Toyotismo - Ricardo Antunes
Toyotismo - Ricardo Antunes
Toyotismo - Ricardo Antunes
Ricardo Antunes
de 70 - que em verdade era expressão de uma crise estrutural do capital que se estende
até os dias atuais - fez com que, entre tantas outras conseqüências, o capital
ciclo reprodutivo e, ao mesmo tempo, repor seu projeto de dominação societal, que foi
oriundas do trabalho, acabaram por suscitar a resposta do capital à sua crise estrutural.
(Antunes, 1999a)
solidariedade e de atuação coletiva e social. Segundo Ellen Wood, trata-se da fase onde
539/540)
Estas mutações, iniciadas nos anos 70 e em grande medida ainda em curso têm,
entretanto, gerado mais dissenso que consenso. Segundo alguns autores, elas seriam
sociedade capitalista.
Ainda que próximos deste enfoque crítico, outros autores procuram acentuar tanto os
1 Ver também Pollert, 1996, Stephenson, 1996, Ackers, Smith e Smith, 1996, entre
outros.
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1973", que se caracteriza pela nova "divisão de mercados, desemprego, divisão global
tecnológica", entre tantas mutações que marcam essa nova fase da produção capitalista.
É com maior afinidade a esta linhagem que nossa reflexão se insere: as mutações
processo de acumulação flexível, com base nos exemplos da Califórnia, Norte da Itália,
Suécia, Alemanha, entre tantos outros que se sucederam, bem como as distintas
das mercadorias (Mészáros, 1995: cap. 15/16), necessária para a reposição do processo
evidente: quanto mais “qualidade total” os produtos devem ter, menor deve ser seu
velocidade da produção de valores de troca, faz com a “qualidade total” seja, na maior
que os produtos devem durar pouco e ter uma reposição ágil no mercado. A “qualidade
total”, por isso, não pode se contrapor à taxa de utilização decrescente do valor de uso
capital, afetando desse modo tanto a produção de bens e serviços, como as instalações e
produção destrutiva. Por isso, em seu sentido e tendências mais gerais, o modo de
mecanismo produtivo que tem como um dos seus pilares mais importantes a taxa
Não falamos aqui somente dos fast foods (do qual o McDonalds é exemplar),
que depejam toneladas de descartáveis no lixo, após um lanche produzido sobre o ritmo
médio de vida útil estimada para os automóveis modernos e mundiais, cuja durabilidade
sua substituição, pois os novos sistemas não são compatíveis com os anteriores. As
existente em seu setor, cria-se uma lógica que se intensifica, e da qual a “qualidade
total” está totalmente prisioneira. Mais que isso, torna-se mecanismo intrínseco de seu
funcionamento e funcionalidade. Com a redução dos ciclos de vida útil dos produtos, os
capitais não têm outra opção, para sua sobrevivência, senão inovar ou correr o risco de
de seu sistema computacional, o tempo de vida útil dos produtos reduz-se enormemente.
da lei de tendência decrescente do valor de uso das mercadorias, entre tantos outros
Claro que aqui não se está questionando o efetivo avanço técno-científico, quando
deveria ser preservado, tanto para o atendimento efetivo dos valores de uso sociais,
Tentando reter seus traços constitutivos mais gerais, é possível dizer que o
com uma estrutura mais horizontalizada e integrada entre diversas empresas, inclusive
reduzindo ou eliminando em muito tanto o trabalho improdutivo, que não cria valor, ou
que nela exerciam sua atividade laborativa, pode-se dizer que, na era da acumulação
em um "sindicalismo de empresa".
Itália (Terceira Itália), à experiência dos EUA (do Vale do Silício) e da Alemanha, entre
outros.
O sistema industrial japonês, a partir dos anos 70, teve grande impacto no
mundo ocidental, quando mostrou-se para os países avançados como uma opção
sindical, eram vistos pelos capitais do Ocidente como uma via possível de superação de
do modelo japonês "intensificou-se no final dos anos 70, depois de uma década de
Ocidente. (...). Além dos conhecidos elementos da indústria japonesa, tais como
linha. Gradualmente, tornou-se claro que o que existia não eram simplesmente algumas
pós-45 e que, muito rapidamente, se propaga para as grandes companhias daquele país.
4Ver, sobre o toyotismo, Gounet, 1997; 1992 e 1991; Shimizu; 1994; Ichiyo,
1995; Coriat, 1992; Sayer; 1986 e Kamata, 1985.
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produção;
fordismo;
toyotista é responsável por somente 25%, tendência que vem se intensificando ainda
mais. Esta última prioriza o que é central em sua especialidade no processo produtivo (a
empresa, entre tantos outros pontos, são levados para um espaço ampliado do processo
produtivo;
trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com
8) o toyotismo implantou o "emprego vitalício" para uma parcela dos trabalhadores das
nas fábricas inseridas neste modelo, a estabilidade do emprego, sendo que aos 55 anos o
dos supermercados dos EUA, que deram origem ao kanban, o toyotismo também
este receituário se amplia para o conjunto das empresas japonesas, seu resultado foi a
para economizar trabalho mas, mais diretamente, para eliminar trabalhadores. Por
livre durante as horas de trabalho tem sido retirado dos trabalhadores da linha de
montagem, sendo considerado como desperdício. Todo seu tempo, até o último
O processo de produção de tipo toyotista, através dos team work supõe, portanto, uma
velocidade da cadeia produtiva dada pelo sistema de luzes. Ou seja, presencia-se uma
quando este se reduz. Na fábrica Toyota, quando a luz está verde, o funcionamento é
normal; com a indicação da cor laranja, atinge-se uma intensidade máxima e, quando a
(Ichiyo, 1995: 45/46; Gounet, 1991: 41; Coriat, 1992:60; Antunes: 27/28)
De modo que, similarmente ao fordismo vigente ao longo do século XX, mas seguindo
claro exemplo do que acima mencionamos. (Japan Press Weekly, op. cit.)
A expansão do trabalho part time, assim como as formas pelas quais o capital se utiliza
função das condições do mercado em que se inserem. Quanto mais se distancia das
trabalhadores da Toyota trabalham cerca "de 2.300 horas por ano enquanto os
1997: 78)6
de enorme interesse para o capital ocidental, em crise desde o início dos anos 70. Claro
vitalício" para parcela de sua classe trabalhadora (30%, segundo os autores), algo muito
diverso ocorre no Ocidente, onde a segurança no emprego aparece com ênfase muito
Europa. "Com efeito, a segurança no emprego não é aceita por mais do que 11% das
empresas. Ele é relativamente mais aceito no Reino Unido (13% das firmas instaladas
dentro dele), do que na França (5%) ou na Espanha (6%)". (Costa e Garanto, 1993: 98)
portanto, elementos presentes no Japão, com práticas existentes nos novos países
neoliberal, não foi difícil perceber que, desde fins de 70 e início de 80, o mundo
Foi neste contexto que a General Motors, em meados de 70, iniciou seus contatos com o
utilizando-se apenas de um dos seus aspectos, de modo isolado, a GM viu fracassar sua
esse que se iniciou com 302 robôs em 1980, objetivando atingir 14 mil em 1990. (Ver
7 Sobre o projeto Saturno da GM, ver também Bernardo, 1996. Sobre a experiência
japonesa nos EUA ver Berggren, 1993.
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de um novo modelo, o qual, entretanto, não conseguiu superar os preços dos similares
produzidos no Japão, pela Mazda e pela Mitsubishi. Desta fase resultou o projeto
Saturno, iniciado em 1983, e que levou à construção de uma nova planta em Spring
operando com empresas que foram chamadas para a proximidade da GM, reproduzindo
vínculo mais direto com o consumidor permitia a produção dos veículos com as
empresas como a Isuzu, a Suzuki e, em 1983, realizou joint venture com a própria
Toyota, para produzir um carro de pequeno porte na fábrica da GM, na Califórnia, que
tinha uma tecnologia bastante atrasada. Cabia a Toyota toda a gestão deste novo projeto.
Manufacturing Inc), no outro lado dos EUA, sem precisar recorrer à introdução de
altamente tecnologizada foi, então, abandonada pela GM/Saturno, que passou a investir
humano em equipe. Reconheceu, deste modo, que não adiantou introduzir robôs e
com às mutações tecnológicas. Data de 1987 a criação do Quality Network System, cuja
mercado americano, o que não lhe garantiu grande faixa lucrativa. No mercado europeu,
Esta assimilação do toyotismo vem sendo realizada por praticamente todas as grandes
também para o setor industrial em geral e para vários ramos do setor de serviços, tanto
nos países centrais, quanto nos países de industrialização intermediária. E esse processo
foi responsável pela acentuação das formas sociais de estranhamento (ou alienação) no
Quer pelo exercício laborativo manual, quer pelo imaterial, ambos, entretanto,
interior das empresas, a subjetividade que emerge na fábrica ou nas esferas produtivas
maior "participação" nos projetos que nascem das discussões dos círculos de controle de
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produz.
largamente compensados pelo capital, uma vez que a necessidade de pensar, agir e
atender aos desejos do mercado consumidor. Mas sendo o consumo parte estruturante
aparência de maior liberdade no espaço produtivo tem como contrapartida o fato de que
adversa aos trabalhadores, um solo social que constrange ainda mais o afloramento de
está em enorme medida estruturado pelo capital. Dos serviços públicos cada vez mais
privatizados, ao turismo, onde o "tempo livre" é instigado a ser gasto no consumo dos
Um exemplo ainda mais forte é dado pela necessidade crescente de qualificar-se melhor
e preparar-se mais para conseguir trabalho. Parte importante do "tempo livre" dos
o capital usa para transferir aos trabalhadores as necessidades de sua qualificação, que
anteriormente eram em grande parte realizadas pelo capital. (Ver Bernardo, 1996)
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toyotismo é a melhor expressão, re-transfere o savoir faire para o trabalho, mas o faz
são recolhidas e apropriadas pelo capital nesta fase de reestruturação produtiva. Suas
idéias são absorvidas pelas empresas, após uma análise e comprovação de sua
esta dimensão, uma vez que parte do saber intelectual é transferido para as máquinas
Como a máquina não pode suprimir o trabalho humano, ela necessita de uma maior
despotismo mais brando, a sociedade produtora de mercadorias torna, desde o seu nível
alienação), John Holloway afirma que enquanto condição ele assim se expressa: "Se
por outros... Ao mesmo tempo, como o sujeito é transformado em objeto, o objeto que o
Como a "alienação é a produção do capital realizada pelo trabalho" ela deve ser
trabalho (...), é a luta incessante do capital pelo poder. A alienação não é um aspecto
da luta de classes: ela é a luta do capital para existir". (Idem: 148) O processo de
trabalho que exerce o trabalho intelectual abstrato, o quadro é ainda mais intenso nos
então a ordem social começa a dar claros sinais de instabilidade e crise, levando
gradualmente em direção a uma desintegração social geral". (Ramtin, 1997: 248). Sob
sua própria unidade: trabalho e lazer, meios e fins, vida pública e vida privada, entre
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trabalho.
248/9)
excluídos, até as formas mais ousadas de explosão social que, entretanto, "não podem
ser vistas meramente em termos de coesão social, da sociedade como tal, isoladas das
Nos pólos mais intelectualizados da classe trabalhadora, que exercem seu trabalho
diferenciados quanto à sua incidência, mas vigente enquanto manifestação que atinge a
totalidade da classe-que-vive-do-trabalho.
-BIBLIOGRAFIA
ACKERS, Peter, SMITH, Chris, SMITH, Paul. (org.) (1996) The New Workplace and
1999).
BERGGREN, Christian. (1993) "Lean Production: The End of History?", Des réalités
Iorque.
KAMATA, Satoshi. (1982) Japan in the Passing Lane- An Insider's Account of Life in
KENNEY, Martin. (1997) "Value Creation in the Late Twentieth Century: The Rise of
Press, Londres.
POLLERT, Anna. (1996) " 'Team work' on the Assembly Line: Contradiction and the
RAMTIN, Ramin. (1997) "A Note on Automation and Alienation", in DAVIS, Jim,
op. cit.
SHIMIZU, Koichi. (1994) "Kaizen et Gestion du Travail: Chez Toyota Motor et Toyota
TOMANEY, John. (1996) "A New Paradigm of Work Organization and Tecnology?",
Sussex, Brighton.