Livro - Indivíduo, Sociedade e Autonomia PDF
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Aps a defnio sobre corresponsabilidades, a escolha do pbli-
co-alvo a prxima considerao a ser feita. Esse um ponto cha-
ve da estruturao, pois essencial para a defnio das demais
confguraes do programa, bem como para garantir sua efcin-
cia. Nessa fase, deve-se defnir sua abrangncia geogrfca (todo
o territrio nacional ou apenas parte dele), o mtodo de identi-
fcao e registro dos benefcirios de transferncia e de moni-
toramento do projeto (INTERNATIONAL FEDERATION OF RED
CROSS, 2007). Esse um ponto crtico, j que requer intensa
interao entre assistentes sociais
12
e as famlias, no apenas na
fase de diagnstico, mas tambm em termos de monitoramento
(FISZBEIN; SCHADY, 2009, p. 173, traduo nossa).
Nesse sentido, o caso do Chile
13
(Chile Solidario) deve ser-
vir de modelo para outros pases de renda mdia, mas pode no
ser acessvel para muitos pases emergentes (FISZBEIN; SCHA-
DY, 2009, p. 173, traduo nossa). Ainda assim, se o subsdio for
demandado em situao emergencial (como em casos de guer-
ra), os mtodos mais complexos e demorados para defnio de
pblico-alvo devem ser ignorados para que haja uma resposta
rpida e refnados ao estabilizar da situao (IFRC, 2007).
A escolha das corresponsabilidades est atrelada disponibi-
lidade de infraestrutura encontrada na regio de ao do progra-
ma, como escolas e um sistema bsico de sade acessvel, bem
como na possibilidade de monitorar o cumprimento das condi-
es aplicadas. No caso do programa Bolsa Famlia
14
exige-se va-
cinao, acompanhamento mdico regular, participao da me
em seminrios sobre sade e nutrio e matrcula e frequncia
em escolas de flhos dos seis aos dezessete anos, com o mnimo
de assiduidade de 85%. Entretanto, tais condies no poderiam
ser exigidas em alguns pases africanos e sul-asiticos por no
possurem a estrutura mnima de forma a garantir acesso a esses
servios (FISZBEIN; SCHADY, 2009).
10
O programa mexicano ser analisado na subseo 7.2.
11
Externalidades so o impacto das aes de uma pessoa sobre o bem-estar de
outras que no tomam parte da ao (MANKIW, 2012, p. 11).
12
Em programas de TR, assistentes sociais prestam assistncia s famlias que se
aplicam para o pro-grama, alm de apoio psicossocial(GARCIA; MOORE, 2012, p.
287, traduo nossa).
13
O programa chileno serve de exemplo por apresentar um pblico alvo estreito e
pela efcincia admi-nistrativa (FISZBEIN; SCHADY, 2009).
14
Bolsa Famlia um programa brasileiro de TR condicional. Foi criado para unifcar
os ento quatro programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentao, Carto Alimentao e
Auxlio Gs e tem como objetivo ultimatar a pobreza extrema no pas (BRASIL, 2012).
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Programas de Transferncia de Renda
A seleo de nveis de pagamento depende, principalmente,
dos objetivos do programa, seja alimentao, seja recuperao
dos meios de subsistncia, por exemplo. Tambm se deve levar
em conta se os benefcirios j recebem outro auxlio e se os pre-
os dos itens que sero adquiridos tendem a aumentar durante a
durao do programa (IFRC, 2007). Alguns fatores importantes a
observar so a transferncia para se atingir os objetivos do pro-
grama, seu oramento e o perodo de reajuste de valores. Nessa
deciso, h importantes trade-ofs
15
:
O primeiro deles que quanto mais os implementadores do pro-
grama gastarem expandindo o pblico-alvo, menor ser o valor
disponvel para transferir a cada benefcirio; o segundo que, em
contraste, a introduo por autodeclarao mais fcil e barata de
se administrar
16
, porm suas oportunidades so limitadas e no caso
da transferncia de renda, e quando os nveis de pobreza so altos,
raramente efetiva (SLATER; FARRINGTON, 2009, p. 2).
Alm disso, h a escolha em relao ao gnero do chefe da famlia
ao qual ser repassado o benefcio. Como ser visto na seo 4, h
respaldo na literatura para que seja repassado s mulheres.
importante, tambm, considerar as condies regionais, pois
essas podem ser um fator limitante efetividade de programas
condicionais (FISZBEIN; SCHADY, 2009, p. 187, traduo nossa).
Assim, deve-se moldar cada projeto de acordo com a circunstn-
cia e necessidades locais, uma vez que certas demandas surgem
fundamentadas no cenrio nacional, no sendo proveitoso utili-
zar mtodos aplicados em outros pases. So exemplos os casos
de programas como o alemo implantado em 2002 e o brasileiro
Bolsa Escola: o primeiro tinha como objetivo auxiliar as pessoas
mais afetadas a suprirem suas necessidades quanto recuperao
e reconstruo emergenciais aps fortes chuvas e alagamentos
(IFRC, 2007), enquanto o segundo tem o objetivo de aumentar o
nvel de escolaridade e reduzir o ndice de trabalho infantil no pas
(GLEWWE; KASSOUF, 2011). Ressalta-se, portanto, que, ainda que
alguns programas apresentem certas similaridades, cada um deles
criado para um cenrio especfco, caracterstico de cada pas.
3.2. Implementao
Ainda que sejam efcazes, os programas de transferncia condi-
cional de renda no solucionam todos os problemas relacionados
pobreza. Por privilegiarem o investimento em capital humano,
funcionam como um foco de mudana a fm de se reduzir a po-
breza extrema. Nesse sentido,
alcanar as metas [de capital humano nos programas de transfe-
rncia condicional de renda] exigir adaptao do suprimento de
servios. Em alguns pases, essa adaptao pode necessitar que os
governos ou outros agentes providenciem servios onde nada exis-
tia antes (FISZBEIN; SCHADY, 2009, p. 24, traduo nossa).
Segundo Fiszbein e Schady (2009), por esse motivo, na maioria das
vezes diferentes programas de TR condicionais de um mesmo pas
associam-se, complementando-se e agregando caractersticas di-
ferentes. Mais ainda, importante ter em mente que os programas
de TR no so sufcientes para resolver a pobreza ou solucionar
emergncias. Eles podem agir como complemento de outras for-
mas de assistncia, mas no substitu-las (IFRC, 2007, p. 16).
Outro ponto essencial para o bom desempenho dos programas
o monitoramento, que visa assegurar seu funcionamento (IFRC,
2007). Para isso, podem ser usados sistemas de dados que permi-
tem a elaborao de relatrios regulares de custos, atividades, re-
sultado se benefcirios, que, por sua vez, possibilitam o aumento
de cobertura, a melhoria de qualidade dos servios envolvendo
eventuais corresponsabilidades e a adequao ao cenrio estabe-
lecido. Esse processo, se feito continuadamente, permite o aperfei-
oamento e a efetividade do programa (GARCIA; MOORE, 2012).
Aos casos em que se aplica, a verifcao de cumprimento de
condicionalidades varia bastante h casos de conferncia men-
sal (Turquia Social Risk Mitigation Project) at e anual (Camboja
Female Secondary School Assistance Program). Enquanto para
alguns programas o no cumprimento pode ser justifcado por
motivo de doena, por exemplo , para outros pode implicar em
reduo no valor do subsdio ou at a sua suspenso j na primei-
ra ocorrncia (FISZBEIN; SCHADY, 2009).
4. IMPACTOS DOS PROGRAMAS DE TRANSFERNCIA DE RENDA
Um aspecto fundamental no que diz respeito a programas de TR
at que ponto estes so teis em fazer aquilo a que se propem:
aliviar a pobreza e serem instrumentos de desenvolvimento eco-
nmico e reduo das desigualdades sociais. A efcincia dos
15
Trade-of uma expresso que defne uma situao de escolha confitante, isto ,
quando uma ao econmica que visa resoluo de determinado problema acarre-
ta, inevitavelmente, outros. (MANKIW, 2012, p.4)
16
Quando as prprias famlias ou indivduos optam por participar do programa. Nes-
se caso, os custos com levantamento de dados para defnir o pblico alvo, bem como
o nmero de participantes tendem a ser menores.
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Programas de Transferncia de Renda
programas, o montante de dinheiro envolvido e efeitos adversos
no mercado de trabalho so exemplos de questionamentos que
podem ser feitos ao se discutir sua existncia.
Esta seo se prope a apresentar a ampla gama de evidn-
cias empricas j produzidas pelos diversos programas ao redor
do mundo, como o Bolsa Famlia, no Brasil, e o Oportunidades,
no Mxico. Em primeiro lugar discutem-se os benefcios eco-
nmicos gerados por programas de transferncia de renda. Em
segundo lugar discutem-se alguns dos principais efeitos sociais
observados pelos estudiosos do tema.
4.1. Impactos econmicos dos programas de transferncia de renda
O principal objetivo dos programas de TR a diminuio da po-
breza nos grupos envolvidos, principalmente em termos de con-
sumo mnimo. Por isso, desde o incio de sua aplicao tm-se
preocupado em medir se, de fato, a diminuio da pobreza um
efeito que pode ser observado e atribudo a eles.
Programas de transferncia de renda condicional e no con-
dicional tm especifcidades e diferenas, mas ambos apresen-
tam fortes evidncias de sucesso. O relatrio do Banco Mundial
sobre transferncias condicionais, escrito por Fiszbein e Schady
(2009), traz a avaliao de vrios programas para demonstrar que
existem indcios empricos para a sustentao do sucesso desses
programas em geral.
Utilizando um indicador chamado ndice de Profundidade
da Pobreza ao Quadrado (BANCO MUNDIAL, [s.d.]c), que mede
a severidade da pobreza, e tem em conta as desigualdades entre
os pobres (VIEIRA, 2005, p.13), o Banco Mundial calculou que o
programa mexicano Oportunidades foi causa de reduo de 29%
nesse ndice, o que signifca um efeito bastante positivo. OPATH,
da Jamaica, reduziu-o em 13% e o Bolsa Famlia, em 15% (FISZ-
BEIN; SCHADY, 2009). Isso signifca que h evidncias de que tais
programas obtiveram sucesso em melhorar a vida dos mais pobres.
Ravaillon (2006) afrma que uma questo importante na ado-
o de programas de transferncia condicional de renda garan-
tir que os benefcios de tais programas sejam realmente acessa-
dos por pessoas pobres. A leitura de Soares et al. (2006) responde
a esse questionamento para o caso do Brasil e corrobora os resul-
tados encontrados pelo Banco Mundial. Segundo os autores, 80%
dos benefcios do Bolsa Famlia eram destinados a pessoas abaixo
da linha de pobreza. Alm disso, o artigo afrma que o programa
foi responsvel por 21% na queda do ndice de Gini, entre 1995 e
2004. Behrman e Skoufas (2006), avaliando o programa Progresa
(antecessor do programa Oportunidades), tambm apresentam a
comprovao de resultados positivos, benefciando-se da grande
nfase colocada na avaliao de resultados.
possvel ento afrmar que h provas robustas de que pro-
gramas de TR condicional podem funcionar o que no signifca
que funcionem sempre. Mas a literatura econmica no se atm
somente aos programas de transferncia condicional. Existem
tambm evidncias da efccia de diversos programas de trans-
ferncia no condicional.
Um dos maiores programas de transferncia no condicio-
nal na frica o sul-africano Child Support Grant, que oferece
R280, cerca de US$ 32, (FRICA DO SUL, [s.d.]) com o objetivo de
melhorar as condies de criao de crianas em situao de po-
breza. Tanto Agero, Carter e Woolard (2007) como um relatrio
interagencial de avaliao (DSD, SASSA e UNICEF, 2012) chegam
concluso de que o programa fonte de resultados expressivos,
principalmente em termos de nutrio infantil.
Por ltimo, deve ser considerada a questo da relao custo-
-benefcio no que diz respeito a programas de TR. Ainda que estes
apresentem resultados positivos, um custo desproporcional signif-
caria trade-ofs importantes em relao a outras polticas pblicas. A
evidncia, no entanto, aponta que tais programas geram excelentes
resultados para o montante investido. Behrman e Skoufas (2006),
tambm apontam para uma boa relao custo-benefcio, ainda que
reconheam as difculdades inerentes valorao econmica dos
benefcios gerados, como melhor educao, nutrio, entre outros.
4.2. Impactos sociais dos programas de transferncia de renda
Programas de TR tm, principalmente no que diz respeito apli-
cao de condicionalidades, outros objetivos alm do alvio ime-
diato da pobreza econmica. Ademais existe, como em toda po-
ltica pblica, consequncias que no estavam entre os objetivos
dos formuladores da poltica, mas que devem ser avaliadas. Este
artigo foca em questes sociais especfcas para tentar avaliar os
impactos dos programas: mercado de trabalho; educao e traba-
lho infantil; nutrio infantil e empoderamento feminino.
4.2.1. Mercado de trabalho
Uma das preocupaes correntes no que diz respeito a programas
de transferncia de renda um possvel efeito de desincentivo
participao no mercado de trabalho. Ou seja, que as pessoas ten-
dam a trabalhar menos ou tolerar mais facilmente o desemprego
por conta da renda suplementar obtida por meio da transferncia.
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H uma quantidade signifcativa de literatura acadmica so-
bre o tema. Talvez por ser uma das crticas mais facilmente feitas
a programas de TR, foram feitos considerveis esforos para veri-
fcar se esse efeito pode ser observado. Fiszbein e Schady (2009)
analisam algumas pesquisas feitas nos programas do Mxico,
Equador e Camboja e em nenhum dos casos pode ser observado
o desincentivo ao trabalho. Behrman e Skoufas (2006) tambm
no observam esse efeito ao estudarem o Oportunidades.
Apenas no caso da Nicargua (MALLUCCIO; FLORES, 2005)
pde-se observar uma reduo do nmero de horas trabalhadas
por homens adultos, mas no por mulheres adultas. Isso mostra
que possvel organizar um programa de TR que no signifque
um desincentivo participao no mercado de trabalho, mas
tambm que esta uma questo que no pode ser ignorada pelos
formuladores de polticas pblicas.
4.2.2. Educao e trabalho infantil
Muitos programas de transferncia de renda condicional, como o
Bolsa Famlia, estabelecem como um dos requisitos para o rece-
bimento que as crianas e adolescentes da famlia estejam matri-
culados e frequentando a escola. O objetivo utilizar incentivos
econmicos para garantir o desenvolvimento de capital humano
entre os mais pobres.
Os estudos mostram que a estratgia funciona: na Nicargua,
o programa Red de Proteccin Social (RPS) foi responsvel por um
aumento de 72% para 92,7% de matrcula escolar para crianas
de 7 a 13 anos, em apenas dois anos (MALLUCIO; FLORES, 2005).
Apesar disso, preciso garantir presena na sala de aula. Os auto-
res calculam que, no RPS, o efeito na presena foi ainda maior do
que o efeito na matrcula.
Filmer e Schady (2006) avaliaram um programa de TR condi-
cional cujo objetivo especfco era aumentar a escolaridade entre
meninas no Camboja. Segundo o censo de 2000, 78% das meni-
nas em reas rurais daquele pas havia completado a primeira
srie, mas apenas 17% havia completado a stima. Os impactos
do programa foram maiores do que o objetivado inicialmente:
estima-se um impacto positivo de 30% na matrcula e 43,6% na
presena. Ainda que, como os prprios autores admitem, tais es-
timativas estejam sujeitas a um erro padro considervel, ainda
assim so resultados relevantes.
A utilizao de programas de TR para aumentar a escolari-
dade entre crianas e adolescentes tem ainda outro efeito igual-
mente importante: a diminuio da incidncia de trabalho in-
fantil. Esse efeito se d por dois caminhos. O primeiro , como
mencionado, a aposio de condicionalidades: a necessidade
de comparecer escola para garantir o benefcio faz com que a
criana tenha menos tempo disponvel para trabalhar. O segundo
um efeito-renda: com a renda auxiliar advinda dos programas
de transferncia, as famlias tornam-se menos dependentes da
renda que os flhos costumavam auferir por meio do seu trabalho.
O relatrio do Banco Mundial sobre transferncias condicionais
de renda afrma que muitos programas tiveram sucesso em dimi-
nuir o trabalho infantil, como o do Camboja, que reduziu o tra-
balho infantil em 11%, alm dos programas do Mxico, Equador,
entre outros (FISZBEIN; SCHADY, 2009).
4.2.3. Nutrio infantil
A desnutrio infantil um dos mais preocupantes problemas de
sade pblica em pases em desenvolvimento, principalmente
porque o fator que mais contribui para a mortalidade infantil.
Analisando o programa de transferncia no condicional Child
Support Grant, da frica do Sul, Agero, Carter e Woolard (2006)
concluram que a renda suplementar decorrente do programa in-
fuenciou positivamente os nveis de nutrio infantil, medidos
por meio da relao altura/idade em crianas.
Behrman e Hoddinott (2005) afrmam encontrar uma corre-
lao positiva e substancial entre os programas de TR e a suple-
mentao nutricional de crianas entre 12 e 36 meses de idade.
Apesar disso, em alguns programas, como em Honduras, a cor-
relao mencionada no foi observada, e o conjunto das obser-
vaes em todos os programas apresenta um resultado misto em
vez de uma resposta clara. Mesmo assim existem outras corre-
laes, como por exemplo as que dizem respeito aos impactos
de um programa de TR condicional na incidncia de anemia
(FISZBEIN; SCHADY, 2009).
4.2.4. Empoderamento feminino
A questo do efeito das transferncias de renda para o empode-
ramento feminino menos conspcua do que as tratadas acima.
Apesar disso, alguns trabalhos sublinham a sua importncia nes-
sa questo. Essa infuncia pode se dar tanto diretamente, como
no caso do Camboja, onde um programa de transferncia de ren-
da voltado para a escolaridade feminina foi capaz de impactar o
cenrio local, ou indiretamente, por meio de um maior poder de
deciso nos gastos familiares (FILMER; SCHADY, 2006).
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Muitos programas de TR escolhem as mulheres como reci-
pientes. Existem evidncias de que elas tendem a alocar os recur-
sos dos programas de modo mais favorvel em relao nutrio
de crianas ou segurana alimentar, por exemplo. Apontam-se
trs motivos pelos quais transferncias de renda destinadas s
mulheres aumentam o status da mulher e seu poder de deciso:
por meio do questionamento de preconceitos sobre o trabalho
feminino, demonstrando que este pode ser to valioso quanto o
trabalho masculino; aumentando o status da mulher perante a
sociedade e tambm aumentando a prpria autoestima de mu-
lheres em situao de pobreza(KHOGALI; TAKHAR, 2001).
A partir dos estudos empricos sobre os efeitos dos programas
de transferncia de renda condicional e no condicional, poss-
vel concluir que existem muitos benefcios proporcionados por es-
ses programas, principalmente para os mais pobres. No signifca
que todos os programas sejam efcientes ou que exista algum livre
de falhas. preciso expandir as pesquisas sobre os resultados e
construir modelos ainda mais efcientes, delimitando quais estra-
tgias do certo e quais precisam ser reformuladas ou descartadas.
5. DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE APRIMORAMENTO
Como visto anteriormente, os programas de TR tm obtido suces-
so considervel em muitas reas. Apesar disso, veremos que so
muitos os entraves ao seu desenvolvimento, bem como as medi-
das tomadas para superar esses problemas.
5.1. Desafios em pases de baixo rendimento
Para pases de baixo rendimento e com instituies
17
fracas, os de-
safos so ainda maiores, pois possuem recursos limitados para o
investimento nos programas. Honduras, por exemplo, investe ape-
nas 0,02% de seu PIB, enquanto o Mxico, um pas de mdio ren-
dimento, investe 0,44% (CECCHINI et al., 2009). H tambm um
alcance muito menor; como na Nicargua, cujo programa alcana
apenas 7,8% da populao em extrema pobreza, em comparao
com o Brasil e com o Mxico, que tm um nmero de benefcirios
maior at do que o nmero de pessoas vivendo em extrema pobre-
za. Quando h poucos recursos fnanceiros, tanto a variedade de
aes que o programa pode realizar quanto seu alcance so meno-
res. Assim, o programa tem efeito reduzido em comparao a ou-
tros planejados e executados com mais recursos (CECCHINI, 2009).
Alm disso, a ausncia de instituies fortes um entrave,
principalmente em relao aos programas de transferncia con-
dicional, j que estes possuem uma abordagem multidimensio-
nal para a reduo da pobreza. Essa abordagem requer coorde-
nao entre diferentes setores, como os de educao e de sade,
e unidades territoriais, como estados e municpios, o que difcil
quando as instituies so frgeis (CECCHINI, 2009).
Tambm so necessrios sistemas de gerenciamento de
informaes para registrar benefcirios e sistemas bancrios
consolidados para a realizao dos pagamentos. Pases de baixo
rendimento, porm, geralmente tm fraca capacidade estatstica
e frgeis sistemas bancrios. A Guatemala, que hoje realiza paga-
mentos atravs de um banco estatal, no passado careceu de am-
bos: os pagamentos eram feitos em espcie em eventos de massa.
Na Nicargua, a renda era transferida por empresas de segurana
contratadas para esse propsito (CECCHINI, 2009).
5.2. Durao
Outro desafo a quebra do ciclo de pobreza, evitando uma de-
pendncia da renda transferida. Para isso, necessrio que as
crianas benefciadas recebam suporte contnuo durante todo o
seu ciclo educacional. Em contraste a essa necessidade, progra-
mas como o paraguaio Tekopor so criados com o objetivo de
retirar famlias da pobreza no curto prazo (no caso mencionado,
trs anos) (SOARES; BRITTO, 2007).
J o programa Chile Solidario tido por analistas como mo-
delo na abordagem desse problema, apesar de ter durao de
dois anos para cada famlia. Isso porque durante esse perodo,
alm da transferncia de renda, provido intenso apoio psicos-
social (SOARES; BRITTO, 2007). Esse suporte se d por meio de
um trabalho domiciliar realizado por assistentes sociais, voltado
ao desenvolvimento das capacidades das famlias, de modo que
superem a extrema pobreza (DRAIBE, 2007). Ademais, aps seu
trmino as famlias ainda podem candidatar-se a participar de
outros programas de TR do pas (SOARES; BRITTO, 2007).
Por outro lado, o fato de muitos programas serem curtos de-
mais no se deve apenas a uma estruturao inadequada, mas,
principalmente, j mencionada escassez de suporte fnanceiro
e institucional. Esse tambm o motivo pelo qual tem havido, no
Tekopor, mudana do foco em melhorias em capital humano
para a execuo de atividades complementares, como a agricultu-
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Tidas, aqui, como regras formais: leis, procedimentos e organizao das entidades
pblicas, alm das prprias entidades (NORTH, 1991)
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ra (MOTA; AMARAL; PERUZZO, 2010). Essas poderiam alavancar
as capacidades produtivas das famlias, para que elas superassem
a pobreza no perodo de trs anos sem os altos gastos necessrios
ao investimento em capital humano (SOARES; BRITTO, 2007).
5.3. Clientelismo
Como j dito, programas de TR so instrumentos importantes na
reduo da pobreza. Porm, sua implementao implica o risco
do clientelismo poltico troca de votos por favores. A fm de con-
seguir participao no programa e receber ajuda fnanceira, fam-
lias confam em autoridades encarregadas do registro de bene-
fcirios e da verifcao das condicionalidades. Como resultado,
os governantes gozam de uma posio privilegiada em nvel local,
podendo pedir apoio poltico em troca (HEVIA, 2010).
No Brasil, o programa Bolsa Famlia desenvolveu procedi-
mentos preventivos para reduzir esses riscos: os critrios de ele-
gibilidade para benefcirios so claros, seus dados so pblicos,
os benefcios so pagos por meio de instituies bancrias e h
accountability
18
no monitoramento das autoridades responsveis.
Alm disso, o programa fortaleceu relaes diretas entre o gover-
no e a populao, e inibiu a mediao de lderes e organizaes, a
fm de evitar o clientelismo em nvel local. Por isso, informaes
a respeito do registro no programa foram divulgadas na televiso,
no rdio e em escolas, e a comunicao com as famlias benef-
ciadas foi estabelecida por meio de cartas e escritrios de servio
assistencial (HEVIA, 2010).
Apesar disso, frequente no pas o pensamento de que o
programa teria como grande motivao angariar votos para seus
realizadores. Acredita-se que ainda exista infuncia do progra-
ma nas votaes, porm a tendncia que isso diminua medida
que a populao entenda o programa como algo natural. Nesse
momento, sua importncia diminuir na escolha de candidatos
polticos (O GLOBO, 2012).
Ainda nesse sentido, h o risco de que programas de suces-
so sejam interrompidos quando um novo governo eleito. im-
portante que iniciativas positivas sejam tratadas como polticas
de Estado, no de partidos, a serem mudadas a cada nova admi-
nistrao para que esta possa lograr infuncia junto aos pobres
(CECCHINI, 2009).
5.4. Corrupo
Alm do clientelismo, outra crtica aos programas de TR que
em determinados pases so muito passveis corrupo. Tendo
como exemplo ainda o caso brasileiro, inmeras foram as des-
cobertas de desvio de verbas destinadas ao Bolsa Famlia, como
pessoas recebendo o benefcio mesmo tendo renda muito su-
perior estabelecida para a elegibilidade ao programa e ainda
interrupes inexplicadas na sua distribuio (O GLOBO, 2012).
Para o combate corrupo, o primeiro passo efetuar um bom
planejamento e uma execuo efciente do programa. Os respon-
sveis pela seleo dos benefcirios devem ser extremamente
cuidadosos, buscando comprovaes de adequao das famlias
ao pblico-alvo. Instituies fortes tambm diminuem o risco de
corrupo, j que tornam o processo regulamentado e assim me-
nos suscetvel a brechas para a incluso de parentes ou amigos de
autoridades responsveis pelo programa. Sistemas de informa-
o transparentes e de fcil acesso ao pblico tambm so armas
no combate corrupo (FISZBEIN; SCHADY, 2009).
necessrio o aprimoramento do sistema anticorrupo,
para que esta no reduza os recursos destinados ao programa
nem mine a sua credibilidade, principalmente no cenrio nacio-
nal. Conforme veremos na subseo seguinte, o apoio interno
fator determinante sustentabilidade de programas de proteo
social como os de TR, que necessitam de um considervel inves-
timento de dinheiro pblico.
5.5.Apoio interno
O programa condicional da Nicargua, Red de Proteccin Social
(RPS), foi aclamado internacionalmente por seus resultados. N-
meros positivos em indicadores de educao, sade e empodera-
mento feminino transformaram-no em uma espcie de modelo.
Porm, para a surpresa da comunidade internacional, o governo
nicaraguense voluntariamente o encerrou (MOORE, 2009).
A queda do RPS no se deu por falta de resultados, mas em
parte por sua falha em estabelecer uma imagem positiva dentro
do pas. Havia uma forte crena entre a populao de que o RPS
estava perpetuando a pobreza ao dar dinheiro aos mais pobres.
Contribuiu para isso o fato de os componentes educacionais do
programa no serem muito conhecidos ou entendidos pelos cr-
ticos nacionais (MOORE, 2009).
18
Accountability a capacidade da instituio em ser responsvel com seus cidados,
abdicando de suas preferncias de modo a aumentar a participao poltica destes e
reconhecendo as normas e costumes sociais da sociedade que est inserida, inclusi-
ve prestando-lhe contas (BANCO MUNDIAL, 2011).
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Outra crena equivocada era a de que o programa era ine-
fciente e caro. O RPS poderia ter recebido mais apoio se os im-
pactos do programa houvessem sido frequentemente divulgados.
Em vez de responder s acusaes, os responsveis estavam mais
preocupados em refutar crticas externas, como forma de evitar
o corte de fundos providos por credores internacionais. Por mais
que haja certa razo nessa ao, ela negligencia a importncia da
aprovao domstica (MOORE, 2009).
5.6. Integrao e troca de know-how entre pases
Para que erros como os j citados no se repitam e os programas
possam ser aprimorados, importante que haja troca de experi-
ncias. Para isso, necessrio que os pases construam um amplo
sistema de informao, para que dados sejam coletados e isso
possibilite tanto a avaliao interna de resultados quanto a troca
de know-how com outros pases (FISZBEIN; SCHADY, 2009).
Nesse quesito, temos como exemplos o Oportunidades, no
Mxico, e o Bolsa Famlia, no Brasil. Ambos realizaram grandes
coletas de informaes, o que facilita o intercmbio (FISZBEIN;
SCHADY, 2009). As experincias do Bolsa Famlia, por exemplo,
j foram levadas para Angola e Moambique (FERNANDES JR,
2012). A partir dessas trocas, possvel discutir e pensar novas
solues para problemas comuns.
6. O PAPEL DOS AGENTES EXTERNOS
Esta seo tem por objetivo discutir de que modo os organismos
internacionais e outros agentes externos aos governos nacionais
podem impactar a formulao ou implementao de programas
de TR de modo positivo. O primeiro ponto a ser levado em consi-
derao que esses programas so polticas de responsabilidade
primariamente de Estados. Apesar disso, organismos internacio-
nais podem ter um papel importante em garantir a efetividade e
continuidade de tais programas, por duas vias principais: a pri-
meira a doao direta de dinheiro. A segunda, possivelmente
ainda mais relevante, o fornecimento de assistncia tcnica s
diversas fases de formulao do programa.
No primeiro caso, agncias internacionais como o Banco
Mundial podem ajudar por meio da doao de dinheiro. Em
2009, por exemplo, o Banco Mundial disponibilizou cerca de
US$ 2,4 bilhes para o incio ou expanso de programas de
transferncia condicional de renda em pases como Bangladesh,
Colmbia, Qunia, Macednia, Paquisto e Filipinas (FISZBEIN;
SCHADY, 2009).
O segundo caso importante porque a maioria das aes de
apoio de rgos externos se d por meio de prestao de assis-
tncia tcnica ao projeto. Mesmo em casos onde a doao ocorre,
ela vem acompanhada de assistncia para garantir o uso timo
dos recursos. O apoio fnanceiro provido pelo Banco Mundial a
operaes de TR atinge agora 13 pases, com suporte tcnico tan-
to aos governos nacionais quanto aos doadores [pases e outras
organizaes] (FISZBEIN; SCHADY, 2009, traduo nossa).
Essa assistncia tcnica muito importante pelo fato de o
Banco Mundial ser um centro de referncia em expertise tcnica
relacionada a programas de desenvolvimento. O extenso know-
-how em projetos acumulado pelo Banco permite que governos
possam gerir seus programas com menos erros e mais acertos,
economizando dinheiro e tempo.
No somente o Banco Mundial tem a capacidade de prover su-
porte tcnico a programas de transferncia de renda em pases em
desenvolvimento. rgos como o DFID, Departamento de Desen-
volvimento Internacional do governo do Reino Unido, tambm atu-
am nessa rea, muitas vezes trabalhando em conjunto. Um exem-
plo disso pode ser visto no programa de TR condicional do governo
das Filipinas, Pantawid Pamilya. O Banco Mundial, junto Agn-
cia de Desenvolvimento Internacional da Austrlia (AusAID), aju-
dou o programa a incorporar mais elementos anticorrupo e de
governana. A UNICEF tambm atua no programa Pantawid Pa-
milya, auxiliando o governo local a completar um sistema de mo-
nitoramento comunitrio e um mapeamento da pobreza na regio
para identifcar onde estariam os mais necessitados (DSWD, 2012).
Muitos outros exemplos podem ser mencionados, como a
pesquisa apoiada pelo DFID no Egito, a qual foi o ponto de par-
tida para a criao de um programa de transferncia condicional
de renda voltado ao empoderamento feminino (DFID, 2010), ou
o relatrio de avaliao do programa Bolsa Famlia, feito por uma
empresa privada em parceria com o Programa das Naes Uni-
das para o Desenvolvimento (PNUD, 2012).
7. ESTUDOS DE CASO
Nesta seo, sero feitos dois estudos referentes implementa-
o, aos resultados e aos impactos da transferncia de renda. Em
primeiro lugar, ser analisado o projeto guatemalteco Mi Familia
Progresa, que recente e enfrenta, ainda, vrios desafos (CEC-
313 312
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Programas de Transferncia de Renda
CHINI et al., 2009). A seguir, ser analisado o mexicano Oportuni-
dades, uma das primeiras experincias de TR em escala nacional
(FISZBEIN; SCHADY, 2009).
Escolheu-se abordar dois pases de grande proximidade geo-
grfca para excluir fatores regionais e de distribuio tnica; pelo
mesmo motivo, ambos os programas so de TR condicional. Ex-
cludas essas variveis, a diversidade de resultados entre os pro-
jetos pode ser atribuda sua implementao. Assim, defendere-
mos o argumento de que o sucesso ou o fracasso desses projetos
se deve, a princpio, sua adequao ao contexto social em que
atuam e meticulosidade no planejamento e na execuo.
7.1. O caso Guatemala Projeto Mi Familia Progresa
7.1.1. Contextualizao
A Guatemala est entre os pases mais pobres e mais desiguais
da Amrica Latina. A proporo da populao abaixo da linha da
pobreza de 51%. H, em relao desigualdade, um forte com-
ponente tnico: os grupos indgenas, cerca de 40% da populao,
tambm so a parcela mais pobre do pas (CECCHINI et al., 2009).
O IDH do pas de 0,574, considerado como de mdio a baixo
desenvolvimento (PNUD, 2012).
No capital humano, a situao tambm preocupante (FISZ-
BEIN; SCHADY, 2009). Segundo a Agncia Central de Inteligncia
norte-americana, a CIA, (2012), apenas 37,3% das crianas se-
guem para o ensino secundrio e o analfabetismo atinge 31% da
populao. As taxas de mortalidade e trabalho infantil, de desnu-
trio e de incidncia de enfermidades como AIDS e tuberculose
esto entre as mais altas da Amrica Latina.
A proporo de trabalho informal tambm muito elevada
dois teros dos trabalhadores tm baixa remunerao e alta ins-
tabilidade no emprego (CECCHINI et al., 2009). Como consequ-
ncia, a renda familiar pequena e o PIB per capita, um dos mais
baixos do mundo, contribuindo, assim, para a intensifcao da
pobreza (CIA, 2012).
Os problemas sociais do pas so, ainda, agravados pela ine-
fccia do Estado e pela fragilidade da democracia. O acesso j
escassa proteo social tambm baixo, devido concentrao
da populao no meio rural. Assim, apesar de haver altos ndices
de pobreza e desigualdade, pouco se investe para resolv-los, e os
frutos dos investimentos no esto disponveis maior parte da
populao (CECCHINI et al., 2009).
7.1.2. Implementao e impacto
O programa guatemalteco Mi Familia Progresa (MFP) foi implan-
tado em 2008 e, embora seja recente, relativamente efcaz em
termos de cobertura, alcanando 47% das famlias em extrema
pobreza no pas. No entanto, ainda no sufciente para uma re-
duo da pobreza em larga escala (CECCHINI et al., 2009).
O MFP faz parte de uma srie de iniciativas implantadas aps
uma sucesso de guerras civis que levou misria boa parte dos
guatemaltecos; conseguiu-se, desde ento, reduzir a pobreza em
20%. Ainda assim, h graves quadros de desnutrio, evaso es-
colar e mortalidade infantil no pas (CECCHINI et al., 2009). Para
combater esses fenmenos, o MFP tem como pblico-alvo fam-
lias de baixa renda com crianas at 15 anos de idade (FISZBEIN;
SCHADY, 2009). Visando diminuir a desigualdade tnica e regio-
nal, as primeiras localidades cobertas foram, em geral, munic-
pios pobres e/ou de maioria indgena (CECCHINI et al., 2009).
Os pagamentos so realizados bimensalmente e somam 600
quetzals (moeda local), o correspondente a cerca de 40 dlares
americanos (FISZBEIN; SCHADY, 2009). O montante conside-
rado signifcativo para o nvel de renda do pas, mas no suf-
ciente para a mitigao, em larga escala, da pobreza. Na famlia, a
recipiente da transferncia a me, como estratgia de empode-
ramento feminino (CECCHINI et al., 2009).
O benefcio ocorre na forma de dois subsdios, voltados para
a educao e a sade. Recebem o subsdio educacional as fam-
lias com crianas de 6 a 15 anos de idade, e recebem o subsdio
de sade famlias com gestantes ou crianas com menos de 6
anos. As contrapartidas envolvem, no campo da sade, controles
de crescimento e consultas mdicas regulares das crianas e ges-
tantes. No plano educacional, requer-se ao menos 90% de com-
parecimento escolar (FISZBEIN; SCHADY, 2009). A transferncia
pode ser suspensa se as contrapartidas forem descumpridas por
trs vezes; a sua verifcao, contudo, ainda no foi totalmente
estabelecida (CECCHINI et al., 2009).
7.1.3. Anlise de resultados
Na Guatemala, a ideia de um programa nacional de TR surgiu da
vontade poltica de se fazer aes concretas contra a pobreza, base-
ando-se na experincia do Mxico. Porm, no houve preparao
razovel de concepo nem de estrutura. A exigncia de condi-
cionalidades ocorreu sem mecanismos de fscalizao, nem infra-
estrutura para atender o aumento da demanda por esses servios;
a seleo de benefcirios tambm no , ainda, sistematizada. Em
315 314
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Programas de Transferncia de Renda
resumo, a grande presso poltica para a criao do projeto fez com
que fosse instalado um programa inacabado (CECCHINI, 2009).
Havendo-se percebido essa fragilidade institucional, desde
o advento do MFP tm sido elaborados programas para ampliar
a infraestrutura do pas. O Mi Escuela Progresa, por exemplo, foi
concebido para trabalhar em conjunto com o MFP nas comuni-
dades indgenas. Essas medidas so importantes, e tm mostra-
do algum resultado, mas a infraestrutura ainda no sufciente
(CECCHINI, 2009).
Outra fraqueza do MFP a sua inadequao sociedade
multitnica da Guatemala: as corresponsabilidades no levam
em conta as tradies locais. A desnutrio tambm foi pouco
considerada, de forma que o programa no combateu efciente-
mente um dos principais problemas enfrentados pelas crianas
do pas (CECCHINI, 2009).
No se pode afrmar que o MFP, ainda no comeo de seu ci-
clo de vida, tenha sido um fracasso. Porm, percebe-se que o pro-
grama poderia ter atingido melhores resultados caso no houves-
se contrapartidas ou caso elas fossem mais fexveis. De fato, a
literatura econmica aponta que o modelo mais adequado a pa-
ses de baixa renda a TR no condicional. Assim, o programa, em
sua concepo, ignorou as particularidades locais, no tendo se
adequado efcientemente ao contexto do pas (CECCHINI, 2009).
Um dos pontos fortes do programa, apesar das suas debili-
dades, o seu carter de prioridade poltica as medidas e os re-
cursos fnanceiros contra a pobreza so questes discutidas am-
plamente; a coordenao estratgica entre os setores do governo
tambm um ponto positivo. Sem essa caracterstica, torna-se
muito difcil levar a cabo programas de alto impacto (CECCHINI
et al., 2009, p. 44, traduo nossa).
7.2. O caso Mxico Projeto Oportunidades
7.2.1. Contextualizao
Iniciado em 1997, o Progresa (nome inicial do projeto) foi criado
para diminuir a pobreza e a desigualdade no Mxico entre fam-
lias habitantes de zona rural. De acordo com um levantamento
realizado em 1996 pelo Banco Mundial, aproximadamente 29%
da populao daquele pas estava abaixo da linha da pobreza
equivalentes a 4,8 milhes de famlias, sendo quase 60% morado-
res da zona rural. Ainda segundo essa pesquisa, descobriu-se que
a maior parte eram crianas (RODRIGUEZ, 2007).
O governo tentou amenizar essas defcincias por meio de
programas isolados que no atingiram suas metas por problemas
como operaes descoordenadas e desequilbrio entre as reas
urbana e rural. Percebeu-se, ento, a necessidade da integra-
o entre eles. Em 2002, o Progresa teve seu nome mudado para
Oportunidades e integrou os programas anteriormente isolados e
de impacto limitado (RODRIGUEZ, 2007).
O Oportunidades mostrava-se uma nova iniciativa por diversas
razes. Entre elas, pode-se citar a transferncia de benefcios em
dinheiro e direta aos benefcirios, o investimento em capital
humano (nutrio, sade e educao), a seleo minuciosa do
pblico-alvo e a adaptao do enfoque de forma a evitar a depen-
dncia de assistncia social em longo prazo (LEVY, 2006). Mais
ainda, o Oportunidades substituiu diversos programas que se
mostravam inefcazes e tinha:
a necessidade de superar o problema do pare-siga que havia sitia-
do no passado muitas campanhas de combate a pobreza e que con-
sistia na interrupo do programa ao comeo do governo seguinte
sem que houvesse tido tempo de alcanar os objetivos previstos
(LEVY, 2006, p. 21, traduo nossa).
7.2.2. Implementao e impacto
O Oportunidades assiste cerca de cinco milhes de famlias 25%
da populao mexicana. Suas corresponsabilidades envolvem sa-
de, educao e nutrio. No que tange primeira, exige-se a ob-
servncia por todos os membros da famlia ao nmero requerido
de visitas ao centro de sade e a presena materna em palestras de
sade e nutrio (FISZBEIN; SCHADY, 2009, p.37). Nota-se, por-
tanto, que sua nfase est na preveno (BANCO MUNDIAL, 2004).
Atrelada a ela est a questo nutritiva, que inclui uma taxa
repassada mensalmente, direcionada a crianas entre dois e qua-
tro anos e mulheres grvidas e lactantes para que melhorem sua
alimentao. J na questo escolar, subsdios so fornecidos para
mes cujos flhos esto matriculados na escola (do ensino prim-
rio ao mdio) e tenham presena em no mnimo 85% das aulas.
Para meninas, o benefcio fnanceiro maior a partir do ensino
fundamental, pois tendem a abandonar a escola mais frequente-
mente que meninos nessa faixa etria (BANCO MUNDIAL, 2004).
A escolha das famlias benefciadas feita com base em pes-
quisas e o repasse feito em dinheiro para a mulher chefe de
famlia em pontos especfcos de pagamento, j que, de acordo
com a literatura internacional, as mulheres empregam melhor
os recursos fnanceiros que lhes so disponibilizados (BANCO
MUNDIAL, 2004). A aplicao de corresponsabilidades rigorosa
317 316
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Programas de Transferncia de Renda
e h reduo do benefcio j na primeira incidncia de descum-
primento (FISZBEIN; SCHADY, 2009).
Por esse conjunto de fatores, o programa tem mostrado im-
pactos relevantes como aumento no nvel de consumo, no poder
de barganha feminino e demais resultados nitidamente compro-
vados (FISZBEIN; SCHADY, 2009).
7.2.3. Anlise de resultados
Como dito no item anterior, o programa Oportunidades gerou um
avano importante na questo de gnero no Mxico. Os resulta-
dos da avaliao feita pelo International Food Policy Research
Institute (IFPRI) mostram que com pouco tempo em operao o
programa j mostrava resultados positivos, pois:
(...) depois de apenas trs anos, as crianas pobres mexicanas que
habitam reas rurais onde o Oportunidades opera j tinham aumen-
tado seu nvel de escolarizao, apresentavam dietas mais balance-
adas, recebiam mais ateno mdica e estavam aprendendo que o
futuro pode ser bem diferente do passado (BANCO MUNDIAL, 2004).
Notou-se, portanto, uma melhora nos trs nveis nos quais o pro-
grama se prope a agir, em apenas trs anos de operao. Segun-
do Levy (2006), com nove anos em operao, o programa assistiu
um nmero superior de famlias que aquelas em extrema pobre-
za. Segundo o mesmo autor, o projeto pode ser dividido em duas
fases: a primeira, de concepo, cujo objetivo era o de mostrar
que um programa desse tipo de fato funcional; e a segunda, ain-
da mais importante, deveria expandir o projeto de forma a provar
que supera todos aqueles aos quais substituiu.
Em sntese, atribui-se o sucesso do programa ao seu proces-
so de monitoramento e gesto, que dividido em trs partes
19
; e
ao fato de suas informaes estarem na internet, de livre acesso
ao pblico. Apesar de todo o aparato tecnolgico necessrio, 98%
dos pagamentos so feitos em tempo regular (CASTAEDA, 2006,
apud FISZBEIN; SCHADY, 2009) e os custos de transio de pa-
gamentos so responsveis por apenas 3% do custo total do pro-
grama (GOMEZ-HERMOSILLO, 2006, apud FISZBEIN; SCHADY,
2009). Mais ainda, o Oportunidades promoveu maior igualdade
de acesso a servios pblicos, aperfeioou o funcionamento da
democracia, aumentou a igualdade de oportunidades para grupos
excludos, encorajou a participao de cidados e promoveu maior
participao das mulheres na sociedade (HOLMES; SLATER, 2007).
8. CONSIDERAES FINAIS
Aps a exposio de fatos e anlises sobre programas de trans-
ferncia de renda ao longo do artigo, fca clara sua efcincia na
reduo da pobreza e da desigualdade. Seus resultados, compro-
vados por ndices e pesquisas, vo alm do j importante comba-
te fome e misria: atacam a pobreza em suas mais variadas di-
menses, trazendo melhorias em ndices educacionais, de sade,
consumo e renda, entre outros.
No se pode esquecer, porm, de um ponto fundamental ao
entendimento das discusses sobre o sucesso ou insucesso des-
sas polticas: muitos projetos ainda carecem de melhor estrutu-
rao, pesquisas e melhorias na implementao. O que no sig-
nifca, contudo, que sejam inefcazes. Estes constituem polticas
recentes de proteo social, e como tais necessitam de aprimo-
ramento e ganho de experincia para alcanar resultados ainda
mais satisfatrios. Condies prejudiciais ao crescimento desses
programas, como corrupo, clientelismo e rejeio por parte de
no benefcirios pouco a pouco so confrontadas por aes de
governos e agentes externos.
Nesse sentido, de suma importncia a cooperao entre
pases que desenvolvem programas do tipo, por meio da troca
de informaes e experincias. A ateno dada nos ltimos anos
a polticas de proteo social deve-se ao entendimento geral de
que aliviar a pobreza e a desigualdade tambm propiciar dig-
nidade aos mais pobres, oferecendo oportunidades para que es-
tes possam no mais ser expostos vulnerabilidade da pobreza,
e, em um futuro prximo, possam buscar seus interesses mesmo
sem a ajuda de programas de proteo social.
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19
O Oportunidades criou trs estruturas para monitorar as operaes e resultados
do programa desde os seus primeiros estgios de desenvolvimento. A primeira de-
las, em funcionamento desde 1998, gera indicadores de monitoramento e gesto a
cada dois meses; a segunda, implementada em 2000, produzinformaes sobre a
qualidade do servio semestralmente e a terceira, peritos externos usam dados de
monitoramento e gesto para fazer avaliaes peridicas das operaes do programa
(BANCO MUNDIAL, 2009).
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323 ECONOMIA INFORMAL
Desafos ao estabelecimento de
padres de trabalho decente
Andressa de S Paschoal
Alyne Cristina Lumikoski
Brbara Sabadin Bueno
Carolina Thaines M. de Souza
1
10
1. INTRODUO
A partir da dcada de 90, mudanas econmicas e no mercado
de trabalho, infuenciadas pelo avano da globalizao, fzeram
com que a discusso sobre a economia informal ganhasse novos
contornos a nvel mundial. O surgimento de novas expresses
desse fenmeno foi responsvel por alargar ainda mais o nicho
das atividades informais, possibilitando que o trabalho de est-
gio e o comrcio ambulante fossem incorporados gama hete-
rognea das atividades informais (KREIN; PRONI, 2010). Frente
pluralidade deste fenmeno, o debate deixa de girar em torno
da condenao ou aprovao da informalidade, passando, ento,
a priorizar a relao entre a economia informal e o trabalho de-
cente (KREIN; PRONI, 2010) conceito criado pela Organizao
Internacional do Trabalho, em 2002 (OIT, 2002).
O trabalho decente defnido como aquele que seja pro-
dutivo e de qualidade, garantindo ao trabalhador condies de
liberdade, equidade, segurana e dignidade (OIT, 2006). Desta
forma, o trabalho decente, que promova a dignidade humana
dos trabalhadores, deve ser assegurado, a despeito da existncia
da economia informal. Logo, o presente artigo no se incumbir
de condenar ou aprovar a informalidade, mas sim de traar rela-
es entre este fenmeno e a garantia de condies de trabalho
1
As autoras do artigo agradecem a colaborao de Roberto Goulart Menezes, Doutor
em Cincia Poltica pela Universidade de So Paulo e professor de Relaes Interna-
cionais na Universidade de Braslia. Seus comentrios e sugestes foram imprescin-
dveis para a confeco deste trabalho.
325 324
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
decente. Alm disso, o enfoque do presente estudo recai sob o
trabalhador, incluindo sua dignidade e suas condies de traba-
lho, sem focar nas atividades econmicas informais per se. Com
efeito, para que a discusso em torno da informalidade se concre-
tize, ser preciso analisar a economia informal em sua totalida-
de, levando em consideraes as suas defnies, causas, efeitos,
contextos, assim como o prprio processo de transio da infor-
malidade formalidade.
Nesse sentido, o artigo estrutura-se em cinco partes princi-
pais. Em um primeiro momento, ser discutida a conceitualiza-
o da economia informal, diferenciando-a do setor informal.
Ainda, ser delimitado o lugar e a importncia da informalidade
na cronologia da economia internacional, por meio de uma breve
contextualizao histrica, que toma como ponto de referncia
o processo de globalizao. Posteriormente, os posicionamentos
de diversas organizaes internacionais em relao economia
informal sero abordados, sendo que o enfoque maior recair so-
bre a atuao da Organizao Internacional do Trabalho na pro-
blemtica da informalidade e do trabalho decente.
Na terceira parte, analisam-se diversas causas e efeitos da
economia informal, relacionando-os com o intervencionismo
estatal e a garantia do trabalho decente. Em seguida, haver dois
estudos de casos que iro prover um panorama geral da econo-
mia informal na ndia e na Espanha, pases que apresentam altos
ndices de informalidade por causas distintas. E em um ltimo
momento, ser analisado, ainda, o processo de transio da in-
formalidade para a formalidade, ressaltando as suas difculdades,
a fm de que se possa pensar em solues efcientes para a pro-
moo do trabalho decente e para a prpria questo da econo-
mia informal. Feitas tais anlises, espera-se defnir qual o tipo de
correlao que pode ser estabelecida entre a economia informal
e o trabalho decente, e quais as maneiras mais efcientes de pro-
mover condies dignas para os trabalhadores de todo o mundo.
2. ECONOMIA INFORMAL: ASPECTOS HISTRICOS E CONCEITUAIS
A informalidade e as nuances de sua defnio devem ser enten-
didas nos tempos de globalizao, a partir da dinmica da econo-
mia global. nesse contexto que as relaes de trabalho dentro
e fora da formalidade mudam, e os desafos da globalizao exi-
gem da Organizao Internacional do Trabalho uma resposta que
garanta, acima de tudo, condies decentes de trabalho.
2.1.Do setor informal economia informal, uma mudana no conceito
A informalidade pode ser encontrada nas ruas indianas, local de
trabalho de um ambulante que vende sapatos; em um mercado
na Arbia Saudita, onde um pai conta com a ajuda de seus flhos
nas tarefas; em um lar brasileiro, que depende dos servios de
uma diarista. Defnir tal fenmeno signifca encontrar, em uma
imensa pluralidade de manifestaes laborais, o seguinte fator
comum: a falta de reconhecimento ou proteo frente aos enqua-
dramentos trabalhistas legais e regulatrios (OIT, 2002). Em ou-
tras palavras, o trabalhador informal reconhecido por no con-
tar com uma legislao trabalhista
2
que garanta o cumprimento
de seus direitos mais fundamentais
3
. Para se chegar a esta defni-
o, contudo, necessrio compreender o processo histrico do
conceito, partindo do chamado setor informal.
A expresso setor informal foi adotada e popularizada na
dcada de 70, pela OIT
4
, em estudos sobre a situao econmica
do Qunia (OIT, 1972). Na poca, defnir o setor informal signif-
cou confront-lo com a formalidade, a partir de sete fatores:
(1) pequena escala produtiva; (2) propriedade familiar; (3) depen-
dncia de recursos locais; (4) atividade intensiva do trabalho com
tecnologia adaptada s condies locais; (5) habilidades adquiri-
das fora do sistema escolar formal; (6) facilidade de ingresso ati-
vidade e (7) operao em mercados no regulados e competitivos
(SWAMINATHAN, 1991, p.9, traduo nossa).
Estes itens indicavam como as atividades informais eram reali-
zadas, ou seja, como a produo era organizada dentro do setor
informal (BARBOSA, 2009). Essa defnio baseava-se nas previ-
2
Estipula as normas que regulam as relaes individuais e coletivas de trabalho. Em
outras palavras, a legislao trabalhista consiste num conjunto sistemtico de regras
sobre condies gerais de trabalho (PORTELA, 2009).
3
Esses direitos variam de acordo com a legislao trabalhista de cada pas. Contudo,
de acordo com a recomendao da OIT, os direitos do trabalhador devem ser base-
ados em quatro Princpios Fundamentais: a liberdade sindical e o reconhecimento
efetivo do direito de negociao coletiva; a eliminao de todas as formas de trabalho
forado ou obrigatrio; a abolio efetiva do trabalho infantil; e a eliminao da dis-
criminao em matria de emprego e ocupao (OIT, 2007a).
4
OIT, a Organizao Internacional do Trabalho (em ingls ILO InternationalLabou-
rOrganization), a agncia da Organizao das Naes Unidas (ONU) que tem por
misso promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a
um trabalho decente e produtivo, em condies de liberdade, equidade, segurana
e dignidade (OIT, [s.d.]). Para mais informaes, consulte o website do Escritrio da
OIT no Brasil: <www.oit.org.br>.
327 326
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
ses otimistas da OIT, que acreditava que intervenes estatais
nessas atividades como treinamento de trabalhadores e faci-
lidade de acesso a crdito conteriam a expanso do setor in-
formal (SWAMINATHAN, 1991). Entretanto, ao tornar-se uma
manifestao cada vez mais heterognea e complexa
5
, a informa-
lidade contrariou essas previses otimistas da OIT, e careceu, as-
sim, de recomendaes mais complexas aliadas a uma expanso
conceitual. Afnal, o termo setor, conforme os setes itens acima,
no especifcava quais atividades deveriam ou no ser engloba-
das ao conceito (KREIN; PRONI, 2010). Na 90 Conferncia Inter-
nacional do Trabalho em 2002, a OIT fnalmente reconheceu os
entraves da expresso setor, passando a recomendar o uso do
termo economia informal (OIT, 2002).
De fato, a denominao setor indicaria apenas atividades
econmicas ou grupos industriais muito especfcos, caracteri-
zados pelos sete itens apontados pela OIT em 1972. Conceituar o
setor informal como um domnio especfco colocava a informa-
lidade parte, como se separada dos setores primrio, secundrio
e tercirio da economia
6
. Em contraposio, o conceito de econo-
mia informal englobava o diverso e crescente grupo de trabalha-
dores informais atuantes em diferentes reas econmicas, urbanas
ou rurais; e no primeiro, segundo ou terceiro setores da economia
(OIT, 2002). Essa nova defnio excluiu o dualismo tpico, setor
formal/setor informal, para constituir uma nova dicotomia: a dos
protegidos ou no pela lei trabalhista (BARBOSA, 2009).
A supracitada resoluo da 90 Conferncia Internacional do
Trabalho de 2002 considera ento que economia informal
[r]efere-se a todas as atividades econmicas de trabalhadores e
unidades econmicas que no so abrangidas, em virtude da legis-
lao ou da prtica, por disposies formais. Estas atividades no
entram no mbito de aplicao da legislao, o que signifca que
estes trabalhadores e unidades operam margem da lei; ou ento
no so abrangidos na prtica, o que signifca que a legislao no
lhes aplicada, embora operem no mbito da lei; ou, ainda, a legis-
lao no respeitada por ser inadequada, gravosa ou por impor
encargos excessivos (OIT, 2006, p.9).
Alm disso, a presente anlise est restrita s atividades legais, ou
seja, economia informal que tem como resultado produtos e
servios legais, no abarcando atividades ilegais
7
como o trfco
de drogas, por exemplo. Nesse sentido, ainda que a economia in-
formal no esteja em conformidade com os procedimentos legais
como, por exemplo, os requisitos de registro, ela no s pode ter
como resultado produtos e servios legais, como, de fato, o tem
na maioria dos casos, de acordo com a OIT (2002).
H a preocupao em delimitar o que se entende aqui por
economia informal, visto que at mesmo o nmero de traba-
lhadores abarcados pela informalidade muda conforme as nu-
ances de sua defnio. Fica evidente, portanto, que o conceito
tornou-se mais plural conforme a informalidade em si ganhou
complexidade. Para entender essa transformao, contudo,
necessrio analisar a economia informal a partir do processo de
globalizao (OIT, 2008).
2.2. A economia informal em tempos de globalizao
A economia internacional teve sua dinmica intensifcada pelo
processo de globalizao, o que infuenciou tambm as relaes
de trabalho. Essa mudana teve impactos negativos e positivos na
economia informal e na promoo do trabalho decente
8
(CAC-
CIAMALI, 2000), efeitos estes que sero analisados nesta subseo.
A OIT entende a globalizao como:
[a] difuso de novas tecnologias, a circulao das ideias, o intercm-
bio de bens e servios, o crescimento da movimentao de capital
e fuxos fnanceiros, a internacionalizao do mundo dos negcios
e seus processos, do dilogo bem como da circulao de pessoas,
especialmente trabalhadoras e trabalhadores (OIT, 2008, p.1).
Partindo dessa defnio, possvel compreender que, no con-
texto de aumento da interdependncia da produo e da fora
de trabalho em escala global, as relaes de trabalho sofreram
5
Esse aumento da complexidade teve grandes relaes com a globalizao (OIT,
2008), como ser visto na prxima subseo.
6
O setor primrio rene as atividades agropecurias e extrativas (vegetais e minerais).
O setor secundrio engloba a produo de bens fsicos por meio da transformao de
matrias-primas, realizada pelo trabalho humano com o auxlio de mquinas e ferra-
mentas: inclui toda a produo fabril, construo civil e a gerao de energia. O setor
tercirio abrange os servios em geral: comrcio, armazenagem, transportes, sistema
bancrio, sade, educao, telecomunicaes, fornecimento de energia eltrica, ser-
vios de gua e esgoto e administrao pblica (SANDRONI, 2004).
7
A economia informal que resulta em produtos ou servios ilegais pode ser chamada
de economia ilcita (ENSTE; SCHNEIDER, 2004).
8
Trabalho decente a expresso usada pelo Escritrio da OIT (OIT, 2006) no Brasil,
como traduo da expresso decentwork, enquanto em Portugal se usa trabalho dig-
no (OIT, 2007b). Ambas as expresses so usadas aqui como equivalentes. A questo
do trabalho decente ser abordada com maior profundidade na prxima subseo.
329 328
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
mudanas (COSTA, 2005). Essas mudanas ocorreram de forma
fagrante quando as empresas buscaram reduzir ao mximo os
custos de produo (CASTELLS; PORTES, 1989), por meio de me-
didas como a reduo do quadro funcional, o uso de mo de obra
temporria ou de meio-expediente, a compra de produtos oriun-
dos da economia informal ou at mesmo a coero de seus traba-
lhadores a condies mais rgidas de trabalho (CASTELLS, 1999).
Dessa forma, quando as empresas buscam se adequar nova
circulao a nvel global de tecnologias, ideias, bens e trabalha-
dores, o relacionamento entre empregado e empregador tambm
tende a se elevar a um patamar supranacional (CASTELLS, 1999).
Essa tarefa de ditar as regras, tradicionalmente do Estado, passa
a ser fexibilizada e negociada entre empresas e trabalhadores,
muitas vezes sem a interferncia estatal, o que aumenta ainda
mais o poder do setor privado nessa negociao(COSTA, 2005).
Quando as empresas possuem maior infuncia e liberdade para
cortar os benefcios do trabalhador, suas decises podem incidir
no apenas no fomento da informalidade, como tambm na no
promoo do trabalho decente (CASTELLS; PORTES, 1989).
Contudo, afrmar que a diminuio da rigidez das relaes de
trabalho pode ter um impacto de aumento da informalidade no
signifca que se trata necessariamente de um aspecto negativo da
globalizao. Quando novas formas de contratao surgem, pela
fexibilizao das relaes entre empregado e empregador, sur-
gem tambm novas estratgias de sobrevivncia com aspectos
positivos s condies de trabalho (KREIN; PRONI, 2010).
De acordo com a OIT, o dinamismo da economia internacio-
nal aumenta a capacidade produtiva e pode resultar em progres-
sos sem precedentes, gerando trabalhos mais produtivos nas ati-
vidades formal e informal (OIT, 2005), por meio da busca intensa
pela otimizao dos meios de produo. Um trabalho, mesmo
que informal, aumenta tambm a rede de informaes e contatos
do trabalhador, o que pode trazer melhores oportunidades; per-
mite o fornecimento de bens de maneira mais rpida e barata aos
que mais necessitam; atua como uma escola de empreendedo-
rismo para aqueles que tm a oportunidade de gerir um negcio;
e ainda reduz a possibilidade de indivduos em extrema pobreza
recorrem criminalidade (EVANS; SYRRET; WILLIAMS, 2006).
Nesse sentido, perceptvel que o trabalho decente pode ser pro-
movido satisfatoriamente tambm pelas atividades informais.
Dessa forma, apontar os impactos negativos e positivos dos
tempos de globalizao nas relaes de trabalho no signifca
condenar nem estimular a economia informal (OIT, 2005). Da
mesma maneira que a formalidade no necessariamente vai ga-
rantir aos trabalhadores uma condio digna de trabalho, a in-
formalidade no apresentar sempre condies diferentes da do
trabalho decente.
2.3. A correlao entre trabalho informal e trabalho decente
Nem a economia informal nem a formal garantem um trabalho
decente per se, por isso, a busca pela sua garantia deve estar aci-
ma dessas defnies. Garantir o trabalho decente o objetivo
mximo da Organizao Internacional do Trabalho, defnido
por esta como aquele trabalho que seja produtivo e de qualidade,
garantindo ao trabalhador condies de liberdade, equidade, se-
gurana e dignidade (OIT, 2006). A garantia do trabalho decente,
como objetivo da OIT, considerada uma resposta efciente aos
desafos da globalizao (OIT, 2008).
Nas condies de trabalho decente, garantir a liberdade signi-
fca dar ao trabalhador a oportunidade de exprimir suas preocupa-
es, formular as decises que iro infuenciar as suas vidas e de-
liberar essas mesmas decises. A equidade garante a igualdade de
oportunidades e de tratamento para todos, independentemente
de particularidades, como a questo de gnero. Nesse sentido, tan-
to mulheres como homens devem dispor de oportunidades igua-
litrias, por exemplo. A garantia de segurana envolve no apenas
a segurana no local de trabalho, mas tambm a proteo social
para os trabalhadores e as suas famlias (SSSEKIND, 1998). Por
fm, a dignidade se d com oportunidades para realizar um traba-
lho produtivo com uma remunerao justa e com boas perspecti-
vas de desenvolvimento pessoal e de integrao social (OIT, 2007b).
importante ressaltar ainda que o conceito de trabalho de-
cente da OIT no deve ser comparado a trabalho reconhecido,
protegido, seguro, formal (OIT, 2002, p.5, traduo nossa, grifo
nosso). As qualidades de informal e de decente no so excluden-
tes, ainda que seja indispensvel eliminar da informalidade seus
aspectos que atentem contra as condies decentes de trabalho
(OIT, 2006). Tirar um trabalhador de um emprego informal, con-
tudo, pode signifcar no apenas priv-lo de sua nica fonte de
sobrevivncia, como, em alguns casos, afast-lo de um trabalho
que sim produtivo e de qualidade. Nesse sentido, o objetivo a
ser seguido progressivamente a garantia do trabalho decente
(OIT, 2002) e no necessariamente a busca pela formalidade.
A garantia de recursos, informao, mercados, tecnologia,
infraestrutura pblica e servios sociais so aspectos essenciais
para prover ao trabalhador condies dignas de trabalho (OIT,
331 330
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
2002). Essas condies podem ou no estar presentes nos tra-
balhos formais e informais e, por isso, o essencial assegurar as
condies de liberdade, equidade, segurana e dignidade acima
de qualquer circunstncia.
3. AS ORGANIZAES INTERNACIONAIS E A ECONOMIA INFORMAL
A questo da informalidade deve ser tratada como um fenmeno
internacional, na medida em que atinge praticamente todos os
pases, alm do fato de que suas causas so, muitas vezes, resul-
tados de situaes internacionais, como crises econmicas. Des-
sa maneira, diversas organizaes internacionais tem procurado
compreender o fenmeno e buscado solues efcientes para a
garantia do trabalho decente.
3.1. Organizao Internacional do Trabalho
A OIT tem se preocupado, desde seus primrdios, com a garantia
de um trabalho que no viole os direitos fundamentais dos indi-
vduos. Nesse sentido, em sua Constituio de 1919 j estavam
contidas importantes colocaes acerca do assunto, como o prin-
cpio de que o trabalho no deve ser comparado a uma mercado-
ria (OIT, 2002). Assim, desde sua fundao, a preocupao com a
garantia dos direitos dos trabalhadores informais acompanha a
Organizao, sendo um exemplo desse fato a utilizao de termos
como trabalhadores ao invs de empregados
9
(OIT, 2002).
O assunto passa a ser mais bem delineado em 1972, quan-
do realizada uma conferncia sobre o setor informal do Qunia
(CARNEIRO, 1994). Cabe ressaltar outra vez que, apesar da deno-
minao setor informal passar a fgurar nos documentos apenas
aps 1972, preocupaes tangentes informalidade j eram con-
sideradas, estando presentes inclusive nas Oito Principais Con-
venes
10
, como, por exemplo, na Conferncia sobre Trabalho
Forado de 1930 (OIT, 2002).
Posteriormente, foram feitas diversas Convenes e Decla-
raes especfcas acerca do assunto
11
. Duas das principais so a
Resoluo da 15 Conferncia Internacional das Estatsticas do
Trabalho, de 1993 (OIT, 1993) e a Resoluo da 90 Conferncia In-
ternacional do Trabalho, de 2002 (OIT, 2002). Alm dessas, h a De-
clarao da OIT sobre a Justia social para uma Globalizao Eqi-
tativa, feita em 2008 (OIT, 2008) e a Declarao sobre os princpios
e direitos fundamentais no trabalho, de 1998 (SSSEKIND, 1998).
Dentre todas as Resolues e Declaraes feitas pela OIT so-
bre o assunto, a mais elucidativa foi a de 2002. Afnal, a resoluo
traz diversas assertivas que procuram fazer com que haja uma
descaracterizao da economia informal como um fenmeno
sempre negativo. A principal constatao o fato de que a eco-
nomia informal absorve trabalhadores que de outra maneira no
encontrariam um trabalho, principalmente em pases em que h
uma rpida expanso da mo de obra, mas no o crescimento
acelerado dos empregos (OIT, 2002). Assim, de acordo com a OIT,
Nomeadamente em situaes de forte desemprego, de sub-em-
prego e de pobreza, a economia informal uma fonte potencial de
criao de empregos e de rendimentos, pelo facto de ter um acesso
relativamente fcil, mesmo sem muita instruo ou qualifcaes,
nem grandes meios tcnicos ou fnanceiros (OIT, 2006, p. 8).
Nesse sentido, a resoluo de 2002 tem como preocupao prin-
cipal a garantia da dignidade dos trabalhadores informais. Para
que isso ocorra, esta resoluo apresenta diversas medidas que
devem ser implementadas no intuito de garantir os direitos des-
ses trabalhadores (OIT, 2002).
Uma dessas medidas a modifcao dos quadros legais dos
pases, j que signifcativa parte deles no possui qualquer legis-
lao referente ao trabalho informal e, naqueles que a possuem,
esta se apresenta insufciente caso de pases como o Mxico,
que classifca trabalhadores autnomos como informais (POR-
TES; CASTELLS; BENTON, 1989). Portanto, uma das primeiras
medidas deve ser o estabelecimento de um quadro jurdico que
trate, de maneira efciente, das questes ligadas informalidade.
9
A diferenciao entre trabalhadores e empregados importante porque o ltimo
envolve uma relao empregador e empregado, portanto, caracteriza somente traba-
lhos que possuam vnculos empregatcios, os quais por vezes so caractersticos da
economia informal (OIT, 2002).
10
A OIT possui oito Conferncias que devem ser assinadas a partir do momento em
que um pas se torna membro da Organizao, sendo elas: Conveno n 29 sobre o
Trabalho Forado (1930); Conveno n 87 sobre a Liberdade Sindical e a Proteo do
Direito Sindical (1948), Conveno n 98 do Direito de Sindicalizao e Negociao
Coletiva (1948); Conveno n 100 Sobre a Igualdade de Remunerao para a mo-
-de-obra masculina e mo de obra feminina por um Trabalho de Igual valor (1951);
Conveno n 105 relativa Abolio do Trabalho Forado (1957); Conveno n 111
Concernente a Discriminao em matria de Emprego e Profsso (1958); Conveno
n 138 Sobre a Idade Mnima de Admisso a Emprego (1973); Conveno n 182 Sobre
Proibio das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ao Imediata para sua Elimi-
nao (1999). (OIT, 2002).
11
As principais Conferencias e Declaraes da OIT acerca do assunto podem ser en-
contradas no seguinte endereo eletrnico: <http://www.oit.org.br/search/apache-
solr_search/conven%C3%A7%C3%B5es%20trabalho%20decente?flters=type%3Aco
nvention> Acesso em: 10 out. 2012.
333 332
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
Outro ponto que requer ateno a situao econmica, social e
poltica do pas, j que a economia informal advm, muitas vezes,
de questes concernentes a esses dois ltimos aspectos do que
propriamente de problemas econmicos (OIT, 2006).
Por fm, outro fator importante para a caracterizao do
trabalho informal como um trabalho decente a garantia de res-
ponsividade
12
e representao que deve ser concedida aos traba-
lhadores informais, por meio da liberdade sindical e do reconhe-
cimento efetivo do direito de negociao coletiva (OIT, 2002). A
garantia do trabalho decente deve passar pelo estabelecimento
da liberdade de expresso e reivindicao, j que apenas quando
os trabalhadores podem exprimir suas necessidades abertamen-
te que existe a possibilidade de uma completa garantia de suas
reivindicaes e de seus direitos (OIT, 2002).
A fm de que tais recomendaes feitas pelas convenes se-
jam implantadas nos pases preciso que haja uma negociao,
em nvel nacional, entre todas as partes envolvidas, procurando
evitar qualquer tipo de imposio. Dessa forma, a OIT se funda-
menta em um sistema tripartite, ou seja, baseando-se na atuao
conjunta de governos, sindicatos e empresas. Para a Organiza-
o, a presena desses trs setores crucial, uma vez que cada
uma das partes representa um diferente grupo de interesses (OIT,
2006). Nesse sentido, a OIT tem se empenhado em desenvolver
programas nacionais que visem promoo do trabalho decen-
te
13
, priorizando a criao de polticas pblicas que assegurem
uma maior proteo social para os trabalhadores e a garantia de
seus direitos de acordo com o contexto poltico, econmico, cul-
tural e social de cada pas (OIT, 2011).
Assim, a OIT tem problematizado a questo da informalidade
nas ltimas dcadas de maneira a trazer a ateno dos governos e
trabalhadores (por meio da representao sindical) para o assun-
to, a fm de que se possa garantir a tais trabalhadores a dignidade
necessria. Tal preocupao da OIT fez com que a questo reper-
cutisse, passando a ser tratada em mbitos internacionais diversos.
3.2. Outras organizaes
As consequncias da economia informal, por vezes, atingem tam-
bm questes relacionadas ao indivduo, ao meio ambiente e ao
desenvolvimento econmico, devido sua complexidade. Nesse
sentido, o assunto passou a ser tratado em diversas outras orga-
nizaes internacionais, como o Banco Mundial, o qual tem reali-
zado estudos para medir o impacto da economia informal em di-
versos pases
14
. Alm disso, o Conselho de Direitos Humanos das
Naes Unidas (CDH) uma das agncias da Organizao das Na-
es Unidas (ONU) que mais tem debatido o assunto (CDH, 2010).
Dentre as diversas implicaes relacionadas aos direitos hu-
manos que o trabalho informal pode gerar, o CDH tem se focado
em duas questes: o alto envolvimento de minorias em empregos
informais (CDH, 2010) e a maneira como as crianas so afeta-
das por tais atividades (CDH, 2012). Assim, o CDH vem buscando
acabar com a discriminao contra minorias, assim como com-
bater o trabalho infantil (CDH, 2010).
Alm das agncias da ONU e de outras organizaes inter-
nacionais (OIs), h tambm de se considerar o importante papel
que a sociedade civil tem tido em relao questo. O Estado atu-
al tem deixado um espao maior para a atuao da sociedade civil
em questes que antigamente caberiam apenas a ele dessa for-
ma, essas aes acabam sendo realizadas por organizaes no
governamentais (ONGs) e empresas. Sendo assim, ONGs passam
a estabelecer programas de apoio aos trabalhadores da economia
informal e a fscalizar grandes empresas. Algumas empresas, por
sua vez, passaram a ter conscincia de sua prpria infuncia na
gerao de empregos informais, principalmente devido ao fen-
meno da economia de cascata
15
(VIEIRA, 2006), e tem procurado
facilitar o fuxo de informaes confveis acerca de questes de
mercado e desenvolverem um lobby para as necessidades das
empresas informais (OIT, 2002).
A partir disso, possvel perceber que a discusso sobre a
informalidade densa nos organismos internacionais. Tais orga-
nismos tomam por base as causas e efeitos da informalidade para
12
Responsividade pode ser defnida como a atitude de garantir uma resposta queles
interessados (OIT, 2002).
13
Do ingls, Decent Work Country Programmes (DWCP). Programa criado pela Or-
ganizao Internacional do Trabalho em 2004 para ser um instrumento de promoo
de dilogo e cooperao entre instituies nacionais e internacionais no intuito de
elaborar, executar e monitorar as medidas tomadas em prol da garantia do trabalho
decente como chave da estratgia de desenvolvimento. Mais de 85 pases j desenvol-
veram os seus programas, os quais podem ter durao entre quatro a seis anos, sendo
que a maioria deles j se encontra na segunda gerao (OIT, 2011).
14
O Banco Mundial (BM) realiza pesquisas acerca de fatores que infuenciam a econo-
mia informal, como a burocracia e a corrupo. A organizao realiza diversas pesqui-
sas em pases especfcos, tendo feito um guia detalhado sobre os efeitos da corrupo
e as possibilidades de mudanas institucionais em 1999 (BANCO MUNDIAL, 1999).
15
A economia de cascata, pensada em relao economia informal, se d da seguinte
maneira: uma empresa multinacional, por exemplo, no emprega qualquer trabalha-
dor informal. Tal empresa, contudo, compra de uma empresa menor e esta se utiliza
da economia informal. Assim, a grande empresa est incentivando a economia infor-
mal indiretamente (VIEIRA, 2006).
335 334
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
traar possveis metas de resoluo dos problemas relacionados
informalidade. Nesse sentido, nota-se a relevncia da anlise
das principais causas e efeitos que incidem no alargamento da
economia informal ao redor do mundo.
4. CAUSAS E EFEITOS DA INFORMALIDADE
Para que se possa compreender o fenmeno da informalidade
preciso recorrer a uma anlise de suas causas e de seus efeitos.
Nesse sentido, esta seo se encarrega de avaliar as principais cau-
sas da informalidade e os seus respectivos efeitos, elegendo aque-
les que podem ser percebidos nos variados contextos poltico, eco-
nmico e social ao redor do mundo. Ao fnal, espera-se construir
um panorama geral da informalidade capaz de interligar a ques-
to da economia informal com a promoo do trabalho decente.
4.1. Sobre as causas
Apontar as causas que levam ao avano da economia informal em
determinado pas ou contexto envolve no s a anlise de aspec-
tos econmicos, como tambm de fatores sociais e polticos. Nesse
sentido, a constante verifcao de algumas variveis (SOTO, 1989;
ENSTE; SCHNEIDER, 2004; TANZI, 2002; RIBEIRO, 2000) tornou
possvel eleger cinco principais causas como sendo aquelas que
mais infuenciam no alargamento do nicho informal. A primeira,
considerada a de maior importncia, o crescimento da carga
tributria, sendo que esta se conecta diretamente com a segunda:
a problemtica das transferncias sociais. Em seguida, lista-se a
rigidez trabalhista, a taxmorale
16
e a questo da empregabilidade.
Por mais que esses fatores no sejam necessariamente con-
comitantes, se aproximam por estarem ligados ao intervencio-
nismo estatal
17
(ENSTE; SCHNEIDER, 2004). De fato, a regulao
do Estado na economia e na esfera social, necessria e um
importante pilar da social economia de mercado (ENSTE; SCH-
NEIDER, 2004, p. 102, traduo nossa). Nesse sentido, o interven-
cionismo estatal tem o intuito de promover uma redistribuio
mais igualitria entre as partes e corrigir as falhas de mercado
18
.
Portanto, a criao de taxas, transferncias sociais e regulamen-
taes trabalhistas so exemplos de aes que visam a promover
a equalizao social e a distribuio justa.
No entanto, a existncia e o crescimento da economia infor-
mal demonstram que certas intervenes so falhas, tanto nas
suas constituies j que muitas vezes so implementadas con-
tra a vontade da maioria da populao como nas suas regulaes,
devido s falcias institucionais. Nesse contexto, cabe analisar as
cinco principais causas do avano da economia informal para
que, ao fnal, seja possvel elucidar a infuncia das intervenes
estatais neste crescimento e na promoo do trabalho decente.
A carga tributria considerada por muitos economistas
como sendo a principal razo do deslocamento dos trabalha-
dores para a informalidade (SOTO, 1989; ENSTE; SCHNEIDER,
2004; TANZI, 2002). Essa relao parte do pressuposto de que
quanto maior for a carga tributria que o trabalhador deve pa-
gar na economia formal, maior ser o incentivo para que este ci-
dado migre para a informalidade, fugindo, assim, dos tributos.
Com efeito, quanto maior a diferena entre a remunerao bruta
dos trabalhadores na economia ofcial e o obtido depois de retira-
do os tributos, ou seja, o rendimento lquido, maior ser o incen-
tivo para evitar essa diferena (RIBEIRO, 2000, p. 8).
Estimativas afrmam que um aumento de 10% na carga tribu-
tria leva a um crescimento maior que 3% na economia informal
(ENSTE; SCHNEIDER, 2004). Essa correlao pode ser notada em
pases como a Noruega, que possui uma alta carga tributria su-
perior a 40% do PIB
19
do pas e, consequentemente, um consi-
dervel ndice de informalidade 19,1% do PIB sendo maior do
que a taxa de pases subdesenvolvidos como o Vietn 15,6% do
PIB entre o perodo de 2003 a 2006 (SCHNEIDER, 2006).
Em relao aos sistemas de transferncias sociais
20
, estes
implicam a existncia de um forte incentivo migrao para a
economia informal quando, mesmo atuando na informalidade, o
trabalhador continua a receber os benefcios sociais sem ter que
contribuir por meio de tributos (RIBEIRO, 2000). Nesse sentido,
16
Uma possvel traduo usada para taxmorale moral tributria (TIPKE, 2002).
17
O intervencionismo estatal refere-se interferncia do Estado na atividade eco-
nmica do pas por meio da regulao e da formulao de regras para o mercado,
visando a promover efcincia e equidade (MANKIW, 2001).
18
Estas falhas ocorrem quando os mecanismos de mercado sem regulao estatal so
deixados livremente ao seu prprio funcionamento, originando resultados econmi-
cos inefcientes ou indesejveis do ponto de vista social (MANKIW, 2001).
19
O Produto Interno Bruto (PIB) o valor de mercado de todos os bens e servios fnais
produzidos em um pas em dado perodo. O PIB soma vrios tipos diferentes de bens
em uma nica medida do valor da atividade econmica e inclui todos os itens produzi-
dos na economia e vendidos legalmente nos mercados. Nesse sentido, os valores gera-
dos pelas atividades informais equivalem a uma porcentagem do PIB (MANKIW, 2001).
20
O Sistema de transferncias sociais um instrumento do Estado para prover pro-
teo social populao por meio da assistncia social prestada pelas instituies
pblicas,pelas quais o governo benefcia gratuitamente a populao com dinheiro,
comida, bens e servios. A Bolsa Famlia no Brasil um programa de transferncia
social (COHN, 2004).
337 336
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
esta causa exemplifca o problema dos caronas, abordado pela
teoria microeconmica, em que uma pessoa benefcia-se de um
bem, sem ter que pagar por ele (MANKIW, 2001).
A questo da rigidez trabalhista refete-se na intensidade da
regulao na economia formal. De fato, se percebe que h um
grande nmero de regulamentaes legais no mercado de traba-
lho, como por exemplo, as condies de trabalho recomendadas
pela OIT (OIT, 2007a). Por mais que essas regulamentaes sejam
essenciais para a promoo do trabalho decente, algumas podem
ser consideradas, por vezes, como barreiras burocrticas ao in-
gresso do indivduo no mercado de trabalho. Enste e Schneider
(2004) afrmam que o objetivo do aumento dessas regulamen-
taes atender somente aos que j esto inseridos no merca-
do de trabalho, e no aqueles que buscam o ingresso. As vrias
barreiras que impedem estrangeiros de atuarem no mercado de
trabalho formal de alguns pases, por exemplo, levam muitos a
optarem pela informalidade (ENSTE; SCHNEIDER, 2004).
Ainda nesse contexto, a infexibilidade das horas de trabalho
pode ser vista como entrave ao exerccio pleno das atividades de
trabalho dos indivduos em alguns casos. A carga horria, por ve-
zes, no representa as necessidades dos trabalhadores, os quais
acabam por preencher o seu tempo livre com atividades infor-
mais (ENSTE; SCHNEIDER, 2004). Estima-se que o aumento de
uma unidade no ndice de regulao
21
est diretamente relacio-
nado com um acrscimo de 10% na economia informal de 67 pa-
ses desenvolvidos e em desenvolvimento (SOTO, 1989).
A taxmorale , tambm, uma das causas que levam os tra-
balhadores a ingressar no mercado de trabalho informal, e diz
respeito atitude pblica em relao ao Estado: se os cidados
percebem que seus interesses so devidamente representados e
supridos com servios e bens pblicos, eles no desejaro traba-
lhar informalmente (ENSTE; SCHNEIDER, 2004, p. 151, traduo
nossa). Caso a situao contrria seja observada, ou seja, se Estado
falha em prover bens e servios pblicos de qualidade, isto incidi-
r na queda do incentivo por parte dos trabalhadores de pagar os
tributos, e, portanto, poder estimular uma migrao informali-
dade. Nesse sentido, o no provimento tambm pode incidir ne-
gativamente na qualidade das instituies pblicas, fazendo como
que cidados creditem pouca confana nas autoridades e tenham
um baixo incentivo para cooperar (TORGLER; SCHNEIDER, 2007).
Desta forma, a corrupo surge como uma das causas dos
baixos nveis da taxmorale em determinado contexto, visto que
as instituies falhas e pouco reguladas abrem brecha para que o
trabalhador informal suborne o fscal tributrio por uma quantia
menor que a correspondente aos tributos na economia formal,
contribuindo assim, para a manuteno da atividade informal
(DREHER; SCHNEIDER, 2006).
Por fm, a ltima das causas listadas a empregabilidade. Este
conceito aqui defnido como a capacidade dos trabalhadores de
se manterem empregados ou de encontrarem novos empregos
quando demitidos (FREY; WECK, 1983). Com efeito, uma baixa na
taxa de participao dos trabalhadores na economia formal indica
que estes tm a possibilidade de ingressar na economia informal.
Nesse caso, a economia informal surge como uma alternativa ao de-
semprego (FREY; WECK, 1983). No contexto da crise americana de
2008
22
e da atual crise da Zona do Euro
23
, possvel perceber como o
desemprego, juntamente com o aumento das cargas tributrias, foi
responsvel por elevar os ndices da economia informal, at mes-
mo em pases da Unio Europeia como Grcia, Itlia e Espanha.
A economia informal atingiu na Grcia valores equivalen-
tes a 25,2% do PIB do pas em 2010 e 22,2% do PIB italiano neste
mesmo ano (SCHNEIDER, 2011). Este desemprego conjuntural
24
afetou principalmente os jovens e as mulheres grupos mais
passveis de ingresso na economia informal (LEONE, 2010). Em
um estudo feito sobre o perfl dos trabalhadores informais, Leo-
ne (2010) argumenta que, historicamente, as mulheres so mais
suscetveis a adentrar na economia informal, assim como os jo-
vens aqueles compreendidos entre 18 e 25 anos (LEONE, 2010).
Nesse sentido, a diviso sexual do trabalho, a falta de experincia
e at mesmo aspectos conjunturais
25
fazem com que mulheres e
jovens adentrem a economia informal (LEONE, 2010).
21
Este ndice de regulao possui uma escala de 1 a 5 e responsvel por ponderar so-
bre a regularidade dos preos e das produes e as suas relaes com o Estado, as em-
presas, os trabalhadores, os credores, os fornecedores e os consumidores (SOTO, 1989).
22
A crise fnanceira americana de 2008 provocada pela falncia em massa de grandes
instituies fnanceiras teve um grande impacto nos ndices mundiais de desempre-
go e no crescimento da economia informal (MELLO; SPOLADOR, 2007).
23
Infuenciados pela crise americana, pases da zona do euro chegaram a dfcits as-
sombrosos causados pelas suas grandes dvidas pblicas, incidindo nas taxas de desem-
prego, principalmente, nos PIGs (Portugal, Itlia e Grcia) (MELLO; SPOLADOR, 2007).
24
O desemprego conjuntural ou cclico ocorre por um fator anormal em determina-
do momento, como por exemplo, crises recessivas econmicas ou desastres naturais.
Desta forma, quando cessada a anormalidade, os nveis de emprego voltam a se ele-
var (MANKIW, 2001).
25
De acordo com a revista britnica Te Economist o ndice do desemprego conjuntu-
ral atingiu em 2011 quase 50% da populao jovem em alguns pases europeus como
na Espanha e na Grcia (EUROPEAN..., 2012).
339 338
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
Analisadas todas essas causas, fca claro que o Estado, por
meio da tributao, da regulao e do provimento de bens p-
blicos, tem um papel preponderante na induo ou mitigao da
informalidade (RIBEIRO, 2000). Quando as intervenes estatais
so abusivas, elas acabam por corroborar o desenvolvimento da
economia informal. Contudo, quando so comedidas e reguladas
tornam-se essenciais na promoo do trabalho decente e no bom
funcionamento da economia do pas.
4.2. Sobre os efeitos
Aps analisar a extenso da economia informal e de suas causas,
o foco volta-se para as consequncias econmicas, polticas e so-
ciais de seu desenvolvimento. Entretanto, essa tarefa mostra-se
desafadora justamente por no haver um consenso sobre a ava-
liao dos efeitos da informalidade. Para alguns ela vista como
uma das atividades econmicas mais efcientes (FRIEDMAN et
al., 1989; ENSTE; SCHNEIDER, 2004), enquanto para outros
considerada uma ameaa autoridade do Estado (TANZI, 2002).
Uma das hipteses que encaram a informalidade de forma
negativa relaciona-se diretamente com a primeira causa aponta-
da na subseo anterior. Se menos pessoas passem a pagar im-
postos, inevitavelmente, a receita tributria ir sofrer reduo.
Com uma menor arrecadao, a quantidade e a qualidade dos
bens e dos servios pblicos sero afetadas, prejudicando, prin-
cipalmente, aqueles que usufruem desses recursos, ou seja, a pr-
pria populao (ENSTE; SCHNEIDER, 2004).
Ademais, a desconsiderao das atividades informais na
contabilizao do PIB e nas estatsticas sobre a empregabilidade
acarreta uma subavaliao da situao econmica do pas, visto
que apesar de no serem consideradas, as atividades informais
geram renda (FREY; WECK, 1983). O fato de esta fonte de renda
ser ignorada induz os governos a formularem polticas econmi-
cas e sociais inadequadas justamente por estarem pautadas ape-
nas no crescimento econmico observvel aquele que conta-
bilizado, proveniente do setor formal excluindo a renda gerada
na informalidade (RIBEIRO, 2000). Esta situao foi observada
por Fichtenbaum (1989) nos Estados Unidos entre 1970 e 1989. O
economista argumenta que a queda da produtividade econmica,
naquele perodo, foi superestimada por no se considerar o cres-
cimento da economia informal no pas (FICHTENBAUM, 1989).
Nesse sentido, contraditoriamente, desenvolve-se uma pro-
posio positiva sobre a informalidade. Se as atividades infor-
mais fossem contabilizadas, seria possvel identifcar nveis de
produtividade econmica maiores que os anteriormente regis-
trados (RIBEIRO, 2000). Ainda em relao a esta produtividade,
muitos economistas acreditam que a informalidade no causa
efeitos negativos per se. Enste e Schneider (2004) demonstram,
por meio de estudos, que mais de 66% da renda gerada na econo-
mia informal gasta no setor formal, originando efeitos positivos
para o crescimento da economia geral e para a arrecadao da
receita. Afnal, quando estes trabalhadores informais compram
bens e servios formais, contribuem por meio dos impostos indi-
retos (ENSTE; SCHNEIDER, 2004).
Em contrapartida, a expanso da economia informal pode ge-
rar, ainda, outros efeitos considerados negativos no funcionamen-
to do mercado. A questo da competio injusta tanto em mbito
nacional como internacional vista como uma dessas hipteses.
Aqueles que vendem produtos e servios no mercado formal, cum-
prindo com seu papel tributrio e com as regulamentaes traba-
lhistas competem, diretamente, com os que operam na informali-
dade e no tem o compromisso fscal e regulatrio. Sendo assim,
os produtos e os servios dos primeiros acabam sendo mais caros
que aqueles fornecidos pelos ltimos, os quais no arcam com tri-
butos ou regulamentaes (TANZI, 2002). Esta situao gera uma
competio injusta que favorece os trabalhadores atuantes na eco-
nomia informal, mas que prejudica os empreendimentos formais.
Entretanto, outros autores, acreditam que o fator competio
fortemente incrementado com o crescimento da economia in-
formal, produzindo benefcios at mesmo no setor formal. Enste
e Schneider (2004) argumentam, que sob a tica do consumidor
26
,
a competio provoca muito mais efeitos positivos que distores
econmicas, visto que a competio injusta s ocorre em casos
extremos quando os bens e servios fornecidos pela economia in-
formal substituem aqueles produzidos no setor formal, situao
que raramente ocorre (ENSTE; SCHNEIDER, 2004).
Ainda possvel relacionar os efeitos do crescimento da eco-
nomia informal com outra causa listada anteriormente. Apesar
de possibilitar uma fexibilizao da atividade econmica, a fuga
das regulamentaes trabalhistas pode se refetir em perdas sig-
nifcativas na proteo social dos trabalhadores, como por exem-
plo, a falta de representao sindical (TANZI, 2002). De fato, esta
26
A tica do consumidor pode ser defnida como a maneira como o consumidor per-
cebe o mercado, sendo que os consumidores tomam decises comparando custos e
benefcios, e seu comportamento pode mudar quando os custos ou os benefcios se
alteram. Isto , eles respondem a incentivos (MANKIW, 2001).
341 340
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
falta de proteo difculta o acesso destes trabalhadores a con-
dies de trabalho dignas (OIT, 2002). Sendo assim, nesse caso,
percebe-se uma correlao negativa entre a informalidade e a
promoo do trabalho decente.
No entanto, as atividades informais no englobam, necessa-
riamente, condies de trabalho precrias visto que, se assim fos-
se, muitos trabalhadores no escolheriam trabalhar informalmen-
te. As estatsticas demonstram que a maioria dos trabalhadores
informais no atua na informalidade porque so forados a isso,
mas sim por encontrar nessas atividades oportunidades de cres-
cimento e fexibilizao inexistente no setor formal (ENSTE; SCH-
NEIDER, 2004). Maloney (1999), ao pesquisar o comportamento
dos trabalhadores na Amrica Latina e nos pases da Organizao
para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE)
27
, com-
provou que cerca de 70% desses trabalhadores ento na informa-
lidade por razes de independncia ou por rendimentos mais al-
tos (MALONEY, 1999). Enfm, percebe-se que o trabalho informal
e o trabalho decente, no so, portanto, variveis excludentes.
Tanto em relao s causas, como aos efeitos, verifcou-se ser
possvel traar uma relao entre a informalidade e a promoo
do trabalho decente. Nesse sentido, essencial frisar que nem
sempre essa relao rigidamente negativa ou positiva. Diversas
hipteses podem ser levantadas e as explicaes tendem para
ambos os lados. Sendo assim, essencial perceber que o trabalho
decente deve ser garantido, independentemente dos efeitos posi-
tivos ou negativos da informalidade.
5. ESTUDOS DE CASO
Os dois pases escolhidos para os estudos de caso ndia e Espa-
nha so exemplos de pases com altos ndices de informalidade,
porm com causas para que esta ocorra extremamente diferentes.
Alm disso, a escolha de um pas em desenvolvimento e outro de-
senvolvido serve para demonstrar que a informalidade no um
fenmeno restrito ao primeiro grupo, como antes se acreditava.
5.1. ndia
O aumento da economia informal na ndia ocorreu a partir de
1991, quando o governo indiano realizou reformas neoliberais,
abrindo as fronteiras do pas a diversas empresas multinacionais
(AGARWALA, 2007). O aumento de empregos gerado por tais em-
presas leva a um deslocamento para as cidades um xodo rural
de grandes propores. Como consequncia do rpido processo
migratrio, a criao de novos empregos formais para todos os ci-
dados tornou-se praticamente impossvel, levando uma massa de
trabalhadores a ingressar na economia informal. Hoje, a informa-
lidade laboral no pas alcana nveis generalizados e, segundo o
NationalSampleSurvey de 2006/2007, feito pelo prprio governo
indiano, a porcentagem de trabalhadores informais chega a 93%
(GURTOO; WILLIAMS, 2009). Tal perpetuao da economia infor-
mal no pas, entretanto, est mais ligada a questes socioculturais
que a questes econmicas, sendo as duas principais o papel da
mulher na famlia e a infuncia da religio na economia do pas.
O primeiro desses fatores a situao da mulher na socieda-
de indiana pode ser resumido da seguinte maneira: a mulher
raramente est inserida no mercado de trabalho remunerado,
seja rica ou pobre. s mulheres ricas concedido o direito de
fcar em casa na verdade, a tais mulheres raramente oferecida
a escolha de trabalho (HARRIS-WHITE, 2003). J as mulheres de
baixa renda acabam por realizar servios domsticos, em situa-
es urbanas, ou por tomar parte nos negcios agrrios da famlia,
em contextos rurais (OLSEN; MEHTA, 2006). Assim, as mulheres
compem grande parte da fora trabalhadora indiana, mas gran-
de parte delas insere-se na categoria de trabalhadores informais.
J a questo da religio, embora no parea ter qualquer
conexo com a economia em um primeiro momento, de sig-
nifcativa importncia para analisar a situao no pas. O Estado
indiano laico, ou seja, h uma separao legal entre Estado e
religio; porm, apesar disso, o hindusmo, principal crena do
pas, continua a infuenciar nas questes da vida pblica. Dessa
maneira, embora tenha havido uma diminuio da importncia
da religio, tais mudanas no foram to fortes no campo econ-
mico, onde ainda as castas religiosas so consideradas relevantes
para seu papel econmico na sociedade, tendo as castas mais ele-
vadas maiores privilgios econmicos (HARRIS-WHITE, 2003).
Alm dos dois fatores acima apresentados, tem-se a atitude
do governo como um fator agravante. A superpopulao no pas
leva existncia de uma grande fora de trabalho, difcultando a
criao de empregos para todo o contingente trabalhador. Assim,
o governo indiano apresenta uma atitude condescendente em
relao ao assunto, realizando apenas medidas paliativas para
27
A Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) uma or-
ganizao internacional e intergovernamental que agrupa os pases mais industria-
lizados da economia do mercado como Chile, Estados Unidos, Itlia, Grcia, Reino
Unido, Alemanha e Espanha (OCDE, [s.d.]).
343 342
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
tratar da informalidade (GURTOO, WILLIAMS, 2009). Um exem-
plo de tais medidas so os direitos que os trabalhadores informais
tm na ndia: esta categoria, ao se unir, consegue que o governo
lhes garanta determinados direitos no relacionados a garantias
trabalhistas, como bolsas de estudos para os flhos e assistncia
de sade (GURTOO, WILLIAMS, 2009).
A mudana do eixo de garantia de direitos saindo do tra-
balhista e passando ao social ocorre devido necessidade de
adaptao situao da economia informal no pas. Tal mudana
possui caractersticas positivas, por conceder alguns direitos que
os trabalhadores consideram importantes; mas tambm possui
efeitos negativos, j que a falta de acesso aos direitos trabalhistas
apresenta, sim, impactos negativos aos trabalhadores informais,
como a no garantia de frias e de um salrio mnimo (GURTOO,
WILLIAMS, 2009).
As particularidades da economia indiana com relao ao pa-
pel da mulher e as medidas tomadas pelo Estado tambm podem
ser percebidas em diversos outros pases em desenvolvimento
(SETHURAMAN, 1998). A situao no pas demonstra como a
economia informal dependente de fatores nacionais, como o
ritmo de desenvolvimento, o ndice de natalidade e os aspectos
socioculturais. Dessa forma, encontrar solues efcientes para o
problema difcil, j que este, muitas vezes, se pauta em fatores
mais estruturais que apenas os econmicos, alm de demonstrar
como apenas a condenao da economia informal no pode ser
vista como uma soluo plausvel (KREIN; PRONI, 2010).
5.2. Espanha
A situao da economia informal na Espanha relevante para
a compreenso de que o fenmeno no est vinculado apenas
a pases em desenvolvimento, como se tende a acreditar. O es-
tudo da economia informal em pases desenvolvidos menos
aprofundado, por se acreditar at recentemente que tais pases
praticamente no possuam informalidade. Todavia, alguns auto-
res como Friedrich Schneider (2006) tm procurado as causas
da informalidade em pases desenvolvidos. Uma das explicaes
que tem sido considerada como mais relevante a considerao
de que, nesses pases, tende a haver uma predominncia das cau-
sas externas (PORTES; SASSEN-KOOB, 1987). Sendo assim, acon-
tecimentos como crises fnanceiras seriam de extrema relevncia
para a compreenso da questo.
O caso da Espanha torna clara a correlao entre crises f-
nanceiras e o aumento da economia informal. Analisando-se as
duas crises mais severas depois da Segunda Guerra Mundial a
da dcada de 70, devido aos choques do petrleo, e a de 2008 ,
percebe-se a mudana econmica ocorrida no pas aps ambos
os fenmenos. Nos anos 70, as consequncias da crise nos pa-
ses desenvolvidos geraram a percepo de que grandes empre-
sas no geram necessariamente segurana, j que tais empresas
tambm sofreram com os impactos da crise. Isso levou a uma
fexibilizao das prprias empresas, diminuindo o nmero de
contrataes formais, por exemplo (VERICK, 2009).
Em ambas as crises, fca evidente que a parcela da popula-
o mais afetada nesse tipo de situao a jovem (de 18-25). Isso
ocorre, segundo a OIT, porque os jovens so os que tm menos
experincia, menos habilidades e menos recursos fnanceiros
para procurarem emprego. Assim, nas duas crises, a porcenta-
gem de jovens desempregados na Espanha chegou a atingir 50%.
Esta correlao ocorre porque as difculdades ingresso na econo-
mia formal aumentam, intensifcada no caso dos jovens, impul-
sionando a entrada destes na economia informal (VERICK, 2009).
A necessidade de procurar uma fonte de renda na economia
informal afeta no somente aos jovens, mas tambm populao
em geral. Assim, no contexto da grande escassez de empregos na
Espanha atual, a economia informal uma maneira de garantir
aos cidados afetados pela crise uma fonte de renda (BM, 2011)
e, consequentemente, uma garantia de dignidade humana. O tra-
balho informal, na conjuntura espanhola atual, se aproxima do
conceito de trabalho decente assim como na ndia.
O que se pode perceber, a partir da comparao entre os dois
casos, que a economia informal na ndia j perdura a dcadas,
sendo gerada principalmente por fatores internos e no sendo
tratada pelo governo como uma situao que tem de acabar ime-
diatamente. J a maneira como o governo espanhol lida com a
situao completamente oposta procura-se uma maneira de
gerar empregos formais novamente para que a informalidade
seja diminuda ao mximo, alm de ser causada essencialmente
por fatores externos.
6. DA INFORMALIDADE FORMALIDADE
O processo de formalizao da economia um dos elementos
que compem a problemtica da informalidade. Nesse sentido,
esta seo preocupa-se em analisar como ocorre esta transio e
em que contextos ela se torna vivel. Tal refexo imprescind-
vel para que sejam apresentadas solues em prol da promoo
345 344
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
do trabalho decente, as quais so esboadas na sequncia. Desta
forma, espera-se delinear possveis caminhos para a questo da
informalidade e da garantia do trabalho decente.
6.1. O processo de transio da informalidade para a formalidade
A economia informal se manifesta de forma plural a depender
das particularidades de contexto poltico, econmico e social de
cada pas. Nesse sentido, o processo de transio da informalida-
de para a formalidade (leia-se, formalizao das atividades eco-
nmicas) pode apresentar variadas expresses, infuenciando
tanto positivamente como negativamente na promoo do traba-
lho decente e na garantia da dignidade dos trabalhadores (MEL;
MCKENZIE; WOODRUFF, 2012).
O processo de transio da informalidade para a formalida-
de deve ocorrer nos casos em que h perspectiva de melhora das
condies trabalhistas, sociais e econmicas dos trabalhadores,
das empresas e do prprio pas (KREIN; SANTOS, 2012). Apesar
da pluralidade desses processos, existem alguns pontos que so
comuns maioria, sendo que o principal deles so os mltiplos
nveis de regulamentao, ou seja, as etapas de formalizao das
atividades informais, como a efetuao do registro legal das em-
presas junto aos rgos pblicos responsveis, e, em relao aos
trabalhadores, a emisso da carteira de trabalho (MEL; MCKEN-
ZIE; WOODRUFF, 2012).
Nesse sentido, para que determinada empresa ou trabalha-
dor sejam incorporados economia formal preciso que estes es-
tejam de acordo com a legislao tributria
28
e trabalhista do pas.
Em outras palavras, necessrio que, entre outras medidas, ar-
quem com as taxas tributrias, cumpram os direitos trabalhistas
e efetuem todos os procedimentos burocrticos de regulamenta-
o de suas atividades (KREIN; SANTOS, 2012).
Dentro desse contexto de transio, o papel do Estado no
processo de formalizao da economia imprescindvel. Cabe a
ele a criao de solues que promovam o trabalho decente e o
desenvolvimento econmico do pas (OIT, 2002). Nesse sentido,
alguns instrumentos do governo para lidar com a questo da in-
formalidade so as polticas pblicas
29
, os incentivos fscais para
a que o individuo migre para a formalidade
30
e os ajustes econ-
micos em prol da formalizao (KREIN; SANTOS, 2012). Tais me-
didas causam mudanas no quadro econmico do pas, as quais
implicariam em uma maior abrangncia de trabalhadores na
economia formal, diminuindo assim os ndices de informalidade
(MCKINSEY, 2004).
O caso brasileiro exemplifca a importncia da atuao do
Estado na formalizao da economia. Durante o perodo entre
2004 e 2009, o pas promoveu uma reduo de 6,2% da taxa de
informalidade, por meio da implantao de polticas pblicas
bem sucedidas (KREIN; SANTOS, 2012). Dentre elas, destacam-
-se a elevao real do salrio mnimo, a melhoria dos benefcios
trabalhistas, a criao de programas de transferncia social como
o Bolsa Famlia e a implementao de polticas que ampliaram o
acesso ao crdito (KREIN; SANTOS, 2012).
Por mais que o processo de formalizao possa apresentar
resultados positivos para o pas, nem sempre possvel imple-
ment-lo (ENSTE; SCHNEIDER, 2004). Tal impossibilidade pode
se dar pela existncia de difculdades econmicas, polticas e so-
ciais, as quais se tornam empecilhos no processo de formalizao
(BECKER, 2004). Os limites ao fnanciamento
31
e ao crdito para
as atividades informais so difculdades econmicas com que as
empresas e os trabalhadores deparam-se durante o processo de
formalizao de suas atividades (BECKER, 2004).
Quando a empresa no regulamentada, esta perde a opor-
tunidade de participar legalmente do mercado fnanceiro
32
, por
meio da venda de suas aes
33
as quais so importantes para
a expanso e a formalizao de seus negcios, alm de prove-
rem mais fnanciamentos e investimentos (ENSTE; SCHNEIDER,
2004). De forma anloga, ao ser privado do sistema de crditos, o
trabalhador pode no ter o acesso a emprstimos no intuito de
incrementar as suas atividades, impossibilitando que este traba-
lhador migre para a formalidade (BECKER, 2004).
Ademais, a falta de preparo do trabalhador uma difculda-
de social defnida pela falta de acesso dos indivduos a um ensino
28
Consiste no conjunto de leis referentes aos tributos, incluindo, a atribuio de res-
ponsabilidade tributria e a cobrana de tributos (TORRES, 2004)
29
Polticas pblicas so um conjunto de aes e decises do governo, a fm de solu-
cionar os problemas da sociedade (SEBRAE, 2008).
30
Os incentivos fscais so uma forma de intervencionismo estatal na economia que
consiste na iseno fscal de bens ou pessoas em prol do interesse pblico (TORRES,
2004).
31
O fnanciamento uma modalidade de operao fnanceira em que uma institui-
o, seja ela fnanceira ou no, fornece recursos para uma pessoa fsica ou jurdica,
com uma fnalidade especfca de adquirir um bem (MANKIW, 2001).
32
O mercado fnanceiro so instituies fnanceiras atravs das quais os poupadores
podem prover diretamente fundos aos tomadores de emprstimos (MANKIW, 2001).
33
As aes representam o direito propriedade parcial de uma empresa (MANKIW,
2001).
347 346
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
bsico, a cursos de especializao e treinamento ou pela precarie-
dade desses sistemas de ensino (BECKER, 2004). Essa realidade
pode infuenciar no ingresso dos trabalhadores na informalidade,
alm de difcultar a migrao dos mesmos para a economia for-
mal. Isso acontece porque grande parte dos empregos regulamen-
tados exige um grau mnimo de preparao (MCKINSEY, 2004).
Alm disso, existem outros trs fatores, de ordem poltica e so-
cial, que infuenciam na questo da formalizao, sendo eles a re-
gulamentao trabalhista excessiva, a alta taxa de regulamentao
fscal e a ausncia de representao sindical das empresas e dos
trabalhadores informais (BECKER, 2004). A falta de sindicalizao
a maior difculdade social e poltica encontrada no processo de
garantia do trabalho decente (OIT, 2002), tanto na informalidade
quanto na formalidade. Afnal, por meio da representao sindi-
cal que os trabalhadores reivindicam os seus direitos trabalhistas
fundamentais, articulando essas reivindicaes de acordo com as
suas demandas salrio insufcientes, condies precrias de tra-
balho, falta de seguridade social
34
, entre outras (OIT, 2002).
A despeito de todas essas difculdades, o processo de forma-
lizao deve ser buscando quando, de fato, promove o trabalho
decente (OIT, 2002). Nesse sentido, os benefcios provenientes
da transio so inmeros, tanto para os trabalhadores que iro
ganhar com a regularizao dos seus direitos trabalhistas; quanto
para as empresas que podero expandir as suas produes, e tam-
bm para o Estado que passar a arrecadar mais impostos poden-
do prover desenvolvimento econmico e trabalho decente para os
seus cidados. Sendo assim, deve-se analisar cada caso e cada pro-
cesso de formalizao para que, s assim, se esboce uma relao,
positiva ou negativa, entre a formalizao e o trabalho decente.
6.2. A implementao de solues eficientes em prol do trabalho decente
Tanto no processo de transio da informalidade para a formali-
dade como na implementao de solues efcientes em relao
economia informal, a preocupao central recai sobre a garan-
tia do trabalho decente (OIT, 2002) preciso, ento, que sejam
criadas medidas que promovam o trabalho decente e a dignidade
humana, estando o trabalhador em atividades regulamentadas
ou informais (OIT, 2002). Dentro desse contexto, deve-se pensar
no papel das empresas, do Estado e dos sindicatos, na promoo
do trabalho decente e da dignidade humana, seja na informalida-
de ou na formalidade.
A partir da preocupao com a dignidade humana, as empre-
sas podem contribuir para a promoo do trabalho decente (OIT,
2002). Este esforo pode se dar por meio do reconhecimento sin-
dical dos trabalhadores, da garantia dos direitos trabalhistas, da
oferta de cursos de capacitao, e da no contratao de trabalha-
dores informais (OIT, 2002). Os trs primeiros pontos tratam da
relao entre empresas e trabalhadores, sendo que as primeiras
devem tomar conscincia de que seus trabalhadores precisam de
seus direitos fundamentais garantidos para que o trabalho de-
cente seja plenamente implementado (OIT, 2002).
Para que o ltimo ponto a no contratao de trabalhado-
res informais seja garantido, preciso que as empresas tenham
plena conscincia de todo o seu processo produtivo
35
(BECKER,
2004). Para a produo de qualquer bem fnal
36
, imprescindvel
a utilizao de bens primrios e intermedirios
37
provenientes de
atividades que tenham sido exercidas por meio do trabalho decen-
te (ENSTE; SCHNEIDER, 2004). Uma empresa no pode se dizer
socialmente consciente se em alguma etapa de seu processo pro-
dutivo h desrespeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Outra pea essencial na aplicao de solues efcientes em
prol do trabalho decente o Estado. Este responsvel pela for-
mulao de polticas pblicas que impliquem diretamente na me-
lhoria das condies de trabalho e que, consequentemente, pro-
movam o trabalho decente (OIT, 2002). Nesse sentido, algumas
possveis solues so a reforma tributria, a fexibilizao da re-
gulamentao trabalhista e a capacitao do trabalhador por meio
da garantia de acesso a uma educao bsica de qualidade (ENS-
TE; SCHNEIDER, 2004). Alm disso, faz-se necessria a criao de
cursos tcnicos de especializao e, ainda, a garantia da liberdade
de associao e reivindicao dos trabalhadores (OIT, 2002).
A reforma tributria pode acontecer por meio da simplifca-
o, transparncia e efetividade do sistema tributrio (ENSTE;
SCHNEIDER, 2004). Nesse sentido, os objetivos de um reforma
tributria, dentre do contexto da economia informal, devem ser
aprimorar as condies do trabalho formal, aliviar os contribuin-
34
Seguridade social a proteo que a sociedade proporciona a seus membros me-
diante uma srie de medidas pblicas contra as privaes econmicas e sociais em
casos de enfermidade, acidente de trabalho ou enfermidade profssional, desempre-
go, invalidez, velhice e morte, e tambm, proteo em forma de assistncia mdica
e de ajuda s famlias com flhos (SSSEKIND, 1998).
35
O processo produtivo o processo de fabricao de um determinado tipo de bem
(MANKIW, 2001).
36
Bens que no sofreram mais nenhum processo de transformao ou de agregao
de valor (MANKIW, 2001).
37
Bens que iro compor ou se transformar em outros bens (MANKIW, 2001).
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
tes da alta carga tributria, promover uma maior justia tributria
e criar um sistema tributrio mais transparente e simplifcado
(ENSTE; SCHNEIDER, 2004, p. 112, traduo nossa). Nesse senti-
do, todas essas medidas proporcionariam um incentivo para que
os trabalhadores informais migrassem para a economia informal.
Em relao segunda medida apontada como sendo uma
das solues efcientes em prol do trabalho decente, a fexibiliza-
o da regulamentao trabalhista pode se dar por meio de altera-
es na legislao trabalhista de um pas visando a proporcionar
aos trabalhadores maior liberdade de ao sem que os mesmos
tenham que migrar para a informalidade (ENSTE; SCHNEIDER,
2004). Em outras palavras, signifca garantir direitos trabalhistas
adicionais, que no confitem com aqueles j existentes, e que
promovam o trabalho decente.
Algumas medidas que podem ser adotas pelo Estado so a
fexibilizao da carga horria de trabalho e a diminuio de bar-
reiras trabalhistas para estrangeiros (ENSTE; SCHNEIDER, 2004).
Os benefcios da primeira medida so muitos, j que as empresas
so capazes de aumentar a produtividade, e consequentemente,
a competitividade de seus produtos, alm de diminurem os seus
custos (ENSTE; SCHNEIDER, 2004). Diminuir as barreiras traba-
lhistas para os estrangeiros signifca abarcar mais trabalhadores,
que podem estar na informalidade justamente pela ausncia de
regulaes trabalhistas, trazendo-os para a formalidade, gerando
mais renda para a economia do pas e provendo condies de tra-
balho decente (ENSTE; SCHNEIDER, 2004).
Outra questo em relao ao trabalho decente que depen-
dente das questes governamentais a relao economia-capa-
citao capacitaes de baixa qualidade tendem a aumentar o
nmero de trabalhadores na economia informal, alm de tam-
bm representar um empecilho ao trabalho decente (HUMAN
RIGHTS DEVELOPMENT RESOURCES [HRDR], 2008). Dessa
maneira, reformas educacionais, que incrementem o ensino b-
sico, cursos tcnicos ou at mesmo cursos superiores, so uma
importante medida para a garantia de trabalho decente. A partir
de tal reforma, os trabalhadores passam a ter melhores condies
de ingresso em um mercado de trabalho competitivo e, alm dis-
so, tornam-se conscientes de seus direitos, promovendo uma me-
lhoria nas condies trabalhistas (HRDR, 2008)
Por fm, necessria tambm uma mudana nas instituies
sindicais, para que estas passem a abarcar tambm os trabalhado-
res informais. Essa necessidade de que os trabalhadores informais
se associem em sindicatos prprios, a fm de que possam ter seus
direitos reivindicados, tem sido uma das principais preocupaes
da OIT (OIT, 2002). Para que os trabalhadores informais tenham
representao sindical preciso mais que apenas a garantia de
livre associao pelo Estado, j que comprovado que mesmo
quando existe tal garantia, difcilmente trabalhadores informais
formam associaes. Um dos principais fatores que explicam essa
baixa representao sindical a pluralidade de interesses da clas-
se dos trabalhadores informais. Dessa maneira, preciso que haja
um forte incentivo formao de sindicatos, incentivo este que
deve vir de governos e empresas, alm da necessidade de que os
trabalhadores saibam que organizaes sindicais so a maneira
mais efcaz para a representao de seus interesses (OIT, 2002).
possvel perceber, ento, que a pluralidade da economia
informal implica em diversas maneiras de se procurar resolver a
situao de ms condies trabalhistas, sendo a procura simples-
mente por formalizao muitas vezes insufciente para a garantia
de trabalho decente. Aqui foram apresentadas algumas das solu-
es para a tentativa de promoo da dignidade humana no traba-
lho, sendo cada uma mais efciente para determinado contexto. A
questo mais importante que se buscou tratar aqui que, apesar
das medidas apresentadas serem de difcil implementao, elas
tendem a ser cruciais para a consolidao do trabalho decente.
7. CONCLUSO
O presente artigo procurou apresentar as diversas maneiras nas
quais a economia informal se confgura, sendo esta um fenme-
no que apresenta facetas distintas conforme as causas que levam
ao seu surgimento e at mesmo o modo como os governos rea-
gem situao. Assim, com o decorrer dos argumentos, poss-
vel delinear a caracterstica mais importante da informalidade: o
pluralismo. Devido a essa caracterstica, de crucial importncia
buscar compreender todas as consequncias do fenmeno po-
sitivas e negativas para que no se incorra em julgamento preci-
pitado que acabe por ignorar fatores importantes.
Apenas aps a anlise das diversas colocaes sobre o assunto
possvel traar algumas afrmaes acerca da questo. A primeira
delas o fato de que a economia informal no um fenmeno po-
sitivo ou negativo por si s preciso estudar fatores atrelados ao
fenmeno, como suas causas sociais e polticas, antes de ser pos-
svel afrmar os efeitos da informalidade para determinado Estado.
Interligada com a concluso acima, est o fato de que apenas
condenar a economia informal no traz benefcios populao.
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Economia informal
Deve-se compreender a informalidade como sendo, muitas vezes,
uma maneira que a populao encontra para garantir o trabalho
decente. Assim, tal fenmeno vem a ser crucial para determina-
dos pases em determinados contextos histricos.
Por fm, outra concluso importante que, ainda que mui-
tos cidados escolham ir para a economia informal, importante
que um pas oferea a eles a alternativa de possuir um emprego
formal. Em outras palavras, um ser humano no ter opes traba-
lhistas e ser forado a adentrar a economia informal no uma
situao favorvel populao do pas ou ao Estado preciso
que os cidados tenham a opo da escolha. Devido a esse fato,
importante que os governos procurem criar medidas para fa-
cilitar o processo de formalizao, quando o mesmo promover o
trabalho decente.
Este artigo pretendeu, assim, mostrar um breve histrico da
informalidade e a maneira como o fenmeno se apresenta atu-
almente a fm de que seja possvel criar uma refexo acerca do
assunto, fazendo com que a economia informal seja repensada.
Afnal, apenas por meio do debate acerca do assunto possvel
buscar maneiras de que todos os trabalhadores tenham seus di-
reitos garantidos e que o trabalho decente prevalea.
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357 CYBER WARFARE
Establishing instruments to deal
with a new world threat
Andresa da Mota Silveira Rodrigues
Carolina Carvalho Tavares
Henrique Mendona Torres Sottovia
Mrcio Nascimento Costa Carvalho
1
11
1. INTRODUCTION
Te progress of information technology provided the world with
benefts for humankind during decades. However, while this de-
velopment of cyberspace is achieved, the rise of a series of threats
for international stability can also be observed.
Tis article analyses the emergence of a new arena in inter-
state and intrastate war: cyber warfare. It is necessary that the
impacts of such ofensive tactics on the functioning of institu-
tions and on the lives of citizens be defned and recognized. By
acknowledging existing challenges, it is possible to outline instru-
ments and solutions to minimize cyber-threats around the globe.
Te frst section of this work discusses the progress of cyber-
space by exposing trends that have led to changes in human so-
cial patterns up to the foundation of a society that is centered
in the virtual environment. Moreover, the need for international
actors to monitor the growth of the virtual space is highlighted.
Te second topic aims to explain what cyber warfare is and how it
can be employed, in contrast with conventional conficts.
Regarding the third section, it portrays the global challeng-
es that international society faces on the matter of cyber warfare,
namely the absence of a system that efectively regulates such
activities, the problem in identifying ofenders in the legal frame-
work and the means to provide quick answers to possible acts of
1
We thank Dr. Daniel Oppermann, from the International Relations Institute of the
University of Brasilia (UnB), for his assistance in reviewing this article.
359 358
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
violation. Te fourth chapter explores the notion of the free access
of Internet as a human right and the consequences of this per-
spective on the use of cyber space. Tis attempt tries to analyze
the border between the protection of human rights against cyber
warfare and the suppression of those rights under the pretext of
combating illegal activities in the digital medium.
Overall, this articles proposal is to enhance internation-
al cooperation on the matter of cyber warfare, while taking into
account the need to maintain human dignity in cyberspace. Te
following analysis lays bases for assessment of the contemporary
issues concerning the use of cyberwarfare and establishes starting
points for regulation and cooperation of these practices, under the
overarching need for protection of human rights in cyberspace.
2. THE DEVELOPMENT OF CYBERSPACE: A BRIEF HISTORY
Before the emergence of the information technology era, in the
70s
2
, the world was guided by several driving forces, such as: fam-
ily, religion, schools, politics and printed communication. Local
territories were places where man felt inserted spatially, spiritual-
ly and professionally, in a familiar context. Before the rise of infor-
mation technology, individuals knew their place well, since they
were confned to defned spaces (RIBEIRO, 2012).
With the rise of industrial age, in the nineteenth century,
global patterns changed. A scientifc rationality took place. How-
ever, it was in the twentieth century, that this idea was comple-
mented with another mentality: people from diferent places on
Earth observed the replacement of heavy structures by light-
weight, portable and agile technology able to reduce time and
distance through instantaneous commands (VIEIRA, 2006, p.1,
our translation).
Consequently, the world starred the insertion of electron-
ic impulses, codes and symbols in computer systems, allowing
for physical and virtual coexistence in cybernetic confguration,
whose coded commands produce immaterial waves (VIEIRA,
2006). Tis interaction between the physical and virtual was
projected to cyber space: an artifcial environment that is non-
physical, translating into a virtual perspective that represents in-
formation in varying degrees of accessibility linked to various
persons and organizations that can be experienced daily by its
users (ADAMS, 1997).
Cyberspace is the Matrix, an abstract invisible region that permits
the fow of information in the form of images, sounds, texts etc.
Tis virtual space is in the process of globalization and is already
a global social space of symbolic exchanges between people of the
most diverse places on planet (DA SILVA; TANCMAN, 1999, p.58,
our translation).
Once the global population embraced the introduction of cy-
ber space in modern society, two types of processes began. Te
frst one has been called as dematerialization of social networks:
what was concrete and material acquired an intangible dimen-
sion in the form of electronic impulses (DA SILVA; TANCMAN,
1999). While surfng in the virtual space, the user experiences a
boundless feeling of transnational territory, in which references
of places and paths that he travels can be changed substantially
(DA SILVA; TANCMAN, 1999).
Tis modernization of social media resulted in the second
phenomenon: deterritorialization. Relations became borderless
due to the constant modernization of communication technology
and, consequently, the form of interaction between individuals is
no longer restricted to the national scene. In this context, world
commerce became the instance, in which information circulated
faster than years of history prior to capitalism (BERGMANN, 2007).
Simultaneously, these two processes gave power to global-
ization
3
. Tis phenomenon was responsible for fexibilization
of the current geopolitical and commercial order, based on the
concepts of state and nation (RIBEIRO, 2012). It must be said that
these concepts were searching for new global connections, rein-
forcing the idea of deterritoralization: there is no longer a point
of reference for the myriad of products that are manufactured
by multinational companies, who share production with several
countries (BERGMANN, 2007).
2
Te core of technological revolution era was during the World War II and in the
period following this confict. Te major technological discoveries in electronics were
the frst programmable computer and a transistor and eletronical component. How-
ever, it was only in the 70s that the new information technologies have spread widely,
accelerating their synergistical development as well as the emergence of a new para-
digm (BENCIO; PAIVA, 1999).
3
Globalization can be defned as the process of world shrinkage, of distances getting
shorter, things moving closer. It pertains to the increasing ease with which somebody
on one side of the world can interact, to mutual beneft, with somebody on the other
side of the world (LARSON, 2001)
361 360
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
Te change of social standards in global dynamics can be
corroborated by taking a closer look into specifc decades such as
the 80s and 90s. Back in the 1980s, fnancial system migrated onto
communication networks, satellite and cable links that expanded
the possibilities of globally transmitting data and voice (WOOLEY,
1993). Te 1990s, on their turn, were guided by the idea of global
village. For Mark Poster (1990, p. 2), this thought made it possible
for information to be instantly available for all over the planet and
to be stored and retrieved as long as electricity is available.
For this reason, time and space, thenceforward, no longer re-
stricted the exchange of information: places, regardless of their
spatial distance, cease to be signifcant factors to settle the dimen-
sion of cyberspace-time (VIEIRA, 2006, p. 2, our translation). Be-
sides, live contact has lost its space to the virtual environment. Tere
isnt enough time to invest in future relations, people nowadays are
more dedicated to invest their time on Internet (WOOLEY, 1993).
Te greatest contribution of cyberspace lies on its capacity to
establish an agile communication that contributes to a democra-
tization of the media. In this sense, citizens could transmit their
problems in a collective way, encouraging debate and participa-
tion in decision-making (BERGMANN, 2007) reinforcing, at the
same time, the idea of non homogenization of the mass. For this
reason, cyberspace goes beyond technical aspects, reaching polit-
ical, social and economic spheres.
Terefore, one may state that a new culture sustained by tech-
nology took place: the world was for the frst time able to integrate
diferent areas of knowledge, arts, music and politics. It is, in fact,
a closer relationship between technology and cultural manifesta-
tions in which the development of the cultural front, infuenced
by cyber advances, was shaped by concepts of time-space created
in the physics feld over decades. In that way, the confguration
of this time-space nexus transposes itself to the phenomenon of
life and evolution of the organizations and society (VIEIRA, 2006).
In addition, the development of cyberspace led global pop-
ulation to a progress era. A revolution in information technology
was observed, but not only knowledge was the center of attention,
others socio-political drivers like human rights, democratization,
internationalization and movements of goods and services could
not be ignored (BALOCH; KARREM, 2008), since they have also
motivated this turn. By the end of the World War II, the third wave
of civilization began to send its frst signs, marked by a higher and
more organized provision of information by the virtual environ-
ment
4
(TOFFLER, 1980).
Nevertheless, cyberspace is also subjected to many vulnera-
bilities and challenges, especially in terms of international secu-
rity, since networks can be exploited to perform illegal acts (AD-
AMS, 2001).
Around the world, information technology increasingly pervades
weapons systems, defense infrastructures, and national economies.
As a result, cyberspace has become a new international battlefeld.
Whereas military victories used to be won through physical con-
frontations of weapons and soldiers, the information warfare being
waged today involves computer sabotage by hackers acting on be-
half of private interests or governments (ADAMS, 2001, p.98).
One of these recent threats to the global scenario was the appear-
ance of new characters in virtual confguration: hackers, crackers
5
,
practices such as virtual pedophilia, terrorism and cybercrime
(BERGMANN, 2007). Under these circumstances, another change
in global dynamics took place, but this phenomenon did not cause
an abrupt change of social patterns, as was seen in the transition
from pre-modern age to industrial society.
Terefore, it is then suitable to say that the rapid growth of cy-
berspace as a medium for global communications and commerce
brings the need to review the interaction of conficting demands
coming from emerging actors and priorities that appear in this elec-
tronic feld (AKDENIZ, 2002). In a modern world guided by tech-
nology, choices made by rulers can have efects on how Internet
operates as well as on how people live since individuals inserted
in international community reconnect through virtual channels.
Tus, such choices demonstrate the existence of an implicit deci-
sion-making power regarding technical rules as well as and the in-
terest of diferent actors have in sharing this power (LUCERO, 2001).
4
Te third wave of civilization can be understood as an evolution of the frst and sec-
ond ones. Te frst wave of societies (survived until 1650-1750) drew their energy
from living batteries human and animal muscle power or from sun, wind or water
(TOFFLER, 1980, p.41). In other words, this wave was based on agrarian economy,
where individuals made their own products for their own consumption. As for the
second, commenced in 18th century, the machine was considered the driving force
of Industrial Revolution. Furthermore, the process of urbanization was another phe-
nomenon that could be observed in this period, indicating the transition from a no-
madic wandering society to clustering of villages (BALOCH; KAREEM, 2008).
5
Hacker is a term used for those who break into someone elses computer system or
data without permission. Crackers are those who get their thrills by cracking software,
creating viruses and destroying virtual systems (MCCARTHY, 2010).
363 362
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
2.1. Internet and the global architecture:
the revolution of information technology era
According to Bencio and Paiva (2004), technology does not
determine society, nor society writes the course of technology
change, but rather, technology incorporates society. By acting
that way, society ends up using technology, since many factors,
such as creativity, intervene in the process of scientifc discovery.
One of these elements that can exemplify this interactive com-
plex is the Internet.
Te emergence of Internet dates to the Cold War, specifcally
to the reaction of the United States government to the launch of
Sputnik Project of the Former Soviet Union (URSS), in 1957. As a
response to this, the US conducted a military research program,
coined as Advanced Research Projects Agency (ARPA), that led to
the beginning of the Internet Engineering. Te main idea of the
project was to connect the most important university centers to
the Pentagon not only to allow a faster and a more protected fow
of information, but also to equip the country with a technology
capacity that would be able to survive in the case of a nuclear war
(OLIVEIRA, 2007).
It was essential that the architecture of this new system had
to be diferent from the aspects presented by the telephone net-
work of the US: where participants were not connected hierarchi-
cally. Te network disposition was capable to forecast if the Net
would be attacked, not permitting the threat of the heads pro-
gram (ABREU, 2009). Along with this, a claim for redefnition of
Internet extension was observed in universities. Professors and
students alleged that this technology had to be expanded to dem-
ocratic spaces, in which the network would be synonymous of
dissemination and sharing information (ABREU, 2009).
For this reason, the limitations of this program were reviewed,
and email became the frst Internet usage in higher educational
institutions (HEIS), allowing an easily accessible communication
between professors within universities. However, in the 80s Inter-
net adopted a commercial application with its frst service pro-
vider (ISP International Service Provider), enabling the average
user to be connected to the World Wide Web (WWW), from inside
his home (OLIVEIRA, 2007).
Terefore, by realizing the cyberspace as an environment for
business opportunities, a new phase was opened to the Net when
it started to attract commercial interests (ABREU, 2009). Tis could
be observed when the domestic as well as the international con-
jecture were analyzed, and was concluded that society could stife
its development through the state. Breaking this traditional rela-
tion means that the society had entered an accelerated process of
technological modernization, being able to change the course of
economies, military power and welfare in years (BENCIO; PAIVA,
2004) once technology was incorporated in society.
Tis shift of economic dynamic refects the changes seen
in global architecture, caused, in part, by the Internet since
it conducted the revolution of information technology era. As
Bencio and Paiva (2004) afrm, the difusion of technology
process is expanded at the moment that a new user is in contact
with it and takes control of individual operations commanded
by himself. Because of this, for the frst time in history, the hu-
man mind was a direct force of production, not just a decisive
element in the production system (BENCIO; PAIVA, 2004, p.10,
our translation), denunciating the fact that the state no longer
suppressed citizens need.
3. WEAPON OF GOVERNMENTS, HACKERS
AND TERRORISTS: WHAT IS CYBER WARFARE?
To understand the concept of cyber warfare, it is necessary to
comprehend the diference between war and warfare. Warfare is
now an interlocking system of actions political, economic, psy-
chological and military that aims at the overthrow of an armed
enemy in a confict, i.e., the tactical, operational and strategic lev-
els of war (SMITH, 2002). Nevertheless, it is also considerable that
warfare can be used in other armed conficts, such as civil wars,
terrorist attacks, national security and defense plans, etc. Ten, it
is essential to distinguish cyber warfare from conventional war-
fare and cyber war from conventional war.
Te main diference between cyber warfare and convention-
al warfare is that while the second has land, air, sea or space as
battlefeld, the frst is used within the virtual space with all its
advantages, such as anonymity, diversity of actors and low cost
when the actors involved have computing knowledge (NYE, 2010;
LUPOVICI, 2001).
Conventional war is an armed confict in which there is the
use of force by a state against the sovereignty, territorial integrity
or political independence of another state in a determined bat-
tlefeld (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY [1974], 1974).
Cyber war, then, is what Mark Milone, quoting John Arquilla and
David Ronfeldt, also categorizes as net war, which means
365 364
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
[a]n emerging mode of confict at societal levels, short of tradition-
al military warfare, in which the protagonists use network forms
of organization and related doctrines, strategies, and technologies
attuned to the information age (ARQUILLA; RONDFELT, 2001,p. 6
apud MILONE, 2002).
In Mederos (2010) words, cyber war is an asymmetrical war
6
, in
which a computer would be the weapon, the network would be
the battlefeld and information would be the bullet. But is cyber
war just a confict based on the use of power? Does it only occur
between states? What interests is it able to serve? Does cyber war
have a determined battlefeld (MEDERO, 2010; COHEN, 2007;
ARQUILLA; RONDFELDT, 2001)?
Both in conventional and cyber wars, the belligerents are sov-
ereign states, the only actors capable of ofcially declaring such
confict. A diference, however, lies in the outcome possibilities
of these kinds of war. In conventional wars, the winner is almost
always the state with the most well-prepared and equipped army,
an excellent defense strategy and the most efcient weapons. In
cyber war the winner is also a state, in defense of his own inter-
est. However, it is not always certain that massive physical force
will prevail in conficts developed within cyberspace (ARQUILLA;
RONDFELDT, 2001).
3.1. The problem with concise definitions
Although this study considers the development of the cyber war-
fare concept, there is no consensus among international society
about its defnition, for, at least, three reasons: the small amount
of sources and studies about cyber warfare itself and its terminol-
ogy; the non existence of a Treaty or Convention defning what
methods could be included in an internationally well-accept-
ed defnition of cyber warfare; and the few cases of cyber war
(CORNISH et. al., 2011).
It is also considerable that in cyber warfare is extremely difcult to
direct precise and proportionate force; the target could be military,
industrial or civilian or it could be a server room that hosts a wide
variety of clients, with only one among them the intended target
(CORNISH et al., 2011).
Some of the few existing and relevant to understand cyber war-
fare conception examples of the usage of cyber warfare are: the
case of Estonia in 2007, the Georgian event (2008) and the Re-
public of Korea episode (2009)
7
. Refecting on all these cases, it
is possible to notice something in common: these cyber-attacks
happened closely tied to real conficts between states, seeking
for the control of the other sides electronic resources, including
weaponry. Terefore, cyber wars are mainly linked to real-world
conficts (BILLO; CHANG, 2004).
Trough time, some authors considered that the concept of
cyber warfare should involve other ideas already existent, like in-
formation warfare, electronic warfare, cyberterrorism which will
be presented and discussed at the end of this section , etc.
8
Ten,
the most adequate defnition of cyber warfare would be:
Cyber warfare involves units organized along nation-state boundar-
ies, in ofensive and defensive operations, using computers to attack
other computers or networks through electronic means. Hackers and
other individuals trained in software programming and exploiting
the intricacies of computer networks are the primary executors of
these attacks. Tese individuals often operate under the auspices and
possibly the support of nation-state actors (BILLO; CHANG, 2004)
As cyber warfare is, essentially, a form of knowledge, state and non-
state actors can make use of it to manifest their claims. If there is a
state actor involved, it could possibly be employed through cyber
war or state cyber espionage. If the main actor is a non-state one,
and if there are political reasons to back such actions, cyber war-
fare could be used through cyber-terrorism or hacktivism.
3.2. Firepower for governments
In spite of all the freedom and anonymity Internet ofers, it is
mostly still attached to real borders, inside of which a government
exercises its sovereignty and protects its essential structures. Tis
condition can be attested by the use of a country code top-level
domain (ccTLD) an acronym used in internet addresses, denot-
6
A confict in which the belligerents powers have a signifcant gap, including non-
state actors (SHARP, 1999).
7
Tese episodes will be further explained in the fourth session of this article.
8
Information warfare (or just information operation) can be defned as action tak-
en during times of crisis or confict to afect adversary information, while defending
ones own information systems, to achieve or promote specifc objectives (WILSON,
2007, p. 5). Electronic warfare is defned as any military action involving the direc-
tion or control of electromagnetic spectrum energy to deceive or attack the enemy
(WILSON, 2007, p. 9). Wilson says both concepts can be included in the defnition of
cyber warfare, but they cannot be used as synonyms.
367 366
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
ing an idea of state jurisdiction over cyberspace (INTERNATION-
AL ASSIGNED NUMBERS AUTHORITY [IANA], 1994).
Governmental networks are usually a target to claiming groups,
whether their intention is to make their demands heard by their
government; or, in the case of terrorist organizations, because they
intend to spread chaos for political motivations in the largest area
possible, choosing a state as target (NYE, 2010; DENNING, 1999).
On the other hand, states also face cyber war as a way to deal
with interstate conficts. By the time many nations have become
capable of holding international connections and interactions
both ofensive and defensive , it is expected that interests get in
confict between two or more nations. At this point, according to
the moment of historical context that is analyzed, it is possible to
say both conventional weapons and cyber weapons are consid-
ered destructive ways of achieving an objective (BILLO; CHANG,
2004; DENNING, 1999).
Countries like China, South Korea and United States have
already created a plan of cyber defense against hacktivists, cyber
terrorists and other foreign state-sponsored, armies of hackers.
Japan, for example, is working on the development of a virus that
prevents computers from getting infected by other viruses. Te
United States are constantly testing their servers with simulated
attacks. Tese examples illustrate defense strategies states use in
cyberspace (BILLO; CHANG, 2004).
Ofensive measures may be seen, for instance, in the sugges-
tions to form groups of net warriors, hackers supported by gov-
ernmental interest and protection. Tis group could be formed by
recruiting civilian experts or just by training civilians for this spe-
cifc purpose. Also, the development of software, viruses, and oth-
er methods to attack various computer networks are considered
forms of cyber attack, governmental or not (BILLO; CHANG, 2004).
3.3. The voice of hacktivism
Te number of people with access to Internet increases everyday
around the world. According to the statistics of Internet World
Stats, in December 31, 2000 the number of internet users around
the world was 360,985,492; and data from June 30, 2012, indicates
a number of 2,405,518,376 internet users (INTERNET WORLD
STATS, 2012). Tis growth stimulates activists
9
to use Internet
to make their claims heard, by becoming part of activist groups
(DENNING, 1999; ARQUILLA; RONDFELDT, 2001).
However, there are diferences between online activists and
hacktivists. An online activist would be part of an activist group
that uses Internet to communicate with other members of the
group, organize activities and conduct online campaigns through
social networks and websites, exposing their statements to a large
amount of people (DENNING, 1999). Hacktivists, on the other
hand, would be individuals or groups using specialized comput-
ing knowledge to make their claims heard and known (MILONE,
2002). According to Denning (1999):
Hacktivism is the convergence of hacking with activism, where
hacking is used here to refer to operations that exploit computers
in ways that are unusual and often illegal, typically with the help
of special software (hacking tools). Hacktivism includes electronic
civil disobedience, which brings methods of civil disobedience to
cyberspace (DENNING, 1999, p.25)
Both groups use Internet to target a large number of people,
but the frst group uses Internet for administrative afairs and
matters of idea spreading, while the second, does so through of-
fensive computing techniques such as web sit-ins and virtual
blockades, automated email bombs, web hacks, computer break-
ins, computer viruses and worms to make their statements
(DENNING, 1999).
Denning (1999) can defne all those enumerated ofensive
computing techniques in the following words:
1. Web sit-in and virtual blockade: A virtual sit-in or blockade is
the cyberspace version of a physical sit-in or blockade. With
a sit-in, thousands of activists simultaneously visit a web site
and attempt to generate so much trafc against the site that
other users cannot reach it (DENNING, 1999, p.26);
2. Automated email bombs: () to bombard them with thou-
sands of messages at once, distributed with the aid of auto-
mated tools. Te efect can be to completely jam a recipients
incoming email box, making it impossible for legitimate
email to get through. Tus, an email bomb is also a form of
virtual blockade (DENNING, 1999, p. 30-31);
3. Web hack and Computer Break-in: () when hackers gain-
ing access to web sites and replacing some of the content
with their own. Another way in which hacktivists alter what
9
Activism (through internet) refers to normal, non-disruptive use of the Internet in
support of an agenda or cause (DENNING, 1999).
369 368
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
viewers see when they go to a web site is by tampering with
the Domain Name Service so that the sites domain name
resolves to the Internet protocol address of some other site.
When users point their browsers to the target site, they are
redirected to the alternative site (DENNING, 1999, p. 34-35);
4. Viruses and Worms: Both are forms of malicious code that
infect computers and propagate over computer networks.
Te diference is that a worm is an autonomous piece of soft-
ware that spreads on its own, whereas a virus attaches itself
to other fles and code segments and spreads through those
elements, usually in response to actions taken by users, such
as opening an email attachment (DENNING, 1999, p.40)
As main consequences of hacktivism, we have: the possibility to
attribute hacking acts to a foreign government and cause harm
between states relations; disturbing the economy, intercepting
crucial information that is interesting to other nations, among
other potential threats (DENNING, 1999).
When the hacktivists employ the use of cyber knowledge
to make their political claims be heard, but with civilian targets
in order to cause harm consequences in real world (or just the
threaten to do it), it would not be hacktivism anymore, and would
turn into cyberterrorism (DENNING, 1999).
3.4. The terrorist menace
In order to understand what cyber terrorism is we should frst con-
sider the concept of conventional terrorism. Terrorism can be de-
fned as the [i]ntention or threat to use violence against civil popu-
lation or civil targets, with political objectives (GANOR, 2002, p.6).
Adjusting the concept of terrorism to the virtual space, cy-
ber terrorism could be defned as the premeditated, politically
motivated attack against information, computer systems, com-
puter programs, and data which result in violence against non-
combatant targets by sub-national groups or clandestine agents
(POLLITT, 1997, p. 285). Cyber terrorism also covers politically
motivated hacking operations intended to cause serious harm
such as loss of life or severe economic damage (MEDERO, 2010;
POLLITT, 1997; DENNING, 1999).
As the number of internet users increases, terrorists targets
are increasingly more controlled and/or protected by computer
systems, and it refects on the motivation terrorists have to make
their attacks through cyberspace. Another reason can be the se-
ries of advantages cyberterrorism has over conventional meth-
ods, like: low cost when compared to conventional terrorism, an-
onymity and the possibility of extensive media reporting of the
case (DENNING, 1999).
At the international level, several countries have been addressing
such issues as mutual legal assistance treaties, extradition, the shar-
ing of intelligence, and the need for uniform computer crime laws
[regarding the threat of cyberterrorism] so that cybercriminals [i.e.
cyberterrorists] can be successfully investigated and prosecuted
even when their crimes cross international borders, as they so often
do (DENNING, 1999, p. 46).
Governments also may try to protect their essential information
through an intranet
10
system, with no connection to Internet and
no possibility to introduce external media. Tis scenario is quite
hard to imagine, yet it is real: for example Iran is developing a com-
pletely separated Internet within their own country, in other words,
a national Internet, with its content and ideas carefully fltered to
what complies with the Iranian national interest (IRAN, 2012).
All previous categories of use of cyber warfare by nation-
al states, by hacktivists and by terrorists have been seen as ob-
stacles to establish a safer, more equal and more interconnected
internet. Te proposals to make it through laws and cooperative
regulation, in addition to other instruments, will be discussed in
the next session.
4. GLOBAL CHALLENGES OF CYBER WARFARE
Te term cyber is acquiring utmost importance in the current
debates concerning international security and law. Te discus-
sions on the law governing the usage of computers have been
taking place for several decades. In 2007, considering the de-
velopments and the speed in which they were made, specialists
in the international law on use of force have pushed the term
cyber and its meanings to a top position on their agendas
(OCONNELL, 2012, p. 187-188). Todays globalized world has
become reliant on Internet in order to manage political, econom-
ic and social issues. Furthermore, there is an interest in ofering
people the possibility of accessing Internet and not having its
10
Intranet can defned as a restricted space through which a determined public can
share restricted information (ASSIS, 2009).
371 370
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
privacy or rights harmed by it. In this sense, there are plenty of
obstacles that need to be overcome, in order to achieve security
in cyber-space. (OCONNELL, 2012).
4.1. Persistent obstacles: strategy, regulation and understanding
According to Susan Collins (2010), if someone with governmen-
tal bounds bombed the electric grid in any country and people
saw the bomber coming in; it would clearly be an act of war, con-
sidering this act as a threat to others security in the real domain.
Besides, if a state used sophisticated computers to knock out any
other electricity grid than its own, defnitely the world would
also tend to consider it as an act of war, adding a new dimen-
sion to the concept. Tis example gives a wide perspective on the
current struggle to defne diferent types of confict considering
and analyzing the cases of cyber warfare occurred in the past few
years (COLLINS, 2010).
To develop the idea mentioned above, Libicki defends the idea
that cyberspace is a medium with its own rules (LIBICKI, 2009).
Cyber-attacks have the particular ethos of not requiring the use of
coercion to strike the enemy, since they exploit its vulnerabilities,
such as a fragile defense system or a momentary circumstance
that may favor the attack, released from anywhere. In addition, the
efects of a cyber-attack are usually short-termed and permanent
damages are hard to achieve (LIBICKI, 2009). One peculiarity that
is not so problematic in conventional attacks must be emphasized,
which is the difculty to identify actors and their reasons for com-
mitting such actions in cyberspace (LIBICKI, 2009).
In the international and national felds, the number of ef-
cient advancements in the regulation of cyber warfare is low. Te
main obstacle to create and implement such legal mechanisms
derives from the lack of an international consensus on the def-
nition of a cyber-attack and on how it fts in the meaning of acts
of war (LIBICKI, 2009). Moreover, specialists in law claim that the
dynamics of cyberspace are too suitable for espionage, criminal
activity and asymmetrical warfare, a confict in which the bellig-
erents powers have a signifcant gap. Hackers, terrorists and or-
ganized crime have the power to acquire almost all kinds of on-
line information (SHARP, 1999).
According to specialized lawyers, information and technol-
ogy are both changing the scenario of national security and the
manners of causing physical damage to other territories. Te
subversion of political, economic, and non-military information
bearing on a nations capabilities may well constitute an unlaw-
ful use of force in cyberspace under traditional international law
principles (SHARP, 1999, p.492).
One need not be clairvoyant to predict that a facility of Internet that
connects over 1.5 billion Internet users on this globe engaged in
intense communications may not ft easily into the traditional le-
gal approach on the assertion of jurisdiction as applied in the real
and compartmented world of more or less static sovereign States
(KASPERSEN, 2009, p.5).
Some of the difculties of combating such actions involve the
identifcation of actors, their origin and motivations. Tese as-
pects are often inferred considering the targets, the aimed efects
and circumstantial evidence, like the manner in which the attack
was produced. Besides, the capability of acting from anywhere
virtually makes the tracking of the actors really difcult it is eas-
ier to make use of information and communication technologies
(ICTs) for actions of disruption. Moreover, international commu-
nity has witnessed an increasing number of states which devel-
oped ICTs as mechanisms of warfare and intelligence, mainly for
political goals, but it also intensifes the difculty of identifying
actors (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY [UNGA], 2010).
4.2. Law, cooperation and international politics
Policies and legal mechanisms to deal with cyber warfare are
clearly out of date, and exclusively military technical improve-
ments walk on a faster pace. Te gaps in philosophical (precise
defnitions), political (discussions about law, policies, improve-
ments and defnition) and legal (applicable laws and procedures)
matters must be closed, in order to efciently execute national ob-
jectives and provide further security. Even though these legal and
technical mechanisms need several improvements, it is visible that
strategies do exist to combat cyber-attacks (ALEXANDER, 2010).
Te United Nations have brought several important ques-
tions for discussion in the matter of cyber security, such as law,
defnition, policies, and procedures. For this reason, the organi-
zation gathered a group of specialists and diplomats in the feld.
Tis group of cyber security specialists and diplomats has agreed
on a set of recommendations to the United Nations Secretary
General for negotiations on an international computer security
report in 2010. Recommendations were to study areas of poten-
tial threats and improve the feld of information and communica-
tion (MARKOFF, 2010).
373 372
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
Te groups report (2010) highlights problems that interna-
tional community is having in fghting and acting against threats
to information security. First, states that are increasing use of ICTs
are responsible for the creation of new vulnerabilities and oppor-
tunities for acts of disruption. In addition, it is important to high-
light the difculty of localizing actors in this matter, which will be
discussed in the next section (UNGA, 2010).
Te report was important not only for international actors,
but also for the private sector and for civil society cooperation,
since it urges for improvements on this matter of civil and private
cooperation. In order to achieve efective measures on combating
these acts and to improve information security, it is necessary to
promote international cooperation. In addition, the report calls
upon signifcant attention to non-criminal areas of transnation-
al concern such as the risk of misperception, which is the wrong
assimilation of information that will not conduct the investiga-
tion to the real actor. Tis is a result from a lack of shared under-
standing regarding international norms pertaining to state use of
ICTs, which could afect crisis management in the event of major
incidents, like disabling the electric grid of an entire city. Such
incidents would be possible since the use of ICTs improves the
defensive system and it is also an additional tool for actors in a
cyber-attack (UNGA, 2010).
Another important measure is to share experience and mech-
anisms, supporting the management of incidents, building con-
fdence to face such situations and enhancing transparency and
stability. Tey also consider that cyber threats are growing more
complex and dangerous, to a point where states may become
unable to combat these attacks alone. In this sense, they urge for
further information exchanges on national legislation, communi-
cation technology security strategies, best practices and improve-
ments on helping less-developed countries. Moreover, lawyers
and experts on the matter have given suggestions such as includ-
ing recent cases of groups who practice acts of cyber warfare as
terrorists, causing pressure in the international community to
reach consensus on the defnition of such warfare, cooperation in
these situations and combating it (UNGA, 2010).
4.3. Previous events
In order to efciently discuss, create and execute the mechanisms
and measures mentioned above, it is crucial to understand the
recent cases of cyber warfare usage, their implications on the na-
tional and global level and their reasons. In this sense, three recent
cases will be analyzed: Estonia, Georgia and the Republic of Korea.
First of all, the case of Estonia in 2007 was an example in which cy-
ber-attackers threatened and attacked government servers, news
portals and, more heavily, the two biggest banks of the country,
striking down their systems in order to acquire information and
also with political interests (AAVIKSOO, 2010).
Tis was a peculiar case, considering the size of Estonian in-
frastructure and ethos of the attacks: It was a well-coordinated cy-
ber-attack that threatened the state, since it required resources that
are unavailable to civil population and the actors were anonymous.
Tis episode demonstrates previous afrmations, such as the dif-
culty to track down the actors and the short termed efects or the
difculties to make bank communication or transactions in this
country approximately 98% of them are made online. Te attacks
did not have any long-term consequences (AAVIKSOO, 2010).
Te case of Georgia is another great parameter for identifying,
analyzing, using the mechanism of law and classifying acts of cy-
ber warfare and the combat against it
11
. According to the authors
(TIKK et al., 2008), the principles of Law of Armed Conficts need
improvements in order to deal with cyber warfare. Tey also state
that although the Geneva Conventions did not include cyber-at-
tacks in the defnition of armed confict, using the interpretation
of the Conventions which made those attacks ft into their defni-
tions and mechanisms would make their combat more efcient
(TIKK, et al., 2008).
Te episode in Georgia was evidently relevant for future stud-
ies on cyber-attacks and was deeply analyzed by specialists such
as the Chief Technical Ofcer of the US Cyber-consequences
Unit, Jon Bumgarner (2009). He noticed that a great part of the
cyber-strikes on governmental websites and ICT networks from
Russia occurred close in time to the military operations
12
, which
implies that there was cooperation between the Russian military
and cyber-attackers. Te cyber-attacks were really fast and ef-
cient, striking directly the main websites and information that
were necessary to the state (BUMGARNER, 2009).
11
Te work Cyber Attacks against Georgia: Legal Lessons Identifed (TIKK et al., 2008)
makes a series of recommendations in the feld of legal and strategic mechanisms
to strike cyber warfare acts based on the earlier cyber-attacks of Estonia (2007) and
Lithuania (2008).
12
Te cyber-attacks occurred on 7 August 2008, same day that Georgia started its mili-
tary operations in South Ossetia (TIKK et al., 2008). Also, the military strikes from Russia
happened in a very precise timing with the civilian cyber-attacks (BUMGARNER, 2009).
375 374
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
Te organizers of the cyber-attacks were aware of Russian
military intentions, and they were tipped of about the timing of
the Russian military operations while these operations were be-
ing carried out (US CYBER-CONSEQUENCES UNIT, 2008). Te
Russians had already witnessed the psychological and economic
disruptions in a country
13
, and it almost didnt cause any interna-
tional repercussion. He also states that the case produced little in-
ternational response. Te episodes of Lithuania and Kazakhstan in
January 2009 reinforced the experiences of causing considerably
little international response or pressure (BUMGARNER, 2009).
Te campaign against Georgia took place under diferent condi-
tions, because Russia was engaged in overt military action against
the country, but the cyber component was still carried out by civil-
ians, and there was no international response. Given this history, it
would be very surprising if most future disputes and conficts in-
volving Russia and its former possessions or satellites werent ac-
companied by cyber campaigns (BUMGARNER, 2009, p.9).
Additionally, the case of the Republic of Korea (2009) was
also an example in the attempts of identifying the actors of cyber
warfare. Tis episode demonstrates that the mechanisms to iden-
tify the responsibility for cyber-attacks need intense development
(RSA CONFERENCE, 2010). In this event, South Korea frst at-
tributed the origin of the cyber-attacks to North Korea, then to the
United Kingdom and later to the United States of America, hence
specialists divided the analysis in three stages of identifcation of
the source of the attacks (RSA CONFERENCE, 2010).
In the frst stage, initial reports tended to suspect of North
Korea, and during the following weeks, the suspect locations
were UK, Miami and also South Korea itself. In this period, the
government of South Korea took several countermeasures, such
as blocking the exploited server from disseminating malicious
code that destructed the hard drive, seized and delivered sam-
ples of the malicious code to an anti-virus and issued an ofcial
announcement about the situation (CHANG-WON, 2009; YOUM,
2010). Te following stages were the analysis of the case and the
information that was received daily. It was only on July 15, 2009
that the Korea Communications Commission (KCC) and the Viet-
namese security company Bach Khoa identifed the master server
that was located in UK (BBC MONITORING SERVICE, 2009).
In the situation, South Korea was part of a support team,
which was the Asia Pacifc Computer Emergency Response Team,
composed by 16 countries, including Vietnam; they were analyz-
ing the cyber-attacks and the virus samples used. In the end, there
have been no announced arrests or prosecutions of military or
any identifed measures in response to the attack, showing the ne-
cessity of improving mechanisms for attributing the origin of the
attacks and their authors (BBC MONITORING SERVICE, 2009).
In this sense, the work done so far has taken some steps to-
wards development, but it is not enough to fll the gaps in the le-
gal feld, ftting laws in the current situation and coming up with
mechanisms to monitor their own network, cyber law and, fnally,
formulating treaties. Given the confused legal regime, the best
way to ensure a comprehensive regime is through a new interna-
tional accord dealing exclusively with cyber security and its status
in international law (SHACKELFORD, 2009, pp. 7).
5. HUMAN RIGHTS IN CYBERSPACE:
HOW TO PROTECT WITHOUT RESTRAINING
Te importance of cyberspace in providing individuals with infor-
mation sources and communication channels has been increas-
ingly noticed by governments and organizations for at least the
past twenty years. Te very notion of cyberspace as a medium
that is completely separate from the concrete instances of every-
day life has sufered adaptations by scholars that regard the virtu-
al world as an extension and an evolution of the real one. Such a
position that brings out the deep infuence of cyberspace in phys-
ical environments helps building a stance that also takes into ac-
count the magnitude of the efects cyberspace phenomena may
have in individual lives (COHEN, 2007).
Such trend has not escaped the United Nations awareness,
and features many of contemporary discussions held within UN
bodies. Perhaps the most remarkable example of how cyberspace
has occupied an important place in multilateral issues is the 2012
Resolution approved by the United Nations Human Rights Coun-
cil on the promotion, protection and enjoyment of human rights
on the internet. Tis document considers that the exercise of hu-
man rights especially freedom of expression should be protect-
ed online like they are ofine (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2012).
Tis discussion may be easily transposed to the domain of
cyber warfare. Real-world wars present clear risks to the overall
13
Studying the case of Estonia in 2007, even though not being involved (BUMGARNER,
2009).
377 376
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
integrity of individual rights, so it is easy to imagine that virtual
war can also promote rights violations. Such reasoning is backed
by accounts of the noxious consequences of a cyber-attack in so-
cial, economic and political spheres, on which the full exercise of
human dignity greatly depends (BRENNER, 2007).
Tere are, notwithstanding, interpretations of humanitar-
ian law which advocate for broader use of cyber warfare, at the
expense of traditional war methods. Te point is that the less
physically-oriented and the more structurally-aimed character of
cyber-attacks would cause considerably less damage to real in-
frastructure or humanitarian catastrophes. International human-
itarian law would have the duty of guiding states towards rational
use of cyber warfare tactics (KELSEY, 2008).
Even though there is some truth to this assumption, it also
has signifcant intrinsic faws. Stimulating the use of cyber-weap-
ons as a less direct means of combat distorts the incentives states
have to wage war, making it more likely that ofensive action be
taken in the digital realm (KELSEY, 2008). While state regulation
by international law might work and should be encouraged, the
non-compliance of groups such as hacktivists or terrorists per-
sists as something yet to be addressed, giving leeway for the pro-
liferation of these practices. Ultimately, the immediate efects in-
ficted on people by cyber warfare tactics are not as innocuous as
pictured by this approach and can present serious problems to
individual safety and social stability (BRENNER, 2007).
Destructive cyber warfare may pose immediate threats to
human lives and is the most direct kind of cyber-attack. Tis va-
riety of warfare is mostly associated with more intense scenarios
of open confict, occurring also beyond virtual borders. Trigger-
ing the remote deactivation of nuclear safety equipment or the
breakdown of a countrys defense system to cause physical harm
are examples of situations in which cyber warfare places the most
basic human right of life in jeopardy (BRENNER, 2007).
Weapons of distraction and disruptive tactics are similar in
that both aim at undermining citizens trust in the reliability of es-
sential systems of goods and services provision. Both essentially
produce psychological efects on people regarding the reputation
of the government or of private enterprises, though distractive
attacks are merely temporary or utterly fake, while disruption
wreaks real havoc by permanently destroying information or cut-
ting the supply of determined sorts of goods and services. Among
this kind of tactics, one may mention forgery of news through
hacking of governmental networks in order to spread public un-
settlement (BRENNER, 2007).
As discussed in the last session of this work and attested by
the aforementioned ways in which cyber warfare may afect indi-
viduals, there is imperative need for swift response and interna-
tional coordination on the matter, so as to safeguard vulnerable
citizens from the harmful efects of war conducted through digi-
tal means. Nevertheless, the idea of governmental interference in
private use of the internet under the goal of securing detection
and punishment for violators raises a series of questions on how
to protect individuals from cyber-threats without smothering the
very rights that are sought to be defended (AKDENIZ, 2002).
Te needs of individuals in cyberspace often overlooked
by the general policy-making process may be subsumed to two
intertwined concepts that lay the bases for the free exercise of
human rights on the internet: free speech and anonymity. Tese
traits contribute for the making of a network that is open to indi-
viduals but simultaneously possess intrinsic dichotomies, which
make them harder to address when the threat of cyber warfare is
taken into account (AKDENIZ, 2002).
5.1. The boundaries of free speech in cyberspace
Te internet is widely referred to as a realm of free expression. A
relatively easy means for information sharing as it is, cyberspace
is commonly viewed as the home of unimpeded speech and dem-
ocratic coexistence. Even though there are cases of state author-
itarianism and repression on the internet, the overall scenario is
that of a medium where civil liberties are generally observed and
upheld (WIMMER, 2006).
Tese civil liberties are clearly not limited to the personal use
of online resources. Te internet has turned into a socially and
politically drenched communication channel, home for a great
number of organized groups that make use of the online platform
as a broadcaster of points of view and ideologies. Moreover, it has
become a haven for the oppressed in what concerns the freedoms
of protest and assembly (WARF; GRIMES, 1997).
Tereby, the outgrowth of civil activism and its various
branches within cyberspace is not an unexpected phenomenon.
By structuring and coordinating lines of action on the broad user
base of the internet, online activists have been able to promote
dialogue on key social issues and establish strong lobby on pol-
icy-makers, a strategy that has proven itself an ingenious use of
free speech to divulge political claims (DENNING, 2001).
379 378
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
A problem with the prompt availability of free expression on
the web arises when individuals or activist groups trespass these
limits of mere information spreading and adopt disruptive or dis-
tractive tactics of cyber warfare so as to make themselves heard.
Hacktivists, as aforementioned, usually act inside a blurred zone
between legality and unlawfulness, thus constituting a delicate
issue to be addressed by enforcement measures on the feld of
cyber warfare (KRAPP, 2005).
On the one hand, there is the threat that hacktivist groups
may engage in serious cyber-attacks against economic or political
institutions (public or private) that produce disruptive efects on
citizens, undermining confdence in national security or in insti-
tutional reliability. Te possibility of destructive action is also not
discarded, as irresponsible use of hacking tactics may also pose
risks to human life (DENNING, 2001).
Even under these circumstances, an efort to curb the spread
of unlawful hacktivism through access restrictions to the internet
cannot help but stumble upon the concurrent need to safeguard
the right of innocent civilians to freely beneft from online resourc-
es. Te challenge set is the one of providing selective control of
internet usage that can both protect individuals and detect ofens-
es, a task that is further aggravated by the existence of the second
fundamental trait of cyberspace: anonymity (BRENNER, 2007).
5.2. Benefits and drawbacks of online anonymity
One of the main characteristics of the online realm is the ability
of agents to behave anonymously when inside it. Anonymity may
be provided by means of data encryption, remote access or by the
use of diferent equipment for logging in, attesting the fair ease
with which individuals may conceal their identity while in cyber-
space (PALME; BERGLUNG, 2004).
Te importance of anonymity is evident in common instanc-
es of internet usage, such as e-commerce and private messaging.
In cases when the physical integrity of users is in jeopardy by
external coercion such as in situations of political persecution
anonymity presents itself as a major protector of human rights.
Free speech itself benefts from anonymity, for individuals whose
identities are successfully veiled do not sufer the constraints of
imminent threats (AKDENIZ, 2002).
Nevertheless, safeguarding anonymity in cyberspace also
raises dilemmas similar to those posed by free speech. Te un-
conditional protection of identities gives leeway for the subterfuge
of potential wrongdoers, who may wage attacks with impunity or
even misplace the blame for acts of cyber war (AKDENIZ, 2002).
Once more, any attempts on cyberspace regulation aimed at
controlling the use of cyber warfare must take into consideration
the issue of anonymity. Te reductionist undermining of this in-
herent characteristic of the internet is bound to overlook basic in-
dividual necessities and menaces the fulfllment of human rights
(AKDENIZ, 2002).
On top of the aforementioned implications brought by the
consideration of free speech and anonymity as traits to be safe-
guarded in cyberspace, the power asymmetries existent in this
medium make for another point of debate on the theme of cyber
warfare. Tere is no such thing as sheer power inequality in the
playing ground of virtual battlefelds, but the real picture is cer-
tainly not one of equalities as well (NYE, 2010).
While legally recognized institutions such as governments
and businesses possess more visible means of ofense or defense
within legality, they are more easily held responsible for such acts
and are vulnerable to system disruption and reputation loss. Like
private enterprise, loosely organized groups and individuals can
be subject to legal and illegal coercion by the government and oth-
er institutions, but they also beneft from lower fnancial costs and
anonymity to secure their cyber power (NYE, 2010).
Te problem here lies in the fact that the risks run by legally
institutionalized actors when engaged in cyber war are more easily
externalized and dispersed to a given collectivity, while the con-
sequences of virtual exposure to attacks on individuals are more
vicious and afect the very exercise of fundamental rights. As a con-
sequence, human dignity easily becomes a fragile principle to be
pursued and shielded from the threats of cyber warfare (NYE, 2010).
Te nexus between cyber warfare and human rights is an ur-
gent need to be addressed by the political agenda, so as to aid the
enforcement of law in cyberspace without overlooking its most di-
rectly vulnerable actors: people. Tus, the values of free speech and
anonymity should be carefully weighed regarding this situation, in
order to provide human beings with the dignity they deserve to ex-
ercise in all instances of their lives (AKDENIZ, 2002; NYE, 2010).
6. FINAL REMARKS
Te contemporary human society lives with increasing depen-
dence on digital means to carry out many of its vital activities.
Economy, politics and social life are currently more bound to cy-
381 380
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cyber Warfare
berspace than ever before, thus confguring an entire new envi-
ronment for human relations to develop (VIEIRA, 2006).
Tough much welcomed for its dynamizing character, the
emergence and consolidation of this environment brings about the
inherent problem of vulnerability, along with the possibility of us-
ing digital resources to wage ofensive activity against states, com-
panies and individuals. Te deployment of cyber warfare by nation-
al and subnational entities for the achievement of political goals
is an activity of very few precedents that still lacks the necessary
mechanisms for internal and international control (ADAMS, 2001).
Te urgent need for stronger cooperation among states for
proper regulation of cyber warfare tactics outlines some key areas
for action, among which the update of legislation and the foster-
ing of political interest on the issue may be listed as examples. By
intensifying coordinated action on the matter of cyber warfare, the
international community can build upon its existent mechanisms
and tackle the nocuous consequences of irresponsible use of digi-
tal ofensive tactics (ALEXANDER, 2010).
Furthermore, the question of safeguarding human rights in
cyberspace also rises as a major demand to be addressed by pol-
icy-makers in order to avoid both the harsh efects of cyberwar-
fare and of overly reductionist regulatory provisions on the much
unprotected individual users of the internet (AKDENIZ, 2002). By
protecting individual liberties and upholding human dignity as
a banner for the conduction of policies, it is possible to build a
more humane and safe cyberspace, but also one that is inviting
for responsible, peaceful uses.
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387 CASO WIKILEAKS
A questo da tica e
infuncias no Jornalismo e
nas Relaes Internacionais
Asaph Correa e Teles
Brbara Cruz de Almeida Lima
Caio Eduardo Fonseca da Silva
Eurides Viana de Brito
Juliana Akemi Ide
Luiza Facchina Macedo Bessa
12
1. INTRODUO
As tecnologias de comunicao de massa so ferramentas utiliza-
das para facilitar a vivncia do homem, e, em seu avano, trouxe-
ram velocidade ao processo de troca de informaes. Uma conse-
quncia disso a chamada globalizao, visto que a informao se
tornou menos dependente do fator distncia, como se nota com
a rapidez do telgrafo, no sculo XIX, na transmisso de infor-
maes (TRAQUINA, 2005) e a ferrovia, transportando produtos,
pessoas e, consequentemente, informao (SILVERSTONE, 2005).
No possvel falar de globalizao sem fazer referncia in-
ternet. Quando comparada aos meios de comunicao tradicio-
nais, marcados pelo controle de matrias e a deciso de relevncia
por parte de um editor, a internet se mostra mais dinmica por
permitir modos novos e mais interativos de se comunicar. A di-
fuso de informao pode se dar de um para um, via email, um
para muitos (num site pessoal, num blog ou mesmo numa conta
Twitter), de muitos para um (como a Wikipdia), e de muitos para
muitos (nas mais recentes e inovadoras redes sociais) (OLIVEIRA,
2012, p.43). Isso signifca que, na internet, os usurios se comuni-
cam e transmitem informao de forma contributiva, horizontal.
em um ambiente como esse que a organizao chamada Wi-
kiLeaks encontrou espao para protagonizar o caso do Cablegate.
Este caso envolveu polmicas diplomticas e abriu portas para de-
bates relacionados liberdade de imprensa e ao papel do jornalis-
mo na sociedade. Incitar estas discusses o objetivo deste artigo,
que ser organizado de modo que inicialmente o jornalismo, bem
como sua deontologia, seja introduzido. Depois, ser apresenta-
389 388
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
do um breve histrico da organizao, seguido de uma anlise da
legalidade de suas aes. Enfm, sero analisados os possveis im-
pactos que possam ter ocorrido, partindo dos pontos de vista das
Relaes Internacionais, assim como do prprio Jornalismo.
2. TICA JORNALSTICA
Segundo Stephen Ward (2004), a mdia, em sua melhor face,
ferramenta importante de um regime democrtico. por meio
dela que a sociedade se comunica consigo mesma. Alm disso, o
conhecimento difundido por ela possibilita o debate consciente
entre os cidados, fornecendo, assim, medidas necessrias ao
autogoverno popular.
O pblico absorve uma bagagem diria de novas imagens que ao
longo do tempo ajudam a defnir seu senso de lugar na sociedade e
dentro de uma comunidade global [...] Cidados, seguindo as prin-
cipais questes na imprensa, tornam-se consciente tanto de seus
valores comuns, como concorrentes. Atravs do jornalismo, a so-
ciedade debate sobre como reformar suas instituies e enfrentar o
futuro. (WARD, 2004, p.9, 10)
Por outro lado, a mdia pode ser ferramenta de manipulao e
afrmao das instituies estatais e daquelas mantenedoras do
status quo. Nesse caso, ela falha em sua funo social de promo-
o da democracia e formao de conscincia pblica, compro-
metendo, assim, a aplicabilidade do direito liberdade de pensa-
mento e livre escolha da sociedade por informaes incompletas
ou distorcidas (WARD, 2004). Portanto, a tica nas mdias sociais
no se refere somente a um profssionalismo presente e necess-
rio a todas as prticas competentes, ou seja, no visa distanciar a
prtica profssional do cliente a quem ela serve, ou limitar seus
termos a reas especfcas. Pelo contrrio, diz respeito s relaes
prximas da mdia com a sociedade em geral, incluso todos os
assuntos que dizem respeito a esta; e, ainda, posio da mdia
dentro da dinmica de poder desta sociedade.
O zelo pela atividade consciente das mdias no assunto
atual. Desde 1920, quando a mdia comeava a ser analisada com
maior objetividade, estudiosos e profssionais da rea j levanta-
vam a temtica da tica jornalstica. Era predominante a ideia de
que a objetividade (a mdia como um espelho da natureza) ga-
rantiria a apresentao factual e justa dos acontecimentos.
Este suposto dever, de imparcialidade e objetividade, surge da con-
cepo dos meios de comunicao como um quarto estado no-
-ofcial. Uma das funes que a mdia deve cumprir apresentar
e avaliar, corretamente, os eventos que afetam nossas vidas como
membros de uma sociedade. Assim, por exemplo, a mdia deve in-
formar-nos sobre importantes questes polticas, o processo penal,
assuntos sociais, corrupo e hipocrisias viciosas. Portanto, na co-
bertura apropriada de tais assuntos, parece seguir que a mdia deve
ser imparcial na sua abordagem, a fm de chegar e comunicar sobre
o que , de fato, o caso. (KIERAN, 1998, p.23)
Porm, vrios jornalistas se mostravam cticos quanto a tal linha
de conduta, por alegarem ser impossvel completa neutralidade
na atividade jornalstica. Segundo o colunista americano Walter
Lippmann (1920), a mdia era uma das nicas instituies com
poder de gerao de conhecimento reconhecido como conf-
vel que no possua um mtodo rgido de verifcao dos fatos.
O fundador da revista Time, Henry Luce, tambm argumentava
sobre a insufcincia da objetividade como garantia de uma ati-
vidade em prol da democracia e da sociedade. Segundo Lucy, a
apresentao dos fatos como so era impossvel; estes necessi-
tavam de interpretao e explicao (WARD, 2004)
Paralelamente ao desenvolvimento da prtica jornalstica,
estava o desenvolvimento dos estudos acadmicos sobre a mdia.
De acordo com o trabalho de Cliford G. Christians, por volta de
1930, 56 universidades e faculdades ofereciam o curso de gra-
duao em Jornalismo. Na poca, a rea da comunicao social
buscava se estabelecer como campo cientfco respeitvel. Para
tanto, fazia-se necessrio traar as linhas estruturais e funcionais
que as mdias seguiriam (CHRISTIANS, 1977). Conforme mdia
era atribudo valor acadmico, surgiam maiores preocupaes
epistemolgicas. Como desenvolver suas atividades de forma a
fazer jus a sua funo na sociedade? Que teorias estariam a am-
parar suas prticas? Logo, a tica na mdia se tornou um ramo de
estudos de grande importncia dentro das instituies de ensino.
Nelas, a tica no era pensada como atividade prtica, mas reme-
tia tica flosfca, como assunto acadmico que precisava ser
cuidadosamente articulado, pensado e examinado pela tica abs-
trata dos princpios e valores morais (CHRISTIANS, 1977). Des-
tarte, a noo de certo e errado, de responsabilidade de um (a
mdia) perante o outro (a sociedade, as empresas, as instituies
governamentais) foi enfatizada. A compreenso da tica passou a
391 390
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
ser a compreenso dos relacionamentos sociais em que reinava
a honestidade, a confana, a decncia e o bem-estar. Esses pri-
meiros pensadores se baseavam nas relaes sociais j institudas
para a constituio de um cdigo de conduta tica especfco ao
jornalismo (CHRISTIANS, 1977).
Aps 1932, entretanto, ainda que houvesse esforos em apro-
fundar os estudos sobre tica nas mdias, a temtica se ausentou
dos livros jornalsticos por quase 40 anos. Durante esse perodo,
a ideia de tica se aproximou do compromisso com a verdade
caracterstico das cincias exatas. A difuso imparcial da maior
quantidade de fatos em menor intervalo de tempo era tomada
como objetivo das mdias. Acreditava-se que os fatos falavam por
si mesmos, que o empirismo sozinho j implicava o comporta-
mento neutro (CHRISTIANS, 1977).
A cobertura das guerras e confitos, especialmente da Guerra
do Golfo e da Segunda Guerra Mundial, transformou drastica-
mente a posio da mdia na sociedade. Os meios de comunica-
o buscavam a interpretao, a explicao e a contextualizao
dos acontecimentos, em vez de se reduzir efcincia quantitati-
va, uma vez que o pblico necessitava de posicionamentos sub-
jetivos por parte dos meios de comunicao (CHRISTIANS, 1977).
A prtica parecia estar se unindo com a ideologia criada nos anos
30. O ento jornalista da BBC, Martin Bell, argumenta que a te-
leviso como meio de comunicao no moralmente neutra,
como um espelho seria. O jornalismo tem o poder de infuenciar
eventos, e, portanto, h uma obrigao moral por parte do jor-
nalismo de nem sempre ser objetivo, j que esta postura poderia
demonstrar indiferena (HACKLEY, 1999).
No lugar das prticas desapaixonados do passado, agora eu acredi-
to no que eu chamo de jornalismo de apego. Por esse termo, eu que-
ro dizer um jornalismo que se preocupa, bem como sabe; que tem
conscincia das suas responsabilidades; e que no vai fcar neutro
entre o bem e o mal, o certo e o errado, a vtima e o opressor. Isto
no para virar as costas a um lado ou faco ou pessoas. para
afrmar a posio de que ns da imprensa, e especialmente na tele-
viso, que a sua diviso mais poderosa, no nos desvinculamos do
mundo. Mas somos uma parte dele. (BELL, 1998, p.16)
De acordo com James W. Carey (1969), dado que a objetividade
fora desenhada para uma sociedade homognea - na qual uma cul-
tura comum leva a interpretaes comuns, esta dita objetividade
no mais servia para a sociedade da Segunda Grande Guerra. Esta
j se caracterizava por grandes cises ideolgicas. A maior relativi-
dade poltica e social gerava interpretaes nem sempre precisas
de um fato individual, por isso a necessidade dos jornais contextu-
alizarem e se posicionarem diante dos acontecimentos reportados.
Contudo, nos anos mais recentes, o debate tornou-se mais
relativista, ao levar em conta os diversos contextos e situaes. O
crescimento da mdia como indstria criava um grande impas-
se na mdia publicitria e na mdia como meio de informao
(BELSEY, 1998). Era difcil desenvolver um nico cdigo de tica
que cobriria todo o ramo do jornalismo. Alm do mais, pensava-
-se que a mdia tinha atingido o prestgio na poca justamente
por sua objetividade, agora contestada (CHRISTIANS, 1977). A
sociedade confava na mdia como meio de aquisio de conhe-
cimento no enviesado. Os jornalistas e pensadores da rea se de-
paravam com uma atividade bem desenvolvida na prtica, porm
sem o desenvolvimento paralelo da noo de tica (tanto dentro
do ramo em particular, quanto dentro da sociedade em geral). A
prpria demanda para se ter um jornalismo crtico, posicionado
social, poltica e economicamente, poderia levar a um jornalis-
mo enviesado, e portanto, passvel de manipulao pelas classes
dominantes. Ainda, as implicaes prticas de se colocar a tica
como um fm eram vagas e parciais (CHRISTIANS, 1977).
Finalmente, em 1954, durante o Congresso Mundial da Fe-
derao Internacional de Jornalistas (em ingls, IFJ), um cdigo
de tica jornalstica foi sistematizado, a Declarao de Princpios
sobre a Conduta do Jornalista. O cdigo defne os valores centrais
do jornalismo: a independncia, a verdade e a necessidade de se
reduzir danos. Alm disso, o cdigo afrma ser essencial o direito
ao comentrio e crtica, bem como a utilizao de mtodos jus-
tos. Ainda, o jornalismo tico deve reconhecer sua responsabili-
dade para com a democracia, proteger suas fontes e se posicionar
contra qualquer tipo de preconceito, seja de raa, sexo, naciona-
lidade (WHITE, 2008).
O processo de estruturao e desenvolvimento da tica na m-
dia parecia tomar seu rumo, e a comunicao se mesclava a outras
reas de estudo e da sociedade, como a Filosofa, a Poltica, e, ento,
o Direito. A tica nas mdias passou a se relacionar com a legalida-
de das prticas jornalsticas, tanto em termos de obedincia legis-
lao, quanto em termos de proteo pela mesma pois se entende
que a mdia no pode operar de forma tica se no so garantidos
certos direitos aos profssionais da rea. verdade, porm, que
393 392
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
apenas o Direito no garante a moralidade dessa atividade. Alm
de que a prpria relao da mdia com este ramo se mostra sinuosa,
e alvo de confitos, como ser exemplifcado na quarta seo.
Embora os fns da tica paream claros, os meios a serem uti-
lizados so to vagos quanto os discursos polticos. Por esse en-
volvimento em mltiplas faces da sociedade (poltica, econmi-
ca, social, legal), cada qual regida por regras especfcas, a mdia
tem grande difculdade em assumir uma posio frente ao tema
(PLAISENCE, 2005).
Conforme os tempos avanam, mesmo com esforos e com
o desenvolvimento da rea, a complexidade dos acontecimentos
e maiores divergncias presente na sociedade parecem tornar o
prprio conceito de tica jornalstica e suas implicaes mais di-
fusas. At os dias atuais a mdia esfora-se para realizar sua fun-
o social de forma tica, e ainda, independente (BELSEY, 1998).
3. WIKILEAKS: UMA BREVE HISTRIA
Fundado em 1999 pelo jornalista e ciberativista
1
Julian Assange,
a organizao transnacional sem fns lucrativos conhecida como
WikiLeaks marcou um importante captulo da histria da internet
e do princpio de crowdsourcing (OLIVEIRA, 2011).
Criado em 2006 por Jef Howe e Mark Robinson, o crowdsourcing
consiste em um novo modelo de negcio virtual (BRABHAM,
2008). Tal modelo fundamentado na produo de conhecimen-
to coletivo pela livre disponibilizao de contedos e informaes,
visando elaborao de solues e tecnologias que trabalhem
para o bem coletivo na resoluo de toda a sorte de problemas
e situaes (OLIVEIRA, 2011). Trata-se de mo-de-obra barata e
efciente, sendo que qualquer pessoa pode contribuir com esta
ferramenta, seja adicionando novos objetos de conhecimento ou
corrigindo erros de outros integrantes desta vasta rede colabora-
tiva que gera e compartilha informaes
2
(BRABHAM, 2008).
atravs deste vasto e complexo princpio que funciona o
WikiLeaks. A organizao WikiLeaks combina jornalismo com
ferramentas altamente tecnolgicas(WIKILEAKS, s.d.). O Wiki-
Leaks recolhe informaes de fontes annimas de trs maneiras
distintas: envio postal, pessoalmente e, principalmente, por meio
do compartilhamento em pastas online protegidas por um me-
canismo criptogrfco que a mantm annima, assim como suas
fontes (WIKILEAKS, s.d.). Quando a informao recolhida, uma
equipe jornalstica analisa o material, verifca sua veracidade e
redige uma espcie de resumo do mesmo, explicitando neste a
importncia de tal assunto para a sociedade (WIKILEAKS, s.d.).
Passado este processo, o WikiLeaks divulga a matria redigida
juntamente com a informao recebida na ntegra, sem censuras
(exceto detalhes que comprometam a identidade de potenciais
envolvidos) (WIKILEAKS, s.d.). O WikiLeaks tambm opera com
um grupo de juristas espalhados pelo mundo que visam garan-
tia de uma ao moldada dentro dos padres legais, resguardan-
do assim a organizao de maiores problemas com a justia.
graas ao referido princpio de crowdsourcing, combinado
ao uso do software livre TOR, que o WikiLeaks conseguiu man-
ter-se oculto, assim como suas fontes, na grande rede de compu-
tadores (OLIVEIRA, 2011). O software TOR remove informa-
es dos chamados pacotes de dados de navegao da internet
que fazem da internet um meio rastrevel - e as envia para um
caminho alternativo e de difcil rastreamento (FARIA, 2005). O
TOR foi muito utilizado pelo governo norte-americano em me-
ados dos anos 90 com o objetivo de esconder informaes gover-
namentais sigilosas (OLIVEIRA, 2011). Assim, o domnio virtual
3
do WikiLeaks j na sua fundao, em 1999, indicava estar sediado
na Sucia, enquanto sua sede operacional na realidade encontra-
va-se na Inglaterra (OLIVEIRA, 2011).
As primeiras aes da organizao WikiLeaks remontam ao
ano de 1995, quando o domnio do site ainda estava registrado
como leaks.com (DOMINGOS; COUTO, 2011). Nesta poca, os
esforos de Julian Assange se concentravam no recrutamento de
pessoal e na coleta de informaes confdenciais para o banco de
dados da organizao (OLIVEIRA, 2011).
O WikiLeaks, enquanto domnio virtual, s veio a tornar-se
mundialmente conhecido em 2009 ao divulgar uma grande lista
de 210 pginas, relativas a emprstimos operados pelo falido ban-
co islands Kaupthing (OLIVEIRA, 2011). Tal banco, sob o contro-
le do governo de seu pas, operou emprstimos entre 45 milhes
1
O ciberativismo (ciber + ativismo) um movimento ativista pela busca da plena
liberdade dentro da internet, enquanto meio democrtico de livre circulao de in-
formaes (MEIRELES, 2010)
2
No modelo Crowdsourcing, o potencial interessado anuncia seu problema e deter-
mina um preo (ou no), atraindo um grupo de candidatos resoluo do mesmo
(crowd). Neste grupo, ele analisa as propostas e escolhe a que melhor lhe convm
(RIBEIRO, 2009). Alm do WikiLeaks, outras instituies como a Mozilla Founda-
tion e a Wikipedia, alm de sites como Stockphoto e Treadless.com utilizam-
-se do modelo virtual de crowdsourcing, que j cooperou para o desenvolvimento de
produtos famosos como o sistema operacional Linux, e o navegador para internet
Mozilla Firefox (HOWE, 2006).
3
O mesmo que website (MAZIERO, 2009).
395 394
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
e 1,25 trilho de euros para seus maiores acionistas e empresas
do setor fnanceiro do pas, como o grupo de consultoria em f-
nanas e investimentos Exista e suas fliais, que possuem 23% do
capital acionista tocante ao referido banco. Tal ao consistiu em
prtica ilegal, uma vez que se utilizou de dinheiro pblico de for-
ma indiscriminada (ALMEIDA, F., 2011). Agiu-se em benefcio de
um seleto grupo de investidores que j eram detentores de gran-
de parte do capital do banco, o que, tempos depois, culminou em
sua falncia (BOWERS, 2009). A revelao contribuiu para que
o ideal de promoo da liberdade de imprensa fosse crescente-
mente difundido pelo mundo.
Desde seu comeo, as atividades do WikiLeaks se direcio-
naram, principalmente, investigao da poltica externa norte-
-americana (OLIVEIRA, 2011). Uma rpida mensurao estatsti-
ca demonstra que o nmero de documentos vazados referentes
ao governo norte-americano expressivamente maior que aque-
les referentes aos demais pases (OLIVEIRA, 2011). O padro
encontrado nos materiais vazados pela organizao incitou um
questionamento ideolgico inevitvel: seria o WikiLeaks uma or-
ganizao anti-EUA ou esta simplesmente adota um padro tpi-
co dos anarquistas?
4
(DOMINGOS; COUTO, 2011). Autores como
Wallerstein (2005) acreditam ser o mundo dominado por pases
hegemnicos que impem seus princpios polticos, sociais e
econmicos sobre os demais. Seria ento o WikiLeaks, ao focar-se
em publicaes contra os EUA, motivado no sentido de romper
com tal dominao? (DOMINGOS; COUTO, 2011)
Se no totalmente contrrio aos Estados Unidos, o Wiki-
Leaks, certamente, como j exposto por Assange em entrevista
revista Time em novembro de 2010 (TIME, s.d.), tem o compro-
misso ou busca ter de tornar o Departamento de Estado deste
pas responsvel por suas prprias aes (LAFER, 2011). Julian
Assange e a organizao WikiLeaks negam qualquer tipo de moti-
vao anti-americana direta, e afrmam possurem, na realidade,
uma orientao voltada para a conquista de um mundo onde o
acesso informao livre e equilibrado (OLIVEIRA, 2011).
Episdios como o da divulgao do vdeo que mostra um he-
licptero do exrcito americano disparando aleatoriamente em
civis iraquianos em 2007, somado ao vazamento, em outubro de
2010, de 391 mil documentos secretos referentes guerra do Ira-
que, e outros 77 mil relacionados ao norte-americana no Afe-
ganisto, alcanaram grande repercusso (OLIVEIRA, 2011). A tais
materiais se somaria o vazamento de 251.287 telegramas diplom-
ticos norte-americanos. Estes foram trocados com embaixadas de
aproximadamente 180 pases, e disponibilizados na grande rede
no dia 29 de novembro de 2010 (OLIVEIRA, 2011). O referido fato
contribuiu diretamente para uma projeo ainda maior do site e
da organizao WikiLeaks, gerando um descontentamento geral
por parte dos pases e indivduos afetados (OLIVEIRA, 2011).
Em linhas gerais, o WikiLeaks se benefciou, de fato, da difu-
so do poder com o advento da livre informao para se projetar
no cenrio poltico internacional, vazando documentos sigilosos e
espalhando informao para a sociedade como um todo; criando
assim, uma nova noo de poder da informao (OLIVEIRA, 2011).
4. WIKILEAKS E OS ENQUADRAMENTOS JURDICOS NACIONAIS
Essa quarta sesso do artigo tem por objetivo analisar se, e como,
as aes dessa organizao se relacionam com legislaes de di-
versos pases e com o processo jurdico de um modo geral. Para
isso, crucial que se exponha tambm o tratamento reservado ao
principal representante da organizao, Julian Assange.
4.1. Julian Assange: aes individuais e reaes internacionais
A relao entre o principal representante do WikiLeaks e a lei
sempre foi de certo modo conturbada. A organizao no foi a
primeira experincia de Julian Assange em compartilhamento de
arquivos secretos. Ainda na adolescncia, aos 16 anos, o jovem
australiano formou, com outros dois amigos, uma organizao
chamada Subversivos Internacionais. O objetivo desse grupo era
invadir computadores alheios e divulgar o contedo que encon-
travam sem, contudo, danifcar o computador-alvo. Com isso, a
atividade do grupo se enquadrava como criminosa e, por isso, ao
serem identifcados, foram processados judicialmente. O proces-
so que comeou a ser desenvolvido em 1991 foi concludo em
1992. Assange foi preso e posteriormente conseguiu o direito
liberdade por boa conduta mediante pagamento de fana de
R$ 3.501,67 (DOMINGOS; COUTO, 2011).
Em 2010, enquanto Julian Assange passava pela Sucia para
uma srie de palestras sobre a questo da localizao dos servido-
res do WikiLeaks, a Justia sueca o chamou para que respondes-
se por duas acusaes de crimes sexuais. Segundo a Promotoria
sueca, durante uma relao sexual o preservativo de Assange teria
se rompido e depois sido retirado; o que se enquadra como estu-
4
Em linhas gerais, anarquia o mesmo que a ausncia de um governo central
(PROUDHON, 1979).
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
pro pela legislao local (DOMINGOS; COUTO, 2011). Assange
respondeu s acusaes afrmando que estas fazem parte de uma
campanha pela difamao de seu nome. Soube-se depois que uma
das mulheres que o acusavam, Ana Ardin, era uma cubana, aver-
sa poltica de Fidel Castro, que tinha trabalhado para ONGs f-
nanciadas pela CIA. Esse fato serviu como forma de corroborar as
afrmaes de inocncia de Assange (DOMINGOS; COUTO, 2011).
Em outubro de 2010, pouco depois de ter sido iniciada a acu-
sao, o processo foi fechado sem muitas explicaes. Contudo, foi
reaberto no ms seguinte e, como Assange no se encontrava mais
em territrio sueco, a Sucia pediu Interpol que o australiano
fosse preso. Uma semana aps o requerimento, Julian Assange se
apresentou Polcia Metropolitana de Londres. Nas duas primeiras
instncias a Sucia teve o pedido de extradio negado, contudo,
na terceira ele foi aprovado. Quando da escrita deste artigo, o fun-
dador do WikiLeaks se encontrava na embaixada do Equador em
Londres por conta de uma permisso de asilo poltico (BBC, 2012).
Um fato curioso a posio da poltica australiana diante dos
acontecimentos. natural, nos casos de nacionais respondendo
juridicamente no exterior, que o pas natal do ru acompanhe o
processo para garantir a integridade de todos os requisitos jurdi-
cos bsicos. Contudo, a Austrlia no se manifestou em nenhum
momento, nem condenando nem inocentando Assange. Mesmo
na ocasio em que a Promotoria da Sucia pediu a priso do aus-
traliano Interpol com medidas fortes de restrio de liberdade,
como a proibio de visitas, para um caso no qual tais prticas
no so comuns , a Austrlia se manteve neutra durante todo o
processo (DOMINGOS; COUTO, 2011).
Por outro lado, a posio dos Estados Unidos durante os
acontecimentos relacionados ao WikiLeaks foi mais incisiva. Tan-
to que a Justia militar norte-americana condenou Bradley Man-
ning, um militar que disponibilizou algumas informaes secre-
tas do Exrcito para oWikiLeaks. Alm de conden-lo, o governo
dos Estados Unidos realizaram uma campanha para tentar ligar a
imagem de Manning a Assange para que este tambm fosse indi-
ciado juridicamente com o primeiro. Contudo, as tentativas no
foram totalmente bem sucedidas; apenas chamaram a ateno
da opinio pblica norte-americana para uma possvel relao
entre os dois (DOMINGOS; COUTO, 2011).
4.2. A organizao: difuso de informaes e posicionamentos nacionais
Desde o seu incio, o WikiLeaks no era bem visto pelos Estados
Unidos. Como forma de represlia, este pas pressionou as em-
presas norteamericanas que hospedavam o servio de endereo
eletrnico do grupo at que elas tirassem o site do ar. Com isso,
os servidores foram transferidos para diversos pases, principal-
mente a Sucia, onde a legislao protege fortemente a liberdade
de imprensa (DOMINGOS; COUTO, 2011).
Uma das fontes de manuteno do WikiLeaks o recebimen-
to de documentos que possam contribuir com o objetivo da or-
ganizao. Contudo, a proteo das fontes de informao algo
essencial. Percebendo isso, o principal modo de promoo da en-
trega de documentos foi via Internet fato que se mantm ainda
hoje. Isso se deve ao fato de que a maioria dos pases impe pou-
cas restries jurdicas ao uso do ciberespao exceto por poucos
pases, como a China e o Ir. Alm disso, um processo de cripto-
grafa foi implantado para que a origem do remetente no fosse
descoberta. Com isso, foi criada uma blindagem ao anonimato de
quem contribusse ao projeto (DOMINGOS; COUTO, 2011).
A integridade fsica das pessoas que fornecem as informaes
ao WikiLeaks tambm foi defendida internacionalmente pelo
Relator Especial das Naes Unidas para a Proteo e Promoo
do Direito e da Liberdade de Opinio e de Expresso, Frank La-
Rue, e pela Relatora Especial para a Liberdade de Expresso da
Comisso Interamericana de Direitos Humanos, Catalina Bote-
ro. No documento, so condenadas as prticas de interferncia
estatal na Internet e discutida a questo da confdencialidade
das informaes. Segundo a carta aberta, devem existir critrios
claros expressos em lei para que um documento seja protegido
do alcance pblico, sendo que a nica justifcativa para a conf-
dencialidade de um documento a manuteno da segurana
nacional e/ou de pessoas fsicas. Desse modo, o prprio gover-
no seria responsvel em manter secretos tais documentos. Caso
uma pessoa no-autorizada tenha acesso a eles, ela no pode ser
condenada judicialmente a no ser que ela tenha se utilizado
de meios ilcitos para se chegar a essas informaes. Contudo,
as cartas e declaraes da Organizao das Naes Unidas no
possuem carter jurdico obrigatrio para os pases que a inte-
gram. Esses documentos se manifestam apenas como diretrizes
comportamentais desejveis, cabendo a cada Estado a deciso de
acat-las (DOMINGOS; COUTO, 2011).
Utilizando um dos termos de justifcao da carta
supracitada, o legislador republicano Peter King pediu, em
2010, ao Departamento do Tesouro dos Estados Unidos para que
Julian Assange fosse includo no grupo de pessoas aptas a serem
punidas pelo rgo, o qual responsvel pelo controle dos bens
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
que estrangeiros possuam em territrio americano. A razo para
tal requerimento foi a suposio de as informaes liberadas pelo
WikiLeaks ameaarem a segurana nacional dos Estados Unidos.
Porm, as diretrizes de ao do Departamento do Tesouro so
defnidas pelo Congresso americano e se aplicam principalmente
sobre narcotrafcantes e pessoas ou entidades que apoiam o
terrorismo. Desse modo, pouco provvel que Assange seja
condenado nessa seara (TIME MAGAZINE, 2010).
Contudo, as investidas do governo norte-americano contra
o WikiLeaks no se esgotaram por a. Nos Estados Unidos exis-
te uma lei chamada SHIELD que, em portugus, signifca algo
como Protegendo a Inteligncia Humana e Cumprimento Legal
de Divulgao (DOMINGOS; COUTO, 2011, p. 89). Esta lei alte-
rou uma pequena parte da Lei de Espionagem, que regulamenta
como crime a divulgao de criptografas de informaes sigi-
losas dos Estados Unidos. Por mais que a Lei de Espionagem te-
nha sido elaborada em 1917, aplic-la num caso atual no repre-
senta um problema para o Judicirio porque, por interpretao
da prpria lei, os casos pelos quais o WikiLeaks est sendo jul-
gado podem ser contemplados pela respectiva norma jurdica
(DOMINGOS; COUTO, 2011).
No obstante, a SHIELD tambm criminaliza a exposio de
documentos relativos identidade de algum membro da inteli-
gncia americana ou que represente os Estados Unidos no exte-
rior. Ou seja, publicar informaes relativas s atividades secretas
do governo americano, ofcialmente, tornou-se crime com o in-
cio da aplicao dessa lei. O primeiro efeito da SHIELD foi que a
Amazon, empresa que hospedava o site do WikiLeaks nos Estados
Unidos, em 2010, foi obrigada a cancelar o contrato com a res-
pectiva organizao porque, segundo a lei, ela estaria colaboran-
do com a divulgao de dados referentes a pessoas do governo
norte-americano (DOMINGOS; COUTO, 2011).
Outro caso de condenao a um colaborador do WikiLeaks
foi na Sua. Rudolf Elmer, um banqueiro, liberou primeiro para
a polcia, depois para o WikiLeaks as informaes de transaes
bancrias de grandes empresas e de pessoas ricas que sonega-
vam impostos. Mesmo tendo liberado as informaes polcia
em primeiro lugar, Elmer foi obrigado pela justia a pagar uma
multa pela quebra de sigilo bancrio de quem teve as informa-
es privadas liberadas ao pblico (DOMINGOS; COUTO, 2011).
Por conseguinte, fca claro que existe um descontentamento
com o WikiLeaks. Desse modo, a tendncia que a organizao
fque cada vez mais em evidncia ao pblico por conta das acu-
saes de ilegalidade que os seus lderes e a prpria fundao so-
frem. O difcil afrmar por quanto tempo o WikiLeaks continua-
r atuando e se permanecer nos moldes de funcionamento que
conhecemos atualmente (DOMINGOS; COUTO, 2011).
Por fm, o provvel modo de restrio da atuao do WikiLe-
aks ser a proibio da divulgao de informaes de integran-
tes do governo. Vendo a efccia que a SHIELD teve em territrio
americano, pode ser que outros pases tambm adotem modelos
semelhantes com o objetivo de limitar cada vez mais o trabalho
do WikiLeaks e, indiretamente, a possvel liberao de seus pr-
prios documentos confdenciais.
5. IMPACTOS DO WIKILEAKS
Por trabalhar com documentos e informaes que dizem respei-
to a questes diversas envolvendo inmeros pases, o WikiLeaks
causou desentendimentos e incitou discusses em diversas reas
do conhecimento. Neste quinto tpico, buscaremos mostrar que
esta organizao exerceu de certa maneira uma infuncia sobre
as relaes internacionais e sobre a Comunicao especialmen-
te no Jornalismo na contemporaneidade. Ao mostrar os diferen-
tes argumentos defendidos por tericos dessas reas, queremos
elucidar como se deu essa infuncia e no que ela acarretou.
5.1. As relaes interestatais ps-WikiLeaks
Um dos grandes legados do WikiLeaks, sem sombra de dvidas,
que esta organizao representou uma inovao no uso da infor-
mao enquanto arma poltica capaz de promover transforma-
es (OLIVEIRA, 2011).
O WikiLeaks evidenciou o grau de despreparao da legisla-
o de muitos pases com relao ao advento da informatizao
do conhecimento na poltica internacional. At o advento do Wi-
kiLeaks, as legislaes da grande maioria dos pases do mundo
eram limitadas ao lidar com a produo de conhecimento livre
por meio de atividades cibernticas, o que foi modifcando-se
com o tempo (OLIVEIRA, 2011). As aes do WikiLeaks, vincu-
ladas ao despreparo de tais legislaes, exigiram e continuaro
exigindo dos governos potencialmente atingidos uma espcie de
autocensura, aumentando o grau de silncio no tocante s infor-
maes confdenciais e elevando o tom de obscuridade das aes
diplomticas (SPEKTOR, 2011).
Um exemplo foi dado pelo governo norte-americano, que
optou por reformar todo o sistema de acesso a seus arquivos con-
401 400
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
fdenciais, criando para isso auditorias eletrnicas diversas, com
o intuito de evitar vazamentos e identifcar seus autores (KELLER,
2012). Tal sistema de auditoria eletrnica consiste no registro,
certifcao e digitalizao de arquivos passveis de rastreamento,
o que aumenta o grau de segurana no fuxo de informaes di-
versas (DUARTE, 2010).
O WikiLeaks tornou evidente o grau de vulnerabilidade digi-
tal dos rgos diplomticos norte-americanos, assim como os de
outros pases (LAFER, 2011).
Os Estados Unidos condenam veementemente a descarga ilegal de
informao confdencial [...]. A descarga no apenas um ataque
aos interesses da poltica externa americana. um ataque comu-
nidade internacional [...]. No h nada louvvel em colocar em pe-
rigo pessoas inocentes, e [...] as relaes pacfcas entre naes, das
quais a nossa segurana comum depende. (CLINTON, 2010, apud
OLIVEIRA, 2011, p. 56)
A ao repentina do WikiLeaks em vazar documentos sigilosos
do governo norte-americano provocou grande constrangimento
para a diplomacia deste pas (OLIVEIRA, 2011). Sendo assim, foi
quase imediato o posicionamento de contrariedade dos EUA em
relao aos princpios desta organizao. Polticos como Sarah
Palin sugeriram uma perseguio ferrenha a Julian Assange e a
todo o WikiLeaks, primando por enquadrar o mesmo na catego-
ria de terrorismo digital, valendo-se, para isso, da argumentao
de que o WikiLeaks invadira territrio (digital) alheio sem per-
misso (OLIVEIRA, 2011). No entanto, a tentativa de perseguio
judicial por parte dos EUA a Assange e ao WikiLeaks tem esbarra-
do no fato de Assange no possuir cidadania norte-americana e
nos entraves determinados pela primeira emenda constitucional
dos Estados Unidos (SPEKTOR, 2011), que prev a garantia da li-
berdade de imprensa e de expresso a todos (EUA, 1789).
Alm do que j foi citado acima, a tradio da mdia norte-
-americana de utilizar-se de material confdencial vazado para
propagar escndalos tem contribudo para um enfraquecimento
ainda maior da presso feita em torno do WikiLeaks (SPEKTOR,
2011). Mesmo as tentativas do governo para que servios como
o Paypal e empresas como Visa e Mastercard neguem toda
e quaisquer formas de prestao de servios para a organizao
WikiLeaks tm falhado, uma vez que legalmente no existem mo-
tivos para tal (OLIVEIRA, 2011).
Tericos e especialistas de vrios pases divergem sobre a real
signifcao das aes do WikiLeaks para o mundo e, principal-
mente, para a poltica externa norte-americana (SPEKTOR, 2011).
Um grupo adepto da viso de que embora a interferncia causa-
da pelos vazamentos como um todo tenha sido importante para o
Sistema Internacional, no constituiu um marco a ser delongado
na estrutura das Relaes Internacionais (SPEKTOR, 2011). Ou
seja, no teria deixado marcas profundas o sufciente para alterar
o modo pelo qual se relacionam os Estados (OLIVEIRA, 2011).
Na opinio de Matias Spektor (2011), tal abalo est longe
de ter magnitude ssmica, visto que as relaes entre os Estados
mantiveram-se regidas sob os mesmos padres, estando acima
de um simples constrangimento miditico ou algo do gnero. No
caso americano, Spektor (2011) conclui que a reao dos EUA
contra o WikiLeaks consistiu em exagero, visto a pouca contribui-
o do mesmo para alteraes nas relaes diplomticas norte-
-americanas com os demais pases do mundo.
Jos Domingos e Srgio Couto (2011) defendem que a con-
tribuio do WikiLeaks foi signifcativa no que concerne de-
monstrao do verdadeiro papel da livre informao e do im-
pacto poltico que o conhecimento detm. O WikiLeaks teria
reforado o direito do cidado de saber o que se passa no plano
poltico e econmico de seu pas, fortalecendo o conceito de
transparncia (DOMINGOS; COUTO, 2011)
Um dos grandes fatores a se ressaltar justamente o aspec-
to dual da diplomacia norte-americana exposto pelo WikiLe-
aks (OLIVEIRA, 2011). Washington, ento, caiu em contradio
quando, ao defender ou ao menos primar pela imagem de defen-
sora da liberdade de expresso e do livre acesso internet e seu
domnio, viu-se, repentinamente, traindo tal conceito ao lutar
pelo fm do WikiLeaks (OLIVEIRA, 2011).
O fato que o WikiLeaks contribuiu para a modifcao dos
procedimentos e da preocupao com o sigilo da comunicao di-
plomtica em diversos pases, ao passo que gerou cidados mais
conscientes e interessados na realidade poltica de seus Estados
e respectivos desdobramentos (OLIVEIRA, 2011). Debates como
governana global
5
, importncia das organizaes internacionais
e a difuso do poder no mundo atual tornaram-se cada vez mais
5
A ONU defne como governana global a soma das diferentes maneiras com as quais
os indivduos e instituies pblicas e privadas podem administrar seus assuntos co-
muns (ABREU, 2004)
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
comuns, devido, em alguma medida, ao WikiLeaks (SPEKTOR,
2011). Este serviu ainda para a projeo de um cenrio internacio-
nal onde instrumentos e organizaes no-estatais, como o prin-
cpio de Crowdsourcing e o prprio WikiLeaks tiveram seu papel
consideravelmente expandido, rompendo-se com o monoplio
das informaes acerca das aes dos Estados, antes quase que to-
talmente retido nas mos dos prprios Estados (SPEKTOR, 2011).
Gerou-se, desde ento, um grande debate relativo liberaliza-
o ou no de informaes sigilosas tocantes poltica internacio-
nal dos Estados nacionais (OLIVEIRA, 2011). Abaixo sero identi-
fcados dois grupos: de um lado aquele que defende o sigilo como
pea fundamental para o sucesso diplomtico e do outro, que
acredita que o melhor caminho para a construo de relaes sus-
tentveis situa-se na informao sem fronteiras (SPEKTOR, 2011).
Paulo Roberto de Almeida (2011) atenta para o fato de que
a ousadia wikilikeana pode difcultar ainda mais o acesso a
informaes ao invs de contribuir para com o mesmo, sendo o
defagrador potencial de um processo de centralizao informa-
tiva nunca antes visto por parte dos governos nacionais. J Sny-
der (2010) e Danin (2010) acreditam que o processo diplomtico
global ser afetado. Telegramas diplomticos passaro a ser des-
nudados de qualquer assunto controverso (DANIN, 2010), e ser
difcultado o trabalho dos profssionais das relaes exteriores,
sobretudo norte-americanas (SNYDER, 2010). Campbell (2010),
por sua vez, atenta para a quebra da confana diplomtica m-
tua, causada pelo WikiLeaks, que teria contribudo para o impe-
dimento de um fuxo dinmico de informaes entre diferentes
organismos diplomticos.
Gates (2010) e Spektor (2011) so defensores da viso de
que o WikiLeaks pouco contribuiu para a desestabilizao das
relaes diplomticas globais. Para Spektor (2011), os governos
nacionais em pleno sculo XXI deveriam abandonar a postura
conservadora de oposio a vazamentos online, e ao invs disso,
adaptar suas legislaes de modo a estabelecer melhores prticas
relativas a este tipo de situao, ao invs de frmarem-se na iluso
de que o sigilo diplomtico pode ser impenetrvel. Outros auto-
res como Jos Domingos e Srgio Couto (2011), acreditam na im-
portncia de ferramentas como o WikiLeaks para o estmulo a um
mundo onde a informao livre e de fcil acesso, onde governos
tenham que responder verdadeiramente por suas aes polticas
e por suas responsabilidades.
5.2. A Comunicao e o WikiLeaks
O WikiLeaks, diferentemente do que se faz no jornalismo tradi-
cional, coloca disposio do pblico suas fontes com a fnali-
dade de possibilitar ao indivduo checar por si s os fatos. Isso
teve como resultado uma alterao no modo como se relacionam
jornalistas e suas fontes, pois tornou-se muito tnue a sua discri-
minao (CHRISTOFOLETTI; OLIVEIRA, 2011). O WikiLeaks
seria um novo tipo de jornalismo, de carter mais cientfco, o
qual permite ao pblico ler as notcias e comprov-las com docu-
mentos originais a distncia de um clique (ASSANGE, 2010 apud
CHRISTOFOLETTI; OLIVEIRA, 2011, p. 234).
No caso do Cablegate, que deu a Assange e ao WikiLeaks o
destaque que tm hoje, houve uma articulao entre a organiza-
o e cinco veculos impressos para que os dados fossem divulga-
dos ao maior pblico possvel, bem como confrmassem a legiti-
midade da informao publicada na internet (CHRISTOFOLETTI;
OLIVEIRA, 2011). Portanto,
A nova mdia precisou que a velha desse autenticidade ao seu pro-
duto; o site de vazamentos precisou da confabilidade e das creden-
ciais acumuladas dos velhos jornais para que alcanasse o impacto
esperado (CHRISTOFOLETTI; OLIVEIRA, 2011, p. 237).
Este episdio pode servir como ponto de partida para que um novo
modo de se fazer jornalismo seja posto em prtica. Existe a chance
de que o nmero de sites que publicam informaes da prpria fon-
te cresa de forma considervel nos prximos anos, como j poss-
vel identifcar com a existncia do OpenLeaks, criado por dissiden-
tes do prprio WikiLeaks (CHRISTOFOLETTI; OLIVEIRA, 2011).
Alm disso, tal proliferao de sistemas de recepo de da-
dos brutos tendo como fnalidade a denncia e a transparncia
e o interesse dos meios de comunicao tradicionais em utilizar
esses dados convergiro em um grupo colaborativo, como o que
foi visto no prprio Cablegate. Autores afrmam que o que acon-
teceu nesse episdio teve tamanha repercusso principalmente
por a notcia ter sido divulgada simultaneamente em quatro jor-
nais e uma revista (CHRISTOFOLETTI; OLIVEIRA, 2011).
Para eles, a colaborao entre esses dois meios de comunica-
o, imprensa tradicional e internet, muito bem exemplifcada
nesse caso, sendo que os mtodos jornalsticos foram imprescin-
dveis para que a grande quantidade de informao fosse sele-
cionada e organizada, de forma a garantir a devida qualidade e
contextualizao. Como escreve Bucci (2000, p. 127), [a] internet,
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Caso Wikileaks
portanto, embora traga novas aberturas tecnolgicas que encur-
tam caminhos, no aposenta os preceitos do bom jornalismo.
Mais que isso, acreditam Christofoletti e Oliveira (2011, p. 239)
que a cultura colaborativa possui uma fora incomensurvel
para favorecer a democratizao das comunicaes.
Compreendendo a funo do jornalismo em uma sociedade
democrtica, Oliveira (2012) concorda que a liberdade de im-
prensa foi essencial para que o WikiLeaks conseguisse divulgar
as informaes confdenciais vazadas no Cablegate devido sua
garantia constitucional. Sobre isso, ela comenta que a caada
ao WikiLeaks, que surgiu depois da publicao dos documentos,
mais ameaadora para a democracia do que qualquer informa-
o secreta que ela possa ter revelado (OLIVEIRA, 2012, p.60).
Para ela, a importncia da organizao est em trazer ao p-
blico o que somente os Estados sabiam, ou seja, dar maior trans-
parncia s negociaes que eram feitas. Sobre isso, afrma:
A WikiLeaks no s ps em causa o papel do Estado nos pases de-
mocrticos como fez ascender a primeiro plano a relevncia dos
cidados e o direito que eles prprios tm de acesso aos assuntos
polticos, numa ordem em que os Governos assumem constante-
mente uma funo cada vez menos importante, por culpa das exi-
gncias da informao e da participao (OLIVEIRA, 2012, p. 64).
6. CONCLUSO
Aps contextualizar a organizao, seu surgimento e suas aes,
analisar questes importantes como, por exemplo, a tica no
jornalismo, legislaes sobre informao privada e o vazamento
de tais informaes e a viso de tericos dos campos da Comu-
nicao e das Relaes Internacionais sobre o assunto, podemos,
ento, fnalmente responder pergunta: o WikiLeaks age dentro
da legalidade e, ainda mais importante, dentro da tica?
Ao falarmos sobre legislao, fca claro que a legislao de
diversos pases pode impactar, de forma positiva ou negativa,
o trabalho de organizaes como o WikiLeaks. Isso visto, por
exemplo, com referncia localizao dos servidores do website,
estabelecidos em pases cujas legislaes nacionais defendem
a liberdade de imprensa e a liberdade de informao. Para uma
organizao como o WikiLeaks odiada por muitos agir den-
tro da legalidade uma questo de sobrevivncia e uma ttica
de defesa. Nos momentos em que h algum tipo de descumpri-
mento de leis, o grupo se torna alvo daqueles cujos interesses
foram agitados por alguma ao do WikiLeaks.
Isso demonstra que nem sempre h uma compatibilidade
entre a legislao vigente e a promoo da funo social da m-
dia. Afnal, no momento em que o grupo que compe o WikiLe-
aks se prope a fazer um novo jornalismo, ele se conecta, cons-
cientemente ou no, tica jornalstica de revelar a verdade,
cumprindo assim seu papel social. Nesse sentido, o WikiLeaks,
em seu trabalho de revelar sociedade verdades antes acess-
veis apenas a uma pequena parte da populao, alm de promo-
ver um debate melhor embasado sobre questes internacionais
relevantes, tem o potencial de exercer papel crucial na susten-
tao da democracia. Permanece, contudo, o questionamento
referente relao entre a democratizao da mdia e a proteo
da segurana nacional e das relaes diplomticas pacfcas.
7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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Valores comunitrios: a dimenso
social da dignidade humana
SEO 3
411 410 Ao pensar-se a dignidade humana, no h como desconsiderar o
papel da sociedade na defnio dos limites autonomia do in-
divduo. A ideia de valores comunitrios consiste, aqui, em dois
elementos principais: as crenas, compromissos e interesses com-
partilhados por uma sociedade; e as normas impostas pelo Estado
(BARROSO, 2011). Afnal, homem algum independente das rela-
es que estabelece com seus pares. Dessa forma, natural que as
relaes interpessoais mais amplas se apresentem como contor-
nos ou limites mais ou menos legtimos autonomia individual.
Muitas vezes, portanto, tais constrangimentos autonomia
individual se expressam na fgura do Estado e de suas polticas.
Compreende-se, afnal, que este tem o papel de promover valo-
res e objetivos coletivos, acerca dos quais exista um grau elevado
de consenso na sociedade. Isto , em favor de um entendimento
compartilhado acerca do que so condies de vida consideradas
boas, o Estado pode, legitimamente, restringir as escolhas do in-
divduo (BARROSO, 2011). o caso, por exemplo, do combate
criminalidade pelo Estado. Entretanto, quando tal imposio da
vontade realizada de forma tirnica seja pelo Estado ou por
outros grupos da sociedade faz-se necessrio por em questo
a legitimidade de tais aes. Esses dilemas se faro presentes ao
longo dos prximos captulos deste livro.
No captulo Apatridia e cidadania: protegendo cidados le-
galmente invisveis
1
, fca especialmente clara a forma como valo-
res e interesses compartilhados delineiam o espao da autonomia
individual. O texto aborda o fenmeno da apatridia, isto , a reali-
dade de indivduos que no so reconhecidos como cidados de
Estado algum, ou que no podem desfrutar da proteo do Estado
1
Escrito por Deborah Cristina Rodrigues Ribeiro, Isabela Ottoni Penna do Nascimen-
to, Luiz Artur Costa do Valle Junior e Victor de S Neves.
2
Escrito por Ana Clara de Freitas Ferreira, Kaiutan Venerando Ruiz da Silveira, Maya-
ra Nascimento Cunha e Ricardo Prata Filho.
3
Escrito por Dbora Antnia Lobato Cndido, Christiane Souza Viana Najar e Juliana
Andreia Grangeiro Ferreira.
4
Escrito por Jaqueline Azevedo de Amorim Rego, Joo Paulo Melo Nacarate, Lusa
Noleto Perna e Tarcsio Barbosa Pinhate.
em que nasceram. Por um lado, o captulo demonstra a relevn-
cia do pertencimento a um grupo no apenas para a promoo
de interesses coletivos, mas tambm individuais como se veri-
fca pelas pssimas condies atravessadas por inmeros grupos
aptridas ao redor do mundo. Por outro lado, so latentes tambm
os riscos que a promoo de valores sociais pode impor sobre a
realidade de minorias. Afnal, como exemplifcado no artigo, fre-
quente que a privao do acesso cidadania refita preconceitos
enraizados na sociedade, que privilegiam aqueles que partilham
de sua mesma identidade cultural em detrimento de outros.
J no captulo Estratgias para a Consolidao da Demo-
cracia na Libria e Guin-Bissau
2
, sero discutidas as medidas
associadas construo da paz (em ingls, peacebuilding), em
pases que tenham atravessado confitos violentos. Assim sendo,
a discusso aqui consiste na anlise de formas para a constituio
de Estados capazes de promover os valores e interesses da socie-
dade, limitando as atividades de grupos que desejam fazer uso da
violncia para a promoo de interesses particulares.
No captulo Combatendo o terror atravs de seu nexo com
o crime organizado: uma estratgia efciente e responsvel
3
, por
sua vez, a discusso recai sobre a adequao de formas de com-
bate a atividades terroristas. A supresso da criminalidade con-
siste em mais um claro exemplo da necessidade da limitao
autonomia individual quando esta pe em risco o bem coletivo;
tambm esse o caso do combate ao terrorismo, medida de inte-
resse pblico que deve ser levada a cabo com o menor dano pos-
svel ao bem-estar de terceiros.
J no captulo Cidades Sustentveis: lidando com a urbani-
zao de forma ambiental, social e economicamente sustent-
vel
4
, a discusso recai sobre as maneiras de promover a susten-
tabilidade em mbito urbano. A discusso sobre a limitao da
autonomia individual neste caso d um passo alm, na medida
em que pretende proteger no somente os interesses atualmente
compartilhados pela sociedade, mas tambm a possibilidade de
bem-estar das geraes futuras.
412
No penltimo captulo desta seo, Estabilidade fnanceira e
resposta multilateral na crise do euro
5
, o papel do Estado espe-
cialmente explicitado, na medida em que se enfatiza o papel das
polticas macroeconmicas e da cooperao interestatal no comba-
te atual crise na zona do euro. Afnal, fca claro que a ao estatal
na economia impacta outros agentes econmicos, como os bancos,
as empresas e os indivduos, podendo atuar de forma positiva ou
negativa com relao a interesses compartilhados por esses agen-
tes, de uma maneira que estes no poderiam fazer individualmente.
Por fm, no captulo Movimento dos No Alinhados: Desar-
mamento e autodeterminao nacional no contexto da Guerra
Fria
6
, possvel perceber a forma como a atuao internacional
dos Estados em prol de valores como a paz e o desarmamento
so cruciais para a promoo de valores compartilhados pela so-
ciedade a nvel domstico, como a prpria segurana. Ao mes-
mo tempo, pode-se analisar o no alinhamento no contexto da
Guerra Fria como uma tentativa de garantir que os interesses de
uma sociedade sejam promovidos pelo Estado que a representa,
preservando tais interesses da ingerncia de atores externos.
BARROSO, L. R. Here, Tere and Everywhere: Human Dignity in Contemporary Law
and in the Transnational Discourse. Boston College International and Comparative
Law Review, v. 35, n. 2. 2011.
5
Escrito por Henrique Felix de Souza Machado, tria Aguiar Tonon e Teresa de Ange-
lis de Sousa Cavalcanti.
6
Escrito por Andr Rothfeld, Felipe Oliveira Dias, Larissa Presotto Bertolo e Pedro
de Souza Melo.
415 APATRIDIA E CIDADANIA
Protegendo indivduos
legalmente invisveis
Deborah Cristina Rodrigues Ribeiro
Isabela Ottoni Penna do Nascimento
Luiz Artur Costa do Valle Junior
Victor de S Neves
1
14
Nobody had been aware that mankind, for so
long a time considered under the image of a
family of nations, had reached the stage where
whoever was thrown out of one of these tightly
organized closed communities found himself
thrown out of the family of nations altogether
2
Hannah Arendt
1. INTRODUO
De acordo com as estimativas do Alto Comissariado das Naes
Unidas para Refugiados (ACNUR, 2012), existem cerca de 12 mi-
lhes de aptridas localizados em diversos continentes, como
frica, Amrica, sia e Europa. Entretanto, a evidncia numri-
ca insufciente at para demonstrar a dimenso do problema,
visto que so poucos os pases que monitoram a frequncia de
aptridas em seus territrios, e mesmo aqueles que monitoram, o
fazem sem critrios claros para a verifcao do fenmeno.
Como ser analisado ao longo deste artigo, a apatridia impli-
ca um status de invisibilidade frente aos corpos jurdicos, o que
torna os aptridas indivduos completamente desprovidos de
direitos junto aos Estados. Apesar de tentativas de estender tais
direitos
3
, existe uma lacuna na aplicao do Direito Internacional
1
Agradecemos enormemente pelas contribuies e pela boa vontade do Professor
Doutor Antnio Augusto Canado Trindade, Doutor em Direito Internacional pela
Universidade de Cambridge, Professor Emrito da Universidade de Braslia e Juiz
do Tribunal Internacional de Justia, em Haia. Agradecemos tambm ao Ofcial de
Proteo do ACNUR no Brasil, Gabriel Godoy, pelas recomendaes e elogios. Final-
mente, lembramos tambm o papel do graduando em Relaes Internacionais pela
Universidade de Braslia, Caio Paes Leme Lorecchio, pelas contribuies e comen-
trios. Reconhecemos a difculdade da tarefa de encontrar espao na agenda de to
ilustres revisores, de forma que reforamos nossos mais sinceros agradecimentos e
ressaltamos que o presente artigo no teria sido possvel sem sua contribuio.
2
Ningum percebera que a humanidade, durante tanto tempo considerada ima-
gem de uma famlia de naes, havia chegado a um estgio em que quem quer que
fosse expulso de uma destas comunidades rigidamente organizadas ver-se-ia expul-
so da prpria famlia de naes, traduo nossa.
3
Tais como a Conveno de 1954 sobre o Estatuto dos Aptridas (ASSEMBLEIA GE-
RAL DAS NAES UNIDAS [AGNU], 1954) e a Conveno de 1961 para a Reduo dos
Casos de Apatridia (AGNU, 1961)
417 416
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
nesse ponto. Isso, porque, por mais que haja legislao internacio-
nal relativamente ampla sobre o assunto, no tm sido realizados
esforos sufcientes por parte da maioria
4
dos Estados para reduzir
esse interstcio e amenizar a propagao e perpetuao de casos
de apatridia. Evidncia disso o fato de que as duas convenes
supracitadas tm um nmero relativamente baixo de signatrios
5
,
sendo que vrios dentre os principais pases que tm relao direta
com o problema no assinaram
6
.
Alm disso, ser avanado o argumento de que, para alm de
um problema jurdico na aplicao das leis, existe tambm um
impasse com relao ao reconhecimento dos aptridas na esfera
social (STAPLES, 2012). Ademais, no deve ser dispensada a preo-
cupao acerca das formas como esse respeito ser suscitado, uma
vez que, sem ele, o vcuo existente entre as normas
7
e a realidade
continuar vigente por muito tempo.
Por fm, demonstrar-se- como esse litgio se manifesta em ca-
sos prticos, por meio da anlise da situao dos Palestinos e do povo
Roma. Tais sees tm como intuito mostrar como os casos se desen-
volveram historicamente, respaldando o argumento de que atribuir
somente aos Estados a jurisdio
8
sobre a escolha dos seus cidados
uma evidncia de que o fenmeno pode continuar acontecendo
indefnidamente (ARENDT, 1962 [1951]; BATCHELOR, 1995).
2. O PAPEL DA CIDADANIA NA MODERNIDADE
A privao do acesso cidadania est intimamente ligada ques-
to dos aptridas no mundo moderno. A partir da noo de que
a cidadania garantida por um Estado que engloba uma nao
9
,
cria-se um lao coletivo ao redor dessa comunidade, que pode ge-
rar tendncias particularistas caso se considere a diferena entre
um cidado completamente integrado e um no cidado renegado
por essa coletividade.
Assim, por mais que se tente desnacionalizar a proteo aos
direitos humanos (WAAS, 2009), sua implementao continua
bastante vinculada autonomia estatal. Portanto, torna-se mis-
ter para o estudo da apatridia que se analise a concesso destes
direitos fundamentais que tanto importa na ocorrncia do fen-
meno dos aptridas.
Nesta seo ser introduzido o conceito da cidadania por meio
de uma abordagem histrica, enfatizando a evoluo obtida desde
a antiguidade clssica at os tempos modernos. Posteriormente,
ser adicionado o tema do nacionalismo e a maneira ntima com a
qual ele se relaciona com a cidadania.
Por fm, ser abordada a forma como a cidadania contribui
para a difuso dos direitos humanos e em que grau a privao
dos direitos ligados a ela infuenciam na situao dos aptridas.
A partir da anlise dessa questo, aplicar-se- a teoria do reco-
nhecimento ao caso dos aptridas, buscando responder por que
o fenmeno da apatridia continua to frequente mesmo com
uma legislao sufciente e razoavelmente extensa (WAAS, 2008),
e como amenizar o problema.
2.1. A evoluo do conceito: da antiguidade clssica modernidade
O conceito de cidadania surge primeiramente na Grcia antiga
a partir de uma diferenciao entre helenos e brbaros. Nesses
termos, o cidado majoritariamente, aquele que nascia em ter-
ritrio grego flho de pais gregos era a minoria da populao
da cidade-Estado que desfrutava de um status social elevado. En-
quanto isso, os brbaros seriam os estrangeiros que, apesar de
conseguirem residir em um territrio estranho a eles, eram cons-
tantemente submetidos a trabalhos desvalorizados e escravido
e no tinham direito de participar dos assuntos relacionados
plis (MARKUS, 1988).
Depois, tal qual expressa Donnelly (2009), preciso ter em
mente o fato de que a cidadania grega estava muito pautada na
capacidade de autogoverno, em oposio aos governos monr-
quicos e tirnicos dos brbaros. Por isso, somente eles poderiam
aplicar os princpios fundamentais da isonomia (igual aplicao
da lei para todos os cidados) e isogonia (igual direito de partici-
pao nas assembleias pblicas).
Entretanto, preciso deixar claro que h uma forte distin-
o entre a concepo grega e a moderna de cidadania, princi-
palmente no que diz respeito noo de inclusividade gerada
nessas sociedades (DONNELLY, 2009). Nesse sentido, os laos de
4
Uma das poucas excees o caso do governo de Bangladesh, que nos ltimos anos
tem se esforado para reverter a situao de apatridia dos mais de 160 mil Biharis que
vivem em seu territrio (HUSSAIN, 2009)
5
So 76 para a Conveno de 1954 e 48 para a Conveno de 1961 em um universo de
193 Estados reconhecidos pela ONU atualmente.
6
Dentre eles, Qunia, Bangladesh, Mianmar, Nepal, Rssia, EUA, entre outros, como
Nova Zelndia e Canad que no ratifcaram a de 1954.
7
Normas so as prescries que esto no campo do dever ser.
8
Jurisdio pode ser defnida como poder atribudo a uma autoridade para fazer cum-
prir certas leis e punir quem as infrinja em determinada rea (FERREIRA, 2005, p. 500)
9
Aqui, para fns analticos, foi considerado que cada Estado engloba uma nao. Po-
rm, sabido que, na realidade, h uma pluralidade muito maior de casos de Estados
multinacionais (NIELSEN, 1996-1997; LICHTENBERG, 1996-1997).
419 418
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
pertencimento coletividade ateniense, por exemplo, no eram
amplos o sufciente para que se possa tratar de uma nao
10
, tal
qual entendida nos termos modernos. Ainda, de acordo com Be-
nedict Anderson (2008), s possvel falar do surgimento de uma
comunidade imaginada de cunho nacional a partir do momento
em que se criam condies materiais sufcientes
11
para que os in-
divduos possam se enxergar enquanto partes pertencentes a um
todo, ainda que separados espacialmente.
Para expressar melhor a diferena entre as concepes cls-
sica e moderna, pode-se aplicar o modelo piramidal de T. H. Mar-
shall (2009 [1950]) para o processo de aquisio dos direitos fun-
damentais de uma sociedade moderna. De acordo com o autor,
esses direitos estariam divididos em trs eixos principais, a saber:
direitos civis, polticos e sociais. Primeiro, surgiram os direitos ci-
vis (liberdade de expresso, de propriedade, de frmar contratos,
de receber julgamento justo) para a populao, a base da pir-
mide. A partir deles e da ascenso da burguesia enquanto classe
economicamente dominante, tornam-se imperativos o sufrgio e
a liberdade de associao, em funo da vontade de traduzir o
seu poder econmico em direitos polticos. Por ltimo, a garantia
de direitos polticos tem por consequncia a expanso da repre-
sentao que possibilitou que grupos antes marginalizados tives-
sem voz e reivindicassem os seus direitos sociais.
Nesse sentido, a defnio que melhor sintetiza a ideia apre-
sentada por Marshall a de Goldston (2006, p. 321, traduo nos-
sa), segundo a qual cidadania um status legal que serve, na
prtica, como uma precondio para o usufruto de vrios direitos,
incluindo o voto, propriedade privada, assistncia mdica, edu-
cao e viagem para fora do seu prprio pas. A partir disso, pode-
-se projetar a situao precria na qual uma pessoa vive caso no
seja cidad de nenhum Estado.
A importncia que essa noo traz para a anlise da apatridia
reside no fato de que a cidadania [...] , por defnio, nacional
(MARSHALL, 2009 [1950], p. 149, traduo nossa), j que o senso
de identidade que a nao requer essencial para a defnio de
quem ser cidado. Alm disso, possvel pensar que sem uma
identidade legal, uma pessoa no pode reivindicar direitos civis
e polticos, como o direito ao voto e candidatura em eleies
(SOUTHWICK; LYNCH, 2009, p. 3, traduo nossa).
2.2. Cidadania e nacionalidade
A partir da evoluo histrica do conceito de cidadania, entende-
-se por que a noo de pertencimento a um Estado nacional tem
sido, desde a Revoluo Inglesa (GREENFELD, 1992), to impe-
rativa para que um indivduo possa desfrutar dos direitos bsicos
da sociedade. A afrmao de Arendt (1962 [1951]) de que a cida-
dania seria o direito de ter direitos tem ainda muita fora. Seria
possvel argumentar, contrariamente flsofa, que a cidadania,
entendida estreitamente como o vnculo legal entre o indivduo e
o Estado, estaria cedendo lugar a uma nova concepo. Segundo
esta, o pertencimento a uma sociedade civil internacional, hu-
manidade, precederia a nacionalidade, ou o vnculo entre o indi-
vduo e seu Estado (FROST, 2009; 2008; WAAS, 2009).
No entanto, os Estados manipulam frequentemente o concei-
to de cidadania de forma a criar excees pretensa universalida-
de dos direitos humanos (GOLDSTON, 2006). Por consequncia,
deixar que Estados soberanos tenham autonomia para escolher
quais sero os seus cidados protegidos e quais sero aliengenas
abre espao para a formao de lacunas na proteo dos direitos
humanos, j que grupos podem no ser reconhecidos por Estado
algum (ARENDT, 1962 [1951]; BATCHELOR, 1995).
Nesse sentido, vlido dizer que o regime de proteo inter-
nacional que tem sido adotado at agora ainda muito limitado.
A Declarao Universal dos Direitos Humanos (ASSEMBLEIA GE-
RAL DAS NAES UNIDAS [AGNU], 1948) j afrmava que o di-
reito nacionalidade universal. Porm, como j foi dito, no tm
sido tomadas muitas medidas para efetivar tal universalidade. Essa
evidncia deixa ainda mais claras as duas dimenses do poder do
Estado perante os indivduos: por um lado, tem um carter inclu-
sivo, ao garantir a cidadania a todos a que reconhece; por outro, um
carter excludente, que se mostra na arbitrariedade dos critrios
utilizados no reconhecimento dos cidados (STAPLES, 2012).
Para fns analticos, dividir-se- o conceito de nacionalidade
em dois eixos bsicos fundamentais para o seu entendimento
(WAAS, 2008, p. 219). O primeiro deles diz respeito ao direito de
ir e vir no territrio do seu Estado. O segundo se aplica ao direito
de participar dos processos decisrios e integrar os quadros do
10
Aqui, entendemos nao como os laos de pertencimento a uma comunidade que
esto ligados por meio de concepes compartilhadas de passado histrico, mitos,
origem territorial e lngua. Comunidades nacionais so especiais na medida em que
fornecem a seus membros ferramentas que permitem e condicionam sua interpreta-
o da realidade. Esta defnio inspirada na obra de Will Kymlicka (1995).
11
No caso, o capitalismo de imprensa. Podemos citar como exemplos a difuso de
livros e documentos ofciais em lnguas vernculas, alm de jornais com certa abran-
gncia regional que noticiavam fatos que ocorriam em locais diferentes ao mesmo
tempo (ANDERSON, 2008).
421 420
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
Estado. Dessa forma, entende-se por que algumas das garantias
que o Estado prov so bsicas e, por isso, no estar vinculado ju-
ridicamente a nenhum deles se torna uma situao preocupante.
Assim, podemos entender a relao que existe entre o per-
tencimento a uma nao e a cidadania. Kymlicka (1995) ressalta,
ainda, o fato de que importante que as naes minoritrias se-
jam valorizadas, pois os seus laos identitrios no apenas do
sentido s escolhas dos indivduos pertencentes a esses grupos,
mas tambm proveem a liberdade necessria para viver de acor-
do com os seus valores individuais. Por fm, Margalit e Raz (1990,
p. 449) afrmam que as culturas
12
precisam ser valorizadas para
que o respeito e a dignidade dos seus integrantes no sejam ame-
aados. A partir dessa constatao, ser avanado o argumento
de que para alm de uma busca por normas jurdicas nesta rea,
preciso, tambm, que se busque respeito e reconhecimento.
2.3. A teoria do reconhecimento
Nesse ponto, importante considerar as ideias que Hannah Aren-
dt (1962 [1951]) apresenta sobre a apatridia. A autora tem uma vi-
so claramente pessimista acerca do assunto (STAPLES, 2012), j
que acredita que o fato de no pertencer a um Estado talvez seja
uma das piores situaes que um ser humano pode viver pior
at do que situaes de escravido, por exemplo. Isso, porque ela
partilha da opinio de alguns autores supracitados (GOLDSTON,
2006; BATCHELOR, 1995) de que somente o Estado capaz de
garantir direitos bsicos a uma populao e de que, sem ele, por-
tanto, fca-se em uma situao de expulso da humanidade
(ARENDT, 1962 [1951], p. 297).
A necessidade de se analisar o assunto sob a tica do reco-
nhecimento decorre do fato de que a excluso qual os aptridas
esto submetidos transcende o aspecto jurdico e est intrinse-
camente relacionada a questes sociais. Portanto, mais do que
leis que os segregam, existem regimes societrios
13
que no os in-
cluem simplesmente por no os reconhecerem. Assim, caso no
haja respeito por um grupo, toda uma srie de relaes fca preju-
dicada, chegando ao ponto em que determinados indivduos no
conseguem trabalhar, residir, ou mesmo circular em lugar algum.
Mais do que isso, sem pertencer a uma comunidade reconhecida,
no h status poltico (ARENDT, 1962 [1951]).
Entretanto, falta na autora uma orientao para mudana.
Ela se restringe a verifcar o problema e descrev-lo conforme o
seu ponto de vista, mas no traa medidas plausveis para ameni-
zar a situao. Nesse sentido, Axel Honneth (2003), fundamenta
a sua teoria do reconhecimento em aspectos morais que se ligam
aos jurdicos como forma de buscar uma sada para a excluso
inevitvel a que Arendt est vinculada.
Em termos prticos, Honneth (2003) defende que as relaes
entre determinados grupos culturais devem ser pautadas no res-
peito recproco entre eles. De acordo com o autor, assim como
para Kymlicka (1995), o reconhecimento fundamental para que
a pessoa goze de autonomia na vida pblica a fm de usufruir das
suas capacidades pessoais enquanto um membro completo da
comunidade nacional. Honneth (2003) adiciona ainda o fato de
que h uma relao muito prxima entre o respeito e os direitos.
Isso signifca que, em sua teoria, direitos so o nico meio pelo
qual o respeito pode ser expresso. De fato, reconhecimento legal
usado [por Honneth] em seu trabalho como sinnimo para res-
peito (THOMPSON, 2006, p. 59, traduo nossa).
Em contraposio, Jrgen Habermas (1997) inverte a ordem
estabelecida por Honneth com relao aquisio do reconhe-
cimento. De acordo com o flsofo alemo, de nada adianta uma
situao em que os indivduos so dotados de direito, mas conti-
nuam sendo discriminados na sociedade
14
. Ademais, Habermas
(1997) argumenta que a melhor maneira de equilibrar esse im-
passe a ao comunicativa
15
na sociedade para se defnir os limi-
tes do que justo e as condies mnimas para que todas as pes-
soas sejam cidads, em detrimento de aes estatais reguladoras.
Por fm, Kelly Staples (2012), em consonncia com o que
Habermas (1997) enuncia, diz que perigoso assumir um posi-
cionamento acerca de como o Estado deveria ser, uma vez que
isso no leva em considerao que a luta pelo reconhecimento
muito mais do que prover direitos; pressupe tambm respeito
na esfera social. Assim, para ela, superar essa concepo de Esta-
12
Cultura, nesse caso, usada em um sentido mais amplo para indicar um grupo
societrio que tem origem territorial e lngua comum (KYMLICKA, 1995).
13
Regimes societrios so um conjunto de dispositivos culturais que do sentido s
aes dos indivduos em determinada sociedade (KYMLICKA, 1995). Nesse contexto,
existem laos culturais que so excludentes na medida em que no reconhecem de-
terminados grupos como dignos de respeito.
14
O autor chega a citar o exemplo da obteno do direito licena maternidade e
proteo da gestao. Entretanto, ele percebe que os prprios direitos conquistados
produziram efeitos contrrios, j que o mercado de trabalho passou a rejeitar as mu-
lheres em funo desses novos direitos (HABERMAS, 1997).
15
Habermas (1997, p. 186) elabora o conceito de ao discursiva como o ato de discu-
tir na esfera pblica questes controversas at que os indivduos formem opinies e
vontades consensuais para lev-las em forma de demandas para as esferas decisrias
(assembleias legislativas, por exemplo).
423 422
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
do como nico provedor de direitos legais o primeiro passo para
que sejam deixadas de lado vises particularistas e excludentes
que geram o desrespeito (STAPLES, 2012).
3. O FENMENO DA APATRIDIA
3.1. Como definir a apatridia?
Segundo o Artigo 1 da Conveno de 1954 sobre o Estatuto dos
Aptridas, aptrida toda a pessoa que no seja considerada
por qualquer Estado, segundo a sua legislao, como seu nacio-
nal (AGNU, 1954). Assim sendo, fca claro que esta defnio se
refere a um vnculo jurdico formal entre o indivduo e o Estado
que se deve encarregar de sua segurana. A uma primeira anli-
se, o conceito pode parecer satisfatrio para o funcionamento do
regime de proteo que nele se baseia. No entanto, necessrio
diferenciar a apatridia de jure, conforme defnida na Conveno
de 1954, da apatridia de facto, entendida como a condio de que
padecem indivduos que, possuindo de jure uma nacionalidade
qualquer, por algum motivo so excludos do usufruto dos bene-
fcios associados a ela.
Aptridas de facto, nesse sentido, no gozariam da proteo
do Estado junto ao qual possuem cidadania, por exemplo, por re-
sidirem no territrio de outro Estado e estarem privados dos meios
de provar sua nacionalidade frente s autoridades deste ltimo,
ou por seu pas originrio estar em estado de guerra, ou por re-
sidirem em um Estado que no mantenha relaes diplomticas
com aquele de sua nacionalidade (MASSEY, 2010). Grande parte
da discusso sobre a proteo aos aptridas tem se concentrado
na questo conceitual suscitada pela defnio da Conveno de
1954, que negligenciaria a frequente ocorrncia da apatridia de
facto. O debate sobre esse conceito, contudo, no indica um con-
senso aceitvel entre os acadmicos engajados. Uma defnio
concisa, ainda que algo conservadora, pode ser emprestada de
Hugh Massey (2010, p. 61, traduo nossa), que recomenda que o
termo aptrida de facto remeta a indivduos que se encontram
fora do pas de sua nacionalidade, e que no podem ou, por ra-
zes vlidas, no querem valer-se da proteo de tal pas.
No obstante, possvel que a omisso dos redatores da
Conveno tenha sido intencional (BATCHELOR, 1998). Sob a
suposio de que um aptrida de facto no residiria no Estado
junto ao qual possui cidadania, esperava-se simplesmente que
tais indivduos se enquadrassem na defnio de refugiados, tal
como apresentada na Conveno de 1951 relativa ao Estatuto dos
Refugiados (AGNU, 1951, Artigo 2), em que refugiado defnido
como toda pessoa que
(...) temendo ser perseguida por motivos de raa, religio, naciona-
lidade, grupo social ou opinies polticas, se encontra fora do pas
de sua nacionalidade e que no pode ou, em virtude desse temor,
no quer valer-se da proteo desse pas, ou que, se no tem nacio-
nalidade e se encontra fora do pas no qual tinha sua residncia ha-
bitual, no pode ou, devido ao referido temor, no quer voltar a ele
16
.
Assim sendo, o debate intenso acerca da defnio do termo es-
taria simplesmente obscurecendo o real problema do sistema de
proteo dos aptridas (WAAS, 2008). Este problema ser sinali-
zado na subseo seguinte.
3.2. O Direito Internacional
Dois dispositivos foram produzidos com o intuito explcito de li-
dar com o problema da apatridia: a Conveno de 1954 sobre o
Estatuto dos Aptridas, e a Conveno de 1961 para a Reduo
dos Casos de Apatridia. A Conveno de 1954 estabelece o con-
ceito legal de aptrida, e serve fnalidade de prover proteo
temporria aos indivduos que nele se enquadrarem. Por sua vez,
a Conveno de 1961 visa ao estabelecimento de medidas que re-
duzam a incidncia de apatridia (ACNUR, 2010a; 2010b). Alm
disso, diversos outros dispositivos de Direitos Humanos podem
ser invocados em prol da proteo dos aptridas.
A Conveno de 1954 tem por base o princpio simples de
que um aptrida deve receber tratamento ao menos to favorvel
como aquele dispensado a um estrangeiro possuidor de (alguma)
nacionalidade. Contudo, a situao especial de vulnerabilidade
de que padecem os aptridas justifca direitos especiais, nomea-
damente assistncia administrativa (Artigo 25) e a documentos
de identidade e viagem (Artigos 27 e 28). Alm disso, o docu-
mento estipula que um tratamento ao menos to favorvel como
o acordado aos nacionais deve ser dado aos aptridas com relao
liberdade religiosa (Artigo 4) e educao pblica (Artigo 22).
A Conveno de 1961 visa diminuio da incidncia de
apatridia. Nesse sentido, suas provises so aplicveis a casos em
que o indivduo seria, de outra forma, privado de sua naciona-
16
Cabe ressaltar que o Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados (AGNU,
1967) removeu as restries espaciais e temporais contidas na defnio original da
Conveno de 1951.
425 424
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
lidade (ACNUR, 2010a). O documento dispe em quatro frentes,
quais sejam, i) a preveno da apatridia entre crianas, ii) em vir-
tude de perda ou renncia de nacionalidade, iii) por revogao
de nacionalidade e iv) por sucesso estatal. Os quatro primeiros
Artigos prescrevem aos Estados Contratantes a concesso de na-
cionalidade a toda criana (que, de outra forma, seria aptrida)
nascida em seu territrio ou que tenha algum elo de parentesco
com um nacional. Crianas abandonadas no territrio devem au-
tomaticamente ser reconhecidas como nacionais (Artigo 2).
Os Artigos 5 a 7 dispem sobre a reduo da apatridia em
estgios posteriores da vida, proibindo a renncia nacionali-
dade sem que se haja adquirido uma segunda. A revogao da
nacionalidade vedada a todos os Estados Contratantes, exceto
sob condies especfcas dispostas no Artigo 8, sendo proibida
sua revogao arbitrria sob pretextos raciais, tnicos, religiosos
ou polticos (Artigo 9). Finalmente, dispe-se que, em casos de
transferncia de territrio de um Estado a outro, as partes envol-
vidas devem tomar os procedimentos cabveis para que os trata-
dos frmados entre si no resultem em apatridia. Na ausncia de
tais tratados, prescreve-se a concesso de cidadania a todos os
residentes do territrio em questo (Artigo 10) (ACNUR, 2010a).
Tambm outros dispositivos de Direitos Humanos integram
o regime de proteo aos aptridas; de fato, o direito naciona-
lidade estendido a todos os indivduos no corpo da Declarao
Universal dos Direitos Humanos (AGNU, 1948, Artigo 15), no
mesmo artigo que probe a revogao arbitrria de nacionalida-
de. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos (AGNU,
1966) declara que toda criana, independente de raa, cor, sexo,
lngua, religio, origem nacional ou social, propriedade ou nas-
cimento tem o direito nacionalidade, devendo ser registrada
imediatamente aps o nascimento (Artigo 24); alm disso, dis-
pe que no-cidados s podem ser extraditados em observn-
cia lei, tornando indispensvel a prerrogativa de contestao
da deciso junto a uma autoridade competente (Artigo 13). A
Conveno Internacional sobre a Eliminao de Todas as Formas
de Discriminao Racial (AGNU, 1965), consoante Declarao
Universal, proclama a inalienabilidade do direito nacionalida-
de, independente de qualquer forma de discriminao (Artigo 5).
Muitos outros direitos relevantes poderiam ser destacados, no
sendo a lista acima exaustiva.
Tomados em conjunto, ento, as Convenes de 1954 e de
1961 e o regime de Direitos Humanos fornecem um framework
relativamente satisfatrio e abrangente para a proteo dos direi-
tos dos aptridas (WAAS, 2008), dentro dos limites evidenciados
pela discusso empreendida na segunda seo deste artigo. Que
a questo da apatridia no tenha sido sanada, ento, sugere que o
problema estaria na aplicao dessas normas.
3.3. A ocorrncia do fenmeno
Sob a luz do que j foi exposto, faz-se necessrio elucidar a im-
portante questo sobre como um indivduo pode perder sua na-
cionalidade, ou mesmo no chegar sequer a adquirir uma. Nesse
ponto, importante distinguir causas tcnicas das demais possi-
bilidades de carter mais claramente poltico. Causas tcnicas
recebem este nome por decorrerem, via de regra, do procedimen-
to padro prescrito pela legislao de nacionalidade de um deter-
minado Estado, ou da interao entre as normas de dois ou mais
Estados (WAAS, 2008).
Uma causa tcnica de apatridia derivada do confito ne-
gativo entre concepes de cidadania pautadas em jus soli e em
jus sanguinis (WAAS, 2008). A primeira dessas duas categorias
prescreve que a nacionalidade seja concedida a todos aqueles
que nasam no territrio de um determinado Estado; assim, por
exemplo, todo o indivduo que nasce em solo brasileiro automa-
ticamente elegvel cidadania brasileira
17
(BRASIL, 1988). Pelo
contrrio, segundo o jus sanguinis, o pertencimento comuni-
dade determinado por laos de parentesco; dessa forma, para
adquirir cidadania italiana, deve-se apresentar parentesco mais
ou menos prximo a um nacional italiano (ITLIA, 1992). Dito
isso, o problema se torna eminentemente simples: se cidados
de um Estado que privilegia o jus soli tm flhos no territrio de
um pas que opta pelo jus sanguinis, as crianas so, a princpio,
aptridas (WAAS, 2008).
Outras causas tcnicas de apatridia, relacionadas ao jus san-
guinis, podem ser condicionadas por legislao sensvel ao gne-
ro casos frequentes no norte africano, no Oriente Mdio e na
sia , por exemplo, quando a nacionalidade s pode ser trans-
mitida do pai ao flho, ou quando a nacionalidade da mulher que
se casa com um estrangeiro revogada em favor da do marido
(BLITZ, 2009). O nus tambm pode recair sobre bebs cuja as-
cendncia paterna no possa ser determinada, condio que
17
A Constituio brasileira prev a concesso de nacionalidade tanto pelo jus soli
como pelo jus sanguinis. Tanto flhos de brasileiros no exterior como crianas nasci-
das em territrio brasileiro podem adquirir a nacionalidade.
427 426
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
tambm pode ser estendida a crianas abandonadas, cuja situa-
o ainda mais vulnervel. Mais ainda, a aplicao do princpio
do jus sanguinis pode tornar a apatridia uma condio herdada,
passada adiante at que a aquisio posterior de cidadania seja
possvel (WAAS, 2008).
No se deve subestimar a infuncia das causas tcnicas com
relao ao surgimento da apatridia. Contudo, h formas mui-
to mais confituosas para a manifestao desse fenmeno, tais
como a revogao arbitrria
18
de nacionalidade, e situaes de
transio estatal. Confitos relativos nacionalidade, nesses ca-
sos, podem estar inseridos em quadros polticos muito instveis.
Um exemplo o caso dos anos subsequentes dissoluo da
URSS, que mergulharam o leste europeu em confitos tnico-na-
cionalistas, em que a atribuio de cidadania teve um papel de
relevo (BLITZ; LYNCH, 2009). Assim tambm sucedeu na Alema-
nha nazista, que se valeu de legislao discriminatria de forma a
revogar a cidadania da populao judaica (BLITZ; LYNCH, 2009).
Nesse sentido, critrios indevidos podem ser empregados
para a atribuio de nacionalidade, resultando na recusa da cida-
dania a alguns grupos, notadamente raciais
19
, em desacordo com
padres internacionais. Estados tm amplos poderes no tocante
determinao dos critrios segundo os quais se decide quem
deve ou no integr-los; de fato, qualquer comunidade deve ter
fronteiras sufcientemente claras entre membros e no-membros.
No entanto, so necessrios limites razoveis segundo os quais se
possa defnir se uma prtica de diferenciao chega a confgurar
discriminao, haja vista o fato de que a proibio de discrimi-
nao racial j encarada como jus cogens
20
. Nesse ponto, contu-
do, diferentes respostas poderiam ser obtidas, no havendo um
consenso claramente discernvel sobre o que inequivocamente
confgura discriminao
21
(WAAS, 2008).
Situaes de transio estatal quando um Estado deixa de
existir, sendo substitudo por outro, ou dando origem a mltiplos
outros Estados, tendo seu territrio anexado por outro, etc. tam-
bm so potenciais causadoras de perda massiva de nacionalida-
de. Muito do que j foi dito se aplica tambm aqui. Contudo, certos
elementos so nicos a tais eventos, considerando-se a situao
geralmente conturbada que os acompanha. Quando do nasci-
mento de um novo Estado, deve-se conferir cidadania de alguma
forma, geralmente escolhidas dentre trs opes: nacionalidade
prvia, jurisdio territorial e etnicidade (WAAS, 2008). evidente
que cada uma delas tem seus prprios problemas; por exemplo,
em casos em que h mais de um Estado sucessor, no imediata-
mente claro qual dos dois novos Estados deve se responsabilizar
por determinada parte dos cidados do Estado predecessor. Mais
ainda, a prpria validade de tratados assinados pelos Estados
predecessores pode ser controversa, afnal, estritamente falando,
Estados sucessores no assinaram quaisquer dispositivos interna-
cionais que possam constranger sua conduta (WAAS, 2008).
Finalmente, possvel identifcar crescente debate e nfase
em formas novas de apatridia, em especial derivadas da preca-
riedade da documentao de grupos fragilizados. Nesse sentido,
o registro insatisfatrio de nascimentos e casamentos vem sendo
identifcado como um potencial vetor de apatridia (BLITZ, 2009).
Alm disso, questes relativas migrao tm tambm vindo a
foro, em especial no tocante imigrao ilegal. O recrudesci-
mento das difculdades associadas aquisio de cidadania para
migrantes, associado aos crescentes fuxos migratrios legais e
ilegais apresenta srios problemas para a poltica de nacionalida-
de dos pases receptores (INTERNATIONAL MIGRATION INSTI-
TUTE, 2006). Questes como a do trfco de pessoas e situaes
envolvendo grandes nmeros de refugiados e sua correlao
com a apatridia tambm vm sendo exploradas na literatura e
na redao de novos dispositivos legais (WAAS, 2008).
3.4. A realidade da proteo aos aptridas
Os obstculos aplicao plena do regime de proteo dos aptri-
das comeam na baixa ratifcao das Convenes de 1954 e 1961.
Como referido acima, apenas 76 pases ratifcaram a primeira, e
18
Para a considerao deste conceito sob a ptica aqui empregada, necessrio divi-
di-lo em duas dimenses: com relao atribuio ou revogao de nacionalidade,
arbitrrio todo o ato, perpetrado por um Estado, que contrarie o funcionamento or-
dinrio de sua lei, e tambm todo o ato justifcado em termos ilegitimamente discri-
minatrios (WAAS, 2008). Deve-se ressaltar que, sob determinadas condies como,
por exemplo, por motivos de segurana nacional uma ao que, de outra forma, se-
ria arbitrria, pode ser considerada legtima.
19
O termo racial entendido, aqui, conforme o signifcado apresentado pela Con-
veno Internacional sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial,
de 1965, segundo a qual o termo se aplica a raa, cor, descendncia ou origem nacio-
nal ou tnica (AGNU, 1965, Art. 1).
20
Jus cogens, no direito internacional, so normas reconhecidas pela comunidade in-
ternacional como peremptrias, das quais nenhuma derrogao permitida (ONU,
1969, Artigo 53).
21
Uma opinio pode ser buscada no veredito da Corte Interamericana de Direitos
Humanos no caso Yean e Bosico vs. Repblica Dominicana (CORTE INTERAMERICA-
NA DE DIREITOS HUMANOS [CIDH], 2005), em que o juiz Canado Trindade, em
opinio separada, argumenta que decises dos Estados em matria de nacionalidade
devem ser reguladas por padres internacionais, para os quais o regime dos Direitos
Humanos muito tem contribudo.
429 428
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
48 a segunda. Alm disso, como se pode constatar pela exposio
anterior, a legislao pertinente bastante dispersa, sendo neces-
srio o recurso a uma srie de documentos para se ter uma viso
mais ou menos clara dos direitos que devem ser estendidos aos
aptridas (tomando em conjunto os dois dispositivos que versam
diretamente sobre os aptridas e o regime de Direitos Humanos
compreendido em sua totalidade). Como caracterstico dos Di-
reitos Humanos, grande parte das regras enunciada de forma
ampla, do que decorre tambm a necessidade de buscar inter-
pretaes aos rgos supervisores da aplicao dos tratados per-
tinentes, o que torna claro que os aptridas tm um grande pro-
blema no fato de que as Convenes de 1954 e 1961 no dispem
de um corpo supervisor (BLITZ; LYNCH, 2009)
O ACNUR tem mandato universal sobre questes relativas
apatridia, mas, se a agncia no dispe da capacidade operacio-
nal para se envolver sempre que necessrio (LOESCHER, 2001),
tampouco tem um processo formalizado para a superviso e apli-
cao plena da Conveno de 1954 (BLITZ; LYNCH, 2009). Ade-
mais, essa instituio tem se desenvolvido no sentido de suprir a
necessidade de um mecanismo de resposta imediata e localizada
a crises humanitrias, principalmente provendo auxlio mate-
rial aos afetados (LOESCHER, 2001). A evidncia, ento, sugere
que o curso que a agncia tem seguido no aponta no sentido de
uma melhora no regime de proteo aos aptridas, que acaba por
ceder espao aos mais politicamente urgentes refugiados; evi-
dncia para tal argumento o pequeno nmero de funcionrios
dedicados apatridia no mbito do ACNUR, alm do baixo f-
nanciamento em comparao s outras atividades da instituio
(SOUTHWICK; LYNCH, 2009).
Mesmo que se ignorem os obstculos enumerados acima, ain-
da seria necessrio reconhecer que o processo segundo o qual se
determina a validade do pedido de proteo de um suposto ap-
trida intrinsecamente complexo. O ACNUR (2005) prescreve que,
de forma a determinar que um indivduo aptrida, os Estados
envolvidos se consultem com vistas a obter evidncia documental
de que o indivduo em questo de fato no possua nacionalida-
de ou uma pretenso vlida a nacionalidade sob a legislao de
algum dos pases com que possua vnculos anteriormente. Na
ausncia de tal evidncia, a agncia recomenda que a indisposi-
o do Estado questionado em fornecer documentao seja vista
como evidncia porm no conclusiva em si de apatridia.
A prtica, contudo, sugere que a aplicao das recomendaes
do ACNUR no to simples. Dolidze (2011), por exemplo, comen-
tando sobre decises da Corte Europeia de Direitos Humanos, reco-
nhece trs grandes problemas na abordagem do tribunal em casos
que envolvem o problema da apatridia. O primeiro deles a falta de
princpios claros e explcitos para o reconhecimento do fenmeno;
a corte no teria desenvolvido um critrio consistente segundo o
qual identifc-lo, por vezes mesmo sendo forada, por isso, a igno-
rar evidncia factual importante. Segundo, os aptridas tm desvan-
tagens no tocante possibilidade de interveno de uma terceira
parte, prtica utilizada por Estados para auxiliar indiretamente nos
litgios de seus cidados. Finalmente, h problemas com relao ao
tempo e aos custos dos litgios, o que pode ser particularmente im-
peditivo para os aptridas, cuja condio socioeconmica , geral-
mente, desprivilegiada. Muito do que dito sobre a Corte Europeia
pode ser estendido a instituies anlogas, integrando a j extensa
lista de problemas enfrentados pelos aptridas.
4. ESTUDOS DE CASO
A presente seo abordar dois estudos de caso, quais sejam, a
situao dos Palestinos no Oriente Mdio e a dos Roma no mbito
europeu. O status dos palestinos particularmente complexo. Sua
disperso pelo Oriente Mdio aps a criao do Estado de Israel
leva a que suas situaes adquiram caractersticas diferentes de
acordo com sua localizao. O mandato para a proteo dos refu-
giados palestinos foi concedido Agncia das Naes Unidas de
Assistncia aos Refugiados da Palestina no Oriente Prximo (UN-
RWA), e os indivduos sob a proteo desta agncia se tornaram
uma categoria jurdica distinta (SOUTHWYCK; LYNCH, 2009).
Assim, cr-se que os palestinos apresentem um caso de ampla re-
vogao de nacionalidade, tanto por transio estatal como por
subsequente discriminao na concesso de cidadania israelense.
A escolha dos Roma, por sua vez, pareceu natural, visto que
eles constituem o maior grupo de aptridas dentre os estimados
679.000 presentes na Europa (SOUTHWYCK; LYNCH, 2009). Seus
problemas so agravados tanto por fatores estruturais, como por
fatores polticos. Sobre os primeiros, muitos pases europeus apre-
sentam tendncias xenofbicas contra o povo cigano, contribuindo
para sua marginalizao socioeconmica e obstando ao usufruto
de seus direitos. Quanto aos segundos, a desintegrao de Estados
como a Tchecoslovquia parece ter vedado o acesso cidadania a
grande nmero de ciganos (SOUTHWYCK; LYNCH, 2009).
Com isso em vista, os estudos de caso se propem, ademais, a
esclarecer questes relativas apatridia sob uma tica mais objetiva.
431 430
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
4.1. O caso dos Palestinos
4.1.1. O histrico da regio
A questo palestina perdura desde meados do sculo XX, chegan-
do ao sculo XXI sem solues efetivas. Suas origens associam-se
inerentemente s identidades fundadas sobre as religies judaica
e islmica. A confgurao atual foi dada aps a Segunda Guerra
Mundial e os problemas abordados esto intrinsecamente ligados
criao do Estado de Israel em 1948 (SAHD, 2012). poca do
fm do confito mundial, grande parte dos judeus europeus eram
aptridas (MASHBERG, 1977), e a criao do Estado de Israel foi a
forma encontrada para solucionar tal situao. Todavia, a medida
resultou em uma nova categoria de refugiados: os palestinos que vi-
viam naquelas terras, somando cerca de 800 mil pessoas ao nmero
dos que j no possuam Estado ou direitos (ARENDT, 1962[1951]).
As tentativas de criao do Estado palestino vm, desde ento,
gerando problemas com a progressiva ocupao de territrios pa-
lestinos como Cisjordnia e Faixa de Gaza
22
. Em 1994, foi assinado
entre a OLP e o Estado de Israel o Acordo de Oslo I, o primeiro do
que viria a ser um plano de paz em etapas que visava criao de
um Estado palestino autnomo, com governo tambm prprio. O
plano de paz, contudo, desmoronou com o assassinato do primei-
ro-ministro israelense em 1994 (DEMANT, 2002).
O confito vem sendo perpetuado por geraes e se relaciona
intrinsecamente questo do nacionalismo. Os palestinos tm
seus laos nacionais ligados a um passado comum e sua terra
de origem (KHALIL, 2007). A retirada de seu vnculo legal a sua
terra evoca a identidade e a luta comum por sua retomada. Na-
bulsi (2003) assevera que a nao palestina mais que uma rela-
o cultural, lingustica, histrica e tnica. A luta empreendida em
torno da questo territorial e a subsequente condio de apatridia
faz com que os palestinos que se tornaram refugiados aps 1948
unam-se no desejo comum de poderem retornar terra que tm
como sua e onde so enraizados historicamente.
Os palestinos aptridas vivem em condio degradante em di-
versos mbitos, desde a ausncia de documentos at as condies
precrias dos campos de refugiados. Tais condies alimentam o
ciclo de violncia e dio, que tem como exemplo a ao de grupos
terroristas. Um caso de expresso internacional o Hamas
23
que,
desde seu estabelecimento, tem associado suas aes histria,
smbolos e mitos da luta nacional palestina (MISHAL; SELA, 2006,
apud ABURAYA, 2009, p.63).
Os palestinos tornaram-se no somente aptridas, como tam-
bm refugiados. O refugiado palestino caracterizado pela UN-
RWA como o indivduo (e tambm seus descendentes) que habi-
tava a Palestina entre junho de 1946 e maio de 1948 e perdeu sua
residncia devido ao confito de 1948, sendo compulsoriamente
removido de suas terras (UNRWA, 2012). J o status de aptri-
da foi atribudo comunidade palestina, pois, segundo Shiblak
(2006, p. 8, traduo nossa), em desafo ao direito internacional,
Israel considerou os palestinos habitantes de seu territrio como
no-cidados/estrangeiros, assim como o fez aos que estavam
fora, e que no puderam regressar.
Os palestinos refugiaram-se, ento, em campos pela Faixa
de Gaza e por diversos pases, como Jordnia, Lbano e Sria. So,
hoje em dia, aproximadamente 7,5 milhes de palestinos espa-
lhados pelo mundo (UNRWA, 2012). Passaram a viver sob a juris-
dio de diversos Estados, no sendo, na maioria dos casos, equi-
parados aos nativos do pas que os recebe ou seja, no possuem
os direitos bsicos dados aos cidados nacionais.
Segundo Al Russeini e Bocco (2010) a questo do direito de
retorno vem sendo trabalhada, fazendo com que a maioria dos
pases do Oriente Mdio conceda documentos de viagem aos pa-
lestinos que vivem sob suas leis para que possam se locomover
entre pases e/ou retornar aos territrios palestinos. Alm da
questo da mobilidade, a grande polmica em torno do citado di-
reito evoca a discusso acerca da criao de um Estado palestino
e da partilha de terras com Israel (DEMANT, 2002).
Nas localidades em que se encontram, visivelmente discre-
pante a situao dos palestinos em relao aos cidados nacio-
nais, especialmente no que tange a direitos como emprego, ha-
bitao e educao. Algumas melhoras vm ocorrendo, uma vez
que, em pases como o Lbano, os palestinos chegam a ser 10%
da populao total e j h algo como a concesso de cidadania
temporria o que, ainda assim, no garante uma equiparao
de direitos bsicos. clara a discriminao socioeconmica aos
palestinos, uma vez que estes sequer podem participar efetiva-
mente da vida poltica dos locais nos quais vivem. Os problemas
mais citados pelos refugiados incluem a situao de pobreza (que
chega a ser apontada como maior problema por 22% da popula-
22
Desde 1923 a regio da palestina estava sob o mandato britnico. Os mandatos
eram uma estratgia poltica da poca que buscava auxiliar a transio das colnias
independncia (GOMES, 2001).
23
Hamas: organizao de origem palestina. um misto de partido poltico, grupo ar-
mado e entidade de flantropia. Sua ideologia se apropria de elementos histricos da
identidade nacional palestina, associando religio e nacionalismo no curso de suas
aes (MISHAL, SELA, 2006).
433 432
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
o palestina na Cisjordnia), desemprego (33% no Lbano) e dis-
criminao social (mencionada por 28% dos que se encontram
na Cisjordnia) (AL RUSSEINI; BOCCO, 2010).
Em contextos, como mostrado acima, em que h uma neces-
sidade de proteo e afrmao de direitos, atua a UNRWA cria-
da em 1950. Seus objetivos incluem a promoo da assistncia,
proteo e advocacia para aproximadamente cinco milhes de
palestinos espalhados pela Jordnia, Lbano, Sria, Faixa de Gaza
e no prprio territrio palestino. A agncia prov assistncia aos
refugiados, resguardando direitos fundamentais como a alimen-
tao e trabalhando aspectos pontuais como a criao de postos
de trabalho, assistncia fnanceira e reconstruo de moradias
(UNRWA, 2012). Alm disso, tambm fornece aos palestinos car-
tes de registro o nico documento ofcial que evidencia seu
status de refugiados e aptridas. A UNRWA tambm tem prioriza-
do a promoo da educao e fomentado projetos de melhoria da
agricultura, benefciando diversos segmentos das comunidades
de palestinos (ROSENFELD, 2009).
4.1.2. A institucionalizao da apatridia
A situao dos palestinos juridicamente complexa, haja vista que,
nos pases onde se refugiam, vivem sob limbos legais. No haven-
do uma jurisdio prpria, esto entre as leis locais e a sua prpria
situao de refugiados. Essa lacuna no tratamento dos aptridas
reduz ainda mais sua condio, j que, na prtica, se encontram
desprotegidos at mesmo pelo Direito Internacional. Este fato de-
corre de uma difculdade inerente de classifcao legal e de sua
condio jurdica pouco discutida no cenrio internacional.
necessrio que essas lacunas legislativas sejam identifcadas para
que seu combate seja mais efetivo e funcional (WAAS, 2010).
Um novo fator que vem sendo posto em pauta sobre a condi-
o do aptrida palestino est relacionado postura do Estado de
Israel, que parece tentar institucionalizar tal condio. Esta insti-
tucionalizao consiste na implementao de leis que tendem
marginalizao legal do palestino. Isto refetido em casos como
a revogao do direito de residncia em Jerusalm. Como Jeferis
(2012) afrma, frequentemente a residncia permanente em Isra-
el a nica ligao legal entre os moradores palestinos do leste de
Jerusalm e o Estado. Um exemplo dessa revogao que reverbe-
rou na comunidade internacional foi a expulso, em 2009, de 50
palestinos de suas casas para que fossem ocupadas por judeus
que chegavam ao Estado de Israel (PALESTINOS..., 2009).
Quando suas moradias so revogadas, os palestinos so for-
ados a viver como aptridas em reas onde existem campos de
refugiados como Cisjordnia e Gaza, dado que seu nico vnculo
legal com o Estado de Israel revogado. Os indicadores sociais
globais, como o IDH, refetem a marginalizao, como visto no
fato de Israel apresentar o dcimo stimo melhor IDH no mundo
(0,939), contra o centsimo dcimo quarto da Palestina (0,750)
(PNUD, 2011), demonstrando a disparidade entre os dois. Assim,
j em condio socioeconmica inferior, a situao palestina re-
forada com a prtica dos tribunais israelenses de expuls-los do
Estado (JEFFERIS, 2012).
4.1.3. Benefcios recentes perante a comunidade internacional
Em 30 de novembro de 2012 a Palestina foi reconhecida pela
ONU como Estado no membro observador. Seu status anterior
era de entidade no membro observador (ARIOSTO; PEARSON,
2012). Mesmo sem poder de voto, os palestinos agora tm maior
chance de integrar agncias da ONU, e acesso ao Tribunal Penal
Internacional junto ao qual poderiam demandar uma investiga-
o processual sobre a ocupao israelense, que levou ao xodo
do povo palestino h mais de 60 anos (Q&A..., 2012).
Mesmo com toda a tenso gerada na comunidade internacio-
nal, em especial pelo posicionamento no favorvel dos Estados
Unidos e de Israel, o novo status traz uma perspectiva otimista
aos palestinos. Os passos at o seu reconhecimento esto sendo
dados, mesmo que o confito israelo-palestino esteja longe do fm
(DEMANT, 2002), e isso pode se refetir em melhoras na vida da
populao aptrida especialmente os que vivem em campos de
refugiados , uma vez que a possvel criao de um Estado reco-
nhecido e legtimo permitiria aos palestinos o usufruto dos bene-
fcios da cidadania.
Ainda assim, pode-se concluir que a conjuntura palestina
adensada com o passar dos anos e, vista a atual no vinculao a
um Estado, o status de aptridas do povo palestino dever perma-
necer pelas novas geraes. A renovada abertura que a comuni-
dade internacional tem mostrado com relao ao assunto apon-
ta para melhorias, mas a continuidade do processo pressupe o
prolongado dilogo entre as partes envolvidas.
4.2. O caso dos ciganos na Europa
4.2.1. Abordagem histrica
A dissoluo do Imprio Otomano em 1923 (MILLS; REILLY;
PHILLIOU, 2011) culminou em centenas de milhares de novos
aptridas na Europa, por difculdades dos novos Estados na realo-
435 434
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
cao e reconhecimento das minorias. Dentre os povos subordi-
nados ao Imprio Otomano na Europa ocidental, havia minorias
que desfrutavam de direitos civis sob status semelhante ao de ou-
tros povos desde o sculo XV, como os ciganos (MARUSHIAKO-
VA; VESSELIN, 2004). A posterior sucesso estatal agravou dras-
ticamente a apatridia na regio, legando a milhes de europeus a
ausncia de cidadania e a invisibilidade perante a lei dos novos
pases (DEDIC, 2007).
A quantidade de pessoas nascidas na Europa que sofrem
com tal fenmeno da apatridia cresceu novamente e de forma
signifcativa aps o fm da Unio Sovitica (URSS) e a posterior
constituio de novos Estados. A desintegrao da Tchecoslov-
quia e da Iugoslvia, por exemplo, difcultou o acesso cidadania
para aqueles que fcaram do lado errado de uma nova fronteira
(GOLDSTON, 2006, p. 326, traduo nossa). Os indivduos afeta-
dos pela apatridia o so principalmente devido a leis que versam
sobre o direito nacionalidade a partir de princpios restritivos
de pertencimento nacional, como ocorre pelo jus sanguinis. Des-
ta forma, estariam sendo ignorados possveis laos efetivos de
alguns residentes com o Estado tais como a residncia continu-
ada (DEDIC, 2007).
Um dos grupos que em parte permanece sem haver logra-
do reconhecimento nacional no continente europeu o povo
Roma
24
, cuja origem na Europa estimada por volta de 1100 d.C
(LIGEOIS, 2007). Este povo formado por uma srie de etnias
com seus prprios rituais e caractersticas lingusticas, religio-
sas, fenotpicas e culturais semelhantes. Constituem um grupo
bastante diverso, disperso ao redor do mundo e na Europa (MA-
RUSHIAKOVA; VESSELIN, 2004, p. 81), adepto do comrcio e do
trabalho autnomo (CAHN; SKENDEROVSKA, 2008, p. 9).
Indivduos Roma j obtiveram cidadania em diversos Esta-
dos europeus. Contudo, no possuem local fxo no continente,
em parte por muitos deles serem nmades. Unindo este fator a
outros como a resistncia das pessoas em se autoclassifcarem
como Roma, s existem estatsticas aproximadas com relao ao
povo romani europeu (RINGOLD; ORENSTEIN; WILKENS, 2005;
TANNER, 2005). Estima-se que constituam populao de cerca
de sete a nove milhes na Europa, encontrando-se majoritaria-
mente nos pases do leste europeu (BREARLEY, 2001)
25
. Cr-se
em um possvel aumento nas porcentagens, devido maior taxa
de natalidade observada entre os ciganos (RINGOLD; ORENS-
TEIN; WILKENS, 2005).
As legislaes nacionais podem desempenhar um papel fun-
damental na propagao de casos de apatridia. Em Estados como
Itlia e Alemanha, por exemplo, assim como em pases forma-
dos aps o fm da Guerra Fria, como a Crocia, o direito regente
o jus sanguinis, de forma que os Roma, apesar de nascidos no
pas, no podem obter cidadania seno por meio da naturaliza-
o (DEDIC, 2007). Em outras palavras, difcultada a defnio
da nacionalidade que uma criana Roma nascida nesses pases
pode reivindicar. Muitos Roma estabelecidos na Alemanha h
bastante tempo, alm da condio de aptridas, permanecem
com status equivalente a tolerados (duldung), precisando reno-
var permisso de permanncia no pas com frequncia (CAHN;
SKENDEROVSKA, 2008).
4.2.2. Iniciativas de incluso social e reduo de ndices de apatridia
importante enfatizar a situao na qual se encontram os ciga-
nos europeus, pois apesar de deverem estar sob a proteo da
Unio Europeia (UE), sofrem acentuada negligncia (BREARLEY,
2001). A realidade dos Roma caracterizada pela signifcativa
fragilidade legal qual esto submetidos. Eles so tambm alvo
de estigmas e preconceito em virtude da crena de habitantes
de muitos pases de que eles constituem um povo delinquente,
iletrado e mentalmente inferior. Isto culmina em ndices socio-
econmicos consistentemente baixos em relao s populaes
nativas (BREARLEY, 2001; LIGEOIS, 2007).
Elucidar as razes pelas quais muitos Roma so aptridas
uma tarefa complexa por estar condicionada por fatores socioe-
conmicos. Por exemplo, a ausncia de recursos para tratamento
mdico resulta em partos realizados em casa, sem certido de
nascimento (JANIASHVILI et al., 2003) em virtude da burocra-
cia e das taxas para se registrar uma criana. Tambm complica
o quadro a possibilidade de seus ascendentes serem aptridas,
sem documentao (CONSELHO EUROPEU, 2012). Esta situao
torna crianas e adultos ciganos mais suscetveis de se tornarem
24
A prpria defnio Roma dotada de variantes, pois h cerca de trs categorias
de ciganos, a saber: os Roma, subdivididos em Kalderash, Matchuaia, Lovara e Cura-
ra, dentre outros; os Sinti, e os Caln (MAIA, 2009). Dentre as muitas nomenclaturas,
costumam ser genericamente classifcados como Roma, ou ciganos, termo este que
signifcava intocveis (LIGEOIS, 2007, p.17-18).
25
Estima-se a existncia de um a dois milhes de ciganos na Romnia, e de 400.000 a
um milho na Hungria, Srvia, Montenegro, Turquia, Eslovquia e Bulgria. Na Eu-
ropa ocidental, a maior quantidade de ciganos se encontra na Espanha (aproxima-
damente 630 mil), Frana (310 mil), Itlia (130 mil) e Alemanha (70 mil) (RINGOLD;
ORENSTEIN; WILKENS, 2005).
437 436
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
vtimas do trfco de pessoas e de violaes polticas e civis (JA-
NIASHVILI et al., 2003, p. 10, traduo nossa).
Barany (2002) menciona os Roma como tendo sido mar-
ginalizados em seus direitos civis, polticos e sociais desde sua
chegada Europa, a despeito do tipo de regime poltico. Muitos
Roma, por no possurem documentos de identifcao, so fre-
quentemente alvo de violaes de direitos humanos perpetradas
por pases com o intuito de impeli-los a sarem voluntariamen-
te do territrio. Cahn e Guild (2010) mencionam o engajamento
de autoridades italianas em evacuaes foradas de indivduos
Roma de seus lares, em contraveno com a lei internacional,
bem como envolvendo destruio de propriedade. Em alguns ca-
sos, assentamentos inteiros foram destrudos, e seus habitantes
deixados na rua (CAHN; GUILD, 2010, p.7, traduo nossa).
Tentativas de governos de repatriao dos ciganos agravam
sua condio e os tornam tambm refugiados, alm da apatridia
que j os priva da garantia de seus direitos cidadania (CON-
SELHO EUROPEU, 2012). O Comissrio para Direitos Humanos
do Conselho Europeu sugeriu que os recursos utilizados pelos
membros da UE para repatriar os Roma que so cidados da UE
seriam mais bem gastos facilitando sua incluso social (CONSE-
LHO EUROPEU, 2012, p.26, traduo nossa).
Cr-se que a mais promissora das iniciativas seja a Dcada
da Incluso Roma, lanada em 2005 por diversas instituies
26
,
bem como governos de doze pases
27
. Visa reduo da pobreza,
implementao de leis antidiscriminatrias, integrao esco-
lar e a melhorias na qualidade de vida dos Roma. Conforme re-
latrio divulgado em 2009, o maior avano da Dcada dos Roma
at hoje a empreitada de criar uma European Roma Policy, uma
tentativa de elaborao de uma abordagem comum europeia no
combate excluso romani (DECADE WATCH, 2010).
Ademais, o mandato do ACNUR abrange a categoria dos ap-
tridas e diversas iniciativas tm sido tomadas a fm de promover
maior incluso e dignidade aos ciganos. Uma das principais aes
da agncia o dilogo com Estados em que h indivduos sem
documentao e sem reconhecimento. Tal atuao mediadora do
ACNUR pode ser exemplifcada por um caso na Bsnia e Herze-
govina, no qual um indivduo Roma aptrida pde, por causa de
propriedade que possua, residir no pas legalmente, pleiteando
residncia temporria anualmente, at que aps trs anos pudes-
se requerer cidadania bsnia (ANSBRO; HODZA, 2011).
Hammarberg (2009), ademais, ressalta que a Conveno Eu-
ropeia sobre a Nacionalidade (CONSELHO EUROPEU, 1997) e a
Conveno sobre a Preveno da Apatridia Relacionada com a
Sucesso de Estados do Conselho Europeu (2006) traam impor-
tantes medidas aos Estados, como a obrigao de evitar a apa-
tridia no contexto de sucesso estatal e a obrigao de fornecer
nacionalidade a crianas nascidas em seus territrios e que no
tenham outra nacionalidade ao nascer.
4.2.3. Impasses ao reconhecimento legal
Cr-se que o discurso xenfobo e de dio contra os Roma , em
parte, originado pelas ideias nacionalistas, intensifcadas por di-
fculdades econmicas (BREARLEY, 2001). Os Roma, facilmente
passveis de serem distinguidos por suas caractersticas peculia-
res em relao a demais europeus, sofrem com o forte estigma
e sentimento de repdio por parte dos no Roma. Tal situao
se torna mais alarmante com o agravamento da marginalizao
e pobreza extrema dos ciganos desde que a crise econmica de
2008 afetou a Europa, o que possivelmente resultou em maior re-
sistncia por parte desses pases concesso de cidadania a gru-
pos minoritrios (CONSELHO EUROPEU, 2012).
Mesmo assim, na Romnia, assim como em cinco outros pa-
ses da Unio Europeia (Alemanha, Reino Unido, Hungria, Polnia
e Eslovquia), o povo romani j foi reconhecido legalmente como
uma minoria tnica distinta (BARTLETT; BENINI; GORDON,
2011). Ainda assim, no Estado romeno, os Roma so trs vezes
mais pobres que os demais habitantes, tm baixa expectativa de
vida e, em algumas reas do pas, nveis de desemprego de 100%
(MILJANIC; ZARETSKY, 2010). relevante, tambm, a Diretiva
da Unio Europeia em Igualdade Racial (CONSELHO EUROPEU,
2000), que considerada como uma das normas regionais mais
avanadas e detalhadas no combate discriminao.
Contudo, a corrente predominante em polticas europeias
como uma espcie de pr-requisito para concesso de cidadania
a tentativa de assimilao cultura da maioria, que frequente-
mente resulta em excluso e negao de servios aos Roma (RIN-
GOLD; ORENSTEIN; WILKENS, 2005), marginalizando-os ainda
mais (LIGEOIS, 2007). Torna-se perceptvel, ento, a importn-
cia de se considerarem fatores sociais na luta contra a apatridia,
uma vez que direitos reconhecidos legalmente no implicam
26
Dentre elas o Open Society Foundation (OSF), o Programa das Naes Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Mundial e a Unio Europeia.
27
A saber: Albnia, Bsnia e Herzegovina, Bulgria, Crocia, Repblica Checa, Hun-
gria, Macednia, Montenegro, Romnia, Srvia, Eslovquia e Espanha.
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Apatridia e cidadania
necessariamente em direitos respeitados, por ser crucial o reco-
nhecimento social por parte da populao, tal como exposto na
segunda seo deste texto.
Em suma, almeja-se a integrao holstica dos Roma por
meio do combate ao discurso de dio da sociedade (BREARLEY,
2001). Transformaes na esfera social e educacional a partir da
quebra de preconceitos consistiriam em um marco no combate
apatridia do povo romani; o reconhecimento social atuaria como
propulsor da garantia da aplicabilidade dos instrumentos legais.
5. CONCLUSO
O ttulo do presente trabalho, luz do que foi exposto, no po-
deria ser mais adequado. Um aptrida, desprovido de qualquer
forma de reconhecimento legal junto a uma comunidade poltica,
essencialmente invisvel. Muitas vezes, ele ser privado de direi-
tos to elementares na sociedade contempornea como o direito
propriedade, o direito de ir e vir, e o direito participao pol-
tica, alm de no poder usufruir de servios providos pelo Esta-
do, como a educao pblica (BLITZ; LYNCH, 2009). Todas essas
privaes obstam conduo de uma vida digna; como se pode
depreender da segunda seo deste texto, a dignidade, tal como o
termo entendido hoje, pressupe largamente a cidadania.
A premissa dos direitos humanos a de que todo ser huma-
no, por s-lo, digno de respeito. Isso aponta para uma potencial
desnacionalizao dos direitos, afnal, Direitos Humanos devem
ser estendidos a todo o indivduo, independente de este possuir
ou no documentos que atestem o nascimento no territrio de
determinado Estado, ou a fliao a pais pertencentes a uma de-
terminada etnia (GOLDSTON, 2006). O presente trabalho sugere
que essa ideia ainda est longe de ser concretizada.
A trajetria histrica do Ocidente, estendida ao mbito glo-
bal no decorrer das eras moderna e contempornea (BULL, 2002
[1977]), obsta aplicao genuinamente universal dos Direitos
Humanos, pois, ao mesmo tempo em que concebeu a doutrina
do Direito Natural, que possibilitaria conceitualmente os Direi-
tos (universais) do Homem, f-la indissocivel, na prtica, da ins-
tituio do Estado (ARENDT, 1962 [1951]). Este, por sua vez, se
acoplaria mais e mais ideia de nao que, ao menos a partir do
sculo XVIII, tem caracterizado a vida poltica de parcelas cada
vez maiores da humanidade, mesmo que estas no faam recurso
doutrina liberal que, originalmente, estava associada ao concei-
to nao (GREENFELD, 1992).
Assim que, ao mesmo tempo em que o direito nacionali-
dade proclamado em numerosos documentos sendo estes ra-
tifcados por numerosos Estados , comunidades inteiras podem
ser privadas dele, como foi o caso dos palestinos. Assim que, em
virtude da cor da pele, da lngua materna, da religio, podem-se
constatar diversas comunidades historicamente privadas dos di-
reitos mais elementares (SOUTHWYCK; LYNCH, 2009); e assim
que, ainda hoje, sob a legislao de diversos Estados, uma me
no pode passar adiante sua nacionalidade a um flho legtimo
simplesmente pelo fato de ela ser uma mulher e que essa crian-
a pode se tornar aptrida simplesmente por no ter um pai, ou
por seus pais no estarem devidamente registrados como um ca-
sal (BLITZ; LYNCH, 2009).
O abismo entre a legislao cabvel e sua aplicao , aqui,
especialmente grande. Como ressaltado na terceira seo, as-
sim como nos dois estudos de caso, no so poucos os proble-
mas enfrentados pelos aptridas, no s no seu dia-a-dia, como
tambm em seu pleito por fazer valer os direitos garantidos pelos
vrios documentos que declaram ou pressupem o direito
nacionalidade. Despesas impraticveis, ausncia de padres pro-
cedimentais, irrisria ratifcao das Convenes de 1954 e 1961
e mesmo a desobedincia proibio consuetudinria da discri-
minao so fatores que impedem o bom funcionamento do regi-
me de proteo aos aptridas. Em ltima instncia, chega mesmo
a ser surpreendente o fato de que tudo o que impede o reconheci-
mento verdadeiro desses indivduos como os seres humanos que
so um pedao de papel, uma assinatura e um carimbo ofcial.
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447 ESTRATGIAS PARA A
CONSOLIDAO DA DEMOCRACIA
NA LIBRIA E GUIN-BISSAU
Ana Clara de Freitas Ferreira
Kaiutan Venerando Ruiz da Silveira
Mayara Nascimento Cunha
Ricardo Prata Filho
1
14
1. INTRODUO
Criada em 2005, em uma resoluo conjunta do Conselho de Se-
gurana das Naes Unidas (CSNU, 2005) e da Assembleia Geral
das Naes Unidas (AGNU, 2005), a Comisso para Construo
da Paz (CCP) um novo e importante desenvolvimento institu-
cional. Ela , em parte, fruto do aprendizado individual e institu-
cional dentro das Naes Unidas, das suas experincias advindas
dos desafos complexos e inter-relacionados das resolues de
confitos, pacifcao e manuteno da paz ps-confito, reconci-
liao e desenvolvimento (BIERSTEKER, 2007).
Esta Comisso acolhida como o primeiro corpo intergo-
vernamental focado em aes de longo prazo que promovam a
paz sustentvel em pases que se encontram em situao de ps-
-confito. Ela tem como funo preencher um vcuo no sistema
da Organizaes das Naes Unidas (ONU) e se tornar seu ponto
focal nos assuntos relacionados construo da paz dentro deste
sistema (HEEMSKERK, 2007). As linhas gerais de atuao da CCP
so: propor estratgias integradas para construo da paz ps-
-confito e reconstruo; ajudar a garantir fnanciamento para ati-
vidades de reconstruo imediatas e investimentos sustentveis
a mdio prazo de modo que a comunidade internacional dedi-
que-se mais reconstruo ps-confito; e desenvolver melhores
1
Os autores agradecem a colaborao de Pio Penna Filho Doutor em Histria Rela-
es Internacionais pela Universidade de Braslia e atual professor da mesma. Seus
comentrios e sugestes foram de grande ajuda confeco deste trabalho.
449 448
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
prticas sobre questes que exigem extensa colaborao entre
agentes polticos, militares, humanitrios e de desenvolvimento
(AGNU, 2005; CSNU, 2005).
O objetivo deste artigo , portanto, apresentar as operaes
da CCP por meio da democracia como instrumento efetivo para
garantir a consolidao da paz em pases que passaram por con-
fitos armados. Por conseguinte, defende-se o potencial de tais
operaes para garantir a qualidade de vida dos habitantes que
sofrem devido aos estragos causados durante e aps o confito
em questo. Esta meta fm, isto , a garantia da dignidade huma-
na, encontra-se disposta neste livro: Trilhando caminhos para
dignidade humana.
Neste artigo, buscar-se-, ento, demonstrar que a CCP, ain-
da que muito recente, resultado de lies aprendidas. Para tal,
ser demonstrado, na seo 2, o surgimento e desenvolvimento
do conceito de peacebuilding, doravante construo da paz, cul-
minando na criao da CCP (BIERSTEKER, 2007). E mais, ser
analisada a forma como ele se atrela ao conceito de democracia
para que, como ser demonstrado na seo 3, sejam concebidas
estratgias democrticas para a construo da paz.
Na quarta seo sero abordados os casos que intitulam este
artigo. Em primeiro lugar, ser abordado o caso da Libria, con-
siderado um dos sucessos de atuao da Comisso (SECURITY
COUNCIL REPORT, 2008). O segundo caso abordado, a Guin
Bissau, um narcoestado
2
imerso em uma instabilidade pol-
tica crescente, resultando em inmeros golpes de Estado (RIZZI,
2010). O que torna necessria a maior ateno no s da CCP,
mas tambm da comunidade internacional de forma geral.
Por fm a quinta seo abordar os desafos e as crticas que
tm sido destinadas nos ltimos anos construo da paz, al-
guns deles mencionados nas sees anteriores. Sero apresen-
tadas, tambm, novas propostas para aprimorar o processo de
construo, que no esto necessariamente s sob o escopo das
estratgias democrticas, mas que em todo caso assegurem uma
construo da paz efetiva.
2. EXPLORANDO A LIGAO ENTRE DEMOCRACIA E A CONSTRUO DA PAZ
Dentre os muitos departamentos, comisses e secretarias que a
ONU possui, a Comisso de Construo da Paz um dos mais
recentes, criado em 2005. Mas a anlise da CCP como entidade
das Naes Unidas precisa ser iniciada pelas origens tericas da
construo da paz.
Em A Paz Perptua de 1795, Kant constri importantes ba-
ses do pensamento voltado para a construo da paz. Nessa obra,
o autor elenca aes que os Estados deveriam promover para que
se estabelecesse uma paz contnua, perptua, entre as naes.
Kant estabelece noes como o cosmopolitismo
3
e considera a ra-
zo humana o meio pelo qual seria possvel se alcanar essa paz
perptua (KANT, 2008 [1795]). A herana de Kant permaneceu ao
longo dos sculos, infuenciando diversos acadmicos, tericos
e at polticos como Kof Annan, Woodrow Wilson, Hegel, entre
outros. Muito se estudou sobre a paz e como alcan-la e, no s-
culo XX, deve-se destacar a fgura de Johan Galtung (1976). Ele
o primeiro, em 1976, a caracterizar e diferenciar trs diferentes
nveis de ao que devem ser realizados em situao de confito:
peacemaking (impedimento imediato das hostilidades manten-
do as partes beligerantes separadas), peacekeeping (manuteno
da situao de paz atravs da desarticulao da corrida arma-
mentista e da estrutura de guerra, por exemplo) e peacebuilding
(construo da paz). O nvel de construo da paz um nvel de
aproximao associativa, isto , de construo de estruturas que
promovam a paz, associando os diversos grupos sociais e no ape-
nas separando as partes beligerantes (CAVALCANTE, 2010, p. 5-6).
Nessa fase, estruturas que removam as causas das guerras e que
ofeream alternativas para a guerra quando esta pode ocorrer, de-
vem ser encontradas. (GALTUNG,1976, p. 298 traduo nossa).
Galtung (GALTUNG,1976 apud CAVALCANTE, 2010, p.13)
apresenta a ideia de paz negativa ausncia de violncia pesso-
al ou direta e a paz positiva ausncia de violncia de forma
estrutural, isto , ausncia das causas estruturais dos confitos
que existem na sociedade. Seguindo essa lgica, Estados recm-
-sados de situaes de confito deveriam caminhar em direo
construo de uma paz positiva, isto , uma paz sustentvel, fun-
damentada em bases slidas, que impossibilitem novas guerras e
disputas armadas (CAVALCANTE, 2010).
O processo de amadurecimento da noo de construo da
paz dentro da ONU est relacionado com o avano das operaes
2
O termo narcoestado ou narco-Estado um neologismo que se aplica a pases cujas
instituies polticas so signifcativamente infuenciadas pelo comrcio de drogas, e
cujos lderes desempenham, simultaneamente, posies como funcionrios do go-
verno e membros das redes de entorpecentes ilegais.
3
Cosmopolitismo seria uma hospitalidade universal que proporcionaria um rela-
cionamento amistoso entre povos do mundo, considerada pea importante para se
alcanar a paz (Kant, 2008[1795])
451 450
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
de paz que a organizao realizou durante a dcada de 1990 prin-
cipalmente. Essa dcada foi marcada por um grande nmero de
operaes de paz, algumas com bons resultados como o caso do
Kosovo, outras sem o sucesso desejado, como o caso ruands de
1994 (OTTAWAY; MAIR, 2004). Dentre essas operaes pode-se
destacar as aes em Angola (1989), El Salvador (1991), Camboja
(1991), antiga Iugoslvia (1992), Somlia (1992), Ruanda (1993),
Libria (1993)
4
, Haiti (1993), Serra Leoa (1999). Cavalcante (2010)
mostra que o fm da Guerra Fria e a expanso da globalizao
foram os principais fatores para a maior ao da ONU no cam-
po das operaes de paz. A bipolaridade da Guerra Fria deixou
de determinar as decises tomadas na ONU, principalmente no
CSNU, e a disseminao de valores ocidentais passou a legitimar
suas aes (CAVALCANTE, 2010). Dessa maneira, uma srie de
relatrios foram publicados durante a dcada de 90, buscando
aprimorar a ideia de construo da paz ps-confito.
O termo construo da paz foi usado primeiramente pela
ONU em 1992, no relatrio do ento Secretrio Geral das Naes
Unidas, Boutros Boutros-Ghali, intitulado, Agenda para Paz
(BOUTROS-GHALI, 1992). No texto, Boutros-Ghali afrma que
adiciona um novo conceito (construo da paz) que far com que
as aes da ONU em situaes de paz tornem-se mais efcientes.
O ex-Secretrio Geral relaciona quatro tipos de aes que deve-
riam ser usadas em situaes de confito: diplomacia preventiva,
peacemaking, peacekeeping e construo de paz ps-confito (tra-
duo de post confict peacebuilding) (BOUTROS-GHALI,1992).
Boutros Ghali diz ainda: a diplomacia preventiva tenta evitar as
crises; a construo da paz ps-confito tenta evitar que elas res-
surjam. (BOUTROS-GHALI, 1992, p.16 traduo nossa).
Ainda, importante destacar o Suplemento da Agenda para
Paz no qual o termo construo da paz mais bem analisa-
do e a relao entre construo da paz e as fases anteriores de
peacemaking e peacekeeping so mais valorizadas. O texto mostra,
portanto, que a construo da paz realizada de maneira mais
efetiva quando os trabalhos de peacemaking e peacekeeping so
executados com sucesso (BOUTROS-GHALI, 1995).
Outro importante documento para a formao do que viria
ser a CCP o Relatrio Brahimi. Fruto do Painel sobre as Ope-
raes de Paz da ONU de 2000, o relatrio foi encabeado pelo
diplomata e ex-primeiro-ministro argelino Lakhdar Brahimi, a
pedido do ento Secretrio Geral das Naes Unidas, Kof Annan
(CSNU, 2000). A principal funo do relatrio foi oferecer reco-
mendaes ONU para que suas operaes de paz se tornassem
mais efcientes (VAZ, 2006). O texto evidencia a importncia dos
projetos de construo da paz, mostrando que at aquele mo-
mento, as aes nesse sentido no estavam atingindo seus ob-
jetivos. Foi sugerido que a ONU desenvolvesse estratgias e im-
plementasse programas que atendessem s necessidades dessas
reas (desarmamento, estruturao do Estado, reintegrao dos
combatentes sociedade, eleies, entre outras que sero melhor
explicitadas nas sees seguintes) e que tornassem mais efcien-
tes as aes de construo da paz ps confito (CSNU, 2000). As-
sim, ao fm de todo esse processo de formao terica e aplica-
es prticas do conceito de construo da paz, temos em 2005 a
formao da Comisso de Construo da Paz.
2.1. Democracia em zonas ps-conflito
Os chamados Estados falidos
5
, assim como os Estados em risco
possuem defcincias semelhantes quando analisamos suas ins-
tituies (OTTAWAY; MAIR, 2004). Esses Estados so caracteriza-
dos por possurem instituies fracas que no conseguem lidar
com grupos armados ou at mesmo com a ao de outros Estados,
com a falta de servios bsicos populao, falta de leis centrais e
com a insegurana nas fronteiras. Tal situao poltica pode oca-
sionar problemas internacionais, regionais e internos. Internacio-
nalmente, a fragilidade desses Estados os torna regies propcias
para ao de terroristas, trfco de drogas e armas e disseminao
de doenas. No mbito regional, pode haver transbordamento
dos confitos internos. Por fm, h o problema domstico, pois o
Estado no consegue prover segurana ou servios bsicos para
sua populao (OTTAWAY; MAIR, 2004, p.1).
Cavalcante (2010) relaciona essa nova percepo de Esta-
dos Falidos com a mudana de atitude da prpria ONU sobre o
tema das operaes de paz. Para solucionar a situao em que se
encontram esses pases, as aes da CCP tendem para aspectos
democrticos, principalmente por conta da infuncia das foras
ocidentais do ps Guerra Fria (CAVALCANTE, 2010). A democra-
cia, vista como um valor universal baseado na livre expresso
da vontade das pessoas em determinar seus sistemas polticos,
econmicos, sociais e culturais e sua completa participao em
todos os aspectos de sua vida (AGNU, 2005, p.30, traduo nos-
sa), considerada um importante modo para se garantir a paz.
4
O caso liberiano ser desenvolvido na seo 4.
5
O conceito de Estados falidos ser explicitado na prxima seo.
453 452
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
Vale ressaltar que as polticas de consolidao democrtica co-
mumente implementadas pelas Naes Unidas, visam a estabe-
lecer estruturas polticas e judiciais concretas, eleies e sistemas
nacionais de implementao de direitos humanos (ONU, s.d.).
Entretanto atribuir democracia o poder de limitar a ocor-
rncia de guerras em regies de ps-confito no algo totalmen-
te claro e aceito. Oliver Richmond (2010), afrma que as misses
de paz das Naes Unidas tentam transpor um modelo de demo-
cracia liberal, vista pelo ocidente como ideal, em pases recm-
-sados de situao de confito. O transplante desse modelo de
paz liberal muitas vezes no leva em considerao as caracters-
ticas prprias do pas como cultura, histria, costumes; gerando
muitas vezes o fracasso das aes (RICHMOND, 2010). Portan-
to, abordagens kantianas para a paz exigem um foco no apenas
na democracia e no comrcio, como tambm nas causas pro-
fundas mais amplas do confito, incluindo bem-estar e cultura
(MACMILLAN, 2006, p. 71, apud RICHMOND, 2010).
Mas tambm existem tericos que defendem a democracia
como forma de se evitar a guerra. Kant, em sua obra A Paz Per-
ptua (2008[1795]), mostra que uma constituio republicana
que fosse baseada nos princpios da liberdade, na submisso a
uma legislao e na igualdade entre os cidados seria a maneira
pela qual alcanaramos a paz perptua (KANT, 2008 [1795]). Kof
Annan (2002) demonstra que, essa viso de repblica kantiana
representada atualmente pelas formas de democracia liberal
e pluralista
6
, o que signifca que, ao utilizar a democracia como
forma de governo, os Estados estariam utilizando a melhor forma
de se alcanar a paz. Annan defende que as democracias liberais
geralmente encontram formas pacfcas para solucionar seus
problemas; isso no signifca que ao longo das dcadas nenhuma
democracia tenha participado de guerras (ANNAN, 2002).
Kof Annan diz que: Governantes democrticos no podem
mobilizar seus pases para uma guerra sem convencer a maioria
dos cidados de que a guerra ao mesmo tempo justa e neces-
sria. (ANNAN, 2002, p.136, traduo nossa). Segundo o autor,
quanto mais aberto for o sistema de governo dos pases, melhor
ser a relao entre eles e menor a probabilidade de confitos,
uma vez que as populaes sabem o que ocorre nos outros Esta-
dos, diferentemente do que ocorreria se um dos Estados fosse po-
liticamente fechado. Annan ainda argumenta que, em situaes
de guerra civil, a implementao de formas democrticas de ao
poltica necessria para que as disputas internas ocorram de
forma pacfca. No entanto, essa implementao deve assegurar
o direito das minorias, alm de respeitar os direitos e pontos de
vista da populao (ANNAN, 2002).
Desse modo, a democracia vista como uma forma de ofe-
recer populao o poder de decidir sobre seu prprio futuro e
de seu prprio pas, incluindo, assim, questes de guerra e paz. A
racionalidade humana que Kant diz ser a responsvel pela busca
da paz, juntamente com a noo de repblica (KANT, 2008 [1795]),
evidencia que a democracia um dos modelos mais indicados para
a construo da paz em situao de ps-confito (ANNAN, 2002).
2.2. Comisso para Construo da Paz: esforo internacional coordenado
A criao da CCP atende necessidade de uma instituio dedi-
cada ao tema especfco da construo da paz, que assuma esse
tema de forma coordenada, coerente e integrada (CSNU, 2005).
Como lembra Vaz (2006, p.3): (...) as prprias Naes Unidas re-
gistram que, em cerca de 50% das situaes em que as operaes
de paz tiveram xito, houve retrocesso e a reinstaurao de confi-
tos em menos de cinco anos. Isso mostra a necessidade de aes
especfcas em zonas de ps-confito.
A CCP surge, dessa maneira, baseada em trs grandes metas.
Primeiro, agrupar todos os agentes interessados para reunir recur-
sos, propor estratgias integradas de consolidao da paz e recupe-
rao aps os confitos e assessorar essas estratgias. Em segundo,
centrar as atenes nas tarefas de reconstruo e consolidao
das instituies necessrias para a recuperao aps os confitos
e apoiar a elaborao de estratgias integradas para formar as ba-
ses do desenvolvimento sustentvel. Por fm, formular recomen-
daes e proporcionar informaes para melhorar a coordenao
de todos os agentes pertinentes tanto das Naes Unidas quanto
alheios a Organizao desenvolver boas prticas, ajudar e asse-
gurar um fnanciamento previsvel para as atividades iniciais de
recuperao e ampliar o perodo em que a comunidade interna-
cional prende sua ateno na recuperao dos pases aps os con-
fitos (CSNU, 2005). Com a criao da CCP, a questo da constru-
o da paz passou a estar centralizada em uma nica instituio
(CAVALCANTE, 2010), que segue as metas acima explicitadas.
Portanto, a juno da teoria com a necessidade prtica culmi-
nou na criao da Comisso de Construo da Paz em 2005. A CCP
surge com a funo de ajudar Estados em situao de ps-confito
a se estruturarem, baseados sempre nas premissas democrticas,
6
Democracia liberal-pluralista consiste na vigncia de um conjunto de liberdades cida-
ds, competio eleitoral livre e multiplicidade de grupos de presso. (MIGUEL,2005)
455 454
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
para que os choques que por sua vez vierem a surgir sejam resolvi-
dos de forma pacfca (CSNU, 2005). A maneira utilizada pela CCP
para realizar essa estruturao o tema do prximo tpico.
3. DO ESTADO FALIDO AO STATE-BUILDING
7
:
ESTRATGIAS PARA A CONSTRUO DEMOCRTICA DA PAZ
Essa seo tem por intuito ilustrar algumas estratgias democr-
ticas que visam a contribuir para a reconstruo de Estado falidos.
Sero abordados modelos ideais e exemplos de casos muitas ve-
zes orientados pela CCP com auxlio de outras entidades da ONU
e agncias parceiras, bem como agentes fnanceiros internacio-
nais e organizaes regionais.
3.1. Conceito de Democracia utilizado pela ONU
Democracia um modelo poltico ideal de difcil execuo e al-
tamente visado, em particular, no Ocidente, por apresentar-se ao
governado como uma forma de participao poltica efetiva. A
partir de adaptaes, inmeros pases puderam, ento, agreg-
-lo aos prprios regimes. Surgem, assim, democracias adjetiva-
das
8
e sistemas alegadamente em processo de democratizao
(MIGUEL, 2005).
Tendo em vista essa ampla variao, o sistema ONU busca,
em suas operaes, propagar um ideal democrtico em que se
garanta segurana e paz. Para tanto, investe-se no apenas em se-
gurana ou desenvolvimento econmico e social como tambm
na manuteno de direitos humanos de modo a respeitar os prin-
cipais pilares sustentadores dessa organizao, como ser abor-
dado mais a frente (SGNU, 2007).
A viso da ONU acerca da construo da democracia uma
perspectiva holstica a qual engloba desde o aparelho burocrtico
at a sociedade civil. Nesse panorama, o Estado, legitimado pela
ferramenta democrtica, deve realizar polticas sociais e econ-
micas que atendam a demandas da populao. Espera-se que
as medidas tomadas pelo governo propiciem desenvolvimento
socioeconmico, integrando maiorias e minorias, prezando pela
pluralidade tnica e cultural (SGNU, 2007).
As divergncias e similaridades entre os pases impactam o
processo pelo qual a sociedade civil legitima um sistema polti-
co democrtico. Variaes em fatores como histria, economia,
cultura, poltica e etnia bastam para que se modifque o mto-
do operacional do sistema democrtico mais adequado ao pas
(SGNU, 2007).
Dessa forma, cabe observar a implementao da democracia
de forma crtica, dadas as difculdades de adaptao de um mo-
delo ideal s particularidades de cada nao. Isso se aplica espe-
cialmente a pases recm-sados de confitos armados, que sero
estudados na prxima seo.
3.2. Estratgias para a construo democrtica da paz em um Estado falido
9
Os modos de reconstruo do Estado de forma a manter a paz
recm-adquirida variam de acordo com as especifcidades de
cada pas, implicando uma diversidade de mtodos j delineada
no relatrio Uma Agenda Para a Paz (BOUTROS-GHALI, 1992).
Nela, o Secretrio Geral da ONU lanou as bases para o funciona-
mento da CCP atravs da descrio de mecanismos de assistncia
tcnica ao fortalecimento e transformao de estruturas nacio-
nais, bem como frmao de instituies democrticas como
elementos efcazes contra a reincidncia de confitos. Esses ele-
mentos e alguns outros, derivados de casos de operaes de paz
bem-sucedidas, so fundamentais realizao do State-Building
e sero vistos nesta seo.
Os primeiros passos para o esboo de um plano de ao de-
vem consistir na pesquisa e estabelecimento de estratgias que se-
jam coerentes com as necessidades especfcas de cada pas no pe-
rodo ps-confito. Uma vez estabelecidas prioridades essenciais
consolidao de um Estado soberano, parte-se de um estudo de
risco para traar metas a curto, mdio e longo prazo que no in-
terfram negativamente entre si. Esse tipo de projeto facilita a apli-
cao dos investimentos de agentes internacionais
10
e parceiros
nacionais, os quais so cruciais reconstruo local (IDEA, 2005).
Objetivos de curto prazo iniciam-se imediatamente aps o ces-
sar fogo visando restaurao da paz e instaurao de segurana
pblica. Consistem, portanto, em medidas de desarmamento, des-
7
State-Building a construo de instituies polticas ou aquelas designadas a pro-
mover desenvolvimento econmico (GOMES, 2008).
8
No texto Os impasses da Accountability, Luiz Felipe Miguel exemplifca as demo-
cracias adjetivadas como: as democracias populares do Leste europeu, e a de-
mocracia islmica da Lbia e do Ir (MIGUEL, 2005).
9
Estados Falidos so ditos aqueles em que a estrutura, a autoridade (poder legtimo),
a lei e a ordem foram destrudos e precisam ser reconstrudos de alguma forma.
um Estado cujo centro de tomada de decises est inoperante, o smbolo identit-
rio nacional no mais sustentado, a segurana no mais assegurada e o sistema
econmico tem seu funcionamento completamente comprometido (GOMES, 2008).
10
So exemplos de investidores internacionais: o Banco Mundial, o Fundo Monetrio
Internacional e o Fundo Europeu de Desenvolvimento.
457 456
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
mobilizao e reintegrao de ex-combatentes (DDR)
11
, e refor-
mas no setor de segurana (SSR)
12
. So medidas tomadas buscan-
do o retorno progressivo normalidade, para que civis sintam-se
seguros e refugiados retornem a seus lares (MESSARI, 2004).
Para tanto necessrio que haja negociao com os grupos
confitantes e a desmobilizao de civis armados seguida do de-
sarmamento dos mesmos. Alm disso, necessria a reintegra-
o de ex-combatentes sociedade atravs de benefcios socioe-
conmicos que freiem o retorno ao confito (MATIJASCIC, 2011).
A consolidao de um Estado de Direito
13
confgura a princi-
pal prioridade estratgica para que se possa cumprir as funes
identifcadas como necessrias para uma paz estvel e sustent-
vel ps-interveno. Dentre essas funes encaixam-se o resguar-
do fronteira estatal e a manuteno do monoplio da fora, es-
senciais legitimao do poder do Estado (WEBER, 2011[1919]).
Busca-se, assim, o fortalecimento institucional, visando a garan-
tir a manuteno de segurana interna e da administrao pbli-
ca efetiva, em mbitos econmico, social e poltico (HERMAN;
MARTIM-ORTEGA; SRIRAM, 2009).
O monitoramento e a organizao de eleies representam
estratgias ideais no mdio prazo, pois viabilizam a instituio de
um governo legtimo. A legitimidade do governo eleito facilita sua
cooperao com as operaes da paz da ONU no estabelecimen-
to das metas de longo prazo, incluindo a reconstruo do Estado
e o desenvolvimento da infraestrutura de base, bem como a pro-
fssionalizao das foras armadas e treinamento e capacitao
da fora policial (MATIJASCIC, 2011).
Destaca-se a participao do Departamento de Assuntos Po-
lticos, e mais especifcamente da Diviso para Assistncia Eleito-
ral, entidades do sistema ONU que colaboram para o sistema de
transio governamental ps-confito. Para tal, buscam garantir
um processo eleitoral justo e peridico, que represente a opinio
do povo e, assim, legitime o governo que vir. A assistncia tcni-
ca e logstica desse departamento j contribuiu para a realizao
de eleies em pases como Libria, Afeganisto, Burundi, Rep-
blica Democrtica do Congo, Iraque (ONU, 2010).
Vale ressaltar que a efccia dos meios de governana pro-
porcional aos esforos contra a corrupo e a favor da participa-
o poltica com liberdade de expresso. O uso da democracia
para engajar a populao, principalmente os jovens, e incuti-los
no senso de identidade nacional contribui como meta a longo
prazo. medida que so oferecidas opes de participao po-
ltica sociedade, a alternativa da luta armada parecer menos
interessante, diminuindo o risco de reincidncia de confito vio-
lento (IDEA, 2005).
Todavia, importante ressaltar que o engajamento poltico
da sociedade resulta do restabelecimento de servios bsicos e
infraestrutura, fundamentais ao funcionamento da economia e
retomada das atividades cotidianas do cidado. A construo ou
restaurao de vias de transporte, comunicao e energia, alm
da prestao de servios de educao e sade, so peas chave na
promoo do desenvolvimento econmico e social (FURTADO
et al, 2009).
Esses elementos tornam o Estado mais atraente aos investi-
dores internacionais, j que o nvel de crescimento econmico de
um pas varia na razo inversa da probabilidade que este possui
para ecloso de confitos (BRITO, 2008). Logo, reformas institu-
cionais nos setores judiciais e de segurana municipal instauram
um ambiente em que, segura, a sociedade civil v-se estimulada a
participar da elaborao de projetos que reabilitem as economias
locais (HERMAN; MARTIM-ORTEGA; SRIRAM, 2009).
Ao passo que se promove o bem-estar social, observa-se a
queda do desemprego e da violncia, o que impulsiona a eco-
nomia e os investimentos, oferecendo ao governo a oportuni-
dade de prosseguir com medidas de promoo da prosperidade.
Logo, como em um sistema cclico, sugere-se que quanto mais
economicamente desenvolvido o Estado, melhor ser seu funcio-
namento coerente com a viso holstica de democracia citada
anteriormente (BOUTROS-GHALI, 1992).
Um desafo interessante ao State-Building a combinao da
aplicao de medidas descritas nos nveis local e nacional. Pois,
ainda que a abordagem do Estado no mbito municipal seja mais
imediata na produo de resultados sociedade civil, ela depen-
de da coordenao por uma cpula central legtima qual todos
os ncleos internos ao pas respondam (IDEA, 2005).
11
DDR desarmamento, desmobilizao e reintegrao.
12
SSR a sigla em ingls para: security sector reform.
13
O Estado de Direito um Estado ou uma forma de organizao poltico-estatal
cuja atividade determinada e limitada pelo direito. Transporta princpios e valores
materiais razoveis para uma ordem humana de justia e paz. So eles: liberdade do
indivduo, segurana individual e coletiva, a responsabilidade e responsabilizao
dos titulares do poder, a igualdade de todos os cidados e a proibio de discrimina-
o de indivduos e de grupos. Considerando essencial que os direitos humanos se-
jam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem no seja compelido, como
ltimo recurso, rebelio contra tirania e a opresso. (CANOTILHO, 1999).
459 458
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
No caso da recuperao de pases com confitos predominan-
temente tnicos, a confgurao poltica ponto de partida, com
nfase em medidas descentralizadoras e a adoo, por exemplo,
do federalismo
14
. Isso implica na priorizao de medidas no de
integrao, mas de coexistncia atravs de acordos e moderao,
que mantenham a equidade entre os grupos e a conveniente re-
distribuio de recursos que atendam s necessidades simblico-
-culturais e materiais de cada um deles. fundamental, para a
preservao da autonomia, que as polticas implementadas no
resultem em privilgios a determinadas regies. Etipia e Uganda
so exemplos de pases que adotam esse sistema em situaes
ps-guerra (IDEA, 2005).
No tocante justia de transio ideal a implementao
de um sistema judicirio estatal forte e independente. Almeja-se,
atravs disso, reforar o cumprimento das leis e, atravs de trans-
parncia, monitoramento e investigao, evitar a reincidncia
de abusos degradantes
15
. Um sistema de transio efcaz capaz
de garantir ao Estado maior confabilidade frente comunidade
internacional. Muitas instituies internacionais doadoras, ban-
cos e agncias de cooperao optam por investir em Estados de
Direito fortes em que legislao e fscalizao sejam respeitadas,
graas a um sistema judicirio estabelecido (GOMES, 2008).
O principal objetivo do processo de State-Building tornar
um Estado apto a gerir-se de modo satisfatrio aps a retirada da
assistncia externa. nesse contexto que se confgura o massivo
investimento em educao e infraestrutura que concedam co-
munidade local as condies necessrias para assumir o controle
sobre o pas, mantendo o crescimento econmico e o funciona-
mento de instituies polticas atravs de ferramentas democrti-
cas de responsividade e accountability
16
.
A justia de transio utiliza-se de vias judiciais e no judi-
ciais que garantam a accountability, a legalidade e a reconciliao.
Incluindo vrias ferramentas especfcas
17
, o sistema de transio
deve ser adaptado realidade de cada pas (HERMAN, MARTIM-
-ORTEGA, SRIRAM, 2009). O caso da Libria, estudado na pr-
xima seo, constitui um exemplo interessante, pois contempla
um tipo de justia costumeiro e outro formal que, unidos em uma
forma hbrida, serviriam melhor s exigncias locais, ao invs de
atuarem separadamente (SCHIA; CARVALHO, 2010).
Financeiramente, a CCP apresenta um fundo para assistncia
monetria a Estados falidos em reconstruo democrtica. Entre-
tanto, a Comisso no atua sozinha, j que o prprio Secretariado
da ONU, em parceria com outras agncias e rgos do sistema
homnimo, contribui direta e indiretamente com os projetos de
construo e manuteno da paz (ONU, 2010).
Observando o panorama global nota-se a recorrncia de em-
prstimos realizados pelo Fundo Monetrio Internacional em
casos visados pelo Departamento de Operaes de Paz da ONU.
Alm disso, observam-se tambm tendncias regionais como
a cooperao junto ECOWAS (Economic Community of West
African States) em que Estados da frica Ocidental oferecem su-
porte econmico que implique retorno fnanceiro futuro advindo
da prosperidade regional. De modo geral, o processo de constru-
o da paz conta com inmeros fnanciadores por dois motivos:
o grande potencial de rentabilidade em investimentos realizados
em pases em reconstruo, devido s aceleradas taxas de cresci-
mento econmico e ao fato de que o colapso completo desses Es-
tados reverbera negativamente na economia global (AJAYI, 2008).
Por englobar contextos regionais e temporais especfcos, as
parcerias
18
com ONGs e OIs variam de acordo com as peculiari-
dades inerentes a cada Estado, a exemplo das estratgias demo-
crticas utilizadas para reconstru-los. Contudo, na prxima se-
14
Dahl (1986) defne o federalismo como um sistema em que algumas matrias so de
exclusiva competncia de determinadas unidades locais: cantes, estados, provncias
e que esto constitucionalmente alm do mbito de autoridade da Unio, enquanto
outras esto fora da esfera de competncia das unidades menores. Trata-se de um
sistema adequado a sociedades multinacionais democrticas, desde que haja um
equilbrio entre a atuao do Poder Legislativo em mbitos local e estatal. Riker (1975)
sustenta que esse sistema protege os direitos do indivduo contra um poder central
excessivamente forte ou mesmo contra a tirania da maioria (STEPAN, 1999).
15
Fala-se em violaes aos direitos humanos que podem ser fruto de confitos ou
governos autoritrios e incluem por exemplo: torturas, execues extrajudiciais, se-
questros, crimes de guerra, crimes contra a humanidade, trabalho forado, escravi-
do e estupro.
16
A accountability diz respeito capacidade que os constituintes tm de impor
sanes aos governantes, notadamente reconduzindo ao cargo aqueles que se de-
sincumbem bem de sua misso e destituindo os que possuem desempenho insatis-
fatrio. (MIGUEL, 2005)
17
So ferramentas utilizadas pela justia de transio: comisso da verdade, reforma
institucional, anistia, procuradoria geral, etc.
18
Apesar de as parcerias com ONGs e OIs serem fuidas, h membros fxos na Comis-
so para Construo da Paz de acordo com a resoluo A/RES/60/1, esto entre eles:
os membros do CSNU, inclusive os permanentes; membros do Conselho Econmico
e Social (ECOSOC); o Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional, Fundo Eu-
ropeu de Desenvolvimento; os Estados-membros que mais enviam militares e poli-
ciais em operaes de manuteno de paz; destaca-se que, entre os principais rgos
da ONU envolvidos esto: o Departamento de Assuntos Polticos, o Departamento de
Operaes de Manuteno de Paz, Department of Peacekeeping Operations (DPKO) e
o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
461 460
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
o ser possvel observar atravs de estudos de caso, a aplicao
de estratgias especfcas dentre as ilustradas acima.
4. ESTUDOS DE CASO
Nesta seo, sero apresentados dois estudos de caso: um sobre a
Libria e outro sobre Guin-Bissau. O primeiro se deve atuao
considerada de sucesso implementada no pas. O estabelecimen-
to de aes assertivas para os principais problemas liberianos, na
tentativa de suprir as maiores necessidades da populao e do
Estado em si, infundem as bases para outros possveis casos de
atuao e desenvolvimento dos desafos mais relevantes. A Gui-
n-Bissau, por sua vez, como Estado falido envolvido com o nar-
cotrfco principalmente, um desses desafos. E, por isso, dada
a urgncia do contexto guineense, que se d a importncia de
seu estudo tambm. Sero esboados planos que foram e vm se
constituindo ao longo dos anos para esses casos, seguindo estra-
tgias e modelos apresentados na seo 3.
4.1. O caso liberiano
A Libria um pas africano situado na costa oeste do continente.
Apesar de sua autonomia ainda no sculo XIX, dcadas antes de
muitos outros territrios coloniais da frica, o pas esteve marca-
do por problemas socioeconmicos e polticos de ordem seme-
lhante aos de seus vizinhos, sendo eles os principais fatores para
a ocorrncia das duas Guerras Civis (1989-1996 e 1999-2003) que
assolaram o pas. A criao artifcial de uma nao que receberia
ex-escravos americanos nunca deu certo
19
, uma vez que as nu-
merosas etnias originais (95% da populao) estiveram em atrito
umas com as outras, alm de que apenas americanos-liberianos
(3% da populao) (BRASIL ESCOLA, [s.d.]) tinham participao
na vida poltica e econmica do pas de fato (BALLAH, 2003). O
golpe militar de 1980 e as eleies parlamentares e presidenciais
bastante duvidosas
20
de 1985 foram acontecimentos importantes
para que a insatisfao e o regime de terror fossem permanentes
na Libria at meados de 2003 (TOURE, 2002).
O regime militar do Sargento Samuel Doe (1980-1990) falhou
na abordagem de problemticas econmicas e polticas. Nesse
sentido, o regime de Doe se caracterizou pela brutalidade e o medo
constante, aliados a um forte declnio econmico e grande corrup-
o
21
. A legitimao do regime de Doe em torno da etnia Krahn
(5% da populao) foi um fator contribuinte para um processo de
represso e aculturao. As aproximadamente dezesseis etnias in-
dgenas que residem em territrios liberianos foram restringidas e
isoladas em seus respectivos espaos mais uma vez, j que gover-
nos anteriores privilegiavam fortemente os americanos-liberianos
(BALLAH, 2003). As tentativas de derrubada do governo levaram
primeira Guerra Civil da Libria de 1989 at 1996. Nesse contexto,
tanto as organizaes da sociedade civil, como os grupos estudan-
tis ajudaram a mostrar que a paz, por meio de eleies transparen-
tes e do desarmamento, era essencial (TOURE, 2002).
Cerca de 150.000 pessoas foram mortas pela guerra e muitos
fcaram desalojados, gerando 850.000 refugiados em todo o ter-
ritrio (UNITED NATIONS MISSION IN LIBERIA, 2012). O con-
fito principal entre as foras do governo e o National Patriotic
Front of Liberia (NPFL), comandado pelo ofcial Charles Taylor,
fez com que a j citada ECOWAS, juntamente com o Conselho
de Segurana da ONU, implementasse um embargo de armas
Libria e criassem, em 1993, a UNOMIL
22
(Misso de Observao
das Naes Unidas na Libria). Por meio de acordos de paz e um
posterior cessar fogo, a UNOMIL conseguiu conduzir uma elei-
o multipartidria de sucesso em 1997, atingindo o seu principal
objetivo (UNMIL, 2012).
Contudo, a inabilidade do governo e da oposio partidria
em chegar a um consenso sobre questes importantes na Libria,
alm de abusos dos direitos humanos no pas, execuo e perse-
guio de opositores e ausncia de reformas no setor de seguran-
a levaram ressurgncia da Guerra Civil em 1999. Os esforos
da ONU para reforar e ajudar o Governo Nacional de Transio
e apoiar e treinar as autoridades policiais na promoo de recon-
ciliao, mobilizao internacional e de programas de assistncia
dentro do contexto de construo da paz ps-confito ainda no
19
Com a abolio da escravido e o medo do crescimento da populao de ex-escra-
vos nos EUA, a criao artifcial da Libria foi pensada como forma de reenviar essa
populao para frica (BALLAH, 2003).
20
As eleies ocorreram por presses internas e externas e foram extremamente ten-
denciosas a favor de Samuel Doe (TOURE, 2002).
21
Relaes desiguais entre Libria e Estados Unidos se davam em mbito econmico
e militar, expressando uma grande fora americana sobre o primeiro. No contexto de
Guerra Fria, a Libria recebeu aproximadamente 500 milhes de dlares por parte
dos EUA para a sustentao do regime de Doe. Os EUA fcaram conhecidos como pas
me da Libria por essa poca principalmente (TOURE, 2002).
22
A UNOMIL atuou de setembro de 1993 a setembro de 1997, juntamente com a
ECOWAS e o governo de transio da Libria para a implementao da paz, inves-
tigando violaes e promovendo ajuda humanitria e de reconstruo (UNITED
NATIONS, UNOMIL).
463 462
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
haviam sido sufcientes. Assim, com a implementao de foras
de estabilizao da ONU na Libria, na nsia por um contexto de
transio, os partidos liberianos assinaram um acordo s vspe-
ras da passagem de poder pacfca do presidente Charles Taylor
ao vice-presidente Moses Blah no pas em 2003 (UNMIL, 2012).
No mesmo ano, o Conselho de Segurana criou outra misso
para a manuteno da paz na Libria, a UNMIL
23
(Misso das Na-
es Unidas na Libria em portugus), baseada numa forte tropa
de observadores, militares, policiais e representantes civis. Esta
misso tinha como arcabouo uma atuao multidimensional,
tratando de assuntos de gnero, proteo de crianas, preserva-
o dos direitos humanos, construo de foras polticas, poli-
ciais e da justia, reintegrao, desarmamento e de processos de
coordenao das eleies. Desse modo, a assistncia humanit-
ria contemplava desde processos de fornecimento de alimentos
at campanhas de preveno do HIV, o que junto ao apoio em
infraestrutura foram grandes aliados no processo de manuteno
da paz e reconstruo (UNMIL, 2012).
As estratgias estabelecidas vinham ao encontro das ne-
cessidades locais, estabelecendo governos que tivessem fora e
iniciativa para mitigar implicaes dos quatorze anos de confi-
to. Por isso, aes que deem suporte a desalojados e refugiados,
integrando-os s respectivas comunidades, assim como no caso
de ex-combatentes, so bastante importantes. O fornecimento
de energia e gua corrente na tentativa de barrar surtos de clera,
alm de sade e educao, so bases para que o processo eleitoral
possa ser efciente, uma vez que a populao tem condies para
o exerccio da democracia, mesmo que rudimentar, contornando
o estresse do confito na vida cotidiana (SISK; RISLEY, 2005).
Nesse sentido, o suporte dado Libria por organizaes
internacionais em questes de educao, sade e alimenta-
o, como a ajuda dos Mdicos sem Fronteira
24
, World Food
Program
25
e da prpria ONU foram e ainda so essenciais. Ana-
logamente, o foco no governo central, com a regularizao e de-
terminao do mandato e poder das autoridades tradicionais
estruturadas no consenso e na consulta servem de base para a
democracia a nvel nacional. Tais contextos envolvem a liberda-
de de imprensa, a reforma do Judicirio e tambm do Estado de
Direito
26
. A reconciliao e a transparncia na luta contra a im-
punidade e o domnio de antigas elites so importantes, dando
maior voz aos indivduos e mdia, assim como na discusso de
questes polticas e no respeito variedade de dialetos e etnias
(SISK; RISLEY, 2005).
A renovao do Legislativo a partir do dilogo entre os gru-
pos polticos e a populao essencial para que leis nacionais se-
jam reformadas e o treinamento de pessoas, alm do aumento de
oramento para os setores judicirios sejam efcazes. O reforo a
recursos humanos e a capacitao, na tentativa de evitar o pr-
-julgamento nos casos de deteno, criando espao para o exerc-
cio jurdico um dos resultados de mecanismos para uma justia
independente e clara na prestao de contas sociedade (CCP,
2012). Ademais, o suporte a estratgias de defesa, na reconstru-
o das Foras Armadas, da polcia e na criao de escritrios de
imigrao o meio para a melhor estruturao da segurana p-
blica, visando proteo e reintegrao (CCP, 2012).
A operacionalizao coerente do suporte construo da
paz com a coordenao da ONU, ONGs e outras organizaes
internacionais relevante, no sentido em que abre espao para
a preparao de uma Libria mais ativa, mas que respeite as prio-
ridades da populao. Ainda assim, o estabelecimento de um
trabalho coletivo e regional, da ECOWAS principalmente, para
que a paz seja duradoura, encorajando o pas a participar de or-
ganizaes e fruns internacionais, mobilizando recursos e ge-
rando uma ateno sustentada no empreendimento de medidas
de reconstruo o instrumento para que a paz tambm esteja
em convergncia com o desenvolvimento do pas (SECURITY
COUNCIL REPORT, 2008). .
Os esforos no estabelecimento de uma tranquilidade pbli-
ca foram relativamente satisfatrios desde 2003. O fm das guer-
ras civis liberianas e a transio de poder dentro do governo na
mesma poca foram feitas com sucesso. A mitigao de algumas
defcincias as quais envolviam a Libria por meio da participa-
o de organizaes internacionais de distintas naturezas e tam-
23
A UNMIL foi criada para conduzir o cessar-fogo na Libria e ajudar na construo e
manuteno da paz. Ela acompanha a reforma de segurana no pas, reestruturao
da fora militar e d suporte aos civis na garantia dos direitos humanos (UNITED
NATIONS, UNMIL, s.d).
24
A Mdicos Sem Fronteiras(MSF) uma organizao internacional humanitria
independente. Foi criada em 1971 na Frana, e atua promovendo socorro mdico e
testemunho sobre populaes que vivem em situao de risco (MSF, [s.d.])
25
O WFP uma agncia parte do sistema ONU fnanciada independentemente. Cria-
da em 1961, promove a assistncia alimentar a populaes pobres e em zonas de
risco (WFP, [s.d.]).
26
Essas reformas buscam maior transparncia dos setores pblicos, alm de funcio-
narem como barreira impunidade e a aes corruptoras, garantindo igualdade de
direitos e autonomia dos poderes e cidados (SISK; RISLEY, 2005).
465 464
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
bm do apoio importante da ECOWAS na problemtica em ques-
to foram decisivas para o ajustamento da situao do pas como
ainda ser apresentado (SECURITY COUNCIL REPORT, 2008).
Entretanto, a estagnao econmica, a intolerncia religiosa en-
tre cristos (40%), islmicos (16%) e os que professam religies
tradicionais (42,2%), a reintegrao da populao e a proteo
s mulheres e crianas ainda so problemas que necessitam de
maiores cuidados (TOURE, 2002; BRASIL ESCOLA, [s.d.]).
Casos de estupro e violncia contra mulheres e crianas
desde o fm do confito ainda so constantes. Muito dessa pro-
blemtica se encontra na desconexo entre as decises tomadas
em nvel internacional e as medidas realmente implementadas
em nvel local. As mudanas na Libria, assim como em muitos
outros casos, foram dadas sem se respeitar as prticas prprias do
pas. No caso liberiano, existem dois sistemas de justia: o formal
e o costumeiro; sendo o primeiro legalmente reconhecido e o se-
gundo feito a partir das autoridades locais e sociedades secretas.
Num cenrio ideal, a integrao desses dois modelos ajudaria a
cobrir os vazios do sistema judicirio contra os problemas enfren-
tados pelas mulheres e crianas (SCHIA; CARVALHO, 2010).
A estigmatizao das vtimas de abuso, alm dos problemas
logsticos da polcia, que muitas das vezes nem mesmo pode to-
mar alguma iniciativa, so fatores bastante graves. Os problemas
com a corrupo e tambm com a discriminao contra essas
mulheres, tomadas como inferiores, levam impunidade. Ou-
trossim, as defcincias com a legislao em casos de estupro
tambm so marcantes, sendo a mudana dessa impedida pela
falta de conhecimento acerca do sistema tradicional de justia, o
qual a principal fonte de barreiras para identifcao das dispo-
sies jurdicas do pas por parte da ONU e demais organizaes
internacionais (SCHIA; CARVALHO, 2010).
A compreenso do sistema preexistente pela comunidade in-
ternacional, juntamente com o treinamento adequado de pessoas
necessrio. A insatisfao por parte da populao liberiana com
o modelo de justia implantado, que agrava adversidades ao invs
de reconciliar, remete necessidade de uma reformulao do Es-
tado de Direito de maneira mais condizente com a cultura do pas.
A simples construo de cortes e aumento de oramentos no
preenchem lacunas deixadas por solues genricas que excluem
caractersticas prprias do local (SCHIA; CARVALHO, 2010).
O entendimento das confguraes e padres sociais que
caracterizam cada sociedade um importante aspecto para se
construir a paz e implantar a democracia em Estados com gran-
des falhas estruturais. A identifcao de prioridades a partir de
situaes anteriores outro pilar dessa ao, na medida em que
se consegue dinamizar as solues apresentadas e condicionar
frentes de atuao em seu devido tempo para um empreendi-
mento multidimensional. A Libria, como caso discutido, um
exemplo para muitas outras situaes de consolidao demo-
crtica, ao mesmo tempo em que lana desafos para possveis
intervenes, criao de estratgias duradouras e fortalecimento
institucional principalmente.
4.2. O caso guineense
A Guin-Bissau outro pas da costa ocidental do continente afri-
cano. Foi colonizada por Portugal e se tornou independente na
dcada de 1970 quando o PAIGC (Partido Africano para a Inde-
pendncia da Guin-Bissau e Cabo Verde) lutou pela libertao
de Guin-Bissau e Cabo Verde para um projeto binacional sob a
liderana de Amlcar Cabral at 1973. A independncia reconhe-
cida pelo governo portugus foi efetivada em 1974 para o primei-
ro e em 1975 para o segundo (SEMEDO, 2010).
Entretanto, depois da morte de Cabral em 1973, a entrada de
seu irmo Lus Cabral na liderana do PAIGC criou desconfanas.
Mesmo preocupado com a situao da populao mais pobre na
educao e com a reconstruo do pas, as instabilidades eram
constantes na Guin-Bissau e no partido principalmente (RIZZI,
2010). Ademais, com a independncia devidamente reconhecida
a partir de 1974, os problemas com a formao do Estado foram
marcantes. Portugal se retirou sem dar chance para a formao
estvel de um pas independente. A escassez de pessoas capaci-
tadas para fazer funcionar a mquina pblica era um problema
notvel (SEMEDO, 2010).
O inchao do espao burocrtico no Estado em construo,
assim como a substituio da violncia colonial pela violncia do
prprio governo nacional afrmaram com mais fora a hierarquia
social na Guin-Bissau, na qual a elite historicamente consolida-
da ainda era o centro do pas. A liberdade e a igualdade de direi-
tos que essa mesma elite havia lutado para tornar realidade no
veio a acontecer, e o projeto binacional de Guin-Bissau e Cabo
Verde com a formao de uma unidade a partir das duas naes
livres acabou sendo fnalizado com a fragmentao entre suas
respectivas elites (SEMEDO, 2010).
Apesar de ligados historicamente pela colonizao portugue-
sa e pela proximidade territorial, os dois pases acabaram se dis-
tanciando principalmente por iniciativa guineense, uma vez que
467 466
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
Cabo Verde, por ser apenas um conjunto de ilhas, estaria usando
a Guin-Bissau como palco fsico de luta para que o projeto bina-
cional se constitusse (SEMEDO, 2010). Ademais, pela maior inte-
lectualidade da elite cabo-verdiana, muitos guineenses alegaram
que tal projeto se constituiria em um neocolonialismo cabo-ver-
diano, no qual a Guin-Bissau seria subjugada pelo outro Estado.
Assim, apesar do sucesso militar na constituio da unidade bi-
nacional, os erros polticos foram muitos (SEMEDO, 2010).
A falta de uma elite que garantisse de fato as imaginadas li-
berdade e igualdade Guin-Bissau, alm da negligncia a dife-
renas tnicas
27
e brigas entre oposies levaram a uma tal insta-
bilidade que culminou no golpe de 1980 depois da aprovao de
uma constituio (SEMEDO, 2010). Nesse contexto, Nino Vieira
do PAIGC, Primeiro-Ministro do presidente Cabral, instaurou um
governo militar, quebrando todas as restantes ligaes com Cabo
Verde. Nino suspendeu a Constituio em 1980 e outorgou outra
em 1984. Em 1985, outra tentativa de golpe, agora pela oposio,
fez com que o governo do pas se afastasse do socialismo e se
aproximasse do Ocidente como forma de garantir maior apoio
ditadura. Nino venceu as eleies presidenciais e parlamentares
em 1989 e, apesar dos investimentos em sade e agricultura de
seu governo, o pas continuava pobre e as execues de oposi-
tores pela administrao poltica eram cotidianas (RIZZI, 2010).
Em 1991, a Guin-Bissau tornou-se uma democracia multi-
partidria de fato devido a presses internas e externas desde a
ltima votao para presidente. Nino Vieira venceu mais uma vez
as eleies, agora contra Kumba Ial do Partido Renovador Social
(PRS). Um novo golpe de Estado ocorreu em 1998 sob o comando
do General Ansumane Man, ex-guerrilheiro do PAIGC descon-
tente com a situao poltica, levando Nino Vieira ao exlio em
Portugal e ecloso da guerra civil no pas. As rivalidades den-
tro das Foras Armadas foram motivos de golpes e confitos de
interesse. A guerra civil, no por menos, encontrou suas causas
nesse choque entre opostos, fazendo com que muitos fugissem
entre 1998 e 1999, quando Man entregou o poder ao ento lder
do PAIGC, Malam Bacai Sanha (RIZZI, 2010).
Nessa poca, muitos jovens descontentes com a situao
catica no pas, caracterizada, por exemplo, pelo alto nvel de
desemprego, ingressaram em milcias para lutar na Guerra da
Guin-Bissau. Grande parte deles morreu na tentativa de cons-
tituir uma vida adequada a si prprios e a suas famlias, ganhan-
do pequenas quantias de dinheiro pelos combates (VIGH, 2006).
Segundo Vigh (2006), muitos desses jovens aceitaram participar
de tais milcias para tentar forjar um futuro em um espao de
querelas polticas e confitos (VIGH, 2006, p. 4).
Com o poder nas mos de Sanha, ele convoca eleies ge-
rais em 2000 e Kumba Ial do PRS eleito contra o primeiro
28
. Po-
rm, aps um golpe de Estado em 2003, o retorno de Nino Vieira
e as eleies de 2004 e 2005, o poder nacional volta s mos do
PAIGC
29
(RIZZI, 2010). Num quadro de total instabilidade, em
2009, o presidente Nino e um general foram mortos, sem explica-
o aparente. As inmeras clivagens dentro das Foras Armadas
foram motivos para protestos por parte dos prprios militares
nesse contexto. Em 2010, em um novo golpe por dissidentes mi-
litares, o Primeiro-Ministro Carlos Gomes e o General do Estado-
-Maior foram presos. E mesmo com a declarao pelo ento pre-
sidente Sanha de que o golpe tinha sido apenas dentro do corpo
militar, organizaes internacionais expressaram receio em rela-
o situao da Guin-Bissau como um todo (RIZZI, 2010).
Em 2011, ocorreu mais uma tentativa de golpe sem sucesso.
No incio de 2012, o presidente Sanha morreu em Paris, de causas
naturais aparentemente. Em maro do mesmo ano, Carlos Go-
mes ganhou o primeiro turno das eleies contra Kumba Ial e
este se recusou a participar do segundo turno. Novo golpe mili-
tar foi orquestrado e Carlos Gomes e o presidente interino foram
presos e liberados apenas em abril. Nesse intervalo (2011-2012),
o alvoroo causado pela forte instabilidade poltica dos ltimos
anos fez com que movimentaes internacionais surgissem de
vrios setores como da Comunidade de Pases de Lngua Portu-
guesa (CPLP), da ECOWAS e do Conselho de Segurana da ONU,
que promoveram sanes ao pas, e de Angola, com a criao da
MISSANG, misso angolana para apoio da reforma de segurana
no pas. Os interesses angolanos em reservas guineenses de bau-
xita reforavam a necessidade de estabilizao poltica de Guin-
-Bissau, entretanto a falta de transparncia da misso e a agitao
27
Com a forte instabilidade, o sentimento tnico (so dez grandes etnias no pas, cons-
tituindo 94,7% da populao) vem crescendo entre a populao na Guin-Bissau des-
de essa poca, abrindo espao para o acirramento de questes nesse sentido e para
um abalo na unidade nacional (SEMEDO, 2010).
28
No mesmo ano, Ansuname Man morto em outra tentativa de golpe (RIZZI, 2010).
29
Em 2003, um novo golpe dado sob o comando do General Verssimo Correia Sea-
bra, prendendo Kumba Ial e colocando Henrique Rosa como presidente provisrio. O
PAIGC, assim, vence as eleies parlamentares com Carlos Gomes Jnior em 2004 e ele
se torna Primeiro-Ministro. Em 2005, Nino Vieira volta do exlio e o PAIGC apoia Sanha
para a presidncia. Nino vence e coloca seu aliado Aristides Gomes como Primeiro-Mi-
nistro, destituindo Carlos Gomes do PAIGC com maioria no Parlamento (RIZZI, 2010).
469 468
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
causada pela mesma no pas culminaram para a retirada das suas
tropas em junho de 2012 (PET-REL UNB, 2012; RIZZI, 2010).
Em uma anlise de riquezas naturais, Guin-Bissau possui
grande biodiversidade e paisagens tursticas que lhe proporcio-
nariam um crescimento rpido e controlado. Contudo, a massa
de gastos pblicos consumida em 75% pelo custeio da mquina
burocrtica estatal, tornando o pas extremamente dependente
de investimentos internacionais. Ainda assim, um grande pro-
blema de Guin-Bissau o seu ttulo de narcoestado, uma vez
que faces militares e milcias trabalham a servio do trfco de
drogas internacional, fazendo com que o pas seja uma das prin-
cipais rotas desse trfco (RIZZI, 2010).
A grande corrupo do Judicirio, da administrao civil e
das Foras Armadas, principalmente, facilita a entrada de drogas
no territrio guineense so 40 tonelada/ano de cocana. Isso
leva a uma maior instabilidade poltica, j que muitas autorida-
des ganham com a negociao de narcticos e a interferncia em
seu comrcio fator determinante para confitos e golpes de Es-
tado. A preocupao da comunidade internacional est voltada,
desse modo, para a reforma no sistema de segurana do pas, na
promoo de total restaurao de sua estrutura, instaurao de
mecanismos para a capacitao dos militares em tempos de paz
(treinamento para misses humanitrias), reduo do efetivo mi-
litar e equilbrio tnico nas Foras Armadas (RIZZI, 2010).
Alm disso, a fundao da Escola Nacional da Polcia, do
servio militar obrigatrio, o recenseamento dos combatentes
de libertao e a modernizao do Judicirio so importantes
questes dentro das mudanas institucionais. Entretanto, apesar
de muitas das reformas poltico-militares serem de extrema rele-
vncia para o desenvolvimento socioeconmico da Guin-Bissau,
elas ainda encontram barreiras dentro do prprio governo, o qual
se faz ligado ao trfco de drogas e a crimes internacionais como
j citado anteriormente (RIZZI, 2010).
A apreenso do Conselho de Segurana da ONU, assim como
da Comisso de Construo da Paz j no seu segundo ano de
funcionamento (2006) sobre o caso da Guin-Bissau traz tona
estudos e relatrios sobre os desafos de uma atuao no pas e as
prioridades do Estado e sua populao. As reformas no setor de
segurana, administrao pblica e a consolidao do Estado de
Direito so grandes necessidades, acompanhadas do combate ao
trfco e crime organizado que tomam o pas (SECURITY COUN-
CIL REPORT, 2008).
No obstante, carncias da sociedade civil tambm so rela-
tadas. A promoo de apoio profssional para jovens e desempre-
gados, no esforo de reinseri-los na economia ativa essencial.
Muitos deles foram recrutados durante a Guerra Civil devido s
pssimas condies de vida e altos nveis de desemprego como j
colocado anteriormente. Ademais, a total estagnao econmica
e caos poltico com as constantes disputas entre opositores em-
perram o avano do Estado guineense. Avaliar as carncias dos
grupos vulnerveis, reativar a economia e reabilitar a infraestru-
tura (do setor energtico principalmente), so esforos para a ge-
rao de riquezas bastante vlidos no contexto em que a Guin-
-Bissau se insere (SECURITY COUNCIL REPORT, 2008).
Dessa maneira, a construo da paz envolveria a populao
guineense, o governo e os lderes partidrios, aliados comuni-
dade internacional para o estabelecimento de suas prioridades e
desafos. A Resoluo 2048 do Conselho de Segurana da ONU
de 2012 refora a urgncia de uma atuao mais incisiva e afrma
uma posio mais forte sobre o contexto explicitado, estabelecen-
do estratgias semelhantes s supracitadas nesta seo (CSNU,
2012). Estas envolvem a criao e confgurao de um comit
nacional de construo da paz, sob as frentes de reforma e mo-
dernizao dos setores pblicos e produo de receita desvincu-
lada ao trfco. O fortalecimento institucional e a democracia so,
mais uma vez, ferramentas bastante teis para as compreenses
de paz e estabilidade na Guin-Bissau de modo efetivo e bem es-
truturado, em um exerccio que encontre apoio local, regional e
internacional (SECURITY COUNCIL REPORT, 2008).
5. OS DESAFIOS DA CONSTRUO DA PAZ
Essa seo visa a fazer uma refexo crtica sobre o papel da de-
mocracia na consolidao da paz, e, apontar tambm, quais so
os maiores desafos que se impem CCP atualmente, tanto em
termos tericos como prticos. Por fm, deseja-se demonstrar
quais pontos podem e devem ser trabalhados para que a Comis-
so para a Construo da Paz seja uma instituio de sucesso.
5.1. Desafios gerais: Crticas conceituais e limitaes prticas
Um dos maiores desafos da CCP talvez seja lidar com as altas ex-
pectativas que a envolvem. De todas as organizaes da ONU, a
CCP uma das poucas que ainda conserva a promessa de operar
da maneira na qual foi concebida. Ainda que por repetidas ve-
zes seja um problema lidar com altas expectativas, j que sempre
471 470
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
h o risco de nunca atingi-las, elas tambm podem ser benfcas,
pois, mantm o alto padro das operaes realizadas. Mesmo
que o procedimento realizado em uma operao seja de repro-
duo limitada, se ela for bem sucedida, tal procedimento servir
para fortalecer a reputao da CCP (BIERSTEKER, 2007).
Outro desafo para construo da paz refere-se ao conceito de
paz liberal ou paz atravs da democracia, que ambicionado pela
CCP. Tal conceito, apesar de ser resultante de uma evoluo com-
plexa dentro de um contexto poltico, econmico, social, concei-
tual e metodolgico especfco, possui ambies universais. Mais
especifcamente, foi consequncia do desenvolvimento que se
deu no seio dos pases ocidentais e colonizadores (FRANKS; RI-
CHMOND, 2009), que so suma da confgurao democrtica oci-
dental (BARNET, 2007). O que levanta o questionamento: ainda
que as estruturas institucionais dos Estados falidos sejam recons-
trudas, estariam elas prontas para lidar com as demandas de uma
democracia to avanada como a que se deseja implementar?
Segundo Sisk (2006), os construtores da paz enfrentam quatro
tipos de dilemas: horizontais, verticais, sistmicos e temporais. Os
dilemas horizontais ocasionam as decises sobre quem includo
e quem excludo do processo de construo da paz (SISK, 2006).
Richmond (2010) apresenta estes dilemas como os problemas que
a insero democrtica pode causar organizao social dos pa-
ses que vo receb-la. Amide, esse movimento democratizante
na realidade feito de maneira unilateral, por seus implementa-
dores, e, por conseguinte, presta pouca ou nenhuma ateno s
dinmicas locais, propriedade e disseminao dos benefcios
por todas as camadas da sociedade (RICHMOND, 2010).
Os atores internacionais tendem a ignorar fatores socioeco-
nmicos essenciais nos meandros do processo de construo da
paz, sobretudo para a frica; o que refora as disparidades que
impedem a unio poltica e perpetuam a diviso social. Chandler
(2010) alega que ao importar esse modelo pr-defnido, estes ato-
res internacionais tentam regular o mundo ps-colonial, buscan-
do instituir padres globais s estruturas de poder da sociedade
civil, minando assim todos os outros modos culturais (CHAND-
LER, 2010). E, portanto esto falhando em criar um sistema que
se adapte completamente a seu contexto.
Alm de ser um desafo, este o principal constrangimento
da Comisso de Construo da Paz, devido prpria natureza
das Naes Unidas, como uma organizao profundamente cen-
trada no Estado. Os Estados so os membros e os governantes da
ONU, e como tal, tm prioridade em todas as suas deliberaes.
Portanto, qualquer processo de construo da paz realizado
sob o escopo das Naes Unidas ter o Estado como prioridade.
Embora as resolues da ONU que originaram a Comisso cha-
mem ao os atores da sociedade civil e instituies fnanceiras,
estes podem ser marginalizados. Portanto, este um processo
que, invariavelmente, dar mais ateno para as prioridades
identifcadas pelos Estados-Membros, que no necessariamente
sero as mesmas prioridades identifcadas pela sociedade civil
(BIERSTEKER, 2007).
Ao invs de criar novos padres polticos, o processo de cons-
truo da paz poderia recriar a fgura do Grande Homem o
lder que governa atravs de patrocnio e poder personalizado,
mesmo ao falar a linguagem da liberalizao (SALIH, 2009, p.
169). Isso evidenciaria que a viso ocidentalizada e colonizado-
ra ainda muito presente tanto na teoria como nas prticas de
construo da paz, que no est totalmente despida da velha di-
cotomia metrpole/colnia.
O segundo tipo de problema, do tipo vertical, requer deci-
ses acerca de quem fala na frente do pblico, isto , se seriam
as eleies sufcientes para expressar a vontade poltica de toda a
populao (SISK, 2006). O dilema sistmico refere-se aos papis
da Comisso da Construo da Paz e das agncias que a represen-
tam, pois o reconhecimento externo de um determinado grupo
ou individuo seria infuenciado pela CCP. Questiona-se em que
medida esse envolvimento deslegitima o governo local e a titula-
ridade do processo de construo da paz (NEWMAN et al, 2009).
Tais apontamentos levam a uma crtica comum feita aos constru-
tores da paz
30
, a dos interesses que estariam implcitos nas suas
aes. Pois, a implantao desse modelo democrtico, bem como
a prpria classifcao dos Estados que esto recebendo ajuda
poderiam ser consideradas como novas formas de dominao.
Por fm, os dilemas temporais sero tratados na prxima sub-
seo, e surgem na medida em que a construo da paz vai avan-
ando. So dilemas que remetem aos desafos e s difculdades
inerentes a qualquer processo de construo da paz.
5.2. Aprimorando a construo da paz: engajamento da sociedade civil
Na seo 3 foram apresentadas as estratgias democrticas para
construo da paz. Contudo, somente a sua aplicao no su-
fciente para garantir que o processo de construo da paz seja
completo. preciso assegurar que o modelo democrtico im-
30
Peacebuilders em ingls
473 472
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
plantado, para que no haja descentralizao poltica e fragmen-
tao, que podem originar um novo confito (IDEA, 2005).
Nas palavras de Brinkerhof: [..] a incapacidade (dos Esta-
dos) em integrar regies e minorias nas polticas mais amplas
a principal fonte da fragilidade estatal ao redor do mundo
(BRINKERHOFF, 2009 apud BANCO MUNDIAL; PNUD, 2009
P.11). A integrao tambm impede que pessoas ou grupos que
tm interesse no confito, os chamados spoilers, anulem todos os
esforos feitos, tornando as consequncias da paz muito piores
do que as consequncias da guerra(STEDMAN, 1997).
Um dos maiores problemas das estratgias de construo da
paz no est no seu contedo, mas sim na sua execuo. O papel
da Comisso preencher esse hiato, mas isso no signifca que
ela vai operar sozinha. A CCP deve se integrar aos atores nacio-
nais e coorden-los com os demais atores internacionais, para ga-
rantir que todos os agentes trabalhem em conjunto e que operem
segundo o mesmo quadro estratgico para se atingir um plano
realista de implementao. Plano esse que trabalhe concomitan-
temente as relaes polticas, a segurana, o desenvolvimento, e
que seja uma referncia para uma transio clara, preenchendo
a lacuna entre a dependncia e a emancipao da ajuda interna-
cional (BIERSTEKER, 2007).
Sendo assim, a consolidao democrtica deve ser capaz de
garantir tambm a segurana pblica, assegurando que as auto-
ridades locais sejam legtimas, capazes e autnomas. As comuni-
dades precisam de capacidades internamente sustentveis para
o monitoramento e conteno da violncia, implicando um foco
especial na questo da segurana, policiamento e monitoramento,
proteo da segurana pessoal e direitos humanos. Em uma situa-
o de ps-confito imediata, possvel que no haja autoridades
locais capazes de garantir a segurana da populao; porm, ainda
assim, estabelecer o mnimo de segurana vital para as manobras
de construo da paz que viro a seguir (NEWMAN et al, 2009).
Outro ponto que ainda precisa ser reforado pela CCP a
disseminao dos benefcios em toda a sociedade. Ou seja, im-
perativo que se d mais ateno ao bem estar social e, assim, se
diminuam as desigualdades sociais que limitam a participao
poltica (HEEMSKERK, 2007). Na esteira deste pensamento, vem
ajuda humanitria e o auxlio ao desenvolvimento
31
, pois po-
dem introduzir a concorrncia e, ao invs de amenizar o confito,
estimular novas disputas. Esses dois tipos de assistncia podem
gerar confitos de ordem econmica, como por exemplo: dispu-
tas por emprego, fontes regulares de rendas, habitao, transpor-
te, e especialmente controle dos oramentos pblicos, que
so disponibilizados pela ajuda humanitria. Nesse contexto, as
organizaes internacionais responsveis por este tipo de servio
precisam ser imparciais diante de tais cenrios polticos contur-
bados (BIERSTEKER, 2007).
A ajuda humanitria, sempre que possvel, deve ser entregue
com o auxlio dos benefcirios locais, autoridades nacionais e
sociedade civil, alm de ser disposta de forma a no prejudicar
a subsistncia existente atravs de distores de mercado no in-
tencionais. As organizaes responsveis pela ajuda humanitria
tm a obrigao de assegurar que estes atores locais com os quais
ela trabalha estejam envolvidos em tarefas que concernem ao
seu trabalho como a avaliao das necessidades, o fornecimento
e distribuio de ajuda. Assim, os princpios democrticos essen-
ciais como direitos humanos, transparncia, responsabilidade e
imparcialidade so diretrizes essenciais para a entrega de ajuda
humanitria (IDEA, 2005).
Em todos os exemplos apresentados possvel notar que eles
caminham para mesma direo: o engajamento da sociedade civil.
Para que as estratgias de construo da paz e sua implementao
sejam bem sucedidas, preciso que seja resultado de todos os ato-
res envolvidos. O no envolvimento da sociedade civil abre prece-
dentes para crticas, enquanto o seu envolvimento traz autonomia,
transparncia e efcincia ao processo de construo da paz.
6. CONCLUSO
A CCP comea a se defnir como frum de articulao de com-
promissos mtuos e de monitoramento de progresso dos pases
em sua agenda. Esta se liga com os esforos globais para promo-
ver um esprito de parceria entre os doadores e pases parceiros
para produzir melhores resultados de desenvolvimento. Embora
os desafos sejam muitos, e as restries assustadoras, h uma
possibilidade muito real de que a Comisso para Construo da
Paz e a experincia institucional que ela representa sejam bem
sucedidas (BIERSTEKER, 2007).
31
Ajuda humanitria presta assistncia material ou logstica para fns humanitrios,
geralmente prestada em resposta a crises humanitrias. Estas crises podem ser de
ordem natural ou provocadas pelo homem. Tem como fnalidade principal salvar vi-
das, aliviar o sofrimento e manter a dignidade humana. O auxilio ao desenvolvimen-
to, por sua vez, foca-se nos fatores socioeconmicos que poderiam ter levado a essa
crise humanitria (MINEAR, 2002).
475 474
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estratgias para a consolidao da democracia na Libria e Guin-Bissau
A democratizao do Estado liberiano mostrou que este pro-
cesso fundamental para atingir a paz sustentvel. Como pode
ser observada nos estudos de caso, a atuao da ONU na Libria
signifcativa, e, mesmo aps o sucesso da atuao da CCP, esta
continua o seu acompanhamento dos esforos de reconciliao. E
tambm, para compartilhar as experincias bem sucedidas com os
demais pases que integram a sua agenda, assim como se espera
que venha a ser feito com a Guin Bissau. Ademais, preciso ainda
investir mais no ativismo dos grupos sociais, cujas atividades res-
soam com a populao para assim melhorar a participao poltica
e a total participao dos cidados na vida pblica (CCP, 2012).
Devido aos inmeros golpes de Estado, a Guin-Bissau o
pas cuja situao amais delicada. Apesar de j estar no segundo
ano de funcionamento, o seu projeto na CCP ainda d seus pri-
meiros passos. Mas, sob os auspcios da ONU, delineiam-se os
primeiros passos para a formao de uma misso que congregue
e harmonize os diferentes atores, rumo consolidao da cons-
truo democrtica efetiva neste pas (CSNU, 2012).
Em uma ltima anlise, o sucesso ou o fracasso da CCP est
alm do seu controle efetivo. O sucesso de suas operaes de cons-
truo de paz depender da vontade poltica dos principais agen-
tes interventores no confito. Espera-se que, com o apoio poltico e
o estmulo de outros Estados-Membros da ONU, os agentes-chaves
possam ser incentivados. Esforo tal para melhorar os processos de
contratao e fornecimento de recursos para projetos de transio,
criando condies para a construo da paz (BIERSTEKER, 2007).
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479 ESTABILIDADE FINANCEIRA E RESPOSTA
MULTILATERAL NA CRISE DO EURO
Henrique Felix de Souza Machado
tria Aguiar Tonon
Teresa de Angelis de Sousa Cavalcanti
1
16
Money, as a physical medium of exchange, made
a diversifed civilization possible, [] And yet
it is money, in its mechanical more than in its
spiritual efects, which may well, having brought
us to the present level, actually destroy society.
2
Sir Josiah Stamp, apud Fisher (1932, p. vi)
1. INTRODUO
Aps um perodo de bonana na primeira metade dos anos 2000,
o mundo experimentou um grande abalo que passou a fgurar no
centro das atenes de polticos, estudiosos e formadores de opi-
nio: a crise fnanceira de 2007-08 e a consequente recesso global.
Portugal (2012) afrma que a recuperao da economia mundial
ainda vacila, em meio a dvidas a respeito do prximo modelo de
crescimento a ser adotado. Segundo Lane (2012), uma das maio-
res fontes de preocupao acerca da retomada do crescimento a
atual crise da zona do euro, regio econmica do bloco europeu
formada ofcialmente em 1999 e detentora de aproximadamente
18% de toda a produo material de riqueza do globo (FMI, 2011).
Na procura por variadas formas de lidar com o urgente e
complexo problema, o FMI foi chamado a ajudar, desempenhan-
do um papel de importncia bem mais expressiva que o realizado
nas ltimas crises econmicas. Indita, essa guinada na sua atu-
ao est despertando novos horizontes de atuao multilateral
em situaes de crise econmica (GRABEL, 2011). No presente
artigo, pretende-se estudar como a crise chegou a acontecer na
1
Os autores agradecem a colaborao de Jos Roberto Novaes de Almeida, Ph. D. e M.
Phil. em economia pela George Washington University, Washington, D.C. e professor
do departamento de economia da UnB; e Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, dou-
tora em economia pela Universit de Paris X (Paris-Nanterre), Frana e professora do
departamento de economia da UnB. Seus comentrios foram essenciais tanto para a
compreenso do tema deste artigo, quanto para a sua confeco.
2
Traduo livre: O dinheiro, como meio fsico de troca, fez possvel uma civilizao
diversifcada, [...] Mas ainda assim o dinheiro, em seus efeitos mais mecnicos que es-
pirituais, que bem pode, tendo nos trazido ao nvel atual, de fato destruir a sociedade.
481 480
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
zona do euro, quais medidas j foram tomadas para atac-la e
quais outras solues esto sendo debatidas tanto no mbito eu-
ropeu quanto no do FMI para dar uma resposta ao impasse.
A seo 2 revisar os conceitos mais importantes para a
compreenso bsica do tema, nas reas de macroeconomia (es-
pecialmente, economia monetria) e de histria da integrao
europeia. A seo 3 estudar tudo o que j aconteceu, desde as
origens da crise, passando por sua evoluo e desenvolvimento,
at as medidas que j foram tentadas para contorn-la. A seo
4, por sua vez, expor as principais alternativas que ainda no fo-
ram tentadas, e depois analisar o papel do FMI. Por fm, a seo
5 trar as concluses do estudo.
2. CONCEITOS E NOES FUNDAMENTAIS
3
Esta seo apresenta o conhecimento bsico necessrio para a
compreenso de uma crise econmica, especialmente de car-
ter fnanceiro (conceito a ser compreendido na subseo 3.1). A
primeira subseo delineia os conceitos econmicos mais funda-
mentais para a compreenso do tema; o subtpico seguinte des-
creve o sistema fnanceiro, seus principais agentes e seu funcio-
namento; a terceira subseo elucida a relao entre o governo
e o sistema fnanceiro; e a ltima detalha os principais atores da
crise atual: a Unio Europeia e o FMI.
2.1. As bases da economia monetria: moeda e inflao
Uma das caractersticas da organizao em sociedade a diviso
social do trabalho. Atravs dela, cada indivduo fca responsvel
por uma determinada tarefa, uma etapa do processo produtivo,
de modo que todos juntos produzem o necessrio para a sobre-
vivncia coletiva. Como ningum consegue produzir tudo o que
necessita, os indivduos operam trocas. A maneira mais rudimen-
tar de realizar trocas o escambo, em que se pagam bens e servi-
os diretamente com outros bens e servios. Trocar l de ovelha
por lenha, por exemplo, uma forma de escambo. Entretanto, por
ser esse um mecanismo trabalhoso, as sociedades frequentemen-
te facilitam as trocas adotando um bem especial aceito por todos
para intermedi-las: a moeda
4
. Atualmente, a maioria das socie-
dades usa o dinheiro como moeda.
Pode-se perguntar, ento: por que no simplesmente impri-
mir dinheiro para resolver os problemas do mundo? Podemos
resumir a resposta a essa pergunta em uma palavra: infao. A
infao um fenmeno que corri as caractersticas da moeda
at, em casos extremos, inutiliz-la completamente. De modo ge-
ral, seguindo a lei da oferta e da demanda
5
, se muita moeda pos-
ta em circulao numa economia, isto , se sua oferta aumenta
muito mais rpido que sua demanda, seu valor perante os demais
produtos ir cair, sendo necessria mais moeda para trocar pelo
mesmo produto ou seja, ela perde poder de compra e, portanto,
os preos dos produtos sobem
6
.
Quando essa situao se mantm durante algum tempo, diz-
-se que h infao. De maneira simples, pode-se defnir infao
como o aumento generalizado em todos os preos da economia
(i.e., em seu nvel de preos). No caso contrrio, quando a oferta
de moeda fca abaixo da sua demanda, ocorre a defao (fen-
meno atualmente observado nas economias europeias afetadas
pela crise). Nesse artigo, no entraremos no mrito do clssico
debate sobre os benefcios (e malefcios) que um aumento de in-
fao pode causar
7
, pois o conceito no essencial para a com-
preenso da crise corrente.
3
As explicaes dessa seo derivam da base da teoria econmica e foram simplifca-
das a partir de Carvalho et al. (2010) e Sachs e Larrain (2000).
4
Alm de intermediar trocas, a moeda exerce duas outras funes: a) unidade de
conta, atravs da qual estabelece valores referncia para as trocas se operarem (e.g. o
salrio das pessoas pago utilizando-se da moeda, e esta mesma moeda utilizada
para adquirir bens assim, os indivduos conseguem mensurar o valor de seu traba-
lho, dos bens que deseja consumir etc. pela quantia em moeda que cada um deles
corresponde) e b) reserva de valor: enquanto alguns bens perdem muito valor com
o decorrer do tempo, como carros, celulares e comida, a moeda retm o seu durante
perodos maiores (se no houver infao muito alta, um dlar hoje continua valendo
aproximadamente o mesmo daqui a um ano, por exemplo).
5
A lei da oferta e da demanda afrma que, em mercados competitivos, se existe muita
demanda por algum produto e esse produto est em falta (pouca oferta), seu preo
tende a subir, porque as pessoas (demanda) estaro dispostas a pagar mais para obt-
-lo. Em contrapartida, se a oferta de um bem ou servio aumenta muito mais rpido
que a sua demanda, o preo tende a baixar, pois cada vendedor, competindo com
os outros, colocar um preo mais baixo de forma a conseguir vender seu produto.
6
fcil entender a lei da oferta e da demanda observando o nosso cotidiano. Quando,
por exemplo, um artista internacional de destaque realiza um show em determina-
do pas, os ingressos tendem a ter um preo elevado, pois seus shows acontecem no
mximo uma vez por ano (o que caracteriza uma baixa oferta) e o nmero de pessoas
que deseja assisti-lo alto (o que caracteriza uma alta demanda). J um artisca local,
cuja frequncia de shows bem maior (alta oferta), costuma cobrar ingressos mais
baratos, pois os indivduos podem deixar de ir a um show, sabendo que em pouco
tempo haver outro, (caracterizando uma menor demanda).
7
Os economistas clssicos defendem um baixo nvel de infao, como forma de ga-
rantir o crescimento econmico. Os economistas heterodoxos, por sua vez, enten-
dem que um certo nvel de infao essencial para o crescimento econmico. Para
mais detalhes, consultar Mollo (2004).
483 482
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
2.2. Bancos centrais e o sistema financeiro
Para proteger o dinheiro da infao (ou defao) e dar-lhe con-
fabilidade, os pases atribuem ao governo o monoplio sobre a
sua emisso (i.e., impresso). Dessa forma, possvel tentar do-
sar a quantidade exata de moeda que deve ser criada (aumento
da sua oferta) para acompanhar o crescimento da economia (i.e.,
da demanda por moeda) sem, no entanto, permitir o avano da
infao (ou seja, sem criar dinheiro demais). A entidade gover-
namental responsvel por essa tarefa o banco central, que cos-
tuma gozar de certa independncia com relao ao Poder Execu-
tivo. Controlar a emisso de moeda, no entanto, apenas um dos
atributos de um banco central. Para esclarecer melhor seu papel,
preciso antes entender mais sobre o sistema fnanceiro.
Assim como a moeda representa um avano em relao ao
escambo, melhorando a coordenao dos agentes econmicos
(pessoas, empresas, governos etc.), o uso do dinheiro atravs do
sistema fnanceiro tambm constitui um avano em relao ao
seu uso sem essa intermediao. Isso acontece porque, numa
economia, nem sempre os indivduos utilizaro seu dinheiro de
forma imediata para consumir ou investir diretamente; muitas
vezes elas iro poup-lo para gastar no futuro. Tem-se, portanto,
uma quantidade enorme de dinheiro parado que poderia estar
sendo usado para fazer a economia crescer.
De outro lado, h agentes econmicos que no dispem de
recursos necessrios, mas esto dispostos a pagar para pegar di-
nheiro emprestado (crdito) para investir (como abrir uma em-
presa) ou consumir (como comprar um imvel). O sistema fnan-
ceiro justamente o responsvel por promover o encontro entre
a oferta e a demanda de poupana, impedindo o dinheiro de fcar
parado de forma improdutiva. Ele desempenha dessa forma um
papel crucial em qualquer economia contempornea.
H uma srie de instituies que compem o sistema fnan-
ceiro: alm do banco central, entre as principais esto os bancos,
as companhias de seguros, os investidores institucionais e as so-
ciedades de crdito, de fnanciamento e de investimento. O prin-
cipal instrumento de atuao dessas instituies o emprstimo,
que sempre concedido condicionado cobrana de um valor
adicional, chamado juros, cuja funo compensar o credor (isto
, aquele que empresta) pelo risco e pela durao do emprstimo
8
.
Sem os juros, haveria pouco incentivo para os agentes empresta-
rem dinheiro. Haveria, portanto, muito menos crescimento
9
.
Como o sistema fnanceiro intermedia os emprstimos, suas
instituies (sobretudo os bancos) frequentemente no so do-
nas dos recursos emprestados. Um banco comercial, por exem-
plo, recebe o depsito dos que poupam dinheiro e empresta parte
desse dinheiro a juros para aqueles que querem consumir ou in-
vestir, mas que no tm dinheiro prprio para faz-lo.
O banco central no desenvolve as funes tradicionais de um
banco comercial: no recebe depsitos de pessoas/empresas no
fnanceiras, nem empresta a elas dinheiro. Alm de monopolizar a
emisso de moeda, o banco central empresta dinheiro aos outros
bancos: ele o emprestador de ltima instncia do sistema fnan-
ceiro, ajudando os bancos quando precisarem de emprstimos
mais seguros e favorveis. Ainda, ele regula o sistema monetrio e
fnanceiro e o responsvel por monitorar a atividade bancria e
ter certeza de que os bancos no estejam tomando riscos demais.
2.3. O governo, seu financiamento e sua interao com o sistema financeiro
Um dos mais importantes agentes de uma economia o governo.
Pelo seu tamanho e importncia como principal comprador da
economia, o governo tem o poder de infuenciar preos de pro-
dutos. A ttulo de exemplo, se um governo resolve criar uma nova
poltica de sade atravs da compra e distribuio gratuita de cer-
tos medicamentos para a populao, ele ter de comprar muitas
unidades desses medicamentos, o que equivale a dizer que a de-
manda total pelos medicamentos crescer bastante de maneira
muito rpida. Isso, por sua vez, causar um aumento temporrio
no seu preo, estimulando o aumento da produo por parte dos
agentes privados (e, portanto, investimento em novas fbricas,
criao de novos postos de trabalho etc.).
8
O risco de um emprstimo consiste na possibilidade de o devedor no honrar seu
compromisso de pagar de volta todo o valor do emprstimo. Assim, caso o devedor
no pague, o credor parcialmente compensado com os juros pagos durante o per-
odo do contrato. J a durao consiste no custo de oportunidade do emprstimo, isto
, o rendimento de outros investimentos que o credor poderia estar fazendo com a
utilizao daquilo que foi emprestado durante todo o tempo do emprstimo.
9
Considera-se que o emprstimo um meio de fomentar o investimento, pois aque-
les dispostos a investir, mas que no possuem capital prprio no momento, podem
tomar emprestado, realizar seu investimento e pagar o emprstimo com o lucro dele
obtido. Como investimentos geram frutos no futuro, produzindo riqueza, um incenti-
vo ao investimento tambm um estmulo ao crescimento econmico. Quando alguma
quantidade de dinheiro entra no sistema fnanceiro (e.g. um depsito numa conta
pessoal), alguma parte dela ser utilizada para emprestar a agentes que vo inves-
tir. Esse mecanismo uma forma de investimento indireto. Portanto, ao remunerar
aqueles que emprestam seu dinheiro, os juros atuam como um grande incentivo ao
investimento indireto (o investimento realizado pelo prprio detentor do dinheiro
denomina-se investimento direto), o que por sua vez faz a economia crescer.
485 484
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
Mas o governo no consegue fazer isso sem que haja algum
custo. Como visto no tpico 2.1, se ele simplesmente imprimir
moeda, haver muita infao. Portanto, para fnanciar todas
essas atividades, preciso tirar recursos de algum lugar, o que
tradicionalmente feito atravs da arrecadao fscal (tributos) ou
do endividamento. Portanto, ao se endividarem, os governos uti-
lizam o sistema fnanceiro para obter recursos por meio de em-
prstimos, assim como os demais agentes econmicos.
O principal mecanismo atravs do qual o governo capta re-
cursos por meio de endividamento a venda de ttulos. Com esse
mtodo, emite-se um documento em formato especfco chamado
ttulo da dvida soberana ou ttulo pblico, que atribui ao seu porta-
dor um crdito perante o governo. Depois de criados, os ttulos so
vendidos, permitindo ao governo arrecadar dinheiro. Cada tipo de
ttulo tem um perodo de vencimento, e, quando o ttulo vence, o
governo restitui ao proprietrio do ttulo o valor inicial mais os ju-
ros. Assim, o proprietrio de um ttulo pblico credor do governo.
Assim como no exemplo dos medicamentos, o governo tem a
capacidade de infuenciar os preos no mercado de emprstimos.
Como o preo de um emprstimo o valor de seus juros, o gover-
no d um preo base para todos os emprstimos da economia ao
estipular taxas de juros aos seus ttulos. nesse preo, chamado
de taxa bsica de juros ou simplesmente taxa de juros , que os
credores se basearo ao fazer emprstimos, atravs de compara-
es com preos de outros emprstimos/investimentos.
Conforme exposto, os juros compensam o risco do emprsti-
mo. Os emprstimos tomados por um governo so em geral tidos
como um dos investimentos mais seguros, pela extrema difcul-
dade de o governo deixar de pagar o que deve. Mas ainda assim
h pocas em que o mercado (i.e., seus agentes) passa a duvidar
da capacidade do governo de honrar seus compromissos credit-
cios. Isso acontece quando o governo chega a uma situao muito
prxima da insolvncia, fenmeno que toma lugar quando a d-
vida total de um governo, denominada dvida soberana, adquire
magnitude tal que o governo no consegue mais pag-la por in-
teiro. A sada tradicional desse quadro o default
10
.
Em uma situao como essa, quando percebe tal fragilidade,
o mercado passa a exigir do governo taxas de juros mais altas para
compensar o risco adicional, j que o risco de emprestar ao gover-
no aumenta drasticamente em situaes prximas insolvncia.
Assim, para continuar conseguindo fnanciamento no mercado
de crdito (ou seja, de emprstimos), o governo forado a pagar
taxas de juros mais altas. A taxa bsica de juros, portanto, refete a
solidez das contas de um governo
11
. Vrias situaes podem levar
um governo beira da insolvncia. No presente artigo, duas delas
so mais importantes: o excesso de gastos e a crise bancria.
O excesso de gastos consiste simplesmente em gastar de ma-
neira insustentvel, dispendendo muito mais dinheiro do que
se arrecada durante um longo perodo de tempo, isto , susten-
tando dfcits de forma prolongada. Dfcit a situao em que
um governo se encontra quando gasta mais do que arrecada em
certo perodo (geralmente um ano). Mas como ele consegue gas-
tar mais do que ganha? Pegando dinheiro emprestado atravs de
ttulos. Assim, o governo fnancia seus dfcits aumentando sua
dvida total. Ao sustentar dfcits por muito tempo numa postura
fscal irresponsvel, a dvida do governo pode crescer de maneira
tal que ele fque prximo insolvncia.
J a crise bancria opera um mecanismo mais sutil: o que
faz o risco dos ttulos pblicos subir a importncia do sistema
bancrio na economia. Um banco sempre tem uma quantidade
de capital (dinheiro) prprio investido nas suas operaes. Mas,
conforme j colocado, bancos intermediam emprstimos, de for-
ma a emprestar tambm capital que no seu (ex.: depsitos de
pessoas/empresas, cadernetas de poupana etc.). Portanto, se
um banco vai falncia, o prejuzo recai tambm sobre todos
aqueles que deixaram seu dinheiro em poder desse banco. Se v-
rios bancos tm problemas, de modo que o sistema bancrio est
em crise, toda a economia fca refm do seu futuro. Para no dei-
xar a economia vulnervel, o governo gasta dinheiro para salvar
esses bancos, s vezes assumindo as suas dvidas com todos os
riscos a elas associados. Desse modo, num quadro de crise ban-
cria, o risco que antes era puramente bancrio se transforma
em um risco fscal: ao gastar tanto para ajudar os bancos e para
estimular a economia, a dvida do governo pode crescer demais,
colocando-o prximo da insolvncia.
10
Default caracteriza-se pelo descumprimento de qualquer clusula importante de
um contrato que vincula devedor e credor, tornando o primeiro inadimplente. O
default integral, isto , de toda a dvida assumida, equivale a um calote. No caso de
uma nao, quando esta suspende o pagamento dos juros da sua dvida externa, tem-
-se a declarao de moratria. Embora viole o contrato na sua dimenso temporal,
a moratria serve para o devedor ganhar tempo e conseguir pagar a quantia total
posteriormente.
11
Como o governo tem um poder de mercado sobre o preo dos emprstimos, ele
frequentemente sobe ou desce os juros de maneira unilateral como forma de poltica
econmica. Porm, isso no diz nada a respeito da sua solidez fscal. A ttulo de exem-
plo, o governo pode subir os juros para conter a infao, assim como pode baix-los
em pocas de baixo crescimento para estimular os investimentos na economia. Essas
situaes no so to importantes para o presente artigo.
487 486
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
2.4. A Unio Europeia e o FMI
Foi descrito acima o funcionamento bsico do sistema fnanceiro e
monetrio das economias nacionais. Porm, assim como cada pas
possui seu prprio sistema fnanceiro, h um sistema fnanceiro in-
ternacional, que coordena a oferta e a demanda de poupana entre
os pases. Para auxiliar essa complexa interao, existem regras e
instituies especfcas. Nesse tpico, ser introduzida a estrutura
fundamental do bloco europeu, que traz algumas mudanas na es-
trutura macroeconmica bsica apresentada at aqui, bem como
uma descrio sucinta do Fundo Monetrio Internacional (FMI).
Aps a Segunda Guerra Mundial, buscando pr um fm no
seu histrico de confitos, as principais potncias europeias pas-
saram a aumentar a cooperao e a integrao entre si. Desse
esforo resultou um processo de unio econmica e poltica que
culminou na formao da atual Unio Europeia (UE), com 27 Es-
tados-membros. A UE consiste em um bloco econmico dotado
de um mercado comum, livre movimento de pessoas, bens, ser-
vios e capital, e legislao e polticas comuns em variadas reas
(e.g.: segurana, justia, agricultura, pesca, comrcio exterior, po-
ltica externa, desenvolvimento regional). Ainda, visando a apro-
fundar a integrao econmica, 17 membros
12
da UE se reuniram
para formar uma unio monetria, abrindo mo do poder de seus
respectivos governos de emitir uma moeda nacional prpria e
adotando uma moeda comum, o euro. O conjunto desses pases
constitui a zona do euro (UE, 2007).
Para garantir seu funcionamento, a UE dispe de institui-
es supranacionais e intergovernamentais em favor das quais
os membros aceitaram transferir uma quantidade de soberania.
Embora esteja longe de ter todos os poderes de um Estado sobe-
rano, a UE possui uma confgurao que lembra um governo com
separao de poderes: h um Executivo (a Comisso Europeia),
um Judicirio (o Tribunal de Justia), um Legislativo (Parlamento
Europeu e Conselho de Ministros) e um Tribunal de Contas. Alm
disso, como maior tomador de decises polticas, h o Conselho
Europeu e, como autoridade monetria do euro, o Banco Central
Europeu (BCE) (UE, 2007). A Comisso, o Conselho Europeu e o
BCE so os mais importantes para o presente artigo.
O Conselho Europeu d as diretrizes para a atividade legis-
lativa e executiva da UE, sendo capaz de defnir os rumos e de
propor mudanas radicais na confgurao do bloco europeu.
Por sua vez, a Comisso detm a responsabilidade fscal pelos
gastos da Unio, dispondo de oramento prprio para oferecer,
embora com grandes limitaes, ajuda direta aos pases com dif-
culdades. J o BCE detm o monoplio da emisso do euro e atua
de maneira bastante independente com quase todos os poderes
de um banco central nacional (UE, 2007). Sua atuao ser mais
discutida nas sees seguintes.
Com relao zona do euro, importante notar que a unio
monetria no foi acompanhada de grau signifcativo de unio
bancria nem de unio fscal. Isso signifca, respectivamente,
que as regulaes e a superviso do sistema bancrio continu-
am nas mos de cada pas individualmente e que o oramento
fscal da UE pequeno demais para ter a infuncia signifcativa
na economia da zona do euro
13
. Essa caracterstica, muitas ve-
zes referida como uma falha no desenho institucional do euro
(BLUNDELL-WIGNALL, 2012; LANE, 2012), foi muito importan-
te para a formao da atual crise do euro e ser analisada com
maior profundidade na seo seguinte.
Por sua vez, o FMI uma instituio fnanceira global que
tem entre seus objetivos manter a estabilidade do sistema fnan-
ceiro internacional, socorrendo os pases em caso de crises e pro-
blemas com suas contas pblicas. Uma de suas funes conce-
der emprstimos condicionados aos pases que lhe solicitam ajuda.
A seo 4.2 explicar como funciona esse tipo de emprstimo. O
FMI tambm um importante foro de discusso da regulao do
sistema fnanceiro internacional (FMI, 2012c). Seu papel atual-
mente vem sendo rediscutido no mbito mundial, devido s ex-
perincias em crises recentes. Com a entrada de pases europeus
na posio de endividados, o FMI tem negociado as condies
para fornecer ajuda aos pases necessitados, no estabelecendo
uma cobrana to rigorosa de medidas em alguns dos casos (STI-
GLITZ, 2000). Uma possvel mudana na postura do FMI um
debate a ser abordado com maior profundidade no tpico 4.2.
3. AS ORIGENS, O DESENVOLVIMENTO E A SITUAO ATUAL DA CRISE DO EURO
Aps a Segunda Guerra Mundial, a globalizao tornava-se uma
ideia cada vez mais popular, pois signifcava a facilidade de aces-
so internacional atravs do desaparecimento de barreiras ao co-
12
Os pases so: Alemanha, ustria, Blgica, Chipre, Eslovquia, Eslovnia, Espa-
nha, Estnia, Finlndia, Frana, Grcia, Irlanda, Itlia, Luxemburgo, Malta, Pases
Baixos e Portugal.
13
O oramento da Comisso Europeia representa apenas 1% de todo o oramento fs-
cal da UE. Os outros 99% continuam nas mos de cada Estado-membro (COMISSO
EUROPEIA, 2012b).
489 488
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
mrcio e aos investimentos, e o aumento do fuxo internacional
de bens e servios (GEISST, 2009). O livre comrcio e os mercados
comuns serviriam para facilitar essa ideia.
A reduo e eliminao das barreiras comerciais e fnancei-
ras advieram da liberalizao de seus mercados. Segundo Mollo
(2011), o termo liberalizao pode ser entendido como um des-
vencilhamento das normas estatais de regulao da economia.
Esse processo, inclusive, acabou levando a uma desregulamen-
tao dos mercados, ou seja, o papel do Estado reduziu-se, e os
mercados tornaram-se mais livres para funcionar de acordo com
a sua prpria dinmica e auto-regulamentao.
Nesse sentido, a liberalizao do comrcio, especialmente
em pases em desenvolvimento, apresentou benefcios modestos,
enquanto simultaneamente a liberalizao do mercado cambial
e de capitais associou-se a altas taxas de cmbio e de juros, dif-
cultando o crescimento da produtividade, a distribuio de renda
e o desenvolvimento (SUNS, 1998). A liberalizao fnanceira em-
basou-se na reduo do controle estatal do mercado fnanceiro,
o qual, globalizado, apresentava capitais movimentando-se fora
do mbito de seu pas de origem, por exemplo (...) [atravs do]
mercado de dlares fora do controle americano e aplicaes eu-
ropeias em dlar, cuja gesto est fora da alada dos vrios pases
europeus (MOLLO, 2011, p. 460).
Nesse cenrio insere-se a atual crise, que pode ser conside-
rada a mais grave enfrentada pela Europa desde a crise decorren-
te da Segunda Guerra (FREITAS, 2011). Seu incio aconteceu em
maio de 2010, a partir das crescentes difculdades de fnancia-
mento
14
apresentadas pela Grcia, um dos pases economicamen-
te mais fracos da zona do euro. Atualmente, a crise j se espalhou
pela regio, tendo atingindo principalmente os chamados pases
perifricos, que so: Grcia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itlia
15
.
Entretanto, a crise corrente desenvolveu-se em muito alm
dos pases da zona do euro e expandiu-se para o mundo como
um todo. Como a crise surgiu? O que determinou o seu contgio
pelas economias da zona do euro? Quais os efeitos nessas eco-
nomias? Tais perguntas sero abordadas nas prximas subsees.
A primeira subseo compreende as condies da economia eu-
ropeia e mundial que serviram de plano de fundo para a crise. A
subseo seguinte aborda como a crise se espalhou para os de-
mais pases da zona do euro. A terceira subseo mapear seus
efeitos sobre os pases (em especial, os perifricos), as medidas
adotadas para cont-la e quais seus resultados e consequncias
at o presente momento.
3.1. Origens
Antes de entender a crise, preciso compreender em qual con-
texto ela foi inserida. Nesta subseo, sero tratados dois fatores
que criaram condies propcias para o deslanchar da crise atual:
a confgurao do sistema fnanceiro internacional e o desenho
institucional europeu.
3.1.1. A configurao do sistema financeiro internacional
A viso de Minsky (1982) acerca da origem e da intensifcao das
crises fnanceiras considera que o surgimento das crises relacio-
na-se com a composio dos ativos e passivos das instituies
fnanceiras. Os ativos constituem as aplicaes realizadas pelas
instituies fnanceiras, enquanto que os passivos indicam suas
fontes de captao de recursos. Segundo Muniz (2010), at 1960,
as instituies fnanceiras s aumentavam seus ativos (como os
emprstimos) se houvesse uma contrapartida no aumento dos
passivos (como um aumento no nmero de depsitos).
A partir da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou por um
perodo de grande expanso econmica, liderada pelos EUA. Entre-
tanto, aps os anos 60, determinadas condies da economia ame-
ricana - como o aumento da infao aliado aos gastos realizados
na guerra com o Vietnam (CARVALHO, 2000, p.341), deterioraram
o Balano de Pagamentos (BP)
16
norte-americano (MUNIZ, 2010).
Esse desequilbrio gerou graves consequncias para o mundo, pois
este dependia da dinmica da economia americana em garantir
a paridade dlar-ouro
17
, institucionalizada em Bretton Woods
18
.
14
Conceito que se refere perda da capacidade do governo de obter receitas para
saldar suas dvidas.
15
Os pases perifricos so tambm conhecidos pelo termo PIIGS (Portugal, Ireland,
Italy, Greece and Spain; em portugus: Portugal, Irlanda, Itlia, Grcia e Espanha).
16
No BP so registradas todas as transaes entre residentes e no-residentes de um
pas. As transaes comerciais (exportaes e importaes) so registradas na conta
corrente e as transaes fnanceiras na conta de capitais do balano de pagamentos.
17
O padro dlar-ouro garantia que cada 35 dlares valeriam uma ona troy (31,1g)
de ouro. Ou seja, era garantido a qualquer indivduo, instituio fnanceira, empre-
sa ou banco, que o governo dos Estados Unidos forneceriam tal quantidade de ouro
caso fosse apresentada a citada quantidade de dlares. Para essa situacao se manter,
os EUA no podiam desvalorizar sua moeda (barate-la em relao a outras moedas),
de modo que uma mesma quantidade de dlares valesse menos ouro. Assim, quando
os EUA precisou desvalorizar sua moeda, encerrou-se a padro dlar-ouro.
18
O Acordo de Bretton Woods foi estabelecido em 1944 no qual o presidente dos EUA
Franklin D. Roosevelt e do primeiro ministro ingls Winston Churchill desejavam garan-
tir a prosperidade ps-guera atravs da cooperao econmica. Seus principais objeti-
vos consistiam em estabelecer um sistema de taxas de cmbio (o qual levou ao padro
dlar-ouro) e reconstruo dos pases prejudicados pela Segunda Guerra Mundial.
491 490
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
Consequentemente, ocorreu a extino do modelo de taxas fxas
de cmbio atravs do abandono da paridade dlar-ouro.
Como explica Carvalho (2000, p. 341): Criou-se, assim, um
ambiente de extrema incerteza para a operao dos mercados
fnanceiros dos principais pases desenvolvidos. E justamen-
te neste ambiente que inicia-se uma operao de fexibilizao
dos passivos do sistema fnanceiro, ou seja, da captao de re-
cursos. Essa fexibilizao dos passivos deu-se pelo advento de
inovaes fnanceiras
19
. De acordo com Muniz (2012), os novos
instrumentos fnanceiros destacaram-se pela forma de captao
de curto prazo
20
destinados atividades de ativos de longo prazo,
ou seja, os recursos eram captados atravs de contratos de curto
prazo, enquanto os emprstimos eram concedidos por contratos
de longo prazo. Logo, antes que o banco recebesse o montante
emprestado, teria que pagar pelos recursos captados.
Ainda segundo Muniz (2012), entre 1970 e 1980, juntamente
com todo esse processo de liberalizao, intensifcava-se o pro-
cesso de internacionalizao, ou seja, o processo da facilitao
em atuar em outros pases. O Euromercado surgiu nessa poca,
permitindo aos bancos europeus captarem recursos de bancos
estrangeiros, diversifcando ainda mais sua carteira de passivos
(captao de recursos). Os bancos americanos aproveitaram essa
demanda por capital externo e iniciaram um processo de inter-
nacionalizao fnanceira, abrindo fliais de seus bancos em di-
versos pases.
Na dcada de 80, o processo de criao de novos instrumen-
tos fnanceiros apresentou um forte dinamismo, especialmente
atravs da criao de inovaes rumo prtica de hedging fnance
(CORRA, 1995, p. 58). O hedging fnance amplia a segurana na
realizao de um determinado investimento, fator crucial visto
o ambiente de grande incerteza que prevalecia na poca. Muniz
(2010) destaca que nesse perodo ocorreu uma maior presso das
autoridades reguladoras para que as instituies bancrias ele-
vassem suas reservas de capital prprio, o que levou prtica de
operaes no registradas em balano, tais como i) as operaes
de securitizao e ii) derivativos, gerando um efeito perverso.
Essas operaes permitiram aos bancos captarem recursos
sem, no entanto, registrar em seus balanos, camufando os ris-
cos envolvidos em suas operaes. Alm disso, passam a ter im-
portncia os chamados investidores institucionais que, segundo
Carvalho (2000), abarcam os fundos de penso, fundos de inves-
timentos e os fundos desenvolvidos pelas companhias segurado-
ras. Conforme aponta este autor, os investidores institucionais
so investidores que esto atrs de retornos elevados para seus
capitais e, portanto, sujeitos a correrem maiores riscos.
Todas estas inovaes ao longo das ltimas dcadas permi-
tiram, segundo Muniz (2010), que todo tipo de agente tivesse
a possibilidade de captar recursos, inclusive aqueles com con-
dies precrias de pagamento ou de se auto fnanciar. Desta
forma, as inovaes fnanceiras, especialmente aquelas que sur-
giram aps a dcada de 80, tem a caracterstica de tornarem o
sistema muito mais instvel. Este processo de criao de instru-
mentos fnanceiros e fexibilizao nas formas de captao dos
bancos criaram, conforme mesmo autor, um ambiente que dif-
cultou cada vez mais a atuao dos Bancos Centrais em controlar
a atuao bancria e a oferta de moeda.
E foi nesse ambiente que observou-se, especialmente na pri-
meira dcada do sculo 21, um considervel aumento do fuxo de
capital externo. O fuxo que era entre 2 a 6% do PIB mundial entre
1980-95, subiu para 15% do PIB desde ento; em 2006, esse fuxo
correspondia a $7.2 trilhes (PRIMORAC, 2012).
O grande problema desse aumento exarcebado do fuxo de
capitais em to curto tempo residiu na ausncia de uma regu-
lamentao efcaz, capaz de garantir o pleno funcionamento do
mercado de capitais. Nesse ambiente, iniciou-se a crise econmi-
ca global em 2007, por meio do colapso do sistema de hipotcas
dos EUA. Intrinsecamente ligado ao sistema fnanceiro, o merca-
do imobilirio sofria com a falta de uma regulamentao efcien-
te. Aliada a isso, ainda presenciava-se incapacidade de Federal
Reserve (Fed), banco central americano, em controlar as opera-
es fnanceiras da economia americana (MENDELSON, 2010).
A crise espalhou-se pelo mundo em 2008, na forma de dese-
quilbrios no fuxo de capitais externos, atravs da brusca redu-
o da quantidade de dlares disponveis. Em sntese, a desregu-
lamentacao do mercado fnanceiro difcultou o reconhecimento
dos riscos embutidos nas operaes fnanceiras. O conjunto dos
agentes fnanceiros tornou-se extremamente complexo e no
transparente. Dado que os mercados dependem de informaes
para funcionar, essa falta de transparncia levou ao desconheci-
19
Carvalho (2000, p. 338) defne uma inovao fnanceira como (...) a produo
de novos tipos de servios fnanceiros ou a novas formas de produo de servios
fnanceiros j conhecidos. As inovaes fnanceiras constituiram-se dos Fundos
de Reserva Federal (FRFs), dos Certifcados de Depsitos Bancrios (CDBs) e dos
Commercial Papers (CPs).
20
Na economia, operaes de curto prazo tm durao de at um ano.
493 492
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
mento de quem tinha o qu ou qual o seu valor no mercado f-
nanceiro internacional, fator crucial para a viabilidade da crise de
crdito atual (MENDELSON, 2010).
3.1.2. O desenho institucional europeu
Nesse mbito de sofsticao do sistema fnanceiro internacional
(tanto pela globalizao quanto pelo processo constante de cria-
o de novos mecanismos fnanceiros), a Unio Europeia (UE)
passava por transformaes semelhantes. Segundo Sapir (2011),
a concluso do mercado nico europeu
21
com a adoo do euro
em 1999 foi, ento, acompanhada pela completa liberalizao do
mercado de capitais europeu. Entretanto, essa liberalizao no
foi seguida de uma regulamentao comum para todos os Esta-
dos membros da zona do euro.
Simultaneamente, esses avanos obtidos em mbito mone-
trio no foram observados em mbito fscal ou bancrio, pois a
regulamentao desses setores foi deixada a nvel nacional. Aqui
temos o seguinte cenrio: i) ocorreu uma unio monetria, dada
a adoo do euro por 17 pases membros da Unio Europeia e
de um banco central comum; ii) os segmentos fscais e bancrios
no foram contemplados com nenhuma integrao formal, de
modo que os problemas gerados por cada pas seriam resolvidos
em mbito domstico, sem haver nenhuma entidade supranacio-
nal (como o BCE, no caso do sistema monetrio) capaz de tomar
decises concernentes zona do euro como um todo.
O Tratado de Maastrich, que entrou em vigor em 1993, de-
fniu as direes a serem tomadas pela Unio Europeia em dire-
o a uma unio econmica e monetria (ainda em estgio de
mercado comum). Ao defnir que a poltica monetria seria de
competncia da UE
22
e que a poltica econmica seria deixada
jurisdio de seus Estados membros
23
, criou-se um desequilbrio
estrutural no funcionamento da unio econmica e monetria da
UE. Por isso, entende-se que o Banco Central Europeu foi institu-
do de completa independncia para decidir a direo da politica
monetria da UE sem, entretanto, contar com uma entidade po-
ltica forte que pudesse defnir as linhas de ao econmica que
dariam suporte politica econmica monetria adotada.
Tentou-se corrigir esse problema atravs do Tratado de Ams-
terd que entrou em vigor em 1999 e estabeleceu regras fscais
24
para os pases da UE. Em sntese, institua-se um controle centra-
lizado da poltica fscal da zona do euro, atravs de um conjunto
de mecanismos que monitorariam e sancionariam os pases da
zona do euro que possussem considerveis dfcits pblicos
(esse conceito ser abordado na subseo seguinte). Entretanto,
em 2003, a Frana e a Alemanha estavam em situao de dfcit
excessivo, mas o Conselho Europeu no sancionou os dois pases,
conforme previsto no Tratado de Amsterd (BBC, 2012). Ou seja,
houve um afrouxamento das regras, alm de um distanciamento
perante a integrao no mbito fscal da UE.
O entendimento da confgurao do sistema fnanceiro inter-
nacional e do desenho institucional europeu fornece a base para
a compreenso da crise europeia. Esses dois aspectos descritos fo-
ram de extrema importncia para que ocorresse a liberalizao do
mercado de capitais na zona do euro sem simultaneamente ocor-
rer uma regulamentao adequada que, como sabemos por an-
lise posteriori, foi o gatilho para o deslanchar da crise corrente.
Na subseo seguinte, sero discutidos o incio da crise e seu de-
senvolvimento, atravs do detalhamento das entrelinhas polticas
e econmicas pertinentes ao processo de liberalizao de capitais.
3.2. A crise europeia
Como foi visto na subseo anterior, a liberalizao do mercado
de capitais europeu (i.e, extino de quaisquer restries de seu
fuxo) permitiu que instituies fnanceiras pudessem operar por
meio de fliais espalhadas pelos pases da zona do euro
25
, reali-
21
H 6 estgios de integrao econmica:
1) Zona de preferenciais tarifrias: dois ou mais pases adotam uma reduo ta-
rifria parcial;
2) Zona de livre comrcio: dois ou mais pases optam por promover uma alquota
tarifria de importao igual a zero, ex: NAFTA;
3) Unio aduaneira: dois ou mais pases aprovam, alm dos benefcios da rea de
livre comrcio, a criao de uma tarifa externa comum (TEC), ex: Mercosul;
4) Mercado comum: dois ou mais pases que j faziam parte de uma unio adua-
neira decidem liberar o fuxo de mo-de-obra e capital;
5) Unio econmica e monetria: dois ou mais pases pertencentes a um mercado
comum decidem-se pela criao de uma moeda comum, unifcando as polticas
externa e de defesa, ex: Unio Europia;
6) Integrao Econmica Total: estgio mais completo de integrao, quando se
adotam polticas monetrias, fscais e sociais comuns, estabelecendo-se uma auto-
ridade supranacional, encarregada da elaborao e aplicao dessas polticas.
22
De acordo com o Artigo 3 do Tratado de Funcionamento da UE (2010).
23
De acordo com o Artigo 5(5) do Tratado da Unio Europeia (2007).
24
Essas regras compunham o Tratado de Estabilidade e Crescimento da UE (2012).
25
Alm de Islndia, Listenstaine e Noruega, que no adotam o euro mas fazem
parte da UE.
495 494
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
zando operaes cross-border
26
sem responder a nenhuma auto-
ridade supranacional (SAPIR, 2011), mas apenas ao seu pas de
origem. Essa no coordenao entre polticas fnanceiras e fscais
foi fragilizando a UE, especialmente pela difculdade em regular
o cumprimento das normas
27
estabelecidas pelo Tratado de Ma-
astricht em suas polticas fscais (KIRKEGAARD, 2011).
Nesse mbito, no qual o sistema fnanceiro e a unio monetria
contriburam para o aumento do fuxo de capitais externos, o gover-
no se insere como um dos agentes a fazer uso desses capitais. Da
mesma maneira que as empresas e as famlias, o governo precisa de
uma fonte de renda para cobrir suas despesas. Essa fonte de renda
obtida atravs da arrecadao de impostos. Entretanto, quando os
impostos no so sufcientes para cumprir com suas obrigaes, o
governo precisa tomar emprestado. E para este sentido o governo
passou a aproveitar o aumento do fuxo de capitais externos.
Dependendo de como o governo aloque os recursos obtidos,
os emprstimos obtidos atravs da venda de ttulos da dvida p-
blica pode auxiliar o pas a reduzir seus dfcits fscais e promover
o crescimento, gerando condies para o pas se recuperar. Vuko-
vic (2012) aponta duas fnalidades para as quais o dinheiro obtido
com a dvida pblica pode ser utilizado: a) fnanciar investimen-
tos (manufaturas, tecnologia etc.), o que positivo para o pas,
pois promove a produo e gera crescimento ou b) fnanciar o
consumo e os gastos do governo em setores no produtivos, o que
negativo para o pas, pois este capital no vai gerar renda adicio-
nal (essa renda no pode ser obtida, por exemplo, quando o gover-
no utiliza dinheiro dos cofres pblicos para fnanciar campanhas
eleitorais). Conforme mesmo autor, Irlanda e Espanha encaixam-
-se no caso (a), enquanto Grcia, Itlia e Portugal, no caso (b).
Aps a adoo do euro, dados do FMI (2011) apontam que
todos os pases da zona do euro aumentaram seu dfcit, exce-
o da Alemanha. Segundo Vukovic (2012), isso ocorreu porque
a Alemanha adotou uma srie de reformas no seu mercado de
trabalho e no seu sistema de penses, gerando aumento em seus
nveis de produtividade e reduo nos gastos do governo ao enxu-
gar o valor das penses (KIRKEGAARD, 2011).
Tradicionalmente o pas mais competitivo
28
da Europa, essas
medidas s distanciaram os demais pases dos nveis da Alema-
nha, o que pode ser observado no aumento das exportaes des-
ta e no aumento das importaes dos demais pases (VUKOVIC,
2012). Com o tempo, as empresas menos competitivas decretam
falncia, o que traz claros impactos arrecadao de impostos. E
quanto menor a arrecadao, menos recursos o governo dispe
para pagar o seu dfcit. A continuidade desse ciclo pode levar a
uma recesso da economia (no ocorre crescimento; pelo contr-
rio, a economia produz menos), e, na pior das hipteses, a uma
depresso (estado agravado da recesso, consistindo em longos
perodos de falncias de empresas, desemprego em massa etc.).
Nesse sentido, como os pases esto vinculados por uma
unio monetria, no podem utilizar a ferramenta de desva-
lorizao de sua moeda para reduzir esse desequilbrios fscais
(LANE, 2012), ao baratear suas exportaes (o que aumentaria
sua arrecadao), e diminuir o valor de suas dvidas (j que com
a moeda desvalorizada, eles precisam de mais moeda nacional
para pagar a moeda estrangeira, e a dvida fxa na moeda do-
mstica tornando-se, portanto, mais barata).
Outro aspecto da unio monetria concerne os agentes do sis-
tema fnanceiro. Estes desenvolveram a impresso errada de que os
riscos dos ttulos das dvidas pblicas de cada pas da zona do euro
poderiam ser lidos de maneira conjunta, ou seja, como todos eram
cotados em euro, deu-se a impresso que no importava qual ttulo
comprar, pois todos apresentavam o mesmo nvel de segurana
afnal, valiam euros. Antes disso, quando cada pas tinha sua pr-
pria moeda, havia uma disparidade maior entre as taxas de juros de
cada nao, refetindo a solidez do setor privado e dos compromis-
sos frmados pelos governos (ttulos pblicos). Pases como Portu-
gal e Grcia tinham juros maiores, enquanto pases como a Alema-
nha e a Frana remuneravam menos os seus credores (LANE, 2012).
Com a unio, essa disparidade sumiu, dando lugar a uma con-
vergncia para baixo: as taxas de juros que antes eram mais altas
nas economias hoje mais perifricas do euro baixaram at haver
uma semelhana muito grande de valores entre todos os pases do
euro (LANE, 2012). Essa queda na taxa de juros fez com que pases
que antes da convergncia dos juros sofriam com a falta de deman-
da interna para seu excesso de crdito, como Alemanha e Frana,
passassem a investir nos pases perifricos (VUKOVIC, 2012).
Quando a crise americana espalhou-se pela Europa em 2008,
diversos investidores e instituies europeus possuam capital in-
vestido na economia dos EUA. Os investidores procederam com
26
Entre fronteiras, em traduo livre.
27
As normas consistem em os pases obedecerem ao limite de 3% do PIB para dfcit
pblico e 60% do PIB para dvida pblica.
28
Segundo Salvatore (2000), entende-se por competitividade a capacidade de um
pas em produzir e vender mais barato que os outros pases.
497 496
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
a realocao de seus investimentos em ativos dos pases perif-
ricos para ativos de menor risco, como os ttulos da dvida ale-
m, para evitar maiores perdas (KOURETAS; VLAMIS, 2010). As
instituies fnanceiras reduziram a concesso de emprstimos,
devido s perdas que sofreram com a queda do valor de seus ttu-
los da dvida soberana dos EUA. Assim, o realocamento do capi-
tal dos investidores simultaneamente reduo da concesso de
emprstimos pelas instituies fnanceiras levou a uma reduo
da oferta de crdito nos pases perifricos (REINHART; ROGOFF,
2009). Restaram como nicas fontes de crdito para esses pases a
Alemanha (economia mais forte da UE), o Banco Central Europeu
e o FMI (VUKOVIC, 2012).
Como, ento, a crise europeia que era aparentemente uma
crise fnanceira (gerada como consequncia da crise americana)
se transformou em uma crise da dvida soberana? As difculdades
foram inicialmente observadas na Grcia. Os ttulos da dvida p-
blica grega passaram a ser reconhecidos como ativos de baixo ris-
co e, com isso, criou-se demanda artifcial para esses ttulos. Essa
demanda facilitou a tomada de emprstimos pelos governantes
gregos, que, entretanto, utilizaram-nos para fnanciar seus gas-
tos (inclusive, consumindo os produtos alemes), mas no para
melhorar as condies de competitividade de seu pas e, assim,
reduzir seus elevados dfcits fscais. E isso, consequentemente,
tornou os ttulos gregos bem mais arriscados, devido possibili-
dade de insolvncia por parte do governo (LANE, 2012) quanto
maior o dfcit, maior a quantidade de obrigaes no cumpridas
pelo governo por falta de dinheiro.
No caso da Espanha e da Irlanda, a crise dos EUA levou de-
teriorao do preo do setor imobilirio, levando a uma reduo
da arrecadao de impostos do governo e a uma reduo do n-
mero de pessoas empregadas no setor de construo, pois esse
setor representava um grande peso tanto na produo quanto na
gerao de empregos de suas economias. Ainda, como o desem-
prego aumentou, assim tambm aumentaram os custos do gover-
no perante esses novos desempregados. Essa situao levou tanto
a Irlanda como a Espanha a irem de um supervit para um estado
de enorme dfcit, obrigando seus governos a emitirem ttulos
pblicos de forma a arrecadarem o dinheiro necessrio para que
os setores mais afetados fossem socorridos (KRUGMAN, 2011).
Com a solvncia desses pases tambm em questo, a confan-
a dos investidores se deteriorou ainda mais, intensifcando a ven-
da de seus ttulos pblicos oriundos de pases perifricos em troca
dos ttulos alemes considerados de baixo risco em um curto
perodo de tempo (KRUGMAN, 2011). E foi atravs da tentativa
de venda desesperada dos ttulos dos pases perifricos gerando
uma queda de seus preos e, consequentemente, um aumento de
sua taxa de juros (para compensar o risco) que a crise fnanceira
europeia transformou-se em uma crise da dvida soberana.
3.3. Medidas
Diante da defagrao da crise da dvida soberana, a UE e o FMI
lanaram mo de medidas conjuntas de ajuda aos pases perif-
ricos do euro. Assim, esta subseo analisa os efeitos gerados na
economia desses pases atravs da adoo desses planos, e por
quais razes fez-se necessria a interveno nesses pases para
evitar o contgio da crise pelos demais membros da zona do euro
e do resto do mundo.
O FMI e a UE criaram, primeiramente, um fundo de estabi-
lidade fnanceira temporrio (European Financial Stability Faci-
lity EFSF) para oferecer pacotes de ajuda fnanceira aos pases
afetados, que em seguida tornou-se o European Stability Mecha-
nism (ESM), em carter permanente (FMI, 2012a). A liberao do
capital oferecido por esses pacotes estava sujeita adoo de me-
didas de austeridade, como corte de gastos do governo, salrios
e benefcios, aumento dos impostos e demisso de funcionrios,
como ocorreu na Grcia, Espanha, Portugal e na Irlanda (VUKO-
VIC, 2012). Na Itlia, a qual at a escrita deste artigo ainda no
solicitou ajuda, tambm foram introduzidas medidas de austeri-
dade, porm por iniciativa governamental (FMI, 2012a).
Entretanto, a adoo de medidas de austeridade como carac-
terstica comum a ser adotada por todos os pases afetados no
considerou as diferenas econmicas existentes entre esses pa-
ses. Nos pargrafos abaixo, essas diferenas sero abordadas.
Grcia e Portugal apresentavam uma elevada dvida pblica
desde antes de aderirem ao euro (VUKOVIC, 2012). Esta dvida
agravou-se diante dos problemas de competitividade enfrenta-
dos aps a adoo do euro, pois agora competiam com produtos
oriundos da Alemanha, Frana e pases escandinavos. Como vis-
to nas sees anteriores, a adoo do euro implica na perda de
uma moeda nacional em prol de uma moeda em comum. Ante-
riormente, estes pases desvalorizavam suas moedas nacionais (o
dracma e o escudo portugus, respectivamente) como forma de
baratear suas exportaes (LANE, 2012). Agora, essa possibilida-
de no existe mais. Ento, a perda de competitividade e a impos-
sibilidade de desvalorizao de suas moedas piorou a situao de
dfcit na conta corrente (ver nota de rodap 12) dos dois pases.
499 498
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
Nesse sentido, as medidas de austeridade tm se mostrado
inefcientes, pois inibem o crescimento da economia desses pa-
ses, especialmente devido ao corte de salrios, os quais desesti-
mulam o consumo da populao (KRUGMAN, 2012a). A reduo
do consumo implica numa queda na arrecadao do governo,
deteriorando ainda mais sua j debilitada capacidade de paga-
mento, a qual refetida em um aumento de seus dfcits pbli-
cos e uma nova necessidade de emprstimos. Tem-se, assim, uma
inefcincia nos planos de ajuda oferecidos.
A Irlanda e a Espanha tiveram causas distintas das explicadas
anteriormente, tendo seu centro no estouro da bolha imobiliria,
cujo crescimento foi pautado no fnanciamento externo.
Quando a crise estadunidense foi defagrada, os bancos ir-
landeses e espanhis sofreram com a especulao e perderam
muitos de seus recursos (DRUDY; COLLINS, 2011). As medidas
de austeridade na Espanha tiveram claros impactos negativos
na economia, pois observou-se um aumento do desemprego de
23% para 26%, um aumento da dvida pblica de 69% para 91%
e esperado uma reduo do PIB em 3%; apenas o dfcit ora-
mentrio apresentou resultados positivos ao reduzir em 2% do
PIB (THE ECONOMIST, 2012d).
Em situao mais animadora, mais de dois anos depois de ter
pedido um resgate, a Irlanda comea a regressar ao mercado, mas
a retomada econmica do pas frgil, apesar da recente queda do
desemprego e do crescimento no setor dos servios (EURONEWS,
2012). Segundo Ribeiro (2012), o FMI prope ao governo irlands
no apresentar mais medidas de austeridade at 2015, mesmo que
isso signifque falhar as metas de crescimento econmico em 2013.
At o momento em que apenas a Irlanda, a Grcia e Portugal
haviam solicitado ajuda ao FMI, as preocupaes no eram to
grandes, dado que as trs juntas representam uma percentagem
pouco signifcativa da economia da zona do euro. Entretanto, quan-
do Espanha e Itlia comearam a dar sinais de problemas, a crise
da zona do euro adquiriu propores preocupantes, pois estes pa-
ses esto entre as quatro maiores economias europeias, o que os
torna too big to bailout, ou seja, ser necessrio um pacote de aju-
da muito elevado para auxiliar esses pases dado que so grandes
economias. Haja vista que a Itlia e a Espanha representam 28,5%
do PIB da zona do euro (EUROSTAT, 2012), uma possvel recesso
pode gerar grandes estragos em uma escala mundial, o que refora
a necessidade da conteno da crise nesses pases (FMI, 2012a).
Kirkergaard prope que pases como a Espanha e a Itlia aju-
dem a si mesmos durante um longo perodo de consolidao fs-
cal porque seriam benefcirios de grande peso em relao aos
outros (KIRKEGAARD, 2011, p. 6). No caso da Itlia, o governo j
vem implementando medidas h alguns meses e sua situao
mais moderada que dos outros pases da zona do euro. impor-
tante ressaltar que a maior contribuio para o EFSF/ESM foi da
Unio Europeia, tendo em menor grau a contribuio fnanceira
do FMI (LANE, 2012). No obstante, como ser abordado na se-
o seguinte, o FMI desempenha papel muito preponderante na
formao das polticas de ajuda.
Analistas fnanceiros comentam que os emprstimos e me-
didas de austeridade no sero sufcientes para alcanar as metas
propostas pelo FMI (THE ECONOMIST, 2012b). Contudo, primor-
dial a ajuda s economias afetadas para impedir danos ainda maio-
res ao euro como um todo, especialmente porque existem muitos
investimentos de fortes economias europeias como da Alemanha
nesses pases, e da Frana, em menor grau. Outro argumento que
uma parte signifcativa do supervit da balana comercial da Ale-
manha e da Frana relacionada s exportaes para os pases pe-
rifricos, o que acarretam consequncias para suas economias de
um modo global, pois infuencia nos investimentos externos e na
sua receita da balana comercial (COMISSO EUROPEIA, 2012a).
4. OS CAMINHOS PARA O FUTURO: O BLOCO EUROPEU E O FMI
As causas e consequncias de uma crise econmica requerem um
aprecivel perodo de tempo para serem amplamente compre-
endidas. Considerando que a crise europeia ainda no apresen-
ta sinais de trmino, no h um consenso perante a efccia das
medidas j tomadas para solucion-la. Assim, as difculdades em
compreend-la com preciso e a urgncia que permeia as toma-
das de decises em prol de resolv-la esto gerando um amplo de-
bate sobre quais rumos devero ser seguidos. Esta seo pretende,
ento, descrever as principais alternativas que ainda no foram
utilizadas e, em seguida, analisar o papel do FMI em sua resoluo.
4.1. Perspectivas na Unio Europeia
Nas sees anteriores, abordou-se o complexo problema dos pa-
ses do euro de possuir uma unio monetria sem um grau sig-
nifcativo de unio fscal, bancria e poltica. De incio, portanto,
a sada mais imediata para estabilizar a zona do euro parece ser
a sua fragmentao, ou seja, a retirada de um ou mais pases da
unio monetria ou at mesmo a extino por completo dessa
unio. Isso poderia ocorrer tanto pela expulso de um ou mais
501 500
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
membros perifricos a comear pela Grcia, onde a situao
mais calamitosa quanto pela sada unilateral de pases centrais.
Com isso, o pas que sai do euro retoma a confgurao ma-
croeconmica tradicional, controlando a emisso de sua prpria
moeda e ganhando a capacidade de monetizar a sua dvida, o que
consiste num procedimento de duas etapas: primeiro, o governo
(Poder Executivo) emite muitos ttulos para arrecadar dinheiro;
segundo, o banco central emite moeda para pagar por esses ttu-
los (MISHKIN, 2012). H duas vantagens atraentes nesse mtodo.
Em primeiro lugar, ele transforma o risco creditcio (de default)
em risco de infao (porque aumenta a oferta de moeda muito
mais rpido que sua demanda ver seo 2.1). Em segundo, per-
mite aos pases com problemas de competitividade desvalorizar
sua prpria moeda. Assim, tem-se uma possvel estratgia de reto-
mada de crescimento: apesar de infao alta ser ruim, mais fcil
de lidar, por atrapalhar menos a retomada do crescimento do que
atual risco creditcio; por outro lado, uma moeda desvalorizada
deixa os produtos do pas mais baratos no mercado internacional,
aumentando a competitividade (BLUNDELL-WIGNALL, 2012).
Apesar de ser o remdio mais simples, a fragmentao do euro
tambm o caminho menos desejado, por impor custos enormes
oriundos de quatro principais frentes: (i) a possibilidade de, uma
vez retirado um pas, outros o seguirem, num efeito domin; (ii)
um grande aumento da insegurana jurdica sobre os contratos
expressos em euro, piorando o quadro de crise; (iii) um retroces-
so no projeto de integrao europeia; (iv) o enfraquecimento do
euro como moeda global e alternativa ao dlar no comrcio exte-
rior (KIRKEGAARD, 2011; BLUNDELL-WIGNALL, 2012). Como o
euro e a economia europeia so muito importantes na economia
mundial, essas consequncias seriam ruins tanto para a Europa
quanto para o resto do mundo.
Assim, vrias medidas so estudadas para manter a coeso da
zona do euro. Algumas so de curto prazo, visando a conter a situ-
ao de crise e manter uma via de crescimento; outras so de lon-
go prazo, fazendo ajustes de competitividade dentro dos pases e
revendo a organizao supranacional da UE e do euro (GRAUWE,
2010). Como a crise do euro envolve uma crise bancria e outra
de dvida soberana (ver seo 3), as medidas devem ser pensadas
em conjunto, pois no possvel sair da situao atual sem que
ambas as crises sejam resolvidas (BLUNDELL-WIGNALL, 2012).
Em oposio ruptura do euro, h um grupo enorme de
propostas que vislumbra uma maior integrao europeia para
promover a estabilidade fnanceira e fscal na unio monetria.
O presente artigo no pretende se aprofundar nesse debate, mas
antes fazer um breve mapeamento das principais propostas nes-
se sentido. A seo anterior mostrou que a crise do euro nasceu
de uma interao entre a dvida pblica e um sistema bancrio
fraco, instvel e endividado. Para promover maior estabilidade,
as dvidas bancrias devem ser mais solidamente garantidas. Um
dos maiores problemas da unio monetria europeia que ela
deixa os custos de lidar com um sistema fnanceiro em crise intei-
ramente nas mos dos governos nacionais. Assim, tem-se como
caminho inicial mais bvio as unies fscal e bancria na zona do
euro ou na UE, o que retira dos governos a pesada tarefa individu-
al de garantir a solidez de um sistema bancrio muito endividado
e transfere essa responsabilidade a um sistema centralizado
29
.
A primeira consiste em centralizar poderes fscais, repassan-
do um oramento bem maior dos membros para a Comisso Eu-
ropeia. Grauwe (2010) considera essa transferncia de soberania
muito improvvel no atual momento, por ausncia de vontade
poltica, mas h outras medidas que no transferem soberania e,
ao mesmo tempo, podem assentar as bases para uma futura inte-
grao fscal. A principal dessas medidas a padronizao da po-
ltica fscal, segundo a qual cada membro concorda em arrecadar
e gastar seu oramento observando um mnimo de regras fscais
comuns
30
. J a segunda, que vem sendo em parte implementada,
consiste em unifcar a regulao bancria europeia e transferir dos
governos para o BCE algumas responsabilidades, principalmente:
(i) supervisionar a atividade bancria, avaliando sua sustentabili-
dade e impondo condies para que no se tomem riscos demais;
(ii) salvar o sistema bancrio da insolvncia; (iii) garantir os dep-
sitos efetuados nos bancos, caso eles no tenham capacidade para
isso (LANE, 2012; BLUNDELL-WIGNALL, 2012; SAPIR, 2011).
Enquanto as medidas que exigem acentuado grau de inte-
grao poltica no chegam, sobretudo na rea fscal, algumas
propostas mais factveis esto postas mesa. Entre elas, as prin-
cipais so a criao dos chamados eurobonds e o fortalecimento
29
Um dos problemas da confgurao da UE justamente a liderana difusa que ela
apresenta. A entidade que de fato tem poderes decisrios para conter crises e acalmar
o mercado o Conselho Europeu. Mas suas decises costumam necessitar de con-
senso entre os 27 membros da UE, dependendo de negociaes lentas entre os pases.
Com uma unio fscal centralizada na Comisso Europeia e uma unio bancria enca-
beada pelo BCE, vrias medidas necessrias no precisam mais passar pelo Conselho.
30
O Fiscal Compact j comea a enderear isso, estabelecendo diretrizes para a dis-
ciplina fscal no euro.
503 502
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
do European Stability Mechanism (ESM). Os eurobonds seriam
ttulos pblicos de todo o bloco europeu, emitidos e garantidos
pelos pases da UE enquanto bloco. O dinheiro arrecadado com
a venda desses ttulos seria repassado aos governos individuais
dos pases perifricos, permitindo uma transferncia indireta dos
pases centrais para os PIIGS (BRUNNERMEIER et at., 2011). J
o ESM o sucessor do EFSF (ver tpico 3.3), um fundo para res-
gatar pases e bancos europeus em difculdades. Os membros do
euro podem fortalec-lo atravs da ampliao do fundo e de suas
funes, permitindo-o emprestar aos bancos a critrios mais fa-
vorveis (BLUNDELL-WIGNALL, 2012).
Por fm, algumas propostas de curto prazo ilustram bem um
debate muito presente na atual crise do euro: o da austeridade
vs. estmulos governamentais. De modo geral, em pocas de crise
econmica, governos podem fazer ajustes estruturais, cortando
gastos e benefcios sociais para retomar o crescimento no longo
prazo, ou aumentar os gastos no curto prazo, no deixando que
a economia pare de crescer. Autores como Frankel (2011) acre-
ditam que certas medidas para ajudar os governos dos pases
perifricos podem de fato incentiv-los a continuar gastando de
forma insustentvel, deixando de fazer as reformas necessrias
a longo prazo s custas da ajuda dos pases centrais. Um modo
de tentar evitar esse comportamento atravs dos emprstimos
condicionados. Na seo anterior foi mostrado como a UE e o
FMI fzeram isso de forma conjunta na atual crise. No prximo
tpico, apresentaremos uma discusso a respeito do papel que o
FMI assume ao ter essa atuao.
4.2. Perspectivas de atuao multilateral no mbito do FMI
Antes da crise fnanceira de 2007-08, o FMI estava cada vez me-
nos infuente na esfera internacional. A decadncia ocorreu
aps um perodo de forte presena global da instituio durante
as crises de dvida soberana da dcada de 80 at a crise asitica
de 1997-98, num perodo em que o FMI atuou com uma lista
grande de pases por meio de seus emprstimos condicionados,
entre os principais o Brasil, a Argentina e a Ucrnia. A crise asi-
tica marcou o incio de uma fase de cada vez menos alcance
geopoltico da instituio, sobretudo com relao aos pases em
desenvolvimento (GRABEL, 2011).
Para entender porque isso aconteceu, preciso ter em mente
que as condies exigidas pelo FMI para emprestar seu dinheiro
eram bastante rgidas. Essa condicionalidade funciona da seguin-
te forma: um pas com difculdades de fnanciamento, geralmen-
te em crise, procura o FMI para obter fnanciamento especial em
troca de tomar determinadas medidas internas que, ao ver do
FMI, so benfcas para a sua economia e, ao melhorar as estru-
turas bsicas de sua economia, permitem um maior crescimen-
to e, consequentemente, melhores possibilidades de pagar sua
dvida para com o prprio FMI atravs de oramento fscal mais
equilibrado (FMI, 2012b).
Para essa atuao, o FMI dotado de um leque padro de me-
didas, que passam por liberalizao da economia, privatizaes
das empresas estatais e contrao dos gastos do governo. Essa lis-
ta, sobretudo o ltimo tpico, caracteriza uma postura bastante
acentuada do FMI em prol da austeridade, pregando uma redu-
o do papel do Estado na economia
31
(GRABEL, 2011). Mas como
qualquer deciso, o caminho da austeridade apresenta vantagens
e desvantagens. Nas sees anteriores, as mais tradicionais van-
tagens da disciplina fscal foram identifcadas, sobretudo a pos-
sibilidade de retomar um trajeto de ganhos de competitividade e
produtividade, melhor alocao dos recursos atravs de mercados
mais livres, gastos estatais mais efcientes etc., alm de possibilitar
supervits que, acumulados, diminuem a dvida soberana total.
Por outro lado, possvel tambm identifcar problemas com
a aplicao indevida de medidas de austeridade. Dois pontos so
mais relevantes. Em primeiro lugar, de um ponto de vista social,
crticos como Rckert e Labont (2012), Mohidra et al. (2011) e Van
Waeyenberge, Bargawi e McKinley (2011) apontam que a constri-
o de gastos governamentais imposta pelo FMI compromete pro-
gramas sociais importantssimos patrocinados pelo governo, em
reas como sade, educao e distribuio de renda. Nesse sentido,
as medidas de austeridade tomadas pelos pases da Europa foram
alvo de grandes mobilizaes sociais (PONTICELLI; VOTH, 2011).
Em segundo lugar, sob um ponto de vista econmico, a re-
duo dos gastos do governo pode causar um efeito depressor
da economia no curto prazo, pois, como visto na seo 2.3, ele
o principal agente de uma economia. Quando um governo para
de consumir certos bens ou de empregar certas pessoas, todos os
setores ligados aos gastos cortados sofrem e a economia cresce
menos. Isso, por sua vez, diminui a arrecadao do governo e faz
com que mais cortes de gastos sejam necessrios, o que diminui
31
Essa postura do FMI por vezes chamada de neoliberal / neoliberalismo. Nesse tex-
to, as expresses sero evitadas por uma forte conotao poltico-ideolgica. Nesse
sentido, ver Lima (2010).
505 504
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
ainda mais o estmulo governamental economia. Assim, numa
crise, posturas de extrema austeridade podem ocasionar um ciclo
vicioso de recesso econmica no curto prazo, difcultando subs-
tancialmente a retomada do crescimento independentemente
da necessidade de longo prazo de muitas reformas estruturais
envolvendo gastos pblicos (KRUGMAN, 2012b; KEYNES, 1996
[1936]; THE ECONOMIST, 2012a).
Na crise asitica de 1997-98, em que muitos pases em crise f-
nanceira na sia se socorreram do FMI, a faceta mais negativa da
cartilha do FMI se instalou com bastante intensidade, causando
uma piora substancial na situao econmica desses pases. Esse
fato, aliado experincia de outros pases-devedores nos anos
anteriores, fez com que cada vez mais as naes do Sul tentassem
escapar rbita de infuncia do FMI
32
(GRABEL, 2011). Com isso,
aps a crise asitica, o FMI foi gradualmente perdendo a enor-
me infuncia do perodo anterior. Em 2005, apenas seis pases
possuam acordos do tipo stand-by
33
com o FMI, menor nmero
desde 1975 (KAPUR; WEBB, 2006), sendo que de 2003 para 2007
houve reduo de um total de U$ 105 bilhes para menos de U$
10 bilhes abrangidos por todos programas do FMI (WEISBROT
et al., 2009). Aps o corpo tcnico da instituio ter sido reduzido
(KAPUR; WEBB, 2006) e grande parte das antigas dvidas pagas, a
lista de devedores do FMI passou a abranger alguns poucos pa-
ses extremamente pobres, que no tm alternativa seno buscar
ajuda de instituies internacionais (CHOREV; BABB, 2009).
Com a crise fnanceira de 2007-08, o FMI saiu de sua deca-
dncia e retomou sua posio de importante ator internacional
ao se frmar novamente como primeiro respondente a situaes
de crise fnanceira (VAN WAEYENBERGE; BARGAWI; MCKIN-
LEY, 2011). Entre os fatores que mais contriburam para essa rein-
sero esto as decises dos pases do G-20 durante a crise, que
aumentaram as reservas do FMI em 500 bilhes de dlares (dos
quais 90 bilhes vieram de Brasil, China, Rssia e Coreia do Sul)
e distriburam atravs dele 750 bilhes dos 1,1 trilhes de dlares
comprometidos para combater a crise (GRABEL, 2011).
Alm do G-20, a UE contribuiu de forma signifcativa para a
retomada de autoridade do FMI ao chamar a sua interveno nas
crises dos pases perifricos (LTZ; KRANKE, 2010). Esse fato
refete o confito austeridade vs. estmulos do governo, muitas
vezes encarnado na contraposio entre pases credores e pases
devedores, pois a atitude de incluir o FMI foi levada a cabo pe-
los primeiros, liderados pela Alemanha, para contrabalancear a
postura menos austera e mais conivente da Comisso Europeia.
Entretanto, acabou ocorrendo de o FMI ser incoerente com a sua
postura tradicional, especialmente no caso da Grcia, ao liberar
mais ajuda ao pas a despeito do descumprimento das condies
da ajuda (THE ECONOMIST, 2012c).
Essa atitude constitui justamente o foco fnal do presente
estudo. A atuao do FMI nessa crise vem sendo pautada por
atitudes incoerentes. Se, por um lado, a exigncia tradicional de
austeridade, privatizaes e fexibilizao da economia e dos di-
reitos trabalhistas continua a regra, algumas excees especfcas
mostram uma fexibilidade maior do FMI em estipular condies
diferenciadas e aceitar descumprimentos das condies negocia-
das inicialmente. Um dos exemplos o caso do Paquisto, em que
o FMI relaxou a meta acordada de dfcit de 3,8% para 4,6% (GRA-
BEL, 2011). Mas aqui o caso mais marcante e signifcativo o da
Grcia: no s o FMI fexibilizou o plano de austeridade traado
inicialmente, como desempenhou papel central no reconheci-
mento de que o passo da austeridade estava muito rpido e que
o pas no ir conseguir pagar suas dvidas sozinho, necessitando
reestrutur-las (o que implica um default, exatamente aquilo que
os credores, liderados pela Alemanha, queriam evitar ao chamar
a interveno do FMI) (THE ECONOMIST, 2012c).
Em face dessas atitudes pragmticas, que fexibilizam e, por
vezes, contradizem o prprio discurso do FMI, um novo debate
nasceu: seria essa uma guinada de rumo do FMI? A tradicional
postura de austeridade do FMI estaria abrindo lugar para uma
nova atitude? Para muitos, esse comportamento so apenas exce-
es transitrias; para outros, representa uma abertura que pode
ou no mudar o pensamento da instituio
34
.
O debate, claro, continua aberto. Pelo que se pode observar
dos fatos expostos, a principal motivao das atitudes diferen-
ciadas tomadas pelo FMI o fato de muitos dos pases credores
hoje dependerem muito mais dos pases devedores, ao contrrio
do que acontecia nas dcadas de 1980 (grande devedor: Amrica
Latina) e 1990 (pases asiticos e africanos). Como coloca Grabel
(2011), o FMI em grande parte liderado pela agenda dos EUA e
32
Sobretudo: enorme acumulao preventiva de dlares, atrao de capital estran-
geiro para investimentos e surgimento de centros alternativos de fnanciamento,
como a China e o Brasil (este ltimo pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
nmico e Social) (KAPUR, WEBB, 2006; GRABEL, 2011).
33
Principal forma de emprstimo condicionado concedido pelo FMI.
34
A ttulo de exemplo, representantes da primeira posio so Rckert e Labonte
(2011) e da segunda, Grabel (2011).
507 506
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
da Europa Ocidental, sobretudo Reino Unido. No s um dos
principais interesses dos EUA que a crise do euro cesse (KIRKE-
GAARD, 2011), como tambm o dos pases da prpria Europa.
At o prprio FMI chegou a reconhecer algumas mudanas, ain-
da que pequenas, nas diretrizes da defnio de condies nos
seus emprstimos. Dentre as mais relevantes, destaca-se uma
preocupao maior com a manuteno de benefcios e progra-
mas de ajuda aos mais pobres, o reconhecimento de que medidas
desenhadas especifcamente para cada caso so superiores s
medidas-padro e a capacidade de fazer ajustes no cumprimento
das condies depois de feito o emprstimo, conforme a situao
econmica do pas (FMI, 2012b).
A expertise do FMI em lidar com crises e a importncia mun-
dial do seu corpo de economistas na formao do pensamento
poltico-econmico so fatores que sempre contriburam para a
autoridade da instituio. Numa viso mais ampla, a reinsero
do FMI no centro do sistema fnanceiro global ser um fator signi-
fcativo para a evoluo da economia mundial dos prximos anos.
Nesse sentido, as perspectivas de abertura do FMI para uma even-
tual mudana de pensamento so potencializadas pela maior par-
ticipao de pases em desenvolvimento na sua composio, tan-
to em termos de poder de voto quanto de composio do capital
do FMI, o que contribui para dar mais legitimidade instituio
num mundo cada vez mais multipolar (GRABEL, 2011).
J numa viso mais focada na situao do euro, fca clara po-
sio de acentuada importncia que o FMI assumiu nos ltimos
anos. A Troika constitui hoje um grupo um tanto mais equilibrado
de instituies, com a Comisso Europeia pr-estmulos, o BCE
pr-austeridade e o FMI mais pragmtico entre os dois (LTZ;
KRANKE, 2010). Ao mostrar uma postura mais aberta com rela-
o Grcia, o FMI mostrou que, pelo menos no tocante crise
do euro, capaz de mover solues de forma mais verstil e ca-
susta. Resta ver se o FMI ir aproveitar essa posio para tentar
pautar propostas como as discutidas na subseo anterior que
surgem a cada dia e que esboam expectativas tanto para os cida-
dos do euro quanto para os do restante do mundo.
5. DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE APRIMORAMENTO
A origem e propagao da crise europeia pode ser atribuda
confgurao do sistema fnanceiro internacional e ao desenho
institucional da zona do euro. Enquanto o ltimo no apresen-
ta nenhuma instituio central capaz de obrigar os seus pases
membros a agir em unssono, o primeiro gerou uma desregula-
mentao do mercado fnanceiro, o que difcultou aos pases fs-
calizarem as aplicaes fnanceiras realizadas em sua moeda ou
pelos agentes econmicos nacionais em moeda estrangeira num
perodo de crdito farto (BLUNDELL-WIGNALL, 2012).
Tendo em vista o elevado nvel das dvidas pblicas dos pa-
ses da zona do euro e a possibilidade de uma nova crise fscal,
as autoridades da UE propuseram a aplicao do Fiscal Compact
Treaty
35
em 2013, atualmente ratifcado por 12 membros da zona
do euro. Esse tratado requer que os novos princpios fscais sejam
embutidos na legislao nacional de cada pas (LANE, 2012).
Outro desafo que concerne aos lderes dos pases europeus
o reestabelecimento do nvel de competitividade de seus pases,
no apenas a nvel interno da UE (dado o alto nvel de competiti-
vidade da Alemanha, economia mais poderosa da regio), como
tambm contra a competio dos demais pases (especialmente
os asiticos). Para isso ocorrer, necessrio a imposio de re-
formas de carter estrutural na zona do euro e garantir um cres-
cimento econmico de mdio prazo (KIRKEGAARD, 2011), para
possibilitar a reduo de seus dfcits oramentrios.
Existe, ainda, uma possibilidade bastante comentada nos
meios de comunicao: a sada de alguns dos pases afetados da
zona do euro, em especial a Grcia, para que possa voltar a exer-
cer o controle sobre sua moeda nacional e utilizar possveis me-
canismos monetrios para auxiliar em seus desequilbrios fscais.
Kirkegaard (2011) aponta trs razoes para isso no ocorrer: a) o
custo para o pas que deixar a UE muito alto, independente de
este pas ser a Alemanha ou a Grcia; b) os anncios feitos pelos
lderes da UE so bastante claros quanto a no tolerncia da sada
de quaisquer um de seus estados membros e; c) no h nenhuma
defnio legal no tratado que rege a UE, sobre a sada de algum de
seus membros, de forma que presume-se ser impossvel ocorrer.
Qualquer uma dessas possibilidades exigem mudanas nos
tratados que governam a UE e implicam uma transformao no
nvel de integrao poltica da regio (LANE, 2012). Seja como for,
o ressurgimento do FMI como primeira entidade de resposta a
crises fnanceiras colocou o FMI numa situao capaz de mar-
car uma forte posio nesse processo, trazendo um maior equi-
lbrio ao conjunto de instituies responsveis pelo combate
crise (GRABEL, 2011). Esse novo status j foi utilizado para frear
35
Em traduo livre, Tratado de Compactao Fiscal.
509 508
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
o ritmo de austeridade tanto na Grcia quanto na Irlanda (THE
ECONOMIST, 2012c; RIBEIRO, 2012). Se esse o prenncio de
uma nova postura do FMI, no se sabe. Mas os ltimos aconteci-
mentos mostram que se abriu no FMI uma possibilidade indita
de isso acontecer.
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513 COMBATENDO O TERROR ATRAVS DE SEU
NEXO COM O CRIME ORGANIZADO:
Uma estratgia efciente e responsvel
Dbora Antnia Lobato Cndido
Christiane Souza Viana Najar
Juliana Andreia Grangeiro Ferreira
1
17
1. INTRODUO
Objetiva-se, no presente artigo, discutir as diversas formas de
combate ao terrorismo e, posteriormente, sugerir que a estrat-
gia mais efcaz o combate a suas fontes de fnanciamento, ao in-
vs de tcnicas diretas de represso ao terror. Isso porque, em um
confronto direto, milhares de pessoas que no apoiam terroristas
acabam sofrendo os impactos desta ao (FITZPATRICK, 2003),
ao passo que verdadeiros apoiadores, como agentes envolvidos
com o crime organizado, nem sempre so atingidos (HUMAN RI-
GHTS WATCH [HRW], 2001) (HRW, 2004). Nesta situao, a de-
sarticulao das clulas terroristas torna-se complicada: o fnan-
ciamento a esta prtica criminal persiste, alm da lacuna legal
quanto ao terrorismo a qual identifca e pune apenas uma peque-
na parte de seus praticantes. Ademais, a estratgia de combate ao
fnanciamento no apenas mais efciente, mas tambm, mais
humanitariamente responsvel, pois so evitadas maiores causa-
lidades e porque envolve o combate do nexo entre crime organi-
zado que uma entre as principais fontes de fnanciamento do
terrorismo e terror, de modo que se contribui para a melhoria
do desenvolvimento e segurana humanos (LEWIS, 2012)
2
.
1
As autoras agradecem a colaborao de Ana Carolina Paranhos, graduada em Re-
laes Internacionais pela Universidade de Braslia. Seus comentrios e sugestes
foram de grande ajuda confeco deste trabalho.
2
Entende-se desenvolvimento humano como um processo de ampliao do rol de
escolhas dos indivduos (PNUD, 1990). Segurana humana, por sua vez, entendida
como a garantia de que os indivduos podero determinar a prpria vida de acordo
com suas escolhas sem o medo de que esta capacidade seja repentinamente destru-
da (PNUD, 1994).
515 514
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
Inicia-se o artigo com uma anlise sobre o crime organiza-
do transnacional, conceito basal para o argumento central, e que
deve, portanto, ser bem entendido. Busca-se, ainda no escopo
desta seo, averiguar as possveis formas de se identifcar as or-
ganizaes criminais e suas redes de atuao, com nfase para a
natureza transnacional destas e para as relaes que as distintas
atividades estabelecem entre si e com uma forma especfca de
crime organizado transnacional, que o terrorismo.
Segue-se para a terceira seo, na qual se prope discusso
sobre as formas de se entender o terrorismo, tendo em vista que
uma explanao no clara do fenmeno pode fragilizar o argu-
mento principal do artigo. Procura-se, nesta seo, observar as
duas formas de se entender o terrorismo: como ameaa real e
como construo social; bem como traar uma distino en-
tre atos terroristas e manifestaes legtimas dos indivduos, de
modo a se consolidar uma defnio de terrorismo.
Na quarta seo, apontam-se os nexos entre o terrorismo e o
crime organizado com vistas a corroborar a hiptese do presente
artigo, relativa possibilidade de enfraquecimento de atividades
terroristas pela obstruo de suas fontes de fnanciamento.
Na quinta seo, ento, ser abordado com maior profundi-
dade esta questo do combate ao fnanciamento do terrorismo.
Nesse sentido, sero analisados os tipos de fnanciamento lci-
tos e ilcitos , a questo de se securitizar a identifcao das fon-
tes de fnanciamento, e tambm as aes coletivas que podem ser
tomados visando ao cumprimento da estratgia proposta.
Na concluso, sintetizam-se os argumentos em favor da hi-
ptese, verifcando sua validade.
2. CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL: UMA DAS BASES DE
SUSTENTAO DO TERRORISMO
Nesta seo, buscar-se- apresentar a defnio de crime organi-
zado transnacional que guiar a hiptese central do presente arti-
go, atentando-se para suas caractersticas especfcas, que o dife-
renciam de outros tipos de crimes. Alm disso, se discorrer sobre
possveis formas de identifcao das organizaes criminais e de
se suas redes de atuao, alm de serem exploradas as possveis
formas de combate ao crime organizado. Por fm, ser apresenta-
da a natureza complementar da relao entre terrorismo e crime
organizado, ressaltando-se que so atividades distintas.
3
2.1 O que se entende por crime organizado transnacional?
De acordo com o artigo dois da Conveno das Naes Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Con-
veno de Palermo (2000), um grupo de crime organizado
[u]m grupo estruturado de trs ou mais pessoas, existente por um
perodo de tempo e atuante em conjunto com o objetivo de cometer
um ou mais crimes e transgresses srias estabelecidas de acordo
com esta Conveno para obter, direta ou indiretamente, um be-
nefcio fnanceiro ou material (ORGANIZAO DAS NAES UNI-
DAS [ONU], 2000, p.2, traduo livre).
A conveno defne crimes e transgresses srias como aquelas
punveis por meio de privao mxima de liberdade por mais de
quatro anos ou por meio de penalidades mais rigorosas, ainda
que no estipuladas no texto da Conveno. Entende-se grupo
estruturado, por sua vez, aquele que no foi formado aleatoria-
mente para comisso imediata da transgresso. Este no precisa,
no entanto, ter uma estrutura funcional plenamente desenvolvi-
da (ONU, 2000).
O artigo terceiro da Conveno estabelece que o crime ou a
transgresso ser considerado transnacional nos seguintes casos:
i) se for cometida em mais de um Estado;
ii) se for cometida em apenas um Estado, mas tendo sido feita
uma parte substantiva de sua preparao, planejamento, di-
reo e controle em outro;
iii) se cometida em apenas um Estado, mas envolve uma or-
ganizao engajada em atividades criminais em mais de um
Estado; ou
iv) se for cometida em um Estado mas tiver efeitos substanti-
vos em outro Estado (ONU, 2000).
Ainda que se tenha optado pela defnio presente na citada
Conveno, importante ressaltar que h grande controvrsia
no meio acadmico a respeito da defnio de crime organizado
transnacional. Abadinsky, por exemplo, o defne atravs das se-
3
Apesar de se ter cincia de que o terrorismo um tipo de crime organizado trans-
nacional, para fns prticos, decidiu-se que, neste artigo, crime organizado transna-
cional seria utilizado para denominar apenas as atividades que visam fns materiais e
fnanceiros, de acordo com a defnio da ONU (2000).
517 516
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
guintes caractersticas: ausncia de objetivos polticos, hierarqui-
zao, fliao limitada ou exclusiva, constituinte de subcultura
nica, que se perpetua, disposio de uso ilegal da violncia, ca-
rter monopolstico e existncia de regras explcitas de coordena-
o interna (ABADINSKY, 2010)
4
.
Apesar da ausncia de consenso em relao ao conceito de
crime organizado transnacional, elegeu-se a referida defnio
para embasar as discusses realizadas no mbito desse artigo,
notadamente porque a Conveno de Palermo foi amplamente
aceita no seio das Naes Unidas, o que indica alto grau de acei-
tao internacional.
2.2 Identificao das redes de crime organizado e seu combate.
A identifcao das redes de crime organizado e, consequente-
mente, seu combate, so tarefas minuciosas e complexas. Pri-
meiramente porque no h consenso quanto defnio de cri-
me organizado e quais seriam suas singularidades, o que torna
a identifcao das redes uma tarefa muitas vezes subjetiva, a
despeito dos esforos das Naes Unidas, na Conveno contra
o Crime Transnacional Organizado, para estabelecer uma defni-
o nica (ONU, 2000).
Outro fator que difculta a identifcao destas redes o ca-
rter global das organizaes criminais. Estas se articulam em
vrios pases, adaptando-se a leis falhas e limitaes legislativas,
como a ausncia de regulao mais especfcas em temas como
proteo da criana, adolescente e mulher e leis a respeito da
lavagem de dinheiro e ocultao de bens.
importante observar que as atuaes dos criminosos as-
sim como as atividades em que se engajam variam de acordo
com a localidade, sendo evidentes ao se analisar as diferentes
origens do crime organizado ao redor do mundo: na Itlia com a
La Cosa Nostra
5
, no Japo com Yakuza
6
; dentre outros (MINGAR-
DI, 2007). Dessa forma, a caracterizao do crime organizado
ainda depende de diversas legislaes locais e as punies que
essas preveem tal prtica.
2.2.1 Identificao das redes
Devido necessidade de se erradicar o crime organizado, deter-
minados Estados e regies defniram as formas de identifcar e ca-
racterizar as redes de crime organizado em suas legislaes. Por
exemplo, a Unio Europeia, por meio da lei Enfopol 161-REV-3,
estabeleceu quatro caractersticas obrigatrias baseando-se nos
parmetros delimitados pela Conveno de Palermo
7
, a saber: a)
colaborao de duas ou mais pessoas; b) permanncia da organi-
zao; c) cometimento de delitos graves; e d) nimo de lucro. Alm
de outras adicionais como presso do poder pblico e atividade
com caractersticas internacionais (VALENTE, 2011), para se ca-
racterizar uma rede de crime organizado.
Especifcidades tambm surgiram em pases de acordo com ob-
servaes e necessidades locais, como na Espanha que acrescenta
aes como prostituio e trfco de armas, de espcies da fora e
fauna (biopirataria) e de materiais radioativos e terrorismo lista; na
Itlia a obstruo do livre exerccio do voto de direito, por exemplo;
e nos EUA por meio da Lei de Combate a Organizaes Corruptas e
Infuenciadas pelo Crime Organizado (VALENTE, 2011).
A partir de tantas defnies e formas de identifcao, poss-
vel destacar dois setores de atuao nas quais as redes de crime or-
ganizado se destacam atualmente e que sero brevemente aprofun-
dados: o trfco de seres humanos e o trfco de drogas, segundo o
Escritrio das Naes Unidas para Drogas e Crimes (UNODC, 2012).
O trfco de seres humanos, defnido pela ONU como o
recrutamento, transporte, transferncia, abrigo ou recebimento de
pessoas por meio de ameaa ou uso da fora ou outras formas de co-
ero, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma
posio de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou be-
nefcios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle
sobre outra pessoa, para o propsito de explorao (BRASIL, 2004).
Atualmente movimenta cerca de U$32 milhes de dlares ao ano
e afeta cerca de 2,4 milhes de vtimas, segundo a UNODC (2012).
Entres os pases analisados pela UNODC, foi possvel especifcar o
tipo de explorao, constando que 79% das vtimas so vtimas da
explorao sexual outras formas, como o trfco de rgos e escra-
vido comercial, ainda recebem pouca ateno das organizaes
e estudos acadmicos (UNODC, 2009). Segundo o relatrio mais
4
Outras formas de se defnir crime organizado transnacional podem ser encontrados
no seguinte endereo: < http://www.organized-crime.de/OCDEF1.htm>.
5
Organizao criminosa formada nos Estados Unidos formada em 1920 por imigran-
tes italianos integrantes da mfa siciliana (FEDERAL BUREAU OF INVESTIGATION
[2012])
6
Mfa japonesa formada no sculo XVII e que conta, hoje, com mais de oitenta mil
membros. (JIMENEZ & SILVA)
7
Conveno de Palermo outro nome dado Conveno das Naes Unidas contra
o Crime Transnacional Organizado, ocorrida em Palermo de 12 a 15 de dezembro
de 2000.
519 518
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
recente da UNODC (2012), mais de 50% do trfco realizado in-
traregionalmente e atinge todas as regies do mundo.
Por sua vez, o trfco de drogas apresenta uma lucratividade
estimada de US$ 320 bilhes ao ano, sendo o negcio ilcito mais
lucrativo para os criminosos, e a vertente mais forte do crime or-
ganizado no Brasil, assim como no Mxico (FILHO, 2005).
Nessa seara, indiscutvel o papel que a lavagem de dinhei-
ro e corrupo exercem. Uma forma de reciclar bens, direitos e
valores oriundos (KRAWCTSCHUK, 2006) das mais diversas pr-
ticas ilcitas, a lavagem de dinheiro permite que as organizaes
criminais se perpetuem, alm de possibilitar o fnanciamento
de organizaes terroristas e est intimamente ligada corrup-
o, sendo capaz de contaminar e corromper as estruturas dos
governos, das atividades comerciais e fnanceiras legtimas e da
sociedade em geral (KRAWCTSCHUK, 2006).
2.2.2 Medidas de combate ao Crime Transnacional Organizado
Com a reduo de barreiras comerciais e o aumento de oportuni-
dades, as organizaes de Crime Organizado se expandiram con-
sideravelmente nas ltimas dcadas, alm de estarem presentes
em todos os pases do mundo segundo informe o UNODC (2012).
Como uma forma de chamar ateno da comunidade inter-
nacional e estabelecer regras de combate e punio a tais organi-
zaes, a Conveno de Palermo defne diversas medidas contra
o crime organizado transnacional, assim como estabelece pa-
dres a serem seguidos pelos Estados que ratifcam o documento.
Entre tais medidas menciona-se a defnio de crime grave de-
terminando uma srie de crimes (lavagem de dinheiro, corrup-
o, obstruo de justia, entre outros) que, se praticados, le-
vam seus criminosos a cumprir, ao menos, quatro anos de priso
em regime fechado ; a promoo da cooperao entre Estados
para julgar e denunciar crimes cometidos no exterior; o confsco
de bens dos praticantes; alm do estabelecimento dos protocolos
adicionais a respeito do trfco de seres humanos e a fabricao
e trfco de produtos blicos (ONU, 2000). Dessa forma, tem-se
criado a conscincia global de que a melhor forma para combater
o Crime Organizado transnacional atravs da unio de esforos
e do incremento da cooperao entre os pases (ONU, 2000).
Todavia, a cooperao e os rgos internacionais no conse-
guem extinguir os crimes sem cooperao multifacetada. Ainda
fundamental ressaltar quo importante as polticas nacionais de
combate s organizaes criminais so nesse contexto. Tais cri-
mes, apesar de serem transnacionais, acontecem internamente
em cada pas, assim, para combater os crimes em nvel global,
essencial descobrir sua origem e causas, alm de impedir que o
mesmo acontea no mbito nacional (UNODC, 2009).
Aps a Conveno de Palermo, diversos Estados passaram a
criar rgos e agncias que visam promover o cumprimento da
conveno assinada, estipulando novas regras e aumentando a fs-
calizao. Ainda iniciante nesse aspecto, grande parte dos pases
da Amrica do Sul no possui um rgo regulador, apesar de os
membros da UNASUL
8
j terem dado o primeiro passo na direo,
em junho de 2012, ao aprovar o funcionamento do Conselho de Se-
gurana, Justia e Luta contra o Crime Organizado Transnacional
em seu mbito, como noticiado pela Agence France-Presse (2012)
9
.
J os Estados Unidos da Amrica, por exemplo, possuem a
Lei de Combate a Organizaes Corruptas e Infuenciadas pelo
Crime Organizado (RICO), a qual busca evitar a prtica de se
obter recursos fnanceiros atravs da participao em qualquer
empreendimento que siga um padro correspondente a uma
atividade de enriquecimento ilcito (VALENTE, 2011). Em adi-
o estabeleceu o Treat Mitigation Working Group, um grupo
interinstitucional guiado por estratgias de combate ao Crime
Organizado. Tais estratgias visam proteo ao povo norte-
-americano, e a seus parceiros, contra violncia e a explorao
de redes de crimes transnacionais atravs da divulgao de no-
mes dos integrantes de tais organizaes, ataques infraestru-
tura de organizaes criminosas, exposio de suas atividades
ilegais escondidas em supostas fontes legtimas e promoo da
cooperao multilateral (DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS
ESTADOS UNIDOS, 2011).
2.3 Terrorismo e o Crime Organizado: Atividades distintas, porm
complementares
Cada vez mais se reconhece a relao entre o terrorismo e o crime
organizado, sendo esta constatao importante para traar estra-
tgias efetivas de combate a cada um destes fenmenos.
Perri e Brody (2011) apontam trs formas de interao entre
terrorismo e crime organizado, nomeadamente: o compartilha-
8
Composta por Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Colmbia, Equador, Guiana, Para-
guai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Alm de contar com Mxico e Panam
como observadores.
9
Agence France-Presse, Chanceleres da Unasul aprovam em Bogot conselhos de Segu-
rana e Eleitoral. Publicada dia 16 de fev. de 2012. Disponvel em: http://www.google.
com/hostednews/afp/article/ALeqM5giVWl7L9pCDpKpHY73wCf6oxtMlg?docId=C
NG.6420d522420839f133719a84257911db.261&index=0
521 520
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
mento de tticas e mtodos terroristas utilizando tcnicas tpi-
cas do crime organizado e vice versa; o processo de transforma-
o de um tipo de grupo no outro com o decorrer do tempo
10
; e a
prestao de servios de um grupo para o outro.
Os membros do crime organizado podem se benefciar da
prpria atuao dos terroristas, tendo em vista que os ataques
criam uma situao de pnico na sociedade, colocando em dvi-
da a capacidade de o Estado aplicar as leis e de proteger a popula-
o e, por conseguinte, enfraquecendo-o. Desta forma, se estabe-
lece um ambiente propcio a atividades ilcitas, pois a capacidade
do Estado de lidar efcientemente com os criminosos reduzida
face ao caos decorrente de ataques de organizaes terroristas
(PERRI et al., 2009)
11
.
A cooperao entre terroristas e membros do crime organiza-
do, no entanto, pode ser difcultada por vrios motivos. poss-
vel que grupos terroristas relutem em fazer alianas com o crime
organizado por temerem atrair maior ateno das autoridades
e, assim, comprometer sua segurana interna ou mesmo por re-
sistncia ideolgica dos membros prtica de atividades ilcitas
como trfco de drogas. Por outro lado, aqueles grupos ligados ao
crime organizado podem relutar em se aliar ao terrorismo pela
necessidade de discrio em suas atividades, enquanto os terro-
ristas, ainda que tenham uma rede de organizao oculta, visam
obter ateno da sociedade (PERRI; BRODY, 2011).
Shelley (2005) destaca o caso da rea de fronteira trplice do
Brasil, do Paraguai e da Argentina, na Ciudad del Este, para ilus-
trar a interao entre o crime organizado e o terrorismo. Em razo
do baixo controle do governo paraguaio sobre a cidade destacada
e das disparidades dos nveis de aplicao das leis, das regula-
es das importaes, das taxas cambiais e dos impostos entre
Paraguai e os pases vizinhos, se criou naquela fronteira condi-
o favorvel proliferao do contrabando (MENDEL, 2002). O
referido fato atraiu comunidades em dispora de regies como
Oriente Mdio, frica e Sudeste Asitico. Como resultado, a rea
de fronteira trplice se tornou um ponto de encontro de gangues
latino-americanas, de trades chinesas e de outras organizaes
criminais e tambm uma base de operaes de grupos terroris-
tas como Al-Qaeda, Hezbollah, Jihad Islmica, Gamaa Islamiya
e FARC, havendo interaes oportunas entre um tipo de grupo e
outro, destacando-se o fnanciamento dos terroristas atravs de
atividades do crime organizado (SHELLEY, 2005).
A forma de interao entre crime organizado e terrorismo
que ser mais detalhada ao longo deste artigo, entretanto, aque-
la que visa ao fnanciamento das atividades terroristas. Existem
extensas possibilidades de utilizao de atividades tpicas do cri-
me organizado para fnanciamento terrorista, incluindo-se, por
exemplo, o trfco de drogas, armas, materiais qumicos, nucela-
res e biolgicos, os sequestros internacionais, o contrabando de
migrantes e a lavagem de dinheiro (DANDURAND; CHIN, 2004).
Percebe-se, logo, que existem inmeras formas por meio das
quais o terrorismo e o crime organizado se relacionam. impor-
tante, no entanto, elucidar que estas duas atividades so distintas.
Fundamentalmente, o terrorismo se volta para fns ideolgicos
enquanto o crime organizado busca fns econmicos. H, porm,
ocasies em que esta distino se torna muito tnue e no se
consegue classifcar um dado grupo com preciso. Os principais
exemplos, atualmente, so grupos terroristas que passam pelo se-
gundo tipo de interao acima listado, quando auferir benefcios
econmicos e engajar em negcios criminais assume uma prio-
ridade maior do que os objetivos ideolgicos, transformando o
grupo em uma organizao de crime organizado, como o caso
de grupos terroristas colombianos envolvidos com o trfco de
drogas (DANDURAND; CHIN, 2004).
3. TERRORISMO: DEFINIES E CONTROVRSIAS
Uma das principais barreiras para se formular um conceito para
terrorismo consiste em seu carter subjetivo: sendo o terrorismo
tambm uma forma de violncia que se d no mbito psicol-
gico do indivduo, causando medo, torna-se desafador explicar
esse fenmeno de forma objetiva. Alm disso, a difculdade de se
identifcar o terrorista tambm atrapalha a adoo de um con-
ceito objetivo e nico (SAINT-PIERRE, 2009).
Segundo Molano-Rojas (2010), nem todo terror considera-
do terrorismo. Alguns fatores so essenciais na caracterizao dos
atos terroristas: motivao poltica, uso da violncia, um pblico-
-alvo, uma organizao terrorista, atores no estatais e o aumento
do poder dos grupos responsveis por tais atos (J. LUTZ; B. LUTZ,
2004). Dessa forma, fundamental analisar as diferentes formas
10
importante ressaltar que h maior evidncia, como ser posteriormente abor-
dado, da converso de grupos terroristas em grupos de crime organizado do que o
contrrio (PERRI; BRODY, 2011).
11
importante, no entanto, observar que as organizaes criminais se diferenciam
entre si, existindo aquelas que se benefciam de um Estado estvel porque auferem
seus lucros de contratos governamentais e de transaes s quais imprescindvel
estabilidade domstica (PERRI; BRODY, 2011).
523 522
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
de entender o fenmeno do terrorismo para, em seguida, lanar
hipteses sobre as melhores formas de erradic-lo.
3.1. Uma ameaa real ou construda?
Cada vez mais, surgem questionamentos acerca da construo con-
ceitual do terrorismo. No se deve negar a existncia de uma ame-
aa real, mas preciso entender at que ponto este perigo pode ser
construdo atravs de um discurso legitimador (CUNHA, 2009).
A existncia do terrorismo como uma ameaa real pode ser ob-
servada por meio dos nmeros. De acordo com o Relatrio Anual
de Terrorismo produzido pelo National Counterterroirism Center
(NCTC, 2012), durante o ano de 2011 ocorreram mais de 10 mil aten-
tados terroristas em 70 pases, fazendo aproximadamente 45 mil v-
timas e resultando em mais de 12.500 mortes (NCTC, 2012). Apesar
de 2011 ter apresentado uma reduo de 12% no nmero de ataques
em relao a 2010, tendncia que vem sendo seguida desde 2007, a
perda humana e o alcance do terrorismo fguram ainda como temas
centrais na agenda de segurana internacional (NCTC, 2012).
Atentados recentes de grande dimenso quanto destruio
e nmero de mortos e feridos reforam o carter objetivo e real do
fenmeno do terrorismo. exemplo de destaque o atentado de 11
de setembro de 2001 ao World Trade Center
12
em Nova York. Ou-
tros atentados tambm deixaram a comunidade internacional em
alerta, como os atentados sede da ONU em Bagd (2003)
13
, aos
trens de Madrid (2004)
14
, ao metr de Londres (2005)
15
e ao metr
de Moscou (2010)
16
(ONU, 2012).
No entanto, nem sempre o terrorismo uma ameaa real. Por
vezes se usa o termo ameaa terrorista para deslegitimar atos de
oposio ao regime estabelecido, criando uma imagem negativa
em torno daquele que considerado terrorista pelo discurso domi-
nante e tornando justifcvel qualquer ato de represso ao mesmo.
Enquanto isso, atos de violncia praticados por governos difcil-
mente so tratados da mesma maneira (SAINT-PIERRE, 2009).
Como J. Lutz e B. Lutz (2004) afrmam, frequente os gover-
nos defnirem o terrorismo de forma a atenderem melhor aos
seus prprios interesses. neste sentido que este artigo chama
a ateno para o terrorismo no apenas como uma ameaa real,
mas tambm como um conceito socialmente construdo. im-
portante ressaltar, no entanto, que este tipo de construo tem
sido combatido no cenrio internacional e que muitos governos
enfrentam ameaas reais, o que legitima seus esforos de comba-
te ao terrorismo.
3.2. Limites entre livre expresso e atos terroristas
Pode um ato terrorista ser justifcado pelo direito liberdade de
expresso? Segundo Meira (2011), o artigo 11 da Declarao dos
Direitos do Homem e do Cidado de 1789 determina que
a livre comunicao das ideias e das opinies um dos mais precio-
sos direitos do homem; todo cidado pode, portanto, falar, escrever,
imprimir livremente, respondendo todavia, pelos abusos dessa li-
berdade nos termos previstos na lei (MEIRA, 2011, p. 3) .
Conforme o trecho, sendo a liberdade de expresso um direito fun-
damental do homem, ela tambm deve ser limitada a fm de preser-
var os direitos fundamentais de todos considerados coletivamente
para a conservao da ordem pblica e das garantias de liberdade,
igualdade e dignidade humana universalmente. (MEIRA, 2011).
Esclarecedor quanto tenso entre limites e direito liber-
dade de expresso seria o caso de Bahrain. O pas passa por uma
situao de intensa represso na qual o governo chama de atos
terroristas os atos de protesto da populao contra o atual regime.
Por exemplo, atos de violncia contra policiais que fazem parte da
segurana nacional do Bahrain so divulgados pela mdia, contro-
lada pelo governo, como terrorismo. No entanto, talvez a popu-
lao esteja fazendo uso de violncia contra o Estado por no se
sentir livre para se expressar atravs da fala. Ou seja, podem ocor-
rer situaes em que determinados grupos sejam acusados de ter-
rorismo pelo discurso dominante a fm de serem deslegitimados,
voltando-se ao caso da construo conceitual do terrorismo.
Havendo essa tenso entre terrorismo e livre expresso, deve-
-se analisar cada caso a fm de no se enquadrar cidados como ter-
roristas e evitar que terroristas utilizem o discurso de luta por liber-
dade para legitimar seus atentados. Afnal, ainda que as diferenas
12
Atentado terrorista organizado pela Al-Qaeda aos Estados Unidos em 11 de setem-
bro de 2001, no qual quatro avies comerciais foram sequestrados e levados a atingir
as Torres Gmeas do World Trade Center, em Nova York , e o Pentgono, nos arredo-
res de Washington, D.C., matando 3278 pessoas.
13
O atentado sede da ONU em Bagd em 19 de agosto de 2003 deixou 22 mortos,
entre eles o alto representante da ONU, o brasileiro Srgio Vieira de Mello.
14
O atentado aos trens de Madri em 11 de maro de 2004 deixou mais de 190 mortos
e 1400 feridos.
15
Os atentados ao metr de Londres em 7 de julho de 2005 deixaram 56 mortos e mais
de 700 feridos.
16
O atentado ao metr de Moscou em 20 de maro de 2010 matou 39 pessoas.
525 524
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
entre um e outro sejam tnues, estas devem ser identifcadas a fm
de que o terrorismo seja combatido efetivamente e de forma justa.
3.3. Consolidando uma definio
Em vista das diferentes caractersticas do terrorismo, buscar-se-
- entend-lo segundo a defnio branda da Resoluo 1566, de
08 de outubro de 2004, do Conselho de Segurana da ONU, que
entende o terrorismo como a prtica de:
[...] atos criminosos, inclusive contra civis, cometidos com a inten-
o de causar a morte ou leses corporais graves ou de tomar refns
com o propsito de provocar um estado de terror na populao em
geral, em um grupo de pessoas ou em determinada pessoa, intimi-
dar uma populao ou obrigar a um governo ou a uma organizao
internacional a realizar um ato, ou se abster de realiz-lo (ORGANI-
ZAO DAS NAES UNIDAS. S/RES/1566, 7 out. 2004).
importante ressaltar que a defnio apresentada acima ser
usada para efeitos prticos, mas que, juntamente com ela, deve-se
manter em mente a problemtica da livre expresso, assim como
a construo social do terrorismo.
4.COMBATE AO TERRORISMO: BUSCANDO ESTRATGIAS EFICIENTES E
HUMANITARIAMENTE RESPONSVEIS
Existente desde o fnal da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o
denominado terrorismo moderno (CHALIAND, BLIN, 2007) ga-
nhou uma nova dimenso e maior ateno aps os atentados de 11
de setembro. A partir de ento, principalmente devido Doutrina
Bush
17
, mtodo de combate ao terrorismo orientador da Invaso ao
Iraque, passou-se a conviver com a denominada guerra ao terror
em que medidas so adotadas para dissuadir ou retaliar as orga-
nizaes terroristas por meio de medidas ofensivas (COSTA, 2011).
Uma das principais maneiras de se interpretar a luta ao terro-
rismo, como defnido pela ONU, a inteno genuna de proteger
os direitos humanos universalmente, princpio norteador do di-
reito internacional (ONU, 2009), tambm consagrado no mbito
domstico pela Constituio Brasileira de 1988, na qual prevalece
a dignidade humana.
4.1 Possveis Estratgias
De acordo com Lum, Kennedy e Sherley (2006), possvel analisar
cinco principais formas de combate ao terrorismo, apresentadas
em ordem cronolgica: aumento de segurana em aeroportos;
aumento da segurana pessoal dos diplomatas e de embaixadas;
maior rigidez ao punir os culpados; resolues das Naes Uni-
das contra o terrorismo e intervenes e respostas militares.
Focados no aspecto mais objetivo e estatstico Lum, Kenne-
dy e Sherley (2006) defnem e estudam a efetividade das medidas
contra terroristas adotadas a partir de dados numricos de cada
quesito. Ao estudarem o aumento da segurana nos aeroportos,
os autores ressaltam principalmente o uso de detectores de me-
tais e rastreamentos de passageiros a partir dos anos 1970 e des-
tacam que, apesar de ser efetivo e diminuir o nmero de seques-
tros de voos, o modelo continua a apresentar falhas, tendo, ainda,
levado ao desenvolvimento de outros mtodos de ataques, como
uso de bombas e tomadas de refns.
Posteriormente, passou-se a adotar a medida de maior prote-
o a embaixadas e segurana pessoal dos diplomatas. Tal inicia-
tiva de complexa mensurao, j que apenas se sabe de falhas
a partir do momento em que embaixadas e ofciais so atacados
e, quando so, no se tem informao integral se os danos pro-
vocados poderiam ser maiores se no houvesse segurana (LUM,
KENNEDY, SHERLEY, 2006). Igualmente, os autores apontam que
o aumento da rigidez da punio no apresenta dados concretos
cerca de seu sucesso devido a poucas evidncias existentes.
Em oposio, as duas principais medidas adotadas em escala
global apresentam resultados signifcativos e, ao mesmo tempo,
opostos: as resolues das Organizaes das Naes Unidas con-
tra o terrorismo e a interveno militar nos pases sedes do terro-
rismo. A primeira medida, apesar da sua generalidade, colabora
consideravelmente ao estabelecer regras e normas internacionais
de fortalecimento de polticas nacionais contra o terrorismo. J
as retaliaes militares ou intervenes, apesar de combaterem
a raiz do terrorismo, provaram-se inefcientes ao incentivarem
a violncia e o desrespeito ao princpio da soberania dos pases
(LUM, KENNEDY, SHERLEY, 2006).
O lado prejudicial do intervencionismo pode ser visto quan-
do se observa o cenrio no Afeganisto: aps anos de confitos
e de intervenes estrangeiras, estima-se a ocorrncia de mais
de 12 mil mortes, sendo onze mil civis e mil soldados (Estado de
17
Princpios relacionados com a poltica externa do presidente George W. Bush, de-
clarada aps os atentados de 11 de setembro de 2001.
527 526
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
So Paulo, 2011)
18
. Por outro lado, o Estado Afego est em pro-
cesso de transio democrtica, no qual h fragilidades visveis,
a exemplo das denncias de fraudes nas eleies de 2009 e dos
nmeros alarmantes de violncia no mbito domstico. poss-
vel analisar tambm a Guerra do Iraque, invadido pelo exrcito
americano em maro de 2003 sob a denncia de produo de
armas de destruio em massa, defnida por Hobsbawm como
uma frivolidade do processo de tomada de decises dos Estados
Unidos (FOLHA DE SO PAULO, 2009).
Em oposio ao intervencionismo, tericos como Frank S.
Perri, Terrance G. Lichtewald e Paula M. Mackenzie (2009), des-
tacam a importncia de combate ao terrorismo atravs do com-
bate ao prprio crime organizado como fonte de fnanciamento
ao terrorismo. Para tais autores essencial combater o contra-
bando de produtos como narcticos, fortalecer as leis migratrias
e a garantia dos direitos fundamentais atravs de novos rgos,
integrando-os s autoridades de modo a ampliar a troca de infor-
maes e a cooperao.
Um dos principais adeptos poltica externa de Guerra ao
Terror, os Estados Unidos, tm como principal estratgia o com-
bate organizaes terroristas cuja atuao so de seu interesse,
como o Hamas, o Hezbollah e a Al-Qaeda (DEPARTAMENTO DOS
ESTADOS UNIDOS, 2002). Na sua mais recente Estratgia Nacional
Contra o Terrorismo
19
, lanado em junho de 2011, observa-se cla-
ramente a inteno do pas em proteger seu povo e seus interesses,
alm de promover a seu modelo de democracia. Sendo a Al-Qaeda
considerada uma ameaa constante, o objetivo fnal da estratgia
norte americana desestabilizar, desestruturar e, por fm, derro-
tar o grupo e seu ncleo de liderana, assim como seus afliados e
adeptos (DEPARTAMENTO DOS ESTADOS UNIDOS, 2011).
4.2 Guerra ao terror e preservao dos direitos individuais: um dilema?
Aps ser adotada durante os oitos anos do governo Bush e, atu-
almente, ser gradativamente atenuada por Barack Obama, a dou-
trina da Guerra ao Terror passou por fortes crticas durante sua
adoo, sendo acusada de transgredir os direitos individuais e
direitos humanos. Se, a priori, diz-se que o terrorismo ataca os
direitos de pessoas inocentes, o contraterrorismo pode tambm
resultar no ataque direto ou indireto aos direitos humanos dos
culpados e dos inocentes. Ao longo da invaso do Iraque e do
Afeganisto, vrias transgresses dos direitos humanos foram de-
nunciadas, deixando a dvida se tal forma de ao e o respeito
aos direitos individuais poderiam coexistir (SZURLEJ, 2011).
Apresenta-se que, com a forte investida do governo norte-
-americano em pases rabes aps os atentados, no somente
os povos que viviam nesses pases sofreram retaliaes e foram
prejudicados com a guerra, mas tambm cidados de origem mu-
ulmana que vivem ou viviam nos pases ocidentais (HRW, 2002).
O ndice de crimes de dio contra estrangeiros muulmanos
cresceu consideravelmente e ainda que Estados como os Estados
Unidos, afrmem serem contra tais absurdos, as agresses conti-
nuavam a ocorrer e s foram contidas a partir do momento em
que novas leis de proteo passaram a ser aplicadas (HRW, 2002).
Dessa forma, outro problema que surge com as medidas de
combate ao terrorismo em geral a utilizao de um discurso
antiterrorista para perseguir minorias, inimigos polticos e sepa-
ratistas que no so efetivamente terroristas. A China, por exem-
plo, aproveitou-se da comoo gerada pelos ataques de 11 de se-
tembro de 2001 para apresentar os separatistas da etnia Uighur
como terroristas e para acusar o lder religioso tibetano Tenzin
Delek por crimes de terror e de separatismo, sentenciando-o
morte (HRW, 2003). O Egito foi outro pas que utilizou o proble-
ma do terrorismo como justifcativa para criao de decretos e
leis emergenciais que violam os direitos individuais, tendo de-
cretado a priso de vrios membros da Irmandade Muulmana,
que uma organizao no violenta, no ps 11 de setembro, sob
acusaes de posse de literatura suspeita. H vrios outros casos
semelhantes, envolvendo a Gergia e sua populao chechena; a
ndia e muulmanos, Sikhs e Dalits; A Rssia e a Chechnia; e o
Uzbequisto e muulmanos (HRW, 2003).
Alm da utilizao de discursos antiterroristas para disfar-
ar ofensivas contra inimigos polticos, h, ainda outro aspecto
das medidas contra o terrorismo que deve ser analisado: a forma
de se lidar com os suspeitos de serem terroristas. Muitas vezes
no dado a estes o direito de julgamento ou mesmo de resposta.
Percebe-se como este tipo de abordagem pode ser problemtica
quando se observa, por exemplo, o caso do brasileiro Jean Char-
les de Menezes, morto por policiais ingleses em 22 de julho de
2005, ao ser confundido com um terrorista, ainda que este no
tenha apresentado comportamento suspeito ou mesmo resistido
18
Dados sobre a Guerra do Afeganisto. Publicada dia 06 de outubro de 2011. Dis-
ponvel em: <http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,dados-sobre-a-
-guerra-do-afeganistao,782171,0.htm>
19
Lanada em Junho de 2011, defniu as novas diretrizes norte-americanas na cam-
panha de combate ao terrorismo.
529 528
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
abordagem dos policiais. Mais do que um erro, essa situao
foi, como defendido por Vaughan-Williams (2007), um sintoma
de um contexto amplo de guerra ao terror, no qual se surge uma
crise autoimune, em que um mecanismo, que originalmente visa
proteger a vida, acaba se tornando uma ameaa a esta (VAU-
GHAN-WILLIAMS, 2007).
De semelhante forma, negado a vrios outros suspeitos de
serem terroristas o direito de defesa e a julgamento. So vrios
os casos em que estes suspeitos so mantidos sob custdia por
dias, sem acesso a advogados e sem que suas famlias sejam no-
tifcadas. Sabe-se, por exemplo, que os Estados Unidos confnam
vrios suspeitos de terrorismo na priso de Guantnamo, onde
tambm se sabe que as condies so avessas dignidade huma-
na (HRW, 2008). Nenhum dos presos mantidos em Guantnamo,
por exemplo, tem permisso para receber visita de familiares e
maioria nunca foi permitido fazer sequer uma ligao telefnica.
Os detentos tambm so confnados em suas celas 22 horas por
dia, no tendo praticamente nenhum acesso luz solar e ar fres-
co e fcando em completo isolamento. A situao se torna ainda
mais absurda quando se observa que nenhum dos detentos che-
gou a ser condenado, de modo que muitos podem ser eventual-
mente liberados, aps anos de sujeio a estas condies, e com
provveis danos psicolgicos (HRW, 2008).
Assim, a Guerra ao Terror acaba por transpor diversos di-
reitos fundamentais e, ainda que o terrorismo seja uma ameaa
real presente, seu combate no deve implicar na desconsidera-
o de obrigaes domsticas, regionais e internacionais de pro-
teo e preservao dos direitos humanos. As formas de combate
ao terrorismo devem afetar o mnimo possvel o motivo pelo qual
existem, ou seja, a tentativa de proteger e promover os direitos
humanos, alm de respeitar e impor as limitaes das excees
que possam vir a existir, garantindo a proteo dos direitos de to-
dos os cidados (HRW, 2002).
4.2 Combatendo o terrorismo atravs de suas fontes de financiamento:
uma estratgia humanitariamente responsvel e centrada no
desenvolvimento humano
Argumenta-se que o combate do terrorismo mediante o desman-
telamento e obstruo de suas fontes de fnanciamento seria o
mais efciente e humanitariamente responsvel, haja vista que
envolve, por consequncia, o combate ao crime organizado, uma
das principais fontes de fnanciamento, e que tambm confgura
como ameaa aos indivduos (LEWIS, 2012). O crime organiza-
do, assim como o terrorismo, ameaa a segurana humana na
medida em que leva morte de inmeros indivduos em razo
de confitos armados entre os criminosos ou entre estes e as au-
toridades, de problemas de sade relacionados ao consumo de
drogas ou mesmo das condies adversas impostas sobre as v-
timas de trfco humano. O crime organizado ainda se confgura
como ameaa segurana humana quando se observa as sete
dimenses propostas pelo PNUD (1994)
20
para o conceito, visto
que pode comprometer a parte legtima da economia e tambm
a governana poltica, por meio da corrupo das autoridades e
da compra de eleies (UNODC, 2012).
Com a fnalidade de se testar o referido argumento, primei-
ramente se abordar as estratgias militares de combate ao terro-
rismo, que so comumente adotadas. Nestas, procura-se precisar
a base de operaes do inimigo para, ento, enfrent-lo militar-
mente. Um dos motivos que tornam esta abordagem inefcaz
a difculdade de identifcar onde est o inimigo, tendo em vista
que as organizaes terroristas tem assumido, cada vez mais, um
carter transnacional, com bases de operao em diversos pases
(HEUPEL, 2007), o que tambm difculta a associao de um gru-
po terrorista a um determinado espao geogrfco.
Quando se consegue estabelecer um lcus de determinado
grupo terrorista, existe o problema de se separar os terroristas dos
civis na comunidade que se analisa. Considerando-se que seja
possvel fazer esta distino, surge, ainda, outro desafo: como
enfrentar militarmente tais terroristas de modo no atingir popu-
laes locais? E, ainda, como garantir que os grupos terroristas
no se reestruturaro novamente aps a destruio de algumas
de suas clulas e de alguns de seus agentes?
A questo de se impactar o mnimo possvel sobre popula-
es locais um ponto sensvel. Isso porque os grupos terroristas
costumam se instalar onde a cobertura de servios e de proteo
do Estado est ausente, como reas remotas e quase no habita-
das, ou como reas em que o prprio Estado falho e, em con-
sequncia, com uma populao que apresenta baixo ndice de
qualidade de vida
21
(PERRI et al., 2009). Mediante uma conjuntu-
20
So estas: segurana econmica, alimentar, da sade, ambiental, pessoal, comuni-
tria e poltica (PNUD, 1994).
21
Adota-se a defnio de qualidade de vida proposta pelo Grupo de Qualidade de
Vida (Grupo WHOQOL), constitudo pela Organizao Mundial da Sade (OMS), que
como o indivduo percebe sua posio no contexto cultural, social e ambiental em
que vive e tambm em relao aos seus objetivos, expectativas, padres e preocupa-
es ( FLECK, 2000).
531 530
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
ra em que esta populao j esteja sendo privada de servios bsi-
cos, importante que se realize a ao contra os terroristas tendo
conscincia da precariedade da regio como um todo, no des-
truindo os canais pelos quais a ajuda humanitria pode chegar,
como estradas e aeroportos, ainda que se constate que a destrui-
o destes proveria vantagem militar considervel (HRW, 2001).
Havendo difculdades e impactos relativos segurana hu-
mana ao se empreender aes militares, reitera-se o argumento
de que o combate s formas de fnanciamento do terrorismo
a melhor estratgia de combate a este fenmeno. Isso porque o
corte aos fundos dos grupos terroristas os enfraquece e diminui,
assim, suas capacidades de reestruturao. Alm disso, vrios
dos problemas listados de se construir um discurso de guerra
ao terror so tambm mitigados, posto que o combate s fontes
de fnanciamento envolve um trabalho tcnico e menos sujeito
a confgurar em discursos de dio. H que se considerar, no en-
tanto, que a estratgia de fnanciamento, assim como as demais,
pode resultar em restries dos direitos individuais, mediantes
processos de securitizao
22
. Ademais, como proposto pelo pre-
sidente da 66 sesso da Assembleia Geral das Naes Unidas,
de maior importncia que o terrorismo no seja associado a um a
etnia ou religio especfca, de modo que os valores de tolerncia
e respeito diversidade sejam bases de toda forma de combate ao
terrorismo (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAES UNIDAS, 2012).
O combate s fontes de fnanciamento se enquadra de forma sa-
tisfatria nestes parmetros visto que promove a cooperao e o
esprito de coabitao entre as comunidades.
H, por fm, outro fator importante para a adoo do comba-
te s fontes do fnanciamento do terrorismo como a melhor es-
tratgia. o fato de que signifcativa parte do fnanciamento dos
grupos terroristas advm de fontes ilcitas, com especial nfase
para o crime organizado, como lavagem de dinheiro e trfco de
drogas. Combatendo estas fontes ilcitas e o crime organizado,
se promove, por consequncia o desenvolvimento e segurana
humanos, tendo em vista que os recursos advindos destas ativi-
dades criminosas distorcem as economias e instituies locais,
alimentam confitos, ameaando o Estado de Direito e o desen-
volvimento, segurana, justia e direitos humanos (LEWIS, 2012).
5. COMBATE AO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO
Em primeiro lugar, importante examinar as fontes de fnancia-
mento, diferenciando as lcitas daquelas que so o objeto deste
estudo: as fontes ilcitas e ligadas ao crime organizado. Tendo
sido feita esta distino, parte-se para as possveis estratgias de
combate ao fnanciamento ilcito e de desmantelamento do nexo
crime-terror. importante pontuar que o combate do terrorismo
atravs de suas fontes de fnanciamento, assim como as outras
estratgias, impe desafos, que sero elucidados.
5.1 Formas de Financiamento
O terrorismo sustenta-se por intermdio de distintas fontes de
fnanciamento, abrangendo fontes relacionadas ao crime orga-
nizado ou mesmo as provenientes de doaes individuais. Deste
modo, decidiu-se abordar essas fontes dentro de duas classifca-
es: as lcitas e as ilcitas.
5.1.1 Financiamento lcito
A princpio, pode parecer incoerente tratar de um fnanciamen-
to do terrorismo que seja lcito porque se est fnanciando uma
atividade ilegal. Contudo, quando se foca apenas na origem do
dinheiro que fnancia os terroristas, so observadas vrias fontes
legais, tendo sido seis formas destacadas por Alex Schmid (2007).
H, em primeiro lugar, o fnanciamento domstico que, por sua
vez, pode ser individual ou coletivo, e que envolve contribuio
voluntria. O segundo tipo tambm envolve contribuio vo-
luntria, mas neste caso estas partiriam de comunidades de mi-
grantes em dispora.
23
H, ainda, as contribuies e doaes de
pessoas com afnidade religiosa e tnica e as doaes pblicas e
privadas de fnanciadores individuais ou de organizaes sociais
e religiosas. O quinto tipo consiste no patrocnio de Estados a
grupos terroristas com os quais possuem inimigos ou ideologias
comuns. Por fm, os lucros oriundos de investimentos e negcios
legais tambm podem ser fonte de fnanciamento.
A importncia de se apresentar as fontes lcitas parte do fato
de que, na maior parte dos casos, os terroristas utilizam uma
como o indivduo percebe sua posio no contexto cultural, social e ambiental em
que vive e tambm em relao aos seus objetivos, expectativas, padres e preocupa-
es ( FLECK, 2000).
22
Securitizao o processo que transforma um assunto qualquer em uma questo
de segurana. Para que este processo seja realizado com sucesso, deve-se convencer
a audincia, atravs de atos de fala, de que o assunto confgura como ameaa real que
justifca a adoo de medidas extraordinrias (WILLIAMS, 2003).
23
interessante observar que, at 2001, um grupo terrorista chegou a coletar at 1
milho de dlares por ms atravs de extorso de comunidades em dispora no Ca-
nad, na Inglaterra, na Sua e na Austrlia, para que se perceba como este tipo de
fnanciamento pode alcanar altas magnitudes (CRONIN apud OECD, 2008).
533 532
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
combinao das duas formas de fnanciamento. A Al-Qaeda,
por exemplo, utiliza uma srie de negcios legtimos, como o
comrcio de mel no Imen, para se fnanciar. Alm disso, a or-
ganizao conta, tambm, com o apoio de simpatizantes que
voluntariamente destinam parte de suas rendas para fnanci-la
(GREENBERG;WECHSLER; WOLOSKY, 2002).
Ainda de acordo com Greenberg, Weshsler e Wolosky (2002),
o dinheiro utilizado pelos terroristas tambm pode ser movimen-
tado atravs de meios legais, sendo interessante destacar o sis-
tema hawala
24
. Esse sistema, o qual permite que o dinheiro seja
transmitido de modo a deixar os mnimos registros escritos e ele-
trnicos possveis, atinge grandes cidades, mas tambm chega a
pequenos vilarejos, e rpido, efciente, confvel e barato. Ainda
que no seja um sistema ilegal, que usado por pessoas cumpri-
doras das leis, este acaba servindo perfeitamente para organiza-
es terroristas, que no podem deixar rastros na movimentao
de seus fundos, havendo evidncias do uso do sistema hawala
por membros da Al-Qaeda (OECD, 2008).
Percebe-se, pelo exposto, a importncia das fontes lcitas
para o fnanciamento do terrorismo, embora o fnanciamento
no se esgote nessa fontes.
5.1.2 Financiamento ilcito e as relaes com o Crime Organizado
Dentre as oito possveis formas de fnanciamento destacadas por
Schmid (2007), duas podem ser classifcadas como ilcitas. H o
fnanciamento derivado de crimes comuns e do crime organiza-
do, por meio de fraude, produo e contrabando de drogas, fal-
sifcao de documentao, contrabando em geral, sequestro vi-
sando resgate, roubos, lavagem de dinheiro, extorso e trfco de
seres humanos. E h, tambm, o fnanciamento mediante organi-
zaes no governamentais e comunitrias: os terroristas estabe-
lecem organizaes de fachada
25
e recebem fundos de ONGs
irms de outros pases atravs daquelas ou se infltram em or-
ganizaes comunitrias para receber doaes (SCHMID, 2007).
Algumas clulas terroristas recorrem a crimes comuns
e que requerem baixo grau de organizao, como seques-
tros e roubos, porque so incentivadas a buscarem autono-
mia fnanceira da organizao terrorista da qual fazem parte
(GREENBERG;WECHSLER; WOLOSKY, 2002). No entanto, as
principais fontes ilcitas s quais os terroristas recorrem envol-
vem o crime organizado transnacional, em razo dos maiores
lucros que podem ser auferidos deste. Sabe-se, por exemplo, do
envolvimento do Hezbollah no trfco de cigarros, armas e narc-
ticos, e de terroristas chechenos na indstria do comrcio de sexo
na Rssia (PERRI; BRODY, 2011).
Os terroristas podem ainda utilizar diversos tipos de fraude
com vistas a fnanciar suas atividades. A fraude hipotecria, por
exemplo, permite o levantamento de altas quantias de dinheiro
em curto perodo de tempo, e com menores riscos, se compara-
do, por exemplo, ao trfco de drogas (PERRI; BRODY, 2011). Nos
ltimos anos, vrias fraudes hipotecrias foram relacionadas a in-
vestigaes federais sobre terrorismo, como no caso de Nemr Ali
Rahal
26
, que obteve mais de 500.000 dlares por meio de fraude
(POOLE apud PERRI; BRODY, 2011).
Outro tipo recorrente de fraude envolve instituies de flan-
trpicas
27
, que se tornam atraentes para os terroristas uma vez
que desfrutam de confana popular e atraem grandes somas
de dinheiro, alm de algumas destas possurem projeo global,
facilitando transaes a nvel nacional e internacional (PERRI;
BORDY, 2011). A ttulo de exemplo, duas organizaes de carida-
de fxadas em Illinois, Estados Unidos a Global Relief Founda-
tion, Inc. (GRF) e a Benevolence International Foundation (BIF)
foram acusadas de fnanciar a Al-Qaeda e o terrorismo interna-
cional (ROTH, GREENBURG; WILLE, 2004). possvel lembrar
outro exemplo notrio em virtude da efetiva atribuio de culpa
por fnanciamento a terrorismo, que o da fundao Holy Land
28
,
24
O sistema hawala funciona da seguinte forma: o cliente A inicia uma operao de
transferncia de dinheiro para o cliente B. Um hawaladar no pas de A recebe o di-
nheiro de A, dando a este cliente um cdigo para fns de autenticao. Este hawaladar
instrui o seu correspondente no pas de B a entregar um montante equivalente (na
moeda local) ao entregue por A para o cliente B, que precisa revelar o cdigo para
receber o dinheiro (FAITH, 2011).
25
Entende-se, por organizao de fachada, aquelas que falsifcam seus objetivos
para obter recursos.
26
Nemr Ali Rahal um libans que se declarou culpado por fraude hipotecria em
2006 com vistas a evitar a acusao adicional por atividades terroristas, tendo em vis-
ta que, no momento das investigaes sobre a fraude, foram encontrados em sua resi-
dncia livros, psteres e vdeos de recrutamento do Hezbollah (PERRI; BRODY, 2011).
27
importante destacar que o fnanciamento oriundo de instituies flantrpicas
frequentemente classifcado como fnanciamento lcito, como o feito pelo OECD
(2008). No entanto, esta fonte foi abordada neste artigo na seo de fnanciamentos
ilcitos por se est focando nas fraudes que so feitas para acessar os recursos deste
tipo de instituio.
28
A fundao Holy Land foi umas das maiores instituies de caridade islmica dos
Estados Unidos. Em 2001, o grupo e alguns de seus apoiadores foram indiciados por
apoio fnanceiro a organizaes terroristas do Oriente Mdio. A despeito dos vrios
esforos para conden-los, o primeiro julgamento, em 2007, acabou em anulao das
acusaes. No entanto, em novembro de 2008, um segundo julgamento acabou com
veredictos de culpa em todos os 108 pontos, incluindo terrorismo, lavagem de dinhei-
ro e fraude fscal (KOVACH, 2008).
535 534
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
que arrecadou milhes de dlares para o Hamas em um perodo
total de 13 anos (EMERSON apud PERRI; BRODY, 2011).
Fraudes em seguros, identidades e de imigrao tambm re-
querem ateno
29
. Estas duas ltimas, no entanto, nem sempre vi-
sam fnanciar a atividade terrorista em si, mas propiciar que esta
seja levada a efeito, possibilitando, por exemplo, a entrada dos
terroristas onde o alvo se situa (PERRI; BRODY, 2011).
Com o objetivo de exemplifcar a importncia dos fundos
ilcitos no fnanciamento do terrorismo, sero brevemente apre-
sentados os resultados do estudo de Roth e Sever (2007) sobre a
relao entre crime organizado e o PKK.
30
Vrias investigaes
apontam para o envolvimento do PKK no trfco e na produo
de drogas, tendo sido apontado pelo prprio lder da organizao
Abdullah Ocalan quando j havia sido preso, que o PKK depen-
dia fortemente do crime organizado transnacional. A organiza-
o se benefcia da posio geogrfca estratgica da Turquia, que
d fcil acesso Europa, sia, ao Norte da frica e ao Oriente
Mdio para o trfco de drogas e de pessoas (ROTH; SEVER, 2007).
Ainda no que diz respeito ao envolvimento de terroristas no
trfco de drogas, interessante citar a relao do Talib com tra-
fcantes de herona. Estes fnanciavam o Talib em troca da pro-
teo de suas culturas de pio, de seus laboratrios de herona,
das rotas de transporte da droga e a seus membros e associados
no Afeganisto. Sabe-se, tambm, de organizaes ligadas pro-
duo e ao trfco de cocana na Colmbia, que usam os proven-
tos deste para comprar armas e engajar em atividades terroristas
(OECD, 2008).
O PKK tambm atua por meio de extorso, coletando fun-
dos de habitantes do leste e sudeste da Turquia de origem curda
por meio de intimidao. O PKK ainda se relaciona lavagem de
dinheiro,como se descobriu atravs das duas Operaes Sputnik,
quando se identifcou empresas como a MedTV e a Kurdish Foun-
dation Trust, onde o dinheiro da organizao era lavado. Roth e
Sever (2007) encerram o estudo pontuando, ainda, a relao do
PKK com o trfco de cigarros e de sangue (ROTH; SEVER, 2007).
Percebe-se que o nexo crime-terror se expande considera-
velmente no aspecto fnanceiro, e que o crime organizado uma
fonte signifcante de obteno de recursos para as organizaes
terroristas.
5.2. Securitizao da identificao das formas de financiamento
Principalmente a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001,
quando os EUA defagraram a Guerra ao Terror, aprofundou-se
ainda mais o processo de securitizao do terrorismo (MOTTA,
2012). A securitizao consiste na transferncia de uma questo
da esfera comum para a esfera de segurana e tal questo passa
a ser vista como uma ameaa real que exige medidas emergen-
ciais (MOTTA, 2012). Esse o processo que vem ocorrendo com
as fontes de fnanciamento do terrorismo, uma vez que o corte de
tais fontes tem mostrado ser a melhor forma de elimin-lo. At
mesmo antes dos atentados ao World Trade Center, o tema j co-
meava a ser securitizado. Em 1999, a ONU realizou a Conveno
Internacional para a Supresso do Financiamento do Terrorismo
com o objetivo de identifcar e impedir que organizaes terroris-
tas obtivessem recursos fnanceiros (ONU, 1999).
O processo de securitizao das fontes de fnanciamento
aos atos de terror importante, pois abre espao para que cer-
tas medidas sejam tomadas a fm de combat-los: a quebra do
sigilo bancrio e a superviso de contas suspeitas, assim como o
congelamento, a apreenso e a perda de bens (SHOTT, 2005). O
objetivo da superviso de contas obter informaes sobre quem
efetua e quem recebe transferncias e, assim, identifcar quando
estas tm fns ilegais. J a violao do direito sobre seus prprios
bens, que vai desde seu congelamento at sua perda total, impe-
de que a partir desses bens sejam fnanciadas atividades terroris-
tas. Tais medidas so previstas pelas Recomendaes Especiais
31
do Grupo de Ao Financeira sobre Branqueamento de Capitais
(GAFI)
32
e h um forte incentivo para que sejam seguidas por to-
dos os pases (SHOTT, 2005).
5.3. Aes coletivas para reduzir os fundos das organizaes terroristas
Nas ltimas quatro dcadas, o terrorismo se tornou parte da agen-
da de segurana internacional e cada vez mais se depara com es-
foros para combat-lo. Tornou-se conhecimento, tambm, que
29
As fraudes em seguros consistem em alegaes falsas com vistas a desfalcar com-
panhias de seguros. Esse tipo de fraude foi cometida por Koubriti e Hannon que visa-
vam desfalcar a companhia Titan. As fraudes de identidade envolvem, fundamental-
mente, roubos e falsifcaes de documentos de identidade. As fraudes de imigrao,
por fm, envolvem falsifcao de vistos, declaraes falsas com vistas obteno do
visto e o uso indevido dos vistos (PERRI; BRODY, 2011).
30
Por PKK, refere-se ao Partido dos Trabalhadores do Curdisto, que foi fundado por
Abdullah Ocalan, e que listado por diversos pases, incluindo os Estados Unidos,
como organizao terrorista (ROTH; SEVER, 2007).
31
Nove recomendaes de combate ao fnanciamento do terrorismo propostas aps
o 11 de setembro pelo GAFI.
32
Organismo internacional que tem o objetivo de promover estratgias de combate
ao branqueamento de capitais e ao fnanciamento do terrorismo.
537 536
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
por trs de todo ato terrorista existe uma rede de fnanciamento,
muitas vezes ligada ao crime organizado. Portanto, uma forma
efcaz de erradicao do fenmeno seria a identifcao e a re-
duo dos fundos que amparam as organizaes terroristas. No
entanto, a luta individual de governos no o bastante para res-
ponder s ameaas. necessrio que haja uma cooperao entre
eles, sendo de signifcativa importncia a ao das organizaes
internacionais (BESSA, 2006).
Neste sentido, importante ressaltar alguns importantes
atores internacionais que apresentam um plano de combate ao
fnanciamento do terrorismo, notadamente, a ONU, a Unio Eu-
ropeia, a Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN), a
Organizao dos Estados Americanos (OEA) e o Grupo de Ao
Financeira sobre Branqueamento de Capitais
33
(GAFI).
A comear pela ONU, o terrorismo est em sua agenda h
muitos anos. Entre 1963 e 1999 foram realizadas 12 Convenes e
Protocolos visando supresso do mesmo, entre elas a Conven-
o para a Supresso do Financiamento do Terrorismo, adotada
em 1999, a qual determinou a criminalizao do terrorismo, das
organizaes terroristas e dos atos terroristas (UNODC, 1999). Por
meio do UNODC, a ONU combate o trfco de drogas e o crime
organizado, contribuindo, assim, para o combate ao prprio ter-
rorismo, uma vez que grande parte de seu fnanciamento provm
de tais atividades (ONU, 2012). Alm disso, a ONU tambm dirige
o Programa Global contra o Branqueamento de Capitais (GPML),
diretamente ligado ao combate s redes de fnanciamento do ter-
rorismo (SHOTT, 2005).
A Unio Europeia tem como importante elemento de sua
poltica externa a cooperao com outras organizaes interna-
cionais. Em conjunto com a ONU, no que se refere ao combate
ao terrorismo, desenvolve atividades no UNODC e na Comisso
para Preveno do Crime e Justia Criminal (CPCJC) (COMIS-
SO EUROPEIA, 2012). De acordo com a Reviso da Estratgia
contra o Financiamento do Terrorismo elaborado pelo conselho
da Unio Europeia (UE, 2008), fundamental que sejam manti-
dos os esforos para impedir o fnanciamento do terrorismo, as-
sim como controlar o que os suspeitos de terrorismo fazem com
seus recursos fnanceiros (UE, 2008).
Junto ao GAFI, a Unio Europeia desenvolveu uma legislao
antiterrorista, a qual deve seguir as seguintes aes: acompanhar
a aplicao da legislao por todos os Estados-Membros; avaliar
a ameaa representada pelo fnanciamento do terrorismo a fm
de defnir aes prioritrias em seu combate; desenvolver novos
instrumentos que visem eliminao do fnanciamento; refor-
ar as aes j existentes, como o congelamento de bens; assim
como promover a cooperao com o setor privado e com outros
governos ou organizaes internacionais na luta contra o fnan-
ciamento aos terroristas (UE, 2008).
Outra Organizao que tem entre seus objetivos a luta contra
os recursos fnanceiros do terrorismo a OTAN. De acordo com
Adrian Kendry (2007), a OTAN defende o fortalecimento e a inte-
grao entre os Estados, o setor privado e as organizaes inter-
nacionais a fm de combater o fnanciamento do terrorismo tanto
a nvel nacional, quanto internacional. A base das relaes entre
a OTAN e seus parceiros no combate ao terrorismo o Plano de
Ao da Parceria contra o Terrorismo (PAP-T). Tal plano de ao
estabelecido sobre o combate econmico e fnanceiro das orga-
nizaes terroristas e pode ser ainda mais efcaz atravs da maior
cooperao entre as organizaes internacionais. A OTAN tam-
bm tem realizado outras atividades, como um evento, em 2004,
que levou diversos setores a discutirem os aspectos econmicos
da luta contra o terrorismo (KENDRY, 2007).
Da mesma forma, a OEA encontra-se engajada no combate
ao terrorismo e s suas fontes de fnanciamento por meio da Con-
veno Interamericana contra o Terrorismo. Esta busca aumen-
tar a cooperao entre as autoridades policiais dos pases, assim
como combater s redes de fnanciamento ao terror (OEA, 2012).
Tambm criou a Comisso Interamericana para o Controle do
Abuso de Drogas (CICAD) que tem como um de seus objetivos o
combate ao branqueamento de capitais e, consequentemente, ao
terrorismo (SHOTT, 2005).
Outra Organizao que exerce papel fundamental o GAFI,
criado pelo G-7
34
com o intuito de combater o terrorismo atravs
do corte ao seu fnanciamento e do combate ao branqueamento de
capitais
35
. Nas Convenes de Viena
36
e Palermo
37
, o GAFI props
33
O branqueamento de capitais consiste na dissimulao da origem de produtos
ilcitos, ou seja, a ocultao da verdadeira natureza de bens provenientes do crime
(SHOTT, 2005).
34
Tambm conhecido como Grupo dos Sete, o G-7 formado pelos Estados Unidos,
Canad, Frana, Itlia, Reino Unido, Alemanha e Japo. Estes se renem com o obje-
tivo de coordenar suas polticas econmicas e monetrias (SHOTT, 2005).
35
O termo branqueamento usado para designar o processo pelo qual a origem
de produtos provenientes de fontes ilcitas dissimulada e legitimada (SHOTT, 2005).
36
Conveno das Naes Unidas contra o Trfco Ilcito de Estupefacientes e de Subs-
tncias Psicotrpicas (1988).
37
Conveno das Naes Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional
(2000).
539 538
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Combatendo o terror atravs de seu nexo com o crime organizado
40 Recomendaes para o combate ao branqueamento de capitais,
e aps o 11 de setembro, elaborou tambm suas nove Recomenda-
es Especiais sobre o Financiamento do Terrorismo. As formas de
branqueamento de capitais esto diretamente relacionadas ao f-
nanciamento do terrorismo na medida em que dissimular tais fon-
tes fnanceiras, lcitas ou ilcitas, essencial para a continuidade do
terrorismo. Assim, o GAFI determinou que suas 40 Recomendaes
acrescidas das Recomendaes Especiais so a base para a preven-
o, identifcao e eliminao do branqueamento de capitais e do
fnanciamento das organizaes terroristas (SHOTT, 2005).
Esses so alguns exemplos das aes coletivas desenvolvidas
pela comunidade internacional na luta contra o terrorismo e contra
suas redes de fnanciamento. Diante dessa crescente ameaa, tor-
nou-se cada vez mais necessrio uma coordenao transnacional en-
tre Governos e Organizaes Internacionais. Assim, apenas atravs
da rpida troca de informaes e da cooperao internacional que
ser possvel obter xito na eliminao do terrorismo (SHOTT, 2005).
6. CONCLUSO
Observa-se ntida relao entre crime organizado e terrorismo e
expressiva participao de atividades relacionadas ao crime or-
ganizado no fnanciamento dos grupos terroristas. Desta forma,
percebe-se a inviabilidade de buscar solues para estes dois pro-
blemas contemporneos em separado. Como destacado na tercei-
ra seo, estes dois tipos de crime interagem de mltiplas formas e,
por isso, devem ser considerados em conjunto, para que as medi-
das tomadas sejam efcazes e efcientes.
No que diz respeito s estratgias de combate ao terrorismo,
percebe-se, pelo exposto, que cada uma possui pontos fortes e fracos,
mas que, em um balano geral, o argumento central se sustenta: o
combate atravs do fnanciamento, ainda que igualmente difcil de
ser levado a efeito, gera as menores causalidades. Outro ponto que
torna a estratgia de combate ao fnanciamento uma melhor opo
a menor probabilidade de uso desta estratgia como justifcativa
para suprimir os direitos fundamentais de minorias e de opositores
polticos, tendo em vista que o combate ao fnanciamento uma ati-
vidade menos pblica do que as aes militares e, tambm, menos
sujeita a infamar o dio de um povo contra outro.
Alm disso a referida estratgia mais humanitariamente res-
ponsvel tambm porque promove o desenvolvimento humano e
incrementa a segurana humana, ao desarticular as redes de cri-
me organizado, que so responsveis por desarticular o Estado de
direito, incitando confitos e corrompendo as instituies locais
(LEWIS, 2012).
Deve-se considerar, entretanto, que esta estratgia por si s
no basta. Desarticular as fontes de fnanciamento dos grupos
terroristas uma das formas de enfraquecer estes grupos e de,
gradativamente, desarticul-los. necessrio, tambm, prosse-
guir tentando identifcar os membros deste tipo de grupo para,
ento, process-los, seguindo normas previamente estabelecidas
e mantendo-se um respeito mnimo pelos direitos humanos e to-
lerncia com respeito a diferenas culturais.
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545 CIDADES SUSTENTVEIS:
Lidando com a urbanizao de forma ambiental,
social e economicamente sustentvel
Jaqueline Azevedo de Amorim Rego
Joo Paulo Melo Nacarate
Lusa Noleto Perna
Tarcsio Barbosa Pinhate
1
17
1. INTRODUO
As cidades so consideradas centro da civilizao contempornea
e da sociedade civil e sempre foram vistas como o locus de inova-
o e cultura. Foi por meio das cidades e do processo de urbani-
zao que se tornou possvel a disseminao de novos ideais e o
nascimento de novas relaes sociais. (POLZE, 1998)
Pela primeira vez na histria, a maior parte da populao mun-
dial reside em reas urbanas, o que totaliza cerca de 3.3 bilhes de
pessoas. O crescimento populacional atual acompanhado pelo
aumento em nmero e em tamanho das aglomeraes urbanas.
At 2030, a populao urbana deve aumentar para cinco bilhes
de pessoas
2
, que se dispersaro por inmeras cidades e 26 megaci-
dades
3
(PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA ASSENTAMEN-
TOS HUMANOS ONU-HABITAT, 2008 apud SUSUKI, 2010).
Esse crescimento sem precedentes das cidades explicado
por suas capacidades de fornecer infraestruturas adequadas e
ambientes favorveis ao desenvolvimento comercial, assim como
identifcado pelo SUSUKI (2010). Esses fatores, quando presentes,
1
Os autores agradecem a colaborao de Flvio Eduardo Fonseca, Doutor em Rela-
es Internacionais pela Universidade de Braslia, e Carlos Leite, Doutor em Arqui-
tetura e Urbanismo pela Universidade de So Paulo. Seus comentrios e sugestes
foram de grande ajuda confeco deste trabalho.
2
O World Urbanization Prospects Database (s.d) afrmou que, em 2000, havia 120
cidades com populaes acima de um milho de habitantes e que esse nmero deve
crescer para 160 at 2015 (WORLD URBANIZATION PROSPECTS DATABASE, s.d.
apud SUSUKI, 2010).
3
Megacidades so cidades com populaes superiores a 10 milhes de habitantes.
547 546
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
contribuem para uma melhor qualidade de vida (por meio de um
ambiente limpo, acessvel e propcio vida humana) e para a atra-
o de capital humano
4
. Hoje, se reconhece que a cidade con-
dio indispensvel para o desenvolvimento econmico e para o
bom funcionamento da economia de mercado (POLZE, 1998).
Embora a urbanizao traga benefcios sociedade, h tam-
bm diversas e graves questes ambientais e sociais. O ONU-
-HABITAT, constatou que as cidades so responsveis por 75%
do consumo total de energia mundial e pela emisso de 80% dos
gases que causam o aquecimento global (ONU-HABITAT, s.d.
apud MITCHELL,CASALEGNO, 2008, p.viii, traduo nossa),
ocupando apenas cerca de 3% da superfcie terrestre total (PO-
REDOS, 2011,p. 26).
Apesar das cidades serem centros de inovao, crescimento
econmico, transformao social, sade e educao, seu cresci-
mento traz para discusso questes sobre aquecimento global,
administrao de recursos, economia baseada na baixa emisso
de carbono e desigualdade social. As cidades requerem solues
inovadoras em seu design, em sua governana e em sua infraes-
trutura de investimentos, para que possam responder essas ques-
tes de maneira apropriada (MITCHELL; CASALEGNO, 2008).
Assim torna-se relevante falar sobre sustentabilidade dentro
do contexto urbano. A sustentabilidade deriva da percepo de
que os recursos do planeta so fnitos e de que o uso inadequado
dos mesmos deve ser desencorajado (LEITE, 2012). Nesse sentido,
o desenvolvimento sustentvel se apresenta mais urgentemente
onde mora o problema: as cidades daro as respostas para um fu-
turo verde. Nelas se consomem os maiores recursos do planeta;
nelas se geram os maiores resduos. (LEITE, 2012, p. 14).
Este artigo foi dividido em cinco sees com o objetivo de
explicitar quais so as facetas e a importncia do desenvolvimen-
to urbano sustentvel e como implement-lo. Na primeira seo,
sero defnidos os conceitos de desenvolvimento sustentvel e de
cidade sustentvel. Em seguida, sero apresentadas as confern-
cias internacionais que tiveram em sua pauta a discusso sobre o
desenvolvimento urbano sustentvel. Na terceira seo, os princi-
pais desafos enfrentados pelas cidades sero explicitados. A quar-
ta seo apresentar propostas urbanas sustentveis e seus benef-
cios em vrias dimenses. Finalmente, a ltima seo introduzir
o conceito de governana como instrumento importante na pro-
moo e concretizao do desenvolvimento urbano sustentvel.
2. UM NOVO TIPO DE ESPAO URBANO:
O QUE SO AS CIDADES SUSTENTVEIS?
Nesta primeira seo sero apresentadas as principais defnies
de desenvolvimento sustentvel. Alm disso, ser esclarecida a
existncia de uma interdependncia entre o mbito ambiental, o
econmico e o social quando se trata da sustentabilidade. Em se-
guida, breve anlise das cidades com o aquecimento global ser
feita e, a partir disso, os conceitos de cidades sustentveis e seus
elementos formadores sero apresentados.
2.1. O Desenvolvimento Sustentvel
A defnio mais conhecida para desenvolvimento sustentvel
a formulada pela Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento das Naes Unidas, no documento Nosso Fu-
turo Comum
5
, segundo o qual, o desenvolvimento sustentvel
aquele capaz de suprir as necessidades da gerao atual, sem
comprometer as necessidades das geraes futuras (1987, s.d),
ou seja, um desenvolvimento consciente que no esgote os recur-
sos e nem prejudique os sistemas naturais que mantm a vida no
planeta. Essa defnio foi elaborada em uma tentativa de inte-
grar desenvolvimento econmico com preservao ambiental.
J de acordo com Ignacy Sachs (2008), desenvolvimento sus-
tentvel uma abordagem fundamentada na harmonizao de
objetos sociais, ambientais e econmicos. A partir disso se esta-
belece um aproveitamento racional
6
e ecologicamente sustent-
vel da natureza em benefcio das populaes locais, fazendo com
que a preocupao com a conservao do meio ambiente e da
biodiversidade estejam incorporadas aos interesses da prpria
populao (SACHS, 2008).
O desenvolvimento sustentvel contradiz o planejamento ur-
bano moderno pautado no crescimento econmico como princi-
pal objetivo (SACHS, 2008). Isso acontece porque esse conceito
parte do pressuposto de que o mundo possui recursos naturais
fnitos que esto sendo utilizados inadequadamente e, portanto,
4
Para Mankiw (2012), capital humano entendido como o conhecimento e as habi-
lidades adquiridas pelos trabalhadores atravs da educao, treinamento e experin-
cia (MANKIW, 2012, p. 835).
5
Documento tratado na seo 3.
6
Baseado no desenvolvimento sustentvel signifca balancear conservao do am-
biente e desenvolvimento econmico e fundamentar ecologicamente as decises
(ART. 66. , N. 2, CRP).
549 548
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
esse comportamento deve ser alterado (LEITE, 2012). A partir da
perspectiva da sustentabilidade, o crescimento econmico de
cada pas deve considerar os limites de consumo dos recursos
naturais disponveis (SACHS, 2008). A economia deveria seguir
princpios bsicos para que haja um desenvolvimento urbano
compatvel com a sustentabilidade (LEITE, 2012).
O conceito de desenvolvimento sustentvel acrescenta outra
dimenso da sustentabilidade social, aquela da sustentabilida-
de ambiental (SACHS, 2008). Ela se baseia na solidariedade para
com a gerao atual e para com as geraes futuras, buscando
solues que no recorrero s ferramentas da economia con-
vencional, mas sim s solues que no causaro externalidades
negativas nas dimenses social e ambiental (SACHS, 2008).
2.2. Cidades sustentveis, as cidades inteligentes
A cada dia a populao se concentra mais nas cidades e o mundo
se torna mais urbano, essas mesmas cidades consomem muita
energia e respondem cada vez mais pelas emisses de CO2.En-
to, para que se verifque uma reduo nas alteraes climticas,
deve-se promovermudanas nas cidades (LEITE, 2012). Portanto,
visando alterar das mudanas climticas necessria a adoo
de polticas que implementem cidades sustentveis que saibam
lidar adequadamente com a economia, a sociedade e o meio am-
biente (SACHS, 2008).
A cidade sustentvel, de acordo com Mark Roseland (1997),
o tipo mais durvel de assentamento que o ser humano capaz de
construir. a cidade capaz de propiciar um padro de vida aceit-
vel sem causar profundos prejuzos ao ecossistema ou aos ciclos
biogeoqumicos de que ela depende.
O modelo de urbanizao adotado h anos pelos pases,
com destaque para os desenvolvidos, considera diversos recur-
sos naturais como recursos inesgotveis e gratuitos. Esses pases
acreditam que o mais importante o seu crescimento econ-
mico, no levando em considerao os limites dos recursos. Por
isso, os maiores problemas enfrentados hoje esto relacionados
aos padres de consumo das cidades, assim como infraestrutura
inadequada, carncias no sistema de sade e crescimento popu-
lacional (LUNDQVIST, 2007). O conceito de cidades sustentveis
requer a criao de uma nova lgica de funcionamento, gesto e
crescimento em detrimento das que foram praticadas principal-
mente no sculo XX seguindo a ideia de expanso com esgota-
mento
7
(LEITE, 2012).
Toda cidade sustentvel se desenvolve a partir de uma ligao
adequada, respeitvel e ponderada entre o meio ambiente cons-
trudo e a geografa natural. Portanto, planejar todas as etapas da
urbanizao essencial para que a cidade possa ser bem cuidada
(LEITE, 2012). Sendo assim, so necessrios modelos contempo-
rneos adequados ao desenvolvimento sustentvel, reformula-
dos conjuntamente pela atuao pblica e privada (LEITE, 2012).
A adaptao de cidades para que fquem mais sustentveis
um processo de longo prazo que requer um esforo partindo
tambm da populao. Considerando que apopulao ao mesmo
tempo em que causadora de problemas que afetam as cidades,
tambm ela quem sofre as consequncias (LUNDQVIST, 2007).
Como ser visto na seo 5, as cidades sustentveis caracteri-
zam-se pela utilizao de formas alternativas de energia; priorizam
o transporte pblico, reciclam resduos e outros materiais; limitam
o desperdcio, previnem a poluio, maximizam a conservao e
promovem a efcincia. Integra-se planejamento e design para que
elas sejam possveis, visto que durante a fase de planejamento de
uma cidade sustentvel que os pontos que devem ser melhorados
so defnidos (PROGRAMA CIDADES SUSTENTVEIS, 2012).
Cidades sustentveis, portanto, buscam a conscientizao e
o auxlio dos seus habitantes por meio de programas que divul-
guem informaes sobre as mesmas, assim como por meio de
conferncias ambientais e por meio da mdia; para que se melho-
re o meio ambiente e a qualidade de vida, ao mesmo tempo em
que se desenvolve uma economia que sustente a prosperidade
dos sistemas humanos e dos ecossistemas (PROGRAMA CIDA-
DES SUSTENTVEIS, 2012).
3. O FUTURO QUE QUEREMOS: O ESFORO MUNDIAL
NA PROMOO DA CONSCINCIA AMBIENTAL
Esta seo apresentar um histrico das principais confern-
cias mundiais que trataram sobre desenvolvimento sustentvel
e cidades sustentveis. Pretende-se ilustrar e demonstrar como
surgiu a conexo entre sustentabilidade e urbanizao e como se
deu o seu desenvolvimento.
A primeira conferncia que de fato tratou os problemas pol-
ticos, sociais e econmicos do meio ambiente global, foi a Confe-
rncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
8
, re-
alizada em Estocolmo, Sucia, em junho de 1972. A Conferncia
7
O conceito faz referncia no preocupao em se preservar os recursos, mas explo-
r-los a fm de se atingir os objetivos de crescimento econmico.
8
Resoluo 2398 da Assembleia Geral da ONU defniu a convocao da Conferncia.
551 550
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
se distinguiu das reunies j realizadas por discutir o conceito
de meio ambiente humano, o que signifcava entender que meio
ambiente no uma questo separada da humanidade, como se
acreditava; e por ter uma participao maior dos pases menos
desenvolvidos. Esta teve como resultado a Declarao de Estocol-
mo, uma lista de Princpios e um Plano de Ao (MCCORMICK,
1992). A Declarao no visava defnir clusulas de cumprimen-
to legalmente obrigatrio, mas deveria ser inspiracional [...] e
atuar como um prefcio para os princpios, delineando metas e
objetivos amplos (MCCORMICK, 1992, p.109).
Foram defnidos 26 Princpios que dissertavam sobre a pre-
servao dos recursos naturais, alinhamento entre desenvolvi-
mento e preservao ambiental, cooperao internacional vol-
tada para o melhoramento ambiental, diminuio da poluio e
utilizao da cincia, tecnologia e outros meios para a promoo
da proteo ambiental. Por fm, o Plano de Ao foi um conjunto
de atividades internacionalmente coordenadas que se dividia em
trs categorias: avaliao ambiental, administrao ambiental e
medidas de apoio (MCCORMICK, 1992).
A Conferncia deixou como legado a tendncia em direo
a uma nova nfase sobre o meio ambiente humano. Alm disso,
forou um compromisso entre diferentes vises sobre o meio
ambiente defendidas por pases desenvolvidos e em desenvol-
vimento. Ademais, as ONGs conquistaram espao e passaram a
trabalhar junto aos governos e s organizaes governamentais.
Finalmente, houve a criao do Programa das Naes Unidas
para o Meio Ambiente PNUMA
9
(MCCORMICK, 1992).
J no ano de 1976, aconteceu em Vancouver, no Canad, a
primeira Conferncia das Naes Unidas sobre Assentamentos
Humanos (Habitat I). Esta explicitou as consequncias de uma
urbanizao acelerada, tais como pobreza, carncia de condi-
es adequadas de saneamento bsico, sade, alimentao e de-
sigualdade social. A Declarao de Vancouver chamou a ateno
para o apoio aos esforos de formulao, design, implementao
e avaliao de projetos para a melhoria dos assentamentos hu-
manos (COMISSO ECONMICA E SOCIAL DAS NAES UNI-
DAS PARA A SIA E PACFICO, s.d), visto que estes largamente
determinam a qualidade de vida dos moradores e o seu melho-
ramento um pr-requisito para suprir as necessidades bsicas
de vida, como emprego, moradia, servios de sade, educao e
lazer (DECLARAO DE VANCOUVER, 1976).
Em 1987, criou-se a Comisso Mundial sobre o Meio Ambien-
te e Desenvolvimento, tambm conhecida como Comisso Brun-
dtland. No mesmo ano, foi publicado o relatrio Nosso Futuro
Comum
10
, que defnia recomendaes para o desenvolvimento
sustentvel, segurana alimentar, espcies e ecossistemas, alter-
nativas de energia, produo industrial com menos degradao
ambiental e colocou o assunto em pauta na agenda internacional
(ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS BRASIL, 2011).
No ano de 1992 ocorreu no Rio de Janeiro a Conferncia
das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimen-
to (RIO-92)
11
. Nela foi estabelecida a Agenda 21
12
, programa que
detalhava como se afastar do atual modelo de crescimento eco-
nmico caracterizado pela expanso com esgotamento (LEITE,
2012), como j explicitado, por meio de atividades que preservas-
sem e renovassem os recursos ambientais.
Durante a Conferncia, foi acordado por 172 pases um qua-
dro de aes para o desenvolvimento de assentamentos humanos
sustentveis (ONUBR, 2011). Este visava melhorias baseadas em
atividades de cooperao tcnica entre os setores pblico e priva-
do e na participao, no processo de tomada de decises, de gru-
pos da comunidade e de grupos com interesses especfcos, como
mulheres e populaes indgenas (AGENDA 21, 1992, p.72).
Em abril de 1996 em Istambul, na Turquia, aconteceu a se-
gunda Conferncia das Naes Unidas sobre Assentamentos
Humanos (Habitat II)
13
, que tinha em sua pauta a questo da ha-
bitao adequada para todos, que consiste em cidades em que
os seres humanos vivam com dignidade, boa sade, segurana,
felicidade e esperana(DECLARAO DE ISTAMBUL, 1996, p.
2, traduo nossa); e o desenvolvimento de assentamentos hu-
manos sustentveis no mundo urbanizado, adotando a Agenda
Habitat. Este documento prev intensifcao nos esforos para
erradicar a pobreza e discriminao, promover os direitos huma-
nos e prover as necessidades bsicas de sobrevivncia. Preten-
9
O PNUMA tem entre os seus principais objetivos manter o estado do meio am-
biente global sob o contnuo monitoramento; alertar povos e naes sobre problemas
e ameaas ao meio ambiente e recomendar medidas para melhorar a qualidade de
vida da populao sem comprometer recursos e servios ambientais das geraes
futuras (ONUBR, 2012, s.d).
10
Documento que conceituou desenvolvimento sustentvel como o desenvolvimen-
to que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras
geraes de atender suas prprias necessidades (ONUBR, 2011, s.d).
11
Conferncia estabelecida pela resoluo 44/228 da Assembleia Geral da ONU.
12
Conferncia estabelecida pela resoluo 38/161.
13
Conferncia estabelecida pela resoluo 47/180.
553 552
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
de-se fazer isso por meio de estratgias e princpios de parceria,
da maneira mais democrtica e efetiva, para a realizao do com-
promisso (ONU-HABITAT, 1996,p. 3, traduo nossa). Cada pas
ou cidade deveria seguir as recomendaes e adequ-las ao seu
contexto social (UNESCAP, n.d).
As Metas do Milnio
14
, que foram defnidas pela ONU em
2000, tambm se preocupam com a sustentabilidade sendo o s-
timo objetivo a qualidade de vida e respeito ao meio ambiente.
Este pretende integrar s polticas e aos programas dos pases o
princpio do desenvolvimento sustentvel para diminuir a perda
de recursos naturais; reduzir pela metade, at 2015, a proporo
da populao sem acesso sustentvel gua potvel; e at 2020,
alcanar uma melhora signifcativa da vida de pelo menos 100
milhes de moradores de favelas (UNDP, 2001).
No ano de 2002, aconteceu em Joanesburgo, na frica do Sul,
a Cpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentvelcom o in-
tuito de avaliar as conquistas, as difculdades e questes que sur-
giram desde a RIO-92 (ONUBR, s.d). Apesar da criao da Agenda
21, ainda estava presente uma enorme disparidade econmica e
social entre os pases desenvolvidos e os em desenvolvimento, a
diminuio da biodiversidade continuava, as mudanas climti-
cas eram evidentes e a poluio da gua e do ar permaneciam
presentes; ou seja, os princpios acordados na RIO-92 no esta-
vam realmente sendo colocados em prtica (ONU, 2002).
A mais recente conferncia sobre o tema ambiental foi a Con-
ferncia das Naes Unidas sobre o Desenvolvimento Sustent-
vel (Rio +20)
15
em 2012. Vinte anos aps a RIO-92, ela objetivou
discutir o que foi feito em relao ao meio ambiente nas ltimas
dcadas, a importncia da economia verde
16
, maneiras de eli-
minar a pobreza, medidas que garantam a sustentabilidade no
mundo e a governana internacional no campo do desenvolvi-
mento sustentvel.
Por fm, a Conferncia foi encerrada com a publicao do do-
cumento O Futuro que Queremos, que reitera o compromisso
com o desenvolvimento sustentvel, com a erradicao urgente
da pobreza e da fome e com a implementao da economia verde
(ONUBR, 2012).
4. OS DESAFIOS DAS CIDADES CONTEMPORNEAS
Feita a apresentao de conferncias mundiais que abordaram
o desenvolvimento urbano sustentvel e temas relacionados,
necessrio identifcar quais so os maiores desafos e problemas
que as cidades contemporneas enfrentam, para que se possa
compreender a importncia da sustentabilidade nestas.
Em primeiro lugar, relevante mencionar que a prpria ideia
de desenvolvimento urbano sustentvel em si considerada um
grande desafo para a sociedade contempornea. Embora as ci-
dades sejam caracterizadas pelo desenvolvimento econmico
e por abrigarem servios pblicos como a educao, cuidados
mdicos e transporte, as mesmas no deixam de enfrentar pro-
blemas relacionados ao meio ambiente, moradia, mobilidade,
excluso social (taxa de pobreza), segurana, igualdade de opor-
tunidades e governana (OPEN INNOVATION SEMINAR, 2012).
Isso ocorre j que, na maioria das vezes, as cidades se desenvol-
vem baseadas em um modelo insustentvel e de uso inefciente
17
de recursos (LEITE, 2012).
Poleros (2011) ressalta que o uso exacerbado e inefciente
de recursos naturais signifca uma maior produo de resduos e
emisso de gases poluentes. Juntamente com essa questo, a po-
luio do ar e da gua seriam problemas ambientais nas cidades.
Alm desses problemas, os espaos urbanos ainda enfrentam ou-
tros como: a matriz energtica baseada em fontes no renovveis,
a reduo de espaos verdes, poluio sonora e problemas rela-
cionados ao trfego de automveis.
Logo, um dos primeiros desafos das cidades da atualidade
superar esse modelo insustentvel da utilizao de recursos.
Uma das solues para esse problema o incentivo a cidades
mais densas e compactas, o que se contrape ao modelo urba-
no de baixa densidade predominante, por exemplo, em cidades
14
Em setembro de 2000, 189 naes frmaram um compromisso para combater a ex-
trema pobreza e outros males da sociedade. Esta promessa acabou se concretizando
nos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) que devero ser alcanados
at 2015 (PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO PNUD,
s.d). As Metas foram defnidas na Declarao do Milnio resoluo 55/2.
15
Resoluo 64/236 da Assembleia Geral da ONU estabeleceu a Conferncia.
16
Estrutura de tomada de decises para fomentar a considerao integrada dos
trs pilares de desenvolvimento sustentvel (econmico, social e ambiental) em to-
dos os domnios relevantes de tomada de decises pblica e privada (O FUTURO
QUE QUEREMOS, 2012, p.6). A economia verde vista como um meio de se obter
o desenvolvimento sustentvel e nesse contexto, deve proteger e melhorar a base de
recursos naturais, ampliar a efcincia dos recursos, promover padres de consumo
e produo sustentveis, e guiar o mundo em direo ao desenvolvimento com baixo
consumo de carbono (O FUTURO QUE QUEREMOS, 2012, p.6).
17
O conceito de efcincia pode ser defnido como a propriedade da sociedade em
retirar o mximo que pode de seus recursos escassos (MANKIW, 2012, p. 834, tra-
duo nossa).
555 554
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
norte-americanas. Essa soluo oferece uma otimizao da in-
fraestrutura urbana e maior qualidade de vida, o que explicado
principalmente pelo princpio da interao
18
(LEITE, 2012).
O incentivo a maiores densidades e diversidade dentro das
cidades se relaciona com o conceito de economias de aglome-
rao, assim como defnido por Polze (1998). A economia de
aglomerao defnida pelos ganhos de produtividade atribu-
veis aglomerao geogrfca das populaes ou das atividades
econmicas (POLZE, 1998, p. 77). Essas economias trazem
aumentos na produtividade e em maiores rendimentos para os
cidados, o que traz vantagens s empresas e populao. Nes-
sas economias, h um melhor acesso s infraestruturas urbanas
como sade, sistema de educao, redes de informao, comu-
nicao, redes de trocas e servios pblicos em geral, elementos
que no existem ou que no so bem desenvolvidos em ambien-
tes no urbanos. (POLZE, 1998).
Outro desafo a ser superado pelas cidades a grande desi-
gualdade socioeconmica e a consequente excluso social. Em
muitos casos, h uma expanso no controlada do espao urba-
no, verifcada especialmente nas ltimas dcadas
19
. Isso resulta
em uma difculdade de administrao e fscalizao do territrio
e acarreta na acelerada degradao de zonas preservadas, preca-
riedade na infraestrutura urbana, poluio e at mesmo em um
aumento da violncia (LEITE, 2012).
Alm disso, os indivduos que habitam favelas sofrem gra-
ves inadequaes nas mais bsicas necessidades humanas, tais
como: moradia, gua, eletricidade, saneamento bsico, coleta de
lixo, pavimentao e iluminao pblica (SUSUKI et al, 2010, p.
15). Isso acontece principalmente devido a pouca oferta de lotes
e habitaes a preos acessveis, o que acontece principalmente
como consequncia de uma administrao pblica inadequada.
As famlias com rendas mais baixas so, ento, foradas a viver
em zonas de risco (SUSUKI et al, 2010).
Ao mesmo tempo, algumas cidades sofrem com o gradativo
abandono e a consequente perda de potencial produtivo de suas
zonas centrais. Isso verifcado em antigas zonas industriais cen-
trais de cidades como San Francisco, Detroit e Barcelona. Esses
vazios urbanos
20
tornam-se cenrio de projetos e reformas, como
ser visto mais frente. Esses projetos, no entanto, so mais co-
muns em pases desenvolvidos, enquanto naqueles em desenvol-
vimento, a falta de recursos governamentais difculta a formula-
o dos mesmos (LEITE, 2012).
Essa ltima questo traz para discusso a escassez de recur-
sos fnanceiros como um dos maiores obstculos implementa-
o de polticas urbanas sustentveis. Especialmente em pases
em desenvolvimento, as cidades convivem com a falta de capaci-
dade administrativa e tcnica. Alm disso, a falta de informao
com a qual muitos governantes trabalham difculta ao bom fun-
cionamento dessas polticas (SUSUKI et al, 2010).
Outro problema enfrentado pelas cidades a falta de planeja-
mento estruturado de forma adequada. As cidades devem ser pla-
nejadas para o futuro, considerar os efeitos de longo-prazo e no
apenas os de curto. Do mesmo modo, deve haver uma reforma na
governana
21
local, garantindo uma maior efccia na administra-
o dos territrios. As eleies, por exemplo, devem ser transpa-
rentes e comprometidas com o accountability
22
(Te Economist,
2011). Muitas vezes, estruturas institucionais inadequadas atra-
palham a implementao de polticas que podem solucionar os
problemas mencionados (SUSUKI et al, 2010).
Agora que os desafos urbanos j foram apresentados, cabe
se questionar acerca do qu poderia solucionar essas questes. A
prxima sesso deste artigo explicitar como as facetas do concei-
to de desenvolvimento urbano sustentvel vm sendo aplicadas
mundialmente, como forma de resposta aos problemas da cidade.
18
Segundo Paul Krugman, esse princpio defnido pelo uso de recursos da forma
mais efciente possvel, o que acontece quando h maiores densidades e o consumo
per capita diminui (KRUGAMAN s.d. apud LEITE, 2012).
19
O UN-habitat (2008) constatou em 2005 que nos pases em desenvolvimento, cerca
de 810 milhes de pessoas ou um tero da populao urbana desses pases estavam
vivendo em favelas.
20
Tambm denominados como brownfelds ou wastelands (LEITE, 2012).
21
Segundo a ONU, uma boa governana promove a igualdade, a participao, o plu-
ralismo, a transparncia, a responsabilidade e o Estado de Direito, de forma efetiva,
efciente e duradoura. As maiores ameaas boa governana vm da corrupo, da
violncia e da pobreza, que prejudicam a transparncia, a segurana, a participao
da populao e suas liberdades fundamentais. A governana democrtica traz avan-
os ao desenvolvimento, ao juntar esforos para lidar com tarefas como a erradicao
da pobreza, a proteo ao meio ambiente, a garantia da igualdade de sexos, propor-
cionando meios sustentveis de subsistncia. Ela assegura que a sociedade civil de-
sempenhe um papel ativo no estabelecimento das prioridades e torne conhecidas as
necessidades das pessoas mais vulnerveis (ONUBR, s.d.).
22
O conceito de accountability no possui uma traduo consolidada para o portu-
gus. No entanto, o mesmo pode ser defnido como meios de garantir que servidores
no servio pblico (no sentido utilizado neste artigo), sejam responsveis pelas suas
aes de modo que haja uma forma, um esquema de reparao quando esses mes-
mos agentes no cumprem seus deveres (TRANSPARENCY AND ACCOUNTABILITY
INITIATIVE, s.d).
557 556
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
5. CONSOLIDANDO UMA CULTURA DE
DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTVEL
Aps ter apresentado uma abordagem terica sobre cidades sus-
tentveis, ter mostrado os esforos feitos em mbito internacional
para a promoo das mesmas e ter reconhecido os maiores desa-
fos atualmente enfrentados pelas cidades, cabe agora fazer algu-
mas consideraes sobre a infraestrutura das cidades e apontar
medidas sustentveis que foram implementadas em determina-
dos contextos e que so consideradas boas prticas por acadmi-
cos e por programas da ONU. importante, tambm, fazer refe-
rncia aos benefcios de uma cidade sustentvel.
As boas prticas e recomendaes de agncias da ONU para
os setores de gua, transporte e energia constituiro parte da sub-
seo 5.1, que tambm incluir consideraes sobre caractersti-
cas de cidades que contribuem para a sustentabilidade, nomea-
damente a densidade urbana e o uso misto do solo. Em seguida,
na subseo 5.2, sero apresentados benefcios, sendo o foco os
benefcios sociais, econmicos e ambientais.
5.1. Repensando a infraestrutura das cidades
No existe uma frmula para a promoo da sustentabilidade
que seja aplicvel a todas as cidades. A preocupao em se consi-
derar as particularidades de cada cidade para a promoo de um
padro de sustentabilidade comum entre acadmicos (LEITE,
2012; SACHS, 2008), programas da ONU (PNUMA, 2012, ONU-
-HABITAT, 2012a) e aparece tambm em documentos como O
futuro que querermos (ONUBR, 2012). Aspectos fsicos, econ-
micos e culturais particulares de cada cidade infuenciam a forma
de urbanizao e qualquer plano para promoo da sustentabili-
dade deve lev-los em conta.
Nesta subseo, primeiramente, sero feitas consideraes
sobre dois fatores que concorrem para a sustentabilidade: a alta
densidade e uso misto do solo. Em seguida, sero abordados trs
setores considerados estratgicos pelo PNUMA (2012) para a
promoo das cidades sustentveis, so eles: gua, transporte e
energia. Sero apresentadas as prescries de programas da ONU,
boas prticas e, em alguns casos, os projetos existentes dentro do
sistema ONU para tratar do assunto. importante notar que o
PNUMA (2012) considera a integrao entre essas diferentes re-
as vital para que uma cidade seja sustentvel.
5.1.1 Alta densidade populacional: a cidade compacta
As cidades acomodam o crescimento populacional de trs for-
mas: expanso dos limites da cidade, criao de cidades satlites
ou aumento da densidade (ONU-HABITAT, 2012a). importante
ressaltar que no so formas mutuamente excludentes, uma ci-
dade pode, por exemplo, combinar o aumento de densidade nas
reas j ocupadas com expanso do permetro urbano caso haja
grande crescimento populacional.
A primeira alternativa, a expanso, avana sobre reas rurais
ou, em casos como o da cidade de So Paulo, sobre reservas am-
bientais (LEITE, 2012). A segunda alternativa consiste na criao
de cidades que, embora possam possuir relativa independncia
administrativa, econmica e social, se conectam a uma cidade
central de forma a aproveitar os benefcios de uma economia de
escala (UN-HABITAT, 2012a). No entanto, essa estratgia apre-
senta alguns problemas, como a necessidade de deslocamento
cotidiano de signifcativa parte da populao entre as cidades e
o fato da populao das cidades satlites no ter acesso aos mes-
mos servios que a populao da cidade central. A terceira alter-
nativa, o aumento da densidade, comumente indicada como o
padro mais sustentvel (LEITE, 2012; UN-HABITAT, 2012c).
A alta densidade uma das caractersticas de uma cidade que
contribui para a sustentabilidade. Carlos Leite, inclusive, defende
que cidades sustentveis so, necessariamente, compactas, den-
sas (2012, p. 13, grifo nosso). Isso ocorre porque o consumo per
capta de recursos diminui com o aumento da densidade (LEITE,
2012; ONU-HABITAT, 2012c).
H reduo de investimento e dos custos operacionais e de
manuteno do fornecimento de gua e de coleta de esgoto em
reas compactas (ONU-HABITAT, 2012a). Isso acontece porque,
assim como no caso da pavimentao, a quantidade de benefci-
rios para a infraestrutura provida em uma rea de alta densidade
relativamente maior do que para uma de baixa densidade. Se-
guindo a mesma lgica, servios como coleta de resduos slidos,
policiamento e bombeiros tambm apresentam custo per capta
menor em regies de alta densidade (UN-HABITAT, 2012a).
5.1.2 Uso misto do solo
Comumente associado s altas densidades, o uso misto do solo
outra caracterstica comum s cidades sustentveis. As altas den-
sidades no so sufcientes para promover o uso misto do solo,
mas constituem um fator facilitador. O uso misto consiste em
uma poltica de uso e ocupao do solo que privilegie o comparti-
559 558
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
lhamento dos usos comercial, residencial e de escritrios em uma
mesma rea (UN-HABITAT, 2012a). Nessa forma de ocupao, a
distncia entre a residncia e o trabalho menor. O que reduz a
intensidade dos deslocamentos, a dependncia e o uso do carro,
o que, por sua vez, reduz a demanda por infraestrutura de trans-
porte e por reas de estacionamento (UN-HABITAT, 2012a).
Segundo o ONU-HABITAT (2012a), o uso misto do solo pro-
move acesso a servios a um segmento mais amplo da populao,
aumenta as opes de moradias para diferentes tipos de morado-
res e, ainda, promove integrao social e percepo de segurana.
A sensao de maior segurana decorre do aumento do nmero
de pessoas circulando nas ruas. O programa ainda defende que
o uso misto associado alta densidade aumenta a viabilidade do
transporte pblico.
5.1.3. gua
O ONU-HABITAT (2012d) faz sugestes para a reduo no consu-
mo de gua em dois mbitos: o prprio uso da gua e a cobran-
a. A principal recomendao no que diz respeito ao uso da gua
pode ser expressa pelo princpio do uso dos recursos em cascata
ou uso sequencial dos recursos. De acordo com esse princpio, a
qualidade da gua deve ser determinada pelo uso que ser feito
dela (UN-HABITAT, 2012d). Isto , a gua potvel no deve ser
utilizada para todos os usos que se faz da gua, j que a usada
para lavar carros no precisa ter a mesma qualidade da usada
para beber ou preparar alimentos. A aplicao desse princpio
permite, por exemplo, aproveitar a gua usada no banho para a
descarga. Seguindo esse princpio, por um lado, reduz-se a de-
manda por gua potvel e, por outro, a de esgoto a ser tratado
(ONU-HABITAT, 2012d).
No mbito da cobrana, o UN-HABITAT (2012d) sugere a co-
brana baseada no volume consumido
23
, tendo como premissa
que a cobrana clara, regular e acurada til para chamar a aten-
o do morador para o padro de consumo que possui. O progra-
ma ainda sugere duas estratgias. A primeira delas a de blocos
de tarifas crescentes conforme o consumo, ou seja, em um inter-
valo de consumo, paga-se um determinado valor por unidade, no
intervalo seguinte, o valor pago por unidade maior. Essa forma
de cobrana incentiva reduo do consumo de gua j que o
valor cobrado aumenta mais que proporcionalmente em relao
quantidade consumida. A segunda estratgia a de tarifas sazo-
nais: as tarifas variam conforme a variao da oferta de gua no
decorrer do ano (UN-HABITAT, 2012d).
importante ressaltar que as sugestes de forma de cobran-
a estimulam o uso em cascata. Quanto maior o incentivo para
a reduo do consumo de gua, maior o incentivo para o rea-
proveitamento dela.
5.1.4. Transporte
O setor de transporte consome mais da metade dos combustveis
fsseis e responsvel por cerca de um quarto da emisso de
CO2 relacionada com energia, 80% da poluio do ar nos pases
em desenvolvimento, 1,27 milho de acidentes fatais por ano e
problemas crnicos de congestionamento (PNUMA, 2011). Essas
informaes apontam alguns efeitos de um padro de transporte
bastante comum: individual, motorizado, movido, principalmen-
te, por derivados de petrleo. O setor de transporte , portanto,
um elemento-chave para tornar uma cidade sustentvel. A im-
portncia do transporte tal que no documento fnal da Rio+20
consta que transporte e mobilidade so centrais para o desen-
volvimento sustentvel (ONUBR, 2012, p. 25).
Para transformar um sistema de transporte em um que seja
sustentvel, o PNUMA sugere trs estratgias: evitar ou reduzir
deslocamentos; adotar meios de transporte mais sustentveis;
e aumentar a efcincia de todos os meios de transporte (PNU-
MA, 2011). A primeira estratgia implementada por meio do
fomento compactao das cidades e do uso misto do solo, cujas
consequncias e lgica j foram apresentadas
24
. A segunda, por
sua vez, inclui tanto estmulo ao uso de meios sustentveis, como
transporte pblico e bicicletas, quanto ao desencorajamento do
uso do transporte individual e motorizado. A terceira consiste no
aprimoramento dos veculos e/ou dos combustveis com o intui-
to de reduzir o consumo de recursos naturais e evitar a poluio
e a emisso de gases que causam o efeito estufa (PNUMA, 2011).
H diversas formas de se desincentivar o uso do carro. Em
Londres, instituiu-se uma taxa de congestionamento para circu-
lar de carro na rea central da cidade de 7:00 s 18:00 nos dias de
semana, necessrio pagar uma taxa de 10 (TRANSPORT FOR
LONDON TFL, s.d.). Em So Paulo, criou-se um rodzio de car-
ros em um dia da semana, conforme o fnal da placa, o carro no
poder circular pela rea central da cidade das 7:00 s 10:00 e das
17:00 s 20:00 (COMPANHIA DE ENGENHARIA DE TRFEGO
23
A agncia sugere o abono da taxa para famlias de baixa renda.
24
Ver subsees 5.1.1 e 5.1.2
561 560
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
CET, s.d.). Outra forma de desencorajar o uso do carro por meio
do estacionamento pago, que, segundo o ONU-HABITAT (2012a),
embora seja barato e de fcil implementao, ainda subutilizado.
Comparando os dois tipos de transporte motorizados, o indi-
vidual e o pblico, nota-se que o consumo per capta de recursos
assim como a emisso de poluentes no ltimo tipo necessaria-
mente menor do que no primeiro; sendo, portanto, mais susten-
tvel. Conforme j foi dito, altas densidades e uso misto do solo
concorrem para a viabilidade do transporte pblico. Um servio
de nibus bsico, por exemplo, requer rea com densidade em
torno de 35-40 habitantes por hectare (hab/ha); um servio de
nibus intermedirio, 50 hab/ha; e Veculo Leves sobre Trilhos
(VLT), 90-120 hab/ha (ONU-HABITAT, 2012d). Alm da densida-
de, importante considerar o capital disponvel para investir no
sistema de transporte pblico. O custo de construo de metr
signifcativamente mais alto do que o de um Veculo Leve sobre
Trilhos VLT, cuja implementao, por sua vez, mais cara do
que a de linhas de nibus (ONU-HABITAT, 2012d).
Alm do transporte coletivo, h outros meios de transporte
que tambm so sustentveis. Trata-se dos meios no-motoriza-
dos, como caminhar e andar de bicicleta, os quais, muitas vezes
so complementares ao transporte coletivo.
A terceira estratgia, o aprimoramento de veculos e/ou dos
combustveis, se d de duas formas: aumentando-se a efcincia
energtica dos veculos e/ou dos combustveis ou substituindo-
-se os combustveis utilizados por opes mais sustentveis. A
substituio de carros convencionais por carros eltricos ou h-
bridos e o uso de combustveis como o bioetanol, o biodiesel e
o hidrognio so exemplos dessa ltima forma (PNUMA, 2012).
No Brasil, se desenvolveu uma tecnologia de carros bicombus-
tveis que operam tanto com gasolina quanto com lcool e cujo
preo no muito maior do que o de um carro movido apenas a
gasolina. A pequena diferena de preos permitiu que a tecnolo-
gia fosse disseminada, o que fez com que se obtivesse sucesso no
estabelecimento do etanol como alternativa gasolina. Os carros
movidos a hidrognio, pelo contrrio, ainda so muito caros, o
que limita a sua disseminao e a contribuio que poderiam dar
para um mundo mais sustentvel.
4.1.5 Energia
Como j foi dito anteriormente, as cidades so responsveis
por 75% do consumo total de energia (UN-HABITAT, s.d. apud
MITCHELL; CASALEGNO, 2008). Esse dado evidencia a impor-
tncia de se considerar o consumo de energia urbano. As reco-
mendaes para a reduo do consumo variam em um grande
espectro, apontaremos aqui as que dizem respeito cobrana do
consumo de energia eltrica e design dos prdios.
As sugestes acerca da cobrana de gua
25
se aplicam tam-
bm a energia. Alm dessas, h outra recomendao, especf-
ca para o setor energtico: tarifao conforme o perodo do dia.
Uma tarifa mais cara para o horrio de pico faz com que parte do
consumo seja desviado para outros horrios; abrandando, assim,
a necessidade de oferta adicional durante os horrios de pico
(ONU-HABITAT, 2012d).
Cerca de 60% da energia eltrica do mundo consumida em
construes residenciais ou comerciais (ONU-HABITAT, 2012d).
Como muitas das edifcaes usam a eletricidade para aquecer
ou resfriar ambientes, a adoo do princpio do design passivo
podem reduzir signifcativamente ou at mesmo eliminar es-
sas demandas por eletricidade (UN-HABITAT, 2012d). O design
passivo tem como objetivo promover um ambiente confortvel
por meio do aproveitamento das caractersticas do local, como
luz solar e correntes de ventos. O uso de materiais que retenham
temperatura ou, pelo contrrio, que contribuem para mant-la
baixa, reas de ventilao e instalao de brises
26
so exemplos de
estratgias de design passivo.
Um exemplo bem sucedido de incorporao desse princpio
o projeto que foi implementado em Sfa, Bulgria, aps o fm
do regime comunista. O Programa das Naes Unidas para o De-
senvolvimento (PNUD) em parceria com o Ministrio de Desen-
volvimento Regional e Servios Pblicos da Bulgria desenvolveu
o chamado Projeto de Demonstrao para a Renovao de Edif-
cios Multifamiliares (ONU-HABITAT, 2012d). A parceria entre o
programa da ONU e o ministrio da Bulgria subsidiava 50% do
programa, cabendo outra metade aos prprios moradores, que,
para poderem participar do projeto, formaram associaes for-
mais (ONU-HABITAT, 2012d).
Para a escolha dos prdios que fariam parte do programa, fo-
ram consideradas a estrutura, a idade e as caractersticas energ-
ticas dos edifcios. A troca de portas e janelas, a remodelao de
reas comuns visando efcincia energtica e segurana, a instala-
25
Ver tpico 5.1.3
26
Dispositivo que impede a incidncia de raios solares direta no edifcio, presente,
por exemplo, nos prdios da Esplanada dos Ministrios.
563 562
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
o de isolamento trmico e a troca de tubulao foram algumas
das medidas implementadas no projeto (ONU-HABITAT, 2012d).
Como consequncia houve melhoria nas condies de vida
e sade dos moradores, reduo do custo de vida, reduo das
emisses de gases estufa e fortalecimento da coeso social por
meio das associaes de moradores e da revitalizao dos espa-
os pblicos (ONU-HABITAT, 2012d). Em uma pesquisa de opi-
nio com 240 chefes de famlia que participaram do programa,
80% se disseram muito ou extremamente satisfeitos com o proje-
to e 99% relataram uma reduo de pelo menos 20% nos custos de
aquecimento e resfriamento (ONU-HABITAT, 2012d).
5.2. Benefcios das cidades ecologicamente inteligentes
Cada vez mais reconhecida a importncia da sustentabilida-
de e os efeitos positivos que esta gera para a sociedade e o meio
ambiente. Com isso, importante destacar tambm que o de-
senvolvimento sustentvel, aliado ao processo de urbanizao
das cidades, geram benefcios de diversos tipos para as pessoas.
A urbanizao sustentvel traz, portanto, vantagens de cunho
social, como a melhoria da qualidade de vida nas cidades; de
cunho econmico, refetindo-se na prosperidade da economia
local; e ambiental, contribuindo para a diminuio do problema
de aquecimento global; entre outros (PNUMA, 2011).
5.2.1. Sociais
No desenvolvimento de cidades, a conscientizao e os hbitos
da populao quanto s prticas sustentveis
27
produzem um
efeito positivo nas relaes sociais e mesmo na vivncia de seus
habitantes. Segundo o PNUMA (2011), inegvel a melhoria na
qualidade de vida da populao. A diminuio de poluio sono-
ra pode constituir um fator de grande relevncia para a satisfao
dos indivduos em uma cidade, por exemplo, sendo consequn-
cia do desenvolvimento de um transporte ecologicamente corre-
to e tambm da maior utilizao de bicicletas (PNUMA, 2011).
Da mesma forma, a urbanizao sustentvel estaria aliada
a benefcios sociais tais como a criao de empregos
28
em reas
como a agricultura verde urbana e periurbana
29
, o transporte p-
blico, a energia renovvel, a gesto de resduos e reciclagem, e a
construo verde
30
. A implementao de novas tecnologias e a
busca por um desenvolvimento sustentvel requerem o emprego
de profssionais com conhecimento nessas reas (PNUMA, 2011).
De acordo com o PNUMA (2011), as cidades sustentveis
podem trazer ainda certa reduo da pobreza e da desigualdade
social, uma vez que, incentivando o uso do transporte pblico e
proporcionando sua melhoria atravs do desenvolvimento de um
transporte sustentvel se diminuiria a desigualdade no acesso
aos servios pblicos. Seria possvel tambm, por meio de uma
urbanizao consciente, contornar, em parte, o problema de uma
crescente populao, que por falta de melhores condies fnan-
ceiras, habita zonas de risco e sem saneamento bsico (PNUMA,
2011). A soluo de tal situao seria a aplicao do design massi-
vo
31
no processo urbanizador, por exemplo (LEITE, 2012).
Outro aspecto, abordado por Maas et al (2006), a forte re-
lao existente entre a sade dos habitantes de uma cidade e a
quantidade de espaos verdes. Os autores argumentam esta ques-
to com a constatao de que lugares onde a populao apresenta
melhores nveis de sade so aqueles com maiores reas verdes.
Assim, uma das principais vantagens de uma urbanizao
ecologicamente consciente so suas consequncias para a sade
da populao. O uso de combustveis mais limpos para a gera-
o de energia, para o transporte e para cozinhar podem minimi-
zar a poluio local e reduzir desigualdade em sade (PNUMA,
2011, p. 467, traduo nossa). Isso se deve ao fato de que um
crescimento urbano pressiona a qualidade dos servios pblicos
locais, afetando, em sua maior parte, a populao mais pobre
(PNUMA, 2011). Desse modo, a reduo da poluio nas cida-
des, assim como o melhoramento dos sistemas de saneamento e
de fornecimento de gua potvel podem reduzir a incidncia de
problemas respiratrios e outras diversas doenas em seus habi-
tantes. Alm disso, o incentivo ao uso de bicicletas, por exemplo,
27
Pode-se entender como prtica sustentvel o comportamento que visa aliar o res-
peito e a preservao do meio ambiente com o desenvolvimento econmico e a pro-
moo do bem-estar e igualdade social (LEITE, 2012).
28
importante destacar que a criao de empregos no somente um benefcio social,
mas contribui tambm para o desenvolvimento econmico das cidades sustentveis.
29
As reas periurbanas seriamzonas de transio entre cidade e campo, onde se mes-
clam atividades rurais e urbanas nadisputa pelo uso do solo (DO VALE;GERARDI, s.d.).
30
Veja mais sobre o tema em Construo Verde: Desenvolvimento com Sustenta-
bilidade.
31
Carlos Leite introduz a ideia de design massivo a fm de solucionar a questo do
dfcit habitacional: Milhes de pessoas no planeta no possuem habitao ou a
possuem de modo extremamente precrio. Um design massivo estrategicamente
desenvolvido com a capacidade atual de conhecimento tcnico e de produo indus-
trial poderia rapidamente produzir milhes de habitaes pr-fabricadas, indus-
trializadas. O problema no de design. Ou, colocado de outro modo: no um pro-
blema de design individual (caro, elitista, fashion), mas de design massivo (coletivo,
inteligente, estratgico) (LEITE, 2012, p. 35).
565 564
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
poderia signifcar um cotidiano menos sedentrio da populao
de uma cidade sustentvel.
5.2.2. Econmicos
Ao se relacionar o processo de urbanizao com um desenvol-
vimento sustentvel, recorrente o pensamento da dicotomia
entre uma prosperidade econmica e a preservao ambiental
(HERCULANO, 1992). Tem-se em mente, muitas vezes, que certas
prticas e princpios sustentveis no apresentam nenhuma via-
bilidade econmica, ou no possuem vantagens se comparados a
outros meios de produo. Porm, importante ressaltar a impor-
tncia do processo de urbanizao sustentvel, uma vez que as ci-
dades so o principal locus de produo econmica (LEITE, 2012).
Como dito anteriormente, as cidades sustentveis so densas.
Isto implica em dizer que cidades com maiores densidades urba-
nas
32
apresentam menor consumo de energia per capita e maior
otimizao de sua infraestrutura. Tal aspecto ilustrado por meio
da questo de crescimento urbano, Leite (2012) argumenta que
uma forma de buscar a sustentabilidade urbana a reconstruo,
ou mesmo a reciclagem, dos espaos na cidade, e no sua expan-
so cada vez mais acentuada.
Uma urbanizao sustentvel, dessa forma, tem o papel fun-
damental de promover a efcincia produtiva por meio da diminui-
o dos gastos com transporte e ampliando as redes de comrcio,
por exemplo (PNUMA, 2011). O investimento em infraestrutura e
o uso de energias renovveis, assim, gerariam vantagens econ-
micas por meio de uma maior utilizao dos meios de transporte
coletivo e de bicicletas, j que expressiva a reduo dos gastos
em combustveis no renovveis. Alm disso, a promoo de pr-
ticas sustentveis est relacionada a uma diminuio substancial
dos custos para as cidades e para os prprios cidados, tendo em
vista o dispndio de tempo em congestionamentos e problemas
de sade decorrentes do convvio urbano (PNUMA, 2011).
5.2.3. Ambientais
Os benefcios ambientais advindos do processo de urbanizao
sustentvel so variados, infuenciando no apenas o prprio
ecossistema diretamente, mas tambm, como foi visto anterior-
mente, as populaes residentes das cidades.
A implementao de um sistema de mobilidade urbana ef-
ciente
33
e mesmo a criao de mais espaos verdes so responsveis
por uma reduo da poluio do ar (PNUMA, 2011). Nesse aspecto,
colabora contra os problemas de inverso trmica, ilhas de calor
34
e
aquecimento global, por exemplo. Outro fator de grande relevncia
a utilizao do solo, uma vez que uma urbanizao no planejada
e a consequente falta de impermeabilidade do solo causada propi-
ciam a essas reas desforestadas um risco maior de alagamentos e
desmoronamentos em caso de desastres naturais (PNUMA, 2011).
Assim, a restaurao de ecossistemas urbanos parte do esforo
de esverdear a cidade, o que pode reduzir o impacto de condies
anormais do tempo (PNUMA, 2011, p. 469, traduo nossa).
6. DO LOCAL AO GLOBAL: O PAPEL DA GOVERNANA
NA IMPLEMENTAO DO SUSTENTVEL
A implementao de cidades sustentveis pode ser realizada de
fato tendo em vista as diversas medidas passveis de serem ado-
tadas ao se repensar a infraestrutura urbana. Desse modo, ne-
cessrio pensar acerca da questo da governana, visto que esta
implica na relao de interdependncia entre o governo e outros
atores no-estatais (JENDAL E DELLNAS, 2011). Assim, a par-
tir de uma governana local, tem-se um importante componente
para a tentativa de se viabilizar polticas sustentveis dentro da
sociedade, com a implantao de um sistema de coleta seletiva
de lixo, por exemplo. No caso do processo de urbanizao susten-
tvel, importante destacar a conscincia e a poltica local como
ponto de partida para a realizao de um interesse internacional.
Segundo Carlos Leite (2012), cidades como Barcelona, Van-
couver, Nova Iorque, Bogot e Curitiba so exemplos de metr-
poles verdes que se reinventaram. Estas representam o desafo de
32
A densidade urbana se confgura como um importante componente no processo
urbanizador, como j exposto na seo anterior. Paul Krugman apud Te Economist
(2007, s.p.) argumenta que a concentrao geogrfca encoraja a inovao por-
que as ideias tm fuxo mais livre e podem ser postas em prtica mais rapidamente
quando os agentes inovadores, os implementadores e os apoios fnanceiros esto em
constante contato. Assim, percebe-se que a inovao um elemento essencial para
o desenvolvimento de cidades sustentveis.
33
Um sistema de mobilidade urbana efciente, segundo Leite (2012; p. 136), aque-
le que conecta os ncleos adensados em rede, promovendo maior efcincia nos
transportes pblicos e gerando um desenho urbano que encoraje a caminhada e
o ciclismo, alm de novos formatos de carros (compactos, urbanos e de uso como
servio avanado).
34
A inverso trmica ocorre principalmente nos grandes centros urbanos, regies
onde o nvel de poluio muito elevado, sendo resultado de uma mudana abrupta
de temperatura devido inverso das camadas de ar frias e quentes. J ilhas de
calor o nome que se d a um fenmeno climtico que ocorre principalmente nas
cidades com elevado grau de urbanizao. Nestas cidades, a temperatura mdia cos-
tuma ser mais elevada do que nas regies rurais prximas(PLANETA TERRA, 2009).
567 566
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
se implantar cidades sustentveis, incorporando tanto na esfera
pblica quanto na esfera privada os critrios de sustentabilida-
de. Tais cidades mostram que o sucesso atingido a nvel local em
alguns casos pode incentivar e ajudar na construo de cidades
sustentveis em vrios lugares no mundo.
6.1. Nvel Local
evidente a importncia do desenvolvimento sustentvel no pro-
cesso de urbanizao das cidades. Para isso, o papel da conscien-
tizao individual e da educao torna-se altamente necessrio:
Junto com motivaes espirituais positivas, a educao a nossa
melhor oportunidade de promover e enraizar os valores e compor-
tamentos que o desenvolvimento sustentvel exige. Como alguns
pensadores assinalaram, necessita-se uma educao transfor-
madora: uma educao que contribua a tornar realidade as mu-
danas fundamentais exigidas pelos desafos da sustentabilidade
(UNESCO, 2005, p. 43).
Juntamente a isso, Carlos Leite (2012) aponta para a relevncia de
se reconstruir e reestruturar as cidades e seus vazios urbanos, sen-
do preciso melhorar a constituio dos investimentos pblicos
35
.
Alm disso, deve-se verifcar a existncia de um comportamento
a nvel governamental, de organizaes do terceiro setor, da ini-
ciativa privada e sociedade civil, corroborando para a construo
de uma sociedade mais justa e inclusiva no uso do territrio ur-
bano e, portanto, mais sustentvel (LEITE, 2012). Assim, as aes
de responsabilidade social e ambiental confguram-se dentro de
uma relao de interdependncia entre esses atores, possibilitan-
do a realizao do desenvolvimento sustentvel (MOTA, s.d).
O governo, dessa forma, apresenta papel fundamental no in-
centivo tecnologia em busca do desenvolvimento sustentvel
das cidades. Assim, a formao de clusters permetros urbanos
onde h concentrao de empresas, universidades, centros de
treinamento e diferentes instituies envolvidas no processo de
pesquisa e de desenvolvimento do setor produtivo pode repre-
sentar um avano signifcativo nessa rea (LEITE, 2012).
Tal aspecto ilustra tambm certa consonncia necessria en-
tre o setor pblico e o privado, no somente ao que diz respeito aos
investimentos em tecnologia, mas de convergncia nos parme-
tros de sustentabilidade urbana da atuao pblica. O processo
de urbanizao sustentvel ento se torna possvel, e necessrio,
em setores como a construo e o desenvolvimento imobilirio
urbano, por meio da adoo de sistemas inteligentes de constru-
o habitacional industrializada, pr-moldada, com tecnologias
recentes e mo-de-obra qualifcada (LEITE, 2012, p. 148).
O autor ainda destaca a existncia de dois grupos na imple-
mentao de programas de sustentabilidade urbana. O primeiro
se caracteriza pela ateno aos aspectos sociais, a mudana de
comportamento da populao e o planejamento do uso do solo,
entre outros exemplos. Ele foca na construo de uma atitude co-
letiva e de perpetuao de prticas sustentveis por meio desta,
sendo que, em muitos casos, os altos custos da tecnologia susten-
tvel de alto desempenho constituem uma barreira a sua aplica-
o nas cidades. J o segundo grupo caracterizado por grandes
investimentos em tecnologia de ponta, sendo que o modelo de
sustentabilidade urbana buscado por meio de equipamentos e
sistemas modernos em diversos setores da sociedade, e no por
meio de uma conscientizao coletiva (LEITE, 2012).
Com isso, so diversos os exemplos de boas prticas de susten-
tabilidade urbana ao redor do mundo. Leite cita algumas cidades
americanas, como Portland e Seattle, de onde decorre uma srie de
prticas exemplares que se replicam e geram novas oportunidades
na atrao de capital e investimentos, alm da bvia melhoria na
qualidade de vida dos cidados (LEITE, 2012, p.139). Assim, pr-
ticas como o incentivo ao uso de bicicletas, a revitalizao dos cen-
tros urbanos, a integrao do movimento verde, o uso de energias
alternativas e renovveis, a arborizao das cidades e a reutilizao
da infraestrutura ferroviria constituem fatores cruciais da gover-
nana local no desenvolvimento urbano sustentvel (LEITE, 2012).
6.2. Nvel Internacional
Ao se promover o desenvolvimento sustentvel na urbanizao
das cidades, cabe questionar as difculdades de implementao
deste no mbito nacional e consequentemente quais seriam seus
efeitos para as polticas pblicas urbanas. Um aspecto a ser pen-
sado , sem dvida, a relao do desenvolvimento sustentvel e
a dicotomia entre pases desenvolvidos e pases em desenvolvi-
mento. Essa ambiguidade refete a preocupao acerca de uma
explorao excessiva dos recursos naturais e como estes deve-
riam ser utilizados (PEREIRA, s.d.).
35
Nesse sentido, importante ressaltar dois conceitos no pensamento de Leite (2012): o
princpio da interao do economista Paul Krugman, j citado na seo 2; e a destruio
criativa de Joseph Schumpeter, provocando um processo de inovao por meio da des-
truio de produtos ou sistemas antigos e sua substituio por elementos inovadores.
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
A mudana para uma forma de desenvolvimento mais sus-
tentado exige responsabilidade, tica e compromisso. Apesar das
diferenas sociais, econmicas e ambientais variarem de pas
para pas, todos tm de seguir juntos em prol da mesma causa.
Cada nao ter de defnir a sua prpria estratgia de mudana;
no entanto, todas devero chegar a um consenso sobre o conceito
bsico de desenvolvimento sustentvel, j que este deve ser um
objetivo mundial, enfrentado em conjunto por todas as naes
(PEREIRA, s.d., pp.124-125).Como foi visto na seo 3, com a re-
alizao de vrias conferncias em meio ambiente e com o esta-
belecimento das Metas do Milnio no ano de 2000, pela ONU, o
tema do desenvolvimento sustentvel entrou na agenda interna-
cional de forma mais intensa. Como dito anteriormente, o stimo
objetivo visa a qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente,
sendo considerado um dos objetivos mais complexos. Este tem
como metas principais, promover o desenvolvimento sustent-
vel, reduzir a perda de diversidade biolgica e reduzir pela meta-
de, at 2015, a proporo da populao sem acesso a gua potvel
e esgotamento sanitrio (PNUD, s.d.). Assim, a preocupao sus-
tentvel vista como um dos objetivos a serem perseguidos pelos
pases de forma conjunta refete a importncia de se repensar a
formao dos espaos urbanos.
Segundo Tarciso Jardim (2012), dentro do sistema ONU
possvel perceber trs principais instituies que propem so-
lues para a governana internacional no que diz respeito a
um desenvolvimento sustentvel: o Conselho Econmico e So-
cial ECOSOC, a Comisso de Desenvolvimento Sustentvel e
o PNUMA. A escolha destes se justifca uma vez que mostram
exemplos de preocupao no plano internacional acerca do pro-
blema da governana, assim como pde ser visto recentemente
no caso da conferncia Rio+20, segundo o autor. O ECOSOC tem
por princpios gerais as vertentes social e econmica nos esfor-
os de realizao do desenvolvimento sustentvel, alm da am-
biental, embora esta no se apresente explicitamente no nome
do conselho. A Comisso de Desenvolvimento Sustentvel foi res-
ponsvel pela implementao da Agenda 21 e da Declarao do
Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, possuindo ainda
um carter institucional (JARDIM, 2012).
Conclui-se que o papel da governana internacional tem se
mostrado cada vez mais signifcativo no processo de construo
das cidades. A evoluo no debate acerca de um desenvolvimento
sustentvel, a realizao de grandes conferncias e a produo de
acordos e documentos sobre o tema mostram o interesse comum
das naes no processo crescente de sustentabilidade. possvel
ver, portanto, para a concretizao de processos de urbanizao
sustentveis, a necessidade de uma atuao organizada e con-
junta entre os diversos nveis da sociedade, alm dos diferentes
atores presentes em cada um deles. Localmente, deve-se ressaltar
a importncia da ao coordenada entre governo, empresas e so-
ciedade civil, enfatizando a conscincia e iniciativas individuais.
7. CONCLUSO
O tema do desenvolvimento sustentvel foi gradativamente in-
cludo na agenda internacional a partir dos anos 70, com a Confe-
rncia de Estocolmo. Tinha-se em mente a reformulao da con-
cepo de desenvolvimento, que passou a incluir o uso adequado
e efciente de recursos naturais, visando preservao dos mes-
mos para as geraes futuras.
A melhor forma de lidar com a questo da poluio, da fal-
ta de infraestrutura adequada, do uso inefciente de recursos se
dar a partir do ser solucionada a partir do investimento em
polticas sustentveis. Estas incluem o incentivo a inovao, a
densidades mais altas, a meios alternativos de transporte e de
matrizes energticas.
Deve haver planejamento a partir de uma lgica que pense
na preservao dos recursos disponveis e leve em considerao
as futuras geraes. Alm disso, as cidades sustentveis traro be-
nefcios de ordem econmica, social e ambiental para suas popu-
laes, tais como: aumento da qualidade de vida e da prosperida-
de econmica, alm do alvio da questo do aquecimento global,
como j argumentado.
No entanto, os desafos que as cidades enfrentam ao lidar
com o crescimento e ao implementar o desenvolvimento urba-
no sustentvel tambm devem ser debatidos. Muitas vezes, a
escassez de recursos fnanceiros e a falta de planejamento gover-
namental e de vontade poltica, assim como a ausncia de capa-
cidades adequadas nas reas administrativa e tcnica barram os
investimentos e a implementao de polticas pblicas. nesse
ponto que a reforma da governana urbana se torna relevante.
A governana, da local a internacional, um instrumento
viabilizador de polticas sustentveis. Como foi argumentado, h
uma necessidade de atuao conjunta entre o pblico e o priva-
do que deve ser incentivada com vistas promoo de cidades
sustentveis, cidades que lidam com a urbanizao de forma am-
biental, social e economicamente responsvel.
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Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Cidades Sustentveis
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575 MOVIMENTO DOS NO ALINHADOS:
Desarmamento e autodeterminao
nacional no contexto da Guerra Fria
Andr Rothfeld
Felipe Oliveira Dias
Larissa Presotto Bertolo
Pedro de Souza Melo
1
18
1. INTRODUO
Em setembro de 1961, 28 pases
2
do chamado Terceiro Mundo
3
se reuniram em Belgrado, capital da ento Iugoslvia, para dis-
cutir temas como o desarmamento, a integridade nacional e a bi-
polaridade ideolgica do perodo (DECLARAO DE BELGRA-
DO, 1961). Os interesses discutidos estavam, dado a conjuntura
da Guerra Fria, totalmente permeados pelos ideais da busca de
uma autonomia nacional de forma pacfca e no alinhada. De tal
modo, o contexto de competio entre duas superpotncias he-
gemnicas Estados Unidos, capitalista e Unio Sovitica, socia-
lista ressaltava, sobretudo, a difculdade do Terceiro Mundo em
obter um desenvolvimento de modo neutro (VIGEVANI, 1990).
Outro obstculo para os objetivos destes Estados estava em
suprimir as consequncias de suas recm-inseres no sistema
das relaes internacionais, dado a formao tardia da maioria
destes pases. Como exemplo dessas implicaes, coloca-se o
1
Os autores agradecem a colaborao de Pio Penna Filho, Doutor em Histria das
Relaes Internacionais pela Universidade de Braslia, a qual atualmente professor.
Seus auxlios por meio de comentrios e sugestes foram de essencial importncia
produo deste artigo.
2
Foram participantes desta: Afeganisto, Algria, Burma (Myanmar), Camboja, Cei-
lo, Congo, Cuba, Chipre, Etipia, Gana, Guin, ndia, Indonsia, Iraque, Lbano,
Mali, Marrocos, Nepal, Arbia Saudita, Somlia, Sudo, Tunsia, Repblica rabe
Unida (Atuais Egito e Sria), Imen e Iugoslvia; e observadores: Bolvia, Brasil e
Equador (DECLARAO DE BELGRADO, 1961).
3
Conceito criado no contexto de Guerra Fria para abarcar pases que estavam mar-
gem do sistema global.
577 576
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
no reconhecimento desses pases at mesmo nas assembleias
da Organizao das Naes Unidas (ONU), onde deveriam pos-
suir maior voz (VIGEVANI, 1990). Deste modo, a consolidao
de parte do Terceiro Mundo no Movimento dos No Alinhados
(MNA) contribuiu signifcativamente na forma em que estes
passaram a ser reconhecidos pelas naes mais desenvolvidas,
aprimorando o reconhecimento de suas identidades nacionais e
de seus direitos como Estados perante todo o meio internacio-
nal (KEOHANE, 1969). Com isto, sero discutidas neste artigo as
principais questes que envolvem os pases os quais passaram a
compor o Movimento dos No Alinhados, assim como a impor-
tncia da consolidao destes em um bloco unifcado para a con-
quista de seus objetivos.
Essencial para a compreenso do movimento supracitado,
que teve sua origem bastante ligada ao amplo processo de des-
colonizao afro-asitica, est o funcionamento da ordem inter-
nacional ps-Segunda Guerra Mundial (1945), perodo o qual
vigorou a chamada Guerra Fria. De tal maneira, ser utilizada
uma primeira seo para contextualizar a conjuntura do sistema
internacional poca, sendo abordados temas como o mundo
ps-1945; a bipolarizao mundial entre os blocos socialista e ca-
pitalista; a apresentao dos blocos hegemnicos e o processo de
descolonizao supracitado.
Uma segunda seo ter ainda a funo de dar identidade
aos pases do Movimento dos No Alinhados, tendo em vista suas
grandes diversidades social, cultural, poltica, religiosa e eco-
nmica (MAGDOFF, 1978). Sero, sobretudo, analisadas neste
tpico as caractersticas em comum dos membros do bloco os
objetivos compartilhados por estes, os seus passados em comum,
entre outros fatos e o tipo de relao destes com as superpotn-
cias do perodo. Para tanto, ser considerada a conjuntura dos pa-
ses ps-formao nacional, seus lderes, sua economia e poltica
interna e suas aes em relao tanto s superpotncias como
aos demais pases do globo.
Outra grande importncia dos No Alinhados consistiu na
forte militncia do grupo contra a corrida armamentista promo-
vida pelos blocos socialista e capitalista, sendo criticada princi-
palmente a sua dimenso nuclear, iniciada com os bombardeios
atmicos estadunidenses no Japo (BEST et al. 2004). Desejando
aprofundar ainda mais neste tema e mostrar sua relao com o
movimento ser abordado em uma quarta seo os riscos dessa
nova tecnologia nuclear, o refexo dela na periferia do sistema in-
ternacional e o porqu da necessidade do desarmamento.
A quinta seo visar proporcionar um maior embasamento
terico a cerca dos ideais do Terceiro Mundo, como a neutrali-
dade, o reconhecimento e a formao do movimento. Nela, ser
aprofundada a importncia da independncia e do no alinha-
mento para os pases em questo, como a aliana em um bloco
unido se adequaria aos objetivos destes e como estes pases po-
deriam manter sua integridade nacional sem se alinhar a uma
superpotncia (VIGEVANI, 1990).
Por fm, reforando os argumentos aqui colocados, ser uti-
lizada uma sexta seo conclusiva, na qual sero relacionados os
temas e assuntos presentes no artigo para esclarecer a situao
dos pases poca. Tambm ser explicitada nesta seo a im-
portncia dos acontecimentos ocorridos na dcada de 1960 para
a formao do sistema internacional vigente.
2. CONTEXTUALIZAO HISTRICA
2.1. Ps-Segunda Guerra Mundial
A rendio incondicional do Japo, assinada a bordo do porta-
-avies USS Missouri punha fm Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), encerrando um captulo do sculo XX cujas conse-
quncias seriam determinantes na confgurao da nova ordem
mundial e de seus mltiplos aspectos, sobretudo polticos, eco-
nmicos e ideolgicos (VIZENTINI, 2000).
Em meio s incertezas e desorganizaes causadas pela Se-
gunda Guerra Mundial, a nova ordem se ocuparia em resgatar,
na essncia da extinta Liga das Naes
4
, o ideal de organismos
supranacionais que articulassem os interesses entre os protago-
nistas mundiais. A criao das Naes Unidas, referendada na
Conferncia de So Francisco (1945), do Fundo Monetrio Inter-
nacional e do Banco Mundial em Bretton Woods so exemplos
do esforo poltico em institucionalizar os canais de negociao e
cooperao entre os pases, embora a atuao dos incipientes or-
ganismos internacionais no convergisse com interesses comuns
a todos os representados (LINHARES, 2000).
As condies do ps-Segunda Guerra Mundial ilustravam a
nova distribuio do poder nas relaes internacionais, em virtu-
4
Agremiao de pases estabelecida em 1919, no tratado de Versalhes, cuja principal
prerrogativa consistia em mediar disputas internacionais (OXFORD DICTIONARY,
2007). A ausncia de poder punitivo provaria a inefcincia da Liga frente s agres-
ses internacionais perpetradas por alemes, japoneses e italianos no entre guerras,
acarretando posteriormente a dissoluo deste organismo internacional.
579 578
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
de dos diferentes graus e formas de envolvimento dos protagonis-
tas naquele confito
5
. Estados Unidos e Unio Sovitica constitu-
am o primeiro escalo da nova ordem, ainda que a infraestrutura
e os profundos efeitos da guerra sobre a demografa e a economia
deste ltimo pas comprometessem o equilbrio frente ao rival es-
tadunidense (PAINTER, 1999). No mbito militar, os Estados Uni-
dos eram incontestes no aspecto estratgico (bases navais, areas
e terrestres), operacional (potencial de empreender ofensivas) e
tecnolgico, cuja posse de arsenal nuclear seria exclusiva deste
pas at agosto de 1949, quando os soviticos testariam, com su-
cesso, sua prpria bomba atmica (VIZENTINI, 2000).
Britnicos e franceses ainda mantinham parte de seus ex-
tensos imprios ultramarinos, herana do apogeu do imperia-
lismo europeu do sculo XIX, ainda que a nova distribuio de
poder privasse ambas as potncias de possu-los indefnidamen-
te ou assumir maior protagonismo mundial, como a retirada bri-
tnica na guerra civil grega
6
(VIZENTINI, 2000) revelaria. O des-
monte colonial, no longo prazo, seria inevitvel.
A Alemanha foi ocupada e fragmentada, a exemplo de sua
capital, Berlim, em quatro zonas, administradas por soviticos,
estadunidenses, franceses e ingleses, como previsto na Confern-
cia de Potsdam
7
. O Japo remanescia devastado pelo bombardeio
sistemtico das foras dos Estados Unidos, durante o confronto, e
por duas bombas nucleares, em Hiroshima e Nagasaki (PAINTER,
1999), alm de se submeter ocupao dos Estados Unidos e a uma
nova constituio, limitando seu potencial militar autodefesa.
No Terceiro Mundo, eclodiam movimentos de libertao na-
cional em consequncia de dcadas de colonizao e na emer-
gncia do confito ideolgico que marcaria a segunda metade do
sculo XX. O enfraquecimento das potncias europeias deixava
um vcuo de poder, e a perspectiva de alinhamento dos pases
recm-emancipados constitua riscos e oportunidades s super-
potncias e seus aliados (VIZENTINI, 2000).
2.1.1 A bipolarizao mundial
O fm da guerra marcava novos contornos para a relao entre as
superpotncias. A ameaa do Fascismo, regime poltico de extre-
ma-direita que se multiplicou, sobretudo, no continente europeu
durante o perodo do entreguerras, saa de cena e o atrito entre li-
berais e socialistas que se evidenciara anteriormente retornava
agenda dos dirigentes polticos (HOBSBAWM, 2008). A proposta
sovitica, cujo meio de superar o sistema de acumulao de capi-
tal pressupunha a derrubada dos governos no socialistas era, de
fato, irreconcilivel com o desenvolvimento de instituies que
preservassem o mesmo sistema (HOBSBAWM, 2008).
A instaurao da ditadura do proletariado por intermdio de
uma vanguarda partidria e a estatizao e planifcao econmica
na regio sovitica no seriam ideias facilmente aceitas pelo Oci-
dente, amparado em tradies representativas (ainda que apenas
tericas, em muitos casos), na livre iniciativa e no livre mercado.
Interesses diametralmente opostos e clculos incertos nor-
teariam os rumos da Guerra Fria. Amparada na desconfana
acerca das intenes do Ocidente e, sobretudo, na sbita incur-
so alem no territrio russo em 19418 a principal preocupao
de Stalin referia-se integridade territorial da Unio Sovitica,
como as zonas de infuncia delimitadas em Yalta
8
e a criao de
Estados-tampo no oriente europeu sugeriam. Para os socialistas
a revoluo mundial estava em segundo plano (KENNEDY, 1989).
A insurreio comunista na Grcia, as perspectivas de vitria
eleitoral do Partido Comunista na Itlia (HOBSBAWM, 2008) e o
triunfo de Mao Ts Tung e da guerrilha comunista sobre o Kuo-
mintang na China continental fortaleciam a convico estaduni-
dense de um plano sovitico com o propsito de desencadear a
revoluo mundial (KENNEDY, 1989). A ameaa comunista se
manifestava, sobretudo, na poltica interna dos pases. A partir do
corrente entendimento acerca das ambies estratgicas e ideo-
lgicas de Stalin, a gesto Truman
9
se engajaria em frme conten-
5
Embora as condies do ps-45 evidenciassem duas potncias emergentes no novo
panorama internacional, as assimetrias de poder, decorrentes do envolvimento na
Segunda Guerra Mundial, eram evidentes (PAINTER, 1999), estando de um lado os
Estados Unidos, com um rpido crescimento econmico, e de outro a Unio Soviti-
ca, com sua economia solapada pela guerra.
6
Com a expulso dos invasores alemes na Segunda Guerra Mundial, a Grcia pas-
sou por uma guerra civil entre conservadores e guerrilhas comunistas. Visando evitar
a expanso sovitica na regio houve aao direta dos Estados Unidos por meio da
chamada Doutrina Truman, que preconizava a conteno da Unio Sovitica a fm
de desestabiliz-la internamente (PAINTER, 1999).
7
Realizado em 1945 na cidade alem de Potsdam, o encontro entre representantes
dos Estados Unidos, Gr-Bretanha e Unio Sovitica estabeleceriam os princpios da
ocupao do territrio alemo aps a Segunda Guerra (OXFORD DICTIONARY, 2007).
8
Realizada em fevereiro de 1945, a conferncia de Yalta daria prosseguimento ao en-
tendimento entre os aliados em assuntos como a delimitao das fronteiras da Unio
Sovitica nos moldes de 1941 e o compromisso de Stalin com o estabelecimento de
governos democrticos na Europa Oriental, exposta na declarao conjunta dos lde-
res ento reunidos (KISSINGER, 1994).
9
Com a morte do presidente estadunidense Roosevelt, em abril de 1945, Truman as-
sumiria a Casa Branca. gesto Truman cabe uma nova postura adotada frente aos so-
viticos a clebre Doutrina da Conteno, descrita anteriormente (KISSINGER,1994).
581 580
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
o dos soviticos e da revoluo comunista nos pases fora da
rbita de Moscou, como a Guerra da Coreia, em 1950, mostra-
ria. Ilustrada pelo National Security Council Paper 68 (NSC-68),
assinado por Truman, a politica externa dos Estados Unidos se
empenharia em promover o crescimento econmico, poltico e
militar do mundo livre (NSC-58, 1950)
10
.
Fundamento da reconstruo da Europa, o programa de as-
sistncia econmica elaborado por Washington (Plano Marshall,
1947) visava reestruturao das endividadas economias capita-
listas europeias e a garantia do abastecimento de matrias primas
e combustveis, necessrios para a retomada do crescimento no
velho continente (VIZENTINI, 2000). O Plano Marshall teve sua
oferta estendida ao Oriente europeu, que, cedendo s presses
de Moscou, rejeitou a oferta e solidifcou a polarizao europeia
(PAINTER, 1999). Os temores de que a assistncia econmica
aproximasse os pases da Europa Oriental da infuncia estaduni-
dense implicariam o processo de Stalinizao da regio, disse-
minao de prescries adotadas na Unio Sovitica e expurgos
polticos, que seriam veementemente criticados pela indepen-
dente Iugoslvia socialista encabeada por Tito
11
(PAINTER, 1999).
As clivagens entre ocidente e oriente europeu ganhavam
dimenso militar em 1949 com a instituio da Organizao do
Tratado do Atlntico Norte (OTAN), constituindo uma aliana
dos pases do Atlntico norte, encabeada pelos Estados Unidos
em resposta a uma possvel invaso sovitica. O Pacto de Vars-
via, unindo a rbita de Moscou em assistncia mtua no caso de
invaso, s seria institudo em 1955 em resposta ao rearmamento
da Alemanha Ocidental e a posterior adeso desta OTAN. O pas-
sado belicista da Alemanha despertava inquietao nos vizinhos,
no obstante a diviso daquele pas (VIZENTINI, 2000).
A morte de Stlin, em 1953, e o incio da administrao de
Kruschev marcariam a transio da desconfana mtua para a
busca da coexistncia pacfca entre os dois sistemas distintos, em-
bora acontecimentos como a crise de Suez, que ser tratada adian-
te, e supresso da revoluo hngara
12
, em 1956, ameaassem a
estabilidade mundial (PAINTER, 1999). O embate poltico-ideol-
gico no continente europeu, que implicara planos de assistncia
econmica, pactos de defesa mtua e crises internacionais chega-
vam a um impasse, uma vez que quaisquer transgresses destes
entendimentos levariam guerra. Os anos seguintes transborda-
riam os confitos do continente europeu rumo periferia global,
o Terceiro Mundo, cujas ondas de descolonizao e tenses pol-
ticas dotavam de signifcncia global confitos locais ou regionais.
2.2 A descolonizao afro-asitica
O surto de independncias ocorrido no ps-guerra est intima-
mente ligado conjuntura internacional da Guerra Fria. O esfa-
celamento progressivo dos imprios neocoloniais inaugurava a
disputa entre as duas superpotncias por zonas de infuncia no
Terceiro Mundo. Se por um lado o prestgio dos soviticos e dos
tericos socialistas (anti-imperialistas) era um convite expan-
so da revoluo e da infuncia comunista, a posio dos Esta-
dos Unidos, manifestada na Carta do Atlntico
13
, defendia o di-
reito de todos os povos de escolher a forma de governo sob a qual
queiram viver (BICALHO, 1991, p.39), divergindo, portanto, do
status quo dos imprios neocoloniais.
A importncia da Segunda Guerra Mundial em si no deve
ser menosprezada para explicar essa onda de descolonizao.
As consecutivas derrotas britnicas e a capitulao franco-ho-
landesa nos anos 1939 e 1940, bem como a ofensiva japonesa
no Pacfco, contrariavam o mito da superioridade do homem
branco, ideia ento em voga na poca, e abriam espao para a
contestao da legitimidade racista das estruturas coloniais
(LINHARES, 2000). Ademais, a demanda de efetivo militar para
suprir os fronts da Segunda Guerra Mundial exigiu concesses
polticas s colnias e a seus habitantes, como a extenso da ci-
dadania francesa aos habitantes da Arglia ilustra (LINHARES,
2000). As ondas de libertao nacional na sia (1945-1954) e
posteriormente na frica ps-Conferncia de Bandung (1955),
compartilhavam forte vis nacionalista e se encontravam sujei-
tas ao mesmo contexto internacional. Devem ser devidamente
percebidas, entretanto, a forma de atuao das potncias coloni-
zadoras em cada caso, a importncia estratgica de cada colnia,
alm da composio poltica e a inspirao ideolgica de cada
10
Disponvel em: <http://history.state.gov/milestones/1945-1952/NSC68> ltimo
acesso em 23 de dezembro de 2012 s 21 horas.
11
Josip Broz Tito (1892-1980). Marechal e Estadista iugoslavo, foi uma importante fgu-
ra poltica da esquerda. Tito um dos expoentes do no alinhamento em razo de sua
poltica externa desvinculada das diretrizes de Moscou (OXFORD DICTIONARY, 2007).
12
Em 1956, o lder do Partido Comunista Hngaro Nagy anunciou a retirada da Hun-
gria do Pacto de Varsvia e a neutralidade daquele pas. Em resposta a este aconte-
cimento, a Unio Sovitica invadiu o pas, realinhando-o a rbita de Moscou e subs-
tituindo Nagy pelo comunista pr-Kremlin Kdr. A repercusso deste episdio seria
suavizada pela Crise de Suez, sua contempornea (PAINTER, 1999).
13
Declarao conjunta de Estados Unidos e Gr-Bretanha, afrmando o apoio destes
pases aos princpios que fundamentariam a Organizao das Naes Unidas. (Dis-
ponvel em: http://www.un.org/en/aboutun/history/atlantic_charter.shtml).
583 582
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
movimento, condicionadas por histricos socioculturais hetero-
gneos (BICALHO, 1991).
O incipiente nacionalismo indiano do Partido do Congresso,
mobilizado no sculo XIX por uma elite ocidentalizada educada
nas universidades londrinas, s seria massifcado nas dcadas
de 1920 e 1930 em decorrncia do agravamento da misria nas
cidades indianas, da crescente concentrao fundiria, endivida-
mento dos camponeses e da frustrao das elites com o no cum-
primento de promessas de maior autonomia colonial (BICALHO,
1991). Amparados na desobedincia civil e na no violncia, os
nacionalistas desestabilizariam o domnio colonial britnico. O
separatismo da Liga Muulmana, dentro do movimento indepen-
dentista, dividiria hindus e muulmanos, provocando confrontos
que causariam a morte de mais de 100.000 habitantes da ento
colnia (BICALHO, 1991) e a criao em 1947, mediante arbitra-
gem britnica, de ndia e Paquisto.
No sudeste asitico, a invaso japonesa, durante a Segunda
Guerra que se estendeu das ilhas Guam e Wake, no Pacifco,
Birmnia (atual Myanmar) no continente asitico (ameaando
inclusive a ndia), interrompera a administrao das potncias
coloniais. A tentativa francesa de retomar o controle da Indochi-
na entraria em confito com os interesses dos movimentos pr-in-
dependncia na regio. A derrota dos colonizadores seria selada
em maio de 1954 em Dien Bien Phu
14
, aps fracassada campanha
do exrcito francs contra uma guerrilha que, a exemplo dos co-
munistas chineses, dominava o meio rural (BICALHO,1991). O
processo de paz seria frmado no mesmo ano com acordos de
Genebra
15
. A regio passaria a ser vista por soviticos e america-
nos como importante campo de batalha ideolgica, como sugere
a famosa frase do efeito domin
16
, proferida pelo presidente esta-
dunidense Eisenhower nos anos 50 (PAINTER, 1999).
As ndias holandesas remanesceriam sob controle colonial
por menos tempo. O temor de uma vitria comunista em um
importante fornecedor de matrias primas (LINHARES, 2000)
motivaria os americanos a pressionar os Pases Baixos a conce-
derem independncia anunciada pelos insurgentes em 17 de
agosto de 1945 aos nacionalistas anticomunistas. Em 1949, a
Indonsia conquistava sua soberania. Na regio do Magreb, o Isl
e o conservadorismo social despenhariam papel importante na
luta pela independncia, onde os movimentos nacionais seriam
marcadamente anticomunistas (ZOUBIR, 1995). Apesar da des-
confana francesa acerca da infuncia americana na regio
17
,
as independncias dos protetorados do Marrocos e da Tunsia
seriam declaradas em maro de 1956. A Arglia s conquistaria
sua independncia, em 1962, aps longos confrontos entre a ad-
ministrao colonial e a guerrilha Front de Libration Nationale
(FLN)(ZOUBIR,1995).
As independncias na frica subsaariana compartilhariam
instabilidade e ausncia de coeso nacional, sobretudo em vir-
tude das delimitaes institudas pelas potncias europeias. O
caso nigeriano, que engloba em um mesmo territrio nove gru-
pos tnicos principais, 248 dialetos e trs religies predominantes,
ilustra este raciocnio (BICALHO, 1991). Inspirados na descolo-
nizao asitica, os movimentos se diferenciariam signifcativa-
mente. A Costa do Ouro (atual Gana) aplicaria o modelo indiano,
baseado na desobedincia civil e na no violncia, para comba-
ter o domnio britnico, obtendo independncia em maro de
1957. Angola e Moambique, por sua vez, entrariam na luta ar-
mada contra Lisboa (LINHARES, 2000). O Congo, aps sua inde-
pendncia, sofreria, a exemplo do Sudo, uma longa guerra civil,
disputada entre o centralizador Patrice Lumumba, apoiado pelos
soviticos e assassinado em 1961, e os separatistas (aliados dos
Estados Unidos) da provncia de Katanga (BICALHO, 1991).
A importncia das matrias primas do continente para o mer-
cado internacional (gneros agrcolas, petrleo, cobre, diamantes,
bauxita, mangans e borracha, entre outros) teria papel relevante
a ponto de condicionar ou inviabilizar o envolvimento de estadu-
nidenses e soviticos na regio.
Infuenciados pelas potncias europeias por meio do sistema
de mandatos e das fronteiras institudas mediante acordo
18
, pases
14
Vilarejo no noroeste do Vietn do Norte, onde seria consolidada a derrota defnitiva
das foras coloniais francesas na Indochina (KISSINGER, 1994).
15
A conferncia de Genebra estabeleceria, a partir do paralelo 17, a Repblica Demo-
crtica do Vietn (comunista) ao norte e a Repblica do Vietn ao sul, caracterizando
tal demarcao como um arranjo administrativo para facilitar o reagrupamento
de foras militares antes das eleies internacionalmente supervisionadas (KSSIN-
GER,1994), sendo os processos eleitorais ocorreriam dentro de dois anos.
16
A expresso efeito domin lidava com a perspectiva de vitria da guerrilha comu-
nista na Repblica do Vietn (do Sul) e o possvel efeito cascata deste acontecimento
nos pases do sudeste asitico (Laos, Camboja, Tailndia, Birmnia e Malsia) e at
mesmo no Japo (PAINTER, 1999).
17
A campanha dos Estados Unidos no norte da frica durante a Segunda Guerra e o
vis anticolonial deste pas motivavam suspeitas na Frana quanto convergncia de
interesses entre os dois pases no tocante ao Magreb (ZOUBIR, 1995).
18
O sistema de mandatos remonta o fm da Primeira Guerra Mundial, onde as provncias
do Imprio Otomano no Oriente Mdio foram divididas entre Frana e Gr-Bretanha.
585 584
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
como Sria, Jordnia, Iraque e Lbano compartilhariam as tenses
nacionalistas do mundo colonial. A instituio do Estado de Isra-
el em territrio palestino, em 1948, e a guerra de independncia
deste pas agravariam a instabilidade regional, reforando o ideal
da solidariedade rabe. O Egito, encabeado pelo pan-arabista
19
Gamal Abdel Nasser, atrairia a ateno dos Estados Unidos ao
comprar armamentos de origem tchecoslovaca e sovitica, com
vistas a contrabalancear Israel e iniciar uma crise de propores
globais em torno da nacionalizao do canal de Suez, em 1956
(PAINTER, 1999). O peso do respaldo poltico junto aos soviticos
provaria resistir operao conjunta de israelenses, franceses e
ingleses para derrub-lo. Explorar o jogo poltico internacional a
seu favor renderia a Nasser papel de destaque no Oriente Mdio e
no mundo subdesenvolvido, que lutava contra o domnio colonial.
As emancipaes das colnias, distintas entre si, no tarda-
riam a estabelecer vnculos. Realizado na capital do Ceilo (Sri
Lanka), Colombo, um encontro entre representantes de daquele
pas e de Birmnia, ndia, Indonsia e Paquisto seria o primeiro
passo para empreender uma reunio multilateral entre os pases
recm-independentes, a ser realizada em Bandung, na Indonsia
(MOSJOV, n.d.).
2.2.1 Conferncia de Bandung
A reunio de 29 pases
20
do Terceiro Mundo na cidade indonsia
de Bandung trouxe uma nova perspectiva para a bipolarizao
ideolgica mundial (MOSJOV, n.d.). Idealizada por eminentes f-
guras internacionais como o primeiro ministro indiano Jawahar-
lal Nehru, as linhas de Bandung, aludidas em seus 10 princpios
21
,
se manifestariam na cooperao econmica e estreitamento de
laos comerciais, mas, sobretudo na solidariedade conjunta aos
processos de independncia na sia e na frica e acerca do ideal
de neutralidade no cenrio mundial, marcado pelos polos socia-
lista e capitalista. De fato, a importncia fundamental de Ban-
dung reside na ideia comum a todos os pases reunidos, referente
liberdade de ao no mbito mundial, e no a uma aliana de
carter regional (MOSJOV, n.d.).
Embora as perspectivas mais ortodoxas dentro do Kremlin
condenassem a neutralidade de Bandung, a administrao Krus-
chev encarava os fatos apresentados como canais de atuao para
a diplomacia sovitica, de modo que a aquisio de importantes
aliados pr-Moscou seria uma questo de tempo (BROWN, 1966).
Observado com receio por Washington, o Esprito de Bandung se
pronunciaria a favor do socialismo, destacando sua neutralidade
frente s superpotncias (LINHARES, 2000). Preocupao seme-
lhante seria compartilhada pela Gr-Bretanha que, desde o fnal
da Segunda Guerra, trabalhava em conjunto com os aliados esta-
dunidenses o processo de transio para a independncia de suas
colnias, buscando afast-las da esfera socialista (TARLING, 1992).
Embora a institucionalizao do no alinhamento fosse se
consolidar apenas em Belgrado, a cooperao visando ao respeito
soberania e autodeterminao nacional frmaria a pretenso co-
mum s naes no alinhadas de constituir uma terceira via, no
entre dois polos, porm livre para atuar dentro de ambos, confor-
me suas necessidades e interesses nacionais (BROWN, 1966).
3. OS NO ALINHADOS
O grupo de pases reunido nos primeiros dias de setembro de
1961 possua caractersticas to heterogneas que, no fosse pela
conjuntura vigente, seria difcil cogitar qualquer interesse com-
partilhado entre estes (COHEN, 1973). Assim, torna-se vital para
a compreenso dos objetivos deste diversifcado Movimento o
conhecimento dos atores que o compe, assim como suas neces-
sidades e seu histrico.
Como caracterstica comum entre estes pases reside o fato de
todos terem lidado, mesmo que de modos diferentes, com o im-
perialismo e com constantes intervenes externas nocivas suas
autonomias (HOBSBAWM, 2008). A formao nacional dos no
alinhados foi igualmente confituosa, envolvendo majoritaria-
mente confitos armados principalmente no que tange aos seus
processos de independncia, refetindo assim o problemtico pro-
cesso de descolonizao que passaram (PRENSA LATINA, 1981).
A difculdade de se obter o reconhecimento de sua soberania pe-
19
A ideologia fundamentada na unio de todos os Estados rabes (OXFORD DIC-
TIONARY, 2007).
20
Estavam presentes em Bandung representantes de Ceilo (Sri Lanka), Birmnia
(Myanmar), ndia, Indonsia, Paquisto, Afeganisto, Camboja, Repblica Popular
da China, Egito, Etipia, Costa do Ouro (Gana), Ir, Iraque, Japo, Jordnia, Laos, L-
bano, Libria, Lbia, Nepal, Filipinas, Arbia Saudita, Sudo, Sria, Tailndia, Turquia,
Repblica Democrtica do Vietn (Vietn do Norte), Vietn (do Sul) e Imen (DE-
CLARAO DE BANDUNG,1955).
21
Dentre os 10 princpios, cabe aqui ressaltar os seguintes: 2) respeito soberania e
integridade territorial de todas as naes; 3) reconhecimento da qualidade de todas
as raas e naes, grandes ou pequenas; 7) constrangimento de atos e ameaas de
agresso a partir do uso da fora contra a integridade territorial ou a independncia
de um pas (MOSJOV, n.d.).
587 586
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
rante o sistema internacional tambm era grande por problemas
que envolviam tanto suas polticas internas bastante confituo-
sas devido a disputas pelo poder e desestruturao social quanto
s relaes destes com as grandes potncias (MAGDOFF, 1978).
Chesneaux, importante historiador francs, usa como expli-
cao para estas desigualdades a problemtica dos chamados
pontos de partida neste grupo de pases. Por terem suas estrutu-
ras sociais bastante alteradas devido ao sistema colonial o qual
substitua a economia original local por um sistema de produo
em massa de artigos muitas vezes estranhos sua cultura es-
ses pases possuam uma diviso desequilibrada tanto da terra
quanto de conhecimentos de produo (CHESNEAUX, 1976). A
problemtica se refetia tambm no modo em que a sociedade
era estruturada, visto que, para serem aceitos, os colonizadores
apoiavam um grupo em particular da regio em detrimento aos
demais, havendo assim um monoplio da riqueza e do poder por
parte de uma faco e a subjugao por parte de outras (CHES-
NEAUX, 1976). Este processo desestruturante gerou confitos
pelo poder com dimenses catastrfcas, como o ocorrido em
Ruanda
22
, pas palco de um dos maiores genocdio j vistos, pos-
suindo problemas sociais e polticos em decorrncia desta at a
atualidade (HUMAN RIGHTS WATCH, 2006).
A poltica imperialista serviu ento como obstculo para
diversos desses pontos por meio da explorao exaustiva dos
recursos naturais e da desestruturao socioeconmica desses
pases (CHESNEAUX, 1976, p. 114). Como consequncia, h nes-
sas regies um desenvolvimento socioeconmico aqum ao das
demais potncias, sendo uma grande parte do Terceiro Mundo
subjugado a dependncias e a crises sociais, polticas e econmi-
cas (VIGEVANI, 1990).
Assim, no importa o tipo de processo de independncia dos
pases seja ela obtida por meios diplomticos, como o caso da
Indonsia; conquistada pelo meio de confitos armados, como
Cuba; por revolues pacfcas, como a ndia, ou at mesmo o
caso da Iugoslvia, a qual no foi formalmente colonizada, mas
que buscava uma maior autonomia , a problemtica do imperia-
lismo permaneceu mesmo aps seu fm formal, perpetuando a
desigualdade e favorecendo as grandes potncias principalmen-
te na dimenso econmica (MAGDOFF, 1978). Esta relao en-
tre as superpotncias e o Terceiro Mundo observada no perodo,
tambm chamada de neocolonialismo, representou as maiores
denncias do Movimento dos Pases No Alinhados, que critica-
vam veemente a subordinao que os antigos Imprios queriam
continuar impondo a eles (VIGEVANI, 1990). ento de fcil en-
tendimento a necessidade de unio entre os subalternos, dado
aos problemas e necessidades em comum.
Deste modo, houve uma profunda mudana no comporta-
mento destes pases, que abandonaram sua atitude passiva para
reconquistar, sobretudo, sua autoconfana, denegrida por scu-
los de racismo e aculturao (MAGDOFF, 1978). Esta transfor-
mao se deu principalmente por meio da militncia ativa dos
chefes de Estado, que denunciavam o neocolonialismo e suas
implicaes. Lderes como Nehru, Sukarno, Nasser, Gandhi, Tito,
Mao Ts-tung
23
, entre outros, fcaram famosos por propiciar no-
vos rumos s polticas de seus pases. Entretanto, apesar de esta-
rem amplamente baseados no apoio popular, no se pode dizer
que estes governos eram sempre democrticos: muitos desses
24
,
para prosseguir com suas polticas, optavam por um regime auto-
ritrio, quase sempre de natureza militar (VIGEVANI, 1990).
Reconhecem-se assim muitas das caractersticas que uniam
esses pases, fazendo-os muitas vezes ignorar suas diferenas
culturais, polticas e religiosas em prol de um objetivo comum
(PRENSA LATINA, 1981). Assim, para concretizar os objetivos da
seo, urge a relao do Movimento, assim como de seus anseios
com a conjuntura de Guerra Fria, vital para o entendimento dos
escopos do MNA, dado ao processo posterior formao nacio-
nal desses Estados.
Para tanto, necessrio recordar dos constantes embates
entre os blocos socialista e capitalista e de que, para os pases
recm-independentes havia, em um primeiro momento, apenas
a escolha de se aliar a um dos blocos para receber deste ajuda
militar e fnanceira. No entanto, tal opo era amplamente inde-
sejada, visto que contrariaria profundamente a necessidade de
afrmao da independncia desses pases, a qual seria invalida-
da caso fosse concretizada qualquer aliana com algum dos blo-
cos (MAGDOFF, 1978).
A conquista de autonomia poltica seguida por uma subordi-
nao a qualquer um dos blocos seja ele capitalista ou socialista
no fazia sentido para os futuros No Alinhados, sendo ento na-
22
O genocdio, ocorrido em 1994, levou mais de 800.000 pessoas morte (HUMAN
RIGHTS WATCH, 2006).
23
ndia, Indonsia, Egito, ndia, Iugoslvia e China, respectivamente.
24
Egito, China, Iugoslvia, entre outros, tiveram governos autoritrios os quais, ape-
sar de incentivarem algumas polticas positivas, promoveram regimes de censura,
perseguio e tortura.
589 588
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
tural uma aliana para ajuda e reconhecimento mtuo. A evaso
de alianas com os blocos de poder no signifca, entretanto, que
estes Estados estavam vetados de qualquer relao com os Esta-
dos Unidos ou com a Unio Sovitica. Pelo contrrio, era deseja-
da, para a obteno de um desenvolvimento scio econmico, a
relao com ambas superpotncias, de modo neutro, a conquis-
tar sempre os objetivos desejados. O Egito ento pioneiro nesse
tipo de relao, que visava utilizar ambos os blocos complemen-
tarmente para obter um desenvolvimento mais efcaz, neutro e
no alinhado (VIGEVANI, 1990).
Para ilustrar esse tipo de poltica pode-se citar o controverso
caso da Questo de Suez, citada anteriormente. Mesmo que o Egi-
to tenha conquistado sua independncia da Inglaterra em 1922,
este pas remanesceu na esfera de infuncia da antiga metrpole
at meados do sculo XX, havendo uma relao de carcter quase
colonial entre os dois pases sendo o pice desta a ainda per-
manncia de tropas inglesas no Canal de Suez (VIGEVANI, 1990).
Foi apenas com uma crescente onda nacionalista e antibritnica
nos anos 50 que se tornou possvel o fm do regime monrquico
pr-ingleses para dar lugar a uma Repblica, em uma transio
marcada pela a ascenso de Nasser ao poder. Tal lder, em ao
conjunta com o Movimento dos Ofciais Livres
25
, foi responsvel
por uma maior consolidao da independncia de seu pas, a qual
teve como marca a nacionalizao do Canal supracitado, evacu-
ando as tropas inglesas do local. Visando ainda confrmar uma
poltica independente e de no alinhamento, foi tornada pblica
a compra de armamentos soviticos pelo Egito, causando, assim,
uma comoo nos pases do bloco capitalista (MAGDOFF, 1978).
Por parte dos Estados Unidos, houve como refexo uma re-
ao imparcial, dado ao medo de uma maior aproximao do
Egito tanto com outros pases rabes como com a prpria Unio
Sovitica (VIGEVANI, 1990). Entretanto, o comportamento de
seus aliados no foi o mesmo, j que, utilizando como justifcati-
va a invaso de Israel regio, houve uma interveno imediata
de tropas inglesas e francesas, as quais utilizavam o discurso de
proteo para a permanncia no local. O confito teve fm ape-
nas com um ultimato da ONU, o qual obteve apoio de diversas
naes inclusive a estadunidense, pelos motivos citados ante-
riormente e que previa a retirada dos invasores assim como a
constituio de uma fora internacional encarregada do cessar
fogo na regio (PRENSA LATINA, 1981).
Infuenciada por esta poltica, a ndia passou a adotar aes
semelhantes egpcia, prezando sempre pelo relacionamento
com ambos os blocos (SCHWEINITZ, 1983). Deste modo, aps
seu processo de independncia, o Estado indiano passou a ter
uma economia baseada em Planos Quinquenais
26
, no molde sovi-
tico. Entretanto, para assegurar a sua poltica de neutralidade, as
relaes com o bloco capitalista continuaram sendo mantidas, de
modo a incorporar elementos do capitalismo em uma economia
mista, havendo assim investimentos nos setores pblico e privado
(CHATTERJEE, 2004). Outra evidncia deste tipo de poltica pode
ser observada na agricultura do pas, na qual, para se evitar on-
das de fome como a ocorrida com a Crise de Bengala (1943)
27
,
o governo utilizou tanto organizaes privadas como cooperati-
vas pblicas para seu desenvolvimento (SCHWEINITZ, 1983).
A Iugoslvia praticou tambm polticas semelhantes de com-
plementaridade entre os blocos de poder e se destacou princi-
palmente por estar localizado no continente europeu, prximo
tanto ao polo socialista como o capitalista. Aps ter conquistado
sua reintegrao nacional, liderada principalmente pelo General
Tito, o Estado adotou uma economia socialista, porm no ne-
cessariamente pr-Unio Sovitica. Assim, a Iugoslvia alternou
sua poltica externa de modo sempre ter tanto seus interesses
como a sua identidade nacional prevalecida, tendo ora praticado
acordos com os Estados Unidos, ora se reaproximado de Moscou
(HOFFMAN et al., 1962). Como exemplo, pode-se citar o inicial
afastamento da Iugoslvia em relao Unio Sovitica devido ao
carcter exploratrio que a superpotncia socialista queria impor
ao regime de Tito. A fm de substituir este vcuo comercial, houve
ento uma aproximao iugoslava com os Estados Unidos, prin-
cipalmente na forma econmica. Assim, a reaproximao com a
Unio Sovitica s foi possvel a partir da aceitao desta da polti-
ca no alinhada da Iugoslvia, a qual deveria ser livre para estabe-
lecer acordos comerciais (HOFFMAN et al., 1962).
Para fnalizar, tem-se tambm o caso cubano, que contou com
um forte movimento de guerrilha para consolidar seus interesses
nacionais. Apesar de ter conquistado sua independncia ainda no
sculo XIX, o pas ainda era alvo de uma forte interveno externa,
principalmente ao se considerar o descaso do Governo com a po-
25
Organizao de carcter militar fundada por Nasser com o objetivo de derrubar o
regime monrquico do Egito.
26
Instrumento de planejamento econmico o qual se estabeleciam metas com o pra-
zo de cinco anos para o desenvolvimento da economia do pas.
27
Intempries climticas levaram a uma infao exorbitante dos preos do arroz, le-
vando morte mais de um milho de indianos (BHATIA, 1985).
591 590
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
pulao local em contraponto com a preocupao excessiva deste
com as empresas estrangeiras (HUBERMAN et al., 1960). Assim, vi-
sando fndar tal situao, revolucionrios como Che Guevara e Fi-
del Castro iniciaram um movimento armado que, em 1959, deps o
ditador pr-Estados Unidos Fulgncio Batista e iniciou um governo
planifcado, repleto de reformas sociais e nacionalizaes, privile-
giando sempre uma poltica ideologicamente neutra, nos moldes
do Egito e da Iugoslvia. Entretanto, a nacionalizao de diversas
empresas estadunidenses principalmente petrolferas e a recusa
de maiores negociaes causou um enorme descontentamento no
governo de Washington, que, como punio, promoveu um embar-
go econmico ilha. Esta passagem culminou em um rompimento
diplomtico forado de Cuba com o bloco capitalista, originando
assim o seu rumo socialista pr-URSS (HUBERNAN et al., 1960).
4. A AMEAA NUCLEAR: A DISPUTA PELO PODER
E O REFLEXO NA PERIFERIA
Com o fm da Segunda Guerra Mundial e a ascenso dos Estados
Unidos e da Unio Sovitica como potncias econmicas e mili-
tares, a humanidade se viu mergulhada em uma nova guerra. Pois,
como afrma o flsofo Tomas Hobbes, a guerra consiste no
s na batalha, ou no ato de lutar: mas num perodo de tempo em
que a vontade de disputar pela batalha sufcientemente conhe-
cida (HOBBES, 1651, apud HOBSBAWM, 2008, p. 224).
Ideologicamente opostos, EUA e URSS buscavam expandir
suas reas de infuncia sobre o resto do mundo, o qual estava
sob constante ameaa de um confito entre as potncias. Vrias
geraes viveram sombra de uma possvel guerra nuclear global,
que se acreditava poder iniciar a qualquer momento, uma vez
que Estados Unidos e Unio Sovitica seguiram a poltica arma-
mentista, investindo cada vez mais na produo de armamentos,
tanto convencionais como nucleares (HOBSBAWM, 2008).
4.1. O poder nuclear
O uso de armas nucleares foi observado pela primeira vez no fm
da Segunda Guerra Mundial, em 1945, no ataque contra as cida-
des japonesas de Hiroshima e Nagasaki. H controvrsias sobre o
primeiro uso da bomba, ao fm da Segunda Guerra, uma vez que
partindo de um argumento norte-americano, esse seria o nico
jeito de encerrar o confito, ao conter as foras japonesas; porm,
tambm possvel analisar pelo ponto de vista de que o uso da
bomba atmica serviu como um meio para os Estados Unidos se
proclamarem como maior potncia militar do planeta. A primei-
ra utilizao de armas nucleares pode ser considerada, alm de
ltimo ato militar da Segunda Guerra, a primeira grande opera-
o da Guerra Fria, que introduziu um elemento de risco nas re-
laes internacionais do ps-guerra (KARNAL et al, 2011).
A rivalidade americano-sovitica sobre a questo das armas
nucleares foi o que, acima de tudo, defniu a bipolaridade extre-
ma da Guerra Fria (BEST et al, 2004, p. 232, traduo nossa). No
incio da dcada de 1950, os poderes das duas potncias no es-
tavam em equilbrio, e a balana estava claramente a favor dos
Estados Unidos, uma vez que eles foram os pioneiros na produ-
o de tecnologia nuclear. Os EUA estavam um passo frente da
URSS em questes militares, devido ao fato de possurem tecno-
logia para construir bombas atmicas, e o presidente norte-ame-
ricano poca, Eisenhower (1953-1961), investiu fortemente em
armamentos nucleares e se baseou na noo de retaliao em
massa, ou seja, a ideia de que os Estados Unidos estariam pron-
tos para retaliar qualquer tipo de ataque sovitico com armas nu-
cleares (BEST et al., 2004).
O investimento em armas nucleares pelo lado ocidental ge-
rou o chamado dilema de segurana
28
de Herz. O termo se apli-
ca tambm corrida armamentista observada durante a Guerra
Fria, e, dessa forma, aps adquirir tecnologia nuclear, a Unio
Sovitica passou a se armar tambm, de modo que ambas as
potncias passaram a usar a ameaa nuclear como instrumento
poltico (HOBSBAWM, 2008).
O potencial de retaliao estadunidense s funcionou como
forma de ameaa Unio Sovitica enquanto os EUA apresenta-
vam superioridade blica, mas com a entrada da URSS na corrida
armamentista e o sucesso sovitico na corrida espacial, a ameaa
partia dos dois lados e o poder de destruio nuclear poderia le-
var a propores devastadoras (BEST et al., 2004).
4.2. Reflexos na periferia
Com os movimentos de descolonizao da frica e da sia e a
Conferncia de Bandung, as relaes internacionais foram mar-
cadas pela manifestao de um terceiro grupo de pases, alheio
aos dois blocos rivais durante a Guerra Fria. Os pases recm-in-
28
Este termo est ligado ao fato de que os grupos ou os indivduos, por estarem pre-
ocupados com sua segurana, esforam-se para buscar mais poder a fm de se defen-
der de possveis ameaas de outros, iniciando assim um crculo vicioso de acmulo
de poder (HERZ, 1950).
593 592
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
dependentes buscavam uma alternativa de insero internacio-
nal autnoma e independente (SARAIVA, 2001). Difcilmente os
pases descolonizados conseguiriam seguir os passos de desen-
volvimento de suas antigas metrpoles, porm esse no era o inte-
resse dos mesmos, e como afrma Frantz Fanon (1979, pp.26-27):
A descolonizao jamais passa despercebida porque atinge o ser,
modifca fundamentalmente o ser, transforma espectadores sobre-
carregados de inessencialidade em atores privilegiados, colhidos
de modo quase grandioso pela roda-viva da histria. Introduz no
ser um ritmo prprio, transmitido por homens novos, uma nova
linguagem, uma nova humanidade. A descolonizao , na verdade,
criao de homens novos. Mas esta criao no recebe sua legitimi-
dade de nenhum poder sobrenatural; a coisa colonizada se faz no
processo mesmo pelo qual se liberta.
O surgimento de novos Estados independentes era interes-
sante aos Estados Unidos e Unio Sovitica, uma vez que as
duas potncias poderiam aumentar suas respectivas reas de
infuncia ao estreitar relaes com os continentes africano e
asitico. Na dcada de 1950, EUA e URSS proporcionaram ajuda,
por meio de emprstimos e instalao de embaixadas e universi-
dades na frica. Tal ajuda, conciliada aos confitos internos e s
independncias recentes, tornaram o continente um novo palco
da Guerra Fria (SARAIVA, 2001).
Entretanto, muitos dos pases no continente africano e no
continente asitico haviam conquistado a independncia recen-
temente e no possuam interesse em se aliar a nenhuma das po-
tncias, j que buscavam meios prprios de desenvolvimento, por
meio de uma abordagem particular da poltica externa (ALLISON,
1988), j que se unir a um dos blocos predominantes poderia tra-
zer novamente a dependncia econmica em relao as grandes
potncias. E, embora o confronto entre as duas superpotncias
dominasse o cenrio internacional, nem todos os confitos rela-
cionados ao Terceiro Mundo no estavam essencialmente ligados
Guerra Fria, e os Estados no comunistas, e tambm alguns co-
munistas, do Terceiro Mundo no possuam qualquer inteno
de se envolverem em um confito global (HOBSBAWM, 2008).
Dessa forma, apesar das tentativas provenientes dos EUA
de globalizar a Guerra Fria e dos confitos internos do Terceiro
Mundo, as armas nucleares tinham pouca utilidade prtica para
exercer infuncia direta aos pases perifricos bipolarizao
mundial (BEST et al., 2004). O grupo dos No Alinhados possua
como objetivo promover um desenvolvimento estvel e eliminar
as fontes de confitos regionais e globais, alm de direcionar suas
energias s tentativas de diminuir as tenses entre as grandes po-
tncias (ALLISON, 1988).
4.3. O desarmamento como necessidade mundial
Alm da luta contra o imperialismo e o colonialismo e do desejo de
buscar um desenvolvimento autnomo e de se desvincular da in-
funcia dos EUA ou da URSS, o Movimento dos Pases No Alinha-
dos tem, tambm, como objetivo a paz e o desarmamento. Assim
como no era interessante participar de um confito global, tam-
bm era importante aos no alinhados que tal confito no aconte-
cesse, uma vez que uma guerra nuclear poderia causar propores
catastrfcas que comprometeriam todo o planeta (JUDT, 2007).
Os movimentos contra a corrida armamentista partiam no
somente dos pases no alinhados, mas surgiam igualmente den-
tro das sociedades civis de pases pertencentes aos blocos. Para
certos grupos, isso inspirava movimentos a favor de um desar-
mamento urgente. Na Inglaterra, em 1958, por exemplo, surgiu
a Campanha Pelo Desarmamento Nuclear, liderada por grupos
esquerdistas, a favor da no violncia e contra o uso de armas nu-
cleares. Tal campanha dirigia reivindicaes ao prprio governo
britnico (JUDT, 2007).
A ameaa nuclear e a possibilidade constante de incio de
uma guerra produziram movimentos internacionais pela paz,
dirigidos especifcamente contra as armas nucleares, os quais se
tornaram por vezes movimentos de massa pela Europa (HOBS-
BAWM, 2008), como o exemplo britnico citado.
Assim como era de interesse a diversos grupos, e havia ins-
pirado diversos movimentos a favor da paz, o desarmamento era
tambm de grande interesse aos no alinhados, uma vez que os
princpios de Bandung defendiam a luta pela paz por meio da
cooperao e da solidariedade internacional, alm da oposio
Guerra Fria (SANTOS et al, 2003).
Alm dos perigos presentes na corrida armamentista, o teste
de armamentos nucleares foi mais um episdio que aumentou a
ateno do Movimento dos No Alinhados em relao ao desar-
mamento. Particularmente testes nucleares no Pacfco e no Saa-
ra obtiveram uma publicidade negativa por parte dos pases que
no desejavam se alinha, uma vez que os testes revelavam uma
possibilidade de que as armas realmente fossem utilizadas, o que
tornou o desarmamento um assunto ainda mais pertinente a ser
tratado na conferncia de Belgrado (ALLISON, 1988).
595 594
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
5. IMPORTNCIA DA FORMAO DE UM BLOCO
necessrio concentrar agora todos os esforos pacfcos
e todas as foras do mundo (...) a fm de contribuir,
mediante aes enrgicas, ao triunfo da paz.
Josip Broz Tito
29
A conscincia de que os problemas em voga na poca da Guerra
Fria abalariam toda a humanidade levou os pases no alinhados
a se unirem em prol de objetivos comuns como a paz, o fm das
ameaas nucleares e o respeito dignidade humana. A repercus-
so necessria para temas to relevantes da agenda internacio-
nal demandava a formao de um bloco coeso e consciente. A
aliana do Terceiro Mundo
30
foi formada no contexto descrito em
sees anteriores (HOBSBAWM, 2008). Existem estudos recor-
rentes acerca da necessria formao de blocos, uma vez que as
relaes internacionais so permeadas por alianas, ou seja, por
ajustes instrumentais entre pases e transitrios s mudanas in-
ternacionais (STEIN, 1993).
5.1. Integridade nacional e o seu reconhecimento
A partir da dcada de 60, a comunidade internacional se deparou
com o desenvolvimento e a ascenso do Terceiro Mundo a pata-
mares regulares, mas expressivos. Os fruns de discusses e de to-
mada de deciso foram ampliados (...) o Terceiro Mundo no
apenas uma rea para ser estudada, mas um lugar a partir do qual
se fala (MIGNOLO, 1993, p. 123, traduo nossa). A Conferncia
de Belgrado foi um cenrio de coeso entre os pases em desen-
volvimento ps-Conferncia de Bandung e de ameaa de confito
entre as grandes potncias. A Conferncia consistiu no intercm-
bio de opinies de 25 pases do Terceiro Mundo sobre a situao
internacional, o no alinhamento e a coexistncia pacfca entre
os Estados apesar de suas diferenas polticas, econmicas, so-
ciais e culturais (SUARZ, 1975).
As relaes entre os Estados so permeadas ora por coopera-
o e solidariedade, ora por confito de interesses e disputas. Con-
tudo, todas as naes desejam alcanar objetivos e por meio de
blocos que os estados complementam suas capacidades, sejam
elas militares, fnanceiras ou polticas, alm de amplifcar os efei-
tos de suas aes (STEIN,1993). Isso porque, segundo Vigevani
(1990), a lgica da cooperao e da ajuda internacional so ques-
tes essenciais para o desenvolvimento do Terceiro Mundo. Por es-
ses motivos, a integrao por meio de alianas foi opo de tantos
Estados para a concretizao de interesses comuns (LISKA, 1968).
Conceitos importantes das relaes internacionais como auto-
determinao dos povos, no interveno, soberania, integridade
nacional e integrao constam nos ideais do Movimento dos No
Alinhados para questionar a polarizao da ordem internacional e
a poltica neocolonial das grandes potncias (SUARZ, 1975).
O princpio da autodeterminao defendido pela Carta das
Naes Unidas para o desenvolvimento de relaes amistosas en-
tre os Estados (ALEXANDER; FRIENDLANDER, 1980). O conceito
ainda permeado por critrios flosfcos e histricos do Direito
Internacional Pblico a Declarao Universal dos Direitos do
Homem, (...) vincula o princpio da autodeterminao dos povos
aos direitos humanos, subordinando a validade da soberania
vontade do povo (LITRENTO, 1964, p. 28).
Em linhas gerais, o fundamento central da autodeterminao
defender a dignidade e os direitos humanos no que tange a par-
ticipao livre e plena dos povos. A cada Estado reconhecido
o direito de decidir de forma autnoma na esfera interna, sem
infuncias estrangeiras, ou seja, o Estado soberano dentro de
seu territrio
31
A soberania nas Relaes Internacionais entre
os Estados signifca independncia. A independncia em relao
a uma parte do globo o direito de exercer as funes estatais
nessa regio, excluindo todos os demais Estados (HUBBER apud
VARELLA, 2012, p. 263).
Dentre os temas debatidos pela cpula de Belgrado, a integri-
dade nacional e os movimentos de independncia estiveram no
centro dos debates entre os pases em desenvolvimento. O con-
ceito de integridade nacional refere-se inviolabilidade territo-
rial, da populao e tambm a no ingerncia interveno nas
questes internas de um Estado soberano (KRASNER, 1999). O
respeito mtuo soberania, integridade nacional, no-agres-
so e no-interveno nos assuntos internos so princpios es-
senciais para a coexistncia pacfca almejada nos discursos dos
lderes presentes na Conferncia de Belgrado (SUREZ, 1975). A
Conferncia, portanto, sinalizou a instalao de uma nova ordem
29
Ex-Presidente da Iuguslvia em discurso na Conferncia de Belgrado, 1961.
30
O termo foi cunhado na dcada de 50 para classifcar pases capitalistas em de-
senvolvimento e que fossem no alinhados e neutros. Enquanto que por Primeiro
Mundo se compreendia os pases desenvolvidos capitalistas e por Segundo Mundo
os pases desenvolvidos socialistas.
31
O conceito de soberania foi relativizado pelos Direitos Humanos e deixou de ser
um (...) poder absoluto e incondicional (VARELLA, 2012, p. 265).
597 596
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
mundial, consciente e voltada para a prosperidade das naes
(DECLARAO DE BELGRADO, 1961). Os Chefes de Estado e
Governo dos pases No Alinhados desaprovavam as tendncias
de domnio e de ingerncia no desenvolvimento interno de ou-
tros Estados ou naes (VIGEVANI, 1990).
5.2. Neutralidade e no alinhamento
O Movimento dos No Alinhados optou pela neutralidade e por
aes coletivas que dessem fora voz terceiro-mundista. Os es-
tudos acerca do neutralismo poltico ganharam destaque no ps-
-Segunda Guerra, porm trata-se de um conceito fundamentado
na cultura europeia do sculo XVI (BEST et al., 2004). A neutrali-
dade tradicional de pases europeus
32
principalmente os nrdi-
cos representa o jogo poltico dos mesmos para defender seus
interesses e integridade nacional, enquanto que para pases da
sia, frica e Amrica Latina a neutralidade possui um signifcado
simblico de independncia e reduo das infuncias externas.
No contexto da Guerra Fria, a poltica de neutralidade fora
dos limites europeus tomou um rumo muito diferente. A ideia
no era de proporcionar uma poltica amigvel com as grandes
potncias a fm de garantir seus interesses e sua integridade na-
cional, e sim a iniciativa do no alinhamento e do questionamen-
to da antiga ordem internacional (BEST et al., 2004).
O conceito de no alinhamento consolidado a partir da
Conferncia de 1961 entre os Chefes de Estado e de Governo dos
Pases No-Alinhados devido ao aumento da fora poltica do
Terceiro Mundo (VIGEVANI, 1990). A conscientizao do Tercei-
ro Mundo acerca da realidade internacional e das consequncias
desastrosas da disputa ideolgica entre as grandes potncias foi
essencial para a realizao da Conferncia. A neutralidade e o
no alinhamento foram alternativas optadas pelos pases parti-
cipantes da conferncia em Belgrado para se oporem s polticas
neocoloniais e polarizao mundial, alm de almejarem calcar
forte participao internacional (VIGEVANI, 1990).
Segundo Vigevani (1990), o conceito de neutralidade no do-
mnio externo se expressa quando na existncia de um confito
no h a inteno de tomar qualquer uma das partes. Por um lado,
a neutralidade tradicional de pases como a Finlndia, que adotou
a prtica da poltica externa neutra e voltada para a preservao
da paz
33
. Por outro, nos pases da sia, Amrica Latina e frica, o
conceito de neutralidade adquiriu uma conotao mais expressi-
va: evitar uma nova forma de dependncia e ganhar espao para
atuar de modo ativo nas relaes internacionais (VIGEVANI, 1990).
Por sua vez, o conceito de no alinhamento foi utilizado no
contexto da Guerra Fria para classifcar os pases neutros e sem
fliao em relao ao grande paradigma do perodo a polariza-
o mundial entre blocos capitalista e socialista. Tais caractersti-
cas deram voz a pases recm-independentes, marginalizados e
em ascenso nas relaes internacionais.
Os Estados no alinhados, portanto, sentiram-se no dever de ex-
pressar as suas preocupaes em voz mais forte e coerente do que
nunca, em um esforo para mobilizar a opinio pblica mundial
contra a perpetuao do imperialismo e deixar claro que os novos
estados independentes tinham o direito de viver livres da interven-
o estrangeira (BEST et al., 2004, p. 315, traduo nossa).
inevitvel, portanto, vincular neutralismo e no alinhamen-
to a consolidao do Terceiro Mundo como uma fora poltica e
ao rumo da Guerra Fria (VIGEVANI, 1990). A neutralidade no
remete ausncia de posicionamento e sim, que o foco das po-
lticas desses pases se voltou para objetivos de desenvolvimento
econmico e social, sem promover o alinhamento e um possvel
terceiro grande confronto (HOBSBAWM, 2008). Por esse aspecto,
importante ressaltar que os dois conceitos esto sujeitos a no-
es intersubjetivas
34
como exemplifca George Liska:
As realidades do no alinhamento e do neutralismo devem ser
analisadas por uma perspectiva dupla, uma vez que elas possuem
fuxo de respostas prprias e estritamente imbricadas a fatores ex-
ternos e condies nacionais (LISKA, 1968, p. 207, traduo nossa).
A neutralidade poltica constituiu uma terceira via aos blocos
capitalista e socialista. Pode-se dizer que abriu caminhos para
um novo modo de agir politicamente ao defender a coexistncia
32
Em contraponto com os Estados recm-independentes da sia e da frica, que
decidiram pela neutralidade como forma de reafrmar sua independncia, alguns
Estados europeus decidiram por esta poltica devido a tradies existentes desde o
sculo XVI (BEST et al, 2004).
33
Ns vemos a justifcao da nossa poltica neutra na preveno de qualquer coi-
sa que gere mais confitos internacionais, e ns trabalhamos para a reconciliao e
unio dos povos, alm de visarmos a eliminar dissenses (KEKKONEN, 1970, p.67,
traduo nossa).
34
Noes intersubjetivas se referem s percepes infuencias pelo arcabouo cultu-
ral e histrico de dois ou mais indivduos.
599 598
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
pacfca, o respeito dignidade humana e o fm do imperialismo,
como ser visto a seguir.
5.3. A terceira via
Em Belgrado foi estabelecida a diferena entre Terceiro Mundo
e No Alinhamento, pois o termo Terceiro Mundo relacionado
a condies econmicas e sociais de misria enquanto os pases
no alinhados eram de diversas posies socioeconmicas no sis-
tema internacional (VIGEVANI, 1990) Sucia e Egito, por exem-
plo, possuam realidades econmicas e sociais bem distintas, mas
integravam o grupo dos no alinhados. Torna-se ainda mais evi-
dente que o sentimento anticolonial caracterstica do Terceiro
Mundo, o qual percebe o ambiente internacional permeado por
relaes de poder, hierarquia e segregao (VIGEVANI, 1990).
A viso terceiro-mundista consiste em um novo caminho, ou
seja, uma terceira via para as relaes internacionais, afastando-
-se da dicotomia dos modelos sovitico e liberal (HOBSBAWM,
2008). O conceito da terceira via foi consolidado com Anthony
Giddens
35
e caracterizou-se por representar um novo projeto de
Estado e sociedade, para se opor conjuntura de polarizao na
Guerra Fria. A terceira via propunha uma nova ordem internacio-
nal para o desenvolvimento, a paz e o respeito dignidade huma-
na. O modo de operacionalizao bsica consistia na informao,
ou seja, em colocar os principais objetivos como temas recorren-
tes nas Naes Unidas (VIGEVANI, 1990).
Os discursos das grandes potncias argumentavam em res-
posta ao surgimento do bloco e a ameaa da ordem vigente at
o momento. possvel relacionar tais discursos com a teoria ne-
orrealista de Kenneth Waltz
36
. Em sntese, a tese central do autor
consiste no poder relativo e na estrutura do sistema como aspec-
tos centrais das anlises das relaes entre Estados. Em suma, tal
teoria afrma que prioridade dos Estados a segurana e a so-
brevivncia, os sistemas bipolares
37
so mais estveis e seguros
e, portanto, a Guerra Fria foi um perodo de estabilidade e paz
(JACKSON; SORENSEN, 2003).
Na medida em que a retrica da Guerra Fria via capitalismo e so-
cialismo, o mundo livre e o totalitarismo, como dois lados de um
abismo intransponvel, e rejeitava qualquer tentativa de estabelecer
uma ponte, podia-se at dizer que, parte a possibilidade de sui-
cdio mtuo da guerra nuclear, ela assegurava a sobrevivncia do
adversrio mais fraco (HOBSBAWM, 2008, p. 247).
O MNA se opunha a tal lgica, pois, durante o perodo da Guerra
Fria, mesmo que o embate entre as grandes potncias no tenha
ocorrido, confitos ideolgicos foram travados nos pases subal-
ternos do sistema internacional. O termo subalterno se ope a
palavras como elite e grupos de poder, possui conotao poltica
e intelectual e deriva da obra Cadernos do Crcere, de Antonio
Gramsci
38
(SAID apud GUHA; SPIVAK, 1988).
Observa-se que a maioria dos confitos ocorreu entre 1945 e
1989 e apresentam infuncia da disputa entre Estados Unidos e
URSS (HOBSBAWM, 2008). A comunidade internacional no se
sentia segura e satisfeita com as repercusses das ameaas em que
consistia a poltica expansionista dos dois oponentes: (...) quando
a grade de ferro da Guerra Fria se abateu sobre o globo, todos que
tinham alguma liberdade de ao queriam evitar juntar-se a qual-
quer um dos dois sistemas de aliana, isto , queriam manter-se
fora da Terceira Guerra Mundial (...) (HOBSBAWM, 2008, p. 350).
certo que o rumo da Guerra Fria sofreu infuncia do grupo
de pases subalternos, os quais adquiriam substantivo destaque
com o Movimento dos No-Alinhados. A repercusso do MNA
est refetida no atual sistema internacional, a qual pode ser vista,
por exemplo, pela multipolaridade, na formao de grupos como
o G20 e na atuao mais frequente de pases perifricos nos assun-
tos da agenda internacional. Nesse contexto de estabelecimento
de uma nova ordem mundial e a busca pela terceira via de desen-
volvimento, a relao Norte-Sul
39
torna-se um eixo central das re-
laes internacionais (VIGEVANI, 1990).
Tanto o capitalismo quanto o socialismo possuam diversas
falhas em relao realidade do Terceiro Mundo, as explicaes
e propostas no eram sufcientes para abarcar a complexidade de
35
Socilogo ingls centrado na reformulao da teoria social e renomado pela Teoria
da Estruturao.
36
Kenneth Neal Waltz um renomado terico das Relaes Internacionais e autor da
obra Teory of International Politics.
37
De acordo com Waltz, os sistemas bipolares so mais estveis porque existem ape-
nas duas grandes potncias envolvidas na tomada de deciso, sendo possvel manter
com maior facilidade vigilncia sob o rival; os confitos entre as potncias so menos
freqentes, uma vez que ambas consideram os riscos de um confito entre foras se-
melhantes; e a probabilidade de erros de clculo poltico e estratgico reduzida em
relao aos sistemas multipolares (JACKSON; SORENSEN, 2003).
38
Filsofo italiano do incio do sculo XX com interesse de pesquisa em poltica, his-
tria e sociologia.
39
A relao Norte-Sul, segundo Mignolo (1993), trata-se de uma relao dicotmica
centro-periferia, a qual, por um lado, envolve dominao (Norte) e por outro, subal-
ternidade (Sul).
601 600
Simulao das Naes Unidas para Secundaristas | 2013 Movimento dos No Alinhados
sistemas to diversos Na dcada de 1970, tornou-se evidente que
nenhum nome ou rtulo individual podia cobrir adequadamente
um conjunto de pases cada vez mais divergentes (HOBSBAWM,
2008, p. 352-353). O confronto ideolgico no levava em conside-
rao as diferenas histricas, polticas e culturais entre os pases.
6. CONSIDERAES FINAIS
Apesar de todas as diferenas apresentadas pelos pases que
faziam parte do Movimento dos No Alinhados, e embora esse
grupo no fosse composto por pases igualmente opostos aos
dois lados da Guerra Fria (HOBSBAWM, 2008), eles possuam
um objetivo comum de conquistar o desenvolvimento por meios
prprios. Assim, era interessante a esses Estados se unirem e for-
marem uma aliana, de modo a alcanar tais metas.
Entre os objetivos do movimento, estava a busca pela paz e
a criao de uma nova ordem poltica e econmica internacio-
nal, diferente da bipolaridade, respeitando a autodeterminao
e a liberdade de perseguir o desenvolvimento e a participao no
cenrio internacional de maneira independente, alm da forte
condenao ao colonialismo (SRIVASTAVA, 1995). Dessa forma,
a busca conjunta pela resoluo dos problemas seria vital para a
manuteno do movimento, j que aes individuais difcilmen-
te seriam sufcientes para alcanar os objetivos.
Motivados pela herana da Conferncia de Bandung, que
marcou o incio da manifestao desse terceiro grupo de Estados
nas relaes internacionais (SARAIVA, 2001) e pelo momento de
tenso mundial oriunda da Guerra Fria, era importante que os No
Alinhados se reunissem para discutir e buscar formas de alcanar
seus objetivos, alm desse grupo de pases ser favorvel tambm
ao dilogo entre EUA e URSS para lidar com os perigos oriundos
da rivalidade e encorajar as negociaes entre elas (ALLISON,
1998). Desse modo, a Conferncia de Belgrado, em 1961, aps um
encontro preparatrio no Cairo, Egito, seria um ambiente propcio
para discutir as questes levantadas pelos membros do movimen-
to, como o desarmamento e a neutralidade. O encontro seria im-
portante tambm para que os pases de Terceiro Mundo tivessem
espao para expor seus problemas e pontos de vista e, dessa forma,
alcanar maior visibilidade entre um grupo de pases que apre-
sentavam situaes semelhantes, alm de buscar a cooperao e a
coexistncia de uma maneira pacfca (VUCINICH, 1969).
A deciso pela neutralidade partia tambm de um desejo dos
lderes dos pases do grupo de buscar a dignidade em suas so-
ciedades, para superar as humilhaes sofridas durante o per-
odo colonial. Muitos dos cidados do Terceiro Mundo j haviam
aceitado que viviam em pases inferiores, e o MNA, por meio do
no alinhamento e da no participao na Guerra Fria, buscava
recuperar a dignidade dos cidados, como meio tambm para re-
forar a solidariedade (THOMAS, 2001).
Portanto, a Primeira Conferncia dos Pases No Alinhados,
ou Conferncia de Belgrado, serviria no apenas como o incio
ofcial do movimento, mas tambm como um espao onde o Ter-
ceiro Mundo passaria a ter mais visibilidade e voz para discutir
problemas que afetam grande parte do planeta, como a amea-
a nuclear. Alm disso, como a ordem internacional estava sob
constante ameaa, a atitude de buscar uma soluo deveria partir
dos pases que no produzem essa ameaa, mas sofrem os efeitos
dela, uma vez que esses pases no possuam rivalidades com os
blocos, mas sofreriam as consequncias de possveis confitos. A
Conferncia de Belgrado surge nesse contexto de tenses como
um ambiente para esse grupo de pases discutirem como se che-
gar a essas solues (KCHLER, 1982). Nesse contexto tambm
se cristalizavam os princpios do MNA e o desejo desses pases
por buscar um papel distinto na poltica internacional, e mais ati-
vo na resoluo de confitos (THOMAS, 2001).
Embora o Movimento dos No Alinhados contasse com a
participao de vrios pases, de diferentes continentes, era mui-
to importante que eles mantivessem o foco para alcanar os ob-
jetivos comuns, uma vez que havia grandes diferenas entre os
membros e a situao internacional de bipolaridade entre EUA e
URSS no era favorvel manuteno de um grupo neutro. Dessa
forma, era vital que o movimento mantivesse uma agenda bem
delineada para garantir seu prprio futuro. Alm disso, o surgi-
mento do Movimento dos No Alinhados foi um momento cru-
cial em relao crise da ordem internacional vigente poca,
pois a formao de um grupo institucionalizado e no alinhado
representava um terceiro ponto de vista, em um contexto dividi-
do entre capitalistas e socialistas. (KCHLER, 1982).
7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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