14 Resenha Christian Alves Martins
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Cardoso compreende muito bem do que Chartier nos fala, seja pelo seu longo
tempo dedicado ao ofcio de historiador, testemunha ocular de inmeras escolas e
tendncias tericas e metodolgicas, seja pelo espao vivido quando trabalhou na
Universidade Federal do Rio de Janeiro e no prosseguimento de sua carreira na
Universidade Federal Fluminense. Durante sua vida acadmica, Cardoso doutorou-se,
na Europa, pela Universit de Paris X (Nanterre). Mais tarde, atravessou o Atlntico
novamente, visitou o continente americano, pesquisando na Costa Rica e no Mxico, e
regressou ao Brasil, onde permanece at hoje.
Tempo e espao. Talvez no fosse por acaso, que Ciro Flamarion Cardoso
inicia a progresso de seus ensaios com o texto Dimenses: Tempo e Espao. Este
ttulo d-nos a impresso de que o prprio autor adverte os leitores, como se estas no
fossem s suas preocupaes pessoais de trabalho, mas questes importantes para a
prpria criatura humana.
provvel que a noo de espao, esclarece lucidamente o autor, tenha sido
percebida pelos seres humanos antes do tempo, contudo, sua relao com o espao
evidente, mesmo em situaes corriqueiras, quando predicamos o tempo atravs de um
vocabulrio espacial, como longo ou curto.
Digno de nota o que ele denomina como Acelerao Histrica como sendo
os corolrios do aprimoramento dos meios de comunicao, na segunda metade do
sculo XX, que impulsionaram nosso contato com eventos, praticamente, simultneos
ao seu acontecimento. Corroboramos seu ponto de vista, pois este frentico torvelinho
de informaes, a que estamos submetidos, embaraa-nos e dificulta a nossa percepo.
O autor prossegue, refletindo acerca da temporalidade histrica. Para tanto,
serve-se do trabalho de Marc Aug, ao apropriar-se do conceito de Supermodernidade.
Sua inteno entender, com o auxlio deste antroplogo, sobre o desnorteamento
fruto de uma busca incessante por respostas que esta progresso incessante de eventos
provoca na humanidade.
Para os historiadores, essa nova realidade poder representar na histria do
presente, um interesse sedutor, mas, ao mesmo tempo, desafiante para os pesquisadores.
No obstante o que parece coerente que, em torno dos acontecimentos, ou seja, o olhar
sobre a curta durao no poder estar desassociada do processo histrico.
Cardoso, fundamentado em Pierre Nora, escreve que:
O historiador que se ocupa com a Histria imediata teria interesse em
investir, pelo contrrio, no acontecimento, utilizando-o como meio
para, por seu intermdio, conscientemente, fazer surgir o passado, o
espessor histrico, as estruturas, em lugar de, como era habitual no
trabalho dos historiadores, fazer inconscientemente surgir o presente
no passado (ou seja, projetar o presente no passado). Em outras
palavras, os acontecimentos permitiriam evidenciar o sistema, a curta
durao revelaria a longa durao estrutural. (p. 16)
Isto nos parece claro e com o que acordamos, pois se trata da importncia de
entender na Acelerao Histrica um fato na vida moderna uma oportunidade
valiosa para tentar compreender, no presente, o desencadeamento de embates, como
disputas de poder, ocorridas no passado.
Esta questo parece ficar mais lcida, quando Cardoso prope refletir sobre a
memria. Para tanto, o consagrado historiador se sustenta nos trabalhos do j citado
Pierre Nora aos distinguir a relao entre Histria e Memria Coletiva. O dilogo entre
o autor e Nora nos remete aos trabalhos de Maurice Halbwachs, que tambm
compartilha da idia de que a histria distinta do rememorar coletivo. Em A
Memria coletiva, Halbwachs diz:
A histria, sem dvida, a compilao dos fatos que ocuparam o
maior espao na memria dos homens. Mas lidos em livros, ensinados
e aprendidos nas escolas, os acontecimentos passados so escolhidos,
aproximados e classificados conforme as necessidades ou regras que
no se impunham aos crculos de homens que deles guardaram por
muito tempo a lembrana viva.4
LANGLOIS, Charles; SEIGNOBOS, Charles. Determinao dos fatos particulares, Condies gerais da
construo histrica e Exposio. In: Introduo aos Estudos Histricos. So Paulo: Renascena,
1946.
7
WHITE, Hayden. O texto histrico como artefato literrio. In: Trpicos do discurso: Ensaios sobre a
crtica da cultura. So Paulo: EDUSP, 1994, p. 102.
8
VEYNE, Paul. Como se escreve a histria; Foucault revoluciona a histria. Traduo de Alda Baltar e
Maria Auxiliadora Kneipp. 4. ed. Braslia: Ed. UnB, 1998.
CERTEAU, Michel de. A escrita da histria. Traduo de Maria de Lourdes Menezes. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitria, 2002.