Teresa Cristina Rego
VYGOTSKY
Uma perspectiva histórico-cultural da educação
COLEÇÃO EDUCAÇÃO E CONHECIMENTO
Coordenador: Antônio Joaquim Severino
– John Dewey – Uma filosofia para educadores em sala de aula
Marcus Vinícius da Cunha
– Vygotsky – Uma perspectiva histórico-cultural da educação
Teresa Cristina Rego
– Henri Wallon – Uma concepção dialética do desenvolvimento
infantil
Izabel Galvão
– Edgar Morin – A educação e a complexidade do ser e do
saber
Izabel Cristina Petraglia
– Agnes Heller – Filosofia, moral e educação
Maria Helena Bittencourt Granjo
– Célestin Freinet – Uma pedagogia de atividade e cooperação
Marisa Del Cioppo Elias
– Comênio – A emergência da modernidade na educação
João Luís Gasparin
– Richard Rorty – A filosofia do Novo Mundo em busca de
mundos novos
Paulo Ghiraldelli Júnior
– Adorno – O poder educativo do pensamento crítico
Bruno Pucci, Newton Ramos-de-Oliveira, Antônio Álvaro Soares
Zuin
– Maquiavel – Educação e cidadania
Lídia Maria Rodrigo
– Ortega y Gasset – Uma crítica da razão pedagógica
Juan Guillermo Droguett
– Friedrich Froebel – O pedagogo dos jardins de infância
Alessandra Arce
– Norbert Elias – Formação, educação e emoções no processo
de civilização
Carlos da Fonseca Brandão
– Bachelard – Pedagogia da razão, pedagogia da imaginação
Elyana Barbosa e Marly Bulcão
– Giambattista Vico – A filosofia e a educação da humanidade
Humberto Guido
– Max Weber – Modernidade, ciência e educação
Alonso Bezerra de Carvalho
– Rousseau – Educação: a máscara e o rosto
Marlene de Souza Dozol
– Anísio Teixeira – Experiência reflexiva e projeto democrático:
a atualidade de uma filosofia da educação
Pedro Angelo Pagni
– Agostinho – Educação e fé na cidade de Deus
Eduardo Antônio Jordão
– Emilia Ferreiro – Uma concepção do desenvolvimento da
escrita na criança
Marilia Claret Geraes Duran
– Pierre Bourdieu – Educação para além da reprodução
Nadia G. Gonçalves e Sandro A. Gonçalves
– Matthew Lipman – Educação para o pensar filosófico na
infância
Cláudio Roberto Brocanelli
© 1994, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Internet: http://www.vozes.com.br
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ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados
sem permissão escrita da Editora.
Editoração e org. literária: José Idair F. Augusto
Capa: Marcos Mattos
ISBN 978-85-326-4500-5 – Edição digital
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Rego, Teresa Cristina
Vygotsky : uma perspectiva histórico-cultural da
educação / Teresa Cristina Rego. – Petrópolis, RJ :
Vozes, 2012. – (Educação e conhecimento)
Bibliografia.
1. Administração de serviços 2. Clientes – Contatos
3. Consumidores – Satisfação 4. Serviço ao cliente
5. Sucesso I. Título. II. Série.
94-4445 CDD-658-812
Índices para catálogo sistemático:
1. Serviços aos clientes : Administração de empresas 658.812
Editado conforme o novo acordo ortográfico.
Agradecimentos
Agradeço ao Antônio Joaquim Severino por ter me proposto o desafio de
escrever este livro, à Marta Kohl de Oliveira que tanto me ensina e inspira,
ao Nelson Motta Mello F. por me ajudar a descobrir tantas coisas e ao Zé
Geraldo pela convivência respeitosa, solidária e tão carinhosa.
Apresentação da coleção
A história da cultura ocidental revela-nos que a educação sempre esteve
intimamente ligada à teoria, produzida tanto no âmbito da filosofia como no
âmbito das ciências humanas em geral. Expressando-se fundamentalmente
como uma práxis social, a educação nunca deixou de referir-se a
fundamentos teóricos, mesmo quando fazia deles uma utilização puramente
ideológica.
Este testemunho da história já seria suficiente para demonstrar o quanto é
necessário, ainda hoje, manter vivo e atuante esse vínculo entre a visão
filosófica e a intenção pedagógica. Vale dizer que é extremamente relevante
e imprescindível a formação filosófica do educador, seja no campo da
produção do conhecimento, seja no campo da avaliação dos fundamentos do
agir, seja ainda no campo da construção da imagem da própria existência
humana. Mas, por outro lado, além das deficiências pedagógicas e
curriculares intrínsecas ao processo de formação dos profissionais da
educação, também a falta de mediações e de recursos culturais dificulta
muito a apropriação, por parte deles, desses elementos que deem conta da
íntima vinculação da educação com seus fundamentos teóricos.
Assim, o objetivo principal desta Coleção é o de ser mais uma mediação,
ágil e eficaz, para colocar ao alcance dos professores, dos estudantes bem
como dos demais profissionais da educação, e mesmo do público em geral,
as linhas básicas do pensamento dos grandes teóricos, destacando sua
contribuição para a melhor compreensão do sentido da educação. A
abordagem de um texto desta natureza, intencionalmente introdutório,
despertando para a relevância das construções teóricas, enquanto
contribuições para a elaboração de visões do homem, do mundo, da
sociedade, da cultura, do saber e do valor, para a educação, certamente
incentivará o interesse do estudioso em aprofundar a análise e reflexão, nos
diversos campos em que se envolve a prática educacional.
Os textos propostos visam apresentar as linhas básicas do pensamento dos
autores, destacando-se as implicações propriamente filosófico-educacionais
desse pensamento. Quer tratando de questões diferentes ao conhecimento,
quer tratando de questões referentes às condições de existência do homem,
quer tratando de questões referentes ao agir, todo pensamento sistematizado
traz em seu bojo elementos profundamente relacionados à educação, uma vez
que esta é, na realidade, um esforço que visa, com certo grau de
sistematicidade, intencionalizar o social no desdobramento do histórico. E,
enquanto tal, a educação se vincula, direta e intrinsecamente, com as
abordagens epistemológicas, antropológicas e axiológicas, presentes,
explícita ou implicitamente, nas produções teóricas da filosofia e das
ciências humanas.
O Projeto desta Coleção está aproveitando os resultados de um esforço
cada vez mais consistente que vem sendo desenvolvido, sobretudo no âmbito
dos cursos de pós-graduação, com vistas à realização de pesquisas e de
estudos que buscam refazer a construção coletiva do conhecimento na
tradição cultural do Ocidente. E a proposta é de se colocar ao alcance de
todos que se envolvem com a educação, essa produção teórica que, por sua
própria natureza, possa contribuir para o esclarecimento e compreensão do
processo educacional, independentemente da área em que essa produção se
deu. A Coleção enfatiza seu objetivo de ampliar o universo das inspirações
teóricas para os educadores, viabilizando-lhes o acesso a um espectro mais
amplo de pensadores.
Inicialmente o Projeto privilegia pensadores modernos e contemporâneos,
que estão marcando mais nitidamente a reflexão nos tempos atuais. Mas em
se tratando de um Projeto que se desdobrará a longo prazo, contemplará
também os pensadores clássicos, da antiguidade e da modernidade. A
proposta inclui também pensadores brasileiros que já deram sua
contribuição ao debate teórico, subsidiando a compreensão de nossa
problemática educacional.
Estamos certos de estar colocando à disposição de todos os estudantes e
profissionais da área mais um valioso instrumento de trabalho didático e um
fecundo roteiro inicial de pesquisa e de reflexão.
Antônio Joaquim Severino
Coordenador
Introdução
O que mais impressiona, dentre vários aspectos, na leitura da obra de
Vygotsky é a sua contemporaneidade. Seus escritos, elaborados há
aproximadamente sessenta anos, ainda hoje têm o efeito do impacto, da
ousadia, da fidelidade à investigação acerca de pontos obscuros e polêmicos
no campo científico.
Vygotsky viveu apenas 37 anos. Morreu de tuberculose em 1934. Apesar
de breve, sua produção intelectual foi extremamente intensa e relevante:
chegou a elaborar cerca de 200 estudos científicos sobre diferentes temas e
sobre as controvérsias e discussões da psicologia contemporânea e das
ciências humanas de um modo geral. É praticamente impossível definir o
alcance da contribuição de sua obra. Para a psicologia, sem dúvida, significa
um avanço, para a pedagogia uma orientação mas também sugere um rico
material para a análise no campo da antropologia, da linguística, da história,
da filosofia e da sociologia.
O estilo de sua obra tem características que lhe são bastante peculiares.
Apesar de seu interesse central ser o estudo da gênese dos processos
psicológicos tipicamente humanos, em seu contexto histórico-cultural, se
deteve ao longo de sua vida acadêmica e profissional, em questões de várias
áreas do conhecimento: arte, literatura, linguística, filosofia, neurologia, no
estudo das deficiências e temas relacionados aos problemas da educação.
Como analisa WERTSCH, essa postura interdisciplinar era coerente com seu
projeto de pesquisa: “Vygotsky foi capaz de agregar diferentes ramos de
conhecimento em um enfoque comum que não separa os indivíduos da
situação cultural em que se desenvolvem. Este enfoque integrador dos
fenômenos sociais, semióticos e psicológicos tem uma capital importância
hoje em dia, transcorrido meio século desde sua morte” (WERTSCH, 1988,
p. 34).
Além de abundantes e marcadamente interdisciplinares, as produções
escritas de Vygotsky são extremamente complexas e densas em informações
preliminares. Isto se deve não somente à característica pouco ortodoxa de
seus trabalhos (os relatos escritos não trazem, por exemplo, detalhes sobre
os procedimentos metodológicos adotados em suas pesquisas), mas também
a diversos outros fatores. A maior parte de sua obra foi editada tardiamente
e, em alguns casos, de forma inadequada e incompleta. Além disso, nos
períodos que sua doença se agravava, ele ditava suas ideias que eram
transcritas por outra pessoa; outras ideias foram conhecidas a partir de
anotações feitas nas suas aulas e palestras, o que muitas vezes resultava em
redações pouco claras. Apesar de alguns de seus textos serem herméticos, de
difícil compreensão, expressam o enorme entusiasmo e fecundidade
intelectual de um jovem pesquisador.
Ler Vygotsky é, com certeza, um exercício de reunir e se apropriar da
fertilidade das descobertas de um estudioso inquieto e obstinado, que
dedicou sua vida ao esforço de romper, transformar e ultrapassar o estado de
conhecimento e reflexão sobre o desenvolvimento humano de seu tempo.
Mesmo não tendo esgotado todo o seu pretensioso projeto inicial (muitas
das questões levantadas por Vygotsky continuam até hoje não respondidas),
ele conseguiu não só antever o futuro, mas apresentar uma série de
perspectivas e diretrizes potencialmente férteis e polêmicas que viriam a ser
aprofundadas por seus colaboradores, muitas, inclusive, somente depois de
sua morte. Como afirmam Cole & Scribner: “As implicações de sua teoria
eram tantas e tão variadas, e o tempo tão curto, que toda sua energia
concentrou-se em abrir novas linhas de investigação ao invés de perseguir
uma linha em particular até esgotá-la. Essa tarefa coube aos colaboradores e
sucessores de Vygotsky, que adotaram suas concepções das mais variadas
maneiras, incorporando-as em novas linhas de pesquisa” (1984, p. 12).
É justamente devido a estes traços bastante particulares, que os trabalhos
deste psicólogo russo costumam ser considerados uma “teoria incompleta”,
uma “obra aberta”, já que não se apresentam como um sistema teórico
acabado, organizado e aprofundado e sim como uma produção interrompida
precocemente, capaz de inspirar e lançar novas bases que viriam a ser mais
bem investigadas no futuro e que ainda são bastante atuais.
Este livro pretende oferecer uma interpretação sobre alguns aspectos da
vida e obra de Vygotsky assim como uma reflexão de possíveis implicações
de seu pensamento à educação. Esperamos que ele possa ser útil para tornar
as suas ideias mais acessíveis e estimular estudos mais aprofundados de sua
obra.
Capítulo I
A VIDA BREVE E INTENSA DE VYGOTSKY
Para compreender o contexto e as razões do direcionamento da obra de
Vygotsky, suas ideias centrais e contribuições, será útil ao leitor saber um
pouco da sua biografia, do percurso intelectual e das condições da
sociedade e da psicologia na Rússia pós-revolucionária que lhe forneceram
o cenário inicial e as questões principais para suas teorias. Assim,
analisaremos, a seguir, o curso de sua vida, a maneira pela qual deu forma às
inúmeras influências recebidas da sua família e dos amigos, do clima
intelectual e social da época em que viveu, de suas leituras e de suas lutas1.
1. PERCURSO INTELECTUAL
Lev Semenovich Vygotsky nasceu a 17 de novembro de 1896 em Orsha,
uma pequena cidade provinciana, na Bielo-Rússia. Sua família, de origem
judaica, propiciava um ambiente bastante desafiador em termos intelectuais
e estável no que diz respeito ao aspecto econômico. Seu pai, pessoa culta,
trabalhava num banco e numa companhia de seguros. Sua mãe, apesar de ter
dedicado grande parte de sua vida à criação dos filhos, era professora
formada. Vygotsky cresceu e viveu por um longo período em Gomel, também
na Bielo-Rússia, na companhia de seus pais e de seus sete irmãos. Casou-se
aos 28 anos, com Roza Smekhova, com quem teve duas filhas. Faleceu em
Moscou, em 11 de junho de 1934, vítima de tuberculose, doença com que
conviveu durante quatorze anos.
Sua educação, até os 15 anos, processou-se totalmente em casa, através de
tutores particulares. Desde cedo mostrou ser um estudante dedicado e ávido
por informações. Gostava de literatura e assuntos relacionados às artes em
geral. Frequentava a biblioteca que tinha em sua casa e a biblioteca pública,
estudava sozinho e com seus amigos.
É bem provável que sua precoce curiosidade por temas de diferentes
campos do conhecimento tenha sido provocada, no início, pelo acesso que
tinha, no seu contexto familiar, a diversos tipos de informações. Outro traço
marcante na formação de Vygotsky, e que alimentou seu gosto pela leitura, foi
o aprendizado de diferentes línguas2, o que permitiu que entrasse em contato
com materiais de diversas procedências. Assim, mesmo tendo viajado
apenas uma vez para o exterior, tinha acesso a informações do restante do
mundo, pois lia, desde muito cedo, mais do que as traduções russas lhe
permitiam.
Aos 17 anos completou o curso secundário, num colégio privado em
Gomel. Nesta ocasião recebeu medalha de ouro pelo seu desempenho3. De
1914 a 1917 estudou Direito e Literatura, na Universidade de Moscou, época
em que começou sua pesquisa literária mais sistemática. O trabalho que
apresentou no término desse curso foi um estudo do Hamlet, de Shakespeare:
“A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca”, que mais tarde, em 1925,
deu origem ao livro Psychology of Art (Psicologia da Arte), que foi
publicado na Rússia somente em 1965. Segundo Luria, já nesse trabalho e
em outros ensaios literários posteriores, é possível identificar sua grande
competência para realizar análises psicológicas, fruto das influências que
recebeu dos estudiosos soviéticos interessados no efeito da linguagem sobre
os processos de pensamento (LURIA, 1988, p. 22).
É curioso observar que no mesmo período em que cursava a Universidade
de Moscou, também participava, na Universidade Popular de Shanyavskii,
de cursos de História e Filosofia (não recebeu, no entanto, nenhum título
acadêmico por essas atividades). Anos mais tarde, o crescente interesse em
compreender o desenvolvimento psicológico do ser humano, e,
particularmente, as anormalidades físicas e mentais, levou Vygotsky a fazer
cursos na Faculdade de Medicina, primeiramente em Moscou e depois em
Kharkov.
Assim, seu percurso acadêmico foi marcado pela interdisciplinaridade já
que transitou por diversos assuntos, desde artes, literatura, linguística,
antropologia, cultura, ciências sociais, psicologia, filosofia e,
posteriormente, até medicina. O mesmo ocorreu com sua atuação
profissional, que foi eclética e intensa e esteve sempre associada ao trabalho
intelectual.
Vygotsky começou sua carreira aos 21 anos, após a Revolução Russa de
1917. Em Gomel, no período de 1917 a 1923, além de escrever críticas
literárias, lecionou e proferiu palestras sobre temas ligados a literatura4,
ciência e psicologia em várias instituições. Já nesta época preocupava-se
também com questões ligadas à pedagogia. Em 1922, por exemplo, publicou
um estudo sobre os métodos de ensino da literatura nas escolas secundárias.
Nessa fase, dirigia a seção de teatro do Departamento de Educação de
Gomel. Na mesma cidade fundou ainda uma editora, uma revista literária e
um laboratório de psicologia no Instituto de Treinamento de Professores,
local onde ministrava cursos de psicologia.
O interesse de Vygotsky pela psicologia acadêmica começou a se delinear
a partir de seu contato, no trabalho de formação de professores, com os
problemas de crianças com defeitos congênitos, tais como: cegueira, retardo
mental severo, afasia etc. Essa experiência o estimulou a encontrar
alternativas que pudessem ajudar o desenvolvimento de crianças portadoras
dessas deficiências. Na verdade, seu estudo sobre a deficiência (tema a que
se dedicou durante vários anos) tinha, não somente o objetivo de contribuir
na reabilitação das crianças mas também significava uma excelente
oportunidade de compreensão dos processos mentais humanos, assunto que
viria a ser o centro de seu projeto de pesquisa.
2. UMA DÉCADA DE MUITO TRABALHO
O ano de 1924 significou um grande marco na sua carreira intelectual e
profissional. A partir dessa data se dedicou mais sistematicamente à
psicologia. No início deste ano realizou uma palestra no II Congresso de
Psicologia em Leningrado, que na época era considerado um dos principais
encontros dos cientistas ligados à psicologia. Na sua exposição, o jovem de
então 28 anos causou surpresa e admiração devido à complexidade do tema
que abordou, à qualidade de sua exposição e à proposição de ideias
revolucionárias sobre o estudo do comportamento consciente humano.
Graças a esta comunicação Vygotsky foi convidado a trabalhar no Instituto de
Psicologia de Moscou.
Assim, no outono daquele ano ele aceita o desafio e muda-se para
Moscou, onde inicialmente trabalhou no Instituto de Psicologia e, tempos
depois, no Instituto de Estudos das Deficiências, por ele fundado.
Simultaneamente, devido a suas investigações sobre os deficientes físicos e
mentais, chegou a dirigir um Departamento de Educação, em Narcompros,
voltado para este público. Naquele mesmo ano escreveu o trabalho:
Problemas da Educação de Crianças cegas, surdo-mudas e retardadas, que
apresentava algumas de suas reflexões sobre o assunto. Ministrou ainda
cursos de Psicologia e Pedagogia em diversas instituições de Moscou e
Leningrado e, anos depois, na Ucrânia.
De 1924 até o ano de sua morte, apesar da doença e das frequentes
hospitalizações, Vygotsky demonstrou um ritmo de produção intelectual
excepcional. Ao longo desses anos, além de amadurecer seu programa de
pesquisa, continuou lecionando, lendo5, escrevendo e desenvolvendo
importantes investigações. Liderou também um grupo de jovens cientistas,
pesquisadores da psicologia e das anormalidades físicas e mentais.
O projeto principal de seu trabalho consistia na tentativa de estudar os
processos de transformação do desenvolvimento humano na sua dimensão
filogenética, histórico-social e ontogenética6. Deteve-se no estudo dos
mecanismos psicológicos mais sofisticados (as chamadas funções
psicológicas superiores), típicos da espécie humana: o controle consciente
do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa,
pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento etc.
Seguindo as premissas do método dialético, procurou identificar as
mudanças qualitativas do comportamento que ocorrem ao longo do
desenvolvimento humano e sua relação com o contexto social. Coerente com
este propósito, Vygotsky fez, no final da década de 20 e no início dos anos
30, relevantes reflexões sobre a questão da educação e de seu papel no
desenvolvimento humano.
Nessa fase se dedicou mais especialmente ao estudo da aprendizagem e
desenvolvimento infantil, trabalhando numa área que, segundo ele, era mais
abrangente que a psicologia: a “chamada `pedologia’ (ciência da criança,
que integra os aspectos biológicos, psicológicos e antropológicos). Ele
considerava essa disciplina como sendo a ciência básica do
desenvolvimento humano, uma síntese das diferentes disciplinas que estudam
a criança” (OLIVEIRA, 1993, p. 20).
É importante ressaltar que a preocupação principal de Vygotsky não era a
de elaborar uma teoria do desenvolvimento infantil. Ele recorre à infância
como forma de poder explicar o comportamento humano no geral,
justificando que a necessidade do estudo da criança reside no fato de ela
estar no centro da pré-história do desenvolvimento cultural devido ao
surgimento do uso de instrumentos e da fala humana.
Apesar de não ter alcançado plenamente suas complexas metas, a obra de
Vygotsky tem particular importância na medida em que “ele foi o primeiro
psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se
parte da natureza de cada pessoa” (COLE & SCRIBNER, 1984, p. 7). Um
dos pontos centrais de sua teoria é que as funções psicológicas superiores
são de origem sociocultural e emergem de processos psicológicos
elementares, de origem biológica (estruturas orgânicas). Ou seja, segundo
ele, a complexidade da estrutura humana deriva do processo de
desenvolvimento profundamente enraizado nas relações entre história
individual e social.
3. A PSICOLOGIA E A SOCIEDADE SOVIÉTICA PÓSREVOLUCIONÁRIA
Podemos afirmar que tanto o “clima de renovação” da sociedade soviética
pós-revolucionária quanto os dilemas presentes na psicologia da época em
que Vygotsky viveu foram definidores de seu programa de trabalho.
Ao analisarmos seu percurso acadêmico e profissional notamos as marcas
do contexto sociopolítico e cultural em que esteve inserido. O fato de ter
sido um intelectual russo, que iniciou sua carreira no auge do período pósrevolucionário, contribuiu para que se envolvesse ativamente na construção
de uma abordagem transformadora da psicologia e da ciência soviética
vigentes até aquele período.
Nessa sociedade, a ciência era extremamente valorizada devido à
expectativa de que os avanços científicos trouxessem a solução dos
prementes problemas sociais e econômicos do povo soviético. A
necessidade de afirmação ideológica e as demandas práticas exigidas pelo
governo influenciavam a elaboração de teorias nos diversos campos do
conhecimento. A produção acadêmica desse período, além de intensa, tinha
um ponto em comum: a preocupação pelo desenvolvimento de abordagens
históricas para a pesquisa de diferentes objetos de estudo.
Desse modo, a atmosfera de sua época era de grande inquietação e
estímulo para a busca de respostas às exigências de uma sociedade em
franco processo de transformação. Um bom exemplo destas aspirações era o
enorme poder atribuído à educação, que se traduzia no esforço de
elaboração de programas educacionais eficientes, que erradicassem o
analfabetismo e oferecessem melhores oportunidades aos cidadãos.
O ideal revolucionário contagiava a todos, pois trazia o desejo de
concretização de rápidos e significativos progressos para todo o povo, num
brevíssimo espaço de tempo. Como avalia Luria, já com aproximadamente
70 anos, num trecho de sua autobiografia: “A Revolução nos libertou –
especialmente a geração mais jovem – para a discussão de novas ideias,
novas filosofias e sistemas sociais. [...] Fomos arrebatados por um
grandioso movimento histórico. Nossos interesses pessoais foram
consumidos em favor das metas mais amplas de uma nova sociedade
coletiva. A atmosfera que se seguiu imediatamente à Revolução
proporcionou a energia para muitos empreendimentos ambiciosos” (LURIA,
1992, p. 24 e 25). Assim a proposta de reestruturar a teoria e a pesquisa
psicológica expressa por Vygotsky estava em fina sintonia com os projetos
sociais e políticos de seu país.
Nas primeiras décadas do século XX, a psicologia soviética (assim como
a europeia e americana) estava dividida em duas tendências radicalmente
antagônicas: “um ramo com características de ciência natural, que poderia
explicar os processos elementares sensoriais e reflexos, e um outro com
características de ciência mental, que descreveria as propriedades
emergentes dos processos psicológicos superiores” (COLE & SCRIBNER,
1984, p. 6).
Desse modo, existia de um lado um grupo que, baseado em pressupostos
da filosofia empirista, via a psicologia como ciência natural que devia se
deter na descrição das formas exteriores de comportamento, entendidas
como habilidades mecanicamente constituídas. Esse grupo limitava-se à
análise dos processos mais elementares e ignorava os fenômenos complexos
da atividade consciente, especificamente humana. Já de outro lado, o outro
grupo, inspirado nos princípios da filosofia idealista, entendia a psicologia
como ciência mental, acreditando que a vida psíquica humana não poderia
ser objeto de estudo da ciência objetiva, já que era manifestação do espírito.
Este grupo não ignorava as funções mais complexas do ser humano, mas se
detinha na descrição subjetiva de tais fenômenos.
4. A PROPOSIÇÃO DE UMA NOVA PSICOLOGIA
Vygotsky entendia que ambas tendências, além de não possibilitarem a
fundamentação necessária para a construção de uma teoria consistente sobre
os processos psicológicos tipicamente humanos, acabaram promovendo uma
séria crise na psicologia. Ao mesmo tempo que tecia críticas contundentes às
correntes idealista e mecanicista, buscava a superação desta situação através
da aplicação dos métodos e princípios do materialismo dialético, para a
compreensão do aspecto intelectual humano. Ele acreditava que através
desta abordagem abrangente seria possível não somente descrever mas
também explicar as funções psicológicas superiores.
Pretendia construir, assim, sobre bases teóricas completamente diferentes,
uma “nova psicologia” que sintetizasse e transformasse as duas abordagens
radicais anteriores: uma teoria marxista do funcionamento intelectual
humano. Essa nova abordagem deveria incluir: “[...] a identificação dos
mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada função: a explicação
detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, com o objetivo de
estabelecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que
aparentava ser o mesmo comportamento; e, de forma importante, deveria
incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento
de comportamento” (COLE & SCRIBNER, 1984, p. 6).
Essa grande “empreitada intelectual” contava com a participação de
talentosos pesquisadores, dentre eles, Alexander Romanovich Luria (19021977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), principais
colaboradores de Vygotsky e que o acompanharam até a sua morte, uma
década mais tarde7. Juntos eles constituíram a chamada “troika”, que
traduzia as aspirações, o idealismo e a efervescência cultural de uma
sociedade pós-revolucionária. Como avalia Luria: “Com Vygotsky como
líder reconhecido, empreendemos uma revisão crítica da história e da
situação da psicologia na Rússia e no resto do mundo. Nosso propósito,
superambicioso como tudo na época, era criar um novo modo, mais
abrangente, de estudar os processos psicológicos humanos” (LURIA, 1988,
p. 22).
Vygotsky e seus colaboradores se encontravam com bastante frequência
(aproximadamente seis horas por dia, duas vezes por semana), inicialmente
no apartamento de Vygotsky. Embora centrada na psicologia, a curiosidade
do grupo pela investigação do ser humano era ilimitada.
Nestes encontros estudavam com avidez os trabalhos produzidos nos
cinquenta anos precedentes nos campos da psicologia, da sociologia, da
biologia e da linguística, por pensadores russos e também de autores
estrangeiros. Pelo fato de eles lerem em latim, espanhol, alemão, inglês e
francês, tinham acesso a uma série de publicações estrangeiras. No final da
década de 20 e início da década de 30 eles promoveram a tradução de
livros, publicaram importantes artigos sobre esses estudos e escreveram
prefácios onde interpretavam as ideias de autores da Europa Ocidental e dos
Estados Unidos.
Entre 1927 e 1928, a “troika” associou-se e transferiu-se para o
laboratório de psicologia do Instituto de Educação Comunista, ao qual se
associou. Foi nesse mesmo período que Vygotsky começou a criar o Instituto
de Estudos da Deficiência, com o objetivo de estudar o desenvolvimento de
crianças anormais. Nessa fase, além de estudarem e criticarem de modo mais
sistemático as escolas existentes de psicologia, coordenavam um grupo de
jovens estudantes que era orientado no sentido de realizar experimentos
coerentes com o estilo de pesquisa e pensamento que desenvolviam (muitos
desses estudantes vieram, no pós-guerra, a assumir papel de destaque na
psicologia soviética).
Partindo do pressuposto da necessidade de estudar o comportamento
humano enquanto fenômeno histórico e socialmente determinado, Vygotsky e
seus seguidores se dedicavam principalmente à construção de estudospilotos que pudessem atestar a ideia de que o pensamento adulto é
culturalmente mediado, sendo que a linguagem é o meio principal desta
mediação.
Neste período Vygotsky escreveu alguns importantes trabalhos, dentre
eles: Os princípios da educação social de crianças surdas-mudas (1925),
O consciente como problema da psicologia do comportamento (1925), O
significado histórico da crise da psicologia (1926), A pedologia de
crianças em idade escolar (1928), Estudos sobre a história do
comportamento (escrito juntamente com Luria) (1930), O instrumento e o
símbolo no desenvolvimento das crianças (1930), A história do
desenvolvimento das funções psicológicas superiores (1931), Lições de
psicologia (1932), Fundamentos da Pedologia (1934), Pensamento e
linguagem (1934), Desenvolvimento mental da criança durante a educação
(1935) e A criança retardada (1935).
Dedicou-se também à escrita de alguns trabalhos durante vários anos de
sua vida, tais como: Pedologia da juventude: características do
comportamento do adolescente, O problema do desenvolvimento cultural
da criança e A criança cega.
Como é possível observar, é significativa a variedade das questões
tratadas por Vygotsky nos últimos dez anos de sua vida profissional. Seus
trabalhos expressam o objetivo de compreender os diferentes aspectos da
conduta humana através do esforço de reunir informações de campos
distintos.
Concordamos com Bronckart quando afirma que a variedade dos temas
abordados por Vygotsky não resultaram em trabalhos superficiais, nem
tampouco dispersos, pelo contrário, “sob a diversidade dos temas, se
desenvolve um pensamento profundamente unitário” (1985, p. 11).
5. PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS
Foram inúmeras as influências recebidas por Vygotsky ao longo de sua
vida intelectual. Como já mencionamos, ele teve uma significativa influência
de pesqui- sadores da área da linguística, que, a partir de uma abordagem
histórica, se dedicavam ao estudo da origem da linguagem e sua relação com
o desenvolvimento do pensamento, tais como os russos A.A. Potebnya e
Alexander von Humboldt. Vygotsky também se interessou pelo estudo
comparativo entre o comportamento animal e humano, particularmente pelas
pesquisas do especialista soviético V.A. Wagner.
O pensamento marxista também foi para ele uma fonte científica valiosa.
Podemos identificar os pressupostos filosóficos, epistemológicos e
metodológicos de sua obra na teoria dialético-materialista. As concepções
de Marx e Engels sobre a sociedade, o trabalho humano, o uso dos
instrumentos, e a interação dialética entre o homem e a natureza serviram
como fundamento principal às suas teses sobre o desenvolvimento humano
profundamente enraizado na sociedade e na cultura.
Na União Soviética, nos anos 20, vários teóricos se utilizavam das
abordagens históricas e do desenvolvimento no estudo da natureza humana;
dentre eles, os que exerceram maior influência sobre as ideias de Vygotsky
foram K.N. Kornilov e P.P. Blonsky. As pesquisas desses psicólogos
soviéticos contribuíram para que Vygotsky percebesse a necessidade do
estudo do comportamento humano enquanto fenômeno histórico e
socialmente determinado.
Finalmente, podemos entender que parte do enorme interesse de Vygotsky
pelo estudo do desenvolvimento dos processos mentais ao longo da história
da espécie e em diferentes culturas esteja relacionado às influências dos
trabalhos de sociólogos e antropólogos europeus ocidentais, tais como R.
Thurnwald e L. Levy-Bruhl.
Na ciência foram seus contemporâneos os adeptos das teorias
comportamentais, privilegiadores da associação estímulo-resposta, entre
eles, Ivan Pavlov, Wladimir Betkterev e John B. Watson e os fundadores do
movimento da Gestalt na psicologia, tais como: Wertheimer, Wolfgang
Kohler, Koffka e Kurt Lewin. Os trabalhos produzidos por estes estudiosos
serviram como contraponto importante ao pensamento elaborado por
Vygotsky.
Ele foi também contemporâneo do epistemólogo suíço Jean Piaget. No
entanto, só teve contato com os trabalhos de Piaget produzidos no início dos
anos 20. Leu essas produções com muito interesse; chegou inclusive a
escrever o prefácio para a edição russa de dois livros de Piaget: A
linguagem e pensamento na criança e O raciocínio da criança. Na época
fez importantes críticas às teses defendidas por Piaget (que soube desses
comentários bem mais tarde, depois que Vygotsky já havia morrido). Apesar
de apontar suas divergências (como, por exemplo, quanto à interpretação da
relação entre pensamento e linguagem), reconheceu a riqueza do método
clínico adotado por Piaget, no estudo do processo cognitivo individual, e a
semelhança de interesse no estudo da gênese dos processos psicológicos.
6. A PROIBIÇÃO E REDESCOBERTA DE SUA OBRA
A obra de Vygotsky começou a receber severas críticas, na Rússia, a
partir de 1932. Durante o governo de Stalin, suas teorias foram consideradas
“idealistas” pelas autoridades soviéticas. Nessa época, os trabalhos de
Pavlov eram muito valorizados justamente porque ele defendia a enorme
plasticidade e as potencialidades dos seres humanos diante das pressões do
meio ambiente. Vygotsky, apesar de concordar com a ideia da plasticidade
do homem, frente às influências da cultura, era bastante crítico à abordagem
de PAVLOV. Argumentava que os seres humanos não deveriam ser
considerados, pelos marxistas, apenas em função de suas reações ao
ambiente exterior, mas também a maneira pela qual eles criam seu ambiente,
o que por sua vez dá origem a novas formas de consciência. As críticas
dirigidas a ele parecem ter sido provocadas pelo fato de ele ter sido
“exigente demais e profundamente marxista para se submeter aos dogmas
impostos à ciência pelo stalinismo” (BRONCKART, 1985, p. 15).
Após sua morte, Vygotsky teve a publicação de suas obras proibida na
União Soviética, no período de 1936 a 1956, devido à censura do totalitário
regime stalinista e foi, por um longo período, ignorado no Ocidente.
Começou a ser redescoberto somente a partir de 1956, data da reedição
soviética do livro: Pensamento e linguagem. As ideias de Vygotsky
puderam ser conhecidas no Ocidente a partir de 1962, data da primeira
edição americana do livro Pensamento e linguagem. No Brasil o contato com
seu pensamento foi ainda mais tardio: somente a partir de 1984, data da
publicação do livro A formação social da mente.
Atualmente, alguns dos numerosos escritos de Vygotsky já foram
traduzidos para diversas línguas, dentre elas, para o inglês, espanhol,
italiano, português e francês. É com relativa rapidez que suas ideias vêm
sendo disseminadas, discutidas e valorizadas. Esses debates vêm dando
origem a relevantes estudos que visam não só a um conhecimento mais
aprofundado de seus postulados como à realização de pesquisas que
avancem no sentido por ele apontado8. No entanto, os países ocidentais não
tiveram, até o atual momento, acesso à totalidade de sua produção
intelectual, já que grande parte de seus textos somente agora começa a ser
traduzida no russo, sendo que alguns, inclusive, não foram editados nem
mesmo na União Soviética.
Apesar do conhecimento tardio e incompleto de sua obra, Vygotsky é hoje
considerado um dos mais importantes psicólogos do nosso século. É
significativa a influência e repercussão que a obra vygotskiana vem
provocando na psicologia e educação, não só no Brasil como em outros
países ocidentais.
1. Maiores referências sobre a biografia do autor podem ser encontradas em Cole & Scribner (1978),
Levitin (1982), Bronckart (1985), Luria (1988), Wertsch (1988) e Oliveira (1993).
2. Vygotsky chegou a estudar alemão, latim, hebraico, francês e inglês.
3. Apesar das evidências de sua brilhante capacidade intelectual Vygotsky, por ser judeu, teve enormes
dificuldades de ingressar na Universidade. Nessa época na Rússia, os judeus sofriam as mais diversas
formas de discriminação, tinham que viver em territórios restritos, se sujeitar a um número limitado de
vagas nas universidades (por exemplo, na Universidade de Moscou apenas 3% das vagas podiam ser
ocupadas por estudantes judeus), eram impedidos de exercer todas as profissões etc. (WERTSCH,
1988, p. 23).
4. Vygotsky se interessava pela estética, particularmente pelo significado histórico e psicológico da obra
de arte de um modo geral. Buscava a interpretação dessas obras a partir da teoria das emoções de
Spinoza (BRONCKART, 1985, p. 7).
5. Ao longo desse período Vygotsky lia com avidez obras de diversas áreas do conhecimento. “Entre os
autores que se destacavam nas leituras de Vygotsky figuravam poetas como Tyuchev, Blok,
Mandel’shtam e Pushkin, escritores de ficção como Tolstoy e Dostoyevsky, Bely e Bunin e filósofos
como James e, especialmente, Spinoza. Também leu as obras de Freud, Marx, Engels, Hegel, Pavlov e
o filólogo russo Potebnya.” (WERTSCH, 1988, p. 27).
6. Wertsch (1988) identifica ainda, nos postulados vygotskianos, um outro domínio: o microgenético.
Segundo ele, os comentários de Vygotsky acerca dos procedimentos experimentais em psicologia
evidenciam sua concepção sobre a necessária análise da dimensão microgenética envolvida na
formação e manifestação de determinado processo psicológico.
7. Luria tornou-se um dos mais renomados neuropsicólogos do mundo. Produziu uma obra científica
bastante relevante (boa parte de seus trabalhos já foram publicados no Brasil), onde tratou de diversos
temas, tais como: a questão do funcionamento cerebral, os processos psicológicos e os diferentes
contextos culturais, distúrbios da linguagem etc. Leontiev, apesar de ter produzido menos e ter
alcançado menor repercussão do que Luria no Ocidente, trouxe importantes colaborações à obra
iniciada por Vygotsky. Dedicou-se ao estudo das relações entre o psiquismo humano e a cultura,
especialmente a partir da análise da atividade humana.
8. Sendo assim, o estudo mais aprofundado do pensamento de Vygotsky por parte dos pesquisadores
brasileiros tem se viabilizado graças ao acesso a publicações estrangeiras de seus textos, de seus
principais colaboradores e de seus “intérpretes contemporâneos”, tais como J.V. Wertsch, M. Cole, J.
Valsiner, R.V. Veer, S. Scribner, E. Forman, A. Cazden, J.B. Bronckart, A. Rivière e V.D. Davidov.
Capítulo II
A CULTURA TORNA-SE PARTE DA NATUREZA
HUMANA
Uma das principais características da obra de Vygotsky é a riqueza e
diversidade dos assuntos que abordou. Dedicou-se à análise de diversos
temas relacionados a seu problema central, dentre eles, a crise da
psicologia, as diferenças entre o psiquismo animal e humano, a gênese social
das funções psicológicas superiores, as relações entre pensamento e
linguagem, a questão da mediação simbólica, as relações entre
desenvolvimento e aprendizagem e os processos de aprendizagem que
ocorrem no contexto escolar e extraescolar, o problema das deficiências
física e mental, o papel das diferentes culturas no desenvolvimento das
funções psíquicas, a questão do brinquedo, a evolução da escrita na criança
e a psicologia da arte. Essa variedade era coerente com seu projeto que
visava articular informações dos diferentes componentes que integram os
processos mentais: neurológico, psicológico, linguístico e cultural.
Dentro dos limites do presente trabalho não é possível abordar todos os
aspectos de sua obra. Vamos, no entanto, fazer uma síntese das principais
ideias fundadas nos seus postulados e desenvolvidas em seus escritos,
particularmente aquelas que propiciam reflexões no campo da educação. As
propostas de Vygotsky foram aprofundadas por seus colaboradores. Assim,
sempre que necessário recorreremos aos escritos de Luria e Leontiev com o
objetivo de conhecer melhor suas concepções. Nossa intenção é possibilitar
ao leitor uma análise geral e necessariamente introdutória, que estimule a
consulta, o estudo e o aprofundamento da obra deste importante autor.
O texto está organizado da seguinte maneira: primeiramente procuraremos
esclarecer os objetivos principais que orientaram as pesquisas
experimentais e as formulações teóricas de Vygotsky; em seguida, nos
deteremos na análise de alguns temas centrais de seu pensamento.
1. O PROGRAMA DE PESQUISA
A teoria histórico-cultural (ou sócio-histórica) do psiquismo, também
conhecida como abordagem sociointeracionista elaborada por Vygotsky, tem
como objetivo central “caracterizar os aspectos tipicamente humanos do
comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se
formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a
vida de um indivíduo” (VYGOTSKY, 1984, p. 21).
Este projeto objetivava dar respostas a três questões fundamentais que,
segundo ele, vinham sendo tratadas de forma inadequada pelos estudiosos
interessados na psicologia humana e animal. A primeira se referia à tentativa
de compreender a relação entre os seres humanos e o seu ambiente físico e
social. A segunda, à intenção de identificar as formas novas de atividade que
fizeram com que o trabalho fosse o meio fundamental de relacionamento
entre homem e natureza, assim como examinar as consequências psicológicas
dessas formas de atividade. A terceira e última questão se relacionava à
análise da natureza das relações entre o uso de instrumentos e o
desenvolvimento da linguagem (VYGOTSKY, 1984, p. 21).
Vygotsky se dedicou ao estudo das chamadas funções psicológicas
superiores, que consistem no modo de funcionamento psicológico
tipicamente humano, tais como a capacidade de planejamento, memória
voluntária, imaginação, etc. Estes processos mentais são considerados
sofisticados e “superiores”, porque referem-se a mecanismos intencionais,
ações conscientemente controladas, processos voluntários que dão ao
indivíduo a possibilidade de independência em relação às características do
momento e espaço presente.
Segundo ele, estes processos não são inatos, eles se originam nas relações
entre indivíduos humanos e se desenvolvem ao longo do processo de
internalização de formas culturais de comportamento. Diferem, portanto, dos
processos psicológicos elementares (presentes na criança pequena e nos
animais), tais como, reações automáticas, ações reflexas e associações
simples, que são de origem biológica.
Vygotsky e seus colaboradores buscaram a comprovação dessas ideias
através de experimentos com crianças e de investigações das formas de
organização dos processos mentais em indivíduos de diferentes culturas. O
estudo dos processos psicológicos à luz da abordagem sócio-histórica
permitiu a definição de diversas linhas de pesquisa, tais como: estudo do
desenvolvimento de uma criança, de um grupo cultural e “da dissolução de
processos psicológicos, uma vez que as doenças e traumatismos desfazem
aquilo que a evolução e a experiência cultural ajudaram a construir” (COLE,
1992, p. 212).
Desse modo, podemos considerar que seus trabalhos pertencem ao campo
da psicologia genética9, já que se preocupou com o estudo da gênese,
formação e evolução dos processos psíquicos superiores do ser humano.
Para a psicologia genética, o psiquismo humano se constitui ao longo da vida
do sujeito; não é, portanto, uma “propriedade” ou “faculdade”
primitivamente existente no indivíduo. A psicologia genética estuda a
infância justamente para tentar compreender a formação dos complexos
processos psíquicos e das etapas pelos quais eles passam em sua evolução.
O seu programa de pesquisa traduzia a tentativa de buscar uma abordagem
alternativa, que superasse as tendências antagônicas presentes na psicologia
de sua época. Baseado nos princípios do materialismo dialético, procurou
construir uma “nova psicologia”, com o objetivo de integrar, “numa mesma
perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e
social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo
histórico” (OLIVEIRA, 1993, p. 23).
2. PRINCIPAIS IDEIAS DE VYGOTSKY
A compreensão dessa abordagem diferente depende do estabelecimento
das teses básicas presentes em toda a sua obra e que serão explorados ao
longo deste livro. Quais são estas teses?
A primeira se refere à relação indivíduo/sociedade. Vygotsky afirma que
as características tipicamente humanas não estão presentes desde o
nascimento do indivíduo, nem são mero resultado das pressões do meio
externo. Elas resultam da interação dialética do homem e seu meio
sociocultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio
para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si mesmo.
Em outras palavras, quando o homem modifica o ambiente através de seu
próprio comportamento, essa mesma modificação vai influenciar seu
comportamento futuro. Notamos, neste princípio, a integração dos aspectos
biológicos e sociais do indivíduo: “as funções psicológicas superiores do
ser humano surgem da interação dos fatores biológicos, que são parte da
constituição física do Homo sapiens, com os fatores culturais, que evoluíram
através das dezenas de milhares de anos de história humana” (LURIA, 1992,
p. 60).
A segunda é decorrência da ideia anterior, e se refere à origem cultural
das funções psíquicas. As funções psicológicas especificamente humanas se
originam nas relações do indivíduo e seu contexto cultural e social. Isto é, o
desenvolvimento mental humano não é dado a priori, não é imutável e
universal, não é passivo, nem tampouco independente do desenvolvimento
histórico e das formas sociais da vida humana. A cultura é, portanto, parte
constitutiva da natureza humana, já que sua característica psicológica se dá
através da internalização dos modos historicamente determinados e
culturalmente organizados de operar com informações.
A terceira tese se refere à base biológica do funcionamento psicológico: o
cérebro, visto como órgão principal da atividade mental. O cérebro, produto
de uma longa evolução, é o substrato material da atividade psíquica que
cada membro da espécie traz consigo ao nascer. No entanto, esta base
material não significa um sistema imutável e fixo.
O cérebro é entendido como um “sistema aberto, de grande plasticidade,
cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história
da espécie e do desenvolvimento individual. [...] o cérebro pode servir a
novas funções, criadas na história do homem, sem que sejam necessárias
transformações no órgão físico” (Oliveira, 1993, p. 24).
O quarto postulado diz respeito à característica mediação presente em
toda atividade humana. São os instrumentos técnicos e os sistemas de signos,
construídos historicamente, que fazem a mediação dos seres humanos entre si
e deles com o mundo. A linguagem é um signo mediador por excelência, pois
ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura
humana.
Entende-se assim que a relação do homem com o mundo não é uma
relação direta, pois é mediada por meios, que se constituem nas “ferramentas
auxiliares” da atividade humana. A capacidade de criar essas “ferramentas”
é exclusiva da espécie humana. O pressuposto da mediação é fundamental na
perspectiva sócio-histórica justamente porque é através dos instrumentos e
signos que os processos de funcionamento psicológico são fornecidos pela
cultura. É por isso que Vygotsky confere à linguagem um papel de destaque
no processo de pensamentos.
A quinta tese postula que a análise psicológica deve ser capaz de
conservar as características básicas dos processos psicológicos,
exclusivamente humanos. Este princípio está baseado na ideia de que os
processos psicológicos complexos se diferenciam dos mecanismos mais
elementares e não podem, portanto, ser reduzidos à cadeia de reflexos. Estes
modos de funcionamento psicológicos mais sofisticados, que se
desenvolvem num processo histórico, podem ser explicados e descritos.
Assim, ao abordar a consciência humana como produto da história social,
aponta na direção da necessidade do estudo das mudanças que ocorrem no
desenvolvimento mental a partir do contexto social.
3. DIFERENÇAS ENTRE O PSIQUISMO DOS ANIMAIS E
DO HOMEM
Coerente com o propósito de pesquisar a origem das características
psicológicas tipicamente humanas, Vygotsky se interessou pelos estudos do
comportamento e psiquismo dos animais (particularmente dos mamíferos
superiores como os chimpanzés, que estão mais próximos da espécie
humana), com o objetivo de identificar as principais diferenças e possíveis
semelhanças com o ser humano. A comparação entre os processos mentais
dos animais e dos homens é constante ao longo de sua obra, portanto, será
útil ao leitor compreender as suas concepções sobre o assunto10.
Ele e seus seguidores identificam basicamente três traços característicos
no comportamento do animal que o diferencia do psiquismo do ser humano, a
saber:
1. Diferentemente do comportamento humano, todo comportamento do
animal conserva sua ligação com os motivos biológicos.
A atividade dos animais é instintiva e marcada pela satisfação de suas
necessidades biológicas (de alimento, autoconservação ou necessidade
sexual). Ou seja, ela permanece sempre dentro dos limites das suas relações
biológicas, instintivas, com a natureza. O modo de perceber o mundo pelo
animal, a forma de se relacionar com seus semelhantes e até as
possibilidades de aquisição de novas atividades, são determinadas por suas
características inatas. Vejamos alguns exemplos:11
Num experimento propuseram a vários chimpanzés o seguinte problema:
colocaram uma banana num lugar alto, porém visível aos animais, e
deixaram à disposição vários caixotes para que eles pudessem empilhar,
para sobre eles trepar e alcançar o alimento. Embora cada macaco
individualmente fosse capaz de resolver o problema, em grupo não
conseguiram, pois cada um agia como se estivesse sozinho, o que acabava
promovendo situações de luta e acirrada disputa pela posse dos caixotes até
a desistência de alcançar o alimento. Este experimento demonstra que o
animal não consegue organizar uma ação comum (onde cada um teria uma
tarefa), pois cada um busca, instintivamente, saciar sua necessidade (no caso
alcançar o alimento) e, como consequência, não estebelece relações com
seus semelhantes.
Um outro exemplo interessante é o caso das abelhas que só desempenham
papéis diferentes (por exemplo, as operárias fabricam as células, a rainha
deposita os ovos), devido a fatores biológicos herdados. Podemos verificar
ainda as limitações do programa congênito no comportamento no que diz
respeito à possibilidade de aprendizagem de novas atividades, como por
exemplo: o leão marinho aprende com facilidade a fazer malabarismos com
uma bola ou agarrá-la porque estas atividades estão associadas às
habilidades inatas de sua espécie: o mergulho e a perseguição à presa.
A maior parte dos atos humanos não se baseia em inclinações biológicas.
Ao contrário, de modo geral, a ação do homem é motivada por complexas
necessidades, tais como: a necessidade de adquirir novos conhecimentos, de
se comunicar, de ocupar determinado papel na sociedade, de ser coerente
com seus princípios e valores etc. São inúmeros os exemplos que ilustram a
independência do comportamento do ser humano em relação aos motivos
biológicos: devido a convicções políticas ou religiosas, o homem é capaz,
por exemplo, de jejuar, fazer sacrifícios, se autoflagelar e até morrer, ou
seja, através do controle intencional de seu comportamento, além de não se
sujeitar a elas, ele reprime e até contraria suas necessidades puramente
biológicas.
2. Diferente gesto do comportamento animal, o comportamento humano
não é forçosamente determinado por estímulos imediatamente
perceptíveis ou pela experiência passada.
As reações dos animais se baseiam nas impressões evidentes recebidas
do meio exterior ou pela experiência anterior. Ele é, portanto, incapaz de
abstrair, fazer relações ou planejar ações. Alguns exemplos poderão ilustrar
esta característica: se num churrasco, deixarmos por esquecimento uma
carne próxima a um cachorro com fome ele provavelmente a comerá, ou
seja, não conseguirá perceber que aquela carne se destina às pessoas, nem
prever as consequências de seus atos, muito menos controlar seu
comportamento (aguardar o momento em que lhe oferecerão comida).
Luria cita uma pesquisa (feita pelo psicólogo holandês Buytendijk) que
esclarece a dependência do animal de suas experiências anteriores: “Ele
colocou diante de um animal várias caixas nas quais poder-se-ia encontrar
alimento. No primeiro teste, o alimento foi posto aos olhos do animal na
primeira caixa, permitindo-se ao animal apanhá-lo. No segundo teste, o
alimento (também aos olhos do animal) foi transferido para uma segunda
caixa, em seguida para uma terceira. Depois, nos experimentos seguintes,
começou-se (já sem que o animal percebesse) a transferir sucessivamente o
alimento para cada caixa seguinte, permitindo sempre ao animal correr
livremente para a caixa onde ele supunha encontrar o alimento. A pesquisa
demonstrou que o animal corre sempre para a caixa onde vira que havia sido
posto o alimento” (LURIA, 1991, p. 69). O animal não conseguia considerar
o princípio abstrato da sequência, do deslocamento sucessivo do alimento
entre as caixas.
Diferente do animal, o ser humano não se orienta somente pela impressão
imediata e pela experiência anterior, pois pode abstrair, fazer relações,
reconhecer as causas e fazer previsões sobre os acontecimentos, e depois de
refletir e interpretar, tomar decisões. Nesse sentido, ele é livre e
independente das condições do momento e do espaço presentes.
Por exemplo, mesmo doente e precisando tomar determinado
medicamento, o homem poderá deixar de tomar o remédio caso o prazo de
validade já tenha vencido. Mesmo com sede, provavelmente evitará tomar
uma água que esteja contaminada. Mesmo com fome, poderá recusar um
suculento prato de comida, caso saiba que este alimento foi preparado sem
as mínimas condições de higiene. “Assim, ao sair a passeio num claro dia de
outono, o homem pode levar guarda-chuva, pois sabe que o tempo é instável
no outono. Aqui ele obedece a um profundo conhecimento das leis da
natureza e não à impressão imediata de um tempo de sol e céu claro”
(LURIA, 1991, p. 72).
Em síntese, o homem não vive somente no mundo das impressões
imediatas (como os animais), mas também no universo dos conceitos
abstratos, já que “dispõe, não só de um conhecimento sensorial, mas também
de um conhecimento racional, possui a capacidade de penetrar mais
profundamente na essência das coisas do que lhe permitem os órgãos dos
sentidos; quer dizer que, com a passagem do mundo animal à história
humana, dá-se um enorme salto no processo de conhecimento desde o
sensorial até o racional” (LURIA, 1986, p. 12).
3. As diferenças das fontes de comportamento do homem e do animal.
As fontes de comportamento do animal são limitadas: uma é a experiência
da espécie, que é transmitida hereditariamente (comportamento instintivo,
inato); a outra é sua experiência imediata e individual (mecanismos de
adaptação individual ao meio), responsável pela variação no comportamento
dos animais. A imitação ocupa um lugar muito insignificante na formação do
comportamento animal. Ou seja, diferentemente do homem, o animal não
transmite a sua experiência, não assimila a experiência alheia, nem tampouco
é capaz de transmitir (ou aprender) a experiência das gerações anteriores.
Uma das principais características que distingue radicalmente o homem
dos animais é justamente o fato de que, além das definições hereditárias e da
experiência individual, a atividade consciente do homem tem uma terceira
fonte, responsável pela grande maioria dos conhecimentos, habilidades e
procedimentos comportamentais: a assimilação da experiência de toda a
humanidade, acumulada no processo da história social e transmitida no
processo de aprendizagem. Podemos entender que, nesta perspectiva, o
desenvolvimento do psiquismo animal é determinado pelas leis da evolução
biológica e o do ser humano está submetido às leis do desenvolvimento
sócio-histórico.
As características do funcionamento psicológico tipicamente humano não
são transmitidas por hereditariedade (portanto, não estão presentes desde o
nascimento do indivíduo), nem são adquiridas passivamente graças à
pressão do ambiente externo. Elas são construídas ao longo da vida do
indivíduo através de um processo de interação do homem e seu meio físico
e social, que possibilita a apropriação da cultura elaborada pelas gerações
precedentes, ao longo de milênios. Como afirmou Leontiev: “Cada indivíduo
aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta
para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado
no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana”
(LEONTIEV, 1978, p. 267).
Assim, Vygotsky, profundamente influenciado pelos postulados marxistas,
afirma que as origens das atividades psicológicas mais sofisticadas devem
ser procuradas nas relações sociais do indivíduo com o meio externo.
Entende que o ser humano não só é um produto de seu contexto social, mas
também um agente ativo na criação deste contexto. Acredita que para
compreender as formas especificamente humanas é necessário (e possível)
descobrir a relação entre a dimensão biológica (os processos naturais,
como: a maturação física e os mecanismos sensoriais) e a cultural
(mecanismos gerais através do qual a sociedade e a história moldam a
estrutura humana).
Coerente com este ponto de vista, procurou examinar a origem do
complexo psiquismo humano nas condições sociais de vida historicamente
formadas, que, segundo ele, estão relacionadas ao trabalho social, ao
emprego de instrumentos e ao surgimento da linguagem. Estas são as
“ferramentas” que foram construídas e aperfeiçoadas pela humanidade ao
longo de sua história e fazem a mediação entre o homem e o mundo: através
delas, o homem não só domina o meio ambiente como o seu próprio
comportamento.
É por essa razão que Vygotsky procura compreender a evolução da cultura
humana (aspecto sociogenético), o processo de desenvolvimento individual
(aspecto ontogenético) e se detém especialmente, no estudo do
desenvolvimento infantil, período em que estas “ferramentas” são
aprendidas, ou seja, é nesse período que acontece o surgimento do uso de
instrumentos e da fala humana.
No tópico seguinte, abordaremos mais detidamente a questão das raízes
histórico-sociais e o conceito de mediação do desenvolvimento humano, já
que estes são um dos temas centrais das teses formuladas por Vygotsky.
4. AS RAÍZES HISTÓRICO-SOCIAIS DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO E A QUESTÃO DA
MEDIAÇÃO SIMBÓLICA
Compreender a questão da mediação, que caracteriza a relação do homem
com o mundo e com os outros homens, é de fundamental importância
justamente porque é através deste processo que as funções psicológicas
superiores, especificamente humanas, se desenvolvem. Vygotsky distingue
dois elementos básicos responsáveis por essa mediação: o instrumento, que
tem a função de regular as ações sobre os objetos e o signo, que regula as
ações sobre o psiquismo das pessoas12.
A invenção desses elementos mediadores significou o salto evolutivo da
espécie humana. Vygotsky esclarece que o uso de instrumentos e dos signos,
embora diferentes, estão mutuamente ligados ao longo da evolução da
espécie humana e do desenvolvimento de cada indivíduo. Na ontogênese esta
ligação pode ser verificada através de experimentos. É por isso que ele e
seus colaboradores realizaram uma série de pesquisas com o objetivo de
investigar o papel mediador dos instrumentos e signos na ati- vidade
psicológica e as transformações que ocorrem ao longo do desenvolvimento
do indivíduo.
De acordo com Marx, o desenvolvimento de habilidades e funções
específicas do homem, assim como a origem da sociedade humana, são
resultados do surgimento do trabalho. É através do trabalho que o homem, ao
mesmo tempo que transforma a natureza (objetivando satisfazer suas
necessidades), se transforma. Para realizar sua atividade, o homem se
relaciona com seus semelhantes e fabrica os meios, os instrumentos: “o uso e
a criação de meios de trabalho, embora existam em germe em algumas
espécies animais, caracterizam de forma eminente o trabalho humano”
(MARX, 1972). Isto quer dizer que as relações dos homens entre si e com a
natureza são mediadas pelo trabalho.
Partindo destes princípios, Vygotsky procura analisar a função mediadora
presente nos instrumentos elaborados para a realização da atividade humana.
O instrumento é provocador de mudanças externas, pois amplia a
possibilidade de intervenção na natureza (na caça, por exemplo, o uso da
flecha permite o alcance de um animal distante ou, para cortar uma árvore, a
utilização de um objeto cortante é mais eficiente do que as mãos). Diferente
de outras espécies animais, os homens não só produzem seus instrumentos
para a realização de tarefas específicas, como também são capazes de
conservá-los para uso posterior, de preservar e transmitir sua função aos
membros de seu grupo, de aperfeiçoar antigos instrumentos e de criar
novos13.
Vygotsky faz uma interessante comparação entre a criação e a utilização de
instrumentos como auxílio nas ações concretas e os signos, que ele chama de
“instrumentos psicológicos”, que têm a função de auxiliar o homem nas suas
atividades psíquicas, portanto, internas ao indivíduo: a “invenção e o uso de
signos auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar,
comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de
instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um
instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um
instrumento no trabalho” (VYGOTSKY, 1984, p. 59-60).
Com o auxílio dos signos, o homem pode controlar voluntariamente sua
atividade psicológica e ampliar sua capacidade de atenção, memória e
acúmulo de informações, como, por exemplo, pode se utilizar de um sorteio
para tomar uma decisão, amarrar um barbante no dedo para não esquecer um
encontro, anotar um comportamento na agenda, escrever um diário para não
esquecer detalhes vividos, consultar um atlas para localizar um país etc.
Vygotsky dedica particular atenção à questão da linguagem, entendida
como um sistema simbólico fundamental em todos os grupos humanos,
elaborado no curso da história social, que organiza os signos em estruturas
complexas e desempenha um papel imprescindível na formação das
características psicológicas humanas. Através da linguagem é possível
designar os objetos do mundo exterior (como, por exemplo, a palavra faca
que desiga um utensílio usado na alimentação), ações (como cortar, andar,
ferver), qualidades dos objetos (como flexível, áspero) e as que se referem
às relações entre os objetos (tais como: abaixo, acima, próximo).
O surgimento da linguagem imprime três mudanças essenciais nos
processos psíquicos do homem. A primeira se relaciona ao fato de que a
linguagem permite lidar com os objetos do mundo exterior mesmo quando
eles estão ausentes. Por exemplo, a frase “O vaso caiu” permite a
compreensão do evento mesmo sem tê-lo presenciado, pois operamos com
esta informação internamente.
A segunda se refere ao processo de abstração e generalização que a
linguagem possibilita, isto é, através da linguagem é possível analisar,
abstrair e generalizar as características dos objetos, eventos, situações
presentes na realidade. Como, por exemplo, a palavra “árvore” designa
qualquer árvore (independentemente de seu tamanho, se é frutífera ou não
etc.). Nesse caso, a palavra generaliza o objeto e o inclui numa determinada
categoria. Desse modo a linguagem não somente designa os elementos
presentes na realidade, mas também fornece conceitos e modos de ordenar o
real em categorias conceituais.
A terceira está associada à função de comunicação entre os homens que
garante, como consequência, a preservação, transmissão e assimilação de
informações e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da
história. A linguagem é um sistema de signos que possibilita o intercâmbio
social entre indivíduos que compartilhem desse sistema de representação da
realidade. Cada palavra indica significados específicos, como por exemplo
a palavra “pássaro” traduz o conceito deste elemento presente na natureza, é
nesse sentido que representa (ou substitui) a realidade. É justamente por
fornecer significados precisos que a linguagem permite a comunicação entre
os homens.
Essa linguagem não existe entre os animais, que apenas emitem sons que
expressam seus estados e contagiam seus semelhantes, como por exemplo: o
“guia de um bando de cegonhas, ao sentir o perigo, solta gritos alarmantes
aos quais o bando reage vivamente. Numa manada de macacos podemos
observar todo um conjunto de sons, que expressa satisfação, agressão, medo
ao perigo etc. [...] Mas a linguagem dos animais nunca designa coisas, não
distingue ações nem qualidades, portanto, não é linguagem na verdadeira
acepção da palavra” (LURIA, 1991, p. 78).
Estas ideias deram origem a um programa de pesquisa (iniciado por
Vygotsky mas aprofundado por seus colaboradores) que visava à análise de
como a relação entre o uso de instrumentos e a fala (e a função mediadora
que os caracteriza) afeta várias funções psicológicas, em particular a
percepção, as operações sensório-motoras, e a atenção. Considerando uma
das funções de cada vez, procurou investigar como a fala introduz mudanças
qualitativas na sua forma e na sua relação com as outras funções.
Buscou também observar de forma esquemática as leis básicas que
caracterizam a estrutura e o desenvolvimento das operações com signos da
criança, relacionando-os com a memória. O interesse por esse tipo de
análise se deve ao fato de ele acreditar que “a verdadeira essência da
memória humana (que a distingue dos animais) está no fato de os seres
humanos serem capazes de lembrar, ativamente, com a ajuda de signos”
(VYGOTSKY, 1984, p. 58). Esse programa de pesquisa era coerente com a
ideia de que a internalização dos sistemas de signos (a linguagem, a escrita,
o sistema de números) produzidos culturalmente provoca mudanças cruciais
no comportamento humano.
Desse modo, os sistemas simbólicos (entendidos como sistemas de
representação da realidade), especialmente a linguagem, funcionam como
elementos mediadores que permitem a comunicação entre os indivíduos, o
estabelecimento de significados compartilhados por determinado grupo
cultural, a percepção e interpretação dos objetos, eventos e situações do
mundo circundante. É por essa razão que Vygotsky afirma que os processos
de funcionamento mental do homem são fornecidos pela cultura, através da
mediação simbólica.
A partir de sua inserção num dado contexto cultural, de sua interação com
membros de seu grupo e de sua participação em práticas sociais
historicamente construídas, a criança incorpora ativamente as formas de
comportamento já consolidadas na experiência humana. É importante
sublinhar que a “cultura, entretanto, não é pensada por Vygotsky como algo
pronto, um sistema estático ao qual o indivíduo se submete, mas como uma
espécie de “palco de negociações”, em que seus membros estão num
constante movimento de recriação e reinterpretação de informações,
conceitos e significados” (OLIVEIRA, 1993, p. 38).
Na perspectiva vygotskiana, a internalização das práticas culturais, que
constituem o desenvolvimento humano, assume papel de destaque. Conforme
veremos a seguir, uma de suas principais preocupações era a de analisar a
dinâmica do movimento de passagem de ações realizadas no plano social
(isto é, entre as pessoas, interpsicológico) para ações internalizadas ou
intramentais (no interior do indivíduo, portanto, intrapsicológico).
5. O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA
SÓCIO-HISTÓRICA
Vygotsky atribui enorme importância ao papel da interação social no
desenvolvimento do ser humano. Uma das mais significativas contribuições
das teses que formulou está na tentativa de explicitar (e não apenas
pressupor) como o processo de desenvolvimento é socialmente
constituído14. Essa é a principal razão de seu interesse no estudo da
infância.
É curioso conhecer suas críticas aos paradigmas “botânicos” e
“zoológicos” adotados, na pesquisa psicológica, para explicar o
desenvolvimento infantil. Segundo ele, a primeira tendência compara o
estudo da criança à botânica, ou seja, entende que o desenvolvimento da
criança depende de um processo de maturação do organismo como um
todo15. Esta concepção se apóia na ideia de que “a mente da criança contém
todos os estágios do futuro desenvolvimento intelectual: eles existem já na
sua forma completa, esperando o momento adequado para emergir”
(Vygotsky, 1984, p. 26). Para ele, no entanto, a maturação biológica é um
fator secundário no desenvolvimento das formas complexas do
comportamento humano pois essas dependem da interação da criança e sua
cultura.
Afirma que a segunda abordagem, apesar de mais avançada que a anterior,
é também equivocada na medida em que busca respostas às questões sobre a
criança, a partir de experiências no reino animal. Admite que esses
experimentos contribuíram para o estudo das bases biológicas do
comportamento humano (identificaram, por exemplo, algumas semelhanças
nos processos psicológicos elementares entre os macacos antropoides e a
criança pequena). Sua crítica reside no fato de que a convergência da
psicologia animal e da criança tem limites sérios para a explicação dos
processos intelectuais mais sofisticados, que são especificamente humanos.
Seu ponto de vista é bastante diferente dos anteriores. Segundo ela, a
estrutura fisiológica humana, aquilo que é inato, não é suficiente para
produzir o indivíduo humano, na ausência do ambiente social. As
características individuais (modo de agir, de pensar, de sentir, valores,
conhecimentos, visão de mundo etc.) depende da interação do ser humano
com o meio físico e social. Vygotsky chama atenção para a ação recíproca
existente entre o organismo e o meio e atribui especial importância ao fator
humano presente no ambiente.
O caso verídico de duas crianças (as chamadas “meninas-lobas”) que
foram encontradas, na Índia, vivendo no meio de uma manada de lobos,
demonstra que para se humanizar o indivíduo precisa crescer num ambiente
social e interagir com outras pessoas. Quando encontradas, praticamente não
apresentavam um comportamento humano: não conseguiam permanecer em
pé, andavam com o apoio das mãos, não falavam, se alimentavam de carne
crua ou podre, não sabiam usar utensílios (tais como, copo, garfo etc.) nem
pensar de modo lógico (DAVIS & OLIVEIRA, 1990, p. 16). Quando isolado,
privado do contato com outros seres, entregue apenas a suas próprias
condições e a favor dos recursos da natureza, o homem é fraco e insuficiente.
Devido a essas características especificamente humanas torna-se
impossível considerar o desenvolvimento do sujeito como um processo
previsível, universal, linear ou gradual. O desenvolvimento está intimamente
relacionado ao contexto sociocultural em que a pessoa se insere e se
processa de forma dinâmica (e dialética) através de rupturas e
desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do
indivíduo.
Se comparado com as demais espécies animais, o bebê humano é o mais
indefeso e despreparado para lidar com os desafios de seu meio. A sua
sobrevivência depende dos sujeitos mais experientes de seu grupo, que se
responsabilizam pelo atendimento de suas necessidades básicas (locomoção,
abrigo, alimentação, higiene etc.), afetivas (carinho, atenção) e pela
formação do comportamento tipicamente humano. Devido à característica
imaturidade motora do bebê é longo o período de dependência dos adultos.
Inicialmente, sua atividade psicológica é bastante elementar e determinada
por sua herança biológica. Vygotsky ressalta que os fatores biológicos têm
preponderância sobre os sociais somente no início da vida da criança. Aos
poucos as interações com seu grupo social e com os objetos de sua cultura
passam a governar o comportamento e o desenvolvimento de seu
pensamento.
Dessa forma, no processo da constituição humana é possível distinguir
“duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo
quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de
origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem
sociocultural. A história do comportamento da criança nasce do
entrelaçamento dessas duas linhas” (VYGOTSKY, 1984, p. 52).
Desde o nascimento, o bebê está em constante interação com os adultos,
que não só asseguram sua sobrevivência, mas também medeiam a sua
relação com o mundo. Os adultos procuram incorporar as crianças à sua
cultura, atribuindo significado às condutas e aos objetos culturais que se
formaram ao longo da história.
O comportamento da criança recebe influências dos costumes e objetos de
sua cultura, como por exemplo em nossa cultura urbana ocidental: dorme no
berço, usa roupas para se aquecer e, mais tarde, talheres para comer, sapatos
para andar etc. Inicialmente a relação da criança com o mundo dos objetos é
mediada pelos adultos; por exemplo, eles aproximam os objetos que a
criança quer apanhar, agitam o brinquedo que faz barulho, alimentam- na
com a mamadeira etc.
Com a ajuda do adulto, as crianças assimilam ativamente aquelas
habilidades que foram construídas pela história social ao longo de milênios:
ela aprende a sentar, a andar, a controlar os esfíncteres, a falar, a sentar-se à
mesa, a comer com talheres, a tomar líquidos em copos etc. Através das
intervenções constantes do adulto (e de crianças mais experientes) os
processos psicológicos mais complexos começam a se formar.
Um exemplo poderá ilustrar o quanto a interação que o indivíduo
estabelece com o universo social em que se insere, particularmente como os
parceiros mais experientes de seu grupo, é fundamental para a formação do
comportamento e do pensamento humano. Um pai, ao passear com o filho de
aproximadamente 2 anos, costuma chamar a atenção para todos os carros que
vão encontrando no caminho. Na medida em que mostra o carro fala o seu
nome, marca e tece outros tipos de comentários. Depois, em outras ocasiões,
essa criança demonstra o quanto incorporou das informações que recebeu:
brincando na escola nomeia com desenvoltura os carrinhos de brinquedo, ou
passeando com sua mãe demonstra reconhecer as marcas dos carros que
avista pela rua. Pode, com isto, provocar surpresa e admiração por parte dos
adultos que talvez julguem esta competência como um sinal de perspicácia
ou inteligência inata da criança. No entanto, podemos interpretar este
episódio de uma outra forma, como evidência de que as conquistas
individuais resultam de um processo compartilhado.
Podemos concluir que, para Vygotsky, o desenvolvimento do sujeito
humano se dá a partir das constantes interações com o meio social em que
vive, já que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida
social. Assim, o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado
pelo outro (outras pessoas do grupo cultural), que indica, delimita e atribui
significados à realidade. Por intermédio dessas mediações, os membros
imaturos da espécie humana vão pouco a pouco se apropriando dos modos
de funcionamento psicológico, do comportamento e da cultura, enfim, do
patrimônio da história da humanidade e de seu grupo cultural. Quando
internalizados, estes processos começam a ocorrer sem a intermediação de
outras pessoas.
Desse modo, a atividade que antes precisou ser mediada (regulação
interpsicológica ou atividade interpessoal) passa a constituir-se um processo
voluntário e independente (regulação intrapsicológica ou atividade
intrapessoal). “Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas
atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento
social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do
prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até
o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o
produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas
ligações entre história individual e história social” (VYGOTSKY, 1984, p.
33).
A fala (entendida como instrumento ou signo) tem um papel fundamental
de organizadora da atividade prática e das funções psicológicas humanas. É
por isso que Vygotsky se preocupa em pesquisar o desenvolvimento da
inteligência prática da criança na fase em que começa a falar. Segundo ele, a
verdadeira essência do comportamento humano complexo se dá a partir da
unidade dialética da atividade simbólica (a fala) e a atividade prática: “o
momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que
dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata,
acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas
completamente
independentes
de
desenvolvimento,
convergem”
(VYGOTSKY, 1984, p. 27).
Em síntese, na perspectiva vygotskiana o desenvolvimento das funções
intelectuais especificamente humanas é mediado socialmente pelos signos e
pelo outro. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, a criança
reconstrói individualmente os modos de ação realizados externamente e
aprende a organizar os próprios processos mentais. O indivíduo deixa,
portanto, de se basear em signos externos e começa a se apoiar em recursos
internalizados (imagens, representações mentais, conceitos etc.).
Concordamos com Smolka e Góes quando afirmam que “o que parece
fundamental nessa interpretação da formação do sujeito é que o movimento
de individuação se dá a partir das experiências propiciadas pela cultura. O
desenvolvimento envolve processos, que se constituem mutuamente, de
imersão na cultura e emergência da individualidade. Num processo de
desenvolvimento que tem caráter mais de revolução que de evolução, o
sujeito se faz como ser diferenciado do outro, mas formado na relação com o
outro: singular, mas constituído socialmente, e, por isso mesmo, numa
composição individual, mas não homogênea” (1993, p. 10).
6. RELAÇÕES ENTRE PENSAMENTO E LINGUAGEM
O estudo das relações entre pensamento e linguagem é considerado um
dos temas mais complexos da psicologia. Vygotsky se dedicou a este assunto
durante muitos anos de sua vida16. Ele e seus colaboradores trouxeram
importantes contribuições sobre o tema, principalmente no que se refere à
questão da compreensão das raízes genéticas da relação entre o pensamento
e a linguagem.
Afirma que a relação entre o pensamento e a fala passa por várias
mudanças ao longo da vida do indivíduo. Apesar de terem origens diferentes
e de se desenvolverem de modo independente, numa certa altura, graças à
inserção da criança num grupo cultural, o pensamento e a linguagem se
encontram e dão origem ao modo de funcionamento psicológico mais
sofisticado, tipicamente humano.
Segundo Vygotsky, a conquista da linguagem representa um marco no
desenvolvimento do homem: “a capacitação especificamente humana para a
linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na
solução de tarefas difíceis, a superarem a ação impulsiva, a planejarem a
solução para um problema antes de sua execução e a controlarem seu
próprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianças,
primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As
funções cognitivas e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de
uma forma nova e superior de atividade nas crianças, distinguindo-as dos
animais” (VYGOTSKY, 1984, p. 31). Sendo assim, a linguagem tanto
expressa o pensamento da criança como age como organizadora desse
pensamento.
Vejamos como isto se processa.
Tanto nas crianças como nos adultos, a função primordial da fala é o
contato social, a comunicação; isto quer dizer que o desenvolvimento da
linguagem é impulsionado pela necessidade de comunicação. Assim, mesmo
a fala mais primitiva da criança é social. Nos primeiros meses de vida, o
balbucio, o riso, o choro, as expressões faciais ou as primeiras palavras da
criança cumprem não somente a função de alívio emocional (como por
exemplo manifestação de conforto ou incômodo) como também são meios de
contato com os membros de seu grupo. No entanto, esses sons, gestos ou
expressões são manifestações bastante difusas, pois não indicam
significados específicos (por exemplo, o choro do bebê pode significar dor
de barriga, fome etc.). Vygotsky chamou esta fase de estágio pré-intelectual
do desenvolvimento da fala.
Antes de aprender a falar a criança demonstra uma inteligência prática
que consiste na sua capacidade de agir no ambiente e resolver problemas
práticos, inclusive com o auxílio de instrumentos intermediários (por
exemplo, é capaz de se utilizar de um baldinho para encher de areia ou de
subir num banco para alcançar um objeto), mas sem a mediação da
linguagem. Segundo Vygotsky, esse é o estágio pré-linguístico do
desenvolvimento do pensamento.
Através de inúmeras oportunidades de diálogo, os adultos, que já
dominam a linguagem, não só interpretam e atribuem significados aos gestos,
posturas, expressões e sons da criança como também a inserem no mundo
simbólico de sua cultura. Na medida em que a criança interage e dialoga
com os membros mais maduros de sua cultura, aprende a usar a linguagem
como instrumento do pensamento e como meio de comunicação. Nesse
momento o pensamento e a linguagem se associam, consequentemente o
pensamento torna-se verbal e a fala racional17.
É interessante analisar com mais detalhes as explicações de Vygotsky
sobre o processo de conquista da utilização da linguagem como instrumento
de pensamento, que evidencia o modo pelo qual a criança interioriza os
padrões de comportamento fornecidos por seu grupo cultural. Através de
seus experimentos, pôde observar que este processo, apesar de dinâmico e
não linear, passa por estágios que obedecem à seguinte trajetória: a fala
evolui de uma fala exterior para uma fala egocêntrica e, desta, para uma fala
interior. A fala egocêntrica é entendida como um estágio de transição entre a
fala exterior (fruto das atividades interpsíquicas, que ocorrem no plano
social) e a fala interior (atividade intrapsíquica, individual).
Primeiramente a criança utiliza a fala como meio de comunicação, de
estabelecimento de contato com outras pessoas. Para a resolução de um
problema, por exemplo (como alcançar um brigadeiro que está em cima de
uma geladeira), a criança faz apelos verbais a um adulto. Nesse estágio a
fala é global, tem múltiplas funções, mas não serve ainda como um
planejamento de sequências a serem realizadas; assim não é utilizada como
um instrumento do pensamento. Vygotsky chamou essa fala de discurso
socializado.
Aos poucos, a fala socializada, que antes era dirigida ao adulto para
resolver um problema, é internalizada, ou seja, a criança passa a apelar
para si mesma para solucionar uma questão: é o chamado discurso interior.
Deste modo, além das funções emocionais e comunicativas, a fala começa a
ter também a função planejadora. Nesse caso, a criança estabelece um
diálogo com ela mesma, sem vocalização, com vistas a encontrar uma forma
de solucionar o problema (é como se ela falasse para ela mesma: “Preciso
arrumar um jeito de alcançar esse doce. Posso usar uma escada ou um
banco”). Portanto, a fala passa a preceder a ação e funcionar como auxílio
de um plano já concebido, mas ainda não executado.
Ao aprender a usar a linguagem para planejar uma ação futura, a criança
consegue ir além das experiências imediatas. Esta “visão do futuro” (ausente
nos animais) permite que as crianças realizem operações psicológicas bem
mais complexas (passa a poder prever, comparar, deduzir etc.).
Vygotsky explica que existe um tipo de fala intermediária que funciona
como uma espécie de transição entre o discurso socializado e o interior. A
característica principal dessa fala é que ela acompanha a ação e se dirige ao
próprio sujeito da ação18. Nesse estágio a criança fala alto, mas não se
dirige a nenhum interlocutor, dialoga consigo mesma. Também serve para
planejar e solucionar um problema, só que é como se planejasse em voz alta,
antes ou ao longo da realização da atividade (por exemplo: “Como eu posso
pegar aquele brigadeiro que está tão longe? Ah... já sei! Vou subir na mesa!”)
Vygotsky esclarece as características da função planejadora da fala a
partir de uma interessante analogia com a fala das crianças enquanto
desenham. As crianças menores tendem a nomear seus desenhos somente
após realizá-los e vê-los. A decisão do que serão é assim, posterior à
atividade. Uma criança um pouco mais velha nomeia o seu desenho quando
este já está quase pronto e, mais tarde, geralmente decidem previamente o
que desenharão. Nesse caso, a fala é anterior à atividade e, portanto, dirige a
ação. Quando a fala se desloca para o início da atividade, uma nova relação
entre fala e ação se estabelece.
Como foi possível verificar, na perspectiva esboçada, o domínio da
linguagem promove mudanças radicais na criança, principalmente no seu
modo de se relacionar com o seu meio, pois possibilita novas formas de
comunicação com os indivíduos e de organização de seu modo de agir e
pensar.
7. A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA
Vygotsky afirma que não é somente através da aquisição da linguagem
falada que o indivíduo adquire formas mais complexas de se relacionar com
o mundo que o cerca. O aprendizado da linguagem escrita representa um
novo e considerável salto no desenvolvimento da pessoa.
“Algumas pesquisas demonstraram que este processo ativa uma fase de
desenvolvimento dos processos psicointelectuais inteiramente nova e muito
complexa, e que o aparecimento destes processos origina uma mudança
radical das características gerais, psicointelectuais da criança” [...]
(VYGOTSKY, 1988, p. 116). O domínio desse sistema complexo de signos
fornece novo instrumento de pensamento (na medida em que aumenta a
capacidade de memória, registro de informações etc.), propicia diferentes
formas de organizar a ação e permite um outro tipo de acesso ao patrimônio
da cultura humana (que se encontra registrado nos livros e outros portadores
de textos). Enfim, promove modos diferentes e ainda mais abstratos de
pensar, de se relacionar com as pessoas e com o conhecimento.
Partindo desse pressuposto, Vygotsky faz importantes críticas à visão,
presente tanto na Psicologia como na Pedagogia, que considera o
aprendizado da escrita apenas como habilidade motora: “Ensina-se as
crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a
linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está
escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal”
(VYGOTSKY, 1984, p. 119).
O aprendizado da escrita, esse produto cultural construído ao longo da
história da humanidade, é entendido por Vygotsky como um processo
bastante complexo, que é iniciado para a criança “muito antes da primeira
vez que o professor coloca um lápis em sua mão e mostra como formar
letras” (VYGOTSKY, L.S., et al. 1988, p. 143).
A complexidade desse processo está associada ao fato de a escrita ser um
sistema de representação da realidade extremamente sofisticado, que se
constitui num conjunto de “símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos
funcionam como designações dos símbolos verbais. A compreensão da
linguagem escrita é efetuada, primeiramente, através da linguagem falada: no
entanto, gradualmente essa via é reduzida, abreviada, e a linguagem falada
desaparece como elo intermediário” (VYGOTSKY, 1984, p. 131).
Sendo assim, o aprendizado da linguagem escrita envolve a elaboração de
todo um sistema de representação simbólica da realidade. É por isso que ele
identifica uma espécie de continuidade entre as diversas atividades
simbólicas: os gestos, o desenho e o brinquedo. Em outras palavras, estas
atividades contribuem para o desenvolvimento da representação simbólica
(onde signos representam significados), e, consequentemente, para o
processo de aquisição da linguagem escrita.
Considerando a importância do domínio da linguagem escrita para o
indivíduo, Vygotsky enfatiza a necessidade de investigações que procurem
desvendar a gênese da escrita, o caminho que a criança percorre para
aprender a ler e escrever, particularmente antes que se submeta ao ensino
sistemático desta linguagem na escola: “A primeira tarefa de investigação
científica é revelar essa pré-história da linguagem escrita; mostrar o que
leva as crianças a escrever; mostrar os pontos importantes pelos quais passa
esse desenvolvimento pré-histórico e qual a sua relação com o aprendizado
escolar” (VYGOTSKY, 1984, p. 121). Esse programa de pesquisa foi
realizado por Luria, que, através de experimentos, procurou identificar o
percurso da pré-história da escrita, a gênese da linguagem escrita na
criança19.
8. INTERAÇÃO ENTRE APRENDIZADO E
DESENVOLVIMENTO: A ZONA DE
DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
Como vimos até agora, Vygotsky não ignora as definições biológicas da
espécie humana; no entanto, atribui uma enorme importância à dimensão
social, que fornece instrumentos e símbolos (assim como todos os elementos
presentes no ambiente humano impregnados de significado cultural) que
medeiam a relação do indivíduo com o mundo, e que acabam por fornecer
também seus mecanismos psicológicos e formas de agir nesse mundo. O
aprendizado é considerado, assim, um aspecto necessário e fundamental no
processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores20.
Portanto, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do
aprendizado que realiza num determinado grupo cultural, a partir da
interação com outros indivíduos da sua espécie. Isto quer dizer que, por
exemplo, um indivíduo criado numa tribo indígena, que desconhece o
sistema de escrita e não tem nenhum tipo de contato com um ambiente
letrado, não se alfabetizará. O mesmo ocorre com a aquisição da fala. A
criança só aprenderá a falar se pertencer a uma comunidade de falantes, ou
seja, as condições orgânicas (possuir o aparelho fonador), embora
necessárias, não são suficientes para que o indivíduo adquira a linguagem.
Nessa perspectiva, é o aprendizado que possibilita e movimenta o
processo de desenvolvimento: “o aprendizado pressupõe uma natureza
social específica e um processo através do qual as crianças penetram na
vida intelectual daqueles que as cercam” (VYGOTSKY, 1984, p. 99).
Desse ponto de vista, o aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma
espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas
especificamente humanas e culturalmente organizadas.
É justamente por isso que as relações entre desenvolvimento e
aprendizagem ocupam lugar de destaque na obra de Vygotsky21. Ele analisa
essa complexa questão sob dois ângulos: um é o que se refere à compreensão
da relação geral entre o aprendizado e o desenvolvimento; o outro, às
peculiaridades dessa relação no período escolar. Faz esta distinção porque
acredita que, embora o aprendizado da criança se inicie muito antes de ela
frequentar a escola, o aprendizado escolar introduz elementos novos no seu
desenvolvimento.
Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às
conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real ou
efetivo, e o outro, o nível de desenvolvimento potencial, que se relaciona às
capacidades em vias de serem construídas, conforme explicaremos a seguir.
O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referente
àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas funções ou
capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já consegue utilizar sozinha,
sem assistência de alguém mais experiente da cultura (pai, mãe, professor,
criança mais velha etc.). Este nível indica, assim, os processos mentais da
criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se
completaram.
Desse modo, quando nos referimos àquelas atividades e tarefas que a
criança já sabe fazer de forma independente, como por exemplo: andar de
bicicleta, cortar com a tesoura ou resolver determinado problema
matemático, estamos tratando de um nível de desenvolvimento já
estabelecido, isto é, estamos olhando o desenvolvimento retrospectivamente.
Nas escolas, na vida cotidiana e nas pesquisas sobre o desenvolvimento
infantil, costuma-se avaliar a criança somente neste nível, isto é, supõe-se
que somente aquilo que ela é capaz de fazer, sem a colaboração de outros, é
que é representativo de seu desenvolvimento.
O nível de desenvolvimento potencial também se refere àquilo que a
criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou
crianças mais experientes). Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona
problemas através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência
compartilhada e das pistas que lhe são fornecidas. Como por exemplo, uma
criança de cinco anos pode não conseguir, numa primeira vez, montar
sozinha um quebra-cabeças que tenha muitas peças, mas com a assistência de
seu irmão mais velho ou mesmo de uma criança de sua idade mas que já
tenha experiência neste jogo, pode realizar a tarefa. Este nível é, para
Vygotsky, bem mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo
que ela consegue fazer sozinha.
A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (nível
de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com os
outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial)
caracteriza aquilo que Vygotsky chamou de “zona de desenvolvimento
potencial ou proximal”. Neste sentido, o desenvolvimento da criança é visto
de forma prospectiva pois a “zona de desenvolvimento proximal define
aquelas funções que ainda não amadureceram, que estão em processo de
maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentes em estado
embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores”
do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento”
(VYGOTSKY, 1984, p. 97). Deste modo, pode-se afirmar que o
conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve a
consideração tanto do nível de desenvolvimento real quanto do potencial.
O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento
proximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é
capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que,
sem a ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se
internalizam e passam a fazer parte das aquisições do seu desenvolvimento
individual. É por isso que Vygotsky afirma que “aquilo que é a zona de
desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã
– ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será
capaz de fazer sozinha amanhã” (VYGOTSKY, 1984, p. 98).
O conceito de zona de desenvolvimento proximal é de extrema
importância para as pesquisas do desenvolvimento infantil e para o plano
educacional, justamente porque permite a compreensão da dinâmica interna
do desenvolvimento individual. Através da consideração da zona de
desenvolvimento proximal, é possível verificar não somente os ciclos já
completados, como também os que estão em via de formação, o que permite
o delineamento da competência da criança e de suas futuras conquistas,
assim como a elaboração de estratégias pedagó- gicas que a auxiliem nesse
processo.
Esse conceito possibilita analisar ainda os limites desta competência, ou
seja, aquilo que está “além” da zona de desenvolvimento proximal da
criança, aquelas tarefas que mesmo com a interferência de outras pessoas,
ela não é capaz de fazer. Por exemplo: uma criança de 6 anos pode conseguir
completar um esquema de Palavras Cruzadas com a ajuda de um adulto ou
em colaboração com algum parceiro. No entanto, uma criança de 2 anos não
será capaz de realizar esta tarefa, mesmo com a assistência de alguém.
Segundo Vygotsky, o aprendizado de modo geral e o aprendizado escolar
em particular, não só possibilitam como orientam e estimulam processos de
desenvolvimento. Nesse sentido argumenta: “[...] todas as pesquisas
experimentais sobre a natureza psicológica dos processos de aprendizagem
da aritmética, da escrita, das ciências naturais e de outras matérias na escola
elementar demonstram que o seu fundamento, o eixo em torno do qual se
montam, é uma nova formação que se produz em idade escolar. Estes
processos estão todos ligados ao desenvolvimento do sistema nervoso
central. [...]
Cada matéria escolar tem uma relação própria com o curso do
desenvolvimento da criança, relação que muda com a passagem da criança
de uma etapa para outra. Isto obriga a reexaminar todo o problema das
disciplinas formais, ou seja, do papel e da importância de cada matéria no
posterior desenvolvimento psicointelectual geral da criança” (VYGOTSKY,
1988, p. 116-117).
9. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE CONCEITOS E O
PAPEL DESEMPENHADO PELO ENSINO ESCOLAR
Este é um tema de extrema importância nas proposições de Vygotsky, pois
integra e sintetiza suas principais teses acerca do desenvolvimento humano:
as relações entre pensamento e linguagem, o papel mediador da cultura na
constituição do modo de funcionamento psicológico do indivíduo e o
processo de internalização de conhecimentos e significados elaborados
socialmente.
Na perspectiva vygotskiana, os conceitos são entendidos como um sistema
de relações e generalização contidos nas palavras e determinado por um
processo histórico cultural: “são construções culturais, internalizadas pelos
indivíduos ao longo de seu processo de desenvolvimento. Os atributos
necessários e suficientes para definir um conceito são estabelecidos por
características dos elementos encontrados no mundo real, selecionados como
relevantes pelos diversos grupos culturais. É o grupo cultural onde o
indivíduo se desenvolve que vai lhe fornecer, pois, o universo de
significados que ordena o real em categorias (conceitos), nomeadas por
palavras da língua desse grupo” (OLIVEIRA, 1992, p. 28).
De acordo com Vygotsky, o desenvolvimento e a aprendizagem estão interrelacionados desde o nascimento da criança. Como já mencionamos, desde
muito pequenas, através da interação com o meio físico e social, as crianças
realizam uma série de aprendizados. No seu cotidiano, observando,
experimentando, imitando e recebendo instruções das pessoas mais
experientes de sua cultura, aprende a fazer perguntas e também a obter
respostas para uma série de questões. Como membro de um grupo
sociocultural determinado, ela vivencia um conjunto de experiências e opera
sobre todo o material cultural (conceitos, valores, ideias, objetos concretos,
concepção de mundo etc.) a que tem acesso. Deste modo, muito antes de
entrar na escola, já construiu uma série de conhecimentos do mundo que a
cerca. Por exemplo, antes de estudar matemática na escola, a criança já teve
experiências com quantidades e, portanto, já lidou com noções matemáticas.
No entanto, ao ingressar na escola, um outro tipo de conhecimento se
processa.
Para explicar o papel da escola no processo de desenvolvimento do
indivíduo, Vygotsky faz uma importante distinção entre os conhecimentos
construídos na experiência pessoal, concreta e cotidiana das crianças, que
ele chamou conceitos cotidianos ou espontâneos e aqueles elaborados na
sala de aula, adquiridos por meio do ensino sistemático, que chamou
conceitos científicos22. Mas vejamos no que consiste cada um desses
conceitos.
Os conceitos cotidianos referem-se àqueles conceitos construídos a partir
da observação, manipulação e vivência direta da criança. Por exemplo, a
partir de seu dia a dia, a criança pode construir o conceito “gato”. Esta
palavra resume e generaliza as características deste animal (não importa o
tamanho, a raça, a cor etc.) e o distingue de outras categorias tal como livro,
estante, pássaro. Os conceitos científicos se relacionam àqueles eventos não
diretamente acessíveis à observação ou ação imediata da criança: são os
conhecimentos sistematizados, adquiridos nas interações escolarizadas. Por
exemplo, na escola (provavelmente na aula de ciências), o conceito “gato”
pode ser ampliado e tornar-se ainda mais abstrato e abrangente. Será
incluído num sistema conceitual de abstrações graduais, com diferentes graus
de generalização: gato, mamífero, vertebrado, animal, ser vivo constituem
uma sequência de palavras que, partindo do objeto concreto “gato” adquirem
cada vez mais abrangência e complexidade.
Apesar de diferentes, os dois tipos de conceito estão intimamente
relacionados e se influenciam mutuamente, pois fazem parte, na verdade, de
um único processo: o desenvolvimento da formação de conceitos. “Frente a
um conceito sistematizado desconhecido, a criança busca significá-lo através
de sua aproximação com outros já conhecidos, já elaborados e
internalizados. Ela busca enraizá-lo na experiência concreta. Do mesmo
modo, um conceito espontâneo nebuloso, aproximado a um conceito
sistematizado, coloca-se num quadro de generalização” (FONTANA, 1993,
p. 125).
O processo de formação de conceitos, fundamental no desenvolvimento
dos processos psicológicos superiores, é longo e complexo, pois envolve
operações intelectuais dirigidas pelo uso das palavras (tais como: atenção
deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e
diferenciar). Para aprender um conceito é necessário, além das informações
recebidas do exterior, uma intensa atividade mental por parte da criança.
Portanto, um conceito não é aprendido por meio de um treinamento
mecânico, nem tampouco pode ser meramente transmitido pelo professor ao
aluno: “o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero. Um professor
que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o
verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante a de
um papagaio, que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes,
mas que na realidade oculta um vácuo” (VYGOTSKY, 1987, p. 72).
As formas de atividade intelectual típicas do adulto (pensamento
conceitual) estão embrionariamente presentes no pensamento infantil: “o
desenvolvimento dos processos, que finalmente resultam na formação de
conceitos, começa na fase mais precoce da infância, mas as funções
intelectuais que, numa combinação específica, formam a base psicológica do
processo de formação de conceitos amadurece, se configura e se desenvolve
somente na puberdade” (VYGOTSKY, 1987, p. 50).
Vygotsky ressalta, no entanto, que, se o meio ambiente não desafiar, exigir
e estimular o intelecto do adolescente, esse processo poderá se atrasar ou
mesmo não se completar, ou seja, poderá não chegar a conquistar estágios
mais elevados de raciocínio. Isto quer dizer que o pensamento conceitual é
uma conquista que depende não somente do esforço individual mas
principalmente do contexto em que o indivíduo se insere, que define, aliás,
seu “ponto de chegada”.
Na perspectiva vygotskiana, embora os conceitos não sejam assimilados
prontos, o ensino escolar desempenha um papel importante na formação dos
conceitos de um modo geral e dos científicos em particular. A escola
propicia às crianças um conhecimento sistemático sobre aspectos que não
estão associados ao seu campo de visão ou vivência direta (como no caso
dos conceitos espontâneos). Possibilita que o indivíduo tenha acesso ao
conhecimento científico construído e acumulado pela humanidade. Por
envolver operações que exigem consciência e controle deliberado, permite
ainda que as crianças se conscientizem dos seus próprios processos mentais
(processo metacognitivo).
Podemos concluir que, desse ponto de vista, o aprendizado escolar exerce
significativa influência no desenvolvimento das funções psicológicas
superiores, justamente na fase em que elas estão em amadurecimento.
10. A FUNÇÃO DA BRINCADEIRA NO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
É interessante observar que, para Vygotsky, o ensino sistemático não é o
único fator responsável por alargar os horizontes da zona de
desenvolvimento proximal. Ele considera o brinquedo uma importante fonte
de promoção de desenvolvimento. Afirma que, apesar do brinquedo não ser
o aspecto predominante da infância, ele exerce uma enorme influência no
desenvolvimento infantil23.
O termo “brinquedo”, empregado por Vygotsky num sentido amplo, se
refere principalmente à atividade, ao ato de brincar. É necessário ressaltar
também que embora ele analise o desenvolvimento do brinquedo e mencione
outras modalidades (como, por exemplo, os jogos esportivos), dedica-se
mais especialmente ao jogo de papéis ou à brincadeira de “faz de conta”
(como, por exemplo, brincar de polícia e ladrão, de médico, de vendinha
etc.). Este tipo de brincadeira é característico nas crianças que aprendem a
falar, e que, portanto, já são capazes de representar simbolicamente e de se
envolver numa situação imaginária.
A imaginação é um modo de funcionamento psicológico especificamente
humano que não está presente nos animais nem na criança muito pequena. É,
portanto, impossível a participação da criança muito pequena numa situação
imaginária. Ela tende a querer satisfazer seus desejos imediatamente:
“ninguém jamais encontrou uma criança muito pequena, com menos de três
anos de idade, que quisesse fazer alguma coisa dali a alguns dias, no futuro”
(VYGOTSKY, 1984, p. 106).
Até essa fase seu comportamento é dependente das restrições impostas
pelo ambiente. Vygotsky exemplifica o quanto sua ação é determinada pelo
campo visual externo: “a grande dificuldade que uma criança pequena tem
em perceber que, para sentar numa pedra, é preciso primeiro virar-se de
costas para ela” (Vygotsky, 1984, p. 109). Nesse período ela ainda não
consegue agir de forma independente daquilo que vê: “há uma fusão muito
íntima entre o significado e o que é visto. Quando se pede a uma criança de
dois anos que repita a sentença “Tânia está de pé”, quando Tânia está
sentada na sua frente, ela mudará a frase para “Tânia está sentada”
(VYGOTSKY, 1984, p. 110).
De acordo com Vygotsky, através do brinquedo, a criança aprende a atuar
numa esfera cognitiva que depende de motivações internas. Nessa fase
(idade pré- escolar) ocorre uma diferenciação entre os campos de
significado e da visão. O pensamento que antes era determinado pelos
objetos do exterior passa a ser regido pelas ideias. A criança poderá utilizar
materiais que servirão para representar uma realidade ausente, por exemplo,
uma vareta de madeira como uma espada, um boneco como filho no jogo de
casinha, papéis cortados como dinheiro para ser usado na brincadeira de
lojinha etc. Nesses casos ela será capaz de imaginar, abstrair as
características dos objetos reais (o boneco, a vareta e os pedaços de papel)
e se deter no significado definido pela brincadeira.
A criança passa a criar uma situação ilusória e imaginária, como forma de
satisfazer seus desejos não realizáveis. Esta é, aliás, a característica que
define o brinquedo de um modo geral. A criança brinca pela necessidade de
agir em relação ao mundo mais amplo dos adultos e não apenas ao universo
dos objetos a que ela tem acesso.
A brincadeira representa a possibilidade de solução do impasse causado,
de um lado, pela necessidade de ação da criança e, de outro, por sua
impossibilidade de executar as operações exigidas por essas ações. “A
criança quer, ela mesma, guiar o carro; ela quer remar o barco sozinha, mas
não pode agir assim, e não pode principalmente porque ainda não dominou e
não pode dominar as operações exigidas pelas condições objetivas reais da
ação dada” (LEONTIEV, 1988, p. 121). Assim, através do brinquedo, a
criança projeta-se nas atividades dos adultos procurando ser coerente com
os papéis assumidos.
Toda situação imaginária contém regras de comportamento condizentes
com aquilo que está sendo representado. Por exemplo, ao brincar de
“lojinha” e desempenhar o papel de vendedora ou de cliente, a criança
buscará agir de modo bastante próximo àquele que ela observou nos
vendedores e clientes no contexto real. O esforço em desempenhar com
fidelidade aquilo que observa em sua realidade faz com que ela atue num
nível bastante superior ao que na verdade se encontra, no “brinquedo a
criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade,
além de seu comportamento diário: no brinquedo é como se ela fosse maior
do que é na realidade” (VYGOTSKY, 1984, p. 117).
Mesmo havendo uma significativa distância entre o comportamento na
vida real e o comportamento no brinquedo, a atuação no mundo imaginário e
o estabelecimento de regras a serem seguidas criam uma zona de
desenvolvimento proximal, na medida em que impulsionam conceitos e
processos em desenvolvimento.
9. É importante esclarecer que, neste caso, o termo “genético” se refere ao estudo da origem, da
formação das características psicológicas. Não está, portanto, associado a genes, à transmissão dos
caracteres hereditários nos indivíduos.
10. Este interesse também é bastante evidente na obra de seus colaboradores, principalmente nos
trabalhos de Luria (1991) e Leontiev (1978). Assim, sempre que necessário recorreremos aos seus
escritos com o objetivo de tornar mais claro os postulados de Vygotsky.
11. Estes exemplos foram extraídos do livro O desenvolvimento do psiquismo (LEONTIEV, 1978, p.
64 e 65).
12. De modo geral, o signo pode ser considerado aquilo (objeto, forma, fenômeno, gesto, figura ou som)
que representa algo diferente de si mesmo. Ou seja, substitui e expressa eventos, ideias, situações e
objetos, servindo como auxílio da memória e da atenção humana. Como por exemplo, no código de
trânsito, a cor vermelha é o signo que indica a necessidade de parar, assim como a palavra copo é um
signo que representa o utensílio usado para beber água.
13. Vygotsky admite que alguns animais também se utilizam de instrumentos (cita, por exemplo, os
experimentos feitos com chipanzés que se utilizaram de varas para alcançar alimentos em locais a que
não tinham acesso); no entanto, afirma que existe uma grande diferença no uso de instrumentos entre
os animais e o homem. Diferentemente do homem, os animais são incapazes de construir
intencionalmente os instrumentos para realizar determinadas tarefas, de conservá-los e de transmitir sua
função aos seus semelhantes.
14. Embora as formulações de Vygotsky sobre a gênese do desenvolvimento humano não se
apresentem como um sistema teórico organizado e articulado como o do epistemólogo suíço Jean Piaget
e do psicólogo francês Henri Wallon, que chegaram a delinear os traços fundamentais do processo de
estruturação psicológica do bebê até a fase adulta, encontramos em seu pensamento reflexões
abrangentes e relevantes acerca dos processos de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano.
15. Vygotsky chama a atenção para a relação do termo “jardim de infância”, usado para designar os
primeiros anos de educação infantil, e a concepção botânica.
16. Para um estudo mais aprofundado das ideias de Vygotsky sobre a questão da linguagem e suas
relações com o pensamento, ver o livro Pensamento e linguagem (VYGOTSKY, 1987).
17. Vygotsky afirma que a partir desse momento o pensamento verbal passa a ser predominante na
atividade psicológica humana. No entanto, o pensamento não verbal (por exemplo, nas atividades que
exigem apenas o uso da inteligência prática) e a linguagem não intelectual (por exemplo, quando um
indivíduo recita um poema decorado ou nas linguagens emocionais), continuam presentes tanto nos
adultos como nas crianças.
18. Piaget chamou este tipo de fala de discurso ou fala egocêntrica. A questão da fala egocêntrica é um
dos pontos de grande discordância entre Vygotsky e Piaget, como esclarece Oliveira: “Para Piaget a
função da fala egocêntrica é exatamente oposta àquela proposta por Vygotsky: ela seria uma transição
entre estados mentais individuais não verbais, de um lado, e o discurso socializado e o pensamento
lógico, de outro. Piaget postula uma trajetória de dentro para fora, enquanto Vygotsky considera que o
percurso é de fora para dentro do indivíduo” (1993, p. 53).
19. Os resultados desse trabalho podem ser conhecidos através do artigo escrito por Luria: “O
desenvolvimento da escrita na criança”. In: Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem
(VYGOTSKY, L.S. et. al, 1988 p. 143-189). É interessante observar que as ideias de Vygotsky, que
inspiraram as investigações efetivadas por Luria nos anos 20 e 30, guardam muitas semelhanças com os
postulados elaborados pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro e seus colaboradores, a partir dos
anos 70. Para uma análise das proximidades e divergências entre esses trabalhos consultar M.T.F.
Rocco (1990) e M. da G.A.B. Santos (1991).
20. Sobre este assunto, ver especialmente o artigo: “Interação entre aprendizado e desenvolvimento”.
In: A formação social da mente (VYGOTSKY, 1984, p. 89-103).
21. O termo aprendizado deve ser entendido num sentido mais amplo do que o usado na língua
portuguesa. Quando Vygotsky fala em aprendizado (OBUCHENIE em russo) ele se refere tanto ao
processo de ensino quanto ao de aprendizagem, isto porque ele não acha possível tratar destes dois
aspectos de forma independente.
22. Nos artigos “Um estudo experimental da formação de conceitos” e “O desenvolvimento dos
conceitos científicos na infância” do livro Pensamento e linguagem (1987) Vygotsky se dedica à
análise desse tema.
23. Maiores informações sobre o estudo desse tema poderão ser obtidas nos artigos “O papel do
brinquedo no desenvolvimento”. In: A formação social da mente (VYGOTSKY, 1984, p. 105-118). Ver
também o artigo de Leontiev “Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar”. In: Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem (VYGOTSKY et al., 1988, 119-142).
Capítulo III
PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E IMPLICAÇÕES
EDUCACIONAIS DO PENSAMENTO
VYGOTSKIANO
1. AS CONCEPÇÕES INATISTA E AMBIENTALISTA DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO E AS IMPLICAÇÕES
EDUCACIONAIS
Para que possamos compreender a originalidade das contribuições de
Vygotsky à área da educação é necessário que examinemos, ainda que
brevemente, as teorias psicológicas já formuladas sobre a constituição do
psiquismo humano: o inatismo e o ambientalismo. Essas abordagens revelam
diferentes concepções e modos de explicar as dimensões biológicas e
culturais do homem e a forma pela qual o sujeito aprende e se desenvolve, e,
mais particularmente, as possibilidades da ação educativa. Cada uma delas é
marcada pelas características do momento e do contexto sócio-histórico em
que foi formulada e pelos diversos paradigmas e pressupostos filosóficos,
metodológicos e epistemológicos que as inspiraram.
A abordagem inatista (também conhecida como apriorista ou nativista),
inspirada nas premissas da filosofia racionalista e idealista24, se baseia na
crença de que as capacidades básicas de cada ser humano (personalidade,
potencial, valores, comportamentos, formas de pen- pensar e de conhecer
são inatas, ou seja, já se encontram praticamente prontas no momento do
nascimento ou potencialmente determinadas e na dependência do
amadurecimento para se manifestar. Enfatiza assim os fatores maturacionais
e hereditários como definidores da constituição do ser humano e do processo
de conhecimento. Exclui, consequentemente, as interações socioculturais na
formação das estruturas comportamentais e cognitivas da criança. Nessa
visão o desenvolvimento é pré-re- quisito para o aprendizado e o
desenvolvimento mental é visto de modo restrospectivo.
Essa perspectiva pode trazer uma série de comprometimentos ao aspecto
pedagógico, na medida em que entende que a educação pouco ou quase nada
altera as determinações inatas. Os processos de ensino só podem se realizar
na medida em que a criança estiver “pronta”, madura para efetivar
determinada aprendizagem. A prática escolar não desafia, não amplia nem
instrumentaliza o desenvolvimento de cada indivíduo, pois se restringe
àquilo que ele já conquistou. Esse paradigma promove uma expectativa
significativamente limitada do papel da educação para o desenvolvimento
individual, na medida em que considera o desempenho do aluno fruto de suas
capacidades inatas. O processo educativo fica assim na dependência de seus
traços comportamentais ou cognitivos. Desse modo, acaba gerando um certo
imobilismo e resignação provocados pela convicção de que as diferenças
não serão superáveis pela educação.
Na prática escolar, podemos identificar as consequências da abordagem
inatista, não só no que diz respeito ao desempenho intelectual, mas também
no que se refere à forma de compreender o comportamento de um modo geral
do aluno. As características comportamentais manifestas pelas crianças, tais
como, agressividade, impetuosidade, sensibilidade ou passividade, acabam
sendo interpretadas como inatas, e, portanto, têm reduzida chance de se
modificarem.
Os postulados inatistas podem servir, assim, para justificar práticas
pedagógicas espontaneístas, pouco desafiadoras e que, na maior parte das
vezes, subestimam a capacidade intelectual do indivíduo, na medida em que
seu sucesso ou fracasso depende quase exclusivamente de seu talento,
aptidão, dom ou maturidade. Desconfiam, portanto, do valor da educação e
do papel interveniente e mediador do professor. Sua atuação se restringe ao
respeito às diferenças individuais, aos desejos, aos interesses e capacidades
manifestas pelo indivíduo (ou pelo grupo), ao reforço das “características
inatas” ou ainda à espera de que processos maturacionais ocorram.
Consequentemente, o desempenho das crianças na escola deixa de ser
responsabilidade do sistema educacional. Terá sucesso a criança que tiver
algumas qualidades e aptidões básicas, que implicarão na garantia de
aprendizagem, tais como: inteligência, esforço, atenção, interesse ou mesmo
maturidade (desenvolvimento de pré- requisitos) para aprender. Assim, a
responsabilidade está na criança (e no máximo em sua família) e não na sua
relação com o contexto social mais amplo, nem tampouco na própria
dinâmica interna da escola.
Em contrapartida, a concepção ambientalista (também chamada de
associacionista, comportamentalista ou behaviorista), inspirada na filosofia
empirista e positivista25, atribui exclusivamente ao ambiente a constituição
das características humanas e privilegia a experiência como fonte de
conhecimento e de formação de hábitos de comportamento. Assim, as
características individuais são determinadas por fatores externos ao
indivíduo. Nesta abordagem desenvolvimento e aprendizagem se confundem
e ocorrem simultaneamente.
Os postulados do ambientalismo podem servir para legitimar e justificar
diferentes (e muitas vezes antagônicas) práticas pedagógicas que variam
entre o assistencialismo, o conservadorismo, o diretivismo, o tecnicismo e
até o espontaneísmo. O impacto da abordagem ambientalista na educação
pode ser verificado nos programas educacionais elaborados com o objetivo
de estimular e intervir no desenvolvimento das crianças provenientes das
camadas populares ou compensar, de forma assistencialista, as “carências
sociais” dos indivíduos. Nesses casos o que está subjacente é a ideia de que
a escola tem não somente o poder de formar e transformar o indivíduo, como
também a incumbência de corrigir os problemas sociais.
A visão e a prática da pedagogia tradicional (na sua versão conservadora,
diretiva ou tecnicista) é permeada pelos pressupostos do ambientalismo. O
papel da escola e do ensino é supervalorizado, já que o aluno é um
receptáculo vazio (alguém que em princípio nada sabe). A transmissão de
um grande número de informações torna-se de extrema relevância. A função
primordial da escola é a preparação moral e intelectual do aluno para
assumir sua posição na sociedade. O compromisso da escola é com a
“transmissão da cultura” e a “modelagem comportamental” das crianças.
Nessa perspectiva os conteúdos e procedimentos didáticos não precisam
ter nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as
realidades sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras
impostas e da transmissão verbal do conhecimento. Na pedagogia que
superdimensiona a “cultura geral” que deve ser transmitida, o educando
assume uma posição secundária e marcadamente passiva, devido a sua
imaturidade e inexperiência. Cabe ao aluno apenas executar prescrições que
lhes são fixadas por autoridades exteriores a ele.
Valoriza-se o trabalho individual, a atenção, a concentração, o esforço e a
disciplina, como garantias para a apreensão do conhecimento. As trocas de
informações, os questionamentos, as dúvidas e a comunicação entre os
alunos, enfim a interação entre pares, são interpretadas como falta de
respeito, dispersão, bagunça, indisciplina e “conversas paralelas”. Dá-se,
portanto, privilégio à interação adulto-criança.
O adulto é considerado o homem acabado, pronto e completo, ou seja, o
modelo perfeito que deve ensinar as crianças e, principalmente, moldar seu
caráter, comportamento e conhecimento. Assim, o ensino, em todas as formas
desse tipo de abordagem, será centrado no professor, que monta programas a
partir de uma progressão de grau de complexidade da matéria (definidos a
partir de seu referencial). Cabe a ele ser exigente e rigoroso na tarefa de
direcionar, punir, treinar, vigiar, organizar conteúdos e meios eficientes que
garantam o ensino e a aprendizagem.
O professor, por ser o elemento central e único detentor do saber, é quem
corrige, avalia e julga as produções e comportamentos dos alunos,
principalmente seus “erros e dificuldades”, detendo-se quase que
exclusivamente no produto da aprendizagem, naquilo que a criança é capaz
de fazer sozinha. As possibilidades de sucessão do professor estão
intimamente relacionadas a sua competência de promover situações
propícias para que se processem associações entre estímulos e respostas
corretas, pois o erro deve ser eliminado.
É necessário observar que, neste paradigma, a aprendizagem é confundida
com memorização de um conjunto de conteúdos desarticulados, conseguida
através da repetição de exercícios sistemáticos de fixação e cópia e
estimulada por reforços positivos (elogios, recompensas) ou negativos
(notas baixas, castigos etc.). O método é baseado na exposição verbal,
análise e conclusão do conteúdo por parte do professor. A verificação da
aprendizagem se dá através de periódicas avaliações (vistas como
instrumentos de controle e de checagem da necessidade de reformulação das
técnicas empregadas).
Esta abordagem pode servir não exclusivamente para justificar atuações
diretivistas e autoritárias mas também como fundamento a práticas
espontaneístas. Podemos identificar estes pressupostos na pedagogia que
valoriza o laissez-faire, a experiência e o contato com os objetos concretos.
Nesta concepção, entende-se que a construção de conhecimentos se dá
exclusivamente através das relações que as crianças estabelecem de forma
“espontânea e livre” com os objetos de seu meio físico. Dessa maneira, um
ambiente rico de estímulos proporcionará desafios e aprendizagens.
O papel do professor se restringe à criação de um ambiente
“democrático”, onde não há hierarquia, pois busca estabelecer uma relação
de simetria e igualdade com o grupo de alunos. É como se o educador
tivesse que abdicar de sua autoridade e se contentar em atuar como árbitro
ou moderador das desavenças surgidas no cotidiano e interferir o mínimo
necessário, para não inibir “a descoberta, a criatividade e o interesse
infantil”. Nessa perspectiva o mero contato ou experiência com os objetos é
sinônimo de aprendizagem.
Uma outra faceta do espontaneísmo, baseado nesses pressupostos, se
fundamenta na convicção de que o desempenho e as características
individuais do aluno são resultantes da educação recebida em sua família e
do ambiente socioeconômico em que vive. Muitas vezes as causas de suas
dificuldades na escola são atribuídas exclusivamente aos fatores do universo
social, tais como: a pobreza, a desnutrição, a composição familiar, a crise
econômica que o país atravessa, ao ambiente em que vive, à violência da
sociedade atual, a influência da televisão etc. Assim, já que dependem de
fatores externos à escola, a solução não está ao alcance dos educadores.
Consequentemente, é insignificante o valor da educação. Ou seja, é
tamanha a força modeladora (e opressora) do contexto social, que a escola
se torna impotente e sem instrumentos para lidar com a criança,
principalmente aquela proveniente das camadas populares.
É bastante curioso observar como abordagens tão distintas, como o
inatismo e o ambientalismo, baseadas em pressupostos epistemológicos tão
diferentes, podem ser utilizadas para justificar uma mesma perspectiva
pedagógica: o espontaneísmo. Esta identificação se dá na medida em que
ambas reforçam a ideia de um determinismo prévio (por razões inatas ou
adquiridas), que acarreta uma espécie de perplexidade e imobilismo do
sistema educacional. A escola se vê, assim, desvalorizada e isenta de
cumprir o seu papel de possibilitadora e desafiadora (ainda que não
exclusiva) do processo de constituição do sujeito, do ponto de vista do seu
comportamento de um modo geral e da construção de conhecimentos.
2. A ABORDAGEM SOCIOINTERACIONISTA DE
VYGOTSKY
Conforme descrito no capítulo anterior, os postulados de Vygotsky são
radicalmente diferentes das concepções expostas acima. Podemos considerálo representante de uma outra maneira de entender a origem e evolução do
psiquismo humano, as relações entre indivíduo e sociedade e, como
consequência, um modo diferente de entender a educação: a concepção
interacionista.
Vygotsky, inspirado nos princípios do materialismo dialético, considera o
desenvolvimento da complexidade da estrutura humana como um processo
de apropriação pelo homem da experiência histórica e cultural. Segundo ele,
organismo e meio exercem influência recíproca, portanto o biológico e o
social não estão dissociados. Nesta perspectiva, a premissa é de que o
homem constitui-se como tal através de suas interações sociais, portanto, é
visto como alguém que transforma e é transformado nas relações produzidas
em uma determinada cultura. É por isso que seu pensamento costuma ser
chamado de sociointeracionista.
Ao admitir a interação do indivíduo com o meio como característica
definidora da constituição humana, Vygotsky refuta as teses antagônicas e
radicais que dicotomizavam o inato e o adquirido: as abordagens ambientalistas (pela exagerada e exclusiva ênfase às pressões do meio) e nativistas
(pelo desprezo às influências externas e pela supervalorização do aspecto
hereditário e maturacional). Suas proposições parecem apontar para uma
superação das oposições consagradas no campo teórico da Psi- cologia, na
medida em que indicam novas bases para a compreensão da atividade
humana.
É necessário ressaltar que, na abordagem vygotskiana, o que ocorre não é
uma somatória entre fatores inatos e adquiridos e sim uma interação dialética
que se dá, desde o nascimento, entre o ser humano e o meio social e cultural
que se insere.
Vygotsky rejeita os modelos baseados em pressupostos inatistas que preescrevem características comportamentais universais do ser humano, como
por exemplo, as definições de comportamento por faixa etária, por entender
que o homem é um sujeito datado, atrelado às determinações de sua estrutura
biológica e de sua conjuntura histórica.
Sendo assim, a Psicologia (particularmente a que se ocupa das questões
do desenvolvimento) não tem grande poder de generalização, já que se
circunscreve a determinadas características profundamente relacionadas à
dimensão cultural e histórica do grupo tratado26. Deve se restringir,
portanto, à descrição de determinadas características psicológicas em
estágios específicos da vida (na infância, adolescência e idade adulta) em
sua interação com o contexto sociocultural.
Discorda também da visão ambientalista pois, para ele, o indivíduo não é
resultado de um determinismo cultural, ou seja, não é um receptáculo vazio,
um ser passivo, que só reage frente às pressões do meio, e sim um sujeito
que realiza uma atividade organizadora na sua interação com o mundo, capaz
inclusive de renovar a própria cultura. Parte do pressuposto de que as
características de cada indivíduo vão sendo formadas a partir da constante
interação com o meio, entendido como mundo físico e social, que inclui as
dimensões interpessoal e cultural. Nesse processo, o indivíduo ao mesmo
tempo que internaliza as formas culturais, as transforma e intervém em seu
meio. É, portanto na relação dialética com o mundo que o sujeito se constitui
e se liberta.
É possível constatar que o ponto de vista de Vy- gotsky é que o
desenvolvimento humano é compreendido não como a decorrência de fatores
isolados que amadurecem, nem tampouco de fatores ambientais que agem
sobre o organismo controlando seu comportamento, mas sim através de
trocas recíprocas, que se estabelecem durante toda a vida, entre indivíduo e
meio, cada aspecto influindo sobre o outro.
Analisaremos a seguir, mais detalhadamente, os pressupostos filosóficos e
epistemológicos subjacentes a essas teses elaboradas por Vygotsky.
Posteriormente faremos algumas reflexões acerca
contribuições de seu pensamento ao plano educacional.
das
possíveis
3. A INFLUÊNCIA DO MATERIALISMO DIALÉTICO
A perspectiva histórico-cultural do psiquismo, elaborada por Vygotsky,
fundamenta-se no método e nos princípios teóricos do materialismo
histórico-dialético. Assim, analisaremos, ainda que em linhas gerais, alguns
aspectos do pensamento (particularmente aqueles que influenciaram
diretamente seu trabalho) dos responsáveis pela formulação desta
abordagem: Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), no
intuito de esclarecer as raízes filosóficas destes pressupostos e
principalmente identificar suas bases epistemológicas.27
Marx e Engels propõem uma perspectiva materialista-dialética para a
compreensão do real, para a construção de conhecimento e para o
entendimento do homem. Segundo eles, os fenômenos materiais são
processos. Coloca assim como princípio último da realidade a própria
matéria. A matéria é um princípio dinâmico, ainda não constituído, está em
processo, evolui dialeticamente, segundo a tríade tese, antítese e síntese.
De acordo com essa abordagem, o pressuposto primeiro de toda a história
humana é a existência de indivíduos concretos, que na luta pela
sobrevivência organizam-se em torno do trabalho estabelecendo relações
entre si e com a natureza. Apesar de fazer parte da natureza (é um ser natural,
criado pela natureza e submetido às suas leis), o homem se diferencia dela
na medida em que é capaz de transformá-la conscientemente segundo suas
necessidades. É através dessa interação, que provoca transformações
recíprocas, que o homem se faz homem. Dessa forma, a compreensão do ser
humano implica necessariamente na compreensão de sua relação com a
natureza, já que é nesta relação que o homem constrói e transforma a si
mesmo e a própria natureza, criando novas condições para sua existência.
É através do trabalho, uma atividade prática e consciente, que o homem
atua sobre a natureza. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz
indiretamente sua própria vida material. A noção de produção pelo trabalho
(encarado como motor do processo histórico) não apenas diferencia o
homem dos animais como também o explica: é pela produção que se
desvenda o caráter social e histórico do homem. O homem é um ser social e
histórico e é a satisfação de suas necessidades que o leva a trabalhar e
transformar a natureza, estabelecer relações com seus semelhantes, produzir
conhecimentos, construir a sociedade e fazer a história. É entendido assim
como um ser em permanente construção, que vai se constituindo no espaço
social e no tempo histórico.
A necessidade de intercâmbio entre os homens no processo de trabalho
possibilitou o aparecimento da linguagem como veículo de comunicação e
apropriação do conhecimento historicamente construído pela espécie
humana. Sendo assim, o desenvolvimento de sua consciência não se limita a
sua experiência pessoal, pois seu pensamento passa a ser mediado pela
linguagem. Diferente dos animais, o produto da atividade (do trabalho)
humana existe antes na mente do sujeito como imagens psíquicas (conteúdo
de sua consciência), que mediatizam a sua realização.
Segundo o materialismo histórico dialético, o processo de vida social,
política e econômica é condicionado pelo modo de produção de vida
material. São as condições materiais que formam a base da sociedade, da
sua construção, das suas instituições e regras, das suas ideias e valores.
Nessa perspectiva, a realidade (natural e social) evolui por contradição e se
constitui num processo histórico. São os conflitos internos desta realidade
que provocam as mudanças que ocorrem de forma dialética. Esse processo é
resultante das intervenções das práticas humanas. Já que a formação e
transformação da sociedade humana ocorre de modo dinâmico, contraditório
e através de conflitos, precisa ser compreendida como um processo em
constante mudança e desenvolvimento.
Ao construírem um sistema explicativo da história e da sociedade, Marx e
Engels elaboram e estabelecem os princípios epistemológicos que orientam
sua análise. Ainda que de forma implícita é possível perceber uma proposta
para a produção do conhecimento. De acordo com a perspectiva dialética,
sujeito e objeto de conhecimento se relacionam de modo recíproco (um
depende do outro) e se constituem pelo processo histórico-social. Podemos
entender então que as ideias são decorrência da interação do homem com a
natureza e o conhecimento é determinado pela matéria, pela realidade
objetiva. O homem faz parte da natureza e a recria em suas ideias a partir de
sua interação com ela.
Sendo assim, o desenvolvimento das funções psíquicas humanas (a
produção das ideias, das representações, do pensamento, enfim da
consciência) está intimamente relacionada à atividade material e ao
intercâmbio entre os homens.
Em síntese, nesta abordagem, o sujeito produtor de conhecimento não é um
mero receptáculo que absorve e contempla o real nem o portador de
verdades oriundas de um plano ideal; pelo contrário, é um sujeito ativo que
em sua relação com o mundo, com seu objeto de estudo, reconstrói (no seu
pensamento) este mundo. O conhecimento envolve sempre um fazer, um atuar
do homem.
A noção de constituição do homem como ser histórico traz implícita a
concepção de que não há uma essência humana dada e imutável, pelo
contrário, supõe um homem ativo no processo contínuo e infinito de
construção de si mesmo, da natureza e da história. Esse processo não é
linear e unidirecional pois está intimamente relacionado à evolução histórica
das necessidades e dos interesses culturais. De acordo com esses
postulados, deve-se partir da atividade real deste homem para estudar o
processo de seu desenvolvimento intelectual. Marx e Engels propõem o
método dialético-materialista para o qual o pensamento analítico deve tomar
como ponto de partida, e de chegada, a prática dos homens historicamente
situados.
4. A CONSTRUÇÃO DA PSICOLOGIA HISTÓRICOCULTURAL
A partir dessas colocações iniciais é possível identificar as inúmeras
aproximações entre a proposta metodológica e as teses formuladas por
Vygotsky e a epis- temologia dialético-materialista. Utilizando-se dos
pressupostos construídos por Marx e Engels, Vygotsky e seus colaboradores
objetivaram elaborar uma psicologia histórico-cultural, ampliando, assim, os
horizontes da ciência psicológica.
Diferente de muitos intelectuais soviéticos, que se apressavam em fazer
suas teorias de acordo com as mais recentes interpretações do marxismo,
formulando coletâneas de citações de Marx e Engels sobre os diversos
aspectos da psicologia humana, Vygotsky viu, nos métodos e princípios do
materialismo dialético, a solução dos paradoxos científicos com que se
defrontavam seus contemporâneos e, como consequência, a possibilidade de
superação do estado de crise da Psicologia.
Vygotsky procurou desenvolver um método que permitisse a compreensão
da natureza do comportamento humano, enquanto parte do desenvolvimento
histórico geral de nossa espécie. Acabou sistematizando uma abordagem
fundamentalmente nova sobre o processo de desenvolvimento do pensamento
e das funções cognitivas complexas de um sujeito contextualizado e,
portanto, histórico. A essência deste novo método é o princípio de que todos
os fenômenos têm uma história caracterizada por mudanças qualitativas e
quantitativas, portanto devem ser estudados como processos em movimento e
mudança. A tarefa do cientista, em termos de Psicologia, é justamente a de
reconstruir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e da
consciência (COLE & SCRIBNER, 1984, p. 7).
Vygotsky entendia que a compreensão do ser humano dependia do estudo
do processo de internalização das formas culturalmente dadas de
funcionamento psicológico. Foi a partir dessa premissa que tentou explicar a
transformação dos processos psicológicos elementares, relacionados aos
fatores biológicos do desenvolvimento, em processos superiores, resultantes
da inserção do homem num determinado contexto sócio-histórico.
Não é exagero afirmar que, num certo sentido, a obra de Vygotsky, Marx e
Engels se completam. O psicólogo soviético buscou, a partir das influências
do materialismo-dialético, avançar e substanciar a caracterização do
desenvolvimento do psiquismo humano. Conforme exposto no capítulo 2,
através de seu estudo sobre as funções psicológicas mais sofisticadas,
exclusivamente humanas, Vygotsky esclarece em que medida o ser humano
constitui-se enquanto tal na sua relação com o outro social.
Baseando-se no pressuposto de que não há essência humana a priori
imutável, investiga a construção do sujeito na interação com o mundo, sua
relação com os demais indivíduos, a gênese das estruturas de seu
pensamento, a construção do conhecimento. Conseguindo, finalmente,
explicitar como a cultura torna-se parte da natureza humana num processo
histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, forma
o funcionamento psicológico do homem.
As concepções de Vygotsky sobre a base biológica do funcionamento
psicológico também se fundamentam no paradigma materialista-dialético.
Vygotsky dá especial importância ao estudo do cérebro, entendido como o
órgão material da atividade mental. O cérebro é visto como um sistema
flexível capaz de servir a novas e diferentes funções, sem que sejam
necessárias transformações no orgão físico. O funcionamento cerebral é
moldado, assim, ao longo da história da espécie e do desenvolvimento
individual. Ou seja, para Vygotsky, a estrutura e o funcionamento do cérebro
humano, que levaram milhões de anos para evoluir, também passam por
mudanças no curso do desenvolvimento do indivíduo, devido à interação do
homem com o meio físico e social.
As aproximações entre a epistemologia dialética materialista e a
perspectiva vygotskiana não se esgotam nessas primeiras colocações. Como
já foi mencionado, na filosofia marxista, o homem é concebido como sujeito
ativo que cria o meio, a realidade (age na natureza) e como produto deste
meio (a natureza age sobre os homens). Nesse processo dialético, o sujeito
do conhecimento não tem um comportamento contemplativo diante da
realidade. Pelo contrário, é constantemente estimulado pelo mundo externo e
como consequência internaliza (de modo ativo), o conhecimento (conceitos,
valores, significados) construído pelos homens ao longo da história.
Vygotsky parte deste princípio e postula que é na atividade prática, nas
interações estabelecidas entre os homens e a natureza que as funcões
psíquicas, especificamente humanas, nascem e se desenvolvem. Detém-se na
investigação do surgimento de novas estruturas cognitivas a partir da
demanda social, da necessidade de novos instrumentos de trabalho e de
pensamento.
O conceito de mediação, um dos pilares das teses vygotskianas, também
revela grandes aproximações com a abordagem do materialismo históricodialético. Como vimos no capítulo anterior, Vygotsky estendeu a noção de
mediação homem-mundo pelo trabalho e o uso de instrumentos ao uso de
signos. Afirma que a relação do indivíduo com o ambiente é mediada, pois
este, enquanto sujeito de conhecimento, não tem acesso imediato aos objetos
e sim a sistemas simbólicos que representam a realidade. Essa é a razão de
atribuir um papel de destaque à linguagem (já que é o sistema simbólico
principal de todos os grupos humanos), que se interpõe entre sujeito e objeto
de conhecimento.
Podemos concluir que a abordagem marxista, que orientou os estudos de
Vygotsky, representou uma mudança significativa na interpretação que até
então vinha se dando, nas pesquisas acerca dos fenômenos psíquicos e da
caracterização do ser humano. O indivíduo, agora contextualizado (histórica
e socialmente), pode ser desnudado e estudado dialeticamente com relação
às leis de sua evolução biológica e às leis de seu desenvolvimento sóciohistórico.
5. ALGUMAS IMPLICAÇÕES DA ABORDAGEM
VYGOTSKIANA PARA A EDUCAÇÃO
A obra de Vygotsky pode significar uma grande contribuição para a área
da educação, na medida em que traz importantes reflexões sobre o processo
de formação das características psicológicas tipicamente humanas e, como
consequência, suscita questionamentos, aponta diretrizes e instiga a
formulação de alternativas no plano pedagógico. No entanto, vale ressaltar
que não é possível encontrar, nas suas teses (como em outras propostas
teóricas), soluções práticas ou instrumentos metodológicos de imediata
aplicação na prática educativa cotidiana.
Esse impedimento se deve não somente às peculiaridades de sua obra,
como também à própria problemática envolvida no complexo
estabelecimento de diálogo entre as teorias e a prática pedagógica.
Guardadas as devidas limitações, suas produções possibilitam a análise
psicológica de algumas questões relacionadas ao ensino e sugerem uma
reavaliação de aspectos já consagrados no campo educacional.
Ao desenvolver o conceito de zona de desenvolvimento proximal e outras
teses, Vygotsky oferece elementos importantes para a compreensão de como
se dá a integração entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento. Faremos,
a seguir, uma reflexão sobre algumas implicações de suas ideias.
[Valorização do papel da escola:]
A leitura da obra de Vygotsky permite identificar, em várias passagens, a
atenção especial que dedica à educação escolar. Sua preocupação com esse
tema é coerente com a perspectiva histórica, que considera fundamental a
análise das condições concretas para o desenvolvimento de um determinado
tipo de cognição.
Conforme abordado no capítulo anterior, ele chama a atenção para o fato
de que a escola, por oferecer conteúdos e desenvolver modalidades de
pensamento bastante específicos, tem um papel diferente e insubstituível, na
apropriação pelo sujeito da experiência culturalmente acumulada. Justamente
por isso, ela representa o elemento imprescindível para a realização plena
do desenvolvimento dos indivíduos (que vivem em sociedades
escolarizadas) já que promove um modo mais sofisticado de analisar e
generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual.
Na escola, as atividades educativas, diferentes daquelas que ocorrem no
cotidiano extraescolar, são sistemáticas, têm uma intencionalidade
deliberada e compromis- so explícito (legitimado historicamente) em tornar
acessível o conhecimento formalmente organizado. Nesse contexto, as
crianças são desafiadas a entender as bases dos sistemas de concepções
científicas e a tomar consciência de seus próprios processos mentais.
Ao interagir com esses conhecimentos, o ser humano se transforma:
aprender a ler e a escrever, obter o domínio de formas complexas de
cálculos,
construir
significados
a
partir
das
informações
descontextualizadas, ampliar seus conhecimentos, lidar com conceitos
científicos hierarquicamente relacionados, são atividades extremamente
importantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento, de
inserção e atuação em seu meio. Isto quer dizer que as atividades
desenvolvidas e os conceitos aprendidos na escola (que Vygotsky chama de
científicos) introduzem novos modos de operação intelectual: abstrações e
generalizações mais amplas acerca da realidade (que por sua vez
transformam os modos de utilização da linguagem). Como consequência, na
medida em que a criança expande seus conhecimentos, modifica sua relação
cognitiva com o mundo.
O pensamento de Vygotsky nos remete imediatamente a uma discussão
acerca dos aspectos sociopolíticos envolvidos na questão do saber: será que
o conhecimento construído pelo grupo humano está sendo, de fato,
socialmente distribuído? Se a escolarização desempenha um papel tão
fundamental na constituição do indivíduo que vive numa sociedade letrada e
complexa como a nossa, a exclusão, o fracasso e o abandono da escola, por
parte dos alunos, constituem-se, nessa perspectiva, fatores de extrema
gravidade. Isto quer dizer que o fato de o indivíduo não ter acesso à escola
significa um impedimento da apropriação do saber sistematizado, da
construção de funções psicológicas mais sofisticadas, de instrumentos de
atuação e transformação de seu meio social e de condições para a construção
de novos conhecimentos.
Todavia, é importante ressaltar que seria ingênuo supor que a frequência
da criança à escola seja suficiente para que os processos mencionados acima
ocorram. Sabemos que a presença na escola não é garantia de que o
indivíduo se apropria do acervo de conhecimentos sobre áreas básicas
daquilo que foi elaborado por seu grupo cultural. O acesso a esse saber
dependerá, entre outros fatores de ordem social e política e econômica, da
qualidade do ensino oferecido28. Nesse sentido, o pensamento de Vygotsky
traz uma outra implicação: contribui para suscitar a necessidade de uma
avaliação mais criteriosa de como essa agência educativa vem
desempenhando sua tão relevante função.
O ensino verbalista, baseado na transmissão oral de conhecimentos por
parte do professor, assim como as práticas espontaneístas, que abdicam de
seu papel de desafiar e intervir no processo de apropriação de
conhecimentos por parte das crianças e adolescentes, são, na perspectiva
vygotskiana, além de infrutíferos, extremamente inadequados. Seus
postulados apontam para a necessidade de criação de melhores condições na
escola, para que todos os alunos tenham acesso às informações e
experiências e possam efetivamente aprender.
[O bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento:]
A qualidade do trabalho pedagógico está associada, nessa abordagem, à
capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento do aluno.
Conforme abordamos no capítulo anterior, podemos encontrar o fundamento
dessa posição no conceito de zona de desenvolvimento proximal que
descreve o “espaço” entre as conquistas já adquiridas pela criança (aquilo
que ela já sabe, que é capaz de desempenhar sozinha) e aquelas que, para se
efetivar, dependem da participação de elementos mais capazes (aquilo que a
criança tem a competência de saber ou de desempenhar somente com a
colaboração de outros sujeitos). Esse princípio desestabiliza algumas
crenças bastante cristalizadas no âmbito pedagógico.
De modo geral, nos meios educacionais, ainda parece prevalecer a visão
de que o desenvolvimento é pré-requisito para o aprendizado. Um bom
exemplo disso são os difundidos trabalhos de “prontidão”, normalmente
desenvolvidos no período pré-escolar, que têm a intenção explícita de
desenvolver, na criança, determinadas habilidades (tais como discriminação
áudio-viso-motora, noções de lateralidade e orientação espacial, etc.) com o
objetivo de “prepará-las” para o futuro aprendizado da língua escrita.
Do ponto de vista da teoria histórico-cultural, isto é uma contradição, já
que os processos de desenvolvimento são impulsionados pelo aprendizado.
Ou seja, só “amadurecerá”, se aprender. Assim, no caso do exemplo citado,
a criança só poderá aprender a ler e a escrever, se tiver acesso a
informações sobre esse objeto de conhecimento e participar de situações
planejadas de leitura e escrita. Portanto, não tem sentido esperar que
primeiro ocorra o desenvolvimento para que só então seja permitido que a
criança aprenda. Esta inversão, que parece apenas um jogo de palavras,
sugere, na verdade, uma mudança significativa no modo de entender (e
praticar) o ensino.
Vygotsky afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao
desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão
em vias de se completarem. Essa dimensão prospectiva do desenvolvimento
psicológico é de grande importância para a educação, pois permite a
compreensão de processos de desenvolvimento que, embora presentes no
indivíduo, necessitam da intervenção, da colaboração de parceiros mais
experientes da cultura para se consolidarem e, como consequência, ajuda a
definir o campo e as possibilidades da atuação pedagógica.
Assim, por exemplo, ensinar a grafia dos números de 0 a 10 para uma
criança de 7 anos que já os conhece e os escreve com desenvoltura, porque
está acostumada a lidar com dinheiro, a fazer trocos e operações
matemáticas simples, não provocará nenhum tipo de transformação no seu
processo psicológico. Será igualmente improdutivo tentar ensinar para essa
mesma criança operações matemáticas muito sofisticadas, como equações de
2º grau. Enfim, ensinar o que o aluno já sabe ou aquilo que está totalmente
longe da sua possibilidade de aprender é totalmente ineficaz.
A escola desempenhará bem seu papel, na medida em que, partindo
daquilo que a criança já sabe (o conhecimento que ela traz de seu cotidiano,
suas ideias a respeito dos objetos, fatos e fenômenos, suas “teorias” acerca
do que observa no mundo), ela for capaz de ampliar e desafiar a construção
de novos conhecimentos, na linguagem vygotskiana, incidir na zona de
desenvolvimento potencial dos educandos. Desta forma poderá estimular
processos internos que acabarão por se efetivar, passando a constituir a base
que possibilitará novas aprendizagens.
São bastante oportunas as colocações, baseadas nos pressupostos de
Vygotsky, feitas pelo russo Davidov, sobre o tipo de ensino que de fato
impulsiona o desenvolvimento das capacidades dos alunos. Afirma que a
escola deve ser capaz de desenvolver nos alunos capacidades intelectuais
que lhes permitam assimilar plenamente os conhecimentos acumulados. Isto
quer dizer que ela não deve se restringir à transmissão de conteúdos, mas,
principalmente, ensinar o aluno a pensar, ensinar formas de acesso e
apropriação do conhecimento elaborado, de modo que ele possa praticá-las
autonomamente ao longo de sua vida, além de sua permanência na escola.
Essa é, segundo ele, a tarefa principal da escola contemporânea frente às
exigências das sociedades modernas (DAVIDOV, 1988, p. 3).
[O papel do outro na construção do conhecimento:]
É preciso que examinemos, mais detalhadamente, os postulados de
Vygotsky sobre a formação do conhecimento, já que este é um tema
fundamental na área da educação. Para que possamos analisar esta questão é
necessário que retomemos algumas ideias expostas até agora.
Como vimos, segundo a teoria histórico-cultural, o indivíduo se constitui
enquanto tal não somente devido aos processos de maturação orgânica, mas,
principalmente, através de suas interações sociais, a partir das trocas
estabelecidas com seus semelhantes. As funções psíquicas humanas estão
intimamente vinculadas ao aprendizado, à apropriação (por intermédio da
linguagem) do legado cultural de seu grupo.
Esse patrimônio, material e simbólico, consiste no conjunto de valores,
conhecimentos, sistemas de representação, construtos materiais, técnicas,
formas de pensar e de se comportar que a humanidade construiu ao longo de
sua história. Para que a criança possa dominar esses conhecimentos é
fundamental a mediação de indivíduos, sobretudo dos mais experientes de
seu grupo cultural.
Mas para que exista apropriação é preciso também que exista
internalização, que implica na transformação dos processos externos
(concretizado nas atividades entre as pessoas), em um processo
intrapsicológico (onde a atividade é reconstruída internamente). O longo
caminho do desenvolvimento humano segue, portanto, a direção do social
para o individual.
Portanto, na perspectiva de Vygotsky, construir conhecimentos implica
numa ação partilhada, já que é através dos outros que as relações entre
sujeito e objeto de conhecimento são estabelecidas.
O paradigma esboçado sugere, assim, um redimensionamento do valor das
interações sociais (entre os alunos e o professor e entre as crianças) no
contexto escolar. Essas passam a ser entendidas como condição necessária
para a produção de conhecimentos por parte dos alunos, particularmente
aquelas que permitam o diálogo, a cooperação e troca de informações
mútuas, o confronto de pontos de vista divergentes e que implicam na
divisão de tarefas onde cada um tem uma responsabilidade que, somadas,
resultarão no alcance de um objetivo comum. Cabe, portanto, ao professor
não somente permitir que elas ocorram, como também promovê-las no
cotidiano das salas de aula.
Dessa maneira, a heterogeneidade, característica presente em qualquer
grupo humano, passa a ser vista como fator imprescindível para as
interações na sala de aula. Os diferentes ritmos, comportamentos,
experiências, trajetórias pessoais, contexto familiares, valores e níveis de
conhecimentos de cada criança (e do professor) imprimem ao cotidiano
escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visão de mundo,
confrontos, ajuda mútua e consequente ampliação das capacidades
individuais.
Em síntese, uma prática escolar baseada nesses princípios deverá
necessariamente considerar o sujeito ativo (e interativo) no seu processo de
conhecimento, já que ele não é visto como aquele que recebe passivamente
as informações do exterior. Todavia, a atividade espontânea e individual da
criança, apesar de importante, não é suficiente para a apropriação dos
conhecimentos acumulados pela humanidade. Portanto, deverá considerar
também a importância da intervenção do professor (entendido como alguém
mais experiente da cultura) e, finalmente, as trocas efetivadas entre as
crianças (que também contribuem para os desenvolvimentos individuais).
[Papel da imitação no aprendizado:]
Vygotsky dá uma nova dimensão também ao papel da imitação no
aprendizado. Geralmente associa-se a atividade imitativa a um processo
puramente mecânico, de cópia e repetição. Entretanto, como vimos, para
Vygotsky, a imitação oferece a oportunidade de reconstrução (interna)
daquilo que o indivíduo observa exter- namente. A imitação pode ser
entendida como um dos possíveis caminhos para o aprendizado, um
instrumento de compreensão do sujeito.
Através da imitação as crianças são capazes de realizar ações que
ultrapassam o limite de suas capacidades, como por exemplo, uma criança
pequena, ainda não alfabetizada, pode imitar seu irmão e “escrever” uma
lista com os nomes dos jogadores de seu time preferido. Deste modo ela
estará internalizando os usos e funções da escrita e promovendo o
desenvolvimento de funções psicológicas que permitirão o domínio da
escrita. É nesse sentido que Vygotsky afirma que a imitação é uma das
formas das crianças internalizarem o conhecimento externo.
Vista por esse ângulo, a imitação de modelos fornecidos pelos sujeitos
assume um papel estruturante pois amplia a capacidade cognitiva individual.
Todavia, ressalta que o indivíduo só consegue imitar aquilo que está no seu
nível de desenvolvimento, por exemplo: “se uma criança tem dificuldade
com um problema de aritmética e o professor o resolve no quadro-negro, a
criança pode captar a solução num instante. Se, no entanto, o professor
solucionasse o problema usando a matemática superior, a criança seria
incapaz de compreender a solução, não importando quantas vezes a
copiasse” (VYGOTSKY, 1984, p. 99).
Esses postulados trazem uma importante implicação à educação escolar.
Já que através da imitação (instrumento de reconstrução no sentido
vygotskiano) o indivíduo aprende, o fornecimento de sugestões, exemplos e
demonstrações no contexto escolar adquirem um papel de extrema
importância. É interessante, pois, que se promovam situações que permitam
a imitação, observação e reprodução de modelos.
Apesar de potencialmente fértil para o cotidiano escolar, essa questão
precisa ser analisada com cautela, para que não corramos o risco de
interpretar de maneira equivocada as ideias originalmente expressas por
Vygotsky. Existe obviamente uma enorme diferença em propor atividades
descontextualizadas que visam à mera repetição sem sentido de um modelo
observado e aquelas que de fato intervêm e desencadeiam o processo de
aprendizagem dos alunos. Quando Vygotsky fala em imitação não está se
referindo, obviamente, aos “rituais de cópia” ou propostas de imitações
mecânicas e literais de modelos fornecidos pelo adulto.
Recorreremos a alguns exemplos com a intenção de esclarecer essa
distinção. Propor que as crianças copiem da lousa desenhos já prontos
(feitos pela professora ou retirados de alguma cartilha) é sem dúvida uma
tarefa pouco significativa e desafiadora, que não favorecerá o processo de
criação da criança. Atividades como essa servem, na maior parte das vezes,
para inibir e estereotipar sua expressão.
Isso é bastante diferente de uma situação em que, por exemplo, o
professor sugere que as crianças observem, apreciem, teçam comentários
sobre os desenhos elaborados pelo grupo (que se encontram expostos na
parede) ou sobre as obras de artistas variados (que podem ser conhecidas
através dos livros de arte disponíveis na sala). Finalmente propõe que
escolham, entre os trabalhos observados, alguma característica que queiram
reproduzir, como por exemplo, quanto à cor, material ou técnica empregada.
O objetivo desse professor é mais amplo do que a mera repetição, sua
intenção é ampliar o repertório de cada criança, permitir a troca de
informações e experiências entre os colegas e também propiciar o contato
das crianças com a arte produzida pelos homens ao longo de sua história.
A discussão de Vygotsky sobre o papel da imitação nos remete à questão
da brincadeira e de sua importância no contexto escolar. Conforme exposto
no capítulo anterior, a brincadeira tem uma função significativa no processo
de desenvolvimento infantil. Ela também é responsável por criar “uma zona
de desenvolvimento proximal”, justamente porque, através da imitação
realizada na brincadeira, a criança internaliza regras de conduta, valores,
modos de agir e pensar de seu grupo social, que passam a orientar o seu
próprio comportamento e desenvolvimento cognitivo.
Assim, o brinquedo não só possibilita o desenvolvimento de processos
psíquicos por parte da criança como também serve como um instrumento
para “conhecer o mundo físico e seus fenômenos, os objetos (e seus usos
sociais) e, finalmente, entender os diferentes modos de comportamento
humano (os papéis que desempenham, como se relacionam e os hábitos
culturais)” (REGO, 1992, p. 7). Portanto, no contexto escolar
(principalmente no período pré-escolar) a brincadeira não deveria ser
entendida como uma atividade secundária ou como um “mero passatempo”
das crianças. Ao contrário, deveria ser valorizada e estimulada, já que tem
uma importante função pedagógica.
Para que as brincadeiras infantis tenham lugar garantido no cotidiano das
instituições educativas é fundamental a atuação do educador. É importante
que as crianças tenham espaço para brincar, assim como opções de mexer no
mobiliário, que possam, por exemplo, montar casinhas, cabanas, tendas de
circo etc. O tempo que as crianças têm à disposição para brincar também
deve ser considerado: é importante dar tempo suficiente para que as
brincadeiras surjam, se desenvolvam e se encerrem.
O educador pode, assim, auxiliar não somente na organização do espaço e
tempo para as brincadeiras como também auxiliar na escolha de utensílios
para o incremento do jogo. Como por exemplo, oferecer sucatas (que são
materiais extremamente ricos, pois apresentam uma enorme variedade de
cores, formas, texturas e tamanhos) que possibilitam que as crianças montem,
desmontem e construam (castelos, comidinhas para o doente, um navio etc.)
inúmeras situações imaginárias.
[O papel mediador do professor na dinâmica das interações interpessoais
e na interação das crianças com os objetos de conhecimento:]
A partir do exame das teses expressas por Vygotsky é importante que
façamos algumas considerações acerca do papel do professor. O referencial
analisado sugere a necessidade de redefinição de sua função. Podemos dizer
que, nessa abordagem, o professor deixa de ser visto como agente exclusivo
de informação e formação dos alunos, uma vez que as interações
estabelecidas entre as crianças também têm um papel fundamental na
promoção de avanços no desenvolvimento individual.
Isto não significa, no entanto, que seu papel seja dispensável ou menos
importante. Muito pelo contrário, a função que ele desempenha no contexto
escolar é de extrema relevância já que é o elemento mediador (e
possibilitador) das interações entre os alunos e das crianças com os objetos
de conhecimento.
No cotidiano escolar, a intervenção “nas zonas de desenvolvimento
proximal” dos alunos é de responsabilidade (ainda que não exclusiva) do
professor visto como o parceiro privilegiado, justamente porque tem maior
experiência, informações e a incumbência, entre outras funções, de tornar
acessível ao aluno o patrimônio cultural já formulado pelos homens e
portanto, desafiar através do ensino os processos de aprendizagem e
desenvolvimento infantil.
Nessa perspectiva, as demonstrações, explicações, justificativas,
abstrações e questionamentos do professor são fundamentais no processo
educativo. Isto não quer dizer que ele deva “dar sempre a resposta pronta”.
Tão importante quanto seu fornecimento de informações e pistas, é a
promoção de situações que incentivem a curiosidade das crianças, que
possibilitem a troca de informações entre os alunos e que permitam o
aprendizado das fontes de acesso ao conhecimento. Nesse caso é oportuno
que se planejem atividades que envolvam observação (por exemplo, de
fenômenos da natureza), pesquisa sobre determinado tema (em casa, na
biblioteca, com os parentes etc.), resolução de questões específicas (que
podem tentar ser respondidas individualmente, em duplas ou grupos
maiores) ou mesmo proposta de estudos e preparação de seminários,
palestras ou outras apresentações.
Mas para que ele possa intervir e planejar estratégias que permitam
avanços, reestruturação e ampliação do conhecimento já estabelecido pelo
grupo de alunos, é necessário que conheça o nível efetivo das crianças, ou
melhor, as suas descobertas, hipóteses, informações, crenças, opiniões,
enfim, suas “teorias” acerca do mundo circundante. Este deve ser
considerado o “ponto de partida”. Para tanto, é preciso que, no cotidiano, o
professor estabeleça uma relação de diálogo com as crianças e que crie
situações em que elas possam expressar aquilo que já sabem. Enfim, é
necessário que o professor se disponha a ouvir e notar as manifestações
infantis.
Nesse sentido, a observação e o registro (como por exemplo, através de
diários, relatórios etc.) das características do grupo de crianças (como
produzem, de que modo interagem, como se relacionam com os diversos
objetos de conhecimento, suas descobertas, principais dúvidas e
dificuldades, interesses, como brincam etc.) pode ser uma fonte preciosa
para o planejamento de atividades significativas e eficientes em termos dos
objetivos que se quer alcançar.
Mas para que o professor possa desempenhar com competência sua função
é preciso que, além de melhores condições salariais e de trabalho, ele
também seja escutado. Os professores têm ideias, hipóteses, princípios
explicativos e conhecimentos (baseados na sua experiência de vida e na sua
trajetória como aluno e profissional) que, quando revelados, podem oferecer
importantes pistas e subsídios na busca de novos modos de ação junto a eles.
Os que trabalham na área de formação de professores não podem esperar
mudanças na atuação do professor junto a seus alunos, se não mudarem a sua
forma de atuar junto aos professores. Para que se possa ajudá-los na
construção de novos conhecimentos (incidir na sua “zona de
desenvolvimento proximal”) é preciso partir daquilo que ele sabe. Nesse
sentido, entendemos que o pensamento de Vygotsky também inspira
reflexões, no que se refere à questão da formação dos professores29.
Várias outras reflexões sobre a prática escolar ainda poderiam ser feitas,
a partir das inspirações trazidas pelas ideias de Vygotsky. Chamamos a
atenção apenas para alguns aspectos, que, no nosso entender, contribuem
para uma análise da questão pedagógica.
Finalmente, gostaríamos de observar que talvez a maior contribuição de
seu pensamento esteja no fato de ele suscitar questionamentos em torno de
temas nevrálgicos e ainda mal resolvidos no sistema educacional vigente em
nossa realidade.
Os postulados de Vygotsky parecem apontar para a necessidade de criação
de uma escola bem diferente da que conhecemos. Uma escola em que as
pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar
saberes. Onde há espaço para transformações, para as diferenças, para o
erro, para as contradições, para a colaboração mútua e para a criatividade.
Uma escola em que professores e alunos tenham autonomia, possam pensar,
refletir sobre o seu próprio processo de construção de conhecimentos e ter
acesso a novas informações. Uma escola em que o conhecimento já
sistematizado não é tratado de forma dogmática e esvaziado de significado.
24. É na obra do francês Renê Descartes (1596-1650), considerado pai do racionalismo moderno e nos
filósofos que nele se inspiraram: Malebranche (1646-1715), Espinoza (1632-1677), Leibniz (1646-1716)
e Wolff (1679-1754), que identificamos as principais formulações racionalistas.
25. Os expoentes da filosofia empirista foram os ingleses Francis Bacon (1561-1626), Tomás Hobbes
(1578-1679), John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753), David Hume (1711-1776) e o
francês Augusto Comte (1798-1857).
26. Oliveira chama a atenção para dois aspectos que podem ser considerados “fenômenos psicológicos
universais”, nas teses elaboradas por Vygotsky. O primeiro é a plasticidade que caracteriza todo cérebro
humano, entendido como um sistema aberto à informação cultural, ou seja, um sistema flexível, que
serve a diferentes funções (definidas pela demanda social) sem alterar sua estrutura física. O outro
aspecto é que todo indivíduo depende das interações com a cultura para constituir-se como tal
(OLIVEIRA, 1992, p. 104).
27. Embora Marx e Engels tenham sistematizado o pensamento materialista dialético no século XIX, a
perspectiva dialética já havia sido apontada na filosofia grega pré-socrática por Heráclito e pelos
representantes do idealismo alemão: Hegel e Feuerbach.
28. A relação entre ensino e aprendizagem é um fenômeno complexo, pois diversos fatores de ordem
social, política e econômica interferem na dinâmica da sala de aula, isto porque a escola não é uma
instituição independente, está inserida na trama do tecido social. Desse modo, as interações
estabelecidas na escola revelam múltiplas facetas do contexto mais amplo em que o ensino se insere.
29. Utilizando do referencial teórico de Vygotsky, realizei no seu mestrado um estudo com professores
que atuam na pré-escola e nas séries iniciais do primeiro grau, com o objetivo de compreender suas
hipóteses acerca dos processos de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano (Rego, 1994).
Capítulo IV
VYGOTSKY: ABRANGÊNCIA, CONTRIBUIÇÃO E
ESTILO
Neste capítulo nos dedicaremos à análise, ainda que breve, de dois
aspectos que consideramos importantes para alimentar o debate em torno da
obra de Vygotsky e de seus desdobramentos ao campo educacional.
Primeiramente tentaremos esclarecer a questão do lugar ocupado pelo tema
da afetividade na teoria vygotskiana. Num segundo momento, teceremos
alguns comentários em torno da recente e rápida difusão das teses de
Vygotsky nos meios educacionais.
1. A QUESTÃO DA AFETIVIDADE NA OBRA DE
VYGOTSKY
A dificuldade do acesso à totalidade dos trabalhos de Vygotsky
prejudicam e impedem o conhecimento mais refinado e abrangente de seu
pensamento. Até o momento, os temas mais divulgados da sua obra estão
relacionados mais diretamente à dimensão cognitiva, o que aparentemente
pode levar a crer que ele tenha se dedicado exclusivamente ao estudo do
aspecto intelectual do indivíduo.
Entretanto, este modo de ver seu trabalho, além de ser um equívoco, é
também uma injustiça com Vygotsky, já que ao longo de sua breve carreira
procurou incessantemente superar justamente a tendência, presente na
psicologia de sua época, de contrapor e analisar separadamen- te o
sentimento e a razão.
Ao longo de seus escritos é possível perceber, ainda que de modo
implícito, sua profunda preocupação em integrar (e analisar de modo
dialético) os aspectos cognitivos e afetivos do funcionamento psicológico
humano30. Conforme poderemos constatar, nas suas próprias palavras,
Vygotsky concebe o homem como um ser que pensa, raciocina, deduz e
abstrai, mas também como alguém que sente, se emociona, deseja, imagina e
se sensibiliza:
“Referimo-nos à relação entre intelecto e afeto. A sua separação enquanto
objetos de estudo e uma das principais deficiências da psicologia
tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de pensamento como um
fluxo autônomo de pensamentos que pensam a si próprios, dissociado da
plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das
inclinações e dos impulsos daquele que pensa. Esse pensamento dissociado
deve ser considerado um epifenômeno sem significado, incapaz de modificar
qualquer coisa na vida ou na conduta de uma pessoa, como alguma espécie
de força primeva, e exercer influência sobre a vida pessoal, de um modo
misterioso e inexplicável. Assim, fecham-se as portas à questão da causa e
origem de nossos pensamentos, uma vez que a análise determinista exigiria o
esclarecimento das forças motrizes que dirigem o pensamento para esse ou
aquele canal. Justamente por isso, a antiga abordagem impede qualquer
estudo do processo inverso, ou seja, a influência do pensamento sobre o
afeto e a volição.
A análise em unidades indica o caminho para a solução desses problemas
de importância vital. Demonstra a existência de um sistema dinâmico de
significados em que o afetivo e o intelectual se unem. Mostra que cada ideia
contém uma atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento de
realidade ao qual se refere. Permite-nos ainda seguir a trajetória que vai das
necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada por
seus pensamentos, e o caminho inverso, a partir de seus pensamentos até o
seu comportamento e a sua atividade” (VYGOTSKY, 1988, p. 6-7).
Esse trecho, extraído do livro Pensamento e linguagem escrito por
Vygotsky no início dos anos 30, nos indica sua posição em relação à
articulação entre as dimensões intelectuais e afetivas na constituição humana.
Vygotsky não separa o intelecto do afeto porque busca uma abordagem
abrangente, que seja capaz de entender o sujeito como uma totalidade.
Segundo ele são os desejos, necessidades, emoções, motivações,
interesses, impulsos e inclinações do indivíduo que dão origem ao
pensamento e este, por sua vez, exerce influência sobre o aspecto afetivovolitivo. Como é possível observar, na sua perspectiva, cognição e afeto não
se encontram dissociadas no ser humano, pelo contrário, se inter-relacionam
e exercem influências recíprocas ao longo de toda a história do
desenvolvimento do indivíduo. Apesar de diferentes, formam uma unidade
no processo dinâmico do desenvolvimento psíquico, portanto, é impossível
compreendê-los separadamente. É justamente por isso que aponta para a
necessidade de uma abordagem unificadora dos aspectos intelectuais e
afetivos no estudo do funcionamento psicológico.
A busca dessa integração é coerente com o seu projeto de construção de
uma nova psicologia e expressa a sua luta em fazer avançar o estado de
conhecimento de seu tempo. Sabemos que Vygotsky foi bastante crítico em
relação às teorias, inspiradas nas tradições idealistas e empiristas,
disponíveis na psicologia no início do século, que forneciam um
conhecimento parcial e fragmentado do psiquismo humano. As várias
correntes elaboradas tratavam de forma dicotomizada as complexas relações
entre indivíduo e sociedade, herdado e adquirido, universal e particular,
mente e corpo, biológico e cultural, espírito e matéria, orgânico e social,
sujeito e objeto e, como decorrência, tratavam também de forma polarizada e
contraposta a relação entre intelecto e afeto.
Os postulados de Vygotsky acerca da questão da afetividade impressionam
por sua atualidade. Concordamos com Oliveira quando afirma que refletir
sobre o “lugar do afetivo na obra de Vygotsky torna-se particularmente
interessante pelo fato de que esse autor, que produziu sua obra nos anos 20 e
30 deste século e poderia ser atualmente considerado um cognitivista,
propõe uma abordagem unificadora das dimensões afetiva e cognitiva do
funcionamento psicológico que muito se aproxima das tendências
contemporâneas” (OLIVEIRA, 1992, p. 83).
2. A PENETRAÇÃO DAS IDEIAS DE VYGOTSKY NO
MUNDO ACADÊMICO E NAS REDES DE ENSINO
“É crucial que os professores tenham acesso ao conhecimento produzido
nos vários campos, mas é preciso dimensionar esse conhecimento na
provisoriedade que o caracteriza, superando-se modismos apressados,
classificações levianas da prática escolar e propostas de mudanças rápidas e
superficiais. Do contrário, mais uma vez gato será comprado por lebre e,
novamente, a criança e o professor serão responsabilizados pelo fracasso”
(SOUZA & KRAMER, 1991, p. 70).
A epígrafe acima nos inspira a fazer algumas refle- xões sobre a
problemática envolvida na complexa relação das teorias psicológicas e a
dimensão da prática educativa. Essa reflexão é particularmente oportuna na
medida em que as ideias de Vygotsky vêm alcançando no Brasil uma
significativa repercussão. Tanto nas universidades como nos meios
educacionais é crescente o número de encontros, cursos, seminários,
conferências, palestras, grupos de estudo e trabalhos que discutem as
contribuições da escola soviética.
Podemos entender a rapidez com que essas ideias se difundem nas redes
de ensino como indicativo da necessidade de teses mais abrangentes, que
possam contextualizar, fundamentar e orientar a realização de uma prática
pedagógica eficiente. No entanto, paralelo ao esforço de compreensão da
complexidade do ato pedagógico, parece que incorremos no risco de tratar
esses conhecimentos de forma dogmática, equivocada, apressada e
superficial, usando-os como panaceia de todos os males, ou como um
modismo que em breve poderá ser substituído.
A qualidade e originalidade do pensamento de Vy- gotsky é inegável,
assim como suas contribuições ao plano educacional, já que sugere um novo
paradigma que possibilita um modo diferente de olhar a escola, o
conhecimento, a criança, o professor e até a sociedade. Todavia, a educação
escolar não pode querer se alimentar única e exclusivamente de seus
princípios, já que esta abordagem (assim como as demais correntes teóricas
da Psicologia) não tem condições de dar respostas a todas as inúmeras
questões suscitadas na prática cotidiana.
A educação, por ser uma prática de intervenção na realidade social, é um
fenômeno multifacetado composto por um conjunto complexo de
perspectivas e enfoques. Não pode, portanto, ser considerada como uma
ciência isolada nem tampouco apreendida mediante categorias de um único
campo epistemológico, já que várias disciplinas autônomas convergem para
a constituição de seu objeto. Ou seja, a prática pedagógica é influenciada
por múltiplas dimensões: social e política, filosófica, ética, técnica,
histórica etc., e, dentre essas, a dimensão psicológica (SEVERINO, 1991, p.
36).
Apesar da psicologia não conseguir dar conta sozinha da complexidade do
ato educativo, pode significar uma contribuição efetiva para melhorias no
plano pedagógico. Respeitadas as devidas limitações, os estudos
psicológicos poderão servir como um importante instrumento para a
compreensão das características psicológicas e socioculturais do aluno e de
como se dão as relações entre aprendizado, desenvolvimento e educação.
Por isso é necessário que o educador tenha acesso a informações de
diversas áreas do conhecimento e, dentro da psicologia, as diferentes teorias
já elaboradas. Sendo assim, não é o caso de ter que fazer, por exemplo, uma
escolha entre a obra de Vygotsky, a do biólogo e epistemólogo suíço Jean
Piaget, ou do médico, psicólogo e educador francês Henri Wallon, já que as
diferentes perspectivas apontadas por cada um desses pesquisadores pode
significar um fator de enriquecimento no esforço de aprimoramento da
prática pedagógica.
Mais do que escolha, confronto e oposições, é necessário que suas teorias
sejam examinadas com minúcia e cautela com relação aos pressupostos
filosóficos, projeto teórico, extensão e alcance de suas obras considerando,
principalmente, a época, o contexto sociopolítico, assim como o tempo de
vida de cada autor ao elaborar seus estudos. Desse modo, as
complementaridades, diferenças e até divergências entre as teorias poderão
ser identificadas e analisadas de forma mais consequente31.
É justamente pelas razões mencionadas acima que acreditamos ser
infrutífera e inadequada a tentativa de aplicação imediata dos postulados
vygotskianos à prática pedagógica ou mesmo da escolha de seu referencial
como o único possível.
Tratar os postulados de Vygotsky de modo dogmático contraria inclusive a
sua forma de encarar o conhecimento, já que foi um pesquisador inquieto e
interdisciplinar, que tentou buscar informações de diversas áreas do
conhecimento com vistas a ultrapassar o estado de conhecimento de seu
tempo. Ser coerente com suas proposições significa, portanto, entender suas
ideias não como ponto de chegada, mas sim como de partida para novos
estudos e descobertas.
TEXTO ORIGINAL DE VYGOTSKY
“O que a criança pode fazer hoje com o auxílio dos adultos poderá fazê-lo
amanhã por si só. A área de desenvolvimento potencial permite-nos, pois,
determinar os futuros passos da criança e a dinâmica do seu
desenvolvimento e examinar não só o que o desenvolvimento já produziu,
mas também o que produzirá no processo de maturação. [...] Portanto, o
estado do desenvolvimento mental da criança só pode ser determinado
referindo-se pelo menos a dois níveis: o nível de desenvolvimento efetivo e
área de desenvolvimento potencial.
Esse fato que em si pode parecer pouco significativo, tem na realidade
enorme importância e põe em dúvida todas as teorias sobre a relação entre
processos de aprendizagem e desenvolvimento na criança. Em especial,
altera a tradicional concepção da orientação pedagógica desejável, uma vez
diagnósticado o desenvolvimento. Até agora a questão tinha se apresentado
do seguinte modo: com o auxílio dos testes pretendemos determinar o nível
de desenvolvimento psicointelectual da criança, que o educador deve
considerar como um limite não superável pela criança. Precisamente, este
modo de apresentar o problema contém a ideia de que o ensino deve
orientar-se baseando-se no desenvolvimento já produzido, na etapa já
superada.
O aspecto negativo deste ponto de vista foi reconhecido, na prática, muito
antes de se tê-lo compreendido claramente na teoria: pode demonstrar-se em
relação ao ensino ministrado às crianças mentalmente atrasadas. Como se
sabe, a pesquisa estabeleceu que essas crianças têm pouca capacidade de
pensamento abstrato. Portanto, os docentes das escolas especiais, ao
adotarem o que parecia uma orientação correta, decidiram limitar todo o seu
ensino aos meios visuais. Depois de muitas experiências, esta orientação
resultou profundamente insatisfatória. Provou-se que um sistema de ensino
baseado exclusivamente em meios visuais, e que excluísse tudo quanto
respeita ao pensamento abstrato, não só não ajuda a criança a superar uma
incapacidade natural, mas na realidade consolida tal incapacidade, dado que
ao insistir sobre o pensamento visual elimina os germes do pensamento
abstrato nessas crianças. A criança atrasada, abandonada a si mesma, não
pode atingir nenhuma forma evolucionada de pensamento abstrato, e
precisamente por isso, a tarefa concreta da escola consiste em fazer todos os
esforços para encaminhar a criança nessa direção, para desenvolver o que
lhe falta. Nos atuais métodos das escolas pode-se observar uma benéfica
mudança a respeito do passado, que se caracterizava por um emprego
exclusivo de meios visuais de ensino. Acentuar os aspectos visuais é
necessário, e não acarreta nenhum risco se se considerar apenas como etapa
do desenvolvimento do pensamento abstrato, como meio e não como um fim
em si.
Considerações análogas são igualmente válidas para o desenvolvimento
da criança normal. Um ensino orientado até uma etapa de desenvolvimento já
realizado é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento geral da criança,
não é capaz de dirigir o processo de desenvolvimento, mas vai atrás dele. A
teoria do âmbito de desenvolvimento potencial origina uma fórmula que
contradiz exatamente a orientação tradicional: o único bom ensino é o que
se adianta ao desenvolvimento.
Sabemos por uma grande quantidade de pesquisas – a que no momento
apenas podemos aludir – que o desenvolvimento das funções
psicointelectuais superiores na criança, dessas funções especificamente
humanas, formadas no decurso da história do gênero humano, é um processo
absolutamente único. Podemos formular a lei fundamental desse
desenvolvimento do seguinte modo: Todas as funções psicointelectuais
superiores aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento da
criança: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais,
ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades
individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, ou seja,
como funções intrapsíquicas.
O desenvolvimento da linguagem serve como paradigma de todo o
problema examinado. A linguagem origina-se em primeiro lugar como meio
de comunicação entre a criança e as pessoas que a rodeiam. Só depois,
convertido em linguagem interna, transforma-se em função mental interna,
que fornece os meios fundamentais ao pensamento da criança. As pesquisas
de Bolduina, Rignano e Piaget demonstraram que a necessidade de verificar
o pensamento nasce pela primeira vez quando há uma discussão entre
crianças, e só depois disso o pensamento apresenta-se na criança como
atividade interna, cuja característica é o fato de a criança começar a
conhecer e a verificar os fundamentos do seu próprio pensamento. Cremos
facilmente na palavra – diz Piaget – mas só no processo de comunicação
surge a possibilidade de verificar e confirmar o pensamento.
Como a linguagem interior e o pensamento nascem do complexo de interrelações entre a criança e as pessoas que a rodeiam, assim estas interrelações são também a origem dos processos volitivos da criança. No seu
último trabalho, Piaget demonstrou que a cooperação favorece o
desenvolvimento do sentido moral na criança. Pesquisas precedentes
estabeleceram que a capacidade da criança para controlar o seu próprio
comportamento surge antes de tudo no jogo coletivo, e que só depois se
desenvolve como força interna o controle voluntário do comportamento.
Os exemplos diferentes que apresentamos aqui indicam um esquema de
regulação geral no desenvolvimento das funções psicointelectuais superiores
na infância, que, do nosso ponto de vista, se referem ao processo de
aprendizagem da criança no seu conjunto. Dito isso, não é necessário
sublinhar que a característica essencial da aprendizagem é que engendra a
área de desenvolvimento potencial, ou seja, que faz nascer, estimula e ativa
na criança um grupo de processos internos de desenvolvimento no âmbito
das inter-relações com outros, que, na continuação, são absorvidos pelo
curso interior de desenvolvimento e se convertem em aquisições internas da
criança.
Considerada deste ponto de vista, a aprendizagem não é, em si mesma,
desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança.
Conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de
desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a
aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente
necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas
características humanas não naturais, mas formadas historicamente”
(VYGOTSKY, 1988, p. 113-115).
30. Nos anos que antecederam sua morte, Vygotsky chegou inclusive a escrever vários textos onde
abordou especificamente temas relacionados à afetividade, tais como: “A base biológica do afeto”, “O
problema do desenvolvimento de interesses”, “Estudo das emoções”, “Estudos das emoções à luz da
psiconeurologia contemporânea”, “Duas direções na compreensão da natureza das emoções na
psicologia estrangeira, no início do século XX”. No entanto, a maior parte desses textos ainda não foram
traduzidos do russo.
31. Nas reflexões contemporâneas este tema vem merecendo papel de destaque. É significativo o
número de artigos, teses, livros e debates que procuram encontrar pontos de convergência e de
oposição entre as teorias interacionistas. De modo geral parece haver uma certa tendência em
compreender as obras de Wallon e Vygotsky como complementares. A polêmica maior se instaura nas
comparações e constatações de distância entre o interacionismo construtivista de Piaget e o
sociointeracionismo (ou as chamadas teorias sócio-históricas) postuladas por Vygotsky e Wallon.
Bibliografia
Obras de Lev S. Vygotsky (editadas no Brasil)
Embora Vygotsky tenha uma produção escrita extensa e suas ideias
estejam alcançando grande repercussão no Brasil, ainda é extremamente
reduzido o número de publicações nacionais deste autor. Atualmente temos à
disposição apenas três publicações brasileiras (traduzidas das edições
americanas). Desse modo, o conhecimento de sua obra ainda é parcial. O
acesso a seus trabalhos tem sido possível através de publicações
estrangeiras e de alguns artigos, livros e trabalhos acadêmicos de autores
brasileiros, que utilizam seu pensamento como referência. Com o início da
publicação nos Estados Unidos e Espanha das Obras Escolhidas de
Vygotsky (publicadas originalmente em seis volumes em Moscou no início
da década de 80) o estudo de sua obra poderá ser aprofundado.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1984.
Esse livro, organizado por pesquisadores americanos, é constituído de
manuscritos, palestras e ensaios elaborados pelo autor. Divide-se
basicamente em duas partes: a primeira reúne textos que tratam mais
especificamente de temas pertencentes à psicologia cognitiva, dentre eles: a
questão do instrumento e o símbolo no desenvolvimento infantil. O problema
da percepção, atenção e memória e a internalização das funções psicológicas
superiores. A segunda esclarece pontos acerca das implicações educacionais
decorrentes dessa teoria, tais como: as relações entre aprendizado e
desenvolvimento, a importância do brinquedo e do aprendizado da língua
escrita. No final desse livro os organizadores apresentam uma relação (em
ordem cronológica) dos inúmeros trabalhos de Vygotsky publicados em russo
e dos traduzidos para o inglês. A primeira edição americana é de 1978.
______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
O livro apresenta alguns experimentos e principais teses de Vygotsky
sobre as relações entre pensamento e linguagem. Nesse trabalho, Vygotsky
expõe a metodologia utilizada para realizar suas pesquisas, critica outras
teorias (como a de Piaget) e trata de aspectos importantes relacionados ao
assunto, dentre eles: a gênese e evolução do pensamento e da linguagem e a
questão da formação dos conceitos. Sua leitura requer uma certa
familiaridade com o tema e com os postulados vygotskianos. Essa obra (que
originalmente tinha 350 p.) foi publicada na URSS em 1934, meses após a
morte do autor. Nos Estados Unidos foi publicada uma versão reduzida (200
p.) somente em 1962.
VYGOTSKY, L.S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São
Paulo: Ícone/Edusp, 1988.
Trata-se de uma coletânea que reúne textos de Vygotsky, Luria e Leontiev.
Os organizadores dessa publicação, professores da Universidade de São
Paulo de diferentes áreas do conhecimento, procuraram selecionar artigos
que fossem suficientemente representativos da riqueza temática do trabalho
de Vygotsky. Os autores abordam questões relacionadas às diferenças
culturais de pensamento, ao desenvolvimento infantil e temas ligados à
psicologia cognitiva. É uma obra bastante abrangente e ilustrativa, que
permite ao leitor conhecer um pouco melhor as ideias de Vygotsky e os
programas de pesquisa que ele inspirou.
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Estudos sobre ele ou sobre sua obra
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Textos de capa
Contracapa
“Os postulados de Vygotsky parecem apontar para a necessidade de
criação de uma escola bem diferente da que conhecemos. Uma escola em
que as pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e
compartilhar saberes. Onde há espaço para transformações, para as
diferenças, para o erro, para as contradições, para a colaboração mútua e
para a criatividade. Uma escola em que professores e alunos tenham
autonomia, possam pensar, refletir sobre o seu próprio processo de
construção de conhecimentos e ter acesso a novas informações. Uma
escola em que o conhecimento já sistematizado não é tratado de forma
dogmática e esvaziado de significado.”
Orelhas
Vygotsky atualmente é considerado um dos mais importantes psicólogos
do nosso século. Seus escritos, elaborados há aproximadamente sessenta
anos, ainda hoje têm o efeito do impacto, da ousadia, da fidelidade à
investigação acerca de pontos obscuros e polêmicos no campo científico.
Apesar do conhecimento tardio de sua obra, é com relativa rapidez que suas
ideias vêm sendo disseminadas, discutidas e valorizadas. É significativa a
influência e repercussão que seus postulados vêm provocando na psicologia
e educação, não só no Brasil como em outros países ocidentais.
A obra de Vygotsky pode significar uma grande contribuição para a área
da educação, na medida em que traz importantes reflexões sobre o processo
de formação das características psicológicas tipicamente humanas e sobre as
relações entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento. Como
consequência, suscita questionamentos, aponta diretrizes, instiga a
formulação de alternativas no plano pedagógico, e, principalmente, sugere
uma reavaliação de aspectos já consagrados no campo educacional.
Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação pretende
oferecer uma interpretação sobre alguns aspectos da vida e obra do autor,
assim como uma reflexão de possíveis implicações de seu pensamento na
educação. A intenção é possibilitar ao leitor uma análise geral e
necessariamente introdutória que estimule a consulta, o estudo e o
aprofundamento das teses e descobertas deste estudioso inquieto e
obstinado, que dedicou sua vida ao esforço de romper, transformar e
ultrapassar o estado de conhecimento e reflexão de seu tempo.
Teresa Cristina Rego é professora da graduação, licenciatura e pósgraduação da Faculdade de Educação da USP e coeditora da Revista
Educação e Pesquisa (Feusp). É mestre e doutora em Educação pela USP e
pós-doutora pela Universidad Autónoma de Madrid. É pesquisadora do
CNPq e autora, entre outros, de Vygotsky: uma perspectiva histórico
cultural da educação (Vozes, 21. ed., 2010), Memórias de escola: cultura
escolar e constituição de singularidades (Vozes, 2003) e coautora de
Psicologia, educação e as temáticas da vida contemporânea (Moderna, 3.
ed., 2008). Pela Editora Segmento coordenou as coleções Pedagogia
Contemporânea (2009), História da Pedagogia (2010), Educadores
Brasileiros (2010 e 2011) e, em conjunto com Julio Groppa Aquino, a Série
Biblioteca do Professor (2006-2009).