Livro Dignidade Menstrual
Livro Dignidade Menstrual
Livro Dignidade Menstrual
PARA QUEM?
1º Edição
Porto Alegre, 2024
Rede UNIDA
:
PARA QUEM?
Copyright © 2024 by Associação Rede UNIDA
Coordenação Editorial
Editor-Chefe: Alcindo Antônio Ferla
Editores Associados
Carlos Alberto Severo Garcia Júnior, Daniela Dallegrave, Denise Bueno, Diéssica Roggia Piexak, Fabiana Mânica Martins, Frederico Viana
Machado, Jacks Soratto, João Batista de Oliveira Junior, Júlio César Schweickardt, Károl Veiga Cabral, Márcia Fernanda Mello Mendes, Márcio
Mariath Belloc, Maria das Graças Alves Pereira, Quelen Tanize Alves da Silva, Ricardo Burg Ceccim, Roger Flores Ceccon, Stephany Yolanda Ril,
Vanessa Iribarrem Avena Miranda, Virgínia de Menezes Portes
Conselho Editorial
Adriane Pires Batiston (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil).
Alcindo Antônio Ferla (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil).
Àngel Martínez-Hernáez (Universitat Rovira i Virgili, Espanha).
Angelo Stefanini (Università di Bologna, Itália).
Ardigó Martino (Università di Bologna, Itália).
Berta Paz Lorido (Universitat de les Illes Balears, Espanha).
Celia Beatriz Iriart (University of New Mexico, Estados Unidos da América).
Denise Bueno (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil).
Emerson Elias Merhy (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil).
Êrica Rosalba Mallmann Duarte (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil).
Francisca Valda Silva de Oliveira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil).
Hêider Aurélio Pinto (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil).
Izabella Barison Matos (Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil).
Jacks Soratto (Universidade do Extremo Sul Catarinense).
João Henrique Lara do Amaral (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil).
Júlio Cesar Schweickardt (Fundação Oswaldo Cruz/Amazonas, Brasil).
Laura Camargo Macruz Feuerwerker (Universidade de São Paulo, Brasil).
Leonardo Federico (Universidad Nacional de Lanús, Argentina).
Lisiane Bôer Possa (Universidade Federal de Santa Maria, Brasil).
Luciano Bezerra Gomes (Universidade Federal da Paraíba, Brasil).
Mara Lisiane dos Santos (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil).
Márcia Regina Cardoso Torres (Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Brasil).
Marco Akerman (Universidade de São Paulo, Brasil).
Maria Augusta Nicoli (Agenzia Sanitaria e Sociale Regionale dell’Emilia-Romagna, Itália).
Maria das Graças Alves Pereira (Instituto Federal do Acre, Brasil).
Maria Luiza Jaeger (Associação Brasileira da Rede UNIDA, Brasil).
Maria Rocineide Ferreira da Silva (Universidade Estadual do Ceará, Brasil).
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira (Universidade Federal do Pará, Brasil).
Priscilla Viégas Barreto de Oliveira (Universidade Federal de Pernambuco).
Quelen Tanize Alves da Silva (Grupo Hospitalar Conceição, Brasil)
Ricardo Burg Ceccim (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil).
Rossana Staevie Baduy (Universidade Estadual de Londrina, Brasil).
Sara Donetto (King’s College London, Inglaterra).
Sueli Terezinha Goi Barrios (Associação Rede Unida, Brasil).
Túlio Batista Franco (Universidade Federal Fluminense, Brasil).
Vanderléia Laodete Pulga (Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil).
Vanessa Iribarrem Avena Miranda (Universidade do Extremo Sul Catarinense/Brasil).
Vera Lucia Kodjaoglanian (Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde/LAIS/UFRN, Brasil).
Vincenza Pellegrini (Università di Parma, Itália).
D575
Dignidade Menstrual: para quem? / Claudia Fegadolli; Ana Luiza Satie Voltolini Uwai
(Organizadoras) – 1. ed. -- Porto Alegre, RS: Editora Rede Unida, 2024.
64 p. (Série Interlocuções Práticas, Experiências e Pesquisas em Saúde, v. 52).
E-book: PDF.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5462-133-5
DOI: 10.18310/9786554621335
Organizadoras Diagramação
Claudia Fegadolli Ana Luiza Satie Voltolini Uwai
Ana Luiza Satie Voltolini Uwai
AGRADECIMENTO
Alexandre Padilha por destinação de emenda parlamentar para a Universidade Federal de
São Paulo, o que garantiu o financiamento do projeto Dignidade Menstrual.
PREFÁCIO
Em meio às ruas vibrantes e complexas da maior metrópole da América Latina,
escondem-se vidas invisíveis, situadas nas margens de uma sociedade que muitas
vezes lhes nega o básico. Ignorado até bem pouco tempo atrás, o debate sobre
a dignidade menstrual tem ganhado cada vez mais destaque, reconhecendo a
importância de garantir acesso a produtos de higiene menstrual, condições de
saneamento básico e educação adequada, de forma a promover a saúde, o bem-
estar e a igualdade de gênero para todas as pessoas que menstruam.
Esta obra apresenta ao leitor as bases conceituais sobre o tema, a análise das
políticas públicas para a garantia da dignidade menstrual, bem como a situação
atual e os desafios que precisamos enfrentar. É um trabalho que transcende os
muros da academia, destacando a urgência de se incluir a dignidade menstrual nas
políticas públicas. As vozes das ruas e ocupações, onde a ausência do Estado é mais
sentida, ecoam através das páginas e palavras das entrevistadas, revelando a falta
de suporte e o tratamento desigual enfrentado por pessoas que menstruam.
“Dignidade Menstrual: para quem?” é um grito de alerta, um chamado para
lançarmos nossos olhares sobre uma realidade que persiste ignorada na cidade de
São Paulo e no Brasil, especialmente entre os grupos sociais mais vulnerabilizados
e marginalizados. Esta iniciativa não só mapeou a realidade da pobreza menstrual,
mas também criou laços com as comunidades locais, ressaltando que a luta pela
dignidade menstrual é intrinsecamente ligada à busca por uma vida digna e justa
para todas as pessoas.
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Dignidade Menstrual: para quem?
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO------------------------------------------------------------------------------ 9
INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------------- 11
DIGNIDADE MENSTRUAL----------------------------------------------------------------------- 11
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A GARANTIA DA DIGNIDADE MENSTRUAL-------------- 13
ACESSO A ABSORVENTES MENSTRUAIS---------------------------------------------------- 14
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS PARA A PROMOÇÃO DO ACESSO A
ABSORVENTES MENSTRUAIS------------------------------------------------------------------ 14
BRASIL---------------------------------------------------------------------------------------------- 15
SÃO PAULO---------------------------------------------------------------------------------------- 17
AÇÕES DO PROJETO----------------------------------------------------------------------- 47
ELABORAÇÃO DE MATERIAIS EDUCATIVOS------------------------------------------------ 47
RODAS DE CONVERSA EDUCATIVAS SOBRE DIGNIDADE MENSTRUAL -------------- 48
PALESTRAS SOBRE DIGNIDADE MENSTRUAL--------------------------------------------- 48
PALESTRAS E PLANEJAMENTO DE AÇÕES COM PROFESSORES E ESTUDANTES
DA EMEF ESPAÇO BITITA----------------------------------------------------------------------- 49
AÇÃO NO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO
PAULO----------------------------------------------------------------------------------------------- 49
INSERÇÃO DE CONSELHEIRA NO CONSELHO GESTOR DA UNIDADE BÁSICA DE
SAÚDE DO PARI----------------------------------------------------------------------------------- 51
AÇÃO NA VILA SANTO ANTONIO (PARI)----------------------------------------------------- 52
REFERÊNCIAS------------------------------------------------------------------------------ 58
APRESENTAÇÃO
O ebook Dignidade Menstrual: para quem? se propõe a debater o direito
à dignidade menstrual de uma parcela da população aviltada pelas profundas
desigualdades sociais do Brasil, invisibilizada no atual debate público sobre a
pobreza menstrual. São cerca de 60 milhões de pessoas que menstruam no Brasil,
porém grande parte não pode ter dignidade menstrual1.
Os recentes avanços no enfrentamento desse tema têm se concentrado
principalmente na regulamentação do acesso de estudantes a insumos menstruais,
especificamente aos absorventes descartáveis, com muito a se construir para que
esse direito seja realmente garantido às mulheres e outras pessoas que menstruam.
Recentemente, ação do governo federal brasileiro normatizou a distribuição de
absorventes a pessoas em situação de vulnerabilidade, porém tais medidas são
limitadas na promoção da dignidade menstrual. A experiência dos grupos que
vivem afetados pela pobreza, mas que não são institucionalizados, é configurada
por pouco ou nenhum acesso a conhecimento, água, banheiros limpos, produtos de
higiene, insumos e medicamentos.
Há lacunas importantes no conhecimento em relação à forma como pessoas
diversas, de diferentes identidades de gênero e faixas etárias, vivenciam a
menstruação. Por isso, com o olhar voltado às pessoas afetadas por vulnerabilidades,
esta publicação retrata o trabalho desenvolvido, nos anos de 2021 e 2022, pela
parceria entre o Laboratório de Saúde Coletiva (LASCOL) da Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP) e três movimentos sociais organizados, na região central
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Dignidade Menstrual: para quem?
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INTRODUÇÃO
DIGNIDADE MENSTRUAL
A dignidade menstrual pode ser reconhecida quando as pessoas que menstruam
possuem as condições e recursos fundamentais para vivenciarem a menstruação
sem constrangimentos, incômodos ou sofrimentos evitáveis. É a situação oposta à
pobreza menstrual, em que não se tem acesso a protetores menstruais, infraestrutura
para higiene, saneamento básico, água, banheiros, medicamentos, assim como o
conhecimento sobre a menstruação e a saúde menstrual.
A falta de acesso aos recursos afeta a dignidade menstrual das pessoas que
menstruam, mulheres cisgêneras, homens transgêneros e pessoas não-binárias, as
quais são levadas a buscar soluções improvisadas e impróprias para higienização
íntima e/ou contenção do sangramento menstrual, como por exemplo a utilização
de pedaços de pano usados, pedaços de tecidos ou jornal. Constituem-se
também elementos da pobreza menstrual a falta de informação sobre a saúde e
o funcionamento do próprio corpo devido a tabus e a preconceitos enraizados na
sociedade a respeito da menstruação2.
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Dignidade Menstrual: para quem?
A falta de produtos para a contenção do fluxo, porém, não é a única barreira para
a dignidade menstrual. Cerca de 1,3 milhões dos domicílios brasileiros não possui
banheiro, mais de 10 milhões não contam com água em redes de distribuição e 22,6
milhões das casas não contam com coleta de esgoto, uma distribuição desigual que
acompanha a distribuição de renda no país9. A falta de infraestrutura e saneamento
básico afeta a saúde de todas as pessoas que vivem nessa situação precária, mas
especialmente das que menstruam. Há, ainda, as pessoas que vivem em situação
de rua, com números crescentes e alarmantes, e que têm pouco e dificultoso acesso
a banheiros públicos ou de estabelecimentos comerciais, que, quando acessíveis,
não são limpos10,11.
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Dignidade Menstrual: para quem?
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Dignidade Menstrual: para quem?
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Dignidade Menstrual: para quem?
Entre os países que não aboliram, mas que reduziram a tributação dos insumos,
está a Malásia, onde pressões populares resultaram em mudanças nas regras de
taxação de produtos menstruais, que eram considerados artigos de luxo até 2018.
Na Alemanha, absorventes são taxados similarmente a produtos de primeira
necessidade, como os alimentos. Na Itália, partir de 2019, os absorventes passaram
a ser produtos de primeira necessidade, com tributação que passou de 22 para 5%
apenas para os absorventes biodegradáveis, agregando medidas de estímulo à
proteção do meio ambiente. Em 2017, o governo da Índia havia decidido aumentar a
alíquota sobre os produtos usados na menstruação, porém após reações populares
não tiveram redução, mas permanecem em torno de 28%.
BRASIL
O Brasil é um dos países que mais tributam absorventes higiênicos no mundo, com
uma tributação de cerca de 30%, o que encarece os produtos e dificulta o acesso a
estes. A alíquota tributária estabelecida para esses produtos é comparável à de bens
supérfluos, o que deveria ser revisto, considerando a possibilidade constitucional de
estabelecer a tributação de produtos de acordo com a sua essencialidade15. A taxação
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Dignidade Menstrual: para quem?
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Dignidade Menstrual: para quem?
SÃO PAULO
No estado de São Paulo, a Lei nº 17.525/202226 instituiu o Programa Dignidade Íntima,
no âmbito da Secretaria da Educação e do Centro Estadual de Educação Tecnológica
“Paula Souza” do Estado de São Paulo, que prevê aquisição de produtos relacionados
à higiene menstrual das estudantes, tais como absorventes higiênicos, coletores
menstruais, lenços umedecidos sem perfume, sacos e respectivos dispensadores para
descarte de absorvente, por meio de transferência direta de recursos do Estado para as
escolas públicas, especialmente as escolas técnicas e faculdades de tecnologia (ETECs e
FATECS). Este dispositivo regulatório tem permitido maior acesso a insumos menstruais
a uma parcela das pessoas que menstruam: as que estudam em escolas estaduais em
São Paulo.
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Dignidade Menstrual: para quem?
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A ORIGEM E OS
OBJETIVOS DO PROJETO
Este projeto nasceu a partir do olhar de participantes de movimentos sociais
atuantes na região central de São Paulo sobre a experiência da menstruação entre
pessoas que vivem e circulam no centro da cidade, que são afetadas por diversas
vulnerabilidades, porém socialmente invisibilizadas. Em articulação com o Laboratório
de Saúde Coletiva da UNIFESP (Lascol), três movimentos com experiência na
temática somaram esforços: a Fluxo Solidário, o Centro de Convivência É de Lei e o
Movimento de Mulheres Olga Benario.
Com uma coordenação colegiada constituída, o grupo construiu uma proposta com
o objetivo geral de produzir ações voltadas à promoção da dignidade menstrual a
partir:
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Dignidade Menstrual: para quem?
PERCURSO
Considerando a amplitude do território, os locais de desenvolvimento do projeto
foram delimitados de acordo com a inserção dos movimentos sociais envolvidos,
a fim de valorizar os conhecimentos e articulações prévias de cada grupo. Assim, a
região central de São Paulo foi dividida em três áreas que passaram a constituir, cada
uma, um núcleo do projeto, com coordenação local por cada um dos respectivos
movimentos sociais, que atuaram de maneira integrada. Não houve a pretensão
de atuar sobre todas as áreas do centro, mas nas que melhor expressassem as
dinâmicas de interesse.
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Dignidade Menstrual: para quem?
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COMO É O TERRITÓRIO
PARA AS PESSOAS
INVISIBILIZADAS EM SUA
POBREZA MENSTRUAL?
O território da Sé possui uma população estimada de cerca de 431 mil pessoas e
densidade demográfica de 16.454 habitantes/km²32. Essa zona central do município
de São Paulo é composta por importante aparato de mobilidade urbana, com
muitas opções de transporte público, além de ampla oferta de empregos e serviços.
Segundo o Mapa da Desigualdade (2021)33 da Rede Nossa São Paulo, a região
da República, que faz parte dessa área, possui a maior proporção da população
com acesso a transporte de massa e o pior dado sobre violência contra a mulher
do município 865,4/10.000. Este dado foi calculado através da porcentagem de
população que mora em um raio de até um quilometro de distância de estações de
transporte público, como trem, metrô e monotrilho.
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Dignidade Menstrual: para quem?
precárias, ocupações e cortiços, além das pessoas que vivem em situação de rua,
brasileiros, imigrantes ou refugiados34.
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Dignidade Menstrual: para quem?
NÚCLEO LUZ
Por: Ana Luiza Satie Voltolini Uwai, Karin Di Monteiro Moreira, Ananda Méndez
Inácio, Luiza Guimarães Imagure, Claudia Fegadolli
Este núcleo incluiu áreas dos bairros Luz, Santa Ifigênia e Campos Elíseos,
região que ficou conhecida como “Cracolândia” em 1995, após ter a nomenclatura
empregada em uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo sobre a prisão
de pequenos traficantes dias após a inauguração da delegacia de repressão ao
crack35.
Durante a realização do projeto, o Centro de Convivência É de Lei se localizava na rua do Carmo, no entanto, a partir de 2024, o endereço passou
a ser na rua Lettiere, 65, na Bela Vista.
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Dignidade Menstrual: para quem?
Depois das violentas ações de 2017, a primeira grande operação contou com
cerca de 650 funcionários de segurança pública e foi marcada por denúncias de
truculência e de violência por parte da polícia. Durante os meses que se seguiram,
inúmeras operações passaram a ocorrer com frequência na região, causando
mudanças na localização da população que ali vivia ou a frequentava, com
repetidos movimentos de retirada a cada nova acomodação dos grupos. Essas
movimentações frequentes rebatizaram a área como região do Fluxo, devido ao
movimento de fluxo da população pelas ruas do território, como o Largo Coração
de Jesus, a Praça Princesa Isabel, a rua Helvétia, a Avenida São João e a região
da Santa Ifigênia entre as ruas dos Gusmões e a General Osório35. Um fluxo
desordenado e induzido pela violência que vai construindo relações complexas
com os comerciantes e moradores, o que ajuda a justificar essa ação perante a
opinião pública
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Dignidade Menstrual: para quem?
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Dignidade Menstrual: para quem?
O Atende II era uma unidade de atendimento diário emergencial que fez parte
do Programa Redenção e era voltado ao atendimento multidisciplinar dos usuários
de drogas que se concentram na região. Para os movimentos sociais, o fechamento
do último equipamento de referência na região representa uma exposição ainda
maior das pessoas em situação de rua aos diversos efeitos da pandemia e a outras
vulnerabilidades, incluindo o aprofundamento da pobreza menstrual.
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Dignidade Menstrual: para quem?
NÚCLEO SÉ
Por: Giovanna Antonela Rondon Giovanella, Julia Köpf de Moraes Paulo, Sonia
Maria Reis da Costa Rêgo, Claudia Fegadolli
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Dignidade Menstrual: para quem?
O primeiro local inserido foi a Ocupação São João 588/288, antigo Hotel Columbia
Palace, que foi ocupado em 2010, após 27 anos de abandono. Hoje, ali vivem 81 famílias
com aproximadamente 300 pessoas. A ocupação é associada a dois movimentos por
moradia, o Movimento Sem-Teto pela Reforma Urbana (MSTRU) e a Frente de Luta
por Moradia (FLM). Além dessa, outra ocupação participante foi a Ocupação dos
Imigrantes Jean-Jacques Dessalines, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e
Favelas (MLB). Devido ao elevado número de refugiados haitianos, o nome da ocupação
é uma homenagem a Jean-Jacques Dessalines, um dos líderes responsáveis pela
libertação e independência do Haiti no início do século XIX. O antigo prédio foi ocupado
em 2021, durante a pandemia da COVID-19. Atualmente há cerca de 80 famílias vivendo
no local, principalmente famílias de migrantes ou refugiados.
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Dignidade Menstrual: para quem?
Roda de Conversa sobre Pobreza Menstrual e Saúde da Mulher na Ocupação da Rua Treze de Maio
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Dignidade Menstrual: para quem?
Foi esse o cenário reconhecido pelo núcleo coordenado pelo movimento Fluxo
Solidário, com suas estruturas, funcionamento e atores relevantes.
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Dignidade Menstrual: para quem?
NÚCLEO CANINDÉ/PARI
Por: Júlia Soares dos Santos, Juliana Freires dos Santos,
Amanda Alves Vilas Boas, Claudia Fegadoll
O terceiro núcleo esteve situado na zona central do município de São Paulo e incluiu
os bairros de Alto do Pari, Pari e Canindé. O bairro do Canindé está localizado entre
os bairros da Luz, Brás e Pari, estendendo-se até a marginal Tietê. Do outro lado do
rio e da marginal está o bairro da Vila Guilherme.
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Dignidade Menstrual: para quem?
Oficina de cartazes para 08 de Março – dia das mulheres trabalhadoras Roda de conversa sobre o combate à violência contra às mulheres
Lançamento do livro Guerras Culturais – em parceria com estudantes do curso de História da Arte da UNIFESP
Brechó realizado na Casa Laudelina – uma das atividades fixas que muitas vezes
serve de propaganda para outras atividades do espaço com foco no combate a
violência.
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Dignidade Menstrual: para quem?
O grande fluxo comercial nessa localidade fez com que o bairro fosse atrativo às
novas geração de imigrantes que chegam à cidade. Na região, há muitos bolivianos,
inclusive a feira boliviana acontece no bairro. Mas há pessoas de várias nacionalidades
e caminhar pelas ruas permitiu-nos ouvir conversas em árabe, espanhol, chinês
e outros idiomas. O bairro inclui também muitos descendentes de portugueses,
coreanos e palestinos.
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Dignidade Menstrual: para quem?
O território também conta com uma Unidade Básica de Saúde onde o movimento
constrói ativamente o conselho gestor, promovendo diálogos com as profissionais
da saúde e aprofundando uma parceria de ação no território sobre promoção das
ações da UBS e das atividades da Casa Laudelina no combate à violência contra à
mulher.
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Dignidade Menstrual: para quem?
AS VIVÊNCIAS DAS
PESSOAS COM A
MENSTRUAÇÃO
A partir do mapa estrutural, com seus principais fixos, fluxos e atores institucionais
e sociais, são aqui apresentadas as vivências de pessoas afetadas por diversas
vulnerabilidades, discutidas em alguns recortes: pessoas em situação de rua,
moradoras de ocupações, trabalhadoras do sexo, outras trabalhadoras formais e
informais.
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Dignidade Menstrual: para quem?
quantidade de pessoas nas ruas de São Paulo continua crescendo e era, em 2023,
superior a 42.240 pessoas, como mostra levantamento realizado pelo Observatório
Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua40.
Entre as pessoas que menstruam, o censo revelou que 57% utilizavam absorventes
ou coletores, a maioria absorventes descartáveis. Entre estas 36,1% relataram
acessar absorventes nos centros de acolhida, de convivências ou provenientes de
projetos, 35,5% compravam e 24% pediam nas ruas ou recebiam de doações41. Um
dado que mostra o grande percentual de 43% das pessoas que menstruam sem
acesso a absorventes ou coletores. Essa é uma das poucas informações disponíveis
sobre a dignidade menstrual das pessoas em situação de rua no município de São
Paulo.
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Dignidade Menstrual: para quem?
Conversei com uma mulher que me pediu para tirar minha calcinha e dar
para ela e também queria absorventes, mas naquele dia não tínhamos
(sobre uma mulher cis negra de 40 anos, que vive nas ruas desde os 16 anos)
Ainda que existam ações de apoio mútuo, os recursos alcançados para contenção
de fluxo e higiene não são suficientes para garantir dignidade menstrual.
Sofia, 25 anos, tem dois filhos gêmeos com 2 anos e está em situação
de rua após fugir de casa por agressão do seu companheiro. Nas
ruas ela passa muito tempo acordada e em estado de atenção
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Dignidade Menstrual: para quem?
com seus filhos, muitas das vezes mal se alimenta para garantir
a alimentação deles e com isso seu ciclo menstrual sofre muita
alteração, o uso dos absorventes que utiliza muitas vezes ela consegue
retirar no abrigo ou em último caso utiliza pano para substituir.
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Dignidade Menstrual: para quem?
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Dignidade Menstrual: para quem?
O ambiente escolar é ainda mais hostil para os jovens trans que menstruam:
Ele conta que, nesse ano, foi agredido e expulso do banheiro da escola
por outro aluno, que também o ameaça de estupro. Por sorte, a escola
tomou providências e expulsou esse aluno. Ele também conta do seu
incômodo com a menstruação, como se isso desvalidasse sua identidade
masculina, e muitas vezes, mata aula para não passar por transfobia na
escola.
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Dignidade Menstrual: para quem?
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Dignidade Menstrual: para quem?
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Dignidade Menstrual: para quem?
Vários relatos que visibilizam como essa população está sujeita a constrangimentos
e a situações de grande potencial de gerar problemas de saúde importantes. Fora
do período de trabalho, as mulheres também não têm direito à dignidade menstrual
referente ao acesso a produtos, principalmente os absorventes:
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Dignidade Menstrual: para quem?
quando está com poucos absorventes usa um por dia e limpa o sangue
que escorre com um paninho úmido, que depois descarta.
Como forma de superar este empecilho (da não aceitação dos parceiros
sexuais), elas utilizam bolas de algodão para estancar o sangue, algumas
utilizam a esponja da camisinha feminina e até esponja de lavar louça,
além de ser uma prática muito incômoda (isso foi unanimidade entre
elas) ainda correm o risco de não conseguirem retirar o algodão por
completo.
Para agravar a situação, elas não conseguem acessar os serviços de saúde com
qualidade. Nas conversas desenvolvidas sobre as possibilidades de interrupção da
menstruação por anticoncepcional e sobre a utilização de métodos de prevenção
de doenças ou de gravidez, identificou-se que há carência de conhecimentos
e dificuldade de acessar métodos, produtos e tecnologias no SUS. Há também
barreiras para acessar a assistência e o cuidado, com diversas tentativas frustradas
que as levam a resolver os problemas à sua maneira:
Fabi disse ter tentado a pílula, mas não ter se adaptado, por sentir dor de
cabeça e enjoo e que por último havia tentado a injeção, mas que ainda
tinha escapes durante o período.
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Dignidade Menstrual: para quem?
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AÇÕES DO PROJETO
Concomitantemente ao processo de mapeamento, o projeto foi desenvolvendo
articulações e ações no território voltadas à promoção da dignidade menstrual.
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Dignidade Menstrual: para quem?
Distribuição dos kits de higiene e absorventes para lideranças da região Cine-debate realizado em conjunto com estudantes do IFSP sobre
desenvolvimento de plano de ação no território dignidade menstrual
Debate com estudantes do curso de geografia do IFSP sobre acesso a dignidade menstrual no Pari
Distribuição dos kits de higiene e absorventes para lideranças da região desenvolvimento de plano de ação no território
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Dignidade Menstrual: para quem?
Apresentação do Projeto Dignidade Menstrual - UNIFESP Produção de kits de higiene com panfletos para conscientizar sobre
para o Conselho gestor da UBS/ AMA Pari dignidade menstrual
Campanha de apresentação do movimento Olga e das ações realizadas na UBS através do Conselho Gestor
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Dignidade Menstrual: para quem?
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CONCLUINDO,
SEM TERMINAR
A importância de colocar a dignidade menstrual como objeto das políticas
públicas foi ganhando força no desenvolvimento do projeto, que visibilizou os
diferentes sofrimentos e limitações produzidos pela vivência da pobreza menstrual,
nos diferentes grupos envolvidos. O projeto permitiu aprofundar o conhecimento a
respeito da produção de vida de pessoas que, embora vivendo no centro da maior
cidade do Brasil, seguem sem acessar políticas de assistência à saúde, assistência
social e moradia. Ficaram evidenciadas a precariedade e a insuficiência das estruturas
para garantir dignidade menstrual e condições de vida dignas à essas pessoas nos
territórios. Pessoas que são invisíveis ou que são objetos de preconceitos que
naturalizam as inúmeras violências exercidas sobre estas pelo poder público e pela
sociedade.
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Dignidade Menstrual: para quem?
E A UNIVERSIDADE
EM TUDO ISSO?
Um projeto que nasce da sensibilidade de movimentos sociais nos seus territórios
em articulação com a Universidade já carrega na sua origem uma provocação
importante, um convite para olharmos a relação da universidade com a produção
das vidas nos diferentes espaços onde ela acontece.
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Dignidade Menstrual: para quem?
Há uma aposta de que, estando ali com os alunos, eles possam aprender que,
mais do que adotar uma postura de quem ali está para ensinar algo às pessoas
que foram compondo o campo do trabalho, devem se abrir para aprender com os
encontros, se conectar com uma formação para a solidariedade e com a capacidade
de resistência e enfrentamento das desigualdades. Não é um uso do território
apenas como campo de aprendizagem, mas é produzir uma ação da universidade
no campo coerente com seu papel social.
Uma aposta de que levar a Universidade para os territórios e deixar que a vida
pulsante nesses entre na produção cotidiana desta é fortalecer a conexão com o
convite de Sergio Vaz: “os sonhos só acontecem quando a gente acorda”
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Dignidade Menstrual: para quem?
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REFERÊNCIAS
1. Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Estado da arte para promoção
da dignidade menstrual: avanços, desafios e potencialidades. Disponível em https://
brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/mapeamento_diginidade_mestrual_
final.pdf. acesso em: 04 out. 2023.
3. Cardoso LF, Scolese AM, Hamidaddin A, Gupta J. Period poverty and mental
health implications among college-aged women in the United States. Bmc Women’S
Health.Springer Science and Business Media LLC [Internet]. ;21(1):1-7 Disponível
em: https://bmcwomenshealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12905-020-
01149-5.pdf. acesso em: 01 set. 2022
4. Organização das Nações Unidas (ONU) Brasil. 62% das jovens que menstruam
já deixaram de ir à escola ou a outro lugar por causa da menstruação. Disponível
em:https://brasil.un.org/pt-br/136226-62-das-jovens-que-menstruam-j%C3%A1-
deixaram-de-ir-%C3%A0-escola-ou-outro-lugar-por-causa-da. acesso em: 01 set.
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Dignidade Menstrual: para quem?
10. Valle FAAL, Farah BF, Carneiro Junior N. As vivências na rua que interferem
na saúde: perspectiva da população em situação de rua. Saúde debate
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1104202012413
11. Richwin IF, Zanello V. Desde casa, desde berço, desde sempre”: violência e
mulheres em situação de rua. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 31(1):
e77926 DOI: 10.1590/1806-9584-2023v31n177926.
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15. Carvalho Motta MC, Brito MAPR. Pobreza menstrual e a tributação dos
absorventes. Confluências | Revista Interdisciplinar De Sociologia E Direito, 24(1),
33-54, 2022.
21. Cuiabá, MT. Lei nº 6712 de 01 de outubro de 2021. Institui e define diretrizes
para a política pública “Menstruação sem tabu”, de conscientização sobre a
menstruação e sobre a universalização do acesso a absorventes higiênicos, no
âmbito do município de Cuiabá/MT, na forma que indica. Diário Oficial eletrônico
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PARA QUEM?