A Docência Como Arte Ou A Docência em Arte - Taís Ferreira

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A docência como arte ou a docência em arte?

A docência como arte ou a docência em arte? Questões acerca da formação de um do


cente-artista em teatro
Autora: Taís Ferreira[1]
Resumo: Este artigo propõe questões relativas à construção de pressupostos para
formação de um docente-artista em teatro, a partir de uma breve explanação sobre
o espaço de intersecção entre o teatro e a educação no Brasil e suas modificaçõ
es nas últimas duas décadas.
Alguns bons motivos para discutir este assunto
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases para Educação de 1996, que organiza e regula
menta o ensino fundamental, o ensino médio e a educação de jovens e adultos no B
rasil, as artes passam a ser componente obrigatório no currículo do ensino forma
l e regular em todas as escolas e redes de educação pública e privada do país. E
sta resolução que parece lugar-comum carrega em si uma potencialidade de transfo
rmação poucas vezes debatida no âmbito acadêmico. Assim como as artes passam de
componente curricular eletivo para obrigatório, torna-se necessária a formação d
e docentes com especialização em cada uma destas linguagens que compõem o dito u
niverso das artes (agora compreendidas no plural, e não mais como a Arte), e que s
ão, segundo o MEC, as áreas das artes visuais, da música, do teatro e da dança.
Um das implicações mais efetivas da promulgação da LDB de 1996 é a de que o doce
nte em educação artística com formação polivalente das décadas de 70 e 80 deveri
a ser gradualmente substituído por professores com domínio prático e teórico apr
ofundado em uma das linguagens artísticas. Esta prerrogativa acarretou, nos últi
mos dez anos, a reestruturação curricular de praticamente 100% dos cursos de lic
enciatura em arte nas universidades brasileiras, fazendo com que estes novos cur
rículos se voltassem a uma formação específica nas áreas de conhecimento compree
ndidas pela grande área das artes, aliada à reflexão acerca das questões relativ
as às linguagens artísticas, à educação e com cargas horárias de atividades prát
icas predominantes, tanto na aquisição da linguagem artística por parte do gradu
ando quanto nas práticas pedagógicas e educacionais que estes exerceriam como do
centes em arte.
Para além das mudanças de caráter de estruturação curricular nas licenciaturas,
pôde-se observar nos últimos anos um aumento na procura por estes cursos, bem co
mo uma notável transformação no modo como são encarados junto ao meio acadêmico.
Se antes da LDB de 1996 as licenciaturas eram compreendidas pejorativamente com
o cursos menores , que não primavam por uma formação sólida nas linguagens artístic
as, formando profissionais considerados aquém daqueles formados pelos bacharelad
os em arte, hoje vemos emergir a instituição de um novo paradigma, que se encami
nha no sentido de valorizar o artista apto à docência em arte, sendo que a deman
da do mercado de ensino formal e informal juntamente com os novos currículos col
aboram para a valorização deste profissional.
Destarte, torna-se imperativo, neste momento em que a área de artes cênicas no C
entro de Artes e Letras da Universidade Federal de Santa Maria completa 30 anos
e que a partir do programa de reestruturação das universidades federais (REUNI)
constrói-se um curso de Licenciatura em Teatro vinculado ao Departamento de Arte
s Cênicas (que já conta com um bacharelado com formação em duas ênfases: direção
teatral e interpretação teatral), colocar no centro dos debates empreendidos pe
la área os pressupostos para a formação de um docente-artista e as implicações (
políticas, éticas, formativas, culturais) desta postura na formulação do currícu
lo do novo curso.
Teatro e educação: baião-de-dois?
A fim de iniciarmos a discussão acerca daquilo que deve (ou não) ser considerado
, colocado em evidência ou silenciado na elaboração de um currículo e de pressup
ostos para a formação de um docente-artista em teatro, julgo ser pertinente disc
orrer, ainda que brevemente, acerca do binômio teatro e educação. É importante s
alientar que entendo neste espaço de discussão o teatro e a educação envolvidos
em um movimento de articulação, que, segundo Hall (GROOSBERG, 1996), é um proces
so de ligações provisórias, respeitando as especificidades de cada parte envolvi
da, formando um todo em que ambas as partes coexistem compreendendo suas diferen
ças, em um desejo de construção de uma nova realidade.
Quanto ao debate acerca dos currículos, tão evidenciado no campo educacional, cu
mpre notar que aqui entendo currículo segundo um ponto de vista cultural e não s
omente conteúdista, como um elenco de saberes e de poderes que se articulam na f
ormação não de um determinado tipo de profissional, mas na constituição de ident
idades e das subjetividades dos discentes enredados pelas redes de poder-saber p
romovidas pelo currículo, bem como por tudo aquilo que um currículo silencia a p
artir do que é eleito como importante (ou não) para compô-lo como mosaico de dis
ciplinas, linhas de investigação, práticas metodológicas, referenciais teóricos
e conteúdos. Assim sendo, um currículo não é inocente, nunca será neutro e sempr
e ensinará modos de ser e estar no mundo, excedendo em muito ser um elenco de coi
sas que devem definitivamente ser ensinadas e aprendidas .
Voltando-me mais detidamente à questão do teatro e da educação, é importante sal
ientar a juventude do campo do teatro atrelado às atividades educacionais. Os pr
imeiros cursos de graduação em teatro vinculados a estruturas universitárias dat
am da década de 50. Já o ensino de artes na educação básica, primeiramente ligad
o às artes plásticas, tem seus primórdios na área de teatro somente nos anos 70,
ainda que a prática de formação de grupos teatrais estudantis remonte ao século
XVI, e o teatro e a dramaturgia sempre tenham sido recursos didáticos constante
s em aulas de português, literatura, história e línguas estrangeiras ao longo da
história da escolarização ocidental. No entanto, no Brasil, o ensino de teatro
é recente e tem nas últimas duas décadas se desenvolvido consideravelmente, seja
através da ocupação de espaços educacionais como as escolas, seja em práticas c
ulturais comunitárias realizadas através de oficinas e cursos livres, ou da form
ação de grupos de teatro amador.
Entende-se neste espaço o teatro como um campo específico do saber, que atrelado
a outros campos em processos necessários de permuta e hibridização, acaba por d
iferenciar-se dos demais ao constituir suas regras e modos de procedimento de pr
odução, circulação e recepção dos artefatos que produz. Destarte, compreendo o t
eatro em suas relações educacionais como uma linguagem (e um campo do saber) aut
ônoma a ser aprendida, desenvolvida, experienciada e adquirida pelos alunos e al
unas que com ela contatarem e não somente como um recurso didático a serviço de
outras disciplinas e/ou outros campos do saber já institucionalizados e tradicio
nais na construção de currículos escolares.
Nas últimas duas décadas, a pedagogia do teatro amplia seus horizontes de atuaçã
o e também se multiplicam as possibilidades de exercer esta atividade, com a var
iedade de espaços educacionais a serem ocupados pelos profissionais de teatro, d
e públicos a serem atingidos e de metodologias a serem desenvolvidas. O crescime
nto dos cursos de pós-graduação em teatro e das linhas de investigação em teatro
junto aos programas de pós-graduação em educação também tem corroborado para a
constituição e desenvolvimento de ricas investigações acerca das relações entre
o teatro e a educação em território brasileiro.
Um breve mapeamento de cunho histórico (repleto de falhas e lacunas, é important
e salientar) de caráter unicamente informativo, aponta para algumas iniciativas,
ligadas ao meio acadêmico (como o caso de pesquisadoras como Pupo, Koudela e Ca
bral) que assinalaram rumos muito concretos e precisos para a construção deste b
inômio, principalmente no que concerne à formação de professores de teatro. Desv
inculadas dos ambientes universitários e voltadas primordialmente às práticas co
munitárias, encontramos iniciativas de reconhecimento internacional como o desen
volvimento de todas as práticas ligadas ao teatro do oprimido de Boal.
Podemos citar ainda uma série de importantes estudos que vêm sendo realizados ne
ste espaço de intersecção entre o teatro e a educação, a partir de diversos pont
os de vista e de grande variedade de referenciais teóricos, estes articulados e
colocados em movimento com o intuito de refletir acerca do teatro e da educação.
Podemos citar, portanto, estudos realizados durante a década de noventa e a pri
meira década dos anos dois mil, como os de Desgranges (2003) acerca da pedagogia
do espectador, o de Gil (1996) relacionando o jogo ao ensino do teatro, Bertoni
dos Santos (2003) discorrendo a partir do referencial piagetiano sobre a constr
ução do conhecimento em teatro, Spritzer (2004) acerca da formação de atores na
universidade e Icle (2007) sobre a aquisição de conhecimentos teatrais de atores
pela vertente da antropologia teatral a partir dos referenciais da epistemologi
a genética piagetiana, entre tantos outros.
Quanto aos diferentes públicos (crianças, jovens, adultos, trabalhadores, ditas
minorias culturais, idosos, entre outros) que contemporaneamente têm a oportunid
ade de vivenciar a experiência teatral e os múltiplos espaços educacionais (esco
las públicas e privadas de ensino regular, escolinhas de arte, oficinas comunitá
rias, oficinas profissionalizantes, projetos sociais, ONGs, associações de bairr
o) que hospedam e incentivam a aprendizagem da linguagem teatral, uma breve mira
da nos propicia um panorama otimista se considerarmos o massivo crescimento dest
es espaços e a ampliação dos públicos atingidos, sendo estes, no entanto, ainda
muito inferiores à totalidade dos alunos e alunas de ensino médio e fundamental,
referindo-me somente o ensino regular, que têm o direito de formação nas divers
as linguagens artísticas garantido pelas LDBs para educação no Brasil.
No que concerne às diferentes metodologias ou possibilidades metodológicas (dram
a, jogos teatrais, treinamento de ator, formação de espectadores, teatro do opri
mido, entre outros) aplicadas e promovidas a fim de desenvolver nos educandos a
aquisição de elementos da linguagem teatral amparada nos três eixos que a nortei
am (a saber, a experimentação da prática teatral, a vivência como espectadores e
a aquisição de conhecimentos ligados à teoria e à história da linguagem teatral
), temos no Brasil algumas linhas que posso arbitrariamente destacar, a fim de p
ropiciar ao leitor uma visão ampla, ainda que não aprofundada, do ensino de teat
ro no Brasil.
Observamos, primeiramente, a iniciativa pioneira de Koudela, que ao traduzir as
seminais obras de Spolin para o português propiciou que a prática dos jogos teat
rais e da improvisação se disseminassem pelos ambientes escolares, pelos grupos
amadores e pelas escolas de teatro de todo o país, sendo ainda hoje referencial
absolutamente necessário à construção de possíveis metodologias do ensino do tea
tro. A mesma autora possui importantes trabalhos desenvolvidos acerca das peças
didáticas de Brecht e das possibilidades metodológicas de instrumentos teatrais
didáticos apresentadas por este homem de teatro. Podemos ainda citar a vertente
do jogo teatral de origem francesa, que chega até nós através das experiências d
e Pupo. No Rio de Janeiro, através de seu Centro do Teatro do Oprimido, Boal tem
desenvolvido metodologias e conhecimento amplo, difundido internacionalmente, a
cerca do teatro como instrumento didático para a aquisição da linguagem e também
com intuito de promover transformações socioculturais nas comunidades em que sã
o desenvolvidos, isto desde a década de 60. Mais ao sul, saindo do eixo Rio-São
Paulo, encontramos o também pioneiro trabalho de Cabral, que apresenta ao Brasil
o drama (de origem inglesa) como método para um trabalho com teatro em variados
ambientes educacionais.
Certa de que este é um mapeamento incompleto, cito ainda as diversas linhas, ver
tentes e possibilidades metodológicas desenvolvidas nas escolas de teatro e grup
os de investigação do trabalho do ator. Estes atores e diretores com formação em
diversas técnicas e métodos de interpretação e/ou representação teatral, acabam
muitas vezes sendo professores de teatro e orientadores de oficinas cênicas em
diferentes ambientes educacionais. Desta forma, os procedimentos de formação des
tes profissionais respingam para além dos muros das escolas profissionalizantes
de teatro, transformando-se em métodos aplicados ao trabalho com alunos e alunas
iniciantes em teatro, na maioria das vezes crianças e jovens, alcançando os gru
pos coordenados por estes professores que receberam formação na pedagogia do ato
r ou do diretor de teatro e, não necessariamente, uma formação voltada à pedagog
ia do teatro aplicada a crianças, jovens e interessados que não queiram se profi
ssionalizar.
Assim, podemos listar, ainda que aleatoriamente, em vista da diversidade de técn
icas e métodos investigados e praticados no Brasil contemporaneamente, algumas d
estas vertentes. São desenvolvidas também na pedagogia do teatro, portanto, as t
écnicas do circo-teatro e da dança-teatro, a formação de clowns, as idéias e pro
postas de treinamento de pedagogos do teatro como Stanislávski, Meyerhold, Groto
wski, Barba, Copeau, Jouvet, Lécoq e Décroux e as influências da formação no tea
tro oriental e nas tradições teatrais do ocidente (commedia dell arte, melodrama,
farsa), entre tantas possibilidades que aqui poderiam estar elencadas.
Podemos finalizar este brevíssimo mapeamento sobre a dupla teatro e educação con
cluindo que a tão apregoada diversidade, presente em grande parte dos discursos
educacionais, é um dos fatores constituintes deste baião-de-dois , deste binômio qu
e alia dois campos como o teatro e a educação, misturando-os, mesclando-os, mas
sem perder de vista as especificidades que envolvem tanto a prática/reflexão em
teatro quanto a prática/reflexão educacional.
A docência como arte ou a docência em arte?
Em determinado momento de minha formação, no qual eu enredava-me nos meandros da
educação e articulava a este campo meus desejos de pesquisa em teatro, foi-me d
ito por um daqueles mestres que fazem da docência a sua arte: faça perguntas. A
partir disso, dedico-me a fazer perguntas, não com o intuito de respondê-las, no
geral, mas com a vontade de mobilizar conceitos, saberes e tudo aquilo que tomo
como verdades absolutas e descubro ser nada mais do que algumas histórias que m
e foram contadas, nas quais passei a acreditar piamente, sem questioná-las, sem
tocá-las com o desejo de mobilizá-las nas infinitas e potenciais histórias que e
stão atreladas a cada história. Tornei-as, eu mesma, histórias inférteis, já que
não lhes abri a possibilidade de gerar outras e outras e outras histórias.
Gostaria de compartilhar com o leitor deste texto, justamente neste momento em q
ue, envolvida pelas tramas da construção curricular de um curso de licenciatura
em teatro, me permito deslocar conceitos, fazer perguntas e desconstruir (no sen
tido derridiano) histórias que me acompanham, algumas reflexões sobre ser um doc
ente-artista ou um docente em arte a as implicações destes dois modos de percebe
r prática da pedagogia do teatro.
Lanço, portanto, questões, a fim de, a partir delas, promover algumas linhas de
deslocamento: a arte pode (ou deve) estar desatrelada de um caráter pedagógico,
ou seja, de seus rituais específicos de ensino e aprendizagem? Ensinar a ensinar
é possível? Ensinar a ser artista é possível? Levam-se em conta os processos de
criação e formação pessoal de um aluno de arte. Por que se insiste, em determin
ados espaços, em silenciar os processos de formação e de criação de um docente?
Todos os artistas, somente pelo fato de reconhecerem-se como tais, estão aptos a
uma docência-artística? A docência em arte é, necessariamente, um exercício da
docência como arte?
Parto da última pergunta que compõe o elenco de perguntas (complexas e indissolú
veis) que têm me acompanhado nos últimos meses, pois me parece que ela potencial
iza a mobilização de alguns saberes e poderes que se tornaram lugar-comum entre
os artistas que compõem quadros docentes em cursos de arte nas universidades. É ba
stante perceptível, quase óbvio, que os alunos que freqüentam cursos de licencia
tura em arte necessariamente deverão desenvolver processos criativos e plena aqu
isição da linguagem na qual estão buscando tornarem-se professores. No entanto,
não me parece que priorizar somente os conhecimentos em arte seja um caminho seg
uro para formação de um profissional apto à pedagogia do teatro. Há muitos outro
s fatores envolvidos na formação de um professor, a começar pelo perfil de docen
te que queremos forjar.
Queremos nas escolas e nos espaços educacionais informais um docente-artista ou
um docente em arte? Queremos um docente-artista que dialogue com seus alunos e a
lunas, em um intercâmbio de desejos criativos e na promoção de sua execução/conc
retização ou um docente em arte que transmita verticalmente conhecimentos que po
ssui na linguagem teatral? E ainda: é plausível compreender a docência como arte
? Discorre Corazza (2001), acerca desta (possível) docência:
Que, ao se exercer, cria e inventa. Docência que "artista". Que, ao educar, rees
creve os roteiros rotineiros de outras épocas. Desenvolve a "artistagem" de prát
icas pedagógicas ainda inimagináveis e, talvez, nem mesmo possíveis de serem dit
as. Práticas que desfazem a compreensão, a fala, a visão e a escuta das mesmas c
oisas, dos mesmos sujeitos, dos mesmos conhecimentos. Desassossegam o sossego do
s antigos problemas e das velhas soluções. Estimulam outros modos de ver e ser v
isto, dizer e ser dito, representar e ser representado. Em uma expressão: disper
sam a "mesmice" (CORAZZA, 2001).
A docência como arte implica em perceber a ação do professor junto aos seus alun
os e alunas e às atividades que se propõem a construir coletivamente como um pro
cesso criativo colaborativo, em que discentes e docentes exerçam suas potenciali
dades criativas através da experimentação dentro do campo educacional em questão
, amparados pela reflexividade propiciada pelo amparo teórico nos ditos campos.
Assim sendo, podemos perfeitamente encontrar professores de disciplinas consider
adas duras, como as da grande área das exatas (matemática, física, química, entr
e tantas outras) e das tecnológicas (dentre elas todas as engenharias, por exemp
lo), exercendo docências artísticas, nas quais além de incentivarem a iniciação
de seus pupilos nas linguagens e conceitos de suas áreas, exercem essa parceria cri
ativa com os alunos e alunas, tanto no processo de elaboração das aulas, como no
âmbito investigativo e na produção de conhecimento de forma colaborativa.
E outras questões surgem a partir das considerações já expostas: entendemos o ex
ercício da docência como uma possibilidade criativa e produtiva, na qual as rela
ções entre discentes e docentes estejam permeadas pelo ensino e pela aprendizage
m em uma via de mão dupla? Percebemos os espaços educacionais também como espaço
s através dos quais são constituídas as identidades e as subjetividades dos prof
essores e dos alunos? É somente o exercício da arte como produtor de obras e art
efatos que coloca um sujeito na posição de artista? Os lugares em que se aprende
e se ensina, sejam eles de ensino regular ou não, não podem (ou devem) ser comp
reendidos como potenciais espaços de criação? Os processos e resultados empreend
idos, promovidos e acompanhados por um docente em arte e sua participação efetiv
a na constituição destes trabalhos não podem ser considerados produção artística
?
Tentando responder a algumas das perguntas acima, rememorando as experiências qu
e conheço na formação de professores de teatro, percebo que, historicamente, na
maioria dos casos, a formação do professor de teatro está atrelada à sua constru
ção pessoal como profissional artista. A formação como artista precede (cronolog
icamente e em importância) a de professor de artes. Antes se constrói o artista,
para, quem sabe, este vir a ser um docente, seja pelas inúmeras oportunidades o
ferecidas pelo mercado educacional ou como forma de subsistência, em decorrência
da falta de espaços de trabalho aos artistas. Este foi, e talvez ainda seja, o
discurso mais presente quando se trata da questão da formação de um docente em t
eatro no Brasil. E saliento que não estou aqui promulgando que os discentes de c
ursos de licenciatura não recebam formação específica em suas respectivas áreas,
mas que esta esteja intrinsecamente relacionada às práticas educacionais (que p
odem também ser consideradas artísticas) que irão exercer.
Assim, considero imperativo que este modo de perceber a docência ligada à arte t
ransforme-se na construção de novos currículos ligados ao teatro e à educação, b
uscando a formação de um docente-artista que se reconheça e constitua como tal p
or opção, por vislumbrar através do teatro e da educação possibilidades de exerc
er a sua artistagem-docente . Cabe ressaltar que, contemporaneamente, percebemos de
slocamentos emergentes que se fazem ouvir e atuam junto aos departamentos de art
es cênicas das universidades brasileiras, com a construção de currículos de curs
os de licenciatura em teatro que buscam mobilizar esta forma reducionista de per
ceber o futuro professor de teatro como aquele que não teve outra opção, se não a
docência . Este graduando dos cursos de licenciatura em teatro receberá, segundo
os novos pressupostos que norteiam a construção dos currículos, uma formação vol
tada para o pleno desenvolvimento da docência artística[2].
Gostaria de finalizar estas breves considerações acerca da formação de um docent
e-artista em teatro, valendo-me mais uma vez das digressões de Corazza e de sua
proposta de docência como artistagem , a fim de estimular ao leitor deste artigo al
guma reflexão acerca das temáticas por ele desenvolvidas e das perguntas que aqu
i lancei e não foram respondidas.
Uma artistagem, de ordem estética, ética e política. Derivada dos sobressaltos e
das alegrias de trabalhar nas fronteiras entre as disciplinas e as pós-discipli
nas, os sujeitos e os não-sujeitos, os sentidos e os sem-sentidos. De seres fron
teiriços que, auto-recriando-se, fazem coisas que renovam e singularizam o seu t
rabalho cultural de Educação. Docência de um artista que promove o autodespreend
imento, implicado no questionamento dos próprios limites. Que problematiza o que
diz e como age, o que é, o que o fizeram ser, o que querem e insistem que ele s
eja (CORAZZA, 2001).
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[1] Este artigo foi escrito em 2008, quando fui integrante da Comissão de Elabor
ação do Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Licenciatura em Teatro da UFSM
. Ele está originalmente publicado na Revista Expressão, do CAL da UFSM, em um D
ossiê sobre Teatro, de 2008.
[2] Exemplifico aqui este novo modo de pensar e fazer a formação de um docente-art
ista através do currículo elaborado para curso de Licenciatura em Teatro da UDES
C (Universidade do Estado de Santa Catarina), disponível no site da instituição.

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