O Amor Natural, Carlos Drummond de Andrade
O Amor Natural, Carlos Drummond de Andrade
O Amor Natural, Carlos Drummond de Andrade
O AMOR NATURAL
A língua francesa
A língua francesa
desvenda o que resta
(a fina agudeza)
da noite em floresta.
Mas sem esquecer,
num lance caprídeo,
de ler e tresler
a arte de Ovídio.
Esta Faca
"Esta faca
foi roubada no Savóia"
"Esta colher
foi roubada no Savóia"
"Este garfo..."
Nada foi roubado no Savóia.
Nem tua virgindade: restou quase perfeita
entre manchas de vinho (era vinho?) na toalha,
talvez no chão, talvez no teu vestido.
O reservado de paredes finas
Forradas de ouvidos
e de línguas
era antes prisão que mal cabia
um desejo, dois corpos.
O amor falava baixo. Os gestos
falavam baixo. Falavam baixíssimo
os copos, os talheres. Tua pele
entre cristais luzia branca.
A penugem rala
na gruta rósea
era quase silêncio.
Saíamos alucinados.
No Savóia nada foi roubada.
Eu sofria quando ela me dizia
As mulheres gulosas
As mulheres gulosas
que chupam picolé
- diz um sábio que sabe -
são mulheres carentes
e o chupam lentamente
qual se vara chupassem,
e ao chupá-lo já sabem
que presto se desfaz
na falácia do gozo
o picolé fuginte
como se esfaz na mente
o imaginário pênis.
O chão é cama