domingo, 20 de abril de 2025

dos silêncios cúmplices

do que resta


felicidade e prosperidade 
palavras volúveis
ecos na penumbra do quotidiano
extintos com o brilho dos fogos de artifício

restam os gestos
ao fim da tarde
o pão partilhado
as palavras livres
as mãos que afagam
cumplicidades

resta a luz que alimenta
a esperança
o olhar que anima
não pede desculpa
não diz obrigado
nem cansa

resta a esperança
a renascer dia após dia
na perene luta
pela humanidade
perdida na Palestina
dos silêncios cúmplices

Ponta Delgada, 6 de janeiro de 2025

quarta-feira, 16 de abril de 2025

com os pés na terra e os olhos no mundo

    O centenário do nascimento do professor e escritor Dias de Melo tem sido e vai continuar a ser lembrado e celebrado. A calendarização das celebrações, ou parte dela, é do conhecimento público e está ao alcance de todos os que desejem participar. 

    Em véspera do dia do centenário do seu nascimento, 8 de abril, li numa página de uma popular rede social de um dos seus amigos e camaradas, o Eng. Mário Abrantes, um pequeno texto em jeito de homenagem que é assim como uma espécie de retrato falado de Dias de Melo. Transcrevo esse pequeno texto pois, quem conheceu o homem e o escritor, estou certo, concordará com o que Mário Abrantes sobre ele disse.

    “Não era um modelo de simpatia, mas era um modelo de sinceridade; De poucas palavras e muitas pausas, mas deslizava pela escrita sem hesitar; De muitas dúvidas e poucas certezas, mas sempre com a certeza do lado da vida em que se situava; Não se considerava dono do saber, mas ensinava tudo o que aprendia; Não se achava o centro do mundo, mas sentia-o e vivia-o de corpo inteiro;

    Foi um privilégio e uma honra conhecê-lo e trabalhar com ele...”

    E assim era o homem que eu conheci e com quem tive a honra de privar já nos anos 2000. 

    Dias de Melo é uma figura incontornável da literatura portuguesa. No ano em que se assinala o centenário do seu nascimento, é um dever de memória que o seu nome e a sua obra sejam objeto de celebração, sobretudo, por quem com ele partilha(va) uma certa visão do mundo e da sua transformação libertando, como ele próprio dizia, os povos da canga da servidão.

do arquivo da Ana Loura

Esta sua visão do mundo e o seu posicionamento político tinha raízes diversas, mas terá sido através do exemplo do seu pai e das histórias que lhe ouviu contar, do tempo em que esteve emigrado na Califórnia, que Dias de Melo foi consolidando as suas opções cívicas e políticas.

Numa longa entrevista concedida a Vamberto Freitas publicada no Imaginário dos Escritores Açorianos, intitulada A Educação de um Escritor: Dias de Melo, afirma-o de forma clara e inequívoca e passo a citar, a pergunta de Vamberto Freitas e um excerto da resposta de Dias de Melo:

“Vamberto Freitas – A sua visita à América em 1988 foi, tal como você viria a escrever, emocionante. Acho isso uma reacção muito interessante para um europeu de “esquerda”. Quase todos os europeus de semelhante opção política tendem a olhar os EUA com certa reserva, quando não desdém. Quer falar dessa sua experiência? Com que ideia ficou deste país?

    Dias de Melo – Confirmo: sou um homem de esquerda e como tal, sem aspas nem reticências, me assumo. O que você não sabe, com certeza, é que me firmei definitivamente na minha opção de esquerda quando, já homem, meu pai me falou das grandes lutas operárias desencadeadas pelos sindicatos – as uniões, como na América lhes chamam – precisamente na Califórnia. Lutas por reivindicações várias, entre elas, duas principais: o dia, não me recordo se já das oito se ainda das dez horas de trabalho, e os salários. Em tais lutas, tomou ele parte bastante responsável. Chegou a ser chefe de piquete de greve.  (…) “

    Dias de Melo é um dos escritores açorianos com maior projeção regional e nacional, a sua escrita assume caraterísticas singulares na literatura portuguesa da segunda metade do século XX, e, na sua vasta obra, 27 títulos publicados, encontramos romance, conto, poesia, crónica, relato de viagem e recolha etnográfica.

    Vamberto Freitas escreveu sobre alguns títulos da obra de Dias de Melo e reconhece ao autor, que nunca viveu fora do seu país, uma grande sensibilidade e conhecimento sobre o fenómeno migratório açoriano, desde logo em Pedras Negras, que não é apenas um romance sobre a baleação, mas também em Das Velas de Lona às Asas de Alumínio, a esse propósito diz Vamberto Freitas, em A Ilha em Frente – textos do cerco e da fuga, edições Salamandra, 1999 : “(…) Só Dias de Melo, muito antes de visitar a América, mas como resultado de saber escutar um pai que por cá tinha vivido de corpo inteiro, atento a tudo o que o rodeava, conseguiu transmitir um pouco da verdade dessa aventura na América no seu romance Pedras Negras, e mais tarde no livro de viagens Das Velas de Lona às Asas de Alumínio. (…)”

    Dos títulos publicados destacam-se os livros que integram o que J. H. Santos Barros, em 1977, numa recensão a Mar Pela Proa, designou: O Ciclo da Baleia, - Mar Rubro, 1958; Pedras Negras, 1964, e Mar Pela Proa, 1976; mas que Dias de Melo considerava, para que o ciclo se completasse, se lhe deveriam juntar Toadas do Mar e da Terra, poesia e o seu primeiro livro, bem assim como o trabalho futuro que já tinha planeado e que veio a ser concretizado na obra Na Memória das Gentes, como nos dá conta Urbano Bettencourt num dos vários ensaios que publicou sobre Dias de Melo. Independentemente do debate em torno dessa questão, importa referenciar que a obra de Dias de Melo é muito mais vasta do que os títulos já referidos, embora, tenham sido os livros do chamado O Ciclo da Baleia que lhe deram projeção nacional e internacional. Pedras Negras foi traduzido para inglês e japonês e teve, à semelhança de Mar Pela Proa 4 edições, tendo as crónicas romanceadas Mar Rubro, Baleeiros do Pico, 3 edições. A Imprensa Nacional, reuniu, numa edição de 2024, coordenada por Luís Fagundes Duarte, os três títulos de O Ciclo da Baleia e sobre a qual, na nota editorial o coordenador desta edição diz:  “(…) Pretende-se com esta edição conjunta, em boa hora assumida pela Imprensa Nacional, resgatar Dias de Melo da etiqueta simpática mas redutora de «escritor açoriano» - que o é por natureza e essência -, o inscrever no vasto cânone da literatura portuguesa a que, com as suas caraterísticas próprias, resultantes das circunstâncias em que viveu e escreveu deve pertencer.” (…).

    Urbano Bettencourt, também ele um picoense, tem vários ensaios publicados sobre Dias de Melo que se constituem como um significante contributo para conhecer melhor a obra e o homem. No texto Das Pedras Negras ao Negro da Montanha, em Sala de Espelhos, Urbano conduz-nos por alguns dos livros e analisa aquele que foi um percurso literário diverso, terminando com uma narrativa/romance sobre a Montanha… que deu nome às Pedras Negras.

    A escrita de Dias de Melo, desde sempre, foi um ato de comprometimento, de denúncia e de luta. Dias de Melo foi um escritor militante que tomou sempre o lado dos injustiçados, dos explorados, aspeto em que também os ensaístas e investigadores convergem nas suas apreciações.

A fundação da Associação Cultural Académica (Horta, 1944) e da cooperativa Sextante (1970), em S. Miguel e a sua participação regular em títulos da imprensa (regional e nacional), confirmam o seu compromisso social e político assumindo, em pleno, o seu dever de cidadão empenhado na luta pela liberdade, pela democracia e por um mundo melhor.

Hoje, ao lermos Dias de Melo, reencontramos não só um cronista e romancista da baleação ou um contador de histórias do Atlântico ao Pacífico, mas um homem que nunca separou a literatura da vida. A sua escrita — feita de palavras nascidas do povo e para o povo — continua a lembrar-nos que a literatura pode ser um gesto de resistência, uma memória viva e um ato de pertença como, ainda hoje ecoa nos debates sobre migração, desigualdade ou a identidade açoriana. A melhor homenagem que lhe podemos fazer será, como diz, Urbano Bettencourt: “Pôr a circular a obra de Dias de Melo, trazê-la ao espaço público, colocá-la sob o olhar dos (potenciais) leitores será sempre o modo mais eficaz de homenagear o autor e evitar que se lhe perca o rasto na avalanche dos dias.” 

Ponta Delgada, 15 de abril de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 16 de abril de 2025

da obra de Dias de Melo


Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.


(...) Dos títulos publicados destacam-se os livros que integram o que J. H. Santos Barros, em 1977, numa recensão a Mar Pela Proa, designou: O Ciclo da Baleia, - Mar Rubro, 1958; Pedras Negras, 1964, e Mar Pela Proa, 1976; mas que Dias de Melo considerava, para que o ciclo se completasse, se lhe deveriam juntar Toadas do Mar e da Terra, poesia e o seu primeiro livro, bem assim como o trabalho futuro que já tinha planeado e que veio a ser concretizado na obra Na Memória das Gentes, como nos dá conta Urbano Bettencourt num dos vários ensaios que publicou sobre Dias de Melo. Independentemente do debate em torno dessa questão, importa referenciar que a obra de Dias de Melo é muito mais vasta do que os títulos já referidos, embora, tenham sido os livros do chamado O Ciclo da Baleia que lhe deram projeção nacional e internacional. Pedras Negras foi traduzido para inglês e japonês e teve, à semelhança de Mar Pela Proa 4 edições, tendo as crónicas romanceadas Mar Rubro, Baleeiros do Pico, 3 edições. A Imprensa Nacional, reuniu, numa edição de 2024, coordenada por Luís Fagundes Duarte, os três títulos de O Ciclo da Baleia e sobre a qual, na nota editorial o coordenador desta edição diz:  “(…) Pretende-se com esta edição conjunta, em boa hora assumida pela Imprensa Nacional, resgatar Dias de Melo da etiqueta simpática mas redutora de «escritor açoriano» - que o é por natureza e essência -, o inscrever no vasto cânone da literatura portuguesa a que, com as suas caraterísticas próprias, resultantes das circunstâncias em que viveu e escreveu deve pertencer.” (…).

quarta-feira, 9 de abril de 2025

de Dias de Melo

Excerto da nota de abertura ao livro Mar Pela Proa, de Dias de Melo.


(...) Por eles - e para eles – foi o que escrevi. Pelo muito que sofrem e lutam. Pelo muito que sonham e esperam. Pelo muito que se negam a deixar-se vencer pelo sofrimento e pela injustiça e continuam esperando, certos de que, apesar de tudo e para além de tudo, dia virá em que as estrelas baixarão do Céu à Terra – às mãos, aos olhos, aos lábios, às almas de todos os homens – e para todos os homens haverá então na Terra a Paz, a Alegria, a Abundância, a Felicidade, a Liberdade, pelas quais, milénio após milénio, as multidões dos deserdados derramaram o sangue e sacrificaram a vida. Com eles. Com os homens todos – os autênticos homens – de todos os tempos.


Dias de Melo, Calheta de Nesquim, Alto da Rocha do canto da Baía, 23 de Agosto de 1973 


terça-feira, 8 de abril de 2025

pelo centenário de Dias de Melo

Dias de Melo por Tomaz Borba Vieira (1972)

Fragmento de um texto a ser publicado na imprensa e que visa assinalar o centenário do nascimento de Dias de Melo. 


Hoje, ao relermos Dias de Melo, reencontramos não só um cronista e romancista da baleação ou um contador de histórias do Atlântico, mas um homem que nunca separou a literatura da vida. A sua escrita — feita de palavras nascidas do povo e para o povo — continua a lembrar-nos que a literatura pode ser um gesto de resistência, uma memória viva e um ato de pertença. A melhor homenagem será continuar a lê-lo. Ou como diz Urbano Bettencourt: “Pôr a circular a obra de Dias de Melo, trazê-la ao espaço público, colocá-la sob o olhar dos (potenciais) leitores será sempre o modo mais eficaz de homenagear o autor e evitar que se lhe perca o rasto na avalanche dos dias.” 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

a força imagética da palavra poética – Infinito sem Nome, Carlos Enes.

foto de Paulo R. Cabral
    Carlos Enes é um terceirense da Vila Nova, um açoriano da Terceira, um português dos Açores, mas Carlos Enes é, sobretudo, um cidadão do Mundo que não deixa o tempo e a vida passarem-lhe ao lado. Foi professor do ensino secundário e superior e continua a ser um ativista social, cultural e político.

A sua vasta obra publicada traduz um espírito atento e irrequieto, mas também a diversidade dos seus interesses, de onde resultaram obras em áreas tão diversas como a historiografia - colaboração na Enciclopédia Açoriana e na História dos Açores, e a publicação do livro Temas da História Açoriana -, na etnografia insular - Carnaval e as Festas do Espírito Santo, na ilha Terceira -, mas também da escrita fora dos cânones literários como seja o seu livro A Galope Numa Noite de Búzios, ou dentro do cânone pois, não sou muito dado a catalogar a forma como os autores utilizam e organizam as palavras. Há uma outra obra que gostaria de referenciar antes de referir as incursões do Carlos Enes na ficção e na poesia, e anteriores a este Infinito Sem Nome.

Trata-se da obra A Oposição Democrática em Ponta Delgada - Das eleições de 1969 à Cooperativa Sextante, onde Carlos Enes com o rigor do historiador, ainda que comprometido, grafou um importante período da história política e cultural dos Açores que permite aos leitores conhecerem alguns episódios e personalidades que, na Região, lutaram contra o fascismo português. Esta obra à semelhança do já referenciados livros A Galope Numa Noite de Búzios e Temas da História Açoriana foram editados com a chancela da Letras Lavadas. 

foto de Paulo R. Cabral

    Carlos Enes tem explorado outros territórios literários, como a ficção, no romance A Terra do Bravo, e na poesia, em Cicatriz de Chuva. Agora, regressa ao universo poético com Infinito Sem Nome.

    A capa merece, desde logo, uma apreciação pois é, diria, o primeiro contato que temos com o objeto literário. A composição gráfica utilizada e o título podem aproximar ou afastar, potenciais leitores e, por essa e outras razões deve ser devidamente considerada pelos autores e editores. Neste caso e no que diz respeito à imagem - uma colagem de recortes fotográficos, criada pelo autor -, muito se poderá dizer, mas eu ficar-me-ei apenas por alguns apontamentos mais ou menos subjetivos, que ouso a partilhar com os leitores.

- Em virtude da fragmentação de um corpo humano composto por elementos que dele não fazem parte e da sua própria assimetria, esta imagem convoca sentimentos de estranheza e até desconforto, poderá ser entendida como uma crítica à padronização dos corpos, por outro lado o uso de partes do corpo humano e a sua fusão com elementos naturais e artificiais podem induzir à reflexão sobre a relação do corpo com a natureza;

-  A mistura entre estes elementos cria um corpo que parece ao mesmo tempo orgânico e artificial, como se estivesse num estado de mutação ou adaptação. Os galhos secos que substituem os membros inferiores sugerem raízes, crescimento ou até mesmo fragilidade, enquanto os pés desiguais podem remeter à instabilidade ou a uma caminhada desigual pelo mundo.

- A imagem sugere, ou pode sugerir, que a comunicação não se limita à fala ou aos gestos convencionais, mas pode emergir de formas não lineares, simbólicas e até desconfortáveis. A boca entrelaçada ao cabelo pode representar uma expressão através da memória, da cultura ou da ancestralidade.

Por fim, no que concerne à imagem da capa, e por se tratar de um livro de poesia direi que a imagem poderá ainda significar que: - A forma poética que o autor utiliza não necessita, nem tem obrigação, de seguir padrões literários e líricos, sendo que esta é uma premissa que julgo ser comum a todos os poetas.

foto de Paulo R. Cabral

    Quanto ao título diria que, Infinito Sem Nome sugere um antagonismo poético estimulante. O infinito, por definição, escapa aos limites e classificações, mas ao qualificá-lo como sem nome, o título reforça a ideia de algo inatingível, impossível de definir, uma vastidão de silêncios, ou seja, de interioridade que o poeta ousa partilhar.

    A ausência de nome neste infinito pode remeter àquilo que existe antes ou além da linguagem, ao indizível que a poesia tenta capturar sem nunca se deixar aprisionar. Há uma musicalidade e uma leveza no título, mas também um certo mistério, como se o autor convidasse o leitor a explorar um território de liberdade sem limites.

    Sobre a poesia de Carlos Enes já muito foi dito, mormente, pelo Vítor Rui Dores e pelo Acácio Pinto, o que me deixa pouco espaço para tecer algumas considerações sem papaguear algumas apreciações já feitas ou ser tentado a dizer o óbvio, daí ter recorrido ao objeto gráfico,  em particular à imagem da capa, e ao título deste belo poemário que o autor, em boa hora, decidiu partilhar connosco.

Mas vamos aos poemas. Carlos Enes apresenta, em Infinito Sem Nome, uma poesia visceralmente táctil, marcada por imagens evocativas, onde o universo natural e as emoções se enlaçam. O autor transita entre a contemplação do efémero e a busca pelo essencial, traduzindo as suas inquietudes em imagens poéticas.

foto de Paulo R. Cabral
    A poesia de Carlos Enes navega entre a nostalgia e o desejo como se cada poema fosse uma tentativa de resgate do passado com o futuro presente.

    O mar, o vento, a luz e os ciclos naturais são uma presença constante, ocasionalmente como espelhos da condição humana e das suas transformações. O poeta questiona-se sobre o tempo, a memória e o amor, mas sem buscar respostas definitivas e conduz-nos pela incerteza como sendo, e assim é, uma parte das nossas vidas.

A linguagem, por vezes crua, por vezes delicada, confere um ritmo envolvente à obra. A fragmentação de imagens e a riqueza sensorial criam uma atmosfera que oscila entre o real e o utópico, mas Carlos Enes, na sua poesia, aflora também uma dimensão social e crítica que reflete um olhar atento às contradições do nosso mundo.

Os poemas de Carlos Enes têm uma força imagética poderosa e relevante à qual não se fica indiferente. A estrutura livre, com versos curtos e pausas potenciam a absorção de imagens e sentimentos, a ausência de rimas regulares deixa um espaço de liberdade para que o ritmo seja construído pela musicalidade própria das palavras.

Julgo poder afirmar-se que Infinito Sem Nome não se limita a uma única identidade poética, mas flutua entre o íntimo e o universal, entre a contemplação e a inquietação, num jogo constante de metáforas que nos desafiam a sentir, muito mais do que a qualquer tentativa de compreender. Neste Infinito Sem Nome, Carlos Enes oferece-nos uma poesia de múltiplas camadas, que desafia a perceção linear e convida a sentir antes de interpretar. Um livro para ser relido, sentido e reinventado a cada leitura.

Ponta Delgada, 28 de março de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 2 de abril de 2025

terça-feira, 1 de abril de 2025

ousadias poéticas

foto de Paulo R. Cabral

Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.







(...) Por fim, no que concerne à imagem da capa, e por se tratar de um livro de poesia direi que a imagem poderá ainda significar que: - A forma poética que o autor utiliza não necessita, nem tem obrigação, de seguir padrões literários e líricos, sendo que esta é uma premissa que julgo ser comum a todos os poetas.

Quanto ao título diria que, Infinito Sem Nome sugere um antagonismo poético estimulante. O infinito, por definição, escapa aos limites e classificações, mas ao qualificá-lo como sem nome, o título reforça a ideia de algo inatingível, impossível de definir, uma vastidão de silêncios, ou seja, de interioridade que o poeta ousa partilhar.

A ausência de nome neste infinito pode remeter àquilo que existe antes ou além da linguagem, ao indizível que a poesia tenta capturar sem nunca se deixar aprisionar. Há uma musicalidade e uma leveza no título, mas também um certo mistério, como se o autor convidasse o leitor a explorar um território de liberdade sem limites. (...)


mulheres antifascistas - a abrir Abril


 "(…) Menos conhecidos..., são os nomes das mulheres que ficaram para a história do feminismo antifascista português, como Maria Lamas, que foi presa, torturada e viu-se obrigada a exilar-se; ou as ‘Três Marias’, julgadas pela obra censurada ‘Novas Cartas Portuguesas’"

Muito menos sabemos da luta de mulheres militantes comunistas como Conceição Matos, Fernanda Tomás ou mesmo Catarina Eufémia, sendo que atividade clandestina de Eufémia acabou quando foi assassinada numa greve em que ceifeiras reivindicavam melhores condições de trabalho (Samara, 2021). Pouco destaque se dá a mulheres como Maria Custódia Chibante, torturada nas prisões do fascismo, Isabel Aboim Inglês, Julieta Gandra, entre as 1755 mulheres que estiveram nas cadeias do fascismo português (Cova e Costa Pinto, 1997). Compreende-se, então, que o papel subalterno das mulheres nas sociedades traduz-se (também) na subalternização das suas conquistas e lutas – desde a escala à relevância. (...)"

Este excerto foi retirado do sítio "ORBIS" e o artigo completo pode ser acedido aqui


segunda-feira, 31 de março de 2025

da cretinice reinante

A quantidade de lixo publicado nas redes sociais é assustadora. Prezo e defendo a liberdade de expressão, pela qual sempre lutei e lutarei, mas não posso pactuar com a estupidificação reinante ancorada no revisionismo histórico e na narrativa reprodutiva da asneira, atrás de asneira que faz doutrina entre os analfabetos funcionais que por aí pululam. 

Vou ter de dar corpo a uma campanha de higienização para evitar os dislates de supostos especialistas que mais não fazem do que regurgitar o discurso dominante que, como se sabe, é o da ideologia dominante da qual quero distância, ou seja, distância de Trump, Macron, Le Pen, Kallas, Ursulla, Costa, Biden, Starmer, Montenegro, Rui Tavares, de entre e outros (muitos) quejandos que surfam a onda da cretinice, mas sobretudo dos imbecis que papagueiam até ao vómito as mais insólitas imbecilidades.  


sábado, 22 de março de 2025

poemas com propósito

renovar


da verde árvore
cai a folha morta
renova-se a árvore
putrefaz a folha


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 15 de Outubro de 2016, (in Esperança Velha e outros poemas, Letras Lavadas, 2020)



perfídia


o poeta 
trocou o futuro
pelo passado

o poeta
trocou o sonho
pelo pesadelo

o poeta
acabou só
só, como um prostituto
num quarto vazio de ideias

o poeta
acabou só
só, como um prostituto
num quarto lotado pela perfídia

o poeta
acabou só
só, como um prostituto
num quarto sem palavras      nem poesia


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 19 de Outubro de 2016, (in Destroços à Deriva, Letras Lavadas, 2024)