Weisz

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1. WEISZ, Telma O dilogo entre o ensino e a aprendizagem. So Paulo, tica 2000.

MEU BATISMO DE FOGO Em 62, formada no normal, um curso tcnico de 2 grau, supunha-se que a professora deveria aprender um conjunto de procedimentos para realizar sua tarefa de ensinar. Tnhamos aulas de metodologia da linguagem, da matemtica, das cincias, dos estudos sociais. Essas metodologias eram um conjunto de prticas que aprendamos e deveramos reproduzir com nossos alunos. Saamos da escola menos preparadas que um mecnico, a quem se ensina a apertar esse parafuso e soltar aquele, mas que tem de conhecer muito bem o motor com o qual esta trabalhando, para compreender o que se modifica l quando se mexe aqui ou ali. Antes que esses insucessos comeassem a me acontecer na prtica eu j tinha uma intuio deles. Quando comeamos a ter metodologia, no 2 ano normal, me pus alerta. Procurei minha professora de psicologia do desenvolvimento, a Dra. Iv Waisberg Bonow que possua uma formao acadmica slida e prestgio no Rio de Janeiro-, para conversar. Disse-lhe que no compreendia o porqu daquelas orientaes. Ela me recomendou ler Piaget em francs, pois no havia nada publicado em portugus. Como tinha uma boa formao em lngua francesa, do ginsio, pus-me a ler. Lembro-me de ter tido uma dificuldade enorme para entender, e o que me sobrou naquele momento foi a idia de que era importante trabalhar em grupos, que os meninos deviam ter a possibilidade de trocar idias com os colegas. Mas eu olhava essas idias apenas do ponto de vista da formao sociabilidade, da moralidade, de uma questo poltica, que era privilegiar o desenvolvimento da cooperao em vez da competio. a grande questo de como que as pessoas aprendem e por que, diante de uma mesma situao, uma pessoa pode aprender e outra no-, sobre isso eu no consegui informao. Acho que o professor continua chegando hoje escola com as mesmas insuficincias com que eu cheguei em 1962. Ele acaba ganhando experincia e tambm algum conhecimento de natureza intuitiva, mas, dependendo da formao que recebe, continua to cego e perdido quanto eu estava. O que mudou, hoje, a maneira pela qual ele pode, se quiser tentar resolver essa situao. Por exemplo: durante muitos anos os professores do sistema pblico, que viviam uma situao semelhante minha, consolaram-se com a idia de que uma quantidade enorme de seus alunos, a cada nova turma, eram crianas com algum tipo de deficincia, por isso que repetiam e iam continuar repetindo. Eles no conseguiam ensinar a essas crianas, s que pensavam que a culpa no era deles, professores, mas das crianas. Hoje seria mais difcil sustentar uma afirmao como essa, pois o conhecimento que se desenvolveu nos ltimos vinte anos aponta na direo contrria. O que est disposio dos professores hoje um corpo de conhecimentos que, se no d conta de tudo, pelo menos ilumina os processos atravs dos quais as crianas conseguem ou no aprender certos contedos. J possvel observar uma situao de sala de aula e interpretar as aes das crianas e do professor com um grau de profundidade que no existia antes. Cada vez mais a concepo que se tem do ato de ensinar desenha o perfil de um professor que reflete enquanto age, pode tomar decises, mudar rapidamente o rumo de sua ao, interpretar as respostas que os alunos do, autocorrigir-se. O entendimento que se tem de um professor hoje o de algum com condies de ser sujeito de sua ao profissional. Assim, vai ficando ultrapassada aquela prtica educacional na qual algum pensava procedimentos tcnicos, passava-os como um pacote para o professor, que entrava na classe e simplesmente os executava. A questo central para mim , e sempre foi, como que a gente faz para que as crianas tenham sucesso escolar. Hoje sou vista como uma especialista em alfabetizao, mas na verdade nunca tive a inteno de me especializar nisso. Acontece que o primeiro instrumento de fracasso para os meninos da escola pblica que no conseguem aprender a ler. Ento me dediquei a entender isso. E como me dediquei tambm a estudar o trabalho da Dra. Emilia Ferreiro que abriu uma perspectiva extraordinria nessa rea e teve uma importncia enorme na mudana da compreenso do papel do professor -, acabei me tornando uma especialista em alfabetizao. Mas, na verdade, minha questo a aprendizagem, em especial a aprendizagem escolar.

UM NOVO OLHAR SOBRE A APRENDIZAGEM A METODOLOGIA EMBUTIDA NAS CARTILHAS DE ALFABETIZAO CONTRIBUI PARA O FRACASSO NA ESCOLA As pesquisas realizadas nos anos 1970 por Emilia Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradoras sobre o que pensam as crianas a respeito do sistema alfabtico da escrita a chamada psicognese da lngua escrita evidenciaram os problemas que a metodologia embutida nas cartilhas cria para muitas crianas. Segundo mostrou a psicognese da lngua escrita, em uma sociedade letrada as crianas constroem conhecimentos sobre a escrita desde muito cedo, a partir do que no compreendem quando ainda no se alfabetizaram, as crianas elaboram hipteses muito interessantes sobre o funcionamento da escrita. Esses estudos permitiram que compreendssemos que a metodologia das cartilhas pode fazer sentido para crianas convencidas de que para escrever bastaria uma letra, que para escrever macaco seriam necessrias trs letras:MCO ou ACO ou MAC...J para aquelas que ainda cultivam idias muito mais simples a respeito da escrita, sem sequer estabelecer relao entre o falado e o escrito, o esforo de demonstrar que uma slaba geralmente se escreve com mais de uma letra no faz nenhum sentido. E so exatamente essas as crianas que no aprendem com as cartilhas e ficam repetindo a 1 srie, chegando muitas vezes a desistir da escola. Como as crianas constroem hipteses sobre a escrita e seus usos a partir da participao em situaes nas quais os textos tm uma funo social de fato, freqentemente as mais pobres so as que tm as hipteses mais simples, pois vivem poucas situaes desse tipo. Para elas a oportunidade de pensar e construir idias sobre a escrita menor do que para as que vivem em famlias tpicas de classe mdia ou alta, nas quais as crianas ouvem freqentemente a leitura de bons textos, ganham livros e gibis, observam os adultos manusearem jornais para buscar informaes, receberem correspondncia, fazerem anotaes,etc. comum, por exemplo, crianas de famlias que fazem uso cotidiano da escrita pedirem desde bem pequeninas e por razes muitas vezes puramente afetivas para que algum escreva seu nome e dos outros parentes por escrito. So situaes que lhe permitem perceber que tm um nome e que esse nome se escreve, que as outras pessoas da famlia tm nomes e que esses nomes tambm se escrevem. Alm disso costumam ter contato significativo com marcas de produtos, ttulos de histrias, escritos de placas...Assim, essas crianas, antes mesmo de entrarem na escola, passam a ter um repertrio de palavras conhecidas, isto , sabem o que elas querem dizer e conhecem a forma convencional de sua escrita. Esse repertrio de palavras d sustentao sua reflexo, ajuda-as a pensar sobre caractersticas do sistema de escrita e representa uma enorme vantagem quando elas so oficialmente iniciadas na alfabetizao. Isso no significa que as crianas pobres no tenham acesso escrita ou no possam refletir sobre seu funcionamento fora da escola. No entanto, como essas prticas habitualmente no fazem parte do cotidiano do seu grupo social de origem, costumam iniciar a escolarizao em condies muito menos vantajosas do que aquelas que participam de prticas sociais letradas desde pequenas. Mas, vindas de famlias pobres ou no, hoje como no passado muito comum que, mesmo tendo o professor cuidadosamente ensinado a escrever moleque, elas escrevam muleci. O que o professor vai fazer a partir desse momento a ao pedaggica que vai desencadear depender, fundamentalmente, de sua concepo de aprendizagem. Porque, tendo conscincia disso ou no, todo ensino se apia em uma concepo de aprendizagem. Se o professor imagina o conhecimento como algo que, pela ao do ensino, oferecido s crianas para que o absorvam tal como ele est dado, obviamente o menino que escreveu muleci no ter aprendido o que ele ensinou. A idia de que possvel ensinar uma coisa e o aluno aprender outra completamente estranha a quem concebe o conhecimento dessa forma. Mas deixarei essa questo para retom-la mais adiante. POSSIVEL ENXERGAR O QUE O ALUNO J SABE A PARTIR DO QUE ELE PRODUZ E PENSAR NO QUE FAZER PARA QUE APRENDA MAIS

O salto importante que se deu no conhecimento produzido sobre as questes do ensino e da aprendizagem j permite que o professor olhe para aquilo que o aluno produziu, enxergue a o que ele j sabe e identifique que tipo de informao necessria para que seu conhecimento avance. Isso se tornou possvel porque, nas ltimas dcadas, muitas pesquisas tm ajudado a consolidar uma concepo que considera o processo de aprendizagem como resultado da ao do aprendiz. Nessa abordagem, a funo do professor criar as condies para que o aluno possa exercer a sua ao de aprender participando de situaes que favoream isso. As aes, nesse caso, no implicam necessariamente atividade fsica aparente, mas atividade mental, exerccio intelectual. Se olho um menino que escreve muleci, no posso pensar que ele no aprendeu o que eu ensinei. Se o que eu pretendia era que aprendesse sobre o sistema de escrita, devo entender que para escrever muleci ele usou inmeros conhecimentos que j tem sobre esse sistema em portugus. Revelou saber, por exemplo, que escrevemos com letras, que essas letras representam sons, que no qualquer letra que representa qualquer som... E que, provavelmente pela sua experincia de empregar o c para escrever casa e cavalo, considerou que a mesma letra serviria para o que de moleque o que tem muita lgica, embora no coincida com a escrita convencional da palavra. Na verdade, o que ele no sabe ainda muito bem a ortografia. Dentre as possibilidades de representao que existem na escrita alfabtica em portugus, ele no sabe exatamente quais so as aceitas pela conveno e quais no, mas suas estratgias foram, sem dvida, bastante inteligentes. A questo que, no momento em que o professor entende que o aprendiz sempre sabe alguma coisa e pode usar esse conhecimento para seguir aprendendo, ele se d conta de que a pura intuio no mais suficiente para guiar seu trabalho. Como aconteceu comigo no momento em que reconheci muleci como uma escrita incorreta, mas que exprimia um saber. Em 1962, se os meus meninos, para escrever moleque, grafassem UEI, MEI, ou MLC, ou outras possibilidades dessa mesma natureza (o provavelmente alguns fizeram sem que eu sequer notasse), mesmo com muito boa vontade e sensibilidade eu jamais poderia reconhecer essas escritas como expresso de um tipo de saber. Para interpretar adequadamente o que est acontecendo com a aprendizagem de seu aluno, o professor precisa de um conhecimento que produzido no territrio da cincia. Isso porque, na verdade, a gente consegue ver apenas o que tem instrumentos para compreender. PRECISO CONSIDERAR O CONHECIMENTO PRVIO DO APRENDIZ E AS CONTRADIES QUE ELE ENFRENTA NO PROCESSO Cada concepo de aprendizagem produz sua prpria linha de investigaes. ela que determina as pesquisas que se fazem e o ponto de vista do cientista que vai se preocupar com as questes estudadas. Na concepo de aprendizagem que se tem chamado de construtivista na qual o conhecimento visto como produto da ao e reflexo do aprendiz esse aprendiz compreendido como algum que sabe algumas coisas e que, diante de novas informaes que para ele fazem algum sentido, realiza um esforo para assimil-las. Ao deparar com questes que a ele se colocam como problemas, depara-se tambm com a necessidade de superao. E o conhecimento novo aparece como resultado de um processo de ampliao, diversificao e aprofundamento do conhecimento anterior que j detm. Assim sendo, inerente prpria concepo de aprendizagem que se v buscar o conhecimento prvio que o aprendiz tem sobre qualquer contedo. Essa tarefa um desafio que s pode ser superado com conhecimento cientfico especfico. Por exemplo: a partir da revelao feita pela psicognese da lngua escrita de que, enquanto se alfabetizam, as crianas passam por um momento em que representam com apenas uma letra os fragmentos sonoros que conseguem isolar na fala-, tornou-se possvel considerar MLC ou UEI (para escrever moleque) como a expresso de um conhecimento sobre a escrita que precede a compreenso do funcionamento do sistema alfabtico. No momento em que uma criana escreve dessa maneira, ela j sabe que a escrita representa a pauta sonora, que para escrever usamos letras, que no qualquer letra que serve

para escrever, mas ainda no sabe que, quando emite um som do tipo um, a letra u no suficiente para represent-lo. No sabe que vai precisar diferenciar o um do bu e do tu, e que se usar o u para escrever tudo isso, na hora de ler no conseguir recuperar o que escreveu. Porque uma coisa ela pensar um e escrever u, outra depois olhar o u e conseguir decifrar o que escreveu. Alis, muito comum acontecer isso. Crianas com esse tipo de hiptese sobre a escrita muitas vezes escrevem, por exemplo, GATO, PATO e RATO da mesma forma: AO. No entanto, para elas mesmas isso inaceitvel pois ima das primeiras hipteses que as crianas constroem sobre o sistema de escrita a que diz que nomes diferentes no devem ser escritos com as mesmas letras. Nesse descompasso, est o grande territrio das contradies que as crianas tm de enfrentar para superar essa hiptese, que no d conta da escrita no portugus (daria se fosse japons, hebraico, rabe, que so lnguas silbicas e no alfabticas, como a nossa). Contradies como essa so a prpria condio para a aprendizagem, pois colocam o aprendiz em situaes de conflito cognitivo: um conflito que vai gerar necessidade de superao das hipteses inadequadas atravs da construo de novas teorias explicativas. Nesses momentos a atuao do professor fundamental, pois a conquista de novos patamares de compreenso pelo aluno algo que depende tambm das propostas didticas e da interveno que ele fizer. O registro de uma professora, preocupada em identificar o conhecimento que existe por trs das hipteses de seus alunos e em organizar boas situaes de aprendizagem, revela como a ateno ao que ls dizem e pensam condio para perceber os desafios de uma interveno conseqente. PARA APRENDER, A CRIANA PASSA POR UM PROCESSO QUE NO TEM LGICA DO CONHECIMENTO FINAL, COMO VISTO PELOS ADULTOS Se o professor quer saber o que algum que ainda no sabe ler pensa sobre as questes que esto relacionadas ao ato de ler, precisa criar situaes especficas. E essas situaes tm de demandar que as crianas faam coisas para que ele possa perceber o que pensam atravs das suas aes . Isso vale para qualquer rea do conhecimento. O que pode pensar uma criana sobre o nmero, por exemplo, tanto do ponto de vista quantidades quanto dos aspectos notacionais, quando ela ainda no capaz de realizar operaes com nmeros? De um ponto de vista construtivista preciso aceitar a idia de que nenhum conceito nem o nmero, nem a quantidade, nem nada nasce com o sujeito ou importado de fora, mas precisa ser construdo. E que para isso o aprendiz passa por um processo que no tem a lgica do conhecimento construdo. Por exemplo: a um adulto pode parecer absurdo que algum imagine que uma certa quantidade de bolinhas, quando espalhadas, contenha mais unidades do que quando juntas. Mas isso o que pensam as crianas pequenas como mostraram as investigaes de Piaget. Essa uma expresso genuna da lgica infantil: at que tenha construdo a noo de conservao das quantidades, a criana, para estimar quantidades, pautase pela extenso espacial que os objetos ocupam. No entanto, no momento em que constri um conhecimento slido sobre a permanncia das quantidade numricas, ela abandona a lgica anterior e se torna completamente inconsciente do tipo de reflexo que fazia algum tempo antes, mesmo que esse tempo seja de apenas algumas semanas. muito difcil para o professor manter-se dentro de uma viso construtivista se ele no tiver uma postura intelectual a gui-lo e lembrar-lhe o tempo todo que o seu olhar no igual ao olhar da criana, que ele v o conhecimento cientifico disponvel, nica forma de recuperar o olhar de quem est em processo de construo. No caso, por exemplo, da alfabetizao, o modelo geral de aprendizagem no qual se apia a psicognese da lngua escrita de que h um processo de aquisio no qual a criana vai construindo hipteses, testando-as, descartando umas e reconstruindo outras. Mas, durante a alfabetizao, aprende-se mais do que a escrever alfabeticamente. Aprendem-se, pelo uso, as funes sociais da escrita, as caractersticas discursivas dos textos escritos, os gneros utilizados para escrever e muitos outros contedos. O modelo de ensino atualmente relacionado ao construtivismo chama-se aprendizagem pela resoluo de problemas e pressupe uma interveno pedaggica da natureza prpria.

Quando falamos de aprendizagem pela resoluo de problemas no estamos nos referindo aos clssicos problemas escolares de matemtica, e sim utilizao, como ncleo das situaes de aprendizagem, de situaes-problemas. Temos disponvel agora um modelo de ensino que, reconhecendo o papel da ao do aprendiz e a especificidade da aprendizagem de cada contedo, prope que a didtica construa situaes tais que o aluno precise pr em jogo o que ele sabe no esforo de realizar a tarefa proposta. Uma situao-problema se define sempre em relao ao aprendiz. Deve ser uma situao na qual a soluo no v ser buscada na memria, nem a resposta possa ser imediata, pois o aluno precisar mobilizar conhecimentos que j tem e us-los de tal forma que acabar construindo uma soluo no previamente determinada. O QUE SABE UMA CRIANA QUE PARECE NO SABER NADA Quando se fala da importncia de o professor compreender o que seus alunos sabem ou no sabem para poder atuar, a questo mais complexa do que parece. Pensa-se sempre que preciso ter uma boa noo daquilo que os alunos sabem do ponto de vista do contedo a ser aprendido, visto da perspectiva do adulto ou seja, de como os adultos vem a matria que est sendo ensinada. Por exemplo, se o professor est ensinando aritmtica, pode concluir que seus alunos sabem somar e subtrair, mas no sabem multiplicar e dividir. Trata-se de uma constatao simples, mas no disso que estou falando. Volto a me referir ao saber do ponto de vista do aprendiz, porque esse o conhecimento necessrio para fazer o aluno avanar do que ele j sabe para o que no sabe. Falo das construes e idias que ele elaborou e que, no mais das vezes, no foram ensinadas pelo professor, mas construdas pelo aprendiz. UM OLHAR CUIDADOSO SOBRE O QUE A CRIANA ERROU PODE AJUDAR O PROFESSOR A DESCOBRIR O QUE ELA TENTOU FAZER Para descobrir o que pensa o aprendiz nesse territrio do saber no reconhecido preciso observar com olhos despojados. Por exemplo: se uma criana monta um algoritmo de soma para efetuar a operao de 13 menos 7, e pe como resultado 14, o professor v facilmente que a conta est errada. Compreender o que foi que a criana tentou fazer, para descobrir qual a natureza do erro que ela cometeu, exige um olhar mais cuidadoso. Provavelmente ela considerou aquele 3 e aquele 7 embaixo, sabendo que tinha de subtrair naquela coluna. Mas achava que, de 3, no d para tirar 7. Ento fez o contrrio e ps o resultado embaixo. Quando viu, o resultado da subtrao era maior do que as partes, e ela no compreende como aquilo aconteceu. Cabe ao professor pensar. Em vez de dizer simplesmente est errado, seria mais interessante perguntar criana: como que eu posso tirar 7 e ficar com mais do que eu tinha antes? Se o professor tiver uma hiptese sobre como a criana fez aquela conta errada, poder levantar perguntas e questes. Poder tambm tentar pensar junto com ela como que se resolve isso como que se faz no clculo mental e por que no algoritmo sai diferente. Ao contrrio do que muitos professores pensam, as crianas sabem que, de 13, tirando 7, no pode dar 14. Acontece que muitas vezes, na hora em que esto utilizando o algoritmo, sua capacidade de raciocnio matemtico fica em suspenso. Articular, por exemplo, as antecipaes de resultado com os resultados dos algoritmos muito importante. No entanto, a escola no costuma trabalhar com isso. Situaes como essas costumam acontecer diariamente em classe, seja em que rea for. Quando o professor desconsidera o esforo de seu aluno, dizendo apenas que o que ele fez no est correto, sem lhe devolver uma questo, algo sobre o que pensar, acaba, mesmo sem querer, desvalorizando sua tentativa, seu esforo. E, se cada investimento que o aluno fizer no tiver seu valor reconhecido, ele provavelmente vai acabar pensando duas vezes antes de investir de novo. Na verdade, o conhecimento se constri freqentemente por caminhos diferentes daqueles que o ensino supe.

Esses caminhos de construo de conhecimento acontecem no processo de aquisio do sistema alfabtico de escrita, na compreenso de conceitos matemticos e na aprendizagem de outros contedos. Ocorrem mesmo quando os alunos esto submetidos a um tipo de ensino bastante convencional, baseado na certeza de que basta aprender a frmula para resolver todos os problemas. Porque os meninos tem uma exigncia lgica que muitas vezes atrapalha os professores. Como acabaram de compreender a lgica das coisas, tm uma esperana de que o mundo seja totalmente lgico. Na busca da coerncia, da elegncia e de uma lgica interna, as crianas fazem, por exemplo, a regularizao do que irregular na lngua, dizendo eu cabi, em vez de eu coube. Ou, logo na 1 srie, alguns acham absurdo escrever cozinha com z j que o professor lhes ensinou que o s entre vogais tem som de z. O que move as crianas o esforo para acreditar que atrs das coisas que elas tm de aprender existe uma lgica. De certa maneira, aprender , para elas, ter de reconstruir suas idias lgicas a partir do confronto com a realidade. E exatamente porque nem tudo o que elas tm de aprender lgico ou tem uma lgica que esteja ao seu alcance imediato que constroem idias aparentemente absurdas, mas que so importantes no processo de aprendizagem. Se o professor no sabe nada sobre o que o aluno pensa a respeito do contedo que quer que ele aprenda, o ensino que oferece no tem com o que dialogar. Restar a ele atuar como numa brincadeira de cabra-cega, tateando e fazendo sua parte, na esperana de que o outro faa a dele: aprenda. CONHECIMENTO PRVIO DOS ALUNOS NO DEVE SER CONFUNDIDO COM CONTEDO J ENSINADO PELO PROFESSOR Compreender a perspectiva pela qual a criana enxerga o contedo algo que, em muitos casos, s possvel se o professor se colocar numa posio de observador cuidadoso daquilo que o aluno diz ou faz em relao ao que est sendo ensinado. Se quiser trabalhar com o modelo de ensino por resoluo de problemas, com uma concepo construtivista da aprendizagem, o professor precisa ter cuidado para no tornar sinnimos o que o aluno j sabe e o que j lhe foi ensinado, que no so necessariamente a mesma coisa. Nesses casos importante que desenvolva uma sensibilidade e uma espcie de escuta para a reflexo que as crianas fazem, supondo que atrs daquilo que pensam h coisas que tm sentido e que no so fruto da ignorncia. O conhecimento prvio no costuma ser convencional e arrumadinho. Quando pedimos que os alunos estabeleam novas relaes em situaes ainda no experimentadas, fica evidente que o conhecimento se constri de forma aparentemente desorganizada e apresenta contradies que nem sempre so reconhecidas pelo aprendiz. Por isso to importante, na perspectiva construtivista, diante de cada novo contedo, conhecer o que as crianas j sabem e o que podem produzir com e sobre estes saberes. O professor que pretendia qualificar-se melhor para lidar com a aprendizagem dos alunos precisa estudar e desenvolver uma postura investigativa. certo que quando comeamos a ver e reconhecer o movimento de aprendizagem da criana e a forma como costuma acontecer mesmo que seja em relao a alguns contedos apenas, isso funciona como uma espcie de alerta. s vezes no existe conhecimento disponvel sobre a aprendizagem de um determinado contedo para nos ajudar a interpretar o que as crianas fazem. Mesmo assim, se cultivarmos um olhar cuidadoso, certamente avanaremos com mais cautela, seremos menos arrogantes. Minha experincia que a psicognese da lngua escrita abriu esta possibilidade de o professor olhar para a criana e acreditar que para aprender ela pensa, que aquilo que ela faz tem lgica e que se eu no enxergo porque no tenho instrumentos suficientes para perceber o sentido que est posto. Ali Muitos, mesmo no tendo o conhecimento cientfico que lhes permitisse compreender tudo o que precisariam, foram timos professores pois supriam essa deficincia com convices e princpios. O fato de acreditar que os alunos pensam, que so capazes, fundamental para que eles progridam, pois nos leva a respeit-los e apoi-los.

UM CASAMENTO ENTRE A DISPONIBILIDADE DA INFORMAO EXTERNA E A POSSIBILIDADE DA CONSTRUO INTERNA Perguntar criana, quando no se entende sua produo, ajuda muito. Mesmo que o professor no compreenda suas explicaes. muito interessante tambm pr duas crianas para trabalharem juntas e observar, pois elas do explicaes umas s outras que fazem sentido entre elas, e se o professor olhar com cuidado pode compreender muito do que acontece. Para as crianas que apresentam estratgicas mais sofisticadas, a necessidade de explic-las para as que usam estratgias menos avanadas uma situao riqussima na qual podem aprender muito. As exigncias da comunicao obrigam-nas a desenvolver argumentos que consolidam seus conhecimentos, fazendo-as avanar mais. Se o olhar do professor est suficientemente informado, ele pode tomar decises importantes seja na formao das parcerias entre alunos, seja nas questes que ele mesmo prope no desenrolar da atividade. TODAS AS CRIANAS SABEM MUITAS COISAS, S QUE UMAS SABEM COISAS DIFERENTES DAS OUTRAS Vindas de universos culturais diferentes, as crianas sabem coisas diferentes. As mais pobres, por exemplo, aos seis ou sete anos de idade, desenvolvem capacidades que lhes permitem dar banho nos irmos, cozinhar, vender balas em cruzamentos das avenidas sem serem atropeladas, coisas que as de classe mdia e alta, certamente, no do conta de fazer nem alguns anos depois. Essas, como so expostas a desafios diferentes escrever uma carta para a tia, ajudar a me a achar produtos no supermercado, recontar histrias dos livros -, desenvolvem capacidades para esses outros tipos de atividade. Tudo depende do valor que determinadas aprendizagens assumem nas comunidades de origem de cada uma delas. preciso ter isso claro. As crianas vindas de um mundo cultural semelhante ao que valorizado na escola j chegam com enormes vantagens em relao s demais. Para elas a escola ser muito mais fcil, porque est em consonncia com a cultura da famlia e do seu ambiente. No se pode dizer o mesmo das crianas que vm de comunidades onde as pessoas tm menor grau de escolaridade e esto, portanto, mais distantes dos usos cotidianos dos contedos que a escola prope. Elas no dispem do tipo de conhecimento com o qual a escola habitualmente conta e dependem exclusivamente da escola para aprender os contedos escolares, pois no tm, em casa, a quem recorrer. Isso traz a necessidade de que a educao escolar dessas crianas garanta oportunidades de aprendizagem similares quelas que as de classe mdia mamam em casa, com o leite materno. Essa equalizao das oportunidades de aprendizagem das crianas que chegam , como j vimos, tarefa da escola, e, diante dela, a escola precisa refletir sobre suas prticas. Porque, dependendo de como as desenvolve, pode estigmatizar as crianas, prejudicando sua autoestima e dificultando com isso, seu envolvimento com as situaes de aprendizagem. algo que acontece em muitas escolas por meio de atitudes sutis, muitas vezes inconscientes e que, mesmo de maneira involuntria, prejudicam o sucesso escolar dos alunos. Quando se constri um modelo de dficit cultural, por exemplo, como aconteceu no Brasil alguns anos atrs afirmando-se que os meninos pobres que entram na escola tm uma deficincia psicolgica, cognitiva, intelectual, lingstica, ou seja l que nome se queira dar-, inevitvel desembocar numa pedagogia compensatria, do tipo vamos dar a eles o que eles no tm, coitados. O que poderia ser extremamente revolucionrio cai por terra quando consideramos que as experincias trazidas pelas crianas pobres para a escola no so importantes, no servem para nada, devem ser deixadas de lado a experincia valorizada pela escola a nica que importa. preciso, pois, educar o olhar para enxergar o que sabem as crianas que aparentemente no sabem nada. No uma pedagogia compensatria que defendo ao dizer que a escola tem um papel equalizador das oportunidades de aprendizagem. Na verdade, o que precisa ser socializado na escola diz respeito, fundamentalmente, a contedos pertencentes ao mundo da cultura: da literatura, da cincia, da arte, da informao tecnolgica, etc. Todas as crianas tm direito a

isso, porque condio de insero social. Ter essa clareza faz toda a diferena quando estamos comprometidos com uma educao escolar equalizadora que nunca ser total, bem o sabemos. Mas uma coisa a escola no conseguir garantir que todas as crianas atinjam os objetivos desejveis, outra servir de instrumento de excluso social. O professor Darcy Ribeiro proclamava em plena ditadura - e eu sempre acreditei que ele tinha razo-, que no conhecia escola mais eficiente que a brasileira. Porque numa sociedade onde uma minoria tem de controlar tanta gente, dizia ele, o papel que a escola exerce de botar cada pobre no seu lugar extraordinariamente eficiente. Certamente, no esse o tipo de escola que queremos para nossas crianas. TODO PROFESSOR DEVE LEVAR TODOS OS SEUS ALUNOS A PARTICIPAREM DA CULTURA Os professores, especialmente os de classes iniciais, que quiserem contribuir para que todos os alunos de sua classe tenham as mesmas possibilidades de aprender, devem cumprir o papel de estimul-los a participar da cultura. No de uma cultura infantilizada, j que as crianas so capazes de conviver com coisas muito interessantes e elaboradas. Observei uma vez uma professora lendo clssicos para crianas de cinco anos e elas achando absolutamente maravilhoso, podendo assim desenvolver o gosto pela boa literatura desde muito pequenas. Um instrumento poderoso para um professor que pretende ampliar o horizonte cultural e o repertrio de informaes de seus alunos o jornal. At pouco tempo atrs no se podia conceber que uma criana fizesse outra coisa com um jornal a no ser recortar letrinhas para colar no papel. E, ainda hoje, h muita resistncia do professor a sentar com crianas e conversar sobre notcias de jornal, sendo que este um instrumento portador de documentao da histria. Por que no trabalhar a idia dos fatos histricos atuais? Eles esto no jornal. Quais so as novas descobertas da cincia, as tendncias da conjuntura poltica, as novidades da tecnologia, e tantas coisas mais que no so acessveis no dia-a-dia a no ser pelos meios de comunicao. No raro a escola esperar que um menino de 10 anos seja capaz de entrar numa biblioteca e levantar a informao necessria para realizar uma pesquisa em diferentes fontes. No entanto, se ele no vive o uso da informao no cotidiano, se nunca aprendeu a lidar com textos informativos, nunca recebeu ajuda para ir aprendendo a coordenar todos os complicados procedimentos envolvidos numa pesquisa bibliogrfica, como poder fazer isso de forma autnoma e eficiente? Quando no se desenvolve um trabalho coletivo e freqente com os alunos para que aprendam a acessar, selecionar, relacionar, hierarquizar e registrar informaes a partir de pesquisa em diferentes fontes, como vo aprender a faz-lo sozinhos? A escola no pode contar com o que no ensina. NO POSSVEL FORMULAR RECEITAS PRONTAS PARA SEREM APLICADAS A QUALQUER GRUPO DE ALUNOS O professor precisa construir conhecimento de diferentes naturezas, que lhe permitam ter claros os seus objetivos, selecionar contedos pertinentes, enxergar na produo de seus alunos o que eles j sabem e construir estratgias que os levem a conquistar novos patamares de conhecimento. A prtica pedaggica complexa e contextualizada, e portanto no possvel formular receitas prontas para serem aplicadas a qualquer grupo de alunos: o professor, diante de cada situao, precisar refletir, encontrar suas prprias solues e tomar decises relativas ao encaminhamento mais adequado. Um pouco como o antigo mestre-escola, ele precisa ser algum com autonomia intelectual. A NECESSIDADE E OS BONS USOS DA AVALIAO Quando um professor pensa que ensino e aprendizagem so duas faces de um mesmo processo, faz sentido acreditar que, ao final dele, s existam duas alternativas: o aluno aprendeu, ou no aprendeu. Diferentemente disso, se ele v a aprendizagem como uma reconstruo que o aprendiz tem de fazer dos seus esquemas interpretativos e percebe que esse processo um

pouco mais complexo do que o simples aprendeu ou no aprendeu, algumas questes precisam ser consideradas. Uma delas a necessidade de ter claro o que o aluno j sabe no momento em que lhe apresentado um contedo novo, j que o conhecimento a ser construdo por ele , na verdade, uma reconstruo que se apia no conhecimento prvio de que dispe. O conhecimento prvio o conjunto de idias, representaes e informaes que servem de sustentao para essa nova aprendizagem, ainda que no tenham, necessariamente, uma relao direta com o contedo que se quer ensinar. Investigar e explorar essas idias e representaes prvias importante porque permite saber de onde vai partir a aprendizagem que queremos que acontea. Conhecer essas idias e representaes prvias ajuda muito na hora de construir uma situao na qual o aluno ter de usar o que j sabe para aprender o que ainda no sabe. Essa necessidade de avaliar no inicio do processo caracterstica da relao entre ensino e aprendizagem vistos numa tica construtivista. Nela, a informao que o aluno recebeu anteriormente como ensino no define o conhecimento prvio, porque esse constitui toda a bagagem de saberes que o aluno tem, oriundos de diferentes fontes e que so pertinentes para a nova aprendizagem proposta. Portanto, ter conhecimento de quais foram os contedos ensinados anteriormente ao aluno no permite identificar o que ele j sabe: nem sempre ele aprende o que foi ensinado, e como o conhecimento no se organiza de forma linear, as coisas no funcionam to simplesmente quanto agora posso ensinar B, porque no bimestre passado j foi ensinado A. Tendo mapeado o conhecimento prvio dos alunos, nessa espcie de avaliao inicial, e pondo em prtica as situaes planejadas para lev-los a avanar, o professor passa a precisar de um outro instrumento para verificar como eles esto progredindo, j que o conhecimento no construdo igualmente, ao mesmo tempo e da mesma forma por todos. Esse instrumento a avaliao de percurso formativa ou processual, como muitos a chamam feita durante o processo de aprendizagem. Ela serve para verificar se o trabalho do professor est sendo produtivo e se os alunos esto, de fato, aprendendo com as situaes didticas propostas. Como um observador privilegiado das aes do aprendiz, o professor tem condies de avaliar o tempo todo, e essa avaliao que lhe d indicadores para sustentar sua interveno. Mas isso diferente de planejar e implementar uma atividade para avaliar a aprendizagem. Ao montar uma situao de avaliao, o professor precisa ter clareza sobre as diferenas que existem entre situaes de aprendizagem e situaes de avaliao. A AVALIAO DA APRENDIZAGEM TAMBM A AVALIAO DO TRABALHO DO PROFESSOR Avaliar a aprendizagem do aluno tambm avaliar a interveno do professor, j que o ensino deve ser planejado e replanejado em funo das aprendizagens conquistadas ou no. O professor precisa de recursos para compreender o que acontece com seus alunos e para poder refletir sobre a relao entre as suas propostas didticas e as aprendizagens conquistadas por eles. H necessidade de espaos coletivos de discusso do trabalho pedaggico na escola e a importncia da prtica de observao de aula pelo coordenador ou orientador pedaggico ou mesmo por um colega que ajude a olhar de fora. Porque o professor est quase sempre to envolvido que, s vezes, no lhe possvel enxergar o que salta aos olhos de um observador externo. SE A MAIORIA DA CLASSE VAI BEM E ALGUNS NO, ESTES DEVEM RECEBER AJUDA PEDAGGICA Quando, numa atividade para verificar uma aprendizagem determinada, a maioria dos alunos vai mal, certo que o professor no est acertando e precisar rever o seu encaminhamento. Se a maioria da classe vai bem e alguns no, estes devem ser atendidos imediatamente atravs de outras atividades que possibilitem a superao de suas dificuldades. No momento em que alguns comeam a se mostrar perdidos e atrapalhados em relao aos contedos trabalhados, a escola que assume responsabilidade com a aprendizagem de todos

tem obrigao de criar um sistema de apoio para que esses alunos no se percam pelo caminho. Suas dificuldades precisam ser detectadas rapidamente para que eles sejam apoiados, continuem progredindo e no desenvolvam bloqueios. Diante de situaes que provocam sentimento de impotncia, a sade mental das crianas das pessoas em geral, na verdade - exige que elas se desinteressem, porque da condio humana no suportar o fracasso continuado. Portanto, antes que os alunos desistam de aprender o que no esto conseguindo, a escola precisa criar formas de apoio aprendizagem. Existem diversas possibilidades de atend-los: por meio de atividades diferenciadas durante a aula, de trabalho conjunto desses alunos com colegas que possam ajud-los a avanar, de intervenes pontuais que o professor pode propor. Alm dessas, que so propostas realizadas na classe, s vezes vale a pena o encaminhamento dos alunos a espaos escolares alternativos, que acolham alunos com dificuldades momentneas, exatamente para garantir que elas sejam momentneas. quando se deve dispor, na escola, de grupos de apoio pedaggico que se formam exatamente com a finalidade de contribuir para a aprendizagem dos alunos que esto encontrando dificuldades em relao a novos contedos ensinados. Importante que os alunos entrem e saiam dessas atividades de apoio pedaggico na medida de suas necessidades, que no fiquem estigmatizados por participarem delas, que isso seja visto como parte integrante da escolaridade normal de qualquer um. Para tanto, preciso explicitar muito bem as bases do contrato didtico que rege esse trabalho, a fim de que todos os alunos saibam exatamente qual a sua finalidade, e compreendam que no se destina aos menos inteligentes. Quando a escola no assume que o apoio pedaggico uma responsabilidade sua, os professores e alunos ficam abandonados prpria sorte. Os professores porque nem sempre conseguem encontrar alternativas para garantir a aprendizagem de seus alunos. E estes, por sua vez, porque no conseguem superar suas dificuldades momentneas de aprender e acabam se transformando em alunos com dificuldades de aprendizagem. Assim, por falta total de possibilidades de alterar este quadro, todos desistem, professores e alunos, e o fracasso escolar se cristaliza e se avoluma. Se no acreditarmos que os alunos podem aprender, se no estivermos convencidos de que podemos de fato ensin-los, no teremos o empenho necessrio para identificar o que sabem ou no e, a partir da, planejar as intervenes que podem ajud-los a avanar em sua aprendizagem. Alm do mais, os alunos sentem quando no acreditamos que podem superar suas dificuldades, mesmo que digamos o contrrio esse um territrio em que no o discurso que manda, mas a crena que nos orienta. No h prejuzo maior para alunos com mau desempenho do que professores descrentes de sua capacidade: isso refora a imagem de fracassados que, certamente, eles j cultivam. Refora tambm, para todos do grupo, uma imagem negativa desses alunos, e no difcil prever as conseqncias desastrosas para o convvio social na classe. O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL PERMANENTE Se o professor acredita que sua tarefa simplesmente transmitir os contedos ou, como se diz, dar a matria, resta muito pouco sua criao: vai se utilizar apenas do livro didtico e dar aulas expositivas nas quais se esforar para apresentar, o mais claramente possvel, o contedo que quer que seus alunos aprendam. No entanto, quando se trabalha com um modelo de aprendizagem construtivista e um modelo de ensino pela resoluo de problemas, as exigncias so outras. Como vimos nos captulos anteriores, a atividade de ensino do professor vai ter de dialogar com a atividade de aprendizagem do aluno. Para isso ele vai precisar considerar muitas variveis e tomar outras tantas decises, o que equivale a assumir um alto grau de autonomia. Para dar conta dessa nova demanda preciso condies de desenvolvimento profissional e de qualificado diferentes das que vm sendo oferecidas, no geral, aos professores. A viso que se tem do professor hoje a de algum que desenvolve uma prtica complexa para a qual contribuem muitos conhecimentos de diferentes naturezas. Ele mais do que uma correia de transmisso, algum que simplesmente serviria de ligao entre o saber constitudo e os alunos. Seu papel agora tende a ser mais exigente: precisa se tornar capaz de

criar ou adaptar boas situaes de aprendizagem, adequadas a seus alunos reais, cujos percursos de aprendizagem ele precisa saber reconhecer. A discusso que acontece atualmente em muitos pases sobre o que deve ser a formao de professores inclui a questo da formao permanente, que envolve um trabalho de reflexo e estudo por parte do professor como se exige hoje, alis, da maior parte das outras profisses. O desejvel e necessrio que todos, professores e equipe tcnica, se tornem cada vez mais responsveis, coletivamente, pelo resultado do trabalho de toda a escola. O que exige, em geral, a reviso da estrutura organizacional da instituio, um esforo de atualizao permanente e de acesso ao conhecimento mais recente que a cincia produz, para iluminar seu trabalho, alm de um tipo de prtica que est se tornando menos discursiva e mais consistente: a reflexo sobre a prtica. A expresso reflexo sobre a prtica nos remete diretamente ao mestre Paulo Freire. Foi ele quem, no que se refere educao, ps essa idia em circulao. Sob esse nome geral, diferentes prticas foram desenvolvidas desde meados dos anos 60. Prticas que vo desde a troca de idias e sugestes de atividades entre professores produo de relatos reflexivos sobre a prtica realizada em classe, at o que temos chamado de tematizao da prtica. Para ser tematizada, a prtica do professor precisa estar documentada. Essa documentao, que deve ser feita por atividade, pode ser realizada de diferentes formas: as anotaes de algum que entra na classe como observador, um texto produzido pelo professor que inclua seu planejamento, um relato do desenvolvimento da atividade e uma pequena avaliao. A mais poderosa de todas as formas de documentao , no entanto, a gravao da atividade em vdeo. A esta gravao deve-se anexar o relato/reflexo escrito pelo professor, sempre que possvel. A diferena entre o documento produzido por um observador em classe e a gravao em vdeo da atividade que esta permite a conjugao dos mltiplos olhares do grupo de professores e, atravs de discusso, a construo de um olhar comum, coletivo, sobre a atividade que se est analisando. O uso adequado desse recurso tcnico propicia a construo de uma prtica de analisar as situaes que acontecem na sala de aula de tal maneira que nos permite compreender as idias e as hipteses que guiam os atos do professor, ainda que ele no tenha conscincia delas. O trabalho de tematizar a prtica exatamente fazer aflorar essa conscincia, ultrapassando a dicotomia certo ou errado que costuma marcar a anlise da prtica docente. SE A SOCIEDADE QUER UM ENSINO COM QUALIDADE TER DE ASSUMIR QUE ISSO IMPLICA UM PROFESSOR MAIS BEM QUALIFICADO Hoje temos um impasse. Para fazer o que se espera dele, o professor precisa ganhar muito mais e ter condies de trabalho adequadas. Assim, salrio e valorizao andam de mos dadas. preciso que a sociedade tome conscincia de que ele um profissional indispensvel, com um nvel de qualificao superior ao que se imaginava. Se a sociedade quer uma escola de qualidade e hoje ela quer-, vai ter de assumir que isso requer um perfil de professor diferente daquele que vinha sendo proposto, o que implica um salrio bastante diferenciado. Desarmar esse impasse fundamental e urgente. A luta pela valorizao do professor no apenas da sua categoria, mas principalmente da sociedade, que dele no pode prescindir. H nas redes pblicas um ncleo de profissionais com condies de realizar um trabalho de excelente qualidade. Esse ncleo que precisa urgentemente ser ampliado composto por profissionais da educao que, alm de qualificados, respondem exigncia principal que se pe para um educador do sistema pblico, o compromisso com as crianas que freqentam a escola pblica um compromisso poltico com uma parcela da populao que, excluda da escola, tem ainda mais reduzidas as condies de ultrapassar a excluso fora dela tambm.

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