A questão colocada indica uma meta (e metafísica), a de apreender a essência do documentário. Uma meta certamente pretenciosa; afinal, é notória a dificuldade encontrada por cineastas e teóricos do cinema em estabelecer uma definição do...
moreA questão colocada indica uma meta (e metafísica), a de apreender a essência do documentário. Uma meta certamente pretenciosa; afinal, é notória a dificuldade encontrada por cineastas e teóricos do cinema em estabelecer uma definição do cine-documentário como segundo gênero do cinema, na sua distinção com a ficção. Segundo o documentarista Joris Ivens: "é difícil dar uma definição, de fato, para o documentário" 1. Como poderíamos nós, senão com pouca clareza, ter a presunção de demarcar a descontinuidade, no gênero cinema, entre essas duas espécies, o cine-ficção e o cine-documentário, se, como afirmou o teórico do cine-documentário Carl R. Plantinga, "a natureza da não-ficção e do filme de não-ficção provou ser absolutamente desorientadora para gerações de cineastas e acadêmicos" 2 ? Se, como disse o cineasta Jean-Luc Godard, "todo grande filme de ficção tende ao documentário, assim como todo grande documentário tende à ficção" 3 ? Cientes dessas dificuldades, no entanto, neste ensaio, assumiremos exatamente esta tarefa, a de dar a nossa contribuição para o esforço coletivo em se apreender a essência do cine-documentário. Falar em gêneros e espécies numa definição nos arrasta, de chofre, para uma maneira aristotélica de apreensão da realidade. Apreender na inteligência e no discurso-definir-um tipo de ser, para Aristóteles, é primeiramente submetê-lo a uma identidade (o gênero) e, na sequência, reconhecer a variação que o distingue dos outros tipos quase-idênticos desse mesmo gênero (a diferença específica). Mas o uso, feito aqui, desses termos, gênero e espécie, é momentâneo e acidental, é apenas uma maneira de falar. Pois nossos esforços, para a apreensão da essência do documentário, 1 IVENS, Joris. Documentário: subjetividade e montagem [1939]. Trad. Fábio Bonillo. In: LABAKI, Amir (Org.). A verdade de cada um. São Paulo: Cosac Naify, 2015. P. 42. 2