteprojeto ou no projeto básico; 239 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 FLÁVIA LIMMER c) no caso de obrigações de meio, estabelecimento preciso das frações do objeto com relação às quais não haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, devendo haver obrigação de aderência entre a execução e a solução predefinida no anteprojeto ou no projeto básico, consideradas as características do regime de execução no caso de obras e serviços de engenharia; A matriz de riscos passará a nortear o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo assinado sob o novo marco regulatório, e incentiva que as partes contratantes cumpram com as suas obrigações, bem como modela o grau de risco do objeto do contrato, e o pondera com a expectativa de retorno econômico do particular, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo. Ela está detalhada nos art. 22 e art. 103. O valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado. Com as cláusulas contratuais que definem os riscos e responsabilidades entre as partes facilita-se o consenso sobre a melhor maneira de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, permitindo retornar às condições, ao menos próximas, do inicialmente acordado. Já se saberia quais ônus financeiros decorrentes de eventos supervenientes à contratação seriam suportados por qual contratante. Por exemplo, em um contrato de transportes públicos já estaria previamente definido se a diminuição no fluxo de passageiros deverá ser gerar a recomposição do preço da tarifa, ou que suportará os custos de um aumento de depredação dos trens. Identifica assim os riscos contratuais previstos e presumíveis, detalhando quais serão assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou daqueles a serem compartilhados. A Matriz de Risco será obrigatória nas contratações de obras e serviços de grande vulto (que ultrapassam o valor de R$ 200 milhões) ou quando forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada (art. 22, §3º, c/c art. 102, §3º e §4º). Sobre o tema a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 28, que dispõe: na fase interna da licitação para concessões e parcerias público-privadas, o Poder Concedente deverá indicar as razões que o levaram a alocar o risco no concessionário ou no Poder Concedente, tendo como diretriz a melhor capacidade da parte para gerenciá-lo. 11. EXECUÇÃO DO CONTRATO a) Fiscalização do contrato Trata-se de um poder-dever. A Administração deve designar representantes especialmente para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato. Esse representante é o fiscal do contrato, que fará o registro necessário das falhas e defeitos (Art. 58, II, c/c art. 67 da lei n.º 8.666/1993). É possível que o Poder Público contrate a empresa que realizou o projeto básico ou executivo da obra para que exerça o trabalho de fiscalização, de supervisão, de gerenciamento daquele empreendimento, pois detém maior domínio de um servidor público. A fiscalização não exclui nem atenua a responsabilidade do contratado por danos causados a à administração ou a terceiros (art. 70, lei n.º 8.666/1993). A Lei de Licitações, no art. 71, diz que o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato. A administração irá responder solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes do contrato, por força do art. 72, § 2º, da lei n.º 8.666/1993. Quanto a subcontratação contratado, sem prejuízo de suas responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar parte da obra ou parte do serviço, mas até o limite admitido pela Administração. A possibilidade de subcontratação e os seus limites devem estar previstas no edital. Se o edital for silente, não é possível subcontratar. O contrato pode prever recebimento provisório e recebimento definitivo. O recebimento provisório é feito pelo fiscal do contrato. O recebimento definitivo é feito pelo servidor ou comissão designada pela autoridade competente. Há aqui uma análise e detalhamento da prestação contratual, passando a receber o 240 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 objeto do contrato. Recebido o objeto do contrato, não se esvai a responsabilidade civil pela execução do contrato. É possível em algumas situações dispensar o recebimento provisório, e nesses casos haverá somente o recebimento definitivo: • • Tiver diante de gêneros perecíveis; Serviços de obras ou produtos cujo valor vai até o valor limite para a modalidade convite, desde que não se componham de aparelho, equipamentos e instalações sujeitos a testes de funcionamento e produtividade. Na Nova Lei de Licitações a fiscalização está presente nos arts. 25 e 120. Cabe destacar que o art. 121 dispõe que somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, e que a inadimplência destes não transferirá à Administração a responsabilidade pelo seu pagamento e não poderá onerar o objeto do contrato nem restringir a regularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o registro de imóveis. Apenas nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado. A lei ainda trata do recebimento provisório e definitivo no seu art. 140. Será interessante ver como o art. 121 será recebido na jurisprudência, já que uma questão importante sobre terceirização foi decidida pelo STF em 2019, no RE 760.931/DF: o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do particular contratado pelo Estado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário (art. 71, § 1º, da lei n.º 8.666/1993). No caso de terceirização de mão de obra o STF, na ADC 16, declarou constitucional o art. 71, § 1º, da lei n.º 8.666/1993, excluindo a responsabilidade subsidiaria do Estado pelos débitos trabalhistas das empresas quando há terceirização. Para o STF, o Estado só pode ser condenado subsidiariamente em caso de demonstração de ausência de fiscalização. E será ônus do empregado do particular contratado provar a falha de fiscalização. Não se pode atribuir o encargo à administração público por mera presunção de culpa da administração. É necessário demonstrar cabalmente o nexo causal entre a conduta do agente público e o prejuízo experimentado pelo trabalhador. Se não comprovar, não haverá responsabilidade da administração. Recentemente o STF decidiu que a equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratarem de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são sua. Ofenderia os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência compelir empresa contratada para prestação de serviços terceirizados a pagar remuneração em padrões idênticos aos da empresa contratante (tomadora dos serviços), por serem titulares de possibilidades econômicas distintas (STF, RE 635.546/MG, julgado em março de 2021). 12. MEDIAÇÃO E AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Essa é uma tendência trazida pelo atual CPC, que trouxe conceitos de conciliador e mediador: • • Conciliador: é quem conduz, atuando preferencialmente nos casos em que não há vínculo anterior entre as partes, sugerindo soluções. Mediador: atua preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, de modo que os interessados possam, por si próprios, obter uma solução consensual. 241 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Na arbitragem não há autocomposição, mas as partes interessadas vão submeter a questão ao juízo arbitral, e isto se dá por meio da convenção de arbitragem. Dentro da convenção poderá haver: • • Cláusula compromissória: há uma previsão no contrato de que se houver um conflito, será este submetido a um árbitro ou tribunal arbitral. A cláusula é anterior ao problema existir. Compromisso arbitral: o litígio já existe, devendo ser ele submetido ao árbitro. O compromisso é posterior ao problema existir. A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, pois as partes poderão existir. Todavia, quando estiver em um dos polos a administração pública, necessariamente a arbitragem será de direito, por conta do princípio da legalidade. Os entes federativos podem criar Câmara de Prevenção e Resolução de Conflitos na seara administrativa, no âmbito dos respectivos órgãos da advocacia pública. A competência dessa Câmara de Prevenção e Resolução de Conflitos na seara administrativa será para: • • • Dirimir conflitos nos órgãos da própria administração pública. Avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos por meio da composição, nos casos controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público. Promover a celebração de um termo de ajustamento de conduta (TAC). A instauração do procedimento administrativo para resolução do conflito, de forma consensual, cujo objetivo é encontrar a solução consensual do conflito atualmente existente, gera a suspensão da prescrição. Se houver consenso entre as partes, o acordo será reduzido a termo, constituindo título executivo extrajudicial. A Lei da Arbitragem (lei n.º 9.307/1996) foi alterada pela lei n.º 13.129/2015, e passou a dispor que: Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 2º A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações. § 3º A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade. Sobre o tema a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou os enunciados 10, 18, 19 e 39 que dispõe: Enunciado 10. Em contratos administrativos decorrentes de licitações regidas pela lei n. 8.666/1993, é facultado à Administração Pública propor aditivo para alterar a cláusula de resolução de conflitos entre as partes, incluindo métodos alternativos ao Poder Judiciário como Mediação, Arbitragem e Dispute Board. Enunciado 18. A ausência de previsão editalícia não afasta a possibilidade de celebração de compromisso arbitral em conflitos oriundos de contratos administrativos. Enunciado 19. As controvérsias acerca de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos integram a categoria das relativas a direitos patrimoniais disponíveis, para cuja solução se admitem meios extrajudiciais adequados de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas (Dispute Board) e a arbitragem. Enunciado 39. A indicação e a aceitação de árbitros pela Administração Pública não dependem de seleção pública formal, como concurso ou licitação, mas devem ser objeto de fundamentação prévia e por escrito, considerando os elementos relevantes. 242 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 A Nova Lei de Licitações prevê a extinção consensual de contratos, via mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que haja interesse da Administração, no art. 138, II. E destaca a possibilidade de uso de meios alternativos de soluções de conflitos (conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem) nos arts. 151 a 154. 13. INEXECUÇÃO E DA RESCISÃO DOS CONTRATOS A inexecução do contrato pode ser total ou parcial, podendo ensejar a sua rescisão. A rescisão contratual poderá ser amigável, unilateral ou ainda judicial O art. 78 da antiga Lei de Licitações elenca situações em que constituem motivos para rescisão do contrato: • • • • • • • • • • • • • • • • Não cumprimento ou cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; Lentidão na execução do contrato, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados; Atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento; Paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração; Subcontratação total ou parcial do seu objeto não admitidas no edital e no contrato; Desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores; Cometimento reiterado de faltas na sua execução; Decretação de falência ou a instauração de insolvência civil; Dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado; Alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato; Razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento; Supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além dos limites fixados em lei; Suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação; Atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação; Não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto; Ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato. Já a lei de 2021 dispõe como hipóteses de extinção do contrato (não usando mais o termo “rescisão”), que deverá ser sempre motivada e observando o contraditório e a ampla defesa: 243 FLÁVIA LIMMER • • • • • • • • • CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Não cumprimento ou cumprimento irregular de normas editalícias ou de cláusulas contratuais, de especificações, de projetos ou de prazos; Desatendimento das determinações regulares emitidas pela autoridade designada para acompanhar e fiscalizar sua execução ou por autoridade superior; Alteração social ou modificação da finalidade ou da estrutura da empresa que restrinja sua capacidade de concluir o contrato; Decretação de falência ou de insolvência civil, dissolução da sociedade ou falecimento do contratado; Caso fortuito ou força maior, regularmente comprovados, impeditivos da execução do contrato; Atraso na obtenção da licença ambiental, ou impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto; Atraso na liberação das áreas sujeitas a desapropriação, a desocupação ou a servidão administrativa, ou impossibilidade de liberação dessas áreas; Razões de interesse público, justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante; Não cumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz. a) Rescisão unilateral A rescisão unilateral, na antiga lei de licitações, só poderá ser proposta pelo Estado, por interesse público superveniente à contratação ou por descumprimento de cláusula contratual por parte do particular (art. 77, lei n.º 8.666/1993). Nesse caso a extinção será antes do prazo estipulado. São algumas hipóteses que podem levar à rescisão unilateral: • • • • • Descumprimento de cláusulas contratuais; Atraso ou paralisação da obra; A subcontratação ou cessão do objeto contratual não admitidas no edital e no contrato; Alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato; Razões de interesse público (motivação e publicidade). A rescisão unilateral na lei n.º 8.666/1993 poderá trazer algumas consequências: • • • • Assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração; Ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade; Execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos; Retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração. A assunção do objeto é fundada no princípio da continuidade. Portanto, a rescisão implicará assunção de objeto pela administração, podendo ocupar o bem. No caso de rescisão do contrato administrativo por ato unilateral da Administração Pública, sob justificativa de interesse público, impõe ao Estado a obrigação de indenizar o particular pelos prejuízos daí decorrentes, como tais considerados não apena os danos emergentes, mas também os lucros cessantes (STJ – REsp 1.240.057/AC). A Administração deve indenizar o particular se houver dano, bem como indenizar os 244 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 investimentos não amortizados do contratado. O particular tem direito de devolução da garantia prestada, os pagamentos devidos pela execução do contrato e o pagamento pelo custo da desmobilização (art. 79, § 2º, lei n.º 8.666/1993). A nova lei trouxe possibilidades em que o particular contratado também terá direito à extinção unilateral. Art. 137, § 2º, da lei n.º 14.133/2021 estabelece que o particular contratado terá direito à extinção do contrato nas seguintes hipóteses: • • • • • Supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras que acarrete modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido para alterações unilaterais (25% para obras, nos serviços ou nas compras; 50% no caso de reforma de edifício ou de equipamento). Não liberação pela Administração, nos prazos contratuais, de área, local ou objeto, para execução de obra, serviço ou fornecimento, e de fontes de materiais naturais especificadas no projeto, inclusive devido a atraso ou descumprimento das obrigações atribuídas pelo contrato à Administração relacionadas a desapropriação, a desocupação de áreas públicas ou a licenciamento ambiental; Suspensão de execução do contrato, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 3 (três) meses; Repetidas suspensões que totalizem 90 (noventa) dias úteis, independentemente do pagamento obrigatório de indenização pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas; Atraso superior a 2 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de obras, serviços ou fornecimentos. Nas três últimas situações o particular não poderá solicitar a rescisão unilateral do contrato nos casos de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou de guerra, bem como quando decorrerem de ato ou fato que o contratado tenha praticado, do qual tenha participado ou para o qual tenha contribuído. Será facultado ao particular optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até a normalização da situação, admitido o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Preste atenção nesse artigo, que se relaciona diretamente com as contratações que podem ser efetuadas ainda (infelizmente) durante a pandemia de COVID-19. O art. 138 da mesma lei estabelece que quando a extinção decorrer de culpa exclusiva da Administração, o contratado será ressarcido pelos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido e terá direito a devolução da garantia e aos pagamentos devidos pela execução do contrato até a data de extinção e pelo custo da desmobilização. Já o art. 139 estabelece que caso a extinção do contrato se dê por culpa do particular essa acarretará: • • • • Assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração; Ocupação e utilização do local, das instalações, dos equipamentos, do material e do pessoal empregados na execução do contrato e necessários à sua continuidade; Execução da garantia contratual para o ressarcimento da Administração Pública por prejuízos decorrentes da não execução; pagamento de verbas trabalhistas, fundiárias e previdenciárias, quando cabível; das multas devidas à Administração Pública; e exigência da assunção da execução e da conclusão do objeto do contrato pela seguradora, quando cabível; Retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração Pública e das multas aplicadas. 245 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 b) Exceptio non adimpleti contractus em face da administração A exceptio non adimpleti contractus, também chamada de exceção de contrato não cumprido, está estabelecida no art. 78, XV, da lei n.º 8.666/1993. Segundo este dispositivo, o atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela administração, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, permite ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que receba o que ele tem de direito. A doutrina clássica defendia que a exceção do contrato não cumprido jamais poderia ser invocada pelo particular nos contatos administrativos, seria uma cláusula exorbitante baseada no princípio da continuidade dos serviços públicos. Já a doutrina moderna justifica que a sua aplicação mitigada: no caso de atraso superior a noventa dias o particular pode optar entre (a) pedir rescisão contratual ou (b) suspender a execução do contrato prestação dos serviços até que seja normalizado o pagamento (necessidade de notificação prévia). O STJ consagra o entendimento no sentido de que a regra de não-aplicação da exceptio non adimpleti contractus, em sede de contrato administrativo, não é absoluta (AgRg no REsp 326.871/PR e RMS 15.154/PE). O mesmo STJ entende que não seria necessário pleitear judicialmente a suspensão do contrato, por inadimplemento da Administração Pública. Isso porque "condicionar a suspensão da execução do contrato ao provimento judicial, é fazer da lei letra morta" (REsp 879.046/DF e REsp 910.802/RJ). Sobre o tema a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 6, que dispõe: o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração Pública autoriza o contratado a suspender o cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação, mesmo sem provimento jurisdicional. Como visto acima a Nova Lei de Licitações trouxe hipóteses de extinção unilateral para o contratado. Assim a exceção do contrato não cumprido ficou restrita a situação do art. 137, §2º, IV: atraso superior a 02 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de obras, serviços ou fornecimentos. Note aqui que trata-se de cláusula exorbitante, onde o particular terá que suportar os atrasos nos pagamentos devidos pelo prazo de até dois meses desde a emissão da nota fiscal. lei n.º 8.666/1993, como visto acima, esse prazo era de 90 dias. Somase que nas hipóteses de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, a suspensão de pagamento por período superior a 03 meses, bem como as constantes suspensões até o total de 90 dias úteis e o atraso no pagamento por mais de dois meses não se aplicam. Logo mesmo que o Poder Público, por exemplo, atrasasse o pagamento por quatro meses após a decretação de estado de calamidade o particular não poderia requerer a extinção unilateral do contrato. Em compensação, poderia reivindicar a suspensão de suas obrigações até o encerramento da situação excepcional. 14. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS Sanções administrativas são punições impostas pela Administração, em razão da inexecução total ou parcial do contrato, a administração pode aplicar ao contratado algumas sanções, tais como (Art. 87, lei n.º 8.666/1993): • • • • Advertência; Multa; Suspensão temporária e impedimento de contratar com a Administração por até 02 anos; Declaração de inidoneidade. A decisão discricionária e fundamentada e deverá obedecer ao Princípio da Proporcionalidade e garantir o contraditório e a ampla defesa. 246 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Advertência será aplicada por escrito, para infrações leves. A multa poderá ser aplicada cumulativamente com as outras sanções. Seu valor deve estar previsto no contrato. Pode ser descontada da garantia ou, se for maior, a Administração cobrará a diferença dos próximos pagamentos devidos ao particular ou ainda judicialmente. A suspensão temporária vai atingir o direito de participar de licitação ou de contratar com a administração pública pelo prazo de até 02 anos. O entendimento do STJ é de que há incidência geral dessa suspensão, ficando suspenso de contratar com os demais órgãos da administração pública, e não restrito ao órgão aplicador da pena (Resp 151.167/2003). Na declaração de inidoneidade, o ente federado não poderá licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade. Essa reabilitação poderá ser concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada. A declaração de inidoneidade é aplicada pelo ministro de Estado, secretário de estado ou secretário distrital ou municipal. O STJ já aplicou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de estender os efeitos da declaração de inidoneidade a uma sociedade empresarial diversa, que foi constituída com o objetivo de burlar a aplicação dessa sanção administrativa. Tanto a suspensão temporária quanto a declaração de inidoneidade as penalidades só fazem efeitos para o futuro, sem alcançar contratos já firmados e em andamento (STJ, MS 13.101 / MS 14.002). A lei n.º 14.133/2021 traz as sanções administrativas em seu art. 156, com redução na discricionariedade de sua aplicação. São praticamente as mesmas: advertência, multa, impedimento de licitar e contratar, declaração de inidoneidade para licitar ou contratar. A multa não poderá ser inferior a 0,5% (cinco décimos por cento) nem superior a 30% (trinta por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta e será aplicada ao responsável por qualquer das infrações administrativas previstas no art. 155 desta lei. O impedimento para licitar impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos. Já a declaração de inidoneidade impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos. 15. GARANTIAS A possibilidade de exigência de garantias está prevista no art. 55, VI, c/c art. 56 da lei n.º 8.666/1993. Trata-se de um poder-dever: visando a execução do contrato e o pagamento das possíveis multas o Estado pode exigir uma garantia correspondente a 5% a 10% do valor do contrato. O percentual será calculado em razão da complexidade técnica, do vulto e dos riscos financeiros para a Administração. Exigir ou a garantia é ato discricionário da Administração. Mas é o particular que escolhe qual desses tipos irá fornecer: • • • • Caução em dinheiro; Caução em títulos da dívida pública; Fiança bancária; Seguro-garantia. Após o término do contrato a garantia será devolvida corrigida monetariamente. Atenção: a Garantia Contratual é diferente da Garantia da Proposta. A segunda é prestada pelo licitante como garantia de participar da licitação, no valor de no máximo 1% do valor da proposta (art. 31 III lei n.º 8.666/1993). 247 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Na Nova Lei de Licitações, as garantias contratuais estão previstas no art. 96 (caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia e fiança bancária) e a garantia da proposta no art. 58. Uma novidade trazida pela lei é a possibilidade de seguro-garantia com cláusula de retomada, os chamados performance bond (art. 6º, LIV, e art. 102). Nessa modalidade específica, cabível em contratos que tenham como objeto obras e serviços de engenharia, o edital poderá exigir a prestação da garantia na modalidade seguro-garantia e prever a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o objeto do contrato. Caso não o faça deverá pagar o valor total da importância segurada prevista na apólice. 16. OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA OU RETOMADA DO OBJETO CONTRATUAL Via de regra ocorre enquanto a Administração decide se irá ou não rescindir o contrato, para permitir a continuidade do serviço público. Pode ser usada como medida cautelar (enquanto se apuram as faltas), ou após a rescisão do contrato (para possibilitar a continuidade do serviço, enquanto realiza uma nova licitação. Seu objetivo sempre será assegurar a continuidade do serviço público, embora sua aplicação não esteja limitada aos contratos que tratam desse tema. O Estado pode ocupar temporariamente móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato. Na nova lei está prevista no art. 139, II. 17. NULIDADE DOS CONTRATOS A nova lei de licitações estabelece, em seu art. 147, situações que poderão acarretar a nulidade do contrato administrativo. Porém essa não será automática. O princípio da legalidade poderá ser ponderado com outros, tal como o da eficiência, da economicidade e com o consequencialismo. Assim a nulidade só será declarada quando não for possível o saneamento da irregularidade do procedimento licitatório ou da execução contratual. Deve-se avaliar ainda se a nulidade é medida de interesse público, ponderando: • • • • • • • • • • • Os impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato; Os riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato; A motivação social e ambiental do contrato; O custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas; A despesa necessária à preservação das instalações e dos serviços já executados; A despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno às atividades; As medidas efetivamente adotadas pelo titular do órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de irregularidades apontados; Os custo total e estágio de execução física e financeira dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas envolvidas; O fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em razão da paralisação; O custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato; O custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação. Caso a paralisação ou anulação não atendam ao interesse público, o poder público deverá optar pela continuidade do contrato e pela solução da irregularidade por meio de indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades cabíveis. Uma vez decidida a anulação, essa terá efeitos retroativos, sendo cabível a indenização do contratado pelo que este tiver executado até a declaração de nulidade, bem como pelos demais prejuízos cabíveis. 248 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 FLÁVIA LIMMER 18. CONTRATAÇÃO INTEGRADA OU SEMI-INTEGRADA A lei n.º 14.133/2021 prevê regimes de execução contratual de contratação integrada e semiintegrada, para a contratação de obras e serviços de engenharia, inspirados no RDC. A contratação integrada engloba em um único contrato a elaboração dos projetos básico e executivo, a execução da obra ou serviço e o fornecimento dos bens ou a prestação dos serviços especiais indispensáveis para a realização da obra ou serviço contratado (art. 6º, XXXII). Por seu turno a contratação semi-integrada integra elaboração do projeto executivo, a execução da obra ou serviço de engenharia e o fornecimento dos bens e a prestação dos serviços especiais indispensáveis para a consecução do objeto contratado (art. 6º, XXXIII). “Ou seja, o contratado elabora os projetos, executa a obra e a entrega em pleno funcionamento” 100. 19. CONTRATO DE EFICIÊNCIA Surge a possibilidade dos contratos de eficiência: os contratos poderão incluir uma cláusula que estipula que a Administração pagará um bônus, pela eficiência do contratado (por exemplo, se terminar a obra antes do prazo ou se a tecnologia utilizada permite uma maior eficiência energética e consequentemente menor pagamento pelo uso da energia elétrica). Busca-se principalmente uma diminuição das despesas correntes da Administração, logo a remuneração será baseada em um percentual da economia gerada – quanto menor o gasto público, maior será a remuneração proporcional (Art. 6º, LIII, c/c art. 39). Nas licitações que adotarem esse critério de julgamento os licitantes apresentarão: • Proposta de trabalho, que deverá contemplar: o o • As obras, os serviços ou os bens, com os respectivos prazos de realização ou fornecimento; A economia que se estima gerar, expressa em unidade de medida associada à obra, ao bem ou ao serviço e em unidade monetária. Proposta de preço, que corresponderá a percentual sobre a economia que se estima gerar durante determinado período, expressa em unidade monetária. O edital de licitação deverá prever parâmetros objetivos de mensuração da economia gerada com a execução do contrato, que servirá de base de cálculo para a remuneração devida ao contratado. Para efeito de julgamento da proposta, o retorno econômico será o resultado da economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, deduzida a proposta de preço. 20. SERVIÇO CONTÍNUO A lei estabelece como serviços e fornecimentos contínuos os contratados e compras realizadas pela Administração Pública para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongadas (art. 6º, XV). Já os serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra são aqueles cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que (art. 6º, XVI): • • Os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do contratante para a prestação dos serviços; O contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos; GARCIA, Flávio Amaral; MOREIRA, Egon Bockmann Moreira. O projeto da nova lei de licitações brasileira e alguns de seus desafios. Revista de Contratos Públicos n.º 21, setembro de 2019. 100 249 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 FLÁVIA LIMMER • O contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos. 21. CONSÓRCIOS PÚBLICOS Consórcio público é pessoa jurídica formada por entes da federação, podendo ser constituída por associação pública, com personalidade jurídica de direito público e com natureza de autarquia, mas também pode ser constituída como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. O consórcio público integra a administração pública indireta dos entes consorciados. Recomenda-se revisar o item 3.6.1. 22. CONVÊNIOS O convênio, em sentido amplo, é um acordo ajustado entre entes administrativos, ou entre entes da administração e particulares. Nele não há o interesse de lucro ou econômico, e sim a realização de um objetivo comum de interesse público. Há nos convênios a ideia de cooperação, quer seja entre entidades da administração pública ou entre particulares e entidades da administração pública. Em regra, não é necessária licitação para realizar convênio, visto que não possui interesse lucrativo. Recomenda-se reler o item 3.6.3. 23. JURISPRUDÊNCIA 23.1. Informativos do STF101 O art. 175, I, da CF prevê que a lei disporá sobre as condições para a prorrogação dos contratos de concessão. [...] o inciso XII do art. 23 da lei 8.987/1995 estabelece que as condições para a prorrogação devem ser disciplinadas no contrato de concessão, configurando-se como cláusula essencial, marcada pela discricionariedade da Administração Pública e na supremacia do interesse público. [...] A norma dispõe sobre a contratação de termo predefinido, firmado a partir de licitação, cabendo à Administração avaliar, excepcionalmente, com base nos parâmetros legais de atendimento ao interesse público, a conveniência e a oportunidade da prorrogação. [...] A prorrogação indefinida do contrato, porém, configura burla às determinações legais e constitucionais quanto à licitação obrigatória para adoção do regime de concessão e permissão para exploração de serviços públicos. [...] além de outras condicionantes, deve-se comprovar a prestação de serviço adequado, consistente no cumprimento, pelo período antecedente de cinco anos contado da data da proposta de antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança definidas no contrato, por três anos, ou das metas de segurança definidas no contrato, por quatro anos. [...] A definição legal de serviço adequado (lei 8.987/1995, art. 6º, § 1º) expõe ser ele “o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. O serviço adequado é aquele que atende, quanto ao objeto contratado, os índices de atendimento. [...] A prorrogação contratual ao termo final do contrato ou a prorrogação antecipada devem ser submetidas a consulta pública. [...] Para tanto, após o encerramento da consulta pública, encaminham-se ao Tribunal de Contas da União (TCU) o estudo prévio, os documentos que comprovem o cumprimento das exigências de serviço adequado e o termo aditivo de prorrogação contratual para avaliação final quanto à legitimidade e economicidade da solução aventada. [ADI 5.991 MC, rel. min. Cármen Lúcia, 20-2-2020, P, Informativo 967.] O contrato administrativo se encerra no prazo nele definido, salvo a realização de ajuste, ao final do termo, pela prorrogação contratual, se atendidas as exigências legais para tanto CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 101 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 250 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 FLÁVIA LIMMER e se presente o interesse público na permanência do contrato. Nesse passo, é incongruente com a natureza da prorrogação contratual a ideia de sua formalização em momento antecedente ao término do contrato, como também é incongruente com sua natureza a garantia indissolúvel de sua realização já no instrumento contratual. A discricionariedade da prorrogação é uma das marcas mais acentuadas do contrato administrativo e, assim, está, inclusive, prevista nas sucessivas legislações relativas às concessões de energia elétrica (leis 9.074/1995 e 12.783/2013) e também no termo cujas cláusulas se questiona nos autos. [RMS 34.203, rel. min. Dias Toffoli, j. 21-11-2017, 2ª T, DJE de 20-3-2018.] O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da lei n.º 8.666/1993. Obs: a tese acima foi a fixada pelo STF. No entanto, penso que é importante um esclarecimento revelado durante os debates: é possível sim, excepcionalmente, que a Administração Pública responda pelas dívidas trabalhistas contraídas pela empresa contratada e que não foram pagas, desde que o ex-empregado reclamante comprove, com elementos concretos de prova, que houve efetiva falha do Poder Público na fiscalização do contrato. STF. Plenário. RE 760931/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 26/4/2017 (repercussão geral) (Info 862). É INCONSTITUCIONAL norma da Constituição Estadual que preveja que o Estado (poder concedente) terá até 25 anos para pagar a indenização decorrente da encampação do serviço público que era prestado pela empresa concessionária. STF. Plenário. ADI 1746/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/9/2014 (Info 759). 24.1. Informativos do STJ102 Info 649. REsp 1.745.415-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019. O Código de Defesa do Consumidor é inaplicável ao contrato de fiança bancária acessório a contrato administrativo. Se um consórcio público celebrou convênio com a União por meio do qual estão previstos repasses federais, o fato de um dos entes integrantes do consórcio possuir pendência inscrita no CAUC não pode impedir que o consórcio receba os valores prometidos. Isso porque o consórcio público é uma pessoa jurídica distinta dos entes federativos que o integram e, segundo o princípio da intranscendência das sanções, as punições impostas não podem superar a dimensão estritamente pessoal do infrator, ou seja, não podem prejudicar outras pessoas jurídicas que não sejam aquelas que praticaram o ato. Assim, o fato de ente integrante de consórcio público possuir pendência no Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CAUC) não impede que o consórcio faça jus, após a celebração de convênio, à transferência voluntária a que se refere o art. 25 da LC 101/2000. STJ. 2ª Turma. REsp 1463921-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 10/11/2015 (Info 577). Concessionária de rodovia pode cobrar de concessionária de energia elétrica pelo uso de faixa de domínio de rodovia para a instalação de postes e passagem de cabos aéreos efetivada com o intuito de ampliar a rede de energia, na hipótese em que o contrato de concessão da rodovia preveja a possibilidade de obtenção de receita alternativa decorrente de atividades vinculadas à exploração de faixas marginais. STJ. 1ª Seção. EREsp 985695-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 26/11/2014 (Info 554). Se for reconhecida a nulidade do contrato administrativo por ausência de prévia licitação, a Administração Pública, em regra, tem o dever de indenizar os serviços prestados pelo contratado. No entanto, a Administração Pública não terá o dever de indenizar os serviços prestados pelo contratado na hipótese em que este tenha agido de má-fé ou concorrido CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 102 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 251 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 para a nulidade do contrato. STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1394161-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 8/10/2013 (Info 529). Para que a pessoa possa participar de licitações e contratar com a Administração Pública é necessário que comprove sua regularidade fiscal, ou seja, a inexistência de débitos com o Poder Público. Essa regularidade fiscal não é exigida apenas no momento da licitação e da contratação, persistindo durante toda a execução do contrato. No entanto, segundo o STJ, é ilegal reter o pagamento devido a fornecedor em situação de irregularidade perante o Fisco. Essa prática não é permitida, considerando que não existe autorização na lei para que seja feita (viola o princípio da legalidade). No caso de falta de regularidade fiscal durante a execução do pacto, a lei de Licitações autoriza que o Poder Público imponha penalidades ao contratado (art. 87) ou rescinda o contrato. STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1313659-RR, Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 23/10/2012 (Info 507). QUESTÕES 1. (TJRO) VUNESP, 2019. A empresa Serviços de Sucesso Ltda. sagrou-se vencedora em processo de licitação e celebrou, com o Poder Público, contrato cujo objeto é a prestação de serviços de portaria e limpeza em prédio público onde funciona a sede do contratante. Após o início da execução, por razões técnicas desconhecidas à época da licitação, o contratante constatou a necessidade de mudar o local de sua sede, dentro do mesmo Município. Nesse cenário, o contrato celebrado com a empresa Serviços de Sucesso Ltda. a) somente poderá ser aditado de forma unilateral no caso hipotético se a modificação implicar alteração do valor inicial atualizado do contrato, para mais ou para menos, em até 50%. b) deve ser anulado, pois os serviços contratados não são delegáveis ao particular, configurando violação ao dever de realização de concurso público. c) somente poderá ser aditado por acordo entre as partes, pois a mudança do local de prestação dos serviços contratados constitui alteração de regime de execução, que não admite alteração unilateral do contrato. d) deve ser revogado, pois a alteração do local de prestação dos serviços contratados constitui modificação substancial do objeto, violando o dever de licitar. e) poderá ser aditado, pois a mudança do local de prestação dos serviços contratados, no caso hipotético, constitui modificação qualitativa, permitindo alteração unilateral do contrato. 2. (TJSC) CESPE, 2019. Um empregado de empresa contratada pelo poder público para prestar serviços ligados à atividade-fim do órgão contratante comprovou, em demanda trabalhista, o inadimplemento da empresa em relação ao pagamento de suas verbas rescisórias. Nessa ação, foi reconhecida a existência da dívida trabalhista. Com referência a essa situação, assinale a opção correta a partir do entendimento majoritário e atual do STF. a) O Estado possui culpa presumida e responde solidariamente pelos encargos trabalhistas inadimplidos, visto que a terceirização da atividade-fim constitui ato ilícito. b) O Estado possui responsabilidade solidária e de aplicação automática com relação às dívidas trabalhistas da empresa contratada. c) O Estado possui responsabilidade subsidiária, a qual independe de culpa, sendo suficiente a comprovação de que não foi possível realizar a cobrança em desfavor da empresa inadimplente. d) A responsabilidade pelo pagamento das dívidas trabalhistas não é transferida automaticamente da empresa contratada para o poder público, seja em caráter solidário ou subsidiário. e) A responsabilidade pelo pagamento das dívidas trabalhistas é transferida automaticamente da empresa contratada para o poder público, sendo suficiente, para tanto, a comprovação da inadimplência do empregador. 252 FLÁVIA LIMMER CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 3. (TJSC) CESPE, 2019. A alteração unilateral de contrato administrativo pela administração pública poderá a) ser qualitativa, se houver necessidade de modificar o projeto ou as especificações, ou quantitativa, se for necessária a modificação do valor em razão de acréscimo ou diminuição do seu objeto. b) ocorrer normalmente, desde que sejam atendidos os limites legais, mas não deverá servir para garantir o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. c) ocorrer comumente, porque é aceita pela doutrina e pela jurisprudência pátria, embora não esteja prevista expressamente na legislação aplicável. d) ser unicamente quantitativa, não sendo possível que o poder público diminua o montante contratual a valor inferior ao que foi acordado na licitação. e) implicar na modificação do regime de execução da obra ou do serviço ou na substituição da garantia de execução 4. (TJAC), VUNESP, 2019. Com base no que dispõe a lei de Licitações e Contratos Administrativos (lei n° 8.666/1993), a declaração de nulidade de um contrato administrativo a) é dotada de efeitos retroativos, impedirá os efeitos jurídicos que ele deveria produzir, mas não desconstituirá os já produzidos, e exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado pelo período do contrato e por outros comprovados prejuízos que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. b) é dotada de efeitos retroativos, impedirá os efeitos jurídicos que ele deveria produzir e desconstituirá os já produzidos, mas não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data da declaração e por outros comprovados prejuízos que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. c) é dotada de efeitos retroativos, impedirá os efeitos jurídicos que ele deveria produzir e desconstituirá os já produzidos, e exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado pelo período do contrato e por outros eventuais prejuízos, independentemente de sua culpa, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. d) não é dotada de efeitos retroativos, não cancela os efeitos jurídicos já constituídos ou produzidos e obriga a Administração a indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data da declaração e pelos prejuízos que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. 5. (TJBA) CESPE, 2019. Uma empresa contratada pela administração pública não entregou bens em conformidade com o projeto básico, razão pela qual, após o regular processo administrativo, a contratante rescindiu unilateralmente o contrato e aplicou uma multa à citada empresa. Nessa situação hipotética a) a multa deverá ser descontada, preferencialmente, dos pagamentos eventualmente ainda devidos pela administração pública. b) a multa deverá ser descontada, primordialmente, da garantia do respectivo contrato. c) a administração agiu equivocadamente, pois multa e rescisão unilateral são inacumuláveis quando motivadas pelo mesmo fato. d) a administração pública, em regra, não estará autorizada a reter unilateralmente pagamentos devidos à empresa para compensar os prejuízos sofridos. e) excepcionalmente, caso a multa aplicada seja superior ao saldo a pagar à contratada, a administração pública poderá reter o pagamento até a quitação da multa. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – E a) Incorreta. Conferir art. 65, I, a, da lei 8.666/1993 253 FLÁVIA LIMMER b) c) d) e) CONTRATOS ADMINISTRATIVOS • 9 Incorreta. Trata-se de hipótese de anulação do contrato. Incorreta. O erro está no “somente”. Incorreta. Trata-se de hipótese de revogação. Correta. Conferir art. 65, I, a, da lei 8.666/1993. 2. Gabarito – D Todas as alternativas com base na Reclamação 26.894/SP, STF. 3. Gabarito – A a) b) c) d) e) Correta. Conferir art. 65, incisos I e II da lei n.º 8.666/1993. Incorreta. Conferir art. 65, §6º, da lei n.º 8.666/1993. Incorreta. Conferir Art.58, I e art. 65, I, “a” e “b” lei n.º 8.666/1993. Incorreta. Conferir art. 65, §1º, da lei n.º 8.666/1993. Incorreta. Conferir art. 65, II, da lei n.º 8.666/1993. 4. Gabarito – B a) b) c) d) Incorreta. A declaração de nulidade opera efeitos retroativos, mas gera a necessidade de indenizar. Correta. Conferir art. 59 lei n.º. 8.666/1993. Incorreta. A alternativa dispõe sobre os efeitos de nulidade no Direito Civil. Incorreta. A alternativa troca os efeitos da nulidade e da anulabilidade, contrariando o art. 59 lei n.º. 8.666/1993. 5. Gabarito – B a) Incorreta. Conferir art. 87 §1º da lei 8.666/1993. b) Correta. Conferir art. 87 §1º da lei 8.666/1993. c) Incorreta. Conferir art. 80 da lei 8.666/1993. d) Incorreta. Conferir art. 80 §1º da lei 8.666/1993. e) Incorreta. A lei prevê a compensação entre os valores ainda devidos ao contratado, pelos serviços prestados, e o montante a que este foi condenado, a título de multa. 254 FLÁVIA LIMMER 10 SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 SERVIÇOS PÚBLICOS 255 SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 FLÁVIA LIMMER 1. CONCEITOS E ELEMENTOS O conceito de serviço público é composto por três elementos: Pelo elemento material busca-se identificar o conteúdo da atividade prestada. O serviço público seria uma atividade administrativa de prestação de uma utilidade ou comodidade à população, fruível de forma individual ou coletiva, mas sempre pelos administrados. Já o elemento subjetivo procura definir serviço público a partir de quem o presta. O serviço público é aquele prestado pelo Poder Público, cuja titularidade pertence ao Estado. Poderá inclusive prestar o serviço por meio do particular, mas é o Poder Público sempre será o titular do serviço. Não confundir titularidade do serviço com titularidade da prestação do serviço. O serviço público é de titularidade do Estado, mas a prestação poderá ser feita por delegação para o particular. Pelo elemento formal a atividade será qualificada como serviço público quando ela se submete ao regime jurídico de direito público. É possível fundir os três elementos para se chegar ao conceito concreto e aplicado no Brasil . Portanto, serviço público é a atividade de prestação de comodidade ou utilidade aos administrados, seja do ponto de vista individual ou coletivo, prestado pela Administração Pública ou pelo Poder Público, diretamente ou por delegação, submetido a regime jurídico de direito público. 2. PRINCÍPIOS São princípios específicos do serviço público: a) Princípio da generalidade A prestação do serviço deve ser de forma indiscriminada, com igualdade entre os usuários, além alcançar a maior amplitude possível. Decorre do princípio da isonomia, e visa assegurar o oferecimento do serviço público a todos, sem qualquer discriminação entre os usuário. O mesmo respeito ao princípio da igualdade justifica tratar os usuários de forma diferenciada. Consequentemente a Súmula 407 do STJ dispõe que é legítima a cobrança de tarifa de água de acordo com a categoria do usuário e com a faixa de consumo. Fernanda Marinela103 esclarece que Esse princípio decorre de um raciocínio simples: o Brasil é um país relativamente pobre, tendo o serviço público que atingir e satisfazer os diversos grupos sociais na persecução do bem comum. Sendo assim, quando esse serviço depender de uma cobrança, ela deve ser condizente com as possibilidades econômicas do povo brasileiro, ou seja, a mais baixa possível. b) Princípio da continuidade A prestação de serviços públicos não pode ser interrompida, sob pena de grave prejuízo à coletividade. Não se trata de prestar o serviço em horário integral ou em todos os meses ou dias da semana initerruptamente, e sim de garantir a prestação de acordo com a necessidade da população, bem como o funcionamento pontual e regular do serviço. A lei n.º 8.987/1995 lei traz situações em que não se considera que houve uma descontinuidade do serviço público a interrupção dos serviços: • • 103 Em casos de emergência; Após um aviso prévio, motivado por ordem técnica ou de segurança das instalações (Art. 6º, § 3º, I); MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 256 FLÁVIA LIMMER • SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 Após um aviso prévio, quando houver o inadimplemento do usuário (Art. 6º , § 3º, II). Nesse caso específico a interrupção do serviço não poderá iniciar-se na sexta-feira, no sábado ou no domingo, nem em feriado ou no dia anterior a feriado (§ 4º incluído pela lei n.º 14.015, de 2020). O STJ entende que é legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, desde que precedido de notificação (AgRg no REsp 1.090.405/RO). Na mesma linha é justo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando o usuário estiver inadimplente, desde que precedido de notificação. Apesar da divergência entre o art. 6º, § 3º, II, lei n.º 8.987/95 e o art. 22 CDC, pacificou-se o entendimento de que havendo inadimplemento é possível o corte do fornecimento (AgRg no AREsp 412.822/RJ,). Porém não se admite o corte de fornecimento quando puder afetar o direito à saúde e à integridade física do usuário; ou de serviços essenciais, tais como escolas, hospitais ou presídios. Nesse caso há uma essencialidade do serviço público, sobretudo quando é prestado à coletividade. Por exemplo serviços públicos essenciais de saúde, mesmo quando inadimplentes, não sofrerão cortes no fornecimento unidade de saúde, uma vez que prevalecem os interesses de proteção à vida e à saúde. (STJ, REsp 285.262-MG e AgRg no Ag 1.329.795/CE). O corte será legítimo no fornecimento de serviços públicos essenciais quando inadimplente pessoa jurídica de direito público, desde que precedido de notificação e a interrupção não atinja as unidades prestadoras de serviços indispensáveis à população (AgRg no AgRg no AREsp 152.296/AP). Deve-se ressaltar que em razão da pandemia de COVID19 alguns Tribunais de Justiça concederam decisões cautelares suspendendo a possibilidade de interrupção de fornecimento de serviços essenciais, inclusive de telefonia e internet, enquanto perdurasse o período de isolamento. Cabe acompanhar se o entendimento irá vigorar na Corte Superior. O STJ estabelece que a suspensão por inadimplemento só se mostra possível quando os débitos forem atuais, relativos ao mês de consumo. Os débitos anteriores devem ser cobrados judicialmente. O entendimento se mantém mesmo na hipótese de recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor (normalmente por fraude do medidor). A jurisprudência do STJ veda o corte quando o ilícito for aferido unilateralmente pela concessionária Porém a suspensão é possível se a fraude do medidor cometida pelo consumidor for apurada de forma a proporcionar o contraditório e a ampla defesa. (REsp 1.412.433-RS) O STJ também entende que é ilegítimo o corte por débitos anteriores de um usuário anterior. Ou seja, a dívida de energia elétrica tem natureza pessoal e não propter rem (AgRg no AREsp 196.374/SP). Na mesma linha é ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica em razão de débito irrisório, por configurar abuso de direito e ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sendo cabível a indenização ao consumidor por danos morais (AREsp 452.420/SP). Por fim o corte no fornecimento de energia elétrica somente pode recair sobre o imóvel que originou o débito, e não sobre outra unidade de consumo do usuário inadimplente (REsp 662.214/RS). Fernanda Marinela104 diz que o princípio da continuidade tem repercussão sobre o direito de greve do servidor público, visto que este não pode ser executado ao ponto de quebrar a continuidade do serviço público realizado por aquela categoria. Isto é, a greve não pode gerar a interrupção do serviço essencial, deverá manter-se ao menos o necessário para a garantia da continuidade do serviço público. c) Princípio da modicidade das tarifas A prestação do serviço público deve respeitar a condição econômica do usuário. A ideia é de que o Estado não tem o intuito de ter lucro, cobrando o menor valor possível, de forma que seja acessível à 104 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 257 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 população a prestação do serviço. Sendo assim o concessionário poderá negociar como o Poder Concedente formas diversificar a prestação de seus serviços, visando permitir a fixação de um menor valor tarifário. Por exemplo explorando a locação de lojas e de espaços publicitários nas estações e nos trens do metrô. d) Princípio da atualidade O serviço deve ser atual, fazendo uso de equipamentos e técnicas modernas. Exige-se que o serviço seja prestado de acordo com o “estado da técnica”, isto é, utilizando-se das técnicas mais modernas possíveis. Este conceito caminha juntamente com os princípios da eficiência e da segurança, sendo que este último é essencial uma vez que garante a salvaguarda da incolumidade das pessoas e dos bens afetos aos serviços. e) Princípio da mutabilidade do regime O regime de execução poderá ser alterado, adequando-se às novas necessidades do administrado, conforme o interesse público. 3. CLASSIFICAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO O serviço público pode ser classificado em: • Serviço público próprio – o Estado assume a titularidade do serviço, podendo executar diretamente ou indiretamente, por meio de delegação. • Serviço público impróprio – a titularidade não pertence exclusivamente ao Estado, ainda que seja regulamentado ou fiscalizado pelo Estado. Poderá o particular exercê-lo, sem que haja delegação estatal. • Serviço público delegável – é o que admite delegação ao particular e/ou à administração indirets. Ex.: serviço de transporte público. • Serviço público indelegável – o Estado deverá prestá-lo diretamente, como é o caso do correio postal e o correio aéreo nacional. • Serviço público uti singuli (individual) – é o serviço público que atende individualmente o administrado. É possível mensurar a utilização de cada um. • Serviço público uti universi (universal) – não possui usuário determinado, sendo utilizado o serviço pela coletividade. Ex.: serviço de iluminação pública. • Serviço público administrativo – é executado pela administração, mas para atender as suas próprias necessidades, internas. • Serviço público comercial (ou industrial) – envolve o oferecimento de utilidades materiais ao indivíduo. Ex.: água tratada, energia elétrica, esgoto, etc. • Serviço público social – satisfazem uma necessidade de cunho social, como é o caso da educação, assistência social, seguridade social, etc. • Serviço público exclusivo – atribuído exclusivamente ao Estado, que tem a sua titularidade. • Serviço público não exclusivo – o ordenamento permite a titularidade pelo Poder Público, mas também permite que seja executado paralelamente pelo setor privado. O particular poderá prestar esse serviço independentemente de delegação. Ex.: hospital poderá ser particular, mas deverá necessariamente observar normas gerais do Poder Público. 258 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 4. REMUNERAÇÃO Os serviços públicos podem ser gratuitos ou remunerados. Quando não possuem usuários determinados, como limpeza urbana ou iluminação pública, como não é possível mensurar o quanto cada um o utiliza, o serviço não será remunerado diretamente pelo beneficiário. Diante disso, a doutrina fala em serviço gratuito, apesar da remuneração vir por meio de tributo. Quando o serviço público atender diretamente e individualmente àquele administrado, como é o serviço de telefonia ou de energia elétrica, é possível exigir uma contraprestação direta pelo usuário. Nesse caso, o serviço será remunerado, cabendo a seguinte subdivisão: • Serviço individual e compulsório de pagamento obrigatório – neste caso, há a incidência de taxa, que é um tributo vinculado a uma contraprestação estatal, ainda que não se tenha utilizado do serviço posto à disposição pelo Estado. A Súmula Vinculante 19 diz que a taxa cobrada exclusivamente por serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo, ou de resíduos proveniente de imóveis, não viola a constituição federal. Frise-se que, quando há cobrança de taxa pelo recolhimento de lixo tendo por fato gerador a extensão do imóvel, o STF entende que é constitucional. • Serviço individual e facultativo – nos casos de transporte público e telefonia, não haverá taxa, mas apenas tarifa ou preço público. O usuário aceita expressamente o serviço público, e, sendo usufruído, irá pagar pelo seu efetivo uso. O STJ e STF firmaram o entendimento de que a contraprestação cobrada pelos serviços de águas e esgotos tem natureza jurídica de tarifa, e não de taxa, pois é possível mensurar o quanto cada pessoa consume. Como não se consegue se dividir o quanto cada pessoa utiliza a iluminação pública, ou seja, por não ser divisível, esse serviço não pode ser remunerado por taxa. Este entendimento é sumulado pela Súmula 670. Diante desse entendimento, o Congresso aprovou a EC 39/02, que inseriu o art. 149-A da CF, permitindo aos municípios e ao DF instituir uma contribuição para o serviço de iluminação pública, sendo esta constitucional. No que toca ao serviço de telefonia, há discussão sobre a cobrança de valores fixos das contas telefônicas, que tratam das chamadas assinaturas mensais. O STJ entendeu que a cobrança da assinatura mensal não é taxa, não havendo ilegalidade, sendo admissível a tarifa básica. Este entendimento está previsto na súmula 356 do STJ. 5. PRESTAÇÃO E EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS Os serviços públicos podem ser prestados de forma concentrada, desconcentrada ou descentralizada. Na forma concentrada e a forma desconcentrada são execuções diretas, pois o próprio Estado presta o serviço público. No caso da forma descentralizada, a execução do serviço público é realizada indiretamente. Isto é, uma pessoa jurídica distinta do ente federativo prestará o serviço. Quando se fala que o serviço público foi delegado significa que o Estado transferiu a terceiro a execução do serviço. Se a delegação ocorrer internamente, no âmbito da própria Administração ocorre a descentralização por serviços, também chamada de outorga. Caso seja transferida a um particular a hipótese será de descentralização por colaboração. 259 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 a) Delegação de serviço público Essa transferência poderá se dar por: • Outorga – transferência decorrente de lei. • Delegação convencional (negocial) – delegação propriamente dita. Nesses casos há a transferência da execução do serviço, da titularidade da prestação do serviço, e não a titularidade do serviço propriamente dito, pois continuará sendo do Estado. Quando o Estado outorga, estará ele transferindo a titularidade a execução da prestação do serviço a uma entidade de sua administração indireta. A Administração Indireta exercerá a atividade em nome próprio. A outorga será feita por lei e não pode ser concedida a um particular. Por exemplo ao criar uma autarquia o ente federativo pode deixar de prestar diretamente aquele serviço, permitindo que a administração indireta, através da autarquia, passe a ser a titular responsável por prestar o serviço. A autarquia atua em nome próprio e não em nome do ente político. Porém quando o Estado delega ao particular, necessariamente detém a titularidade do serviço público, delegando apenas a execução. Parte da doutrina denomina a transferência do serviço público para a administração indireta de descentralização. Isto porque quando uma pessoa jurídica é criada, está-se diante de uma descentralização. Em regra quando o Ente político descentraliza, repassa a titularidade de algo. Existe diferença entre transferir a mera execução de uma atividade e transferir a titularidade da atividade. A titularidade do ente federativo é importante, pois é com base em quem é titular do serviço público que se define o juízo competente para processar e julgar determinados litígios. Instituições particulares e federais de ensino superior agem por delegação da União. Nesse caso, o foro competente para eventual mandado de segurança contra ato do diretor da instituição de ensino superior particular será julgado pela justiça federal (STJ, CC 172.731/SC)105. Assim, se a questão de direito material diz respeito ao ensino superior e a controvérsia instaura-se em mandado de segurança, a competência para o processamento da lide é da Justiça Federal, quer se trate de universidade pública federal quer se trate de estabelecimento particular de ensino. Neste último caso, a autoridade impetrada age por delegação federal. No caso das instituições de ensino superior particular, se não for mandado de segurança, mas somente uma ação de conhecimento ou cautelar, outro de natureza especial que não o do mandado de segurança, a competência para julgá-lo será da Justiça Federal se a universidade for federal e da Justiça Estadual se a instituição de ensino for particular, salvo se dele participar como interessada, na condição de autora, ré, assistente ou oponente, a União, alguma de suas autarquias ou empresa pública federal. A competência da justiça estadual se justifica, visto que não haveria ato de uma autoridade coatora que atua por delegação da União. Observe, ainda, que os estados e municípios gozam de total autonomia para organizar e gerir seus sistemas de ensino (art. 211 CF/88), e seus dirigentes não agem por delegação da União. Logo a apreciação jurisdicional de seus atos é da competência da Justiça Estadual. (STJ, REsp 1.195.580/MG e REsp 669.908/SC). A delegação negocial será concretizada, via de regra, por contrato de concessão, como se verá em seguida. b) Concessão de serviço público Concessão é a delegação da prestação de um serviço público. A concessão tem natureza jurídica de contrato administrativo, de modo que a competência privativa para legislar sobre suas normas gerais é da União (art. 22 XXVII CF/88). Súmula 15 TRF, ainda citada em precedentes do STJ: “compete à Justiça Federal julgar mandado de segurança contra ato que diga respeito ao ensino superior, praticado por dirigente de estabelecimento particular”. 105 260 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 A lei n.º 11.079/2004 instituiu as Parcerias Público Privadas, passando o ordenamento a ter dois tipos de concessões: comuns e especiais. Seja qual for a concessão, comum ou especial, algumas características são comuns a todas as espécies de concessões: • • • delegação da concessão não poderá ser feita a uma pessoa física a concessão é formalizada por meio de um contrato administrativo a delegação, em regra, é precedida de licitação, na modalidade concorrência. A lei n.º 14.133/2021 autoriza que tanto as concessões comuns (lei n.º 8.987/1995) e as concessões de parcerias público privadas (lei n.º 11.079/2004) possam adotar a modalidade de licitação de diálogo competitivo, além da já prevista concorrência. As concessões comuns são: • • Concessão de serviço público; Concessão de serviço público precedida de obra pública. Dentro das concessões comuns há a concessão de serviço público. Logicamente, é uma forma de delegação da prestação de um serviço público. Uma pessoa jurídica, ou mesmo um consórcio de empresas que demonstre a capacidade para o desempenho do serviço público por sua conta e risco e com prazo determinado, irá celebrar o contrato com a Administração Pública. A diferença entre a concessão de serviço público e a concessão de serviço público precedida de obra pública é justamente a obra pública anterior. Essa será realizada pela própria concessionária do serviço público, fazendo o investimento necessário e posteriormente será amortizado através da exploração do serviço público por um prazo determinado. Ou seja, antes de prestar o serviço será necessária a implementação de uma obra, a qual terá o concessionário o seu investimento ressarcido a partir da prestação do serviço. Nas concessões especiais, de acordo com a lei n.º 11.079/2004 usa-se a parceria público-privada, que prevê: • Concessão patrocinada – concessão que envolve adicionalmente à tarifa cobrada do usuário uma contraprestação pecuniária paga pelo parceiro público. Além da prestação do usuário, há um valor pago pelo agente público ao parceiro privado. • Concessão administrativa – contrato de prestação de serviços em que a Administração Pública (direta ou indireta) seja a usuária, ainda que envolva execução de obra, fornecimento ou instalação de bens. c) Permissão de serviço público Apesar de controvérsia, a permissão de serviço público tem natureza jurídica de contrato administrativo. Também é submetida à licitação, mas a delegação é realizada a título precário. Isto quer dizer que em algum momento a administração poderá revogar essa permissão sem a necessidade de observar um prazo. A permissão poderá ser celebrada por pessoa física ou jurídica. Esse contrato a ser firmado com a administração terá natureza de contrato de adesão e por conta de sua precariedade poderá haver a revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente quando desejar, não retirando a característica contratual da concessão. 261 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 d) Autorização de serviço público A autorização de serviço público, diferentemente de permissão e de concessão, não é negócio ou contrato administrativo, mas sim ato administrativo unilateral, precário e discricionário. Aqui, o Poder Público vai consentir que o particular realize uma determinada atividade, mas o interesse que prepondera é o interesse do particular. Ex.: táxi, seguros, bancos, etc. 6. SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO SONORA E DE SONS E IMAGENS Pelo art. 223, CF/88, compete ao Poder Executivo da União a delegação dos serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e televisão), observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. Permissões e autorizações para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens são feitas através de um ato do Poder Executivo que outorga essa concessão, permissão ou autorização, e para renoválas também é necessário o ato do Chefe do Poder Executivo. Esse ato somente irá produzir efeitos após uma deliberação do Congresso Nacional. Não se pode cancelar essa concessão, permissão ou autorização antes do termo final do prazo concedido. Esse cancelamento depende de decisão judicial. O prazo dessa delegação será da seguinte forma: • Rádio – 10 anos; • Televisão – 15 anos. 7. CONTRATOS DE CONCESSÕES COMUNS Nos contratos de concessão o Poder Público delega um serviço público a terceiros que o prestará em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições previamente fixadas. A base legal das concessões está no art. 175 CF/88, além da lei n.º 8.987/1995 e a lei n.º 9.075/1995. O contrato de concessão sempre será por prazo determinado. Excepcionalmente o prazo para concessão poderá ser prorrogado (art. 23, XII, lei n.º 8.987/1995). A prorrogação não pode ocorrer de forma arbitrária, devendo ser motivada. A lei não fixa prazo máximo para os contratos, serão arbitrados seguindo critérios de razoabilidade: serviços públicos mais complexos e com investimentos financeiros expressivos via de regra exigem um período maior. O Poder Concedente escolherá o particular concessionário através da licitação, via de regra na modalidade concorrência ou modalidade de licitação de diálogo competitivo (art. 2º, II, da lei n.º 8.987/1995). É possível que nos programas da desestatização se dê na modalidade leilão, mediante autorização da lei que inclui a estatal no programa de desestatização. Apenas quando expressamente autorizado por outras leis específicas, é possível adotar outra modalidade de licitação, diversa da concorrência. A lei n.º 9.491/1997, por exemplo, permite que as concessões abrangidas pelo Programa Nacional de Desestatização sejam precedidas de leilão. A concessão sempre é precedida de licitação, mas admite-se o leilão para as atividades previstas no Programa Nacional de Desestatização. O edital poderá prever a inversão das fases de habilitação e julgamento, aproximando-se da ideia de pregão. Quando permitida a participação de empresas em consórcios, haverá a indicação da empresa responsável pelo consórcio. Lembre-se que a concessão só é possível se o concessionário for uma pessoa jurídica, bem como poderá ser uma empresa ou conjunto de empresas, formando um consórcio de empresas. A empresa líder do consórcio será responsável perante o poder concedente. As outras empresas também poderão responder, inclusive solidariamente, mas existe uma empresa líder que sempre tratará o contrato de concessão. 262 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 No que tange à remuneração, o usuário do serviço público é quem paga o serviço, sendo esta a forma de remuneração do concessionário. A remuneração do Concessionário a rigor é feita exclusivamente pelas tarifas cobradas aos usuários, sendo garantindo o equilíbrio–econômico financeiro contrato. O contrato estabelece o preço inicial a ser cobrado pelo concessionário e sua fórmula de atualização. Como já dito visando a modicidade da tarifa o Poder Concedente poderá autorizar que o Concessionário explore adicionais, como espaços publicitários ou lojas. Se houver a alteração de impostos ou da situação fática, e não há culpa do concessionário, poderá haver a revisão da tarifa. Atente-se que não irá gerar a revisão do contrato quando houver a alteração do imposto de renda. A alteração da situação, seja para mais ou para menos, irá gerar a alteração da tarifa. A infraestrutura necessária para a execução do serviço, caso já existente, será repassada pelo Concedente durante o prazo contratual ao Concessionário. Caso inexistente será construída ou adquirida junto a terceiros pelo particular para cumprir o disposto no contrato de concessão. O Concessionário é responsável ao menos por parte da gestão da infraestrutura e serviços relacionados, não atuando apenas como mero agente, e fica obrigado a entregar a infraestrutura ao concedente no final do contrato. A exploração de qualquer atividade econômica gera um risco, sendo inerente a isso. O exercício da atividade econômica se dá por conta e risco do Concessionário. Na prática é elaborada uma matriz de riscos associados ao empreendimento, que estabelece quais os riscos serão suportados pela Administração e quais serão encargos do Concessionário. Por exemplo riscos ambientais, decorrentes do processo de engenharia, aumento de demanda etc. Sobre o tema, recomenda-se reler o item 10 do capítulo 09. Porém a responsabilidade do Concessionário, por eventuais danos experimentados por usuário ou por terceiros, é objetiva. Ainda que a fiscalização do Poder Concedente tenha sido falha, isto não atenua a responsabilidade do concessionário. É preciso que se ressalte as situações de danos causados por condutas omissivas. Isso porque o entendimento que prevalece é de que no caso de omissão é preciso demonstrar a responsabilidade subjetiva: culpa na prestação de serviço (falta do serviço). A responsabilidade do Poder Concedente é subsidiária, só respondendo por aquilo que não se conseguir o ressarcimento em face do concessionário. Em determinados casos, mesmo a concessão integral dos serviços não é suficiente para afastar a responsabilidade solidária do Estado para responder pelos possíveis danos, como é o caso dos danos ambientais (STJ REsp 28.222). O contrato de concessão, comum ou especial, poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas entre o concessionário e concedente que eventualmente venham a surgir na execução do contrato. Poderão inclusive instituir a arbitragem. A tarifa vai ser fixada de acordo com a proposta que se mostrar vencedora na licitação, podendo um dos tipos de licitação ser a de menor preço, fixando a tarifa de acordo com aquilo que foi estabelecido na proposta vencedora. Esse valor poderá ser revisado, pois o equilíbrio econômico-financeiro é garantido constitucionalmente. Recomenda-se acompanhar o julgamento pelo STF da RCL 43.697, sobre a suspensão da encampação da Linha Amarela pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Atualmente em tentativa de conciliação, o caso provavelmente se tornará paradigmático sobre a forma de revisão de tarifas. Em tese é possível que o concessionário realize uma subconcessão caso haja expressa autorização do poder concedente e previsão no contrato de concessão. A subconcessão não se confunde com a subcontratação, bastando que a última esteja prevista no edital, permitindo que o Concessionário, na prática, contrate um terceiro para auxiliar a executar o serviço ou uma etapa específica da atividade. Neste caso quem irá prestar o serviço em si, seu cerne, será o Concessionário. Já na subconcessão há a transferência da concessão em si, ou de seu controle societário. Há uma “troca” do prestador principal serviço, logo exige-se que a essa seja sempre precedida da anuência do poder concedente, sob pena de gerar a caducidade da concessão. O subconcessionário ingressa na relação contratual substituindo completamente o Concessionário original, e recebendo os seus direitos e obrigações. Há a completa troca do subconcessionário pelo subconcedente. Por isso há a necessidade de concorrência, 263 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 autorização expressa do Poder Concedente e autorização expressa no contrato de concessão. A doutrina debate se o art. 27 da lei n.º 8.987/1995, que regula a subconcessão, seria inconstitucional por violar o princípio do procedimento licitatório prévio. A questão é objeto da ADI n.º 2.946, ainda não julgada pelo STF. É viável ainda que o Poder Concedente venha a intervir na concessão para assegurar o princípio da continuidade do serviço público e da adequação do serviço público. A intervenção possui caráter temporário e não constitui uma punição. Se for necessária a intervenção deverá ser expedido decreto pelo Poder Concedente, em que será designado um interventor com os objetivos e limites do ato. Quando é declarada a intervenção o Poder Concedente terá o prazo de 30 dias para instaurar o processo administrativo para justificar as causas determinantes dessa medida, bem como a sua necessidade e forma que será usada para apuração das responsabilidades pela prestação inadequada do serviço. A verificação deve ser concluída em no máximo 180 dias. Caso ele não seja cumprido tal prazo a intervenção será considerada, retornando a administração dos serviços ao concessionário. A intervenção poderá levar a três conclusões: • A inadequação do serviço, situação na qual deverá se decretar a caducidade da concessão; • Aplicação de penalidade; • Caso nenhuma responsabilidade restar comprovada, deve o concessionário retornar a administração total dos serviços. Nesse último caso, pelo Art. 34, deverá ocorrer a prestação de contas por parte do interventor. O contrato de concessão se extinguirá nos seguintes casos: • Advento do termo contratual – é término do prazo do contrato. • Encampação – é a retomada do serviço pelo Poder Concedente durante o prazo da concessão em razão de interesse público, por meio de lei específica que autorize a encampação. Como a retomada é de interesse público, e não por violação do contrato pelo Concessionário, haverá a indenização. • Caducidade – é o fim do contrato de concessão em razão da inexecução do seu objeto, seja total ou parcial. A caducidade se dará independentemente de uma indenização prévia, sendo necessária garantir a adequada prestação do serviço. • Anulação. • Falência ou extinção do concessionário. • Rescisão amigável. • Rescisão judicial – se justifica para proteger o concessionário, pois é ele que deverá ingressar com a ação. Ou seja, quando o concessionário não tem mais interesse em seguir na concessão, por conta do descumprimento de normas pela Administração, não poderá simplesmente abandonar o contrato. Nesse caso, será necessário buscar o Poder Judiciário para rescindir o contrato. Após o término do contrato (por qualquer razão) ocorre a Reversão, ou seja, mudança da titularidade dos bens afetados à prestação do serviço público, transferindo-os do Concessionário para o Poder Concedente. Os bens utilizados na prestação do serviço passarão a ser da titularidade dos entes públicos, visando a continuidade do serviço público. Em outras palavras reversão é a incorporação dos bens utilizados para prestação de serviços públicos, quando finalizado aquele contrato de concessão. É possível que o particular tenha realizado inúmeros investimentos nos últimos anos do contrato, visando manter a atualidade e a qualidade, caso em que poderá ser indenizado. O valores investidos em equipamentos e ainda não amortizados deverão ser indenizados 264 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 exatamente para evitar o sucateamento e interrupção de investimentos nos últimos anos da concessão. Resumindo: a reversão não é causa da extinção do contrato, e sim sua consequência. O STF vem reforçando em sua jurisprudência que a lei estadual não pode se transformar em um instrumento para interferência nos contratos de concessão firmados pela União Federal, especialmente quando o ato normativo estadual altera as condições estipuladas pelo poder concedente. Por exemplo: uma lei estadual que autoriza a cobrança de preço público pelo uso de bens públicos, tais como as faixas de domínio público adjacentes a rodovias estaduais que recebem a infraestrutura necessária à transmissão de energia elétrica, seria inconstitucional uma vez que onera o contrato de concessão firmado pela União (STF, ADI 3.763/RS, julgada em abril de 2021). Na mesma linha, para o STF, compete à União definir regras de suspensão e interrupção do fornecimento dos serviços de energia elétrica, uma vez que se trata de matéria privativa da União legislar sobre energia e egime de exploração do serviço de energia elétrica, aí incluídas as medidas de suspensão ou interrupção de seu fornecimento. A norma impugnada não se restringiu à proteção do consumidor, pois, ao estipular regras pertinentes à suspensão do fornecimento dos serviços de energia elétrica, interferiu efetivamente no conteúdo dos contratos administrativos firmados entre a União e as respectivas empresas concessionárias (STF, ADI 5.798/TO, julgada em novembro de 2021). Assim como é inconstitucional lei municipal que estabeleça limitações à instalação de sistemas transmissores de telecomunicações por afronta à competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, nos termos dos arts. 21, XI, e 22, IV, CF/88. Isso porque, no conceito de telecomunicação (art. 60 da lei n.º 9.472/1997) estão incluídos os equipamentos e os meios necessários para transmissão dos sinais eletromagnéticos, tais como as antenas de telefonia celular (STF, ADPF 732/SP, julgada em abril de 2021). Mas tenha cuidado: o mesmo STF possui precedentes recentes que permitem aos Estados e Municípios legislarem sobre o tema, quando se tratar de questões relativas à direito do consumidor (tema de competência legislativa concorrente segundo o art. 24, VIII, CF/88). Por exemplo foi considerada constitucional lei estadual que obriga as empresas prestadoras de serviços de internet móvel e banda larga na modalidade pós-paga a apresentarem, na fatura mensal, gráficos sobre o registro médio diário de entrega da velocidade de recebimento e envio de dados pela internet (STF, ADI 6.893/ES, julgada em outubro de 2021). Também foram consideradas constitucionais normas estaduais que que disponham sobre obrigações destinadas às empresas de telecomunicações, relativamente à oferta de produtos e serviços, tais como a criação de cadastros de usuários contrários ao recebimento de ofertas de produtos e serviços, incluem-se na competência concorrente dos estados para legislarem sobre direitos do consumidor (STF, ADI 5.962/DF, julgada em fevereiro de 2021). Assim como é constitucional norma estadual que determine que as prestadoras de serviço telefônico são obrigadas a fornecer, sob pena de multa, os dados pessoais dos usuários de terminais utilizados para passar trotes aos serviços de emergência (STF, ADI 4.924/DF, julgada em novembro de 2021). Para o STF estas normas visam a proteção dos usuários ou destinatários finais, não criando obrigações nem direitos relacionados à execução contratual da concessão de serviços de telecomunicações (como seriam, por exemplo normas que versassem sobre efetiva prestação dos serviços de telecomunicações, às relações da concessionária com o usuário, aos padrões de prestação de serviço ou ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato). 8. CONTRATOS DE CONCESSÕES ESPECIAIS (PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA) Reguladas pela lei n.º 11.079/2004, as Parceria Público-Privada (PPP) são contratos de prestação de serviços de médio e longo prazo (de 5 a 35 anos), com valor não inferior a dez milhões de reais. A lei n.º 11.079/2004 não indica qualquer área ou setor prioritário para a contratação de parcerias público-privadas, havendo apenas a vedação à delegação das funções regulatórias, jurisdicionais, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado (lei n.º 11.079/2004, art. 4.º, III). São vedadas as 265 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 celebrações de contratos que tenham por objeto único o fornecimento de mão-de-obra, equipamentos ou execução de obra pública. As PPP são utilizadas principalmente para a implantação da infraestrutura necessária a prestação do serviço contratado pela Administração, tais como água e saneamento, transportes e mobilidade urbana, portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, defesa, parques nacionais iluminação pública etc. São projetos com custo elevado, por isso dependem de iniciativas de financiamento do setor privado. As PPP visam orientar o investimento privado para projetos interessantes para o Estado, liberando recursos públicos para outros interesses da sociedade. Nesse modelo a remuneração do particular será fixada com base em padrões de performance, sendo devida somente quando o serviço estiver à disposição do Estado ou dos usuários. Além destas não existem outras limitações. Não se trata de uma privatização, já que não há transferência integral ou definitiva para o setor privado. A PPP não se confunde com a obra pública. A PPP envolve a contratação da obra e dos serviços a ela associados, desde que seja possível estabelecer indicadores de desempenho objetivos e mensuráveis durante todo o ciclo de vida do contrato. Assim na PPP a relação entre o Poder Público e o parceiro privado está circunscrita a um só contrato. Já na obra pública, em regra, são necessários diversos contratos. Na obra pública o prazo máximo do contrato é de 05 anos, já na PPP o limite é de 35 anos. Por fim na PPP o risco da construção é do parceiro privado e dada a natureza da contratação integrada (obra + serviço), o agente privado tem incentivos para executar a obra com maior qualidade: defeitos dela decorrentes afetarão a qualidade do serviço prestado e ocasionarão a redução da contraprestação pública. Podem inclusive ensejar a rescisão contratual sem ônus para o Poder Público. Na mesma linha a concessão especial/PPP não se confunde com a concessão comum. A diferença central é a forma de remuneração do parceiro privado. Nas concessões comuns a remuneração do concessionário advém exclusivamente das tarifas cobradas aos usuários, nas parcerias público-privadas há pagamento de contraprestação pela Administração Pública, com ou sem cobrança de tarifa dos usuários. Existem mais algumas nuances tanto as concessões comuns quanto as especiais possuem prazo determinado. No entanto, as concessões especiais devem ter o prazo compatível com a amortização do investimento feito pelo parceiro privado. As concessões especiais não podem ter um prazo inferior a 05 anos, mas também não poderão ter prazo superior a 35 anos. Na concessão especial, a remuneração é paga pelo usuário pela contraprestação; mas há a hipótese de uma outra contraprestação paga ao parceiro privado pelo parceiro público, quando se tratar da concessão patrocinada. As contraprestações públicas são os pagamentos feitos pela Administração Pública ao parceiro privado em contrapartida ao serviço prestado. Preferencialmente, o valor da contraprestação deverá ser variável e vinculado ao desempenho do parceiro privado (Art. 6º parágrafo único da lei 11.079/2004). Essas contraprestações públicas não podem ser pagas antes da disponibilização do serviço pelo concessionário. Porém é permitida estipulação de um parcelamento do serviço e pagamento de contraprestação relativa à parcela disponibilizada. A parcela do serviço deverá estar disponível para utilização, sendo ilegal a divisão do serviço em parcelas não fruíveis (art. 7° da lei n.º 11.079 de 2004). Não há limite para a contraprestação do setor público em projetos de PPP, uma vez que a Administração Pública, direta ou indiretamente, é a única usuária. Entretanto, nas concessões patrocinadas, as contraprestações públicas não poderão exceder 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado, salvo autorização legislativa específica. (art. 10, §3°, lei n.º 11.079/2004). As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de PPP poderão ser garantidas mediante (art. 8° da lei n.º11.079/2004): • Vinculação de receitas, instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; 266 FLÁVIA LIMMER • • • • SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 Contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo poder público; Garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo poder público; Garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; Outros mecanismos admitidos em lei observado o disposto no inciso V do art. 167 da Constituição Federal; As concessões especiais preveem o compartilhamento: uma repartição objetiva dos riscos entre as partes, inclusive fato do príncipe, caso fortuito, força maior, álea extraordinária, etc. Para tal também é formulada a matriz de risco nas PPP. Existem algumas vedações (art. 2º, §4º): • • • Não se pode celebrar contrato de parceria público-privada com período inferior a 05 anos. Não poderá celebrar PPP cujo objeto seja apenas fornecimento de mão de obra, ou fornecimento e instalação de equipamentos, ou simplesmente a execução de obras públicas. É necessário haver uma mistura de ao menos duas dessas atividades. Além disso, o contrato de execução de parceria público-privada não poderá ter valor inferior a 10 milhões de reais. As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública nos casos de PPP’s poderão ser garantidas, mediante vinculação de receita, utilização ou instituição de fundos especiais, contratos de seguro-garantia, organismos internacionais que irão prestar garantia em favor da administração pública, fundo garantidor ou fundo estatal para garantir essa medida, ou ainda outros mecanismos previstos em lei. Poderão ser previstas a fixação de garantias pelo parceiro privado, e não apenas pelo parceiro público, as quais poderão ser feitas inclusive em favor do financiador do projeto, a fim de estimular esse financiamento com os juros mais baixos. Por fim, nas parcerias público-privadas, os contratos devem prever cláusula de aplicação de penalidades, mas não apenas para o parceiro privado, como também para a administração pública. 9. SOCIEDADES DE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE’S). Para implantar e gerir o objeto da parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada, deverá ser constituída uma sociedade de propósito específico, antes da celebração do contrato de parceria públicoprivada. Regidas pela lei n.º 11.079/2004, são sociedades empresárias incumbidas de implantar e gerir o objeto da parceria público-privada. Devem obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas. A constituição da SPE é um pré-requisito para celebração do contrato (art.9º). A finalidade as SPE é evitar a confusão patrimonial entre a SPE e as empresas que integram o seu quadro societário, o que poderia ocorrer caso os ativos e as receitas relacionadas com os serviços objeto da PPP fossem utilizados em outros negócios das empresas sócias da SPE. A lei n.º 11.079/2009, art. 9º, apresenta normas peculiares às sociedades de propósito específico no âmbito das parcerias público-privadas, mas não cria novo tipo societário. As SPEs são apenas sociedades empresárias comuns, de qualquer tipo (sociedade limitada, sociedade anônima ou outro tipo previsto em lei), com objeto social delimitado (implantar e gerir o objeto da parceria – lei n.º 11.079/2004, art. 9º). Podem assumir a forma de companhia aberta. A SPE também exerce outras funções úteis no contexto das PPPs. A separação entre a executora do projeto (a SPE) e seus proprietários (os concessionários) oferece maior grau de transferência contábil à 267 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 operação da PPP, permitindo diagnósticos sobre a real rentabilidade do projeto, solidez financeira, eficiência operacional e outras informações úteis na gestão do contrato. A existência da SPE também facilita a assunção da concessão pelos financiadores do projeto em caso de inadimplemento, hipótese autorizada pela lei n.º 11.079/2004, art. 5º, §2º, I). A administração não pode ser titular do capital votante dessa SPE, exceto quando eventualmente essa maioria do capital votante seja produto da aquisição por uma instituição financeira controlada do Poder Público daquelas quotas sociais em caso de inadimplemento do contrato de financiamento. Se a SPE se torna inadimplente e o financiador do projeto for um banco público, poderá assumir o controle para evitar a inidoneidade financeira da sociedade e para evitar a descontinuidade do serviço público. Se houver interesse da sociedade de propósito específico, essa transferência só será possível se houver previamente uma autorização expressa da administração pública. 10. CONCESSÕES PATROCINADAS Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas no moldes da lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, envolve o pagamento de uma contraprestação pecuniária por parte do governo ao agente privado (§1º do art. 2º da lei n.º 11.079, de 2004). É possível que essas concessões tenham mais de 70% da remuneração do parceiro privado paga pela administração pública. Neste caso, para firmar esse contrato de concessão patrocinada, é necessária prévia autorização legislativa específica, já que vai onerar consideravelmente a administração. 11. PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE ( PMI) No PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse) a autoridade pública manifesta seu interesse em receber estudos de viabilidade, levantamentos, investigações, dados, informações técnicas, projetos ou pareceres de interessados em projetos de parcerias público-privadas, nas modalidades patrocinada e administrativa, de concessão comum e de permissão. Já é uma realidade no Brasil, sendo utilizado principalmente por prefeituras que não possuem corpo funcionários com especialização necessária para a elaboração de quesitos técnicos de editais de licitação de áreas complexas, como saneamento básico e iluminação pública. No PMI os particulares apresentam, integral ou parcialmente, os estudos necessários (por exemplo de demanda, engenharia e arquitetura, viabilidade econômico-financeira, impacto sócio-ambiental), bem como o próprio edital de licitação e a minuta de contrato administrativo que serão utilizados pela Administração Pública nas futuras PPP. Em outras palavras o particular participa de um processo seletivo para apresentar os estudos que basearão o contrato administrativo da PPP, e o rascunho do próprio edital de licitação da PPP. Caso seu projeto seja selecionado não receberá absolutamente nada no primeiro momento, e a Administração Pública o transformará o estudo no próprio edital definitivo de licitação da PPP. O particular só será remunerado após o término desta concorrência. Quando for escolhido o parceiro privado após o término da concorrência da PPP o autor do projeto será ressarcido. O pagamento será de responsabilidade do parceiro privado da PPP. No Brasil a previsão do PMI está nas leis n.º 8.987/1995, art. 21, e n.º 11.079/2004, art. 3º, caput e §1º, sendo regulamentada pelo Decreto 5.977/2006. O Decreto 5.977/2006 regula o procedimento destinado à apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações, elaborados por pessoa física ou jurídica da iniciativa privada, a serem utilizadas em modelagens de parcerias público-privadas já definidas como prioritárias no âmbito da administração pública federal. 268 SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 FLÁVIA LIMMER Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o Enunciado 1, que dispõe: “a autorização para apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos no âmbito do Procedimento de Manifestação de Interesse, quando concedida mediante restrição ao número de participantes, deve dar-se por meio de seleção imparcial dos interessados, com ampla publicidade e critérios objetivos”. 12. TESES DO STJ 1) É legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando inadimplente o usuário, desde que precedido de notificação. 2) É legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, desde que precedido de notificação. 3) É ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica quando puder afetar o direito à saúde e à integridade física do usuário. 4) É legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando inadimplente pessoa jurídica de direito público, desde que precedido de notificação e a interrupção não atinja as unidades prestadoras de serviços indispensáveis à população. 5) É ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando inadimplente unidade de saúde, uma vez que prevalecem os interesses de proteção à vida e à saúde. 6) É ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando a inadimplência do usuário decorrer de débitos pretéritos, uma vez que a interrupção pressupõe o inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo. 7) É ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais por débitos de usuário anterior, em razão da natureza pessoal da dívida. 8) É ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica em razão de débito irrisório, por configurar abuso de direito e ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sendo cabível a indenização ao consumidor por danos morais. 9) É ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando o débito decorrer de irregularidade no hidrômetro ou no medidor de energia elétrica, apurada unilateralmente pela concessionária. 10) O corte no fornecimento de energia elétrica somente pode recair sobre o imóvel que originou o débito, e não sobre outra unidade de consumo do usuário inadimplente. 13. JURISPRUDÊNCIA 13.1. Informativos do STF106 É inconstitucional norma estadual que onere contrato de concessão de energia elétrica pela utilização de faixas de domínio público adjacentes a rodovias estaduais ou federais. Isso porque a União, por ser titular da prestação do serviço público de energia elétrica (arts. 21, XII, b, e 22, IV, da CF/88) detém a prerrogativa constitucional de estabelecer o regime e as condições da prestação desse serviço por concessionárias, o qual não pode sofrer ingerência normativa dos demais entes políticos. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 106 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 269 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 Ademais, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não há possibilidade de interferência do estado-membro nas relações jurídico-contratuais entre Poder concedente federal e as empresas concessionárias, especificamente no que tange a alterações das condições estipuladas em contrato de concessão de serviços públicos, sob regime federal, mediante edição de leis estaduais. No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade em face de normas do estado do Rio Grande do Sul que autorizam a cobrança de preço público pelo uso de bens públicos para a implantação de infraestrutura necessária à distribuição de energia elétrica. STF, Informativo 1012, Plenário. ADI ADI 3763/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 07.04.2021. Prorrogação de contrato de concessão de ferrovia e serviço adequado O Plenário, por maioria, indeferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra os seguintes dispositivos: § 2º, do inciso II do art. 6º (1); §§ 1º, 3º, 4º e 5º do art. 25 (2); e o § 2º do art. 30 (3), todos da lei 13.448/2017. O Plenário afirmou que o art. 175, I, da CF (6) prevê que a lei disporá sobre as condições para a prorrogação dos contratos de concessão. Enfatizou que o inciso XII do art. 23 da lei 8.987/1995 (7) estabelece que as condições para a prorrogação devem ser disciplinadas no contrato de concessão, configurando-se como cláusula essencial, marcada pela discricionariedade da Administração Pública e na supremacia do interesse público. A norma dispõe sobre a contratação de termo predefinido, firmado a partir de licitação, cabendo à Administração avaliar, excepcionalmente, com base nos parâmetros legais de atendimento ao interesse público, a conveniência e a oportunidade da prorrogação. Assinalou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a prorrogação do prazo contratual no espaço de discricionariedade da Administração Pública à qual cabe analisar e concluir sobre a oportunidade e a conveniência da prorrogação. A prorrogação indefinida do contrato, porém, configura burla às determinações legais e constitucionais quanto à licitação obrigatória para adoção do regime de concessão e permissão para exploração de serviços públicos. A lei 13.448/2017 estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria qualificados no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), nos termos da lei 13.303/2016, para os setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da Administração Pública federal. Não procede a alegação da autora de que a exigência posta no § 2º do inciso II do art. 6º da lei 13.448/2017 importa em ofensa à eficiência e favorecimento de interesses particulares em detrimento do interesse público. Conforme se prescreve na norma impugnada, além de outras condicionantes, deve-se comprovar a prestação de serviço adequado, consistente no cumprimento, pelo período antecedente de cinco anos contado da data da proposta de antecipação da prorrogação, das metas de produção e de segurança definidas no contrato, por três anos, ou das metas de segurança definidas no contrato, por quatro anos. A definição legal de serviço adequado (lei 8.987/1995, art. 6º, § 1º) expõe ser ele “o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”. O serviço adequado é aquele que atende, quanto ao objeto contratado, os índices de atendimento. A prorrogação contratual ao termo final do contrato ou a prorrogação antecipada devem ser submetidas a consulta pública. Para tanto, após o encerramento da consulta pública, encaminham-se ao Tribunal de Contas da União (TCU) o estudo prévio, os documentos que comprovem o cumprimento das exigências de serviço adequado e o termo aditivo de prorrogação contratual para avaliação final quanto à legitimidade e economicidade da solução aventada. STF, Informativo 967, Plenário. ADI 5991 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20.2.2020. A concessionária não tem direito adquirido à renovação do contrato de concessão de usina hidrelétrica. A União possui a faculdade de prorrogar ou não o contrato de concessão, tendo em vista o interesse público, não se podendo invocar direito líquido e certo a tal prorrogação. Dessa forma, a prorrogação do contrato administrativo insere-se no campo da discricionariedade. A lei n.º 12.783/2013 subordinou a prorrogação dos contratos de concessão de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica à aceitação expressa de determinadas condições. Se estas são recusadas pela concessionária, a Administração Pública não é obrigada a renovar a concessão. A lei n.º 12.783/2013 pode ser aplicada para 270 SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 FLÁVIA LIMMER a renovação de contratos ocorrida após a sua vigência mesmo que a assinatura do pacto original tenha ocorrido antes da sua edição. STF. 2ª Turma. RMS 34203/DF e AC 3980/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 21/11/2017 (Info 885). 13.2. Informativos do STJ107 Info 660. REsp 1.816.095-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/11/2019, DJe 07/11/2019. São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública. Na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no aparelho medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte administrativo do fornecimento do serviço de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado correspondente ao período de 90 (noventa) dias anterior à constatação da fraude, contanto que executado o corte em até 90 (noventa) dias após o vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos mencionados 90 (noventa) dias de retroação. STJ. 1ª Seção. REsp 1412433-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 634). A interferência judicial para invalidar a estipulação das tarifas de transporte público urbano viola a ordem pública, mormente nos casos em que houver, por parte da Fazenda estadual, esclarecimento de que a metodologia adotada para fixação dos preços era técnica. Segundo a “doutrina Chenery”, o Poder Judiciário não pode anular um ato político adotado pela Administração Pública sob o argumento de que ele não se valeu de metodologia técnica. Isso porque, em temas envolvendo questões técnicas e complexas, os Tribunais não gozam de expertise para concluir se os critérios adotados pela Administração são corretos ou não. Assim, as escolhas políticas dos órgãos governamentais, desde que não sejam revestidas de reconhecida ilegalidade, não podem ser invalidadas pelo Poder Judiciário. STJ. Corte Especial. AgInt no AgInt na SLS 2240-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/6/2017 (Info 605). QUESTÕES 1. (MPECE) CESPE, 2020. Julgue os próximos itens, com relação a parceria público-privada. I Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que pode ser celebrado na modalidade patrocinada ou administrativa. II É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada caso o valor do contrato seja inferior a dez milhões de reais e o período de prestação do serviço seja inferior a cinco anos. III Na contratação de parceria público-privada, os riscos do negócio ficam integralmente por conta da contratada. IV A contratação de parceria público-privada deve ser precedida de licitação na modalidade pregão eletrônico. Estão certos apenas os itens a) I e II. b) II e III. c) III e IV. d) I, II e IV. e) I, III e IV. 2. (TJRJ) VUNESP, 2019. A respeito da concessão ou permissão de serviços públicos, assinale a alternativa correta. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 107 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 271 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 a) Admite-se a rescisão amigável de contratos de concessão comum ou patrocinada, por razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas pela máxima autoridade do ente contratante, mediante homologação judicial. b) Incumbe ao Poder Concedente declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública e promover diretamente as desapropriações, cabendo à concessionária responsabilizarse pelas indenizações decorrentes. c) A sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos constituem diretriz de contratação de parcerias público-privadas. d) A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do Poder Concedente implicará a encampação da concessão. e) Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, vedada a aquisição da maioria do seu capital votante pelo ente contratante ou por instituição financeira controlada pelo Poder Público, em qualquer caso. 3. (MPE-MG) FUNDEP, 2019. Assinale a assertiva verdadeira com relação às parcerias público-privadas: a) A contraprestação da Administração Pública, nos contratos de parceria público-privada, não poderá ser feita por cessão de créditos não tributários. b) A concessão patrocinada é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens, ao passo que a concessão administrativa é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. c) A repartição de riscos entre as partes, típica das concessões ordinárias, não se aplica, por expressa disposição legal, às parcerias público-privadas; por outro lado, é diretriz normatizada na lei das PPPs o respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução. d) As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria públicoprivada poderão ser garantidas mediante a vinculação de receitas, observada a Constituição da República, e a instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei. 4. (TJRO) VUNESP, 2019. Na hipótese de sociedade de propósito específico contratada encontrar-se em dificuldade financeira e sem plenas condições de gerir o objeto do contrato de concessão patrocinada, o Poder Concedente poderá a) autorizar que os financiadores com quem a sociedade de propósito específico mantenha vínculo societário direto assumam sua administração temporária, com a faculdade de indicar os membros do Conselho de Administração, a serem eleitos em Assembleia Geral pelos acionistas. b) autorizar a transferência do controle da sociedade de propósito específico, desde que prevista a possibilidade no edital e contrato, devendo o adquirente atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessária à assunção do serviço, comprometendose a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor. c) adquirir a maioria do capital votante da sociedade de propósito específico e prosseguir na execução do contrato, indicando os membros dos Conselhos de Administração e Fiscal e exercendo poder de veto em deliberações dos acionistas. d) instaurar processo administrativo para apuração de infração contratual e, após o exercício do contraditório e ampla defesa pela sociedade de propósito específico, se constatada a inadimplência, declarar a encampação da concessão e aplicar multa por inexecução parcial do contrato. e) rescindir o contrato de concessão e retomar imediatamente a execução do objeto contratado, diferindo o pagamento de indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não amortizados ou depreciados e que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido. 5. (TJAL) FCC, 2019. Considere que em um contrato de concessão rodoviária, regido pela lei federal n° 8.987/1995, tenha sido atribuída à concessionária a obrigação de realização de determinadas obras de recuperação e ampliação da rodovia, ficando a cargo do poder concedente a realização de algumas obras de 272 SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 FLÁVIA LIMMER pequena monta na mesma malha rodoviária, que já estavam sendo executadas por empresas contratadas pela lei n° 8.666/1993. Ocorre que, em virtude da falência da empresa contratada, uma dessas obras de responsabilidade do poder concedente foi paralisada e o contrato correspondente, rescindido. Considerando tratar-se de obra indispensável para assegurar a fluidez do tráfego na rodovia concedida, o poder concedente alterou unilateralmente o contrato de concessão, para incluir a conclusão da referida obra como obrigação da concessionária, procedendo ao reequilíbrio econômico financeiro mediante aditamento contratual prevendo a prorrogação do prazo de concessão. De acordo com as disposições legais aplicáveis, conduta do poder concedente a) será legítima se não ultrapassado o prazo máximo de trinta e cinco anos para a exploração dos serviços concedidos e observado o limite de vinte e cinco por cento do valor do contrato de concessão, calculado tomando por base os investimentos originalmente alocados como responsabilidade da concessionária. b) somente será legítima se comprovada a necessidade do aditamento como condição para manutenção da regularidade e atualidade do serviço e observado o limite de vinte e cinco por cento do valor original do contrato de obras, devidamente atualizado. c) não encontra embasamento legal, eis que a manutenção da fluidez do tráfego é uma obrigação essencial à regularidade dos serviços concedidos, ficando os custos extraordinários para sua manutenção por conta e risco da concessionária. d) é legítima do ponto de vista da inclusão da obra como obrigação da concessionária, dado o princípio da mutabilidade dos contratos administrativos, porém não quanto à ampliação do prazo de concessão, eis que o reequilíbrio somente poderia ser feito mediante aumento da tarifa. e) será legítima se não importar alteração do objeto definido no instrumento convocatório, não estando o poder concedente obrigado a observar o limite de vinte e cinco por cento do valor do contrato regido pela lei n° 8.666/1993 para fins da alteração unilateral imposta no contrato de concessão. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – A I – Certo. Conferir art. 2º, caput, da lei 11.079/04. II – Certo. Conferir art. 2º, § 4º, I, da lei 11.079/04. III – Errado. Conferir art. 5º, III, da lei 11.079/04. IV – Errado. Conferir art. 10 da lei 11.079/04. 2. Gabarito – C a) Incorreta. É possível a rescisão amigável (distrato). b) Incorreta. As desapropriações necessárias à adequada prestação de serviço público no regime de concessão poderão ser de responsabilidade da concessionária, caso previsto no edital de licitação. c) Correta. Conferir art. 4º, VII, da lei 11.079/04. d) Incorreta. Conferir art. 27 da lei 8.987/95. e) Incorreta. Conferir art. 9º da lei 11.079/04. 3. Gabarito – D a) b) c) d) Incorreta. Conferir 6º, II, da lei 11.079/2004. Incorreta. Conferir art. 2º §1º da lei 11.079/04 Incorreta. Conferir 4º, VI da lei 11.079/04. Correta. Conferir art. 8º, I da lei 11.079/04. 4. Gabarito – B Todas as alternativas se baseiam nos art. 9º, § 1º, lei 11.079/04 c/c art. 27, § 1º, da lei 8.987/95. 5. Gabarito – E a) Incorreta. Conferir Art. 5º, I, lei 11.079/2004 c/c art. 22 da lei 13.448/2017. b) Incorreta. Conferir Art. 5º, I, lei 11.079/2004 c/c art. 22 da lei 13.448/2017. c) Incorreta. Conferir art. 58, I, lei 8.666/1993. 273 FLÁVIA LIMMER SERVIÇOS PÚBLICOS • 10 d) Incorreta. Conferir art. 6º, da lei 13.448/2017. e) Correta. Conferir art. 65, I e II, lei 8.666/1993. 274 FLÁVIA LIMMER 11 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 275 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 1. TEORIAS Embora a atuação da Administração Pública vise a satisfação do o Estado eventualmente pode causar dano aos particulares. Nessa hipótese deverá indeniza-los, como forma de reparação do prejuízo causado. Celso Antônio Bandeira de Mello108 explica que: A responsabilidade civil do Estado está ligada a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos a esfera juridicamente garantida de outrem e que lhes sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. A responsabilidade civil do Estado evoluiu ao longo dos anos. Como é sabido, no direito comparado a responsabilidade civil do estado passou por três grandes fases: a) 1ª Teoria – Teoria da Irresponsabilidade Civil do Estado Trata-se da fase da total irresponsabilidade traduzida pela expressão the king can do no wrong. Por essa linha o governante jamais poderia ser responsabilizado por seus atos, não gerando qualquer direito à reparação. Típica da era absolutista, nessa fase o Estado não assumia qualquer responsabilidade pelos danos causados a terceiros, seja por ele ou por seus agentes. Atualmente a doutrina da "irresponsabilidade estatal" está totalmente superada b) 2ª Teoria – Teoria da Responsabilidade com Culpa Com o a derrocada do absolutismo e ascensão do liberalismo surge a fase da responsabilidade com culpa comum do Estado. Esta pretendia equiparar o Estado ao indivíduo – sendo assim, o Estado era obrigado a indenizar os danos causados a terceiros da mesma forma que na relação obrigacional entre particulares. Porém como o Estado age por meio de seus agentes, somente seria possível pleitear a indenização se estes tivessem agido com culpa ou dolo, cabendo ao particular o ônus da prova. A falta do serviço poderia ocorrer pela inexistência do mesmo, mau funcionamento ou retardamento. Ocorrendo qualquer destas modalidades surge a obrigação de indenizar, mas sempre cabendo o ônus da prova ao particular. Para a mesma teoria, é preciso fazer uma diferenciação: • Ato de império: o Estado atua com soberania, sendo irresponsável. • Ato de gestão: o Estado atua como particular, podendo ser responsabilizado subjetivamente, caso cause algum dano, por dolo ou culpa. c) 3ª Teoria: Teoria da Culpa Administrativa (Culpa do Serviço ou Culpa Anônima) A Teoria da Culpa Administrativa representou o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a responsabilidade objetiva. Por ela o dever do Estado indenizar o dano causado ao particular somente existe caso seja comprovada a existência de falta do serviço, sendo adotada assim quando se trata da responsabilidade civil do Estado por omissão. Não se trata de falar a culpa subjetiva do agente, mas da ocorrência de falta na prestação do serviço. Essa teoria não exige que lesado identifique o agente público causador do dano, tampouco exige que o ato 108 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 977. 276 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 seja de gestão ou de império. Deve-se apenas demonstrar é que houve uma falta do serviço público, por isso também era denominada de culpa anônima. O Estado tinha o dever de agir e falhou. Falhou porque não prestou o serviço ou não prestou adequadamente, ou ainda porque prestou o serviço a destempo. No Brasil a teoria da Culpa Administrativa foi adotada a partir da Constituição de 1824. d) 4ª Teoria: Teoria do Risco Administrativo Pela Teoria do Risco Administrativo a atuação estatal que cause dano a um particular gera o dever da Administração Pública indenizar, independentemente se o dano foi causado pela falta do serviço ou pela culpa de determinado agente público. Basta que o dano decorra da atuação Estado. Nessa teoria não cabe ao particular comprovação de qualquer espécie de culpa do Estado. Porém o Poder Público poderá apresentar em sua defesa excludentes de responsabilidade. A Teoria do Risco Administrativo foi consagrada a partir da Constituição de 1946. Na teoria do risco administrativo, a doutrina chega a um consenso. Ainda que o Estado atue de forma legítima, às vezes essa atuação gera prejuízo a alguém. Esse prejuízo deverá ser suportado pelo Estado, pois é inerente à atividade pública. A CF/88, em tese, adotou a Teoria do Risco Administrativo para a atuação estatal e a culpa administrativa para a omissão. É importante lembrar que quando se trata de um ato ilícito o Estado responde objetivamente, em nome do Princípio da Legalidade. Já na hipótese de responsabilidade por ato lícito, o fundamento da responsabilização do Estado é a isonomia. Em outras palavras, pode ser que o Estado tenha realizado atividade de forma lícita, mas gerou danos anormais para uma parte específica da população, em nome da coletividade. Estas pessoas que sofreram o dano têm direito à indenização. Se o Estado realiza determinada obra de recapeamento está promovendo o bem, mas ao mesmo tempo a interdição da via causará um enorme prejuízo aos lojistas que dependem do movimento de pedestres. Ou seja, se está havendo a socialização do ganho pela sociedade, também deverá haver a socialização da perda. A atuação do Estado é legítima, mas a responsabilidade é pelo dano causado. É suficiente a demonstração do dano decorrente da atuação estatal. Aqui o Estado responderá objetivamente. Basta que se prove o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano sofrido pelo particular. Atuação administrativa traz embutida em si um risco inerente, logo deve o estado responder objetivamente por eventuais danos decorrentes de seus atos. Assim, a responsabilidade é objetiva, quando se tratar de ação, e subjetiva, quando se tratar de omissão, devendo, neste caso, ser comprovada a culpa anônima. A poda de árvores é um caso comum: quando cai uma árvore causando danos a um carro, por exemplo, entende-se que houve uma omissão específica por parte do Estado em não podar a árvore gerando o dever de indenizar. O STF admite em casos específicos que a responsabilidade por omissão também seja objetiva: no caso do suicídio do preso ou assassinato, o Estado responde objetivamente por violação do seu dever específico de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia (STF: ARE 700.927). Na mesma linha a superlotação de cela gera dever de indenizar de indenizar o preso em razão da situação degradante (STF, RE n.º 580.282, julgado em 16/2/2017). A grande característica da Teoria do Risco Administrativo, é que, além de hipótese de responsabilidade objetiva, admite excludente de responsabilidade. Se ficar provado que houve culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior ou culpa exclusiva de terceiro, afasta-se a responsabilidade, pois interrompe-se /exclui-se o nexo causal em razão de uma dessas excludentes. Em 08/09/2020 o STF decidiu que, em regra, o Estado não tem responsabilidade civil por atos praticados por presos foragidos; a exceção será quando demonstrado nexo causal direto. Nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por 277 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada. (RE 608.880) As pessoas jurídicas de direito público, integrantes da Administração direta ou indireta, respondem objetivamente por seus atos. Igualmente as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público também respondem objetivamente. Por exemplo uma concessionária de ônibus de transporte, essa empresa atua em nome do Estado, é uma delegatária de serviço público, eventuais danos por ela causados serão de responsabilidade objetiva. Discutiu-se a empresa privada prestadora de serviço público também responderia objetivamente perante não usuários do sistema. O STF pacificou que a responsabilidade é objetiva não importando se um indivíduo lesado é usuário do serviço. Outro ponto importante é que a responsabilidade do agente público causador do dano é subjetiva. Para responsabilizá-lo é necessário que se prove culpa. Por exemplo, servidor público dirigindo carro da Administração Pública, vem uma pessoa na contramão e bate no carro. Neste caso, não houve nexo causal, inexiste conduta do Estado que tenha gerado dano. Foi a conduta do particular que gerou o dano. O Estado responde objetivamente, desde que haja nexo causal, e, eventualmente responde pela culpa de seus servidores. No exemplo o servidor não teve culpa, e o dano causado não pode ser imputado ao Estado. De outro giro, se fosse o servidor na contramão e batesse no carro do particular, o Estado, independentemente de sua culpa (fiscalização do servidor), responderá. Mas para que o agente responda, será necessário provar sua culpa. O Estado tem direito de regresso contra o agente causador do dano. Outro exemplo é de médico que causa dano ao paciente durante cirurgia em hospital público. O paciente pode ajuizar uma ação contra o Estado e este, por sua vez, pode ajuizar uma ação de regresso contra o médico, devendo provar que o médico agiu com culpa. e) 5ª Teoria: Teoria do Risco Integral A Teoria do Risco Integral consiste em um aumento da responsabilidade civil, uma vez que não há a adoção de excludentes de responsabilidade como culpa exclusiva de terceiro, força maior, caso fortuito, etc. Nela o Estado será sempre responsável quando houver um evento lesivo. A existência de excludentes de responsabilidade não possuem o condão de afastar o dever de indenizar. O nexo causal é aglutinante/diferenciado, é a realização do risco antevisto no resultado. No Brasil esta teoria só é aplicada mediante indicação expressa por exemplo caso de danos por atividades nucleares (artigo 21, XXIII, “c” e “d” CF/88). O STJ entende que no caso de danos ambientais será adotada a teoria do risco integral, ainda que o poluidor seja o estado, por força do princípio do poluidor-pagador, específico da matéria, c/c art. 14, § 1º, da lei n.º 6.938/1981. A teoria do risco integral será adotada ainda que o Estado seja indiretamente responsável pela poluição, hipótese por exemplo de não remoção de invasores de unidades de conservação da natureza. Nesse caso a responsabilidade por omissão do estado é objetiva, solidária e integral, mas de execução diferida subsidiária (STJ, REsp 1.374.284/MG. Súmula 652-STJ: a responsabilidade civil da Administração Pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária – aprovada em dezembro de 2021). 2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO A responsabilidade civil do Poder Público está fundada na busca da isonomia: todos se beneficiam com a ação estatal, logo devem suportar igualmente o ônus que decorrentes das atividades da Administração Pública. 278 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 Por outro lado a responsabilidade objetiva Estatal reconhece a desigualdade jurídica que existe entre um particular e o Estado. Seria injusto que um administrado, ao sofrer danos patrimoniais ou morais decorrentes das atividades da Administração, ainda precisasse comprovar a existência de culpa desta, para que lhe fosse assegurado o seu direito à reparação. O art. 37 da Constituição Federal, em seu § 6º, preceitua: Art. 37, § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem à terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O artigo consagra no Brasil a adoção da responsabilidade objetiva da Administração Pública na modalidade risco administrativo pelos danos causados pelos seus agentes. Esta alcança todas as pessoas jurídicas de direito público (administração direta, autarquias e fundações de direito público), independentemente das atividades que exerçam e, também, todas as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público (empresas públicas e sociedade de economia mista prestadoras de serviços públicas, as fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado que prestem serviços públicos e ainda as pessoas privadas não integrantes da administração pública). Porém não estão abrangidas pelo artigo mencionados as empresas públicas e as sociedades de economia mistas exploradoras de atividade econômica, estas respondem pelos danos que seus agentes causarem à terceiros, da mesma forma que as demais pessoas privadas. As concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços públicos também respondem objetivamente, sendo pacífico que há responsabilidade civil objetiva das empresas que prestam serviço público mesmo em relação aos danos que sua atuação cause à terceiros não usuários do serviço público. Logo é absolutamente irrelevante saber se a vítima do dano causado por prestador de serviço público é ou não usuário do serviço: basta apenas que o dano seja produzido por um sujeito na qualidade de prestador de serviço público (STF, RE 591.874). A parte final do § 6º do art. 37 CF/88 estipula que o agente causador do dano pode ser responsabilizado, e terá que ressarcir a Administração que tenha sido condenada a indenizar o particular prejudicado. Cabe ressaltar que o agente somente será responsabilizado se restar comprovado que este agiu com dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva na modalidade culpa comum). O ônus da prova será do Estado: só será assegurado o direito de regresso ao Poder Público se este comprovar a culpa do seu agente. Em 2019 o STF consagrou a tese da dupla garantia, entendendo que em razão do disposto no art. 37, § 6º, da CF/88, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (STF. RE 1.027.633/SP). Dupla garantia pois há a proteção do particular prejudicado pela responsabilidade objetiva do Estado, e também a proteção do servidor, que somente pode ser responsabilizado em regresso pelo Estado, mediante demonstração de culpa ou dolo. Assim o STF afastou o entendimento defendido pelo STJ e por Celso Antônio Bandeira de Mello que admitiam a possibilidade de ajuizamento de ação diretamente contra o agente público. Deve-se ressaltar que quando o Estado está na condição de garante, tendo o dever legal de assegurar a integridade de pessoas ou coisas que estejam à ele vinculadas por alguma condição específica, a responsabilidade é objetiva. Ainda que os danos causados não tenham sido realizados diretamente por atuação de seus agentes, o Estado responderá por uma omissão específica, ressalvada a hipótese de alguma excludente (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior). Mas tenha cuidado: em 2021 o STF decidiu que o Estado responde de forma objetiva pelos danos causados a profissional de imprensa ferido por policiais durante cobertura jornalística de manifestação pública em que ocorra tumulto ou conflito, desde que o jornalista não haja descumprido ostensiva e clara 279 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 advertência quanto ao acesso a áreas definidas como de grave risco à sua integridade física, caso em que poderá ser aplicada a excludente da responsabilidade por culpa exclusiva da vítima. Não é adequado atribuir a profissional da imprensa culpa exclusiva pelo dano sofrido, por conduta de agente público, somente por permanecer realizando cobertura jornalística no local da manifestação popular no momento em que ocorre um tumulto, sob pena de ofensa ao livre exercício da liberdade de imprensa (STF, RE 1.209.429/SP, julgado em junho de 2021). 3. RESPONSABILIDADE DOS NOTÁRIOS Os notários são particulares que prestam serviços públicos em nome próprio e são considerados funcionários públicos para fins penais, além de serem considerados autoridade pública para mandado de segurança. Não por acaso o STF decidiu, em 2019, que Estado tem responsabilidade civil objetiva para reparar danos causados a terceiros por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções cartoriais, devendo o Poder Público ajuizar ação de regresso contra o responsável pelo dano, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. O Estado, na condição de delegante dos serviços notariais, responde objetivamente pela reparação de tais danos em decorrência do art. 37, § 6°, CF/88. Contudo na ação de regresso a responsabilidade será subjetiva. Ou seja, o Estado, para ser indenizado, deverá comprovar que o tabelião ou registrador agiu com dolo ou culpa (RE 842.846). 4. REQUISITOS PARA A DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE ESTATAL São requisitos para a demonstração da responsabilidade estatal: • • • Ação ou omissão do Estado; Dano material ou moral; Nexo causal entre a conduta do Estado e o prejuízo experimentado. 5. CAUSAS EXCLUDENTES E ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE São excludentes da responsabilidade civil do Estado: • • • • Força maior; Caso fortuito; Ato de terceiros; Culpa exclusiva da vítima. Essas excludentes são para a teoria do risco administrativo. A responsabilidade extracontratual objetiva consagrada pelo art. 37, § 6º, CF/88 admite excludentes de responsabilidade. Caso fique demonstrada a culpa concorrente da administração e do particular, na hipótese de culpa exclusiva da vítima, a indenização será proporcionalmente reduzida, sendo o ônus da prova da administração pública. Nas hipóteses de caso fortuito e força maior, não existindo nenhuma ação comissiva do Estado, este somente poderá ser responsabilizado se tiver concorrido diretamente com sua omissão para a ocorrência dano: por exemplo por ter deixado de prestar adequadamente um serviço de sua obrigação, como retirada de população de áreas de risco ou contenção de encostas. Nesse caso, a responsabilidade, se houver, será subjetiva. Esse raciocínio vale também no caso de danos ocasionados por atos de terceiros, caso se comprove que o serviço não prestado pelo Estado teria impedido efetivamente o ato danoso de terceiro. 280 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 6. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS DECORRENTES DE SUA OMISSÃO No caso de responsabilidade do Estado por omissão, é adotada a teoria da culpa administrativa, devendo demonstrar que o Estado tinha o dever de agir, mas foi negligente, imprudente ou imperito, e, portanto, deve ser responsabilizado. Deverá ser responsabilizado em razão de: • • • Não ter prestado o serviço que deveria ter prestado; Não prestou de forma adequada; Não prestou de forma tempestiva. Tanto o STF quanto o STJ entendem que há responsabilidade objetiva do Estado nos casos de ação e não há responsabilidade objetiva nos casos de omissão, visto que a responsabilidade é subjetiva. O STJ e STF entendem que no caso de morte por suicídio no estabelecimento prisional, a responsabilidade do Estado é objetiva, visto que estaria em custódia do Estado, sabendo dos riscos inerentes àquele meio (RE 841.526). Na verdade, em regra, o Estado é objetivamente responsável pela morte de detento. Isso porque houve inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88. A regra é excepcionada nos casos em que o Estado conseguir provar que a morte do detento não podia ser evitada. Neste caso, rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal. Houve um precedente onde foi encontrado um cadáver humano em decomposição em um dos reservatórios de água que abastece uma cidade. O STJ entendeu que a empresa pública concessionária do serviço de água deveria ser condenada a reparar os danos morais sofridos pelo cliente. Ficou configurada a responsabilidade subjetiva por omissão da concessionária decorrente de falha do dever de efetiva vigilância do reservatóri o de água (RESP 1.562.862). Além disso, restou caracterizada a falha na prestação do serviço, indenizável por dano moral, quando a Companhia não garantiu a qualidade da água distribuída à população. O dano moral, no caso, é in re ipsa, ou seja, o resultado danoso é presumido. (Inf. 553, STJ). 7. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS A regra que prevalece em relação aos atos legislativos é a da irresponsabilidade do Estado. Por outro lado, se a lei for declarada inconstitucional, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, é possível que tenha responsabilidade civil do Estado por conta de o dano ser causado por um ato permitido pelo Estado fora do exercício de suas competências constitucionais. Em relação às leis de efeito concreto, que atingem pessoas determinadas, aqui incide sim a responsabilidade civil do Estado, visto que tais leis fogem das características de generalidade e abstração, comuns como as leis gerais. Isso porque acarreta um ônus que não é suportado por todos os membros da coletividade, e sim apenas por aquelas pessoas atingidas. Existem divergência doutrinária de possibilidade ou não de responsabilização do Estado por atos legislativos constitucionais. O entendimento prevalente é de que não é possível responsabilizar o Estado se o ato legislativo foi constitucional. Há uma doutrina francesa que tem adeptos no Brasil, apesar de não ser a majoritária, no sentido de que é possível a responsabilização do estado por atos legislativos constitucionais, quando esses atos tiverem uma abstração mitigada. Fernando Baltar afirma que é exemplo disso a medida provisória que proibiu comercialização de bebidas alcoólicas nas margens das rodovias federais. É uma norma constitucional, mas a abstração é reduzida, pois impõe sacrifício a uma parcela reduzida da coletividade, que é a parcela que vendia bebidas 281 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 nas estradas. É constitucional, pois protege a sociedade, mas aquelas pessoas que exerciam atividades lícitas foram prejudicadas por uma lei constitucional com abstração reduzida. Então, defende-se que caberia indenização. Mas lembre-se que se entende pela impossibilidade de se responsabilizar o estado por normas abstratas constitucionais, mesmo que de abstração reduzida. 8. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS DECORRENTES DE SUA OMISSÃO LEGISLATIVA Neste caso, o Estado não legislou quando deveria, como geralmente ocorre nas hipóteses de inconstitucionalidade por omissão, geradas por normas constitucionais de aplicabilidade limitada. O Brasil vem se posicionando no sentido de impossibilidade de responsabilização estatal nesse caso. 9. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS JUDICIAIS O art. 133 do CPC diz que o juiz responde por perdas e danos, quando no exercício de suas funções procede dolosamente, inclusive com fraude, bem como quando recusa, omite ou retarda, sem motivo justo, uma providência que deveria ter ordenado de ofício ou a requerimento de uma parte. Neste caso, estar-se-á tratando de uma responsabilidade do juiz. Se o dano deriva de ato culposo, há responsabilização do Estado quando o erro se dá na seara processual penal, e não na seara processual civil. Veja, para se falar em responsabilidade civil por ato culposo do juiz, que gere prejuízo, é apenas na seara penal, mais precisamente aqueles que forem condenados por erro judicial ou ficar preso em tempo superior ao fixado na sentença. Se for culposa a atuação do juiz, não haverá responsabilização na seara civil. 10. A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DE OBRAS PÚBLICAS A responsabilidade civil por danos decorrentes de obras públicas exige a análise de dois aspectos: • • Se ocorreu o “fato da obra”, ou se foi causado por má execução; Se a obra está sendo executada diretamente pela Administração Pública ou se está a cargo de um particular que tenha celebrado com o Poder Público um contrato administrativo com esse objeto (execução da obra). Entende-se que o dano foi causado pelo só fato da obra quando ele decorre da própria natureza da obra, ou se foi causado por um fato imprevisível ou inevitável ocorrido na execução da obra sem que tenha havido irregularidade na sua execução. Nesse caso a responsabilidade da administração será objetiva, independente se a administração estiver executando a obra ou um particular contratado por ela. Já os casos de má execução são os danos causados por culpa do executor, as irregularidades imputadas a quem está realizando a obra. Logo é necessário apurar quem está executando a obra. Se for a própria Administração, diretamente, será caso de responsabilidade objetiva, cabendo ação de regresso contra o agente. Se a obra estiver sendo executada por um particular contratado pela Administração pública, ele responderá civilmente pelo dano, sendo a responsabilidade subjetiva, ou seja, se o executor tiver dolo ou culpa. (Art. 70 da lei n.º 8.666/1993). 282 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 11. PRESCRIÇÃO Segundo o STJ, o prazo para impetrar uma ação de reparação de danos contra o Estado é de 05 anos, contados da lesão ao patrimônio, pois continua em vigor o Decreto n.º 20.910/1932, que disciplina o direito à reparação econômica. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o enunciado 40, que dispõe: nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública aplica-se o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto n.º 20.910/1932 (art. 1º), em detrimento do prazo trienal estabelecido no Código Civil de 2002 (art. 206, § 3º, V), por se tratar de norma especial que prevalece sobre a geral. Segundo o STF, é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil (RE 069.669). Dito de outro modo, se o Poder Público sofreu um dano ao erário decorrente de um ilícito civil e deseja ser ressarcido, ele deverá ajuizar a ação no prazo prescricional previsto em lei. Vale ressaltar, entretanto, que essa tese não alcança prejuízos que decorram de ato de improbidade administrativa que, até o momento, continuam sendo considerados imprescritíveis (art. 37, § 5º). Segundo o STJ, o termo inicial da prescrição de pretensão indenizatória decorrente de suposta tortura e morte de preso custodiado pelo Estado, nos casos em que não chegou a ser ajuizada ação penal para apurar os fatos, é a data do arquivamento do inquérito policial. Se tivesse sido ajuizada ação penal contra os autores do crime, o termo inicial da prescrição da ação de indenização seria o trânsito em julgado da sentença penal (Inf. 556, STJ). 12. SUJEITO PASSIVO DA LIDE O Estado integra o polo passivo da lide. Parcela da doutrina sustenta que o Estado pode denunciar à lide o agente público causador do dano, para que a responsabilidade do Estado e do agente sejam decididas no mesmo processo. Mas o entendimento prevalente é no sentido de impossibilidade da denunciação da lide. O lesado tem direito a um processo que venha discutir apenas a responsabilidade objetiva. Uma questão importante também se faz necessária nos casos em que o particular ajuíza ação diretamente contra o agente público. Entende-se, nesse caso, que não é possível. Em verdade, a ação deve ser promovida em face do Estado e após ele promove uma ação em face do servidor público. Há uma garantia ao servidor neste sentido. O particular tem a garantia da responsabilidade objetiva e o servidor tem a garantia de não ser acionado diretamente pelo particular, mas somente pelo Estado. 13. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS CAUSADOS POR ATOS TERRORISTAS Em regra, adota-se a teoria da culpa administrativa, de modo que só irá ressarcir quando ficar demonstrado que houve um nexo causal entre o atentado terrorista, o dano causado pelo atentado terroristas e a falha do Estado no dever de prestar o serviço de segurança pública. O Estado atuou culposamente, razão pela qual houve o dano. É a aplicação da teoria da falta do serviço. A ressalva importante advém da lei n.º 10.744/2003, fruto dos atentados terroristas de 2001, pois os seguros das aeronaves passaram a ter um valor desproporcional, eis que as seguradoras não queriam mais fazer. Essa lei diz que a União poderá assumir despesas de responsabilidade civil perante terceiros na hipótese de danos de bens e a pessoas, sejam passageiros ou não, quando decorrentes de atentados terroristas, ou por outros atos de guerra ou eventos parecidos, desde que tenham ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira e operados por empresas brasileira de transporte aéreo público, e no montante de até 1 bilhão de dólares. 283 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 Ficariam excluídas as empresas de táxi-aéreo desse rol. Tirando essa exceção, por atentados terroristas, a União vai responder quando demonstrar a falha do sistema de segurança pública. 14. RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA PERDA DE UMA CHANCE É a teoria da perda de uma chance tem como base a probabilidade de uma chance ser concretizada e a certeza do prejuízo decorrente dessa oportunidade que foi perdida. O STJ estabelece que o objeto da reparação é a perda da chance, como bem jurídico autônomo, ou seja, de um ganho provável. A reparação do dano não ocorre pelos danos sofridos, mas pela chance perdida, chance essa que deve ser concreta, real, séria, com alto grau de probabilidade. Para que seja responsabilizado o Estado, é necessário que a atuação estatal tenha nexo causal com a perda dessa oportunidade. 15 ERROS MÉDICOS E SUS Segundo o STJ, a União não tem legitimidade passiva em ação de indenização por danos decorrentes de erro médico ocorrido em hospital da rede privada durante atendimento custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com a lei n.º 8.080/1990, a responsabilidade pela fiscalização dos hospitais credenciados ao SUS é do Município, a quem compete responder em tais casos (Inf. 563, STJ). 16 CONCURSO PÚBLICO E FRAUDE Segundo o STF, em julgamento de 29/06/2020, o Estado responde subsidiariamente caso a prova do concurso público seja suspensa ou cancelada por indícios de fraude; a responsabilidade direta é da instituição organizadora. Assim, o Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado (art. 37, § 6º, da CF/88), quando os exames são cancelados por indícios de fraude. (RE 662.405). 17. TESES DO STJ SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 1) Os danos morais decorrentes da responsabilidade civil do Estado somente podem ser revistos em sede de recurso especial quando o valor arbitrado é exorbitante ou irrisório, afrontando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 2) O termo inicial da prescrição para o ajuizamento de ações de responsabilidade civil em face do Estado por ilícitos praticados por seus agentes é a data do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 3) As ações indenizatórias decorrentes de violação a direitos fundamentais ocorridas durante o regime militar são imprescritíveis, não se aplicando o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932. 4) O prazo prescricional das ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública é quinquenal (Decreto n. 20.910/1932), tendo como termo a quo a data do ato ou fato do qual originou a lesão ao patrimônio material ou imaterial. 5) A responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, devendo ser comprovados a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo de causalidade. 6) Há responsabilidade civil do Estado nas hipóteses em que a omissão de seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento de danos ambientais. 284 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 FLÁVIA LIMMER 7) A Administração Pública pode responder civilmente pelos danos causados por seus agentes, ainda que estes estejam amparados por causa excludente de ilicitude penal. 8) É objetiva a responsabilidade civil do Estado pelas lesões sofridas por vítima baleada em razão de tiroteio ocorrido entre policiais e assaltantes. 9) O Estado possui responsabilidade objetiva nos casos de morte de custodiado em unidade prisional. 10) O Estado responde objetivamente pelo suicídio de preso ocorrido no interior de estabelecimento prisional. 11) O Estado não responde civilmente por atos ilícitos praticados por foragidos do sistema penitenciário, salvo quando os danos decorrem direta ou imediatamente do ato de fuga. 12) A despeito de situações fáticas variadas no tocante ao descumprimento do dever de segurança e vigilância contínua das vias férreas, a responsabilização da concessionária é uma constante, passível de ser elidida tão somente quando cabalmente comprovada a culpa exclusiva da vítima. 13) No caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, impondo a redução da indenização por dano moral pela metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado. 14) Não há nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido por investidores em decorrência de quebra de instituição financeira e a suposta ausência ou falha na fiscalização realizada pelo Banco Central no mercado de capitais. 15) A existência de lei específica que rege a atividade militar (lei n. 6.880/1980) não isenta a responsabilidade do Estado pelos danos morais causados em decorrência de acidente sofrido durante as atividades militares. 16) Em se tratando de responsabilidade civil do Estado por rompimento de barragem, é possível a comprovação de prejuízos de ordem material por prova exclusivamente testemunhal, diante da impossibilidade de produção ou utilização de outro meio probatório. 17) É possível a cumulação de benefício previdenciário com indenização decorrente de responsabilização civil do Estado por danos oriundos do mesmo ato ilícito. 18) Nas ações de responsabilidade civil do Estado, é desnecessária a denunciação da lide ao suposto agente público causador do ato lesivo. 18. JURISPRUDÊNCIA Súmulas do STJ Súmula 624: É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da lei n.º 10.559/2002 (lei da Anistia Política) Súmula 647: são imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar. 285 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 FLÁVIA LIMMER 18.1. Informativos do STF109 STF, Informativo 969, Plenário. RE 136861/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 11.3.2020. Responsabilidade civil do Estado e dever de fiscalizar – 3 Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do Poder Público eventuais irregularidades praticadas pelo particular. Com essa tese de repercussão geral (Tema 366), o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto de acórdão em que o tribunal de origem deu provimento a recurso de apelação por considerar ausente o nexo causal entre as falhas noticiadas na prestação de serviços públicos e a explosão havida em loja de fogos de artifício (Informativos 917 e 918). Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, no qual expôs que a Constituição Federal, no art. 37, § 6º (1), adotou a responsabilidade objetiva do Estado pela teoria do risco administrativo, não pela teoria do risco integral. Várias são as decisões do Supremo Tribunal Federal nesse sentido e a apontar a impossibilidade de qualquer legislação, inclusive, ampliar isso e aceitar a teoria do risco integral. A observância de requisitos mínimos, positivos e negativos, é necessária para a aplicação da responsabilidade objetiva. Na situação dos autos, dois requisitos positivos exigíveis estão ausentes. Inexiste conduta, comissiva ou omissiva, do Poder Público. Por conseguinte, o nexo causal não pode ser aferido. A abertura de comércio de fogos com pólvora não é possível sem a perícia da Polícia Civil, órgão do Estado-membro. É ela que pode realizar a vistoria, não o município. Ademais, a legislação da municipalidade estabelecia o procedimento e previa a inspeção. Exigia, no protocolo, a comprovação do seu pedido e o recolhimento da taxa na Polícia Civil para dar sequência ao procedimento. Entretanto, protocolada a pretensão, faltou a comprovação de ter sido feito requerimento na Polícia Civil. Logo, o procedimento administrativo ficou parado. A atuação do Poder Público municipal foi a esperada: aguardar a complementação dos documentos pelos requerentes. Nada seria exigível da municipalidade. A atividade praticada pelos comerciantes era clandestina. Eles precisavam da licença para funcionar, o que só poderia ser concedido com prévia vistoria. Dessa maneira, os proprietários começaram a comercializar sem autorização. Inclusive, a má-fé dos proprietários do imóvel foi reconhecida em outro processo relacionado a esta causa. Naqueles autos, o magistrado acentuou que, no local, funcionava verdadeiro depósito clandestino de pólvora, armazenada em quantidade tal que se fazia supor uma fábrica clandestina. Assim, existiu desvio na utilização do imóvel. Percebe-se que, além da ausência de requisitos positivos, incide a culpa exclusiva dos proprietários, porque não aguardaram a necessária licença e estocaram pólvora. Info 947. RE 1027633/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/8/2019 (repercussão geral). A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Info 932. Plenário. RE 842846/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2019. O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. O Estado possui responsabilidade civil direta, primária e objetiva pelos danos que notários e oficiais de registro, no exercício de serviço público por delegação, causem a terceiros. Info 963, ARE 1175599 AgR/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 10/12/2019. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 109 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 286 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 FLÁVIA LIMMER Também STJ. Info 634 1ª Turma. REsp 1492832-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 04/09/2018. O Ministério da Fazenda editou a Portaria n.º 492/1994, reduzindo de 30% para 20% a alíquota do imposto de importação dos brinquedos em geral.Com a redução da alíquota, houve a entrada de um enorme volume de brinquedos importados no Brasil, oriundos especialmente da China, sendo estes bem mais baratos que os nacionais. Como resultado, várias indústrias de brinquedos no Brasil foram à falência e, mesmo as que permaneceram, sofreram grandes prejuízos. Uma famosa indústria de brinquedos ingressou com ação contra a União afirmando que a Portaria, apesar de ser um ato lícito, gerou prejuízos e que, portanto, o Poder Público deveria ser condenado a indenizá-la. O STJ não concordou com o pedido. Não se verifica o dever do Estado de indenizar eventuais prejuízos financeiros do setor privado decorrentes da alteração de política econômico-tributária no caso de o ente público não ter se comprometido, formal e previamente, por meio de determinado planejamento específico. A referida Portaria tinha finalidade extrafiscal e a possibilidade de alteração das alíquotas do imposto de importação decorre do próprio ordenamento jurídico, não havendo que se falar em quebra do princípio da confiança. O impacto econômico-financeiro sobre a produção e a comercialização de mercadorias pelas sociedades empresárias causado pela alteração da alíquota de tributos decorre do risco da atividade próprio da álea econômica de cada ramo produtivo. Não havia direito subjetivo da indústria quanto à manutenção da alíquota do imposto de importação. Info 901. 1ª Turma. RE 598356/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/5/2018. A pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público possui responsabilidade civil em razão de dano decorrente de crime de furto praticado em suas dependências, nos termos do art. 37, § 6º, da CF/88. Caso concreto: o caminhão de uma empresa transportadora foi parado na balança de pesagem na Rodovia Anhanguera (SP), quando se constatou excesso de peso. Os agentes da concessionária determinaram que o condutor estacionasse o veículo no pátio da concessionária e, em seguida, conduziram-no até o escritório para ser autuado. Aproximadamente 10 minutos depois, ao retornar da autuação para o caminhão, o condutor observou que o veículo havia sido furtado. O STF condenou a Dersa – Desenvolvimento Rodoviário S/A, empresa concessionária responsável pela rodovia a indenizar a transportadora. O Supremo reconheceu a responsabilidade civil da prestadora de serviço público, ao considerar que houve omissão no dever de vigilância e falha na prestação e organização do serviço. STF. 18.2. Informativos do STJ110 Info 664. 2ª Seção. CC 151130-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/11/2019. A União, na condição de acionista controladora da Petrobras, não pode ser submetida à cláusula compromissória arbitral prevista no Estatuto Social da Companhia, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária. Caso concreto: um grupo de acionistas da Petrobrás formulou requerimento para instauração de procedimento arbitral perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAMBOVESPA) contra a União e a Petrobrás, no qual pedem o ressarcimento pelos prejuízos decorrentes da desvalorização dos ativos da Petrobras, em razão dos desgastes oriundos da Operação Lava Jato. O procedimento foi instaurado com base no art. 58 do Estatuto Social da Petrobrás, onde consta uma cláusula compromissória dizendo que as disputas que envolvam a Companhia, seus acionistas, administradores e conselheiros fiscais deverão ser resolvidas por meio de arbitragem. A União afirmou que não estava obrigada a participar dessa arbitragem, argumento que foi acolhido pelo STJ. Info 643. REsp 1.574.350-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 03/10/2017, DJe 06/03/2019. O tráfego de veículos com excesso de peso gera responsabilidade civil em razão dos danos materiais às vias públicas e do dano moral coletivo consistente no agravamento dos riscos CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 110 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 287 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 à saúde e à segurança de todos, sendo viável, como medida coercitiva, a aplicação de multa civil (astreinte), ainda que já imputada multa administrativa. Info 630. 1ª Turma. REsp 1.565.166-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 26/06/2018. São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de atos de exceção praticados durante o regime militar. Ex: João era servidor da ALE/PR. Em 1963, João foi demitido em razão de perseguição política perpetrada na época da ditadura militar. Em 2011, João ajuizou ação ordinária contra o Estado do Paraná pedindo a sua reintegração ao cargo. Esta pretensão é considerada imprescritível considerando que envolve a efetivação da dignidade da pessoa humana. Vale ressaltar, contudo, que a imprescritibilidade da ação que visa reparar danos provocados pelos atos de exceção não implica no afastamento da prescrição quinquenal sobre as parcelas eventualmente devidas ao autor. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do Autor, o qual poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República. Em outras palavras, o recebimento dos “atrasados” ficará restrito aos últimos 0 5 anos contados do pedido. Info 640. 3ª Turma. REsp 1749941-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/12/2018. 4. Concessionária de rodovia não responde por roubo e sequestro ocorridos nas dependências de estabelecimento por ela mantido para a utilização de usuários. A segurança que a concessionária deve fornecer aos usuários diz respeito ao bom estado de conservação e sinalização da rodovia. Não tem, contudo, como a concessionária garantir segurança privada ao longo da estrada, mesmo que seja em postos de pedágio ou de atendimento ao usuário. O roubo com emprego de arma de fogo é considerado um fato de terceiro equiparável a força maior, que exclui o dever de indenizar. Trata-se de fato inevitável e irresistível e, assim, gera uma impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano. Cuidado. O STF já reconheceu a responsabilidade civil da concessionária que administra a rodovia por FURTO ocorrido em seu pátio: STF. 1ª Turma. RE 598356/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/5/2018 (Info 901). QUESTÕES 1. (TJMS) FCC, 2020. Em conhecido acórdão proferido em regime de repercussão geral, versando sobre a morte de detento em presídio − Recurso Extraordinário n° 841.526 (Tema 592) – o Supremo Tribunal Federal confirmou decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, calcada em doutrina que, no tocante ao regime de responsabilização estatal em condutas omissivas, distingue-a conforme a natureza da omissão. Segundo tal doutrina, em caso de omissão específica, deve ser aplicado o regime de responsabilização a) integral; em caso de omissão genérica, aplica-se o regime de responsabilização objetiva. b) objetiva; em caso de omissão genérica, aplica-se o regime de responsabilização subjetiva. c) subjetiva; em caso de omissão genérica, aplica-se o regime de responsabilização objetiva. d) objetiva; em caso de omissão genérica, não há possibilidade de responsabilização. e) subjetiva apenas em relação ao agente, exonerado o ente estatal de qualquer responsabilidade; em caso de omissão genérica, aplica-se o regime de responsabilização objetiva do ente estatal. 2. (TJPA) CESPE, 2019. Segundo o entendimento majoritário do STJ, no caso de ação indenizatória ajuizada contra a fazenda pública em razão da responsabilidade civil do Estado, o prazo prescricional é a) decenal, como previsto no Código de Processo Civil, em detrimento do prazo trienal previsto pelas normas de direito público. b) quinquenal, como previsto pelas normas de direito público, em detrimento do prazo decenal contido no Código de Processo Civil. c) trienal, como previsto pelo Código de Processo Civil, em detrimento do prazo quinquenal contido no Código Civil. d) quinquenal, como previsto pelas normas de direito público, em detrimento do prazo trienal contido no Código Civil. 288 FLÁVIA LIMMER RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 e) trienal, como previsto no Código Civil, em detrimento do prazo quinquenal contido no Código de Processo Civil. 3. (TJSC) CESPE, 2019. De acordo com o entendimento majoritário e atual do STJ, a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é a) objetiva, bastando que sejam comprovadas a existência do dano, efetivo ou presumido, e a existência de nexo causal entre conduta e dano. b) objetiva, bastando a comprovação da culpa in vigilando e do dano efetivo. c) subjetiva, sendo necessário comprovar negligência na atuação estatal, o dano causado e o nexo causal entre ambos. d) subjetiva, sendo necessário comprovar a existência de dolo e dano, mas sendo dispensada a verificação da existência de nexo causal entre ambos. e) objetiva, bastando que seja comprovada a negligência estatal no dever de vigilância, admitindo-se, assim, a responsabilização por dano efetivo ou presumido. 4. (TJBA) CESPE, 2019. A respeito da responsabilidade civil do Estado, julgue os itens a seguir. I O Estado é responsável pela morte de detento causada por disparo de arma de fogo portada por visitante do presídio, salvo se comprovada a realização regular de revista no público externo. II O Estado necessariamente será responsabilizado em caso de suicídio de pessoa presa, em razão do seu dever de plena vigilância. III A responsabilidade do Estado, em regra, será afastada quando se tratar da obrigação de pagamento de encargos trabalhistas de empregados terceirizados que tenham deixado de receber salário da empresa de terceirização. Assinale a opção correta. a) Apenas o item I está certo. b) Apenas o item III está certo. c) Apenas os itens I e II estão certos. d) Apenas os itens II e III estão certos. e) Todos os itens estão certos. 5. (MPE-BA)CEFETBA, 2018. Com relação à responsabilidade civil do Estado pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, analise as assertivas e identifique com V as verdadeiras e com F as falsas. ( ) É de responsabilidade do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a obrigação de ressarcir os danos comprovadamente causados aos detentos custodiados em presídios, em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. ( ) O Estado responde pelos danos causados a detentos em decorrência da insuficiência das condições legais de encarceramento, salvo os danos morais individuais decorrentes da superlotação carcerária, por ser um problema de estrutura do sistema prisional, dependente de providências de atribuição legislativa e administrativa, podendo o Judiciário apreciar o dano moral apenas em sua dimensão coletiva. ( ) Quanto à responsabilidade pelos danos causados aos detentos, em decorrência da superlotação carcerária, a Corte Constitucional distingue o tratamento jurídico dado aos presos definitivos daquele conferido aos provisórios, haja vista que esses últimos sujeitam-se ao chamado risco social. ( ) Trata-se de tema abrangido pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal, preceito normativo autoaplicável, que não se sujeita à intermediação legislativa ou à providência legislativa. ( ) O Estado não pode invocar a reserva do possível para se eximir do dever de indenizar os danos pessoais causados a detentos em estabelecimentos carcerários, salvo se comprovar a insuficiência de recursos financeiros para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, dependente que é da definição e implantação de políticas públicas específicas. A alternativa que contém a sequência correta, de cima para baixo, é a) V F F V F b) V F F V V c) V V F V V d) F V V F F 289 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO • 11 FLÁVIA LIMMER e) F V V F V COMENTÁRIOS 1. Gabarito – B Todas as alternativas estão baseadas no Recurso Extraordinário 841.526 (Tema 592). 2. Gabarito – D Todas as alternativas estão baseadas no REsp 1.251.933/PR. 3. Gabarito – C Todas as alternativas estão baseadas no AgInt no AREsp 1249851/SP. 4. Gabarito – B I- Errado. Conferir RE 841.526/RS. II- Errado. Conferir RE 841.526/RS. III- Certo. Conferir art. 67 da lei 8.666/1993. Ver também STF, Rcl 29240 AgR/SP. 5. Gabarito – A I. Correta. Conferir art. 37, § 6º CF/88. II. Incorreta. Conferir STF, RE 580252. III. Incorreta. Conferir STF, RE 580252. IV. Correta. Conferir art. 37, § 6º CF/88. V. Incorreta. Conferir STF, RE 592581. 290 FLÁVIA LIMMER 12 BENS PÚBLICOS • 12 BENS PÚBLICOS 291 FLÁVIA LIMMER BENS PÚBLICOS • 12 1 INTRODUÇÃO Bens públicos são, segundo o art. 98 do CC, todos aqueles que pertencem a pessoas jurídicas de direito público. Celso Antonio Bandeira de Melo111 entende que, além dos bens que pertencem às pessoas jurídicas de direito público, são bens públicos aqueles que sejam afetados a prestação de um serviço público. Por exemplo, o bem de uma concessionária de direito público que esteja destinado à prestação de serviço público seria um bem público. 2. BENS DAS EMPRESAS PÚBLICAS E DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA É necessário diferenciar as empresas públicas e as sociedades de economia mista que prestam serviços públicos das empresas públicas e das sociedades de economia mista que exploram atividade econômica. Em relação às empresas públicas e das sociedades de economia mista que prestam serviços públicos, seus bens terão natureza pública, sendo impenhoráveis, inalienáveis e imprescritíveis, além de impossibilidade de oneração. O STF alarga esta ideia, estabelecendo que estas características irão se aplicar às empresas públicas e das sociedades de economia mista que exercem atividade econômica sob o regime de monopólio legal (Conferir RE 220.906). Sobre o tema, reveja o item 3.5, especialmente sobre o regime híbrido aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista. 3. CLASSIFICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS O CC, no art. 99, promove a classificação dos bens públicos: • Bens de uso comum do povo – destinados ao uso incomum, da coletividade, não havendo distinção de usuários. Ex.: rua, praia, mar, etc. Poderá haver restrições, como a instalação de cancela e cobrança de pedágio, desde que haja justificativa e isto não descaracteriza a natureza do bem. Por exemplo, a limitação de acesso de turistas em espaços ambientalmente protegidos. • Bens de uso especial – são aqueles afetados a uma utilização pela administração, podendo ser utilizados pela administração ou por um particular, por meio de um ato unilateral ou bilateral, da administração. Ex.: permissão do uso, concessão, etc. Ou ainda qualquer bem que tenha restrição ou pagamento para determinado bem também terá uma natureza de bem de uso especial. Ex.: sede da prefeitura. • Bens dominicais – os bens dominicais são bens do patrimônio disponível, pois estão desafetados. Estes bens podem ser alienados a qualquer momento. Estes bens também estão sujeitos à impenhorabilidade, imprescritibilidade, não sendo passíveis de oneração, mas poderão ser alienados. Esta alienação pressupõe autorização legislativa, avaliação e licitação. Afetação é a preposição de um bem a um dado destino, seja de uso comum ou de uso especial. A afetação poderá ocorrer independentemente da conduta do Estado. Isto é, existem bens naturalmente afetados, como rios, mares, praias, etc. Agora, outros bens podem ser afetados por lei ou por ato administrativo (ex.: casa que se torna uma delegacia). Já a desafetação é a retirada da finalidade do bem. Os bens que sejam afetados por lei, por ato administrativo ou por fato administrativo são bens relativamente inalienáveis. Relativamente, pois se quiser aliená-los, basta desafetá-los, situação na qual deixam de ser bem comum de uso especial, já que esta 111 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, P.921. 292 FLÁVIA LIMMER BENS PÚBLICOS • 12 destinação foi dada por lei ou por ato administrativo, havendo a promoção da desafetação, situação na qual se tornarão bens dominicais. A desafetação do bem público, em regra, vai depender de lei ou de ato administrativo. É possível que essa desafetação também se dê por um fato administrativo, como um terremoto ou incêndio que destrói a repartição. A desafetação ocorre por meio de um ato de hierarquia igual ou superior ao ato responsável pela sua afetação. Os bens de uso especial podem ser desafetados, enquanto os bens de uso comum do povo não podem ser desafetados, sendo absolutamente inalienáveis. Quando irregularmente ocupado o bem público, não há que se falar em direito de retenção pelas benfeitorias realizadas, tampouco em direito a indenização pelas acessões, ainda que as benfeitorias tenham sido realizadas de boa-fé (Inf. 551, STJ). Sobre o tema a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o Enunciado 2, que dispõe: “o administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, § 1, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-lei n. 9.760/1946; e art. 11 da lei n. 9.636/1998)”. 4. POSSIBILIDADE DO USO DE BEM PÚBLICO PELO PARTICULAR Dentro desse assunto interessa falar dos instrumentos estatais de outorga de títulos para que o uso de bens públicos seja utilizado pelo particular. 4.1. Instrumentos estatais de outorga de títulos para que o uso de bens públicos seja utilizado pelo particular 4.1.1. Autorização de uso A autorização de uso é um instrumento utilizado pela administração para viabilizar a utilização de um bem público pelo particular. Essa autorização é um ato unilateral, que vai independer de uma autorização prévia e legal, bem como irá independer de uma licitação anterior. É um ato discricionário e precário. A autorização é conferida no interesse privado. Ex.: autorizações para comércio por vendedores ambulantes. 4.1.2. Permissão de uso A permissão de uso é um ato unilateral, discricionário e precário, por meio do qual a Administração legitima a autorização exclusiva de um bem público por um particular. Na verdade, a permissão é conferida no interesse preponderante da coletividade, diferentemente da autorização. A permissão de uso não depende de autorização legislativa, nem de licitação prévia, salvo se houver lei específica nesse sentido, ou quando se tratar de uma permissão qualificada, com prazo certo. 4.1.3. Concessão de uso A concessão de uso é contrato administrativo. A Administração através da concessão de uso legitima o uso exclusivo de um bem ao particular, com caráter de estabilidade. A concessão poderá ser remunerada, mas também poderá ser gratuita. Neste caso, deverá ser precedida de uma autorização legislativa e de uma licitação. Ex.: possibilidade de utilização de um hotel numa área de propriedade do Poder Público. Podem ocorrer as seguintes modalidades de concessão de uso: • Concessão de uso de exploração; 293 FLÁVIA LIMMER • BENS PÚBLICOS • 12 Concessão de simples uso. Isso vai depender se será conferido ou não ao concessionário o poder de gestão dominial, ou seja, como dono. Por exemplo, haverá exploração como gestão de dono quando há concessão de minas ou de águas. Haverá concessão de uso quando há concessão das áreas de aeroportos, sepulturas, etc. Não é concessão de exploração, pois não se quer angariar qualquer lucro. A concessão poderá ter caráter temporário (como a concessão de água), ou a concessão poderá ter caráter perpétuo (como a concessão de sepultura). A concessão também poderá ter caráter remunerado ou gratuito. 4.1.4. Concessão de direito real de uso Essa concessão também é um contrato administrativo, em que a administração transfere um direito real de uso. Um direto real de uso de bem público. Por exemplo o direito real de uso de um terreno, do espaço aéreo, etc. A concessão de direito real de uso pode ser gratuita ou remunerada. A concessão de direito real de uso depende de autorização legislativa e prévia licitação, na modalidade concorrência. 4.2. Instrumentos privados de outorga de títulos para uso exclusivo de bens públicos por particulares A utilização de instrumentos privados de outorga de títulos para uso exclusivo de bens públicos por particulares só vai ser admitida para bens dominiais. 4.2.1. Locação Neste caso, a União, Estados, DF e municípios serão os locatários do bem. Haverá uma relação de direito privado. Mesmo que se esteja diante de uma locação, quando ser pessoa jurídica de direito público, haverá uma derrogação de certas normas de direito privado, já que é preciso observar a supremacia do interesse público. 4.2.2. Enfiteuse dos terrenos de Marinha A enfiteuse é um instrumento que permite que a União atribua a outra pessoa o domínio útil do terreno de Marinha, pagando por a remuneração anual, também chamada de foro. Apenas os terrenos de Marinha admitem a enfiteuse. Esse domínio útil confere a transferência da posse, direito de uso, de gozo, em caráter perpétuo em favor do enfiteuta. A propriedade do terreno de Marinha é da União. Caso o enfiteuta decidir vender o bem, neste caso deverá observar o direito de preferência do senhorio direto, que é a União. Se não for observado e efetivamente vendê-lo, a União terá o direito de preferência. Caso a União não faça a utilização do direito de preferência, e o enfiteuta fazer a venda do bem, caberá à União o direito de perceber um valor, o qual é chamado de laudêmio. Portanto, são duas as modalidades de remuneração que a União faz jus: • Foro – é a remuneração anual que aquele detentor do domínio útil faz à União. • Laudêmio – é o valor pago pelo foreiro ao senhorio direto, quando este não exerce o direito de preferência na alienação, tendo direito a este valor. A pena de comisso é uma penalidade fixada em face do foreiro, implicando a extinção da enfiteuse pelo não pagamento do foro pelo período de 03 anos consecutivos. Neste caso, o senhorio direto poderá 294 FLÁVIA LIMMER BENS PÚBLICOS • 12 reaver o domínio útil desse bem. Todavia, o senhorio direto deverá arcar com as benfeitorias necessárias, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. 5. BENS PÚBLICOS EM ESPÉCIE a) Terras devolutas Terras devolutas são terras de ninguém, que não são privadas e não estão sendo aplicadas para nenhum uso público. Na verdade, as terras devolutas não são terras de ninguém, pois, em regra, são bens dominiais, pertencendo, via de regra, aos Estados. Excepcionalmente, as terras devolutas pertencerão à União, quando: • • • • Forem indispensáveis à defesa das fronteiras; Forem indispensáveis às fortificações e construções militares; Forem indispensáveis às vias federais de comunicação; Forem indispensáveis à preservação do meio ambiente. Essa é a literalidade do art. 20, II, da CF. Caso não seja essas hipóteses, em regra, serão do Estado. O STF confirmou este entendimento em março de 2020, ao declarar que as terras devolutas pertencem, em regra, aos Estados-membros, com exceção daquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União (ACO 158/SP). b) Terrenos de Marinha Terrenos de Marinha são áreas banhadas pelas águas do mar, ou áreas banhadas por rios navegáveis, na sua foz, estendendo-se até a distância de 33 metros para área terrestre, contados da linha do preamar médio de 1831. Os terrenos de Marinha pertencem à União. c) Terrenos reservados Terrenos reservados são os terrenos banhados por rios navegáveis que se estendem até a distância de 15 metros para a terra. Esses terrenos reservados serão de propriedade da União, caso o rio seja federal, ou do Estado, caso seja estadual o rio. Se o proprietário ribeirinho provar que tem a propriedade do imóvel, neste caso ele se submeterá a uma servidão administrativa de 10 metros, não havendo falar em indenização e nem desapropriação. d) Terras tradicionalmente ocupadas pelos índios O art. 20, XI, da CF diz que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios pertencem à União. São considerados bens públicos de uso especial. Os índios terão direito ao usufruto exclusivo desses bens e em caráter perpétuo. Há uma ressalva constitucional: o Congresso Nacional, após ouvir as comunidades indígenas afetadas, poderá permitir que seja promovido o aproveitamento de recursos hídricos, pesquisa e lavra de minérios naquela região. Neste caso, será assegurada à comunidade indígena a participação do produto da lavra. Para isso, é necessária autorização do Congresso Nacional. 295 FLÁVIA LIMMER BENS PÚBLICOS • 12 e) Plataforma continental Plataforma continental é bem da União. É o prolongamento das terras continentais sobre o mar até a profundidade de 200 metros. Essa plataforma poderá ter 1 km, por exemplo, no caso em que se distanciar tudo isso para se chegar à parte em que o mar apresenta 200 metros de profundidade. Da mesma forma poderá ter 4 km, caso em seguida haja a profundidade de 200 metros. Não confundir a plataforma continental com o mar territorial. O mar territorial é uma faixa de 12 milhas marítimas de largura, começando da terra. Não confundir com zona contígua. Essa zona contígua começa quando termina o mar territorial, sendo uma faixa de 12 a 24 milhas, onde o Brasil adota medidas destinada à fiscalização para evitar violações ao ordenamento. Não confundir plataforma continental com zona econômica exclusiva. A zona econômica exclusiva é a faixa de 12 a 200 milhas, onde o Brasil exercer a sua soberania para exploração de recursos naturais. f) Rios Os rios são públicos quando navegáveis e flutuáveis. Pertencerão à União os rios que: • • • • Estiverem dentro de sua área de domínio; Percorrem mais de um estado; São limítrofes com outros países; Se estendem ao território estrangeiro ou dele provenham. Fora dessas hipóteses, os rios pertencerão aos Estados. g) Faixa de fronteira Faixa de fronteira é uma área de 150 km de largura, que vai correr paralelamente à linha divisória do território nacional. Essa faixa é contada da linha divisória entre os países e conta-se 150 km para dentro do Brasil. Nessa faixa de fronteira haverá bens públicos e particulares. h) Ilhas Serão bens da União: • • Ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; Ilhas oceânicas e costeiras, salvo as ilhas que contenham sede de municípios, exceto se dentro desses municípios aquelas que estejam afetadas ao serviço público federal ou à unidade ambiental federal. As áreas que estiverem sob o domínio do Estado, dentro da ilha, vão pertencer ao Estado membro. 6. TESES DO STJ 1) Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedades de economia mista sujeitos a uma destinação pública equiparam-se a bens públicos, sendo, portanto, insuscetíveis de serem adquiridos por meio de usucapião. 2) Os imóveis administrados pela Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap são públicos e, portanto, insuscetíveis de aquisição por meio de usucapião. 296 BENS PÚBLICOS • 12 FLÁVIA LIMMER 3) O imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação – SFH, porque afetado à prestação de serviço público, deve ser tratado como bem público, não podendo, pois, ser objeto de usucapião. 4) É possível reconhecer a usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual tinha sido, anteriormente, instituída enfiteuse, pois, nessa circunstância, existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, não havendo qualquer prejuízo ao Estado. 5) É incabível a modificação unilateral pela União do valor do domínio pleno de imóvel aforado, incidindo somente a correção monetária na atualização anual do pagamento do foro na enfiteuse de seus bens (art. 101 do Decreto-lei n. 9760/1946). 6) As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores. (Súmula n. 477/STF) 7) Terras em faixas de fronteira e aquelas sem registro imobiliário não são, por si só, terras devolutas, cabendo ao ente federativo comprovar a titularidade desses terrenos. 8) O descumprimento de encargo estabelecido em lei que determinara a doação de bem público enseja, por si só, a sua desconstituição. 9) A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias. (Súmula n. 619/STJ) 10) Construção ou atividade irregular em bem de uso comum do povo revela dano presumido à coletividade, dispensada prova de prejuízo em concreto. 11) Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União. (Súmula n. 496/ STJ). 7. JURISPRUDÊNCIA 7.1. Súmulas do STF Súmula 650: Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto. Súmula 479: As margens dos rios navegáveis são domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização. Súmula 477: As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a união, ainda que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores. 7.2. Súmulas do STJ Súmula 103: Incluem-se entre os imóveis funcionais que podem ser vendidos os administrados pelas forças armadas e ocupados pelos servidores civis. Súmula 496: Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União. 297 BENS PÚBLICOS • 12 FLÁVIA LIMMER 7.3. Informativos do STF112 Info 969. Plenário. ACO 158/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 12/3/2020. As terras devolutas pertencem, em regra, aos Estados-membros, com exceção daquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União (art. 20, II, da CF/88). As terras devolutas pertencem aos Estados-membros desde a Constituição de 1891, que delas excetuava apenas a porção do território indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Esse mesmo tratamento jurídico foi mantido, com pequenas variações, nas Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, EC 1 de 1969 e, finalmente, na Constituição Federal de 1988. Caso concreto: no Estado de São Paulo havia uma grande área que era considerada como terra devoluta. Diante disso, em 1939, o Estado ajuizou ação discriminatória para regularizar essa área, tendo o pedido sido julgado procedente, com a expedição de títulos de domínio das terras em favor do autor. A União, posteriormente, propôs ação anulatória alegando que as referidas terras seriam de sua propriedade desde 1872, por anexação. O Estado de São Paulo, por sua vez, alegou que eram terras devolutas, e, por isso, passíveis de alienação a particulares. Apesar de inexistente, à época, qualquer registro imobiliário no sentido de se cuidar de terras devolutas, não se exigiria prova nesse sentido, pois a regra então vigente era no sentido da presunção da natureza devoluta dessas terras. Assim, havia presunção de que eram terras devolutas e cabia à União o ônus de provar que adquiriu as terras por meio de compra ou anexação; que as terras lhe eram úteis; e a exata individuação para fins de saber se elas coincidem com as áreas em relação às quais o estado de São Paulo expediu os títulos que se pretende anular. É possível concluir que a União adquiriu terras na região, mediante compra ou anexação. Entretanto, não há provas de que essas terras tenham sido efetivamente úteis para o suposto fim original a que se prestariam. Além disso, não há qualquer precisão na individuação dessas terras à época da aquisição. A União não se desincumbiu de seu ônus probatório. 7.4. Informativos do STJ113 Info 660. REsp 1.770.001-AM, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 05/11/2019, DJe 07/11/2019 Não configura desapropriação indireta quando o Estado limita-se a realizar serviços públicos de infraestrutura em gleba cuja invasão por particulares apresenta situação consolidada e irreversível. Info 658. REsp 1.765.707-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/08/2019, DJe 11/10/2019. O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do Decreto-lei n. 9.760/1946 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas. Info 655. REsp 1.650.730-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 27/08/2019. É inadequada a discussão acerca da tradicionalidade da ocupação indígena em ação possessória ajuizada por proprietário de fazenda antes de completado o procedimento demarcatório. Info 655. REsp 1.650.730-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 27/08/2019. Não cabe produção de laudo antropológico em ação possessória ajuizada por proprietário de fazenda ocupada por grupo indígena. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 113 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 112 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 298 FLÁVIA LIMMER BENS PÚBLICOS • 12 QUESTÕES 1. (TJMS) FCC, 2020. No tocante ao domínio público, considera-se a) investidura: a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, sendo hipótese de dispensa de licitação, desde que obedecidos os requisitos e limites estatuídos na lei n° 8.666/1993. b) direito de extensão: a prerrogativa que a Administração Pública possui de ampliar a desapropriação para áreas contíguas que sejam necessárias ao melhor aproveitamento da obra ou serviço que resultarão do ato expropriatório. c) terrenos de marinha: áreas que, banhadas pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o ponto médio das enchentes ordinárias. d) faixa de segurança: a faixa interna de 150 km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional. e) zona contígua brasileira: faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial. 2. (MPE-CE) CESPE, 2020. As terras devolutas indispensáveis à preservação do meio ambiente são consideradas bens a) de uso comum do povo de titularidade dos municípios. b) de uso especial de titularidade dos estados. c) dominicais de titularidade dos estados. d) de uso comum do povo de titularidade da União. e) dominicais de titularidade da União. 3. (TJRJ) VUNESP, 2019. Foi registrado um loteamento que, entretanto, nunca foi implantado. Judas e sua família construíram e começaram a morar numa área que seria destinada a ser um logradouro público. Após 10 anos de ocupação mansa e pacífica, mediante moradia com sua família, Judas ajuizou uma ação de usucapião. É correto afirmar que a usucapião a) não poderá ser reconhecida, tendo em vista que não decorreu o prazo de 15 anos da usucapião extraordinária, quando então poderá ser reconhecida. b) poderá ser reconhecida, independentemente da dimensão da área ocupada, tendo em vista que se presume o justo título e boa-fé, em razão da longevidade da posse e da sua função social. c) poderá ser reconhecida, desde que o imóvel tenha dimensão inferior a 250 m2 e Judas não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. d) somente poderá ser reconhecida a usucapião se houver a citação de todos os confrontantes e ausência de oposição do loteador e da Municipalidade. e) não poderá ser reconhecida, pois os bens públicos são imprescritíveis. 4. (TJAL) FCC, 2019. Suponha que uma autarquia estadual pretenda alienar alguns imóveis de sua propriedade, objetivando a obtenção de receitas para a aquisição de um imóvel situado em região mais central da cidade e no qual pretende concentrar suas atividades. Considerando o regime jurídico aplicável aos bens públicos, bem como as disposições da lei federal n° 8.666/1993, a) as alienações e as aquisições prescindem de autorização legislativa, devendo, contudo, haver despacho motivado do dirigente da autarquia, avaliação prévia dos imóveis e adoção de procedimento licitatório para cada um dos negócios jurídicos, na modalidade leilão ou concorrência. b) a aquisição do novo imóvel depende de prévia autorização legislativa para afetação às finalidades da autarquia, devendo ser efetuada por procedimento licitatório na modalidade concorrência, aplicando-se as mesmas exigências em relação às alienações. c) o caráter de inalienabilidade dos imóveis pertencentes à entidade de direito público impede a sua venda, salvo em se tratando de aquisição por meio de desapropriação. d) as alienações dependem de prévia autorização legislativa, admitindo-se a permuta de imóvel(is) que se pretende alienar por outro que atenda às necessidades atuais de instalação e localização da autarquia, com dispensa de licitação, observados os valores de mercado. 299 BENS PÚBLICOS • 12 FLÁVIA LIMMER e) a autarquia poderá vender ou permutar os imóveis em questão, mediante autorização legislativa específica para o negócio jurídico escolhido, afastando-se, em ambos os casos, a necessidade de prévio procedimento licitatório. 5. (MPE-MT) FCC, 2019. Mares e rios, terrenos e edifícios destinados aos serviços da Administração pública são exemplos de bens públicos, respectivamente, a) de uso especial. b) de uso comum do povo e dominicais. c) de uso comum do povo. d) dominicais. e) de uso comum do povo e de uso especial. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – A a) b) c) d) e) Correta. Conferir art. 17, § 3o, I, da lei 8.666/1993. Incorreta. A assertiva se refere à desapropriação por zona, prevista no art. 4o do Decreto-lei 3.365/41. Incorreta. Conferir art. 2º do Decreto-lei n.º 9.760/46. Incorreta. Conferir art. 20, §2º, da CF/88 Incorreta. A zona contígua brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial. 2. Gabarito – E a) b) c) d) e) Incorreta. Conferir art. 20, II, da CF/88. Incorreta. Conferir art. 20, II, da CF/88. Incorreta. Conferir art. 20, II, da CF/88. Incorreta. As terras devolutas são classificadas pela doutrina como bens dominicais ou de uso especial. Correta. Conferir art. 20, II, da CF/88. 3. Gabarito – E a) Incorreta. A usucapião não se aplica aos bens públicos. b) Incorreta. A usucapião não se aplica aos bens públicos. c) Incorreta. A usucapião não se aplica aos bens públicos. d) Incorreta. Conferir Súmula n.º 340 do STF. e) Correta. Súmula n.º 340 do STF. 4. Gabarito – D a) Incorreta. Deve haver autorização legislativa. Conferir art. 17, "caput" e inciso I c/c art. 24, X lei n.º 8.666/1993. b) Incorreta. A licitação é dispensada. Conferir art. 17, "caput" e inciso I c/c art. 24, X lei n.º 8.666/1993. c) Incorreta. É possível a alienação. Conferir art. 17, "caput" e inciso I c/c art. 24, X lei n.º 8.666/1993. d) Correta e) Incorreta. Somente no caso de permuta é possível a dispensa. Conferir art. 17, "caput" e inciso I c/c art. 24, X lei n.º 8.666/1993. 5. Gabarito – E a) Incorreta. Conferir art. 99 do Código Civil. b) Incorreta. Conferir art. 99 do Código Civil. c) Incorreta. Conferir art. 99 do Código Civil. d) Incorreta. Conferir art. 99 do Código Civil. e) Correta. 300 FLÁVIA LIMMER 13 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO • 13 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO 301 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO • 13 1. INTRODUÇÃO No Brasil, a ordem econômica se pauta pelo princípio da subsidiariedade. Em outras palavras, a inciativa privada ocupará o papel principal e o Poder Público só atuará diretamente em situações excepcionais, conforme os limites impostos pelo art. 173 da CF/88: para atender aos imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Sobre o tema, explica Luís Roberto Barroso 114: No sistema de sociedade aberta e de economia de mercado — que é nosso modelo constitucional — a atividade econômica pública é complementar da iniciativa privada, dominada pelo princípio da subsidiariedade e ocupando os espaços vazios dos quais se ausenta a iniciativa privada ou quando esta fracassa. Assim, o Estado deve abandonar a intervenção direta no domínio econômico na medida do possível. Nesse sentido, a intervenção direta é realizada quando o Estado presta serviços e produz bens por meio de seus próprios órgãos; ou quando o faz por meio de suas empresas estatais, sendo o chamado Estado Empresário, típico do Brasil pós Segunda Guerra Mundial, por exemplo. Na década de 1990, o Estado brasileiro era considerado demasiadamente grande e ineficiente. A influência do neoliberalismo e a insatisfação com os serviços prestados levaram a adoção do modelo de intervenção indireta, com o perfil de Estado Regulador: quando este se limita a elaborar normas, reprimir abusos, interferir na iniciativa privada e regular preços e abastecimento. Atuando como regulador, o Estado impõe normas e mecanismos com o intuito de punir e/ou prevenir condutas abusivas que possam vir a prejudicar a harmonia social, de acordo com o art. 174 da CF/88. A fiscalização se dá com o poder de polícia conferido às Agências Reguladoras e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). O incentivo normalmente se dá por meio da cessão de créditos e benefícios fiscais. O planejamento significa a previsão governamental da aplicação de recursos públicos em determinados setores da economia, ou seja, o plajenamento dos custos dos mercados. Por exemplo, ao decidir promover a construção de casas populares como forma de incentivar o setor de construção civil. Ademais, também pode ocorrer pelos planos econômicos e tabelamento de preços. Já o fomento incentiva a indústria e o comércio, seja por meio de legislação favorável à exploração da atividade ou, inclusive, por incentivos tributários, por exemplo. A regulamentação se dá pela intervenção do Estado com o objetivo de implementar políticas que promovam os valores sociais e os direitos fundamentais. 2. PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA São princípios que norteiam a ordem econômica, segundo o art. 170 da CF/88: • • • • • • • • Soberania nacional; Propriedade privada; Função social da propriedade; Livre concorrência; Defesa do consumidor; Defesa do meio ambiente; Redução das desigualdades regionais e sociais; Busca do pleno emprego. 114 BARROSO, Luís Roberto. Regime jurídico das empresas estatais. Revista de direito administrativo, v. 242, p. 87. 302 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO • 13 Percebe-se que o Brasil adota um sistema capitalista, pois prestigia a livre concorrência e a livre iniciativa, mas sem se descuidar das questões sociais. Nesta linha, a livre iniciativa e a livre concorrência devem ser ponderadas com os valores de justiça social. 3. ATUAÇÃO REGULATÓRIA O Estado pode atuar de forma regulatória, a qual tem um objetivo de reprimir o abuso do poder econômico, para interferir na iniciativa privada, e, caso haja necessidade, para controlar preços e regular o abastecimento. a) Repressão do abuso do poder econômico Abuso é o exercício irregular de um direito. O abuso do poder econômico poderá se revelar de diversas maneiras, tais como ocorre com: • • • • • • Dominação de mercados; Eliminação da concorrência; Aumento arbitrário dos lucros; Truste – algumas empresas em posição privilegiada pressionam os concorrentes, dominando o mercado, inclusive suprimindo ou eliminando a concorrência; Cartel – é o acordo entre empresas para impor determinados preços e impedir novos concorrentes e assim os eliminando; Dumping – a empresa pratica preços abaixo do preço de custo, visando eliminar a concorrência. Após a eliminação do concorrente, ela aumenta arbitrariamente os lucros. Uma das formas de repressão do abuso do poder econômico se dá por meio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), regulado pela Lei nº 12.529/2011. O CADE é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, que possui competência de um tribunal administrativo, tendo atribuição para julgar processos quando há formação de carteis, monopólios privados, aumento arbitrários dos lucros, combater a prática do dumping, truste, cartel, entre outros. Ainda, poderá agir preventivamente, apreciando as fusões e incorporações de grandes grupos econômicos, cuja união poderá resultar em concentração de mercado e consequentemente potenciais violações da livre concorrência. 4. INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA A intervenção do Estado também poderá se dar de forma direta, no exercício da atividade econômica, devendo ser considerada como uma exceção. Isso porque o art. 173 da CF/88 determina que a exploração direta do Estado na atividade econômica só será permitida quando ela se mostrar necessária aos imperativos da segurança nacional ou quando houver um relevante interesse coletivo, conforme definido em lei. Essa intervenção poderá se dar com o monopólio de produção, exercido principalmente pelas empresas públicas e sociedades de economia mista. Por sua vez, monopólio é a supressão da atividade do regime de livre iniciativa, só podendo o Estado exercer certa atividade, com o dever de fazê-lo para beneficiar a coletividade. Ressalta-se que o monopólio privado é inconstitucional. O art. 177 da CF/88 prevê um monopólio da União para algumas atividades: • Pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural; 303 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO • 13 FLÁVIA LIMMER • • • • • Refinação do petróleo; Importação e exportação de produtos e derivados básicos de petróleo e gás natural; Transporte marítimo de petróleo bruto ou de derivados básicos de petróleo; Transporte por meio de qualquer conduto de petróleo bruto ou de derivados básicos de petróleo ou de gás natural; Pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minério e minerais nucleares, com exceção dos radioisótopos, podendo a sua produção, sua comercialização e o seu uso serem autorizados sob o regime de produção. Outros monopólios estatais podem ser encontrados no art. 176-F, art. 177, I a V, art. 21, XXIII c/c art. 177, V , todos da CF/88. O monopólio se caracteriza pela detenção exclusiva de determinadas atividades pelo Estado. Caso o Poder Público decida por delegar o direito de execução de suas atividades a poucos selecionados, que atendam a requisitos impostos pelo estado, ocorrerá a delegação. Hely Lopes Meirelles esclarece que115: Monopolizado pela União um bem ou uma atividade do domínio econômico, nada impede que ela confira o privilégio de sua exploração a autarquias, a fundações públicas, a empresas estatais, a concessionários ou a permissionários que satisfaçam as exigências do interesse público. O monopólio não se confunde com o privilégio. Monopólio é a detenção exclusiva do bem ou da atividade por uma só pessoa; privilégio é a delegação do direito de exploração do bem ou da atividade monopolizada a um ou alguns interessados. Só pode dar privilégio quem tem o monopólio. O monopólio é sempre exclusivo e excludente dos demais interessados; o privilégio pode ser exclusivo ou não. Atente-se que o monopólio não impede que a União contrate empresas estatais ou privadas para a realização das atividades ligadas ao petróleo e ao gás natural. Entende-se que a EC nº 09 de 1995 flexibilizou o monopólio estatal em petróleo e gás: antes o setor era explorado em regime de monopólio de produção, em que apenas a Petrobras estava autorizada a atuar no setor. A EC nº 09/95 atribuiu unicamente à União o direito a escolher como o setor de petróleo e gás passaria a se desenvolver: com a manutenção do monopólio da Petrobras, ou permitindo que empresas privadas nacionais ou estrangeiras passassem a explorar e produzir petróleo no país. Em outras palavras, o monopólio era uma imposição do legislador constituinte no texto original da CF/88. Após a EC nº 09/1995, a alteração da política econômica para o setor, por exemplo, retornando algumas áreas para ação monopolizada, basta a edição de lei ordinária. Foi exatamente o que ocorreu na criação da primeira versão do contrato de partilha de produção, em que a Petrobras atuaria como operadora única ou necessária. Assim, uma lei ordinária poderá estabelecer outros monopólios, mas apenas para fins de serviços públicos, não podendo fazer para fins de serviços privados. Por exemplo, no serviço postal. Para uma melhor compreensão, recomenda-se a leitura dos itens sobre agências reguladoras (3.3.4), empresas estatais (3.5) e serviços públicos (10). 5. JURISPRUDÊNCIA 5.1. Súmulas do STF Súmula vinculante 49: Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área. 115 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro 43a. edição. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 611. 304 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO • 13 FLÁVIA LIMMER Súmula Vinculante 38: É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. 5.2. Informativos do STF ADPF 46, rel. p/ o ac. min. Eros Grau, j. 5-8-2009, P, DJE de 26-2-2010 Serviço postal – conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado – não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional (art. 21, X). O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), empresa pública, entidade da administração indireta da União, criada pelo DL 509, de 10 de março de 1969. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. A ECT deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao art. 42 da Lei nº 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no art. 9º desse ato normativo. 5.3. Informativos do STJ Info 641. REsp 1.543.465-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por unanimidade, julgado em 13/12/2018, DJe 04/02/2019. A reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos, prevista no art. 40, I, do Estatuto do Idoso, não se limita ao valor das passagens, abrangendo eventuais custos relacionados diretamente com o transporte, em que se incluem as tarifas de pedágio e de utilização dos terminais. QUESTÕES 1. (DPE-MT) UFMT, 2016. Na Europa ou na América Latina, a atividade reguladora estatal ganhou força a partir da segunda metade do século XX, num quadro relacionado a políticas inspiradas na redefinição do papel do Estado. Implementaram-se programas de desestatização que privilegiaram a atividade privada, em detrimento da atuação direta do Estado em setores diversos, abrangendo áreas relacionadas a serviços considerados de interesse social. (CARVALHO, C. E. V. de. Regulação de serviços públicos: na perspectiva da constituição econômica brasileira. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007.) Assinale a afirmativa relacionada ao sentido social atribuído à atividade regulatória estatal por construção doutrinária. a) Os objetivos sociais da atividade reguladora estatal devem ser dissociados de seus objetivos econômicos, a fim de garantir a consecução de interesses que não podem ser atingidos por meio da livre concorrência. b) Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este indicativo para os setores público e privado. c) A disciplina reguladora exercida pelo Estado conduz à maior eficiência produtiva ou alocativa, se comparada às soluções próprias e espontâneas do mercado. 305 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO • 13 d) As políticas regulatórias de caráter redistributivo, além dos objetivos econômicos de estímulo à concorrência e à eficiência, visam implementar metas sociais como a universalização do acesso a serviços essenciais. e) Quando o Estado não atua diretamente no mercado como produtor de bens e serviços, a regulação funciona como um mecanismo para corrigir falhas de mercado e estabelecer um regime concorrencial. 2. (MPDF), MPDF, 2015. Julgue os itens a seguir: I. Afronta o princípio da livre concorrência, lei distrital que impeça a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área. II. As disposições constitucionais que disciplinam a forma de exploração do monopólio da União sobre a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo não permitem a edição de um marco legal que confira tratamento privilegiado a empresas estatais na execução dessas atividades. III. O acordo de leniência declarado cumprido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica não impede a propositura de ação penal contra os beneficiários desta medida caso o Ministério Público não tenha também subscrito o acordo. IV. A caracterização de infração à ordem econômica independe da forma exteriorizada da conduta. V. A verificação de paralelismo consciente de preços entre empresas concorrentes não é suficiente para caracterização de infração à ordem econômica no Brasil. Estão CORRETOS os itens: a) I, II e IV. b) I, III e V. c) II e IV. d) I, IV e V. e) II e III. 3. (PGNF) ESAF, 2015. No concernente à intervenção do Estado no domínio econômico, indique a opção incorreta. a) Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, o serviço postal não consubstancia atividade econômica em sentido estrito, porquanto se trata de exclusividade na prestação de serviços, denotando, assim, situação de privilégio. b) Na intervenção por absorção ou participação o Estado atua como agente econômico. c) O Estado, por meio da intervenção por direção, utiliza-se de comandos imperativos que, se forem descumpridos, sujeitam o infrator a sanções negativas. d) A exploração de atividade econômica pelas empresas públicas e sociedades de economia mista constitui intervenção estatal indireta no domínio econômico. e) A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. 4.(PGE-PI) CESPE, 2014. No que concerne à intervenção do Estado no domínio econômico, assinale a opção correta. a) É vedada ao Estado a outorga de privilégios a particulares como forma de fomento da atividade econômica. b) As hipóteses de monopólio estatal estão previstas expressamente na CF, não se admitindo a ampliação dessas hipóteses por legislação infraconstitucional. c) Vedado pela CF e pela Lei de Defesa da Concorrência, o monopólio natural ocorre quando um setor da economia é dominado por um único agente econômico, em razão da exploração patenteada e exclusiva de determinado fator de produção. d) O monopólio convencional não pode ser objeto de intervenção do Estado, por não constituir prática abusiva. e) Ao passo que garante aos estados o monopólio dos serviços locais de gás canalizado, a CF veda a delegação da prestação desses serviços a terceiros por meio de concessão. 5. (PGE-PI) CESPE, 2014. Assinale a opção correta a respeito das disposições constitucionais que regulam a intervenção do Estado no domínio econômico. 306 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO • 13 FLÁVIA LIMMER a) Nas hipóteses constitucionalmente previstas de exploração de atividade econômica diretamente pelo Estado, essa atividade deverá ser exercida por meio das empresas estatais, ou seja, empresas públicas e sociedades de economia mista. b) Somente por lei específica poderá ser criada empresa pública ou sociedade de economia mista. c) Às empresas estatais é permitido o exercício de atividade econômica em sentido estrito, sendo-lhes defeso prestar serviços públicos. d) A regulação de atividades econômicas pelo Estado é excepcional, admitida apenas quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou ao atendimento de relevante interesse coletivo. e) A definição das hipóteses que configuram imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo compete ao presidente da República, por meio de decreto presidencial, ouvido previamente o Conselho da República. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – D a) b) c) d) e) Incorreta. Cf. art. 3º c/c 170, VII e 173 da CF/88. Incorreta. Cf. art. 173 CF/88. Incorreta. Cf. art. 3º c/c 170, VII e 173 da CF/88. Correta. Cf. art. 3º III e 170, VII, da CF/88. Incorreta. Cf. art. 177, § 2º, III, da CF/88. 2. Gabarito – D I – Correta. Súmula Vinculante 49. II – Incorreta. Cf. art. 177 c/c art. 150 III “b” da CF/88. III – Incorreta. art. 87 da Lei nº 12.529/11. IV – Correta. V – Correta. Cf. art. 36, § 3º, I, “a” da Lei nº 12.529/11. 3. Gabarito – D a) Correta. STJ, AgRg no REsp 1.400.238/RN. b) Correta. Há três modalidades de intervenção: por absorção ou participação, por direção e por indução. c) Correta. Trata-se das modalidades direção e indução. d) Incorreta. Cf. art. 173 da CF/88. e) Correta. Cf. art. 173 e art. 175 CF/88. 4. Gabarito – B a) Incorreta. Art. 170 da CF/88. b) Correta. Art. 146 da CF/88. c) Incorreta. O monopólio natural é permitido pela CF, já que não configura prática abusiva. Art. 36, § 1º, Lei nº 12.529/11. d) Incorreta. O monopólio convencional constitui prática abusiva: art. 173, § 4º, da CF, Lei nº 12.529/2011. e) Incorreta. O monopólio convencional constitui prática abusiva: art. 173, § 4º, da CF, Lei nº 12.529/2011. 5. Gabarito – A a) Correta. b) Incorreta. Cf. art. 37, inciso XIX, da CF/88. c) Incorreta. Cf. art. 175 da CF/88. d) Incorreta. Cf. arts. 173 e 174 da CF/88. e) Incorreta. Cf. art. 173 da CF/88. 307 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 14 PROCESSO ADMINISTRATIVO 308 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 O processo administrativo federal é regulado pela Lei nº 9.784/99, que estabelece suas regras gerais. Trata-se de uma lei subsidiária, que será aplicada se não houver regulação específica em sentido contrário. Por outro lado, se não houver uma lei tratando sobre processo administrativo para uma situação específica, ela deverá ser aplicada integralmente. Por exemplo, a Lei nº 9.605/98 e o Decreto nº 6.514/2008 versam sobre o processo administrativo para apuração das infrações ambientais – para essas situações, a Lei nº 9.784/99 só será aplicada subsidiariamente. Na mesma linha, a competência para legislar sobre direito administrativo, via de regra, é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, sendo estendida aos Munícipios (cf. art. 24 e 30 da CF/88). Sendo assim, todos os entes federativos são competentes para legislar sobre procedimentos administrativos. Por essa razão, a Lei nº 9.784/99 é aplicável, a rigor, somente na esfera federal. Caso essa norma fosse aplicada aos demais entes, haveria uma clara violação à autonomia federativa. Porém, o STJ já dispôs que, caso inexistam normas locais sobre processo administrativo, é possível a aplicação subsidiária da Lei nº 9.874/99, já que ela norteia toda a Administração Pública, podendo servir como parâmetro para os demais entes federativos (Súmula 633 do STJ). Mas, caso o estado ou o município já tenham legislado sobre processo administrativo, não será possível a aplicação da Lei nº 9.784/99. O processo administrativo é norteado pela busca da verdade real, em que a administração deseja saber o que de fato ocorreu, pois há interesse público na descoberta da verdade. Nesse sentido, os interesses em jogo não são transigíveis, são indisponíveis, devendo os fatos serem apurados com cuidado. É interesse do Estado descobrir quem praticou o ilícito, pois é essa pessoa deverá ser afastada do trato com a coisa pública. A busca pela verdade real decorre da característica do processo administrativo, que, diferentemente do processo judicial, a posição do agente público não é passiva, mas ativa, voltada à justiça distributiva e traduzida no atingimento do interesse público. Na mesma linha, a administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo somente com a verdade oferecida pelos sujeitos. Então, ela não pode ignorar fatos que conhece, sob a alegação de que tais elementos fáticos não constam dos autos. Em síntese, há um impulso oficial pois o processo administrativo não depende de provocação da parte, e o próprio poder público deve impulsioná-lo. Assim, processo administrativo é, em regra, formal, devendo cumprir todas as determinações previstas em lei, ainda que não tenha um rito processual tão rígido como o processo civil, permitindo certa discricionariedade. Ainda, o processo administrativo deve respeitar a celeridade, como uma garantia. Ademais, a denúncia anônima é suficiente para instauração do processo administrativo. A Lei nº 8.112/90 diz claramente que não se admite a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, mas o STJ já sumulou o contrário, estabelecendo que a administração pode verificar se a denúncia tem um mínimo de plausibilidade para seguir adiante (Súmula 611). É vedada a cobrança de taxas para despesas no processo administrativo (Súmula Vinculante 21). 1. PRINCÍPIOS Segundo o art. 2º da Lei nº 9.784/99, a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da: • • • • • • Legalidade; Finalidade; Motivação; Razoabilidade; Proporcionalidade; Moralidade; 309 FLÁVIA LIMMER • • • • • PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 Ampla defesa; Contraditório; Segurança jurídica; Interesse público; Eficiência. Segundo Marçal Justen Filho, a sanção administrativa apresenta semelhanças com a sanção penal. Consequentemente, os princípios fundamentais do direito processual penal podem ser aplicados no âmbito do direito administrativo, especialmente no sancionador. Principalmente os princípios necessários ao respeito da dignidade da pessoa humana, tais como o da igualdade, presunção de inocência, devido processo legal, legalidade, ampla defesa, dentre outros. a) Motivação O princípio da motivação obriga a Administração Pública exteriorizar o fundamento de sua decisão. A Lei nº 9.784/99, no seu art. 50, estabelece o dever de motivar para oito espécies de processo, com a indicação dos fatos e fundamentos: • • • • • • • • Os que neguem ou afetem direitos ou interesses dos administrados; Que imponham ou agravem deveres destes; Que decidam processos de concurso ou seleção; Que dispensem ou declarem inexigência de licitação; Que decidam recurso administrativo; Que decorram de reexame de ofício; Que deixem de aplicar jurisprudência já firmada ou divirjam de pareceres e fundamentos anteriores; Nos casos de revogação, suspensão e convalidação de ato administrativo. No mesmo art. 50, o § 1º estabelece que a motivação deve ser clara, explícita e congruente, mas admite-se que ela seja remissiva a fundamento anterior que faça parte dos autos. Pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões solução de vários assuntos da mesma natureza, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. Por fim, exige-se a motivação tanto nas decisões de órgãos colegiados quanto para aquelas proferidas oralmente. Trata-se de um princípio geral de direito administrativo. Sobre o tema, reveja os itens 2.2.6 g. b) Oficialidade Se refere ao impulso de ofício, sendo um princípio que gera divergência doutrinária, pois uma parcela diz que se faz presente apenas quando o Poder Público atua de ofício. Haveria a possibilidade de instauração do processo por iniciativa da administração, independentemente de provocação de qualquer das partes, além de determinar a produção de provas de ofício, entre outros. Possui previsão no art. 2º, parágrafo único, XII, art. 5º e art. 29 da Lei nº 9.784/99. A oficialidade no processo administrativo é muito mais ampla do que o impulso oficial no processo judicial. Ela compreende o poder-dever de instaurar, fazer andar e rever a decisão de ofício. Sendo o processo um meio de atingir o interesse público, haveria uma clara lesão caso o processo não chegasse ao fim, além de configurar uma atuação ineficiente. Outra parcela da doutrina nomeia esse princípio como oficiosidade. O princípio da oficialidade significaria que órgão que instaura o processo deve ser oficial, pertencente ao Estado. No entanto, a ideia principal é a possibilidade de atuar de ofício. 310 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 c) Princípio da gratuidade Está previsto no art. 2º, XI, da Lei nº 9.784/99. Trata-se da proibição de cobrança de despesas processuais. Esta proibição não é absoluta, pois somente é possível a cobrança se houver previsão legal (ex.: quando há leis específicas exigindo a cobrança de determinados atos processuais ao longo do processo administrativo). Todavia, esta cobrança não poderá implicar empecilho injustificável para a utilização do processo, bem como não poderá se mostrar desarrazoada e impeditiva de acesso ao processo administrativo. Veda-se a onerosidade excessiva do cidadão quando se tem a Administração Pública como parte do processo, e a ela não é obrigado o recolhimento de qualquer custa processual. A Súmula Vinculante 21 do STF estabelece ser inconstitucional a exigência de depósito prévio ou de arrolamento de bens para admissão de recurso administrativo. d) Pluralidade de instâncias O princípio da pluralidade de instâncias decorre do princípio da autotutela. Di Pietro diz que, no processo administrativo, é possível alegar em instância superior o que inclusive não foi alegado na instância inferior116. Ainda, no processo administrativo, é possível que a instância superior venha a reexaminar os fatos. Além disso, é possível que novas provas venham a ser produzidas na instância superior. e) Segurança jurídica O princípio da segurança jurídica vai se justificar para que a atuação da Administração Pública seja previsível, sendo necessária a previsibilidade dos atos administrativos e a estabilização das relações jurídicas. Com base no princípio da segurança jurídica, a atuação da administração pública deverá encontrar dois limites: • • Vedação à aplicação retroativa de uma nova interpretação dada pela administração; Mesmo a autotutela deverá ser exercida após um prazo razoável. O art. 54 da Lei nº 9.784/99 consolidou o princípio da segurança jurídica quando estabeleceu que a administração tem o direito de anular os atos administrativos dos quais decorram efeitos favoráveis aos destinatários dentro do prazo de 05 anos. Após este prazo, haverá decadência dos atos administrativos, salvo se comprovar que o indivíduo agiu de má-fé, caso em que não se observará o prazo de 05 anos. O STJ já firmou a tese de que as situações flagrantemente inconstitucionais não se submetem ao prazo decadencial de 05 anos previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, não podendo se falar em convalidação pelo mero decurso do tempo. Ou seja, se os atos administrativos forem absolutamente inconstitucionais, não há que se falar em decadência e nem mesmo em prescrição para que se tomem as providências cabíveis. A violação da Constituição não se convalidaria com o decurso do tempo. Isto é muito aplicado com relação aos concursos públicos. Portanto, o servidor que mantém um contrato com a administração fora das hipóteses legais, e que viola o princípio do concurso público, não poderia continuar na função, ainda que tenha se passado 10 anos. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o Enunciado 20, que dispõe: o exercício da autotutela administrativa, para o desfazimento do ato administrativo que produza efeitos concretos favoráveis aos seus destinatários, está condicionado à prévia intimação e oportunidade de contraditório aos beneficiários do ato. 116 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 311 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 f) Imparcialidade Segundo este princípio, não pode existir a vinculação da atividade de instrução do processo administrativo à atividade decisória final, seja em favor do administrado, seja em favor da administração. A decisão administrativa deve ser tomada de acordo com a instrução conduzida pelo órgão administrativo. A administração não é uma terceira estranha à controvérsia: ela instaura o processo, conduz a instrução e emite a decisão administrativa final. Ainda assim, a relação jurídica é bilateral no processo administrativo: ele pode ser instaurado tanto mediante provocação do interessado quanto por iniciativa do próprio Poder Público. E para que haja imparcialidade, é preciso que o convencimento da administração seja isento, contemporâneo ao processo e embasado no que foi debatido e provado nos autos. Assim, haveria uma clara violação ao princípio da imparcialidade com o eventual prejulgamento ou inclinação para determinado resultado, a decisão sobre pleito e processos administrativos próprios, a decisão em casos nos quais a comissão processante possui grau hierárquico inferior ao do processado ou em casos nos quais a administração declara de antemão o futuro resultado final do processo administrativo. Caso o contraditório e a ampla defesa não forem respeitados, haverá claro prejuízo à imparcialidade, gerando a nulidade de processo administrativo e a possibilidade de sua revisão pelo Poder Judiciário. Por isso, o contraditório deve ser substancial, protegido em seus dois aspectos, formal e material. No sentido formal, o contraditório significa a possibilidade do particular ser ouvido; já o material significa que a manifestação do administrado deve ser capaz de modificar o convencimento do Poder Público. Ou seja, a oitiva do administrado não pode ser um ato meramente pro forma em um processo em que a decisão final já esteja previamente formada. O art. 18 da Lei nº 9.784/99 estabelece que estará impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: • • • Tenha interesse direto ou indireto na matéria; Tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; Esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro. Sobre o tema, o STJ já se pronunciou sobre o caráter taxativo das hipóteses de impedimento em processo administrativo, decidindo que as normas de competência não podem ser fundadas em suposições. Isso porque a sua previsão, mormente quando restritiva, deverão constar em termos precisos e rigorosos, sob pena de gerar manipulações por meio de critérios que não sejam estritamente formais, ocasionando incertezas e inseguranças. A salvaguarda da imparcialidade constitui a razão de ser de uma série de institutos, a fim de que o processo seja conduzido e apreciado sem quaisquer pressões ou influências, sujeitando-se apenas ao ordenamento jurídico, entre os quais desponta a previsão de suspeição⁄impedimento dos membros (STJ. MS nº 200802600198). g) Formalismo Moderado Nos processos administrativos, não é exigido o atendimento a rigorismos formais ao considerar as manifestações do administrado. O pressuposto é que o particular não contará necessariamente com o auxílio da defesa técnica. Maria Sylvia Zanella di Pietro esclarece que o formalismo moderado não possui efeito irrestrito, aplicável a qualquer tipo de processo. Alguns processos administrativos exigem uma determinada forma. Assim, caso a lei imponha uma determinada formalidade ou estabeleça um procedimento mais rígido, estas determinações devem ser atendidas sob pena de nulidade do processo. Por exemplo, os processos 312 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 administrativos concorrenciais, como o concurso público e a licitação, exigem o atendimento ao formalismo estrito, visando garantir o julgamento isento e a igualdade entre os participantes. 2. COMPETÊNCIA A competência administrativa é o conjunto de poderes conferido às pessoas jurídicas de direito público que limitam e justificam o exercício da atividade administrativa. Em razão da indisponibilidade do interesse público, a competência é irrenunciável. Ademais, ela poderá ser objeto de delegação e de avocação, mas é irrenunciável, motivo pelo qual ambas têm caráter temporário. a) Delegação e avocação A delegação ocorre quando um órgão administrativo ou seu titular transfere parte de sua competência a outro órgão ou a outro titular. Poderá ocorrer na linha vertical ou na linha horizontal, não havendo a necessidade de se observar a hierarquia nesse ponto. Por outro lado, a avocação é a atração realizada por órgão ou agente superior de competência atribuída a um órgão ou agente subordinado. A avocação exige a existência de subordinação hierárquica. Atente-se que somente será possível uma avocação sem subordinação hierárquica se uma lei expressamente estabelecer esta competência. Alguns atos não podem ser objeto de delegação, tais como: • • • Edição de atos normativos; Decisão de recursos administrativos; Competência exclusiva do órgão ou entidade. Quando a decisão é tomada por delegação, considera-se que ela foi tomada pelo agente delegado. b) Impedimento e suspeição Impedimento e suspeição poderão justificar o não exercício da competência atribuída por lei. O impedimento tem uma relação com situações objetivamente estabelecidas e acabam sendo objetivamente aferidas. No caso do impedimento, fica impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: • • • Tenha interesse direto ou indireto na matéria; Tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o 3º grau; Esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro daquele interessado no processo. A suspeição é subjetiva, podendo ser arguida quando a autoridade ou o servidor tenha uma amizade íntima ou uma inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o 3º grau. 313 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 3. PECULIARIDADES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO 3.1. Atos processuais Em razão do princípio da oficialidade ou oficiosidade, o processo administrativo poderá se iniciar de ofício ou a requerimento de qualquer interessado. Se houver requerimento do interessado, salvo nos casos em que expressamente for admitida uma solicitação oral, ele deverá ser feito por escrito. A forma do requerimento não é predeterminada. Ou seja, observa-se o princípio do informalismo. Não havendo disposição específica, os atos processuais deverão ser praticados no prazo de 5 dias. Eventualmente, os prazos poderão ser dilatados até o dobro de 5 dias. Os atos do processo deverão ser realizados preferencialmente na sede do órgão da administração, mas se for outro o local, deverá haver a cientificação do interessado. Lembre-se que nos processos administrativos a notificação por edital será utilizada, exclusivamente, nos casos de interessado indeterminado, interessado desconhecido ou interessado com domicílio indefinido (STJ, MS 27.227/DF, julgado em 27/01/2021). 3.2. Pareceres e laudos técnicos Parecer é a opinião fundamentada e detalhada e, em regra, terá cunho opinativo. Ele pode ser: • • • Parecer facultativo: a manifestação não é obrigatória, não vinculando a autoridade. Parecer obrigatório: a manifestação é obrigatória, mas o administrador não precisa seguir o parecer obrigatoriamente. Deverá apenas informar as razões pelas quais divergiu do parecerista. Parecer vinculante: a manifestação do parecerista, além de obrigatória, vincula o administrador, devendo decidir nos moldes do parecerista. Em regra, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de 15 dias. Caso seja extrapolado esse prazo, o processo deverá ter prosseguimento e ser decidido inclusive com a dispensa do parecer, desde que ele não seja vinculante. Neste caso, o parecerista poderá responder disciplinarmente pelo não cumprimento tempestivo e adequado de sua função. 3.3. Tramitação prioritária A Lei nº 12.008/09 assegura uma prioridade na tramitação de processos administrativos quando há como parte ou interessado pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, pessoas com deficiência e também as pessoas com doenças graves. 3.4. Recurso administrativo, coisa julgada administrativa e revisão 3.4.1. Recurso administrativo Recurso administrativo é uma forma de impugnar a decisão administrativa. A Lei nº 9.784/99 trata do recurso hierárquico próprio, derivando da própria hierarquia, não sendo necessária a previsão legal autorizando o recurso hierárquico próprio. Por outro lado, para o chamado recurso hierárquico impróprio, não é identificada essa relação hierárquica, caso em que o órgão revisor não é um superior hierárquico do órgão recorrido. Todavia, é preciso que haja uma autorização legal nesse sentido para admitir este recurso. Ou seja, o recurso hierárquico 314 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 impróprio só será admitido por expressa previsão em lei. Ele é muito comum nos casos de descentralização e supervisão ministerial. O recurso administrativo é dirigido à autoridade que prolatou a decisão, situação na qual poderá reconsiderar a decisão no prazo de 5 dias. Caso não reconsidere, poderá encaminhar o recurso para a autoridade superior, a fim de que decida se reformará ou não a decisão. Ainda, o recurso se submeterá ao prazo de 10 dias para interposição, não recebendo efeito suspensivo e o processo administrativo poderá tramitar por até três instâncias. Se houver um receio de um prejuízo injusto ou um receio de difícil ou incerta reparação, a autoridade recorrida poderá, imediatamente, ou então a autoridade superior poderá de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso. 3.4.2. Coisa julgada administrativa Há coisa julgada administrativa quando não há mais qualquer recurso na seara administrativa para impugnar a decisão. Porém, a decisão administrativa ainda poderá ser impugnada perante o Poder Judiciário. Isso significa apenas que determinado assunto decidido na via administrativa não poderá mais sofrer alteração naquela seara. 3.4.3. Revisão A Lei nº 9.784/99 estabelece que os processos administrativos dos quais resultem sanções poderão ser objeto de revisão, podendo ser feita a qualquer tempo, inclusive de ofício, desde que surjam fatos novos, ou circunstâncias relevantes e idôneas, a justificar a percepção de que aquela sanção aplicada teria sido inadequada. Contudo, não se admite que a revisão do processo administrativo implique o agravamento da sanção. 3.5. Preclusão Preclusão é fenômeno endoprocessual, sendo a perda da oportunidade dentro do processo. A preclusão poderá ser de três espécies: • • • Preclusão consumativa – o sujeito praticou aquela faculdade e, portanto, já não pode exercitála novamente. Preclusão lógica – a parte exterioriza uma vontade incompatível com o desejo de praticar o ato. Preclusão temporal – é o esgotamento do prazo sem que tenha havido o exercício da faculdade pelo interessado. 3.6. Processo administrativo e súmula vinculante As decisões proferidas em processo administrativo se submetem aos entendimentos das súmula vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Se o ato administrativo negar vigência, aplicar de forma inadequada ou contrariar o enunciado da súmula vinculante, caberá reclamação ao STF. Por outro lado, se a violação à súmula vinculante se dá de forma omissiva, ou seja, se for impugnada um não fazer da administração pública, ou mesmo de forma comissiva, por conta de um ato, o uso da reclamação só será admitido após o esgotamento da via administrativa. 315 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 3.7. Processo administrativo disciplinar O processo administrativo disciplinar (PAD) é um instrumento para apurar a prática de um ilícito administrativo disciplinar, que foi praticada por um servidor público. Nesse sentido, há alguns sistemas de processamento disciplinar do agente público: • • • Sistema hierárquico – o poder disciplinar é exercido exclusivamente pelo servidor hierarquicamente superior àquele que está sendo julgado. O superior apura a falta e aplica a pena. Era tipicamente utilizado quando vivenciamos uma época da “verdade sabida”. Este sistema era aplicado nas faltas leves. Sistema da jurisdição completa – a falta do servidor e a pena a ele aplicada são estritamente estabelecidas pela lei. A decisão sobre a incursão do sujeito naquela falta e, portanto, a aplicação da pena seria uma decisão que caberia apenas ao órgão de jurisdição. Sistema misto (jurisdicionalização moderada) – é o sistema adotado no Brasil. A pena é aplicada pelo superior hierárquico, mas há intervenção dos órgãos por meio de pareceres, existindo um certo grau de discricionariedade da pena. Nada impede que se busque o Poder Judiciário para evitar certas ilegalidades. O Brasil adota o sistema misto ou da jurisdicionalização moderada. As infrações administrativas são ações ilícitas, mas que devem ter sido praticadas no exercício das atribuições do agente público, ou a pretexto de exercê-las no cargo que está investido. 3.7.1. Espécies de processo disciplinar São quatro as espécies de processo disciplinar: • • • • Verdade sabida – há o conhecimento pessoal e direto da infração administrativa pela autoridade superior, em que a autoridade superior toma conhecimento e já aplica a pena. Esse processo não é mais adotado no Brasil pois não respeita o contraditório e a ampla defesa. Sindicância acusatória – é um processo disciplinar que serve para apurar a autoria ou a existência de uma irregularidade de menor gravidade. É um instrumento mais célere. Este procedimento é composto por uma comissão de dois ou três servidores estáveis. Sindicância investigativa – é realizada para apurar indícios de irregularidade de forma genérica, sendo indicação prévia de autoria. Assim, essa sindicância é um instrumento para apuração de irregularidade sem aplicação de sanções, mas detém natureza inquisitorial. Processo administrativo disciplinar (PAD) – é um rito mais complexo, sendo destinado a apurar infrações mais graves, sendo composta por uma comissão de três servidores estáveis. A Súmula Vinculante 5 do STF estipula que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição Federal. A análise detalhada da Súmula Vinculante 5 é especialmente relevante, já que há clara divergência com a Súmula 343 do STJ, que determina ser “obrigatória a presença de advogado em todas as fases de processo administrativo disciplinar”. O STJ jamais alterou expressamente o seu entendimento, mas atualmente prevalece que a Súmula 343 está revogada. Portanto, em um processo administrativo, não necessariamente disciplinar, o administrado pode ser acompanhado por advogado apenas se assim desejar. Caso o acusado não tenha assistência jurídica, esta circunstância não gerará a nulidade do processo administrativo. A sindicância acusatória e o processo administrativo disciplinar irão se diferenciar em relação ao prazo de conclusão: • Sindicância – deve ser concluída até o prazo de 30 dias da sua instauração. Esse prazo é prorrogável por igual período de 30 dias. 316 FLÁVIA LIMMER • PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 Processo administrativo disciplinar (PAD) – deve ser concluída até o prazo de 60 dias da sua instauração. Esse prazo é prorrogável por igual período de 60 dias. Há diferença ainda no alcance das penas: • • Sindicância – poderá resultar em arquivamento, mas também na punição com advertência ou suspensão de até 30 dias. Caso seja mais grave que isso, a sindicância deverá resultar em processo administrativo disciplinar. O STJ firmou entendimento que, diante do caráter meramente investigatório (inquisitorial) ou preparatório de um processo administrativo disciplinar, como a sindicância visa apenas apurar a ocorrência de infrações administrativas e não a aplicação de sanção ao servidor público, podem ser dispensadas as garantias do contraditório e da ampla defesa, sendo também prescindível a presença obrigatória do investigado (MS 20.647/DF) Processo administrativo disciplinar (PAD) - será possível a aplicação de penas de suspensão superior a 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria, disponibilidade ou destituição de cargo de confiança. a) Penalidades disciplinares A Lei nº 8.112/90 apresenta as seguintes penalidades disciplinares: • • • • • • Advertência; Suspensão; Demissão; Cassação de aposentadoria ou disponibilidade; Destituição de cargo em comissão; Destituição de função comissionada. A competência para aplicar essas sanções disciplinares dependerá da penalidade. Dessa forma, serão aplicadas pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo, dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República: • • Demissão; Cassação de aposentadoria ou disponibilidade; Pela autoridade que tiver realizado a nomeação: • Destituição de cargo em comissão. A aplicação da penalidade de suspensão superior a 30 dias, ou seja, que exige PAD, será de atribuição das autoridades administrativas que estão hierarquicamente imediatamente inferiores ao chefe do poder. Já para as penalidades de advertência e suspensão de até 30 dias, o responsável pela aplicação será o chefe da repartição. É importante destacar que o Decreto nº 3.035/99 delegou essa competência para demitir e para cassar aposentadoria e disponibilidade aos Ministros de Estado. b) Fases do processo disciplinar São fases do processo disciplinar: • Fase de instauração – A instauração se dá com a publicação do ato que constituirá a comissão de 3 servidores estáveis, sendo que o presidente da comissão deverá ocupar um cargo superior, 317 FLÁVIA LIMMER • • PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 ou ao mesmo nível, do sujeito que será julgado, ou ter uma escolaridade superior em relação ao servidor investigado. Fase de inquérito administrativo – É a instrução, defesa e relatório. O inquérito administrativo possui defesa, observando-se o contraditório e a ampla defesa, não se confundindo com o inquérito policial. Após a apuração de provas e havendo a tipificação da infração, será formulado a indiciamento do servidor. O servidor terá o prazo de 10 dias para formular a sua defesa escrita. Feito isso, a comissão elabora um relatório minucioso, sendo ele conclusivo no sentido da inocência ou responsabilização do servidor. Este relatório será encaminhado à autoridade competente para ver se demite, suspende ou não. Fase de julgamento – O julgamento irá acatar o relatório da comissão, ou caso esteja manifestamente contrária à prova dos autos, não irá acatar motivadamente. Não é obrigatória a intimação do interessado para apresentar alegações finais após o relatório do inquérito administrativo. Isso porque a manifestação do sujeito já foi feita na defesa. Se o julgamento contrariar os autos, a autoridade poderá inclusive agravar a pena do servidor, desde que o faça motivadamente. Quando houver conveniência do serviço público, e a critério da autoridade julgadora, poderá a penalidade ser convertida em multa, desde que se mostre mais conveniente para a administração pública. Essa multa terá como base 50% por dia da remuneração do servidor. Se ele for multado, durante o período de cumprimento dessa multa, será obrigado a permanecer no serviço. 4. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR Segundo a lei, a ação disciplinar prescreve em 5 anos para as infrações de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão. Se a infração tem como penalidade a suspensão, a penalidade prescreverá em 2 anos. Sendo a pena da infração uma advertência, a prescrição se dá com 180 dias. O prazo prescricional começa a correr a partir do momento em que o fato se tornou conhecido. A abertura da sindicância ou a instauração do processo disciplinar interromperá a prescrição com a publicação da respectiva portaria. Assim, o prazo não irá correr a partir do momento da publicação da portaria até o momento da decisão final proferida pela autoridade competente. Contudo, se ocorrer o final do prazo legal para a conclusão do PAD e ainda não houver julgamento, o prazo prescricional voltará a correr. Portanto, o prazo prescricional para se concluir um PAD é de 140 dias. Isso porque há 60 dias para o PAD e mais 60 dias para o caso de prorrogação. No entanto, após concluído o relatório, a autoridade terá 20 dias para proferir a sua decisão. Ainda, o procedimento continua válido depois que este prazo é extrapolado, mas volta a ter curso na integralidade o prazo prescricional, conforme o entendimento do STF. Em junho de 2019, o STF decidiu que o termo inicial do lustro prescricional para a apuração do cometimento de infração disciplinar é a data do conhecimento do fato pela autoridade competente para instaurar o Processo Administrativo Disciplinar. A contagem da prescrição interrompe-se tanto com a abertura de sindicância quanto com a instauração de processo disciplinar. Após o decurso de 140 dias (prazo máximo conferido pela Lei nº 8.122/90 para conclusão e julgamento do PAD), o prazo prescricional recomeça a correr integralmente (RMS 35.868). Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o Enunciado 33, que dispõe: O prazo processual, no âmbito do processo administrativo, deverá ser contado em dias corridos mesmo com a vigência dos arts. 15 e 219 do CPC, salvo se existir norma específica estabelecendo essa forma de contagem. 318 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 5. TESES DO STJ No segundo semestre de 2019, o STJ destacou doze entendimentos sobre processo administrativo federal: • • • • • • • • • • • • No âmbito de recurso ordinário, a decadência administrativa prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 pode ser reconhecida a qualquer tempo e ex officio, por se tratar de matéria de ordem pública, sendo indispensável seu prequestionamento nas instâncias especiais. Diante da ausência de previsão legal, o prazo decadencial de cinco anos do art. 54, caput, da Lei nº 9.784/1999, é insuscetível de suspensão ou de interrupção, devendo ser observada a regra do art. 207 do Código Civil. A superveniência da Lei Distrital nº 2.834/2001 não interrompe a contagem do prazo decadencial iniciado com a publicação da Lei nº 9.784/1999, uma vez que sua única finalidade é aplicar, no âmbito do Distrito Federal, as regras previstas na referida lei federal. O prazo decadencial para que a administração promova a autotutela, previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, aplica-se tanto aos atos nulos, quanto aos anuláveis. As situações flagrantemente inconstitucionais não se submetem ao prazo decadencial de 5 anos previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, não havendo que se falar em convalidação pelo mero decurso do tempo. O prazo previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 para a administração rever seus atos não pode ser aplicado de forma retroativa, devendo incidir somente após a vigência do referido diploma legal. A Lei nº 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da administração pública federal, pode ser aplicada aos estados e aos municípios de forma subsidiária, se inexistente norma local e específica que regule a matéria. (Súmula 633 do STJ). Em se tratando de atos de que decorram efeitos patrimoniais contínuos, como aqueles decorrentes dos pagamentos de vencimentos e de pensões, ocorridos após a entrada em vigor da Lei nº 9.784/1999, nos quais haja pagamento de vantagem considerada irregular pela administração, o prazo decadencial de cinco anos é contado a partir da percepção do primeiro pagamento indevido, conforme o § 1º do art. 54 da Lei nº 9.784/1999. É possível interromper o prazo decadencial com base no art. 54, § 2º, da Lei 9.784/1999, desde que haja ato concreto, produzido por autoridade competente, em prol da revisão do ato administrativo identificado como ilegal, cujo prazo será fixado a partir da cientificação do interessado. Os atos administrativos abstratos, como as notas e os pareceres da Advocacia-Geral da União, não configuram atos de autoridade tendentes à revisão das anistias e são, portanto, ineficazes para interromper o fluxo decadencial por si sós, nos moldes do art. 54, § 2º, da Lei nº 9.784/1999. Por se tratar de hipótese de ato administrativo complexo, a decadência prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 não se consuma no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou de pensão e o julgamento de sua legalidade pelo Tribunal de Contas, uma vez que tais atos se aperfeiçoam apenas com o registro na Corte de Contas. O prazo previsto no art. 49 da Lei nº 9.784/1999 é impróprio, visto que ausente qualquer penalidade ante o seu descumprimento. 6. TESES DO STF Observe ainda as demais teses do STJ sobre Processo Administrativo Disciplinar: 319 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 1) A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição (Súmula Vinculante nº 5 do STF). 2) As instâncias administrativa e penal são independentes entre si, salvo quando reconhecida a inexistência do fato ou a negativa de autoria na esfera criminal. 3) É possível a utilização de prova emprestada no processo administrativo disciplinar, devidamente autorizada na esfera criminal, desde que produzida com observância do contraditório e do devido processo legal. 4) É possível a instauração de processo administrativo com base em denúncia anônima. 5) Instaurado o competente processo administrativo disciplinar, fica superado o exame de eventuais irregularidades ocorridas durante a sindicância. 6) O excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não conduz à sua nulidade automática, devendo, para tanto, ser demonstrado o prejuízo para a defesa. 7) A autoridade administrativa pode aplicar a pena de demissão quando em processo administrativo disciplinar é apurada a prática de ato de improbidade por servidor público, tendo em vista a independência das instâncias civil, penal e administrativa. 8) A decretação de nulidade no processo administrativo depende da demonstração do efetivo prejuízo para as partes, à luz do princípio pas de nullité sans grief. 9) O termo inicial do prazo prescricional em processo administrativo disciplinar começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido pela Administração, conforme prevê o art. 142, § 1º, da Lei nº 8.112/90. 10) O prazo da prescrição no âmbito administrativo disciplinar, havendo sentença penal condenatória, deve ser computado pela pena em concreto aplicada na esfera penal. 11) A Lei nº 8.112/1990 pode ser aplicada de modo supletivo aos procedimentos administrativos disciplinares estaduais, nas hipóteses em que existam lacunas nas leis locais que regem os servidores públicos. 12) É possível a substituição de membros da comissão processante, desde que respeitados, quanto aos membros designados, os requisitos insculpidos no art. 149 da Lei nº 8.112/1990. 13) As alegações de imparcialidade e de suspeição de membro da comissão processante devem estar fundadas em provas, não bastando meras conjecturas ou suposições desprovidas de qualquer comprovação. 14) A imparcialidade de membro de comissão não fica prejudicada tão somente por este compor mais de uma comissão processante instituída para apuração de fatos distintos que envolvam o mesmo servidor. 15) A simples oitiva de membro da comissão processante, de autoridade julgadora ou de autoridade instauradora como testemunha ou como informante no bojo de outro processo administrativo ou até mesmo penal que envolva o investigado não enseja, por si só, o reconhecimento da quebra da imparcialidade. 16) Na composição de comissão de processo administrativo disciplinar, é possível a designação de servidores lotados em órgão diverso daquele em que atua o servidor investigado, não existindo óbice nas legislações que disciplinam a apuração das infrações funcionais. 17) Em regra, a instauração de processo administrativo disciplinar contra servidor efetivo cedido dar-se-á no órgão em que tenha sido praticada a suposta irregularidade (cessionário), devendo o julgamento e a eventual aplicação de sanção ocorrer no órgão ao qual o servidor efetivo estiver vinculado (cedente). 320 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 18) A participação de membro do Ministério Público em conselho da Polícia Civil torna nulo o procedimento administrativo disciplinar instaurado para processar e para julgar servidor público estadual por prática de ato infracional. 19) A convalidação de atos, determinada pelo Supremo Tribunal Federal – STF na ADPF nº 388, não alcança aqueles produzidos no âmbito de processo administrativo disciplinar declarado nulo em razão da participação de membro do Ministério Público em conselho da Polícia Civil estadual. 20) Compete ao Ministro de Estado da Educação a instauração de procedimento administrativo disciplinar e a aplicação de penalidades previstas na Lei nº 8.112/1990 contra servidor integrante do quadro de pessoal de Universidade Pública Federal, por força do disposto nos Decretos nº 3.035/1999 e nº 3.669/2000. 21) O superintendente regional de Polícia Federal é competente para designar os membros de comissão permanente de disciplina, bem como para determinar a abertura de procedimento administrativo disciplinar no âmbito da respectiva superintendência. 22) A designação de comissão temporária para promover processo administrativo disciplinar é legítima, nos termos da Lei nº 8.112/1990, já que a existência de comissão permanente para a apuração de faltas funcionais só é exigida para os casos determinados em lei. 23) Os policiais rodoviários federais se sujeitam às disposições da Lei nº 8. 112/1990, que nada dispõe sobre a necessidade de ser permanente a comissão que conduz o processo administrativo disciplinar instaurado para apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições. 24) A designação de comissão temporária para promover processo administrativo disciplinar contra servidor policial federal viola os princípios do juiz natural e da legalidade, a teor da Lei nº 4.878/1965, que exige a condução do procedimento por comissão permanente de disciplina. 25) O controle judicial no processo administrativo disciplinar – PAD restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, não sendo possível nenhuma incursão no mérito administrativo. 26) A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) não revogou, de forma tácita ou expressa, os dispositivos da Lei nº 8.112/1990, em relação aos processos administrativos disciplinares. 27) Declarações prestadas à mídia por autoridade pública, acerca de irregularidades cometidas por servidores públicos a ela subordinados, não ensejam, por si só, a nulidade do PAD. 28) A administração pública, quando se depara com situação em que a conduta do investigado se amolda às hipóteses de demissão ou de cassação de aposentadoria, não dispõe de discricionariedade para aplicar pena menos gravosa por se tratar de ato vinculado. 29) Não há falar em ofensa ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade quando a única reprimenda prevista para a infração disciplinar apurada é a pena de demissão. 30) Em caso de inobservância de prazo razoável para a conclusão de processo administrativo disciplinar, não há falar em ilegalidade na concessão de aposentadoria ao servidor investigado. 31) O deferimento de provimento judicial que determine à autoridade administrativa que se abstenha de concluir procedimento administrativo disciplinar suspende o curso do prazo prescricional da pretensão punitiva administrativa. 32) É possível o imediato cumprimento da penalidade aplicada na conclusão de processo administrativo disciplinar, uma vez que os recursos administrativos e os pedidos de reconsideração, em regra, não possuem efeito suspensivo automático. 321 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 33) Reconhecida a nulidade de PAD pela existência de vício insanável, antes do seu julgamento, não há que se falar em reformatio in pejus quando a segunda comissão processante opina por penalidade mais gravosa. 34) Meras alegações de que existe fato novo não têm o condão de abrir a via da revisão do processo administrativo disciplinar, sendo indispensável a comprovação da existência de fatos novos, desconhecidos ao tempo do PAD. 35) O mandado de segurança não é a via adequada para o exame da suficiência do conjunto fático-probatório constante do Processo Administrativo Disciplinar – PAD. 36) Na via do mandado de segurança, é possível valorar a congruência entre a conduta apurada e a capitulação da pena de demissão aplicada no processo administrativo disciplinar. 37) É cabível recurso administrativo hierárquico em face de decisão prolatada em Processo Administrativo Disciplinar – PAD. 38) A ausência de termo de compromisso de membro de comissão processante não implica nulidade do PAD, uma vez que tal designação decorre de lei e recai, necessariamente, sobre servidor público, cujos atos funcionais gozam de presunção de legitimidade e de veracidade. 39) É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira. (Súmula 19 do STF) 40) É possível utilizar a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.492/1992), em interpretação sistemática, para definir o tipo previsto no art. 132, IV, da Lei nº 8.112/1990 e justificar a aplicação de pena de demissão a servidor. 41) Na esfera administrativa, o proveito econômico auferido pelo servidor é irrelevante para a aplicação da penalidade no processo disciplinar, pois o ato de demissão é vinculado (art. 117, c/c art. 132 da Lei nº 8112/1990), razão pela qual é despiciendo falar em razoabilidade ou proporcionalidade da pena. 42) A demonstração do ânimo específico de abandonar o cargo público que ocupa (animus abandonandi) é necessária para tipificar conduta de servidor como prática de infração administrativa de abandono de cargo. 43) O fato de o acusado estar em licença para tratamento de saúde não impede a instauração de processo administrativo disciplinar, nem mesmo a aplicação de pena de demissão. 44) Não caracteriza cerceamento de defesa no PAD a ausência de interrogatório para a qual contribuiu o próprio investigado, ante a impossibilidade de favorecimento a quem deu causa à alegada nulidade. 45) É dispensada a intimação pessoal do servidor representado por advogado, sendo suficiente a publicação da decisão proferida no PAD no Diário Oficial da União. 46) Diante do silêncio da Lei nº 8.112/1990 e demais diplomas legais sobre processo administrativo disciplinar, deve ser observada a regra do art. 26, § 2º e art. 41 da Lei nº 9.784/1999 que impõe o prazo de, no mínimo, três dias úteis entre a notificação do servidor e a realização de prova ou de diligência ordenada no PAD, sob pena de nulidade. 47) A não realização da oitiva de testemunha não constitui cerceamento de defesa no PAD quando há o esgotamento das diligências para sua intimação ou ainda, quando intimada, a testemunha tenha deixado de comparecer à audiência. 48) A falta de intimação de advogado constituído para a oitiva de testemunhas não gera nulidade se intimado o servidor investigado. 49) A simples ausência de servidor acusado ou de seu procurador não macula a colheita de depoimento de testemunha no PAD, desde que pelo menos um deles tenha sido intimado sobre a realização da audiência. 322 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 50) Em processo administrativo disciplinar, a falta de intimação do servidor público após a apresentação do relatório final pela comissão processante não configura ofensa às garantias do contraditório e da ampla defesa por ausência de previsão legal. 51) O indeferimento de produção de provas pela comissão processante, não causa nulidade do Processo Administrativo Disciplinar – PAD, desde que motivado nos termos do art. 156, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.112/1990. 52) É possível o aproveitamento de prova produzida em processo administrativo disciplinar declarado nulo para a instrução de novo PAD, desde que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, e que o vício que ensejou referida nulidade não recaia sobre a prova que se pretende aproveitar. 53) A acareação entre os acusados, prevista no § 1º do art. 159 da Lei nº 8.112/1990, não é obrigatória, competindo à comissão processante decidir sobre a necessidade de sua realização quando os depoimentos forem colidentes e a comissão não dispuser de outros meios para a apuração dos fatos. 54) É dispensável a transcrição integral de diálogos colhidos em interceptação telefônica no âmbito do PAD, pois tal obrigatoriedade não encontra amparo legal. 55) O exame de sanidade mental do servidor (art. 160 da Lei nº 8.112/1990) só é imperativo na hipótese em que haja dúvida razoável de que o investigado tivesse, ao tempo dos fatos, condições de assumir a responsabilidade funcional pelos atos a ele atribuídos. 56) A preexistência de doença mental ao tempo do cometimento dos fatos apurados no processo administrativo disciplinar impede a aplicação da pena disciplinar se constatada, por qualquer meio, a absoluta inimputabilidade do agente. 57) Em matéria de demissão por enriquecimento ilícito (art. 132, IV, da Lei nº 8.112/1990 c/c art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/1992), compete à administração pública comprovar o incremento patrimonial significativo e incompatível com as fontes de renda do servidor no PAD e ao servidor acusado o ônus de demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela administração, sob pena de configuração de improbidade administrativa. 58) O fato de o servidor ter prestado anos de serviços ao ente público, e de possuir bons antecedentes funcionais, não é suficiente para amenizar a pena a ele imposta se praticadas infrações graves a que a lei, expressamente, prevê a aplicação de demissão. 59) A regra do crime continuado (art. 71 do Código Penal) não incide por analogia sobre o PAD, porque a aplicação da legislação penal ao processo administrativo restringe-se aos ilícitos que, cometidos por servidores, possuam também tipificação criminal. 60) É possível haver discrepância entre a penalidade sugerida pela comissão disciplinar e a aplicada pela autoridade julgadora desde que a conclusão lançada no relatório final não guarde sintonia com as provas dos autos e a sanção imposta esteja devidamente motivada. 61) Quando o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime e enquanto não houver sentença penal condenatória transitada em julgado, a prescrição do poder disciplinar reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal para pena cominada em abstrato. 62) A portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que a exposição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente quando do indiciamento do servidor. 63) O prazo prescricional interrompido com a abertura do Processo Administrativo Disciplinar voltará a correr por inteiro após 140 dias, uma vez que esse é o prazo legal para o encerramento do procedimento. 323 PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 FLÁVIA LIMMER 64) No PAD, a alteração da capitulação legal imputada ao acusado não enseja nulidade, uma vez que o indiciado se defende dos fatos nele descritos e não dos enquadramentos legais. 65) Da revisão do PAD não poderá resultar agravamento da sanção aplicada, em virtude da proibição do bis in idem e da reformatio in pejus. 7. JURISPRUDÊNCIA 7.1. Súmulas do STF Súmula vinculante 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo. Súmula vinculante 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. Súmula 443: A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta. Súmula 383: A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo. Súmula 19: É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira. 7.2. Súmulas do STJ Súmula 641: A portaria de instauração do processo administrativo disciplinar prescinde da exposição detalhada dos fatos a serem apurados. Súmula 635: Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei nº 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido – sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar – e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção. Súmula 611: Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração. Súmula 591: É permitida a “prova emprestada” no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa. Súmula 592: O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa. Súmula 510: A liberação de veículo retido apenas por transporte irregular de passageiros não está condicionada ao pagamento de multas e despesas. Súmula 434: O pagamento da multa por infração de trânsito não inibe a discussão judicial do débito. Súmula 373: É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo. 324 PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 FLÁVIA LIMMER Súmula 312: No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração. Súmula 85: Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação. 7.3. Informativos do STF117 Servidor público e processo administrativo disciplinar – 2 Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança no qual se impugnava decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve a demissão do impetrante do cargo de auditor-fiscal da Receita Federal, em razão da prática de ilícito administrativo (Informativo 766). Na espécie, o recorrente reiterava o argumento de que o ato debatido estaria contaminado por vício de forma que tornaria nulo o processo administrativo disciplinar. Aduzia que servidor em estágio probatório não poderia compor comissão de inquérito, sob pena de descumprir-se o caput do art. 149 da Lei nº 8.112/1990 (1). Sustentava, ainda, haver desproporcionalidade da pena administrativa aplicada, que não teria levado em conta a absolvição na esfera criminal. O colegiado destacou que, para o STJ, a exigência legal foi atendida, pois a estabilidade no serviço público federal do integrante em estágio probatório foi adquirida em 1993, em outro cargo. Complementou que a Administração, ao saber do questionamento, substituiu o referido servidor, sem aproveitar qualquer ato decisório no processo disciplinar. Ausente a demonstração de prejuízo concreto, a declaração de nulidade é desautorizada. Quanto ao argumento de desproporcionalidade da pena em decorrência da absolvição na esfera criminal, observou que competia ao administrador aplicar a penalidade prescrita na lei. Despiciendo cogitar-se de razoabilidade ou proporcionalidade. Além disso, a jurisprudência desta Corte reconhece a independência entre as esferas penal e administrativa. A repercussão da primeira na segunda ocorre somente nos casos em que constatada a inexistência material dos fatos ou a negativa de autoria, até porque a valoração na esfera administrativa não é a mesma da penal. Na situação em apreço, a improcedência do pedido condenatório na esfera penal decorreu de falta de prova. No processo administrativo, a produção de prova foi suficiente para a formação do convencimento condenatório disciplinar. STF. 2ª Turma. RMS 32.357/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 17/3/2020 (Informativo 970). A sentença proferida no âmbito criminal somente repercute na esfera administrativa quando reconhecida: a) a inexistência material do fato; ou b) a negativa de sua autoria. Assim, se a absolvição ocorreu por ausência de provas, a administração pública não está vinculada à decisão proferida na esfera penal. STF. 2ª Turma. RMS 32.357/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 17/3/2020 (Informativo 970). 7.4. Informativos do STJ118 O art. 141, I, da Lei nº 8.112/90 prevê que as penalidades disciplinares de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores públicos ligados ao Poder Executivo Federal devem ser aplicadas pelo Presidente da República. Por meio do Decreto nº 3.035/99, o Presidente da República delegou aos Ministros de Estado e ao AdvogadoGeral da União a atribuição para aplicar tais penalidades. Assim, o Advogado-Geral da União, com base no Decreto nº 3.035/99, possui competência para, em processo CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 118 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 117 Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 325 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 administrativo disciplinar, aplicar pena de demissão a Procurador da Fazenda Nacional, que é membro integrante da carreira da AGU. Vale ressaltar, contudo, que cabe recurso hierárquico próprio ao Presidente da República contra a aplicação dessa penalidade. STJ. 1ª Seção. MS 17.449/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 14/08/2019 (Informativo 657). O prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da conduta do servidor. Para se aplicar a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não se exige que o fato esteja sendo apurado na esfera penal (não se exige que tenha havido oferecimento de denúncia ou instauração de inquérito policial). Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, deve ser aplicado o prazo prescricional previsto na legislação penal independentemente de qualquer outra exigência. STJ. 1ª Seção. MS 20.857/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 22/05/2019 (Informativo 651). O indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados e não de sua classificação legal. Assim, a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de gerar nulidade o Processo Administrativo Disciplinar. A descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa. STJ. 1ª Seção. MS 19.726/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 13/12/2017. As irregularidades verificadas no processo disciplinar, para justificarem a sua anulação, devem ser graves a ponto de afetar as garantias do devido processo legal, dependendo, portanto, da efetiva demonstração de prejuízos à defesa do servidor, segundo o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief). STJ. 3ª Seção. RO nos EDcl nos EDcl no MS 11.493/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 25/10/2017. A Portaria de instauração do Processo Administrativo Disciplinar dispensa a descrição minuciosa da imputação, exigida tão somente após a instrução do feito, na fase de indiciamento, o que é capaz de viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa. STJ. 3ª Seção. RO nos EDcl nos EDcl no MS 11.493/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 25/10/2017. A nulidade do processo administrativo disciplinar somente deve ser declarada quando houver efetiva demonstração de prejuízo sofrido pela defesa do servidor. STJ. 2ª Turma. AgInt no RMS 53.758/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10/10/2017. O termo inicial da prescrição é a data do conhecimento do fato pela autoridade competente. Isso significa que, quando ela toma conhecimento, inicia-se a contagem do prazo. A contagem desse prazo prescricional é interrompida com a publicação do primeiro ato instauratório válido (seja a abertura da sindicância ou a instauração do PAD). No entanto, essa interrupção não é definitiva, considerando que se passarem 140 dias sem que o PAD seja julgado, o prazo prescricional recomeça a correr por inteiro. STJ. 1ª Seção. MS 21.669/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 23/08/2017. QUESTÕES 1. (TJPA) CESPE, 2019. De acordo com a Lei n.º 9.784/1999, o recurso administrativo deve ser dirigido à autoridade: a) que tiver proferido a decisão, a qual, se não a reconsiderar, deverá encaminhá-lo à autoridade superior. b) que tiver proferido a decisão, a qual deve encaminhá-lo à autoridade superior sem emitir novo juízo de valor sobre a decisão recorrida. c) que tiver proferido a decisão, a qual deve limitar-se a decidir sobre a tempestividade do recurso e a cumprir as formalidades legais. 326 FLÁVIA LIMMER PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 d) hierarquicamente superior à que tiver proferido a decisão, sendo a indicação errônea da autoridade motivo para o não conhecimento do recurso. e) hierarquicamente superior à que tiver proferido a decisão, devendo ser corrigida de ofício pelo agente público eventual indicação equivocada da autoridade julgadora. 2. (TJAL) FCC, 2019. No que concerne aos institutos da prescrição e decadência, quando aplicados às relações jurídicas que envolvem a Administração pública, tem-se que: a) nas relações com os particulares que contratam com a Administração, o prazo decadencial para aplicação de sanções deve ser o dobro do prazo de prescrição fixado pelo Código Civil para as ações contra a Fazenda Pública. b) a decadência opera-se apenas em relação aos efeitos patrimoniais das relações administrativas, impedindo, por exemplo, a cobrança de débitos tributários, porém nunca extinguindo pretensões punitivas. c) o poder de autotutela conferido à Administração encontra limites temporais pela ação da decadência, inclusive em relação ao dever de anular atos eivados de ilegalidade. d) o exercício do poder disciplinar pela Administração perante seus servidores não é atingido pela decadência ou prescrição, eis que estas somente se operam em relação à responsabilidade civil e penal dos servidores. e) os prazos prescricionais estabelecidos na legislação trabalhista não se aplicam às ações ajuizadas, em face de entidades da Administração indireta, por servidores contratados pelo regime celetista, as quais são informadas por regras próprias estatutárias. 3. (MPE-SP) MPE-SP, 2019. Com relação ao processo administrativo, assinale a alternativa correta. a) Nos processos administrativos, a Administração Pública não poderá se ater a rigorismos formais ao considerar as manifestações do administrado. O princípio do informalismo em favor do administrado deve ser aplicado a todos os processos administrativos, inclusive nos da espécie ampliativo de direito de natureza concorrencial, como o concurso público e a licitação. b) A Lei nº 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos Estados e Municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria. c) Considerando que aos litigantes em processo administrativo são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar ofende a Constituição. d) A duração razoável dos processos, erigida como cláusula pétrea e direito fundamental (art. 5º, LXXVIII, CF/88), tem aplicação restrita aos processos judiciais em face do princípio da separação de poderes. e) Não raramente a Administração Pública altera a interpretação de determinadas normas legais. Todavia, a mudança de orientação, em caráter normativo, considerando os princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público, podem afetar as situações já reconhecidas e consolidadas na vigência da orientação anterior. 4. (TJPR) CESPE, 2019. De acordo com a Lei n.º 9.784/1999, que regula processos administrativos no âmbito federal, um órgão administrativo ou o seu titular poderá delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, desde que: a) estes sejam hierarquicamente subordinados àqueles. b) a finalidade seja editar atos de caráter normativo. c) a finalidade seja decidir recursos administrativos. d) não haja impedimento legal, e que a delegação seja feita com base na conveniência. 5. (DPE-MA) FCC, 2018. O recurso administrativo é meio hábil para propiciar o reexame da atividade da Administração por razões de legalidade ou de mérito. O recurso hierárquico impróprio é aquele dirigido: a) à autoridade ou instância superior do mesmo órgão administrativo, pleiteando revisão do ato recorrido por terceiro interessado. b) pela parte, à autoridade ou órgão estranho à repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa. 327 PROCESSO ADMINISTRATIVO • 14 FLÁVIA LIMMER c) pela parte, à autoridade ou órgão estranho à repartição que expediu o ato recorrido, sem a necessidade de competência julgadora expressa, bastando estar, de alguma forma, em posição hierárquica superior em relação à autoridade recorrida. d) à mesma autoridade que expediu o ato, para que o invalide ou o modifique, e, por isso, apesar de consistir em reanálise é imprópria, pois não é dirigida à autoridade ou órgão hierarquicamente superior. e) em forma de denúncia formal, à autoridade superior, dando conta de irregularidades internas ou abuso de poder na prática de atos da Administração, feita pela parte atingida diretamente pela irregularidade ou abuso de poder. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – A a) Correta. Cf. art. 56, § 1º, da Lei nº 9.784/99. b) Incorreta. É possível a revisão de ofício, antes de remeter a questão para análise da autoridade superior. c) Incorreta. Cf. art. 63º da Lei nº 9.784/99. d) Incorreta. Cf. art. 56 da Lei nº 9.784/99. e) Incorreta. Cf. art. 56 da Lei nº 9.784/99. 2. Gabarito – C a) Incorreta. Cf. STJ, REsp 769.942/RJ. b) Incorreta. A decadência alcança os efeitos patrimoniais das relações administrativas e às pretensões punitivas. c) Correta. Cf. art. 54 da Lei nº 9.784/99. d) Incorreta. Cf. art. 142 da Lei nº 8.112/90. e) Incorreta. Cf. art. 7º, XXIX, da CF/88, aplicável ao empregado público. 3. Gabarito – B a) Incorreta. O informalismo realmente se aplica, em geral, aos processos administrativos. Porém, o concurso público e a licitação são formais. b) Correta. F. Súmula 633 do STJ. c) Incorreta. Cf. Súmula Vinculante 5. d) Incorreta. Cf. art. 5º, LXXVIII, CF/88. e) Incorreta. Cf. art. 24 da LINDB. 4. Gabarito – D a) Incorreta. Cf. art. 12, caput, Lei nº 9.784/99. b) Incorreta. Cf. art. 13, inciso I, Lei nº 9.784/99. c) Incorreta. Cf. art. 13, inciso II, Lei nº 9.784/99 d) Correta. Cf. art. 12, caput, Lei nº 9.784/99. 5. Gabarito – B a) Incorreta. O recurso será dirigido para um órgão não pertencente à entidade que prolatou a decisão. b) Correta. c) Incorreta. Em razão da expressão "sem a necessidade de competência julgadora expressa”. É preciso lei expressa prevendo a possibilidade de interposição do recurso hierárquico impróprio. d) Incorreta. O recurso dirigido à mesma autoridade que proferiu a decisão alvejada é o pedido de reconsideração. O recurso hierárquico impróprio se caracteriza por ser dirigido para um órgão não pertencente à entidade que prolatou a decisão. e) Incorreta. O conceito se relaciona com a representação. 328 FLÁVIA LIMMER 15 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 329 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 1. INTRODUÇÃO A improbidade administrativa é uma hipótese de sanção cível, e não administrativa. O juízo cível é o juiz natural para averiguar se houve improbidade administrativa ou não. Ainda, regulada pela Lei nº 8.429/1992 e recentemente alterada pela Lei nº 14.230/21, a ação de improbidade administrativa poderá ou não gerar uma condenação, com aplicações de sanções como a suspensão dos direitos políticos, multa, perda do cargo, dentre outras. O direito brasileiro é regido pela independência das esferas, e, como visto acima, a improbidade administrativa é uma sanção cível. Mas o mesmo fato pode repercutir em outras esferas, como na penal e na esfera administrativa (ex.: PAD). Todo crime configura contra a Administração Pública, ao menos em tese, um ato ímprobo. Além da esfera penal, certamente será um ato ímprobo: ainda que não gere enriquecimento ilícito e nem dano ao erário, certamente de alguma forma atentará contra algum princípio administrativo. Em outras palavras, todo crime contra a administração é considerado um ato ímprobo, mas não necessariamente um ato ímprobo será considerado como crime. A regra é a independência das esferas caso um indivíduo pratique um mesmo ato que configura crime e improbidade administrativa. Assim, suponha que um servidor subtraia um computador da repartição em que trabalha valendo-se da sua condição de agente público. Caso esse servidor seja absolvido na esfera criminal, isso não o exime de responder na esfera cível, em regra. Paralelamente, ainda poderá ser instaurado um processo administrativo disciplinar. Nada impede, por exemplo, que sendo absolvido por falta de provas na esfera criminal, ele seja punido por improbidade administrativa. Também não impede que ele seja exonerado do serviço público no PAD. Portanto, as esferas são independentes, conforme a previsão do art. 935 do CC. O que realmente é vedado é que se descumpra o efeito panprocessual do processo penal. Em algumas hipóteses, o processo penal irradia efeitos para os demais campos do direito, vinculando o direito civil e administrativo. Por exemplo, se no processo penal se absolve por negativa de autoria ou inexistência de materialidade, será caracterizado o efeito panprocessual do processo penal, não podendo a autoria e a materialidade serem desconsideradas em relação às outras esferas jurídicas. Ou seja, o efeito panprocessual do processo penal é uma exceção, mas vincula as demais esferas. Na prática, é comum que as absolvições ocorram por atipicidade formal ou material. Se for por atipicidade formal, o magistrado dirá que o fato não constitui crime. Todavia, não significa dizer que o fato em si não ocorreu. Se for por atipicidade material, ainda que haja a subsunção do fato à norma e que haja em tese o crime, a lesão ao bem jurídico não foi suficiente, aplicando-se o princípio da insignificância. Essas hipóteses são de absolvições que dizem respeito à atipicidade, não gerando o efeito panprocessual. A não ser que o juiz diga que o fato é atípico porque não existiu, não haverá efeito panprocessual. Mesmo assim, o art. 21 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) estabelece quatro situações em que as decisões de órgãos de controle e da ação penal influenciarão o processo por improbidade: as provas e as decisões produzidas pelos órgãos de controle deverão ser consideradas pelo juiz da ação de improbidade; caso a sentença civil ou penal concluir pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria; a absolvição em processo penal, quando confirmada por órgão colegiado – Tribunal – impede o trâmite da ação por improbidade; e se o agente for sancionado em outra esfera de responsabilização, deverá haver compensação com a sanção eventualmente imposta na ação por improbidade. Os atos de improbidade são de três tipos: enriquecimento ilícito, dano ao erário e atentado aos princípios, de forma que também será subsidiária a classificação entre eles. Se configurado o ato mais grave e o menos grave, valerá apenas o mais grave. Por exemplo, uma pessoa subtrai dinheiro da Administração Pública e adquire um carro após o ato. Houve tanto um dano ao erário quanto um enriquecimento ilícito. Entretanto, esse ato é considerado somente como ato de enriquecimento ilícito e não como ato de enriquecimento ilícito somado a dano ao erário, porque aquele é mais grave que este. 330 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 A competência legislativa para legislar sobre improbidade é privativa da União, pois é norma sobre direito processual civil (art. 22, I, CF/88); ou seja, os demais entes federativos não podem legislar sobre improbidade, a não ser na hipótese remota de haver uma lei complementar que delegue essa competência legislativa para pontos específicos (conforme o art. 22, parágrafo único, CF/88). Ademais, a improbidade tem uma certa proximidade com uma outra competência legislativa: para criar norma geral sobre procedimentos, inclusive administrativos. A Constituição faz menção ao termo “improbidade administrativa” no art. 15, quando estabelece que os direitos políticos serão suspensos por condenação por improbidade administrativa com trânsito em julgado. Nessa linha, a improbidade administrativa configura uma modalidade especial, qualificada de imoralidade administrativa. O art. 85 da CF/88 estabelece que a prática de ato de improbidade pelo Presidente configura crime de responsabilidade: Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] V – a probidade na administração; Ainda, observe o disposto no art. 14, § 2º, da CF/88, que trata da improbidade em período eleitoral. Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: [...] § 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos. Já o art. 37, § 4º, da CF/88, é a base constitucional da improbidade. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Mas lembre-se que, segundo o STF, ao contrário dos demais agentes políticos, o Presidente da República não está sujeito ao duplo regime sancionatório (responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa e responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade). Em razão do art. 85, V, da CF/88 e da Lei nº 1.079/50, os atos de improbidade praticados pelo Presidente da República serão objeto de julgamento por crime de responsabilidade, de natureza igualmente políticoadministrativa, através do impeachment. Assim, os agentes políticos respondem por improbidade administrativa, ainda que sujeitos ao cometimento de crime de responsabilidade, com exceção do Presidente da República (STF, Rcl 2.138 e Pet 3.240). A sanção por improbidade será aplicável por ação judicial, exclusivamente pelo Ministério Público. Segundo o STJ, o Ministério Público também tem legitimidade ad causam para a propositura de Ação Civil Pública objetivando o ressarcimento de danos ao erário, decorrentes de atos de improbidade. O Ministério Público Estadual possui legitimidade recursal para atuar como parte no Superior Tribunal de Justiça nas ações de improbidade administrativa, reservando-se ao Ministério Público Federal a atuação como fiscal da lei (REsp 1.481.536/RJ). 331 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 2. ELEMENTOS DO ATO DE IMPROBIDADE Para que o ato de improbidade implique a aplicação das medidas sancionatórias, é preciso que alguns elementos estejam presentes: • • • • Sujeito passivo; Sujeito ativo; Ato de improbidade; Elemento subjetivo. 2.1. Sujeito passivo O sujeito passivo é aquele que sofre o ato de improbidade. Poderão ser atingidos pelo ato de improbidade o patrimônio público e social dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Doutrinariamente são os chamados sujeitos passivos primários. Há ainda os chamados os sujeitos passivos secundários do ato de improbidade: o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais, bem como o patrimônio de entidade privada para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu patrimônio ou receita atual, limitado o ressarcimento de prejuízos. Nesse último caso, a possibilidade de punição fica limitada àquilo que o Estado concorreu, ou seja, à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos, mesmo que não integrando a administração indireta. Note que a pessoa física não pode ser sujeito passivo de ato de improbidade. 2.2. Sujeito ativo Sujeito ativo é quem pratica o ato de improbidade. Nesse sentido, poderá ser sujeito ativo: • • • Agente público (o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades da administração direta e indireta); Particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente; Terceiro que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. O conceito de agente público é bastante amplo, podendo envolver inclusive alguém que sequer tenha remuneração ou que está de forma transitória na administração. O que importa é que essa pessoa, para que seja considerada sujeito ativo do ato de improbidade, deve ter algum vínculo com as entidades da Administração Pública compreendidas como sujeito passivo. Um jurado e um estagiário podem ser agentes públicos para fins de improbidade administrativa, por exemplo. No mesmo raciocínio, imagine o agente público de uma autarquia que libera dinheiro para um banco privado, sob a justificativa de uso em um projeto social. Mas, no caso concreto, há um desvio do dinheiro público pelo gerente do banco em conluio com o agente público. Inclusive, as pessoas jurídicas também podem ser sujeito ativo de improbidade administrativa. Porém, as sanções da LIA não serão aplicadas à pessoa jurídica caso o ato de improbidade administrativa seja também sancionado como ato lesivo à administração pública na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). 332 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 Como visto acima, o STF pacificou o entendimento de que o Presidente da República não responde com base na LIA, por ter um regime de punição político-administrativo diverso: o do impeachment em razão dos crimes de responsabilidade específicos do cargo (PET 3.240). Por outro lado, todos os demais agentes respondem por improbidade administrativa, sem que se deva falar em prerrogativa de foro por não ser matéria criminal e sim cível, não havendo prerrogativa de foro nessa hipótese. Note que as disposições da lei de improbidade são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. Segundo o STJ, não é possível o ajuizamento de ação de improbidade administrativa exclusivamente em face de particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda. O STJ já pacificou que nas ações de improbidade administrativa, não há litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e os terceiros beneficiados com o ato ímprobo (REsp 1.688.985). Na mesma linha, entende o STJ que é inviável a propositura de ação civil de improbidade administrativa exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda (REsp 1.171.017/PA). Porém, o mesmo STJ estabelece ser viável o prosseguimento de ação de improbidade administrativa exclusivamente contra particular quando há pretensão de responsabilizar agentes públicos pelos mesmos fatos em outra demanda conexa (AREsp 1.402.806/TO, julgado em 19/10/2021). 2.3. Ato de improbidade O ato de improbidade é o ato ilegal e/ou imoral praticado no exercício de uma função pública, constituindo-se um ilícito de natureza civil e de natureza política, não sendo ilícito de natureza penal, necessariamente. Dessa forma, em relação aos atos de improbidade, a lei está dividida em três categorias: • • • Atos que levam ao enriquecimento ilícito; Atos que causam prejuízos ao erário; Atos que violam os princípios da administração pública. No entanto, lembre-se que o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem a comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa (art. 1º, § 3º, LIA). A modalidade culposa foi eliminada pela Lei nº 14.230/21. Assim, consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, ressalvados os tipos previstos em leis especiais. Sobre o tema, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou o Enunciado 7, que dispõe: configura ato de improbidade administrativa a conduta do agente público que, em atuação legislativa lato sensu, recebe vantagem econômica indevida. 2.3.1. Atos que levam ao enriquecimento ilícito (art. 9) O art. 9º determina que constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas nas entidades que são sujeitos passivos do ato. Nesse sentido, são exemplos de atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito: • receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; 333 FLÁVIA LIMMER • • • • • • • • • • • IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades da administração direta e indireta por preço superior ao valor de mercado; perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; utilizar, em obra ou serviço particular, qualquer bem móvel, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades da administração direta e indireta, bem como o trabalho de servidores, de empregados ou de terceiros contratados por essas entidades; receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem; receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre qualquer dado técnico que envolva obras públicas ou qualquer outro serviço ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades da administração direta e indireta adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade; perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades da administração direta e indireta. O STJ já decidiu que, ainda que não haja danos ao erário, é possível a condenação por ato de improbidade administrativa que importe enriquecimento ilícito. 2.3.2. Atos que causam prejuízos ao erário (art. 10) O art. 10 diz que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas como sujeito passivo do ato de improbidade. São exemplos de atos de improbidade que causam prejuízos ao erário: • • Facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades da administração direta e indireta; Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; 334 FLÁVIA LIMMER • • • • • • • • • • • • • • • • • • • IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 Doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º da LIA, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; Permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º da LIA, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; Permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; Realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; Conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; Frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; Ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; Agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou de renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; Liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; Permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; Permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º da LIA, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; Celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; Celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei; Facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; Permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; Celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; Agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; Liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; Liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; 335 FLÁVIA LIMMER • IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 Conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116/2003 (Lei do ISSQN). Note que nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º da LIA. Assim, a mera perda patrimonial decorrente da atividade econômica não acarretará improbidade administrativa, salvo se comprovado ato doloso praticado com essa finalidade. 2.3.3. Atos que violam os princípios da administração pública (art. 11) O art. 11 diz que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas. Os atos de improbidade de que trata este artigo exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos. Agora, a LIA exige lesividade relevante ao bem jurídico. Assim, atos com reduzido potencial ofensivo não serão mais sancionados. O rol do art. 11 é taxativo: • • • • • • • • revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado; negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei; frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros; deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço; descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas; praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos. Note que não se configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente. O art. 13 trata da declaração de bens, bastante usual na prática. Essa hipótese pode impedir a posse e o exercício do indivíduo que não entrega sua declaração de bens (Declaração de Imposto de Renda); já o 336 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 agente público que não entrega a sua declaração de bens no prazo determinado ou que prestar declaração falsa poderá ser demitido do serviço público. 2.4. Elemento subjetivo O elemento subjetivo é o dolo. No entanto, admitia-se a forma culposa do ato de improbidade quando este ato causasse dano ao erário. Porém, a alteração legislativa promovida pela Lei nº 14.230/21 estabeleceu que, para configurar a improbidade administrativa, exige-se a comprovação de dolo específico do agente, não sendo suficiente a alegação de culpa ou dolo genérico. Segundo o STJ, é inadmissível a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei nº 8.429/1992, exigindo-se a presença de dolo nos casos dos artigos 9º e 11 (que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios administrativos, respectivamente) e ao menos de culpa nos termos do art. 10, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário (AgRg no REsp 1.500.812). 3. SANÇÕES POSSÍVEIS As sanções da LIA têm natureza extrapenal, pois se trata de ilícito de caráter civil e político. Logo, independem do ressarcimento integral do dano patrimonial e das sanções penais, civis e administrativas. Ne verdade, o ressarcimento ao erário não constitui uma sanção propriamente dita, mas sim uma consequência do dano causado (STJ, REsp 1.184.897/PE). Os atos de improbidade poderão importar nas seguintes sanções, que poderão ser aplicadas cumulativamente: • • • • Ressarcimento ao erário; Perda da função pública; Suspensão dos direitos políticos; Perda dos bens acrescidos ilicitamente. A aplicação das sanções da lei de improbidade independe da ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo se houver a pena de ressarcimento. Além disso, independe da aprovação ou rejeição das contas pelo Tribunal de Contas. Para o STJ, a revisão da dosimetria das sanções aplicadas em ação de improbidade administrativa implica no reexame do conjunto fático-probatório dos autos, encontrando óbice na Súmula 7 do STJ, salvo se da leitura do acórdão recorrido for verificada a desproporcionalidade entre os atos praticados e as sanções impostas (REsp 1.444.454). A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, que são sanções ainda previstas na CF/88, só irão ocorrer com o trânsito em julgado da sentença. Se for necessário, no caso concreto, a autoridade judicial ou administrativa poderá determinar o afastamento do agente no exercício de seu cargo de forma antecipada, mas não haverá prejuízo da sua remuneração. Ainda, a recém publicada Súmula 651 do STJ dispõe que compete à autoridade administrativa aplicar a servidor público a pena de demissão em razão da prática de improbidade administrativa, independentemente de prévia condenação, por autoridade judiciária, à perda da função pública. A mesma Corte também já decidiu que os Promotores de Justiça podem perder o cargo em razão de condenação em ação de improbidade. Ainda que membros do MP tenham direito à vitaliciedade e a necessidade de uma ação judicial para aplicar a pena de demissão, isso não induz a conclusão de que estes não podem perder o cargo em razão de sentença proferida na ação civil pública por ato de improbidade administrativa (REsp 1.191.613). Além da Constituição Federal assegurar que todos os agentes públicos estão 337 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 sujeitos à perda do cargo em razão de atos ímprobos, na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), não há exceções às sanções previstas. Então, seria uma segunda hipótese de perda do cargo para quem é vitalício. No mais, a garantia da vitaliciedade estabelece que só se pode perder o cargo por sentença judicial transitada em julgado. E nada impede que dentre as sanções aplicadas ao Promotor de Justiça haja a perda, por decisão judicial em razão de ato de improbidade, da função pública que exerce. Em 2020, o STJ decidiu que a pena de suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa alcança qualquer mandato eletivo que esteja sendo ocupado à época do trânsito em julgado da condenação. Uma vez que o pleno exercício dos direitos políticos é pressuposto para o exercício da atividade parlamentar, determinada a suspensão de tais direitos, é evidente que essa suspensão alcança qualquer mandato eletivo que esteja sendo ocupado à época do trânsito em julgado da sentença condenatória. É descabido restringir a aludida suspensão ao mandato que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita. Diante do escopo da Lei de Improbidade Administrativa de extirpar da Administração Pública os condenados por atos ímprobos, a suspensão dos direitos políticos abrange qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível pelo tempo que imposta a pena (EREsp 1701.967/RS). Lembre-se que o servidor condenado por improbidade não pode ter a sua aposentadoria cassada em decisão judicial. O magistrado não tem competência para aplicar a sanção de cassação de aposentadoria a servidor condenado judicialmente por improbidade administrativa. Apenas a autoridade administrativa possui poderes para decidir sobre a cassação (STJ, EREsp 1.496.347/ES, julgado em 24/02/2021). 4. GRADAÇÃO DAS SANÇÕES As sanções possuem gradação de acordo com o tipo de ato de improbidade. Assim, são sanções por ato de improbidade que cause enriquecimento ilícito: • • • • • perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos por até 14 (catorze) anos; pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial; proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos. Segundo o STJ, ainda que não haja danos ao erário, é possível a condenação por ato de improbidade administrativa que importe enriquecimento ilícito (art. 9º da Lei nº 8.429/92), excluindo-se, contudo, a possibilidade de aplicação da pena de ressarcimento ao erário (REsp 1.412.214/PR - Informativo 580 do STJ). Sanções pelo ato de improbidade que cause prejuízo ao erário: • • • • • Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; Perda da função pública; Suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos; Pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano ; Proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos. 338 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 O STJ já se manifestou no sentido de que, no caso de dano ao erário, apenas o ressarcimento em si não é suficiente, devendo ser cumulado com outro tipo de sanção, tal como multa, por exemplo (Ag. 1.313.876). Segundo o STJ, é cabível a aplicação da pena de ressarcimento ao erário nos casos de ato de improbidade administrativa consistente na dispensa ilegal de procedimento licitatório (art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/1992) mediante fracionamento indevido do objeto licitado. De fato, conforme entendimento jurisprudencial do STJ, a existência de prejuízo ao erário é condição para determinar o ressarcimento ao erário, nos moldes do art. 21, I, da Lei nº 8.429/1992. Neste caso, não há como concluir pela inexistência do dano, pois o prejuízo ao erário é inerente (in re ipsa) à conduta ímproba, na medida em que o Poder Público deixa de contratar a melhor proposta, por condutas de administradores (REsp 1.376.524-RJ). Porém, devese ter cuidado com este entendimento devido às alterações na LIA em 2021. Isto porque o art. 10 da lei passou a exigir a comprovação de efetivo prejuízo para a configuração de ato ímprobo que gere prejuízo ao erário, não cabendo mais falar em prejuízo in re ipsa, como muitas vezes já decidiu o STJ. Sanções pela violação a princípio da administração: • • Pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; Proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos. 5. DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS E JUDICIAL Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa ou ao Ministério Público para que seja instaurada investigação para apurar a suposta ocorrência de ato de improbidade. Essa representação não poderá ser apócrifa, devendo ser escrita. Caso instaurado o processo administrativo, a comissão responsável deverá informar ao Ministério Público e ao Tribunal e Conselho de Contas, que poderão designar representante para acompanhá-lo. Caso existam indícios de ato de improbidade, a autoridade que conhecer dos fatos representará ao Ministério Público competente, para as providências necessárias. Para a ação de improbidade administrativa, pode haver ou não previamente um inquérito civil do Ministério Público. Este inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. Findo este prazo, a ação deverá ser proposta no prazo de 30 dias, se não for caso de arquivamento do inquérito civil. A legitimidade para a apresentação de ações de improbidade administrativa passa a ser exclusiva do Ministério Público. Ressalta-se que a Fazenda Pública não possui mais legitimidade ativa, em razão da alteração legislativa realizada em 2021. A ação judicial de improbidade segue o procedimento comum, sendo proposta perante o foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada. A LIA prevê três espécies de medidas cautelares, que só poderão ser utilizadas em âmbito judicial: a indisponibilidade de bens (que poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida, não podendo a urgência ser presumida); tutelas provisórias do CPC e o afastamento temporário do cargo, emprego ou função. Estando devidamente instruída a inicial, será determinada a citação dos requeridos para que contestem no prazo comum de 30 dias. Para o STJ, a presença de indícios de cometimento de atos ímprobos autoriza o recebimento fundamentado da petição inicial nos termos do art. 17, parágrafos 7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.429/92, devendo prevalecer, no juízo preliminar, o princípio do in dubio pro societate (AgRg no AREsp 339 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 604.949). A entidade interessada, da Adminstração direta ou indireta, será intimada para, caso queira, intervir no processo. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público ficará obrigada a defendê-lo judicialmente, caso este venha a responder ação por improbidade administrativa. Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu. Em seguida, as partes serão intimadas para a especificação das provas que desejam produzir. A sentença deve observar o princípio da congruência, devendo existir correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença, sendo nula aquela que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial; ou condenar o requerido sem a produção das provas por ele tempestivamente especificadas. São cabíveis medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa (STJ, REsp 1.929.230/MT, julgado em 04/05/2021). Por fim, é possível acordo de não persecução cível no âmbito da ação de improbidade administrativa em fase recursal (STJ, AREsp 1.314.581/SP, julgado em 23/02/2021). Porém, ressalte-se que o art. 17-B da LIA apresenta uma série de requisitos para a celebração de tal acordo, inclusive estabelecendo que somente o Ministério Público poderá celebrá-lo. 6. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO O STF já julgou que não possui competência para processar e julgar ação de improbidade administrativa contra agente político. O foro por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal em relação às infrações penais comuns, segundo os ministros, não é extensível às ações de improbidade administrativa, que têm natureza civil (PET 3.240). A corte reconheceu o duplo regime sancionatório, ou seja, o fato de um agente estar sujeito a crime por responsabilidade não excluiria a sua responsabilização também por improbidade administrativa. Os agentes políticos, com exceção do presidente da República, encontramse sujeitos ao duplo regime sancionatório, e se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade. A ação de improbidade administrativa não possui natureza penal, sendo assim, a fixação de competência da justiça de primeiro grau para julgar ação de improbidade respeita o princípio republicano e atenta às capacidades institucionais dos diferentes graus de jurisdição para a instrução processual. 7. PRESCRIÇÃO As ações por improbidade administrativa prescrevem em 8 anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência (art. 23 da LIA). A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos atos de improbidade suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão. Logo, o prazo prescricional será contado do cometimento do ato ilícito, tendo o Ministério Público que observar o limite de oito anos para ajuizar a ação. Caso haja um prévio inquérito civil, o prazo passará a ser de 8 anos + 180 dias. O prazo prescricional será interrompido: • pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa; 340 FLÁVIA LIMMER • • • • IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 pela publicação da sentença condenatória; pela publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência; pela publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência; pela publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência. Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo (ou seja, passará a ser de 4 anos). Ainda, a LIA prevê a possibilidade de prescrição intercorrente: o art. 23, § 8º, estabelece que o juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato. Uma vez que os processos de improbidade são cíveis, a hipótese de prescrição intercorrente deverá seguir o art. 14 do CPC, devendo ser reconhecida a sua aplicação imediata aos processos em curso, mas apenas quanto aos atos processuais não concluídos, não atingindo os atos processuais já praticados. Mas tenha cuidado: segundo a jurisprudência do STF, são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na lei de Improbidade Administrativa (RE 852.475). Seguindo o entendimento, em 2021, o STJ decidiu que na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92 (STJ. 1ª Seção. REsp 1.899.455/AC, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 22/09/2021). 8. MODIFICAÇÕES PELA LEI Nº 14.230/21 Extremamente criticada, a Lei nº 14.230/21 promoveu profundas alterações na LIA. Em tese, as modificações se devem ao temor do chamado “apagão das canetas”, consequência do chamado “direito administrativo do medo”. Em outras palavras, o crescente temor do controle externo de seus atos e de uma possível responsabilização levaria o gestor público a alimentar um estado de medo no processo decisório, gerando a paralisação de decisões. Nas palavras de Rodrigo Valgas dos Santos, não se trata de uma indecisão, e sim de uma inação deliberada119. A “nova versão” da LIA, para alguns, garantiria maior segurança jurídica para os agentes públicos. Já para outros, as modificações trazem riscos ao combate à impunidade e à corrupção. Apesar da polêmica, as modificações na LIA têm aplicação imediata. Porém, as alterações devem ser aplicadas retroativamente quando beneficiam os réus, uma vez que o art. 1º, § 4 º, da LIA, estabelece que o sistema de improbidade é regido pelos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. 9. RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DE PESSOAS JURÍDICAS PELA PRÁTICA DE ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO (LEI Nº 12.846/13) Aqui há uma responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoa jurídica por prática de ato contra a administração. Neste caso, não se analisa culpa lato sensu. Ademais, serão submetidas a esta responsabilização: • • Sociedades empresárias; Sociedades simples, personificadas ou não; 119 SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito Administrativo do Medo: risco e fuga da responsabilização dos agentes públicos. São Paulo: RT, 2020. 341 FLÁVIA LIMMER • • • IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 Fundações; Associações; Sociedades estrangeiras etc. Segundo a Lei nº 12.846/13, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não. a) Atos lesivos à administração pública Segundo a lei, constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, que atentem: • • • Contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro; Contra princípios da administração pública; Contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil . Destacam-se como atos lesivos à administração pública: • • • • • • • • • • • Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; Comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta lei; Comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; Dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; Fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; Criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; Obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou Manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública. Essa responsabilização poderá se dar na via administrativa, mas também poderá ocorrer na via judicial. b) Responsabilização administrativa Na esfera administrativa, as pessoas jurídicas poderão sofrer algumas sanções, tais como: • • Multa; Publicação extraordinária da decisão condenatória. 342 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 Essas sanções são penalidades que podem ser aplicadas isoladamente ou cumulativamente. A instauração e o julgamento do processo administrativo para apuração da responsabilidade da pessoa jurídica caberão à autoridade máxima de cada órgão ou à entidade de poder. O processo será conduzido por uma comissão da administração, devendo haver 2 ou mais servidores estáveis. O prazo da defesa da pessoa jurídica será de 30 dias. A comissão concluirá o processo no prazo de 180 dias, prorrogáveis pela autoridade que instaurou o processo. Ao final desses 180 dias, a comissão irá apresentar um relatório, recomendando uma punição ou não. Vale destacar que a personalidade jurídica da pessoa jurídica poderá ser desconsiderada sempre que houver abuso de direito, situação na qual irá estender os efeitos das sanções aos administradores e aos sócios que tinham o poder de gestão e administração. c) Responsabilização judicial Em regra, a responsabilização da pessoa jurídica na esfera administrativa não afasta a responsabilização da esfera judicial. Essa responsabilização judicial poderá ser afastada quando houver o acordo de leniência. A responsabilização na esfera judicial poderá dar ensejo a algumas sanções, podendo ser aplicadas cumulativamente ou isoladamente: • • • • Perdimento de bens; Suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa; Se for o caso, a dissolução compulsória da empresa, caso tenha sido constituída para cometer ilícito ou esteja sendo utilizada para atos ímprobos; Proibição de receber incentivos de órgãos, entidade pública ou instituição financeira controlada pelo Poder Público pelo prazo mínimo de 1 ano e máximo de 5 anos. d) Acordo de leniência As unidades federativas podem, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público e com as respectivas advocacias públicas, celebrar acordo de leniência com pessoas responsáveis por prática de atos de improbidade administrativa, e pelos atos e fatos da Lei nº 12.846/13. No âmbito do Poder Executivo Federal, será realizado pela Controladoria Geral da União. A pessoa jurídica se comprometerá a colaborar com o Poder Público e essa colaboração deverá resultar: • • Na identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e Na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. Caso haja a homologação do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará isenta da sanção administrativa de publicação extraordinária da decisão condenatória. Em segundo lugar, ficará isenta das sanções restritivas do direito de licitar e de contratar. Ainda, poderá ter reduzida em seu favor 2/3 da multa imputada. O acordo de leniência somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: • • A pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; A pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; 343 FLÁVIA LIMMER • IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 A pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. O acordo de leniência não exime de reparar o dano causado. A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo. Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento. “Compliance” consiste em mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, o que nos termos do art. 7, VII, deve ser levado em consideração na aplicação de sanções e) Prescrição As infrações previstas na Lei nº 12.846/13 ficam sujeitas à prescrição. Nesse sentido, o prazo prescricional será de 5 anos. Observe ainda que a instauração do processo vai interromper a prescrição. Caso haja a formulação da proposta de um acordo de leniência, ficará suspenso o prazo prescricional, ou seja, a partir do momento em que há a celebração do acordo de leniência, ficará interrompida a prescrição. Para o STJ, o termo inicial da prescrição em improbidade administrativa em relação a particulares que se beneficiam de ato ímprobo é idêntico ao do agente público que praticou a ilicitude. A eventual prescrição das sanções decorrentes dos atos de improbidade administrativa não obsta o prosseguimento da demanda quanto ao pleito de ressarcimento dos danos causados ao erário, que é imprescritível (art. 37, § 5º, da CF/88). No caso de agentes políticos reeleitos, o termo inicial do prazo prescricional nas ações de improbidade administrativa deve ser contado a partir do término do último mandato. Resumidamente, se o requerido for detentor de cargo em comissão, função de confiança ou mandato eletivo, o prazo de prescrição para a propositura de ação de improbidade será de 5 anos a contar do término do exercício do cargo, função de confiança ou mandato. Na hipótese de reeleição, o prazo prescricional começará a partir do término do último mandato, conforme o entendimento do STJ. Ainda, caso o réu seja servidor público, o prazo prescricional será o mesmo previsto para as infrações puníveis com demissão, contado a partir do conhecimento do ato infracional pela administração pública – para a União, o prazo prescricional será de 5 anos. Na hipótese de participação de particulares no ato de improbidade, o entendimento majoritário é que o prazo prescricional seguirá o utilizado para o agente público com que atuou em concurso. Já para as entidades privadas que recebem benefício fiscal ou aquelas em que o dinheiro público concorre com menos de 50% da formação do capital, a ação de improbidade prescreve em até 5 anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final. 10. TESES DO STJ Por fim, cabe apresentar as teses do STJ sobre o tema: 1) É inadmissível a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei nº 8.429/1992, exigindo-se a presença de dolo nos casos dos arts. 9º e 11 (que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios administrativos, respectivamente) e ao menos de culpa nos termos do art. 10, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário. 344 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 2) O Ministério Público tem legitimidade ad causam para a propositura de Ação Civil Pública objetivando o ressarcimento de danos ao erário, decorrentes de atos de improbidade. 3) O Ministério Público Estadual possui legitimidade recursal para atuar como parte no Superior Tribunal de Justiça nas ações de improbidade administrativa, reservando-se ao Ministério Público Federal a atuação como fiscal da lei. 4) A ausência da notificação do réu para a defesa prévia, prevista no art. 17, § 7º, da Lei de Improbidade Administrativa, só acarreta nulidade processual se houver comprovado prejuízo (pas de nullité sans grief). 5) A presença de indícios de cometimento de atos ímprobos autoriza o recebimento fundamentado da petição inicial nos termos do art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.429/92, devendo prevalecer, no juízo preliminar, o princípio do in dubio pro societate. 6) O termo inicial da prescrição em improbidade administrativa em relação a particulares que se beneficiam de ato ímprobo é idêntico ao do agente público que praticou a ilicitude. 7) A eventual prescrição das sanções decorrentes dos atos de improbidade administrativa não obsta o prosseguimento da demanda quanto ao pleito de ressarcimento dos danos causados ao erário, que é imprescritível (art. 37, § 5º, da CF/88). 8) É inviável a propositura de ação civil de improbidade administrativa exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda. 9) Nas ações de improbidade administrativa, não há litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e os terceiros beneficiados com o ato ímprobo. 10) A revisão da dosimetria das sanções aplicadas em ação de improbidade administrativa implica reexame do conjunto fático-probatório dos autos, encontrando óbice na súmula 7/STJ, salvo se da leitura do acórdão recorrido verificar-se a desproporcionalidade entre os atos praticados e as sanções impostas. 11) É possível o deferimento da medida acautelatória de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa nos autos da ação principal sem audiência da parte adversa e, portanto, antes da notificação a que se refere o art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92. 12) É possível a decretação da indisponibilidade de bens do promovido em ação civil Pública por ato de improbidade administrativa, quando ausente (ou não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a conclusão de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro. 13) Na ação de improbidade, a decretação de indisponibilidade de bens pode recair sobre aqueles adquiridos anteriormente ao suposto ato, além de levar em consideração, o valor de possível multa civil como sanção autônoma. 14) No caso de agentes políticos reeleitos, o termo inicial do prazo prescricional nas ações de improbidade administrativa deve ser contado a partir do término do último mandato. 15) Os Agentes Políticos sujeitos a crime de responsabilidade, ressalvados os atos ímprobos cometidos pelo Presidente da República (art. 86 da CF/88) e pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não são imunes às sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º, da CF/88. 16) Os agentes políticos municipais se submetem aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa – LIA, sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei nº 201/1967. 17) A ação de improbidade administrativa deve ser processada e julgada nas instâncias ordinárias, ainda que proposta contra agente político que tenha foro privilegiado. 345 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 FLÁVIA LIMMER 18) A aplicação da pena de demissão por improbidade administrativa não é exclusividade do Judiciário, sendo passível a sua incidência no âmbito do processo administrativo disciplinar. 19) Havendo indícios de improbidade administrativa, as instâncias ordinárias poderão decretar a quebra do sigilo bancário. 20) O afastamento cautelar do agente público de seu cargo, previsto no parágrafo único do art. 20 da Lei nº 8.429/92, é medida excepcional que pode perdurar por até 180 dias. 21) O especialíssimo procedimento estabelecido na Lei nº 8.429/92, que prevê um juízo de delibação para recebimento da petição inicial (art. 17, §§ 8º e 9º), precedido de notificação do demandado (art. 17, § 7º), somente é aplicável para ações de improbidade administrativa típicas. 22) Aplica-se a medida cautelar de indisponibilidade dos bens do art. 7º aos atos de improbidade administrativa que impliquem violação dos princípios da administração pública do art. 11 da LIA. 23) O ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não requer a demonstração de dano ao erário ou de enriquecimento ilícito, mas exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 24) Nas ações de improbidade administrativa é admissível a utilização da prova emprestada, colhida na persecução penal, desde que assegurado o contraditório e a ampla defesa. 25) O magistrado não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as consequências da infração. 11. JURISPRUDÊNCIA 11.1. Súmulas do STJ Súmula 651. Compete à autoridade administrativa aplicar a servidor público a pena de demissão em razão da prática de improbidade administrativa, independentemente de prévia condenação, por autoridade judiciária, à perda da função pública. Súmula 634. Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público. 11.2. Informativos STF O processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92, em virtude da autonomia das instâncias. STF. Plenário. RE 976.566, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/09/2019 (Repercussão Geral – Tema 576) A nomeação do cônjuge de prefeito para o cargo de Secretário Municipal, por se tratar de cargo público de natureza política, por si só, não caracteriza ato de improbidade administrativa. STF. 2ª Turma. Rcl 22.339 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/9/2018 (Informativo 914). Poderá ficar caracterizado o nepotismo mesmo em se tratando de cargo político caso fique demonstrada a inequívoca falta de razoabilidade na nomeação por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado. STF. 1ª Turma. Rcl 28.024 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/05/2018 346 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 FLÁVIA LIMMER São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. STF. Plenário. RE 852.475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018 (Repercussão Geral) (Informativo 910). Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade. O foro especial por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal em relação às infrações penais comuns não é extensível às ações de improbidade administrativa. STF. Plenário. Pet 3240 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 10/5/2018 (Informativo 901). Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa, quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade. Não há qualquer impedimento à concorrência de esferas de responsabilização distintas, de modo que carece de fundamento constitucional a tentativa de imunizar os agentes políticos das sanções da ação de improbidade administrativa, a pretexto de que estas seriam absorvidas pelo crime de responsabilidade. A única exceção ao duplo regime sancionatório em matéria de improbidade se refere aos atos praticados pelo Presidente da República, conforme previsão do art. 85, V, da Constituição. O foro especial por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal em relação às infrações penais comuns não é extensível às ações de improbidade administrativa, de natureza civil. Em primeiro lugar, o foro privilegiado é destinado a abarcar apenas as infrações penais. A suposta gravidade das sanções previstas no art. 37, § 4º, da Constituição, não reveste a ação de improbidade administrativa de natureza penal. Em segundo lugar, o foro privilegiado submete-se a regime de direito estrito, já que representa exceção aos princípios estruturantes da igualdade e da república. Não comporta, portanto, ampliação a hipóteses não expressamente previstas no texto constitucional. E isso especialmente porque, na hipótese, não há lacuna constitucional, mas legítima opção do poder constituinte originário em não instituir foro privilegiado para o processo e julgamento de agentes políticos pela prática de atos de improbidade na esfera civil. Por fim, a fixação de competência para julgar a ação de improbidade no 1º grau de jurisdição, além de constituir fórmula mais republicana, é atenta às capacidades institucionais dos diferentes graus de jurisdição para a realização da instrução processual, de modo a promover maior eficiência no combate à corrupção e na proteção à moralidade administrativa. (Pet 3.240 AgR, rel. p/ o ac. min. Roberto Barroso, j. 10/5/2018, P, DJE de 22/8/2018). Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade. O foro especial por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal em relação às infrações penais comuns não é extensível às ações de improbidade administrativa. STF. Plenário. Pet 3240 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 10/5/2018 (Informativo 901). 11.3. Informativos STJ A ação de improbidade administrativa deve ser processada e julgada nas instâncias ordinárias, ainda que proposta contra agente político que tenha foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes de responsabilidade. STJ. Corte Especial. AgRg na Rcl 12514-MT, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 16/9/2013 (Informativo 527). Em caso de ação de improbidade administrativa que envolva dois ou mais réus, o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 23 da Lei nº 8.429/92 deve ser contado de forma 347 FLÁVIA LIMMER IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 individual. O art. 23 é claro no sentido de que o início do prazo prescricional ocorre com o término do exercício do mandato ou cargo em comissão, sendo tal prazo computado individualmente, mesmo na hipótese de concurso de agentes, haja vista a própria natureza subjetiva da pretensão sancionatória e do instituto em tela. STJ. 2ª Turma. REsp 1.230.550/PR, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20/02/2018. QUESTÕES 1. (MP-CE) CESPE, 2020. Prefeito de município da Federação, juntamente com um servidor público federal e um advogado privado, cometeu ato de improbidade administrativa envolvendo recursos públicos federais conforme previsão da Lei n.º 8.429/1992, o que causou prejuízo ao erário. Nessa situação hipotética, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de improbidade administrativa: a) será imprescritível para todos os envolvidos, tenha sido sua conduta dolosa ou culposa, assim como para as ações de ressarcimento ao erário decorrentes da improbidade. b) iniciará, no caso do prefeito, após o término do primeiro mandato, ainda que ele seja reeleito para o mesmo cargo. c) iniciará, no caso do prefeito, após o término do segundo mandato, se ele tiver sido reeleito para o mesmo cargo. d) será, para o advogado e para o servidor público federal, o previsto no estatuto do servidor. e) iniciará, no caso do prefeito e do servidor público federal, a partir da data da prática do ato. 2. (MP-CE) CESPE, 2020. Servidor público estadual que, no exercício da função pública, concorrer para que terceiro enriqueça ilicitamente estará sujeito a responder por ato de improbidade administrativa que: a) atenta contra os princípios da administração pública, se sua conduta for dolosa. b) atenta contra os princípios da administração pública, ainda que sua conduta seja culposa. c) importa enriquecimento ilícito, se sua conduta for dolosa. d) importa enriquecimento ilícito, ainda que sua conduta seja culposa. e) causa prejuízo ao erário, ainda que sua conduta seja culposa. 3. (MP-CE) CESPE, 2020. Lúcio, conselheiro de tribunal de contas estadual, Pierre, prefeito de município, e Mário, desembargador de tribunal de justiça estadual, cometeram ato de improbidade administrativa, previsto na Lei n.º 8.429/1992. Nessa situação hipotética, no âmbito do Poder Judiciário, deverá ocorrer o processamento e julgamento em 1.ª instância de: a) Lúcio, Pierre e Mário. b) Lúcio e Pierre, somente. c) Lúcio e Mário, somente. d) Pierre e Mário, somente. e) Pierre, somente. 4. (TJPA) CESPE, 2019. À luz da Lei n.º 8.429/1992, assinale a opção correta, a respeito de improbidade administrativa. a) Se a lesão ao patrimônio público decorrer de ato comissivo, o ressarcimento será devido independentemente da existência de dolo; se decorrer de ato omissivo, o ressarcimento somente será devido se o ato tiver sido doloso. b) A representação para instauração de investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade pode ser apresentada por qualquer cidadão, desde que se comprove estar em gozo dos direitos políticos. c) Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, seja ele servidor público ou não, sujeitam-se à referida lei. d) Os empregados de entidade cuja receita anual seja total ou parcialmente custeada pelo erário sujeitamse à referida lei, desde que exerçam função remunerada. e) O Ministério Público deve obrigatoriamente figurar no polo ativo dos processos de improbidade administrativa, sob pena de nulidade. 348 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA • 15 FLÁVIA LIMMER 5. (TJAL) FCC, 2019. Suponha que tenha sido interposta ação de improbidade administrativa em face de diretor de uma empresa na qual o Estado do Alagoas detém participação acionária minoritária, apontando a ocorrência de prejuízos financeiros à companhia em face da realização de investimentos em projetos deficitários. A inicial da ação judicial aponta, ainda, a responsabilidade de Secretários de Estado na formatação de tais projetos e possível conluio com o diretor da companhia para as aprovações societárias correspondentes. Considerando as disposições da legislação aplicável, a referida demanda afigura-se: a) cabível, tanto em face do diretor como dos Secretários de Estado, limitando-se a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos à companhia. b) cabível apenas em face dos Secretários de Estado, dada a necessária condição de agentes públicos, respondendo o diretor da companhia exclusivamente na esfera civil. c) descabida, eis que não se verifica prejuízo a entidade pública ou a empresa na qual o poder público detenha a maioria do capital social. d) cabível apenas em face do diretor da companhia, nos limites da conduta lesiva apurada, não alcançando os Secretários de Estado, os quais poderão responder por crime de responsabilidade. e) cabível apenas se apurada conduta dolosa dos imputados, eis que o elemento volitivo doloso é determinante para a caracterização de atos de improbidade, que não admitem modalidade culposa. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – C a) Incorreta. O prazo de prescrição para a propositura de ação de improbidade será de 5 anos a contar do término do exercício do cargo, função de confiança ou mandato.] b) Incorreta. No caso de agentes políticos reeleitos, o termo inicial do prazo prescricional nas ações de improbidade administrativa deve ser contado a partir do término do último mandato, e não do primeiro. c) Correta. d) Incorreta. A assertiva é correta apenas para o servidor. Embora o entendimento majoritário seja que a prescrição para a aplicação de penalidade é a mesma prevista para o agente público que atuou em concurso com o particular, há doutrina no sentido de que se aplica o prazo de 10 anos, por ser o previsto no Código Civil como prazo genérico. e) Incorreta. Cf. art. 23, I, da Lei nº 8.429/92. 2. Gabarito – E Todas as alternativas conforme o art. 10, inciso XII, da Lei nº 8.429/92. 3. Gabarito – A Todas as alternativas conforme REsp 1.138.173/RN. 4. Gabarito – C a) Incorreta. Cf. art. 5º da Lei nº 8.429/92. b) Incorreta. Cf. art. 14, caput e §1º da Lei nº 8.429/92. c) Correta. Cf. art. 1º, caput, da Lei nº 8.429/92. d) Incorreta. Cf. art. 2º da Lei nº 8.429/92 e) Incorreta. Cf. art. 17, caput e § 4º, da Lei nº 8.429/92. 5. Gabarito – A a) b) c) d) e) Correta. Cf. art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92. Incorreta. Cf. art. 3º da Lei nº 8.429/92. Incorreta. Cf. art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92. Incorreta. Cf. Pet 3240. Incorreta. Cf. art. 10 da Lei nº 8.429/92. 349 FLÁVIA LIMMER 16 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 16 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 350 FLÁVIA LIMMER CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 16 1. INTRODUÇÃO Por força do regime democrático e do sistema representativo, os atos do Estado não podem se distanciar da satisfação do interesse público. Consequentemente, deve existir uma fiscalização constante capaz de verificar e punir potenciais desvios. Maria Zanella Di Pietro120 esclarece que o controle sobre a Administração Pública pode ser definido como o "poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico”. 2. CLASSIFICAÇÃO DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO O controle da administração pública poderá ser classificado das seguintes formas: a) Conforme o momento a ser exercido o controle • • • Prévio – o controle é exercido antes da prática do ato. É o Senado Federal que autoriza a União, o estado ou o município a contrair empréstimo externo. Concomitante – o controle acontece durante a prática do ato. É a fiscalização de um contrato em andamento enquanto a obra está sendo executada. Posterior (ou Corretivo) – o controle tem por objetivo convalidar ou declarar a nulidade de um ato administrativo. Por exemplo, a homologação de uma licitação é um controle a posteriori. b) Conforme a amplitude • • Hierárquico – resulta do poder hierárquico o escalonamento vertical dos órgãos da Administração Pública. Finalístico – também chamado de tutela ou de supervisão ministerial. Não decorre de hierarquia, sendo exercido pela Administração direta sobre a indireta, e depende de previsão legal. c) Conforme a origem • • Interno – o controle é realizado pela própria Administração ou no interior de um mesmo Poder. Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade, devem cientificar a irregularidade ao Tribunal de Contas, sob pena de responder solidariamente pela irregularidade. Externo – é o controle realizado por um órgão que pertence a um Poder distinto do que praticou o ato. Por ser um controle realizado por um Poder em face do outro, é típico do sistema de freios e contrapesos. Por exemplo, quando o Congresso Nacional susta ato do Poder Executivo, que exorbita o poder regulamentar, ou quando um juiz anula um ato administrativo. Não há hierarquia entre os sistemas de controle externo e interno, e sim complementariedade. No controle interno, pode-se fiscalizar a aplicação de verbas públicas federais repassadas a estado ou município por força de convênio ou outro instrumento jurídico, pois se trata de proteção ao patrimônio público sob a guarda do ente controlador, consoante jurisprudência do STF, representada pelo RMS 25.943/DF. 120 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo 33ª ed. São Paulo: GenForense, 2020. Livro eletrônico não paginado. 351 FLÁVIA LIMMER CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 16 Por fim, cumpre notar que o STF vem entendendo que o Tribunal de Contas, ao exercer o controle externo, possui competência para aferir se o administrador atuou de forma prudente, moralmente aceitável e de acordo com o que a sociedade dele espera (MS 33.340/DF). 3. CONTROLE EXERCIDO PELA PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO (RECURSOS ADMINISTRATIVOS) O controle interno, exercido pela própria Administração, se dá, via de regra, por meio dos recursos administrativos. A Lei n.º 9.784/1999 trata do processo administrativo na esfera federal e limita a três o número de instâncias, salvo se houver disposição em sentido contrário. O art. 58 da mesma Lei dispõe que tem legitimidade para interpor recurso administrativo o titular que for parte no processo, mas também as pessoas cujos direitos ou interesses sejam afetados, ao menos de forma indireta, com a decisão. Em se tratando de direitos coletivos, organizações e associações têm legitimidade para recorrer. Sendo difuso o interesse, as associações e os próprios cidadãos também são legitimados a recorrer. O prazo para recorrer, salvo disposição em sentido contrário, será de dez dias. Em relação aos efeitos do recurso administrativo, todos terão efeitos devolutivos. Apenas se houver disposição legal neste sentido também poderá ter efeito suspensivo. No processo administrativo, o recurso é dirigido à própria autoridade que prolatou a decisão, a qual poderá exercer juízo de retratação. Caso não o faça, a autoridade competente poderá apreciar o pleito recursal. Na análise dos recursos, a autoridade competente tem capacidade plena de rever aquela decisão atacada, inclusive, ressalte-se que ela poderá anular ou reformar o ato impugnado, melhorando a situação do recorrente, mas também poderá reformar a decisão impugnada para piorá-la. Trata-se da chamada reformatio in pejus, possível no recurso administrativo. 3.1. Espécies de recursos administrativos 3.1.1. Representação A representação é uma denúncia perante a própria Administração, em que qualquer pessoa poderá ser o denunciante. 3.1.2. Reclamação A reclamação é um recurso interposto por quem foi atingido pelo ato administrativo. O prazo para a interposição da reclamação é de um ano, a contar da data do ato que causou o prejuízo. 3.1.3. Pedido de reconsideração O pedido de reconsideração é dirigido à mesma autoridade que praticou o ato. Se não houver prazo fixado em lei, o direito ao pedido de reconsideração será de um ano, contado da data da decisão. O STF, na Súmula n.º 430, estabelece que o pedido de reconsideração não interrompe o prazo para impetração do mandado de segurança. 3.1.4. Recurso hierárquico próprio Este recurso decorre do poder hierárquico, devendo ser dirigido à autoridade que prolatou a decisão. Caso a autoridade não reconsidere espontaneamente, encaminhará o recurso à autoridade superior. 352 FLÁVIA LIMMER CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 16 Este recurso não depende de previsão legal e, como regra, terá o prazo de dez dias. 3.1.5. Recurso hierárquico impróprio O recurso hierárquico impróprio só é admissível quando existir expressa previsão legal. A lei deverá indicar quem é a autoridade, em quais situações será admitido o recurso e o prazo para que ele seja admitido. 3.1.6. Revisão A revisão é um recurso que o servidor pode apresentar sempre que tiver sido punido pela Administração, solicitando o reexame daquela decisão em razão do surgimento de provas e fatos novos, que podem demonstrar a sua inocência ou, ao menos, justificar o abrandamento da sanção. Esta revisão só se justifica para beneficiar o servidor. Poderá ser requerida a qualquer tempo, inclusive poderá ser promovida de ofício quando a administração tomar conhecimento de alguma situação que beneficie o servidor. 4. CONTROLE LEGISLATIVO O controle legislativo poderá ser: • • • Controle político; Controle financeiro e orçamentário; Controle judicial. a) Controle político O controle político é previsto constitucionalmente, por exemplo, o art. 49, III, da CF/88 confere ao Congresso Nacional o poder de autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do país, quando a ausência execeder a quinze dias. Outro exemplo é a apreciação do Congresso sobre atos de concessão ou renovação de concessão de emissoras de rádio e de televisão. Na mesma linha, o Senado Federal aprova as indicações para presidente do Banco Central, Diretor de agência reguladora, além de sabatinar os candidatos a ministros do STF indicados pelo Presidente da República. b) Controle financeiro e orçamentário A fiscalização financeira e orçamentária é típica função do Poder Legislativo. É o Congresso Nacional que julga as contas prestadas pelo Presidente da República. Nesse caso, há um parecer emitido pelo Tribunal de Contas da União, mas quem executará o julgamento, em si, é o parlamento. O exercício da função fiscalizatória é realizado com auxílio do TCU. Os Tribunais de Contas são órgãos independentes, mas auxiliares das casas legislativas. O Tribunal de Contas não é um Poder da República, mas também não é submetido a qualquer Poder, a teor do entendimento do STF, externado na ADI 4.190 MC-REF/RJ. Por isso, entende-se que é um órgão constitucionalmente independente que tem a função de auxiliar o Poder Legislativo na fiscalização orçamentária e financeira. As competências do TCU estão previstas no art. 71 da CF/88, incumbindo-lhe o controle sobre toda e qualquer movimentação de recursos públicos federais. O mesmo artigo estabelece prerrogativas ao TCU: • O TCU emite parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo presidente da república, mas quem as julgará será o Congresso Nacional; 353 FLÁVIA LIMMER • • • • CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 16 As contas dos demais administradores e responsáveis por dinheiro público serão julgadas pelo TCU; Aplicação de sanções previstas em lei; Fixação de prazos para que órgãos ou entidades adotem as providências necessárias para o cumprimento da lei. O TCU ainda poderá sustar ato administrativo impugnado se não forem atendidas as providências que o órgão determinou. Nesse caso, susta o ato administrativo e comunica o ato ao Poder Legislativo. A sustação de contratos administrativos será de competência do Congresso Nacional, após a notificação do TCU. Todavia, caso o Congresso Nacional não tome qualquer providência no prazo de noventa dias, a competência retorna ao TCU para sustar o contrato administrativo. Veda-se que o TCU realize controle sobre entidades administrativas vinculadas a ente federativo diverso, salvo se houver patrimônio público da União envolvido (STF, MS 24.423/DF). Além disso, também está previsto no art. 71, VI CF/88 que o TCU poderá fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres a estado, ao Distrito Federal ou a município. A Súmula n.º 347 do STF estabelece que o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, poderá fazer o controle de constitucionalidade das leis do Poder Público (controle incidental de constitucionalidade). Porém, em 2018, no julgamento do MS 35.410, o STF considerou que o Tribunal de Contas da União não pode deixar de aplicar leis que entenda ser inconstitucionais. Contudo, isso não significa, segundo a Corte, declarar a inconstitucionalidade da norma. A diferença é sutil: deixar de aplicar uma norma por entendê-la inconstitucional é diferente de declará-la inconstitucional, pois, no primeiro caso, não haverá declaração de inconstitucionalidade com efeito erga omnes. Na mesma linha, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas possui fisionomia institucional própria, que não se confunde com a do Ministério Público comum, sejam os dos estados seja o da União. Esse Parquet especial possui atuação funcional exclusiva perante as Cortes de Contas, não detendo legitimidade ad causam para executar as decisões formadas no âmbito administrativo por meio de ação desenvolvida pelos meios ordinários ou pela via reclamatória (STF,. Rcl 24.162 AgRg). Assim, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas possui atuação funcional exclusiva perante as Cortes de Contas, limitada ao controle externo a que se refere o art. 71 da CF/88. Em outras palavras, a atuação do Procurador de Contas é restrita ao âmbito administrativo do Tribunal de Contas do qual faz parte, não possuindo, em regra, legitimidade ativa para propor demandas judiciais (STF, Rcl 24.159 AgRg). Logo, não terá legitimidade para impetrar mandado de segurança, mesmo que para defender suas prerrogativas institucionais (STF, RE 1.178.617). O Parquet especial encontra-se estritamente vinculado à estrutura da Corte de Contas e não detém autonomia jurídica e iniciativa legislativa para as leis que definem sua estrutura organizacional. A CF/88 não concedeu ao Ministério Público especial as garantias institucionais de autonomia administrativa e orçamentária, nem a iniciativa legislativa para as regras concernentes à criação e à extinção de seus cargos e serviços auxiliares, à política remuneratória de seus membros, aos seus planos de carreira e, especialmente, à sua organização e ao seu funcionamento. É inconstitucional a exigência de lei complementar para regular a organização do Ministério Público especial (STF, ADI 3.804/AL, julgada em dezembro de 2021). Contudo, em 2021, o STJ considerou que é assegurada aos membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas a prerrogativa de requerer informações diretamente aos jurisdicionados do respectivo Tribunal, sem subordinação ao Presidente da Corte. Em outras palavras, o Parquet especial possui poderes para requerer informações e documentos diretamente aos órgãos, entidades e agentes submetidos ao seu controle externo (STJ, RMS 51.841/CE) Por fim, em 2020, o STF pacificou um antigo debate doutrinário, ao entender que é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas. No processo de tomada de contas, o TCU não julga pessoas, e sim realiza o julgamento técnico das contas a partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização. Dessa maneira, uma vez apurada a ocorrência de irregularidade de que 354 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 16 FLÁVIA LIMMER resulte dano ao erário, o TCU profere acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o respectivo ressarcimento. Esta pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos reconhecida em acórdão de Tribunal de Contas prescreve na forma da Lei n.º 6.830/1980 – Lei de Execução Fiscal (RE 636886/AL). c) Controle judicial O Poder Judiciário pode avaliar a adequação de um ato administrativo. Nesse caso, será verificado se o ato está de acordo com os princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, além de outros princípios e normas constitucionais e legais. O Poder Judiciário faz este controle de legalidade do ato administrativo, mas também o faz como controle de legitimidade. Ele não pode se imiscuir nas atribuições do Poder Legislativo e Executivo, sob pena de violação à separação de poderes. Todavia, poderá verificar se o ato praticado está em conformidade com o ordenamento. Sobre o tema, recomenda-se a leitura do item 5.10. Di Pietro classifica os atos administrativos como atos políticos, legislativos ou interna corporis: • • • Atos políticos – praticados por agentes políticos para formação da vontade pública. Ex.: veto do chefe do Poder Executivo. Na maioria das vezes, serão insuscetíveis de controle por parte do Poder Judiciário, salvo se o ato for praticado com afronta a um princípio ou norma constitucional. Novamente, recomenda-se a leitura do item 5.10. Atos legislativos – submetem ao controle judicial por meio do controle concentrado de constitucionalidade. Atos interna corporis – não poderão ser controlados pelo Poder Judiciário, sendo questões internas da Casa Legislativa. Ex.: eleição de mesa, comissão etc. Se esses atos não desobedecem a comandos constitucionais ou normas legais, o Poder Judiciário não poderá se imiscuir nos atos interna corporis. 5. JURISPRUDÊNCIA 5.1. Informativos STJ Info 647. REsp 1.434.625-CE, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 09/04/2019, DJe 15/04/2019. A agência de turismo devidamente credenciada para efetuar operações de câmbio é equiparada a instituição financeira e subordina-se à regular intervenção fiscalizatória do Bacen. QUESTÕES 1. (MP-RS) MP-RS, 2016. Em relação ao controle e fiscalização da administração municipal, assinale a alternativa correta. a) É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais. b) A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Legislativo Municipal, na forma da lei. c) O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão da maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal. d) Na apreciação das contas de gestão do Prefeito Municipal é vedada a imposição de multa ou a determinação de ressarcimento ao erário, o que dependerá de sentença judicial transitada em julgado. e) Ao flagrar falhas relacionadas a ato de admissão de pessoal no âmbito do Município, o Tribunal de Contas exonerará imediatamente o servidor indevidamente nomeado. 355 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 16 FLÁVIA LIMMER 2. (TJRS) FAURGS, 2016. Acerca do controle externo e interno da Administração Pública, assinale a alternativa correta. a) O controle externo dos Municípios onde não houver Tribunal de Contas ou Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios será exercido pelo respectivo Tribunal de Contas do Estado de cujas decisões cabe recurso à Câmara Municipal. b) As agências reguladoras integram o sistema de controle externo da administração pública direta e indireta como auxiliares do Tribunal de Contas. c) A Constituição Estadual, em função da autonomia dos Estados-membros, fixará o número de Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado. d) O Tribunal de Contas, como auxiliar do controle externo, a cargo do Poder Legislativo e dele integrante, será organizado segundo o modelo constitucional das corporações legislativas respectivas. e) Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno, com a finalidade de, entre outras, apoiar o controle externo no exercício da sua missão institucional. 3. (DPE-RN) CESPE, 2015. Tendo em vista que, relativamente aos mecanismos de controle da administração pública, a própria CF dispõe que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, integradamente, sistemas de controle interno em suas respectivas esferas, assinale a opção que apresenta exemplo de meio de controle interno da administração pública. a) Fiscalização realizada por órgão de controladoria da União sobre a execução de determinado programa de governo no âmbito da administração pública federal. b) Controle do Poder Judiciário sobre os atos do Poder Executivo em ações judiciais. c) Sustação, pelo Congresso Nacional, de atos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar. d) Julgamento das contas dos administradores e dos demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração direta e indireta realizado pelos TCs. e) Ação popular proposta por cidadão visando à anulação de determinado ato praticado pelo Poder Executivo municipal, considerado lesivo ao patrimônio público. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – A. a) Correta. Art. 31, § 4º, da CF/88. b) Incorreta. Art. 31 da CF/88. c) Incorreta. Art. 31, § 2º, da CF/88. d) Incorreta. Art. 71, § 3º, da CF/88. e) Incorreta. Art. 71, III, da CF/88. 2. Gabarito – E a) Incorreta. Art. 31, caput, e § 1º, da CF/88 c/c art.da 75 CF/88. b) Incorreta. Art. 70 da CF/88. c) Incorreta. Art. 75 da CF/88. d) Incorreta. Art. 75 da CF/88. e) Correta. Art. 74, IV, da CF/88. 3. Gabarito – A. Todas as alternativas. Art. 74 da CF/88. 356 FLÁVIA LIMMER 17 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE 357 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 1. INTRODUÇÃO Mesmo a Constituição reconhecendo o direito fundamental à propriedade privada (art. 5º, XXII e XXIII, da CF/88), o Estado possui o domínio eminente sobre todos os bens existentes em seu território. Tratase de uma parcela da soberania e do poder de império, logo, todos particulares estão sujeitos a restrições sobre seus bens. O Estado possui o poder de regulamentar ou restringir o direito de propriedade privada ou até mesmo de transferir, forçosamente, a propriedade privada para seu patrimônio. O ordenamento jurídico prevê várias formas de intervenção na propriedade, podendo haver intervenção restritiva (em que o particular conserva o domínio, mas se sujeita às imposições do Poder Público) ou intervenção supressiva (na qual o Estado transfere para si a propriedade do particular). São modalidades de intervenção do Estado na propriedade: • • • • • • Limitação administrativa; Servidão administrativa; Ocupação temporária; Requisição administrativa; Tombamento; Desapropriação. 2. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA A limitação administrativa é uma modalidade de intervenção do Estado na propriedade que gera restrições de caráter geral e abstrato, as quais atingirão o caráter absoluto do direito de propriedade. São restrições gerais e abstratas, de aplicabilidade uniforme, que atingem um número indeterminado proprietários de uma mesma classe, indistintamente. Fundamentam-se no exercício do poder de polícia, e podem recair sobre bens móveis, imóveis, serviços e atividades. A CF/88 não faz referência expressa às limitações administrativas. Entretanto, o princípio implícito da supremacia do interesse público, de um lado, e a enunciação da função social da propriedade (art. 5.º, XXIII e art. 170, III, ambos da CF/88), de outro, estão a indicar os fundamentos para qualquer tipo de intervenção do Estado na propriedade, inclusive das limitações genéricas. Trata-se de uma relação de direito pessoal, traduzida em obrigações positivas (de fazer), negativas (não fazer) ou permissivas (permitir que se faça), que visam condicionar o exercício do direito de propriedade ao cumprimento de sua função social. Podem estar relacionadas à segurança, à salubridade, à estética, à defesa nacional, à preservação ambiental etc. Por exemplo, medidas técnicas e gabaritos de imóveis, espaçamento entre prédios, medidas de segurança contra incêndio, regras sanitárias, restrições de atividades em razão de seu impacto sobre ecossistemas. Em regra, as medidas administrativas não geram direito à indenização, uma vez que se trata de obrigação decorrente do exercício do poder de polícia e da necessidade de atendimento à função social da propriedade (STJ, REsp 1.233.257/PR).Porém, caso essa limitação administrativa, comprovadamente, onerar, de forma desproporcional, determinado proprietário, ocasionando o esvaziamento do valor econômico do bem, a jurisprudência admite a reparação. Note que deve haver prejuízo significativo, mas não se retira completamente a propriedade do particular. É examamente o fato de não haver o apossamento que diferencia o prejuízo irrazoável causado pela limitação administrativa da desapropriação indireta (STJ, REsp 901.319/SC). Na desapropriação indireta, há o apossamento e, consequentemente, a indenização. Já no caso da limitação administrativa não ocorre o apossamento, mas caso o particular comprove dano específico, poderá ser indenizado. O ônus da prova será encargo do administrado. O dano deverá ser específico (individualizado) e desproporcional. Dessa forma, as restrições ao direito de propriedade impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não 358 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 constituem desapropriação indireta. Segundo o STJ, é indevida a indenização em favor de proprietários de imóvel atingido por ato administrativo, salvo se comprovada limitação mais extensa que as já existentes, na hipótese em que a aquisição do imóvel objeto da demanda tiver ocorrido após a edição dos atos normativos que lhe impuseram as limitações supostamente indenizáveis. Ademais, é indevido o direito à indenização se o imóvel expropriado foi adquirido após a imposição de limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço do imóvel (STJ, Jurisprudência em Teses 127, junho de 2019). A pretensão reparatória do esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade decorrente de limitações administrativas prescreve em cinco anos, nos termos do art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei n.º 3.365/1941. Isso porque os danos eventualmente causados pela limitação administrativa devem ser objeto de ação de direito pessoal, e não de direito real, que seria o caso da desapropriação indireta. A limitação administrativa se distingue da desapropriação. Nesta, há transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante, com integral indenização; naquela, há apenas restrição ao uso da propriedade imposta genericamente a todos os proprietários, sem qualquer indenização. 3. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA Servidão administrativa é um direito real público, o qual autoriza o Poder Público a usar a propriedade imóvel para permitir que haja a execução de obras ou de serviços que sejam de interesse público. Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua servidão administrativa como sendo "o direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em face de um serviço público ou de um bem afetado a fim de utilidade pública". Os dois bens devem ser vizinhos, mas não necessariamente contíguos. Há uma relação entre a coisa serviente (a propriedade privada que vai suportar o encargo da servidão) e a coisa dominante (o serviço público concreto ou o determinado bem afetado a uma utilidade pública). Assim, o dono do prédio sujeito à servidão (prédio serviente) se obriga a tolerar seu uso, para certo fim, pelo dono do prédio favorecido (prédio dominante). Por exemplo, utilizar a propriedade para colocar postes de energia ou postes de sinalização. Não há lei específica sobre servidão administrativa, entretanto o art. 40 do DL n.º 3365/1941, que regulamenta a desapropriação, confirma a sua existência. A instituição da servidão não exige qualquer situação de urgência ou perigo. Visa somente a potencializar ou a viabilizar o desempenho de um serviço público ou a melhor utilização de um bem dominante, afetado ao interesse público. A servidão segue três princípios: • • • Uso moderado: o exercício da servidão deve se restringir ao estrito atendimento das necessidades para as quais ela foi instituída. A restrição para o particular deve se limitar ao estritamente necessário. Perpetuidade: a servidão permanece enquanto perdurar o prédio serviente ou a necessidade pública. Indivisibilidade: a servidão não pode ser separada do prédio dominante. Permanece a possibilidade da servidão ser extinta pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa, pela perda ou desaparecimento da coisa gravada ou pela desafetação da coisa dominante. Em regra, a instituição da servidão não gera direito à indenização, mesmo tendo caráter específico e incidindo sobre coisas determinadas. Não há perda da propriedade, trata-se de restrição leve. Porém, poderá gerar indenização quando demonstrada a ocorrência de dano ao particular. O dano deve ser efetivo, e o ônus da prova será do requerente, já que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade. 359 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 Além disso, a indenização jamais poderá ser superior ao valor da propriedade, uma vez que só há a mera restrição da propriedade, e não a supressão. Segundo o STJ, caso o particular adquira o imóvel já com a servidão instituída, não caberá indenização, pois se pressupõe que essa situação foi levada em consideração na composição do preço. À indenização, trata-se de ação de natureza pessoal, cujo prazo prescricional será de cinco anos (art. 10, parágrafo único, DL n.º 3.365/1941). Conforme o STJ, o compartilhamento de infraestrutura de estação rádio base de telefonia celular por prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo caracteriza servidão administrativa, não ensejando direito à indenização ao locador da área utilizada para instalação dos equipamentos (REsp 1.309.158-RJ). 4. OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA A ocupação temporária é uma restrição branda, de caráter pessoal, que atinge o aspecto exclusivo (restrito) da propriedade particular, fundada na necessidade de apoio à realização de obras ou exercício de atividades públicas ou de interesse público, em situação de normalidade. Por exemplo, a ocupação de um clube para posto de campanha de vacinação, de escolas nas eleições, a instalação de canteiros de obras em terrenos à margem de rodovias que serão asfaltadas. O art. 36 do DL n.º 3.365/1941 estabelece que é permitida a ocupação temporária, a qual será indenizada por ação própria. Deve-se ter cuidado. Segundo a jurisprudência, via de regra, não há direito à indenização, salvo se o particular comprovar duração e/ou danos anormais. A ocupação temporária é gratuita e transitória, mas, caso haja dano, caberá indenização. O prazo prescricional será de cinco anos (art. 10, parágrafo único, DL n.º 3.365/1941). Geralmente, a ocupação temporária ocorre em bens imóveis. Porém, o art. 80 da Lei de Licitações estabelece que, como consequência da rescisão pelo descumprimento das obrigações perante a Administração Pública, poderá gerar a ocupação e utilização do local, das instalações e dos equipamentos do particular, para que prevaleça o princípio da continuidade do serviço público. Neste caso, segundo a Lei de Licitações, será possível, inclusive, a ocupação de bens móveis. 5. REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA A requisição administrativa é um ato administrativo unilateral, o qual é autoexecutório, consistindo na utilização de bens e serviços particulares pela Administração devido a perigo público iminente ou guerra, sendo, posteriormente, cabível indenização, se houver dano. A requisição administrativa tem fundamento constitucional expresso no art. 5º, XXV, da CF/88. Possui natureza jurídica de direito pessoal da Administração Pública e poderá incidir sobre bens móveis, imóveis e serviços. No mesmo sentido, os arts. 136, § 1º, II e 139, VI e VII da CF/88 se referem ao uso da requisição durante o Estado de Defesa e de Sítio. Há menção do instituto, ainda, no art. 1.228 § 3º do CC. Apenas a União possui competência para legislar sobre requisições administrativas (art. 22, III, da CF/88). Porém, qualquer ente federativo poderá se valer do instituto. Para a doutrina, é possível a requisição de bens fungíveis, tais como alimentos, combustível e remédios, o que, na prática, será semelhante à desapropriação. Porém, a requisição prevê três requisitos: • • • Indenização posterior e condicionada à existência de dano; A posse do bem é autoexecutória, logo, não depende de decisão judicial; Fundamento na necessidade pública inadiável e urgente. A possibilidade de indenização seguirá a mesma lógica da ocupação temporária. 360 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 Segundo o STF, a requisição de bens públicos de outros entes federativos só poderá ser utilizada em caráter excepcional, e apenas poderia ser efetivada após a observância do procedimento constitucional de declaração formal do Estado de Defesa ou do Estado de Sítio (STF, MS 25.295/DF). A Covid-19 retomou os debates sobre a requisição administrativa, a qual já era prevista na Lei do SUS (art. 15, XIII, da Lei n.º 8.080/1990), porém foi ressaltada pelo art. 3º, VII, da Lei n.º 13.979/2020. Duas ações que versam sobre requisições administrativas e Covid-19 chegaram ao STF. A ADPF 671 debateu a adoção da fila única: solicitava-se a regulação pelo Poder Público da utilização dos leitos de unidades de tratamento intensivo (UTIs) na rede privada durante a pandemia do novo coronavírus. Argumentava-se que o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria assumir integralmente a gestão de hospitais e profissionais de saúde públicos e privados, a fim de garantir o acesso igualitário aos serviços por meio de uma fila única de acesso. O Relator afirmou que as autoridades competentes podem utilizar as requisições administrativas de bens e serviços particulares relacionados à saúde, especificamente no caso de iminente perigo público. Ressaltou que qualquer ente da federação tem competência para adotar a medida, tendo como finalidade o cuidado com a saúde e a assistência pública, conforme estabelece a CF/88 (art. 23, II), a Lei Orgânica da Saúde (Lei n.º 8.080/1990, art. 15, XIII), o Código Civil (art. 1.228, § 3º) e a Lei n.º 13.979/2020, que incluiu mais uma previsão de requisição administrativa voltada diretamente para o enfrentamento da Covid-19. Esta última prevê que qualquer ente federado pode requisitar bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, com garantia do pagamento posterior de indenização justa. Para isso, a autoridade competente avaliará a existência de perigo público iminente, após considerar as diferentes situações de emergência de acordo com a realidade e o caso concreto. Nessa toada, segundo o Relator, caso o Poder Judiciário apreciasse a questão, iria desrespeitar as leis criadas e a separação de Poderes, uma vez que, como já existem diversas normas que viabilizam a requisição administrativa de bens e serviços, a atuação do Judiciário, nesse sentido, desrespeitaria o princípio da separação dos Poderes. No julgamento, em 16/6/2020, o STF negou provimento a ação, pois entendeu que o sistema jurídico nacional dispõe de outros instrumentos judiciais capazes de viabilizar a requisição administrativa de bens e serviços (art. 5°, XXV, da CF/88; art. 15, XIII, da Lei n.º 8.080/1990; art. 1.228, § 3º, do CC; e art. 3º, VII, da Lei n.º 13.979/2020). Soma-se que o Poder Judiciário não poderia substituir os administradores públicos dos entes federados na tomada de medidas de competência privativa deles – configuraria violação ao princípio da separação de Poderes, já que a questão envolve análise dos recursos materiais disponíveis. Já na ACO 3.385/MA, a decisão se deu na concessão de pedido de tutela de urgência. O Estado do Maranhão relatou que, diante da existência de mais de mil casos suspeitos da Covid-19 e duas mortes, adquiriu os ventiladores a fim de equipar adequadamente o Hospital de Cuidados Intensivos com 132 leitos de UTI exclusivos para casos de coronavírus. No entanto, foi informado que a União havia requisitado, em caráter compulsório, todos os ventiladores da Intermed adquiridos pelo Estado e toda a produção da empresa nos próximos 180 dias. Ao pedir a suspensão da medida, o Maranhão argumentou que a autonomia dos entes federativos impede que um deles (no caso, a União) assuma, mediante simples requisição administrativa, o patrimônio, o quadro de pessoal e os serviços de outro ente público. Segundo o Ministro Relator Celso de Mello, a requisição de bens e/ou serviços, nos termos previstos pela CF/88 (art. 5º, XXV), somente pode incidir sobre a propriedade particular. Os bens estaduais e municipais só podem ser utilizados pela União nos casos de decretação do Estado de Defesa e do Estado de Sítio, o que não ocorre no momento. Assim, a suspensão da requisição é necessária para evitar, até o julgamento do mérito da ação, maiores danos aos destinatários dos aparelhos, “cuja utilização pode significar a diferença entre a vida e a morte”. Para o Relator, a Lei n.º 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia da Covid-19, não legitima o uso, pela União, de seu poder requisitório de bens pertencentes aos entes federativos, pois essa medida já foi negada pelo STF, em caso semelhante, no 361 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 julgamento do MS 25.295. A ação foi redistribuída para o Min. Nunes Marques, estando conclusa desde 5/11/2020. Do mesmo modo, em 8/3/2021, o STF referendou a medida liminar deferida pelo Min. Relator Lewandowski que impede a União de requisitar insumos (agulhas e seringas) contratados pelo Estado de São Paulo, cujos pagamentos já foram empenhados, destinados à execução do plano estadual de imunização contra a Covid-19. Determinou ainda que, caso os materiais adquiridos pelo estado de SP já tenham sido entregues, a União deverá devolvê-los no prazo máximo de 48 horas, sob pena de multa diária. Lewandowski reiterou os fundamentos apresentados na decisão monocrática. A decisão do Min. Relator destacou que a requisição administrativa não pode se voltar contra bem ou serviço de outro ente federativo, com a indevida interferência na autonomia de um sobre outro. Soma-se que a competência da União para coordenar o Plano Nacional de Imunizações (PNI, por meio do Ministério da Saúde) e definir as vacinas integrantes do calendário nacional, não exclui a competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para adaptá-los às peculiaridades locais, no exercício da competência comum de que dispõem para cuidar da saúde pública (ACO 3.463, atualmente aguardando a manifestação da AGU e da PGR sobre o principal). Por fim, na ADI 6.362, julgada em 2/9/2020, o STF ressaltou que, dentre as medidas de combate à pandemia, a Lei n.º 13.979/2020 estabelece que qualquer ente federado poderá lançar mão da requisição administrativa. Tais requisições independem do prévio consentimento do Ministério da Saúde, sob pena de invasão, pela União, das competências comuns atribuídas aos estados, Distrito Federal e municípios. Porém, os entes federativos precisam levar em consideração evidências científicas e análises sobre as informações estratégicas antes de efetivá-las (art. 3º, § 1º da Lei n.º 13.979/2020). Assim, as requisições só poderão ser efetuadas caso inexistem outras alternativas menos gravosas, de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A requisição administrativa configura ato discricionário, que não poderá sofrer qualquer condicionamento, tendo em conta o seu caráter unilateral e autoexecutório. Desse modo, basta que fique configurada a necessidade inadiável da utilização de um bem ou serviço pertencente a particular numa situação de perigo público iminente. Por essa razão, fica inexigível a aquiescência da pessoa natural ou jurídica atingida ou a prévia intervenção do Judiciário. Porém, tal decisão discricionária deverá ser motivada, e sua fundamentação deverá estar devidamente explicitada na exposição de motivos dos atos que venham a impor as requisições, de maneira a permitir o crivo judicial. 6. TOMBAMENTO O instituto do tombamento tem como fundamento legal o Decreto-Lei n.º 25/1937 e o art. 216, § 1º, da CF/88. Tombamento é um procedimento administrativo por meio do qual o Poder Público reconhece o valor histórico, paisagístico, cultural, científico de uma coisa ou local, situação na qual passarão a ser preservados. Trata-se de restrição estatal na propriedade privada, que se destina especificamente à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, assim considerado, o conjunto de bens móveis, imóveis, materiais e imateriais existentes no País, cuja conservação seja de interesse público. O tombamento é uma modalidade restritiva da propriedade, que objetiva proteger o patrimônio cultural brasileiro. Poderão ser objeto do tombamento bens de qualquer natureza, móvel ou imóvel, material ou imaterial, público ou privado. Se o Poder Público estiver diante dessa situação, deverá tombar o bem. Portanto, o ato de tombamento tem natureza jurídica de ato vinculado. As coisas tombadas que pertençam à União, aos estados ou aos municípios são inalienáveis por natureza e só poderão ser transferidas de uma a outra das referidas entidades. 362 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 O art. 3º do Decreto-Lei n.º 25/1937 esclarece quais bens não poderão ser tombados. Assim, excluem-se do tombamento, por não serem considerados patrimônio histórico e artístico nacional, as obras de origem estrangeira: • • • • • • Que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no País; Que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam carreira no País; Que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da LINDB, e que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário; Que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos; Que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais; Que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos. Os bens de origem estrangeira podem, em tese, ser objeto de tombamento, à exceção das situações mencionadas pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 25/1937. a) Espécies de tombamento Quanto à sua constituição: • • • Tombamento de ofício – dá-se em bens públicos, como é o tombamento dos bens da União, estados, DF e municípios. Neste caso, somente haverá a notificação da entidade proprietária do bem. Art. 25 do Decreto-Lei n.º 25/1937. Tombamento voluntário – ocorrerá diante de um bem privado, em que o próprio proprietário do bem irá requerer o tombamento. Ou ainda há um procedimento da Administração pelo tombamento sem oposição do particular. Art. 7º do DL n.º 25/1937. Tombamento compulsório – ocorrerá quando o particular não concorda com o ato de tombamento do Poder Público. Proceder-se-á mediante um processo, após a recusa do proprietário. Art. 8º do DL n.º 25/1937. Quanto à eficácia: • • Tombamento provisório – é o tombamento que começa após a notificação do proprietário. Art. 6º do DL n.º 25/1937. Tombamento definitivo – ocorre após a inscrição do bem no Livro do Tombo. Art. 10 do DL n.º 25/1937. Quanto aos destinatários: • • Tombamento geral – o tombamento é geral quando incide sobre todos os bens de uma determinada localidade. Segundo o STJ, o ato de tombamento geral não precisa individualizar os bens abarcados pelo tombo, pois as restrições impostas pelo Decreto-Lei n.º 25/1937 se estendem à totalidade dos imóveis pertencentes à área tombada. Tombamento individual – o tombamento incide especificamente sobre um bem, havendo a notificação do proprietário. b) Efeitos do tombamento Os efeitos do tombamento são: • Proibição de destruição, demolição ou mutilação do bem; 363 FLÁVIA LIMMER • • • • • • INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 Exigência de autorização para restauração e pintura; Imposição de servidão administrativa para os imóveis vizinhos; Cabimento de vigilância pública do bem de tempos em tempos; Se o bem for vendido, há direito de preferência; Há possibilidade da tutela pública para conservação e para reparação do bem, caso se esteja diante de um proprietário hipossuficiente; Poderá gerar direito à indenização se causar algum dano ao seu proprietário. c) Competência para o tombamento A competência legislativa relacionada ao tombamento é concorrente (art. 24, VII, da CF/88). Na mesma linha, a competência administrativa para a proteção da cultura é comum entre todos os entes federados (art. 23, III e IV, da CF/88). Logo, é possível que um mesmo bem possa ser tombado em mais de uma ordem jurídica, o chamado tombamento cumulativo (STJ, RMS 18.952/RJ). d) Tombamento de Bens Públicos Sendo a competência para o tombamento comum a todos os entes federativos, surge a questão do tombamento de bens públicos. É pacífico na doutrina e na jurisprudência que bens públicos podem ser tombados. Contudo, a divergência doutrinária surge sobre a hipótese de um ente federativo tombar um bem que pertença a outro ente, por exemplo, um estado tombar um bem de um município. José dos Santos Carvalho Filho, corrente minoritária, entende que não seria possível o tombamento de bens de entes “maiores” pelos “menores”. O autor segue a lógica da desapropriação (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n.º 3.365/1941). Assim, para ele, a União poderá tombar bens dos estados e municípios; os estados poderão realizar o tombamento de bens municipais, e, por fim, os municípios só poderão tombar seus próprios bens. Já a corrente majoritária, defendida pelo STJ e STF, sustenta a possibilidade do tombamento entre entes federados indistintamente, seja de “baixo para cima” ou de “cima para baixo”, já que o pacto federativo não prevê hierarquia entre os entes da federação, e sim autonomia (STF ACO 1208, STJ, RMS 18.952/RJ). 7. DESAPROPRIAÇÃO A desapropriação é uma forma supressiva de restrição da propriedade. Através da desapropriação, o Poder Público adquire a propriedade de forma originária, sem qualquer relação com a propriedade anterior. Hely Lopes Meirelles aponta que a desapropriação é a transferência compulsória da propriedade particular ou da propriedade pública, quando se estiver diante de uma entidade superior sobre a inferior. Essa transferência compulsória poderá ser por: • • • Utilidade pública; Necessidade pública; Interesse social. Em regra, haverá prévia e justa indenização em dinheiro, salvo algumas exceções constitucionais. Na desapropriação-sanção, a indenização não será prévia e em dinheiro. São casos de desapropriação-sanção: o descumprimento da função social da propriedade urbana ou o interesse social para fins de reforma agrária. Há, ainda, a expropriação e a desapropriação-confisco, sem pagamento de qualquer indenização, nos casos em que há plantações ilícitas de psicotrópicos ou quando há exploração de trabalho escravo. As situações excepcionais serão vistas em item específico, abaixo. 364 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 7.1. Base legal Há diversos dispositivos na Constituição Federal de 1988 que tratam do tema desapropriação. • • • • • • • Art. 5º, XXIV, da CF/88: define os três fundamentos ensejadores da desapropriação – necessidade pública, utilidade pública e interesse social. Somado a isso, determina que, como regra geral, a indenização deve ser prévia, justa e em dinheiro; Art. 22, II, da CF/88: fixa a competência privativa da União para legislar sobre o assunto; Art. 182, § 4º, III, da CF/88: permite que o município promova desapropriação sancionatória urbanística do imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado, com pagamento mediante títulos da dívida pública com prazo de resgate em até dez anos; Art. 184 da CF/88: define a competência exclusiva da União para desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis no prazo de até vinte anos; Art. 184, § 5º, da CF/88: embora o dispositivo se refira a “isenção”, na verdade, a norma delimita a imunidade tributária de impostos federais, estaduais e municipais sobre operações de transferência de imóvel desapropriado para fins de reforma agrária; Art. 185 da CF/88: impede que a desapropriação para reforma agrária recaia sobre a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra, e em caso de propriedade produtiva; Art. 243 da CF/88: prevê o confisco de glebas utilizadas para o plantio ilegal de plantas psicotrópicas ou que explorem mão de obra escrava, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções. Já no plano infraconstitucional encontramos. • • • • • • • • • Decreto-Lei n.º 3.365/1941 – disciplina as desapropriações por necessidade e utilidade pública, sendo considerada a lei básica sobre o tema; Lei n.º 4.132/1962: disciplina as desapropriações por interesse social; Decreto-Lei n.º 1.075/1970: dispõe sobre imissão na posse initio litis em imóveis desapropriados urbanos; Lei Complementar n.º 76/1993, combinada com a Lei n.º 8.629/1993: disciplinam as desapropriações de imóveis rurais para fins de reforma agrária; Art. 46 da Lei Complementar n.º 101/2000: torna nulo de pleno direito o ato de desapropriação de imóvel urbano expedido sem atender o disposto no art. 182, § 3º, da CF/88 ou sem prévio depósito judicial do valor da indenização; Lei n.º 8.257/1991: dispõe sobre a expropriação de terras usadas para cultivos ilegais, sem indenização; Lei n.º 3.833/1960: disciplina a desapropriação por utilidade pública para execução de obras no Polígono da Seca, adotando regime especial para fins de pagamento da indenização; Lei n.º 10.257/2001 (Estatuto da Cidade): regulamenta a desapropriação urbanística, de competência do município, como importante instrumento de política urbana; Lei n.º 10.406/2002 (Código Civil): possui diversos dispositivos que tratam do tema da desapropriação, entre eles: i) art. 519 (define um caso de tresdestinação lícita, ao permitir que o bem expropriado receba destinação diversa daquela inicialmente prevista no decreto expropriatório); ii) art. 1.228, § 3º (refere-se à desapropriação como forma de privação da propriedade); iii) art. 1.257 (inclui a desapropriação entre os institutos de perda da propriedade). 365 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 7.2. Competência A competência para legislar sobre o tema da desapropriação é privativa da União (art. 22, I, da CF/88). Entretanto, quanto à competência material, para efetuar uma desapropriação, existem duas hipóteses. Em regra, todos os entes federativos poderão se valer da desapropriação comum (art. 23 da CF/88). Já as modalidades de desapropriação-sanção só poderão ser executadas por entes específicos, como se verá adiante. De acordo com as alterações promovidas pela Lei n.º 14.273/2021, além dos entes federativos, poderão desapropriar também, mediante autorização expressa constante de lei ou contrato,: • • • • as concessionárias, inclusive aquelas contratadas nos termos do disposto na Lei n.º 11.079/2004; as entidades públicas; as entidades que exerçam funções delegadas pelo Poder Público; e as autorizatárias à exploração de ferrovias como atividade econômica. A competência para desapropriar não se confunde com a competência para declarar a desapropriação. A declaração para desapropriação deve ser feita pelo ente político por meio de um decreto do chefe do Poder Executivo ou por lei. É possível, ainda, que a lei atribua a competência para declarar a desapropriação a outra entidade, por exemplo, a ANEEL, em que ela mesma poderá declarar a desapropriação. 7.3. Modalidades de desapropriação As modalidades de desapropriação se subdividem em comuns e sancionatórias. A desapropriação comum tem como pressupostos a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social. Nesses três casos, todos os entes federativos possuem competência para desapropriar, mediante pagamento prévio de indenização em dinheiro. Já a desapropriação-sanção admite três possibilidades: • • • Desapropriação para fins de reforma agrária – é competência material exclusiva da União, com indenização em títulos da dívida agrária. Desapropriação para fins de reforma urbana – competência material exclusiva dos municípios, com pagamento em títulos da dívida pública. Desapropriação-confisco – competência material exclusiva da União, não havendo qualquer espécie de indenização. 7.3.1. Desapropriação comum/ordinária A desapropriação comum ou ordinária constitui a regra na desapropriação e é prevista no art. 5º, XXIV, da CF/88. Como visto, duas características são marcantes: todos os entes federativos podem promover este tipo de desapropriação, e a indenização sempre será prévia, justa e em dinheiro. A desapropriação comum pode ser promovida, mesmo que a propriedade atenda à sua função social, uma vez que ela não visa a sancionar o particular, mas a atender ao interesse público. A desapropriação ordinária foi disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 3.365/1941, que regulamenta as hipóteses de utilidade pública e necessidade pública em seu art. 5º, e pela Lei n.º 4.132/1962, que trata, em seu art. 2º, da desapropriação por interesse social. A rigor, todos os bens com conteúdo econômico podem ser desapropriados. Essa é a regra geral, mas cabe ressaltar que a desapropriação é uma medida extrema, uma vez que suprime o direito à propriedade. Logo, só deve ser empregada após a análise exaustiva de alternativas e quando o filtro da razoabilidade e da proporcionalidade demonstarem que ela será essencial para a concretização de 366 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 determinado fim público, em razão das características especiais e singulares do bem. Ou seja, a desapropriação não pode se tornar uma substituta da compra e venda. A doutrina aponta duas situações que inviabilizam a desapropriação: • • Impossibilidade jurídica – ocorre quando a lei impede que o bem seja desapropriado pelo Estado. Por exemplo, o art. 185 da CF/88 impede a desapropriação de imóveis rurais produtivos. Impossibilidade material – quando a própria natureza do bem impede a desapropriação. A princípio, há vedação para a desapropriação de bens públicos, inclusive prevista no art. 2º, § 2º do DL n.º 3.365/1941. Pela literalidade da lei, a desapropriação só será possível “de cima para baixo” (ou seja, a União poderia desapropriar bens dos estados e municípios, mas jamais o inverso), e desde que haja autorização do Poder Legislativo para o ente expropriante. A regra valerá, inclusive, para a desapropriação de bens da Administração indireta dos entes federativos. Assim, não é permitida a desapropriação de bens pertencentes a entes federados de igual natureza, por exemplo, dois estados, ainda que os bens estejam localizados no território do expropriante. Esse é o entendimento que explica a Súmula n.º 479 do STF: “as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização.” Os terrenos de marinha são da União, na forma do art. 20, VII, da CF/88, razão pela qual a propriedade não pode ser objeto de desapropriação pelo estado-membro, na forma do art. 2º, § 2º, do DL n.º 3365/1941. Admite-se apenas a desapropriação de domínio útil em terrenos de marinha, quando objeto de aforamento. Em regra, os bens desapropriados serão afetados para uso da Administração Pública. Porém, é possível que sejam vendidos ou locados, desde que seja a alguém que tenha condições de dar a eles a destinação social que justificou a desapropriação. Conforme o STJ, na ação de desapropriação por utilidade pública, a citação do proprietário do imóvel desapropriado dispensa a do respectivo cônjuge. Isso porque o art. 16 do Decreto-Lei n.º 3.365/1941 (Lei das Desapropriações) dispõe que a “citação far-se-á por mandado na pessoa do proprietário dos bens; a do marido dispensa a da mulher” (REsp 1.404.085-CE). Caso, no procedimento de desapropriação por interesse social, seja constatado que a área medida do bem é maior do que a escriturada no Registro de Imóveis, o expropriado receberá indenização correspondente à área registrada, ficando a diferença depositada em Juízo até que, posteriormente, se complemente o registro ou se defina a titularidade para o pagamento a quem de direito. A indenização devida deverá considerar a área efetivamente desapropriada, ainda que o tamanho real seja maior do que o constante da escritura, a fim de não se configurar enriquecimento sem causa em favor do ente expropriante. Ainda, de acordo com o STJ, não se encontrando averbada no registro imobiliário antes da vistoria, a reserva florestal não poderá ser excluída da área total do imóvel desapropriando para efeito de cálculo da produtividade do imóvel rural, em desapropriação para reforma agrária (AgRg no REsp 1301751/MT). Segundo o art. 2º, § 3º, do Decreto-Lei n.º 3.365/1941, é vedada a desapropriação, pelos estados, Distrito Federal, territórios e municípios, de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas, cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República. 7.3.2. Desapropriação-sanção para reforma urbana A desapropriação-sanção para reforma urbana é competência material unicamente do Poder Público municipal e do DF, prevista no art. 41, III, da Lei n.º 10.257/2001. A propriedade urbana, segundo o art. 182 da CF/88, cumpre a sua função social quando obedece ao que está determinado no Plano Diretor. Caso ela descumpra, deverá haver uma exigência em lei específica para que aquela área incluída no Plano Diretor venha a ser adequada ao aproveitamento do solo urbano. Se a despeito da lei específica não for atendida 367 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 essa reivindicação legal, neste caso, é possível que, sucessivamente, o Poder Público municipal use mecanismos coercivos, em ordem específica. A Lei n.º 10.257/2001 estabelece que um será pré-requisito do seguinte. Logo a ordem será: • • • 1º: determinação de parcelamento ou edificação compulsórios. 2º: incidência do IPTU progressivamente no tempo, desde que não seja o aumento superior ao dobro do ano anterior, ficando limitado a 15% do valor do bem. 3º: desapropriação sanção, em último caso. Ou seja, haverá uma lei determinando que o proprietário promova o adequado uso da sua propriedade. Caso não o faça, haverá o parcelamento ou edificação compulsório. Não o fazendo, haverá IPTU progressivo. Por último, a desapropriação sanção. Por ser uma desapropriação punitiva, a indenização será paga em títulos da dívida pública emitidas com aprovação do Senado Federal, resgatáveis em até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas. 7.3.3. Desapropriação-sanção para fins de reforma agrária A desapropriação-sanção para fins de reforma agrária está prevista no art. 184 da CF/88 e também tem caráter sancionatório.Ela pressupõe o descumprimento da função social da propriedade rural (art. 186 da CF/88). É regulamentada pelas Lei n.º 8.629/1993 (aspectos materiais) e Lei Complementar n.º 76/1993 (normas procedimentais). Essa modalidade de desapropriação tem como finalidade específica a reforma agrária. Logo, a competência material é exclusiva da União. A indenização será em títulos da dívida agrária, no prazo de vinte anos, a partir do segundo ano de emissão desses títulos. Vale ressaltar que benfeitorias úteis e necessárias são pagas em dinheiro. São insuscetíveis de desapropriação-sanção para fins de reforma agrária: • • A pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não seja proprietário de outra propriedade; A propriedades produtivas. Segundo o STJ, nas desapropriações para fins de reforma agrária, o valor da indenização deve ser contemporâneo à avaliação efetivada em juízo, tendo como base o laudo adotado pelo juiz para a fixação do justo preço, pouco importando a data da imissão na posse ou mesmo a da avaliação administrativa (REsp 1.679.042). Caso um particular seja beneficiado com a redistribuição do imóvel rural, em razão de reforma agrária, receberá um título de domínio do imóvel ou uma concessão de uso do bem imóvel. Esse título será inegociável pelo prazo de 10 anos. 7.3.4. Desapropriação-confisco A desapropriação-confisco ou expropriação está prevista no art. 243 da CF/88. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e serão destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. O parágrafo único do mesmo artigo estabelece que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. Note que apenas cabe a desapropriação confiscatória quando o cultivo de plantas psicotrópicas for ilegal – lembre-se de que a Lei 368 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 n.º 11.343/2006 prevê a possibilidade da União autorizar o plantio, a cultura e a colheita de vegetais psicotrópicos (art. 2º, parágrafo único), para fins medicinais ou científicos. A competência da desapropriação-sanção é exclusiva da União e não há indenização alguma. Para o Supremo Tribunal Federal, a expropriação irá recair sobre a totalidade do imóvel, ainda que o cultivo ilegal ou a utilização de trabalho escravo tenham ocorrido em apenas parte dele (RE 543.974). Recentemente, o STF entendeu que o proprietário poderá evitar a expropriação se provar que não teve culpa pelo fato de estarem cultivando plantas psicotrópicas em seu imóvel. A expropriação prevista no art. 243 da CF/88 pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in elegendo. Para a sanção, não se exige a participação direta do proprietário no cultivo ilícito, e sim se ele agiu com culpa – se esta for comprovada, o imóvel deverá ser expropriado. Importante destacar que cabe ao proprietário (e não à União) o ônus da prova. Em outras palavras, caberá ao proprietário provar que não agiu com culpa (RE 635.336/PE, Inf. 851). 7.4. Desapropriação indireta e desapropriação por zona 7.4.1. Desapropriação indireta A desapropriação indireta é chamada também de apossamento administrativo. Ela ocorre sem a obediência às exigências legais e o devido processo legal, ou seja, é um ato ilícito da Administração. Também se fará presente quando o Poder Público, a pretexto de realizar um tombamento, acaba suprimindo o exercício do direito de propriedade, praticando uma intervenção supressiva. Para ser caracterizada, exige-se a afetação do bem: destinação desse para finalidade pública e irreversibilidade da situação. A desapropriação indireta não chega a ser um instituto de direito, na verdade, é a nomenclatura utilizada para o erro do Poder Público. Muitas vezes se confunde com o instrumento processual utilizado para forçar o Poder Público a indenizar o ato ilícito representado de desapossamento da propriedade particular. Para caracterizar a desapropriação indireta, alguns requisitos devem estar presentes: o apossamento do bem pelo Estado ter sido realizado sem observar o prévio e devido processo legal; o bem encontra-se afetado, com destinação para finalidade pública; o apossamento é irreversível. O entendimento que prevalece é que, se já houver ocorrido uma incorporação do bem, destinandoo para uma atividade de interesse público, a tutela judicial irá se restringir a indenizar o proprietário pela perda da propriedade, em razão da supremacia do interesse público. Nesse sentido, a ação não será a de reintegração de posse, e sim de indenização por desapropriação indireta. Serão cabíveis juros compensatórios desde a data da efetiva ocupação naquele imóvel. A pretensão indenizatória decorrente de desapropriação indireta prescrevia em vinte anos, na vigência do CC/1916, e em dez anos, na vigência do CC/2002 (art. 1.238, parágrafo único, do CC/2002), respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002, conforme entendimento do STJ. Contudo, há uma exceção: o prazo de prescrição será de quinze anos se ficar comprovada a inexistência de obras ou serviços públicos no local. Em regra, portanto, o prazo prescricional das ações indenizatórias por desapropriação indireta é de dez anos, porque existe presunção relativa de que o Poder Público realizou obras ou serviços públicos no local. Admite-se, excepcionalmente, o prazo prescricional de quinze anos, caso a parte interessada comprove, concreta e devidamente, que não foram feitas obras ou serviços no local, afastando-se a presunção legal (EREsp 1575846-SC, Info 658). Na desapropriação indireta, quando há valorização geral e ordinária da área remanescente ao bem esbulhado em decorrência de obra ou serviço público, não é possível o abatimento no valor da indenização devida ao antigo proprietário. Cabe ao Poder Público, em tese, a utilização da contribuição de melhoria 369 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 como instrumento legal capaz de fazer face ao custo da obra devido proporcionalmente pelos proprietários de imóveis beneficiados com a valorização do bem. Conforme o entendimento do STJ, não há desapropriação indireta sem que haja o efetivo apossamento da propriedade pelo Poder Público. Desse modo, as restrições ao direito de propriedade impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não constituem desapropriação indireta. Isso porque a limitação administrativa distingue-se da desapropriação, uma vez que nesta há transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante, com integral indenização, e naquela há, apenas, restrição ao uso da propriedade imposta genericamente a todos os proprietários, sem qualquer indenização. Ademais, a edição de leis ambientais que restringem o uso da propriedade caracteriza uma limitação administrativa, cujos prejuízos causados devem ser indenizados por meio de uma ação de direito pessoal, e não de direito real, como é o caso da ação contra a desapropriação indireta. 7.4.2. Desapropriação por zona A desapropriação por zona é a chamada desapropriação extensiva, a qual abrange a zona contígua, necessária ao desenvolvimento daquela obra, bem como se destina às zonas próximas à obra que tenham se valorizado de forma extraordinária em decorrência da realização do serviço. 7.5. Procedimento da desapropriação A desapropriação será realizada em duas fases: • • Fase declaratória; Fase executória. 7.5.1. Fase declaratória Na fase declaratória, há a indicação do bem a ser desapropriado e a justificativa da respectiva modalidade de desapropriação. A declaração gera alguns efeitos: • • • • Submete o bem à força desapropriatória; Fixa o estado em que o bem se encontra, o que determinará o valor da indenização; Permite que o Poder Público adentre no imóvel para medí-lo e ter noção exata do seu tamanho; Fixa o termo inicial para o prazo de caducidade. A caducidade da declaração acontecerá quando a perda da validade da declaração da desapropriação ocorrer. Isso se dá no momento em que o Poder Público, dentro de certo lapso temporal, não promove os atos concretos destinados a efetivar a desapropriação. São os prazos para a caducidade: • • • • Desapropriação comum de utilidade pública ou necessidade pública – 5 anos. Desapropriação comum de interesse social – 2 anos. Desapropriação-sanção para fins de reforma agrária – 2 anos. Desapropriação-sanção para fins de reforma urbana – 5 anos. 7.5.2. Fase executória Passada a fase declaratória, inicia-se a fase executória, a qual envolve a estimativa da indenização cabível, cujo pagamento será, em regra, previamente à desapropriação. A fase executiva implicará a consolidação da transferência do bem ao Poder Público. A competência para a aplicação da fase executória 370 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 poderá ser delegada para entidades da Administração indireta ou para concessionários ou permissionários do serviço público. A fase executória poderá ser resolvida administrativamente, desde que exista acordo entre as partes. Caso não seja possível, a questão será judicializada. No processo judicial, o desapropriando somente poderá alegar, na contestação, vício processual ou impugnar o preço da avaliação. O Ministério Público só se mostra indispensável se a desapropriação for para fins de reforma agrária. Caso contrário, não há necessidade da intervenção dele. Se houver urgência e se já tiver sido depositada a quantia da avaliação, o juiz poderá ordenar a imissão provisória na posse do bem em favor do desapropriante. Portanto, a imissão provisória se dá antes da transferência da propriedade, estando condicionada a dois fatores: • • Declaração de urgência; Depósito do valor da avaliação. O particular sequer precisa ser citado para que ela seja deferida, podendo ocorrer a imissão provisória, desde que seja declarada a urgência e depositado o valor da avaliação. No caso de imissão provisória do ente na posse, se houver divergência entre o preço que foi ofertado em juízo e o preço que foi fixado na sentença, haverá a incidência de juros compensatórios de 6% ao ano para remuneração do proprietário, a contar da imissão na posse. Os juros compensatórios têm por objetivo compensar a perda da renda que foi comprovadamente sofrida pelo proprietário. A base de cálculo dos juros compensatórios em desapropriações corresponde à diferença entre 80% do preço ofertado pelo ente público e o valor fixado na sentença. Os juros compensatórios estão condicionados à produtividade da propriedade (STF, ADI 2.332). Os juros moratórios têm outra destinação, pois se destinam a recompor a mora, ou seja, o atraso no pagamento da indenização. Esses juros moratórios serão devidos a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ter sido realizado, sendo devido no montante de 6% ao ano, ou 0,5% ao mês. O desapropriado tem direito a uma justa indenização. Além desse, essencial, outros podem ser assegurados tais como: • Direito de retrocessão É o direito do proprietário de exigir o bem de volta, caso não for dada a ele a destinação que justificou a desapropriação. Este direito está intimamente ligado à ideia de tredestinação, que é o desvio da finalidade do ato desapropriatório. O direito de retrocessão só será cabível se a nova destinação não for pública, ou seja, se houver uma tredestinação ilícita. Dentro desse direito estaria acobertada também a situação da adestinação, quando não se utiliza o bem desapropriado para qualquer finalidade. Comprovada a inviabilidade ou a perda do interesse público, prevista no decreto expropriatório, o ente expropriante poderá adotar uma das modalidades abaixo, na seguinte ordem de preferência: a) Destinar a área para outra finalidade pública; b) Alienar o bem a qualquer interessado, na forma da lei, assegurado a pessoa física ou jurídica desapropriada o direito de preferência. • Direito de extensão É o direito do expropriado de exigir que a desapropriação seja complementada, alcançando parte do bem que não foi incluído no ato declaratório da desapropriação, sob a justificativa que esta parte remanescente se tornou inútil. Recentemente, o STJ entendeu que é possível a desistência da desapropriação a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado. No entanto, é indispensável que sejam previstos os seguintes requisitos: 371 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 FLÁVIA LIMMER • • Ainda não tenha havido o pagamento integral do preço. Caso contrário, já se terá consolidado a transferência da propriedade do expropriado para o expropriante; e O imóvel possa ser devolvido sem que ele tenha sido alterado de forma substancial – isso impede a utilização do imóvel como era feita anteriormente. Ex.: casa foi demolida pelo Poder Público. Desse modo, em regra, é possível o direito de desistência da desapropriação. A desistência poderá ser negada se ficar provada a inexistência de uma das duas circunstâncias acima previstas. Cabe ressaltar que, existindo o pedido de desistência da ação pelo ente expropriante, esta deverá ser homologada. A desistência somente não será homologada caso o expropriado consiga provar que existe circunstância que impeça a desistência. O STJ entende que é ônus do expropriado provar a existência de fato impeditivo do direito de desistência da desapropriação (Inf. 596). Recentemente, o STF entendeu que o trânsito em julgado de sentença condenatória proferida em sede de ação desapropriatória não obsta a propositura de Ação Civil Pública em defesa do patrimônio público, para discutir a dominialidade do bem expropriado, ainda que já se tenha expirado o prazo para a Ação Rescisória. No mesmo julgamento, a corte decidiu que em sede de Ação de Desapropriação, os honorários sucumbenciais só serão devidos caso haja devido pagamento da indenização aos expropriados (STF, RE 1.010.819/PR, julgado em maio de 2021). Por fim, sobre o tema desapropriação, a I Jornada de Direito Administrativo do CJF (2020) publicou três enunciados: ENUNCIADO Enunciado 3 – Não constitui ofensa ao art. 9º do Decreto-Lei n.º 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública. Enunciado 4 – O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal. Enunciado 31. A avaliação do bem expropriado deve levar em conta as condições mercadológicas existentes à época da efetiva perda da posse do bem. 8. TESES DO STJ 8.1. Intervenção do Estado na Propriedade 1) O ato de tombamento geral não precisa individualizar os bens abarcados pelo tombo, pois as restrições impostas pelo Decreto-Lei n.º 25/1937 se estendem à totalidade dos imóveis pertencentes à área tombada. 2) Inexistindo ofensa à harmonia estética de conjunto arquitetônico tombado, não há falar em demolição de construção acrescida. 3) O tombamento do Plano Piloto de Brasília abrange o seu singular conceito urbanístico e paisagístico, que expressa e forma a própria identidade da capital federal. 4) A indenização pela limitação administrativa ao direito de edificar, advinda da criação de área non aedificandi, somente é devida se imposta sobre imóvel urbano e desde que fique demonstrado o prejuízo causado ao proprietário da área. 5) É indevido o direito à indenização se o imóvel expropriado foi adquirido após a imposição de limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço do imóvel. 372 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 6) As restrições relativas à exploração da mata atlântica estabelecidas pelo Decreto n.º 750/1993 constituem mera limitação administrativa, e não desapropriação indireta, sujeitando-se, portanto, à prescrição quinquenal. 7) A indenização referente à cobertura vegetal deve ser calculada em separado do valor da terra nua quando comprovada a exploração dos recursos vegetais de forma lícita e anterior ao processo interventivo na propriedade. 8) Nas hipóteses em que ficar demonstrado que a servidão de passagem abrange área superior àquela prevista na escritura pública, impõe-se o dever de indenizar, sob pena de violação do princípio do justo preço. 9) Os juros compensatórios incidem pela simples perda antecipada da posse, no caso de desapropriação, e pela limitação da propriedade, no caso de servidão administrativa nos termos da Súmula n.º 56/STJ. 10) Não incide imposto de renda sobre os valores indenizatórios recebidos pelo particular em razão de servidão administrativa instituída pelo Poder Público. 11) Admite-se a possibilidade de construções que não afetem a prestação do serviço público na faixa de servidão (art. 3º do Decreto n.º 35.851/1954). 8.2. Desapropriação 1) As Súmulas n.º 12 ("Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios"), 70 ("Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença") e 102 ("A incidência dos juros moratórios sobre compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei") somente se aplicam às situações ocorridas até 12/1/2000, data anterior à vigência da MP 1.997-34. 2) A discussão a respeito da eficácia e efeitos da medida cautelar ou do julgamento de mérito da ADI 2.332 não comporta revisão em recurso especial. 3) Os juros compensatórios observam o percentual vigente no momento de sua incidência. 4) A indenização referente à cobertura vegetal deve ser calculada em separado do valor da terra nua quando comprovada a exploração dos recursos vegetais de forma lícita e anterior ao processo expropriatório. 5) As regras dispostas nos arts. 19 e 33 do CPC, quanto à responsabilidade pelo adiantamento dos honorários periciais, se aplicam às demandas indenizatórias por desapropriação indireta, eis que regidas pelo procedimento comum. 6) Nas ações de desapropriação, incluem-se no cálculo da verba advocatícia as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas (Súmula n.º 131/STJ). 7) A intervenção do Ministério Público nas ações de desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária é obrigatória, porquanto presente o interesse público. 8) A ação de desapropriação direta ou indireta, em regra, não pressupõe automática intervenção do Ministério Público, exceto quando envolver, frontal ou reflexamente, proteção ao meio ambiente, interesse urbanístico ou improbidade administrativa. 9) A imissão provisória na posse do imóvel objeto de desapropriação, caracterizada pela urgência, prescinde de avaliação prévia ou de pagamento integral, exigindo apenas o depósito judicial nos termos do art. 15, § 1º, do Decreto-Lei n.º 3.365/1941. 10) Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade. (Súmula n.º 56/STJ) 373 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 11) Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel, calculados, nos dois casos, sobre o valor da indenização corrigido monetariamente. 12) Na desapropriação, a base de cálculo dos juros compensatórios é a diferença entre os 80% do preço ofertado e o valor do bem definido judicialmente. 14) O termo inicial dos juros moratórios em desapropriações é o dia 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito. 15) O valor da indenização por desapropriação deve ser contemporâneo à data da avaliação do perito judicial. 16) Em se tratando de desapropriação, a prova pericial para a fixação do justo preço somente é dispensável quando há expressa concordância do expropriado com o valor da oferta inicial. 17) Em ação de desapropriação, é possível ao juiz determinar a realização de perícia avaliatória, ainda que os réus tenham concordado com o valor oferecido pelo Estado. 18) A revelia do desapropriado não implica aceitação tácita da oferta, não autorizando a dispensa da avaliação, conforme Súmula n.º 118 do extinto Tribunal Federal de Recursos. 19) Se, em procedimento de desapropriação por interesse social, constatar-se que a área medida do bem é maior do que a escriturada no Registro de Imóveis, o expropriado receberá indenização correspondente à área registrada, ficando a diferença depositada em Juízo até que, posteriormente, se complemente o registro ou se defina a titularidade para o pagamento a quem de direito. 20) Na desapropriação é devida a indenização correspondente aos danos relativos ao fundo de comércio. 21) A imissão provisória na posse não deve ser condicionada ao depósito prévio do valor relativo ao fundo de comércio eventualmente devido. 22) A invasão do imóvel é causa de suspensão do processo expropriatório para fins de reforma agrária (Súmula n.º 354/STJ). 23) Não incide imposto de renda sobre as verbas decorrentes de desapropriação (indenização, juros moratórios e juros compensatórios), seja por necessidade ou utilidade pública seja por interesse social, por não constituir ganho ou acréscimo patrimonial. 24) O valor dos honorários advocatícios em sede de desapropriação deve respeitar os limites impostos pelo art. 27, § 1º, do Decreto-Lei n.º 3.365/1941 qual seja: entre 0,5% e 5% da diferença entre o valor proposto inicialmente pelo imóvel e a indenização imposta judicialmente. 25) O pedido de desistência na ação expropriatória afasta a limitação dos honorários estabelecida no art. 27, § 1º, do Decreto nº 3.365/1941. 26) São aplicáveis às desapropriações indiretas os limites percentuais de honorários advocatícios constantes do art. 27, § 1º, do Decreto-Lei n.º 3.365/1941. 27) O prazo para resgate dos TDAs complementares expedidos para o pagamento de diferença apurada entre o preço do imóvel fixado na sentença e o valor ofertado na inicial pelo expropriante tem como termo a quo a data da imissão provisória na posse, de acordo com o prazo máximo de vinte anos para pagamento da indenização estabelecido pelo art. 184 da CF/88. 28) O promitente comprador tem legitimidade ativa para propor ação cujo objetivo é o recebimento de verba indenizatória decorrente de ação desapropriatória, ainda que a transferência de sua titularidade não tenha sido efetuada perante o registro geral de imóveis. 374 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 FLÁVIA LIMMER 29) O possuidor titular do imóvel desapropriado tem direito ao levantamento da indenização pela perda do seu direito possessório. 30) Nas desapropriações realizadas por concessionária de serviço público, não sujeita a regime de precatório, a regra contida no art. 15-B do Decreto-Lei n.º 3.365/1941 é inaplicável, devendo os juros moratórios incidir a partir do trânsito em julgado da sentença. 31) A ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos, nos termos da Súmula 119 do STJ e na vigência do Código Civil de 1916, e em 10 anos sob a égide do Código Civil de 2002, observando-se a regra de transição disposta no art. 2.028 do CC/2002. 9. JURISPRUDÊNCIA 9.1. Súmulas do STF Súmula 652: Não contraria a Constituição o art. 15, § 1º, do DL n.º 3.365/1941. Súmula 164: No processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão de posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgência. Súmula 378: Na indenização por desapropriação, incluem-se honorários do advogado do expropriado. Súmula 617: A base de cálculo dos honorários de advogado em desapropriação é a diferença entre a oferta e a indenização, corrigidas ambas monetariamente. Súmula 561: Em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez. Súmula 476: Desapropriadas as ações de uma sociedade, o poder desapropriante, imitido na posse, pode exercer, desde logo, todos os direitos inerentes aos respectivos títulos. Súmula 416: Pela demora no pagamento do preço da desapropriação, não cabe indenização complementar além dos juros. Súmula 23: Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada. 9.2. Súmulas do STJ Súmula 354: A invasão do imóvel é causa de suspensão do processo expropriatório para fins de reforma agrária. Súmula 141: Os honorários de advogado em desapropriação direta são calculados sobre a diferença entre a indenização e a oferta, corrigidas monetariamente. Súmula 131: Nas ações de desapropriação incluem-se no cálculo da verba advocatícia as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas. Súmula 113: Os juros compensatórios, na desapropriação direta, incidem a partir da imissão na posse, calculados sobre o valor da indenização, corrigido monetariamente. Súmula 114: Os juros compensatórios, na desapropriação indireta, incidem a partir da ocupação, calculados sobre o valor da indenização, corrigido monetariamente. 375 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 FLÁVIA LIMMER Súmula 102: A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei. ATENÇÃO: esta Súmula só se aplica às situações ocorridas até 12/1/2000 (antes da vigência da MP 1.997-34). Súmula 69: Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel. Súmula 67: Na desapropriação, cabe a atualização monetária, ainda que por mais de uma vez, independente do decurso de prazo superior a um ano entre o cálculo e o efetivo pagamento da indenização. Súmula 56: Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade. 9.3. Informativos do STF121 O DL n.º 3.365/1941 dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Veja o que diz o art. 15-A, que foi incluído pela MP 2.183-56/2001: “Art. 15-A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. § 1º Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. § 2º Não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero. § 3º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença. § 4º Nas ações referidas no § 3º, não será o Poder Público onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação.” O STF analisou a constitucionalidade do art. 15-A do DL n.º 3.365/1941 e chegou às seguintes conclusões: 1) em relação ao “caput” do art. 15-A do DL n.º 3.365/1941: 1.a) reconheceu a constitucionalidade do percentual de juros compensatórios no patamar fixo de 6% ao ano para remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse de seu bem; 1.b) declarou a inconstitucionalidade do vocábulo “até”; 1.c) deu interpretação conforme a Constituição ao “caput” do art. 15-A, de maneira a incidir juros compensatórios sobre a diferença entre 80% do preço ofertado em juízo pelo ente público e o valor do bem fixado na sentença; 2) declarou a constitucionalidade do § 1º do art. 15-A, que condiciona o pagamento dos juros compensatórios à comprovação da “perda da renda comprovadamente sofrida pelo proprietário”; 3) declarou a constitucionalidade do § 2º do art. 15-A, afastando o pagamento de juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência iguais a zero; 4) declarou a constitucionalidade do § 3º do art. 15-A, estendendo as regras e restrições de pagamento dos juros compensatórios à desapropriação indireta. 5) declarou a inconstitucionalidade do § 4º do art. 15-A; 6) declarou a constitucionalidade da estipulação de parâmetros mínimo (0,5%) e máximo (5%) para a concessão de honorários advocatícios e a inconstitucionalidade da expressão “não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais)” prevista no § 1º do art. 27. STF. Plenário. ADI 2332/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/5/2018 (Info 902). O princípio da hierarquia verticalizada, previsto no Decreto-Lei n.º 3.365/1941, não se aplica ao tombamento, disciplinado no Decreto-Lei n.º 25/1937. A lei de tombamento apenas indica ser aplicável a bens pertencentes a pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito 121 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. 376 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 FLÁVIA LIMMER privado e de direito público interno. Ademais, o tombamento feito por ato legislativo possui caráter provisório, ficando o tombamento permanente, este sim, restrito a ato do Executivo. Por fim, o tombamento provisório por ato legislativo não precisa ser precedido de notificação prévia da União, exigência restrita ao procedimento definitivo promovido pelo Executivo estadual. STF. Plenário. ACO 1208 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 24/11/2017. 9.4. Informativos do STJ122 O prazo prescricional para a ação indenizatória por desapropriação indireta é de 10 anos, em regra, salvo comprovação da inexistência de obras ou serviços públicos no local, caso em que o prazo passa a ser de 15 anos. Info 658. EREsp 1.575.846-SC, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por maioria, julgado em 26/6/2019, DJe 30/9/2019. Existe o poder-dever do Município de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares restrito às obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local, sem prejuízo do também poder-dever da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer a sua atuação saneadora. Info 651. REsp 1.164.893SE, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 23/11/2016, DJe 1/7/2019 As restrições ao direito de propriedade, impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não configuram desapropriação indireta. A desapropriação indireta só ocorre quando existe o efetivo apossamento da propriedade pelo Poder Público. Logo, as restrições ao direito de propriedade impostas por normas ambientais configuram limitações administrativas. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1443672/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 11/02/2020. O prazo prescricional para exercer a pretensão de ser indenizado por limitações administrativas é de 5 anos, nos termos do art. 10 do Decreto-Lei 3.365/1941, disposição de regência específica da matéria. STJ. 2ª Turma. EDcl no REsp 1784226/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 6/6/2019. Imóvel do particular foi incluído em unidade de conservação. Houve, no caso, uma limitação administrativa. Ele ajuizou ação de desapropriação indireta pedindo indenização. Mesmo não tendo havido desapropriação indireta, mas sim mera limitação administrativa, o juiz deverá conhecer da ação e julgar seu mérito. Devem ser observados os princípios da instrumentalidade das formas e da primazia da solução integral do mérito. STJ. 1ª Turma. REsp 1653169-RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 19/11/2019 (Info 662). Não se imputa ao Poder Público a responsabilidade integral por alegada desapropriação indireta quando, em gleba cuja ocupação por terceiros apresenta situação consolidada e irreversível, limita-se a realizar serviços públicos de infraestrutura, sem que tenha concorrido para o esbulho ocasionado exclusivamente por particulares. Assim, na medida em que o Poder Público não pratica o ato ilícito denominado “apossamento administrativo” nem, portanto, toma a propriedade do bem para si, não deve responder pela perda da propriedade em desfavor do particular, ainda que realize obras e serviços públicos essenciais para a comunidade instalada no local. STJ. 2ª Turma. REsp 1770001-AM, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/11/2019 (Info 660). A qualificação de imóvel como estação ecológica limita o direito de propriedade, o que afasta a incidência do IPTU. A inclusão do imóvel do particular em Estação Ecológica representa uma evidente limitação administrativa imposta pelo Estado, ocasionando o esvaziamento completo dos atributos inerentes à propriedade ,retirando-lhe o domínio útil do imóvel. Além disso, o art. 49 da Lei nº 9.985/2000 estabelece que a área de uma unidade de conservação de proteção integral é considerada zona rural para efeitos legais, motivo pelo qual não incide IPTU, mas sim ITR, sendo este último tributo de competência tributária 122 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Buscador <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia>. Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: 377 FLÁVIA LIMMER INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 exclusiva da União. STJ. 2ª Turma. REsp 1695340-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/9/2019 (Info 657). Qual é o prazo da ação de desapropriação indireta? Regra: 10 anos (art. 1.238, parágrafo único, do CC/2002). Exceção: o prazo será de 15 anos se ficar comprovada a inexistência de obras ou serviços públicos no local. Em regra, portanto, o prazo prescricional das ações indenizatórias por desapropriação indireta é de 10 anos porque existe uma presunção relativa de que o Poder Público realizou obras ou serviços públicos no local. Admite-se, excepcionalmente, o prazo prescricional de 15 anos, caso a parte interessada comprove, concreta e devidamente, que não foram feitas obras ou serviços no local, afastando a presunção legal. STJ. 1ª Seção. EREsp 1575846-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/6/2019 (Info 658). Nas ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária descabe a restituição, pelo expropriado sucumbente, de honorários periciais aos assistentes técnicos do INCRA e do MPF. STJ. 1ª Turma. REsp 1306051-MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 08/5/2018 (Info 626). QUESTÕES 1. (TJMS) FCC, 2020. A propósito do procedimento da desapropriação, a redação vigente do Decreto-Lei n.º 3.365/1941 estatui que a) a desapropriação deverá se efetivar mediante acordo ou judicialmente, dentro de 5 (cinco) anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e, decorrido tal prazo, este caducará. b) notificado administrativamente o expropriado, ele terá o prazo de 15 (quinze) dias para aceitar ou rejeitar a oferta de indenização, sendo que o silêncio será considerado aceitação. c) a alegação de urgência deve constar obrigatoriamente do decreto de utilidade pública e obrigará o expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 (cento e vinte) dias a contar de sua publicação. d) uma vez notificado pelo expropriante, o particular que não concordar com a indenização oferecida poderá optar por resolver a questão por mediação ou arbitragem. e) a ação, quando a União for autora, será proposta no Distrito Federal ou no foro da Capital do Estado onde for domiciliado o réu, perante o juízo privativo, se houver; se for o Estado o autor, será proposta no foro da Capital respectiva; sendo outro o autor, no foro da situação dos bens. 2. (TJPA) CESPE, 2019. Assinale a opção que indica a denominação dada ao direito do expropriado de exigir de volta o imóvel objeto de desapropriação na hipótese de o poder público não dar o destino adequado ao bem desapropriado. a) desapropriação indireta b) enfiteuse c) tredestinação d) retrocessão e) servidão administrativa 3. (MPE-MG) FUNDEP, 2019. Assinale a alternativa incorreta: a) É possível afirmar que os bens culturais inventariados estão submetidos a especial regime protetivo, a fim de evitar o seu perecimento ou degradação, promover sua preservação e segurança e divulgar a respectiva existência. b) Em razão da natureza fundamental, difusa, indisponível e intergeracional do patrimônio cultural, a determinação pelo Poder Judiciário de medidas tendentes a fazer com que o Legislativo e o Executivo cumpram a missão constitucional de promover a adequada tutela dos bens de valor cultural não implica violação à separação de Poderes. c) O tombamento é um ato administrativo de caráter constitutivo, através do qual um bem de valor cultural ou natural passa a ser digno de preservação após sua inscrição no Livro Tombo. d) É dispensável o prévio tombamento de um bem para viabilizar o acesso à jurisdição em sua defesa. 378 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 FLÁVIA LIMMER 4. (MPE-SP) MPE-SP, 2019. Assinale a alternativa INCORRETA. a) Por se tratar de direito público de natureza real sobre um imóvel particular, para que este sirva ao uso geral como uma extensão ou dependência do domínio público, afetando, assim, o caráter de exclusividade da propriedade, o tombamento sempre será indenizável. b) Ao instituto do tombamento, porque possui disciplina própria, não se aplica o princípio da hierarquia verticalizada prevista no Decreto-Lei n.º 3.365/1941, que excepciona os bens da União do rol dos que podem ser desapropriados. c) O ato de tombamento, seja ele provisório ou definitivo, tem por finalidade preservar o bem identificado como de valor cultural, contrapondo-se aos interesses da propriedade privada, não só limitando o exercício dos direitos inerentes ao bem, mas também obrigando o proprietário às medidas necessárias à sua conservação. d) Na hipótese de restrições administrativas, será devida a indenização a fim de garantir aplicação à teoria da distribuição equânime dos encargos públicos, caso a limitação impeça de se dar ao bem a destinação que se considerava natural, reconhecendo-se o dano especial e anormal, no direito de propriedade. e) É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, assim como impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural. 5. (MPE-PI) CESPE, 2019. Na hipótese de rescisão unilateral de contrato administrativo, a administração pública poderá promover a apropriação provisória dos bens e do serviço vinculado ao objeto do contrato para evitar a interrupção de sua execução. Essa medida representa uma cláusula exorbitante que se materializa em intervenção do Estado na propriedade privada na modalidade denominada a) limitação administrativa. b) requisição administrativa. c) ocupação temporária. d) servidão administrativa. e) retrocessão. COMENTÁRIOS 1. Gabarito – D a) Incorreta. Art. 10 do Decreto-Lei n.º 3.365/1941; b) Incorreta. Art. 10-A, § 1º, IV, do Decreto-Lei n.º 3.365/1941; c) Incorreta. Art. 15, § 2º, do Decreto-Lei n.º 3.365/1941; d) Correta. Art. 10-B do Decreto-Lei n.º 3.365/1941; e) Incorreta. Art. 11 do Decreto-Lei n.º 3.365/1941. 2. Gabarito – D a) Incorreta. Desapropriação indireta é o fato administrativo pelo qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização previa. b) Incorreta. A enfiteuse foi abolida pelo atual Código Civil. Era o desmembramento da propriedade, em que o proprietário (denominado senhorio direto) conferia a alguém (o enfiteuta ou foreiro) o direito real consistente no domínio útil do imóvel, mediante o pagamento de uma importância anual denominada de foro, cânon ou pensão. c) Incorreta. A tredestinação ocorre quando o ente público dá ao bem desapropriado uma destinação diferente daquela que motivou o ato de desapropriar. d) Correta. Art. 519 do CC. e) Incorreta. A servidão administrativa é o direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em face de um serviço público ou de um bem afetado a fim de utilidade pública. 3. Gabarito – C a) Incorreta. Art. 39, § 2º Lei n.º 11.904/2009. 379 FLÁVIA LIMMER b) c) d) e) INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE • 17 Incorreta. Correta. Incorreta. art. 216, § 1º CF/88. Incorreta. art. 216, § 1º CF/88. 4. Gabarito – A a) Incorreta. b) Correta. Art. 5º, do Decreto-Lei n.º 25/1937. c) Correta. REsp 753.534/2011. d) Correta. e) Correta. Art. 23, III e IV, da CF/88. 5. Gabarito – C a) Incorreta. As limitações administrativas derivam do poder de polícia da Administração e são exteriorizadas em imposições unilaterais e imperativas; b) Incorreta. Art.5º, XXV, da CF/88; c) Correta. d) Incorreta. Servidão administrativa é o direito real público que autoriza o Poder Público a usar da propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de interesse coletivo; e) Incorreta. Retrocessão é a reversão do procedimento expropriatório devolvendo-se o bem ao antigo dono, pelo preço atual se não lhe for atribuída uma destinação pública. 380 FLÁVIA LIMMER REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDRE, Ricardo; DE DEUS, João de Deus. Direito Administrativo Esquematizado 3ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 25ª ed., São Paulo: Método, 2017. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Gen Forense, 2013. ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular.” In: Revista Trimestral de Direito Público, nº 24. São Paulo: Malheiros, 1998. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. 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