Primeiras trovas burlescas de Getulino
De Luiz Gama
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Primeiras trovas burlescas de Getulino - Luiz Gama
Prótase
Embora um vate canhoto
Dos loucos aumente a lista,
Seja cisne ou gafanhoto
Não encontra quem resista
Dos seus versos à leitura,
Que diverte, inda que é dura!
Faustino Xavier de Novais
No meu cantinho,
Encolhidinho,
Mansinho e quedo,
Banindo o medo,
Do torpe mundo,
Tão furibundo,
Em fria prosa
Fastidiosa –
O que estou vendo
Vou descrevendo.
Se de um quadrado
Fizer um ovo
Nisso dou provas
De escritor novo.
Sobre as abas sentado do Parnaso,
Pois que subir não pude ao alto cume,
Qual pobre, de um Mosteiro à Portaria,
De trovas fabriquei este volume.
Vazios de saber, e de prosápia,
Não tratam de Ariosto ou Lamartine
Nem recendem as doses ambrosias
De Lamires famoso ou Aretine¹.
São ritmos de tarelo, atropeladas,
Sem metro, sem cadência e sem bitola,
Que formam no papel um zigue-zague,
Como os passos de rengo manquitola.
Grosseiras produções d’inculta mente,
Em horas de pachorra construídas;
Mas filhas de um bestunto que não rende
Torpe lisonja às almas fementidas.
São folhas de adurente cansanção,
Remédio para os parvos d’excelência;
Que aos arroubos cedendo da loucura,
Aspiram do poleiro alta eminência.
E podem colocar-se à retaguarda
Os veteranos sábios da influência;
Que o trovista respeita submisso,
Honra, pátria, virtude, inteligência.
Só corta com vontade nos malandros,
Que fazem da Nação seu Montepio;
No remisso empregado, sacripante,
No lorpa, no peralta, no vadio.
À frente parvalhões, heróis Quixotes,
Borrachudos Barões da traficância;
Quero ao templo levar do grão Sumano
Estas arcas pejadas de ignorância.
¹ Atualmente, o nome do poeta Aretine (1492-1556) costuma ser atualizado para Aretino
, porém, neste caso, perderia a rima. (N.R.)
Lá vai verso
Quero também ser poeta,
Bem pouco, ou nada me importa
Se a minha veia é discreta,
Se a via que sigo é torta.
Faustino Xavier de Novais
Alta noite, sentindo o meu bestunto
Pejado, qual vulcão de flama ardente,
Leve pluma empunhei incontinente
O fio das ideias fui traçando.
As Ninfas invoquei para que vissem
Do meu estro voraz o ardimento;
E depois revoando ao firmamento,
Fossem do Vate o nome apregoando.
Oh! Musa de Guiné, cor de azeviche,
Estátua de granito denegrido,
Ante quem o Leão se põe rendido,
Despido do furor de atroz braveza;
Empresta-me o cabaço d’urucungo²,
Ensina-me a brandir tua marimba,
Inspira-me a ciência da candimba³,
As vias me conduz d’alta grandeza.
Quero a glória abater de antigos vates,
Do tempo dos heróis armipotentes;
Os Homeros, Camões – aurifulgentes
Decantando os Barões da minha Pátria!
Quero gravar em lúcidas colunas
O obscuro poder da parvoíce
E a fama levar de vil sandice
Às longínquas regiões da velha Báctria!
Quero que o mundo me encarando veja,
Um retumbante Orfeu de carapinha,
Que a Lira desprezando, por mesquinha,
Ao som decanta da Marimba augusta;
E, qual Árion entre os Delfins,
Os ávidos piratas embaindo –
As ferrenhas palhetas vai brandindo
Com estilo que preza a Líbia adusta.
Com sabença profusa irei cantando
Altos feitos da gente luminosa,
Que a trapaça movendo potentosa
A mente assombra, e pasma à natureza!
Espertos eleitores de encomenda,
Deputados, Ministros, Senadores,
Galfarros⁴ Diplomatas – chuchadores,
De quem reza a cartilha de esperteza.
Caducas Tartarugas – desfrutáveis,
Valharrões tabaquentes – sem juízo,
Irrisórias-fidalgas – de improviso,
Finórios traficantes – patriotas;
Espertos maganões, de mão ligeira,
Emproados juízes de trapaça,
E outros que de honrados têm fumaça,
Mas que são refinados agiotas.
Nem eu próprio à festança escaparei;
Com foros de Africano fidalgote,
Montado num Barão com ar de zote –
Ao rufo do tambor, e dos zabumbas,
Ao som de mil aplausos retumbantes,
Entre os netos da Ginga, os meus parentes,
Pulando de prazer e de contentes –
Nas danças entrarei d’altas caiumbas⁵.
² Instrumento musical africano usado no candomblé e na capoeira. (N.R.)
³ Ciência misteriosa exclusiva dos sacerdotes do candomblé. (N.R.)
⁴ Galfarros, de etimologia espanhola, guarda dois sentidos, oficial de polícia/beleguim ou comilão. Considerando o primeiro sentido, o verso pediria vírgula e ficaria: Galfarros, Diplomatas – chuchadores,
. No segundo sentido, o adjetivo qualificaria o substantivo que o segue e seria grafado sem vírgula: Galfarros Diplomatas – chuchadores,
. Em ambos os casos, chuchadores
qualificariam os espertos eleitores de encomenda
e o que segue nos versos acima do destaque. (N.R.)
⁵ Danças animadas, às quais presidem os seres transcendentais. (N.A.)
Junto à estátua
(No Jardim Botânico de São Paulo)
Já a saudosa Aurora destoucava
Os seus cabelos de ouro delicados,
E as boninas nos campos esmaltados
De cristalino orvalho borrifava
Camões – Sonetos
Em plácida manhã serena e pura,
Sentado à borda de espaçoso lago;
O