Desintegrados
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Sobre este e-book
Cam foi feito inteiramente com as melhores partes de fragmentados e, tecnicamente, ele é um garoto que não existe. Um verdadeiro Frankstein do futuro, que luta para encontrar sua identidade e se questiona se um ser como ele pode ter alma.
Quando as ações de um sádico caçador de recompensas ameaçam a causa de Connor, Lev e Risa, o destino de um deles é ligado ao de Cam.
A aguardada sequência de Fragmentados desafia a suposição de onde começa e termina a vida e o que realmente significa viver.
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Desintegrados - Neal Shusterman
Sumário
Capa
Sumário
Folha de Rosto
Folha de Créditos
Dedicatória
E a resposta é...
Parte Um
1 . Starkey
2 . Miracolina
3 . Cam
Parte Dois
4 . Pais
5 . Connor
6 . Risa
7 . Connor
8 . Risa
9 . Connor
10 . Starkey
Parte Três
11 . Fumante
12 . Nelson
13 . Connor
14 . Dolores
15 . Connor
16 . Risa
17 . Cam
18 . Risa
19 . Cam
20 . Nelson
Parte Quatro
21 . Lev
22 . Fundação
23 . Lev
24 . Miracolina
25 . Lev
26 . Miracolina
27 . Lev
28 . Risa
29 . Cam
30 . Nelson
31 . Miracolina
32 . Lev
33 . Miracolina
34 . Lev
35 . Nelson
Parte Cinco
36 . Connor
37 . Risa
38 . Hayden
39 . Connor
40 . Starkey
41 . Connor
42 . Starkey
43 . Avalanche
44 . Risa
45 . Cam
46 . Risa
47 . Público
48 . Risa
49 . Cam
50 . Risa
51 . Cam
Parte Seis
52 . Lev
53 . Nelson
54 . Lev
55 . Miracolina
56 . Lev
57 . Connor
58 . Trace
59 . Lev
60 . Starkey
61 . Noah
62 . Starkey
63 . Trace
64 . Lev
65 . Nelson
66 . Guarda do Portão
67 . Connor
68 . Aviões
69 . Lev
70 . Nelson
71 . Lev
72 . Starkey
73 . Risa
74 . Roberta
75 . Cam
Parte Sete
76 . Dreamliner
77 . Starkey
78 . Trace
79 . Starkey
80 . Miracolina
81 . Hayden
82 . Connor
83 . Nelson
84 . Connor
Agradecimentos
Nota
Tradução:
Camila Fernandes
© 2012 Neal Shusterman
Publicado sob acordo com Simon & Schuster Books for Young Readers,
um selo de Simon & Schuster Children’s Publishing Division
© 2016 Editora Novo Conceito
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja este eletrônico, mecânico de fotocópia, sem permissão por escrito da Editora.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Versão digital — 2016
Produção editorial:
Equipe Novo Conceito
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura norte-americana 813
Rua Dr. Hugo Fortes, 1885
Parque Industrial Lagoinha
14095-260 – Ribeirão Preto – SP
www.grupoeditorialnovoconceito.com.br
Para Charlotte Ruth Shusterman
Amo você, mãe
E a resposta é...
Já que Fragmentados e Desintegrados representam um mundo virado de cabeça para baixo, que forma melhor de atualizar você do que dar a resposta antes da pergunta, como em certo programa de TV? Leia as respostas e veja quantas perguntas consegue acertar! Acerte um número suficiente e você poderá rasgar sua própria ordem de fragmentação! (Aviso: pular este jogo pode fazer com que você se sinta meio deslocado enquanto lê...)
Este é o processo pelo qual um indivíduo é desmantelado. Por lei, 99,44% de uma pessoa devem ser mantidos vivos e usados em transplantes.
O que é fragmentação?
A segunda guerra civil americana — também conhecida como Guerra de Heartland — terminou quando os exércitos Pró-Vida e Pró-Escolha chegaram a um acordo que tornava a vida inviolável desde a concepção até a idade de treze anos, mas permitia o aborto retroativo
de adolescentes problemáticos.
O que é a Ordem de fragmentação?
Quando uma mãe não deseja ficar com o bebê recém-nascido, ela tem a opção legal de deixar a criança na porta da casa de outras pessoas. O bebê então se torna responsabilidade legal dessas pessoas. Esse é o termo comum para o abandono de um bebê.
O que é uma entrega da cegonha?
Quando uma pessoa é fragmentada, já que praticamente a totalidade dela continua viva, ela não é considerada morta, mas viva nesse estado.
O que é estado dividido?
São instituições licenciadas nas quais os fragmentários são preparados para o estado dividido. Cada uma dessas instituições tem personalidade própria, e são todas projetadas para oferecer uma experiência positiva para os jovens destinados à fragmentação.
O que são campos de colheita?
Este campo de colheita no Arizona, em uma cidade cujo nome veio dos lenhadores felizes que a fundaram, recentemente foi fechado devido à atividade terrorista.
O que é o Campo de Colheita Happy Jack?
É um termo comum para a clínica dentro de um campo de colheita onde a fragmentação é realizada.
O que é um Ferro-Velho?
São jovens terroristas que introduzem um produto químico indetectável no próprio sistema circulatório, o que torna seu sangue explosivo. Receberam esse nome porque se autodetonam ao bater as mãos juntas em um aplauso poderoso.
O que são batedores?
Este é o termo comum para os oficiais da lei que trabalham para a Autoridade Juvenil Nacional e são responsáveis pelo policiamento de fragmentários.
O que são Policiais Juvenis ou Juvis?
O ato de deixar alguém quimicamente inconsciente com o uso de balas ou dardos tranquilizantes. É o método mais utilizado pelos oficiais do policiamento juvenil, pois usar balas contra fragmentários é ilegal e danifica órgãos vitais, diminuindo, portanto, seu valor.
O que é dar um tranco?
Do francês recruter, convocar
, esse é o termo comum para um soldado ou adolescente musculoso em busca de uma carreira no exército.
O que é um recruta?
Originalmente um termo militar, significa ausente sem permissão
, mas ultimamente tem sido usado para designar fragmentários fugitivos.
O que é um fragmentário desertor?
É a organização que luta contra a fragmentação ao resgatar fragmentários desertores. No entanto, não é tão bem organizada quanto as pessoas pensam.
O que é a RAD ou Resistência Antidivisional?
Este santuário secreto (não tão secreto) para fragmentários desertores é um imenso cemitério de aviões no deserto do Arizona.
O que é o Cemitério?
Também conhecido como Connor Lassiter, fragmentário fugitivo de Ohio, acredita-se que seja o responsável pela revolta no Campo de Colheita Happy Jack, e é dado como morto.
Quem é o Desertor de Akron?
Derivado de um termo que significa um décimo
, designa uma criança destinada à fragmentação desde o nascimento, normalmente por motivos religiosos.
O que é um dízimo?
Este dízimo tornou-se um batedor que nunca bateu palmas e, ao agir dessa forma, deu um rosto ao movimento da resistência.
Quem é Lev Calder?
É o sobrenome dado aos tutelados do Estado, crianças sem família criadas em Casas Estatais.
O que é Ward?
Sobrevivente do Campo de Colheita Happy Jack, esta ex-tutelada do Estado tornou-se paraplégica porque se recusou a deixar que sua coluna danificada fosse substituída pela coluna de um fragmentário.
Quem é Risa Ward?
Desejo uma leitura que faça você roer as unhas, ficar sem sono e ter mil pensamentos!
Neal Shusterman
Parte Um
Violações
A única maneira de lidar com um mundo sem liberdade é tornar-se tão absolutamente livre que sua própria existência seja um ato de rebeldia.
— Albert Camus
1 . Starkey
Ele está lutando contra um pesadelo quando eles vêm buscá-lo.
Uma grande inundação está engolindo o mundo e, no meio de tudo, ele está sendo atacado por um urso. Está mais irritado do que apavorado. Como se não bastasse a enchente, sua mente profunda e sombria mandou um bicho furioso para rasgá-lo em pedaços.
É quando alguém o arranca pelos pés das mandíbulas mortais do Apocalipse afogador.
— Levanta! Agora! Vai!
Ele abre os olhos e dá de cara com um quarto brilhante de luz, quando deveria estar escuro. Dois Juvis o agarram, segurando-lhe os braços, impedindo-o de lutar antes mesmo que ele esteja acordado o bastante para tentar.
— Não! Para! O que é isso?
Algemas. Primeiro o pulso direito, depois o esquerdo.
— Levanta!
Eles o puxam para que fique de pé, como se estivesse resistindo — ele bem que resistiria, se estivesse mais acordado.
— Me deixem em paz! O que tá acontecendo?
Mas em um instante ele está desperto o suficiente para saber exatamente o que acontece. É um sequestro. Mas não se pode chamar de sequestro quando há documentos assinados em triplicata permitindo a ação.
— Confirme verbalmente que você é Mason Michael Starkey.
Há dois policiais. Um é baixo e o outro, alto. Ambos musculosos. Provavelmente foram recrutas antes de arranjar emprego como Juvis patrulheiros. É necessário um tipo especial de gente maldosa para ser um Juvi, mas para se especializar como patrulheiro o sujeito provavelmente precisa ser um canalha total. O fato de estar sendo capturado para ser levado à fragmentação deixa Starkey chocado e aterrorizado, mas ele se recusa a demonstrar, pois sabe que os Juvis adoram o medo.
O baixinho, que é claramente o porta-voz da dupla, aproxima-se do rosto dele e repete:
— Confirme verbalmente que você é Mason Michael Starkey!
— E por que eu faria isso?
— Moleque — diz o outro patrulheiro —, a gente pode fazer isso do jeito fácil ou do difícil. Mas vai rolar de qualquer maneira. — O segundo policial tem fala mais macia, com um par de lábios que claramente não são dele. Na verdade, parecem ter sido de uma garota. — O esquema não é tão difícil, então vê se colabora.
Ele fala como se Starkey devesse ter sabido que eles viriam, mas quando é que um fragmentário sabe? Todo fragmentário acredita no fundo do coração que com ele isso não acontecerá — que os pais, não importa quão tensas fiquem as coisas, serão espertos o bastante para não cair na conversa dos anúncios na rede, comerciais de TV e placas de rua que dizem coisas como Fragmentação: a solução sensata
. Mas a quem ele quer enganar? Mesmo sem o ataque constante da mídia, Starkey foi um candidato potencial à fragmentação desde o momento em que chegou à porta da casa. Talvez devesse estar surpreso por seus pais terem esperado tanto.
Agora, o porta-voz invade o espaço pessoal dele.
— Pela última vez, confirme verbalmente que você é...
— Tá, tá, Mason Michael Starkey. Agora, sai de perto de mim. Seu bafo fede.
Com a identidade verbalmente confirmada, o Boca-de-Moça tira do bolso um formulário em triplicata: branco, amarelo e cor-de-rosa.
— Então, é assim que vocês fazem? — pergunta Starkey, a voz começando a tremer. — Vocês me prendem? Qual foi o meu crime? Ter dezesseis anos? Ou talvez só o fato de eu estar aqui.
— Fica-quieto-ou-leva-um-tranco — diz o Porta-Voz, como se fosse tudo uma palavra só.
Uma parte de Starkey quer tomar esse tranco — simplesmente adormecer e, se tiver sorte, nunca mais acordar. Assim, não terá de encarar a humilhação suprema de ser arrancado desta vida no meio da noite. Mas não, ele quer ver a cara dos pais. Ou, mais precisamente, quer que eles vejam a cara dele, e, se ele estiver sob o efeito do tranquilizante, eles se safam numa boa. Não terão de olhá-lo nos olhos.
Boca-de-Moça segura a ordem de fragmentação na frente dele e começa a ler o infame Parágrafo Nove, a Cláusula de Negação
.
— Mason Michael Starkey, ao assinarem esta ordem, seus pais e/ou guardiões legais encerraram retroativamente seu direito de permanência neste estado, com data de seis dias após a concepção, deixando-o em violação do Código Existencial 390. Assim sendo, você está, doravante, detido pela Autoridade Juvenil da Califórnia para divisão sumária, também conhecida como fragmentação.
— Blá-blá-blá.
— Quaisquer direitos previamente concedidos a você, como cidadão, pelo município, Estado ou governo federal estão, de agora em diante e permanentemente, revogados.
— Ele dobra a ordem de fragmentação e volta a enfiá-la no bolso.
— Parabéns, Sr. Starkey — diz o Porta-Voz. — Você não existe mais.
— Então, por que vocês estão falando comigo?
— Não vamos falar por muito tempo. — Eles o puxam em direção à porta.
— Posso pelo menos calçar os sapatos?
Eles o soltam, mas continuam alertas.
Starkey leva todo o tempo do mundo para calçar os sapatos. Então, eles o puxam quarto afora e escada abaixo. Os Juvis têm botas pesadas que intimidam a madeira dos degraus. Os três descendo juntos soam como uma manada de bois.
Os pais dele estão aguardando na antessala. São três da madrugada, mas eles ainda estão com as roupas que usaram de dia. Passaram a noite toda acordados esperando por isso. Starkey vê angústia no rosto deles, ou talvez alívio, é difícil saber. Ele controla as próprias emoções, escondendo-as atrás de um sorriso sarcástico.
— Oi, mãe! Oi, pai! — diz ele em tom animado. — Adivinham o que acabou de acontecer comigo? Dou vinte chances pra vocês descobrirem!
O pai respira fundo, preparando-se para começar o Grande Discurso da Fragmentação que todos os pais têm pronto para o filho desobediente. Mesmo que nunca cheguem a usá-lo, eles sempre o preparam, repassando as palavras mentalmente no intervalo para o almoço ou quando estão parados no trânsito, ou enquanto ouvem algum chefe imbecil tagarelar sobre faixas de preço, distribuição e quaisquer outras besteiras que as pessoas achem que são motivo para fazer reuniões nas empresas.
Quais são as estatísticas? Starkey viu isso no noticiário uma vez. Todo ano, a ideia da fragmentação passa pela cabeça de um em cada dez pais. Destes, um em dez considera a ideia seriamente e um em vinte decide levá-la a cabo — e a estatística duplica a cada filho adicional que uma família tem. Junte todos esses números deliciosos e um a cada dois mil adolescentes entre as idades de treze e dezessete anos será fragmentado todo ano. As chances são maiores do que as de ganhar na loteria — e isso nem inclui as crianças das Casas Estatais.
O pai, mantendo a distância, começa o discurso:
— Mason, você não vê que não nos deixou escolha?
Os Juvis o seguram firme ao pé da escada, mas não fazem nenhum movimento para tirá-lo da casa. Sabem que precisam permitir aos pais esse rito de passagem; o pé na bunda verbal.
— As brigas, as drogas, o carro roubado... e agora ser expulso de mais uma escola. O que vem depois, Mason?
— Puxa, sei lá, pai. Tem tantas escolhas ruins que eu posso fazer.
— Não mais. Nós nos importamos o bastante com você para acabar com suas escolhas ruins antes que elas acabem com você.
Isso o faz gargalhar bem alto.
E então ouve-se uma voz do alto da escada:
— Não! Vocês não podem fazer isso!
A irmã dele, Jenna — filha biológica dos pais —, está no alto da escada com aquele pijama de ursinho que parece velho demais para uma menina de treze anos.
— Volta pra cama, Jenna — diz a mãe.
— Vocês vão mandar ele para a fragmentação só porque ele veio da cegonha, isso não é justo! E logo antes do Natal! E se eu tivesse vindo pela cegonha? Vocês também iam me fragmentar?
— Nós não vamos ter essa conversa! — grita o pai, enquanto a mãe começa a chorar. — Volta pra cama!
Mas ela não volta. Cruza os braços e se senta no topo da escada em desafio, testemunhando a coisa toda. Bom para ela.
As lágrimas da mãe são genuínas, mas ele não sabe se ela está chorando por ele ou pelo resto da família.
— Todas essas coisas que você fez, as pessoas nos disseram que eram um pedido de ajuda — diz ela. — Então, por que você não nos deixou ajudar?
Starkey quer gritar. Como é que ele poderia explicar se eles não conseguem ver? Não sabem como é passar dezesseis anos de vida sabendo que nunca foi desejado; um bebê misterioso de origem indefinida, deixado pela cegonha na porta de um casal com pele de um siena tão pálido que os dois poderiam ser vampiros. Ou ainda se lembrar do dia em que você tinha três anos e sua mãe, totalmente dopada pelos remédios para dor após o parto da irmã por cesariana, levou você até o corpo de bombeiros e implorou aos caras que te levassem embora e fizessem de você um tutelado do Estado. Ou como saber que a cada manhã de Natal o seu presente não é uma alegria, mas uma obrigação? E que seu aniversário nem é de verdade porque eles não sabem direito quando você nasceu, só o dia em que foi deixado em cima do tapete de boas-vindas que alguma mãe interpretou ao pé da letra?
E quanto às provocações das outras crianças na escola?
Quando Mason estava na quarta série, seus pais foram chamados ao escritório da diretora. Ele havia empurrado um menino do topo do trepa-trepa do playground. O menino havia sofrido uma concussão e quebrado um braço.
— Por que, Mason? — os dois perguntaram, bem ali, na frente da diretora. — Por que você fez isso?
Ele contou que as outras crianças o estavam chamando de Ô da Cegonha
, e que aquele era o menino que havia começado. Ingenuamente, pensou que os pais o defenderiam, mas eles apenas descartaram suas palavras como se não importassem.
— Você poderia ter matado aquele menino — repreendeu o pai. — E por quê? Por causa de palavras? Palavras não podem te ferir. — O que, aliás, é uma das mentiras mais criminosas repetidas pelos adultos contra as crianças deste mundo. Pois palavras podem machucar muito mais do que qualquer golpe físico. Ele ficaria feliz em sofrer uma concussão e um braço quebrado se depois disso nunca mais tivesse de ser tratado como uma criança entregue pela cegonha.
No fim, foi mandado para outra escola e obrigado a receber acompanhamento de conselheiros pedagógicos.
— Pense no que você fez — disse a diretora da escola.
E ele fez o que lhe disseram, como um bom garotinho. Pensou muito mesmo... e decidiu que deveria ter empurrado o menino de uma plataforma mais alta.
Então, como é que você começa a explicar uma coisa dessas? Como explicar uma vida inteira de injustiça nos minutos que os Juvis levam para te arrastar pela porta? A resposta é fácil: melhor nem tentar.
— Sinto muito, Mason — lamenta o pai, com lágrimas nos olhos também. — Mas desse jeito vai ser melhor pra todo mundo. Inclusive pra você.
Starkey sabe que nunca conseguirá fazer com que os pais entendam, mas, pelo menos, ele terá a última palavra.
— Ei, mãe, a propósito... as noites em que o papai fica até tarde no escritório não são realmente no escritório. São com a sua amiga Nancy.
Mas, antes que ele possa começar a curtir a expressão chocada dos pais, ocorre-lhe que essa informação secreta poderia ter sido usada como objeto de barganha. Se ele tivesse dito ao pai que sabia, poderia ter se blindado contra a fragmentação! Como pode ter sido estúpido a ponto de não pensar nisso quando faria diferença?
Então, no fim, ele nem pode apreciar essa pequena vitória amarga enquanto os Juvis o empurram para fora nesta fria noite de dezembro.
ANÚNCIO
Você tem um adolescente problemático? Que não consegue se encaixar? Desatento e agressivo? Propenso a atitudes impulsivas frequentes e às vezes comportamento perigoso? Seu adolescente parece incapaz de suportar viver consigo mesmo? Pode ser mais simples do que rebeldia juvenil. Seu filho ou filha pode estar sofrendo de Desordem da Desunificação Biossistêmica, ou DDB.
Agora, sim, há esperança!
O Serviço de Colheita Haven tem campos cinco-estrelas para jovens espalhados por todo o país. Nós pegamos as mais agressivas, violentas e disfuncionais vítimas de DDB e cuidadosamente as levamos a um suave estado dividido.
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Serviço de Colheita Haven. Quando você ama tanto que aceita a separação.
O carro-patrulha dos Juvis começa a rodar com Starkey trancado no banco traseiro, atrás de uma barreira à prova de balas. Porta-Voz dirige enquanto Boca-de-Moça folheia um arquivo bem recheado de páginas. Starkey nunca imaginaria que sua vida poderia fornecer tantos dados.
— Diz aqui que você ficou entre os dez melhores alunos nas primeiras provas da escola.
Porta-Voz balança a cabeça, inconformado.
— Que desperdício.
— Não mesmo — retruca Boca-de-Moça. — Muita gente vai se beneficiar da sua inteligência, Sr. Starkey.
A sugestão o faz ter um calafrio desagradável, mas ele tenta não demonstrar.
— Adorei o implante labial, cara — responde Starkey. — Qual foi o lance? Sua esposa disse que preferia beijar uma mulher?
Porta-Voz dá uma risadinha e Boca-de-Moça nada diz.
— Mas chega desse papo de lábio — diz Starkey. — Cês tão com fome? Porque eu toparia um lanchinho da meia-noite agora mesmo. Que tal passar num drive-thru? O que cês acham?
Nenhuma resposta. Não que ele esperasse uma, mas sempre é divertido mexer com os agentes da lei e ver quanto tempo leva até ficarem irritados. Porque, se ficarem, ele vence. Como era aquela história do Desertor de Akron? O que é que ele sempre dizia? Ah, sim. Que meias bonitas.
Simples, elegante, mas sempre minava a confiança de qualquer figura de falsa autoridade.
O Desertor de Akron... esse, sim, era um fragmentário! Tudo bem que ele morreu no ataque ao Campo de Colheita Happy Jack quase um ano atrás, mas a lenda sobrevive. Starkey deseja o tipo de notoriedade que Connor Lassiter conseguiu. Na verdade, ele até imagina o fantasma de Connor sentado ao seu lado, acompanhando seus pensamentos e cada uma de suas ações; não apenas aprovando, mas guiando as mãos de Starkey quando ele abaixa as algemas até o pé esquerdo — só o bastante para pescar uma faca inserida no meio do tecido do sapato. A faca que ele guardou para ocasiões especiais como esta.
— Agora, parando pra pensar, uma passada no drive-thru da hamburgueria mais próxima parece uma boa mesmo — comenta Boca-de-Moça.
— Excelente — responde Starkey. — Tem uma logo ali, virando à esquerda. Pede um superduplo pra mim, tamanho família, e fritas tamanho família também, porque... eu sou de família, ora essa.
O garoto fica impressionado pelo fato de que eles entram mesmo no drive-thru vinte e quatro horas. Sente-se o mestre da sugestão subliminar, ainda que a sugestão não tenha sido subliminar de jeito nenhum. Mesmo assim, ele está controlando esses Juvis... ou, pelo menos, acha que está, até que eles pedem comida só para dois, nada para ele.
— Ei! Qual é, caras? — Ele joga o ombro contra o vidro à prova de balas que separa seu universo do deles.
— Vão te dar comida no campo de colheita — responde Boca-de-Moça.
Só agora ele se toca de que o vidro não o separa apenas dos policiais — é uma barreira entre ele e qualquer parte do mundo exterior. Ele nunca mais provará suas comidas preferidas. Nunca mais visitará os lugares favoritos. Pelo menos, não como Mason Starkey. De repente, ele sente vontade de vomitar tudo o que já comeu.
A funcionária do caixa no turno da noite no drive-thru é uma garota que Starkey conhece da última escola. Quando ele a vê, uma confusão de emoções brinca dentro do crânio. Ele poderia simplesmente afundar nas sombras do banco traseiro, esperando não ser visto, mas isso o faria sentir-se patético. Não, ele não será patético. Se ele já era, então tem de ser em grande estilo, para todo mundo ver.
— Ei, Amanda, quer ir ao baile de formatura comigo? — grita ele, alto o bastante para ser ouvido através da grossa barreira de vidro.
Amanda olha na direção dele e, quando percebe quem é, levanta o nariz como se tivesse farejado alguma coisa estragada na grelha.
— Não nesta vida, Starkey.
— Por que não?
— Primeiro, você é novo demais. Segundo, você é um fracassado no banco traseiro de um carro da polícia. Além disso, não tem baile de formatura na sua escola nova, certo?
Será que ela consegue ser mais cretina que isso?
— Hum, como você pode ver, eu já me formei.
— Cala a boca — diz Porta-Voz —, ou vou te fragmentar até você virar hambúrguer.
Finalmente, Amanda entende a situação. De repente, parece meio envergonhada.
— Oh! Oh, desculpa, Starkey. Eu sinto muito...
Pena é uma coisa que Mason Starkey não suporta.
— Sente pelo quê? Você e os seus amigos nunca me deram nem bom-dia, mas agora você sente por mim? Me poupe.
— Desculpa. Quero dizer... me desculpa por dizer que sinto muito... Quero dizer... — Ela suspira, exasperada, e desiste, entregando a Boca-de-Moça um saco de comida. — Precisa de ketchup?
— Não, tá ótimo assim.
— Ei, Amanda! — Grita Starkey enquanto o carro se afasta. — Se quiser mesmo fazer alguma coisa por mim, diz pra todo mundo que eu fui embora lutando, ouviu? Diz pra todo mundo que eu fui que nem o Desertor de Akron.
— Vou dizer, Starkey — responde ela. — Prometo!
Mas ele sabe que, amanhã, ela terá esquecido.
Vinte minutos depois, eles viram na rua de trás da penitenciária municipal. Ninguém entra pela porta da frente, muito menos os fragmentários. A cadeia tem uma ala juvenil, e nos fundos da ala juvenil há um compartimento especial onde são mantidos os fragmentários que aguardam transporte. Starkey já foi detido vezes suficientes para saber que, depois que você entra na cela dos fragmentários, já era. Ponto final. Nem os prisioneiros do corredor da morte têm segurança tão reforçada.
Mas ele ainda não entrou. Ainda está aqui, no carro, esperando ser transferido lá para dentro. Este é o ponto exato onde o casco do seu barquinho de tolos é mais frágil, e, se ele pretende afundar os planos desses caras, tem de ser entre a saída do carro e a porta dos fundos da cadeia. Enquanto eles se prepararam para o desfile do presidiário
, o garoto pensa nas chances que tem de fugir — pois, por mais que seus pais tenham imaginado esta noite, ele também imaginou e inventou uma dúzia de planos audaciosos de fuga. O problema é que mesmo sonhando acordado ele é fatalista; em cada uma de suas fantasias ansiosas, ele sempre perde, toma um tranco e acorda em uma mesa de cirurgia. Claro, dizem que ninguém é fragmentado logo de cara, mas Starkey não acredita nisso. Ninguém sabe realmente o que acontece dentro dos campos de colheita, e aqueles que descobrem não estão exatamente por aí para contar como foi.
Eles o tiram do carro e ficam um de cada lado, segurando-lhe os braços com firmeza. São experientes na tarefa. Boca-de-Moça está com o grosso arquivo de Starkey na outra mão.
— E aí — diz o garoto —, esse arquivo fala dos meus hobbies?
— Provavelmente — responde Boca-de-Moça, mostrando indiferença.
— Talvez vocês devessem ter lido tudo com atenção, porque aí a gente teria um assunto pra conversar. — Ele sorri. — Sabe, eu sou muito bom com mágica.
— É mesmo? — diz Porta-Voz com um sorriso torto de desprezo. — Pena que você não saiba fazer o número do desaparecimento.
— Quem disse que não sei?
Então, ao melhor estilo Houdini, ele ergue a mão direita, revelando-a livre da algema. Em vez disso, ela pende solta na mão esquerda. Antes que os policiais consigam reagir, Starkey faz escorregar da manga a faquinha dobrável que usou para abrir a fechadura, segura-a com a mão e risca o ar diante do rosto de Boca-de-Moça.
O homem grita, e o sangue vaza de um ferimento de dez centímetros. Porta-voz, pela primeira vez em sua vida miserável de desserviço público, está sem palavras. Ele tenta pegar a arma no cinto, mas Starkey já saiu correndo, ziguezagueando pelo beco sombrio.
— Ei! — grita o policial. — Você só está piorando as coisas pra si mesmo!
Mas o que eles farão? Darão uma bronca nele antes de fragmentá-lo? Porta-Voz pode falar quanto quiser, mas não está em posição de negociar.
O beco vira para a esquerda e depois direita como um labirinto, e por toda a extensão dele está a parede de tijolos, alta e imponente, da penitenciária municipal.
Finalmente, ele vira em outra esquina e vê uma rua logo adiante. Lança-se para a frente, mas, assim que emerge na rua, é agarrado por Porta-Voz. De alguma forma, o homem conseguiu chegar aqui antes. Está surpreso, mas não deveria, pois todo fragmentário tenta fugir, não é? E que tal se eles construíssem um beco todo retorcido especialmente projetado para fazer você perder tempo e dar aos Juvis uma vantagem que eles nunca chegaram a perder? Bem, construíram.
— Acabou, Starkey! — Porta-Voz pega no pulso do garoto com tanta força que ele é forçado a soltar a faca. Ele brande a pistola de tranquilizantes com fúria, doido para apertar o gatilho. — Vai pro chão, ou eu atiro no seu olho!
Mas Starkey não vai para o chão. Não pretende se humilhar para esse bandido legalizado.
— Atira! — retruca Starkey. — Me dá um tranco no olho e depois explica pro campo de colheita por que a mercadoria foi danificada.
Porta-Voz o vira e o empurra contra a parede de tijolos, com força o bastante para arranhar e ferir o rosto do garoto.
— Já tô de saco cheio de você, Starkey. Ou talvez eu deva te chamar de Ô da Cegonha. — O homem ri, como se fosse uma sacada de gênio. Como se todos os imbecis do mundo já não o tivessem chamado assim. — Ô da Cegonha! — ele funga. — É o melhor nome pra você, né? O que é que você acha, Ô da Cegonha?
O sangue ferve. Starkey sabe que sim, pois, com a fúria impulsionada pela adrenalina, ele mete o cotovelo no estômago de Porta-Voz e gira de frente, agarrando a arma.
— Ah, não, sem chance.
Porta-Voz é mais forte — mas talvez agilidade importe mais que força.
A arma está entre eles. Aponta para a bochecha de Starkey, depois para o peito, depois para a orelha de Porta-Voz, depois para a garganta dele. Os dois lutam pelo controle do gatilho e... blam!
O choque do disparo joga o garoto de costas contra a parede. Sangue! Sangue pra todo lado! O gosto ferroso na boca, e o cheiro acre da fumaça da arma e...
Isso não é bala tranquilizante! É uma bala de verdade!
E ele pensa que está a microssegundos da morte, mas de repente percebe que o sangue não é seu. Diante dele, o rosto de Porta-Voz é uma ruína vermelha e amassada. O homem cai, morto antes mesmo de chegar ao chão, e...
Meu Deus, era uma bala de verdade. Por que um Juvi anda com balas de verdade? Isso é ilegal!
Consegue ouvir passos atrás da curva da esquina, e o policial morto continua morto, e ele sabe que o mundo inteiro ouviu o disparo, e tudo depende do que ele fará a seguir.
Agora ele é como o Desertor de Akron. O santo padroeiro de todos os fragmentários fugitivos está olhando por ele, esperando que Starkey aja, e ele pensa: O que o Connor faria?
É nessa hora que outro Juvi chega contornando a esquina — um cara que ele nunca viu e está determinado a nunca mais ver. Starkey ergue a arma de Porta-Voz e atira, transformando o que era só um acidente em assassinato.
Enquanto escapa — desta vez, de verdade —, tudo em que consegue pensar é no gosto sangrento da vitória e em como o fantasma de Connor Lassiter ficaria feliz por ele.
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Ser um fragmentário desertor é uma coisa. Ser assassino de policiais é outra. A caçada a Starkey torna-se mais do que a típica procura por um fragmentário em fuga. Parece que o mundo inteiro está sob alerta. Primeiro, Starkey muda o visual, tingindo o cabelo castanho emaranhado de vermelho, cortando-o ultracurto e rapando a barbichinha que tem cultivado desde que estava no ensino fundamental. Agora, quando as pessoas o virem, podem até ter a impressão de que o viram antes, mas não sabem de onde, porque ele se parece menos com o rosto de um cartaz de procurado
e mais com um desses esportistas de capa de revista. O cabelo vermelho parece não combinar muito com a pele azeitonada, mas, até aí, ser uma mistura de tudo quanto é herança genética sempre o ajudou. Ele sempre foi um camaleão, capaz de passar por alguém de qualquer etnia. O cabelo vermelho apenas acrescenta mais uma camada de despistamento.
Ele muda de cidade e nunca fica em um lugar mais do que um ou dois dias. Dizem que a região noroeste do país é mais receptiva aos fragmentários desertores que o sul da Califórnia, então é para lá que ele vai.
Starkey está preparado para a vida de fugitivo, pois sempre viveu em uma espécie de paranoia protetora. Não confie em ninguém, nem na sua sombra, e trate de garantir seus interesses. Seus amigos apreciavam essa abordagem objetiva da vida, pois sabiam o que significava. Ele lutaria até o fim pelos amigos... desde que isso fosse vantajoso para ele.
— Você tem a alma de uma empresa — disse-lhe uma vez uma professora. Era para ter sido um insulto, mas ele aceitou como elogio. Empresas têm grande poder e fazem coisas boas no mundo quando assim desejam. Era uma professora de matemática com mania de verdismo que foi despedida no ano seguinte, pois quem é que precisa de professores de matemática quando se pode simplesmente comprar uma NeuroTrama? Só para você ver que ficar falando do derretimento das calotas polares não dá em nada.
Agora, contudo, Starkey está ao lado dos verdistas, porque eles são o tipo de pessoa que administra a Resistência Antidivisional, abrigando fragmentários fugitivos. Assim que estiver nas mãos da RAD, ele estará seguro, mas encontrá-la é a parte complicada.
— Já faz quase quatro meses que sou desertor e não vi nem sinal da resistência — conta um menino feio com cara de buldogue.
Starkey o conheceu nos fundos de uma filial do KFC na véspera de Natal, esperando os funcionários jogarem fora os restos de frango frito. Não é o tipo de pessoa com quem Starkey andaria na vida real, mas, agora que a vida real resolveu tirar folga, suas prioridades mudaram.
— Eu sobrevivi porque não caio em armadilhas — diz o Buldogue.
Starkey sabe tudo sobre armadilhas. Se um esconderijo parece bom demais para ser verdade, provavelmente é. Uma casa abandonada com um colchão confortável; um caminhão destrancado que por acaso está cheio de comida enlatada. São armadilhas criadas pelos Juvis para fragmentários desertores. Tem até Juvis fingindo ser parte da Resistência Antidivisional.
— Os Juvis estão oferecendo recompensas a pessoas que denunciarem desertores — comenta Buldogue, enquanto eles comem frango frito até estourar. — E ainda tem os caçadores. Piratas de órgãos, é como a gente diz. Eles não ligam para recompensas: simplesmente vendem os desertores que pegam no mercado negro. E, se você acha que campos de colheita comuns são ruins, não vai querer saber como são os ilegais. — O menino engole um bocado tão grande que Starkey consegue ver a comida descendo pela garganta dele como um rato sendo engolido por uma cobra. — Antes não tinha piratas de órgãos — acrescenta ele —, mas, agora que não tem mais essa de fragmentar pessoas de dezessete anos, estão faltando pedaços, e desertores valem uma bela grana no mercado negro.
Starkey balança a cabeça. Proibir a fragmentação de pessoas de dezessete anos deveria salvar um quinto dos jovens marcados para a fragmentação, mas em vez disso forçou uma porção de pais a tomar a decisão mais cedo. Ele imagina se seus pais teriam mudado de ideia caso tivessem mais um ano para decidir.
— Piratas de órgãos são o pior de tudo — conta Buldogue. — As armadilhas deles não são tão legais quanto as que os Juvis armam. Ouvi uma história sobre um caçador que usava armadilhas para animais na floresta e foi tirado do negócio quando pele animal foi proibida. Então, ele pegou