SicyurbVolumeV PDF

Download as pdf or txt
Download as pdf or txt
You are on page 1of 237

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/305342494

(2013) Nunes, João Pedro S. and Pedro Costa (eds.)


Recomposing the urban fabric: centralities and
peripheries revisited. SICYUrb. Proceedings of the ....

Book · December 2013

CITATIONS READS

0 473

2 authors:

João Pedro Silva Nunes Pedro Costa


Universidade NOVA de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
40 PUBLICATIONS   49 CITATIONS    47 PUBLICATIONS   198 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Call for Papers (2017) - Revista Forum Sociológico View project

KISMIF CONFERENCE 2021 View project

All content following this page was uploaded by João Pedro Silva Nunes on 15 July 2016.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


João Pedro S. Nunes e Pedro Costa
(editors)

SICYUrb • vol. V

Recomposing
the Urban Fabric
Centralities and Peripheries Revisited

Capa: Lina Cardoso | Imagem da capa: Daniel Moreira


SICYurb · Proceedings of the Second International Conference of Young Urban Researchers, vol. V

Recomposing the Urban Fabric


Centralities and Peripheries Revisited
SICYurb · Proceedings of the Second International Conference of Young Urban Researchers

Vol I Mobility and Urban Flows. From Transnational Movements to Virtual Flows
(organizado por Rita d’Ávila Cachado e Joana Azevedo)
Vol II Urban Culture in Action. Politics, Practices and Lifestyles
(organizado por Lígia Ferro, Otávio Raposo e Pedro Abrantes)
Vol III Making the City Work. Agency in a Changing World
(organizado por Gonçalo Gonçalves e Bruno Monteiro)
Vol. IV City in Movement. Activism, Social Participation and Urban Reinventions
(organizado por Inês Pereira, Nuno Nunes e Ioana Florea)
Vol V Recomposing the Urban Fabric. Centralities and Peripheries Revisited
(organizado por João Pedro S. Nunes e Pedro Costa)
Vol VI Building and Living the Urban Space. Housing, Tourism and Segregation
(organizado por Patrícia Pereira e João Martins)
Vol VII Public Sociability and Spatial Forms. Meanings and Relations
(organizado por Graça Indias Cordeiro, Renato Carmo e Sofia Santos)
João Pedro S. Nunes e Pedro Costa (eds.)

SICYurb · Proceedings of the Second International Conference of Young Urban Researchers, vol. V

Recomposing the Urban Fabric


Centralities and Peripheries Revisited

Adrienne Csizmady
Andrea Pacheco Pacifico
Anna Dewaele
Camila Saraiva
Cristina Soares Cavaco
Elli Alessandro
Gábor Csanadi
Gabrielle Cifelli
Gergely Olt
Gonçalo M. Furtado C. L.
Henrique Botelho Frota
Henrique Fernandes Campos
Luiz Eduardo Chauvet
Rômulo José da Costa Ribeiro
Rosa Macedo
Saurabh Tewari
Sílvia Jorge
Vanessa Melo

Lisboa, 2013
© João Pedro S. Nunes e Pedro Costa (eds.), 2013

João Pedro S. Nunes e Pedro Costa (eds.)


Recomposing the Urban Fabric. Centralities and Peripheries Revisited

Primeira edição: novembro de 2013

ISBN: 978-989-732-152-8
em repositório ISCTE-IUL: http://hdl.handle.net/10071/4307

Composição (em caracteres Palatino, corpo 10)


Conceção gráfica e composição: Lina Cardoso
Capa: Lina Cardoso
Imagem da capa: Daniel Moreira

Reservados todos os direitos para a língua portuguesa,


de acordo com a legislação em vigor, por João Pedro S. Nunes e Pedro Costa

Contactos:
ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa, Av. Das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa
Tel.: +351 217903000 • Fax: +351 217964710
E-mail: geral@iscte.pt
Página: http://www.iscte-iul.pt/home.aspx
Índice

Índice de figuras e quadros ......................................................................... vii

1 Introdução ............................................................................................. 1
João Pedro Silva Nunes e Pedro Costa

1 Des villes nouvelles aux “nouvelles villes”


de la mondialisation en Inde ............................................................. 5
Anna Dewaele

2 Urban dispersion and poverty in the brazilian


metropolitan areas ............................................................................... 21
Rômulo José da Costa Ribeiro

3 Processos e dinâmicas de (re)produção do espaço


(peri)urbano .......................................................................................... 45
Sílvia Jorge e Vanessa Melo

4 Hipervulnerabilidade socioambiental e direito à cidade ............ 65


Henrique Botelho Frota

5 A periferia consolidada como categoria e realidade


em construção ....................................................................................... 79
Camila Saraiva

6 Racionalidade suburbanas ................................................................. 95


Cristina Soares Cavaco

v
vi RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

7 Uso turístico e exclusão sócio-espacial ........................................... 117


Gabrielle Cifelli

8 The social effects of urban rehabilitation, ..................................... 131


Gábor Csanadi, Adrienne Csizmady e Gergely Olt

9 Os novos layers urbanos ................................................................... 149


Rosa Macedo e Gonçalo M. Furtado C. L.

10 Implementação do Plano Diretor na função social


da propriedade urbana ....................................................................... 165
Andrea Pacheco Pacifico e Henrique Fernandes Campos

11 Urbanism in Gurgaon ......................................................................... 175


Saurabh Tewari

12 A outra cidade ....................................................................................... 189


Luiz Eduardo Chauvet

13 Quelle(s) morphologie(s) urbaine(s) pour la ville durable? ....... 205


Elli Alessandro
Índice de figuras e quadros

Figuras

2.1 Grau de Urbanização, População Urbana e População Rural


entre 1940 e 2005 ................................................................................... 25
2.2 Identificação de região do mundo, segundo classificação
da UNESCO ........................................................................................... 30
2.3 Relação entre o Índice de Dispersão Normalizado e a População
em Área Urbana. Verifica-se que não há um comportamento
homogêneo para os dados, nem a formação de agrupamentos ... 31
2.4 Relação entre o Índice de Dispersão Normalizado e a área urbana
construída. Verifica-se que não há um comportamento homogêneo
para os dados, nem a formação de agrupamentos .......................... 32
2.5 Comparação da densidade populacional em urbanas construídas
em relação ao afastamento do CCS, para as capitais brasileiras
analisadas ............................................................................................... 34
2.6 Ilustração tridimensional da dispersão urbana para as 13 capitais
brasileiras analisadas ........................................................................... 36
2.7 Variação do IPK para as 13 capitais brasileiras ............................... 38
3.1 Localização dos casos de estudo ....................................................... 48
3.2 Renovação urbana em Polana Caniço A (2000-2011) ...................... 50
3.3 Área da Praça de Touros e Maxaquene A ........................................ 51
3.4 Qualificação urbana em Mafalala e Chamanculo C ........................ 53
3.5 Zimpeto, esboço de nova centralidade e ocupação segundo
malha regular e orgânica ..................................................................... 54
3.6 Produção de novo espaço urbano no Zimpeto
e em Magoanine B e C .......................................................................... 55
4.1 Mapa de renda média mensal dos chefes de família, 2000 ............ 67
4.2 Casas de alvenaria e madeira nas margens
do Rio Maranguapinho ........................................................................ 69

vii
viii RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

4.3 Deposição de lixo nas margens do Rio Maranguapinho ............... 70


4.4 Esgoto a céu aberto ............................................................................... 70
4.5 Casa prestes e ruir em virtude da erosão da margem do rio ........ 71
4.6 Mulher com criança nos braços atravessando o rio ........................ 72
6.1 Heterogeneidade, fragmentação e descontinuidades dos novos
territórios do urbano ............................................................................ 96
6.2 Uma aproximação tipológica exploratória às formas da
suburbanização na Área Metropolitana de Lisboa ......................... 100
6.3 Pegadas de arranque da Suburbanização: a área central
de Almada Nascente decorrente dos Planos Gerais de Urbanização
(DL nº 24.802 de 1934) de Étienne de Gröer, Faria da Costa e José
Rafael Botelho. Do ponto de vista dos modelos, desenvolveu-se
sob as referências da cidade-jardim howardiana
e das cidades-novas inglesas ............................................................... 102
6.4 Fragmentos Poligonais de Expansão: núcleo central de Odivelas
originário de loteamentos particulares dos anos 60 e 70. Tomando
a parcela fundiária como regra e motor do processo urbanização,
está área de Odivelas desenvolveu-se de acordo com os padrões
racionalistas e o modelo da cidade aberta vertical ........................ 104
6.5 Intervalos Eruditos de Exceção: Almada Poente decorrente
do Plano Integrado de Almada dos anos 70. De iniciativa pública,
esta área esteve ligada a programas de urbanização comparticipada
e habitação social que decorreram da nacionalização do solo por
processos de expropriação. O plano baseou-se num processo
generativo referenciado em conceitos como pattern language
e timeless qualities .................................................................................. 107
6.6 Arranjos de Pormenor Esporádicos: A área de Almada resultante
do Planos de Urbanização e Pormenor PP7/PP9 ilustra um novo
modelo de convergência entre as iniciativas pública e privada
marcado pela aplicação de processo de perequação compensatória.
A proposta centrou-se no conceito de cluster e na criação de um
tecido urbano multinível .................................................................... 108
6.7 Operações Urbanísticas de Grande Escala: a área das Colinas
do Cruzeiro em Odivelas é um loteamento de iniciativa privada que
ilustra um novo paradigma em termos de urbanização associado
a novas lógicas territoriais de cariz topológico e a novas estratégias
empresarias em termos de marketing urbano. Denota a emergência
de modelos híbridos de urbanização determinados pela
infraestruturação rodoviária do território que, em termos processuais,
derivam da aplicação de mecanismos de contratualização entre
o sector público e o sector privado, no âmbito de novas lógicas
de planeamento e gestão municipal .................................................... 110
11.1 The Pattern of Urbanisation on a settlement .................................... 174
ÍNDICE DE FIGURAS E QUADROS ix

11.2 The Pattern of Urbanisation on a settlement .................................... 177


11.3 The Pattern of Urbanisation on a settlement .................................... 181

Quadros

2.1 Percentual de cidades por região em função do Índice de Dispersão


Normalizado (IDN) ............................................................................... 30
4.1 Crescimento da população do estado do Ceará e do município de
Fortaleza (1940 a 2010) .......................................................................... 66
81. Number of new dwellings, 2001-2007 ................................................ 135
8.2 Population changes in central districts, 2001-2007........................... 137
8.3 Distribution of residents by moving-in period, 2010....................... 138
8.4 Level of education in the survey area, 2001 and 2010 ..................... 138
11.1
Introdução

João Pedro Silva Nunes e Pedro Costa

Este volume aborda a recomposição do tecido urbano das cidades, a sua pro-
dução e reprodução, à luz do questionamento dos conceitos de centro e de pe-
riferia e das múltiplas formas de hibridez por que as realidades
tradicionalmente associadas a esses conceitos têm sido marcadas, no actual
quadro de globalização e de profunda reestruturação económica e social. Os
textos agora publicados sugerem como a estruturação dos territórios metro-
politanos está intimamente relacionada com a urbanização do planeta, com a
intensificação da divisão do trabalho entre cidades (num processo em que a
oferta de especificidade, baseada na combinação de factores endógenos e
exógenos a cada território, conduz a sua busca de competitividade em con-
textos globais e, ao limite, marca indelevelmente o seu processo de desenvol-
vimento), e com a crescente diferenciação de actividades e de populações nas
grandes cidades (a qual pode ser lida à luz dos tradicionais argumentos da di-
mensão, densidade e heterogeneidade de práticas sociais em meio urbano,
mas também das lógicas de individuação e das novas dinâmicas sociais que
marcam os espaços urbanos contemporâneos). É nesses territórios que as no-
vas relações entre os espaços centrais das metrópoles e as suas zonas ou secto-
res periféricos surgem com mais nitidez; é aí também que as suas hibridações
e subversões mais se fazem notar, com tantos “centros” desvitalizados e tan-
tas “períferias” vibrantes; e é aí também que melhor se revelam as condições
económicas e políticas, culturais e sociais que condicionam e facilitam a re-
composição do tecido urbano. Mas os textos englobados neste volume suge-
rem também como novos mundos sociais urbanos emergem e se consolidam
partir da acção e da prática dos citadinos, a par do planeamento e das múlti-
plas dinâmicas de governança patentes nos tecidos metropolitanos, por
exemplo, no interior ou em contiguidade aos centros históricos em reabilita-
ção, em sectores culturais e “bairros criativos”, ou na antiga periferia indus-
trial e operária que se tornou menos precária e menos polarizada
socialmente. No seu todo, os capítulos que compõem este volume permitem

1
2 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

reconsiderar de modo crítico as categorias de centro e de periferia, questio-


nando o seu valor teórico, heurístico e interpretativo, e, não menos importan-
te, a sua pertinência nos processos de intervenção na cidade, seja no plano
urbanístico, seja no plano político e administrativo.
Num primeiro conjunto de capítulos, a produção do tecido urbano é
perspectivada em extensão e a escala privilegiada é da grande cidade, enqua-
drada pelas dinâmicas globais de funcionamento das sociedades actuais, e os
modos e lógicas de regulação correspondentes. O primeiro capítulo é disto
claramente ilustrativo, sendo dedicado à análise de dois momentos históricos
de produção de “novas cidades” na Índia — um contexto imediatamente pos-
terior à independência, vocacionado para o fabrico de uma ordem urbana na-
cional, e um contexto contemporâneo, intimamente relacionado com a
inserção das cidades indianas na dinâmica da globalização (Anne Dewaelle,
“Des villes nouvelles aux “nouvelles villes ” de la mondialisation en Inde Pro-
duction et reproduction de la ville globale, de ses formes et de ses pratiques“).
O segundo capítulo, por seu lado, numa abordagem mais quantitati-
vo-descritiva, reconstitui e analisa o sistema metropolitano brasileiro à luz
das noções de dispersão espacial e de pobreza urbana (Rômulo Ribeiro,
“Urban Dispersion and Poverty in the Brazilian Metropolitan Areas”). O ter-
ceiro capítulo apreende, à escala da aglomeração de Maputo (Moçambique),
as dinâmicas de produção espacial e de reprodução social e urbana no quadro
intra-metropolitano (Sílvia Branco Jorge e Vanessa Melo, “Processos e dinâ-
micas de (re)produção do espaço (peri)urbano: o caso de Maputo”). O quarto
capítulo dá conta do modo como entre as populações mais desfavorecidas da
cidade de Fortaleza (Brasil) as condições de hiper-vulnerabilidade ambiental
integram o repertório reivindicativo do “direito à cidade” (Henrique Botelho
Frota, “Hipervulnerabilidade Socioambiental e Direito à Cidade: Estudo do
caso da cidade de Fortaleza, Brazil”).
Num segundo conjunto de capítulos, a escala de análise privilegiada é a
do fragmento ou a de um tipo de tecido urbano em recomposição face ao de-
senvolvimento especifico de uma cidade, escala a que novos conceitos e no-
vas lógicas de interpretação podem ser testadas de forma mais imediata. O
quinto capítulo propõe a noção de “periferia consolidada”, uma categoria de
análise que se revela particularmente útil para interpretar as mudanças veri-
ficadas nos tecidos urbanos periféricos e na alteração da estrutura social das
cidades brasileiras (Camila Saraiva, “A periferia consolidada como categoria
e realidade em construção”). Numa perspectiva mais morfológica, o sexto ca-
pítulo defende que o conceito de “racionalidades suburbanas” permite dar
conta de segmentos eruditos da produção arquitectónica do espaço suburba-
no de Lisboa na segunda metade do século XX (Cristina Cavaco, “Racionali-
dades Suburbanas: Formas, processos e modelos na produção do espaço
urbano contemporâneo”). O sétimo capítulo oferece uma abordagem crítica
aos processos de patrimonialização e ao modo como nos centros históricos das
INTRODUÇÃO 3

cidades brasileiras são por eles engendradas dinâmicas assentes nos usos tu-
rísticos e no marketing urbano, bem como as consequentes exclusões so-
cio-espaciais (Gabrielle Cifelli, “Uso turístico e exclusão sócio espacial nos
centros históricos das cidades brasileiras consagradas como Patrimônios da
Humanidade”). O oitavo capítulo remete para a questão das dinâmicas de
gentrificação e os conflitos de uso nos centros históricos, designadamente no
caso das cidades pós-socialistas e, a partir da análise à reabilitação urbana em
Budapeste, analisa as condições de emergência de práticas de produção cul-
tural e criativa, bem como de novas formas de consumo (Gergely Olt et al.,
“The social effects of urban rehabilitation, cultural and creative production
and new ways of consumption in the inner city of Budapest”).
O volume encerra com um terceiro conjunto de capítulos, nos quais a inter-
venção especializada no tecido urbano é o principal objecto de análise e reflexão.
As dinâmicas de planeamento da cidade, nas suas diversas vertentes, os princí-
pios de actuação no campo das políticas urbanas e as múltiplas lógicas de gover-
nança e articulação interinstitucional são aqui abordadas, dando-nos algumas
perspectivas, complementares, sobre a sua ampla diversidade. O capítulo nono
convoca, uma outra vez, mas numa perspectiva distinta, a reabilitação de centros
históricos, entendendo-a como uma prática produtora de camadas físicas como
de significações urbanas, e portanto, como marca de um novo paradigma de ac-
tuação dos planeadores da cidade (Rosa Fernandes Macedo e Gonçalo Furtado,
“The new urban layers. Mutation paradigms of rehabilitation in historic cen-
ters”). Em seguida, no capítulo décimo, a implementação do instrumento clássi-
co do Plano Director é avaliada e interrogada de modo a aferir o seu impacto no
crescimento urbano e desenvolvimento social de Maceió, Brasil (Henrique Fer-
nandes Campos e Andrea Pacheco Pacífico, “O Plano Diretor como instrumento
de implementação da função social da propriedade urbana: O Plano Diretor de
Maceió, Brasil”). No capítulo décimo primeiro, e dando actualidade à velha mo-
nografia de cidade, partindo da noção de desterritorialização são analisados o
crescimento urbano e os modos de vida na cidade de Gurgaon, Índia (Saurabh
Tewari, “Urbanism in Gurgaon”). A questão dos modos de vida e da informali-
dade urbana no Rio de Janeiro (Brasil) é o objecto do capítulo décimo segundo,
no qual a expressão a “Outra cidade”, associada a um conjunto de grupos e orga-
nizações sociais centrais na luta pela habitação e pela reforma urbana nesta cida-
de, permite colocar em evidência como as vivências populares e informais da
cidade se confrontam amiúde com programas e políticas públicas de habitação
(Luiz Eduardo Chauvet, “A outra cidade”). Por fim, no capítulo décimo terceiro,
é equacionada a relação entre novas morfologias urbanas — e lógicas de renova-
ção dos espaços residenciais peri-urbanos nas cidades francesas — e o paradig-
ma que, em termos do planeamento urbano, se centra nos desafios da
sustentabilidade urbana (Alessandro Elli, “Quelle(s) morphologie(s) urbaine(s)
pour quelle(s) ville(s) durable(s)”).
Capítulo 1

Des villes nouvelles aux “nouvelles villes”


de la mondialisation en Inde
Production et reproduction de la ville globale, de ses formes
et de ses pratiques

Anna Dewaele
École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS); Centre d’Étude de l’Inde
et de l’Asie du Sud (CEIAS) (anna.dewaele@gmail.com)

Résumé

Si l’Inde connaît une tradition ancienne de planification urbaine, nous pouvons


remarquer que la production des villes nouvelles contemporaines s’inscrit
dans des contextes particuliers et qu’on peut classer ces dernières en deux grou-
pes.
D’un côté, il y aurait les villes nouvelles créées au lendemain de l’Indépendance
de l’Union Indienne en 1947. Elles ont pour but d’accueillir les populations réfu-
giées après la Partition, mais elles sont également planifiées pour des raisons
administratives, militaires, industrielles, ainsi que pour répondre à la crois-
sance métropolitaine des grandes agglomérations et l’accroissement de la po-
pulation urbaine.
D’un autre côté, nous pouvons identifier un second groupe de villes nouvelles
édifiées et/ou développées au lendemain des réformes économiques libérales
qui se révèlent véritablement en 1991. Ces villes nouvelles doivent être compri-
ses dans le contexte d’une participation croissante de l’Union Indienne au pro-
cessus de mondialisation. Elles en sont à la fois une conséquence, un miroir et
une vitrine. Ainsi, si ces villes s’inscrivent en partie dans un contexte de décon-
centration des métropoles indiennes, elles sont également liées au développe-
ment de nouvelles activités économiques à haute valeur ajoutée. Ces espaces
symboles de la nouvelle modernité indienne sont pourvoyeurs d’emplois et
leur développement se fait en parallèle de l’édification de nouvelles zones rési-
dentielles. Par ailleurs, nous pouvons remarquer que si certaines de ces entités
urbaines ont été à l’origine planifiées pour désengorger les villes centres, elles
ont ensuite connues un second développement en parallèle de l’implantation
d’activités liées aux hautes technologies.
A l’occasion de la Seconde Conférence internationale des jeunes chercheurs en
études urbaines, nous proposons de revenir dans une perspective comparative
sur ce deuxième groupe de fondations urbaines que nous désignons comme les

5
6 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

nouvelles villes de la mondialisation afin d’en définir les caractéristiques. Nous


nous appuierons pour cela sur trois cas d’étude: Gurgaon en périphérie de
Delhi, Bidhannagar en banlieue de Kolkata et Navi Mumbai à proximité de
Mumbai.

La ville est un cadre privilégié de l’analyse en sciences sociales dans la mesure


où elle fonctionne comme un révélateur. Elle est un espace de richesse, de
concentration des différences et des tensions. Il n’existe pas de définition uni-
verselle officielle de la ville; l’attribution de ce statut dépend de caractéristi-
ques diverses selon les pays, de seuils administratifs et statistiques variables.
En Inde, la définition d’une ville est fixée selon des critères démographi-
ques, économiques et politiques par le Census of India, recensement qui a lieu
tous les dix ans. Depuis 1961, une ville est une zone d’une densité d’au moins
400 habitants au kilomètre carré où sont concentrées plus de 5 000 personnes
et dont au minimum 75% des hommes travaillent dans les secteurs non agri-
coles. Par ailleurs, tout espace urbain doté d’une municipalité, d’une corpo-
ration, d’un cantonment board1 ou d’un comité de ville se voit également
attribuer ce statut. D’autre part, les Etats fédérés de l’Union Indienne peuvent
fixer leurs propres critères urbains tant qu’ils ne transgressent pas la défini-
tion fédérale de la ville.2 L’Inde est aujourd’hui un pays urbanisé à seulement
31 %, mais compte 377 millions de citadins, c’est-à-dire plus de 10 % de la po-
pulation urbaine mondiale.3
Nous pouvons pourtant remarquer que l’Inde possède une longue tra-
dition urbaine malgré son faible taux d’urbanisation. L’Asie du Sud est en ef-
fet le berceau de l’une des plus anciennes expériences de planification
urbaine au monde avec la civilisation de l’Indus et les sites de Mohenjo-Daro
et Harappa dont les origines sont estimées à 2300 avant Jésus-Christ. Dès le
XIe siècle, l’invasion moghole entraîne par ailleurs la création d’un système
urbain hiérarchisé à travers le sous-continent. D’autre part, la colonisation
britannique donne lieu dès le XVIIe siècle à la fondation de comptoirs, au ren-
forcement de certaines entités urbaines déjà existantes, au développement
d’une ségrégation socio-spatiale entre ville blanche et ville noire et à la création
de villes nouvelles (Durand Dastes F., 1995).
De ce fait, la question urbaine apparaît comme une problématique
complexe dans l’Inde contemporaine. Malgré ses origines anciennes, le

1 Un cantonment board est un quartier militaire qui regroupe de nombreuses infrastructu-


res réservées aux militaires et à leurs familles. L’armée britannique avait établi de nom-
breux cantonments durant la colonisation à proximité des villes préexistantes. L’armée
indienne les a réinvestis après 1947 et a continué leur établissement sur le territoire.
2 Au Kerala, le choix a ainsi été fait de fixer un seuil minimal de 20 000 habitants. Cet Etat
paraît donc peu urbanisé, avec un taux de 29%, alors qu’il serait l’un des Etats les plus ur-
bains de l’Inde s’il dépendait uniquement des critères du Census of India.
3 Census of India, 2011
DES VILLES NOUVELLES AUX “NOUVELLES VILLES” DE LA MONDIALISATION EN INDE 7

système urbain semblait en effet assez faible au lendemain de l’Indépendance


en 1947. Dans la lignée des discours de Gandhi, l’image des campagnes et des
villages est un temps valorisée contre le modèle de la vie urbaine (Khan H. U.,
2009). Pourtant, un certain nombre de projets d’aménagement urbain et de vil-
les nouvelles sont progressivement mis en place dans les décennies qui suivent
l’Indépendance. Il importe néanmoins de souligner la pluralité de ces projets
urbains et de préciser les processus dans lesquels ils s’inscrivent.
Parmi ces transformations urbaines, les villes de fondation occupent
une place singulière. À la différence des villes de création, la ville nouvelle est
le plus souvent le fait d’une volonté politique. Elle concentre les aspirations et
les attentes d’une époque, d’un pouvoir, d’architectes, d’une communauté.
Pourtant, si elle peut un temps se penser comme utopie, elle ne peut se cons-
truire comme telle. Elle a valeur, selon les époques et les individus, de labora-
toire urbain, parfois de modèle, parfois de contre-exemple.
Le XXe siècle constitue une période particulièrement riche en matière
de villes nouvelles avec par exemple les modèles des cités-jardins anglaises,
des villes nouvelles en périphérie de Paris, des fondations urbaines dans le
cadre de la décolonisation ou de l’apparition de villes privées en Amérique
du Nord (Chaline C., 1985). Pourtant, nous pouvons constater un certain dé-
clin de ce mode de planification urbaine dès les années 1980 où les critiques
fleurissent à l’encontre des différentes expériences menées.
Néanmoins, la construction de villes nouvelles semble aujourd’hui en
pleine expansion dans les pays du Sud. Ces projets de fondation ont avant
tout une justification fonctionnelle dans la mesure où ils répondent à la fois à
la croissance de la population urbaine et aux nécessaires restructurations des
systèmes urbains. Mais ces villes nouvelles ont également une forte dimen-
sion symbolique car elles reflètent la modernité de ces pays émergents et leur
participation aux processus de mondialisation. Ces villes prennent donc peu
à peu la fonction de vitrine aux échelles nationales et internationales.
Dans le cadre indien, il semble nécessaire de distinguer deux types de
villes nouvelles.
D’un côté, il y aurait les villes nouvelles créées au lendemain de
l’Indépendance de l’Union Indienne en 1947. Elles ont pour but d’accueillir
les populations réfugiées après la Partition, mais elles sont également plani-
fiées pour des raisons administratives, militaires, industrielles, ainsi que
pour répondre à la croissance métropolitaine des grandes agglomérations
et l’accroissement de la population urbaine.
D’un autre côté, nous pouvons identifier un second groupe de villes
nouvelles édifiées et/ou développées au lendemain des réformes économi-
ques libérales qui se révèlent véritablement en 1991. Ces “nouvelles villes”
doivent être comprises dans le contexte d’une participation croissante de
l’Union Indienne au processus de mondialisation. Elles en sont à la fois une
conséquence, un miroir et une vitrine. Aussi, si ces villes s’inscrivent dans un
8 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

contexte de déconcentration des métropoles indiennes et de nouvelles straté-


gies résidentielles, leur croissance est également liée au développement de
certains secteurs d’activités économiques et de nouveaux espaces de travail
en périphérie des grandes villes.
À l’occasion de la Seconde Conférence internationale des jeunes cher-
cheurs en études urbaines, nous pouvons nous interroger sur les différences
entre ces deux types de villes nouvelles indiennes et sur les processus qui
nous invitent à les distinguer. Cette réflexion s’inscrit dans une recherche
doctorale plus large qui questionne les problématiques de citadinité dans ce
que nous désignons comme les “nouvelles villes” de la mondialisation en
Inde. Nous chercherons ici à identifier les particularités respectives des villes
nouvelles et des “nouvelles villes” du point de vue de leur genèse, de leurs
formes, de leurs activités et de leurs représentations afin de souligner la sin-
gularité de ces “nouvelles villes” et les enjeux qu’elles sous-tendent.
Nous reviendrons tout d’abord sur les villes nouvelles construites au
lendemain de l’Indépendance de l’Union Indienne. Nous tenterons ensuite
de préciser la définition et la genèse des “nouvelles villes” indiennes. Nous
préciserons enfin cette réflexion à travers la présentation des trois cas d’étude
retenus pour notre recherche.
Dans un premier temps, nous pouvons revenir sur les fondations urbai-
nes qui suivent l’Indépendance indienne en 1947 afin de comprendre les dif-
férences entre ces villes nouvelles et les “nouvelles villes” qui seront érigées
plus tard. Nous présenterons tout d’abord le contexte de l’édification de ces
villes afin d’en comprendre les enjeux et les héritages, puis nous préciserons
cette réflexion en analysant l’exemple de Chandigarh, ville nouvelle à la fois
singulière et emblématique de cette première vague de fondations.
Le 15 août 1947, la Partition, “monstrueuse vivisection” selon Gandhi,
sépare sur des bases religieuses l’ancien Empire des Indes entre l’Union
Indienne, le Pakistan oriental et le Pakistan occidental, lesquels deviendront
la République Islamique du Pakistan. Le territoire indien est réorganisé sur
un modèle fédéral, avec des Etats divisés en districts, par la Constitution de
1950.4 La jeune Union Indienne est dès lors être le cadre d’un certain nombre
de projets urbains développés avant tout dans une perspective fonctionnelle.
Nous pouvons ainsi remarquer que le Premier Ministre Jawaharlal Ne-
hru lance au lendemain de l’indépendance un vaste plan de modernisation
de l’Inde. Un programme d’urbanisation est ainsi mis en route. Sous l’égide
du Town Planning Institute de New Delhi, une cinquantaine de villes nouvel-
les sont créées à travers le territoire pour des raisons administratives, militai-
res ou pour accueillir les populations réfugiées suite à la Partition. Pour les

4 Depuis 1953, plusieurs mouvements de réorganisation de la carte administrative ont en-


traîné la création de nouveaux Etats. L’Union Indienne compte ainsi aujourd’hui 28 Etats
et 7 Territoires de l’Union.
DES VILLES NOUVELLES AUX “NOUVELLES VILLES” DE LA MONDIALISATION EN INDE 9

autorités indiennes, il s’agit de structurer le territoire et de moderniser la


toute jeune Union Indienne mais nullement de mettre en place un processus
d’urbanisation massive. Par ailleurs, si ce programme de villes nouvelles au
lendemain de la Partition rappelle la tradition des villes neuves en Inde sous
la domination moghole puis britannique, il s’agit pour Nehru de rompre avec
le passé. Certaines de ces villes sont ainsi devenues des symboles de la plani-
fication moderne et une source de fierté nationale (Prakash V., 2002).
En conséquence de la réorganisation du territoire de l’Union Indienne,
ces villes nouvelles sont parfois les capitales des nouveaux Etats. Ainsi, dès
1948, l’architecte allemand Otto Koenigsberger est chargé de concevoir une
capitale pour l’Orissa, Bhubaneswar (Kalia R., 1995). En 1960, ce sont les ar-
chitectes indiens H. K. Mewada et Prakash M. Apte qui prennent en charge le
projet de Gandhinagar, capitale du Gujarat (Kalia R., 2004).
D’autres villes nouvelles ont permis de gérer la croissance métropoli-
taine des grandes villes et l’augmentation du nombre de citadins. Il s’agit par
exemple de Kalyani à proximité de Kolkata, ou de Faridabad en périphérie de
Delhi. Ces villes avaient pour objectif de devenir suffisamment autonomes
tout en conservant des liens sociaux et culturels forts avec la ville centre. Elles
prennent le statut de villes satellites de grandes métropoles indiennes.
Par ailleurs, certaines de ces villes nouvelles sont liées à des programmes
industriels. Acet égard, nous pouvons souligner les liens entre certaines fonda-
tions urbaines et les trois premiers plans quinquennaux axés sur l’industrie
lourde et dont les projets incluent souvent le développement d’une ville nou-
velle (Vidhani M., 2010). Le premier plan quinquennal (1951-1956) est ainsi
principalement tourné vers l’irrigation, l’énergie et la construction de barrages;
il entraîne la création de villes comme Nangal Township au Pendjab ou Srisva-
tam en Andhra Pradesh. Le second plan (1956-1961) est quant à lui à l’origine
de villes nouvelles liées à l’acier comme Durgapur au Bengale Occidental.
Afin de préciser notre présentation et notre réflexion sur ces villes
nouvelles créées au lendemain de l’Indépendance, nous pouvons prendre
l’exemple de Chandigarh. Si cette ville est en un sens emblématique de la
première vague de fondations urbaines, nous pouvons remarquer qu’elle
constitue également du fait de sa genèse un cas d’étude singulier. Peut-être
plus que les autres villes nouvelles symboliques du renouveau de la planifi-
cation urbaine, Chandigarh conserve une signification à part en Inde.
Avec la Partition, le Pendjab, “pays des cinq rivières” largement irrigué
et “grenier à grains” de l’Empire Colonial, est coupé en deux. Près de 14 mil-
lions de personnes sont déplacées de part et d’autre des nouvelles frontières.5

5 On estime que près de 5 millions d’Hindous et de Sikhs ont traversé la frontière entre
l’Union Indienne et le Pakistan occidental. Les évaluations sont pourtant difficiles dans
la mesure où seule la population masculine est prise en compte. Source: The First Fi-
ve-Year Plan: a Summary Government of India, 12 décembre 1952.
10 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Lahore, l’ancienne capitale à majorité hindoue, passe au Pakistan et devient


capitale de la province pakistanaise du Pendjab. Face à cette situation, le
Pendjab indien doit donc être pourvu d’une nouvelle capitale. La fondation
d’une ville nouvelle paraît plus à même de compenser la difficile perte maté-
rielle et psychologique de Lahore, centre économique et culturel de la région,
d’assurer la réhabilitation d’un Pendjab meurtri (Kalia R., 1987). Après quel-
ques hésitations, c’est un site le long de la voie ferrée au nord de New Delhi et
à 200 kilomètres de la frontière pakistanaise qui est choisi pour Chandigarh.
Le choix de la rupture est principalement conforté par l’élection d’une ar-
chitecture moderne. Le projet est d’abord confié à l’architecte américain Albert
Mayer qui esquissera plusieurs propositions pour la ville nouvelle en 1949
mais qui abandonnera le projet en 1950, principalement en raison de la mort de
son collaborateur Matthew Nowicki. Le Corbusier et une équipe d’architectes
issus du CIAM (Congrès International d’Architecture Moderne), Pierre Jean-
neret, Jane Drew et Maxwell Fry, reprennent le projet en 1951. Concevant la
maison comme “une machine à habiter” (Le Corbusier, 2005), Le Corbusier
défend une architecture rationnelle qui s’accorde avec les changements du
monde contemporain et croit en l’idéal d’un urbanisme créateur de bonheur.
Pour Chandigarh, Le Corbusier conçoit un plan en damier composé de sec-
teurs, c’est-à-dire de quartiers de même taille et de même forme géométrique
séparés les uns des autres par des voies de circulation. La ville s’organise selon
une séparation des fonctions urbaines (Papillault R., 2006). Chandigarh est
donc conçue dans une visée novatrice aux échelles nationales et internationa-
les. Elle propose une esthétique de la modernité indienne.
Chandigarh est aujourd’hui la capitale des Etats du Pendjab et de
l’Haryana dont elle marque la jonction6 et a désormais le statut de Territoire
de l’Union.7 Conçue à l’origine pour 500 000 habitants, Chandigarh forme dé-
sormais avec ses villes satellites Mohali et Panchkula une métropole de plus
de 1,5 millions d’habitants nommée tricity. Elle constitue un espace dyna-
mique et attractif dans le domaine des services et des activités à haute valeur
ajoutée. Ville administrative, Chandigarh est l’une des villes les plus riches
de l’Inde avec le revenu par habitant le plus élevé du pays; elle est caractérisée
par un taux d’alphabétisation de 73% contre 59.5% à l’échelle nationale.
Si Chandigarh demeure liée sur le plan des représentations à un contexte
de fondation singulier, elle semble aujourd’hui avoir dépassé son statut et son

6 En 1966 suite à un redécoupage territorial, le Pendjab tel qu’il avait été délimité en 1947
est divisé en trois Etats: l’Himachal Pradesh, le Pendjab et l’Haryana.
7 Il s’agit d’un statut territorial particulier en Inde. Les Territoires de l’Union sont au nombre
de sept et peuvent être organisés de deux manières différentes. Certains sont directement
dirigés par le gouvernement central et possèdent un administrateur (Chandigarh, Iles
Andaman-et-Nicobar, Dadra et Nagar Haveli, Daman et Diu, Lakshadweep). D’autres
Territoires ont un véritable gouvernement et les citoyens y élisent une assemblée (Pondi-
chéry et Delhi).
DES VILLES NOUVELLES AUX “NOUVELLES VILLES” DE LA MONDIALISATION EN INDE 11

étiquette de ville nouvelle. À l’image de certaines autres fondations urbaines


qui suivent l’Indépendance, elle est parvenue à remplir la majorité des fonc-
tions qui lui avaient été attribuées et à s’affirmer comme une “ville à part en-
tière”. D’autres villes nouvelles de la même époque ont quant à elles rencontré
un succès plus mitigé, comme par exemple Kalyani dont le site s’est finalement
avéré trop éloigné de Kolkata.
Dans un deuxième temps, nous pouvons revenir sur la seconde vague
de fondations urbaines qui marque l’Union Indienne à partir des années 1970
et 1980. A l’origine développées comme de nouveaux espaces résidentiels,
certaines de ces villes peuvent être désignées comme des “nouvelles villes”
dans la mesure où elles semblent connaître un second développement en pa-
rallèle de la libéralisation de l’économie indienne. Nous avons formé le
concept de “nouvelle ville” pour désigner des villes nouvelles dont le déve-
loppement est en partie lié aux réformes économiques libérales indiennes
menées timidement dès les années 1980 et essentiellement dans les années
1990 (Chauvin S., 2004) afin de les différencier des autres projets urbains.
Dans le cadre de notre recherche doctorale, nous avons fait le choix de nous
concentrer sur les villes nouvelles qui ont connu un second développement
en conséquence de la libéralisation indienne et non pas sur les villes créées au
lendemain des réformes économiques.
A l’origine, ces “nouvelles villes” ont avant tout été construites pour ré-
pondre à la croissance urbaine des grandes métropoles indiennes. Elles
s’inscrivaient dans des stratégies de déconcentration et de relocalisation des
populations face à aux pressions démographiques et à une crise du logement
dans les centres-villes. C’est par exemple de cas de Navi Mumbai qui a été à
l’origine planifiée pour désengorger la ville de Mumbai. Par ailleurs, ces nou-
veaux espaces urbains représentaient pour les classes moyennes une possibi-
lité d’accéder à la propriété dans la mesure où ils offraient de nombreux
terrains et logements à des tarifs plus bas que ceux proposés dans les quar-
tiers centraux. Bidhannagar était ainsi initialement destinée au “common
man” (Chatteerjea D. P., 1990).
Par ailleurs, ces “nouvelles villes” semblent avoir été synonymes de la
participation croissante du secteur privé dans le développement urbain. Au
lendemain de l’Indépendance, l’Etat finançait la construction de villes nou-
velles par des dons ou des prêts à long terme et à faible intérêt. La réalisation
de ces villes était par ailleurs confiée au secteur public. Pourtant, il semblait
de plus en plus difficile pour le gouvernement indien de porter la totalité de
ces coûts de construction qui n’étaient que partiellement remboursés par la
vente à bas prix des terres constructibles (Vidhani M., 2010). La capacité du
gouvernement à développer des villes nouvelles équipées face à la croissance
urbaine de l’Union Indienne a été questionnée dès les années 1980. Si certains
quartiers des grandes villes étaient auparavant construits par des promo-
teurs immobiliers privés, ces derniers ont été progressivement intégrés aux
12 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

différentes étapes de projets urbains plus vastes. Aujourd’hui, les “nouvelles


villes” sont ainsi partiellement construites et/ou gérées par le secteur privé.
Ainsi, les espaces résidentiels de Gurgaon, à proximité de Delhi, ont été en
grande partie développés par des promoteurs immobiliers privés.
Parallèlement, nous devons pourtant remarquer que la libéralisation de
l’économie indienne a eu un impact sur ces “nouvelles villes” qui ont de ce
fait connu un second développement. Au lendemain de l’Indépendance,
l’Union Indienne s’engage dans une voie socialiste en se donnant pour objec-
tif le développement et l’indépendance économique. Un grand rôle est donné
à l’Etat qui nationalise un certain nombre de services, augmente les investis-
sements publics et met en place un système de planification économique. Les
commentateurs parlent de “troisième voie” pour décrire la stratégie politique
et économique de la jeune Union Indienne. Pourtant, le gouvernement indien
amorce quelques réformes timides de libéralisation économique à partir des
années 1980. Ces transformations s’accélèrent dans les années 1990 qui mar-
quent l’ouverture de l’économie indienne au monde. Les monopoles d’Etat
sont réduits, les barrières douanières abaissées, les investissements étrangers
autorisés (Chauvin S., 2004).
Dans ce contexte, les “nouvelles villes” apparaissent comme des espaces
privilégiés pour le développement de nouvelles activités liées à la libéralisation
de l’économie. Elles possèdent en effet la surface nécessaire à l’implantation de
nouvelles infrastructures de travail et de service; elles apparaissent donc à cet
égard comme une opportunité. De ce fait, la présence d’entreprises nationales et
internationales à forte valeur ajoutée permet d’identifier ces “nouvelles villes”.
Ces entreprises sont essentiellement spécialisées dans des activités liées aux
technologies de l’information et aux hautes technologies. De ce point de vue,
deux types de dispositifs semblent caractéristiques de ces “nouvelles villes”.
En premier lieu, nous pouvons constater la présence de IT Parks.8 L’Inde a été
le cadre de la fondation de nombreux parcs dédiés aux technologies de
l’information depuis le début des années 1990. Ils bénéficient d’avantages fis-
caux, possèdent une certaine attractivité et sont créateurs d’emplois. Ils occu-
pent des espaces bien délimités en périphérie des grandes villes et sont
parfois désignés comme les nouvelles zones industrielles. Dans un second
temps, nous pouvons remarquer que les “nouvelles villes” et les espaces qui
les entourent sont des lieux privilégiés pour la création de zones économi-
ques spéciales (SEZs). Le gouvernement indien y accorde des avantages fis-
caux et y développe un certain nombre d’infrastructures avec tout le confort
global afin d’encourager les entreprises à s’y implanter.
Pourtant, ces “nouvelles villes” ne sont pas pour autant isolées du reste
du territoire. En premier lieu, nous devons observer que ces villes sont situées

8 Information Technologies Parks.


DES VILLES NOUVELLES AUX “NOUVELLES VILLES” DE LA MONDIALISATION EN INDE 13

en périphérie des grandes métropoles indiennes avec lesquelles elles conser-


vent un lien nécessaire. Nous pouvons ainsi remarquer que de nombreux ré-
sidents de Bidhannagar travaillent quotidiennement à Kolkata, tandis que
des habitants de cette métropole viennent tous les jours travailler dans les ad-
ministrations gouvernementales et les entreprises installées dans la ville nou-
velle. D’autre part, nous pouvons remarquer que ces “nouvelles villes”
possèdent de bonnes infrastructures de transport : routes, transports en
commun, proximité avec les aéroports internationaux. Navi Mumbai accueil-
lera ainsi prochainement le nouvel aéroport international de Mumbai, tandis
que Gurgaon et Bidhannagar se situent à proximité des aéroports respectifs
de Delhi et Kolkata. Ces différents points traduisent la mise en place de
nouveaux réseaux et témoignent d’une volonté d’être intégré aux flux de
l’économie nationale et mondiale. Ces multiples facteurs contribuent d’autre
part à l’élection de ces espaces comme nouveaux pôles de la mondialisation
indienne.
En conséquence, ces “nouvelles villes” correspondent aujourd’hui à des
espaces résidentiels attractifs et bien que leurs prix aient considérablement
augmenté, elles sont devenues des destinations privilégiées pour les classes
moyennes indiennes. D’une part, elles proposent des équipements résiden-
tiels situés à proximité des zones d’emploi. C’est par exemple le cas à Gur-
gaon où chaque quartier de bureaux est situé à proximité d’une colonie
résidentielle développée et gérée par des promoteurs immobiliers. D’autre
part, ces nouveaux espaces résidentiels sont construits sur un certain nombre
de standards globaux auxquels aspirent les nouvelles classes moyennes in-
diennes, comme en témoigne par exemple l’essor des condominiums à Navi
Mumbai.
Afin d’approfondir notre réflexion sur les “nouvelles villes” de la mon-
dialisation indienne, nous pouvons revenir sur les trois cas d’étude que nous
avons sélectionnés dans le cadre de notre doctorat : Gurgaon, Bidhannagar et
Navi Mumbai. Situées en périphérie des trois métropoles indiennes de Delhi,
Kolkata et Mumbai, respectivement capitales politique, culturelle et écono-
mique, ces “nouvelles villes” présentent un certain nombre de caractéristi-
ques communes. Nous reviendrons ici sur la genèse de ces villes nouvelles,
sur leur second développement et sur les facteurs qui nous poussent à les
qualifier de “nouvelles villes” de la mondialisation.
Avant d’être une des villes les plus riches d’Inde (3ème ville sur le plan
des revenus par habitant en 2010, après Chandigarh et Mumbai), Gurgaon
était un petit village au sud de Delhi situé sur la route du pèlerinage d’Ajmer.
Gurgaon possède par ailleurs une origine mythologique dans la mesure où
son nom signifie “le village du guru” en référence à un épisode du Mahâbhâra-
ta. Avec la construction de l’autoroute entre Delhi et Jaipur à proximité de
Gurgaon, de nombreuses industries sont venues s’installer le long de cet axe
stratégique et Gurgaon s’est peu à peu développé comme pôle industriel.
14 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

En 1975, l’Haryana est le premier état en Inde à intégrer le secteur privé


dans le développement urbain aux différentes étapes du processus de fonda-
tion. L’Haryana Development and Regulation of Urban Areas Act (HDRUAA) au-
torise ainsi les promoteurs immobiliers à acquérir, à assembler et à aménager
les terres urbanisables. Dans le même temps, la Delhi Development Authority
(DDA) limite l’intervention des promoteurs immobiliers dans la construction
des espaces résidentiels de la capitale fédérale.
DLF (Delhi Land and Finance) est un promoteur immobilier privé im-
planté à Delhi depuis 1946 et organisé sur un modèle familial (Singh K.P.,
2011). Face au renforcement de la DDA et à l’opportunité du HDRUAA, DLF
décide pour répondre à la demande croissante de logements d’acquérir des
terres dans la continuité de South Delhi, espace attractif de la capitale, sur le
territoire de Gurgaon. Les premières licences de développement de colonies
résidentielles sont accordées à DLF par l’Haryana Town and Country Planning
(HTCP) en 1981. D’autres promoteurs immobiliers vont peu à peu s’installer
à Gurgaon (principalement Ansals et Unitech, puis de nombreux promo-
teurs immobiliers plus petits). Dans le même temps, l’Haryana Urban Deve-
lopment Authority (HUDA, créée en 1977) développe des logements situés
dans des secteurs préalablement définis. Dans les premiers temps de Gur-
gaon, l’HUDA était davantage une instance régulatrice et un fournisseur
d’infrastructures, mais ses activités se sont peu à peu étendues au dévelop-
pement d’espaces résidentiels. L’HUDA est par ailleurs responsable de la
création d’infrastructures à l’échelle de la ville, tandis que les promoteurs
immobiliers sont responsables du développement d’infrastructures au sein
de leurs colonies.
Dans le contexte de la libéralisation de l’économie indienne, les pro-
moteurs immobiliers commencent à construire des bureaux et des espaces
de travail à proximité des colonies résidentielles dans les années 1990.
Gurgaon apparaît alors comme un espace attractif car la ville offre des im-
meubles de bureaux et des zones résidentielles modernes répondant aux
standards globaux (Biswas S. P., 2002). Par ailleurs, Gurgaon possède une
position stratégique dans la mesure où la ville est située à 37 km du centre
de Delhi et à 25 km de l’aéroport international. L’arrivée d’entreprises mul-
tinationales donne donc un nouvel élan à Gurgaon. De ville satellite rési-
dentielle, elle devient un pôle d’activités à haute valeur ajoutée de premier
plan.
Gurgaon compte aujourd’hui 1,5 million d’habitants (contre 100 000 en
1981 et avec une augmentation de 73% depuis 2001); elle s’étend sur 1215 km2
et connaît une densité de 1241 habitants au km2 qui se répartissent entre les
secteurs développés par l’HUDA, les colonies développées par les promo-
teurs immobiliers privés et les villages présents sur le site de fondation (le vil-
lage originel n’a plus aujourd’hui ce statut administratif mais on trouve
toujours des villages plus petits aujourd’hui en proie à des processus de
DES VILLES NOUVELLES AUX “NOUVELLES VILLES” DE LA MONDIALISATION EN INDE 15

densification).9 En dehors des espaces de bureau, la ville comporte par ailleurs


une zone économique spéciale, Reliance SEZ, et se situe sur le Delhi Mumbai
Corridor, axe majeur pour de grands projets de développement. Gurgaon reste
à cet égard un pôle industriel important.
Bidhannagar, également appelée Salt Lake City, est une ville nouvelle
située au nord-est de Kolkata. Le projet a été proposé en 1960 et inauguré en
1962 par le Premier Ministre bengali Bidhan Chandra Roy. En 1995, la ville
sera rebaptisée Bidhannagar en hommage à son fondateur à l’occasion de la
création de la Municipal Corporation Bidhannagar. A l’origine, cette ville nou-
velle avait pour objet de désengorger Kolkata et d’apporter une réponse à la
crise du logement alors traversée par la capitale bengalie. Elle était destinée à
devenir une ville auto-suffisante de 250 000 habitants. Il a d’abord fallu amé-
nager le site de fondation de Salt Lake qui se situait sur une zone humide. Les
terres ont été acquises par le gouvernement bengali et les travaux ont été
confiés à une entreprise yougoslave, M/S Invest-Import, à partir de 1964.
Les premiers habitants ont commencé à s’installer à Salt Lake au début
des années 1970. La ville est organisée en 5 parties nommées secteurs.
Les quatre premiers secteurs correspondent à des unités d’habitation el-
les-mêmes subdivisées en blocs, c’est-à-dire des zones résidentielles équipées de
services de base: marchés, lieux récréatifs… Les maisons individuelles ont été
privilégiées lors de la fondation: 72% des logements correspondent ainsi à des
bungalows, 28% à de petits immeubles collectifs.10 On trouve également au sein
de ces quatre secteurs quelques espaces de bureau et des infrastructures de ser-
vices plus importantes, tels le centre commercial City Center ou le stade de Salt
Lake. D’autre part, de nombreuses administrations du gouvernement bengali ont
été transférées à Salt Lake durant les années 1980 et se sont installées dans les
quatre premiers secteurs. La ville nouvelle est donc peu à peu devenue un pôle ad-
ministratif majeur et de ce fait le lieu de résidence de nombreux fonctionnaires.
Le secteur 5 est quant à lui réservé à des activités industrielles non pol-
luantes; il accueille des espaces de bureaux et ne comporte pas de logements.
A partir des années 1990, le secteur 5 a connu une forte croissance et des entre-
prises spécialisées dans les hautes technologies sont venues s’y installer. En
2006, une autorité spéciale a été créée pour gérer cet espace à la place de la
Municipal Corporation Bidhannagar, Nabadiganta Industrial Township Authority.
Cette dernière s’occupe de la construction, du développement et de la gestion
du secteur 5 au moyen de partenariats publics-privés.
La ville compte aujourd’hui plus de 218 000 habitants.11 Elle est re-
connue pour sa qualité de vie et son organisation urbaine. Le secteur 5 en fait
un espace attractif sur le plan des activités et semble avoir donné un second

9 Census of India 2011.


10 Census of India 2001.
11 Census of India 2011.
16 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

développement à Bidhannagar, bien que ce dernier prenne ici des formes dif-
férentes de celui de Gurgaon.
Concernant Navi Mumbai, l’idée de la création d’une ville satellite de
l’autre côté de la baie de Thane pour contrôler la croissance de Mumbai est
évoquée dès l’Indépendance pour résoudre la question du développement ur-
bain de la métropole indienne qui ne cesse de s’étendre vers le nord. Il s’agissait
alors de créer une dynamique est-ouest par le développement d’une ville nou-
velle dans un espace délimité au nord et à l’est par les ghâts occidentaux, à l’ouest
par la mer, et où l’on trouve déjà deux zones industrielles, Thane-Belapur et Talo-
ja. Dans le même temps, la construction d’un pont reliant la ville centre à la ville
satellite est envisagée. Il faut pourtant attendre 1964 pour que les recommanda-
tions alors formulées par l’architecte urbaniste Charles Correa, l’ingénieur Pravi-
na et l’ingénieur urbaniste Shinish Patel soient véritablement prises en compte.
Ala fin des années 1960, un plan de développement urbain pour la métropole in-
dienne est élaboré en parallèle de la constitution du Mumbai Metropolitan and Re-
gional Planning Board en 1967. Finalement, c’est en 1971 qu’est créée dans le but de
développer cette ville nouvelle la City and Industrial Development Corporation
(CIDCO) et que débute la construction de New Bombay.
Dans un premier temps, l’objectif était de créer une ville jumelle pour
Mumbai afin de la désengorger, d’accueillir les vagues de migrations à venir
et de diminuer ainsi la pression à laquelle elle est soumise. Les concepteurs
cherchaient par ailleurs à valoriser une nouvelle forme de développement ur-
bain planifié et de proposer aux futurs habitants une ville à l’esthétique de la
modernité où ils pouvaient vivre et travailler tout ne parcourant que des dis-
tances quotidiennes raisonnables (Mehotra R., 2007).
En un sens, nous pouvons rapprocher la fondation de Navi Mumbai de
celles d’autres villes nouvelles construites au lendemain de l’Indépendance.
Navi Mumbai participe en effet d’une tentative de réguler la croissance de Mum-
bai et témoigne d’une volonté de symboliser l’Inde Indépendante et l’optimisme
qui lui est associé. D’autre part, Navi Mumbai n’a connu dans un premier temps
qu’un succès mitigé. Elle a alors davantage été perçue comme une ville-dortoir
où le manque de connectivité avec Mumbai et l’absence d’une vision partagée
avait eu raison d’un projet urbain novateur. Dans le même temps, l’extension de
Mumbai au nord à Vasai-Vihar au début des années 1980 a renforcé le sentiment
d’échec lié au projet de cette ville nouvelle et a donné aux habitants comme aux
autorités l’impression d’un retour en arrière.
Pourtant, la singularité de Navi Mumbai par rapport à d’autres villes
nouvelles doit être reconnue dans la mesure où il s’agit de l’un des plus grands
projets de planification urbaine au monde. La ville s’étend en effet sur 344 kilo-
mètres carrés et elle compte plus de 1, 1 million d’habitants.12 Par ailleurs, nous

12 Census of India 2011.


DES VILLES NOUVELLES AUX “NOUVELLES VILLES” DE LA MONDIALISATION EN INDE 17

pouvons remarquer que Navi Mumbai a connu un second développement à


partie des années 1990. Tout d’abord, l’arrivée d’une voie ferrée qui relie la ville
nouvelle au centre de Mumbai donne une nouvelle dynamique à Navi Mumbai.
Par ailleurs, des entreprises liées aux hautes technologies s’implantent peu à peu
dans la ville nouvelle et sa zone industrielle. Enfin, nous pouvons remarquer que
le secteur privé est peu à peu inclus dans le développement urbain à partir de la
fin des années 1990. L’idée de la ville jumelle s’estompe donc progressivement
au profit de l’image d’une ville compétitive, miroir et vitrine de la participation
croissante de l’Union Indienne aux processus de mondialisation.
Avec 8,8% de croissance en 2010,13 l’Inde s’affirme comme une puissance
émergente majeure dans l’économie mondiale et les processus d’échanges. Les
“nouvelles villes” apparaissent comme des espaces privilégiés de la mondiali-
sation indienne et des vitrines des transformations en cours. Elles se différen-
cient ainsi par leurs développements, leurs activités et leurs représentations
des villes nouvelles édifiées au lendemain de l’Indépendance de l’Union
Indienne.
A titre d’ouverture, nous pouvons remarquer que de nouvelles formes
urbaines se développent en périphérie des grandes villes indiennes. Des pro-
moteurs immobiliers privés y créent de nouveaux quartiers ou de petites enti-
tés urbaines. Il s’agit de villes privées ou de gated communities destinées à
accueillir des activités économiques à haute valeur ajoutée et les employés de
ces entreprises au sein d’un même espace clos doté de nombreux services. Si
ce nouveau modèle de développement urbain présente par certains points
des similitudes avec les “nouvelles villes”, il témoigne également de la prise
en compte de nouvelles problématiques dans le cadre des transformations de
l’Inde et de la mondialisation près de 20 ans après les seconds développe-
ments qu’on connu les “nouvelles villes” indiennes.

Références

Biswas S. P. (2002), “The Ghost of Modernity. Architecture and Urbanism in the Era
of Globalization” in Architecture+Design Volume 19, Numéro 6.
Carroue L. (2007), Géographie de la mondialisation Armand Colin.
Chaline C. (1985), Villes nouvelles dans le monde Presses Universitaires de France
Collection Que sais-je?
Chatteerjea D. P. (1990), “Bidhannagar : from Marshland to Modern City” in
Chaudhuri S. (dir.) Calcutta. The Living City. Volume 2 : The Present and the
Futur Oxford University Press.
Chauvin S., Lemoine F. (2004), “L’économie indienne en bonne voie” in L’économie
mondiale 2005 Editions La Découverte, Collection Repères.

13 Banque Mondiale.
18 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Dupont V. (2001), “Noida : nouveau pôle industriel ou ville satellite de Delhi? Le


projet des planificateurs, ses failles et son devenir” in Tiers Monde Volume 42,
Numéro 165.
Eveno E. (dir.) (1998), Utopies urbaines Presses Universitaires du Mirail.
Dewaele A. (2010), La réappropriation urbaine de Chandigarh en question. Etat des lieux
d’une ville nouvelle indienne à travers ses perceptions et ses représentations
Mémoire dirigé par Jean-Luc Racine, Ecole des Hautes Etudes en Sciences
Sociales.
Dupont V., G. Heuze D. (dir.) (2009), La ville en Asie du Sud. Analyse et mise en
perspective Éditions de l’EHESS, coll. Purusartha.
Durand Dastes F., Mutin G. (dir.) (1995), Afrique du Nord. Moyen Orient. Monde
Indien Belin -Reclus, coll. Géographie universelle.
Kalia R. (1987), Chandigarh. The Making of an Indian City Oxford University Press.
Kalia R. (1995), Bhubaneswar : From a Temple Town to a Capital City Southern Illinois
University Press.
Kalia R. (2004), Gandhinagar, Building National Identity in Postcolonial India
University of California Press.
Khan H.U. (dir.) (2009), Le Corbusier. Chandigarh and the Modern City. Insights the
Iconic City Sixty Years Later Mapin Publishing.
Landy F. (2002), L’Union Indienne, Edition du temps.
Le Corbusier (2005), Vers une architecture Flammarion.
Levy J., Lussault M. (dir.) (2003), Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés
Belin.
Mehotra R. (2007), “Twin City. Navi Mumbai Thirty Years Later” in Mumbai Reader
2007 Urban Design Institute.
Papillault R. (2006), Chandigarh Institut français d’architecture, Cité de
l’architecture et du patrimoine, Collection Portrait de ville.
Papillault R. (2008), Chandigarh. L’œuvre ouverte et le temps. Anatomie d’un projet de
ville de Le Corbusier en Inde 1950-1965 Thèse dirigée par Yannis Tsiomis, École
des Hautes Études en Sciences Sociales.
Prakash V. (2002), Chandigarh’s Le Corbusier. The Struggle for Modernity in
Postcolonial India Mapin Publishing.
Pumain D., Paquot T., Kleinschmager R. (2006), Dictionnaire de la ville et de l’urbain
Economica Anthropos Collection Villes.
Singh K.P., Menon R., Swamy R. (2011), Whatever the Odds. The Incredible Story
behind DLF Harper Collins Publishers India.
Sivaramarkrishman K.C., Kundu A., Sigh B.N. (2005), Handbook of Urbanization in
India, Oxford University Press.
Shaw A. (2004), The Making of Navi Mumbai Orient Longman.
Vidhani M. (2010), “Changing context of new town planning and development in
India” in SPACE volume 15, numéro 1.
Capítulo 2

Urban dispersion and poverty in the brazilian


metropolitan areas
Dispersão Urbana e Pobreza nas Regiões Metropolitanas
Brasileiras

Rômulo José da Costa Ribeiro


Universidade de Brasília, UnB, Campus Planaltina; Programa de Pós-graduação em
Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, PPG-FAU;
INCT Observatório das Metrópoles, UFRJ (rjcribeiro@unb.br)

Abstract

Over the past fifty years, cities have grown and developed a great pace. Practi-
cally in the entire world occurred an inversion between the number of rural and
urban population, the urban population much exceeded in number the rural
population. According to the 2010 Brazilian Demographic Census, 84.4% of the
population located in Brazilian urban centers. Given this situation, which tends
to become increasingly critical, cities have grown rapidly with little or no con-
trol. This causes the generation of urban tensions of various kinds as well as the
increased costs of maintaining this reality. The governments increasingly have
to spend more to try to meet the demands that come with urban growth. The
analysis generated by this study are descriptive, based on mathematical and
statistical procedures, since, for a more complete analysis would require wor-
king together with researchers in each metropolitan area, knowing the history
of the development of urban space, so we would have a systemic view of the
study area. This step will take place afterwards. We propose an expansion in ur-
ban studies, seeking a more accurate understanding of how urban form affects
humans, and vice versa, especially with regard to urban areas excluded or se-
gregated. Depending on the spatial clustering of different populations, we can
enhance the results obtained by the spatial configuration, through a joint analy-
sis of the dispersion index and spatial location of population below the poverty
line.

Keywords: Urban Dispersion, Urban Poverty, Spatial Distribution.

Introdução

A cidade é uma estrutura moldada pela população que nela habita, pois são
os processos sociais que a definem, incluídos ou não procedimentos formais

19
20 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

de planejamento, necessita de monitoramento constante, para que se possa


compreender sua dinâmica e, a partir daí, elaborar planos e definir ações que
também sejam dinâmicos, capazes de se adaptarem às novas situações, bem
como direcionar situações a fim de que a cidade melhore seu desempenho.
O rápido crescimento urbano tem levado a geração de tensões de diver-
sos tipos, bem como a um aumento dos custos de manutenção desta realida-
de. O poder público cada vez tem que gastar mais para tentar suprir as
demandas que surgem com esse crescimento.
Essas concentrações podem levar a uma reformulação da circulação e
do próprio desenho urbano, o que faz com que ocorram prejuízos para a qua-
lidade de vida e qualidade ambiental urbana. Isso ocorre em função da de-
manda por habitação ser bem maior que a oferta, o que leva à população,
principalmente a de menor renda, a ocupar regiões cada vez mais distantes
do centro da cidade. Por se tratar, muitas vezes, de ocupações irregulares, po-
de-se verificar que vários fatores relacionados à qualidade de vida e qualida-
de ambiental não são observados.
A escolha por utilizar a base espacial definida pelo Censo Demográfico
de 2000 foi em função da possibilidade de atualização periódica das variáve-
is. Como o censo brasileiro é realizado a cada 10 anos, pode-se traçar a evolu-
ção urbana, a partir de dados coletados de forma padronizada. Além disso,
como os métodos desenvolvidos usam uma base de dados oficial, eles podem
ser aplicados a outras cidades do país, o que torna a proposta aqui desenvol-
vida acessível a outras instâncias governamentais do Brasil.
Para que se possa compreender melhor a situação do Distrito Federal,
fez-se análise da configuração da cidade a partir do Índice de Dispersão
Urbana, desenvolvido por Bertaud & Malpezzi (1999), que relaciona a forma
da cidade às distâncias ao Centro de Comércio e Serviços (CCS). Esse é um ín-
dice comparativo e deve ser analisado em conjunto com outras cidades. Os re-
feridos autores calcularam para 50 cidades no mundo, mas a leitura desse
índice não é fácil, uma vez que não segue uma escala padronizada de mensu-
ração. Assim, fez-se a sua normalização, de forma a ter-se os resultados den-
tro de uma escala padronizada, o que facilita a comparação entre diferentes
centros urbanos.

Índice de Dispersão

Estudos da distribuição espacial da população urbana são numerosos e têm o


intuito de melhorar a compreensão da relação ser humano-espaço urbano.
São exemplos de trabalhos de análise socioespacial: Hillier & Hanson (1984);
Clark (1985); Hillier et al. (1993); Jenks & Burgess (2000); Sposati (2000a;
2000b); Genovez, Caetano & Estrada (2000); Holanda et al. (2001); Holanda
(2002; 2003); Genovez (2002); Ribeiro (2003); Ribeiro & Holanda (2005); Ribei-
ro et al. (2005), além dos trabalhos de análise da distribuição espacial da
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 21

população realizados por Bertaud & Malpezzi (1999; 2003), Koga (2003) e Oji-
ma (2007). Esses autores, de uma forma ou de outra trataram a realidade ur-
bana de forma segmentada, pois normalmente estudaram uma única
dimensão dessa realidade. Mesmo os autores que trataram mais de uma di-
mensão fizeram-no de forma separada. A análise urbana deve ser feita de for-
ma sistêmica, a fim de se ter uma visão mais próxima dessa realidade.
Costa & Silva (2007) afirmam que a desigualdade de acesso ao espaço
urbano é causadora de segregação. A noção de segregação está ligada a novas
formas de ocupação espacial, excludentes da classe superior. Para Lago (2000
apud Costa & Silva, 2007) forma de ocupação como condomínios fechados,
horizontais e verticais, afastados do centro, e direcionados para a classe mé-
dia, tem se expandido cada vez mais. Isso se dá em função do baixo valor da
terra, o que viabiliza a aquisição desse espaço pelas classes menos abastadas.
O autor lembra que não apenas o preço da terra é um fator de segregação,
mas, especialmente, muros e controle de segurança, que intentam manter
afastados todos que não pertencem àquele lugar.
O modelo brasileiro de cidades caracterizava-se tradicionalmente por
ter as classes superiores no centro e quanto menor o poder aquisitivo, mais
afastada desse centro a população se localizaria. Após a década de 1970, em
algumas cidades brasileiras, surgiram ocupações semelhantes ao modelo
norte-americano de subúrbios, condomínios para população de alta renda,
fechados e afastados do centro. Esse tipo de ocupação é caracterizado como
disperso (REIS, 2006), e acarreta diversos custos ao poder público para sua vi-
abilização (rede elétrica, abastecimento de água, coleta de esgoto, asfalta-
mento, etc.).
Esse tipo de ocupação difusa gera redes descontínuas, desorganizadas,
ineficientes e altamente dependentes de veículos (públicos e privados) (Has-
se & Lathrop, 2003). Isso tem causado um aumento no consumo energético e
na quantidade de particulados e gases poluentes oriundos da excessiva circu-
lação veicular.
Segundo Ojima (2006) um dos fatores que condicionam as modificações
do espaço urbano são as mudanças no modo de produção capitalista. Com a
globalização houve mudanças sociais profundas, que afetaram não só as for-
mas de consumir, mas também de produzir o espaço. De acordo com o autor,
não basta apenas analisar as mudanças estruturais que ocorreram nas cida-
des, é necessária a análise do contexto social e como esse afetou a forma de
consumir o espaço urbano. A questão socioeconômica é um forte elemento es-
truturante da cidade, mas não pode ser considerada como único, pois há ou-
tros elementos que influenciam e são influenciados pela socioeconomia, de
forma que se pode caracterizar uma relação de dependência entre esses
elementos.
Costa & Silva (2007) colocam que a dispersão urbana é fruto da estrutu-
ra socioeconômica da localidade analisada. Eles afirmam que a disparidade
22 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

de renda gerada pela rápida industrialização brasileira, que gerou o enrique-


cimento de poucos e a manutenção da pobreza de muitos, também contribui
para a estruturação de ocupação do espaço. Essa estruturação pode ser confi-
gurada como uma segregação socioeconômica-espacial, onde nas regiões
centrais o custo do terreno seria mais elevado, em função do acesso facilitado
à infraestrutura e equipamentos urbanos, enquanto quanto mais afastado
desse centro, menor o custo do terreno, em contrapartida, menor o acesso à
infraestrutura e equipamentos urbanos.
Lago (2000 apud Costa & Silva, 2007) diz que essa espacialidade é carac-
terizada por espaços residenciais excludentes, onde a própria estrutura orga-
nizacional de ocupação urbana, seja privada ou pública, define espaços para
serem ocupados por classes de renda específicas, mantendo-as isoladas umas
das outras.
Ojima (2006) coloca que a expansão urbana, atualmente, se deve à busca de
melhor qualidade de vida, desde populações de alta renda em busca de refúgios
do estresse urbano, até a população de baixa renda em busca de proximidade de
equipamento e serviços oferecidos pela cidade. Em função dessa expansão, o au-
tor coloca que muitos são os impactos sociais e ambientais causados,

(...) desde os aspectos estéticos até impactos nos gastos públicos (consumo de
água, energia elétrica e combustíveis fósseis, afastamento das áreas agrícolas,
alocação de bens e serviços públicos), nos aspectos sociais (heterogeneização
socioespacial, segregação social, aumento das distâncias diárias de locomoção)
e nos aspectos ambientais (poluição da água e do ar, ilhas de calor, mudança nos
regimes de precipitação, aumento de áreas alagáveis e alterações na incidência
de doenças e problemas de saúde associados). (Ojima, 2006:3)

Apesar de a discussão do tema expansão urbana ser antiga, o que se observa


atualmente é uma redução do aporte de pessoas às cidades (migrantes e imi-
grantes), que é substituído por uma acomodação da própria população urba-
na em sua malha, o que pode ser caracterizado como uma migração
intraurbana, que tem modificado a estrutura especial das cidades de forma
significativa (Ojima, 2006).
O espaço urbano é uma combinação de elementos ambientais e estrutu-
rais (rede viária, infraestrutura, equipamentos, serviço etc.), que afetam o seu
desempenho sociológico. Esse espaço urbano, ou, melhor ainda, a cidade
como arquitetura, é composta por formas (cheios: os prédios, os volumes etc.)
e espaços (os vazios: as ruas, as praças, as áreas verdes, as descontinuidades
etc.), que não podem ser vistos ou analisados individualmente, pois são inter-
dependentes e se afetam mutuamente. Alguns conflitos ambientais urbanos
estão ligados a uma parcela da população que passa a considerar o meio natu-
ral como essencial para qualidade de vida, ou quando as ocupações, mesmo
que irregulares, oferecem riscos ao meio ambiente (Ojima, 2006).
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 23

A primeira situação está, normalmente, ligada à população de mais alta


renda, que tendo capacidade de suprir suas necessidades materiais, passa a
buscar qualidade de vida, que eles associam à presença de áreas naturais ou
áreas construídas para dar acesso ao verde. A segunda situação, normalmen-
te, está ligada à população de baixa renda, que por não conseguir pagar os
custos do espaço legal urbano, acaba por ocupar espaços disponíveis ou
vazios próximos à ele, comumente caracterizadas como encostas, margens de
rios, áreas de proteção ambiental, entre outras.
O processo de globalização afeta muito mais do que apenas a economia,
mas a forma de consumo de populações distantes, despertando necessida-
des, antes desconhecidas, que fazem com que as pessoas busquem as cidades
para suprir essas necessidades, ou modifiquem o espaço urbano para tentar
adequá-lo às tais necessidades (Ojima 2006). No meio urbano isso afeta desde
a sua estruturação até modificações de usos desse espaço.
A dispersão urbana brasileira passa por uma segunda etapa. A primeira
foi caracterizada pela periferização e favelização, isto é, populações de baixa
renda em busca de acesso ao espaço urbano. Neste segundo momento, há
ocupações de áreas cada vez maiores, mas por uma população menor. A ex-
pansão da malha urbana tem-se dado por população de média e alta renda
em busca de qualidade de vida, que se traduz em grandes terrenos em ocupa-
ções horizontais (eventualmente verticalizadas) cercadas e que suprem, em
alguma medida, as necessidades básicas dessas populações.
Essas ocupações, conhecidas como condomínios fechados, têm se di-
fundido pelo Brasil. Como se localizam distantes do centro aumenta-se a de-
pendência de veículos automotores, sejam privados ou públicos, para o
deslocamento casa-trabalho-casa. Isso acarreta a cada ano um número maior
de veículos automotores nas vias urbanas, o que aumenta a dificuldade de
deslocamento, formação de engarrafamentos e aumento da poluição
atmosférica.
Esses condomínios também favorecem o processo de segregação socio-
espacial, pois intencionam isolar-se do “caos” urbano, mantendo os proble-
mas, e dentre eles a população pobre afastada.
Para Costa & Silva (2007), a ocupação urbana dispersa, típica da urbani-
zação brasileira, pode ser bem caracterizada por meio de geoprocessamento,
principalmente pela utilização de imagens de satélite, com as quais se pode-
ria acompanhar tal crescimento.
De acordo com Ojima (2006) analisar a dispersão urbana apenas como
causa ou condições seria equivocado, pois essa dispersão é mais um processo
de fundo social do que a simples ocupação do espaço. O autor separa esses
processos, e considera que eles atuam individualmente para a composição do
espaço urbano, quando o melhor seria analisar as consequências da depen-
dência entre eles. Assim, a dispersão não faz sentido sem uma análise compa-
rativa de suas consequências.
24 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Entre as principais consequências apontadas pelo autor, encontram-se:

— Maiores distâncias para a cobertura dos serviços públicos (segurança,


educação, saúde etc.);
— Agravamento dos conflitos sociais devido ao aumento da segregação
socioespacial;
— Maior consumo de recursos naturais (água, energia elétrica e combustí-
veis fósseis);
— Aumento da poluição atmosférica;
— Crescimento da demanda por transporte automotivo individual;
— Congestionamentos e maior consumo do tempo médio das viagens
diárias;
— Maior incidência de alguns problemas de saúde e causas de óbito (obe-
sidade, acidentes de trânsito, problemas respiratórios, enfermidades ti-
picamente rurais, etc.).

O grau de urbanização, entendido como o percentual de população urbana


em relação ao total da população, tem aumentado a cada ano. Deve-se ressal-
tar que o conceito de área urbana, no Brasil, é definido legalmente, o que, por
vezes, pode não representar a realidade.
Apesar dessa limitação, os levantamentos oficiais são baseados nesse
preceito, assim, os dados apresentados aqui seguem a mesma linha. O Gráfi-
co 1 ilustra a relação entre a população urbana, população rural e grau de ur-
banização. Como comentado, pode-se notar que a cada levantamento
censitário, o número de pessoas que vivem em área urbana aumenta, bem
como o grau de urbanização. Nota-se também que há um declínio no número
de população rural. Nesta pesquisa não será feita discussão a respeito desse
acréscimo ou declínio, mas foi analisada características da ocupação do
espaço.
Para Ojima (2006), uma das formas de analisar a dispersão urbana é
por meio do movimento pendular, entendido por ele como o deslocamento
da população em função de estudo ou trabalho para outro município. Ape-
sar de ser um indicador interessante, ele apenas mostra a mobilidade entre
municípios, e não pode ser considerado para análise da dispersão intraur-
bana. O autor mostra que a densidade urbana pode retratar a ocupação do
espaço, mas essa informação é estática, e não considera o deslocamento da
população dentro da área urbana, nem mesmo entre municípios como apre-
sentado por ele.
A análise urbana deve considerar a cidade como um sistema, não ape-
nas como partes únicas (formadas unicamente pela mancha urbana) ou par-
tes separadas (diversos núcleos urbanos separados). Deve-se considerar,
sempre que possível, as diferenças existentes entre as partes da cidade, falar
de dispersão urbana e analisar relações entre municípios torna o trabalho
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 25

Figura 2.1 Grau de Urbanização, População Urbana e População Rural entre 1940 e 2005
Fonte: Adaptado de OJIMA, 2006; IBGE, 2007.

superficial e que não aborda o conceito de dispersão, principalmente quando


se trata de sistemas complexos com o Distrito Federal.
Villaça (2001:20) explica que “ou se estuda o arranjo interno dos espaços
urbanos, ou se estuda o arranjo interno dos espaços regionais, nacionais ou
planetários.” Nos estudos brasileiros mais recentes há forte tendência para
estudos regionais, que consideram a unidade metropolitana como ponto de
análise. O estudo sobre o espaço urbano, no que diz respeito à dispersão tem
sido pouco desenvolvido.
Para Villaça (2001) a produção do espaço urbano só pode ser entendida
a partir da localização dos elementos nesse espaço, e que essa localização está
associada ao espaço intraurbano como um todo, uma vez que “refere-se à re-
lações entre um determinado ponto o território urbano e todos os demais.”
(Villaça, 2001:24)
A compreensão do comportamento espacial da população, como ela
distribui-se no espaço urbano e como o configura são importantes para se
compreender custos de deslocamento ou de instalação e manutenção dos vá-
rios tipos de infraestrutura. Bertaud & Malpezzi (1999; 2003) propuseram
uma forma de mensurar a distribuição espacial da população mediante o
Índice de Dispersão. Esse índice indica o quanto a área urbana é dispersa. Ba-
seia-se nas distâncias dos setores urbanos e de sua respectiva população ao
CCS. Com isso, revela-se como a população ocupa o espaço e quão distante
ela está do CCS, onde, normalmente, concentram-se empregos, serviços e cir-
culação de pessoas e mercadorias.
26 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Bertaud & Malpezzi (2003) calcularam a dispersão para 50 áreas urba-


nas, entre cidades e regiões metropolitanas. Apesar do cálculo comparativo,
os resultados não permitem uma análise fácil da dispersão entre as cidades
analisadas.
No estudo desses autores as 50 cidades foram escolhidas em todo o
mundo, em países ricos e pobres, com economias de mercado e com economi-
as em transição para economias de mercado. Os autores procuraram mensu-
rar a forma das cidades a partir de modelos simples e mostrar que esses
podem ser um caminho útil para caracterizar as cidades.
Eles mostraram que as várias chaves de predição, chamadas por eles de
modelos urbanos padrão, são confirmadas: cidades descentralizadas são
moldadas de acordo com o crescimento de sua população (este está relaciona-
do com o crescimento vegetativo e com as migrações inter e interurbanas); a
renda melhora (considerando a formação de novos centros e da maior oferta
de empregos); e o custo com transportes diminui (uma vez que a população
encontra-se mais próxima aos novos centros, o deslocamento é reduzido).
Não se deve confundir cidades descentralizadas com cidades dispersas.
No primeiro caso as cidades são policêntricas, o que permite a geração de em-
prego e atração populacional em diferentes pontos da área urbana. Nas cida-
des dispersas a população está localizada distante do CCS, principalmente
em função dos altos custos de moradia próxima a ele. Com isso há aumento
do custo com transporte, e comumente a renda diminui com o aumento da
distância ao CCS. Os autores também mostram que esse é o caminho para o
mercado imobiliário legal e ilegal, de forma que a organização e a legislação
têm profundos efeitos na forma urbana, com implicações diretas quanto ao
valor do solo urbano e no sistema de transportes.
A forma da cidade é determinada por fatores ambientais, econômicos,
ideológicos, políticos (mercado imobiliário, relevo, pedologia, geologia, cli-
ma, distribuição de renda, legislação, impostos). Analisar a cidade como sim-
ples resultado de políticas urbanas, que definem áreas permissíveis e
impeditivas de crescimento e ocupação, é realizar leitura pobre. Esse tipo de
análise gera a falsa impressão de que as políticas urbanas controlam a forma
da cidade, e durante muito tempo se acreditou nisso, haja vista os Planos Na-
cionais de Desenvolvimento (PND) e, dentro desses, os documentos desen-
volvidos pelos Conselhos Nacionais de Desenvolvimento Urbano (CNDU),
das décadas de 1970 e 1980. As políticas urbanas induzem o crescimento e a
forma da cidade, mas respondem por sua vez a diferentes determinações am-
bientais e antrópicas.
Em países em desenvolvimento, com processo de industrialização e ur-
banização recentes, como é comum na América Latina, verifica-se que a legis-
lação urbana tem pouca influência no real controle da forma da cidade. Quase
sempre esse controle se dá por razões políticas. No Brasil, principalmente
após meados da década de 1960, quando ocorreu a inversão da forma de
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 27

distribuição da população no território, o país passou a ter mais pessoas em


áreas urbanas (Gráfico 1), e com isso teve início processo intenso de faveliza-
ção, a forma da cidade passou a ser moldada pelas ocupações irregulares pe-
riféricas, comumente em áreas de risco ou de restrição ambiental.
À medida que a cidade se expande a população pobre, quando expulsa
do local onde previamente estava instalada, geralmente na forma de invasão,
pela força do mercado imobiliário ou por pressões políticas, desloca-se e pas-
sa a ocupar áreas mais distantes, mais periféricas. Com isso, as cidades pas-
sam a desenvolver uma forma espraiada, dispersa, ocupando grandes áreas e
encarecendo o custo de manutenção e gerência urbana.
Outro aspecto comum nas cidades brasileiras, até o momento, é que a le-
gislação urbana e ambiental, muitas vezes teórica e tecnicamente eficiente e
moderna, tem pouca aplicabilidade, pois comumente não refletem ou não es-
tão aptas a tratar da realidade urbana localizada.
A forte demanda por habitação, principalmente para classes de baixa e
média renda, faz com que as primeiras ocupem áreas restritivas de forma ile-
gal, e que a segunda busque, muitas vezes de forma ilegal, constituir ocupa-
ções periféricas conhecidas como condomínios fechados. O poder público,
apesar da legislação vigente, pouco faz, devido à ineficiência em suprir a de-
manda por habitações legais, à precariedade da fiscalização e por simples co-
nivência: ao não atender a demanda e ao verificar que o mercado formal
tampouco o faz, prefere deixar o campo livre para as ações ilegais no espaço
urbano.1
Assim, a cidade vai crescendo e as demandas por espaços urbanizados
também. O desenvolvimento de Planos Diretores tem ajudado a melhorar, or-
ganizar e direcionar o crescimento urbano em algumas situações, mas ainda
está longe de ter grande eficiência.
O Índice de Dispersão Urbana, proposto por Bertaud & Malpezzi
(1999), é um índice de base demográfica para a análise urbana, tem por intuito
relacionar, em função da população total, o número de habitantes por setor
urbano à distância daqueles setores ao CCS. A partir desse índice é possível
analisar o custo urbano, relacionando, entre outras coisas, custo de viagem
casa-trabalho-casa.

O Cálculo do Índice de Dispersão

O conhecimento sobre o espaço urbano é fundamental para o seu planeja-


mento e gestão, e dentro desse processo entender como esse espaço se com-
porta em relação à população, e vice-versa, é de suma importância na

1 Magalhães oferece dados impressionantes: no Município do Rio de Janeiro, entre 1982 e


1998, a porcentagem da produção de domicílios irregulares passou de 60% para 80%, e
isto parece ser uma característica da cidade brasileira em geral (Magalhães, 2007).
28 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

elaboração e aplicação de políticas e instrumentos políticos mais condizentes


com a realidade local. Dessa forma, a teoria de dispersão urbana permite um
melhor entendimento sobre a forma urbana e as relações entre ela e as
pessoas.
O cálculo de Bertaud & Malpezzi (2003) para o Índice de Dispersão é in-
teressante, pois ilustra como a cidade ocupa o espaço, permite fazer conside-
rações a respeito de custos de deslocamento, implementação de
infra-estrutura, urbanização. Todavia, sem saber de antemão qual o intervalo
de variação possível, é difícil fazer análises comparativas e ter leitura mais fá-
cil da posição de uma determinada cidade, quanto à dispersão, no âmbito da
amostra.
Assim, utiliza-se uma transformação linear que transpõem os números
absolutos em relativos, representada pela Equação 1.

a( x + 1) 2( y - b)
y= + bÞ x = -1
2 a

Para atualizar os dados referentes ao Brasil, utiliza-se o censo de 2000


(IBGE, 2002) (os cálculos efetuados por Bertaud & Malpezzi (2003) foram fei-
tos com dados de 1991). Além de atualizar os dados para cidades brasileiras
calculados por eles (Distrito Federal, Rio de Janeiro e Curitiba), foram incluí-
dos dados de mais 10 capitais: Belém, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre,
Florianópolis, Salvador, Natal, Fortaleza, João Pessoa e São Paulo, totalizan-
do 60 centros urbanos.
O cálculo do índice de dispersão efetuado para as 13 cidades brasileiras
é feito a partir da Equação 6, adaptada por Holanda (2003), apenas para maior
clareza (ela não muda os resultados), a partir da equação proposta por Berta-
ud & Malpezzi (1999; 2003):

åd p
i
i i
r=
PC

onde r é o índice de dispersão, d é a distância do centróide de cada setor urba-


no ao CCS, p é a população de cada setor urbano, P é a população urbana total,
e C é a média dos pontos de um círculo de área equivalente à da cidade anali-
sada ao seu centro (que é igual a 2/3 do raio desse círculo, valor obtido por
meio de cálculo integral). (Holanda, 2003:50)
O CCS, para o Distrito Federal, é definido como o encontro do Eixo Ro-
doviário com o Eixo Monumental, aonde se localiza a Rodoviária do Plano Pi-
loto de Brasília. Esse ponto é escolhido por ser grande concentrador de
pessoas e por ser ponto de convergência da maioria das linhas de ônibus do
Distrito Federal, dessa forma, pode ser considerado como um ponto central
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 29

funcional para a capital. Em torno dele localizam-se cerca de 82% dos empre-
gos formais do Distrito Federal, segundo o Ministério do Trabalho. O CCS
para as demais 13 capitais é definido de acordo com critérios do IBGE para lo-
calização da sede municipal, para o qual se utiliza o centro histórico como
referência.
Após a atualização e cálculo do Índice de Dispersão para as 13 cidades
brasileiras, normalizou-se os dados das 60 cidades. Assim, foi obtido o Índice
de Dispersão Normalizado.

Resultados e Discussões

Definição de tons utilizada na figura 2.2 segue a classificação de regiões do


mundo da UNESCO.
Verifica-se, a partir da normalização das 60 cidades, que não há um
agrupamento significativo das cidades de um único país ou região geográfi-
ca. A partir da coluna de regiões pode-se notar que as cidades mais compactas
(entre 0,5 e 1,0) são encontradas na América do Norte, Ásia, e Europa. Nos
países da América Latina e Caribe e África há maior ocorrência de cidades
dispersas (0,5 a -1,0) (Quadro 11). Essa distribuição é reflexo do processo his-
tórico-cultural de formação dessas cidades em suas respectivas regiões no
mundo. Em relação ao Brasil, das treze cidades analisadas apenas duas apre-
sentaram valores negativos (mais dispersas). Isto se deu provavelmente em
função do processo histórico e social de formação dessas cidades, bem como
por sua evolução, devido a características intrínsecas de cada região. Além
disso, os limites utilizados afetaram o resultado.
A atualização dos dados de Brasília, Rio de Janeiro e Curitiba, que utili-
za os setores censitários do censo de 2000 (IBGE, 2002), mostra uma discre-
pância nos valores encontrados por Bertaud & Malpezzi (2003), com redução
desses valores, principalmente para Brasília. O resultado obtido por aqueles
autores mostra a Capital como a cidade mais dispersa dentre as analisadas.
Com a utilização de dados mais precisos (setores censitários), Brasília apre-
senta-se como a segunda cidade mais dispersa, reduzindo o valor de 3,26 (pri-
meiro cálculo efetuado por Bertaud & Malpezzi em 2003) para 2,62 (segundo
cálculo, realizado neste trabalho), uma redução de 19,63%.
A figura 2.3 mostra a relação entre o Índice de Dispersão Normalizado e
a população urbana de cada cidade. Pode-se verificar a tendência da maioria
das cidades analisadas para compacidade. Esta figura mostra que o grau de
compacidade não tem correlação direta com o tamanho da população, uma
vez que a distribuição mostra-se aleatória, com um coeficiente de correlação
de Pearson (r) igual a 0,007 e o seu respectivo coeficiente de determinação (r2)
é 0,00005, o que indica que essas variáveis não se influenciam. Outros fatores
podem estar relacionados à dispersão, tais como fatores culturais, históricos,
ambientais, etc.
30 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 2.2 Identificação de região do mundo, segundo classificação da UNESCO


Fonte: Adaptado de MEDEIROS, 2006.

Quadro 2.1 Percentual de cidades por região em função do Índice de Dispersão Normalizado (IDN)

IDN -1,0 a -0,5 -0,5 a 0,0 0,0 a 0,5 0,5 a 1,0


Regiões
América Latina e Caribe 7,14% 7,14% 64,29% 21,43%
América do Norte 0,00% 0,00% 18,18% 81,82%
Europa 0,00% 0,00% 6,25% 93,75%
Países Árabes 0,00% 0,00% 50,00% 50,00%
África 0,00% 33,33% 66,67% 0,00%
Ásia e Pacífico 7,14% 7,14% 7,14% 78,57%

Têm-se cidades com número de habitantes muito próximos, mas


com índices de dispersão muito diferentes, como, por exemplo, a cidade
de Shanghai, na China, que apresenta índice de dispersão normalizado
igual a 1,0, e pode ser considerada a mais compacta dentre as cidades
analisadas, com uma população de aproximadamente 11.000.000 de pes-
soas (Bertaud & Malpezzi, 2003). Por outro lado tem-se a cidade de Bom-
bay, na Índia, com índice de dispersão normalizado igual a -1,0, e pode
ser considerada a mais dispersas dentre as cidades analisadas, com uma
população de aproximadamente 10.000.000 de pessoas (Bertaud & Mal-
pezzi, 2003).
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 31

Figura 2.3 Relação entre o Índice de Dispersão Normalizado e a População em Área Urbana.
Verifica-se que não há um comportamento homogêneo para os dados, nem a formação
de agrupamentos

A figura 2.4 mostra a relação entre o Índice Dispersão Normalizado e


a área urbana construída. Verifica-se, da mesma forma como ocorre na fi-
gura 2.4, não é possível identificar tendências ou agrupamentos, apesar de
ter apresentado uma correlação positiva, esta é muito baixa para expressar
de fato alguma relação entre estas variáveis (r = 0,131). O coeficiente de de-
terminação também se mostra muito pequeno (r2 = 0,017), o que indica,
com anteriormente, que essas variáveis não se influenciam. A maioria das
cidades apresenta alta compacidade, não importando o tamanho de sua
área urbana.
A maioria das cidades brasileiras encontra-se numa faixa intermediária
da normalização, mas com tendência para maior compacidade. Três cidades
apresentaram valores iguais ou menores que 0,00: Belém (0,00), Belo Hori-
zonte (-0,24) e Distrito Federal (-0,60).
32 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 2.4 Relação entre o Índice de Dispersão Normalizado e a área urbana construída.
Verifica-se que não há um comportamento homogêneo para os dados, nem a formação
de agrupamentos

As Capitais Brasileiras Analisadas

As 13 capitais brasileiras analisadas apresentam comportamento heterogê-


neo, o que impossibilita seu agrupamento. Esse fato deve-se provavelmente à
época de sua fundação, história de formação, evolução de cada centro, aspec-
tos ambientais e físicos do local de instalação dessas cidades, enfim, esse fato
possivelmente deve-se à situação de formação específica de cada centro, sen-
do uns com quase 500 anos, outros com menos de 80 anos.
Na maioria das cidades prevalece a redução da população em função da
distância ao CCS, comportamento semelhante ao encontrado para a maioria
dos centros mundiais analisados por Bertaud & Malpezzi (2003). Pode-se ob-
servar pelo Gráfico 5a a n que na maioria das capitais há maior densidade po-
pulacional próxima ao CCS. Acidade de Salvador apresenta a maior densidade
populacional (219,36 hab/ha) a 3 km do seu CCS, e para a cidade de Florianópo-
lis a sua maior densidade populacional (23,33 hab/ha), também a 3 km do seu
CCS, foi o menor resultado encontrado para as cidades analisadas.
Apenas Brasília apresenta comportamento inverso, a população au-
menta à medida que a distância do CCS aumenta. Isto se deve às políticas pú-
blicas perversas, que em nome da preservação do projeto do Plano Piloto,
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 33

acabam por fomentar a ocupação de espaços vazios periféricos, o que favore-


ce uma ocupação fragmentada do espaço, e causa uma rede urbana descone-
xa. Como resultado geram-se forte segregação espacial e exclusão social: as
áreas com famílias de menor poder aquisitivo localizam-se distantes do Pla-
no Piloto, pois quanto mais próximo dele, mais caro é o custo de vida. Este
comportamento inverso propicia maior número de pessoas distantes do CCS,
consequentemente, longe do mercado principal de empregos, o que implica
alto custo de transporte na cidade.
A figura 2.6 a a n apresenta a representação espacial da dispersão espa-
cial para as capitais brasileiras analisadas. Como pode ser visto, há alta con-
centração populacional próxima ao CCS (com exceção ao Distrito Federal
onde a concentração de pessoas encontra-se distante de seu CCS), que se re-
duz à medida que essa distância aumenta. As capitais apresentam um de-
senvolvimento espraiado, com ocupações populacionais distantes do CCS.
As figuras de dispersão mostram que algumas capitais são policêntricas.
Apesar de possuírem um CCS bem definido, possuem outros centros de ne-
gócios de grande relevância, o que os tornam pólos atratores de pessoas, co-
mércio e serviço.
O espraiamento dessas cidades influencia diretamente no custo de
transporte urbano. Quanto mais distantes do CCS maior é o gasto da popula-
ção para deslocar-se, bem como aumenta também o gasto público, a imple-
mentação de infraestrutura básica torna-se mais onerosa, pois há uma
distância maior a ser coberta para gerar-se uma interligação com as redes
preexistentes.
O aumento do custo de transporte pode ser verificado pelo Índice de
Passageiros por Quilômetro (IPK), que, em linhas gerais, indica a média de
passageiros transportados por quilômetro de linha de ônibus. Quanto menor
o IPK mais caro se torna o transporte, o que pode indicar distâncias longas a
serem percorridas com baixa quantidade de passageiros. No caso de Brasília,
cidade com menor IPK (figura 2.7), comumente não há troca de passageiros
durante o percurso. A maioria entra nos pontos iniciais e desloca-se até o pon-
to final, a rodoviária do Plano Piloto. Segundo dados da Pesquisa Domiciliar
de Transporte de 2000, cerca de 44,92% dos empregos do Distrito Federal en-
contram-se no Plano Piloto, sendo que menos de 10% da população do DF ha-
bita nesta localidade (codeplan, 2003).
A correlação entre o índice de dispersão normalizado e o IPK para as
13 capitais analisadas apresenta um resultado significativamente positivo,
0,57. O resultado mostra que os dois índices têm uma relação direta forte:
quanto maior a dispersão (menor o valor normalizado), menor a quantidade
de passageiros por quilômetro percorrido. Isto corrobora a afirmação de que
quanto maior a dispersão urbana, maior será o custo com transporte, uma vez
que se tem o deslocamento por maiores distâncias custeado por uma quanti-
dade menor de passageiros.
34 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Região Centro Oeste Região Norte

a) b)

c) d)

Região Nordeste

e) f)

g)
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 35

Região Sudoeste

h) i)

j)

Região Sul

l) m)

n)

Figura 2.5 Comparação da densidade populacional em urbanas construídas em relação


ao afastamento do CCS, para as capitais brasileiras analisadas
36 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Região Centro Oeste Região Norte

a) Distrito Federal b) Belém

Região Nordeste
c) Natal
c) Fortaleza

e) Recife f) Salvador

g) João Pessoa
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 37

Região Sudoeste

h) Belo Horizonte i) Rio de Janeiro

j) São Paulo

Região Sul

l) Curitiba m) Florianópolis

n) Porto Alegre

Figura 2.6 Ilustração tridimensional da dispersão urbana para as 13 capitais brasileiras analisadas
38 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 2.7 Variação do IPK para as 13 capitais brasileiras


Para João Pessoa, dado de outubro de 2003; para o Distrito Federal, Natal, Belo Horizonte e Florianópolis, dado de
outubro de 2002; para o Rio de Janeiro, dado de outubro de 2001; para as demais localidades, dados de outubro de
2000. (http://ntu.org.br/banco/estatisticas, 2006).

Essa grande dispersão na ocupação do espaço da capital brasileira refle-


tiu e reflete diretamente nas condições de ocupação de sua população. Como
o centro da capital, o Plano Piloto, ainda é visto como melhor local para mora-
dia, tanto pela qualidade urbana bem como pela proximidade dos empregos,
o custo de moradia nesse local torna-se muito alto. Assim, a população com
menor renda passa a ocupar as cidades periféricas, por muito tempo conheci-
das como cidades-satélites. Algumas dessas cidades adquiriram grande sta-
tus, devido à qualidade urbana, isto força, novamente, a população que não
tem condição de custear sua vida nesses locais a procurar áreas cada vez mais
distantes e com menor qualidade urbana e ambiental.

Considerações finais

Agir sistemática e rigorosamente sobre o espaço urbano implica o desen-


volvimento, utilização e explicitação de conhecimento qualitativo e quan-
titativo sobre ele — sem estes, as políticas de intervenção continuarão uma
“caixa-preta”, avessa a uma gestão mais democrática de cidade. Uma das
principais formas de compreensão e análise da cidade é por meio de índi-
ces espaciais, que revelam a espacialização de diversas questões ou
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 39

problemas urbanos, além de revelarem relações, diferenciações, hierar-


quias, entre áreas vizinhas, essenciais para compreender o contexto urba-
no maior.
Os dados gerados a partir do cálculo da dispersão urbana mostraram-se
interessantes ao posicionarem as cidades de acordo com sua estruturação e
ocupação espacial. Como o conjunto utilizado apresenta cidades com valores
extremos (Xangai, 0,78 e Bombaim, 3,08), a escala linear usada para normali-
zação dos dados sofre forte influência desses extremos. Uma possibilidade
para trabalhos futuros seria a utilização de escalas logarítmicas que além de
linearizar os dados tenderiam a posicioná-los a distâncias mais constantes, o
que poderia melhorar a distribuição dos valores dentro da escala. De qual-
quer forma, deve-se avaliar as limitações e distorções desse método a fim de
que sua aplicação seja validada.
A mensuração de características da cidade não deve ser encarada com
um processo cansativo, irreal e que só tem interesse para estatísticos. Deve-se
buscar mudar essa mentalidade, de forma que os estudiosos, planejadores e
gestores urbanos tenham nesse ferramental um auxílio na tomada de deci-
sões. Como já dito, o conhecimento da espacialização de problemas urbanos é
essencial para o direcionamento correto de diversos tipos de provimentos e
para uma gestão mais eficiente e que venha a atender, de fato, as demandas
prioritárias da população.
O método aqui proposto permite maior transparência às ações governa-
mentais e o acompanhamento das transformações causadas por essas ações.
Isso torna o processo de gestão urbana mais democrática, uma vez que possi-
bilita que a população possa participar e ter acesso às informações. Com o de-
senvolvimento tecnológico, os SIG tornam-se mais acessíveis, com o uso cada
vez mais disseminado da internet, os webgis ou SIG interativos on-line, po-
dem tornar-se ferramentas poderosas de disseminação e acompanhamento
das ações dos governos.
Assim, a depender das condições políticas, a população pode ser mais
facilmente incluída no processo de tomada de decisões a respeito do espaço
onde vive. Seria possível ter-se uma posição da comunidade sobre as priori-
dades para a resolução dos problemas, escolhendo, p.ex., entre as alternati-
vas: investir mais em educação, saneamento ou arborização urbana para
reduzir o desconforto térmico? Melhorar o transporte público para minorar
os efeitos de distância ao trabalho? Criar empregos no local (por estranho que
pareça, algumas comunidades preferem viver em vizinhanças exclusivamen-
te residenciais, como é o caso dos habitantes do Lago Sul e Lago Norte)? Essas
nuances poderiam ser identificadas com maior clareza e o atendimento à po-
pulação seria mais pontual e efetivo.
40 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Referências bibliográficas

Bertaud, A. & Malpezzi, S. (1999), The Spatial Distribution of Population in 35 World


Cities: The Role of Markets, Planning and Topography, Madison, Wisconsin,
EUA, disponível em: ttp://www.bus.wisc.edu/realestate/pdf/pdf/
Bertaud%20and%20Malpezzi%20Part%20One.pdf. Acesso em: 27/09/2003.
Bertaud, A. & Malpezzi, S. (2003), The Spatial Distribution of Population in 48 World
Cities: Implications for Economies in Transition, Madison, Wisconsin, EUA,
disponível em:
http://www.bus.wisc.edu/realestate/pdf/pdf/Complete%20Spatial%20Distrib
ution%20of%20Population%20in%2050%20World%20Ci.pdf. Acessado em:
25/04/2004.
Clark, David (1985), Introdução à Geografia Urbana, São Paulo, Difel-Difusão Editorial.
Costa, S. M. F & Silva, D. C. (2007), “Caracterização da Dispersão Residencial
(Urban Sprawl) Utilizando Geotecnologias”, in “XIII Simpósio Brasileiro de
Sensoriamento Remoto”, Anais, Florianópolis, Brasil, 21-26.
Genovez, P. C (2002), Território e Desigualdades: Análise Espacial Intraurbana no
Estudo da Dinâmica de Exclusão/Inclusão Social no Espaço Urbano em São José dos
Campos — SP, Dissertação de Mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, INPE, São José dos Campos, SP. Disponível em:
http://www.dpi.inpe.br/teses/genovez.htm. Acesso em: 20/10/2003.
Genovez, P. C., Caetano, N. R. & Estrada, R. D. (2000), Análise Espacial e Estatística
da Metodologia de Construção do Índice de Exclusão/Inclusão Social: Relativo à
Área Urbana de São José dos Campos — SP (Censo IBGE 1991), São José dos
Campos, SP, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE. Disponível em
http://www.dpi.inpe.br/geopro/exclusao. Acesso em: 20/10/2003.
Hasse, J. & Lathrop, R. G. (2003), “A Housing-Unit-Level Approach to
Characterizing Residential Sprawl. Photogrammetric Engineering and
Remote Sensing”, V.69, n. 9, p.1021 — 1030 in Costa, S. M. F & Silva, D. C.,
“Caracterização da Dispersão Residencial (Urban Sprawl) Utilizando
Geotecnologias”, in “XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto”,
Anais, Florianópolis, Brasil, 21-26 abril 2007.
Hillier, B. & Hanson, J. (1984), “The Social Logic of Space, Cambridge: Cambridge
University Press”, in Holanda, F., O Espaço de Exceção, Brasília, DF, Editora
Universidade de Brasília, 2002.
Hillier, B. et al. (1993), “Natural movement: or, configuration and attraction in
urban pedestrian movement, Environment and Planning B”: London,
England, Planning and Design, vol. 20, pp. 29-66.
Holanda, F. (Org.) (2003), “Uma Ponte Para a Urbanidade”, in Arquitetura &
Urbanidade, São Paulo, SP, ProEditores Associados Ltda, 2003.
Holanda, F. et al. (2001), “Eccentric Brasilia”, in Space Syntax — III International
Symposium — Proceedings, A. Alfred Taubman College of Architecture and
Urban Planning, University of Michigan, Ann Arbor, pp. 531-538.
URBAN DISPERSION AND POVERTY IN THE BRAZILIAN METROPOLITAN AREAS 41

Holanda, F. (2002), O Espaço de Exceção, Brasília, DF, Editora Universidade


de Brasília.
Jenks, M. & Burgess, R. (2000), Compact Cities: Sustainable Urban Forms for
Developing Countries, London, England, Spon Press.
Koga, D. (2003), Medida das Cidades Entre Territórios de Vida e Territórios Vividos, São
Paulo, SP, Cortez.
Ojima, R. (2006), A Produção e o Consumo do Espaço nas Aglomerações Urbanas
Brasileiras: Desafios para uma Urbanização Sustentável, Caxambú, MG, ABEP,
Anais, XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Disponível em:
http://www.nepo.unicamp.br/vulnerabilidade/?navega=producoes&codigo=6
3. Acessado em: 19/10/2007.
Ojima, R. (2007), Análise comparativa da dispersão urbana nas aglomerações urbanas
brasileiras: elementos teóricos e metodológicos para o planejamento urbano e
ambiental, Campinas, SP, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de
Campinas, UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Disponível
em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000415361. Acessado em:
02/01/2008.
Ribeiro, R. J. C., Holanda, F. R. B (2005), Urban Morphology and Thermal Comfort in
the Cities, Delft, Holland, Proceedings, 5th International Space Syntax
Symposium, pp. 355-363, 13-17.
Ribeiro, R. J. C. (2003), Geotecnologia em Apoio à Aplicação de Instrumentos de Política
Urbana, Brasília, DF, Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação.
Ribeiro, R. J. C. , Holanda, F. R. B., Romero, M. A. B., Baptista, G. M. M., Bias, E. S.
(2005), “O Perfil Urbano e o Comportamento Socioeconômico no DF”, in
“Congresso Internacional em Planejamento e Gestão Ambiental”, Brasília,
DF, Anais, CD-ROM.
Sposati, A. (2002), “Cidade, Território, Exclusão/Inclusão Social”, Congresso
Internacional de Geoinformação — GeoBrasil, 2000 a. in Genovez, P. C,
Território e Desigualdades: Análise Espacial Intraurbana no Estudo da Dinâmica de
Exclusão/Inclusão Social no Espaço Urbano em São José dos Campos — SP,
Dissertação de Mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE,
São José dos Campos, SP, disponível em:
http://www.dpi.inpe.br/teses/genovez.htm. Acesso em: 20/10/2003.
Sposati, A. (2000), “Mapa da Exclusão/Inclusão Social da cidade de São Paulo:
dinâmica social dos anos 90”, São Paulo, SP, CDRom, 2000 b, in Genovez, P.
C, Território e Desigualdades: Análise Espacial Intraurbana no Estudo da Dinâmica
de Exclusão/Inclusão Social no Espaço Urbano em São José dos Campos — SP,
Dissertação de Mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE,
São José dos Campos, SP, 2002. Disponível em:
http://www.dpi.inpe.br/teses/geno
Capítulo 3

Processos e dinâmicas de (re)produção do espaço


(peri)urbano
O caso de Maputo1

Sílvia Jorge
Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (aivlisjorge@gmail.com)

Vanessa Melo
Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa
(vanessa.p.melo@gmail.com)

Resumo

A cidade de Maputo apresenta uma dicotomia ainda vincada entre o seu centro
e a sua periferia, não só no que se refere à capacidade económica e estilo de vida
dos seus residentes, como também em aspectos como: a qualidade e quantida-
de de infra-estruturas, de equipamentos básicos e de transportes públicos, a di-
versidade de usos do solo, principalmente no que se refere à oferta de serviços e
actividades económicas, e as características habitacionais. A separação só-
cio-espacial presente na estrutura actual do território urbano resulta de dife-
rentes processos e dinâmicas de intervenção, variando consoante os diferentes
contextos históricos que os enquadram. Neste artigo, propõe-se analisar os pro-
cessos e dinâmicas actuais de (re)produção do espaço (peri)urbano de Maputo,
centrando-se em duas áreas onde as intervenções urbanas têm sido mais signi-
ficativas: a área que envolve o centro urbanizado (área de transição do centro
para a periferia) e a área de expansão (próxima dos municípios limítrofes). Pro-
cura-se compreender de que forma estes processos e dinâmicas contribuem
para o (des)equilíbrio entre centro e periferia, bem como para fenómenos de se-
gregação e exclusão socio-espacial.

Introdução

A cidade de Maputo, com cerca de 308 km2, é composta por um centro urbani-
zado, que ocupa aproximadamente 8% do território, e por uma área, aqui glo-
balmente designada por peri-urbana, dependente deste núcleo central e
diferente do mesmo em aspectos como: a qualidade e quantidade de in-
fra-estruturas, de equipamentos básicos e de transportes públicos, a

1 O presente artigo não segue o novo acordo ortográfico

43
44 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

diversidade de usos do solo, principalmente de serviços e actividades econó-


micas, as características habitacionais, a capacidade económica e o estilo de
vida dos seus habitantes.
A actual estrutura territorial da cidade é reflexo de diferentes contextos
históricos, destacando-se: (1) o colonial, que esteve na génese da sua forma-
ção; (2) o pós-independência, de inspiração socialista; e (3) o neoliberal, após
a abertura à economia de mercado no final da década de 1980. Ao longo do
tempo, os processos e dinâmicas de intervenção urbana têm contribuído
para, ou sido incapazes de contrariar, a dualidade socio-espacial existente,
acentuada pela urbanização acelerada (que se inicia na década de 1950 e se in-
tensifica durante a guerra civil) e agravada no presente contexto de globaliza-
ção neoliberal, segundo autores como Jenkins e Wilkinson (2002) e Raposo
(2007).
Partindo de uma abordagem territorializada, o olhar centra-se sobre a
área peri-urbana, semi-urbanizada e nem sempre planeada e/ou legitimada
pelo poder público, alvo de fortes mudanças territoriais ao longo das últimas
duas décadas e onde se concentram os maiores problemas ao nível das condi-
ções de vida. As intervenções peri-urbanas mais significativas dão-se actual-
mente: na área que envolve o centro urbanizado (primeira cintura), em parte
devido à pressão imobiliária que este exerce sobre a mesma; e na área de ex-
pansão, que inclui os bairros limítrofes a norte e áreas contíguas do Municí-
pio da Matola e do Posto Administrativo de Marracuene-Sede. Com o
objectivo de procurar compreender que espaços são assim (re)produzidos e
de que forma estas intervenções contribuem ou não para fenómenos de segre-
gação/exclusão socio-espacial, tomam-se como casos de estudo quatro inter-
venções peri-urbanas paradigmáticas, em curso ou desenvolvidas
recentemente: na primeira cintura, Polana Caniço vs Sommerschield II, área
da Praça de Touros e Maxaquene A, Mafalala e Chamanculo C; e na área de
expansão, Zimpeto e Magoanine B e C.

A cidade de Maputo e os processos e dinâmicas de intervenção


peri-urbana actuais

Actualmente, o centro urbanizado de Maputo encontra-se circundado por


uma vasta área peri-urbana que, segundo Raposo e Salvador (2007, p.108), as-
sume uma “importância crescente na configuração do tecido urbano”, pela
sua densidade e extensão e, se por um lado invade partes do centro, por outro
vai-se urbanizando também. Contudo, a dualidade socio-espacial da cidade
permanece vincada e estas duas áreas correspondem ainda a “dois grandes
tipos de ocupação do solo, [a] duas formas de viver” (Henriques, 2008, p.159).
A área central é habitada maioritariamente por classes média e alta, com níve-
is de escolaridade mais elevados e um estilo de vida mais ocidentalizado. Os
cerca de 70% da população que habita a área peri-urbana (UN-HABITAT,
PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 45

cop. 2008, p.6-7) têm na sua maioria baixos recursos e níveis de escolaridade,
e o seu território e vivências quotidianas forjam-se na “interacção entre dois
mundos bipolares”: o urbano, resultante do modelo da cidade ocidental es-
pelhado no centro, e as referências rurais que marcam a estória dos seus mo-
radores (Raposo e Salvador, 2007, p.136).
Estas diferenças socio-económicas acompanham diferenças territoriais,
relacionadas com os distintos processos e dinâmicas de (re)produção do es-
paço (peri)urbano e com os contextos em que se desenvolveram e consolida-
ram. O centro urbanizado, de origem colonial, foi planeado pela
administração pública portuguesa. As suas características mantêm-se prati-
camente inalteradas, apresentando: uma malha regular, geralmente ortogo-
nal e composta por vias asfaltadas; um predomínio de edifícios habitacionais
infra-estruturados, plurifamiliares e, em menor número, unifamiliares (Hen-
riques, 2008, p.163); uma maior concentração de equipamentos de saúde e de
educação, de espaços de lazer e de áreas administrativas, comerciais e de ser-
viços, predominando as duas últimas nos bairros mais centrais, sujeitos a
uma verticalização nas décadas de 1960 e 1970.
Embora algumas destas características estejam presentes em certas
áreas da primeira cintura, esta apresenta uma configuração distinta do
centro. Na sua maioria, os bairros estruturam-se segundo uma malha or-
gânica densa, composta por ruas de terra batida, onde predominam habi-
tações unifamiliares, com níveis consideráveis de precariedade
construtiva e de saneamento, abastecimento de água e fornecimento de
electricidade, mas onde, segundo Henriques (2008, p.127), se encontra
uma percentagem significativa de áreas dedicadas a equipamentos, in-
fra-estruturas,2 serviços públicos e actividades económicas. Em parte, es-
tas características devem-se ao facto da primeira cintura, também de
origem colonial, ter sido ocupada pela população autóctone de forma não
planeada pelo poder público (exemplo de Mafalala e Chamanculo C, hoje
densamente ocupados), uma vez que o planeamento urbano durante este
período beneficiou essencialmente o centro, destinado à população colo-
na. A sua existência está contemplada pela legislação respeitante ao edifi-
cado pelo menos desde 1912 (Morais, 2001, p.149), mas é com o
crescimento acelerado da cidade, sem um desenvolvimento económico e
industrial compatível, que ela se expande e consolida. Após a independên-
cia do país, em 1975, vários factores continuam a contribuir para a crescen-
te atracção da população à capital, dos quais se destaca a guerra civil
(1976-1992). Alguns bairros da primeira cintura (exemplo de Polana Cani-
ço A), consolidam-se apenas durante este período e apresentam diferenças

2 A autora refere-se aqui a grandes infra-estruturas de: transportes, telecomunicações,


água e electricidade, drenagem, parques de estacionamento, áreas de circulação e rodo-
viárias (Henriques, 2008, p.111).
46 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

em relação aos anteriores: algumas habitações denotam maiores carências


infra-estruturais (Henriques, 2008, p.165) e surgem áreas de malha regu-
lar, associadas a acções pontuais de iniciativa estatal (reordenamento par-
ticipado, melhoramento de infra-estruturas, construção e fornecimento de
habitações e disponibilização de talhões3 para autoconstrução,4 entre ou-
tras) desenvolvidas após a integração da área peri-urbana nos limites da
cidade.
Alguns bairros da área de expansão também começam a ser ocupa-
dos na primeira década pós independência (exemplo do Zimpeto), mas é
entre 1991 e 2001 e após as cheias de 2000 (exemplo de Magoanine C), que
esta área denota maiores transformações do uso do solo (ibidem), impulsi-
onadas por reassentamentos efectuados. A transformação recente desta
área reflecte-se num território menos densamente ocupado, com maior
disponibilidade de espaço. Em relação à primeira cintura, a área de expan-
são apresenta ainda: (1) maior percentagem de malha regular, composta
por vias largas de terra batida ou de areia, nem sempre planeada pelo po-
der público; (2) menor percentagem de habitações construídas com mate-
riais precários e a existência de um número significativo de habitações que
denotam sinais exteriores de riqueza; (3) nível de infra-estruturação seme-
lhante; e (4) reduzido número de equipamentos, serviços públicos e activi-
dades económicas.
O crescimento da área de expansão surge em pleno novo ciclo político e
económico do país — em meados da década de 1980, dá-se a abertura à econo-
mia de mercado, a liberalização da actividade económica e o início do proces-
so de democratização e de descentralização do poder — responsável por
mudanças profundas ao nível dos processos e dinâmicas de intervenção no
território. Um dos factores que mais influenciou a forma de intervir no espaço
peri-urbano é a emergência de novos actores — agências internacionais e or-
ganizações da sociedade civil — envolvidos em projectos pontuais, como o
reassentamento das populações deslocadas pelas cheias de 2000 e a qualifica-
ção de bairros da primeira cintura. Outro factor prende-se com a decrescente
capacidade de intervenção do Estado, embora surjam situações de demarca-
ção e disponibilização de talhões, com ou sem infra-estruturas básicas, edifi-
cação e fornecimento de habitações, programas de fomento à autoconstrução
e ao crédito. Na década de 1990 inicia-se também a publicação de um pacote
legislativo com implicações ao nível da gestão e do ordenamento do território

3 O termo “talhão” em Moçambique utiliza-se ao nível do planeamento físico, em vez do


termo “lote” mais utilizado em Portugal.
4 As intervenções urbanas que se efectuam na primeira década pós independência não são
alheias ao facto de neste período Moçambique ter sido dirigido pela Frelimo, partido úni-
co de pendor socialista, responsável também pela nacionalização da terra, uma das prin-
cipais medidas tomadas ao nível da gestão e do ordenamento do território.
PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 47

— do qual se destaca a Lei dos Municípios (1994), a Lei de Terras (1997), o Re-
gulamento do Solo Urbano (2006) e a Lei do Ordenamento do Território
(2007) — que permitiu a elaboração e aprovação do Plano de Estrutura Urba-
na do Município de Maputo (PEUMM), em 2008, e dos Planos Parciais de
Urbanização de alguns bairros, como o Zimpeto e Magoanine B e C, em De-
zembro de 2010.
Na sequência destes acontecimentos e em pleno contexto neoliberal,
identificam-se actualmente diferentes paradigmas de intervenção no territó-
rio peri-urbano, em função dos interesses e percepções dos actores envolvi-
dos no processo de (re)produção do espaço:

— controle da expansão territorial não controlada pelo poder público, através da


publicação do recente pacote legislativo, embora continuem a ser escas-
sos os instrumentos de gestão territorial e ainda se revelem incapazes de
romper com as práticas quotidianas (Tique et al, 2011);
— renovação urbana, através da demolição do existente, geralmente em áre-
as da primeira cintura, sujeitas a uma forte pressão imobiliária e ao inte-
resse do investimento privado (Polana Caniço A vs Sommerschield II,
área da Praça de Touros e Maxaquene A), promovendo processos de
gentrification;
— qualificação urbana, associada à implementação de infra-estruturas, à
construção de equipamentos e à melhoria do espaço público, envolvendo
o Conselho Municipal, agências internacionais e organizações da socie-
dade civil, surge tanto na primeira cintura como na área de expansão;
— produção de novo espaço urbano, através de processos planeados ou não
pelo poder público, ocorre com grande intensidade na área de expansão
(Zimpeto e Magoanine B e C);
— regularização fundiária, de iniciativa municipal, verifica-se pontualmente
na primeira cintura (Chamanculo C) e em maior escala na área de expan-
são (Zimpeto e Magoanine B e C), tendo em conta que, na sua maioria, a
área peri-urbana não se encontrar regularizada através da atribuição do
direito de uso e aproveitamento da terra (DUAT)5 aos seus moradores.

5 O DUAT é introduzido pela Lei de Terras, segundo a qual a terra é propriedade do Esta-
do, mas é possível obter um direito de uso e aproveitamento da mesma. A sua atribuição
tem sido limitada por motivos como: o surgimento tardio da legislação, a excessiva buro-
cracia do processo e as condicionantes legais à sua atribuição (Tique et al, 2011). Contu-
do, a inexistência deste título não impede a utilização da terra, caso se trate de uma
ocupação efectuada de boa-fé há mais de dez anos ou segundo as normas e práticas cos-
tumeiras, que não contrariem a Constituição.
48 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Apresentação dos casos de estudo

A apresentação dos casos de estudo6 tem como objectivo exemplificar os dife-


rentes paradigmas de intervenção na área peri-urbana e explicitar o seu refle-
xo no território, como mote para uma reflexão sobre a (re)produção do
espaço. Os bairros localizados na primeira cintura são analisados individual-
mente, consoante o tipo de intervenção dominante, enquanto os bairros per-
tencentes à área de expansão, de maior escala e com uma certa
homogeneidade, são analisados em conjunto.

Legenda

C. Centro urbanizado

1. Bairro Polana Caniço A

2. Bairro Sommerschield II

3. Área da Praça de Touros

4. Bairro Maxaquene A

5. Bairro Mafalala

6. Bairro Chamanculo C

7. Bairro Zimpeto

8. Bairro Magoanine B

9. Bairro Magoanine C

Figura 3.1 Localização dos casos de estudo


Fonte: Figura de SJ e VM com base em imagem de satélite Landsat.

6 A informação sobre os casos de estudo foi maioritariamente recolhida através de obser-


vações no local e de entrevistas efectuadas entre Abril e Junho de 2011 a residentes, secre-
tários — administrativamente cada bairro de Maputo é dirigido por um secretário eleito
e legitimado pela própria comunidade — arquitectos/urbanistas, um vereador, um as-
sessor e um técnico municipal.
PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 49

Polana Caniço A vs Sommerschield II

A localização privilegiada de Polana Caniço A, junto ao centro, à costa, a uma


das principais vias de acesso à cidade (Avenida Julius Nyerere) e nas imedia-
ções de uma das áreas mais ricas de Maputo (Sommerschield II), coloca-o na
mira dos investidores privados. De forma não controlada pelo poder público,
assiste-se à progressiva renovação urbana do bairro, de iniciativa privada,
através da demolição do existente e da consequente construção de moradias
unifamiliares, na linha das existentes em Sommerschield II, bem como da
deslocação da população para áreas mais ou menos distantes do centro.
O facto de uma parte da população do bairro pensar que “isto [o bairro]
não é para nós” (morador, entrevista, 2011) e ter vindo a negociar o espaço que
ocupa, pode dever-se a factores como: (1) o interesse de uma classe com maio-
res recursos em adquirir o direito de uso do espaço, proporcionando um ne-
gócio economicamente vantajoso para a maioria da população carenciada; (2)
as intervenções em curso na Avenida Julius Nyerere, no âmbito do ProMapu-
to II,7 que implicam a demolição de construções existentes nas áreas adjacen-
tes e o realojamento da população afectada, receando-se que estas acções se
estendam ao resto do bairro; (3) o aumento do custo de vida nas áreas mais
centrais; e (4) o desejo de viver num local de cariz rural, mais afastado do
centro.
A crescente transacção de talhões é feita informalmente com cada mora-
dor, sem uma organização colectiva. Depois da realização do negócio, as au-
toridades locais (secretário e chefe de quarteirão) são informadas da
transacção e é-lhes solicitado um documento de identificação do talhão e do
novo usuário, através do qual este pode iniciar o processo de regularização
junto do município — “primeiro o papel do bairro, depois é que subo ao município,
mas é complicado” (morador, entrevista, 2011). Este processo é moroso, dada a
ausência de cadastro e de plano de urbanização, apesar do PEUMM (2008,
p.121) apresentar como um dos projectos em preparação o “Plano de desen-
volvimento de Polana Caniço”. Este facto não invalida o surgimento de novas
construções, sobretudo moradias unifamiliares, em alguns casos com a coni-
vência dos fiscais municipais. O crescente interesse imobiliário reflecte-se na
valorização dos talhões: um talhão com cerca de 160 m2, negociado em 2009
por 5.000 dólares, actualmente pode valer quatro vezes mais — “agora o preço
explodiu” (morador, entrevista, 2011).

7 A segunda fase do Programa de Desenvolvimento do Município de Maputo/ ProMaputo


(2011-2015), financiada pelo Banco Mundial, pelo Governo Moçambicano e pelo Conse-
lho Municipal, prevê a reabilitação de parte da rede viária, destacando-se a reconstrução
da Avenida Julius Nyerere (http://www.portaldogoverno.gov.mz).
50 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Legenda

A. Áreas de população deslocada (2000-2010)


B. Áreas de população deslocada (2010-2011, ainda ausente na fotografia aérea de 2010)
Figura de SJ e VM com base em fotografias aéreas do Google Earth de 2000 e 2010 respectivamente

Figura 3.2 Renovação urbana em Polana Caniço A (2000-2011)

Área da Praça de Touros e Maxaquene A

À semelhança de Polana Caniço A, a localização privilegiada da área da Praça


de Touros e de Maxaquene A, junto ao centro, ao aeroporto e a vias principais
de acesso à cidade — avenidas Joaquim Chissano e Acordos de Lusaka —
contribui para a forte pressão imobiliária de que são alvo por parte de investi-
dores privados. Com o aval do poder público, estão a ser elaboradas propos-
tas de renovação para estas áreas, que prevêem a demolição do existente e a
deslocação dos actuais moradores.
O PEUMM (2008, p.120) apresenta como um dos projectos em negocia-
ção o “Projecto de construção e exploração do Centro Cultural de Negócios e
Serviços Ex-Praça de Touros (Hotel 4 pisos + centro comercial + aparthotel)”,
mas ainda não foi lançado o concurso público, nem os termos de referência.
Contudo, conhecem-se duas propostas de intervenção, sendo pelo menos
uma delas acompanhada pelo município. Segundo um dos arquitectos res-
ponsável pela elaboração desta última, que prevê a conversão da Praça de
Touros num centro comercial com sala de espectáculos e a construção de vári-
os edifícios em altura para habitação e escritórios, o DUAT já foi atribuído ao
investidor. O financiamento do reassentamento será da responsabilidade
deste, cabendo aos moradores lesados optarem por receber uma indemniza-
ção monetária (em função da área do seu talhão, das características e da di-
mensão da habitação) ou um talhão num bairro mais distante do centro.
Relativamente a Maxaquene A, a organização não governamental (ONG)
Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Concertado (AMDEC), em
parceria com a ONG Engenheiros Sem Fronteiras da Catalunha (ESF), trabalha
PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 51

Legenda (da esquerda para a direita)


Área da Praça de Touros construções propostas para demolição;
Maxaquene A vias (duas fotografias); encontro de auscultação com moradores.
Figura de SJ e VM com base em fotografia aérea do Google Earth de 2010.
Fotografias de SJ e ESF/ CEDH

Figura 3.3 Área da Praça de Touros e Maxaquene A

no terreno desde 2008, na construção de valas de drenagem e de latrinas melho-


radas e, a partir de 2009, também na elaboração de um plano parcial de urbaniza-
ção para o bairro. Desde a assinatura, em 2010, do memorando de entendimento
entre o Conselho Municipal e o Grupo de Parceiros,8 o processo passou por vá-
rias fases. Inicialmente, a equipa responsável pela elaboração do plano de-
senvolveu uma proposta de qualificação urbana, com base em vários
encontros de auscultação no bairro, prevendo a implementação das in-
fra-estruturas básicas, a melhoria e (re)definição do espaço público, a cons-
trução de alguns equipamentos de apoio à população e o início da
regularização fundiária. Na primeira apresentação oficial da proposta no
Conselho Municipal, esta foi alvo de várias críticas, tendo sido solicitado o
seu redireccionamento no sentido da renovação urbana. O plano parcial de
urbanização recentemente publicado, tem subjacente este paradigma de in-
tervenção, fazendo tábua rasa do existente, com excepção das Escolas Noro-
este I e II. Prevê-se a construção de edifícios de habitação plurifamiliares, de
escritórios e espaços comerciais, assim como a cedência de algumas áreas
para a construção de equipamentos. Como proposto para a área da Praça de
Touros, a implementação do plano dependerá unicamente do interesse e in-
vestimento privado, que custeará a totalidade do reassentamento, seguindo
acordos idênticos.

8 O Grupo de Parceiros é constituído pela AMDEC, os ESF, o Centro de Estudos e Desen-


volvimento do Habitat da Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da Universi-
dade Eduardo Mondlane, a ONG Water and Sanitation for Urban Poor e o Ministério para a
Coordenação da Acção Ambiental.
52 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Mafalala e Chamanculo C

Mafalala e Chamanculo C são dos bairros peri-urbanos mais antigos, apre-


sentando por isso uma forte tradição histórico-cultural (ali viveram persona-
lidades marcantes do meio político e artístico moçambicano e forjou-se parte
da luta pela independência). A sua população, descendente das primeiras ge-
rações urbanas moçambicanas, está muito enraizada e “não é de negociação fá-
cil” (arquitecto/urbanista, entrevista, 2011). Simultaneamente, a sua localiza-
ção junto à área mais empobrecida do centro, torna estes bairros menos atrac-
tivos para os investidores e especuladores imobiliários. Estes factores podem
justificar a predominância de intervenções de qualificação urbana nestes
bairros.
Em ambos os casos, as intervenções foram de iniciativa municipal, mas
tiveram âmbitos e alcances diferentes. As obras de qualificação em Mafalala
(2004-2005) incidiram sobre a melhoria das infra-estruturas: construção de
fontanários, pavimentação de ruas principais, abertura de valas e valetas de
drenagem, estas últimas executadas por uma associação do bairro, em coor-
denação com a AMDEC. Segundo o secretário, as intervenções nas vias afec-
taram algumas habitações, obrigando ao reassentamento das famílias em
bairros da área de expansão, mediante a atribuição de um talhão, transporte
dos pertences e atribuição de um valor para ajudar na construção da nova
casa.
A intervenção em Chamanculo C iniciou (2005-2006) com uma fase aca-
démica de diagnóstico, evoluindo (2008/2009) para um projecto municipal de
qualificação urbana, através do reordenamento de algumas áreas e de um pro-
cesso participativo que abrangeu todo o bairro. Os moradores identificaram os
quarteirões onde era prioritário melhorar as acessibilidades, através da abertu-
ra de vias e da redefinição de talhões, tendo sido afectadas cerca de 150 famíli-
as. O Conselho Municipal responsabilizou-se pela reconstrução das habitações
parcialmente demolidas e pelo reassentamento das famílias cuja habitação fi-
cou comprometida, atribuindo um talhão na área de expansão e auxiliando na
construção da habitação. A experiência incluiu a atribuição de alguns DUAT
simbólicos e provisórios, principalmente aos moradores cujos talhões confina-
vam com ruas principais, como contrapartida no processo de negociação. Em
2009 iniciaram-se conversações com o Brasil, a Itália e a Cities Alliance,9 com vis-
ta à elaboração de um projecto para o bairro, cujo financiamento final foi apro-
vado em Junho de 2011. Este segue uma metodologia integrada de intervenção,
de acordo com os princípios da Estratégia Global de Reordenamento e Urbani-
zação dos Assentamentos Informais do Município de Maputo, constituindo
um primeiro teste à mesma, “com ênfase nos seguintes componentes:

9 Para mais informação: http://www.citiesalliance.org/ca/.


PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 53

Legenda (da esquerda para a direita)

Mafalala vala de drenagem, via pavimentada e por pavimentar;


Mafalala habitação parcialmente demolida;
Chamanculo C início de via alargada e habitação marcada para demolição parcial.
Fotografias de Isabel Raposo e VM

Figura 3.4 Qualificação urbana em Mafalala e Chamanculo C

Desenvolvimento de Estudos e Projectos; Apoio ao Desenvolvimento Social e


Económico; Fortalecimento Institucional; e Apoio à Execução de Obras Priori-
tárias” (Conselho Municipal de Maputo, 2009, p.3-4).

Zimpeto, Magoanine B e C

Zimpeto e Magoanine B e C localizam-se no limite norte da cidade e têm assis-


tido nas últimas duas décadas a grandes transformações de uso do solo (rural
para semi-urbanizado), pelo que a produção de novo espaço urbano assume
particular preponderância. A sua ocupação deu-se desfasadamente por dife-
rentes motivos: no final da década de 1980, o Zimpeto, com maior acessibili-
dade, por ser atravessado longitudinalmente pela Estrada Nacional Nº1; na
segunda metade da década de 1990, Magoanine B, em virtude dos reassenta-
mentos decorrentes da construção da Estrada Nacional Nº4; e, após as cheias
de 2000, Magoanine C.
Grande parte deste território foi planeada pelo poder público, na se-
quência de reassentamentos motivados pelas cheias de 1996 e de 2000, por in-
tervenções de qualificação em bairros da primeira cintura e pela abertura ou
qualificação de eixos viários, entre outros. Nestes reassentamentos atribuí-
ram-se talhões com ou sem DUAT, que em alguns casos incluíram o forneci-
mento de: habitações, material para a construção das mesmas ou uma ajuda
monetária. Algumas intervenções contaram com a cooperação de empresas
privadas (em Magoanine B a CMC África Austral) e de agências internaciona-
is e organizações da sociedade civil (Magoanine C é o caso mais
paradigmático).
54 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 3.5 Zimpeto, esboço de nova centralidade e ocupação segundo malha regular e orgânica
Fonte: Fotografia aérea do Google Earth de 2010.

Outras áreas foram ocupadas por processos não reconhecidos nem pla-
neados pelo poder público, embora possam contar com o envolvimento de
autoridades locais e técnicos municipais (Tique et al, 2011). Podem apresen-
tar uma composição regular, seguindo o modelo das áreas planeadas (Niel-
sen, 2010, p.163-166), ou orgânica, em ocupações ditas “espontâneas” e,
segundo Jenkins e Andersen (2011, p.10-11), em parcelamentos promovidos
por famílias que ocupavam previamente grandes áreas do território. Inicial-
mente, a população não provinha de Maputo, mas recentemente vem sobre-
tudo das suas áreas mais centrais, deslocando-se voluntariamente — na
procura de primeira ou segunda habitação, de casa própria ou maior, de au-
mentar o rendimento através do arrendamento da casa que possui no centro,
entre outros — ou devido a processos de gentrification.
Recentemente, estes bairros têm vindo a ser alvo de intervenções de
qualificação urbana — geralmente de iniciativa pública, mas contando tam-
bém com investidores privados, agências internacionais e organizações da
sociedade civil — centradas na melhoria de infra-estruturas (pavimentação
de vias principais e abastecimento de água e electricidade) e na disponibiliza-
ção de equipamentos e serviços. Neste âmbito, destaca-se o esboço de uma
PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 55

Legenda (da esquerda para a direita)

Investimento público-privado para abastecimento de água;


Vila Olímpica; habitações construídas pela CMC África Austral;
via e habitações de Magoanine C (silhueta do centro de Maputo ao longe).
Fotografias de Isabel Raposo e VM

Figura 3.6 Produção de novo espaço urbano no Zimpeto e em Magoanine B e C

nova centralidade no Zimpeto, já contemplada no PEUMM, promovida por


novos equipamentos (Instituto Superior de Relações Internacionais e Estádio
Nacional do Zimpeto), serviços (Instituto Nacional de Qualidade e Mercado
Grossista de Maputo) e projectos habitacionais (Vila Olímpica e habitações
para funcionários municipais e para venda livre).
O Conselho Municipal considera que estes bairros já têm as condições
mínimas para atribuição de DUAT — ter plano de urbanização, limites clara-
mente definidos entre espaço público e privado, talhões delimitados e acessí-
veis e solução para o abastecimento de água e electricidade — estando por
isso agendada a sua regularização fundiária massiva, para a qual já se fizeram
alguns ensaios, que legitimará a ocupação e permitirá também a cobrança de
taxas municipais às famílias abrangidas.

Reflexão crítica sobre o espaço (re)produzido

Apresentados os paradigmas de intervenção peri-urbana e o tipo de espaço


por eles (re)produzido, procura-se entender se os mesmos contribuem ou não
para fenómenos de segregação/exclusão socio-espacial e para a permanência
da dualidade entre o centro e a área peri-urbana de Maputo. Atendendo às
suas características territoriais, a segregação socio-espacial pode ser entendi-
da como a exclusão da população de baixos recursos dos benefícios proporci-
onados pelo território urbano, destacando-se: as infra-estruturas básicas
(saneamento, abastecimento de água, rede eléctrica, viária e de drenagem), a
habitação condigna e os espaços públicos qualificados, essenciais à criação de
boas condições de habitabilidade e de vida. Comparando com a área de
56 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

expansão, a exclusão socio-espacial é mais acentuada na primeira cintura, de-


vido a factores como: (1) a alta densidade de ocupação associada à falta de es-
paço público e privado e ao surgimento de conflitos pela posse do mesmo; (2)
a precariedade habitacional, por exiguidade de área, utilização de materiais
precários e situações de arrendamento; e (3) a exposição a situações de risco,
geralmente inundações, sobretudo por falta de um sistema de drenagem
adequado.
Na primeira cintura, as dinâmicas de (re)produção do espaço não têm
sido capazes de superar estas insuficiências, em parte devido à desigualdade
na distribuição de recursos e investimentos público-privados, que aqui têm
sido pontuais e de menor escala. O seu território consolidado, as suas caracte-
rísticas socio-urbanísticas e os fortes interesses imobiliários a que está sujeita,
complexificam e dificultam a implementação de acções mais amplas e signifi-
cativas. Identificam-se dois tipos de paradigma: a qualificação, de acção limi-
tada em Mafalala e Chamanculo C, embora o plano para este último tenha um
carácter mais abrangente; e a renovação, mais contida em Polana Caniço A,
mas mais expressiva nas propostas para a área da Praça de Touros e Maxa-
quene A. Embora a renovação urbana tenha maior peso em termos de área
abrangida, verificando-se uma certa preferência por este tipo de intervenção
(veja-se o caso de Maxaquene A), a materialização das propostas efectuadas
poderá alterar os níveis de exclusão da primeira cintura relativamente à dis-
tribuição de recursos e investimentos.
A área de expansão, recente e descomprometida, tem captado uma mai-
or diversidade de intervenções num curto espaço de tempo, reflectindo-se:
(1) numa situação muito semelhante à da primeira cintura quanto ao acesso a
infra-estruturas básicas (saneamento, abastecimento de água e electricida-
de); (2) numa melhoria significativa da acessibilidade, embora permaneça in-
suficiente; (3) no esboço da nova centralidade no Zimpeto; (4) na elaboração
de planos parciais de urbanização; e (5) na aposta do Conselho Municipal na
regularização fundiária massiva. Este último ponto merece atenção particu-
lar, por ser defendido por autores como De Soto (2000) no combate ao subde-
senvolvimento socioeconómico, mas contestado por outros como Davis
(2006), face ao resultado de programas desta natureza apoiados pelo Banco
Mundial: entrega-se nas mãos da população a resolução dos seus problemas,
reduz-se a responsabilidade do poder público sobre estas áreas, fomenta-se a
actividade e especulação imobiliária e compromete-se a inclusão so-
cio-espacial da população residente de menores recursos (idem, p.72-24).
Ainda no que respeita à distribuição de recursos e investimentos, Rapo-
so e Salvador (2007, p.109), referem que o continuo interesse e aposta na valo-
rização do centro já urbanizado, através de investimentos públicos e
privados, contrasta com a insuficiência dos mesmos na área peri-urbana,
mais carente e de maior escala, acentuando a dualidade socio-espacial da ci-
dade. O hiato entre o investimento e as necessidades da maioria da população
PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 57

agrava-se devido: à falta de recursos do poder público; à não redistribuição


dos benefícios advindos dos investimentos privados com fins lucrativos; e ao
desinteresse destes por áreas não rentáveis economicamente numa lógica de
mercado. Nas intervenções de renovação urbana previstas para a área da Pra-
ça de Touros e Maxaquene A, os elevados valores implicados e a volatilidade
do mercado imobiliário, contribuem para este panorama, por retardarem a
implementação das propostas, deixando estas áreas em situação expectante
por tempo indeterminado e mantendo a maior parte da população nas condi-
ções de precariedade actuais.
A segregação sócio-espacial pode associar-se também à exclusão da po-
pulação de menores recursos de outros benefícios proporcionados pelo terri-
tório urbano, nomeadamente: o acesso a equipamentos sociais, serviços
públicos, actividades económicas e de lazer, bem como a diversidade socioe-
conómica e cultural. Para Saglio-Yatzimirsky e Landy (s.d., p.7), três factores
podem promover esta condição: a distância espacial em relação ao centro e
aos locais de trabalho; a distância temporal associada à falta de conexão a
transportes públicos; e a distância social, dada a falta de interligações sociais
a outros grupos. Deste ponto de vista, a área de expansão é mais excluída que
a primeira cintura, face à distância espacial e temporal que a separa do centro
e por ser menos dotada de equipamentos, serviços e actividades económicas.
A distância social assume diferentes contornos: a primeira cintura beneficia
da proximidade ao centro e da sua diversidade socioeconómica e cultural,
mas a população que habita na área central dificilmente entra no seu espaço
residencial; em contrapartida, existem famílias de grupos sociais de maiores
recursos que optam por residir na área de expansão, misturando-se com os
demais.10
A segregação sócio-espacial pode ainda ser analisada enquanto proces-
so (Lehman-Frisch, 2009), destacando-se neste âmbito dois factores mencio-
nados por Thomas Schelling (1980, apud Lehman-Frisch, 2009): actos
intencionais discriminatórios através de políticas públicas; e acções segrega-
doras decorrentes de forças económicas estruturais e de desigualdades socio-
económicas. Cavalcanti (2009, p.42) refere-se também a um tipo de
segregação involuntária em que “the individual or a family find themselves obli-
ged by a variety of forces, to live in a certain district or to stop living in a certain

10 Segundo Lehman-Frisch (2009, p.13-15), a mistura social nas áreas residenciais tem sido
defendida por alguns urbanistas como forma de evitar a segregação, mas esta relação
nem sempre se estabelece, verificando-se situações em que a sua promoção tem efeitos
contrários. Para autores como Lévy e Dureau (2002, apud Lehman-Frisch, 2009, p.15), a
promoção de igualdade no acesso de todos os cidadãos à cidade revela-se mais eficaz
neste âmbito. A relação da diversidade socioeconómica e cultural com processos volun-
tários de segregação é também uma vertente importante de análise. Assim, a referência à
distância social é aqui efectuada apenas enquanto indicador de diferenças entre ambas as
áreas.
58 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

neighbourhood”. A saída de população residente na primeira cintura, na se-


quência das intervenções de qualificação e renovação urbana, é um dos as-
pectos mais críticos destes processos, por não contemplar o “direito à
cidade”, no sentido preconizado por Lefebvre (1968), e o “direito ao uso do
lugar”, previsto na Lei de Terras, conquistados pelos seus moradores: as al-
ternativas são limitadas e as contrapartidas não reflectem o devido valor da
ocupação.
Polana Caniço A espelha esta situação, sobretudo devido a um processo
desigual de negociação: por um lado, os investidores, que lideram o processo
sem o controlo do poder público, abordando os moradores individualmente
sem contemplar os bens intangíveis como a proximidade ao centro e os res-
tantes benefícios que daí advém; por outro, uma população geralmente mais
carenciada, fragilizada por falta de liderança e coesão de grupo, nem sempre
consciente dos seus direitos e da legitimidade da ocupação. O processo de se-
gregação pode acentuar-se na área da Praça de Touros e Maxaquene A, com
propostas mais abrangentes e o aval do poder público, caso este não salva-
guarde os direitos dos moradores, favorecendo o interesse privado. Em Ma-
falala e Chamanculo C, a qualificação urbana contemplou processos
semelhantes, mas nestes casos pode alegar-se a falta de recursos municipais e
a necessidade de agir em prol de um bem comum, por não ser possível quali-
ficar estas áreas sem descongestionar a sua densa ocupação.
A análise da segregação/exclusão socio-espacial não pode também dis-
sociar-se das aspirações e percepções dos actores envolvidos, em relação à ci-
dade e aos paradigmas de intervenção. Uma parte da população prefere
residir em bairros da primeira cintura, beneficiando de transportes, da proxi-
midade a equipamentos, serviços e actividades económicas (fontes de rendi-
mento), bem como adoptar por um estilo de vida mais urbano, mesmo que
nem sempre estejam asseguradas condições mínimas de habitabilidade —
“eu não gosto de viver de Albazine [bairro da área de expansão] eu gostaria que eu
viesse na cidade [centro]” (morador de Albazine, entrevista, 2011). Outra parte
dá primazia a áreas de cariz mais rural, a maior disponibilidade de espaço e
melhores condições de habitabilidade, mais fáceis de conseguir na área de ex-
pansão, embora à custa de um maior afastamento do centro — “[prefiro] con-
tinuar aqui [porque] aqui tem bom sítio” (moradora de Magoanine C,
entrevista, 2011). Assim, alguns dos moradores deslocados em processos de
qualificação e renovação urbana (Polana Caniço A e Chamanculo C) sen-
tem-se beneficiados com a mudança e as quantias recebidas, que promovem
uma melhoria da qualidade de vida, embora não correspondam ao valor de-
vido da ocupação. No entanto, não existem alternativas para os moradores
que queiram permanecer na primeira cintura, sobretudo na sequência das in-
tervenções de renovação urbana de maior escala (área da Praça de Touros e
Maxaquene A). Apesar deste tipo de intervenção ser mais susceptível de de-
sencadear processos de segregação/exclusão socio-espacial e de haver uma
PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 59

Estratégia Global de Reordenamento e Urbanização dos Assentamentos


Informais do Município de Maputo, o poder público tem dado preferência à
renovação, encarada como uma oportunidade de reproduzir o modelo da ci-
dade ocidental, tido como símbolo do desenvolvimento urbano, e entenden-
do os processos de qualificação como uma “cristalização da desordem”
(arquitecto/urbanista, entrevista, 2011).

Conclusão

A cidade de Maputo é marcada por uma dualidade entre o centro urbanizado


e a área peri-urbana. As suas características socio-espaciais foram-se desen-
volvendo e consolidando através de vários processos e dinâmicas de (re)pro-
dução do espaço (peri)urbano, que ao longo do tempo se têm revelado
incapazes de alterar esta dicotomia sócio-espacial. Actualmente, destacam-se
cinco paradigmas de intervenção na área peri-urbana — controle da expan-
são territorial não controlada pelo poder público; renovação urbana; qualifi-
cação urbana; produção de novo espaço urbano; e regularização fundiária —
preconizados em bairros da primeira cintura (Polana Caniço A vs Sommers-
chield II; Área da Praça de Touros e Maxaquene A; Mafalala e Chamanculo) e
da área de expansão (Zimpeto e Magoanine B e C), indutores ou não de segre-
gação/exclusão sócio-espacial.
As noções de segregação/exclusão revelam-se complexas e multifaceta-
das, tendo sido aqui analisadas sob três primas: a exclusão dos benefícios pro-
porcionados pelo território urbano, o processo em si mesmo e as aspirações e
percepções dos principais actores envolvidos, em relação à cidade e aos para-
digmas de intervenção. Cada paradigma, em função da especificidade dos
territórios analisados, é susceptível de diferentes níveis e formas de segrega-
ção/exclusão e o seu combate, dada a amplitude da problemática, implica ac-
ções integradas em diferentes domínios, destacando-se: “o social, o
económico, o institucional, o territorial e o das referências simbólicas” (Bruto
da Costa, 2007, p.14).
A cidade, palco das vivências urbanas, está em constante (re)produção.
Áreas ontem segregadas/excluídas social e espacialmente, hoje confun-
dem-se com as demais, lugares outrora centrais, são agora periféricos, numa
mutação constante em função da alteração dos inúmeros factores que com-
põem o “caleidoscópio urbano”. Neste âmbito, é difícil antever para onde se
dirige uma cidade como Maputo e quando serão asseguradas condições ade-
quadas de habitabilidade à maioria da população, essenciais à qualidade de
vida e a uma existência condigna, bem como para a redução da segrega-
ção/exclusão e da dualidade socio-espaciais. Apesar do actual cenário de in-
certeza, o alcance deste objectivo passa por combinar o “princípio da
igualdade com o princípio do reconhecimento da diferença (temos o direito
de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e temos o direito a ser
60 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

diferentes quando a igualdade nos descaracteriza)” (Santos, 2011, p.141), ofe-


recendo oportunidade e opções de escolha num contexto urbano cada vez
mais plural. Segundo Ascher (2010, p.107-108), implica ainda assumir com-
promissos, tendo em conta “interesses variados e a construção de acordos e
maiorias ad hoc”, uma vez que: “Fabricar a cidade é […] ter em consideração
esta [sua] diversidade de situações, de espaços, de modos de vida”.

Referências bibliográficas

Ascher, François (2010), Novos Princípios do Urbanismo. Novos Compromissos


Urbanos: um léxico. Lisboa: Livros Horizonte, 174p.
Bruto da Costa, Alfredo (2007), Exclusões sociais. Lisboa: Fundação Mário Soares,
Gradiva, 100p.
Cavalcanti, Débora (2009), Fighting for a Place in the City: Social Practices and State
Action in Maceió, Brazil. London: London School of Economics and Political
Sciences. 295p. Tese apresentada no Department of Geography and
Environment da London School of Economics and Political Sciences para
obtenção do grau de Doctor of Philosophy.
Conselho Municipal de Maputo (2008), Plano de Estrutura Urbana do Município de
Maputo. Maputo: Conselho Municipal de Maputo.
Conselho Municipal de Maputo (2009), Projecto de cooperação técnica trilateral
Brasil-Moçambique-Itália: apoio à requalificação do bairro Chamanculo C no âmbito
da Estratégia Global de Reordenamento e Urbanização dos Assentamentos Informais
do Município de Maputo. Maputo: Conselho Municipal de Maputo.
Davis, Mike (2006), Planet of Slums. London, New York: Verso, 228p.
De Soto, Hernando (2000), The Mystery of Capital: Why capitalism triumphs in the
West and fails everywhere else. New York: Basic Books, 287p.
Henriques, Cristina (2008), Maputo. Cinco décadas de Mudança Territorial. Lisboa:
Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, Ministério dos Negócios
Estrangeiros, 238p.
Jenkins, Paul, Andersen, Jørgen (2011), “Developing Cities in between the Formal and
Informal”. ECAS 2011 — 4th European Conference on African Studies. p.1-16.
Jenkins, Paul, Wilkinson, P. (2002), “Assessing the growing impact of the global
economy on urban development in southern African cities — Case studies in
Maputo and Cape Town”. Cities. 19:1. p.33-47.
Lefebvre, Henri (1968), Le droit à la ville. 3ª ed. Paris: Economica, 135p.
Lehman-Frisch, Sonia (2009), “La ségrégation: une injustice spatiale? Questions de
recherche”. Annales de Géographie. p.94-115. [Ac. 30.01.2011].
Morais, João (2001), Maputo: Património da Estrutura e Forma Urbana. Lisboa: Livros
Horizonte, 247p.
Nielsen, Morten (2010), “Mimesis of the State: From Natural Disasters to Urban
Citizenship on the Outsirts os Maputo, Mozambique”. Social Analysis. 54:3.
p.153-173.
PROCESSOS E DINÂMICAS DE (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO (PERI)URBANO 61

Oppenheimer, Jochen, Raposo, Isabel (2002), A pobreza em Maputo. Lisboa:


Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Departamento de Cooperação,
199p.
Raposo, Isabel (2007), “Instrumentos e práticas de planeamento e gestão dos
bairros peri-urbanos de Luanda e Maputo”. In Oppenheimer, Jochen e
Raposo, Isabel (coords.) — Subúrbios Luanda e Maputo. Lisboa: Edições
Colibri, p.219-246.
Raposo, Isabel, Salvador, Cristina (2007), “Há diferença: ali é cidade, aqui é
subúrbio: urbanidade dos bairros, tipos e estratégias de habitação em
Luanda e Maputo”. In Oppenheimer, Jochen e Raposo, Isabel (coords.) —
Subúrbios Luanda e Maputo. Lisboa: Edições Colibri, p.105-138.
Saglio-Yatzimirsky, Marie-Caroline, Landy, Frederique (ed.), Social Exclusion,
Territories and Urban Policies: a comparison beween India and Brasil. [S.l.]:
(introdução provisória do livro, com publicação prevista para 2011). [S.d.]
Santos, Boaventura (2011), Portugal: ensaio contra a autoflagelação. Coimbra:
Almedina, 160p.
Tique, João; Jorge, Sílvia; Melo, Vanessa (2011, no prelo), “Ocupação e gestão do
solo urbano em Moçambique: o caso de Maputo”. In Raposo, Isabel (coord.)
(em publicação) — Reconversão e reinserção de bairros de génese ilegal. Lisboa.
Un-Habitat (cop. 2008), — Mozambique Urban Sector Profile. 34p. [Ac.20.04.2008]. In
http://www.unhabitat.org/pmss/getElectronicVersion.asp?nr=2448&alt=1
Capítulo 4

Hipervulnerabilidade socioambiental e direito à cidade


Estudo do caso da cidade de Fortaleza, Brazil

Henrique Botelho Frota


Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico; Laboratório de Estudos da Cidade
(LEC/UFC); Faculdade Christus(henriquebfrota@yahoo.com.br),

Abstract

A população brasileira chega ao final da primeira década do século XXI com um


índice de concentração urbana que ultrapassa 84%. O rápido processo de urba-
nização do país, motivado por movimentos de migração campo-cidade e inter-
regionais, não foi acompanhado por políticas públicas hábeis a proporcionar
serviços urbanos de qualidade para toda a população. A geração de novos pos-
tos de trabalho e o nível de renda média também não foram suficientes para ga-
rantir que os moradores das cidades brasileiras pudessem ter acesso a
habitação, bens e serviços adequados por meio do mercado. Segundo dados do
Ministério das Cidades, o déficit habitacional no Brasil chega a 6,273 milhões de
domicílios, dos quais 5,180 milhões, ou 82,6%, estão localizados nas áreas urba-
nas. O déficit habitacional atinge a população mais pobre, estando quase 90%
concentrado entre as famílias com renda de até 3 salários mínimos mensais. No
caso da Região Nordeste do Brasil, segunda região com maior carência de mo-
radias em números absolutos, 95,9% do déficit afeta as famílias com mais baixa
renda. A problemática é agravada pela deficiência de serviços de saneamento
ambiental, distribuição de água, transporte público, saúde e educação. Tal qua-
dro conduz uma parcela da população à condição de hipervulnerável do ponto
de vista sócio-econômico e também ambiental. A presente pesquisa analisa o
processo de ocupação do solo de uma das metrópoles da Região Nordeste do
Brasil, a cidade de Fortaleza, enfocando a constituição das chamadas áreas de
risco. Partindo dos conceitos de Justiça Ambiental e Direito à Cidade, são inves-
tigados o acesso aos recursos naturais e aos serviços urbanos, a distribuição dos
ônus e benefícios ambientais e sociais decorrentes do processo de urbanização,
a existência de conflitos envolvendo a população das áreas de risco e o grau de
interferência e participação popular nas decisões dos governos. Discute-se, ain-
da, o sistema de acesso à moradia e à propriedade, bem como o papel do merca-
do imobiliário na captura da mais-valia urbana decorrente dos processos de

63
64 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

especulação imobiliária, impedindo que uma parcela significativa da popula-


ção tenha acesso à moradia pelas vias oficiais de mercado. A análise foi realiza-
da a partir da escala municipal, verificando-se a forma como ocorreu a
ocupação do solo na cidade e as disparidades entre as diferentes regiões. Os da-
dos do município foram confrontados com uma análise da escala local da reali-
dade das áreas de risco, constatando-se que nestas há um agravamento das
vulnerabilidades socioambientais. A pesquisa bibliográfica foi complementa-
da com o levantamento de dados secundários provenientes de fontes oficiais,
em especial os governos federal e municipal. Foram realizadas também pesqui-
sas de campo nas ocupações localizadas nas margens do Rio Maranguapinho,
onde estão concentradas as áreas de risco na cidade. Os resultados evidenciam
a formação de estratos de vulnerabilidade, influenciando nos conflitos e capaci-
dade de intervenção da população mais gravemente afetada.

Introdução

A população brasileira chega ao final da primeira década do século XXI com


um alto índice de concentração urbana. O rápido processo de urbanização do
país, motivado por movimentos de migração campo-cidade e interregionais,
não foi acompanhado por políticas públicas hábeis a proporcionar serviços
de qualidade para toda a população.
A geração de novos postos de trabalho e o nível de renda média também
não foram suficientes para assegurar que os moradores das cidades brasileiras
pudessem ter acesso a habitação, bens e serviços adequados por meio do
mercado.
Segundo dados do Ministério das Cidades, o déficit habitacional no Brasil
chega a 6,273 milhões de domicílios, dos quais 5,180 milhões, ou 82,6%, estão lo-
calizados nas áreas urbanas. O déficit habitacional atinge a população mais po-
bre, estando quase 90% concentrado entre as famílias com renda de até 3 salários
mínimos mensais. No caso da Região Nordeste do Brasil, segunda região com
maior carência de moradias em números absolutos, 95,9% do déficit afeta as fa-
mílias com mais baixa renda. A problemática é agravada pela deficiência de ser-
viços de saneamento ambiental, distribuição de água, transporte público, saúde
e educação. Tal quadro conduz uma parcela da população à condição de hiper-
vulnerável do ponto de vista sócio-econômico e também ambiental.
A presente pesquisa analisa o processo de ocupação do solo de uma das
metrópoles da Região Nordeste do Brasil, a cidade de Fortaleza, enfocando a
constituição das chamadas áreas de risco. Partindo dos conceitos de Justiça
Ambiental e Direito à Cidade, são investigados o acesso aos recursos naturais
e aos serviços urbanos, a distribuição dos ônus e benefícios ambientais e soci-
ais decorrentes do processo de urbanização, a existência de conflitos envol-
vendo a população das áreas de risco e o grau de interferência e participação
popular nas decisões dos governos.
HIPERVULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E DIREITO À CIDADE 65

A análise foi realizada a partir do estudo de ocupações irregulares de


baixa renda localizadas na Bacia do Rio Maranguapinho, na região oeste da
cidade. Sujeitas a inundações e alagamentos, essas comunidades são conheci-
das como áreas de risco. Sua realidade demonstra que, ali, há um agravamen-
to das vulnerabilidades socioambientais em relação a outras ocupações.

A cidade de fortaleza: breve análise do processo de ocupação


urbana

Com uma população de 2.452.185 (dois milhões, quatrocentos e cinquenta e


dois mil, cento e oitenta e cinco) habitantes, o município de Fortaleza ocupa
hoje a quinta posição entre as cidades brasileiras, ficando atrás apenas de São
Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Brasília.1 Seu atual destaque na rede de cida-
des brasileiras foi resultado de um acelerado processo de crescimento ocorri-
do de forma tardia se comparado com as demais metrópoles.2
Todo esse crescimento populacional foi fruto de uma série de fatores
conjugados. Ainda no final do séc. XIX, a cidade recebe investimentos públi-
cos e privados em virtude das atividades de exportação e do comércio emer-
gente. Isso faz com que haja uma natural demanda por mão-de-obra,
induzindo a população residente no campo e assolada pela pobreza a crer
que Fortaleza ofereceria melhores condições de vida. Outro importante ele-
mento nessa equação é a estrutura fundiária do estado do Ceará, que é basea-
da na grande propriedade rural. Os campesinos não possuíam condições de
adquirir sua própria terra para suprir as necessidades básicas da família, fi-
cando submetidos ao poder das oligarquias. Além disso, os longos períodos
de secas tornavam a vida no campo ainda mais difícil e miserável.3 “A partir
da seca de 1877, o governo adota como política para socorrer essa população o
seu alistamento em frentes de trabalho para construir obras públicas, locali-
zadas principalmente na capital” (GONDIM, 2007, p. 103). A cidade chega,
portanto, ao séc. XX como o grande pólo de atração da população.

1 Dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível


em: < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 >. Acesso em: 10.ago.2011.
2 A colonização das terras que hoje correspondem à cidade de Fortaleza ocorreu com um
século de atraso se comparado com outras capitais do nordeste brasileiro, como Recife
(1537), Salvador (1549), Aracaju (1855), João Pessoa (1585) e Natal (1599). Apenas em 1649
é que foi construído, por parte dos holandeses, o forte de Shoonenborch, em torno do
qual se estabeleceu o povoado que, mais tarde, daria origem à cidade. Em 1654, os coloni-
zadores portugueses expulsam os holandeses, ocupando o forte, que passa a se chamar
Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. A cidade só passou a ter maior expressividade
no cenário regional no final do séc. XVIII, quando emergiu como importante rota comer-
cial de exportação da produção algodoeira. A partir de então, foram realizados diversos
investimentos em infra-estrutura e serviços urbanos. (FROTA, 2009)
3 As maiores secas registradas no Ceará foram as de 1877-79, 1888, 1900, 1915, 1932, 1952,
1958, 1980-84 e 1992-93.
66 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Quadro 4.1 Crescimento da população do estado do Ceará e do município de Fortaleza (1940 a 2010)

Ceará Fortaleza
Ano População Crescimento População Crescimento
intercensitário intercensitário

1940 2.091.032 - 180.185 -


1950 2.695.450 28,9 % 270.169 49,93 %
1960 3.296.366 22,29 % 514.813 90,55 %
1970 4.361.603 32,31 % 857.980 66,65 %
1980 5.288.429 21,24 % 1.307.608 52,4 %
1991 6.366.647 20,38 % 1.768.637 35,25 %
2000 7.430.661 16,71 % 2.141.402 21,07 %
2010 8.452.381 13,75% 2.452.185 14,51%

Fonte: IBGE - Censos Demográficos de 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010.

O crescimento demográfico torna-se mais intenso a partir da década de


1930, quando o governo brasileiro decide investir no estímulo à industrializa-
ção do país. À época a população brasileira residente nas cidades girava em
torno de 30% (trinta por cento). Ao longo dos últimos setenta anos, esse qua-
dro foi totalmente invertido. Os dados mais recentes do Censo 2010 do Insti-
tuto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam que 84% da população
brasileira reside em cidades, estando concentrada nas capitais dos estados da
Federação, como é o caso de Fortaleza. A Tabela 01 traz uma comparação do
crescimento demográfico do estado do Ceará e da cidade de Fortaleza, reve-
lando o intenso processo de migração.
Diante de tamanho crescimento, o Poder Público não conseguiu respon-
der às demandas por moradia, saneamento e equipamentos urbanos. As ca-
madas sociais mais baixas, impossibilitadas de adquirir habitações em locais
distantes das fábricas em virtude das dificuldades de transporte e também do
preço da terra, submeteram-se à irregularidade das favelas.
Com a concentração dos pobres na região oeste, onde inicialmente se
instalou o pólo industrial na cidade, a população mais abastada migrou em
direção ao bairro da Aldeota, na zona leste. Esse foi um passo importante
para a configuração da segregação socioespacial que marca ainda hoje o mu-
nicípio de Fortaleza.
Na década de 1960, as atividades comerciais voltadas para a burguesia
seguem para a Aldeota. Em 1974 é inaugurado o primeiro shopping center da
cidade. Aos poucos, os usos e as formas de ocupação do bairro vão se
transformando.

Famílias que anteriormente habitavam enormes residências ajardinadas, hoje


transferem-se para apartamentos. As razões dessa mudança estão contidas na
extrema competição pelo solo urbano nessa parte da cidade, bem como na
HIPERVULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E DIREITO À CIDADE 67

Figura 4.1 Mapa de renda média mensal dos chefes de família, 2000
Fonte: Prefeitura Municipal de Fortaleza.

busca de mais comodidade como segurança e dispensa de parte da


mão-de-obra doméstica que era utilizada para atender todas as necessidades
destas grandes residências. Neste processo, essas grandes casas perdem o seu
valor de uso, permanecendo com alto valor de troca para os seus proprietári-
os. Para fins especulativos, o valor de troca está centrado no lote que, com a
mudança de uso, será utilizado para a construção de grandes edifícios de
apartamentos ou de prédios para escritórios, consultórios, etc (Silva, 1992,
p. 50-51).

Ao longo das três ultimas décadas, os bairros da região leste da cidade rece-
bem muitos investimentos públicos privados, recebendo equipamentos de
grande porte, como novos shopping centers, universidades, centro de conven-
ções, restaurantes e hotéis. Souza (2006) lembra ainda que uma política de de-
senvolvimento do turismo é posta em prática em Fortaleza a partir de meados
da década de oitenta. A cidade passa a ser produzida para o turista, com mai-
ores investimentos em infra-estrutura e serviços no setor leste, onde estavam
localizados os hotéis e centros comerciais. Tantos investimentos levam ao
adensamento da área com a construção de grandes edifícios comerciais e
68 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

residenciais destinados às classes média e alta. Assim, o preço do solo ascen-


de progressivamente.
Enquanto isso, a população menos favorecida encontra lugar na região
oeste da cidade, onde os investimentos são mais raros. A figura 4.1 evidencia
a aguda concentração de renda na cidade, permitindo verificar que a popula-
ção menos abastada ocupa exatamente as áreas mais distantes do centro anti-
go e de bairros tidos como de classe média e alta.
Não por acaso, a região oeste concentra a maior quantidade de favelas e
áreas de risco em Fortaleza. Em razão da segregação socioespacial verificada, a
população mais pobre fica desprovida não somente dos serviços básicos de in-
fra-estrutura e equipamentos urbanos. Sofre também com a ausência de condi-
ções dignas de moradia, encontrando, em muitas situações, uma única
alternativa: ocupar irregularmente áreas inadequadas. Em tais circunstâncias,
à vulnerabilidade social somam-se vulnerabilidades ambientais, posto que
muitas dessas áreas são localizadas em margens de rios e lagoas, encostas de
morros, áreas de mangue ou dunas. As ocupações mais precárias receberam a
denominação de “áreas de risco”, que serão objeto de análise no item a seguir.

Produção de risco e vulnerabilidade socioambiental

Como é possível inferir do processo de ocupação da cidade de Fortaleza, o


acesso ao solo urbanizado é um fator determinante para a qualidade de vida
da população. Como o mercado formal de terras e habitações não apresenta
interesse em suprir a demanda da população mais pobre, as alternativas por
ela encontradas, em geral, levam à irregularidade e à precariedade.
Nos bairros da região oeste da cidade, percebe-se uma maior concentra-
ção de famílias submetidas a situações de vulnerabilidade social e ambiental.
Muitas residências são construídas às margens do rio que corta esses bairros,
conhecido como Rio Maranguapinho. Metade das áreas de risco da cidade es-
tão localizadas em sua bacia hidrográfica.
Embora não exista um conceito oficial do que se considera como áreas
de risco, alguns fatores são levados em consideração na sua identificação.
Nesse sentido, estariam enquadradas nessa situação as ocupações em: mar-
gens de rios e lagoas, indo contra as leis ambientais e estando sujeitas a inun-
dações; dunas e falésias, correndo risco de soterramentos e deslizamentos;
abaixo dos fios de alta tensão da rede elétrica, trazendo riscos à saúde; áreas
de segurança máxima das linhas férreas, onde há perigo constante de aciden-
tes; locais próximos e refinarias de petróleo; prédios condenados. No caso de
Fortaleza, a maior parte das áreas de risco estão associadas à ocupação desor-
denada das margens de rios e lagoas, como é o caso do Rio Maranguapinho.
Com relação à ocupação do solo nas áreas de risco, verifica-se um gran-
de adensamento, com construções majoritariamente destinadas ao uso resi-
dencial. As casas, em sua maior parte, são de alvenaria, sem recuos laterais ou
HIPERVULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E DIREITO À CIDADE 69

Figura 4.2 Casas de alvenaria e madeira nas margens do Rio Maranguapinho


Fonte: Acervo do autor.

de frente. Assim, a impermeabilização do solo atinge altas taxas, dificultando


a absorção da água das chuvas. Em algumas comunidades notou-se que há
uma gradação da qualidade da moradia, sendo mais precárias na medida em
que se aproxima da margem do rio. Isso evidencia que, mesmo entre a popu-
lação mais pobre, há um grupo de famílias hipervulneráveis. Diante dessa
constatação, Alves e Torres (2006, p. 56) concluem que “os grupos sociais com
maiores níveis de pobreza e privação social (e portanto com menor capacida-
de de reação às situações de risco) vão residir nas áreas com maior exposição
ao risco e à degradação ambiental, configurando-se situações de alta vulnera-
bilidade socioambiental”.
Com relação aos impactos ambientais verificados nas comunidades da
área de estudo, estão eles diretamente associados com a ausência de serviços
de saneamento básico e com a supressão da mata ciliar. Os resíduos são atira-
dos diretamente nas ruas internas das comunidades ou, o que é mais comum,
no próprio rio ou no sistema de drenagem.
Em relação ao esgotamento sanitário, é constante o escoamento de
águas servidas a céu aberto ou seu despejo diretamente no rio sem qualquer
medida de tratamento. Isso ocorre porque a rede oficial ainda não alcançou as
70 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 4.3 Deposição de lixo nas margens do Rio Maranguapinho


Fonte: Acervo do autor.

Figura 4.4 Esgoto a céu aberto


Fonte: Acervo do autor.
HIPERVULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E DIREITO À CIDADE 71

Figura 4.5 Casa prestes a ruir em virtude da erosão da margem do rio


Fonte: Acervo do autor.

comunidades e, mesmo nos casos em que há o sistema de esgoto, muitos mo-


radores preferem a irregularidade a terem que arcar com os custos do serviço.
Tanto o acúmulo de lixo, quanto os esgotos, propiciam a proliferação de veto-
res de doenças (ratos, baratas, mosquito aedes aegypti etc.).
A ocupação das margens do rio, com a conseqüente supressão da mata
ciliar, aos poucos, leva ao assoreamento do recurso hídrico e acarreta prejuí-
zos para os moradores, que vêem suas casas prestes a desabar. A cada cheia
no período chuvoso, o processo erosivo torna-se mais intenso, deslocando a
terra desprotegida. Esse processo leva à destruição das próprias casas, quan-
do mais próximas do rio.
Uma queixa comum entre os moradores das áreas de risco diz respeito à
grande incidência de doenças de pele em virtude do contato com o lixo e a
água contaminada. Em diversas ocasiões durante as visitas de campo, perce-
beu-se que o rio faz parte do trajeto dessas pessoas, que o cruzam para chegar
à outra margem. A água poluída faz com que surjam doenças diversas, afe-
tando mais gravemente as crianças.
Por fim, mas não menos relevante, um dos maiores sofrimentos impos-
tos à população residente nas áreas visitadas é o constante perigo de ter sua
72 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 4.6 Mulher com criança nos braços atravessando o rio


Fonte: Acervo do autor.

residência invadida pelas águas. Perdem-se móveis, eletrodomésticos, vesti-


mentas e, em muitas vezes, a própria casa.
É importante trazer à tona o conceito de vulnerabilidade socioambi-
ental utilizado por Alves (2006, p. 1), que se refere à “coexistência ou sobre-
posição espacial entre grupos populacionais muito pobres e com alta
privação (vulnerabilidade social) e áreas de risco ou degradação ambien-
tal (vulnerabilidade ambiental)”. Prossegue o autor informando que a no-
ção de vulnerabilidade pressupõe a exposição a risco, a incapacidade de
reação e a dificuldade de adaptação diante da materialização do risco. Fre-
itas (2004) complementa, destacando que a vulnerabilidade tem dupla
face. Por um lado, ela decorre da exclusão a que estão submetidos determi-
nados grupos sociais em razão do nível de renda, da raça, das relações de
gênero, etc. Por outro, diz respeito às deficiências das instituições e políti-
cas públicas em atender esses grupos, seja com ações de prevenção, con-
trole, recuperação ou remediação.
Assim, o que se percebe é que a essa população, quando da ocorrência
de eventos danosos, como os alagamentos e inundações, possui dificuldades
de enfrentamento dos perigos. Os canais de atendimento nos casos de
HIPERVULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E DIREITO À CIDADE 73

desastres são menos eficazes e a capacidade de reação é reduzida se compara-


da com as camadas mais abastadas.
Contudo, mesmo no interior das ocupações irregulares de baixa renda, o
que se constatou foi uma gradação dos níveis de vulnerabilidade, havendo ca-
sos em que ela chega ao extremo. Em geral, a hipervulnerabilidade manifes-
ta-se justamente nas famílias que residem mais próximo dos corpos d’água.

A efetivação do direito à cidade no contexto de vulnerabilidade

O ideário da reforma urbana, incorporado pelo texto constitucional, fez com


que o direito urbanístico fosse elevado a um patamar de maior relevância no
sistema jurídico brasileiro. Nesse contexto, emerge um novo direito funda-
mental, conhecido como direito à cidade.
Em 2001, esse direito foi positivado pelo Estatuto da Cidade, cujo artigo
2º estabelece como a primeira das diretrizes da política urbana a “garantia do
direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à mo-
radia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gera-
ções”. Esse evento leva Saule Junior (2007, p. 50) a afirmar que:

Com o Estatuto da Cidade, ocorre um profundo impacto no direito à cidade,


que deixa de ser um direito reconhecido somente no campo da política e passa a
ser um direito reconhecido no campo jurídico. Com o Estatuto da Cidade, o di-
reito à cidade se transforma num novo direito fundamental no direito brasilei-
ro, integrando a categoria dos direitos coletivos e difusos.

O delineamento mais preciso do que se entende como direito à cidade come-


çou a ser elaborado a partir de 2002, no segundo Fórum Social Mundial, quan-
do movimentos sociais e organizações não-governamentais de todo o mundo
tiveram a iniciativa de elaborar uma Carta Mundial do Direito à Cidade. Os
debates tiveram continuidade no Fórum Social das Américas e no Fórum
Mundial Urbano, ambos de 2004, até que, finalmente no Fórum Social Mun-
dial realizado em 2005, obteve-se a redação definitiva da Carta.
Para a Carta Mundial do Direito à Cidade, é ele definido como sendo “o
usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade,
democracia e justiça social”. Seus princípios norteadores são: o exercício ple-
no da cidadania e a gestão democrática da cidade; as funções sociais da cida-
de e da propriedade; o direito à igualdade e à não discriminação; a proteção
especial de grupos e pessoas vulneráveis; o compromisso social do setor pri-
vado; e o impulso à economia solidária e a políticas impositivas e
progressivas.
Ao tratar do conteúdo do direito à cidade, Osório (2006, p. 195) afirma
que:
74 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

[...] Esse direito busca reverter a predominância dos valores econômicos sobre
as funções sociais da cidade. O direito à cidade é interdependente a todos os di-
reitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e
inclui os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.
Inclui também o direito à liberdade de reunião e organização; o direito ao exer-
cício da cidadania e da participação no planejamento, produção e gestão da ci-
dade; a produção social do habitat; o respeito às minorias e à pluralidade étnica,
racial, sexual e cultural; o respeito aos imigrantes e a garantia da preservação e
herança histórica e cultural. O direito à cidade inclui também o direito ao desen-
volvimento, a um meio ambiente sadio, ao desfrute e preservação dos recursos
naturais e à participação no planejamento e gestão urbanos.

Ao contrapor a realidade vivida pelas famílias residentes em áreas de risco


com a proposta do direito à cidade, é nítida situação de violação. Na verdade,
o que se constata é uma marcante situação de injustiça ambiental, entendida
como:

a condição de existência coletiva própria a sociedades desiguais onde operam


mecanismos sociopolíticos que destinam a maior carga dos danos ambientais
do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa
renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulne-
ráveis da cidadania (Acselrad; Herculano; Padua, 2004, p. 10).

De uma maneira geral, a justiça ambiental é vista como a conjugação de qua-


tro fatores: a) nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, deve
suportar uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negati-
vas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federa-
is, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b)
todos devem ter acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambi-
entais; c) os governos devem assegurar amplo acesso às informações relevan-
tes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização
de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participa-
tivos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem
respeito; d) a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos socia-
is e organizações populares devem ser favorecidas na construção de modelos
alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso
aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (RBJA, 2001).
Considerando tais elementos na análise das áreas de risco de Fortaleza,
percebe-se que a ocupação de áreas frágeis do ponto de vista ambiental asso-
ciada com as fragilidades econômicas e sociais, impõe às famílias uma maior
carga de degradação. O acesso ao solo urbanizado lhes é dificultado em razão
do alto custo dos imóveis, o que gera uma distribuição desigual dos bens
ambientais.
HIPERVULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL E DIREITO À CIDADE 75

Do ponto de vista da capacidade de intervenção nos processos decisórios


do poder público quanto aos projetos de urbanização que lhes atingem, as famí-
lias residentes em áreas de risco dificilmente são ouvidas. Em geral, os projetos
são elaborados por técnicos sem que as comunidades sejam consultadas. O que
os governos chamam de processo participativo resume-se à apresentação dos
projetos, de modo que os moradores são colocados em situação de total passivi-
dade e impossibilidade de propor alterações no que lhes é proposto.
A efetivação do direito à cidade é algo distante nesse contexto em que pre-
valece a injustiça ambiental. O usufruto do espaço urbano e dos benefícios de-
correntes da urbanização não ocorre de maneira equitativa nem democrática.

Considerações finais

A constatação de que os moradores de áreas de risco estão submetidos à grave


injustiça ambiental exigiu que se verificasse as condições de acesso à terra, à
infra-estrutura e aos serviços urbanos, bem como se há imposição de convívio
com altos índices de poluição e degradação ambiental e se dispõem esses mo-
radores de mecanismos de pressão para transformar sua realidade.
Fortaleza, a exemplo das demais cidades brasileiras, sofre um processo
de segregação territorial em razão da dificuldade que a população mais pobre
enfrenta quanto ao acesso ao solo urbanizado pela via do mercado imobiliário
formal. O valor da terra urbana varia de acordo com os investimentos públicos
e privados, tornando-se maior na medida em que a região oferece melhores
serviços e qualidade de vida. Assim, a medida para se conseguir todos os bene-
fícios que a cidade oferece é o poder aquisitivo de cada família. No caso estuda-
do, ficou devidamente demonstrado que a cidade não consegue oferecer os
benefícios da urbanização adequada para todos os segmentos, havendo uma
significativa parcela da população obrigada a arcar com ônus excessivos.
Na escala local, as vulnerabilidades sociais mostraram-se ainda mais
graves. Os bairros localizados na bacia do Rio Maranguapinho apresentam
índices de desenvolvimento humano considerados muito ruins, baixa renda
média mensal das famílias, acesso precário ou inexistente à rede oficial de es-
gotamento sanitário, maiores taxas de desemprego, dentre outras vulnerabi-
lidades. Tudo isso se revelou muito mais grave em relação às áreas de risco.
Assim, se as moradias em geral não apresentam boas condições de habitabili-
dade, nas proximidades do rio tais condições são péssimas.
O quadro verificado ao longo da pesquisa mostrou, portanto, que as co-
munidades que ocupam áreas de risco estão sujeitas a condições de vida in-
dignas, tendo que suportar de forma desproporcional se comparada com os
segmentos de maior renda os impactos ambientais negativos da ocupação da
cidade. Além disso, não conseguem desfrutar dos mesmos benefícios em re-
lação aos serviços urbanos e à infra-estrutura básica. Para arrematar, quando
o Estado pensa soluções para amenizar sua situação, essa população é
76 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

impedida de interferir nas decisões sobre os projetos ou, quando o faz, suas
deliberações não são efetivadas.

Referências bibliográficas

Acselrad, Henri; Herculano, Selene; Pádua, José Augusto (2004), A justiça


ambiental e a dinâmica das lutas socioambientais no Brasil: uma introdução.
in Acselrad, Henri; Herculano, Selene; Pádua, José Augusto, Justiça ambiental
e cidadania, 2. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford.
Alves, Humberto Prates da Fonseca (2006), Vulnerabilidade socioambiental na
metrópole paulistana: uma análise sociodemográfica das situações de sobreposição
espacial de problemas e riscos sociais e ambientais. Disponível em:
ttp://www.centrodametropole.org.br/seminarios/4Artigo_Humberto_Alves_
vulnerabilidade_socioambiental.pdf. Acesso em: 12 jan. 2009.
Alves, Humberto Prates da Fonseca; Torres, Haroldo da Gama (2006),
“Vulnerabilidade socioambiental na cidade de São Paulo: uma análise de
famílias e domicílios em situação de pobreza e risco ambiental”, São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 44-60, jan./mar.
Freitas, Carlos Machado de (2004), “Ciência para a sustentabilidade e a justiça
ambiental”, in Acselrad, Henri; Herculano, Selene; Pádua, José Augusto. Justiça
ambiental e cidadania, 2. ed. Rio de Janeiro, Relume Dumará; Fundação Ford.
Bernal, Maria Cleide Carlos (2004), A metrópole emergente: a ação do capital imobiliário
na estruturação urbana de Fortaleza, Fortaleza: Editora UFC / Banco do
Nordeste do Brasil S.A.
Frota, Henrique Botelho (2009), Acesso à Terra e Injustiça Ambiental em Fortaleza/CE:
a constituição de áreas socioambientalmente frágeis na Bacia do Rio
Maranguapinho, Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente), Universidade Federal do Ceará.
Gondim, Linda Maria de Pontes (2007), O Dragão do Mar e a Fortaleza pós-moderna:
cultura, patrimônio e imagem da cidade, São Paulo, Annablume.
Osório, Letícia Marques (2006), “Direito à cidade como direito humano coletivo”,
in Alfonsin, Betânia; Fernandes, Edésio (org.), Direito Urbanístico: Estudos
Brasileiros E Internacionais, Belo Horizonte: Del Rey.
Rede Brasileira de Justiça Ambiental (2001), Manifesto de lançamento da RBJA,
Disponível em: ORG.BR. ACESSO EM: 10.AGO. 2011.
Santos, Jader de Oliveira (2006), Vulnerabilidade ambiental e áreas de risco na bacia
hidrográfica do rio Cocó: Região Metropolitana de Fortaleza, 217f. Dissertação
(Mestrado Acadêmico em Geografia), Universidade Estadual do Ceará.
Saule Junior, Nelson (2007), Direito urbanístico: vias jurídicas das políticas urbanas.
Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor.
Silva, José Borzacchiello da (1992), Quando os incomodados não se retiram: uma análise
dos movimentos sociais em Fortaleza, Fortaleza, Multigraf Editora.
Capítulo 5

A periferia consolidada como categoria e realidade


em construção

Camila Saraiva
Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR/UFRJ
(lacamisaraiva@gmail.com)

Resumo

No processo de urbanização e industrialização brasileiro, principalmente a par-


tir da década de 1940, a casa auto-construída pelo trabalhador permitiu a redu-
ção do custo da força de trabalho, ao mesmo tempo em que provocou a
dispersão do território urbano através da abertura indiscriminada de lotea-
mentos precários. A ausência de ações governamentais no sentido de ordenar e
prover esses loteamentos de infra-estrutura e serviços urbanos resultou na pro-
funda desigualdade sócio-espacial da metrópole, por muitos anos, traduzida
na representação da divisão da cidade entre centro e periferia.
Nas duas últimas décadas, porém, transformações de ordem socioeconômica e
política como a reestruturação produtiva do capitalismo e a redemocratização
brasileira provocaram mudanças no contexto sócio-espacial da metrópole.
A incompleta incorporação de parte das periferias à cidade e sua crescente di-
versificação sócio-espacial ocasionou a necessidade de elaboração de um novo
termo nos estudos urbanos: a periferia consolidada. O reconhecimento das pe-
riferias consolidadas como parte constitutiva do tecido urbano das principais
metrópoles brasileiras motiva, ao mesmo tempo, a retomada de estudos sobre o
crescimento periférico e a investigação de recentes dinâmicas socioeconômicas
nessa fração do tecido urbano.
No presente trabalho, a partir de uma discussão dos usos e contextos em que é
empregado o termo periferia consolidada, é feita uma reflexão sobre o significa-
do do modelo centro-periferia na interpretação das cidades na atualidade. Em
seguida, apresenta-se uma sistematização, a partir da revisão da literatura de
estudos urbanos, entrevistas com profissionais e moradores as características
do processo de consolidação das periferias urbanas. Por fim, a dimensão do
consumo é destacada ao se reduzir a escala de análise do estudo para um lugar
específico dessa periferia consolidada em São Paulo.
A consideração do efeito mútuo do espaço físico sobre o social permitiu

77
78 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

conjecturar possíveis sentidos da periferia consolidada como categoria e reali-


dade em construção. A consolidação das periferias é constatada como uma ex-
periência intergeracional marcada pela experienciação continuada de
carências, devido à incompletude do tecido urbano, ao mesmo tempo em que se
configura como oportunidade de ampliação de lucro por parte dos agentes liga-
dos ao mercado que passam a ofertar produtos diferenciados para a população
que mora nessas áreas.
Dessa maneira, pode-se dizer que as periferias consolidam-se como periferias,
preservando a ordem urbana presente no modelo centro-periferia. Por outro
lado, o reconhecimento da periferia consolidada, como questão dá ênfase à con-
solidação da diferença social, uma vez que não obstante a melhoria de suas con-
dições urbanísticas, as periferias estão muito longe de se aproximar das
condições de vida oferecidas nos bairros centrais. Continuam sendo o lugar dos
pobres, mesmo que tenham despertado o interesse do capital privado.

Introdução1

No processo de urbanização e industrialização brasileiro, principalmente a


partir da década de 1940, a casa auto-construída pelo trabalhador foi a “solu-
ção” que permitiu a redução do custo da força de trabalho, ao mesmo tempo
em que provocou a dispersão do território urbano através da abertura indis-
criminada de loteamentos precários à margem do conjunto de normas e re-
gras urbanísticas das administrações municipais.
A relativa ausência de ações governamentais, no sentido de ordenar e
prover esses loteamentos de infra-estrutura e serviços urbanos resultou na
profunda desigualdade sócio-espacial da metrópole, por muitos anos, tradu-
zida na divisão da cidade entre centro e periferia.
Inicialmente localizados em terrenos sem infra-estrutura e distantes
dos bens de consumo coletivos, tais loteamentos lenta e gradativamente vão
se consolidando em termos de acesso aos melhoramentos da cidade. Os in-
vestimentos do Estado em infra-estrutura e serviços urbanos são então acom-
panhados pelo investimento dos próprios moradores em melhorias na
qualidade da habitação (Bonduki; Rolnik, 1979a; Caldeira, 1984; Durham,
1986).
Com a configuração de um novo padrão de acumulação, a partir dos
anos 1970, no qual grandes massas de capital passam a circular entre mercado
financeiro e produção imobiliária (Ribeiro; Lago, 1994), ocorrem mudanças
no processo de urbanização brasileiro. Apesar da ocorrência de diminuição
do ritmo da periferização urbana, ao mesmo tempo em que cresce a

1 Este artigo reúne parte das reflexões de minha dissertação de mestrado defendida em
2008 no IPPUR/UFRJ.
A PERIFERIA CONSOLIDADA COMO CATEGORIA E REALIDADE EM CONSTRUÇÃO 79

diversificação sócio-espacial das periferias,2 argumenta-se, no presente tra-


balho, que o modelo centro-periferia continua relevante, como tipo ideal,
para a compreensão da dinâmica da urbanização das metrópoles brasileiras.
Estudos recentes sobre as periferias, destacando sua incompleta incor-
poração à cidade e sua diversificação sócio-espacial, indicam a constituição
de uma periferia consolidada. Este reconhecimento das periferias consolida-
das como parte constitutiva do tecido urbano das principais metrópoles bra-
sileiras motiva a retomada de estudos sobre o crescimento periférico e a
investigação de recentes dinâmicas socioeconômicas nessa fração do tecido
urbano.
Este artigo se divide em três partes, além da introdução e considerações
finais. Na primeira seção, e na seguinte, serão apresentadas, respectivamen-
te, sistematizações sobre a categoria periferia consolidada e o fenômeno de
consolidação, do qual aquela é produto.3 Na terceira seção, por meio da ob-
servação de um lugar particular dessa periferia consolidada em São Paulo,
torna-se possível destacar a dimensão relacional do espaço a partir do
consumo.

Periferia Consolidada: uma nova categoria?

Na literatura latino-americana, a questão urbana aparece definida, nos anos


1970 pela intersecção de duas tradições teórico-analíticas, a dos estudos urba-
nos e da análise estrutural do desenvolvimento. Essa questão, traduzida no
modelo centro-periferia, decorre da preocupação com o desenvolvimento
econômico, gerado pela industrialização, sem a contrapartida de um volume
equivalente de empregos ou condições urbanas adequadas, num contexto de
intenso crescimento de população nas grandes cidades (Gonçalves, 1989).
O modelo centro-periferia seria, assim, resultante de mecanismos pelos
quais se daria a concentração dos pobres nas áreas mais baratas e afastadas do
centro da metrópole. O centro moderno e a periferia atrasada representariam,
assim, a transposição para o urbano da mesma unidade contraditória, mas
operante no desenvolvimento do capitalismo industrial no Brasil, identifica-
da por Francisco de Oliveira em “Crítica à Razão Dualista”. A tese central des-
te ensaio, publicado originalmente em 1972, supõe que “a expansão do
capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e

2 A diversificação socioeconômica das áreas periféricas de um lado seria conseqüência do


aumento da pobreza gerado pela crise econômica dos anos 1980 e por transformações nos
processos de produção do ambiente construído (Ribeiro; Lago, 1994). De um lado cresce
a população vivendo em favelas, de outro surgem novas formas de segregação das cama-
das médias.
3 O estudo enfoca as metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, é possível que o
processo de consolidação das periferias, embora particular a cada cidade, é atravessado
por determinadas dinâmicas passíveis de alguma generalização.
80 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

reproduzindo relações arcaicas no novo” de maneira desigual e combinada.


As periferias, em particular, são definidas, por Nabil Bonduki e Raquel
Rolnik, influenciados por essa tese de Francisco de Oliveira, como:

As parcelas do território da cidade que têm baixa renda diferencial. [...] A renda
diferencial é o componente da renda fundiária que se baseia nas diferenças en-
tre as condições físicas e localizações dos terrenos e nos diferenciais de investi-
mentos sobre eles, ou no seu entorno, aplicados (Bonduki; Rolnik, 1979b: 147).

Essa definição, vinculando fortemente o sentido de periferia à precariedade ur-


banística, foi amplamente reproduzida em outros estudos sobre as periferias.4
Valladares (1980 apud Ribeiro; Lago, 1994) ao realizar uma resenha bibliográfi-
ca sobre o tema habitação assinala que o termo “periferização” era utilizado
para designar um modo específico de estruturação do espaço urbano.
Diferente do observado com relação à periferia, que foi precisamente
conceituada, as referências encontradas sobre a periferia consolidada não in-
formam muito sobre sua definição. Em geral, o uso dessa categoria está asso-
ciado à necessidade de diferenciação hierárquica dos espaços da cidade.
Em artigo que analisa, segundo tipologia sócio-ocupacional, a dinâmica
demográfica na metrópole do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1980 e 1990,
Ribeiro (2001) utiliza o termo periferia consolidada para se referir a áreas da
metrópole que teriam sofrido um processo de elitização moderada. Segundo
o autor, essas áreas indicam um processo de diferenciação social da periferia:
em 1980, eram “operárias” e, na década analisada, apresentam aumento do
peso dos “prestadores de serviços” e, em menor grau, das “categorias superi-
ores”, o que expressaria a existência de “processos de renovação social de áre-
as populares pela mobilidade espacial, em sua direção, de pessoas com status
social mais elevado (categorias de profissionais de nível superior), ao mesmo
tempo em que teria ocorrido a elevação do status social dos antigos residen-
tes” (Ribeiro, 2001: 10).
Torres (2005) divide a região metropolitana, em estudo sobre a dinâmi-
ca demográfica intra-urbana de São Paulo na década de 1990, em três
sub-regiões — a cidade consolidada, a periferia consolidada e a fronteira ur-
bana — utilizando como critério a taxa de crescimento da população. O autor
define como fronteira, as áreas que apresentaram taxas superiores a 3% ao
ano no período de 1991 a 2000; como periferia consolidada, as áreas com taxas
de crescimento populacional entre 0 e 3% ao ano e, como cidade consolidada,
as áreas com crescimento negativo.
Para esse autor tanto a fronteira urbana como a periferia consolidada
são áreas pobres. Entretanto, poderiam ser diferenciadas com base na

4 Ver, por exemplo, Costa, 1984; Mautner,1999 e Marques; Bichir 2001.


A PERIFERIA CONSOLIDADA COMO CATEGORIA E REALIDADE EM CONSTRUÇÃO 81

observação do crescimento demográfico e na oferta de bens de consumo


coletivo:

Enquanto nas áreas de fronteira urbana — que em alguns casos estava crescen-
do a mais de 10% ao ano — tudo está por construir (incluindo arruamentos, es-
colas, postos de saúde e saneamento básico), na periferia consolidada grande
parte dos equipamentos sociais está presente, e a política social tende a implicar
outros elementos, como melhoria do ensino básico e das condições de moradia
e acesso ao mercado de trabalho e ao crédito (Torres, 2005: 108).

Em Cardoso et al (2007: 7-8) a estrutura metropolitana do Rio de Janeiro é


apresentada da seguinte forma: “Núcleo, Zona Suburbana, Periferia Consoli-
dada e Periferia em Expansão”. A periferia consolidada, nesse caso, seria defi-
nida por apresentar “altas taxas de crescimento populacional entre os anos
1940 e 1970” e por concentrar “uma população pobre, com menor escolarida-
de, mais jovem, mais negra e com pouco acesso a serviços e equipamentos
urbanos”.
Com o intuito de aprofundar essas abordagens, apresenta-se a seguir, e
na próxima seção, algumas considerações, a partir de entrevistas realizadas
com acadêmicos interessados na questão das periferias.
Lúcio Kowarick5 compreende por periferia consolidada zonas dis-
tantes do centro, e “essa distância pode variar muito”, que receberam ser-
viços urbanos básicos — água, esgoto, coleta de lixo, pavimentação e
iluminação pública — e que, nos anos 1970, “eram absolutamente ou mui-
to desprovidas desses serviços”. Dessa maneira, “tanto essas áreas como
as casas construídas em terrenos clandestinos foram se aprimorando no
sentido de ter níveis de habitabilidade melhor”. Na reflexão deste proces-
so, ressalta a força dos movimentos sociais, nos anos 1970 e 1980, e aponta
para o crescimento das favelas nos interstícios do tecido periférico, princi-
palmente após os anos 80.
Contudo, para esse pesquisador, essa melhoria ainda é muito precária:

A periferia consolidada, eu fiz dois vôos de helicóptero sobre São Paulo, ela é de
uma monotonia total, é uma cor cinzenta meio amarelada e é contínua, é uma
casa em cima da outra, ruelas e sem de fato ter havido um planejamento urba-
nístico que desse uma diretriz, são quilômetros e quilômetros e de repente um
ponto verde, então eu diria que há uma consolidação muito precária tanto das
casas como dos bairros do ponto de vista de qualidade de vida urbana.

5 Professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên-


cias Humanas da USP. Entrevista realizada em 25/06/2007.
82 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Considera-se, portanto que o termo periferia consolidada é, na maioria das


vezes, utilizado como categoria mediadora entre dois outros conceitos: cen-
tro ou núcleo e periferia. A elaboração da categoria periferia consolidada
pode ser justificada então pela necessidade de distinguir loteamentos perifé-
ricos bem equipados e com crescimento populacional estabilizado, de perife-
rias mais recentes e outros tipos de moradia precária, tais como favelas,
conjuntos habitacionais e cortiços.
Já para Raquel Rolnik,6 o conceito de periferia não é muito adequado à
realidade atual; observa que, nos anos 1970, havia certa coincidência entre “o
modo de inserção dos mais pobres na cidade” e a “franja urbana”. Assim, o
conceito de periferia correspondia a “um modelo de ocupação, de urbaniza-
ção que estava em pleno vigor naquele momento”. No presente, devido às no-
vas configurações territoriais dos segmentos de renda média e alta —
“shopping centers, hipermercados, condomínios, que também ficam na fran-
ja, que também ficam distantes” — a forma mais adequada de refletir a urba-
nização brasileira seria através do próprio processo de produção do espaço,
ou seja,

aquilo que foi o espaço produzido pelo mercado e pelo Estado dentro da nor-
malidade e da legalidade e aquilo que é o habitat que foi produzido socialmen-
te, um conceito interessante que os movimentos usam [...] o habitat
auto-produzido, pelos próprios moradores, tem sua lógica econômica, territo-
rial, inclusive sua lógica de contratos, de relações contratuais, de registros de
propriedade, de transferências e etc.

O importante, para Rolnik, seria destacar como a periferia é construída “ao


inverso do que a lógica do regular prescreve”. Persistiria, a partir da origem,
“uma marca visível e que atravessa todo o destino desse lugar”, isto é, “tem
implicações na própria consolidação física, urbanística, ambiental desses as-
sentamentos, mas também na sua inserção política, na relação que esses espa-
ços, no mundo da cultura urbana, têm com a cidade”. A determinação de uma
periferia como consolidada é “muito impressionista mesmo”, contudo “o que
importa é entender o processo e a tensão que tem entre essas categorias [o que
foi produzido regularmente e o que não] e não claramente delimitar o que é
consolidado”.
Mas em que medida a consolidação das periferias já era prenunciada
pelo modelo centro-periferia? Afinal quais seriam os aspectos envolvidos
nessa dita consolidação? Nas próximas sessões busca-se responder a estas in-
dagações visando contribuir para a descrição de alguns dos processos que

6 Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Relatora especial da Orga-


nização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada. Entrevista realizada em
17/08/2007.
A PERIFERIA CONSOLIDADA COMO CATEGORIA E REALIDADE EM CONSTRUÇÃO 83

fazem parte dessa lógica de reprodução e consolidação de periferias como es-


truturante das metrópoles brasileiras.

O destino das periferias: fazendo existir o que existe.

Apreender ao mesmo tempo o que é instituído, sem esquecer que se trata so-
mente da resultante, num dado momento, da luta para fazer existir ou”inexis-
tir” o que existe (...) restituir ao mesmo tempo as estruturas objetivas e a relação
com estas estruturas, a começar pela pretensão a transformá-las, é munir-se de
um meio de explicar mais completamente a “realidade” (Bourdieu, 1989)

De fato, grande parte dos loteamentos periféricos populares surgidos entre as


décadas de 1930 e 1970, em São Paulo, por exemplo, agora, após mais de qua-
renta anos, possuem infra-estrutura urbana e muitos destes também já finali-
zaram o processo de regularização fundiária.
Nos anos 1980, muitos estudos relacionaram as melhorias urbanas à rei-
vindicação coletiva por parte dos movimentos sociais urbanos.7 Cardoso
(1985 apud Caldeira, 2000), no entanto, advertia que não obstante o fato dos
movimentos populares terem gerado alteração na postura dos governos —
na medida em que denunciavam, para a opinião pública, a precariedade da
vida na periferia — a administração pública, no período, já era sensível à ne-
cessidade de novas políticas sociais quando foi alvo das reivindicações desses
movimentos. Esse argumento foi comprovado por Marques (2003), em estu-
do sobre a implantação de obras de infra-estrutura viária no Município de
São Paulo.
Em decorrência da chegada da infra-estrutura e serviços urbanos, che-
garia o mercado imobiliário legal. Caldeira (2000) constata que alguns dos lo-
teamentos periféricos, que estudara cerca vinte anos antes, haviam começado
a entrar no mercado imobiliário legal e a passar por um processo, ainda limi-
tado, de capitalização na produção de moradias no qual incorporadores mai-
ores começavam a investir e a construir moradias legais, especialmente
edifícios de apartamentos.
Outra tendência enunciada com relação à oferta de bens de consumo co-
letivo nas periferias seria a conseqüente substituição dos antigos moradores.
Em pesquisa realizada ainda nos anos 1970 em cinco loteamentos de Osasco,
Região Metropolitana de São Paulo, Bonduki e Rolnik (1979a) constatam que,
no loteamento mais consolidado, aberto cerca de vintes anos antes, a maioria
dos primeiros moradores havia sido substituída. De acordo com esses

7 Cf. Telles, V.;Bava, S. “O Movimento dos ônibus: a articulação de um movimento reivin-


dicatório de periferia”. Espaço & Debates, São Paulo, v.1,n.1, 1981; SADER, E. Quando
novos personagens entram em cena. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1988; Singer, P.; Brant, V.
(org.) São Paulo: o povo em movimento. São Paulo: Vozes/ CEBRAP, 1982.
84 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

autores este seria um fenômeno associado à renda da terra, responsável por


relacionar espaço a preços:

A elevação da renda diferencial de um terreno torna-o cada vez mais inacessível


às parcelas menos remuneradas da força de trabalho, cujos rendimentos são in-
suficientes para pagar seu preço. Assim as camadas de menor renda são “expul-
sas” para periferias cada vez mais carentes, o território que lhes cabe para
habitar na metrópole será sempre sua parcela menos urbanizada e mais carente
(Bonduki; Rolnik, 1979a:80).

Uma síntese dessas fases ou estágios de consolidação pode ser encontrada em


Mautner (1999). Também seguindo uma orientação estrutural marxista, essa
autora reconhece um padrão “fragmentado, descontínuo no tempo e no espa-
ço” de construção social da cidade, composto por uma seqüência de três ca-
madas de trabalho, pelo qual as periferias seriam produzidas e apropriadas
pelo capital. A primeira camada é realizada por parte do trabalhador que
compra a terra (mesmo irregularmente), auto-construindo, na maioria das
vezes, sua casa; a segunda camada de trabalho consiste na ação do Estado em
estender a infra-estrutura para a área; por fim, a terceira camada seria aquela
em que o capital se apropria do trabalho das camadas anteriores, transfor-
mando as áreas em “espaço urbano”. Nesse processo, “vários de seus mora-
dores originais acabam sendo expelidos para iniciar a primeira camada de
trabalho em periferias mais distantes” (Mautner, 1999:256-257).
A existência de distintos estágios nas periferias foi também explicitada
em depoimento de Nabil Bonduki, após cerca de 20 anos de sua primeira pes-
quisa, já citada, sobre as periferias:

Quando fui para Habi,8 tive uma noção mais clara daquilo que já tinha aparecido
no trabalho Periferias, dez anos antes: existem estágios diferentes de periferia. Por
conta de Habi, eu fui pra todos os cantos da cidade e verifiquei que existiam aque-
las periferias absolutamente ermas, sem nada, e outras bastante equipadas. Eu me
lembro o susto que levei no primeiro dia que fui para a avenida Matteo Bei, em São
Mateus, que era uma rua comercial. Tinha Casas Pernambucanas, agências de ban-
cos, era um centro comercial constituído (Bonduki, 2001: 96).

Barbon (2004), concordando com o processo de consolidação das periferias ,


chega a determinar para este um padrão temporal médio. Com base em mo-
delos matemáticos, inspirados na economia neoclássica, e em análises relaci-
onadas ao ciclo de vida, Barbon afirma que as áreas periféricas levam, “a

8 Superintendência de Habitação Popular da Secretaria Municipal de Habitação de São Pa-


ulo, da qual Bonduki foi superintendente entre 1989 e 1992.
A PERIFERIA CONSOLIDADA COMO CATEGORIA E REALIDADE EM CONSTRUÇÃO 85

partir do início da ocupação, entre 20 e 25 anos para se consolidarem, incor-


porando características definitivamente urbanas e atraindo quantidade sig-
nificativa de famílias”.
Esse processo seria composto de dois momentos (ondas). Ao final da
primeira onda (pioneira), cerca de quinze anos após o início da ocupação sis-
temática da área, a localidade tenderia a apresentar um volume de moradores
suficiente “para exercer pressão por melhorias na infra-estrutura básica”,
ocorrendo também maior “atratividade para os pequenos negócios e serviços
complementares”. A segunda onda de ocupação (consolidação) já encontra-
ria, em geral, a “região com relações mais fortes com a malha urbana metro-
politana representadas, por exemplo, pelo transporte coletivo público, ainda
que precário; pelo calçamento e iluminação das principais vias de acesso; pe-
las instituições de ensino público, etc.” (Barbon, 2004:14-15). Para essa autora,
a partir do momento em que estes “núcleos” são incorporados à cidade, ten-
dem a ser absorvidos pelo mercado formal, sendo assim gerado um novo pro-
cesso de expulsão e de segregação.
Rolnik9 detalha esse processo de expulsão relacionando-o a uma ques-
tão geracional e a uma mudança no perfil quando “a renda do bairro sobe”.
Neste processo, os moradores antigos, que construíram sua própria casa, difi-
cilmente a deixam, “a não ser por uma tragédia familiar”. Entretanto, quando
as famílias não ascendem socialmente, acompanhando a consolidação do ba-
irro, seus filhos não conseguem permanecer na área, deslocando-se para no-
vas periferias.

Tem uma questão de ciclo de vida, no processo de formação de um novo lotea-


mento clandestino ou irregular na franja, quem se instala normalmente são ca-
sais que já estão casados faz um tempo e com filhos pequenos. Então desse
momento e até os filhos casarem e constituírem família é o período que vai con-
solidando o bairro, quando os filhos casam e constituem família, eles vão aden-
sar lá dentro, seja na favela, seja no bairro de periferia — dentro do próprio
quintal — e alguns anos depois, eles vão sair e abrir outra frente.

Kowarick10 entende que o ritmo da periferização mudou a partir dos anos


1970, o que estaria relacionado à redução do crescimento da metrópole como
um todo, porém acredita que o processo continua substantivamente o mes-
mo, isto é, à medida que os investimentos avançam, gerando a consolidação
das periferias mais antigas, novas periferias se formam em áreas mais distan-
tes e sem bens de consumo coletivos.

9 Entrevista concedida em 17/08/2007.


10 Entrevista concedida em 25/06/2007.
86 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Você tem sempre uma situação mais periférica, mais longínqua, sem serviços,
com problema de conflito de terra e altos índices de homicídio. E isso é uma
constante criação, a cidade vai crescendo e à medida que essa consolidação,
mesmo precária, chega o preço das casas e dos terrenos aumenta e faz com que a
população mais pobre só possa ir para zonas desprovidas, até que daqui dez
anos, vinte anos, quando essas zonas também vão ser incorporadas, dessa ma-
neira muito desprovida, muito sem planejamento, muito caótica. [...] A literatu-
ra aponta, de uma maneira geral, que quando chegam investimentos, o aluguel
aí sobe, geralmente o inquilino não pode pagar e chega uma faixa de renda mai-
or, então há sempre um processo também de expulsão de população que não
pode pagar o assim chamado preço do progresso.

Destaca Kowarick, por fim, que a grande diferença dos anos 1970, além da
melhora nas condições urbanísticas, “é que houve um aumento muito grande
da violência, da criminalidade, que é um fenômeno que nos anos 70 pratica-
mente não existia”.
No entanto, segundo Eduardo Marques,11 pesquisa recente coordenada
por ele no Jardim Ângela, bairro localizado na zona sul de São Paulo, cuja
ocupação mais intensa iniciou-se após os anos 1970, indica que o tempo entre
a compra de um lote em loteamento clandestino, o provimento de in-
fra-estrutura e a regularização foi de cerca de dez anos, ou seja, “o processo é
idêntico ao descrito pelo Kowarick nos anos 1970 de produção do loteamento,
só que está comprimido no tempo, isso é uma coisa muito interessante e faz
com que seja diferente o processo”. O exame das etapas desse processo, se-
gundo Marques, mostra que o caminho para a obtenção das melhorias foi
praticamente institucional, sem a intermediação de políticos clientelistas, o
que indicaria que “na intermediação entre Estado e sociedade aconteceu mui-
ta coisa importante que está pouco conhecida”.
É possível que a observação empírica de Marques esteja relacionada
com as mudanças na orientação das políticas governamentais. Na década de
1980, além da regularização jurídico-administrativa dos loteamentos, que já
havia sido incorporada à rotina das administrações anos antes (GROSTEIN,
1987) começa a se consolidar, em contraposição às remoções das favelas, polí-
ticas de melhoria de seus padrões de urbanização.
Dessa maneira é possível afirmar que a consolidação de antigas periferi-
as e reprodução de novas formas precárias de moradia, sejam loteamentos
em áreas cada vez mais distantes, favelas ou cortiços ainda se faz presente e é
parte da própria lógica de reprodução das cidades no Brasil, onde a política e
os instrumentos de planejamento urbano, embora existam e tenham

11 Professor livre docente do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia,


Letras e Ciências Humanas da USP, vice-coordenador e pesquisador do INCT — CEM do
Centro de Estudos da Metrópole. Entrevista concedida em 25/02/2008.
A PERIFERIA CONSOLIDADA COMO CATEGORIA E REALIDADE EM CONSTRUÇÃO 87

avançado, não conseguem mudar a estrutura política e socioeconômica re-


produtora de desigualdades.

A periferia se consolida, mas não acaba

Pretende-se, nesta seção, tratar da incompletude da urbanização e da distin-


ção social que marca a trajetória dos moradores das periferias, na mesma di-
reção da qual já indagou Bonduki:

Quando toda a periferia tiver água, luz, asfalto, esgoto — e estamos nos encami-
nhando para isso — então, vai acabar a periferia? Eu acho que não. Por causa do
elemento social (Bonduki, 2001: 97).

Para tanto se recorre a alguns acontecimentos da história de um bairro da perife-


ria de São Paulo, Itaquera, cuja ocupação iniciou-se ainda, no final do século XIX,
no entorno de sua antiga estação de trem. Desde então e até a década de 1950, Ita-
quera era considerada um subúrbio residencial, habitado principalmente por
operários, comerciários e funcionários públicos de pequena categoria (Lemos;
França, 1999), rodeado de chácaras e plantações de hortifrutigranjeiros.
A partir da década de 1950, Itaquera torna-se uma das frentes de abertu-
ra de loteamentos periféricos, alternativa encontrada diante da oferta insufi-
ciente de habitação para a população de baixa renda e migrantes atraídos pela
indústria. Em 1968, diagnóstico elaborado como subsídio para o Plano Urba-
nístico Básico mostrou a profunda desigualdade existente na distribuição de
infra-estrutura e de serviços públicos no Município de São Paulo. Enquanto
no centro, 1,3% dos domicílios não tinham água encanada, 4,5% não estavam
ligados à rede de esgoto, 1,7% não tinham asfalto e 0,8% não eram atendidos
pela coleta de lixo, em Itaquera, não havia água encanada em 89,3% dos do-
micílios, 96,9% não dispunham de esgotos, 87,5% não tinham asfalto e 71,9%
não dispunham de coleta de lixo (Caldeira, 2000).
Passados mais de cinqüenta anos do início da ocupação mais intensa,
Itaquera encontra-se servida por meios de transporte público, inclusive
metrô, bancos, hiperpermercados e shopping-center. Além disso, existe,
desde 2000, uma unidade do Programa Poupatempo, que reúne, em um
único local, um amplo leque de órgãos e empresas prestadoras de serviços
de natureza pública. Na gestão municipal da Prefeita Marta Suplicy, entre
2001 e 2004, foi realizado o prolongamento da principal via de ligação da
zona leste, a Radial Leste, e elaborado o Programa de Desenvolvimento da
Zona Leste, o qual adotou Itaquera como a principal centralidade da re-
gião. Em 2010, foi anunciado que um dos estádios da Copa do Mundo de
2014 será construído na região.
É possível afirmar, assim, que Itaquera consolidou-se como parte do
mapa de investimentos da metrópole. Porém até que ponto ainda poderia ser
88 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

considerada periferia? Para sugerir uma resposta possível a esta questão ana-
lisa-se a seguir a atuação do mercado imobiliário na região.
O crescimento e a diversificação do comércio na região são apontados,
pelo diretor de marketing do Grupo Waled — empresa que lançou, em 2000,
dois condomínios fechados de casas em Itaquera — como os principais fato-
res responsáveis pelo potencial de desenvolvimento imobiliário: “Quando o
centro comercial começa a crescer é porque a região tem potencial para o de-
senvolvimento imobiliário” (O Estado de São Paulo, 16/01/2000).
Além das cooperativas, incorporadoras e construtoras de maior porte
passaram a atuar, na região, produzindo imóveis voltados para as famílias de
baixa e média baixa renda. Nesse movimento, o pequeno especulador, ator
urbano espalhado por todas as camadas sociais e protagonista da expansão
periférica, até então, cede lugar na dinâmica de constituição do espaço cons-
truído à grande empresa de imobiliária (Ribeiro; Lago, 1994).
A mesma técnica utilizada por cadeias de fast food na periferia passa en-
tão a ser utilizada por construtoras, como registra o proprietário da constru-
tora Tenda:

A esfiha popular, que vende bastante, custa 39 centavos, mas tem menos carne
que uma de 2 reais. Ela é um sucesso. O nosso objetivo é semelhante [...].Não te-
mos o direito de inventar. Parede curva em banheiro, só em Paris. Comprador
de baixa renda não se importa com isso (Revista Veja, 17/01/2007).

Os imóveis populares, construídos por empresas como a Tenda, são feitos em


linha de produção e com o material mais barato encontrado no mercado. Os
edifícios não têm elevador e as casas têm plantas simplificadas, assim como
nos conjuntos habitacionais da produção pública.
O desenvolvimento de estratégias voltadas aos consumidores emergen-
tes, ou à base da pirâmide, como se referem a estes os consultores de merca-
do,12 é considerado como a maior chance de aumento da lucratividade nos ne-
gócios. Em uma cidade como São Paulo, por exemplo, com aproximadamente
10 milhões de habitantes, segundo o Censo Demográfico de 2000, cerca de 4
milhões ou 40% da população estão na considerada classe C,13 a classe dos
considerados consumidores emergentes.

12 A expressão é uma referência à obra de C.K. Prahalad, consultor indiano radicado nos
Estados Unidos, que desenvolve estratégias de obtenção de lucro através do consumo
dos mais pobres. Seu livro “A riqueza na base da pirâmide” foi publicado no Brasil em
2005.
13 Consideramos uma renda média de cerca de 900 reais, conforme indica o Critério de
Classificação Econômica Brasil, divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de
Pesquisa, em 2003. No entanto, salientamos que o fator que mais influi nesta classificação
é a posse de bens duráveis como geladeira, máquina de lavar, televisão e automóvel. Cf.
http://www.abep.org/codigosguias/ABEP_CCEB.pdf
A PERIFERIA CONSOLIDADA COMO CATEGORIA E REALIDADE EM CONSTRUÇÃO 89

O aumento do consumo das famílias de renda baixa e média baixa tem


sido, desde meados da década de 1990, destacado pela mídia. Uma revista
com forte circulação entre a classe média anunciou, com alguma ironia, as
mudanças no modo de vida desses segmentos sociais:

As classes C, D e E estão comprando de tudo. Logo que a inflação caiu e o orça-


mento ficou um pouco mais flexível, compraram comida. Depois é que veio a
procura pelos produtos eletrônicos. A última moda dos consumidores emer-
gentes é viajar, pedir pizza em casa, jantar assistindo a uma fita alugada numa
videolocadora e comprar jóias baratas (Revista Veja, 18/12/1996).

Segundo Torres, Bichir e Carpim (2006), resultados da Pesquisa Nacional por


Amostra de Domicílios, entre 1995 e 2004, indicaram o crescimento da pro-
porção de pobres e ao mesmo tempo o aumento do consumo de bens e servi-
ços. Para esses autores, o consumo da população mais pobre foi alterado
devido a transformações sociais associadas às políticas públicas, a variações
na estrutura de preços, a mudanças no tamanho da família, à transformação
do papel da mulher e à maior oferta de crédito.
O reconhecimento, pelas grandes empresas, da importância do poder
de compra dos mais pobres tem provocado a adaptação de suas estratégias.

Companhias têm de criar produtos voltados às classes C, D e E, que já são 50%


do mercado. [...] Ameaçados pelo avanço de marcas mais “populares”, fabri-
cantes estão tendo de fazer com que seu produto “caiba no bolso” desse público
(Folha de São Paulo, 24/03/2008).

Além disso, ocasionou também uma diferenciação entre os produtos ofereci-


dos a esses segmentos sociais e aqueles oferecidos aos de renda mais alta.
Essa distinção não é apenas uma necessidade do mercado, mas encontra-se
disseminada na sociedade. A mesma revista Veja, citada anteriormente, enfa-
tiza o aumento do consumo entre os pobres praticamente como uma ameaça
ao status de seus leitores de classe média, principalmente daqueles que pro-
curam se distinguir dos mais pobres justamente através do consumo.14

Os ricos estão ficando no mesmo lugar. E os pobres estão melhorando. Essa


transformação é dramática e quem quiser percebê-la visualmente pode pegar o
carro e dar uma volta pelos bairros periféricos das grandes cidades. É o endere-
ço dos pobres [...] O que se descobrirá nesse passeio é que a vida dessa gente

14 Uma parte da classe média, formada, principalmente, por filhos de prósperos comerciantes,
embora tenha boas condições materiais, não participa do campo de produção cultural e me-
nospreza o debate intelectualizado e político, procurando assegurar sua distinção dos mais
pobres justamente pela qualidade de seu consumo (O’Dougherty, 1998).
90 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

está mudando muito rápido. [...] Grandes redes de supermercado migraram


para essas regiões, instalando lojas que, entre outras coisas, vendem produtos
importados. As redes de fast food, que pescavam a clientela apenas na classe mé-
dia, estão chegando. Apareceram locadoras de vídeo, casas que vendem eletro-
domésticos, até shoppings. Um jardim de antenas parabólicas floresce em
bairros modestos (Revista Veja, 18/12/1996).

Ao contrário dos consumidores emergentes, a classe média percebe, em ge-


ral, a periferia como uma realidade muito diferente da sua; representação re-
forçada pela distância física que ainda separa os bairros onde tendem a se
concentrar os dois segmentos sociais em São Paulo. É por isso que para que a
classe média conhecer “o endereço dos pobres”, é necessário “pegar o carro”
e experimentar uma aventura através da qual descobrirá que os pobres tam-
bém consomem até “produtos importados”.
Como reflete Bourdieu (1982, 1989) a posse de bens não é jamais uma
condição suficiente para pertencer a determinada classe social. Isto porque as
diferenças propriamente econômicas são duplicadas por distinções simbóli-
cas presentes na maneira de usufruir estes bens, ou melhor, através do consu-
mo simbólico que transmuta bens e signos, as diferenças de fato, em
distinções significantes.
Pode-se considerar que a periferia consolidada seria, assim, incorpora-
da à cidade legal com uma dupla função: abrigar os emergentes, manten-
do-os distantes física e socialmente da classe média, ao mesmo tempo em que
garante alguma diferenciação entre os primeiros da população mais pobre.
Os corretores de imóveis, nesse segundo sentido, afirmam que quem
nasce nos bairros da zona leste, pode até mudar de bairro, mas dificilmente
vai para outra região da cidade. Para o consumidor emergente parece ser rele-
vante a manutenção da proximidade com o lugar onde estão seus vínculos so-
ciais. Este talvez seja um fator ainda mais importante para esse tipo de
consumidor do que para os segmentos de renda mais alta, que, podendo pa-
gar por uma série de serviços, dependeriam menos da ajuda de vizinhos e fa-
miliares na vida cotidiana. Mais do que isso, esse consumidor não se sentiria
parte da cidade como um todo, percebendo que “é melhor ser rei na periferia
do que mendigo nas áreas ricas”.

[O mercado] é restrito e atende a compradores da própria zona leste. Empresá-


rios que atuam em bairros mais periféricos, como São Mateus, São Miguel ou
Ermelino Matarazzo, por exemplo, têm interesse em morar no Tatuapé, que é
mais nobre (Folha de São Paulo, 25/07/2004).

Para compreender melhor essas preferências, retorna-se às orientações analí-


ticas oferecidas por Bourdieu. Para esse autor, a localização de agentes ou os
grupos no espaço social se dá em função da desigual distribuição de capital
A PERIFERIA CONSOLIDADA COMO CATEGORIA E REALIDADE EM CONSTRUÇÃO 91

econômico e capital cultural. Assim, os agentes teriam tanto mais em comum,


quanto mais próximos estivessem nessas duas dimensões do poder e, logo,
tanto menos quanto mais distantes. As distâncias espaciais, assim, equivale-
riam a distâncias sociais. O espaço social, portanto seria conformado pela in-
termediação de um sistema de disposições (ou habitus), sendo que a cada
efetiva classe social estaria associada uma classe de habitus (ou gostos), cor-
respondentes aos condicionantes da ação social (Bourdieu, 1997).
A estrutura do espaço social, por sua vez, manifestar-se-ia sob a forma
de oposições espaciais, onde, por exemplo, o espaço habitado funcionaria
como uma espécie de simbolização espontânea do espaço social. Assim, não
haveria espaço, numa sociedade hierarquizada que também não fosse hierar-
quizado (Bourdieu, 1998).

Considerações finais

A consolidação das periferias é constatada como uma experiência intergera-


cional marcada pela experienciação continuada de carências de seus morado-
res, devido à incompletude do tecido urbano, ao mesmo tempo em que se
configura como oportunidade de ampliação de lucro por parte dos agentes li-
gados ao mercado legal que passam a ofertar produtos diferenciados para a
população que mora nessas áreas.
A compreensão de que o espaço social se retraduz no espaço físico ajuda
a explicar porque as periferias, embora consolidadas urbanisticamente e com
razoável mercado de bens e serviços, não deixam de ser reconhecidas como
periferias. As hierarquias sociais não são invertidas ou anuladas pela consoli-
dação de um dos seus níveis. Afinal, mobilidade social não implica em igual-
dade ou, ao menos, em garantia da redução de diferenças sociais.
O processo de consolidação das periferias possui uma dimensão urba-
nística; mas, também possui uma dimensão social, ou seja, é determinado
pela condição e posição ocupada pelos agentes que habitam esses espaços.
Nesse sentido, periferia consolidada e consumidor emergente podem ser
considerados como representações articuladas, e que contribuem recipro-
camente para a definição de uma sociedade e de um território em
movimento.

Referências bibliográficas

Barbon, A. (2004), “Mobilidade residencial intra-urbana em grandes centros”, in


Encontro Nacional De Estudos Populacionais, 14, 2004, Caxambu, Anais...
Disponível em: http://www.abep.org.br.
Bonduki, N. Depoimento (2001), Revista Espaço & Debates, São Paulo, n. 42.
Bonduki, N.; Rolnik, R.(1979a), Periferias, São Paulo, USP, FAU, Fundação para
Pesquisa Ambiental.
92 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Bonduki, N.; Rolnik, R. (1979b), “Periferia da Grande São Paulo”, in Maricato, E.


(Org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial, São Paulo,
Editora Alfa-Omega.
Bourdieu, P. (1998), Efeitos de Lugar. In Bourdieu, P.(coord.), A miséria do mundo,
Petrópolis, Vozes.
Bourdieu, P. (1997), Razões práticas: sobre a teoria da ação, Campinas, Papirus.
Bourdieu, P.(1989), O poder simbólico, Lisboa, Difel, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
Bourdieu, P. (1982), “Condição de Classe e posição de Classe”, in Bourdieu, P. A
Economia das trocas simbólicas, São Paulo, Editora Perspectiva.
Caldeira, T. (2000), Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo, São
Paulo, Editora 34/Edusp.
Caldeira, T. (1984), A Política dos outros, São Paulo, Ed. Brasiliense.
Cardoso, Adauto L. et al. (2007), Habitação social na Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, Coleção Habitare, Habitação Social nas Metrópoles Brasileiras.
Costa, L. (1984), Aspectos do processo de produção das periferias da Grande São Paulo,
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) — FAU,USP, São Paulo
Durham, E. (1986), “A sociedade vista da periferia”, Revista Brasileira de Ciências
Sociais, São Paulo, v.1, n.1, jun.
Gonçalves, M. (1989), “Processo de urbanização no Brasil: delimitação de um
campo de pesquisa”, Revista Espaço & Debates, São Paulo, n. 28.
Grostein, M. (1987), A cidade clandestina, os ritos e os mitos, Tese (Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo) — FAU, USP, São Paulo.
Lemos, A.; França, M. (1999), Itaquera, São Paulo, DPH.
Marques, E.; Bichir, R. (2001), “Investimentos públicos, infra-estrutura urbana e
produção da periferia em São Paulo”, Revista Espaço & Debates, São Paulo,
n. 42.
Mautner, Y. (1999), “A periferia como fronteira de expansão do capital”, in DEAK,
C.; Schiffer, S. (Org.), O processo de urbanização no Brasil, São Paulo, Edusp
O’dougherty, M. (1998), “Auto-Retratos da Classe Média: Hierarquias de “cultura”
e consumo em São Paulo”, Revista Dados, v. 41, n. 2.
Ribeiro, L. (2001), “Segregação, Desigualdade e Habitação: a metrópole do Rio de
Janeiro”, in Encontro Nacional Da Anpur, 9., Rio de Janeiro, Anais... Rio de
Janeiro, UFRJ/IPPUR.
Ribeiro, L.; Lago, L. (1994), Reestruturação das grandes cidades brasileiras, Rio de
Janeiro, IPPUR.
Torres, H. (2005), A “fronteira paulistana”, in Marques, E.; Torres, H. (Org.), São
Paulo: segregação, pobreza e desigualdade, São Paulo, Editora Senac.
Torres, H.; Bichir, R.; Carpim, T. (2006), “Uma pobreza diferente?” Novos Estudos
Cebrap, v. 74.
Capítulo 6

Racionalidade suburbanas
Formas, processos e modelos na produção do espaço urbano
contemporâneo

Cristina Soares Cavaco


Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design (CIAUD), Faculdade
de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa (ccavaco@fa.utl.pt)

Resumo

O presente artigo apresenta os resultados de uma investigação de doutoramen-


to desenvolvida na Faculdade de Arquitectura da UTL (2009) que se dedicou ao
estudo e à interpretação morfológica das formas de ocupação suburbana de ca-
riz residencial na Área Metropolitana de Lisboa. Reconhecendo o modo como
estes lugares urbanos periféricos têm sido representados a partir de imagens de
caos e irracionalidade, por comparação com os modelos canónicos que confor-
mam a cidade tradicional, a presente investigação teve por principal objetivo
discutir e escrutinar a ordem de razões que estão na base da forma e espaço ur-
bano contemporâneo.
Para tal sistematizou uma leitura e entendimento da forma do território segun-
do a fórmula dos três Ps de A. Corboz — produto (artefacto), projeto (conceito) e
processo (função) (1983). Apostando nas figuras da regra e do modelo enquanto
matrizes estruturais do processamento do espaço edificado (Choay, 1981), a in-
vestigação esforçou-se por constituir um quadro conceptual e instrumental
preliminar para o reconhecimento da legibilidade e inteligibilidade da forma e
estrutura urbanas contemporâneas. A aplicação deste quadro instrumental de
análise à pesquisa empírica e ao território da AML permitiu traçar uma tipolo-
gia exploratória às formas de suburbanização que veio configurar uma nova
narrativa para o espaço urbano da modernidade.

Introdução

É já lugar-comum referirmo-nos às paisagens da cidade contemporânea,


não-histórica e não-consolidada, aos territórios periféricos e lugares ditos su-
burbanos, como espaços menores, carentes e desqualificados que poluem e
deformam, de forma irrefletida e ordinária, as referências estéticas e espaciais
que guardamos do que deverá ser o nosso espaço de quotidiano. Na verdade,

93
94 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

sentimos muitas vezes que os lugares onde habitamos são pouco satisfatóri-
os, são espaços desconfortáveis, feios, monótonos, pouco eficazes em termos
de economia de tempo e espaço, pobres de sentido e aquém das imagens
aprazíveis que povoam os nossos imaginários. Mas servir-nos-á, esta ima-
gem de fealdade, de caos e irracionalidade, para registar e qualificar, sem he-
sitações nem constrangimentos, o espaço urbano contemporâneo? Ou serão
estas caracterizações e predicados uma espécie de apreciação, lesta mas rudi-
mentar, talvez mesmo um subterfúgio, para qualificar um espaço urbano que
quotidianamente habitamos, mas que na verdade não compreendemos?
Centrados nesta problemática e na hipótese de que os territórios subur-
banos não são, afinal, os tecidos caóticos e irracionais que normalmente con-
sideramos, o presente artigo tem por principal objetivo discutir e escrutinar a
ordem de razões que estão na base da produção da forma e espaço urbano
contemporâneos. Desta forma, a heterogeneidade, a fragmentação e as des-
continuidades que caracterizam as paisagens suburbanas não são simples-
mente sinónimo de ausência de ordem ou o resultado descomprometido de
crescimentos empíricos de grande espontaneidade, mas antes o produto da
aplicação e da acumulação de uma série de regras e princípios, e da reprodu-
ção e combinação de determinados modelos formais e de espaço, e mesmo da
sua transfiguração ou transgressão. É pois necessário questionarmo-nos so-
bre: Que narrativas contam estes diferentes fragmentos de cidade? Que dife-
rentes formas de racionalidade estão subjacentes na génese destas várias
configurações e padrões territoriais suburbanos?
Tendo por base a investigação para doutoramento realizada na Faculdade
de Arquitectura — UTL (2009), a apresentação começa por sistematizar a leitura
e o entendimento da forma do território segundo a fórmula dos três Ps — produto
(artefacto), projecto (conceito) e processo (função) (A. Corboz, 1983) — procuran-
do, a partir daqui e tomando como referência a obra de Françoise Choay (1980)
— La Règle et le Modèle, encontrar as diferentes ordens de razão e as narrativas
que estruturam o espaço construído da contemporaneidade.
O artigo propõe, desta feita, uma interpretação morfológica, ao nível
dos modelos e dos processos, dos assentamentos e padrões de ocupação su-
burbana que têm vindo a caracterizar, desde a última metade do século XX,
sensivelmente, o território e a paisagem metropolitanas de Lisboa, estrutu-
rando para isso uma nova tipologia para as formas da suburbanização na
Área Metropolitana de Lisboa.

Problemática e objecto de estudo

A crise da forma na cidade contemporânea

À semelhança de outros trabalhos de natureza científica, a presente investi-


gação nasceu com a constatação de um problema: a forma das nossas cidades,
RACIONALIDADE SUBURBANAS 95

ou mais genericamente, a forma urbana na cidade contemporânea, atravessa


um período de crise estrutural que se manifesta não apenas ao nível da paisa-
gem construída e na qualidade do espaço edificado, de uma maneira geral,
mas também e sobretudo no modo como os cidadãos vivem, se apropriam e
percebem os lugares onde habitam.
Esta crise [que pode ser polarizada a três níveis i) uma crise da forma e es-
trutura físicas da cidade; ii) uma crise das políticas urbanas, nomeadamente das
que se orientam para a definição da forma urbana, para a estruturação planeada
do território e para a instrumentalização da ação territorial; iii) e uma crise teóri-
ca e conceptual, i.e., uma crise das ideias que se reflete tanto na multiplicação de
retóricas sobre o tema, como na impossibilidade de partilha de uma ideia con-
junta de cidade] é, na verdade, uma crise de base fenomenológica que se pronun-
cia no desmantelamento de uma visão arquitetural do espaço da cidade sem que
estejam de pé os pilares estruturantes para a sua renovação.

Legibilidade e inteligibilidade do urbano na contemporaneidade

Nesta decorrência, as nossas preocupações orientaram-se para a legibilidade e


inteligibilidade da forma urbana contemporânea, uma vez que é aí — na inca-
pacidade de ler e compreender os territórios que diariamente habitamos, na
incapacidade de ler e entender o espaço urbano saído da modernidade — que
a crise ganha relevo e se manifesta em primeira instância.
O problema obviamente não é novo. Já em meados dos anos 60 autores
como Rossi (1966), Gregotti (1965), Kevin Lynch (1960) ou Nuno Portas (1969)
alertavam para a questão de como ler e fazer a cidade — cidade extensiva, ci-
dade-território — e para todo um conjunto de problemas e desafios que esta
coloca. Desde aí outros autores têm seguido um caminho idêntico com várias
reflexões sobre o tema, e perspetivando igualmente conceitos e ferramentas
sobre como lidar com a questão. Desde o Learning from Las Vegas de Robert
Venturi e Denise Scott Brown (1972) ou do Collage City de Colin Rowe e Fred
Koetter (1978), de finais dos anos 70, até ao Zwischenstadt de Thomas Sieverts
(1997), ao Netzstadt de Oswald e Baccini (2003) ou à Ville franchisée de David
Mangin (2004), na transição do milénio, têm sido grandes e enriquecedores os
contributos das últimas décadas.
Contudo, se em termos teóricos, este panorama reflete um forte investi-
mento em perspetivar outros modos de ler e intervir na cidade, já o mesmo
não acontece no que respeita a análises e abordagens morfológicas mais con-
cretas focadas em factos territoriais e em práticas específicas. São de facto
muito escassas as abordagens a este nível.
Esta é a segunda constatação que vem lançar o repto da investigação.
Como diz D. Mangin há uma “curiosa ausência” de contribuições morfológicas
e demonstrações cartográficas no que respeita a descrição e a análise destas
novas formas de ocupação territorial (2004: 20-24); opinião que autores como
96 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 6.1 Heterogeneidade, fragmentação e descontinuidades dos novos territórios do urbano


Fonte: Portas et al, 2011.
RACIONALIDADE SUBURBANAS 97

Kiril Stanilov e Brenda Case Sheer (2004) e ainda Peter Larkham (2006) corro-
boram. Em Portugal, não obstante os esforços que têm sido feitos nos últimos
anos com o surgimento de uma série de publicações de referência (Portas et al,
2003; Tenedório, 2003; Font, 2004; George & Morgado, 2004; Domingues,
2006), este défice tem-se confirmado uma realidade.

Territórios suburbanos: uma imagem de caos e irracionalidade

Neste quadro, os territórios periféricos ou os subúrbios surgem como espa-


ços-chave do problema uma vez que o crescimento urbano das últimas déca-
das tem tomado uma forma essencialmente suburbana. O carácter atípico dos
assentamentos suburbanos face ao que ainda se aceita como sendo a boa forma
da cidade, a fragmentação e descontinuidade dos seus assentamentos, a heteroge-
neidade que caracteriza as suas diferentes formas, associados a uma frágil
identidade e fraca representatividade dos seus espaços, vem justificar as difi-
culdades de leitura e interpretação. Mas acaba por justificar também a emer-
gência de uma série de visões e tentativas de representação que normalmente
tendem a qualificar estas realidades como territórios caóticos, quase irracio-
nais, espaços menores sem ordem nem estrutura, sem regra nem modelo.
A questão que se coloca é se esta imagem de caos e irracionalidade será
aquela que melhor dá conta das realidades e formas suburbanas? Ou se, antes
pelo contrário, não será apenas um subterfúgio para qualificar algo que ver-
dadeiramente não compreendemos, para qualificar realidades urbanas cuja
lógica, cuja génese e dinâmica não conhecemos e muito menos dominamos?

Hipótese e argumento de investigação

O território como PPP

A hipótese de investigação surgiu afinal deste questionamento, acreditando


que a heterogeneidade, a fragmentação e as descontinuidades que caracterizam os
territórios urbanos periféricos não são simplesmente sinónimo de ausência
de ordem ou o resultado descomprometido de crescimentos empíricos de
grande espontaneidade, mas antes o produto da aplicação e da acumulação
de uma série de regras e princípios, e da reprodução e combinação de deter-
minados modelos formais e de espaço, bem como da sua transfiguração ou
transgressão. Vale assim a pena refletir sobre que narrativas contam afinal es-
tes vários e diferentes fragmentos de cidade? Que formas de racionalidade es-
tão subjacentes na génese destas várias configurações e padrões territoriais
suburbanos?
Estas e outras indagações fomentadas pelo desejo de encontrar novas
grelhas de leitura e entendimento para um urbano que, em primeira instância
se afigura estranho e inextrincável, levou-nos a procurar abordagens
98 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

alternativas que permitissem desde logo olhar o território sob outros pris-
mas. É o caso daquilo a que chamámos fórmula dos três “P” de André Corboz
(1983) que, no quadro de uma abordagem morfológica e fenomenológica,
permite começar a perspetivar o urbano, não apenas como uma forma passí-
vel de ser percebida (Lynch, 1960) mas, sobretudo, como um sistema simulta-
neamente legível e inteligível.
Entendendo a cidade como um palimpsesto, Corboz dedica uma especial
atenção à forma do território — para ele o território tem e é uma forma — reco-
nhecendo-o simultaneamente como produto, processo e projeto. Por um lado o
território ou o urbano é um artefacto, um objeto de construção cuja forma física
constituiu, ela própria, uma plataforma e um conteúdo de leitura, um terreno
de imaginabilidade. Mas nem por isso deixa de ser igualmente um processo e
um projeto: um processo ou função porque o território é determinado por uma
série de funções humanas ativas que, por sua vez, se encontram em constante
mudança e transformação; um projeto porque qualquer ação e produto do ato
se constituiu simultaneamente como ideia ou conceito formado na imagina-
ção. É neste sentido, enquanto processo e projeto, que o território se oferece
como uma estrutura inteligível, uma estrutura que encerra uma inteligibilida-
de passível de ser conhecida e compreendida através das diversas narrativas
que se estabelecem entre projeto (o território como conceito), processo (o terri-
tório como função) e o produto (o território como artefacto).

As matrizes estruturais do espaço edificado

Sob o entendimento de Corboz e tomando como ponto de partida a obra de F.


Choay La Règle et le Modèle, passámos então a explorar o argumento de que re-
gra e modelo, enquanto figuras base do processamento do espaço edificado (tal
como Choay as qualifica), podem constituir uma ferramenta morfológica im-
portante, não só para o reconhecimento da legibilidade e inteligibilidade da
forma e estrutura urbanas contemporâneas, mas também para a constituição
de um quadro preliminar que sirva de base à criação e transformação do espa-
ço urbano na contemporaneidade.
Um argumento e um objetivo um tanto ou quanto ambiciosos, é certo.
Contudo, o caos e a aparente desordem que seguramente qualificam de for-
ma apriorística os novos territórios do urbano, requeriam por si só que a abor-
dagem a seguir, em termos conceptuais e metodológicos, entroncasse numa
visão do espaço edificado essencialmente matricial. Quer isto dizer que regra
e modelo, enquanto constantes ou matrizes estruturais do espaço construído,
constituíam desde logo instrumentos de valor no sentido de contribuírem
para o assimilar da natureza subjacente a um facto urbano complexo, seg-
mentário, mutante, racionalmente intricado.
Efetivamente, estes dois conceitos ou figuras fundamentais que Choay
recuperara dos textos fundadores da teoria da arquitetura e do urbanismo,
RACIONALIDADE SUBURBANAS 99

nomeadamente do De Re Aedificatori de Alberti e da Utopia de T.More, sinteti-


zam aquilo que podemos considerar ser as duas metodologias base, ou os
dois procedimentos tipo da conceção e produção de qualquer espaço edifica-
do; razão pela qual os acolhemos como referências seguras para sustentarem
a investigação e uma viagem inédita pelos territórios da periferia.
A questão não passava certamente por posicionar apenas estas duas fi-
guras no espaço teórico da arquitetura e do urbanismo; era preciso explorar o
modo como elas participam na praxis do urbano, ou seja, qual o seu papel na
relação entre urbanismo, urbanização e a forma da cidade. Só assim estaría-
mos metodologicamente capacitados para promover o estudo e a interpreta-
ção destes novos territórios, a partir destas duas figuras, olhando-os não
apenas como um produto físico passível de ser experimentado e avaliado,
mas também como uma estrutura significante que pode ser decifrada em ter-
mos de génese, ou seja, ao nível dos modelos e dos processos que lhes deram
origem.

Uma aproximação tipológica exploratória às formas da suburbanização

Não obstante, se este embasamento teórico e metodológico parecia absoluta-


mente fundamental para alicerçar a abordagem ao objeto de estudo, estáva-
mos também conscientes de que não bastaria ficar por aqui. Era
imprescindível descer ao terreno, olhar de perto estas realidades, consultar
toda a documentação e formalidades, comparar planos, desenhos, imagens
aéreas, sempre que possível, falar com pessoas intervenientes no processo;
enfim, tudo o que pudesse ajudar a esclarecer um território recentemente ur-
banizado, e múltiplo do ponto de vista dos seus procedimentos do espaço.
Esta necessidade de focar e operacionalizar a análise levou à restrição do
âmbito territorial. Da AML, enquanto território de enquadramento, passou-se à
seleção de unidades de amostragem e à eleição dos concelhos Almada e Odive-
las nos quais estas se localizavam; portanto uma aproximação escalar que apre-
sentava a vantagem de promover uma forte articulação entre escalas: por um
lado incisiva face à microescala dos tecidos edificados e às suas géneses particu-
lares; por outro relacional no que respeita a articulação intersectorial das unida-
des de amostragem e à sua inserção no contexto macro metropolitano.
Da seleção, análise e diagnóstico das unidades de amostragem (4 em
Almada e 5 em Odivelas) resultou uma organização por grupos, ou seja, o es-
tabelecimento de categorias que, no conjunto, configuram aquilo a que cha-
mámos uma aproximação tipológica e exploratória às formas suburbanas na
AML. Pegadas de Arranque da Suburbanização, Fragmentos Poligonais de Expan-
são, Intervalos Eruditos de Exceção, Arranjos de Pormenor Esporádicos e Operações
Urbanísticas de Grande Escala foram as categorias traçadas.
A exploração tipológica não decorre contudo daquilo a que podemos
chamar os moldes tradicionais de uma organização tipológica, decorrentes
100 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

CATEGORIAS ENQUADRAMENTO
HISTÓRICO/INSTITUCIONAL

I. - Despertar do fenómeno 30s - 60s


Pegadas de arranque suburbano.
da suburbanização
- Bases doutrinárias do urbanismo
Português.
- Plano Geral de Urbanização 1934
DL nº24:802

II. - Demarcação do período 60s | 70s | 80s |


Fragmentos poligonais expansionista. 90s
de expansão
- Ascensão e liberalização da iniciativa
privada em matéria de urbanização.
- Loteamento Urbano 1965
DL nº46:673

III. - Presença da iniciativa pública 60s | 70s | 80s


Intervalos eruditos na produção de tecido edificado.
de excepção
- Políticas pública no sector
da habitação e Programas
de urbanização comparticipada
e habitação social.
- Programa dos planos integrados 1969.

IV. - Experiências no âmbito 70s - 90s


Arranjos de pormenor da regulação/concertação entre
esporádicos sector público e sector privado
- definição do espaço urbano
de proximidade.
- Novo quadro regulamentar
dos instrumentos de OT de pormenor.

V. - Iniciativa privada no quadro 80s/90s - 2010


Operações de processos de globalização
urbanísticas de e metapolização do território -
grande escala políticas públicas e tendências
de governabilidade do território.
- PDMs 1982 nº 208/82 | PMOT 1990
nº 69/90; Lei de Bases do OT 1998 L
nº48/98.

Figura 6.2 Uma aproximação tipológica exploratória às formas da suburbanização na Área


Metropolitana de Lisboa

de um processo de classificação formal, a partir das invariâncias formais, das


referências icónicas e estruturais da forma. Esta aproximação tipológica pas-
sou antes pela tentativa de traçar os vetores de convergência entre as raciona-
lidades formativas do espaço urbano, racionalidades essas que tanto podiam
ser de natureza arquitetónica, portanto formal e espacial, como de natureza
mais processual e conceptual.
RACIONALIDADE SUBURBANAS 101

Com efeito, é preciso reconhecer que esta é uma tipologia em aberto. Ou


seja, aquilo que se pretende nomear a partir das categorias é nada mais nada
menos que os diferentes sistemas-fragmento tipo das formas da suburbaniza-
ção na AML; reconhecendo que o território metropolitano não só tem a capa-
cidade de absorver em concomitância vários sistemas díspares de formas,
regras e modelos, como está aberto à introdução de novos sistemas e morfolo-
gias, seja porque ficaram por estudar, o caso das AUGI p.ex., seja porque ain-
da irão surgir no contexto do desenvolvimento metropolitano.
O que também é importante reter é que esta tipologia, ou esta aborda-
gem, desenha, no fundo, uma nova narrativa das formas de suburbanização: ou
seja, o que nos foi dado a perceber com esta reflexão foi que os subúrbios, en-
quanto manifestação por excelência da tal cidade-extensiva são, eles própri-
os, a expressão realizada daquilo a que podemos chamar o espaço urbano da
modernidade. E, neste sentido, esta viagem pelas várias formas da suburba-
nização não só veio elucidar-nos acerca da importância determinante que re-
gras e modelos tiveram nesta contínua edificação de uma cidade que hoje
chamamos contemporânea, como permitiu ainda perceber como é que este
espaço urbano da modernidade se foi formulando e reformulando ao longo
do tempo, tendo os subúrbios e suas formas de ocupação como principais
protagonistas.

Uma nova narrativa para as formas da suburbanização

Pegadas de Arranque da Suburbanização

As Pegadas de Arranque da Suburbanização enquadram, no fundo, o despertar


do fenómeno suburbano, com os primeiros assentamentos planeados que es-
tiveram na origem da expansão urbanística dos principais aglomerados da
periferia de Lisboa.
O fenómeno começou a ganhar evidência em meados dos anos 40, e en-
controu suporte nas primeiras bases legais do direito do urbanismo em Por-
tugal, lançadas por Duarte Pacheco na década de 30, bases essas que
apontavam, nomeadamente, para a criação da figura do Plano Geral de Urba-
nização e para a necessidade de garantir a sua realização para uma parte mui-
to considerável dos aglomerados urbanos do país. Com vários municípios a
encomendarem e desenvolverem estudos urbanísticos, esta geração dos PU
foi deixando marcas significativas na região de Lisboa.
Este período de arranque do fenómeno suburbano, que abordámos
usando como caso de estudo representativo a parte central de Almada Nas-
cente, nascida dos planos da autoria de Étienne de Gröer, Faria da Costa e José
Rafael Botelho (fortemente informados pela linha teórica howardiana das ci-
dades-jardim e, mais tarde, também pelas experiências nas cidades-novas in-
glesas), é visto como um momento crucial e de charneira na conformação do
102 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 6.3 Pegadas de arranque da Suburbanização: a área central de Almada Nascente decorrente
dos Planos Gerais de Urbanização (DL nº 24.802 de 1934) de Étienne de Gröer, Faria
da Costa e José Rafael Botelho. Do ponto de vista dos modelos, desenvolveu-se sob
as referências da cidade-jardim howardiana e das cidades-novas inglesas
Fonte: Cavaco, 2009.
RACIONALIDADE SUBURBANAS 103

espaço urbano da modernidade, uma vez que é precisamente nesta altura que
a rutura do espaço urbano enquanto sistema canónico, linear, de forte direc-
cionalidade e hierarquia, é anunciada.
Ora, esta rutura, que ocorre num período de névoa urbanística, com o
princípio da queda do planeamento físico das nossas cidades, e que decorre
essencialmente daquilo a que chamámos um divórcio procedimental entre
regras e modelos, não só representou uma forte ameaça à legibilidade do ur-
bano, como acabou por introduzir precedências determinantes para o desen-
rolar do processo suburbano daí em diante e, por conseguinte, para a
legibilidade e inteligibilidade das formas da cidade contemporânea.

Fragmentos Poligonais de Expansão

Os Fragmentos Poligonais de Expansão surgem precisamente nesta continuida-


de e passam a agrupar a forma de expansão suburbana mais frequente na
AML, ou seja, enquadram o que designamos por loteamentos urbanos. Ofici-
almente, este tipo de expansão suburbana teve início em 1965, altura em que
se institucionalizou a iniciativa privada em matéria de urbanização. Mas, este
processo e forma de crescimento, que se traduz no uso do loteamento como
instrumento de definição vinculativa da forma urbana, com um domínio efe-
tivo sobre todas as outras formas de planeamento, tem trespassado várias dé-
cadas, governos e políticas; e tem sido efetivamente o resultado de uma
política de solos inoperante e de políticas públicas que, de uma maneira geral,
têm tido na iniciativa privada um suporte fundamental à sua própria
sustentação.
São várias as áreas de amostragem que, em Almada e Odivelas, ilustram
esta forma de expansão suburbana, destacando-se, contudo, Odivelas cujo
crescimento é paradigmático desta situação, com um núcleo central que se de-
senvolve com base em loteamentos particulares dos anos 60 e 70, e uma urbani-
zação nas últimas que segue os mesmos modelos e princípios de expansão.
Destas formas de expansão tem resultado um crescimento essencial-
mente fragmentado e poligonal, decisivamente determinado pela estrutura
cadastral da propriedade rústica, e pela oportunidade dos particulares atua-
rem de forma independente no interior das suas parcelas — processo que aca-
bou por ser agravado pela debilidade persistente das formas de planeamento
públicas e pela demissão da Administração na tarefa de urbanizar.
Para além disso, acabou por ser igualmente um crescimento muito in-
formado pelos padrões racionalistas da cidade aberta vertical, e motivado
também pelos ideais modernos da cidade enquanto forma de produção cole-
tiva de habitação; em geral formas e tipologias bem recebidas entre os promo-
tores particulares.
Na verdade, estas formas poligonais suburbanas representam uma
nova etapa na formulação do espaço urbano da modernidade, elas revelam e
104 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 6.4 Fragmentos Poligonais de Expansão: núcleo central de Odivelas originário


de loteamentos particulares dos anos 60 e 70. Tomando a parcela fundiária como regra
e motor do processo urbanização, está área de Odivelas desenvolveu-se de acordo com
os padrões racionalistas e o modelo da cidade aberta vertical
Fonte: Cavaco, 2009.
RACIONALIDADE SUBURBANAS 105

simbolizam a história de uma cidade moderna que ficou sucessivamente por


fazer. E, neste sentido, registam a própria falência do projeto moderno, a crise
e a ilegibilidade do espaço urbano que daí resultou.
A este nível não podemos deixar de reportar a fratura que se estabeleceu
entre regras e modelos, convictos que estamos de que foi umas das principais
razões para a falência, não só pela renúncia à verdadeira dimensão normativa
do modelo, sobretudo em termos políticos e sociais, como ainda pela sua pró-
pria contradição ao nível da expressão e do significado do espaço público
num crescimento que acabou por assentar de forma primária no valor da ren-
da fundiária e na estrutura cadastral.
Contudo, a participação dos subúrbios na formulação do espaço urbano
da modernidade não se fica aqui. Ainda no contexto dos fragmentos poligo-
nais de expansão, começa a ser notória, a partir de meados dos anos 80, uma
regressão da própria retórica modernista com a tentativa de retorno aos câno-
nes tradicionalistas da cidade antiga, a rua-corredor e o quarteirão, como
aliás procuram ilustrar estes loteamentos mais tardios em Odivelas. Mas a ló-
gica e raiz do crescimento poligonal não sofreram qualquer desvio, portanto,
continua a pensar-se o espaço urbano em formato patchwork, ou seja, sujeito
aos limites da propriedade privada e subordinado às mais-valias fundiárias.
Para além destas, outras experiências mais consistentes têm feito do su-
búrbio um território de teste e reação crítica face ao resultado degenerado da
cidade moderna; território de teste do ponto de vista dos modelos de espaço e
dos padrões de assentamento, e território de teste do ponto de vista das políti-
cas, das normas e dos processos para a sua implementação. Trata-se de uma
outra etapa no repensar do espaço urbano da modernidade, marcada não só
pela consciencialização da falência, mas também pela procura de novos regis-
tos para o espaço e produção da cidade contemporânea.

Intervalos Eruditos de Exceção

O caso do Plano Integrado de Almada foi o exemplo estudado que ilustra a


forma como na AML se ensaiaram nos ditos Intervalos Eruditos de Exceção, es-
sas novas formulações urbanísticas, ditadas agora, não pela iniciativa priva-
da, mas antes pela intervenção pública e pela participação direta do Estado na
produção de tecido edificado.
Sobre estas formas de urbanização comparticipada podemos dizer que,
mais do que a continuidade e regularidade de políticas e iniciativas, elas fica-
ram marcadas, sim, pela excecionalidade das intervenções realizadas, quer
ao nível da formulação do modelo e das intenções espaciais para a cidade,
quer ao nível dos programas e mecanismos técnicos e legais criados para o
efeito.
O PIA representa sem dúvida uma dessas situações excecionais, nasci-
do num momento também ele excecional da história da urbanística
106 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

portuguesa — a fase de transição entre a chamada Primavera Marcelista e o


período revolucionário do 25 de Abril. Neste quadro político e de reformismo
legislativo, ele foi visto como uma oportunidade única de se desenvolver um
conceito de cidade, em escala e em princípios, nunca antes experimentado a
nível nacional; uma intervenção na vanguarda da urbanística, por um lado
balizada por três grandes vetores estruturantes — integração social, integração
ambiental e complementaridade territorial — e, por outro, defendida por medidas pú-
blicas muito especiais que possibilitaram a aplicação àquele território (com cerca de
330ha a 1ªfase) de um processo intensivo de expropriação sistemática.
Apesar de ser hoje considerado uma das áreas mais críticas e estigmati-
zadas da AML, com situações problemáticas do ponto de vista social, associa-
das ao desemprego, à criminalidade, à toxicodependência, etc., o PIA deve
ser considerado, do ponto de vista da génese urbanística, um exemplo de
boas práticas, um caso onde, podemos considerar, se promoveu uma verda-
deira articulação e conciliação entre modelos e regras.
O tempo aqui teve um papel determinante na progressiva perversão da
matriz de espaço inicial e, sobretudo, no desvio de políticas e na desarticula-
ção institucional que se seguiu.

Arranjos de Pormenor Esporádicos

Como forma de reação crítica à fragmentação poligonal da produção urbanís-


tica registam-se ainda os Arranjos de Pormenor (naturalmente Esporádicos por
contraposição ao domínio dos loteamentos particulares), que dão lugar a um
urbanismo de proximidade marcado, por um lado pela necessidade de refor-
çar o papel da administração no planeamento e gestão do território, e, por ou-
tro, pela procura de formas e mecanismos que permitam superar o obstáculo
da propriedade fundiária. Apesar de retratarem casos isolados no contexto
da produção urbanística metropolitana, estes arranjos pormenor não deixam
de ser decisivos para informar o processo de construção da cidade alargada,
uma vez que envolvem, diferentemente e num novo contexto de concertação,
agentes públicos e atores privados.
O caso do Plano Parcial de Almada PP7/PP9, ocupando parte das fre-
guesias do Pragal e Feijó, ilustra de forma significativa este novo modelo de
convergência entre as iniciativas pública e privada, um caso considerado de
sucesso ao nível da gestão autárquica e da concretização de um urbanismo de
pormenor; o que aliás sucedeu numa das áreas do concelho de maior expecta-
tiva e sensibilidade em meados/finais dos anos 70, altura em que o plano foi
elaborado.
Para além do desenho proposto e das grandes opções de organização do
território, de que sobressaem as questões relacionadas com o reordenamento
da estrutura viária e com a dotação da área de equipamentos coletivos e servi-
ços públicos, a proposta destaca-se sobretudo pela sua dimensão operativa;
RACIONALIDADE SUBURBANAS 107

Figura 6.5 Intervalos Eruditos de Exceção: Almada Poente decorrente do Plano Integrado de Almada
dos anos 70. De iniciativa pública, esta área esteve ligada a programas de urbanização
comparticipada e habitação social que decorreram da nacionalização do solo por
processos de expropriação. O plano baseou-se num processo generativo referenciado em
conceitos como pattern language e timeless qualities
Fonte: Cavaco, 2009.
108 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 6.6 Arranjos de Pormenor Esporádicos: A área de Almada resultante do Planos de


Urbanização e Pormenor PP7/PP9 ilustra um novo modelo de convergência entre as
iniciativas pública e privada marcado pela aplicação de processo de perequação
compensatória. A proposta centrou-se no conceito de cluster e na criação de um tecido
urbano multinível
Fonte: Cavaco, 2009.
RACIONALIDADE SUBURBANAS 109

uma vez que assenta no princípio da perequação compensatória muito antes


de este ter sido consignada na lei portuguesa.
Este aspeto foi deveras importante já que impediu que a proposta se
fragmentasse ao sabor da diretriz fundiária (como vinha sendo hábito) e,
também, que se inviabilizasse por falta de meios financeiros e indisponibili-
dade de terrenos municipais, nomeadamente para realização de grandes
equipamentos públicos, como é o caso do parque da cidade.

Operações Urbanísticas de Grande Escala

Por último temos as Operações Urbanísticas de Grande Escala que enquadram


uma nova categoria das formas da suburbanização, associadas agora à emer-
gência de novas dinâmicas de urbanização, determinadas nomeadamente
pelo desenvolvimento de uma nova topologia territorial, associada à infraes-
truturação polinucleada do território e à crescente democratização das tecno-
logias em matéria de informação e comunicações, e também impulsionadas
por uma nova conjuntura político-económica, num regime neoliberal de des-
regulação dos mercados e de libertação do Estado nas tarefas de urbanizar e
infraestruturar.
Colinas do Cruzeiro, em Odivelas, é o caso de estudo que ilustra este novo
sentido e estratégia de urbanização, retratando a emergência de uma nova etapa
na formulação do espaço do urbano da modernidade. Apesar dos loteamentos
de iniciativa privada continuarem a ser o principal veículo da expansão urbanís-
tica na AML, e particularmente em Odivelas, novas operações urbanísticas dão
agora sinais efetivos de que um novo paradigma de urbanização se tem vindo a
afirmar; o que aliás se torna evidente no modo como estas operações adotam ló-
gicas completamente novas, seja em termos de inserção territorial — que já não
acontece na continuidade do tecido construído, mas sim num posicionamento
face à rede infraestrutural e à dinâmica do sistema metropolitano —, seja no
modo como adotam estratégias empresariais do ponto de vista do marketing ur-
bano para qualificação e promoção dos novos empreendimentos.
Colinas do Cruzeiro é sem dúvida uma dessas situações; uma aposta
tanto por parte do promotor como por parte da autarquia no sentido de pro-
tagonizar uma nova fase e linha estratégica no desenvolvimento de Odivelas,
com o propósito de, por um lado, inverter a imagem de cidade dormitório e o
sentido de desintegração urbanística que tem caracterizado o crescimento ur-
bano no interior do concelho, e, por outro lado, de dar o arranque para a cria-
ção de uma nova centralidade à escala metropolitana.
É importante referir nestes casos que, apesar de ser evidente o rumo da
mudança, os processos de ordenamento e regulação urbanística estão ainda
condicionados por regras e práticas de anos instituídas, cujo desajustamento
face ao modelo e sentido de espaço emergentes, parece tornar-se cada vez
mais uma evidência.
110 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figura 6.7 Operações Urbanísticas de Grande Escala: a área das Colinas do Cruzeiro em Odivelas é um
loteamento de iniciativa privada que ilustra um novo paradigma em termos de urbanização
associado a novas lógicas territoriais de cariz topológico e a novas estratégias empresarias
em termos de marketing urbano. Denota a emergência de modelos híbridos de urbanização
determinados pela infraestruturação rodoviária do território que, em termos processuais,
derivam da aplicação de mecanismos de contratualização entre o sector público e o sector
privado, no âmbito de novas lógicas de planeamento e gestão municipal
Fonte: Cavaco, 2009.

Conclusões

Os subúrbios e as formas de ocupação da periferia têm sido desde sempre


preteridos relativamente às áreas da cidade histórica e às formas da cidade
RACIONALIDADE SUBURBANAS 111

tradicional consolidada. Sem dúvida que a complexidade dos processos en-


volvidos, a multiplicidade de interesses e atores em presença, a falta de refe-
rências históricas, contarão certamente entre os fatores que têm contribuído
para um certo afastamento da comunidade científica em relação as estas ma-
térias. Mas, enquanto arquitetos e urbanistas, sabemos que é essencial refletir
e conhecer melhor esta cidade, afinal a maior das protagonistas em matéria
de projeto, planeamento e urbanística.
Neste sentido, trabalhos como este que permitam, por um lado sistema-
tizar conceitos e ferramentas de reflexão crítica e, por outro, conhecer de for-
ma mais aprofundada realidades urbanas e casos de estudos até aqui
negligenciados e preteridos face a exemplos mais nobres de cidade antiga,
são naturalmente bem-vindos no sentido de alargar o conhecimento ainda
débil e aprofundar o diagnóstico sobre um urbano emergente nas últimas dé-
cadas, mas claramente por consolidar e consubstanciar do ponto de vista
urbanístico.
Assim, sob o acento da regra e do modelo procurámos sistematizar uma
nova plataforma de entendimento para as formas da suburbanização na
AML; uma plataforma onde, mais do que tecido caóticos, sem regra nem mo-
delo, os territórios suburbanos contemporâneos se concretizam no diálogo
assídua entre regras e modelos. São simultaneamente: i) espaços de acumula-
ção e normalização, onde se dá a institucionalização da norma; ii) e espaços
de inovação, de formulação experimental do espaço edificado, onde a verten-
te criativa, mais ou menos transgressora, consoantes as situações, desempe-
nha um papel fundamental na dinâmica do sistema. Foi com a construção da
periferia que nos últimos 60 anos se testaram políticas públicas e se assistiu ao
próprio esvaziamento das normas, à sua transgressão e violação. Também foi
com a construção da periferia que se puseram em prática e se transfiguraram
os modelos de espaço e os próprios argumentos da modernidade.
Com esta leitura, para além de reclamarmos uma nova narrativa sobre
os territórios de periferia, pretendemos reclamar também uma nova visão
para a forma da cidade contemporânea, uma visão que seja essencialmente
arquitetural. Sem nunca querer reduzir a cidade a uma questão arquitetónica
(que não é), estamos convictos de que as figuras da regra e do modelo podem
ter aqui um papel estruturante, ajudando-nos a fundar, numa substância do
espaço urbano que é manifestamente arquitetural, aquilo que, sendo de outra
natureza, mais abstrata, ainda assim o determina em forma e em estrutura.
Este é provavelmente um dos grandes desafios do urbanismo e do pla-
neamento na atualidade; o ser capaz de entrecruzar diferentes áreas discipli-
nares, incorporar novos procedimentos, novas metodologias, menos
legalistas mas mais matriciais, para, de uma forma holística, concorrer para a
qualificação e requalificação do espaço urbano na contemporaneidade.
Neste sentido, “a regra e o modelo devem ser encarados e retomados como dois
pilares estruturantes e ferramentas base numa renovação crítica e arquitetural da
112 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

forma e espaço urbanos contemporâneos, da sua legibilidade e inteligibilidade”; a


premissa final que vem dar remate a esta investigação.

Referências bibliográficas

Ascher, F. (2001), Los Nuevos Principios del Urbanismo. El fin de las ciudades non está a
la orden del día, Madrid, Alianza Editorial, 2004. 93pp. ISBN:84-206-4198-7
Cavaco, C. (2006), “The Rule and the Model. Tracking New Methods and Tools to
Analyze and Design the Zwischenstadt” in Wang, C., Sheng, Q., Sezer.C. ed.
International Forum on Urbanism 2006. Modernization & Regionalism.
Re-Inventing the Urban Identity, Vol I. Delf: IFoU. 83-89pp,
ISBN: 90-78658-01-0
Cavaco, C. (2009), Formas de Habitat Suburbano. Tipologias e Modelos Residenciais na
Área Metropolitana de Lisboa, Tese de Doutoramento, Lisboa, FAUTL.
Cavaco, C. (2009), “The Rule and the Model. An approach to the contemporary
urban form” in The New Urban Question — Urbanism beyond Neo-Liberalism,
4th Conference of International Forum on Urbanism, Delft, 2009, pp. 899-908.
Choay, F., (1980), La Règle et le Modèle. Sur la Théorie de l’Architecture et de
l’Urbanisme, 2ª Ed. Paris, Éditions Seuil, 1996, 379pp. ISBN: 2-02-030027-3
Corboz, A. (1983), “El Territorio como Palimpsesto” in Ramos, A.M. (ed.). Lo
Urbano en 20 Autores Contemporáneos, Barcelona, Ediciones UPC, 2004,
25-34pp. ISBN: 84-8301-752-0.
Domingues, A. (coord) (2006), Cidade e Democracia. 30 Anos de Transformação Urbana
em Portugal. Lisboa: Argumentum, pp.372-377, ISBN: 972-8479-39-8.
Font, A. (ed.) (2004), L’Explosió de la Ciutat. Morfologies, mirades i mocions sobre las
transformacions territorials recents en les regions urbanes de L’Europa Meridional,
Barcelona, COAC, 424pp, ISBN: 84-96185-18-4.
George, P., Morgado. S. (2004), “Área Metropolitana de Lisboa 1970-2001. De la
monopolaridad a da matricialidad emergente” in Font, A. (ed.) (2004).
L’Explosió de la Ciutat. Morfologies, mirades i mocions sobre las transformacions
territorials recents en les regions urbanes de L’Europa Meridional, Barcelona:
COAC, pp.60-83, ISBN: 84-96185-18-4.
Graham, S., Marvin, S. (2001), Splintering Urbanism. London, New York, Routledge,
2003, 479pp., ISBN: 0-415-18965-9.
Gregotti, V. (1965), El Territorio de la Arquitectura, Barcelona, Editorial Gustavo Gili,
1972, DL nº B. 42379 — 1972.
Kostof, S. (1991), The City Shaped. Urban Patterns and Meanings through History,
London, Thames & Hudson, 2001, 352pp., ISBN: 0-500-28099-1.
Lynch, K. (1960), A Imagem da Cidade, Lisboa, Edições 70, 1989, 205pp., DL nº26386/89.
Lynch, K. (1981), A Boa Forma da Cidade, Lisboa, Edições 70, 1999, 446pp.,
ISBN: 972-44-1025-0.
Mangin, D. (2004), La Ville Franchisée. Formes et Structures de la Ville Contemporaine.
Paris: Éditions de la Villette, 398pp., ISBN:2-903539-75-8.
RACIONALIDADE SUBURBANAS 113

Oswald, F., Baccini, P. (2003), Netzstadt. Designing the Urban, Basel, Boston, Berlin,
Birkhäuser, 303pp., ISBN: 3-76436-963-9.
Panerai, P., Castex, J., Depaule, J-C. (1975-1997), Formes Urbaines. De L’îlot à la barre,
3ªEd. Marseille, Éditions Parenthèses, Collection Eupalinos, 2004, 196pp.,
ISBN:2-86364-602-8.
Portas, N. (1969), A Cidade como Arquitectura, 2ªEd., Lisboa, Livros Horizonte, 2007,
212pp. ISBN: 972-24-1463-1.
Portas, N., Domingues, Á., Cabral, J. (2003), Políticas Urbanas. Estratégias, Tendências
e Oportunidades, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, 295pp.,
ISBN: 972-31-1061-X.
Portas, N., Domingues, Á., Cabral, (2011), J. Políticas Urbanas II. Transformações,
regulações e projectos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.
Rowe, C., Koetter, F. (1978), Collage City, Cambridge and London, The MIT Press,
186pp., ISBN: 0-262-68042-4/978-0-262-68042-4.
Shane, D.G. (2005), Recombinant Urbanism. Conceptual Modeling in Architecure, Urban
Design and the City Theory, Wiley- Academy, 2005, 344pp.,
ISBN: 0-470-09331-5.
Sieverts, T. (1997), Cities Without Cities. An Interpretation of the Zwischenstadt,
London & New York, Spon Press, 2003, 187pp., ISBN: 0-415-27260-2.
Souza Lôbo, M. (1993), Planos de Urbanização. A Época de Duarte Pacheco, 2ª Ed.,
Porto, FAUP Publicações, 1995, 305 pp., ISBN: 972-99483-14-0.
Stanilov, K., Scheer, B.C. (2004), Suburban Form. An International Perspective, London
& New York, Routledge, 2004, 270pp., ISBN: 0-415-31476-3.
Tenedório, J.A. (2003), Atlas da Área Metropolitana de Lisboa, Lisboa, AML, 2003,
321pp., ISBN: 972-98655-7-4.
Vidler, A. (1976), “The Third Typology” in Nesbitt, K. ed. (1996), Theorizing a New
Agenda for Architecture. An Anthology of Architecture Theory 1965-1995, New
York, Princeton Architectural Press, pp.258-263, ISBN:1-56898-054-X.
Viganò, P. (1999), La Città Elementare, Milano, Skira Editores, 1999, 206pp.,
ISBN: 88-8118-642-X.
Capítulo 7

Uso turístico e exclusão sócio-espacial


Nos centros históricos das cidades brasileiras consagradas como
Patrimônios da Humanidade

Gabrielle Cifelli
Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual de Campinas.
Bolsista Capes, programa PDEE, doutorado sanduíche, Centro de Estudos Sociais,
Universidade de Coimbra (gcifelli@gmail.com).

Resumo

A relação entre a dinâmica de uso do patrimônio do patrimônio edificado e a


atividade turística se torna cada vez mais evidente nos centros históricos das ci-
dades brasileiras nas últimas décadas.
A chamada competição global de cidades, travada por meio da disputa entre os
municípios pela atração de investimentos públicos e privados acirra a relevân-
cia das expressões materiais e imateriais da cultura como atributos diferenciais
do espaço urbano passíveis de serem exploradas economicamente pelo incre-
mento do turismo.
Nesta lógica, as cidades brasileiras cujos bens patrimoniais foram consagrados
pela Unesco como Patrimônios da Humanidade se utilizam deste título como
uma estratégia de marketing para a criação de uma imagem positiva sobre tais
cidades, ressaltando seu status de centros de consumo cultural destinadas ao
atendimento da demanda de um público seleto de consumidores culturais .
Tais estratégias exaltam as referências culturais, com ênfase para o patrimônio
arquitetônico, como marca da identidade destas cidades, omitindo seus proble-
mas sociais e econômicos decorrentes de décadas da falta de investimentos pú-
blicos na provisão de serviços sociais, infra-estrutura urbana e do
desenvolvimento de estratégias visando evidenciar o valor cultural dos bens
patrimoniais por meio de projetos de preservação e educação patrimonial.
A partir da década de 1990, a expansão do turismo em nível mundial acirrou a
competição entre as cidades pela captação de investimentos públicos e priva-
dos destinados a elevar o teor de atratividade dos núcleos urbanos tombados.
No Brasil, inúmeros planos de intervenção urbana foram efetuados nas áreas
centrais das grandes cidades e nas cidades constituídas por um conjunto ex-
pressivo de bens patrimoniais. Apesar das diferentes denominações, como re-
vitalização, requalificação, gentrification, o sentido de tais planos consistiu na
canalização de investimentos em projetos de recuperação do patrimônio

115
116 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

cultural, por meio de projetos de restauro de caráter fachadista, pelo incremen-


to de equipamentos culturais e pela atuação direta e indireta do poder público
na alteração do perfil sócio-econômico de tais localidades. Tal estratégia se deu
pelo incentivo à utilização das edificações tombadas para fins culturais e turís-
ticos a partir da instalação das atividades mais nobres do comércio, de meios de
hospedagem, restauração entre outros.
Se no centro histórico de algumas cidades, como no Pelourinho, em Salvador,
tais ações foram promovidas pelo poder público, em outras cidades consagra-
das como Patrimônios da Humanidade como Ouro Preto — MG, Diamantina e
Olinda — PE, tais transformações nas formas de uso do patrimônio vem sendo
efetivadas com o incremento do turismo, considerado, no âmbito desta pesqui-
sa como uma atividade espacialmente seletiva e socialmente excludente, já que
se realiza principalmente nas porções do território que contém a maior densi-
dade de atrativos turísticos. Tal dinâmica leva a uma concentração espacial de
serviços e equipamentos turísticos destinados ao atendimento da população
flutuante, excluindo a diversidade de usos do patrimônio e reduzindo os espa-
ços de sociabilidade e o sentimento de pertencimento da população em relação
ao seu território de referência. Portanto, os centros históricos, transformados
em lócus de consumo cultural, excluem parte da população local de vislumbrar
o patrimônio como valor de uso, como referência identitária e fonte de
significação.

Introdução

A expansão dos planos de intervenção urbana destinados à recuperação de


áreas centrais degradadas nas últimas décadas enquadra-se num rol de estra-
tégias adotadas pelo poder público em parceria com a iniciativa privada para
potencializar a atração de investimentos que promovam a dinamização eco-
nômica e, em alguns casos, a melhoria das condições sociais de seus habitan-
tes. Tais estratégias se enquadram num contexto de uma acirrada competição
global entre cidades pela a captação de recursos destinados à transformação
de suas áreas centrais em lócus privilegiado de cultura, consumo, lazer e en-
tretenimento, atributos que conferem uma imagem positiva à localidade e à
cidade como um todo, e amplia as possibilidades de captação de investimen-
tos futuros.
Neste contexto, as áreas centrais degradadas de cidades brasileiras de
médio e grande porte, principalmente aquelas detentoras de um acervo patri-
monial tombado, tornam-se alvos de intervenções urbanas que buscam res-
gatar a sua importância histórica e cultural visando torná-las atraentes para o
turismo. Tal atividade, considerada como um dos setores mais promissores
da economia internacional, se aproveita do capital cultural existente em tais
localidades para transformá-los em uma promissora fonte de renda, viabili-
zando, com isso, a dinamização de atividades econômicas acessórias que
USO TURÍSTICO E EXCLUSÃO SÓCIO-ESPACIAL 117

tendem a ampliar as possibilidades de revalorização econômica, social e cul-


tural de tais localidades.
Tais estratégias de fomento ao turismo nas áreas centrais degradadas
que já foram ou estão sendo alvos de intervenções urbanas, são implementa-
das em algumas cidades que possuem um acervo patrimonial tombado pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — IPHAN e que são
consagradas pela UNESCO como Patrimônios Culturais da Humanidade, já
que o próprio reconhecimento histórico e cultural nacional e internacional
lhes assegura um status diferencial e distintivo frente às demais cidades e
centros históricos que não possuem tal estatuto.
A análise mais pormenorizada dos planos de intervenção em áreas cen-
trais degradadas, atendo-se para aquelas ocorridas entre a década de 1990 e o
período atual, permitem constatar que as estratégias de fomento ao turismo
nos centros históricos patrimonializados que não levaram ou levam em conta
projetos de inclusão social e de incentivo à multiplicidade de usos do patri-
mônio e do território em que se inserem tendem ao fracasso no que diz respei-
to à própria dinamização da atividade e ao desenvolvimento
sócio-econômico da localidade. Neste contexto, cabe avaliar os resultados
obtidos pela realização do Plano de Ação Integrada do Centro Histórico de
Salvador, concebido pelo governo do Estado da Bahia, sob o mandato de
Antonio Carlos Magalhães, e executado pelo do Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia — IPAC e pela Companhia de Desenvolvimento
da Região Metropolitana de Salvador.
Os aspectos contraditórios evidenciados pela execução do Plano e o seu
rebatimento na dinâmica territorial do centro histórico de Salvador, mais es-
pecificamente, no Pelourinho são alvo de investigação desta pesquisa que
analisa os entraves do desenvolvimento turístico na localidade a partir da
execução de um plano de desenvolvimento territorial que ao priorizar a valo-
rização cultural e econômica da materialidade, expressa pelo patrimônio ar-
quitetônico, em detrimento do seu conteúdo social, representado pelo
predomínio de uma população de baixa renda excluída dos bônus advindos
da realização do plano de recuperação do centro histórico de Salvador e alija-
da, em grande parte, do direito de exercer livremente as suas práticas sociais e
de exibir a riqueza de suas expressões culturais.

O papel da mercantilização da cultura nos planos de intervenção


urbana

O acirramento da competição internacional entre cidades pela atração de in-


vestimentos e capital amplia o rol de estratégias adotadas pelos planejadores
urbanos para a valorização mercadológica das diferenças locais como forma
de conferir visibilidade e aumentar o teor de atratividade das áreas urbanas
degradadas. Tais diferenças podem ser elencadas pela diversidade de
118 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

atributos da cultura material e imaterial presente em muitos centros urbanos,


concentrados, principalmente, nas áreas centrais que, por serem geralmente
consideradas como as porções do território mais antigas das cidades, congre-
gam um rol significativo de monumentos, conjuntos arquitetônicos e outros
tipos de edificações de interesse histórico, artístico e cultural. No entanto, a
degradação física das edificações e os problemas sócio-econômicos que ca-
racterizaram áreas centrais de muitas cidades brasileiras ao longo da segun-
da metade do século XX acarretaram num processo de desvalorização e de
perda da expressividade cultural que outrora existia em tais localidades.
Smith (2007) tece considerações a respeito do processo de reestruturação
do espaço urbano que levou à degradação física e social das áreas centrais tanto
nos países desenvolvidos quanto nos subdesenvolvidos. Para o autor, tal proces-
so está relacionado à descentralização do capital para as áreas suburbanas, fonte
de novos investimentos e empreendimentos, levando a uma elevação do preço
da terra nas áreas suburbanas com a proliferação de novas construções e a uma
queda significativa do preço da terra nas áreas centrais (SMITH, 2007, p. 21).
A onda de desinvestimentos públicos e privados em tais localidades
leva a uma deterioração do ambiente construído e da infra-estrutura local, e
gera uma mudança significativa das atividades econômicas e do perfil só-
cio-econômico da população residente. Dessa forma, tais localidades, que em
tempos regressos representaram o lócus de moradia de uma elite local e regi-
onal, eram consideradas como centros do poder político, de atividades eco-
nômicas diversificadas, pautadas, principalmente no comércio e no setor de
serviços, e constituíam-se em importantes locais de encontro e sociabilidade,
com o passar do tempo, mudam de perfil. Passam de importantes centros do
poder político e econômico para centros de concentração da pobreza, da mar-
ginalidade social, da violência, do tráfico de drogas, da prostituição e de ou-
tros problemas urbanos evidentes, principalmente, nas áreas centrais das
grandes cidades dos países pobres. No Brasil, tais problemas urbanos são
mais expressivos nas áreas centrais de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e
Salvador.
As expressões materiais do passado, consideradas como marcas de an-
tigas temporalidades que imprimiram na paisagem das áreas centrais os tra-
ços de riqueza e opulência de seus ilustres habitantes, compostos pela elite
política e econômica de períodos distintos da história do Brasil, tendem, atu-
almente, a se transformar novamente símbolos de prestígio, poder e distinção
ao serem valorizadas enquanto patrimônio e restauradas e embelezadas para
fins econômicos. Segundo Paes-Luchiari (2005, p. 46):
Após um período de obsolescência das áreas centrais tradicionais, pro-
cesso que ocorreu em inúmeras cidades industriais de países ricos e pobres,
estas áreas vão atrair novamente os interesses do capital, seja pelas in-
fra-estruturas instaladas, pela posição estratégica na malha urbana, ou pela
possibilidade de agregar valor econômico ao patrimônio arquitetônico que
USO TURÍSTICO E EXCLUSÃO SÓCIO-ESPACIAL 119

ficou preservado — muitas vezes pelo próprio abandono ou por passarem a


viver a margem das concepções mais progressistas de cidade.
Esta dinâmica territorial característica de muitas áreas urbanas centrais,
marcada por períodos de desenvolvimento e decadência, torna relevante
analisar o papel das formas urbanas e de suas respectivas funções, variáveis
ao longo do tempo para se adequarem à estrutura sócio-econômica inerente a
cada período histórico.
Transpondo tal análise para a compreensão da dinâmica territorial das
áreas urbanas centrais, tendo o centro histórico de Salvador como referência
analítica, constata-se que a maioria das edificações existentes na área que hoje
se denomina centro histórico, considerado como o núcleo fundador da cidade,
foram construídas ao longo do período colonial, na época em que Salvador go-
zava de uma grande importância política, por ser considerada a capital do Bra-
sil até 1763. Portanto, ao longo do século XVII e XVIII, conjuntos de edifícios
assobradados multifuncionais, e edifícios públicos e religiosos foram erigidos
no centro da cidade de Salvador, considerado como lócus de múltiplas funções
associadas às atividades administrativas, comerciais, de serviços e residencia-
is. Era no centro que residia a população de alta renda, composta, neste período
por “uma população nobre, formada por homens de negócios, grandes comer-
ciantes, exportadores e importadores, senhores de engenhos e funcionários da
administração pública (...)” (Santos &Braga, 2009, s/n).
A grandeza e opulência das expressões da arquitetura civil, religiosa e
das edificações destinadas às funções administrativas eram um reflexo do po-
der político, econômico e cultural centrado nas mãos das classes mais abasta-
das e da Igreja Católica. Neste sentido, a paisagem que conformou e ainda
exibe, por meio de suas formas, as expressões materiais de outros tempos, é
edificada , segundo Zukin (2001, p. 84), “em torno de instituições sociais do-
minantes (...) e ordenada pelo poder dessas instituições”. A permanência, ou
não das formas herdadas na paisagem relaciona-se com a sua capacidade de
se adaptar aos novos conteúdos sociais, isto é, às transformações na estrutura
sócio-econômica que demandam novas formas, a substituição e destruição
das formas antigas ou até mesmo a sua adaptação para as novas funções que
correspondem às finalidades do presente.
No centro histórico de Salvador, a permanência das formas herdadas do
período colonial associa-se a uma fase de expansão urbana da cidade em dire-
ção ao sul com a criação de novos núcleos de ocupação urbana que levou par-
te da população residente a se mudar do centro histórico, acarretando no
esvaziamento de muitas de suas edificações. Este processo se acentua entre o
final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, quando o desenvol-
vimento de uma infra-estrutura urbana acarreta na expansão da cidade para
áreas mais afastadas que passam a atrair a população de renda mais alta,1 le-
vando à desocupação das edificações do centro histórico ocupado, desde en-
tão, pela população de baixa renda que fazem de muitas construções, grandes
120 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

cortiços. Neste período, a dimensão formal de muitas edificações sofreu sig-


nificativas alterações, com a introdução de novos materiais e técnicas cons-
trutivas, algumas edificações foram demolidas e outras novas foram
construídas em estilos arquitetônicos diversos. Parte das edificações
pré-existentes manteve a função residencial, porém, o perfil de seus habitan-
tes alterou-se significativamente. Outras mantiveram o uso misto, congre-
gando habitação, comércio e serviços destinados, prioritariamente ao
atendimento das necessidades da população local.
As atividades administrativas que até a década de 1960 ainda se con-
centravam no centro histórico, a partir deste período passam a se deslocar
para os novos pólos de desenvolvimento da cidade, acarretando numa perda
ainda maior da população residente e reduzindo a capacidade de geração de
emprego e renda. Esse processo culminou no aumento da degradação física e
social do centro histórico, principalmente, na zona do Pelourinho, que con-
grega a maior parte das edificações de relevância histórica e cultural. Parte
deste acervo foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional — IPHAN entre o final dos anos 30 e ao longo da década de 1940,
porém, tais medidas não foram suficientes para impedir o aumento da des-
truição, degradação e descaracterização de muitas de suas edificações. Sem
manutenção, os prédios históricos ficaram comprometidos.
Nos anos 30 do século XX o centro antigo passou a ser designado como
área de prostíbulos e cortiços da cidade. Passou a abrigar uma população po-
bre, de baixa escolaridade, que fixou residência de forma precária. Surgiram
também ali diversos movimentos culturais. (Santos Jnior & Braga, 2009, s/n)
O predomínio desta imagem negativa a respeito do centro histórico
inibiu a possibilidade de novos investimentos privados e do incremento de
atividades econômicas que pudessem promover uma dinâmica de novos in-
vestimentos em tal localidade. Mesmo o desenvolvimento do turismo, ativi-
dade que, desde a década de 1960 passou a ser considerada como forma de
conciliação entre desenvolvimento local e preservação patrimonial, tanto
pela UNESCO como pelas diversas diretrizes estipuladas pelas convenções
internacionais sobre a questão patrimonial, divulgados pelas Cartas Patri-
moniais, atestam para o desenvolvimento de estratégias de fomento ao tu-
rismo cultural visando a valorização econômica dos bens e artefatos
culturais, como o patrimônio arquitetônico. Porém, nos tímidos projetos de
fomento ao turismo abarcando o centro histórico de Salvador nas décadas
de 1960 a 1980, a população moradora e suas formas de sobrevivência sem-
pre foram vistas como entraves. Apesar dos investimentos públicos feitos

1 Informações extraídas do documento: Bahia. Governo do Estado; Secretaria de Cultura;


Escritório de Referência do Centro Antigo; UNESCO. Centro Antigo de Salvador: Plano de
Reabilitação Participativo. Escritório de Referência do Centro Antigo, UNESCO. — Salva-
dor, 2010
USO TURÍSTICO E EXCLUSÃO SÓCIO-ESPACIAL 121

ao longo de mais de vinte anos e que, bem ou mal, abriram caminho para sua
apropriação como um centro turístico e cultural, no início dos anos 90, a si-
tuação do centro histórico continuava mais ou menos a mesma do final dos
anos 60 (Sant’anna, 2003 ,p. 45).
O tombamento do Pelourinho pelo IPHAN, em 1984 e o seu reconhe-
cimento pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade em
1985 reiterou a relevância histórica e cultural da localidade, tanto pelo
acervo arquitetônico existente, dotado de edificações do período colonial,
como pelas referências culturais marcada por fortes traços da cultura afro
presente na musicalidade, na religiosidade, na culinária, entre outras ma-
nifestações culturais. Tais aspectos legitiman um estatuto diferencial do
Pelourinho frente a outros centros históricos que não gozam deste reco-
nhecimento, responsável pelo aumento do prestígio nacional e internacio-
n a l d a l o c a l i d a d e , e l e va n d o o s e u t e o r d e a t r a t i v i d a d e . Ta l
reconhecimento, porém, não foi suficiente para alavancar o turismo, pois o
centro histórico de Salvador, incluindo o Pelourinho, carecia de in-
fra-estrutura e de equipamentos comerciais e de serviços destinados a su-
prir as necessidades de seus visitantes. Além disso, a deterioração das
edificações e os problemas sociais consistiam em grandes entraves para a
execução de qualquer plano de promoção turística.
As experiências exitosas de desenvolvimento do turismo em cidades e
centros históricos demonstraram que a atividade constitui-se numa das prin-
cipais formas de transformação da cultura em commodites, pois se aproveita
da promoção das particularidades e singularidades do local para a auferição
do que Harvey (2005), denomina renda monopolista, referente à possibilida-
de dos atores sociais aumentarem seu fluxo de renda a partir da comercializa-
ção de produtos e eventos culturais que sejam únicos e irreplicáveis (Harvey,
2005, p. 221-222).
A mercantilização de bens materiais e das manifestações da cultura
imaterial pode acarretar em ganhos econômicos significativos para os seus
promotores, a partir da promoção estratégica do capital simbólico existente
no território em que se encontram, elevando seu poder de atração.

Intervenção urbana no Pelourinho: propósitos e desafios

Aproveitando-se das suas referências culturais significativas, até então


pouco valorizadas como fonte de rentabilidade, o governo do estado da
Bahia deu início em 1992, a um grande projeto de intervenção urbana cen-
trado na área do Pelourinho, tendo como objetivos o restauro das edifica-
ções mais importantes, a recuperação predial, com a manutenção de
volumetrias e fachadas, a manutenção de edificações em bom estado de
conservação e a utilização de áreas vazias e imóveis em ruínas para a cons-
trução de equipamentos, destinados, prioritariamente à promoção de
122 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

eventos culturais.2 Executadas pelo IPAC e pela então Companhia de Desen-


volvimento Metropolitano de Salvador, tal intervenção, realizada em sete
etapas, teve como intuito fazer do Pelourinho um dos principais pólos de
atração turística do Brasil, aproveitando-se da expansão desta atividade no
país nos anos 1990, em parte decorrente do aumento dos investimentos públi-
cos e privados na criação de infra-estrutura, equipamentos e serviços destina-
dos à elevação do potencial de atração turística das localidades.
As ações efetivadas pelo governo do Estado no Pelourinho levaram à ce-
narização do patrimônio arquitetônico e à espetacularização das suas refe-
rências culturais. O restauro das edificações de maior destaque na paisagem,
a pintura multicolorida das fachadas, a criação de inúmeros equipamentos
culturais, como museus, centros culturais e o aproveitamento de praças para
a promoção de eventos culturais, por meio do projeto “Pelourinho Dia e Noi-
te”, destinaram-se à atração de um público seleto de consumidores culturais
para o centro histórico.
Além das intervenções materiais, que envolveram a recuperação de
aproximadamente 600 imóveis, o plano de recuperação do Pelourinho tam-
bém levou à refuncionalização turística das edificações induzida pelo go-
verno do estado, por meio da seleção criteriosa dos investidores que
desejavam abrir um negócio, voltado, prioritariamente, ao fomento do tu-
rismo, à isenção de taxas de condomínio e de propaganda, à oferta de in-
fra-estrutura e serviços de limpeza, coleta de lixo, manutenção de vias
públicas, segurança e iluminação pelo Estado que também assumiria a ma-
nutenção do exterior dos imóveis e das áreas comuns (Sant ‘anna, 2003, p.
47). Além disso, o poder público passou a inibir e até mesmo coibir a instala-
ção de estabelecimentos comerciais e de serviços destinadas ao usufruto da
população local, priorizando o uso das edificações para fins turísticos, com
o incentivo à instalação de restaurantes, bares, lojas de souvenirs, meios de
hospedagem e equipamentos culturais, implantados, em grande parte, em
prédios públicos adquiridos pelo Estado. Segundo as diretrizes do plano, a
recuperação do centro histórico foi definida como um poderoso instrumen-
to econômico, devendo, portanto, ser realizada a partir de uma perspectiva
empresarial. Propôs-se, então, mas sem divulgação ampla dessa idéia, que a
área recuperada tomasse as características de um shopping center ao ar livre.
Acreditava-se que a aliança entre consumo, lazer e cultura, num ambiente
histórico único, igualaria os outros shoppings da cidade, gerando uma dinâ-
mica que contaminaria “saudavelmente as quadras vizinhas (...), viabili-
zando o Centro Histórico” (Bahia: Governo do Estado, 1992, p. 10 apud Sant
‘anna, 2003, p. 46) .

2 Informações extraídas do documento: Bahia. Governo do Estado; Secretaria de Cultura;


Escritório de Referência do Centro Antigo; UNESCO. Centro Antigo de Salvador: Plano de Rea-
bilitação Participativo. Escritório de Referência do Centro Antigo, UNESCO— Salvador, 2010.
USO TURÍSTICO E EXCLUSÃO SÓCIO-ESPACIAL 123

Tal plano, segundo suas diretrizes e práticas, serviu como uma impor-
tante estratégia de marketing urbano e governamental, destinada a promo-
ção da imagem de um governo empreendedor voltado à promoção da Bahia
como um dos principais destinos turísticos do Brasil, não apenas pelas suas
belezas naturais, mas também pela valorização dos seus atributos históricos e
culturais. A promoção mercadológica desta imagem positiva de Salvador e
da própria Bahia seria sintetizada pelo Pelourinho revitalizado. Este tipo de
intervenção se enquadra dentro das perspectivas de um planejamento urba-
no de viés culturalista em que a cultura assume um papel central nas estraté-
gias de valorização e desenvolvimento local.
Para Arantes (2000, p. 31), “rentabilidade e patrimônio arquitetôni-
co-cultural se dão as mãos” neste processo de revalorização urbana — sem-
pre, evidentemente, em nome de um alegado civismo (como contestar?...).
Dessa forma, tal imagem positiva projetada pelo desenvolvimento de tais
projetos ratificam um certo consenso público quanto às necessidades e a rele-
vância cultural e econômica de tais intervenções, omitindo, muitas vezes,
seus aspectos contraditórios.
Esta ênfase na valorização cultural, por meio da estetização patrimoni-
al, resulta na tentativa de criação de uma “falsa” identidade coletiva pautada
na promoção de imagens estilizadas de um patrimônio, valorizado enquanto
forma, mas desqualificado enquanto fonte de significação social. Tal projeto
deu um novo sentido aos territórios do patrimônio, como o Pelourinho, trans-
formado num centro de consumo e lazer destinado a uma pequena parcela da
população local e de turistas que podem usufruir de suas benesses. Este mo-
delo de planejamento urbano destinado, principalmente, ao redesenvolvi-
mento das áreas centrais degradadas apresenta, em diversas cidades do
mundo onde foi implantado, contradições sociais expressivas, pois acarreta
num processo de exclusão sócio-espacial induzido pelo poder público e pe-
las forças do mercado, já que os usos seletivos do patrimônio refuncionali-
zado pelo turismo e do território são socialmente excludentes. Se em alguns
casos a expulsão da população se dá pela introdução dos novos usos às edi-
ficações, inacessíveis para a população de baixa renda, em outros, ocorre
pela valorização econômica do solo urbano, processo que leva a população
mais pobre a vender seus imóveis e migrar para as áreas periféricas da cida-
de (Paes Luchiari, 2005, p. 46-47).
No caso do Pelourinho, o processo foi mais rápido e mais grave, pois im-
plicou na expulsão da população de baixa renda das edificações mediante de-
sapropriações e o pagamento de indenizações módicas a seus habitantes.
Como a ocupação das edificações ocorreu de forma irregular e a grande maio-
ria da população residente não tinha o registro de propriedade dos imóveis
ocupados, o governo do Estado utilizou-se de tal estratégia para induzir a
uma verdadeira “limpeza social” do Pelourinho, acelerando o processo de re-
funcionalização turística do patrimônio cultural e a conseqüente valorização
124 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

imobiliária das edificações. Com isso, o uso residencial desta porção do terri-
tório foi preterido em detrimento de novas formas de uso que assegurassem
uma maior rentabilidade econômica aos seus investidores por meio da dina-
mização do turismo.
Um dos principais ônus sociais resultantes da intervenção refere-se ao
esvaziamento populacional, como pode ser observado a partir dos dados do
censo do IBGE. Enquanto Salvador ganhava 1,4 milhões de habitantes entre
1970- 2000, apenas 66,8 mil pessoas moravam nos bairros do Centro histórico
de Salvador e seu entorno (2,8% dos soteropolitanos). O CHS, especificamen-
te, era habitado por 13,5 mil pessoas.3 A população local do centro histórico,
outrora expulsa de seu território de referência, passou a ocupar ruínas e casa-
rões abandonados localizados nos arredores do centro histórico. No início
dos anos 2000 observa-se um retorno de parte desta população e um novo en-
cortiçamento das edificações de interesse histórico.
O fluxo turístico intenso na metade da década de 1990 reduziu-se
gradativamente nos anos seguintes, resultando numa perspectiva de ga-
nhos econômicos aquém do esperado. Segundo Sant’Anna (2003), apenas
20% do público freqüentador do Pelourinho era formada por turistas no
início dos anos 2000, sendo a maioria dos frequentadores compostos pelos
próprios habitantes da cidade. Além disso, a semelhança das mercadorias
comercializadas nas lojas de artesanato e souvenirs inibiu a rentabilidade
esperada para este tipo de empreendimento, levando muitos comerciantes
a fecharem suas portas e abrindo espaço para o retorno do comércio infor-
mal para o Pelourinho, fonte de sustento de parte considerável da popula-
ção local.
Tal processo implicou numa redução significativa dos investimentos
públicos e privados no Pelourinho nos últimos anos, resultando no retorno
dos problemas sociais que nas décadas anteriores estigmatizavam a localida-
de e seus habitantes. O insucesso do plano acarretou numa revisão das ações
efetuadas e na tentativa, por parte do poder público, de reverter a dinâmica
de usos do centro histórico por meio de uma política de desenvolvimento do
uso habitacional do centro histórico destinado à população de renda média e
baixa. Tal programa teve início em 1999 e, ainda em fase de execução, não lo-
grou os objetivos propostos. Enquanto isso, a população local retorna ao cen-
tro histórico e adjacências na tentativa de restabelecer os laços sociais,
econômicos e simbólicos com seu território de referência. Esta mudança do
perfil dos moradores e usuários do centro histórico acarreta numa alteração
das características sócio-econômicas do Pelourinho.

3 Informações extraídas do documento: Bahia. Governo do Estado; Secretaria de Cultura;


Escritório de Referência do Centro Antigo; UNESCO. Centro Antigo de Salvador: Plano de
Reabilitação Participativo. Escritório de Referência do Centro Antigo, UNESCO. Salvador,
2010.
USO TURÍSTICO E EXCLUSÃO SÓCIO-ESPACIAL 125

A falta de perspectiva de emprego e renda e a situação de vulnerabilida-


de social em que vive grande parte da população residente no centro histórico
culmina na expansão das atividades informais e ilícitas, como o tráfico e o
consumo de crack. Apesar do policiamento do Pelourinho, reforçado nas
ruas de maior fluxo turístico, tais atividades encontram-se em processo de
franca expansão nesta porção do território, acarretando num conflito entre as
distintas territorialidades locais. As territorialidades são definidas por Cor-
rea (1994, p. 241), como o “conjunto de práticas e suas expressões materiais e
simbólicas capazes de garantirem a apropriação e a permanência de um dado
território por um determinado agente social, o Estado, os diferentes grupos
sociais e as empresas”. Neste sentido, as práticas sociais destes grupos no
mesmo território são conflitantes e culminam num estado de tensão perma-
nente entre diversos agentes e práticas pela manutenção das suas formas de
uso e apropriação do território.
Para Proença Leite (2004; 2010), a inibição de certos usos no espaço urba-
no podem culminar numa tática simbólica de contestação e afrontamento, de-
nominada contra-usos. No Pelourinho, tal processo se evidencia pelo
fechamento de estabelecimentos comerciais, pela inibição do fluxo de turista,
pelas estratégias de sobrevivência da população local, com a venda de qual-
quer tipo de quinquilharias a turistas e transeuntes efetuadas por ambulan-
tes, pelo apelo dos pedintes que se espalham pelas principais ruas de
circulação de turistas e por delinqüentes juvenis que realizam pequenos fur-
tos, efetuados, muitas vezes para a compra de entorpecentes. A permanência
destas práticas sociais no território tende mais para o estabelecimento de uma
relação de conflito e de alteridade do que para uma relação harmônica entre
os diversos grupos sociais que coexistem num mesmo território. Estes confli-
tos entre as diversas territorialidades se acirram porque os usos seletivos do
território acarretam na adequação extensiva dos espaços para turistas e a
pouca atenção dada aos moradores e usuários locais parecem contribuir sig-
nificativamente para a criação de pontos de tensão que, se permanecerem de
modo reincidente, culminam numa certa configuração espacial conflitante,
que pode ser uma variável importante para se compreender o declínio subse-
qüente que esses espaços enobrecidos acabam por sofrer. (Leite, 2010, p. 84)
Portanto, projetos de intervenção urbana que priorizem a estetização do
patrimônio e a monofuncionalidade dos centros históricos para o turismo
acabam tendo um viés socialmente excludente que pode acarretar numa nova
fase de decadência sócio-econômica de tais localidades.
O retorno da população local para o Pelourinho e para o restante do cen-
tro histórico, e o decorrente crescimento das atividades econômicas e cultura-
is praticadas por tais grupos resulta na criação de “arestas” que, ao invés de
contribuir para a dinamização do turismo, passam a ter um efeito contrário,
pois colocam em evidência os graves problemas sociais existentes na locali-
dade e na cidade de Salvador como um todo, um município em que 58% da
126 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

população residente apresentava, entre 2005 e 2007, uma renda mensal de


menos de dois salários mínimos, enquanto que no centro histórico de Salva-
dor, 46% da população residente se encontrava nesta mesma situação.4

Considerações parciais

Diante deste “revanchismo social” existente no Pelourinho, um novo plano


de reabilitação urbana que abarque não apenas o centro histórico de Salva-
dor, mas também as suas adjacências, encontra-se em fase de elaboração,
tendo como um dos princípios reparar os erros cometidos no plano anterior,
focando-se na recuperação de imóveis degradados destinados ao uso resi-
dencial e à melhoria da infra-estrutura urbana. Espera-se, portanto que tal
projeto viabilize ações de inclusão social e de geração de renda, não pautada
apenas no turismo, mas também no desenvolvimento de atividades econô-
micas múltiplas que atendam aos interesses e necessidades da população
residente e usuária do centro histórico que não pode ser apenas encarado
como centro de consumo, mas também como lócus de pertença e sociabili-
dade, e que resulte na atenuação dos conflitos e das contradições sociais
existentes.

Referências bibliográficas

Arantes, Otília B. F. (2000), “Uma Estratégia Fatal: A cultura nas novas gestões
urbanas”, Otília Arantes & Carlos Vainer & Ermínia Maricato, A Cidade do
Pensamento Único: desmanchando consenso, Petrópolis, Vozes.
Bahia, Governo do Estado, Secretaria da Cultura; Escritório de Referência do
Centro Antigo; UNESCO, Centro Antigo de Salvador: Plano de Reabilitação
Participativo, Escritório de Referência do Centro Antigo, UNESCO. —
Salvador, Secretaria de Cultura, Fundação Pedro Calmon.
Harvey, David (2005), A Produção Capitalista do Espaço, São Paulo, Annablume.
Leite, Rogério Proença (2004), Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na
experiência urbana contemporânea, Campinas, Ed. Unicamp.
Leite, Rogerio Proença (2010), “A exaustão das cidades: antienobrecimento e
intervenções urbanas em cidades brasileiras e portuguesas”,. Revista brasileira
de Ciências Sociais, vol 25, n. 72, pp. 73-88.
Paes-Luchiari. Maria Tereza Duarte (2006), “Centros históricos — mercantilização e
territorialidades do patrimônio cultural urbano”, in Geographia, Ano 7,
No 14, pp. 43-57.

4 Informações extraídas do documento: Bahia. Governo do Estado; Secretaria de Cultura;


Escritório de Referência do Centro Antigo; UNESCO. Centro Antigo de Salvador: Plano de
Reabilitação Participativo. Escritório de Referência do Centro Antigo, UNESCO. - Salva-
dor, 2010, p. 171
USO TURÍSTICO E EXCLUSÃO SÓCIO-ESPACIAL 127

Sant’anna, M. A. (2003), “Recuperação do Centro Histórico de Salvador: Origens,


Sentidos e Resultados”, RUA - Revista de Urbanismo e Arquitetura, UFBA -
Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
e Urbanismo. N008, Julho-Dezembro.
Santos Junior, Wilson Ribeiro dos; Braga, Paula Marques (2009), “O programa de
recuperação do centro histórico de Salvador e as lições das cartas
patrimoniais”, Arquitextos, São Paulo, 09.107. Vitruvius, abril,
http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.107/59.
Smith, Neil (2007), “Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço
urbano”, in Geousp — Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 21, pp. 15-31.
Zukin, Sharon (2000), “Paisagens urbanas pós modernas: mapeando cultura e
poder”, in Arantes, Antonio, O espaço da diferença, Campinas, Papirus, 2000.
Capítulo 8

The social effects of urban rehabilitation,


cultural and creative production and new ways
of consumption in the inner city of Budapest

Gábor Csanadi
Eötvös Loránd University of Budapest, Faculty of Social Sciences, Centre for Urban
and Regional Research (gcsanadi@tatk.elte.hu)

Adrienne Csizmady
Eötvös Loránd University of Budapest, Faculty of Social Sciences, Centre for Urban
and Regional Research

Gergely Olt
Eötvös Loránd University of Budapest, Faculty of Social Sciences, Centre for Urban
and Regional Research (olt.gergely@gmail.com)

Abstract

The transformation of the inner city society is influenced indirectly by new eco-
nomic and social trends, but also by direct public involvement of the local au-
thority and the state, like urban rehabilitation and social housing policies.
The indirect processes can be labelled as the new economy of the inner city
(Hutton, 2004), when landscapes of urban decay are turned into fashionable ur-
ban milieus (Pratt, 2009). Embeddedness (Granovetter, 1985) of cultural and
creative industries seems to be an important feature of this development, there-
fore some urban areas can become increasingly attractive for real estate inves-
tors, and end up in gentrification and displacement of the artistic communities
as well (Zukin, 1987; Indergaard, 2009). Conflicts caused by gentrification like
displacement and affordability crisis (Newman and Wyly, 2006) can be ampli-
fied by conflicts of different lifestyles (Eldridge, 2010). Expansion of higher ed-
ucation is also connected to these trends (Smith, 2005).
Urban politics recognised these effects and integrated culture in rehabilitation
processes, to reinvent the image of the city. Displacement induced by market
forces is complemented by rehabilitation policies of local and central govern-
ments, like mixed income neighbourhoods in the UK (Lees, 2008; Manzi, et al.,
2010) and in the Netherlands (Bolt and van Kempen, 2010). These policies re-
ceived strong criticism, since displaced low status residents can end up in new
segregated low status areas, producing a “splintering” urban landscape (Buzar
et al., 2007).
The authors examine these questions of western urban debates on the example
of Budapest with careful attention to the effects of cultural and institutional

129
130 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

features besides global structural explanations (Ribera-Fumaz, 2009). These


features are for example: very high percentage of owner occupation, lack of the
“new middleclass” (Ley, 1980), and characteristics of local governments.
In our research area, urban politics and rehabilitation unwillingly assisted the
emergence of a new cultural and hospitality quarter followed by creative and
design shops. The neglected, run-down, empty housing stock became sites of
intermediate use (Louekari, 2006). Later because of the global crisis and uncer-
tainty of institutions (the mayor of the district is in custody for corruption
charges) intermediate use emerged in privately owned buildings waiting for
demolition. Cohesion among these enterprises is still weak but started to get
stronger as local authority is trying to restrict their activities.
Urban politics also assisted real estate development displacing the poorest resi-
dents in social housing. New dwellings are owned by higher status residents.
Some social renters could stay in the area because of delays and problems of re-
habilitation, but they have been living in uncertainty for long years. The popu-
lation of the new dwellings is unstable and the flats are often used for tourism.
Conflicts also emerge because of the externalities of new entertainment and
hospitality venues. Noise, disturbance and changing milieu caused many de-
bates in the inner city and it often comes up who belongs to this area, and who
should move. Because of high level of owner occupation, population change
can be very slow, while conflict management of the local authority and other in-
stitutions is not sufficient.

Introduction

The inner city of Budapest lacked renovation for a long time, and quality of
the housing stock declined rapidly. About ten years ago a new scene of hospi-
tality venues and cultural projects started in one of these inner city areas. Af-
ter a short drawback in the middle of the 2000s, a new boom of night time
economy and tourism can be observed here, followed by a series of design
shops and creative enterprises. This could also be interpreted as a new cul-
tural cluster (Mommaas, 2004) or a “signifying new economy precinct”
(Hutton, 2004, p.94). On the other hand it is also a scene of rehabilitation and
gentrification. In my research project I conducted field research and inter-
views with agents of the creative/hospitality fields and local residents as well.
In this paper I try to outline the connections between social changes in
the inner city of Budapest, and the emergence of creative industries and cul-
tural and hospitality venues. In the first part of the paper I shortly review the
recent literature of these topics. Links between gentrification and creative mi-
lieus were discussed before, and there are recent findings exploring these
processes. The second part of the article is about the trends of the real estate
market and social changes in the inner city of Budapest, after the political
changes in 1989. In this section I mostly refer to findings of several research
THE SOCIAL EFFECTS OF URBAN REHABILITATION, 131

programmes in the last couple of years conducted by my advisors (hence the


plural form at the interpretation of our findings).1 The next part of the paper
takes a closer look on our research area, the Inner-Erzsébetváros and the Jew-
ish Quarter.

Gentrification and the new economy of the inner city

The reasons for gentrification are still being debated. Some researchers think
the roots of this process lie in the accumulation of capital and the revaluation
of real estate in the city centre. Some of these areas became less valuable dur-
ing deindustrialisation and because of other reasons of disinvestment, and an
ever-widening gap emerged between the market value and potential value of
central locations. This gap between market and potential value can be nar-
rowed by the residential renewal of city centres or, in other words, by gentrifi-
cation (Smith, 1979, 1987). With this approach, if the movement of capital is
explained, all the other processes become explainable.
Other research suggests that cultural changes are the most important
factors in gentrification. These assume that more highly educated mid-
dle-class consumers have demands that they can satisfy only in the city centre
and not in the characterless malls and hypermarkets of the suburbs (Ley,
1980, 1986).
Some explanations attribute a central role to the changes in proportions
among employment sectors. The ever-increasing importance of the tertiary
sector has resulted in growing number of professional occupations in the in-
ner city followed by changing allocation of the workforce (Hamnett, 1991). In
this sense changing occupational class structure is the reason of changing ur-
ban population and the process is explained by the increasing demand of the
middleclass professionals for housing in the inner city (Hamnett, 2003).
Gentrification is a global process, and in many cases it resembles colo-
nial-era enclaves that were segregated from other areas of the city. Because of
the expansion of multinational companies, their employees have become res-
idents in various cities all around the globe with the same demands for con-
sumption and amenities that are typical in western city centres. A new service
class has emerged in these cities to satisfy their needs (Sassen, 2000). These
processes are forming neighbourhoods in city centres worldwide, making
them like the colonial enclaves of global capitalism (Atkinson & Bridge,
2005).
As soon as living in the city centre becomes fashionable and venture
capital sees an opportunity, newcomers become people that buy things sim-
ply because they can (Lees, 2003). It can also change the use of space in the

1 The research was sponsored partly within the framework of the EEA/Norwegian
132 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

area and make the signs of social problems vanish by force. The result is an
empty, boring, nonliving urban space.
Critical researchers, based on recent and older findings, strongly deny
any positive effects of gentrification and social mixing. Their concerns about
social mixing as a government agenda are summarized, for example, at Lees
(2008). Displacement of the poor and vulnerable residents further away from
the city centre was the main concern about gentrification (Slater, 2006). How-
ever, some empirical evidence about displacement may show this issue less
significant (Freeman, 2005; Vigdor, 2002). Alternative explanations of gentri-
fication argue that changing occupational class structure causes replacement
of the decreasing working class by professional middle class workers, rather
than displacement (Hamnett, 2003).
Still, the affordability crisis in high demand, growing economy areas
like many parts of New York, seems to harm the interests of the least affluent
residents the most (Newman and Wyly, 2006).
Changes in the typical use of these inner city areas can lead to other con-
flicts, like the emergence and externalities of the night time economy, namely
the constant noise of these venues, and the changing character of these areas.
This could be another reason for leaving the area, but it is a less likely option
for poor residents. Inner city accommodation can also be constraint rather
than choice, since many social housing units can be found in inner city areas.
This kind of commercial gentrification raises the question “who belongs to
the city at night” (Eldridge, 2010).
The connection and conflict of creative scenes with real estate develop-
ment and gentrification and commercialisation was described by Zukin
(1987) earlier and by Indergaard (2009) and Pratt (2009) recently.
According to the examples shown by Hutton (2004) new economy en-
terprises can flourish in inner city areas and change the production and
consumption patterns of the cities in general. This branch of production is
mostly contains creative intellectual products (from computer
programmes to alternative marketing campaigns) and non standardised
material products (like fashion, other design products, and art pieces).
These industries can operate in the inner city environment, while also
change it, and amenities and clustering of different types of production
create a new urban landscape. These changes can also generate social con-
flicts as high demand results in growing rents and new use of space that
can force out former residents.
One example of these new economy areas, Hoxton is analised more
closely by Pratt (2009). He found that the new fashionable image of the area
was also responsible for growing rents and the original creative production
neighbourhood turned to be high price residential and consumption area. On
the other hand the nearby social housing of Hackney did not gain much from
these changes.
THE SOCIAL EFFECTS OF URBAN REHABILITATION, 133

Scott (2006) stresses, that creative production needs an already existing


cultural heritage and strong enough urban economic agglomeration to pro-
duce workplaces in the creative field. He notes that suggestions by Florida
(2002) actually reverse the logic of creative production, and simplifies this
complex process too much. Florida states that amenities and advanced con-
sumption possibilities can attract members of the creative class, and their
simple presence could generate economic growth. This argumentation con-
fuses production and consumption, but gives very concrete advises for urban
politicians: build attractive spectacles, and improve tourism and hospitality
industry. Besides the logical failure, this seems to be blatant oversimplifica-
tion of a very complex question. (For further critique of the Florida sugges-
tions see Peck (2005).) According to Scott (2006) creative workers are attracted
by already existing workplaces, tacit knowledge and good education of the
given field and by potential further economic growth. (Like at the example of
the Hollywood film industry cluster.) A big enough city and a conglomera-
tion of production and capital is also an important factor. This leaves only
very limited options for urban planning in shaping the creative field. Like at
the story of Hoxton and similarly in the south bank of Thames (Newman and
Smith, 2000), local authorities had very little influence on the emergence of
cultural and creative production and consumption. The example of the Hox-
ton case, and also the processes in New York described by Indergaard (2009)
show that the possible task of the local authority is not inducing the local
“buzz”, but rather protect it from short term interests of the real estate mar-
ket, while addressing the external costs of these new industry precincts.

Gentrification in central Budapest

In this paper, “central Budapest” refers to parts of districts VI, VII, VIII and IX
(all of them on the Pest side of the city), where most of the residential dwell-
ings were constructed at the end of the nineteenth and beginning of the twen-
tieth century and show the traditional architectural design of Pest.
Unfortunately, there are no up-to-date census data available that clearly
show signs of gentrification. Nonetheless, there are neighbourhoods where
signs of the process can be detected. In addition, we are able to use the results
of our representative survey2 conducted in a specific part of the city centre
(the inner part of District VII, or Erzsébetváros — our research area).
First we examined the history of the area of possible gentrification in
Budapest. This part of the city was almost untouched until the collapse of
communism. The most important features of the built environment were

2 We conducted a representative survey concerning social changes in the inner part of Dis-
trict VII (Erzsébetváros). The total sample size was 1,585.
134 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

slow deterioration and decay. (Only a few urban-renovation pilot projects


were carried out, limited to some blocks of flats, without any spill-over ef-
fects.) Because of the economic decline in the early 1990s, no significant
changes were seen for a long time. The most important factors of the renewal
were private residential developments started around 2000 and the increas-
ing number of these projects until recently. This process was not limited to va-
cant sites; by using the loopholes in regulations, in many cases this was
accomplished by demolishing old buildings. The rise of the real-estate indus-
try was caused by the growing measure of solvent demand. This process was
primarily facilitated by cheap subsidised loans for new homeowners. After
the era of cheap loans ended and the global crisis struck in 2008, city-centre
building projects became very limited again. Even so, these seven years after
2000 resulted in significant micro-level changes in some neighbourhoods that
still have important social consequences. Now we present the most impor-
tant factors in our research area. The first of these should be the issues of own-
ership of dwellings and building demolition and construction.
Renovation and refurbishment are closely related to ownership struc-
ture. The dwellings in the city centre became privatised at an overwhelming
rate. (In most cases, the families that were living in the flat became the new
owners.) This represented the end of the rental market in the city centre.
Large-scale renovation projects could only start in neighbourhoods where
the local council maintained ownership of the dwellings. This phenomenon
occurred in the central part of District IX, which was declared a reconstruc-
tion area3 before privatisation, and so ownership remained in the hands of the
local council. The other two areas that must be mentioned here are the (since
demolished) neighbourhood of the Corvin Promenade project and the social
reconstruction area of the Magdolna Quarter, both in District VIII. In these
cases, the local government owned a much larger proportion of the flats than
in other parts of the city centre. In our research area in District VII, the local
authority planned a new avenue to be built cutting through the dense 19th
century inner city structure. Privatisation of dwellings in the way of this reha-
bilitation effort was also prohibited.
Whereas the building projects before 2000 mainly used empty sites,
later the fast-paced demolition of the city centre began. Buildings that could
have been saved and renovated became the casualties of developers’ and lo-
cal council officers’ interests. Examining the data between 2001 and 2006, the
yearly averages of the indicator “number of demolished dwellings per hun-
dred newly built dwellings” (calculated by the Hungarian Central Statistical
Office) show the following numbers: approximately eight in District VI,

3 In Budapest it was only District IX (Ferencváros) that enforced its right and prohibited
the sale of real estate in a renovation area. Because of this and in spite of strong pressure
by the residents, 7,300 dwellings remained banned from sale.
THE SOCIAL EFFECTS OF URBAN REHABILITATION, 135

Table 8.1 Number of new dwellings, 2001-2007

District 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

VI 5 51 31 43 269 219 73
VII 44 54 49 204 434 222 273
VIII 84 247 199 512 259 315 331
IX 504 653 625 987 1008 663 1065

Source: Statistical Office of Hungary (2008).

twelve in District VII, eight in District VIII and six in District IX. In addition,
the demolished dwellings were often not those in the worst condition or
without bathrooms.
The demolitions were followed by construction: Between 2002 and 2007
ten to sixteen times more dwellings were built in districts VI and VII than in
the previous years. There was a smaller but also significant change in District
IX, where this number is 3.5, and in District VIII, where the number of newly
built dwellings was 2.5 times more than before. Most of these flats were built
for sale.4
The developers, most of whom were Spanish and Israeli, were looking
for sites to build large projects sometimes containing several hundred units,
and the results of these combined with the former appearance and use of the
street were often very disparate. In addition, whereas the re-
turn-on-investment calculations of real-estate developers and demand were
already pushing the market towards smaller dwellings,5 the average size of
the flats in this area was even smaller (47 to 59 m²). Researchers and analysts
dealing with this topic had had concerns for a long time about the long-term
negative effects caused by small flats (see for example Nelson, 2010). The
common interests of developers with less capital and buyers with limited
spending capacity contributed to the lack of change in the trends.
Developers expected rising social status of the area, so the prices of the
large new projects in the Old Jewish Quarter of Pest were set higher than for old
dwellings in the area. The developers believed that their future clients would
also have faith in the rising real-estate prices in the quarter, and so there would
be customers looking for luxury in a run-down neighbourhood in the city centre.
Because of the growth of developer interest since 2003, there was a rise in
real-estate value in central Pest, which constitutes a good basis for gentrification.
All of the changes (demolitions, building projects and renovation ef-
forts) set the real-estate market in motion, and in the six years between 2002

4 Developer interest was highest in District VIII (30 projects), followed by District IX (20
buildings), District VII (19 project) and District VI (10 projects).
5 In 2000 the average flat size was 102 m², in 2004 it was 71 m² and in 2007 it was only 54 m².
136 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

and 2008 there were rising real-estate prices in central Pest. Large-scale reno-
vation projects or simply expectations about them raised prices most signifi-
cantly. In the Old Jewish Quarter, the rise has been about 40% and it reflects
the temporary success of demolition. There are many signs showing that this
rise in real-estate value will be short lived. On the one hand, these prices were
calculated on an overheated real-estate market. On the other hand, the qual-
ity of buildings is often insufficient.
Quite a few university students or young employees (often moving to
the city from the countryside) chose a first flat to start their independent lives
in this area. The third reason was the availability of cheap low-cost new
dwellings, known as “small flats” (26 to 35 m²). The long-term negative ef-
fects of this process can already be seen, and the lack of larger flats will be a
problem in the future. On the other hand, it could be a short-term advantage
for students because they can find accommodation available in the city centre
close to their university. This process could lead to studentification of the city
centre (Smith, 2005).
The new trend of events was strongly influenced by the crisis. The de-
mand generated by foreigners decreased in the city centre last year (for the
newly built flats in districts VII-IX). In District VIII, real-estate prices rose
more slowly than building costs, so it was not worth starting new projects.
Finally, developers were planning smaller, 100- to 150-unit projects instead of
200- to 400-unit ones, so they were also looking for smaller building sites. (Ur-
ban planners find this change a good sign, although they still claim that even
these smaller projects are too large for an area that is already densely popu-
lated.) The economic crisis had a negative effect on the market (and, naturally,
developers recognised this as a problem); on the other hand, it at least tempo-
rarily stopped demolition.
After examining the real-estate market, we discuss the situation of resi-
dents in this area. Our main question is whether there is a certain part of the
city that can be called a gentrified neighbourhood. In general, according to
statistical data and other sources of data (e.g., surveys, local council data-
bases, case studies, etc.), there is currently no large-scale, radical gentrifica-
tion in our research area. However, at the same time the slowdown of
population loss is a clear sign of the beginning of gentrification. During the
1990s, the population loss was significant: by 2001 in districts VI and VII the
fall was about 25.8 to 22.6%, in District IX 19.7% and in District VIII 11.5%. Af-
ter 2001, the decline became slower and the data from 2007 show only a few
percent (2 to 5%) loss (whereas the average in Budapest was 4.6%).
The changes in other dimensions are characteristic as well. For example,
the age structure is shifting to the younger strata. Although the population of
this part of the city is still older than in others, the rate of the elderly decreased
moderately within the research area, and strongly outside the Boulevard.
Among young adults, the share of twenty- to thirty-year-olds is exceptionally
THE SOCIAL EFFECTS OF URBAN REHABILITATION, 137

Table 8.2 Population changes in central districts, 2001-2007

District 2001 2007 2001 2007


population population population % population %
(1990 = 100%) (2001 = 100%)

VI 44,141 41,839 74.2 94.8


VII 64,141 62,001 77.4 96.7
VIII 81,791 80,166 88.5 98.0
IX 62,999 59,992 80.3 95.2
All of Budapest 1,775,203 1,696,128 88.2 95.4

Source: Statistical Office of Hungary (2007).

high around Mikszáth Square and along Ráday Street. Both areas were sub-
ject to public spatial renovation and this could indicate the success of these
initiatives from a certain aspect. These facts could be a sign of gentrification
or studentification (Smith, 2005). The Jewish Quarter, with its central location
and relatively low prices, is very similar to these places. The cheaper flats
close to Semmelweis University could also be places for students. Currently it
is typical for some students to share a large flat in this neighbourhood be-
tween Illés Street and Korányi Street. The thirty- to forty-year-old group is
more typical in the central part of District IX (Ferencváros) because it was
only here that the sizes of flats were suitable for raising children. In the fol-
lowing section I take a closer look of social changes in our research area.

Social changes in our research area and emergence of a cultural


neighbourhood

The case of District VII is the most interesting in respect of population change
because the natural decrease was higher here than in other parts of the city
centre, but the new residents moving in counterbalanced this, so the popula-
tion loss was only 3.3%. The first sign of gentrification is visible here: the pop-
ulation of the run-down area is still decreasing, but it is balanced by the new
occupants. Our survey data show that during recent (i.e., pre-economic cri-
sis) years the influx was substantial. These new residents are most likely pio-
neer gentrifiers, like students looking for cheap and still central
accommodation, artists and other workers of the new economy. High number
of hospitality venues and artistic and design projects can be signs of commer-
cial gentrification in the area.
However, according to the changes in population dynamics we can only
presume gentrification because these data cannot show the social status
changes in the area. Nonetheless, according to our 2010 survey, in the last
eight years the proportion of more highly educated residents grew further
and the share of less-educated residents decreased in the Jewish Quarter. It is
138 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Table 8.3 Distribution of residents by moving-in period, 2010

Moving in between %

1916-1969 025.6
1970-1989 022.1
1990-2001 019.9
2002-2005 009.1
2006-2010 023.3
Total 100.0
N 1,541

Source: survey, 2010. Note: Those who were born in the area are categorized according to date of birth.

Table 8.4 Level of education in the survey area, 2001 and 2010

Highest level of education 2001 2010 Incomers, Incomers,


2002-2005 2006-2010

Primary 038.1 030.3 026.5 017.3


Secondary 039.2 037.8 036.4 044.1
Tertiary 022.7 032.0 037.1 038.6
Total 100.0 100.0 100.0 100.0
N 18,101 1,539 1400 3590

Source: Hungarian Central Statistical Office, 2001; survey, 2010.

even more important that the proportion of higher-status groups among the
newcomers is growing and the share of low-status strata is decreasing. The
two sets of data shown in Tables 3 and 4 together show that the population
change accelerated in the last period and that the status of newcomers is
higher than that of the population moving out. This could be a first sign of
gentrification because in gentrification literature one of the most important
status indicators is the proportion of residents with a higher education (see
Atkinson, 2000; Seo, 2002).
The new development projects play important parts in these changes.
Usually developers paid compensation for the former residents in local au-
thority housing units, and these residents presumably left the area or the city
as well. By demolition and new building projects real estate investment
started to change the whole character of the neighbourhood.
However we do not have statistical data about conversions to
touristic purposes of the older owner occupied housing or about long term
market renters of these older and cheaper dwellings because many of these
contracts are not official to avoid taxation. Maybe population change was
even.
THE SOCIAL EFFECTS OF URBAN REHABILITATION, 139

One of the most important new real estate projects in our research area,
Gozsdu Court, was finished almost exactly when the first wave of the crisis
occurred. The sale of overpriced flats and retail spaces progressed slowly. Be-
cause of the typical size and the central location of the dwellings, it is easy to
imagine the clients the developer anticipated: foreigners or a segment of
younger clients that found it important to have a new, “clean” and above all
safe flat. (These notions often came up in our interviews, especially with peo-
ple moving to Budapest from the countryside.) They wanted to see the neigh-
bourhood as a place where the run-down environment (which is due to be
cleaned up) is compensated for by the advantages of the central location. This
decaying but still fascinating area with buildings from the late nineteenth and
early twentieth century was attractive and repulsive at the same time. The
prices of the flats were almost twice those of others in a similar neighbour-
hood. As a result, most of the new owners (foreigners and locals) bought their
flats as speculators, many flats remained unsold and therefore only a few
people actually moved in.
After a year of silence and neglect of the area, alternative usage of these
premises emerged. The developer tried to advertise the retail spaces for cul-
tural venues (like art galleries) but in the first round this campaign was not as
successful as predicted. In 2010 new hospitality and artistic venues emerged
and in 2011 a weekly art and design fair started up. The dwellings became
touristic apartments, working with lower prices than hotels, but still giving
more privacy than hostles. In the summer of 2011 we could observe that res-
taurants and pubs created bigger traffic in the passage and some artistic and
design projects seem to be well established here, but owners of these places
still think there is much more potential in the Gozsdu Court, since only one
side of the passage is really inhabited, the other is still empty. As we can see on
this example, the usual arrival pattern of pioneer artists changed, and they
could occupy the space after a failed luxury investment.
When the whole so called “ruin bar” scene started to emerge about 10
years ago it was a really different neighbourhood, mostly a residential area
for lower status and middle class residents. For a detailed description of the
history of the “ruin bars” see Lugosi et al. (2008; 2010). As mentioned in the
second part of the paper, local authority did not privatise all dwellings for
their occupants here, and renovation was out of the question as well, since
local authority planned demolition of the old housing stock to open space
for new avenue. For the first part of the 2000s the rehabilitation process of
the local authority meant emptying of the old houses, and these empty bad
condition buildings waited for investors. In the meantime pub owners who
recently started their enterprise in the area had the chance to rent these
places from the local authority for the summer period. These open air inner
city pubs were a great novelty and started to put the forgotten area on the
mental map of residents of Budapest and tourists as well. Because of
140 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

institutional insecurities these open air bars often changed places and
names. In the election year of 2006 there was a major drawback in this scene,
since local authority did not cooperate with pub owners anymore, mostly
because they wanted to gather the votes of residents protesting for peace
and for quiet. Another reason for this turn could be that the real estate mar-
ket started to rise, and local authority sold buildings for investors who com-
pensated local authority tenants in cash. During this process (according to
the ongoing trial against the mayor and his associates in crime) a massive
fraudulence of the local authority assets occurred. The sell out of buildings
by the authority also meant that demolition of the 19th century housing stock
could start. Since the neighbourhood is the buffer zone of the UNESCO
world heritage site Andrássy Avenue, civil organisations, and grassroots
groups protested against the demolition. Later UNESCO officials visited
the area and the Office of Cultural Heritage gave protection to many houses
threatened by demolition. Some developers got into a situation where they
have permission for demolition but a marble sign of the heritage protection
is also on the building. This institutional uncertainty and the crash of the
real estate market left the investors little choice. Many buildings stood there
empty for ages, and some developers let these places for rent, mostly for
“ruin bars”. The emergence of the hospitality scene got a new boost, when
Hungarian government liberated strict local bureaucratic control of open-
ing pubs and other enterprises. In 2010 and 2011 so many new places
opened, that it is even hard to count for protesting local residents, and this
process did not stop. The area became a must see attraction in tourists
guides as well, and many flats became hostels, or in new buildings apart-
ment for short term stay. The conflict about the noise still goes on and many
believe there is no simple legislative way to solve it.
Creative and artistic projects are often connected to these hospitality
venues. The question is how original artistic production and commercial use
of these spaces can coexist. For a detailed typology of these clusters of pro-
duction and consumption see Mommaas (2004). The artistic milieu emerged
somewhat spontaneously in our research area (like graffiti on the wall of a
ruin pub). Many of our interviewees referred on the artistic and cultural heri-
tage of the Old Jewish Quarter. It is also true, that some artistic enterprises
could start their projects for nominal fees in empty local authority owned
buildings, and in some cases without any proper contract. The pubs within
these artistic micro-clusters should be responsible for the financial basis of
these projects. This makes a strong connection between hospitality venues,
tourism and creative production. On the other hand, many of these artistic
projects depend on state funding for arts as well. Some start up projects be-
come successful abroad as well, like an installation made for the Buring Man
festival. The often unclear status of these venues and buildings also holds a
lot of uncertainty in these projects. After the local authority elections in 2010,
THE SOCIAL EFFECTS OF URBAN REHABILITATION, 141

one of these artistic communities had to leave the area, because of the lack of
cooperation by the local authority.
There are other types of creative and design producers as well, with
more capital. They are trying to present themselves as a cluster of entrepre-
neurs changing the reputation of the area, making it a cultural and design
quarter. They often complain about the “quality of people” living in the
neighbourhood, and that they expected a much bigger growth in social status
in the last decade.
Independent, small scale design and artistic shops opened up recently
because of the new popularity of the neighbourhood. Still many retail spaces
stay empty, and some shop owners lamented about irrationally high rents.
The result is a very mixed area, with cheap shops for stockings right beside a
fancy design shop followed by a small grocery shop next to squatted art
gallery.
In our research area, urban politics and rehabilitation unwillingly as-
sisted the emergence of a new cultural and hospitality quarter followed by
creative and design shops. The neglected, run-down, empty housing stock
became sites of intermediate use (Louekari, 2006). Later because of the global
crisis and uncertainty of institutions (and corruption) intermediate use
emerged in privately owned buildings waiting for demolition.

Conclusions

After the collapse of communism, higher-status residents of the city centre


moved to the suburbs of Budapest and there were no significant renovation ef-
forts to prevent suburbanisation. Nonetheless, there were micro-level changes
that could indicate a potential increase in real-estate value in the city centre. This
offers the potential to improve the physical environment of the area and change
the social composition of the population. The demolitions and new projects typi-
cally did not affect the most run-down and lowest social-status areas of the
above mentioned four districts of central Pest. The neighbourhoods that were
renovated had a social potential for a different type of renovation. Although as-
sisting the most helpless and vulnerable is cited as an important goal of renova-
tion, the designated areas, the agents behind the projects and the methods
applied are all inconsistent with this goal. The motivation behind such activity is
not improvement of the situation, but changes on the real-estate market. The rel-
ative economic boom around 2000 made the city centre more attractive to devel-
opers6 and — not completely independently from this — more desirable for
various middle- and higher-status social groups .

6 Developers were able to defend their interests not only at the local level, but also at higher
levels.
142 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

After the economic crisis we can see touristic conversions of these new
developments in our research area while many retail spaces remained empty
or become the scene of an intermediate art project. The abandoned buildings
owned by real estate investors (waiting for a better turn of the market or judi-
cial decision), became new hospitality venues. While bad quality of the local
authority housing stock and also owner occupied (privatised) old buildings
is still a huge problem. In 2010 night time economy in the area shifted gear
and caused great conflicts in the densely populated inner city residential
area.
As we can see in the Budapest example the emergence of the new cul-
tural scenes highly depends on real estate markets similarly to other cities
mentioned in this paper. However the Budapest case is also somewhat differ-
ent because of smaller demand for inner city housing. Still, rehabilitation ef-
forts of the local authority resulted displacement of many residents, even if
the planned high status developments were not realised yet. This part of the
process is one of the most concerning effects of inner city changes in Buda-
pest. In some cases, moving away from their neighbourhood is desirable for
these residents as well. Because of the constant uncertainty in the renovation
process and the fear that they have to leave their home, many of the residents
postponed refurbishments and now they feel trapped in their own social
housing. It seems impossible to sell or trade these flats. Many residents only
want to move into a less insecure situation (Csanádi et al., 2007). For pol-
icy-makers, the “de-concentration of poverty” often seems to be good idea in
the form of exporting it to other parts of the city, or to the countryside. The
well-known policy is to buy cheap houses or apartments in the outskirts or in
poor villages. The result is new concentration in less-developed areas (de-
scribed in Ladányi, 2008; Csanádi et al., 2010). On the other hand, these social
groups are the most vulnerable and powerless ones in the articulation of their
interests, so the question of price remains: do these social groups have to pay
for renovation that was carried out to benefit higher-status social groups?
Moving to the city centre can be an alternative for a particular segment
of the middle class. They can find a better quality of life there, and force the re-
novation of the neighbourhood. Also new creative enterprises could bring
economic upgrading and new investment after decades of disinvestment.
Nonetheless segregation — sometimes in other parts of the city or in the
countryside — can become stronger, and the falling living standards of the lo-
wer status groups could be a high price to pay for a more vibrant and liveable
city centre.

References

Atkinson, R. (2000), “Measuring gentrification and displacement in greater


London”, Urban Studies, 37(1), pp. 149-166.
THE SOCIAL EFFECTS OF URBAN REHABILITATION, 143

Atkinson, R. & Bridge, G. (2005), “Introduction”, in Atkinson, R. & Bridge G. (eds.)


Gentrification in a global context: The new urban colonialism, pp. 1-17, London,
Routledge.
Bolt, G. and Van Kempen, R. (2010), “Dispersal Patterns of Households who are
Forced to Move Desegregation by Demolition A Case Study of Dutch Cities”
Housing Studies, 25:2 pp159-180.
Buzar, S., Ogden, P., Hall, R., Haase, A., Kabisch, S., és Steinführer, A. (2007),
“Splintering Urban Populations: Emergent Landscapes of Reurbanisation” in
Four European Cities, Urban Studies, 44 pp651-577.
Csanádi, G., Csizmady, A., Koszeghy, L. & Tomay, K. (2006), “Belso-erzsébetvárosi
rehabilitáció”, Tér és Társadalom, 20(1), pp. 73-92.
Csanádi, G., Csizmady, A., Koszeghy, L. & Tomay, K. (2007), “A városrehabilitáció
társadalmi hatásai Budapesten” In Enyedi, G. (eds.) A történelmi
városközpontok átalakulásának hatásai, pp. 93-118. Budapest, MTA
Társadalomkutató Központ.
Csanádi, G., Csizmady, A., Kocsis, J., Koszeghy, L. & Tomay, K. (2010),
Város-tervezo-társadalom, Budapest, Sik Kiadó.
Eldridge, A. (2010), “The Urban Renaissance and the Night-Time Economy: Who
Belongs to the city at Night”, in Manzi, T., Lucas, K., Jones, T. L., Allen, J.
(Eds.) Social Sustainability in Urban Areas, Communities, Connectivity and the
Urban Fabric, Earthscan, London.
Florida, R. (2002), The Rise of the Creative Class: And How It’s Transforming Work,
Leisure, Community and Everyday Life, Basic Books.
Freeman, L. (2005), “Displacement or succession? Residential mobility in
gentrifying neighborhoods”, Urban Affairs Review, 40(4), pp. 463-491.
Granovetter, M.S. (1985), “Economic Action and Social Structure: The Problem of
Embeddedness” American Journal of Sociology, 91(3) pp 481-510.
Hamnett, C. (1991), “The blind man and the elephant: The explanation of
gentrification”, Transactions of the Institute of British Geographers, 16(2),
pp. 173-189.
Hamnett, C. (2003), “Gentrification and the Middle-class Remaking of Inner
London”, 1961-2001. Urban Studies, 40 2401-2426.
Hungarian Central Statistical Office (2001), Népszámlálás 2001, Budapest.
Hungarian Central Statistical Office (2007), Társadalmi, gazdasági jellemzok, Budapest.
Hungarian Central Statistical Office (2008), Lakásstatisztikai Évkönyvek 2001-2007,
Budapest.
Hutton, T. A. (2004), “The New Economy of the inner city” Cities, Vol. 21, No. 2,
p. 89-108, 2004.
Indergaard, M (2009), “What to Make of New York’s New Economy? The Politics
of the Creative Field” Urban Studies 46. pp. 1063-1093.
Ladányi, J. (2008), Lakóhelyi szegregáció Budapesten, Budapest, Új mandátum Kiadó.
Lees, L. (2003), Super-gentrification: The case of Brooklyn Heights, New York City,
Urban Studies, 40(12), pp. 2487-2510.
144 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Lees, L. (2008), “Gentrification and social mixing: Towards an inclusive urban


renaissance?” Urban Studies, 45(12), pp. 24-49.
Ley, D. (1980), “Liberal ideology and the post-industrial city”, Annals of the
Association of American Geographers, 70, pp. 238-258.
Ley, D. (1986), “Alternative explanations for inner city gentrification: A Canadian
assessment”, Annals of the Association of American Geographers 76, pp. 521-535.
Louekari, M. (2006), “The Creative Potential of Berlin: Creating Alternative Models
of Social, Economic and Cultural Organization in the Form of Network
Forming and Open-Source Communities”, Planning, Practice & Research, 21/4
pp463-481.
Lugosi, P. and Lugosi, K. (2008), “The “Ruin” Bars of Budapest: Urban Decay and
the Development of a Genre of Hospitality”, 17th CHME(Council for
Hospitality Management Education) Research Conference, 14-16 May 2008,
Strathclyde University, Glasgow.
Lugosi , P., Bell, D., and Lugosi, K. (2010) “Hospitality, Culture and Regeneration:
Urban Decay, Entrepreneurship and the ‘Ruin’ Bars of Budapest” Urban
Studies, 47 pp 3079-3101.
Manzi, T. (2010), “Creating Sustainable Neighbourhoods? The Development and
Management of Mixed-Income Communities”, in: Manzi, T., Lucas, K., Jones,
T. L., Allen, J. (Eds.) Social Sustainability in Urban Areas, Communities,
Connectivity and the Urban Fabric, Earthscan, London.
Mommas, H (2004), “Cultural Clusters and the Post-industrial City Towards the
Remapping of Urban Cultural Policy” Urban Studies, 41/3, pp. 507-532.
Nelson, S. (2010), “Residential Intensification, Family Housing and Educational
Provision”, in: Manzi, T., Lucas, K., Jones, T. L., Allen, J. (Eds.) Social
Sustainability in Urban Areas, Communities, Connectivity and the Urban Fabric,
Earthscan, London.
Newman, P. and Smith, J. (2000), “Cultural Production, Place and Politics on the
South Bank of the Thames” International Journal of Urban and Regional
Research 24/1, pp 9-24.
Newman, K. and Wyly, E. (2006), “The right to stay put, revisited: gentrification
and resistance to displacement in New York City”, Urban Studies, 43,
pp. 23-57.
Peck, J. (2005), “Struggling with the Creative Class”, International Journal of Urban
and Regional Research, vol. 29.4.
Pratt, A.C (2009), “Urban regeneration: From the Arts ‘Feel Good’ Factor to the
Cultural Economy: A Case Study of Hoxton, London”, Urban Studies, 46; 1041.
Ribera-Fumaz, R. (2009), “From urban political economy to cultural political
economy: rethinking culture and economy in and beyond the urban
Progress” in Human Geography 33; pp 447-465.
Sassen, S. (2000), Cities in a world economy, Thousand Oaks, CA: Pine Forge Press.
Scott, A. J. (2006), “Creative cities conceptual issues and policy questions”, Journal
of Urban Affairs, 28 (1), pp 1-17.
THE SOCIAL EFFECTS OF URBAN REHABILITATION, 145

Seo, J. K. (2002), “Re-urbanisation in regenerated areas of Manchester and


Glasgow: New residents and the problem of sustainability” Cities, 19(2),
pp. 113-121.
Slater, T. (2006), “The eviction of critical perspectives from gentrification research”,
International Journal of Urban and Regional Research 30/4 pp.737-757.
Smith, D. P. (2005), “Studentification the gentrification factory?” in Atkinson, R. &
Bridge, G. (eds.), Gentrification in a global context: The new urban colonialism.
London, Routledge.
Smith, N. (1979), “A theory of gentrification: A back to the city movement by
capital not people”, Journal of the American Planning Association, 45(4),
pp. 538-548.
Smith, N. (1987), “Gentrification and the rent gap”, Annals of the Association of
American Geographers, 77, pp. 462-478.
Vigdor, J. (2002), “Does gentrification harm the poor?”, Brookings-Wharton Papers on
Urban Affairs, pp. 134-173.
Zukin, S. (1987), “Gentrification culture and capital in the urban core” Annual
Review of Sociology, 13, pp. 129-147.
Capítulo 9

Os novos layers urbanos


Mutação dos paradigmas de reabilitação em centros de cidade

Rosa Macedo
FAUP(arq.rosamacedo@gmail.com)

Gonçalo M. Furtado C. L.
FAUP (gmfcl@hotmail.com)

Abstract

We witness today to a reconfiguration of the practices of (re)production of ur-


ban fabric, according as the unreasonable desire to (re)produce peripheral are-
as of diffuse characteristics, as been somewhat replaced by the insertion of new
urban fabric of city consolidated spaces. There is a mutation of the guiding prin-
ciples of the proposed intervention in cities, in the sense that the building origi-
nally seen as the end of a proposed urban, presents itself today as the beginning
of that proposal. The existing city spaced becomes the starting point of (re)pro-
duction of new urban fabrics. It acts on the city reconfiguring their system and
its connections.
Philipp Oswalt in Hypotheses on urban shrinking in the 21 st century, shows us
that what is expected in the near future is the phenomenon of shrinking cities, at
the fact that city leaves to expand, focusing on consolidated building territory.
In another dimension, Rem Koolhaas at What Ever Happened to Urbanism?,
shows us that new urbanism (construction of the new urban fabrics) never aga-
in be about the “new”, only about the “more” and the “modified”, and to survi-
ve will have to imagine a new newness, operating globally, not occasionally
through architectural pieces.
So, accepting that the cities will decline and that urbanism has disappeared
with the statement of architecture, in this article we cross these two issues, the
relationship of architecture to urban planning in the construction of new fa-
brics, looking to inquire about the importance of the role of contemporary ar-
chitecture in mutational process spaces that comprise historical city centers,
since it is in this urban space that we can find various layers of information and
(re)positioning of new urban fabrics.
The (re)configuration of domains and levels of action existing in the city, allows
us to understand that more than (re)produce urban fabrics, becomes necessary
analyze what exist, understanding their connections or ruptures, reconfiguring

147
148 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

them into a global situation, in response to a fluctuating society, that fixation


values and identification with what is local, tend to be reflected in the way of li-
ving in the contemporary city.

Introdução

O presente texto, representa a comunicação conferida na “Second Internatio-


nal Conference of Young Urban Researchers”, inserida no tema (Re)produ-
cing urban fabric, e foca a operatividade dos novos layers urbanos como
consequência da mutação dos paradigmas de reabilitação em centros de cida-
de. Desta forma, interessa-nos focar o gesto de sobreposição de camadas
construtivas, ao longo da história da cidade, direccionando o olhar nas pro-
postas urbanas cuja dimensão teórica compreende o centro antigo da cidade.
Referimo-nos a centro antigo e não centro histórico, por um lado porque a co-
notação histórica perfaz com que exista adjacente uma delimitação territorial
concreta, por outro lado, porque nos interessa reflectir na cidade contempo-
rânea, e esta compreende múltiplos centros antigos que, à semelhança dos
históricos, necessitam de reabilitação. Referimo-nos à mutação dos paradig-
mas de Reabilitação, não pela vontade de delimitar o estudo no período de
tempo correspondente à origem da postura interventiva, mas pelo facto de
esta determinar o gesto máximo da construção de layers urbanos, uma vez
que se formaliza pela sobreposição de camadas construtivas de tempos dis-
tintos. Considerando, na sua essência, que adjacente ao conceito se encontra
implícita a interpretação de uma fenomenologia especifica de organização do
território, estruturamos a comunicação segundo um conjunto de referências
compreendidas nas teorias urbanas e no posicionamento do centro de cidade
nessas mesmas teorias, de forma a que transversalmente se estabeleçam crité-
rios contemporâneos de reflexão.
A análise etimológica da palavra centro provém do latim centrum, que
significa a parte central de uma superfície. Os centros das cidades, designa-
dos na sua génese como o “núcleo social embrionário”,1 apresentavam-se
como o aglomerado populacional de características distintas do ambiente ru-
ral, onde se concentrava o poder de uma sociedade, nomeadamente, o poder
religioso, político e administrativo, e de onde erradicavam e se desenvolviam
as principais vias de comunicação com a restante malha urbana e exterior da
cidade.
O debate sobre a reabilitação social e territorial dos centros das cidades
Europeias, prolonga-se desde o final da Segunda Guerra Mundial até à actua-
lidade. Tal não significa que anteriormente não tenha sido abordado, mas

1 Mumford, Lewis, A cidade na história. Suas origens, transformações e perspectivas, Brasília:


Martins Fontes, 1982, p.9.
OS NOVOS LAYERS URBANOS 149

determinava princípios distintos. É, no entanto, sobre este anterior momento


de debate de intervenção (no sentido de voltar a habilitar um espaço de cida-
de) social e territorial que nos iremos inicialmente debruçar, para posterior-
mente reflectirmos face a contemporaneidade.

1.

Comecemos inicialmente por dizer que, o reconhecimento de que a cidade é


feita no tempo e pelo tempo, não é novidade, no entanto, nesta sobreposição
temporal encontra-se adjacente, por um lado a construção operativa de novas
camadas (layers) urbanas em espaço existente, e por outro lado a construção
de novos espaços urbanos horizontais. Ao revisitarmos as posturas urbanas
até os anos 40 do século XX, verificamos que a noção de centro antigo da cida-
de tal como a detemos na actualidade, não existia. O que existiam era postu-
ras que se orientavam pela aplicação de estratégias que previam a máxima
modernidade, com o consequente desventramento das cidades históricas, ou
por outro lado, as que não se apropriavam da cidade antiga, e que apenas a
confrontava com uma nova malha urbana. Podemos afirmar que a vontade
inicial das cidades do século XVII, com a aplicação do conceito da Planta Bai-
xa Especulativa, 2 em prolongar ao máximo possível o território construído
das cidades, cedo se tornou no maior problema urbano contemporâneo.
A cidade aumentava de tamanho, enquanto que a sua natureza e finali-
dade eram esquecidas. A mobilização de produtos, o rápido intercâmbio, a
aplicação da lei do crescimento urbano da economia capitalista, caracteriza-
dores do período da Revolução Industrial, determinam um novo entendi-
mento da escala de tempo-espaço, factor que contrariava todo o ambiente,
físico e organizativo, dos centros urbanos antigos. Pela primeira vez é instau-
rada a consciencialização dos problemas urbanos e dos seus centros antigos,
uma vez que até então se inseriam no ambiente descontrolado das cidades em
desenvolvimento. Quando a estratégia urbana passa de querer actuar nos li-
mites exteriores vazios, para actuar no espaço edificado consolidado, o deba-
te gera-se no modo de considerar as cidades antigas e seus centros,
compreendidos pela muralha, e as periferias urbanas desprovidas de planea-
mento, que cresciam no exterior das muralhas, com “casas novas e precárias,
misturadas às fábricas, que se tornam inabitáveis pela insuficiência dos espa-
ços públicos e dos serviços higiénicos elementares: aquedutos, esgotos, esco-
amento dos lixos”.3 Relativamente ao centro antigo da cidade, as opiniões

2 Numa intensificação progressiva do uso do solo e falta de consideração na “diferencia-


ção funcional ente os bairros residenciais, industriais, comerciais e cívicos”, Mumfor, Le-
wis, op. cit., p.456.
3 Benevolo, Leonardo, A cidade na história da Europa, Lisboa: Editorial Presença, 1995,
p.182. (trad. Maria Jorge Figueiredo).
150 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

dividem-se, por um lado os que entendiam a sua demolição uma vez que
“obstaculizan la formación de la ciudad moderna [por outro lado os que con-
sideravam que se deveria] preservarlos en justa coherencia con una cultura
ilustrada que hace del historicismo un valor moderno”.4
Do século XIX até ao século XX, as estratégias urbanas que se iriam des-
tacar, compreendiam planos de articulação e hierarquia do território, geomé-
tricos, influenciados pelo conhecimento dos engenheiros e militares,
confiantes na aplicação do conceito de redes urbanas, que se demarcavam
desde a construção territorial à configuração das infra-estruturas. Confirma-
da a impossibilidade de adaptação territorial dos centros antigos face à cida-
de moderna, em 1850 presenciamos à afirmação da postura do Barão
Haussmann (1809-1891) na cidade de Paris, como representativa de modelos
que posteriormente caracterizariam as cidades modernas. O método “Hauss-
manniano”, como designa Françoise Choay,5 iria ser mais tarde considerado
em estratégias urbanas por toda a Europa e fora de seus limites, pela capaci-
dade que este apresentava na sistematização e racionalização da cidade se-
gundo uma estratégia urbana, que sobrepunha ao conjunto edificado
existente, um sistema planimétrico triangular (que permitia a maior extensão
das vias com comércio) que compreendia os conjuntos heterogéneos da cida-
de num mesmo plano global de intervenção; por substituir a muralha medie-
val por um sistema hierarquizado de vias que no limite, conectavam Paris
com as restantes cidades circundantes; e pelo facto de se representar como
um plano capaz de traduzir a modernidade urbana pretendida.6
Dos exemplos que seguiram a sua teoria salientamos, a cidade de Lyon
nos domínios do perfeito Claude-Marius Vaisse (1799-1858); o plano do bur-
gomestre Jules Anspach (1829-1879) para a cidade de Bruxelas; o plano urba-
no de Giuseppe Poggi (1811-19019) para a cidade de Florença; a construção
do Ring de Otto Wagner (1841-1918) para Viena; o plano de ampliação da ci-
dade de Barcelona por Iidefons Cerdá (1815-1876); as grandes obras públicas
e a primeira rede metropolitana de Londres definidas por Joseph Bazalgette
(1819-1891); o plano para a cidade de Colônia de Joseph Stubben (1845-1936);
e o plano urbano para a cidade de Estocolmo de Albert Lindhagen
(1823-1887).
A distinção de contextos urbanos, relativamente ao método aplicado em
Paris, veio permitir que, do conjunto das propostas anteriormente referidas
se destaque, o plano para a cidade de Viena e para a cidade de Barcelona, pelo
simples facto de considerarem o centro antigo das cidades na sua base

4 Gracia, Francisco, Construir en lo construido. La arquitectura como modificación. Hon-


darribia: Nerea, 2001, p.27.
5 Choay, Françoise, “El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad”, in Ramos, Ángel(dir.)
Lo Urbano,Barcelona: Edicions UCP, 2004, p.64.
6 Cf. Choay, Françoise, Op.cit.
OS NOVOS LAYERS URBANOS 151

conceptual. Ainda que as considerações adoptadas pelas duas cidades em


questão, fossem distintas, em ambos os casos verificamos o isolamento da ci-
dade antiga relativamente à nova cidade, em Barcelona, a cidade antiga fica
isolada no ensanche, e em Viena fica isolada pelo Ring urbano.
O modelo das estruturas generativas, proposto por Cerdá para a nova
cidade de Barcelona, capaz de adaptar a cidade antiga às novas técnicas7 per-
mite, que com a destruição da muralha, a cidade antiga, apesar de não estabe-
lecer continuidade com a nova malha urbana, conserve a identidade original
do seu território. Segundo Sóla-Morales, “una de las zonas más ricas de Bar-
celona es la frontera entre el Ensanche y el Casco Antiguo”.8
Numa posição oposta, para a cidade de Viena, Otto Wagner demonstra
a sua vontade de preservar o passado, defendendo que se deveria conservar
de forma adequada o património existente, conferindo-lhe a faculdade de se
adaptar às necessidades modernas. No entanto, tal vontade não se viria a con-
cretizar, uma vez que a construção do Ring, com a sua artéria circular formali-
zada no sítio das muralhas, isolava ainda mais o centro histórico da restante
malha urbana. Com tal aspecto, podemos afirmar que na cidade de Viena es-
taria a ser definido o primeiro centro histórico como o entendemos na actuali-
dade, distinguido da parte moderna da cidade pela via de circulação urbana.
O desenho da cidade liberal, como refere Ramón Lúcio,9 se por um lado
permitia um crescimento urbano continuo, por outro lado assumia a criação
de espaços urbanos distintos. A cidade antiga, a zona de expansão planeada,
e as periferias suburbanas periféricas, inseridas na hierarquização do sistema
viário.
O constante crescimento urbano, faz com que na estrutura urbana se ini-
cie uma fase de desconstrução espacial, reforçada pelo conflito entre a socie-
dade e o espaço urbano construído.
O debate da segunda metade do século XIX e dos primeiros decénios do
século XX, compreende o natural confronto com a cidade antiga, o equilíbrio
entre o domínio público e privado, e a contínua vontade de considerar a cida-
de como meio de se “atingir a perfeição da existência humana, no mundo in-
dustrializado”.10 A desconstrução dos processos evolutivos da cidade e da
sua população urbana, com posturas de indiferença perante a tentativa de se
reformular o ambiente urbano, cultural e social, eram opostos a uma certa
vontade de corrigir aspectos herdados da cidade pós-liberal, em medida

7 C.f, Choay, Françoise, “El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad”, in Ramos,


Ángel(dir.) Lo Urbano,Barcelona: Edicions UCP, 2004.
8 Morales, Manuel Sóla, “Contra el modelo de metrópolis universal”, in Ramos,
Ángel(dir.) Lo Urbano,Barcelona: Edicions UCP, 2004, p.103.
9 Lucio, Ramón López de. Ciudad y urbanismo a finales del siglo XX, València: Universitat
de València, 1993, p.20.
10 Benevolo, Leonardo, op. cit., p.212.
152 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

determinados pela especialização da “urbanística” como disciplina especiali-


zada, como refere Benévolo.11
Neste contexto de transição, é com Gustavo Giovannoni (1873-1947),12
que se gera a nova conceptualização de património urbano, posicionando-se
o valor do objecto enquanto parte integrante de um sistema. Expandindo a te-
oria de Camillo Boitto (1834-1914), baseada na necessária conservação do edi-
ficado para a consequente sobrevivência da cidade, constatamos em
Giovannoni, uma atribuição de valor social e físico ao tecido urbano antigo, à
semelhança das posturas de Ruskin (1819-1900); reconhecendo-se igualmen-
te a dimensão estética do aglomerado defendida por Viollet-le-Duc
(1814-1879) e mais tarde pelo Austríaco Camillo Sitte (1843-1903),13 que consi-
dera os espaços existentes, os momentos principais para a necessária reavali-
ação urbana. Afirmava-se a importância compreendida no “como se faz”,
mediante a noção de escala, antecipando o que viria a ser mais tarde as políti-
cas de protecção desenvolvidas por toda a Europa, e que seriam objectivadas
na reconhecida “Carta de Veneza”14 datada de 1964.
As cidades do século XX, desde o futurismo até ao movimento moder-
no, caracterizavam pela recusa aos elementos do passado, “rechazo del pasa-
do, de la calle, del suelo, de la unidad espacio-tiempo, de la tríade
albertiana”.15
Até à Segunda Guerra Mundial, presenciamos a passagem do modelo
de cidades industriais para as extensas áreas metropolitanas difusas, despro-
vidas de uma estratégia global de acção, onde apenas era considerada a coor-
denação das suas funções urbanas, associadas à ampliação da noção de
território e à diminuição da noção de tempo. Este período caracteriza-se, pela
participação mais activa dos arquitectos racionalistas, no debate das cidades
dispersas, pela institucionalização da disciplina de planeamento urbano e
aperfeiçoamento dos modelos de intervenção nas cidades. A vontade subja-
cente, determinada na resolução dos problemas urbanos Europeus fixa, por
um lado o momento máximo da afirmação cultural e artística no domínio da
arquitectura e do planeamento, e por outro lado a ruptura com as tradições
culturais das cidades, ao estabelecer uma base conceptual global, possível de

11 Ibid.
12 Arquitecto, urbanista, crítico de história, seguidor de C. Boito. Veja-se Giovannoni, Gus-
tavo. Vecchie Citté ed Edilizia Nuova, Milano: CittàStudi, 1995.
13 Arquitecto e historiador de arte austríaco, criador de reflexões e estratégias muito em
volta do urbanismo. Veja-se o livro, “Construção das Cidades Segundo seus Princípios
Artísticos”.
14 “Carta de Veneza”, Cadernos de Sóciomuseologia, nº15, 1999, p. 105. Disponível em:
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/viewFi-
le/334/243, acedido 2010.
15 Pavia, Rosario, “El miedo al crecimiento urbano”, in Ramos, Ángel(dir.) Lo Urbano,Bar-
celona: Edicions UCP, 2004, p.112.
OS NOVOS LAYERS URBANOS 153

ser aplicada em qualquer parte do território. Verifica-se um necessário dis-


tanciamento crítico ao legado passado, numa oposição com o recurso a mode-
los funcionais.
O debate volta-se a centrar na importância do papel da cidade e da ar-
quitectura urbana, agora como factores fundamentais a considerar nas novas
estratégias urbanas. As estratégias Alemãs de “Zonificação” do território, e
as estabelecidas nos Congressos Internacionais de Arquitectura, pelo Movi-
mento Moderno.
O modelo de “Zonificação” do território, apesar de se apresentar como
um eficaz instrumento de controlo global da cidade, em seus princípios, mais
ordenada e especializada por zonas específicas, e de assegurar a estabilidade
dos preços do solo, na compatibilização de áreas distintas e preservação do
carácter dos neighbourhoods, como refere Franco Mancuso,16 restringia o
tipo de estrutura a ser construída, de forma a contrariar os desperdícios urba-
nos, através da limitação das zonas da cidade de acordo com uma determina-
da função. Tal aspecto, contrariava a necessidade de uma certa flexibilidade e
reorganização a aplicar nos centros antigos das cidades, uma vez que era no
seu carácter funcional diverso, que se encontrava a sua valorização espacial.
Por outro lado, nas propostas de intervenção do movimento designado
por “Arquitectura Moderna” surgiam, princípios (igualmente), distintos às
doutrinas da cidade tradicional. Este movimento, como refere Leonardo Be-
névolo, “aproveita com extrema oportunidade o momento em que vários fios
a reatar se encontram desatados e disponíveis: o esgotamento da pesquisa
pictórica pós-cubista, o desejo de uma nova integração de valores após a tra-
gédia da I Guerra Mundial, os grandes programas de reconstrução do
pós-guerra, o início de uma compreensão científica dos comportamentos in-
dividuais e colectivos”.17
O movimento moderno tentou através dos manifestos de Le Corbusier,
Sant’Elia e Léger, alcançar uma nova estética para a cidade contemporânea.
Porém os modelos urbanos propostos, se por um lado se caracterizavam pela
sua alienação, desorientação de comunidades, à imagem de uma cidade sem
qualidade,18 por outro “el miedo al crescimiento [urbano] ha impedido anali-
zar el carácter de la periferia urbana, aceptándola como presencia, como nue-
va y emergente condición metropolitana”.19 Na sua essência, o que aqui
estava adjacente era estabelecer-se o distanciamento entre a cidade antiga e a
nova cidade localizada no exterior coordenada por novas regras funcionais e
arquitectónicas. Desta forma, o documento criado em 1933 no IV Congresso
Internacional de Arquitectura Moderna (CIAM), a “Carta de Atenas”,20 entre

16 Mancuso, Franco. Las experiencias del Zoning, Barcelona: [s.e.], 1980, pp. 16-17.
17 Benevolo, Leonardo, op. cit., p.216.
18 Cf. Pavia Rosario, Op.cit.,p.113.
19 Pavia Rosario, Op.cit.,p.107.
154 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

outras especificidades contempla a demolição dos tecidos urbanos antigos da


cidade evocando ideologias higienistas, em prole de uma modernidade urba-
na, que favorece os espaços livres verdes e ganhos solares, reflectidos numa
suposta melhoria de vivência dos habitantes.
No entanto, ao analisarmos a Carta de Atenas de 1933, verificamos uma
postura algo contida face à substituição dos valores urbanos dos centros his-
tóricos, uma vez que refere no Art.º65º: que “(…) os valores arquitectónicos
devem ser salvaguardados (…)”; e no Artº67º: que “(…) poderá ser encarado,
em casos excepcionais, a transplantação total de elementos incómodos pela
sua situação mas que merecem ser conservados, pelo seu alto significado es-
tético ou histórico”.21
Neste contexto, destacamos a presença de Ézio Bonfanti
(1937-1973).22 Em “Arquitectura para los Centros Históricos”,23 torna-se in-
teressante a sua abordagem, quando associa os defensores da cidade mo-
derna e os conservadores da cidade histórica, a uma mesma postura base
— a do compromisso impossível entre os tempos que se vivem e os tempos
históricos.24 Segundo o autor, o dilema continuava a residir na pergunta:
Reconstruía-se a cidade ou construía-se uma nova cidade? De facto, a ne-
cessidade de reconstrução maciça do pós-guerra, levou ao (re)surgimento
de posturas distintas; e verificou-se ainda paradoxalmente que certas ci-
dades destruíram algumas das zonas consolidadas em maior escala que a
própria Guerra, ainda pautadas pela presença dos princípios da “Carta de
Atenas” de 1933.
A transição dos anos 40 para os anos 60, representou um dos momentos
charneira na história dos centros históricos, sobretudo em contexto Italiano.
Defende-se que o enriquecimento da cidade antiga estaria na acção de uma
modernidade sensível a um ambiente tradicional, numa crítica aos modelos
racionais que até então se afirmavam. Neste contexto, como refere Françoise
Choay25, surge a reflexão crítica do já referido Giovanonni relativamente às
grandes redes de comunicação e telecomunicação, considerando-as instru-
mentos capazes de serem explorados para a diminuição da densificação das
cidades. Ou seja, para a construção da nova sociedade, teria que existir uma
necessária dialéctica entre as escalas de ordenamento, a territorial e a local.
Para Giovanonni, é no estudo do tecido urbano dos centros históricos que se
revela uma escala de proximidade com o que pode servir de princípio

20 CIAM, A Carta de Atenas, [s.l.], [s.e.], 1941.


21 Ibid.
22 Arquitecto italiano. Da sua biografia poder-se-á destacar “Scritti di architettura”.
23 Bonfanti, Ezio. “Arquitectura para los Centros Históricos”, in: AAVV. “Arquitectura
Racional”, Madrid: Alianza, 1979.
24 Capitel, Antón. op. cit. pp.40,41.
25 Choay, Françoise, op. cit., p.69.
OS NOVOS LAYERS URBANOS 155

gerador e regulador das novas implantações, desde que o destino previsto


para esses espaços seja compatível com a sua morfologia.
Esta adjacente complementaridade entre a acção moderna, ainda que
sensível, ao ambiente tradicional, levantaria questões pertinentes, uma vez
que se poderia estar a proporcionar um consequente desaparecimento dos
valores do edifício. A prevalência do valor “histórico” relativamente ao “ar-
tístico”, defendida pelo referido Giovannoni, foi considerada por Roberto
Pane (1897-1987)26 factor de desaparecimento dos valores do edifício, ao que
contrapõe com a ideia de ser necessária uma alternativa, fundada na valoriza-
ção da funcionalidade e estética do edificado, inserido num contexto históri-
co segundo uma metodologia de acção de “caso a caso”. Mais que
reconstrução, operara-se neste período de tempo numa reinvenção urbana,
alheia a uma verdadeira discussão sobre a intervenção na cidade histórica,
para lá de vertentes ideológicas opostas (i.e. as dos que defendiam a inserção
de arquitectura moderna apenas nas periferias urbanas, e as daqueles que de-
fendiam a aplicação da nova arquitectura em contextos históricos).
Esta fase temporal é marcada pela mutação da temática dos CIAM,
quando em Hoddesdon no ano de 1951, o VIII CIAM reflecte sobre o tema
“The Heart of the city”. A realização deste congresso, vem confirmar a dúvida
na eficácia do modelo urbano racional, aplicado em espaços de centro históri-
co. As categorias funcionais da Ville Radieuse, morar, trabalhar, cultivar o
corpo e o espírito, e circular, mutavam para as categorias “fenomenológicas
compreendidas na, família, casa, rua, bairro, cidade”.27 A solução, proposta
pelos CIAM, passaria por aplicar uma estratégia de Recentralização urbana,
ou seja, de renascimento do “coração” da cidade. Tal renascimento estabele-
cia-se segundo certos princípios racionalizados, semelhantes às propostas
funcionais anteriores; privilegiar o peão em relação ao automóvel; desenvol-
ver espaços de qualidade arquitectónica; criar eventos promotores de encon-
tros humanos; assim como educar a sensibilidade da população urbana. No
entanto, neste modelo, o conceito de “coração da cidade” não estava implícito
ao espaço geográfico correspondente ao centro histórico, mas sim, aos vários
centros funcionais do território. Notámos a crítica de Rogers ao modelo da
Recentralização urbana, quando apela para a necessária procura de um méto-
do que sintetize a diversidade dos tempos, o sentido do lugar, e que se repen-
se os problemas de circulação face às qualidades do centro antigo.28

26 Arquitecto e professor de história, italiano, é considerado como um perito na restauração


arquitectónica. Das sua vasta obra cita-se a “Città antiche edilizia nuova”
27 Frampton, Keneth. Sert, Josep, “Centros para la vida de la comunidad”, in Rogers, Ernes-
to Nathan. Sert, Josep. Tyrwhitt, Jaqueline, El corazón de la ciudad: por una vida más hu-
mana de la comunidad, Barcelona: Editorial Cientifico-Média, 1955, pp.3-16.
28 C.f Rogers, Ernesto Nathan. Sert, Josep. Tyrwhitt, Jaqueline, El corazón de la ciudad: por
una vida más humana de la comunidad, Barcelona: Editorial Cientifico-Média, 1955,
pp.69-73.
156 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Neste seguimento a importância da presença de Sir James Maude Ri-


chards torna-se evidente, quando observa que a conservação do carácter do
lugar é fundamental para a sobrevivência das cidades, defendendo que a fun-
ção do arquitecto devia ser a de quem reforça o caracter do espaço existente,
através da adequada inserção de novos elementos arquitectónicos, com lin-
guagem do tempo presente, nunca imitando o passado mas respeitando-o.29
Tais aspectos afirmaram-se na sua totalidade com a criação da “Carta de
Veneza”30 em 1964, um documento Internacional sobre a Conservação e Res-
tauro dos Monumentos e sítios que, ao contrário da Carta de Atenas (1931)
cujos princípios centravam-se meramente no Monumento Histórico, propu-
nha uma relativização dos valores do conjunto urbano e, implicitamente, a
ponderação do património urbano no (conceito do) monumento a preservar.
O avanço da “Carta de Veneza” centrou-se na contemplação do conceito de
monumento histórico não só referente “(…) às criações arquitectónicas isola-
das, mas também aos sítios, urbanos ou rurais.”31
O debate urbano dos anos 60, determinava-se segundo conceitos mais
amadurecidos, porém algo contraditórios, como a postura de Aldo Rossi
(1931-1997) relativamente à de Bruno Zevi (1918-2000). Em “A arquitectura da
cidade”32 Rossi, afastou-se da postura, do anteriormente referido Roberto
Pane, ao debruçar-se sobre a cidade como “(…) a memória colectiva dos po-
vos; e como a memória está ligada a factos e a lugares, a cidade é o ‘locus’ da
memória colectiva”;33 empreendendo uma postura sobre as suas entidades —
a do Monumento e da massa edificada. Para Rosi, a figura do “Tipo” definia o
conceito de “locus urbano” como a consideração dos “(…) modos construti-
vos de cada cidade”34 e a valorização do “Lugar” e da memória colectiva
como elemento de transformação do espaço urbano surgiam numa reciproci-
dade entre o “tipo” edificado e a “morfologia” urbana, em que os tipos edifi-
cados eram adjacentes à transformação urbana, e eram considerados como
monumentos. Da posição de Rossi podemos referir, que por um lado conside-
rava que as cidades antigas deveriam ser tratadas como museus urbanos, e
por outro lado, nas grandes cidades modernas os monumentos antigos deter-
minam-se como pontos característicos das cidades e seriam rodeados por
uma composição urbana da época presente.35 E ainda presenciar à sua vonta-
de de compreender a criação das novas propostas urbanas “atemporais”.36

29 C.f. Richards, James, “Elementos velhos e novos no coração da cidade”, in op. cit. . Ro-
gers, Ernesto Nathan. SERT, Josep. TYRWHITT, Jaqueline, pp. 60-66.
30 “Carta de Veneza”
31 Aguiar, José. Cor e cidade histórica. Porto: FAUP publicações, 2002, p.85.
32 Rossi, Aldo. A arquitectura da cidade, Lisboa: Cosmos, 2001.
33 Ibid.
34 Capitel, Antón. Op.Cit., p.44.
35 C.f Rossi, Aldo. “Qué hacer com las viejas ciudades?”, in Rossi, Aldo, Para una arquitec-
tura de tendencia. Escritos: 1956-1972. Barcelona: Gustavo Gili, 1977, pp. 227-230.
OS NOVOS LAYERS URBANOS 157

No entanto, é na postura de Bruno Zevi que a arquitectura urbana assu-


me uma dimensão de referência, uma vez que Zevi criticava qualquer tipo de
tentativa de inserção neutra de linguagens contemporâneas em ambiente his-
tórico pré-existente, não acreditando nessa mesma reconciliação; opunha-se
a soluções do tipo clássico de cariz moderna, assim como a soluções arquitec-
tónicas contemporâneas de má qualidade; admitia que a única forma de con-
trolar a má qualidade arquitectónica, seria através da análise rigorosa dos
projectos aplicados, ao invés da aplicação de leis gerais, indefinidas. Para a
necessária continuidade do edificado nos centros históricos, era necessário,
como defendia Zevi, que os arquitectos conhecessem a história do centro e
dos seus edifícios, para neles aplicarem uma estratégia nova inteligente.37
Estamos na época em que o debate e a consequente consciencialização
de que se devia proceder a uma interligação dos tempos (o de intervenção e o
da preexistência) se afirma de forma mais premente.
O início da década de 70, representou o momento charneira da afirma-
ção de obras especificamente centradas na “construção do espaço da cida-
de”,38 onde publicações como a de Kevin Lynch: The Image of the City (1960),
de Gordon Cullen: Townscape (1961), de Christopher Alexander: The city is
not a tree (1965), de Aldo Rossi: L’Archittectura della Cittá (1966), de Gregotti:
El Territorio de la Arquitectura (1966), Ludovico Quaroni: La Torre de Babele
(1967), entre outros, iriam contribuir para a reflexão em torno do necessário
confronto de “fazer cidade” repensando no papel da “arquitectura urbana”
na sua “nova dimensão figurativa de intervenção no território”,39 uma vez
que “sob o ponto de vista da arquitectura urbana não pode haver edifício que
não faça cidade ou seja, não há tipologia que não esteja, por estrutura, pene-
trada por uma morfologia urbana”.40
A década de 70 caracterizou-se por propostas que determinariam inter-
venções futuras e conceitos ainda hoje aplicáveis. Referimo-nos, nomeada-
mente, à definição de posturas de “Reabilitação urbana”, onde destacamos a
proposta para a cidade de Bolonha (1969)41 da autoria de Pier Luigi Cervellati
(1936 — )42 e Roberto Scannavini (?),43 onde segundo Cervellati o problema

36 C.f Montaner, Josep Maria, Sistemas arquitectónicos contemporâneos, Barcelona: Gusta-


vo Gili, 2009.
37 C.f. Zevi, Bruno, “Contro ogni teoria dell” ambientamento”, in Zevi, Bruno, Il linguaggio
moderno dell’architettura, Torino: Giulio Einaudi, 1973. pp. 188-192.
38 Portas, Nuno, A cidade como arquitectura, 3ªedição, Lisboa: Livros Horizonte, 2007
(1969), p.13.
39 Portas, op. cit., p.14
40 Portas, op. cit., p.15.
41 Cervellati, Pier. Scannavini, Roberto. Bolonia: Política y Metodología de la Restauración
de Centros Históricos, Brcelona: Gustavo Gilli, 1976.
42 Arquitecto italiano, interventivo nas práticas de planeamento urbano. Da sua obra desta-
ca-se: “Bolonia:Política y Metodología de la Restauración de Centros Históricos”.
43 Arquitecto italiano que colaborou com Cervellati na criação do plano para a cidade de
158 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

dos centros antigos era associável à estratégia de planificação global, levan-


do-nos a considerar o problema “(…) da forma urbana na sua totalidade, ana-
lisando-a como uma organização dialéctica, entre a permanência de
instalações e organismos originais e as suas sucessivas alterações morfológi-
cas”.44 Tal postura pôs fim a intervenções de cariz estático, que conservam o
centro antigo sem atender às questões sociais aliadas ao edificado físico e aos
problemas da restante cidade.
A década de 70 é ainda caracterizada pela institucionalização das novas
Cartas e Convenções internacionais sobre o património urbano, nas quais
gostaríamos de salientar, a Carta Europeia do Património Arquitectónico
(“Carta de Amesterdão”, 197545), onde a ideia de “conservação integrada”
propiciou “(…) a introdução de arquitectura contemporânea em áreas anti-
gas quando o contexto existente, as proporções, as formas, a disposição dos
volumes e a escala, sejam integralmente respeitados.”;46 A Recomendação so-
bre a Salvaguarda dos Conjuntos Históricos e da sua Função na Vida Contem-
porânea, UNESCO (1976), e a Convenção para a Salvaguarda do Património
Arquitectónico da Europa, Granada, Concelho da Europa (1985).

2. A cidade contemporânea.

Do que fora descrito anteriormente, interessarnos-ia referir, que em grande


medida encontrava-se, e eventualmente encontra-se, institucionalizado um
certo modelo de reabilitação de centros históricos. No entanto, essa instituci-
onalização tende a adoptar modelos de intervenção globais, que na sua maio-
ria esquecem os factores que não se adaptam às suas intenções construtivas.
De certa forma o que se viria a observar desde os anos 80 até a actualidade é
caracterizado por uma indefinição, de valores e da noção de localização de
uma linguagem no espaço-tempo.
A nova condição global da cidade, permite que se levantem novas ques-
tões de reabilitação, segundo princípios que compreendem realidades distin-
tas das dos centros antigos. A descontinuidade urbana, o desenvolvimento das
tecnologias e sistemas virtuais, e a desconfiguração dos dispositivos territori-
as, permitem compreender que o processo de reabilitação já não mais faz senti-
do apenas focado aos centros históricos, mas antes a todos os centros (também
eles já históricos) que compõem a cidade contemporânea. A sobreposição de

Bolonha. Destaca-se do autor o livro: “La Storia Verde DI Bologna: Strutture, Forme E
Immagini DI Orti, Giardini E Corti”.
44 Ibid (pp.18,19).
45 Disponível em: http://5cidade.files.wordpress.com/2008/03/cartaeuropeiadopatrimoni-
oarquitectonico.pdf, acesso 2010.
46 Carta Europeia do Património Arquitectónico, (Cit in: Aguiar, José et.al., Guia Técnico de
Reabilitação Habitacional. Instituto Nacional de Habitação & Laboratório Nacional de Engenha-
ria Civil, Lisboa, 2006, p.89.
OS NOVOS LAYERS URBANOS 159

informação no território urbano edificado, permite-nos verificar que o fenóme-


no de crescimento urbano se está a alterar, e que o papel da arquitectura nesse
fenómeno, está a ocupar um lugar de referência nas cidades actuais.
Uma das maiores dificuldade do urbanismo contemporâneo, como re-
fere Rosario Pavia, encontra-se na falta “de comprensión de la distancia entre
el plan y la actuación edificatoria”.47 Ou seja, a desconsideração do urbanis-
mo pela arquitectura que revela uma das fragilidades contemporâneas.
A análise operada no capítulo anterior, permitiu demonstrar que nos
planos de expansão urbana compreendidos entre o século XIX e XX, e em al-
guns planos gerais aplicados no período de entre guerras, a qualidade da es-
tratégia urbana era claramente expressa através dos elementos edificados.
Tal aspecto contrapõe o urbanismo actual que se assume pela sua dimensão
técnica e quantitativa, que se debruça na análise de índices, gráficos e núme-
ros estatísticos, de forma a garantir a qualidade da estratégia proposta.
Em certo sentido, permite-se entender que a cidade, apropriando as pala-
vras do arquitecto Nuno Portas, “precisa cada vez mais de arquitectura”,48 no
sentido de uma “re-colocação da arquitectura no processo de transformação do
território”49 contemporâneo, e que as ideologias actuais recorrem “a calidad de
las áreas centrales [para que esta] sea extendida y reproducida en las múltiples
periferias”.50 Ou seja, volta-se ao modelo do “Heart of the city” dos CIAM, para-
doxalmente, para qualificar a periferia da cidade contemporânea.
O tema da cidade difusa, de Rem Koolhaas, caracterizada pela expan-
são territorial das grandes cidades sem uma definição de limite, apresenta a
actual tónica da reflexão urbana. Uma vez que o território difuso distancia-se
do controlo dos planos urbanos. O tempo dos planos, o seu método, procedi-
mento e premissas de intervenção, (ligadas à arquitectura) são insuficientes
para combater os problemas dos territórios actuais e da sua sociedade.
Existem no entanto factores que surgem na actualidade, que podem ser-
vir de elementos de reflexão futuras. Primeiramente, o fenómeno da inflação
demográfica dos últimos anos com o processo de edificação do território a di-
minuir, permite-nos que, teorias como as “Shrinking cities” de Philipp
Oswalt, possam se afirmar como o novo modelo de reflexão futura.
Para Philipp Oswalt, as cidades em encolhimento também exigem reno-
vação, e pelo facto de se tornarem mais pequenas, (não reduzindo a sua im-
portância), necessitam de modernização e inovação.51 Refere que, se no
século XX os problemas das cidades se centravam no abandono e vazio dos

47 Pavia Rosario, Op.cit.,p.108.


48 Portas, Nuno. A cidade como arquitectura, Lisboa: Livros Horizonte, 2007, p.16.
49 Ibid.p.16
50 PAVIA, Rosario, Op.cit, p.109.
51 Oswalt, Philipp, “Shrinking cities”, in AAVV, Arq./a, Nº92-93, Maio/Junho, 2011,
pp. 24-27.
160 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

edifícios industriais e a habitação de densidade média e alta. No século XXI, o


processo de desurbanização irá afectar cada vez mais os subúrbios e as
municipalidades52.
O caminho será de retorno, o debate que preencheu os últimos 200 anos
desde a industrialização até à actualidade, conferido ao problema dos cen-
tros urbanos antigos, será no século XXI direccionado para o problema das
periferias. É de notar, que apesar de na actualidade se encontrarem num pro-
cesso de desertificação e aposta de estratégias de dimensão oposta à sua mor-
fologia, os centros das cidades, detêm características que os fazem valorizar
perante as periferias urbanas. A dimensão temporal e morfológica do centro
antigo da cidade, permite que este consiga combater problemas ligados com
a alienação espacial, e perda de identidade, dos habitantes urbanos. As peri-
ferias, constituídas à escala global, tornam-se lugares dispersos, na sua di-
mensão temporal e mental. Tal factor permite concluir que os problemas que
se avizinham das periferias urbanas, necessitarão de estratégias territoriais,
muito mais elaboradas e de compreensão complexa, do que as especuladas
anteriormente nos centros das cidades.
Na certeza de que as cidades vão encolher, o tema da importância da ar-
quitectura nos processos de (re)urbanização e reabilitação do território con-
temporâneo, volta a ser necessário. Para a temática em análise, segundo o
olhar contemporâneo, a tónica aplicada na arquitectura será fundamental
para a criação dos novos layers urbanos. A sobreposição estratégica dos no-
vos layers, em ambientes urbanos consolidados, deverá compreender a a ci-
dade como unidade e o centro antigo enquanto estrutura urbana. Perante a
ausência de zoom estratégico, trna-se necessário que no geral, e não só em ca-
sos notáveis se dê a passagem da escala do quarteirão/objecto para a de cida-
de, fomentando uma compreensão global de um sistema urbano composto
por âncoras territoriais, que se complementam e desenvolvem. É necessária a
criação de verdadeiras estratégias urbanas de cidade, assentes na construção
de novos tecidos urbanos, sobrepostos a edificado existente, que compreen-
dem a história local e a relacionam com a contemporaneidade.
Relativamente aos objectos edificados, perante a dualidade respeito/re-
posição ou demolição/nova construção, a intervenção compreenderá a cons-
trução de linguagens contemporâneas, que deverão sustentar-se igualmente
numa visão global, considerando aspectos como a escala de intervenção, e a
eventual reposição ou reinterpretação da própria função do edifício.
Em suma, o resultado será um gesto que compreenda a reposição de va-
lores, não apenas pertencentes a um passado, mas a uma contemporaneidade
e futuro. Proferindo as palavras do arquitecto Fernando Távora “o passado
(…) vale muito, porém é necessário observá-lo, não em si mesmo, mas em

52 Ibid.
OS NOVOS LAYERS URBANOS 161

função de nós próprios (…) para acrescentar ao passado algo de presente e al-
gumas possibilidades do futuro”.53
Relativamente à actualidade, interessa também não esquecer que cada
vez mais se projecta, numa condição global, para uma população flutuante
que acentua a necessidade de debate com o repensar dos mecanismos, mode-
los interventivos, estratégias que contrariem a fragmentação (urban sprawl),
a diluição dos limites (rurubano) ou ainda a perda de identidade (não luga-
res); dinâmicas, políticas, decretos de lei, determinados para cidades do país.
Neste sentido será também importante levar o zoom de reflexão a território
nacional, analisando o potencial de relação entre cidades, centro e periferia,
assim como a própria condição das cidades de diferentes dimensões, actual-
mente abandonadas a uma mera lógica de competição urbana. O necessário
renascimento da nossa urbanidade e qualidade de vida global futura depen-
de da capacidade que tivermos em permitir a continuidade deste debate ao
longo das próximas décadas.

Referências bibliográficas

Aguiar, José (2002), Cor e cidade histórica, Porto, FAUP publicações.


Benevolo, Leonardo (1995), A cidade na história da Europa, Lisboa, Editorial
Presença.
Bonfanti, Ezio (1979), “Arquitectura para los Centros Históricos”, in AAVV.
“Arquitectura Racional”, Madrid, Alianza.
Cervellati, Pier. Scannavini, Roberto (1976), Bolonia: Política y Metodologia de la
Restauratión de Centros Históricos, Barcelona, Gustavo Gili.
Choay, Françoise (2004), “El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad”, in
Ramos, Ángel (dir), Lo Urbano, Barcelona, Edicions UCP.
Frampton, Keneth. Sert, Josep (1995), “Centros para la vida de la comunidad”, in
Rogers, Ernesto Nathan. Sert, Josep. Tyrwhitt, Jaqueline, El corazón de la
ciudad: por una vida más humana de la comunidad, Barcelona, Editorial
Científico-Média.
Giovannoni Gustavo (1995), Vecchie Citté ed Edilizia Nuova, Milano, cittàstudi.
Gracia, Francisco (2001), Construir en lo construido. La arquitectura como modificación,
Hondarribia, Nerea.
Lucio, Ramón Lopez de (1993), Ciudad y Urbanismo a finales del siglo XX, Valencia,
Universitat de Valáncia.
Mancuso, Franco (1980), Las Experiências del Zoning, Barcelona: [s.e].
Montaner, Josep Maria (2009), Sistemas arquitectónicos contemporaneos, Barcelona,
Gustavo Gili.

53 Roca, Javier (dir). Renovación, Restauración y Recuperación arquitectónica y urbana en


Portugal, Granada: Universidade de Granada, 2003, p.104.
162 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Morales, Manuel Sóla (2004), “Contra el modelo de metropólis Universal”, in


Ramos, Ángel (dir), Lo Urbano, Barcelona, Edicions UCP.
Mumford, Lewis (1982), A cidade na História. Suas origens, transformações e
perspectivas, Brasilia, Martins Fontes.
Oswalt, Philipp (2001), “Shrinking cities”, in AAVV, Arq./a, Nº92-93, Maio/Junho,
pp. 24-27.
Pavia, Rosario (2004), “El miedo al crecimiento urbano”, in Ramos, Ángel (dir). Lo
Urbano, Barcelona, Edicions UCP.
Portas, Nuno (2007), A cidade como arquitectura, 3ª edição, Lisboa, Livros Horizonte.
Roca, Javier (dir.) (2003), Renovación, Restauración y Recuperación arquitectónica y
urbana en Portugal, Granada, Universidade de Granada.
Rogers, Ernesto Nathan, Sert, Josep (1995), Tyrwhitt, Jaqueline. El corazón de la
ciudad: por una vida más humana de la comunidad, Barcelona, Editorial
Científico-Média.
Rossi, Aldo (2001), A arquitectura da cidade, Lisboa, Cosmos.
Rossi, Aldo (1977), Para una arquitectura de tendencia, Escritos: 1956-1972. Barcelona,
Gustavo Gili.
Zevi, Bruno (1973), Il linguaggio moderno dell’architettura, Torino, Giulio Einaudi.
Capítulo 10

Implementação do Plano Diretor na função social


da propriedade urbana
O Plano Diretor de Maceió, Brasil

Andrea Pacheco Pacifico


Centro Universitário Cesmac (apacifico@hotmail.com)

Henrique Fernandes Campos


Centro Universitário Cesmac (henrique_fc14@hotmail.com)

Resumo

A presente pesquisa, realizada entre 2009 e 2010, avaliou a implementação do


Plano Diretor (PD) de Maceió (Brasil), uma cidade com pouco menos de um mi-
lhão de habitantes e caracterizada por amplas desigualdades econômicas e so-
ciais, para descobrir se este instrumento de política pública tem efetivamente
sido utilizado para atender a função social da propriedade urbana, conforme
preconizado pelos artigos 182 e 183 da Constituição do Brasil de 1988 (CR/88).
Os artigos supracitados rezam que o PD é uma legislação municipal que deter-
mina os vetores da urbanização, desde que embasado na função social da cida-
de e, consequentemente, da propriedade. O PD de Maceió prescreve as
diretrizes para o crescimento e o desenvol vimento da cidade, conforme as pe-
culiaridades locais.
A Função Social do PD é revelar como, onde, porque e o que deve crescer e de-
senvolver-se, coadunando-se com a realidade social para, assim, atingir o
bem-estar coletivo e o equilíbrio entre o interesse particular e o interesse coleti-
vo. Esse conjunto deverá culminar no desenvolvimento humano organizado,
conforme as necessidades dos habitantes locais e evitando beneficiar tão so-
mente as elites dominantes e o capital financeiro locais. Logo, o PD de Maceió é
uma política pública, ou seja, uma atividade do Estado com o fim de melhorar a
qualidade de vida dos cidadãos, por meio de uma norma que busca organizar o
crescimento da cidade, adaptando as peculiaridades sociais, culturais, históri-
cas e geológicas ao seu texto, para atender aos interesses coletivos. Assim, sua
criação necessitou de um estudo prévio das informações básicas necessárias
para a sua elaboração, qual seja, o Documento de Informações Básicas (DIB).
O PD de Maceió determina com certa exatidão a melhor maneira de crescimen-
to da cidade, por meio das diretrizes a serem seguidas para atingir o interesse
coletivo e, portanto, a sua função social. Infelizmente, o PD de Maceió não defi-
ne o que seria a função social, mas apenas apresenta os critérios que as

163
164 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

propriedades obedecerão para alcançá-la. A respectiva legislação municipal


possui instrumentos que se concretizam com a intervenção Estatal na proprie-
dade, para fazer valer a função determinada por lei, aplicando às propriedades
suas imposições legais, para que se coadunem com os int resses coletivos. Isso
demonstra a preocupação do Estado com o cumprimento da função social da
propriedade. O PD é norma programática (as matérias tratadas por ele carecem
de regulamentação para gerar efeitos) e de eficácia limitada (conteúdo não au-
to-aplicável). Fica evide te, portanto, que o PD de Maceió, uma atividade do
Estado (políticas públicas) para atender aos anseios do povo, insere-se como di-
reito fundamental de segunda dimensão. Porém, seu conteúdo possui também
direitos de terceira e quarta dimensões, quais sejam, os direitos difusos e coleti-
vos (busca o meio ambiente equilibrado) e o indício de democracia direta (exis-
tê cia de audiências públicas para validar sua elaboração).
O método utilizado foi o indutivo, tendo avaliado o PD da cidade de Maceió
para alcançar resultados gerais. Foram realizadas pesqu sas em legislação local
e nacional, doutrina, mapas e dados resultantes das consultas públicas, além de
pesquisa de campo e entrevistas.

Introdução

Essa pesquisa trata da implementação do Plano Diretor da cidade de Maceió


(PDM), Brasil, como instrumento de política pública e necessário para alcan-
çar a função social da propriedade urbana, previsto na Constituição do Brasil
de 1988 como um direito fundamental (art. 5°, XXIII) e, assim, devendo estar
conforme às necessidades dos habitantes locais, evitando beneficiar tão so-
mente as elites dominantes e o capital financeiro locais.

Da propriedade e sua função social

Para Di Sarno (2004, p.48), a função social da propriedade ocorre no equilíbrio


entre o interesse público e o privado, ou seja, o privado se submetendo ao pú-
blico, pois o uso da propriedade possibilitará uma política urbana plena e o
equilíbrio citadino.
Segundo ele (2004, p.47), a função social da cidade difere de função social
da propriedade: enquanto a FS da cidade existe para servir melhor a população,
a fim de possibilitar a harmonia nas tarefas do cotidiano das pessoas, a FS da pro-
priedade varia de acordo com as características de cada cidade. Por isso, o plano
diretor de cada cidade deve se coadunar com as realidades locais.

Do Plano Diretor

A CR/88, no parágrafo primeiro do artigo 182, reza que o Plano Diretor é um


instrumento que concretizará a função social da propriedade urbana e da
IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DIRETOR NA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA 165

cidade. Segundo ele, “o plano diretor [...] é o instrumento básico da política


de desenvolvimento e de expansão urbana.”
Para Silva (2006, p.140), ele é um instrumento com o objetivo geral de
melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e com objetivos específicos que
variam de acordo com a realidade e os valores de cada cidade. Assim, para
sua elaboração, primeiramente, há necessidade de planejamento. Para Di Sar-
no, (2004 p.62), ele deve ser precedido de uma dinâmica de planejamento cu-
jos levantamentos de dados e índices verificarão as carências e as
necessidades e apontarão soluções.
Durante sua construção, a participação popular é indispensável para
sua validação como norma. Como dito, o Plano Diretor deve sempre se ade-
quar à realidade da cidade e, somente com a participação direta da sociedade
civil, o prefeito terá sensibilidade para saber quais as características da cida-
de, a fim de elaborar o plano em sintonia com a realidade local. Nesse sentido,
o Plano Diretor será um meio de materializar a função social da cidade. Leal
(2003, p.181) alerta que para apurar se a propriedade urbana atende à sua fun-
ção sical, alguns planos diretores adotam os critérios da intensidade do uso
da propriedade e da compatibilidade do uso com as condições de preserva-
ção da qualidade do meio ambiente, da paisagem urbana, da segurança e da
saúde de seus usuários e vizinhos.
Deve, então, haver um equilíbrio entre o grau de uso do solo com as con-
dições de uso que o respectivo solo pode oferecer, ou seja, entre os dois critéri-
os, além de que o uso deve estar voltado para a realidade da cidade.
Ainda, Silva (2006, p.147) explica que “[...] a lei do plano é eficaz nos li-
mites de suas determinações, importando efeitos [...] vinculantes para os ór-
gãos públicos e para os particulares.” Assim, independentemente do caráter
das normas do plano, seus efeitos são obrigatórios, sendo impostas para que
o poder público as executem. Contudo, o Plano Diretor somente será vincu-
lante se estiver em vigor e se todo o processo para sua elaboração e promulga-
ção tiver sido oriundo de uma política pública. Nota-se, então, que as
políticas públicas são a mola propulsora para implementar as tarefas sociais,
só podendo ser criadas por normas jurídicas. Quanto ao Plano Diretor, embo-
ra criado como norma legal, ele possui diretrizes a serem implementadas via
decisões políticas, mas com base no ordenamento jurídico.

Do ordenamento jurídico acerca da matéria

Da constituição da república de 1988

O direito de propriedade e a sua função social estão previstos na CR/88 de for-


ma mais contundente que nas constituições anteriores. Eles foram inseridos
nos incisos XXII e XXIII do artigo 5° como direitos e garantias fundamentais e
nos incisos II e III do artigo 170, e nos artigos 182 e 183 como direitos da ordem
166 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

econômica. Esses dois últimos foram a base para as normas regulamentado-


ras, determinando a legislação a tratar da Política Urbana nacional.
A CR/88 (artigo 182) também elege o plano diretor como instrumento
básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana; fato este consi-
derado um grande avanço, pois é o poder público municipal que possui pleno
conhecimento das necessidades do município e da população local; sendo o
poder mais adequado a legislar de acordo com a realidade e dando efetivida-
de à aplicação do princípio constitucional do direito de propriedade.
Outro ponto importante foi a obrigatoriedade da criação de um plano
diretor para cidades com mais de vinte mil habitantes, além de rezar que a
propriedade terá sua função social atendida quando cumpridas as exigências
do Plano.
Dessa forma, a CR/88 exige lei específica para as efetividades e punições
mencionadas pela norma, mostrando não ser esta uma norma auto-aplicável
e cabendo, mais uma vez, ao poder público municipal legislar para definir os
casos em que será exigido do proprietário o adequado aproveitamento de seu
imóvel, além de aplicar, sucessivamente, as penas, caso o aproveitamento não
ocorra. Isso decorre de uma política de descentralização, que resultou na pu-
blicação do Estatuto da Cidade.

Do estatuto da cidade (lei 10.257/01)

As disposições constitucionais regulamentadas pelo Estatuto da Cidade de


2001 tratam de limitar o uso da propriedade urbana, cujos objetivos são o bem
coletivo, a segurança, o bem-estar do cidadão e o equilíbrio ambiental. O
Estatuto da Cidade versa, em cinco capítulos e cinquenta e oito artigos, sobre
as diretrizes gerais, os instrumentos de efetivação da política urbana, o plano
diretor (as normas para sua elaboração, seu conteúdo, sua forma e sua opor-
tunidade) como instrumento básico da política de desenvolvimento e expan-
são urbana, constituindo-se em parte integrante do processo de
planejamento municipal, a gestão democrática da cidade e as disposições ge-
rais. Ele trata também do pleno desenvolvimento das funções sociais da cida-
de, de garantir o direito às cidades sustentáveis, da gestão democrática por
meio da participação da população e de associações em projetos de lei e pla-
nos e programas e projetos de desenvolvimento urbano, da cooperação entre
governos, iniciativa privada e demais setores da sociedade no processo de ur-
banização, da ordenação e do controle do uso do solo, da integração e com-
plementaridade entre as atividades urbanas e rurais etc. Ou seja, usa-se na
participação popular, como instrumento de gestão da cidade, não se limitan-
do, todavia, à iniciativa legislativa e incluindo também a gestão orçamentária
participativa e a participação em organismos gestores.
Para que o Plano Diretor seja considerado válido e autêntico, é indis-
pensável uma coleta de dados de toda a cidade, para que ele se harmonize
IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DIRETOR NA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA 167

com a realidade social e cultural da cidade. É a primeira etapa do planejamen-


to do Plano. Merlin, apud Leal (2003, p.159) elenca as etapas de um Plano Di-
retor: “1° pesquisa, análise, diagnose, prognose, plano-base e programação;
2° execução do programa, controle e fiscalização, avaliação, revisão e atuali-
zação. Quanto ao Plano Diretor dde Maceió, a compilação da coleta de dados
originou, em 2005, o DIB (Documento de Informações Básicas). Em sua apre-
sentação, o DIB sintetiza seu conteúdo com uma frase:”O Documento de
Informações Básicas constitui uma síntese das principais informações e análi-
ses que fundamentam as propostas da lei do Plano Diretor e da legislação
complementar.”

Do Plano Diretor de Maceió (PDM)

O PDM segue os princípios do Direito Urbanístico e o Direito Ambiental elen-


cados no próprio plano e no Estatuto da Cidade, a saber: do Meio Ambiente
Equilibrado; do Desenvolvimento Sustentável; da Participação; e o da
Informação.
A função social contida no PDM vem sendo tratada de modo específico,
explanando de que forma o Plano a atingirá, determinando suas diretrizes e a
maneira como a função social irá ser materializada para, assim, alcançar o
bem-estar da população. Porém, para que haja a concreção da função social, a
atividade secundária regulamentadora (atos normativos, projetos, estudos,
programas etc) terá de preencher uma espécie de forma produzida pelo PDM
sobre o tema analisado.
Quanto ao seu conteúdo, o PDM trata, no Título I, de sua conceituação,
premissas e objetivos gerais; no II do desenvolvimento urbano e ambiental
(sistema produtivo, meio ambiente, mobilidade, política habitacional, uso e
ocupação do solo); no III dos instrumentos da política urbana (i.e. de controle
urbano e ambiental, de indução ao desenvolvimento urbano etc), manifestan-
do sua essência, ao trazer os mecanismos da intervenção estatal na proprieda-
de privada urbana quando seu exercício se encontra desvirtuado da função
social determinada pelo plano diretor.
O Título IV trata do Sistema Municipal de Planejamento e Gestão Urba-
na, visando aumentar a eficácia da ação governamental, incentivar a partici-
pação da população local no exercício da cidadania, viabilizar parcerias com
a iniciativa privada no processo de urbanização, instituir mecanismos perma-
nentes para implementação, revisão e atualização do Plano Diretor e, ainda,
instituir processo de elaboração, implementação e acompanhamentos de pla-
nos, programas, anteprojetos de lei e projetos urbanos. Ele visa integrar ór-
gãos e entidades municipais e instâncias de participação social,
demonstrando a necessidade da interação social e estatal para melhor condu-
zir o planejamento e a gestão urbana, além de buscar transparência na reali-
zação dos trabalhos, e de haver estabelecido regiões administrativas em
168 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Maceió para que o PDM seja aplicado de maneira organizada. Finalmente, o


Título V elenca atividades e programas do poder público para implantar as
diretrizes do PDM.

O PDM e sua função social

Conforme entrevistas realizadas com membros da sociedade civil, procura-


dor do município, professores e agentes públicos, os pontos positivos do
PDM foram os seguintes: a incorporação dos intrumentos do Estatuto da Ci-
dade à realidade urbanística de Maceió e do tema ambiental no entendimento
da organização do território municipal; a iniciação da cultura de um processo
participativo no planejamento urbano municipal; a proposta de ações/proje-
tos prioritários para Maceió; o partilhamento e parcelamento do solo da cida-
de; e a preocupação com a acessibilidade dos deficientes físicos.
Já os pontos negativos foram a ausência de instrumentos que garantam
sua autoimplementação; seu processo participativo ser apenas consultivo;
sua falta de implementação e cumprimento pela Administração Pública; a
falta de uma gestão democrática; e ele ter possibilitado a verticalização no Li-
toral Norte da Cidade.
A função social da propriedade, como visto, resulta da propriedade vol-
tada ao bem coletivo, onde interesses individuais se coadunam com o interes-
se coletivo e para a propriedade alcançar sua função social, é necessário
seguir as diretrizes estabelecidas pelo plano diretor (art. 182, § 2º, CR/88).
Assim, para elaborar o plano diretor, exige-se um estudo prévio sobre a cida-
de para o plano se adaptar à realidade social. O PD balizado por esse estudo
determinará, de acordo com as peculiaridades da cidade, onde, como, porque
e o que se deve construir nos locais determinados em lei. Dessa maneira, se-
guindo as diretrizes traçadas, a propriedade gerará efeitos para o bem-estar
da comunidade da respectiva cidade.
Por isso, deve-se analisar a opinião social em face da implementação da
função social pelo PDM. Guia (2010), entrevistado para esta pesquisa, afirma
que outrora a função social estava mais longe, porém para atingi-la de manei-
ra profunda é necessário certo amadurecimento da sociedade em si, para que
esta (a sociedade) passe a considerar o interesse de uma coletividade sobre o
individual, mas o PDM não pode fazer isso “da noite para o dia”, pois falta
educação social.
Cabral (2010), vereador em Maceió à época da elaboração do PDM e
também entrevistado para a pesquisa em epígrafe, afirma que “o conseguir
atingir depende de todos nós”. Ele também informa sobre a relação do princí-
pio da função social com o PDM: “o plano diretor foi feito dentro desse princí-
pio: de que a terra tem uma função social. Ou seja, que os interesses sociais,
públicos, se sobrepõem aos interesses privados, individuais.” Para Pereira
(2010), urbanista e arquiteta, entrevistada para esta pesquisa, “estamos
IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DIRETOR NA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA 169

longe. Foi discutido tudo isso. Todos esses pontos que atinjam o exigido pela
Constituição. Aos poucos, com o decorrer dos anos, isso vá ocorrer, porque já
foi elaborado.”
Já Lins (2010), professora da UFAL e entrevistada para a p pesquisa, en-
tende que, de acordo com sua análise da lei, a função é atingida de forma par-
cial. Para Pereira (2010), nem o PDM nem qualquer outro plano atingirá a
função social da propriedade, advertindo que o plano diretor deve somente
estabelecer os critérios para que a propriedade cumpra a função social. Se-
gundo esta última, faltou o PDM estabelecer tais critérios de maneira clara.
Enfim, para Santos (2010), professor e detentor de cargos na área social/edu-
cação/união dde moradias em Lagoas, também entrevistado para a pesquisa,
o PDM conseguirá atingir a função social se ocorrer desapropriações de gran-
des latifúndios para construir moradias onde as pessoas possam morar e
trabalhar.

Sugestões

Como o homem é um ser em eterna evolução, o direito como regulador de


suas condutas deve acompanhá-lo, adaptando-se sempre à realidade. Por
isso, o PDM possui, no seu artigo 201, prazo de atualização de 10 anos, conta-
dos da data de sua publicação. Foi perguntado aos entrevistados se o PDM
precisa de alguma alteração ou implementação, no estado em que se encontra
atualmente.
Guia (2010) explana que ainda necessita de alguns anos para que o PDM
seja atualizado, pois é uma legislação recente e precisa ser estudada na práti-
ca para observar alterações necessárias, sob pena de “atrapalhar todo o pro-
cesso de apreensão de seu conteúdo pela sociedade”. Pereira (2010) informa
que deve haver a revisão de seu conteúdo, desde o início, de forma participa-
tiva. Já Cabral (2010) aponta que o PDM precisa ser realizado; porém, “o pro-
blema é que ele deixou uma série de questões para serem regulamentadas” e
que precisa fazer essas alterações imediatamente. Para Pereira (2010), se for-
mos elencar pontos a serem alterados, estaríamos indo de encontro às discus-
sões anteriores feitas com a sociedade, e sugeriu que “implantar isso aí já é o
necessário.”
Com relação ao principal desafio do Poder Público na elaboração do
PDM, Guia (2010) afirma que: “certamente o maior desafio é conjugar os inú-
meros interesses em jogo no processo de sua elaboração” e é necessário não
desvirtuar sua construção, transformando-o em palco de reclamações sociais
ou políticas, além de que este processo não é uma mera consulta pública e sim
“um compromisso suprapolítico de conjugação de forças sociais e econômi-
cas, para alcançar o bem comum”. Nesse sentido, Cabral (2010) afirma que “o
grande desafio é estar em sintonia com pensamento da sociedade, porque
muitas vezes há contradições”.
170 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Em contrapartida, Lins (2010) defende que o principal desafio do Poder


Público é o de “entender o importantíssimo papel do planejamento territorial
como instrumento de gestão, mas não acho que este desafio foi sequer encara-
do”. Já Pereira (2010) assevera que é o de “conseguir realmente envolver a so-
ciedade num processo participativo e enfrentar os interesses dominantes do
mercado imobiliário, com o poder público atuando de forma proativa, direci-
onando realmente os rumos do planejamento urbano no município.” Para
Santos (2010), o principal desafio foi o Poder Público ter a “ousadia” de cha-
mar a sociedade civil, já que esta nunca se deu bem com o governo, e conclui
que a parceria foi “maravilhosa”, visto que o Estado tem o poder de governar
e a sociedade civil tem o trabalho.
A pesquisa também buscou a opinião da sociedade sobre o tema mais
importante previsto no PDM. Guia e Cabral afirmam ser a ocupação do uso
do solo (zoneamento). Segundo Cabral (2010) “[...] nós passamos a dar um
norte para o desenvolvimento urbanístico.” Santos (2010) aponta a regulari-
zação fundiária, porque assim poderá cobrar IPTU dos moradores e também
passarão a integrar os dados do IBGE. Para Lins (2010), os assuntos mais im-
portante seriam “todos os que tratam da inserção dos mais pobres nos territó-
rios que podem ser caracterizados como “cidade”, ou seja, os contém
benefícios e oportunidades.” Por fim, para Pereira (2010) seria “a definição
dos lugares para os pobres nas cidades, integrando-os ao tecido urbano e
também a definição do momento em que a propriedade cumpre a sua função
social.”

Conclusões

O PDM é uma política pública, ou seja, uma atividade do Estado com o fim de
melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, por meio de uma norma que bus-
ca a organização do crescimento da cidade, adaptando as peculiaridades ao
texto da lei para atender aos interesses coletivos. Dessa forma, a criação do
PDM necessitou de um estudo prévio das informações básicas necessárias
para a sua elaboração, que foi o Documento de Informações Básicas (DIB), au-
xiliando o PDM a determinar, com certa exatidão, a melhor forma de cresci-
mento da cidade, determinando as diretrizes a serem seguidas pela
propriedade para atingir o interesse coletivo e, consequentemente, sua fun-
ção social. Portanto, o PDM não define o que seria a função social, e sim apre-
senta os critérios que as propriedades obedecerão para alcançá-la.
Para fazer valer a função social determinada em lei, o PDM tem instru-
mentos que se concretizam pela intervenção Estatal na propriedade, a fim de
que ela se coadune com os interesses coletivos. Isso demonstra a preocupação
do Estado com o cumprimento da função social da propriedade. O PDM é
norma programática, pois as matérias tratadas por ele devem ser regulamen-
tadas para gerar efeitos, e de eficácia limitada, o que torna seu conteúdo não
IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DIRETOR NA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA 171

auto-aplicável. Fica evidente, portanto, que o PDM, sendo uma atividade do


Estado (políticas públicas) para atender aos anseios do povo, insere-se como
direito fundamental de segunda dimensão (direito à igualdade). Porém, seu
conteúdo possui também direitos de terceira dimensão (difusos e coletivos),
quais sejam, busca do meio ambiente equilibrado e indício de democracia di-
reta (existência de audiências públicas como requisito de validade de sua
elaboração).

Referências bibliográficas

Bomfim, Thiago R. P. (2008), Os princípios constitucionais e sua força normativa, 1ª Ed.


Salvador, JusPODIVM.
Bonavides, Paulo (2009), Curso de Direito Constitucional, 24ª Ed. São Paulo,
Malheiros.
Brasil, Constituição (1988), Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 05 de Outubro.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm
acessado em 04 de Setembro de 2009.
Brasil, Lei n° 10.257 (2001), Estatuto da Cidade, promulgado em 10 de Julho.
Brasil, Lei n° 10.406 (2002), Código Civil, promulgado em 10 de Janeiro.
Cunha Júnior, Dirley da (2008), Curso de Direito Constitucional, 2ª Ed. Salvador,
JusPODIVM.
Dallari, Adilson de Abreu (2002), “Instrumentos da Política Urbana”, in Estatuto da
Cidade , Comentários a Lei Federal 10.257/01, 1ª Edição, São Paulo,
Malheiros.
Di Sarno, Daniela Campos Libório (2004), Elementos de Direito Urbanístico, 1. ed.
Barueri, Manole.
Ferreira, Maria Augusta Soares de Oliveira (2006), Direito Ambiental Brasileiro :
Princípio da Participação, Recife, Nossa Livraria, 2006.
Haonat, Angela Issa (2007), O direito ambiental em face da qualidade de vida : Em busca
do Trânsito e do Transporte Sustentável, 1ª. Ed. São Paulo, RCS.
Harada, Kiyoshi (2004), Direito Urbanístico: Estatuto da Cidade, Plano Diretor
Estratégico, São Paulo, NDJ.
Leal, Rogério Gesta (2003), Direito Urbanístico: condições e possibilidades de
constituição do espaço urbano, Rio de Janeiro, Renovar.
Maceió, Lei n° 3.947 (1989), Promulgada em 09 de Novembro.
Maceió, Lei Orgânica de Maceió (1990), promulgada em 02 de Abril de 1990.
Maceió, Estatuto das Cidades (2001), Lei 10.257 de 2001.
Maceió, Documento de Informações Básicas (DIB) (2005), Elaborado em Maio de 2005
pela Prefeitura de Maceió, Secretaria Municipal de Planejamento e
Desenvolvimento (SMPD), Instituto Brasileiro de Administração Municipal
(IBAM) e Área de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (DUMA).
Maceió, Lei n° 5486 (2005), Plano Diretor, Promulgado em 30 de Dezembro.
172 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Machado, Paulo Affonso Leme (2010), Direito Ambiental Brasileiro, 18ª. Ed., São
Paulo, Malheiros.
Mattos, Liana Portilho (2003), Efetividade da Função Social da Propriedade Urbana à
Luz do Estatuto da Cidade, 1ª Ed. Rio de Janeiro, Temas e Idéias.
Mendes, Gilmar Ferreira, Coelho, Inocêncio Mártires e Branco, Paulo Gustavo
Gonet (2009), Curso de Direito Constitucional, 4ª. Ed. rev. e atual., São Paulo,
Saraiva.
Moraes, José Diniz de (1999), A Função Social da Propriedade e a Constituição Federal
de 1988, São Paulo, Malheiros.
Oliveira, Regis Fernandes (2005), “Comentários ao Estatuto da Cidade”, 2ª Ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais.
Pacífico, Andrea M. C. Pacheco (2006), “O Valor da Propriedade no Estado
Moderno e Atual”, Revista da APG, São Paulo, PUC/SP, v. 32, p. 25-38.
Paulo, Vicente e Alexandrino, Marcelo (2007), Direito Constitucional Descomplicado,
Rio de Janeiro, Impetrus.
Pereira, Luis Portella (2003), A Função Social da Propriedade Urbana, Porto Alegre,
Síntese.
Rabahie, Marina Mariani de Macedo (1991), “Função Social da Propriedade”, in
Temas de Direito Urbanístico II, São Paulo, Revista dos Tribunais.
Silva, José Afonso da (2006), Direito Urbanístico Brasileiro, 4ª Ed. São Paulo,
Malheiros.
Sundfeld, Carlos Ari (2002), “O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais”, in
Estatuto da Cidade, Comentários a Lei Federal 10.257/01, São Paulo, Malheiros.
Capítulo 11

Urbanism in Gurgaon

Saurabh Tewari
Assistant Professor, Amity School of Architecture and Planning, AUUP Lucknow
Campus Uttar Pradesh INDIA (thinksaurabh@gmail.com, stewari1@lko.amity.edu)

Abstract

The paper talks about the urban interfaces in the post-millennial city of
Gurgaon. It observes the phenomenon of Deterritorialization in Gurgaon by
defining the users or the residents in the city based on their ethnicity, financial
capacity, purchasing power, media exposure and mobility in the city. It looks
into the space-time matrix to define user categories, to identify the interfaces
which are often seen but never acknowledged.

Introduction

The work here is going to be elaborated on the interface(s), sometimes the


boundaries, between different individuals and groups living in the most de-
veloping metropolitans of the Indian Democracy, Gurgaon. It is a city adja-
cent to the national capital New Delhi, around 37 km., which has emerged
from an image of a satellite city to a city with the newest Municipal Corpora-
tion in India. ‘Gurugram‘ as it is known to most of the believers in the Hindu
mythology, was a Muslim pilgrimage between the capital Delhi and the
shrine Ajmer.

On one hand, Gurgaon epitomizes the popular perception of ‘hi-technology’,


‘development’ and ‘way of living’, but on the other, unplanned and unchecked
growth, insufficient infrastructure facilities, mindless encroachments to na-
ture, ceaseless loss of agricultural land may sum up the present development
trends here.[Biswas, 2006]

Biswas also says that “Gurgaon urbanism remains as an ad hoc arrangement


of disjointed conclave.”The paper starts from this thought that in a city like
Gurgaon, with social and economic differences, there is an absence of

173
174 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Figure 11.1 The Pattern of Urbanisation on a settlement

interactions within its users. There is absence of true public places where inter-
action of different classes can occur, to lead to a true democratic and equal so-
ciety, which India claims to through its constitution. Nevertheless, the
individuals from different classes interact at different instances, the research
started with a belief or hypothesis that “there can be a public interface which can
act after identifying different user-groups and appropriate functions.”
The foundation of the arguments here are deeply inspired from the
works of modern thinker, Arjun Appadurai. His commentaries over modern-
ization, migration and globalization, which can be realistically, visualized in
a city like Gurgaon, which is fighting a battle between its own razed but hid-
den embedded tradition, a conflict of a present physicality versus a common
past. According to Appadurai, Deterritorialization is one of the central forces
of the modern world. It brings populations into the lower class sectors and
spaces of relatively wealthy societies, while societies creating exaggerated
and intensified sense of criticism or attachment to politics in home state.
Deterritorialization, primarily a concept given by Giles Deleuze and Felix
Guattari, in their work Anti Opedius, in a minimal sense is the
re-appropriation of the established relationships and beliefs with a new terri-
tory. The ‘territory’ here is spatial as well as temporal. It is also continuously
taking references from the earlier established norms.
URBANISM IN GURGAON 175

If we look at the users or the residents of Gurgaon, most of them are


deterritorialized from their native space. They attempt to create new ‘imager-
ies’ in the ‘new’ space. The paper investigates the urban ‘imageries’ in the
newly emerging global towns and proposes new dimensions to observe the
IT enabled post-modern culture. This phenomenon of Deterritorialization
seems very true when a city like Gurgaon has begun to shape itself.

Deterritorialization and Gurgaon

The city of Gurgaon can be seen as a part of the above discussed phenomenon
of deterritoalizaion, where various social classes have migrated from various
territories and painted this blank canvas with their imagery. Every single mi-
grant has created his micro-environment under the macro-environment of
Gurgaon. This macro-environment has only been able to survive due to the
presence of a macro-culture of this new city. This macro-culture can be under-
stood as a regional-cosmopolitan in a sense as it absorbs people and cultures
from various parts of the country. Not just formal citizens who officially
bought the properties in the rich enclaves, but people from neighbouring
countries too, with weak borders have infiltrated and settled in this city and
have started acting as the city-dwellers performing within the rules and regu-
lations of the city.
The macro-culture of the city is superficially inspired by the develop-
ment of South-east Asian cities like Kuala Lumpur and Singapore. It propa-
gates a ‘consumption’ culture through which it boldly invites the population
around to participate in a consumption process. Then, it is succeeded by a
process of commodification, where various cultures and resources are com-
mercialized. If we look back at the political history of Gurgaon, this com-
modification was a result of ‘open door’ policy of the state government to
compete with the developments in the adjacent National Capital Region. The
urban pressures, like densification on the capital region, have made this city
to commodify through newer means/tools of development. The value of this
commodification depends on its ‘alien’or say the ‘Western/Modern’content.
The consumption culture when mixed with individual local and mi-
grated imageries creates an absolutely new breed of culture. Be it the Bangla
dwellers of Chakkarpur or the Tamil Techies working in an IT company,
when they paint their imagery over an existing settlement, a new type of ar-
chitecture is evolved. If we look at the minute pattern of this imagery, one
can easily distinguish its influence on architecture and lifestyle. Evidently,
this proves that architecture of the city is not untouched by this
macro-culture too.
176 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Categorizing the user groups

The idea of Formal and Informal, rich and poor, has always emphasized on a
dichotomy and separation. It also leads to a dogmatic perception of the soci-
ety. Alienating views in two poles may not present a clear picture. The subjec-
tivity has also to be brought in. Looking things in temporal and spatial
dimensions can bring in more clarity in the perspective. Hence, in this re-
search, the general perspective of looking things in Black and White like on a
pattern of ownership is disposed for the time being, and a new perspective of
looking things in space-time matrix is employed. If not ten, a permutation al-
lows/defines three categories, which becomes the three classes of the user or
‘stakeholder’ in the region:

i. Dynamic with space, Dynamic with Time:

This category is the people who are dynamic with space and dynamic with
time. This category is deterritorialized from its original space and after their
arrival in a new space, there is an attempt of resettling (reterritorializing) the
memories. Through the course, they try to recreate the original/native space
by first capturing its nature and later the essence. In a post-millennial context
like Gurgaon they are using materials from the dynamic age of production.
These materials or the media they are exposed to, contribute to the evolution
or modernizing their originally practiced rituals/traditions. Therefore, they
are dynamic with time too as they accept an assimilation and are adaptive in
nature. They are forward looking people and are not hesitant to accept a
‘change’. They live in a state of temporariness with time, and space as well
and seek permanence in change.

Example: The population based in Gurgaon and working in its Multi Na-
tional Companies (MNCs) or Business Process Outsourcing Offices (BPOs)
but are not originally from this city, can be classified as constituents of this
category. They are progressive with time and space. They have adapted to the
city conditions and have contributed in its making. But, given an opportunity,
they are willing to change their job and can leave the city. Different ethnicities
within this category include the technologically educated people from vari-
ous parts of India, who are working in/for IT companies and BPOs.
There is another set of people who see Gurgaon as their ‘new’ home and
have joined the city to be associated for its ‘branded’ development. This set of
people is from the adjacent national capital. The people who have found a new
job in the city or have retired after spending their working life. There is also a set,
who came back after spending their life in foreign countries expecting the city to
offer them a balance between the original sense of ‘home’ and the left behind
modern ‘living’. Through the time, they adjust to the city’s actuality.
URBANISM IN GURGAON 177

ii. Dynamic with Space, Static with time

The people in this category are highly influenced by the memories and associ-
ation they carry from their native base. The difference between the first cate-
gory and this class is their capability of changing with time. This capability is
manufactured by resources, opportunities, power and finance. Ironically,
this capability is overpowered by the associations and memories they carry
with themselves. As, this new space is unable to offer them an association as
the previous one. They live in a state of temporariness with space. After being
overpowered by the nostalgia, they become static and restrict themselves to
change with time.

Example: The Bangladeshi slum dwellers of different urban villages in


Gurgaon who came to the city for the new opportunities. Today, most of them
are working as domestic workers and Rickshaw wallahs (Rickshaw Pullers).
They consider this job better than sitting idle and unemployed back at home.
They are able to earn for their settled lifestyle in illegal colonies planted by
‘baahuballies‘ or the influential and economically dominating people of the

Figure 11.2 The Pattern of Urbanisation on a settlement


178 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

urban-villages from the city. This category is not contributing to the city’s de-
velopment formally, but they contribute in creating a balance by cutting
down the cost of living index acting as affordable service providers and
cheap human resource. The same story is with Chhattisgarhi migrants who are
working here as construction workers, and give services to the building con-
struction process through their manpower at nominal prices. Also, the Nepa-
lese immigrants which are often seen working at different tandoori
restaurants provide an unlimited man-supply to the retail food and catering
industry.

iii. Static with Space, Dynamic with Time

The people belonging to this classification were not influenced by the phe-
nomenon of Deterritorialization as they were never dislocated spatially. The
only dislocation within them or that they have seen, is the change of time.
The whole character of this category is changed by an increase/decrease in a
capability like money, local political power etc. A sudden change in avail-
ability of opportunities can change this capability. The whole progress is
governed by the progress in time and the innovations/opportunity with the
development.

Example: The original inhabitants of Gurgaon’s villages like Chakkarpur,


Wazirabad, Ghaata, Jharsa etc. have taken the urbanization and real estate de-
velopment as a boon for their economic conditions. Though, the social and
cultural benefits are still in question as an abruption can be seen in their
social-evolution.
The above three categories are later implemented in the following
Appadurai’s concepts.

Appadurai’s ‘scapes’ interpreted for the context

In his work, Modernity at Large, Appadurai proposes a framework to explore


disjuncture in a postmodern (postmillennial in the Indian context) city like
Gurgaon. The author has interpreted these relationships to define the charac-
ter of the users in the city of Gurgaon. These relationships, the capacities or
the characteristics are:

a. Ethnoscapes: The landscape of people who constitute the shifting world


in which we live. The background of users, i.e., the ethnicity and the oc-
cupation of the population living in the city.
b. Technoscape: The technological capacity or the skills for the changing
world which is generally uneven. Like, India exports the chauffeurs to
the Middle East with Software Engineers to USA.
URBANISM IN GURGAON 179

c. Mediascapes: Distribution of the electronic capabilities to produce and


disseminate information, i.e. an access to the modes of information, like
internet, print or any other media form.
d. Ideoscape: Ideologies of the society including political, spiritual and no-
tional. It is composed of chain of ideas, terms and images, including
freedom, welfare, rights, sovereignty, representation and democracy,
which can be seen as a medium to know each other.
e. Finanscape: The efficiency of income and expenditure. Moving cur-
rency, trade, onlinezation of currency and expenditure on consumer
goods are the technological catalysts which have made this ‘landscape’
critical.

One more landscape can be seen, specifically for the context of Gurgaon, one
more ‘scape’ can be introduced, f. Kinetiscape. It is the capability of a person
or a group to move within a defined domain, here Gurgaon city. The options
available to physically move within a city, like a motor or a rickshaw. It is also
the quality of navigation including the footpath or the road. This particular
capacity aspect is to examine the accessibility issues within a human con-
struct know as city.

Exploring the Interfaces in the city

One man’s imagined community is another’s political prison.


(Anderson 1983)

Most of the planners in today’s context propose what is needed by looking


in a larger context, but never ask the real user for a critique. In the context
of Gurgaon, a particular plot is given a land-use and a developer is asked
to develop the land. Developer utilizes this ‘opportunity’ which is hidden
in land-use and takes it to the extreme where he can get a maximum profit.
This extreme is guided by materialistic intents and short-term / near-
sighted visions, without considering the potential accessible use and users
of the site.
As this particular site is accessible to different groups of stakeholders,
the functions can be devised to maximize the efficiency of the site in terms of
its accessibility to the ‘real’ stakeholders. It is important to identify the func-
tion/functions, and then decide the program. Therefore, the program is de-
vised here after identifying the users.
Here is an attempt to address the ‘scape’ wise need of the three user
categories of Gurgaon. The functions also act as possible interface with each
other.
180 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Table 11.1

Three User 1 2 3
Categories vs. Dynamic with space, Dynamic with Space, Static with Space,
Appadurai's Dynamic with Time Static with time Dynamic with Time
Scapes (MNC Pros) (Nepalis,Bangladeshis, (Original inhabitants
Biharis) ofChakkarpur)

Ethnoscape The population working in The un-organized The population, which is


organized sector. population serving to living in the region for a
They are immigrants from organized sector. long time.
adjacent areas of Delhi or They are immigrants from They are the witnesses of
the IT/BPO employees comparatively backward urbanization and
from other states. states in search of better transformation of Gurgaon.
income opportunities.

Design Input Creating a space which Giving them an equal This class seen here is a
has highly defined their opportunity, which they can mediator between the city
character. manage. The 'Phad / the and the 'newcomers'.
Hence, a BPO. labourer-mason pick-up A property dealer's office.
spot'.

Technoscape Comparatively high, Low, High,


they are ready to pay for economicallydependent the high prices of their
quick services. on the category. assets were realized during
the recent property boom.

Design Input Hypermarket. Scrap Metal Shop. Bank.

Mediascape Extremely High Low Medium


Mobile phones, internet, Communal Space, Communal Space, Mobile
print. Mobile phone. Phones and Print media.

Design Input Internet Café. Vocational institute. Chaupal


(a traditional Indian
meeting and discussion
place in villages).

Ideoscape Glossy Bricolagic Raw


Modern, they are exposed Progressive, Nostalgic Have created their own
to westernization with about their roots. vocabulary of
maximum mediums. modernization, with some
traditional inputs.

Design Input Cinema theatre, performing Video Seasonal social spaces like
areas like in a cultural Cinemas. a Ramlila Ground.
center.

Finanscape Quiet active, high Living in Gurgaon make They are spending to coup
onlinezation. them spend each of their with modernity.
pennies.

Design Input Fast food restaurants. A sabzi mandi A theka


(vegetable market). (liquor shop).

Kinetiscape With a high Technoscape Low, absence of public Most of the informal means
they have a high Capability transports worsens their of transport are owned by
with means of condition. this category. They include
transportation like cars. city-buses and 3-wheelers.

Design Input Space for their capabilities, The Rickshaw Stand. Bus Stand.
a Parking.
URBANISM IN GURGAON 181

Figure 11.3 The Pattern of Urbanisation on a settlement

Elaborating the possible interfaces

The functions discussed in the above table are elaborated to explain their role
in acting as interfaces.

a. Ethnoscape

1. BPO: The BPO has become Gurgaon’s image to the world. BPO was the
function which made Gurgaon’s buildings different from the others. The
architecture which a BPO demanded was interpreted by various archi-
tects, and most of them resulted in creating a ‘type’ for its function. Even-
tually, a ‘Closed Glass-Box’ has become a BPO’s type and its image also.
182 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

2. Adda (Phad): The large numbers of inhabitants of the category2 are in-
volved in construction work and areas near the site, Chakkarpur,
houses them its logical to respond to the derived ethnoscape of this
category.
3. Property Dealer Office: Selling off properties has been taken as a major
occupation by the original natives of Gurgaon. This phenomenon can be
traced back to the time when the Private Developers collaborated with
these natives to create a real-estate market in Gurgaon. The local social
knowledge and a familiarity to the working system made them perfect
‘mediators / introducers’ between.

b. Technoscape

1. Super Market: This phenomenon is one of the faces of the


post-millennial India. Borrowing the idea of supermarkets from the
West, this idea is a success in India. The quick service and a range of op-
tions available at one spot make it efficient, which the technoscape of
user category 1 openly encourage.
2. Scrap metal / Kabaadi shop: Interestingly, in recent times, a number of
Scrap Metal Shops have eructed in the city due to the consumerist atti-
tude of the category 1. These shops are managed by people from the
user category 2. This is also a sustainable manifestation which gives an
option to recycle waste products.
3. Bank: There has been an occupational change after the DLFisation (Ur-
banization by the DLF group) of Gurgaon. The presence of a bank can
always make people aware of the source through which they can con-
sult for the new jobs. Moreover, a bank can always help in increasing the
technoscape of population.

c. Mediascape

1. Internet Café: The social networks have been created within the virtual
space. The internet café provides an opportunity to the populace to in-
teract and share.
2. Vocational Institute: Despite being a large scale construction site, there
is no formal training institute for the construction workers in the city.
There has been no centralization or any organization assistance. A voca-
tional centre with various training / skill-improving programs can add
to their value.
3. Chaupal: Incorporating a ‘Chaupal’ comes under the idea of recreating
the traditional medium of interaction and communication. The Cate-
gory 3 is well aware of this function.
URBANISM IN GURGAON 183

d. Ideoscape

1. Performing Area: There has been a limited exposure of Cultural ideas in


terms of events in the city. The public functions of the city lack in
showcasing the cultural dimensions of the users. The mediascape sug-
gests a scope of providing a cultural platform for the people which can
be translated as a performing area for the people. It should be able to re-
spond to the various user age groups.
2. Video Cinema: The small scale ‘Video Cinemas’ can be seen as a respon-
se to the growing multiplexes in the city in quest of being ‘entertained’.
This phenomenon has evolved over the years to small size ‘Video Cine-
ma Theatres’, with the limited resource and technical knowledge.
3. Ramlila Ground: Though, the category 3 has modernized and is still
desperately trying to modernize, the people are still following the cus-
toms and events they have been following over the years. Providing a
space for Ramlila (Mythological Indian Drama) can always respond to
associations and cultural context of the user.
e. Finanscape

1. Fast-food restaurants: The lifestyle of this category suggests that they


are equipped with a high disposable income. One of the important ex-
penditure is done over the fast food restaurants specifically.
2. Sabzi mandi: This function (Vegetable Market) is primarily governed by
people of this category in the area. It can prove as an interaction medi-
um for each category.
3. Theka: Liquor is an inevitable truth of the category 3, though it is tho-
roughly enjoyed by all categories in Gurgaon. This space is also public
in specific time of the day.
f. Kinetiscape

1. Parking: The absence of any formal transport system has compelled this
category to equip their Kinetiscape with motor cars. Within a small pe-
riod of 5 Years Gurgaon has started feeling a tough situation of parking
the cars in any public and residential spaces. The parking facilities for
any public function prove inadequate and create problems at a larger
level of influence.
2. Rickshaw Stand: A huge chunk of male population is involved in rick-
shaw-riding in city. They are surviving due to absence of any formal
transport system. Moreover, Rickshaws can always be used for cove-
ring smaller distances.
3. Bus Stand: Incorporating a Bus Stand is a part of the larger idea ‘Gurga-
on with a Public Transport System’.
184 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Conclusion

Gurgaon can be seen as a Sarai, for its deterritorialized population of Gurgaon.


The Population which has migrated and trying to find permanence in this dyna-
mic city, can again migrate if given an opportunity. This only permanence (read
consistency) can actually be seen as a part of consumption culture where one
uses an object, without being associated with it. Gurgaon has not been able to
give that association, as it was and is still projected as a foreign city in India. This
foreign city is actually an alien city, where its deterritorialized mass is not able to
find permanence, due to its unknown and inconsistent contents. Those who are
associated are actually seeing it as a change or a new style of living.
The new urbanism of Gurgaon pretends to be a planned development,
but it is not, rather it is majorly informal, spontaneous and reactive. The major
hindrance is the three categories of the people and their lack in interactions.
The derived interfaces, if considered and elaborated, by formal planning
agencies, can become a catalyst for a sustainable evolution of the city.

References

Appadurai Arjun (1996), Modernity at Large, University of Minnesota Press.


Bhabha Homi (1994), the Location of Culture, Routledge.
Biswas Suptendu P. (2006), Introduction, Dialogues… A Symposium on the Shaping
of Gurgaon, Sushant Centre of Research and Design.
Deleuze Giles and Guattari Felix (1972), Anti-Oedipus, the MIT Press.
Deleuze Giles and Guattari Felix (1980), a Thousand Plateaus, Continuum.
Egenter, Nold; Implosion, home.worldcom.ch/~negenter/, as on September 2011;
“A theory of culture based on origins of settlement”, Lecture given at IRSSI,
Ahmedabad, Feb 28th 1995, DOFSBT (Documentation Office of Fundamental
Studies in Building Theory), Zurich.
Gilbert, Alan and Gugler, Josef (2005), “The Urban-Rural Interface and Migration”,
from Cities and Societies, Blackwell Publishing.
Harris J and Todaro M. (1970), “Migration, Unemployment and Development: A
Two Sector Analysis”, American Economic Review, March.
Hasan, Arif (2002), The changing nature of the informal sector in Karachi as a result of
global restructuring and liberalization, Environment and Urbanization, Sage
Publication on behalf of International Institute of Environment and
Development.
Hosagrahar Jyoti (2005), Indigenous Modernities, Negotiating Architecture and
Urbanism, Routledge.
Lim, William (1998), Asian New Urbanism, Select Singapore.
Lim, William (2003), Alternative (Post) Modernity, Select Singapore.
Logan, John R. and Swanstrom, Todd (2005), “Urban restructuring: a critical view”
from Cities and Societies, Blackwell Publishing.
URBANISM IN GURGAON 185

Nayar, Pramod (2006), Reading Culture: Theory, Praxis and Politics, Sage Publications
Papadakis, Dr. Andreas (1984), “Leon Krier: Houses, Palaces and Design”,
Architecture Design Profile.
Rowe, Colin ( ), Collage City, MIT Press.
Toffler, Alvin (1990), Powershift: Knowledge, Wealth, and Power at the Edge of the 21st
Century, Bantam Books, New York.
Tewari Saurabh (2007), Informal in Formal, AsiaLink AsiaUrbs, Emerging South Asian
Urban Design Practices and Paradigms.

Glossary

BPO: Business Process Outsourcing (BPO) is the leveraging of technology or


specialist process vendors to provide and manage an organization’s critical
and/or non-critical enterprise processes and applications.
BPO Dhaba: The food joints or the dhabas, next to a BPO, known through the
name of the BPO.
Dedensification: the term was used in context of Paris, by John R. Logan and Todd
Swanstrom in their essay, Urban Restructuring: A Critical View, from Cities
and Societies, Blackwell Publishing, 2005.
Dehlavies: Residents of the Indian Capital City of Delhi.
Dhabas: Local restaurants in India.
Glass boxes: Glass cladded buildings of Gurgaon City, representing the
Globalization and Consumerism.
Informal Sector: The word has several definitions, but the simplest of them is
following. The informal sector refers to the part of the economy that does not
fall under the purview of organized economic activities.
Kerala Auto Rickshaw: The low space high-capacity informal Auto Rickshaws
which acts as feeder to the scanty bus route spine. They cover smaller
distances say 5-10 km. and charge nominal fare.
Kothis: High end plotted Houses.
Phad: The place where labourers and mason involved in the construction industry
collect and then hired for the day.
Theka: The liquor shop (may) with a Drinking place.
Capítulo 12

A outra cidade

Luiz Eduardo Chauvet


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (luizchauvet@yahoo.com.br)

Resumo

O presente trabalho busca trazer as observações realizadas em investigação sobre


as multiplicidades de identidades, relações e de organizações que se formam no
espaço urbano da cidade. Para tanto, serão apresentadas experiências práticas que
buscam apresentar as especificidades em organizações sociais de luta pela mora-
dia e pela reforma urbana que se estabelecem na Cidade do Rio de Janeiro — Brasil.
Será apresentado, ainda, quais as características próprias de organização desses
grupos se impõem como centrais, em especial caso se venham a pensar em políti-
cas públicas de habitação. Ahipótese levantada é a de que esses grupos se apresen-
tem como uma “outra cidade”, com organização e dinamismo próprios, à parte da
cidade formal e que devem essas características ser respeitadas como estruturado-
ras do espaço das cidades e dos diversos grupos que a compõem.

Introdução

O presente artigo pretende trazer as observações realizadas em investigações


sobre as multiplicidades de identidades, relações e de organizações que se
formam no espaço urbano da cidade, em especial no que tange aquelas volta-
das à luta pelo direito à moradia e pela reforma urbana.
Nesse sentido, será abordada, primeiramente, a questão da habitação
num contexto de formação do modelo capitalista de Estado.
Em seguida, será abordado o conceito de naturalização dos discursos
históricos de poder observado nos estudos de Michel Foucault e será de-
monstrada hipótese sobre em qual medida as políticas de habitação existen-
tes antes da Constituição brasileira de 1988 e posterior legislação tem sido
analisadas sob essa ótica.
Posteriormente, será trazido o conceito de Emancipação Social de Karl
Marx encontrado em estudo de István Mészáros e será refletida a questão das

187
188 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

especificidades locais no conceito de produção da emancipação, bem como a


necessidade de observância dessas especificidades para o sucesso das políti-
cas habitacionais.
A apresentação de casos de referência observadas na região central da
cidade do Rio de Janeiro buscará trazer as especificidades das organizações
desses grupos sociais frente ao modelo tradicional de exercício da habitação
no modelo capitalista de sociedade, em especial com a iminência de grandes
eventos internacionais, o que faz com que diversos olhares, seja do mercado
imobiliário ou dos grupos de defesa dos Direitos Humanos, dente outros,
voltem-se ao Brasil.

A Habitação e o Estado Capitalista.

Todos os dias, o apito pungente da fábrica cortava o ar esfumaçado e pegajoso


que envolvia o bairro operário e, obedientes ao chamado, seres sombrios, de
músculos ainda cansados, deixavam seus casebres, acanhados e escuros, feito
baratas assustadas.1

Em 1906, Máximo Górki escreveu sua célebre novela — A Mãe —, brilhante-


mente retratando o quotidiano dos trabalhadores das fábricas, sendo estas os
expoentes máximos do modelo econômico que viria a dar os contornos da es-
trutura social a partir de meados do século XVIII, quando a sociedade euro-
péia ocidental passou por uma “grande transformação”.
Isso significa dizer, nas palavras de Karl Polanyi, que “no coração da Re-
volução Industrial do século dezoito ocorreu um progresso miraculoso nos
instrumentos de produção, o qual se fez acompanhar de uma catastrófica de-
sarticulação na vida das pessoas comuns.”2
Não é demais recordar que “a expressão Revolução Industrial designa
um processo de profundas transformações econômico-sociais que se iniciou
principalmente na Inglaterra do século XVIII e continuou a se realizar em di-
versos países até o século XX [XXI].”3 Nos dizeres de Raymundo Campos,
“entre as principais características da sociedade industrial, podemos citar: a
organização das mais diversas atividades humanas pelo capital; a predomi-
nância da indústria na atividade econômica e o crescimento da urbaniza-
ção.”4

1 Górki, Maksim. A Mãe. Tradução de Shura Victoronovna. Editora Círculo do Livro S.A.
São Paulo. P. 5.
2 Polanyi, Karl. A Grande Transformação: as Origens de Nossa Época. Tradução de Fanny
Wrabel. Editora Campus. Rio de Janeiro, 2000. P. 51.
3 Campos, Raymundo. Estudos de História Moderna e Contemporânea. Atual Editora
Ltda. São Paulo, 1998. P. 126.
4 Campos, Raymundo. Loc. Cit.
A OUTRA CIDADE 189

Tendo por foco esta última característica citada, cumpre ressaltar que as
sociedades do século XVIII não eram urbanas. Suas relações econômicas e
suas estruturas sociais estavam intimamente relacionadas à terra.
Contudo, num processo que se inicia já no século XV, a partir das gran-
des navegações e do descobrimento da América, houve um gradual processo
de estruturação da sociedade européia ocidental em direção ao modo de pro-
dução capitalista, o qual, posteriormente, seria expandido à quase totalidade
do globo terrestre, vez que, com a expansão colonial, a Europa exerceu a cha-
mada “colonialidade do poder”.5
Dizer que a sociedade se estrutura sobre o modo de produção capitalis-
ta, significa, entre outras afirmações, dizer que a sociedade passa a se desen-
volver sobre “precondições [que] ocorreram no seio da sociedade feudal...”6
Segundo Aquino et alli, “dentre essas precondições da Revolução
Industrial, a acumulação de capitais e a liberação da mão-de-obra constituem
as mais importantes, pois representam dois aspectos fundamentais do siste-
ma capitalista: o capital e o trabalho.”7
Nessa esteira, dentre as diversas transformações que decorreram dessa
nova configuração econômico-social sobre a qual se estruturava a sociedade,
a necessidade de acumulação de capital e de fornecimento de matéria-prima
e mão-de-obra à nascente indústria inglesa, gerou a situação em que, “no se-
tor agrícola, a operação [acumulação de capitais] ligou-se ao cercamento dos
campos em virtude do qual a burguesia aumentou suas rendas e passou a
controlar gradativamente um dos setores de produção econômica: a terra.”8
Esse fenômeno gerou o conseqüente despovoamento dos campos, a de-
sarticulação da população e o êxodo às nascentes cidades industriais, geran-
do graves problemas sociais, abrangendo todos os setores tangentes às

5 Segundo Anibal Quijano, “a globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de


um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo colonial/mo-
derno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial. Um dos eixos funda-
mentais desse padrão de poder é a classificação social da população mundial de acordo
com a idéia de raça, uma construção mental que expressa a experiência básica da domina-
ção colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundi-
al, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo. Esse eixo tem, portanto,
origem e caráter colonial, mas provou ser mais duradouro e estável que o colonialismo
em cuja matriz foi estabelecido. Implica, conseqüentemente, num elemento de coloniali-
dade no padrão de poder hoje hegemônico.” (QUIJANO, Anibal. Colonialidade do Po-
der, Eurocentrismo e América Latina. In: A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e
Ciências Sociais. Perspecivas Latino-Americanas. Edgardo Lander (org.). Colección Sur
Sur. CLACSO. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, setembro de 2005. Pág.
227. In: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/pt/Quijano.rtf. Consulta
realizada em 7 de julho de 2010).
6 Aquino, Rubim Santos Leão de et alli. História das Sociedades. Das Sociedades Moder-
nas às Sociedades Atuais. Editora Ao Livro Técnico. Rio de Janeiro, 1995. P. 126.
7 Aquino, Rubim Santos Leão de et alli. Loc. Cit
8 Aquino, Rubim Santos Leão de et alli. Loc. Cit.
190 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

condições de vida dos trabalhadores submetidos ao novo modelo, inclusive a


questão da habitação.
Segundo Polanyi,

a estória já foi contada inúmeras vezes: como a expansão dos mercados, a pre-
sença do carvão e do ferro, assim como de um clima úmido propício à indústria
do algodão, a multidão de pessoas despojadas pelos novos cercamentos do sé-
culo dezoito, a existência de instituições livres, a invenção das máquinas e ou-
tras causas interagiram de forma tal a ocasionar a Revolução Industrial.9

Nesse sentido, afirma:

Nesse período, foi ainda o progresso na sua escala mais grandiosa, que acarre-
tou uma devastação sem precedentes nas moradias do povo comum. Antes que
o progresso tivesse ido suficientemente longe, os trabalhadores já se amontoa-
vam em novos locais de desolação, as assim chamadas cidades industriais da
Inglaterra; a gente do campo se desumanizava em habitantes de favelas; a famí-
lia estava no caminho da perdição e grandes áreas do país desapareciam rapi-
damente sob montes de escória e refugos vomitados pelos” 10 moinhos
satânicos...

Se é verdade que a opção pelo modelo capitalista de economia trouxe, desde o


seu início, a lógica da precarização do espaço urbano e da concentração de
pessoas em torno dos detentores dos meios de produção, cumpre ressaltar
que, no Brasil, esse fenômeno toma contornos mais graves a partir da segun-
da metade do século XX, quando o processo de industrialização toma fôlego
no país.
Segundo os geógrafos Eustáquio de Sene e João Carlos Moreira, “pode-
mos afirmar que o Brasil, hoje, é um país urbanizado. Com a saída de pessoas
do campo em direção às cidades, os índices de população urbana vêm au-
mentando sistematicamente em todo o país...”.11
Os citados autores ainda afirmam:

Em virtude da modernização do campo, verificada em diversas regiões agríco-


las, assiste-se a uma verdadeira expulsão dos pobres, que encontram nas gran-
des cidades seu único refúgio. Como as indústrias absorvem cada vez menos
mão-de-obra e as atividades terciárias apresentam um lado moderno, que exige
qualificação profissional, e outro marginal, que remunera mal e não garante

9 Polanyi, Karl. op. cit. P. 57.


10 Polanyi, Karl. op. cit. P. 56.
11 Sene, Eustáquio de; Moreira, João Carlos de. Geografia Geral e do Brasil. Espaço Geográ-
fico e Globalização. Editora Scipione. São Paulo, 1998. P. 327.
A OUTRA CIDADE 191

estabilidade, a urbanização brasileira vem caminhando lado a lado com o au-


mento da desigualdade e a deterioração crescente das possibilidades de vida
digna aos novos cidadão urbanos.12

Disso, conclui-se que a questão urbana, em especial a questão da moradia no


espaço urbano é de especial relevância à superação das citadas desigualda-
des provocadas pelo vigente modelo econômico e social.
Políticas de habitação eficazes, que se articulem com os demais direitos
que compõem o rol dos direitos sociais no Brasil,13 têm a função hercúlea de se
opor a um processo histórico e estrutural do sistema capitalista: a
desigualdade.

Contra o “Senso Comum” Histórico.

Michel Foucault afirma que, no século XIX, formou-se “um certo saber do ho-
mem, da individualidade, do indivíduo normal ou anormal, dentro ou fora
da regra, saber este que, na verdade, nasceu das práticas sociais, das práticas
sociais do controle e da vigilância.”14
Para o autor, “saberes sujeitados”,15 “saber das pessoas (e que não e de
modo algum um saber comum, um bom senso, mas, ao contrário, um saber
particular, um saber local regional...)”16 foram suplantados por saberes erudi-
tos, pretensos discursos da verdade e que se impuseram como mecanismos
de exercício disciplinar do poder.
Dessa forma, práticas políticas, baseadas nos discursos do poder das
Ciências Médicas, da Higiene, do Urbanismo ou mesmo do Direito, justifica-
ram, através de um discurso de verdade, a configuração de políticas públicas
no mundo ocidental, do que se pode ter como exemplo, no Brasil, as reformas
de Pereira Passos no início do século XX.17

12 Sene, Eustáquio de; Moreira, João Carlos de. Loc. Cit.


13 “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a seguran-
ça, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desampa-
rados, na forma desta Constituição.” Brasil. Constituição da República Federativa do
Brasil, 1988.
14 Foucault, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo
Machado e Eduardo Jardim Morais. Nau Editora. Rio de Janeiro, 2002. P. 8.
15 Foucault, Michel. Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975 — 1976).
Tradução de Maria Ermantina Galvão. Editora Martins Fontes. São Paulo, 1999. P. 11.
16 Foucault, Michel. op. cit. P. 12.
17 “Por “Reforma Pereira Passos” entende-se um grande número de obras públicas que re-
definiram de modo radical a estrutura urbana da cidade do Rio de Janeiro durante o go-
verno do prefeito Pereira Passos. Houve uma verdadeira reconstrução do centro da
cidade, rompendo com as características de cidade colonial e fazendo emergir novos tra-
çados mais compatíveis com o uso de trens e bondes, em vez de animais e carruagens.”
Abreu, Maurício. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Iplanrio/Zahar,
192 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Nessa esteira, a configuração da questão da moradia no espaço urbano


que temos hoje é um reflexo do somatório de saberes que se investiram do po-
der de dizer a verdade — e aí se inclui o Direito, o qual apenas muito recente-
mente trouxe o estabelecimento do direito de moradia como direito social e as
funções sociais da cidade no ordenamento jurídico brasileiro18 — além de po-
líticas públicas baseadas nesses saberes e na manutenção de um status de
classe, fruto de um processo histórico estabelecido pelo capitalismo, que im-
pulsionou a segregação sócio-espacial no meio urbano.
Ocorre que um novo momento se apresenta na história do pensamento
jurídico pátrio, quando começam a se reestruturar lógicas diferenciadas de
aplicação de institutos do Direito, deslocando suas interpretações ou mesmo
reformulando-os para se adequarem aos novos valores buscados pela
sociedade.
Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a atual Constituição da Repú-
blica Federativa do Brasil, que, a despeito de ter representado o corolário de
uma nova era política no país recém-saído de mais de vinte anos de um regi-
me ditatorial, inaugurou mesmo um novo momento de seu constitucionalis-
mo, sendo exaltada interna e internacionalmente como uma verdadeira
constituição-cidadã, tendente a pautar todo o ordenamento jurídico pátrio
aos princípios por ela elencados, os quais colocam o homem e os valores de
sua dignidade como centrais à construção do Direito.19
Esse novo foco nos princípios e nos valores que circundam a dignidade
humana passou, pois, a permear todo o ordenamento jurídico, inclusive os
institutos de ordem patrimonial, inaugurando um processo de constituciona-
lização ou publicização dos ramos do Direito Privado.
Nessa esteira, teorias publicistas como a do Direito Civil Constitucio-
nal20 ganharam eco no Brasil, lançando um novo olhar para os juristas, que

1987. In: Penalva, Angela Moulin Simões Santos; Motta, Marly Silva da. O “bota-abaixo”
revisitado: o Executivo municipal e as reformas urbanas no Rio de Janeiro (1903-2003).
Revista Rio de Janeiro, nº 10 , maio-agosto, 2003. In: http://www.forumrio.uerj.br/docu-
mentos/revista_10/10-Angela-Marly.pdf. Consulta realizada em 7 de julho de 2010.
18 O Direito à Moradia passou a fazer parte do já citado rol dos direitos sociais no Brasil, so-
mente a partir da Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000. Embora antes já
fossem localizadas expressões da proteção do referido direito na Carta Magna, há que se
observar que a sua entrada no rol do artigo 6º tem a força de alçá-lo à condição de cláusula
pétrea constitucional, recebendo o tratamento privilegiado do artigo 60, parágrafo 4º da
Constituição.
19 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (...)” BRASIL. Constituição
da República Federativa do Brasil, 1988.
20 Brevemente, informa-se que o Direito Civil Constitucional é um movimento teórico de
análise do Direito Civil surgido na Itália — a partir dos estudos, dentre outros, do profes-
sor Pietro Perlingieri — e que é eivado pela chamada “descodificação”, entendida esta
não como uma perda do fundamento do ordenamento civilista, mas sim como a perda de
A OUTRA CIDADE 193

passam a dever mitigar direitos até então considerados absolutos, como o Di-
reito de Propriedade, os quais encontraram limites constitucionais à sua con-
cessão e ao seu exercício.
Baseado nesse novo aspecto, vê-se possível avançar contra um “senso
comum” histórico de organização do espaço urbano, que procura privilegiar
os detentores do capital em detrimento dos que destinam, a esse espaço, ver-
dadeira função social.
Entretanto, embora o ordenamento já aponte saídas hermenêuticas
para os novos valores constitucionais trazidos pelo legislador originário, a
questão da habitação está intimamente relacionada às políticas públicas refe-
rentes à sua efetivação, que estejam de acordo com os anseios sociais, aos an-
seios dos destinatários das próprias políticas.21
Com isso, veremos, ainda neste estudo, um caso-referência, no qual se
apresenta a organização social frente à ausência do poder público na garantia
do Direito à Moradia e no desempenho das funções sociais da cidade, bem
como a necessidade de se analisarem especificidades no desempenho das di-
ferentes políticas estatais.
Antes, contudo, vejamos um conceito de Emancipação Social, que será
fundamental à análise proposta.

Marx e a Emancipação Social

István Mészáros, profundo conhecedor da teoria criada por Karl Marx e


Friedrich Engels — o marxismo — traz uma discussão sobre marxismo e
direitos humanos,22 na qual ele analisa os direitos e a emancipação dos
indivíduos.
Antes de qualquer contribuição, é imperioso trazer o ponto freqüente-
mente sustentado por Mészáros de que Marx não é contrário aos direitos hu-
manos, mas é crítico “à teoria liberal no contexto dos direitos humanos”.23
Para Marx, os valores de “liberdade, igualdade e fraternidade” estão em
franca contradição com a realidade da sociedade capitalista, visto que, em

sua centralidade, sendo entendido como aquele em que “o papel unificador do sistema,
tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos quanto naqueles de relevância
publicista, é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto
Constitucional.
21 No que tange as políticas de habitação no espaço urbano, inseridas no contexto da Políti-
ca Urbano, tem-se o seguinte: “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executa-
da pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem-estar de seus habitantes.” *grifos nossos+. BRASIL. Constituição da República Fede-
rativa do Brasil, 1988.
22 Mészáros, Istvan. Filosofia, Ideologia e Ciência Social: Ensaios de Negação e Afirmação.
Tradução: Ester Vaisman. Editorial Boitempo. P. 157-168.
23 Mészáros, Istvan. op. cit. P. 158.
194 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

última instância, com a concentração da propriedade nas mãos dos detento-


res do capital, os direitos do homem tornam-se uma verdadeira “abstração.,
um ”elemento ilusório., trazendo a idéia de que a oposição burguesa viu-se
obrigada a defender os direitos do homem para sobrepor a ideologia feudal,
entendendo que

essa insistência sobre os ”direitos do homem. não é mais do que um postulado


legalista-formal e, em última instância, vazio. (...) a aplicação da pretendida
igualdade de direitos à posse culminou em uma contradição radical, visto que
implicou necessariamente a exclusão de todos os outros da posse efetiva, restri-
ta a um só indivíduo.24

Marx critica o fato de que as mesmas teorias que defendem os direitos do ho-
mem também defendem a “alienabilidade universal e posse exclusiva”,25
afirmando que a solução para essa contradição somente pode se dar no terre-
no da prática social, através da extinção da posse exclusiva.
Para tanto, “Marx formula sua estratégia de transformação social a par-
tir do interesse do conjunto da sociedade”,26 através da “emancipação huma-
na universal”,27 descrevendo as condições de liberação dos indivíduos
esmagados em suas capacidades pela voracidade do capital, instituidor de
classes e gerador de dominação de minorias sobre maiorias desprovidas de
posses e propriedades.
A visão de Marx, amplamente influenciada pelo contexto
pós-Revolução Industrial, momento em que a desregulamentação dos direi-
tos trabalhistas, bem como dos demais direitos sociais era uma realidade uni-
versal, é tão radical quanto as disparidades sociais que ele enxergava e para as
quais pretendia trazer alternativas eficazes.
Assim sendo, ele cria seu modelo tendente à extinção da sociedade de
classes e, portanto da sociedade capitalista mesmo, distinguindo, segundo
Mészáros, três maneiras de aplicação dos direitos humanos no contexto do
desenvolvimento social:

(1) sob as condições da sociedade capitalista, o apelo aos direitos humanos en-
volve a rejeição dos interesses particulares dominantes e a defesa da liberdade
pessoal e da autoridade individual, em oposição às forças de desumanização e
de reificação ou de dominação material crescentemente mais destrutivas;

24 Mészáros, Istvan. op. cit. P. 159.


25 Mészáros, Istvan. Loc. Cit.
26 Mészáros, Istvan. op. cit. P. 166
27 Marx, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel — Introdução. In: Crítica da Filosofia
do Direito de Hegel. Editorial Boitempo. São Paulo, 2005. P. 154. In: op. cit.
A OUTRA CIDADE 195

(2) em uma sociedade em transição, os direitos humanos promovem o padrão


que estipula que, no interesse da igualdade verdadeira, “o direito, ao invés de
ser igual, teria de ser desigual., de modo a discriminar positivamente em favor
dos indivíduos necessitados, no sentido de compensar as contradições e desi-
gualdades herdadas;

(3) em uma fase mais adiantada da sociedade comunista. (...), a sociedade ob-
tém, de cada um, de acordo com sua habilidade e dá a cada um de acordo
com suas necessidades. A necessidade de aplicação de um padrão igual não
existe mais, uma vez que o desenvolvimento completo de um indivíduo de
modo algum interfere na auto-realização dos outros como indivíduos
verdadeiros. (...)

Baseado nessas reflexões, procurou-se refletir sobre a emancipação social no


contexto das ocupações resultantes de movimentos sociais de luta pela mora-
dia na atualidade.

Breve Análise sobre os Movimentos Sociais de Luta pela Moradia

Segundo Maria da Glória Gohn, dois motivos foram determinantes para que
os movimentos sociais urbanos tenham passado a se tornar, a partir dos anos
1.970, objeto central de pesquisa de cientistas sociais:

(...) um de ordem estrutural — o agravamento da falta de condições de in-


fra-estrutura urbana e o rebaixamento salarial, portanto, o aumento da ex-
ploração econômica e da espoliação urbana. O segundo motivo era de
ordem conjuntural — o regime político-militar e a ausência ou repressão de
espaços já tradicionais de participação popular, tais como partidos e sindi-
catos. 28

Essa passagem de Gohn é suficiente para analisar as proximidades entre o


que vimos no primeiro capítulo e o que estamos analisando agora, pois justa-
mente num contexto de redução salarial e, portanto, de recrudescimento da
exploração do capital, bem como num contexto de redução significativa da
participação política é que as lutas pela emancipação se tornaram mais atrati-
vas à análise científica.
Os movimentos sociais urbanos, segundo a autora, não são um todo ho-
mogêneo, mas uma série outros movimentos sociais, como, por exemplo, o
dos negros ou o dos homossexuais, todos com o ponto em comum da proble-
mática urbana.

28 Gohn, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Lutas pela Moradia. Edições Loyola. P. 33.
196 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Nessa esteira, “são movimentos sociais urbanos as manifestações que


dizem respeito à habitação, ao uso do solo, aos serviços e equipamentos cole-
tivos de consumo.”29
Mais à frente em seu estudo, ao tratar de invasões — que aqui, optarei
por chamar de ocupações30 — em análise do contexto histórico das ocorrênci-
as na cidade de São Paulo, mas que são passíveis de apropriação para o estu-
do do fenômeno em outros centros urbanos do país, em especial o Rio de
Janeiro, Gohn afirma que a prática não se tornou restrita às áreas para mora-
dia, mas também como forma de pleitear interesses diante das autoridades
públicas.
Contudo, isso não diminuiu a ocorrência de ocupações com o fim de
moradia, em especial num contexto de ineficácia de políticas públicas para
esse fim.
À guisa de enriquecimento da análise sociológica, cito o famoso traba-
lho de Boaventura de Sousa Santos, “Notas sobre a História Jurídico-Social de
Pasárgada., em que, ao analisar o pluralismo jurídico em uma favela do Rio
de Janeiro (espaço esse que, ressalta-se, pode ser ele mesmo fruto de um mo-
vimento social de luta pela moradia ou então esteio de outros tantos movi-
mentos sociais urbanos), conclui que a pluralidade normativa ”pode ainda
resultar (...) da conformação específica do conflito de classes numa área deter-
minada de reprodução social — neste caso, a habitação.
Portanto, vemos que o pensamento de Marx, em certa medida, se confir-
ma na análise tanto de Gohn, ao entender que a diminuição salarial corrobora
o desenvolvimento de lutas pela emancipação, bem como no pensamento de
Sousa Santos, ao afirmar que o conflito de classes pode ser responsável por al-
ternativas ao poder vigente, em regra protetor das classes dominantes e inca-
paz de solucionar demandas da universalidade dos indivíduos que
compõem a sociedade.
Nessa esteira, e ciente da existência de ocupações em áreas tanto públi-
cas como privadas para fins de moradia, fui a campo analisar como se organi-
za uma dessas ocupações, em que medida militam pela emancipação social,
lutam pelo direito à moradia, compreendem a relação desse direito com os
demais direitos sociais, e, mais importante, como se dá a sua forma de organi-
zação entre os membros da ocupação, se existe hierarquia ou não, em que me-
dida reproduzem a organização da sociedade capitalista.

29 Gohn, Maria da Glória. op. cit. P. 34.


30 Sem muito me prolongar, optei por chamar as invasões de ocupações por motivo de posi-
cionamento teórico, no sentido de que, devendo a propriedade exercer função social
(Constituição da República, artigos 5º, XXIII; 170, III e 182, §2º), em não a cumprindo, tor-
na-se um espaço desocupado e, portanto, passível de ocupação que lhe destine função
social.
A OUTRA CIDADE 197

Caso-referência: Visita à Ocupação Chiquinha Gonzaga

A Estação Central do Brasil é área de passagem comum a milhares de brasilei-


ros que diariamente se utilizam daquele espaço para seu deslocamento para
casa, trabalho, atividades em geral.
O que muitos não sabem, contudo, é que a metros da estação situa-se
um edifício de propriedade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), que por anos esteve desocupado, sendo espaço livre para o
cometimento de atividades ilícitas.
Eis que, em 2005, houve a ocupação desse espaço por um movimento de
luta pela moradia, contando com uma rede de apoio que incluía desde estu-
dantes a anarcopunks. O que vemos hoje é um espaço requalificado, onde resi-
dem em torno de setenta famílias, destinando-se, portanto, função social
àquele espaço urbano que conta com toda a infra-estrutura do Centro da cida-
de do Rio de Janeiro, facilitando mesmo a efetivação de outros direitos sociais
garantidos constitucionalmente.
As principais observações a serem feitas, além da organização do espa-
ço é a organização da população residente em torno de uma assembléia perió-
dica para a tomada de decisões, bem como a consciência política e jurídica
quanto aos direitos e aos entraves que enfrentam e a falta de hierarquia na or-
ganização e na escolha dos destinos da ocupação, o que sempre é decidido em
conjunto.
Assim sendo, procuramos entender a organização sob o olhar de quem
lá reside, do que foi realizada visita de campo a um dos mais antigos mem-
bros da ocupação e figura envolvida já de longa data com as lutas dos movi-
mentos sociais urbanos na cidade do Rio de Janeiro, o senhor João Barbosa,
quem gentilmente apresentou a organização física, explicou a organização
social e autorizou nossa participação em uma das Assembléia dos moradores
da ocupação.
De grande importância para a reflexão do estudo ora em análise é o fato de
que a organização da Ocupação Chiquinha Gonzaga, bem como das demais or-
ganizações relacionadas a ela, em especial a Zumbi dos Palmares e a Quilombo
das Guerreiras, não se administra de forma hierárquica, excludente ou voltada a
outros interesses senão o bem comum, a decisão coletiva e a luta efetivação dos
direitos sociais em caráter universal, diferente do que se observa na coletividade
em uma sociedade capitalista, na qual, para que haja o gozo dos detentores dos
meios de produção, deve haver a opressão de muitos e a exclusão de outros tan-
tos, pelo simples fato de não se qualificarem como proprietários.

Caso-Referência: O Morro dos Prazeres

Outro modelo comum de organização e exercício do direito à moradia no es-


paço urbano das cidades brasileiras pela população de menor renda é aquele
198 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

que se dá nos assentamentos precários, muitas vezes na encostas dos morros.


São as conhecidas favelas.
Diferente do caso anterior apresentado, as favelas são originadas como
fruto de outro processo histórico decorrente dos modelos de regularização
fundiária observados no espaço urbano brasileiro.
Segundo Rafael Soares Gonçalves,

Os governos dos países em desenvolvimento abandonaram, a partir dos anos


1980, os esforços para a construção em massa de moradias populares na perife-
ria das cidades e se concentraram, sobretudo, na ideia de que a legalização do
informal, aliada a uma desregulamentação mais acentuada do mercado imobi-
liário, poderia atenuar o preço do solo, suscitando, enfim, uma oferta mais con-
sistente de moradias, erguidas, geralmente, pela autoconstrução. O balanço
que se obtém 20 anos mais tarde é, todavia, um enorme fracasso. A regulariza-
ção fundiária, onde foi efetivamente realizada, liberou o solo e desencadeou
uma pressão do mercado imobiliário sobre os bairros beneficiados que eram,
até então, relativamente protegidos, justamente em razão da sua ilegalidade. O
fenômeno atual de segregação urbana torna-se, assim, mais um produto deri-
vado das leis de mercado que o resultado da recusa, por parte das autoridades
públicas, do reconhecimento oficial da existência dos bairros informais. A solu-
ção do mercado originou outras formas de exclusão que apenas fizeram au-
mentar o círculo de informalidade, agora concentrado nas regiões cada vez
mais periféricas, insalubres e/ou ecologicamente precárias das cidades.
Esse modelo, ao menos no caso específico das favelas, foi apenas parcialmente
aplicado no Brasil. A política de urbanização das favelas, implementada a partir
dos anos 1980, não foi necessariamente seguida da regularização fundiária ple-
na desses espaços. A ilegalidade fundiária, conjugada à violência imposta pelos
narcotraficantes num grande número de favelas, desestimula, nos dias atuais, a
entrada dos grandes promotores imobiliários no mercado imobiliário das
favelas.31

Esse quadro histórico recente foi responsável pelo estabelecimento de organi-


zações criminosas que tomaram o poder dessas comunidades, segregan-
do-as, muitas vezes, sob diversos aspectos, da cidade formal.
Nesse contexto, os moradores de favelas organizam-se em torno de associ-
ações que representam verdadeiras manifestações paralelas do poder que deve-
ria ser desempenhado pelo Estado, como, por exemplo, a catalogação dos
imóveis existentes naqueles espaços, gerando a sensação de propriedade entre
aqueles que possuem a declaração de registro da associação de moradores.

31 Gonçalves, Rafael Soares. Repensar a regularização fundiária como política de integra-


ção socioespacial. Revista de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo 23 (66).
São Paulo, 2009. P. 238 e 239.
A OUTRA CIDADE 199

Com o amadurecimento da Constituição Federal de 1988 — que trouxe


capítulo destinado à política urbana — e com o advento de diversos corpos
normativos a exemplo do Estatuto da Cidade de 2001, do novo Código Civil
de 2002 e da Lei 11.977, de 2009, torna-se mais estável e completo o microssis-
tema de regularização fundiária e acesso ao espaço urbano das cidades, o
que, contudo, não se verifica eficiente sem políticas públicas para implemen-
tação dos diversos instrumentos urbanos presentes nessas normas.
Ocorre que, com a proximidade dos grandes eventos internacionais
como as Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo de Futebol Masculino de
2014, passou a haver uma preocupação maior do poder público com a segu-
rança pública e dos setores capitalistas com a possibilidade de expansão dos
seus lucros e da mais-valia no espaço urbano.
Com isso, no Rio de Janeiro, houve a implementação de uma política
pública de segurança que visou implementar as chamadas Unidades de Polí-
cia Pacificadora, de maneira a frear a onda de violência e o desenvolvimento
do tráfico de drogas em comunidades, especialmente naquelas que se estabe-
leceram em áreas consagradamente nobres ou que tivessem potencial para
tanto, segundo o olhar do mercado imobiliário e dos setores dominados pelo
capital.
Esse contexto vem sendo observado no Morro dos Prazeres, onde se si-
tua uma comunidade tradicional, podendo ser acessada por bairros valoriza-
dos economicamente como é o caso das Laranjeiras e por bairros centrais da
cidade como é o caso de Santa Teresa.
Diante da necessidade do mercado imobiliário de expandir seus lucros
e em decorrência da proximidade de áreas valorizadas e da deslumbrante
vista panorâmica que se tem da cidade, além da Baía de Guanabara, do Cristo
Redentor e do morro do Pão de Açúcar, temem os moradores que, a despeito
dos inegáveis benefícios advindos de uma política eficaz de segurança públi-
ca, o clima de paz somado à expansão do mercado imobiliário gere a chamada
“remoção branca”32, ou seja, a mudança de domicílio dos moradores tradicio-
nais em decorrência da intensa valorização imobiliária, que não permita a
permanência dos atuais moradores da área, tendo em vista o acréscimo dos
tributos que venham a recair sobre o imóvel.
O que se defende é que as políticas de segurança venham somadas a po-
líticas de regularização fundiária, entendida esta no seu conceito amplo trazi-
do por Betânia Alfonsín, qual seja,

o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico, físico e social, que


objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas

32 Souza, Marcelo Lopes de. A “Reconquista do Território” ou Um Novo Capítulo na Milita-


rização da Questão Urbana. Disponível em http://passapalavra.info/?p=32598. Acesso
em 10 de Agosto de 2011.
200 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando


acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da
cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária.33

Pela conceituação exposta, vemos que o entendimento não admite um proce-


dimento de tamanha intervenção na vida das pessoas, na dinâmica da cidade
e na questão social em desconexão com outros tantos procedimentos jurídi-
cos, físicos e sociais que pretendam ver efetivado o máximo de direitos e ga-
rantias no espaço de sua atuação.
Com isso, sabiamente, Betânia Alfonsín trouxe seu conceito no sentido
de nos alertar que a regularização fundiária é, antes de qualquer coisa, uma
intervenção pública, ou seja, uma atuação do poder público ou de entidades
que atuem em seu nome, no exercício de atividade pública.
Por outro lado, esse procedimento deve abranger os aspectos jurídico,
físico e social, de maneira a ver a legalização da permanência das populações
que vivem em áreas urbanas irregulares, mas também que vejam efetivados o
máximo do rol dos Direitos Sociais elencados pela Constituição Federal em
seu artigo 6º, vendo, assim, respeitadas a qualidade de suas vidas, a cidada-
nia e, em análise ampla, a Dignidade da Pessoa Humana, princípio basilar da
República Federativa do Brasil.
Nesse sentido, ao dar início a um processo de regularização fundiária, o
poder público deve ter em mente que o mesmo pressupõe, por exemplo, in-
tervenção no campo do saneamento básico, da política de transportes, do
acesso ao ensino, da geração de trabalho e renda, enfim, dos meios necessári-
os à efetivação dos direitos sociais básicos.
Para além, diante de tal necessidade, deve o poder público reconhecer a
organização desses grupos e dar-lhes ouvidos na implementação fática das
políticas públicas naquele espaço, o que será nada mais que respeitar a deter-
minação legal de ser implementada a gestão democrática das cidades, trazida
pelos artigos 43 e seguintes do Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257, de
2001.
Somente através dessa idéia, poderá o poder público fazer frente à sa-
nha do mercado imobiliário que vê grandes oportunidades diante dos negó-
cios e dos fluxos de pessoas e capital que já vêm se direcionando ao Brasil em
decorrência dos grandes eventos internacionais, fazendo com que as pessoas
se estabeleçam regularmente onde construíram seus laços familiares e suas
relações sociais.

33 Alfonsín, Betânia de Moraes. Direito à Moradia: Instrumentos e Experiências de Regula-


rização Fundiária nas Cidades Brasileiras. Observatório de Políticas Urbanas: IPPUR;
FASE. Rio de Janeiro, 1997. P. 24.
A OUTRA CIDADE 201

Conclusão

Em sede de conclusão, traz-se a reflexão de que, embora os dias atuais presenci-


em uma maior garantia e efetivação de direitos humanos e sociais, inclusive com
a emergência de correntes do pensamento jurídico como o Direito Civil Consti-
tucional, o que se vê é a incapacidade do Estado Brasileiro em garantir esses
direitos a todos os cidadãos, do que emergem movimentos sociais capitaneados
por oprimidos pelo sistema capitalista, desprovidos de posse ou propriedade.
Esses movimentos sociais, em grande medida, buscam romper com a
organização tradicional da sociedade que os excluiu baseada num conceito
histórico e naturalizado da verdade científica, discurso de poder sobre parce-
las da sociedade.
Com isso, reitero as observações sobre a forma descentralizada de to-
mada de decisões, com respeito às vontades de todos e busca pela garantia
dos direitos sociais em escala de igualdade universal no âmbito da ocupação
analisada e das que com ela se relacionam.
Não se pretende concluir que esses movimentos veem concretizados os
anseios de rompimento com a sociedade disciplinar criticada por Foucault,
nem ver concretizada a sociedade pensada por Marx e Engels, ou mesmo di-
zer que sejam clareiras comunistas em um Estado capitalista.
Pelo contrário, são os movimentos frutos mesmo desse modelo econô-
mico e social e, portanto, demonstram que, apesar da radicalidade e do con-
texto sócio-histórico analisado por Marx, o qual se difere do hodierno, ele
estava certo quanto ao poder excludente do capital.
Para além, no que tange a organização das favelas, o destaque fica por
conta do papel administrativo das associações de moradores, historicamente
trazendo um esteio de organização e de organização informal, mas cuja base
de dados pode servir de ponto de partida para a regularização fundiária pelo
poder público.
O importante é que, a despeito dos eventos internacionais, da valoriza-
ção imobiliária e da expansão das políticas públicas no cenário brasileiro, ob-
serve o poder público os interesses dos grupos sociais e seus anseios, de
maneira que não se deixe esquecer que o poder emana do povo e não de seus
representantes como já se fez crer. A iniciativa do legislador em regulamentar
o dever de se observar a gestão democrática da cidade veio no sentido de não
se deixar esquecer essa determinação constitucional.
Pensar a manutenção e o fortalecimento dos grupos sociais no espaço
urbano das cidades é, em última instância, um convite ao repensar da propri-
edade urbana no contexto capitalista.
A Teoria Política tem lançado olhar sobre a propriedade desde longa
data. Hobbes, Locke e mesmo Rousseau foram expoentes dessa afirmação. O
que nos resta é saber que somos herdeiros de uma História e agentes de outra.
Pensar a propriedade é imperioso para o desenvolvimento do nosso modelo
202 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

econômico e social. Resta-nos ter em claro as nossas escolhas e repensar os


modelos, caso façamos as escolhas corretas.

Referências bibliográficas

Alfonsín, Betânia de Moraes (1997), Direito à Moradia: Instrumentos e Experiências de


Regularização Fundiária nas Cidades Brasileiras, Observatório de Políticas
Urbanas: IPPUR; FASE, Rio de Janeiro.
Aquino, Rubim Santos Leão de et alli. (1995), História das Sociedades. Das Sociedades
Modernas às Sociedades Atuais, Editora Ao Livro Técnico, Rio de Janeiro.
Brasil (1988), Constituição da República Federativa do Brasil.
Campos, Raymundo (1998), Estudos de História Moderna e Contemporânea, Atual
Editora Ltda., São Paulo.
Foucault, Michel (2002), A Verdade e as Formas Jurídicas, Tradução de Roberto Cabral
de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais, Nau Editora, Rio de Janeiro.
Foucault, Michel (1999), Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976),
tradução de Maria Ermantina Galvão, Editora Martins Fontes, São Paulo.
Gohn, Maria da Glória, Movimentos Sociais e Lutas pela Moradia, Edições Loyola.
Gonçalves, Rafael Soares (2009), “Repensar a regularização fundiária como política
de integração socioespacial”, Revista de Estudos Avançados da Universidade
de São Paulo, São Paulo.
Górki, Maksim, A Mãe, tradução de Shura Victoronovna, Editora Círculo do Livro
S.A. São Paulo.
Marx, Karl, “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Introdução”, in Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel, Editorial Boitempo.
Mészáros, Istvan, Filosofia, Ideologia e Ciência Social: Ensaios de Negação e Afirmação,
tradução de Ester Vaisman. Editorial Boitempo.
Penalva, Angela Moulin Simões Santos; Motta, Marly Silva da (2003), O
“bota-abaixo” revisitado: o Executivo municipal e as reformas urbanas no
Rio de Janeiro (1903-2003), Revista Rio de Janeiro, nº 10 , maio-agosto, 2003. in
http://www.forumrio.uerj.br/documentos/revista_10/10-Angela-Marly.pdf.
Consulta realizada em 7 de julho de 2010.
Polanyi, Karl (2000), A Grande Transformação: as Origens de Nossa Época. Tradução de
Fanny Wrabel, Editora Campus. Rio de Janeiro.
Quijano, Anibal (2005), “Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América
Latina”, in A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e Ciências Sociais.
Perspectivas Latino-Americanas, Edgardo Lander (org.). Colección Sur Sur.
CLACSO. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, setembro de 2005.
in http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/pt/Quijano.rtf.
Consulta realizada em 7 de julho de 2010.
Sene, Eustáquio de; Moreira, João Carlos de (1998), Geografia Geral e do Brasil.
Espaço Geográfico e Globalização, Editora Scipione, São Paulo.
Capítulo 13

Quelle(s) morphologie(s) urbaine(s) pour la ville


durable?

Elli Alessandro
consultant indépendant(ales.elli@hotmail.it)

Abstract

D’une manière générale l’approche morphologique permet d’analyser à la fois


la forme des établissements humains et le processus de leur formation et de
transformation. A travers cette approche on abordera la problématique de
l’articulation des différents espaces urbains tant en termes relationnels que spa-
tiales.
Ainsi, dans un cadre marqué par la territorialisation du développement du-
rable, cette double entrée nous permettra de comprendre comment et jusqu’à
quel point un référentiel d’action tel que le développement durable puisse faire
évoluer le processus de formation et de transformation de la ville, en ouvrant le
champ du possible à des nouvelles visions. Car ce cadre réflexif permet de pen-
ser à la fois la façon dont la société s’approprie et occupe l’espace, le fonctionne-
ment global de la ville, et la manière dont celle-ci utilise, valorise, et partage ses
ressources entre ses habitants.
Dans cette perspective, une question se pose : quelles sont les morphologies les
plus adaptées pour répondre de manière systémique à ces divers enjeux, et qui
permettraient in fine d’envisager un développement urbain durable? Ou, autre-
ment dit, quelle(s) morphologie(s) urbaine(s) pour quelle(s) ville(s) durable(s)?
Ainsi il ne s’agit pas de produire des modèles utopiques mais plutôt de savoir
comment la ville d’aujourd’hui, avec ses héritages et ses potentialités, pourrait
être transformée et accompagnée vers cet horizon.
Pour répondre de manière constructive à ces questionnements, nous proposons
tout d’abord (partie 1) de faire un état des lieux critique des recherches sur les
morphologies urbaines. Nous interrogerons les principaux modèles morpholo-
giques présentés comme des incarnations possibles de la ville durable. Ville
compacte, ville dense, ville lente, ville creuse... Le foisonnement des proposi-
tions nous amènera à la fois à comprendre les implications de la morphologie
urbaine pour l’écologie générale de la ville mais aussi à nous positionner quant

203
204 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

à leur opérabilité. Nous étudierons ensuite (partie 2) quelques expérimenta-


tions concrètes, variées par leurs contextes, leurs échelles d’action, et par les ac-
teurs qu’elles mobilisent. D’une manière particulière, le cas de Marne-la-Vallée
nous amènera à comprendre comment les héritages matériels de la planifica-
tion étatique pourraient être réutilisés dans une perspective de durabilité. La
réutilisation et l’adaptation sont aussi le mot d’ordre des quartiers durables, et
nous les étudierons dans la mesure où ils sont souvent mis en avant comme un
moyen de transformer la ville. Mais les idées dont ils sont porteurs peuvent aus-
si être mises en œuvre sans la mention explicite d’un quelconque développe-
ment durable, et ces cas sont parfois d’autant plus intéressants.
Enfin, proposer une mise en action à l’échelle de l’agglomération nous amènera
à faire la synthèse des enjeux à relever, et à délinéer un scénario possible de la
ville durable de demain. Ce travail prospectif interrogera tout particulièrement
les coordinations d’acteurs, à travers les démarches de planification territoriale
et la recherche d’une nouvelle forme de gouvernance urbaine.

Introduction

Le maire de Strasbourg, Roland Ries, déclarait dans un article du Monde en


date du 11 décembre 1996 (Transports publics, pour une discrimination positive)
que “nos villes et nos agglomérations sont malades de l’automobile et le mal, année
après année, continue à gagner du terrain. Le cancer automobile développe à présent
ses métastases dans le périurbain et, de plus en plus, dans le “rurbain”. L’évocation
d’un développement urbain pathologique, prolifique et anarchique, trouve
ici une de ses causes dans l’utilisation massive de l’automobile, qualifiée de”
cancer “. Ce discours évoque aussi bien la morphologie urbaine contempo-
raine des villes, éclatée et consommatrice d’espace (les métastases), que son
lien avec l’hypermobilité individuelle motorisée. La remise en cause crois-
sante de ce type de développement intervient après un demi-siècle de trans-
formations considérables des villes. Autorisé par l’accroissement
considérable de la vitesse et de la mobilité, l’étalement et la dilatation des es-
paces urbains se sont associés à un renforcement de la ségrégation spatiale,
laissant apparaître de nouvelles formes de relégation et de fragmentation de
l’espace. Ces phénomènes socio-territoriaux ont conduit à renouveler
l’intérêt des chercheurs pour l’étude des formes urbaines, qui se cantonnait
jusqu’alors essentiellement à une approche historique. L’émergence de la no-
tion du développement durable et l’affirmation des préoccupations environ-
nementales ont, depuis une quinzaine d’années, achevé de conférer à ce type
de travaux un enjeu beaucoup plus prospectif. Cependant, les questionne-
ments liés aux morphologies urbaines restent abordés de manières très va-
riées voire cloisonnées. En tentant de synthétiser ces divers points de vue,
Albert Lévy (2005) a par exemple nettement distingué diverses approches :
par les formes urbaines, par la”morphologie sociale” (répartition des
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 205

différents groupes sociaux au sein de l’espace urbaine), par la forme des tra-
cés (étude du plan géométrique de la ville), par la forme des tissus urbains (in-
terrelations entre espaces vides et pleins, forme du parcellaire…), ou encore
les approches privilégiant la dimension environnementale (répartition des
nuisances, ambiances urbaines, approches sensibles...).
D’une manière générale, l’étude des morphologies urbaines repré-
sente un enjeu majeur pour le développement durable. Car ce cadre réflexif
permet de penser à la fois la façon dont la société s’approprie et occupe
l’espace, le fonctionnement global de la ville, et la manière dont celle-ci uti-
lise, valorise, et partage ses ressources entre ses habitants. Dans cette pers-
pective, une question se pose : quelles sont les morphologies les plus
adaptées pour répondre de manière systémique à ces divers enjeux, et qui
permettraient in fine d’envisager un développement urbain durable? Ou au-
trement dit, quelle(s) morphologie(s) urbaine(s) pour quelle(s) ville(s) du-
rable(s)? Ainsi il ne s’agit pas de produire des modèles utopiques mais
plutôt de savoir comment la ville d’aujourd’hui, avec ses héritages et ses po-
tentialités, pourrait être transformée et accompagnée vers cet horizon. Pour
répondre de manière constructive à ces questionnements, nous proposons
tout d’abord un état des lieux sur la manière dont la notion de morphologie
urbaine est mobilisée, à la fois de manière théorique pour répondre aux en-
jeux du développement durable, et aussi de manière pratique, à travers la
façon dont ces modèles théoriques pourraient être mis en œuvre. Des expé-
riences déjà conduites peuvent ainsi être mobilisées dans cette perspective.
Enfin, le processus de transformation de la ville sera analysé en interrogeant
les conceptions de l’action territoriale. Les réflexions sur l’implication des
différents acteurs territoriaux dans les processus de coordination, de cons-
truction des représentations de l’avenir de la ville et de son territoire envi-
ronnant, auront donc ici toute leur importance.
Il s’agira donc tout d’abord (partie 1) de faire un état des lieux critique
des recherches sur les morphologies urbaines. Nous interrogerons les princi-
paux modèles morphologiques présentés comme des incarnations possibles
de la ville durable. Ville compacte, ville dense, ville lente, ville creuse... Le foi-
sonnement des propositions nous amènera à la fois à comprendre les implica-
tions de la morphologie urbaine pour l’écologie générale de la ville mais aussi
à nous positionner quant à leur opérabilité. Nous étudierons ensuite (partie
2) quelques expérimentations concrètes, variées par leurs contextes, leurs
échelles d’action, et par les acteurs qu’elles mobilisent. D’une manière parti-
culière, le cas de Marne-la-Vallée nous amènera à comprendre comment les
héritages matériels de la planification étatique pourraient être réutilisés dans
une perspective de durabilité. La réutilisation et l’adaptation sont aussi le mot
d’ordre des quartiers durables, et nous les étudierons dans la mesure où ils
sont souvent mis en avant comme un moyen de transformer la ville. Mais les
idées dont ils sont porteurs peuvent aussi être mises en œuvre sans la
206 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

mention explicite d’un quelconque développement durable, et ces cas sont


parfois d’autant plus intéressants.
Enfin, proposer une mise en action à l’échelle de l’agglomération nous
amènera à faire la synthèse des enjeux à relever, et à délinéer un scénario pos-
sible de la ville durable de demain. Ce travail prospectif interrogera tout par-
ticulièrement les coordinations d’acteurs, à travers les démarches de
planification territoriale et la recherche d’une nouvelle forme de gouver-
nance urbaine.

Les réflexions sur la morphologie urbaine par l’introduction


de la problématique du développement durable en France.

L’étalement urbain en débat, ou le renouvellement des réflexions sur


les morphologies urbaines

Les débats actuels sur la ville durable semblent en partie nourris par une atti-
tude réactionnaire face à l’urbanisation récente. Pour Clerc, Chalon, Magnin
et Vouillot (2008), le constat est ainsi sans appel : la ville contemporaine est
l’histoire d’un échec. Ils reviennent, disent-ils, sur “cinquante ans d’errance,
dont le médiocre bilan montre qu’il devient urgent de changer le modèle” (2008, p.9).
En large partie, les grands ensembles font partie de ce modèle. Construits
pour résoudre la crise du logement, ils n’ont constitué qu’une étape dans le
parcours résidentiel des classes moyennes qui se sont massivement dirigés
vers la maison individuelle. Les tours et les barres, de plus en plus décriées,
sont devenus des lieux et symboles de la relégation sociale et des quartiers
“difficiles”. Dans le même temps, la fuite des classes moyennes alimenta un
processus de périurbanisation qui finit également par susciter de vives criti-
ques aujourd’hui. Accusé d’être ségrégatif et consommateur d’espaces, ce
type de développement urbain reste néanmoins une tendance forte. Un des
enjeux majeurs serait désormais d’infléchir cette tendance, et d’enrayer ce
processus engagé il y a près de 40 ans.
En conséquence, la ville comme entité finie et délimitée n’existe plus.
Au contraire, elle est discontinue, diffuse, diluée dans un urbain généralisé
(F. Choay). Selon Francis Beaucire (2006, conférence ville compacte, ville dif-
fuse), cette ville diffuse ne se définit pas par le bâti, mais par le mouvement de
ses habitants. Cette interprétation est partagée par l’INSEE, qui définit au-
jourd’hui les aires urbaines non plus seulement par la continuité du bâti, mais
par le mouvement quotidien des individus entre leur domicile et leur lieu de
travail. Toutefois, cette augmentation de la vitesse ne s’est pas nécessairement
traduite par un gain de temps dans les déplacements. En effet, de nombreux
observateurs (Orfeuil, 2008; Fouchier, 2000; Wiel, 2008) ont montré que
l’usage massif de l’automobile s’est plutôt traduit par un gain d’espace, tant
pour les individus que pour les entreprises. Ce “gain d’espace” peut se
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 207

traduire de différentes manières. Pour les individus, par exemple, la persis-


tance d’un décroissement du coût du foncier du centre vers la périphérie per-
met l’acquisition de logements plus grands et en contact avec la “nature”,
notamment pour les classes moyennes avec enfants. Dans le même temps, la
taille moyenne des ménages s’est réduite, tandis que celle des logements a
augmenté. Cela n’a fait que renforcer la diffusion de l’urbain dans l’ensemble
de l’espace géographique, indépendamment de la croissance
démographique.
Du point de vue de la morphologie urbaine, les villes se sont donc éta-
lées de manière considérable. Ce développement urbain, en grande partie
liée à l’automobile, n’est pas nécessairement contigu mais plutôt “métasta-
sique”. François Ascher parle de “métapoles” qui dépassent et englobent la
métropole et les villes qui lui sont reliées. Les métapoles “forment des zones dis-
continues, aux limites incertaines, hétérogènes, dont les fonctions se transforment,
dont les centres se recomposent, dont les espaces sont parcourus en tous sens, à toutes
heures, pour des motifs de plus en plus variés” (Ascher, 1995, p.268). Il apparaît ici
que la morphologie ne peut plus véritablement définir la ville. Alors com-
ment interpréter le retour en grâce du modèle de “ville compacte” au mo-
ment où nous reconnaissons que ce modèle ne correspond pas, aujourd’hui, à
la plupart des réalités de terrain?
La ville compacte s’est depuis longtemps imposée comme le modèle de
référence en Europe (Europe Rhénane, de la Suisse jusqu’aux Pays-Bas). Se-
lon Francis Beaucire (2006) l’enjeu était de préserver l’espace rural et naturel
afin d’éviter que les villes ne se rejoignent en vastes conurbations, dans un
contexte territorial qui est celui d’un maillage de villes très dense. En France
au contraire, l’espace autour des agglomérations était abondant et dispo-
nible. Ce modèle historique de la ville compacte fut donc dépassé par un fort
étalement urbain qui a exploité les espaces agricoles autour des villes comme
de gigantesques réserves foncières, facilement constructibles. De manière ré-
vélatrice, le SDAU d’Île-de-France indiquait, en 1965, les espaces agricoles
comme des espaces “vides”. Cependant, les espaces agricoles et naturels se-
ront peu à peu valorisés et intégrés à la planification urbaine. Mais non pas
pour leur rareté, comme cela a pu être le cas en Europe Rhénane, mais pour
leur qualité et leur diversité. Ce sont finalement les préceptes du développe-
ment durable qui donnent aujourd’hui un second souffle au modèle de la
ville compacte qui, naguère historique voire passéiste, devient un modèle
d’avenir.

Maîtriser l’étalement urbain : le “retour” en vogue de la ville compacte

La ville compacte est censée répondre aux maux dont on accuse la ville dif-
fuse : consommations d’espaces naturels, dépendance à l’automobile dans un
contexte d’incertitude énergétique, ségrégations socio-spatiales, pollution
208 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

locales et planétaires… Toutefois, l’économie d’espace, l’efficacité énergé-


tique ainsi que les prétendues qualités sociale et environnementale de ce mo-
dèle ne sont pas pleinement démontrées. De nombreux chercheurs (Allain,
2007; Beaucire, 2006) rappellent que si d’un coté la ville compacte permet
d’économiser l’espace, de préserver des espaces verts, et ainsi constituer de
larges corridors écologiques, un problème majeur resterait, d’un autre côté,
celui de la maîtrise du coût du foncier et de l’immobilier. Rémy Allain (2007)
rappelle qu’en dépit de ses indéniables vertus — qui tiennent essentiellement
en un cadre de vie attractif —, le modèle de ville compacte engendre un cer-
tain nombre d’effets pervers, tels que la rareté des terrains à bâtir et le prix éle-
vé des logements. Ces deux facteurs peuvent accentuer la ségrégation
socio-spatiale alors qu’on suppose davantage de mixité de la part de la ville
compacte.
De manière générale en France, la question foncière a été réglée par le
biais de la mobilité, le coût des terrains et des logements compensant celui
des transports (Orfeuil, 2008). Rémy Allain observe qu’il est difficile de con-
trer cette tendance centrifuge des ménages, notamment ceux avec enfants. La
mise en œuvre de la ville compacte devrait être attentive au décalage tant
qualitatif que quantitatif entre l’offre et la demande de logements, et s’assortir
d’une régulation efficace de leur prix. Faute de quoi le modèle serait ineffi-
cace dans sa vocation de limiter l’extension spatiale des villes. Ainsi, le
consensus sur la ville compacte et dense, qui est associé au consensus sur le
développement des transports publics comme solution à la mobilité automo-
bile, peut être fortement réinterrogé (Orfeuil, ibid.). Rémy Allain refuse un
débat simplificateur et manichéen où “la “ville diffuse”, chaotique, le Mal”,
s’opposerait à la ville compacte, correspondant au “Bien, la maîtrise du monde
et sa mise en ordre” (Allain, 2007, p.12). Le lien entre la ville compacte, le rac-
courcissement supposé des distances parcourues, et la réduction de la
consommation énergétique n’est pas des plus évidents à établir. Par exemple,
dans le cas de Rennes (Allain, ibid.), nous pouvons voir que la politique an-
cienne en faveur de la densité et de la compacité s’accompagne finalement
d’un report de l’urbanisation toujours plus lointain. En privilégiant le gel fon-
cier des terres agricoles et l’intensification urbaine autour des noyaux déjà
existants (les bourgs, les hameaux et les villages), la politique
d’aménagement rennaise restreint de manière visible l’ampleur de
l’étalement urbain, sans enrayer toutefois l’extension spatiale du processus
de périurbanisation. La rareté des maisons individuelles avec jardin et leur
prix élevé poussent les ménages à acheter toujours plus loin, dans des bourgs
éloignés du centre mais toujours dépendants du coeur de l’aire urbaine. De ce
fait, la dépendance des ménages à l’automobile reste forte, d’autant plus que
les transports collectifs ne peuvent pas constituer une véritable alternative,
car l’éparpillement de l’urbain ne permet pas de planifier un réseau rationnel
et économique. Combattant les idées reçues sur les vertus de la ville compacte
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 209

et dense, plusieurs chercheurs (Orfeuil, 2008, Héran, 2009) ont aussi mis en
évidence un “effet barbecue” : si les habitants des quartiers très denses se dé-
placent en métro, en vélo ou à pied la semaine, ils ont davantage tendance à
partir en week-end, surtout lorsque leurs revenus leur permettent un mode
de vie aisé. Les déplacements à longue distance qui en résultent sont très
consommateurs d’énergie (notamment lorsqu’ils sont effectués en avion).
Même à revenus équivalents et à situation familiale similaire, il semblerait
qu’on se déplace plus le week-end si on habite un centre dense que si on ha-
bite un quartier pavillonnaire périphérique. Ainsi, vraisemblablement, la
densité demanderait des périodes de décompression, tandis que la présence
d’un jardin ou d’espaces verts à proximité suffirait à satisfaire les demandes
de nature en fin de semaine. La question de la densité, comme corolaire de la
ville compacte, se positionne ainsi au cœur des débats sur les morphologies
durables.
Dans l’imaginaire collectif, la densité est associée aux grands ensem-
bles, composés de barres et de tours, peu à peu médiatisés et stigmatisés pour
leur concentration de difficultés sociales. De ce fait, la densité est aussi as-
sociée au sentiment d’entassement, qui correspond à un état psychologique
de stress. La relation entre les deux termes est difficile à établir pour les psy-
chologues (Fischer, 1990). Au moment où, dans les années 1970, la densité fut
plus vivement critiquée, certains urbanistes montrèrent que les grands en-
sembles et les villes nouvelles étaient moins denses que les centres-villes at-
tractifs et jugés généralement d’une manière positive par les habitants. Mais
la mesure de la densité ne peut se réduire au nombre d’êtres humains au
mètre carré. Chacun appréhende la densité à partir de ses expériences et des
images véhiculées par les médias, lesquels font apparaître certains lieux den-
ses comme insupportables et cauchemardesques ou, tout au contraire, re-
cherchés et désirés. Les avantages immatériels que l’on peut attendre de la
densité, qui tiennent tout d’abord à la multiplication des possibilités
d’interactions sociales (Wiel, 2007, p.122), peuvent dans certains cas perdre
toute vertu. Ainsi, dans les quartiers défavorisés, certains individus sont ten-
tés par un repli sur soi, le voisinage reflétant leur propre sentiment d’échec
(Pan Ké Shon, 2005). Pour reprendre Marc Wiel, l’enjeu se situe autant, sinon
plus, au niveau de “l’agencement urbain” que de la densité. C’est-à-dire au ni-
veau de “la disposition relative des constituants urbains dans leur quantité ou dans
leur qualité.” (idem, p.121). Aujourd’hui, les lieux denses dépourvus de quali-
té urbaine tendent à concentrer la précarité. A l’opposé, ceux disposant de
qualités urbaines recherchées connaitraient un processus de gentrification.
(ibid., p.122). Par ailleurs, on ne peut concevoir une ville en ayant en tête une
densité “idéale” appliquée de manière homogène, car les attentes sont extrê-
mement variées selon les individus.
La notion de densité a fait du chemin ces dernières décennies, tout
comme le modèle de la compacité. Les milieux urbains denses, autrefois
210 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

considérés comme des lieux pollués, congestionnés, sales, sont aujourd’hui


tenus pour des modèles. La ville dense favoriserait aujourd’hui la rentabilité
des transports en commun, les déplacements individuels non motorisés, tout
en réduisant le degré de pollution. Mais elle ne peut entraîner une réduction
de la mobilité notamment automobile que si la ville est simultanément assez
lente (Wiel, 2007). S’il y a aujourd’hui un relatif consensus sur la nécessité de
densifier l’urbanisation, d’autres aspects du développement urbain font
l’objet de réflexions dans une perspective de durabilité. Notamment à travers
la question de la vitesse des déplacements, associée au modèle de développe-
ment diffus, ou encore à travers la question de la préservation d’espaces non
bâtis. De quelles visions et de quels aspects de la “ville durable” ces réflexions
sont-elles porteuses?

Des propositions complémentaires à la ville compacte. La lenteur et le vide


comme éléments de la ville durable?

La ville s’est historiquement construite en cherchant à augmenter les vitesses


d’échanges. L’approche économique standard considère qu’en rase cam-
pagne comme en milieu urbain, les avantages de la vitesse dépassent de très
loin ses inconvénients. Car si à court terme, la vitesse fait “gagner du temps”,
elle permet surtout, à long terme, d’aller plus loin et d’accéder ainsi à nombre
de destinations plus variées. De fait, la ville rapide apparait comme le pen-
dant nécessaire à la ville diffuse, dans laquelle “l’urbanisation s’opère […] en
fonction d’une recherche d’accessibilité automobile aux voies rapides urbaines”
(Wiel, 2007, p.98). Plus le temps requis pour relier un point à un autre di-
minue et moins les désagréments dus aux distances croissantes domicile-tra-
vail se font sentir. Aussi, à côté de ces avantages, les effets négatifs externes de
la vitesse ne semblent pas peser lourds. Pourtant, Frédéric Héran (2009) af-
firme que la ville durable est à chercher du côté de la ville lente, la vitesse
étant le principal facteur explicatif des accidents, des effets de coupure, de la
consommation d’espace par les transports, de la ségrégation sociale, du bruit
et même de la pollution. Il faudrait donc reconsidérer la lenteur pour pro-
duire la ville dans une perspective de durabilité. Cela pourrait satisfaire cer-
taines aspirations de la population. Car à “grande échelle géographique, nous
pouvons interpréter la multiplication des impasses sur le réseau viaire comme une re-
cherche d’abri et de protection face aux nuisances de la circulation automobile”
(Wiel, 2007 p.98). D’ailleurs, selon F. Héran, certes la vitesse a apporté des
bienfaits, mais elle a aussi favorisé les ségrégations spatiale et sociale. Aussi,
la lenteur favoriserait la mixité, l’accessibilité à tous les modes ainsi qu’un
cadre de vie plus agréable et moins coûteux. Il propose donc de faire de la len-
teur une clé pour résoudre les problèmes historiques de la ville.
Toutefois, face à ces analyses et à ces propositions théoriques, doit-on
considérer la ville dense, et plus particulièrement son centre-ville, comme
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 211

une entité urbaine peu attractive? Selon Vincent Fouchier (2009), l’idée selon
laquelle le pavillon est le rêve de tous les Français serait une fausse image,
une icône dépassée. Prenant appui sur les prix élevés des logements en
centre-ville, il rappelle qu’il “existe une compétition bien réelle pour vivre au plus
près du centre, pour bénéficier de son animation et de son offre multifonctionnelle”.
Mais le modèle pavillonnaire reste recherché, en témoigne le cas de Rennes
cité plus haut. On observe une mise en tension finalement, entre l’aspiration à
la maison individuelle assortie d’une envie de proximité avec la campagne, et
le besoin de proximité du centre-ville et de ses services. Ce que Luginbühl
(2001) appelle la “demande sociale de paysage”, traduit pour beaucoup par
une demande de nature, prend alors toute son importance. En effet, on ob-
serve depuis plus de dix ans une demande croissante de nature en ville1. Se-
lon une étude menée par le PUCA et le CERTU en 2002, sept Français sur dix
choisiraient aujourd’hui leur lieu de vie en fonction de la présence d’espaces
verts à proximité. Peut-on associer la proximité d’espaces verts et de loisirs et
la proximité des fonctions offertes par les centres?
Le modèle de la ville creuse de Maupu (2006) semble proposer un com-
plément intéressant aux débats entre ville dense et compacte et ville diffuse.
L’approche prône un nouvel agencement des circulations et des lieux. Ni
compacte ni dispersée, la ville creuse dessine autour d’un grand creux de ver-
dure un chapelet de quartiers mixtes, desservis par une boucle de tramway
doublée d’une rocade routière. Elle consommerait peu d’énergie et d’espace,
en offrant des proximités favorables à la marche à pied et au vélo. Si ce mo-
dèle semble idéal pour les villes nouvelles, Maupu pense qu’il pourrait dans
certains cas s’appliquer à l’existant, par exemple à la ville de Cler-
mont-Ferrand, qui pourrait facilement constituer un anneau avec son trans-
port collectif. La force de ce modèle réside dans l’accessibilité offerte à tous les
points de l’agglomération. Afin que le territoire puisse profiter des potentiali-
tés de ce modèle morphologique, il doit prendre la forme d’un anneau, dont
la boucle est le squelette. Chaque ville est ainsi un point au bord des grands
creux du réseau maillé régional. Chaque boucle entoure un beau creux de
verdure; chaque quartier abrite les creux conviviaux des cours, places et jar-
dins; la dalle couvre d’autres creux; chaque volume est un creux… Toutefois,
derrière ce modèle de ville il y a aussi l’idée que la ville soutenable ne pourrait
guère dépasser un seuil de 300 000 habitants. On est donc bien loin des pro-
blèmes soulevés par les énormes agglomérations qui appellent des solutions
(Emelianoff, 2009). Ce modèle de ville creuse paraît dans bien des cas uto-
pique lorsque l’impératif est de composer avec l’existant, et de proposer des

1 A ce sujet : Manola T., Plocque M., Tronquart C., del Rio R., 2009, “Nature en ville et pay-
sages: vers des objets et outils urbains durables?”, Intervention au Séminaire Défis des
villes durables, Universidade Federal de Pernambuco (Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Urbano y em Geografia), 19 et 20 mars, Recife, 20 p.
212 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

transformations les moins onéreuses et les plus adaptables aux différents


contextes que possible.
Penser la ville durable peut-il dans ce cas se résumer à un modèle?
Comme le souligne la Charte d’Aalborg : “chaque ville étant différente, c’est à
chacune qu’il appartient de trouver son propre chemin pour parvenir à la durabilité”
(Emelianoff, 2009, p. 9). La configuration spatiale de nos villes futures devra
donc se concevoir “à partir de l’existant et dans le temps long de l’urbanisme,”
(Beaucire, in CERTU, 2000, p.97). C’est pourquoi la ville durable devra le plus
souvent, et avant tout, composer avec les héritages urbains sédimentés au
cours de l’histoire. Nous allons voir comment cela se traduit dans les mor-
phologies adoptées pour faire la ville durable.

Comment faire la ville durable? Retour d’expériences à différentes


échelles

Par opposition à la ville diffuse, ségrégative et consommatrice d’espace et des


ressources, les débats sur les formes urbaines les plus soutenables, comme
nous l’avons vu, font l’éloge de la compacité, de la densité, d’un fort maillage
des territoires en transports en commun, etc. Mais en réalité, il ne se dégage
pas de modèle unique de ville durable, pour la simple et bonne raison qu’elle
ne peut se créer ex-nihilo, sans composer avec l’existant. Des initiatives ont
été menées dans cette optique à des échelles très différentes; tantôt à l’échelle
de la ville, tantôt l’échelle du quartier. Par le biais d’un exemple de ville nou-
velle entamant sa transition vers une morphologie plus durable
(Marne-la-Vallée), d’un cas de quartier dit durable, et ainsi qu’à travers
l’expérience d’un éco-village, nous verrons à quoi peut ressembler la ville du-
rable de demain. Nous analyserons ces différents cas d’étude au regard des
problèmes qu’ils posent mais aussi des complémentarités éventuelles qu’ils
dégagent.

De la ville nouvelle à la ville durable : comment envisager la transition


de l’une à l’autre? Le cas de Marne-la-Vallée

La forte croissance démographique, urbaine et économique des années 60 a


conduit les pouvoirs publics à canaliser le développement métropolitain se-
lon une logique polycentrique : dans la région parisienne cette tendance s’est
traduite par la réalisation de cinq villes nouvelles ayant pour fonction de
mieux équilibrer le développement économique et urbain de la région. Cel-
les-ci sont : Cergy-Pontoise, Saint-Quentin-en-Yvellins, Sénart, Evry,
Marne-la-Vallée. Le modèle de la ville-nouvelle reposait sur l’idée de créer
ex-nihilo des villes ayant une mixité fonctionnelle poussée, par opposition à
la cité dortoir typique de la banlieue française. Afin de constituer tant une al-
ternative valable qu’une complémentarité à la capitale, ces villes ont été liées
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 213

à Paris à travers le réseau ferré régional — le RER. Le choix d’utiliser un ré-


seau ferré comme mode de transport privilégié s’inscrit dans une logique dé-
clinant plusieurs objectifs : développer un polycentrisme à l’échelle
régionale; contenir la consommation d’énergie et d’espace induits par
l’utilisation de la voiture particulière; favoriser une accessibilité équitable à la
mobilité. Toutefois, cette volonté de développer le polycentrisme n’a pas
réellement abouti car la ville de Paris a toujours gardé son attractivité écono-
mique et culturelle. Ceci n’a pas favorisé le développement des vil-
les-nouvelles en tant que pôles d’emplois et culturels, d’autant plus que
l’amélioration des connexions routières entre celles-ci et Paris ont engendré
des phénomènes de migrations pendulaires selon une logique
centre-périphérie.
Dans l’univers des villes-nouvelles, le cas de Marne-la-Vallée constitue
une expérience un peu particulière. Tout d’abord, il s’agit d’une ville linéaire.
Sa morphologie étalée se développe le long de la ligne RER et de l’autoroute,
selon une orientation est-ouest. L’aspect linéaire a été développé au fur et à
mesure dans le but de structurer l’urbanisation le long des axes de transport
et de faciliter les déplacements des usagers. S’il ne s’agit pas, à l’origine, d’une
volonté affichée de favoriser une mobilité durable, cette morphologie ur-
baine pourrait constituer un atout au regard des exigences actuelles de la ville
durable : moins polluante, moins consommatrice d’espace, plus accessible (et
à tous), etc. En effet, pour 70 % des habitants de Marne-la-Vallée, le RER A est
le moyen de transport privilégié pour se rendre à Paris. Ce chiffre important
est une des conséquences de l’organisation des pôles urbains autour des gares
RER. Pourtant, en absolu, la voiture constitue le moyen de transport privilé-
gié des habitants car, en dépit d’un réseau de bus dense (43 lignes), la faible
fréquence de passage en dehors des heures de pointe ne permet pas
d’envisager les transports collectifs comme une véritable alternative aux vé-
hicules particuliers. Dans une perspective de mobilité durable, l’adaptation
du fonctionnement du réseau aux rythmes des habitants pourrait constituer
un véritable atout, d’autant plus que la localisation géographique de
Marne-la-Vallée lui confère une bonne accessibilité à l’aéroport de Rois-
sy-Charles-de-Gaulle et donc aux connexions internationales, ainsi qu’à cel-
les nationales, via la gare TGV, et à celles régionales, via la gare routière. Cette
situation avantageuse lui a déjà permis d’attirer des activités tertiaires et tech-
nologiques (cité Descartes), ou encore le tourisme avec Eurodisney. C’est en
cela que Marne-la-Vallée représente une expérience plutôt encourageante au
regard des autres villes nouvelles.
Néanmoins, le manque de diversité du tissu économique n’a pas per-
mis l’identification de centralités, en compromettant de cette façon la dura-
bilité économique du territoire. L’idée d’une économie durable suppose
l’identification d’un ensemble de conditions permettant, dans le cadre
d’une économie ouverte, de retenir ou d’attirer les investissements et
214 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

d’assurer la présence de facteurs collectifs et culturels qui rendent possibles


l’innovation compétitive : disponibilité d’une main d’œuvre qualifiée; pré-
sence des infrastructures de transport; proximité de services spécialisés;
offre de surfaces et de locaux attractifs et bien reliés aux réseaux de trans-
port et de communication; qualité du cadre de vie.... Dans ce contexte, la
qualité du cadre de vie paraît donc primordiale, à la fois du point de vue de
l’implantation des activités, mais aussi des ménages. A cet égard,
l’urbanisme de la ville-nouvelle offre certaines potentialités intéressantes :
les coupures vertes pouvant être mieux investies par des pratiques sociales,
et répondre de cette façon à la demande croissante de nature en ville. En ef-
fet, comme le montre Lughinbül, 80% des ménages choisissent leur lieu de
résidence en fonction de la proximité des espaces verts (2001). Aussi, tou-
jours dans un souci de recherche de la morphologie urbaine la plus soute-
nable possible, cette proximité aux espaces verts pourrait constituer un
levier au développement de cheminements piétonniers et de pistes cycla-
bles, encore largement absents aujourd’hui.
Par ailleurs, en suivant l’idée de la ville creuse de Maupu (2009), mais
aussi du projet Seine Métropole de Grumbach, la préservation de ces espaces
de creux pourrait garantir une facilité d’accès, pour tous les habitants, à des
espaces verts de proximité. Elle faciliterait également l’adhésion de la popula-
tion à un modèle de développement urbain prônant la compacité. Compacité
qui constitue un des dogmes de la ville durable d’aujourd’hui, et pour la-
quelle beaucoup d’efforts restent à faire à Marne-la-Vallée, étant donné que
cet espace d’une grande superficie est dans une large partie constitué de zo-
nes pavillonnaires à faible densité.
Le fait que ce territoire ne soit pas encore totalement aménagé — le pro-
jet de ville-nouvelle restant inachevé — lui confère une certaine flexibilité, fa-
vorable à une transition vers la ville durable. En effet, son inachèvement
permet d’expérimenter plus facilement que dans un territoire au patrimoine
et héritages anciens, comme c’est le cas du cœur de la ville de Paris. “Il s’agit
d’une ville nouvelle qui n’est pas encore terminée (…), à la croisée des che-
mins, à la fois ville nouvelle qui s’est largement développée, et à la fois il y a
encore beaucoup de choses à faire et donc d’opportunités pour arriver à tra-
vailler différemment” (Berteaud, 2009 ). Cependant, la logique de cet aména-
gement est bien de composer avec l’existant. En témoigne la volonté de
densifier les pôles autour des gares : il s’agit ici non pas de créer un laboratoire
d’expériences déconnectées de l’environnement urbain existant, mais de
construire la ville sur la ville.
Ainsi le cas de Marne-la-Vallée, outre la démonstration des limites de
l’urbanisme des villes nouvelles, nous invite à réfléchir à la place du vide
dans la ville et notamment des espaces verts et de nature. Aussi, elle impose
une réflexion sur l’inachèvement et la fabrication perpétuelle de la ville.
Marne-la-Vallée affiche aujourd’hui une forte volonté d’évolution vers un
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 215

modèle de ville plus durable. Des efforts ponctuels, comme les onze projets
de quartiers dits “durables”, pourraient contribuer à cet objectif.

“Eco-quartiers”, “écovillages” et “quartiers durables”2 : la micro-ville


durable en question?

Les quartiers dits durables sont aujourd’hui une des formes privilégiées de
l’action urbaine dans la perspective d’un développement durable. Ils posent
directement la question de la réutilisation de la ville existante et en particulier
des espaces délaissés ou en friche et questionnent aussi les modes de produc-
tion de la ville (quel acteur, pour quels objectifs, par quels outils et pour quels
résultats).
Aujourd’hui en France comme en Europe, nous trouvons des opéra-
tions qualifiées de “quartiers durables” ou d’“ écoquartiers “dans de nom-
breuses villes. Les acteurs semblent préférer travailler à l’échelle du quartier à
cause de son importance dans la vie urbaine, mais aussi parce qu’ils
s’approprient et appréhendent plus facilement le quartier que l’échelle ur-
baine. Les quartiers dits durables sont le plus souvent portés par des volontés
politiques fortes. Ils croisent de plus en plus des objectifs en matière de quali-
té environnementale avec des mesures qui visent un développement so-
cio-économique équilibré (renforcement des mixités sociale, fonctionnelle ou
intergénérationnelle, de l’emploi local,..). Derrière la dénomination” quartier
durable “nous retrouvons des projets et démarches multiples allant de pro-
jets construits visant la visibilité politique, des objets urbains fétiches, jusqu’à
des initiatives encourageantes qui accueillent des nouveaux modes de vie
plus” durables “. Ces derniers cas s’inspirent pour beaucoup des quartiers
nommés” écovillage “qui datent des années 1960. Est-ce que ces quartiers
permettent réellement de s’approcher de l’idéal de la ville durable? Sous
quelles conditions? Les dits” écovillages “auraient-ils des choses à nous en-
seigner sur le plan de la durabilité et son rapport à la morphologie?

La ZAC de Bonne : une volonté politique forte pour une image territoriale
“durable”

L’un des projets phares de quartiers durables français engagés par des pou-
voirs locaux est la ZAC de Bonne. Ce projet, financé par le programme euro-
péen d’exemplarité en matière de performance énergétique des bâtiments
“CONCERTO”, est aujourd’hui considéré par le MEEDDM comme le

2 A ce sujet : Manola T., Tribout S., Guilly-Castillo Y., Ardila A., 2008, “Les quartiers Dura-
bles en Europe : entre génie de l’environnement et développement urbain durable”,
Intervention au colloque Les défis du développement durable : une réflexion croisée entre Brésil
et France, Sao Paulo et Aguas de Sao Pedro - Brésil, 17-18-19 mars 2008, 27 p.
216 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

quartier durable le plus abouti en France. La fermeture de la caserne militaire


grenobloise a permis la libération de terrains de construction en plein centre
ville. La Ville de Grenoble, engagée depuis plusieurs années dans la mise en
place d’une stratégie de développement durable à travers une série d’actions
dans divers domaines (transports, espaces verts, action sociale,…) a saisi cet-
te opportunité foncière pour réaliser un projet innovant en matière de déve-
loppement durable, décrit comme “Un laboratoire d’écologie urbaine” (Kermen,
2009, p.52). C’est une occasion pour la municipalité de refaire la ville sur la
ville. La reconversion de la friche de 8,5 ha permet la composition de 850 loge-
ments (415 logements réhabilités et 435 logements neufs dont 35% de loge-
ments) adaptés aux familles avec enfants (R+7 maximum) et disposant de
jardins. Ce programme est complété par des équipements publics tels qu’une
école, un restaurant scolaire, une résidence pour étudiants (200 logements),
un établissement pour personnes âgées, des bureaux etc., ce qui démontre
une volonté d’allier mixité sociale et générationnelle. Une attention particu-
lière à été portée à l’énergie et à la gestion des ressources, à travers le choix des
matériaux, l’utilisation de la nappe phréatique et la recherche d’autres soluti-
ons que la climatisation pour rafraîchir bureaux et restaurants, l’installation
de 1000 m² de panneaux photovoltaïques, la bonne isolation des logements
(ventilés en double flux et alimentés par des microcentrales à cogénération de
chaleur et d’électricité). Si la problématique de la mobilité durable est moins
abordée dans le projet, c’est parce qu’elle est déjà intégrée à la politique de dé-
veloppement du système des transports en commun à l’échelle de
l’agglomération, échelle plus adaptée à la réflexion à la ville durable.
Le projet de la ZAC de Bonne démontre l’intérêt des “éco-quartiers”
comme des espaces d’expérimentation pour penser la ville durable, lors-
qu’ils sont inscrits dans une politique plus globale et qu’ils ne se transfor-
ment pas en “ghettos pour riches” (Emelianoff, 2009). En effet les limites
physiques de l’opération pourraient compromettre la réussite d’un projet
de quartier durable, si les modes de vie se heurtent avec ceux du reste de la
ville. Il est dans ce sens souhaitable d’inscrire ces projets de développement
durable dans les documents stratégiques : Agenda 21, Plan Climat, etc. Les
quartiers dits durables se multiplient en France dans des contextes urbains
de plus en plus variés (centre ville, périphérie, petites villes etc.). Cependant
des constantes demeurent, concernant les formes urbaines (habitat collectif
ou intermédiaire), les programmes (mixité fonctionnelle, sociale…), le be-
soin d’espace de récréation, etc. Mais est-il envisageable aujourd’hui que les
quartiers dits durables et les grands principes qu’ils prônent, notamment en
termes de mixité, d’équité, aboutissent sans qu’il y ait une intégration préa-
lable des besoins des futurs résidents dans les projets de construction de
leur cadre de vie? Quelle serait l’appropriation habitante d’un “quartier du-
rable” réalisé selon un processus “top down”, à travers une procédure de
projet marquée accessoirement par une concertation avec les habitants
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 217

après la définition du plan masse de l’opération? La question du passage du


quartier durable à la ville durable passe également par l’intégration des usa-
ges, pratiques, modes de vie des (futurs) habitants, en amont de chaque opé-
ration d’aménagement.

Des quartiers durables avant l’engouement pour le “développement durable”? Le cas


de Wilhelmina Gasthuis Terrein — Amsterdam — Pays-Bas

Certains des projets des quartiers dits durables illustrent la prise en compte
de ce fait. Le quartier Vauban à Fribourg (Allemagne), initié par les habitants
des locaux de l’ancienne caserne qui occupait le site auparavant, représente
un exemple de réalisation d’un projet participatif de développement durable.
Il s’inspire des dits “écovillages” : des initiatives locales d’élaboration de
quartiers dans des espaces urbains et le plus souvent périurbains basés sur
une communauté locale impliquée.
Wilhelmina Gasthuis Terrein à Amsterdam3 est un quartier de 12 ha
construit autour d’un ancien hôpital. Il a été réhabilité à l’initiative des popu-
lations habitant alors le quartier au début des années 1980. Issu d’une forte
mobilisation habitante, afin de lutter contre la démolition du Wilhelmina
Gasthuis Hospital, ce projet s’inscrit dans un parfait contraste avec les deux
précédents, puisqu’il s’agit d’un projet de renouvellement urbain défini et
mené en auto-gestion par ses habitants, en partenariat avec la ville. Le quarti-
er épouse d’un point de vue processuel (légitimation des savoirs vernaculai-
res) et substantiel (durabilité écologique, sociale et économique) les
réflexions menées dans le cadre de la politique de planification urbaine de la
ville d’Amsterdam. Les multiples interventions qui se sont succédées depuis
près d’une trentaine d’années selon la même ligne de conduite (participation
des habitants dans le processus de planification et de gestion, mise en œuvre
des études de faisabilité avec l’aide des groupes de travail locaux, établisse-
ment des arrangements financiers socialement “acceptables”, réhabilitation
écologique des bâtiments existants, mise en avant d’une volonté de promoti-
on des modes de déplacements doux automobiles, soutien des valeurs de so-
lidarité) révèle une approche du projet en tant que processus de construction
territoriale inscrit dans le temps long plutôt que comme une initiative

3 Ce cas est etudié dans le cadre du projet de recherche en cours : Faburel G. (resp scient.),
Manola T., Tribout S. (LAb’URBA-IUP-Paris Est) en collaboration avec Davodeau H., Ge-
isler E. (LAREP-ENSP Versailles), “Les quartiers durables : moyens de saisir la portée
opérationnelle et la faisabilité méthodologique du paysage multisensoriel?” dans le ca-
dre du Programme Interdisciplinaire de Recherche Ville et Environnement (PIRVE) du
CNRS, Financement : PUCA et CNRS (janv. 2009 — déc. 2010) et aussi dans le cadre de la
thèse en cours : Manola T., Paysage urbain multisensoriel comme médiation sensible : entre por-
tée opérationnelle et faisabilité méthodologique. L’épreuve par les quartiers durables, dir. P.
Ingallina et G. Faburel, Institut d’Urbanisme de Paris, Paris Est Créteil Val-de-Marne.
218 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

ponctuelle et achevée une fois les opérations réalisées. Bien que le projet initi-
al date du début des années 1980, et que depuis, de nouveaux immeubles ont
vu le jour de part et d’autre de l’ancien hôpital, la recherche constante de mi-
xité sociale, et fonctionnelle, mais également de cohabitation de morphologi-
es urbaines diverses (petites unités d’habitation, villas urbaines, pavillons
centraux), le soutien des activités culturelles et notamment artistiques mais
aussi de la petite industrie et de l’artisanat, ont permis au quartier de concen-
trer différentes fonctions et infrastructures urbaines et d’assurer le maintien
de la population (départs non motivés par la hausse de loyers notamment).
La réalisation des espaces publics, micro-localisés ou plus centraux, avec
l’implication des populations locales, a permis d’une part de créer des lieux
de sociabilité divers, mais également d’assurer leur appropriation par les ha-
bitants. Certes, il existe des pratiques écologiques sur ce site de recyclage ter-
ritorial, des pratiques qui ressemblent à celles utilisées dans le projet du
quartier dit durable de la ZAC de Bonne : un usage des matériaux aussi natu-
rels et locaux que possible et des énergies renouvelables (même si les installa-
tions sont vétustes), une gestion sélective des déchets ou encore un
éloignement des voitures... Toutefois, cet espace est avant tout un lieu où des
liens plus solidaires se tissent. L’idée de la construction d’un projet sociétal
est au fond de cette opération de réaménagement. Le projet collectif est porté
et clairement exprimé par une association locale, et accompagné par une
charte de valeurs communes. Les décisions de réaménagement se prennent
par les habitants, qui sont également gestionnaires du quartier. Les espaces
collectifs ponctuent une morphologie urbaine insérée dans le tissu alentour.
A travers ces cas d’études, nous avons pu voir comment se traduit l’idée
d’une ville durable à différentes échelles d’action, qu’il s’agisse du repérage
d’atouts structuraux d’une agglomération dans son ensemble, et des actions
pour renforcer ses héritages bénéfiques et contrer les tendances à une ville
diffuse; ou encore à une échelle plus fine d’utiliser les friches urbaines et la
création des quartiers dits “durables” pour agir sur la morphologie de la ville
existante. Mais une morphologie urbaine “durable” ne peut se réaliser sans la
participation des habitants, et l’exemple des quartiers durables, fondés sur
des valeurs collectives portées par les habitants, permet d’entrevoir une autre
manière d’agir. Car c’est surtout la gouvernance qui évolue à travers la ville
durable, et qui implique une autre manière de réaliser la ville et sa morpholo-
gie. Ainsi, il nous reste à comprendre comment ces idées de la ville durable
sont utilisées de manière prospective, notamment dans les documents de pla-
nification à l’échelle d’une agglomération urbaine. Car la mise en œuvre des
morphologies urbaines durables impose nécessairement une forme de gou-
vernance rénovée et adaptée aux nouveaux enjeux territoriaux. Cette mise en
action devrait s’accompagner d’un nouvel outil de planification et
d’aménagement du territoire, capable d’articuler dans le temps et l’espace
toute une série de démarches d’urbanisme et de projets urbains, et
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 219

incorporant des systèmes d’évaluation des politiques publiques et de choix


d’aménagement.

Perspectives (et prospectives) pour la ville durable et sa


morphologie

A travers plusieurs types d’expériences porteuses des enjeux du développe-


ment durable, nous avons vu l’importance de la réutilisation du tissu existant
par son adaptation aux évolutions de la ville. S’inscrivant dans des contextes
variés, à des échelles différentes, les cas traités mettent en évidence certaines
limites et interrogations. Une des questions essentielles est de savoir com-
ment articuler les différentes échelles spatiales, c’est-à-dire comment passer
de l’échelle du projet urbain à celle du projet de territoire. Cela suppose de re-
penser, au sein des démarches de planification territoriale, la coordination
des acteurs ainsi que les outils de mise en œuvre du projet spatial: une nou-
velle forme de gouvernance, capable de prendre en considération les relati-
ons entre les acteurs, est alors condition sine qua non pour l’aboutissement de
ce changement du référentiel d’action. Par ailleurs, ce nouveau paradigme
suppose d’articuler les échelles temporelles, c’est-à-dire de pouvoir articuler
la mise en place des projets ponctuels en fonction des priorités, tout en se ré-
servant la possibilité de les changer. Afin de répondre aux enjeux du dévelop-
pement durable, nous interrogerons les pratiques de planification territoriale
à travers les idées de flexibilité, d’adaptabilité et de gouvernance.

Pour une ville flexible et adaptable, ou la place de la gouvernance dans


le projet de la ville durable.

Comme on l’a vu précédemment, la morphologie urbaine est fonction du con-


texte (économique, social, énergétique, etc.) qui évolue et fluctue dans le
temps. Cette instabilité amène certains auteurs, dont François Ascher, à réflé-
chir sur les degrés d’adaptation de la ville aux changements. Il y a déjà quinze
ans, cet auteur souhaitait une ville qui puisse s’adapter aux fluctuations éco-
nomiques, aux nouvelles conditions techniques et sociales. Autrement dit, il
souhaitait une ville flexible, réutilisable, transformable. S’il nous est impossi-
ble de prédire le futur et d’anticiper les conséquences des décisions et actions,
comment cette exigence peut-elle se traduire concrètement?
Au-delà de la nécessité de produire des scenarii et des évaluations pour
anticiper les changements, nous pouvons simplement mettre en évidence
que toutes les morphologies n’offrent pas les mêmes potentialités
d’adaptation. Généralement, cette différence est strictement liée à la localisa-
tion spatiale et au degré d’adaptabilité de chaque morphologie à un nouveau
contexte. Par exemple, les quartiers haussmanniens, en étant des espaces
multi-fonctionnels et multi-sociaux, donnent l’impression de mieux
220 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

s’adapter aux changements que des espaces monofonctionnels comme les


grands ensembles. Toutefois, ce sont moins les caractéristiques propres à cha-
que morphologie urbaine qui influencent les degrés d’adaptation, que les for-
mes de gouvernance porteuses du projet et leurs dispositifs d’action. Le cas
de l’IBA Emscher Park nous le montre, à travers une expérience originale de
“recyclage territorial”. Il s’agissait de redonner un second souffle à un territo-
ire monofonctionnel, qui a axé son développement socio-économique autour
de l’industrie sidérurgique. Le secret de cette réussite est l’autorité de l’IBA.
Cet organisme, né de l’initiative des autorités du Land de Rhénanie du
Nord-Wesphalie et de Karl Ganser, est porteur de l’action de l’État fédéré dé-
concentré à l’échelle locale et se place en intermédiaire entre le Land et les
communes. Soutenue par un engagement politique fort du gouvernement du
Land, l’IBA est une SARL ayant comme objectif de mettre à disposition des
acteurs locaux privés et publics une compétence en matière d’animation et de
coordination des projets. Il apporte également des exigences de qualité au
sein de chaque projet. Ces caractéristiques donnent à cette forme
d’intervention de l’État une légitimité indiscutable. Si la finalité économique
et sociale est inscrite dans les objectifs et présente dans les résultats, la straté-
gie de l’IBA repose sur la promotion de la démarche de projet, à tous les nive-
aux : il s’agit, à l’échelle de la vallée de l’Emscher, d’un grand projet de
reconstruction d’un paysage qui cordonne une multitude de projets, à
l’initiative des villes, des associations ou des sociétés de construction dont
l’IBA assure la coordination mais aussi la médiatisation. Par ailleurs, ce rése-
au d’acteurs se complète : par l’existence d’une société immobilière et
d’aménagement de droit privé (LEG), dont le Land détient la majorité du ca-
pital; par un syndicat intercommunal qui associe les 17 villes de la vallée de
l’Emscher (KVR); par un Fond foncier régional (Grundstücksfond), financé à
50% par des subventions européennes, 10% par le Land, et 40% par la vente
de terrains viabilisés; enfin, par le comité de direction de l’IBA, ayant la fonc-
tion de veiller au bon fonctionnement de la structure et de la démarche de
projet proposé, ainsi que de choisir les projets qui seront soutenus financière-
ment. Ce comité est composé par le président de l’IBA, de représentants du
Land, des villes, du monde économique, des syndicats, des architectes et des
associations.
Cet exemple montre clairement que le succès de cette expérience réside
dans la création d’une nouvelle autorité porteuse d’une nouvelle forme de
gouvernance territoriale. En court-circuitant en partie le système de réseaux
politiques traditionnels, l’IBA a assuré la mise en place d’une coopération à
long terme à la fois entre plusieurs niveaux de l’administration allemande et
plusieurs représentants de la société civile. Ainsi, l’articulation des projets
ponctuels à l’échelle locale, avec une vision stratégique à l’échelle territoriale,
et la fédération de différents représentants de la société civile, sont les facte-
urs qui constituent les fondements d’une nouvelle manière de penser
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 221

l’aménagement du territoire et donc les morphologies urbaines. C’est à tra-


vers cette démarche que de nouvelles morphologies urbaines, soucieuses de
répondre aux enjeux du développement durable, pourraient être conçues.
Néanmoins, si d’un coté cette expérience innovante a montré que c’est seule-
ment à travers la mise en place d’une nouvelle forme de gouvernance qu’il est
possible de concevoir un projet de territoire multiscalaire et concerté, de
l’autre elle a montré que ce type de projet n’est pas du tout compatible avec
les logiques classiques de la planification territoriale, notamment avec
l’emboitement des échelles typique des documents d’urbanisme. La création
d’un organisme ex-nihilo est alors la condition sine qua non pour la réussite
du projet. Face à ce constat, de quelle façon les documents d’urbanisme pour-
raient intégrer à la fois les démarches de projet, les dispositifs de concertation
et l’articulation entre les échelles d’espace et de temps? Ou autrement dit,
comment les documents d’urbanisme pourraient s’adapter aux enjeux du dé-
veloppement durable?

Pour une nouvelle planification, pluraliste et adaptable.

L’un des enjeux nouveaux auxquels la planification territoriale doit faire face
pour répondre activement aux impératifs environnementaux est de mettre en
place des partenariats entre territoires et acteurs institutionnels, ainsi
qu’entre projets ponctuels et stratégie globale. Mais, dans un cadre marqué
par un emboitement des territoires, ayant chacun une dynamique, une identi-
té et une gouvernance propres, comment cette planification pourrait-elle ex-
primer une vision acceptée par tous, au moyen et long terme, alors que
l’intérêt général est lui-même revendiqué par de nombreux acteurs aux inté-
rêts divergents? Comment cette vision pourrait-elle garantir la cohérence du
développement urbain?
En Île-de-France, cette priorité demeure fondamentale : le territoire mé-
tropolitain est composé par 1281 municipalités (dont le maire est responsable
de l’urbanisme), une centaine d’intercommunalités (dont le président est gé-
néralement responsable de la planification), mais aussi huit départements
(dont les politiques ont un impact sur le territoire). La planification renvoie
dès lors nécessairement à la gouvernance. Une stratégie métropolitaine effi-
cace repose nécessairement sur une “autorité collective” où chacun doit trou-
ver sa place : il s’agit alors de concevoir une occasion de s’exprimer dans un
processus transparent qui permettrait de partager les priorités entre les acte-
urs. Dans ce contexte, le parti d’aménagement, traduisant la vision descen-
dante d’une légitimité qui s’impose, laisse place à un projet spatial plus
négocié, lui-même porteur de cohérence de politiques sectorielles. La planifi-
cation glisse nettement vers une démarche plus collaborative, plus flexible,
garante d’une mise en œuvre mieux respectée. La planification change, elle
doit devenir intégratrice, vecteur de cohérence territoriale face à des
222 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

initiatives locales dispersées. Tout d’abord, il s’agit d’intégrer les échelles de


temps et d’espace. Cela revient à permettre de construire un horizon tempo-
rel lointain, à partir d’actions de court ou moyen terme. L’Île-de-France, à ce
titre, a la double chance d’avoir une institution régionale couvrant la métro-
pole “fonctionnelle” et de disposer d’un document de planification comme le
SDRIF, pour répondre activement aux enjeux territoriaux de moyen ou long
terme. Ceci ne doit cependant pas laisser de côté l’échelle plus vaste du Bassin
parisien, qui pose elle même une série de problématiques (lutte contre
l’étalement urbain, stratégie économique, mobilité…) ne pouvant être trai-
tées que dans une coopération renforcée entre régions voisines (à travers la
conférence de leurs présidents, dite “C8”) et avec l’État, mais sans cadre ré-
glementairement formalisé. Ensuite, il s’agit également d’intégrer les répon-
ses aux enjeux sectoriels, qu’on ne peut plus traiter séparément : on peut agir
sur l’usage de l’automobile par les choix de localisation et de formes de la cro-
issance urbaine, mais l’évolution du coût de l’énergie ou les changements de
comportement, beaucoup moins maîtrisables par la planification, ont un im-
pact parfois très supérieur. Planification, programmation et territorialisation
des politiques publiques doivent donc aller de pair. Enfin, face aux incertitu-
des et aux bouleversements, la première réponse efficace est de proposer une
planification d’un coté adaptable et de l’autre solide, tout en évitant un cadre
excessivement rigide et fixe pour la planification. Un juste équilibre est à
trouver pour maintenir une des valeurs ajoutées de la planification, à savoir
offrir une expression collective et transparente des lignes directrices du déve-
loppement territorial à un horizon temporel éloigné. Le suivi et l’évaluation
accompagnant la planification deviennent alors des fonctions centrales du
dispositif. La planification ne peut plus être gravée dans le marbre jusqu’au
terme qu’elle se fixe. Il faut accepter qu’elle se modifie, qu’elle soit flexible,
sans toutefois en remettre en cause les fondamentaux.
En conclusion, la planification doit répondre à de nouveaux enjeux, à
des nouveaux contextes de gouvernance et à une plus grande intégration des
échelles territoriales et des politiques sectorielles : elle doit se combiner avec
l’amont (la stratégie, le projet politique) et avec l’aval (la mise en œuvre, le sui-
vi et l’évaluation), dans un processus continu d’adaptation, en concertation
permanente avec de multiples acteurs. Dans ce contexte, la démarche de con-
ception du SDRIF s’est relevée très innovante : elle a non seulement installé
un débat politique de fond sur l’avenir de l’Île-de-France, mais elle a aussi fait
“bouger les lignes” de la gouvernance, en renouvelant la méthode de concer-
tation (conférences citoyennes, forums, ateliers, enquête auprès de 11,5 milli-
ons d’habitants…), de conception, et les outils de mise en œuvre du projet
spatial ( plan de mobilisation pour les transports et l’appel à projet pour
l’émergence de nouveaux quartiers urbains). Cette démarche a montré que
les stratégies d’aménagement, la planification, la programmation et les mo-
des de réalisation doivent être réfléchis de pair et que les interrelations, les
QUELLE(S) MORPHOLOGIE(S) URBAINE(S) POUR LA VILLE DURABLE? 223

imbrications, les intégrations entre problématiques métropolitaines doivent


se combiner entre elles mais aussi en rapport avec les échelles temporelles et
spatiales, afin de donner une nouvelles dimension transversale à la planifica-
tion spatiale. C’est à travers ce type d’outil de planification et
d’aménagement de l’espace, ayant une vision systématique des enjeux urba-
ins et territoriaux à l’échelle de l’agglomération urbaine, que des morpholo-
gies urbaines durables pourront être proposées.

Bibliographie

Ouvrages

Ascher François (1995), Metapolis ou l’avenir des villes, Odile Jacob, 354 p.
CERTU (2000), La forme des villes, Caractériser l’étalement urbain et réfléchir à de
nouvelles modalités d’action, Lyon, 178 p.
Charmes Eric, Taoufik Souami (2009), Villes rêvées, villes durables?, Gallimard.
Clerc Denis, Chalon Claude, Magnin Gérard, Vouillot Hervé (2008), Pour un nouvel
urbanisme, la ville au cœur du développement durable, Editions Yves Michel,
157 p.
Cuillier Francis (dir.) (2008), Fabriquer la ville aujourd’hui, Les débats sur la ville 7,
Editions Confluences, 187 p.
D’Erm Pascale (2009), Vivre ensemble autrement : écovillages, écoquartiers, habitat
groupé, ed. Les nouvelles utopies, 144 p.
Eleb-Harlé Nicole, Barles Sabine (dir.) (2005), Hydrologie et Paysages urbains en
ville nouvelles, Rapport final pour le Ministère de l’Equipement,
Laboratoires IPRAUS et TMU -UMR 7136
Emelianoff Cyria, Peuportier Bruno et al. (2008), Imaginer une ville durable, Les
carnets de l’Université populaire de l’Eau et du Développement durable,
Conseil général du Val-de-Marne.
Exposition internationale d’architecture et d’urbanisme Emscher-Park. Laboratoire pour le
futur des anciennes régions industrielles, Institut d’Aménagement et
d’Urbanisme de la région Ile-de-France, janvier 2010, http://www.iaurif.org/
Fischer Gustave-Nicolas (1990), Les Domaines de la psychologie sociale. Le champ du
social, Dunod, Paris, 278 p.
L’IBA Emscher Park. Une démarche innovante de réhabilitation industrielle et urbaine,
Agence d’urbanisme pour le développement de l’agglomération lyonnaise,
recherche et prospective 2008, www.urbalyon.org
Luginbühl Yves, La demande sociale de paysage, rapport pour le Conseil national du
paysage, 28 mai 2001. www.ecologie.gouv.fr/IMG/pdf/20010528_2.pdf
Maupu Jean-Louis (2006), La ville creuse pour un urbanisme durable, nouvel
agencement des circulations et des lieux, l’Harmattan.
Orfeuil Jean-Pierre (2008), Une approche laïque de la mobilité, Descartes et Cie, coll.
les urbanités.
224 RECOMPOSING THE URBAN FABRIC

Vanier Martin (2008), Le pouvoir des territoires — Essai sur l’interterritorialité,


Economica, coll. Anthropos, 160 p.
Wiel Marc (2007), Pour planifier les villes autrement, l’Harmattan, 244 p.
Schéma directeur de la région Ile-de-France. Le résumé (2008), Conseil Régional
d’Ile-de-France, 32 p.
Si l’Ile-de-France 2030 m’était contée. Futurs possibles (2009), Conseil Régional
d’Ile-de-France, 72 p.
Institut d’Aménagement et d’Urbanisme de l’Ile-de-France (2009), Stratégies
métropolitaines, Les Cahiers de l’IAU n°151, juin 2009.

Mémoires et colloques

Valck Q. (2009), Les indicateurs de développement durable: un outillage au


service d’un aménagement durable performant? La construction d’un
référentiel de développement durable à Epamarne-Epafrance
Beaucire Francis, 6 janvier 2006, Ville compacte, ville diffuse, Conférence de
l’Université de tous les savoirs, disponible sur www.canal-u.fr
Colloque “Les grands territoires à l’épreuve de la mobilité durable”, octobre 2009,
IPRAUS et ENSAPB.
Colloque “Ile-de-France 2030, la métropole relève les défis”, octobre 2009, Région Ile-de-France

Articles

Allain Rémy (2005), Par delà le bien et le mal, l’évaluation de la ville compacte, 14 p.,
consultable sur :
http://www.unil.ch/webdav/site/ouvdd/shared/Colloque%202005/Communic
ations/C)%20Mise%20en%20oeuvre/C3/R.%20Allain.pdf.
Emellanoff Cyria (2009), “A quoi servent les éco-quartiers?” in Alternatives
Economiques, Hors-série, La ville autrement, p. 85-87.
Ferrier Jacques (2009), “Peut-on faire des éco-tours” in Alternatives Economiques,
Hors-série, La ville autrement, p.102- 105.
Fouchier Vincent (2009), “Le pavillon n’est pas le rêve de tous” in Alternatives
Economiques, Hors-série, La ville autrement, p. 23-25.
Kermen Pierre (2009), “Gérer la ville durable” in Alternatives Economiques,
Hors-série, La ville autrement, p. 52-54.
Kroll Lucien (2009), “Quelles place pour la nature en ville” in Alternatives
Economiques, Hors-série, La ville autrement, p. 106-108.
Pan Ké Shon Jean-Louis (2005), La représentation des habitants de leur quartier : entre
bien-être et repli, in Economie et Statistique n° 386, p. 3-35.
Paquot Thierry (2009), “Des tour pour quoi faire?” in Alternatives Economiques,
Hors-série, La ville autrement, p. 99-102.
Peissel Gilles (2009), “Des outils pour changer la ville” in Alternatives Economiques,
Hors-série, La ville autrement, p.47-51

View publication stats

You might also like