Domingo
domingo, 1 de agosto de 2021
23:22
Sentado na praia, sentia o peso de toda a melancolia de uma tarde de domingo. De vazios que ocupam espaço demais. A meia distância, num pequeno barco, um homem cantava sobre a dor e a perda. Ouvindo-o me perdi em elucubrações; havia mais verdade em sua melodia do que nos milhares de sermões que ecoavam nos templos naquele dia.
A música tem o poder de destrancar portas e subir cortinas, leva a lugares olvidados, pode ser suave e gentil como a brisa de uma manhã de outono ou ter a crueza dolorosa de um soco no estomago.
Nos levam por trilhas de momentos cheios de vida e também pesar. Encontramos memorias nas quais nos desconhecemos, porque já não somos os mesmos. Cada perda, cada partida costuma deixar fissuras, e algumas nos estilhaçam, e quando reorganizamos os fragmentos em algo parecido ao que éramos, ou acreditávamos ser, resulta num encaixe imperfeito. Quem parte sempre leva consigo uma parte de nós, e sem essa parte somos já outra coisa.
Esse cansaço...sinto como se tivesse cem mil séculos, comprimido, preso em mim mesmo.
Queria diluir-me neste mar dourado de fim de tarde, converter-me em qualquer coisa que a melancolia não corroa.
E transborda a ânsia das coisas que desejo, ou antes, preciso; amor, amizade, acolhimento, compreensão, aventura.
Alguns encontrarão muitas destas coisas ao longo da vida. Os mais afortunados encontrarão todas, desde cedo. Os verdadeiramente afortunados as terão em abundancia e muitas vezes em uma única pessoa. Outros jamais as terão, os realmente desgraçados as terão uma vez, e depois terão de viver tendo as perdido.
Quanto a mim, nunca é clara a linha entre o que senti e o que imaginei que sentia...
Erich Gerhardt