2 - Educação Sociedade e Cultura

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Adair Adams

Antonio Escandiel de Souza


Denise da Costa Dias Scheffer
Fábio César Junges
(Organizadores)

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E
CULTURA

COLEÇÃO

v.1

Editora Ilustração
Cruz Alta – Brasil
2022
Copyright © Editora Ilustração

Editor-Chefe: Fábio César Junges


Imagens da capa: Freepik
Revisão: Os autores

CATALOGAÇÃO NA FONTE
E24 Educação, sociedade e cultura [recurso eletrônico] /
organizadores: Adair Adams ... [et al.]. - Cruz Alta :
Ilustração, 2022.
196 p. : il. - (Temas de Educação ; 1)

ISBN 978-85-92890-55-1
DOI 10.46550/978-85-92890-55-1

1. Educação. 2. Práticas socioculturais. I. Adams, Adair


(org.).
CDU: 37
Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720

2022
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora
Ilustração
Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Ilustração

Rua Coronel Martins 194, Bairro São Miguel, Cruz Alta, CEP 98025-057
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Dra. Odete Maria de Oliveira UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil
Dra. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil
Dra. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil
Dr. Tiago Anderson Brutti UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil

Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO�������������������������������������������������������������������13
Adair Adams
Antonio Escandiel de Souza
Denise da Costa Dias Scheffer
Fábio César Junges

Capítulo 1
REFLEXÕES DAS PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS E A
CIDADANIA���������������������������������������������������������������������������15
Denise da Costa Dias Scheffer
Dieison Prestes da Silveira
Jaime José Krul
Áurea Malheiros Fernandes

Capítulo 2
DESTINAÇÃO ADEQUADA DE RESÍDUOS DA
CONSTRUÇÃO CIVIL�����������������������������������������������������������25
Annamel Brigo Lüdtke
Gabriel da Trindade Rodrigues
Isadora Serrer de Menezes
Júlia Rodrigues Rauber
Deivid Jonas Silva da Veiga
Marcelo Loeblein dos Santos

Capítulo 3
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ADORNO E AS
SUAS CONTRIBUIÇÕES NA ÁREA DA EDUCAÇÃO�������39
Vani Wruch Leitzke
Educação, Sociedade e Cultura

Capítulo 4
O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DA CRIANÇA E
ADOLESCENTE E A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA
EXCEPCIONALIDADE����������������������������������������������������������49
Daiane Caroline Tanski
Carla Rosane da Silva Tavares Alves
Tiago Anderson Brutti
Solange Beatriz Billing Garcês
Sirlei de Lourdes Lauxen

Capítulo 5
SOCIEDADE E CULTURA NA ESCOLA DA INFÂNCIA:
DESCONSTRUINDO O PLANEJAMENTO PAUTADO EM
DATAS COMEMORATIVAS��������������������������������������������������63
Deise Vincensi Veit

Capítulo 6
QUESTÕES DE VIOLÊNCIA ESCOLAR: UM OLHAR
SOBRE AS FORMAS PREVENTIVAS DE BULLIYNG���������73
Gabriela Portela Azevedo
Julia Giovana Mera da Silva
Vanessa Steigleder Neubauer

Capítulo 7
NOTAS SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO, A TEORIA DA
ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E A INTERAÇÃO COM A
SOCIEDADE���������������������������������������������������������������������������87
Ciro Portella Cardoso
Elizabeth Fontoura Dorneles
Marcelo Cacinotti Costa
Tiago Anderson Brutti
Educação, Sociedade e Cultura

Capítulo 8
A SOCIALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO
ENSINO HÍBRIDO��������������������������������������������������������������101
Daiane Trichez Machado Penkal
Adriana Pereira dos Santos
Marco Antonio Ribeiro Merlin

Capítulo 9
PEDAGOGAS E PEDAGOGOS: CONTRIBUIÇÕES PARA O
DEBATE DA EDUCAÇÃO DO CAMPO����������������������������111
Jean Carlos Ferreira Dourado
Odair Ledo Neves
Raquel da Costa Barbosa

Capítulo 10
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E ATUAÇÃO DO
PROFESSOR��������������������������������������������������������������������������121
Jean Carlos Ferreira Dourado
Romário Pereira de Carvalho
Odair Ledo Neves

Capítulo 11
AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO EM
TEMPOS DE PANDEMIA���������������������������������������������������131
Raquel Schuquel da Luz de Oliveira

Capítulo 12
REPRESENTATIVIDADE FEMININA NA POLÍTICA:
UM ESTUDO ACERCA DO SISTEMA DE COTAS E O
REPASSE DE VERBAS NO MUNICÍPIO DE ROSÁRIO DO
SUL/RS�����������������������������������������������������������������������������������143
Jalusa de Souza Sampaio
Juliano Gonçalves Valli
Capítulo 13
O ENSINO BILÍNGUE E AS ATIVIDADES CLIL��������������165
Brenda Mourão Pricinoti
João Vítor Sampaio de Moura
Stefanne de Almeida Teixeira

Capítulo 14
O ENSINO DA LÍNGUA INGLESA EM ESCOLAS
BILÍNGUES ��������������������������������������������������������������������������183
Brenda Mourão Pricinoti
João Vítor Sampaio de Moura
Lorraine Caroline Nicomedes
Stefanne de Almeida Teixeira
APRESENTAÇÃO

E ducação, cultura e sociedade são conceitos que estão


interligados, direta ou indiretamente, pois em cada
um deles está presente o outro, seja como pressuposto, seja como
núcleo de sentido ou horizonte. Evidenciam as dimensões centrais
da humanidade. A sociedade se constitui pelas formalizações e
institucionalizações culturais que são aprendidas, vivenciadas,
compartilhadas e renovadas pela educação intergeracional. Assim, em
toda a diversidade de modos de ser e estar, os três conceitos expressam
aquilo que o humano é na história em seus contextos espaciais.
A perspectiva teórica da complexidade compreende a
sociedade como um conjunto de estruturas organizadas que integram
politicamente os acordos da convivência num mundo comum. O
ser humano ingressa em um mundo já constituído que precisa
compreender e, com isso, renová-lo. Essa condição manifesta que o
humano não está pronto de vez e é sempre inacabado, assim como
a educação, a cultura e a sociedade. Este plano, contudo, não está
dado para as novas gerações, de modo que precisa ser apreendido,
a fim de organizarem, ao seu modo, os modos de habitar o mundo.
Nesta perspectiva, somos seres que se constituem culturalmente em
sociedade, mediados pelo processo educacional.
O desafio do diálogo intersubjetivo/intercultural está em
compreender os conhecimentos que vão se objetivando na vida social
e cotidiana na sua relação com os saberes objetivados nas diversas
ciências. Com isso, a educação faz emergir o sentido do ser humano
numa perspectiva histórica e coletiva, em que todos possam ser
reconhecidos como sujeitos do processo que se organiza e estrutura
em formas de convivialidade. Dar prioridade a uma educação
compreensiva é fundamental para que o cuidado e a responsabilidade
pelo bem comum sejam democráticos e republicanos.
Essa comunicação sobre como o mundo é em que perspectiva
ele pode ser integra as perspectivas fundadas num sistema de
14
Educação, Sociedade e Cultura

referência à vida por meio da interpretação, da constatação,


da normatização e da expressividade individual, bem como as
perspectivas na situação de fala e nos seus diversos papéis. Com
isso, desenvolvem-se as dimensões de interação de saberes, tanto
dos falantes quanto dos observadores, em processo de integração
dialógica explícita e o das perspectivas do mundo percebidas como
alteridades na ordem objetiva, social, subjetiva, vinculadas pela
interação social e cultural.
Esta obra procura articular os conceitos de educação, cultura
e sociedade sob diversas lentes hermenêuticas. O tema que recorta
as reflexões que seguem é de que os sujeitos do processo educativo,
ao articularem esses saberes, têm em conta que o mundo passa a ser
mais diversificado e mais complexo tanto na aprendizagem quanto
na sua renovação. Mas a articulação dos saberes diversificados e
ampliados e a visão de suas inter-relações requer a mediação
exercida pelos saberes especializados como uma tarefa política.
Essa mediação entre saberes é uma das especificidades da educação
escolar enquanto espaço-tempo de preparação das novas gerações
para ingresso no mundo público como cidadãos.
Os textos são, outrossim, convites para a reflexão sobre a
condução da vida humana em sociedade que se dá na interrelação
entre a cultura e a prática educativa. A razão de ser da educação em
toda sua diversidade em sociedades organizadas está na produção
de aprendizagens capazes de modificar aqueles que por ela passam,
sejam em suas percepções, relacionamentos e modos de ser e estar
no mundo. A efetividade educacional está na incorporação daquilo
que nela se busca aprender/ensinar, ou seja, é preciso que ela se torne
corpo, se torne algo do ser daqueles que nela tomam parte e propiciar
que cada ser humano que chega ao mundo possa se tornar um índice
da humanidade, de carregar a marca do modo humano de ser.

Adair Adams
Antonio Escandiel de Souza
Denise da Costa Dias Scheffer
Fábio César Junges
(Organizadores)
Capítulo 1

REFLEXÕES DAS PRÁTICAS


SOCIOCULTURAIS E A CIDADANIA

Denise da Costa Dias Scheffer1


Dieison Prestes da Silveira2
Jaime José Krul3
Áurea Malheiros Fernandes4

Considerações iniciais

A s práticas socioculturais inerentes a vida em sociedade,


perfazem a construção das vivências coletivas dos sujeitos
para a cidadania, pautada em direitos e garantias de igualdade
acerca de ferramentas sociais na busca constante do tratamento
igualitário aos sujeitos diante do ordenamento jurídico, das relaçoes
socias e afetivas, buscando a comunicação entre sociedade, sujeito,
legislação e garantias, promovendo a construção da reflexão crítica
dos sujeitos em suas interações sociais.
O sujeito, ao longo dos tempos, projeta constantes
transformações para suas relações coletivas em sociedade, a partir
de um processo contínuo de organização social, onde mantem-se
regras ao meio onde se convive, buscando suas vivencias de grupo,
1 Universidade de Cruz Alta, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Práticas
Socioculturais e Desenvolvimento Social. Cruz Alta, RS, Brasil. Bolsista CAPES.
E-mail: dcdscheffer@gmail.com
2 Universidade Federal do Paraná, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e em Matemática. Curitiba, PR, Brasil. Bolsista CAPES.
E-mail: dieisonprestes@gmail.com
3 Universidade de Cruz Alta, Mestrando do Programa de Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social, Cruz Alta, RS, Brasil. E-mail: Jaime_krul@hotmail.com
4 Universidade de Cruz Alta, Graduação em Letras, Pós-Graduação em Gestão
Educacional e Supervisão Escolar. Cruz Alta, RS, Brasil. E-mail: aurea.fernadez1@
gmail.com
16
Educação, Sociedade e Cultura

nas palavras de Freud (2010), aponta o desenvolvimento das


práticas socioculturais, como a entrada no universo da cultura - a
práxis humana, as ações humanas em sociedade.
Contudo, o sujeito e seu desenvolvimento social a partir
das relações humanas comunicativas e interativas em comunidade
participam de diferentes frentes organizacionais coletivas, elevadas
as regras normativas sociais e jurídicas, estabelecidas e inseridas na
vida em sociedade, a partir da base familiar, da educação, da carreira
profissional, da cultura, entre outras. A partir dessas considerações
inicias, destaca-se que práticas socioculturais são as constituições
sociais decorrentes da interação social do sujeito que permitem
conviver na sociedade a qual o sujeito se integra.
Diante do exposto, o objetivo do artigo é analisar a
importância da reflexão formativa dos sujeitos diante dos direitos
de igualdade na sociedade, pelo viés das práticas socioculturais,
onde cada sujeito necessita perseguir sua busca constante formativa
da cidadania. A pesquisa utiliza, neste contexto, o embasamento
bibliográfico, de natureza qualitativa, conforme expõe Knechtel
(2014, p. 85), a pesquisa qualitativa é uma modalidade de pesquisa
que atua sobre um problema humano ou social [...], incluindo,
portanto, o conhecimento direcionado à temática proposta de
pesquisa e contextualização.
O artigo aborda a reflexão acerca da conceituação das
práticas socioculturais, pautado na discussão da cidadania, a partir
de elementos formativos dos sujeitos, eu sua liberdade de agir e
pensar, para o campo social dos valores éticos e morais, refletindo
desta forma o processo formativo dos sujeitos enquanto cidadãos e
sua participação no coletivo social.

As práticas socioculturais para a vida em sociedade

A sociedade contemporânea e suas relações sociais


constroem naturalmente suas práticas políticas e ideológicas, que
são direcionadas e influenciadas pela hegemonia de um modelo
17
Educação, Sociedade e Cultura

neoliberal - relações de dominação e superioridade de grupos sociais


sobre outros, o que tem contribuído, sobremaneira, à desintegração
social, como bem aponta Bauman (2000, p. 22):
Qualquer rede densa de laços sociais, e em particular, uma
que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser
eliminado. Os poderes globais se inclinam a desmantelar tais
redes em proveito de sua contínua e crescente fluidez, principal
fonte de sua força e garantia de sua invencibilidade. E são esse
derrocar, a fragilidade, o quebradiço, o imediato dos laços e
redes humanos que permitem que esses poderes operem.
Pode-se refletir a conceituação das chamadas “Práticas
Socioculturais”, que representam as ações coletivas e individuais
em diferentes maneiras de aprendizagem, a partir de atividades
mobilizadoras de valores, competência, habilidade e memórias
emergidas pela forma de ler, de se comunicar, de interpretar e
interagir em comunidade, além de maneiras acerca da realidade
sociocultural de cada sujeito (MIGUEL, 2010. p. 166).
Dessa forma, as práticas socioculturais corroboram para as
fragmentações humanas e sociais das vivencias coletivas. Pode-se,
portanto, partir de práticas sociais contra-hegemônicas constituir
a resolutividade dos problemas e conflitos da modernidade e para
os quais se busca a solução, no campo dos direitos e deveres, da
conduta cidadã do sujeito para sua formação social.
Já enfatizando as práticas socioculturais na perspectiva
da ecologia de saberes, a busca de conhecimento não científicos
não implica o descrédito do conhecimento científico. Implica,
simplesmente, a sua utilização na práxis. Trata-se, por um lado,
de explorar práticas científicas alternativas que se têm tornado
visíveis através das epistemologias pluralistas das práticas científicas
e, por outro lado, de promover a interdependência entre os saberes
científicos, produzidos pela modernidade ocidental, e outros
saberes, não científicos (SANTOS, 2010, p. 107).
A diversidade de saberes acerca da cidadania, aliado as
práticas socioculturais, no processo formativo dos sujeitos, oriundos
da educação, da cultura, da troca de experiencias, da democracia e
18
Educação, Sociedade e Cultura

das relações interpessoais, produzem a possibilidade de um novo


paradigma, no qual o conhecimento se assente “na independência
complexa entre os diferentes saberes que constituem o sistema
aberto do conhecimento em processo constante da criação e
renovação” (SANTOS, 2010, p. 157).
E, desta forma, permite-se que o sujeito, a partir do
conhecimento produza efeito acerca das práticas socioculturais
derivadas do (auto)conhecimento, do (inter)conhecimento, mas
principalmente, do (re)conhecimento individual da participação
dos sujeitos na vida em sociedade, pautada na igualdade e na
dignidade humana, perfazendo os preceitos da cidadania.
Desse modo, a sociedade atual tem naturalizado relações de
poder e dominação, presentes nas práticas políticas e ideológicas,
pelo poder de assimilação da cultura que possibilita que nos
aceitemos na condição de consumidores sem nos darmos conta
disso (BAUMAN, 2013).

A vida em sociedade e a cidadania

Os sujeitos constituem seu espaço para sobreviver na vida


em sociedade, de forma organizada, em uma relação contemporânea
de vivências e saberes elevados a formação dos sujeitos enquanto
cidadãos, trazendo, portanto, o dinamismo e o social para sua
convivência em grupo e proporcionando a busca da igualdade social
na formação dos sujeitos, a desigualdade dos direitos é a primeira
condição para que haja direitos, segundo Nietzsche (2018, p. 13).
Os fatores sociais gerados a partir das práticas socioculturais
e a cidadania podem ser definidos segundo Durkheim, como todos
os fenômenos que ocorrem na sociedade e que possuem interesse
social. Caracterizam-se como “[...] maneiras de agir, de pensar e
de sentir que apresentam a notável propriedade de existir fora das
consciências individuais” (DURKHEIM, p. 38, 2007), esses fatores
oriundos do contexto social, educacional e profissional perfazem
as relações humanas e sociais para os preceitos da cidadania dos
19
Educação, Sociedade e Cultura

sujeitos, relatadas acerca das práticas socioculturais.


Essa influência se dá de maneira a ser exercida no
pensamento e no comportamento do individual do sujeito, muitas
vezes exteriores às suas vontades, porém com certo poder de
regramento imperativo e coercitivo sobre aqueles que estão sendo
“dominados”. Durkheim explica que os sujeitos são confrontados
a novas dinâmicas sociais constantemente, tanto de forma livre,
quanto de forma coercitiva.
Ao se discutir as práticas socioculturais para a cidadania,
é preciso refletir acerca importância da educação neste processo,
conforme descrevem, Santos e Schnetzler (2003, p. 40), não há
como formar cidadãos sem desenvolver valores de solidariedade,
fraternidade, de consciência do compromisso social, de
reciprocidade, de respeito ao próximo, da dignidade humana acerca
das práticas socioculturais e a cidadania. Esta descrição perfaz a
evidenciação do pensar nos preceitos da formação cidadão, deve-
se pensar em atitudes, condutas e possibilidades de uma formação
humana, digna e que apresente reflexos na sociedade.
Nesse contexto, cabe dizer que: a educação para a cidadania
implica nas práticas socioculturais, sobretudo, para as relações
humanas baseadas na ética e na moral, educação fundamentada
nestes valores que norteiem o comportamento dos sujeitos e
desenvolva a aptidão para discutir decisões necessárias, sempre
voltadas para a coletividade (SANTOS; SCHNETZLER, 2003, p.
41).
Segundo o que descreve Delors (1998), os espaços sociais
devem propiciar contextos de aprendizagem que sobreponham a
descoberta de si e do outro, e que privilegiem a interação construtiva,
a realização de práticas socioculturais voltadas ao aprendizado
e “desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das
interdependências no respeito pelos valores do pluralismo, da
compreensão mútua e da paz” (DELORS, 1998, p. 102).
Dessa forma, as questões sociais envoltas nas relações socias
dos sujeitos, para a cidadania e direcionam o caminho percorrido
20
Educação, Sociedade e Cultura

ao longo dos anos na sociedade, com o desenvolvimento das


práticas socioculturais democráticas de liberdade e representação
dos sujeitos, sobre a condição social dos sujeitos, Michaliszyn
(2007, p. 41) explica:
As relações por nós estabelecidas em sociedade são definidas
através das estruturas sociais, que se organizam por meio de
instituições sociais. Estas agem como órgãos ou forças que
regulam as ações humanas, definindo os caminhos a serem
trilhados e estabelecendo as consequências pela adoção de
modelos desviantes e, portanto, indesejáveis a estrutura social.
Diante do exposto, fica claro que o comportamento
cidadão dos sujeitos deriva das relações de convívio, pelas regras
e valores individualizados, para que assim seja feita a construção
de elementos fundamentais da vida como a vida na educação, na
política, na economia, na religião e principalmente na cidadania.
Sobre a liberdade individual das práticas socioculturais e o
desenvolvimento social dos sujeitos, cabe destacar a exposição de
Elias (1994, p. 34):
Ao nascer, cada indivíduo pode ser muito diferente, conforme
sua constituição natural. Mas é apenas na sociedade que
a criança pequena, com suas funções mentais maleáveis e
relativamente indiferenciadas, se transforma num ser mais
complexo. Somente na relação com outros seres humanos é
que a criatura impulsiva e desamparada que vem ao mundo
se transforma na pessoa psicologicamente desenvolvida que
tem caráter de um indivíduo e merece o nome de ser humano
adulto.
E diante desta convivência em sociedade, da formação dos
sujeitos enquanto cidadãos, da dinâmica de seus direitos e deveres,
ampliando assim, seus saberes e conhecimentos inerentes a pessoa
humana, Elias (1994 p. 45), expõe seu raciocínio na seguinte
explanação:
Os atos de muitos indivíduos distintos, especialmente numa
sociedade tão complexa quanto a nossa, precisam vincular-
se ininterruptamente, formando longas cadeias de atos, para
que as ações de cada indivíduo cumpram suas finalidades.
21
Educação, Sociedade e Cultura

Assim, cada pessoa singular está realmente presa por viver em


permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas
cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais,
direta e indiretamente.
Coerente portanto, as normativas cidadãs dos sujeitos,
acerca de sua participação ativa enquanto cidadão, sua prerrogativa
atribuída de direitos e deveres elencados no ordenamento jurídico
perfaz as diretrizes fundamentais formativas das convicções de
(con) vivências em grupo e a organização dos preceitos éticos e
morais diante do conjunto cultural, familiar, educacional, social e
profissional na vida em sociedade.
Para a construção das práticas socioculturais, pautadas
na cidadania percorrem a etapa formativa dos sujeitos acerca da
narrativa constitucional, nas palavras de Scheffer (2021), percorre
a construção no campo social dos valores éticos e morais, em prol
da efetiva consolidação da garantia prática da dignidade da pessoa,
respeitando as relações interpessoais nas diretrizes coletivas de
cidadania aos sujeitos para a vida em sociedade.
A essência dos movimentos nas práticas socioculturais e a
cidadania, é preciso que haja a independência dos sujeitos, além
da caracterização prática dos direitos e deveres, além da igualdade
social e a dignidade humana na sociedade, para o acolhimento dos
saberes, das experiencias de ensino e aprendizagem na vida em
sociedade.

Considerações finais

Indivíduos, diante dos preceitos legais diretivos, demarcam


posicionamentos baseados na igualdade, na construção reflexiva dos
sujeitos, acerca da cidadania, fazendo parte do grupo identificado
como sociedade, na condição de ser humano, pela necessidade de
convivência, criando assim vínculos com outras pessoas, laços de
amor, amizade e afeto, para assim viver civilizado, tratando desta
forma da estrutura social e da construção das práticas socioculturais
nas relações humanas.
22
Educação, Sociedade e Cultura

O enfoque reflexivo que, para a sobrevivência da estrutura


social do país é preciso que cada indivíduo ocupe seu espaço,
viva de forma organizada e cumpra sua participação individual,
completando suas tarefas e obrigações estruturais, percorrendo
a liberdade democrática dos saberes jurídico acerca das práticas
socioculturais construídas na coletividade, fomentadas em valores
éticos e morais acerca do respeito, da dignidade da pessoa, da
igualdade, inclusão e a diversidade de povos convivendo em
harmonia na sociedade.
Portanto, a pesquisa realizada acerca da temática proposta
promove o cumprimento acerca do objetivo do artigo, em analisar
as práticas socioculturais e a cidadania a partir da discussão da
vida em sociedade dos sujeitos diante dos direitos de igualdade
na sociedade, pelo viés da cidadania, da legalidade, onde cada
indivíduo, pautado nas liberdades e nas garantias normativas devem
perseguir a busca constante formativa da vida cidadã.

Referências

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar,


2000.
BAUMAN, Z. A cultura no mundo líquido moderno. Tradução
Carlos Alberto Medeiros. =Rio de Janeiro: Zahar, 2013
DELORS, J. (Org). Educação: um tesouro a descobrir. São
Paulo: Cortez,1998.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. 10 ed.
Lisboa: Presença, 2007.
ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar,
1994.
FREUD, S. O mal-estar na cultura. Tradução de Renato Zwick.
Porto Alegre, RS: L&PM, 2010
KNECHTEL, M. do R. Metodologia da pesquisa em educação:
23
Educação, Sociedade e Cultura

uma abordagem teórico-prática dialogada. Curitiba: Intersaberes,


2014.
MICHALISZYN, M. S. Educação e Diversidade. Curitiba:
IBPEX, 2007.
MIGUEL, A. Percursos Indisciplinares na Atividade de
Pesquisa em História (da Educação Matemática): entre jogos
discursivos como práticas e práticas como jogos discursivos.
Bolema, v. 23, nº 35A, 2010.
NIETZSCHE, F. Humano Demasiado Humano. Tradução de
Antônio Carlos Braga. Ed. Lafonte, São Paulo, 2018.
SANTOS, B. de S. A gramática do tempo: para uma nova
cultura política. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SANTOS, W. L. P. dos; SCHNETZLER, R. P. Educação em
química: compromisso com a cidadania. Ijuí: Editora Unijuí,
2003.
SCHEFFER, D. C. D. Didática da formação de professores sobre
a abordagem dos direitos humanos pelo educador como formador
do cidadão. Research, Society and Development. 10(12), 1-7,
2021.
Capítulo 2

DESTINAÇÃO ADEQUADA DE RESÍDUOS


DA CONSTRUÇÃO CIVIL

Annamel Brigo Lüdtke1


Gabriel da Trindade Rodrigues2
Isadora Serrer de Menezes3
Júlia Rodrigues Rauber4
Deivid Jonas Silva da Veiga5
Marcelo Loeblein dos Santos6

1 Introdução

O presente trabalho, proposto pelo Vereador do


Município de Ijuí - RS, Matheus Pompeo, busca
encontrar possíveis soluções para a destinação adequada dos resíduos
sólidos da construção civil no município de Ijuí - RS e região.
Serão abordados a ascensão histórica do setor construtivo no Brasil
e a geração de seus resíduos, bem como os impactos ambientais
provocados pelo descarte inadequado e pela não reciclagem desses
rejeitos, permeando aspectos norteadores da Resolução CONAMA
n° 307/2002.
Nesse viés, a pesquisa possui o seguinte questionamento:

1 Aluna do Curso de Direito da UNIJUÍ, e-mail: annamel.ludtke@sou.unijui.edu.br


2 Aluno do Curso de Direito da UNIJUÍ, e-mail: gabriel.trindade@sou.unijui.edu.br
3 Aluna do Curso de Direito da UNIJUÍ, e-mail: isadora.menezes@sou.unijui.edu.br
4 Aluna do Curso de Direito da UNIJUÍ, e-mail: julia.rauber@sou.unijui.edu.br
5 Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola
Superior do Ministério Público - FMP (2022), e-mail: deividveiga96@gmail.com
6 Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul - UCS (2008), graduado em
Direito e Letras pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul - UNIJUÍ, e-mail: marcelos@unijui.edu.br
26
Educação, Sociedade e Cultura

De que forma a não regulamentação da destinação dos resíduos


da construção civil pode impactar a sociedade, e como regrar a
destinação dos rejeitos no âmbito municipal e regional?
A pesquisa tem por objetivo geral conciliar a atividade
da construção civil com as condições que conduzem a um
desenvolvimento sustentável consciente, menos agressivo ao meio
ambiente.
A fim de atingir a finalidade da pesquisa, primeiramente
abordar-se-á os aspectos históricos, sociais e econômicos que
desencadearam os resíduos da construção civil, contrastando
com a importância do desenvolvimento sustentável para reduzir
os impactos ambientais. No segundo momento, serão analisadas
as dificuldades da indústria em dar um destino adequado a estes
resíduos e como isso produz danos à natureza. Por fim, será
dissertado acerca das legislações que abrangem o tema da pesquisa,
apresentando um possível meio para que ocorra a devida orientação
dos remanescentes do setor construtivo.

2 Metodologia

Na realização do presente projeto será utilizado como


técnica de pesquisa a qualitativa-bibliográfica, pois tal método
propõe a imersão nos aspectos sociais e reais do problema abordado,
de modo que há destaque na visão subjetiva que a sociedade possui
(MINAYO, 2012) com enfoque nos impactos da destinação
inadequada de resíduos da construção civil.
Quanto ao método de abordagem, ressalta-se que será o
indutivo, que é qualificado por legitimar os sentidos, tendo em seu
procedimento a ideia de construção, originando-se do particular
para o geral, possibilitando a construção de conhecimento através
do processo de novas descobertas (VIEIRA; IGLESIAS, 2019).
Outrossim, como procedimento para a coleta dos dados,
será utilizado a Análise de Conteúdo embasado nos conhecimentos
de Bardin (2011), uma vez que essa modalidade visa a categorização
27
Educação, Sociedade e Cultura

dos dados, contemplando uma análise sob o enfoque qualitativo.


Esta categorização ocorrerá tanto na análise da legislação, como de
documentos pertinentes
Nesse sentido, serão observados os seguintes procedimentos:
a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em
meios físicos e na rede de computadores, interdisciplinares,
capazes e suficientes para a construção de um referencial
teórico coerente sobre o tema em estudo que responda o
problema;
b) leitura e fichamento do material selecionado, com a sua
devida reflexão crítica;
c) análise dos dados coletados;
d) confecção de uma campanha publicitária em rádio local,
visando conscientizar a população acerca da destinação
adequada de resíduos da construção civil;
e) propositura de projeto de lei à Câmara de Vereadores do
Município de Ijuí/RS, acerca da regulamentação do destino
dos resíduos da construção civil no município;
e) exposição dos resultados obtidos no curso da pesquisa
mediante a produção de um texto escrito.

3 Resultados e discussões

Em meados do século XX, especialmente na segunda


metade, o Brasil experimentou aceleradas transições urbanas que
transformaram rapidamente um país rural e agrícola em um país
urbano. Junto a isso, o Estado sofreu o fenômeno do êxodo rural,
ou seja, o deslocamento populacional do campo para a cidade. De
acordo com Fausto Brito (2006, p. 2), somente na década de 1960 a
população urbana tornou-se superior à rural. Diante disso, o rápido
processo de urbanização é um fenômeno estrutural relativamente
recente, tendo seu auge com o crescimento populacional urbano
entre os anos 1950 e 1970. Esse processo acelerado de urbanização
e crescimento de cidades do Brasil teve como consequência uma
28
Educação, Sociedade e Cultura

demanda expressiva por novas construções. Em função desse


aumento, o Brasil deparou-se com um grande número de pessoas a
serem alocadas nesses novos centros, o que fez com que os resíduos
da construção civil aumentassem consideravelmente.
Nesse sentido, a indústria da construção civil passou a
exercer influência sobre diversos setores da economia, seja através
de sua alta taxa de geração de emprego, renda e impostos, ou pela
geração de demanda em outros setores. Fialho et al. (2014, p. 1)
afirmam que o papel da construção civil como vetor do crescimento
econômico é usualmente mensurado pelo tamanho relativo do seu
produto como proporcionalmente à renda nacional e por sua ampla
rede de ligações setoriais e elevado efeito multiplicador de emprego.
Portanto, o setor construtivo no Brasil tem sofrido um aumento
imponente, gerando enormes quantidades de resíduos. Pesquisas
realizadas pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza e
Resíduos Especiais – ABRELPE (2020) mostram que os Resíduos
de Construção e Demolição (RCD) coletados pelos municípios
brasileiros registraram aumento quantitativo no período de 2010
a 2019, passando de 33 milhões de toneladas para 44,5 milhões.
Mediante isso, os resíduos da construção civil são materiais
advindos de obras e considerados inutilizáveis por não terem mais
a mesma serventia para a qual foram designados inicialmente.
Mais precisamente, segundo a Resolução CONAMA – Conselho
Nacional do Meio Ambiente – n° 307 (2002, Art. 2° Inciso I), a
qual estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão
dos resíduos da construção civil no Brasil, Resíduos da Construção
Civil, conforme segue:
[...] são os provenientes de construções, reformas, reparos e
demolições de obras de construção civil, e os resultantes da
preparação e da escavação de terrenos, tais como: tijolos, blocos
cerâmicos, concreto em geral, solos, rochas, metais, resinas,
colas, tintas, madeiras e compensados, forros, argamassa, gesso,
telhas, pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações, fiação
elétrica etc., comumente chamados de entulhos de obras,
caliça ou metralha.
29
Educação, Sociedade e Cultura

Partindo de todas essas premissas, é necessário entender


que somente será possível uma destinação adequada desses resíduos
se a sociedade compreender a importância do desenvolvimento
sustentável, ou seja, aquele que, como alega o Relatório Brundtland
(1987, p. 16), “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer
a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias
necessidades”. Diante disso, a sustentabilidade abrange diversos
núcleos, dentre eles o da construção civil. Esse setor, visando o
conceito sustentável, garante que sejam feitas ações que reduzam os
impactos ambientais e proporcionem uma boa qualidade de vida
para as gerações atuais e futuras.
Uma dessas atitudes, por exemplo, é o processo de logística
reversa, que, como estabelecido na Lei n° 12.305/2010, Art.
3°, inciso IV, é “um conjunto de ações, procedimentos e meios
destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao
setor empresarial, para reaproveitamento [...]”. Em outras palavras,
essa metodologia é um conjunto de estratégias e ações para recolher
os produtos utilizados de forma mais barata, ágil e sustentável, sem
causar danos ambientais.
Todavia, consoante a Müller e Piovesan (2017, p. 2), há uma
má disposição dos resíduos da construção civil, pois, seguidamente,
são dispostos em bota-foras clandestinos, em margens de rios ou
ainda em terrenos baldios. Isso se deve, principalmente, ao fato de
existirem falhas na fiscalização de legislações acerca da disposição
final ambientalmente adequada, bem como aos altos custos
que requer esse processo. Outro fator relevante que agrava essa
situação é a carência de conscientização da população em relação
a esse tema, colaborando com a falta de reutilização e reciclagem.
Logo, em concordância com Roth e Garcias (2009, p. 4), há
uma inexistência de consciência ecológica, o que gera altos danos
ambientais irreparáveis.
Concomitante a isso, a construção civil consome mais
materiais do que o necessário, sendo o setor responsável pelos
maiores índices de perda no Brasil. “Desperdício”, segundo o
Dicionário Online de Português (2022, n. p.), significa “ação ou
30
Educação, Sociedade e Cultura

efeito de desperdiçar, de não aproveitar da maneira como deveria;


falta de proveito; perda”. Na opinião de Vieira (2011, p. 19),
considerando os Sistemas de Gestão que têm sido desenvolvidos, é
inconcebível que a indústria da construção ainda seja sinônimo de
ineficiência e desperdício. Pedaços e sobras de madeira, aço, telhas,
tijolos, cimento e areia são exemplos das principais perdas materiais
desse ramo, segundo dados do MobussConstrução (2018, [s.p.]).
Essas grandes perdas fazem com que a atividade seja uma
considerável geradora de impactos ambientais, desde a extração e
consumo de recursos, na alteração de ambientes, até a geração de
resíduos.
No Brasil, quase que a totalidade dos resíduos da construção
civil são dispostos a céu aberto, como afirma Alcantara (2005,
p. 26), e, segundo Pinto (2005, p. 8), isto evidencia, falta de
efetividade ou, em alguns casos, a inexistência de políticas públicas
que disciplinam e ordenam o destino dos resíduos da construção
civil nas cidades que, associada ao descompromisso dos geradores
no manejo e, principalmente, na destinação dos resíduos, provocam
grandes impactos ambientais.
Ademais, Vieira (2011, p. 26) atesta que as deposições
incorretas, seja em bota-foras clandestinos ou em áreas irregulares,
trazem diversos prejuízos sociais e ambientais, sendo alguns deles
o assoreamento de rios, lagos e córregos, redução da drenagem nas
cidades, entre outros.
Nessa lógica, Roth e Garcias (2009, p. 4) reiteram que
esses impactos acabam provocando a formação de áreas degradadas
que ocorrem em três etapas do processo construtivo: na aquisição
de materiais, considerando a retirada de matéria-prima natural
e o fabrico de produtos, na etapa de execução das obras civis,
propriamente ditas, e na fase de disposição final dos resíduos gerados
pela construção. À vista disso, conclui-se que os principais impactos
sanitários e ambientais relacionados aos resíduos de construção e
demolição talvez sejam aqueles associados às deposições irregulares.
No que tange à legislação, a Carta Magna da República
31
Educação, Sociedade e Cultura

Federativa do Brasil legisla sobre o meio ambiente em seu artigo


225:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras
gerações.
Além da Constituição, existem duas leis principais que
regulam sobre o tema referente aos resíduos sólidos no Brasil.
Conforme o Ministério do Meio Ambiente (2022, [s.p.]),
a Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, que institui a Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), é bastante atual e prevê a
prevenção e a redução na geração de resíduos, tendo como proposta
a prática de hábitos de consumo sustentável e um conjunto
de instrumentos para propiciar o aumento da reciclagem e da
reutilização dos resíduos sólidos e a destinação ambientalmente
adequada dos rejeitos. Segundo o Artigo 4° desta lei:
Art. 4o A Política Nacional de Resíduos Sólidos reúne o
conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes,
metas e ações adotados pelo Governo Federal, isoladamente
ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal,
Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e
ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos
sólidos.
Outrossim, a Resolução n ° 307 do CONAMA (Conselho
Nacional do Meio Ambiente), criada no dia 5 de julho de 2002,
considera, define e classifica os tipos de resíduos gerados nas obras,
bem como estabelece possíveis destinos para os mesmos, além
de atribuir responsabilidades aos poderes públicos municipais e
aos geradores de resíduos. O Artigo 3° da resolução classifica os
resíduos da construção civil em Classe A (resíduos reutilizáveis ou
recicláveis como agregados), Classe B (resíduos recicláveis para
outras destinações), Classe C (são os resíduos para os quais não
foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente
viáveis que permitam a sua reciclagem ou recuperação) e Classe D
32
Educação, Sociedade e Cultura

(resíduos perigosos oriundos do processo de construção).


Esta mesma resolução, em seu Artigo 4°, define como
principal responsável, pelo destino dos resíduos, o próprio gerador,
que deve ter como objetivo, em primeiro lugar, a não geração de
resíduos, e posteriormente a redução, a reutilização, a reciclagem, o
tratamento dos resíduos sólidos e a disposição final ambientalmente
adequada dos rejeitos. O Artigo 9° da Resolução CONAMA n°
307 determina:
Art. 9º Os Planos de Gerenciamento de Resíduos da
Construção Civil deverão contemplar as seguintes etapas:
I - Caracterização: nesta etapa o gerador deverá identificar e
quantificar os resíduos;
II - Triagem: deverá ser realizada, preferencialmente, pelo
gerador na origem, ou ser realizada nas áreas de destinação
licenciadas para essa finalidade, respeitadas as classes de
resíduos estabelecidas no art. 3º desta Resolução;
III - Acondicionamento: o gerador deve garantir o
confinamento dos resíduos após a geração até a etapa de
transporte, assegurando em todos os casos em que seja possível,
as condições de reutilização e de reciclagem;
IV - Transporte: deverá ser realizado em conformidade com as
etapas anteriores e de acordo com as normas técnicas vigentes
para o transporte de resíduos;
V - Destinação: deverá ser prevista de acordo com o estabelecido
nesta Resolução.
No que diz respeito à destinação desses rejeitos, o Artigo 10
da resolução prevê:
Art. 10 Os resíduos da construção civil deverão ser destinados
das seguintes formas:
I. Classe A - deverão ser reutilizados ou reciclados na forma
de agregados, ou encaminhados a áreas de aterro de resíduos
da construção civil, sendo dispostos de modo a permitir a sua
utilização ou reciclagem futura;
II. Classe B - deverão ser reutilizados, reciclados ou
33
Educação, Sociedade e Cultura

encaminhados a áreas de armazenamento temporário, sendo


dispostos de modo a permitir a sua utilização ou reciclagem
futura;
III. Classe C - deverão ser armazenados, transportados
e destinados em conformidade com as normas técnicas
específicas. IV. Classe D - deverão ser armazenados,
transportados, reutilizados e destinados em conformidade
com as normas técnicas específicas.
Conforme Spadotto e Batista (2017, p. 10), a ABNT
(Associação Brasileira de Normas Técnicas) possui, desde julho
de 2004, cinco normas técnicas (NBR 15.112, 15.113, 15.114,
15.115) que tratam do assunto, estabelecendo diretrizes para o
manejo e uso correto de resíduos da construção civil.
Por conseguinte, é indispensável que a comunidade adote
medidas que busquem mitigar os impactos ambientais. Isso é
possível por meio do princípio dos três R’s: reduzir, reutilizar e
reciclar. Reduzir implica diminuir o consumo e o desperdício, evitar
a geração de resíduos. Reutilizar produtos e materiais é atribuir uma
nova função ao que seria descartado. Reciclar significa proceder
à transformação físico-química de um material para obtenção de
um novo produto ou matéria-prima, consoante Barbosa e Ibrahin
(2014, p. 121).
Destarte, uma alternativa inovadora são os chamados
Ecopontos. Como definido por Brito (2003, p. 2):
Ecopontos são instalações criadas para recebimento gratuito,
em caixas metálicas de 5m³, de entulhos de obra, galhadas
e outros materiais inservíveis, transportados por carroceiros
e pela população em geral. Os ecopontos recuperam áreas
degradadas e se constituem em alternativa para milhares de
pessoas que, de outra forma, jogavam os resíduos nas ruas.
A criação de Ecopontos visa incentivar e auxiliar os moradores
a dispor dos resíduos de forma correta e despertar a educação
ambiental na população. Desse modo, a Prefeitura Municipal de
Engenheiro Coelho, junto à Universidade São Francisco (2019, p.
13), estabelece que “os Ecopontos tem o intuito de classificar os
34
Educação, Sociedade e Cultura

materiais para reaproveitamento e destinação final ambientalmente


adequada, evitando descarte incorreto e poluição da cidade”.
Após todas essas ponderações, é nítido que a indústria da
construção civil tem grandes proporções e é de suma importância
para a vida humana, porém é altamente poluente e necessita de
cuidados. desenvolver soluções para a redução do impacto ao
ecossistema existente, sem comprometer suas obrigações para com
a sociedade.

4 Considerações finais

Como resultado final do desafio proposto, primeiramente


elaborou-se um Projeto de Ecopontos para ser apresentado à
Prefeitura de Ijuí - RS. A implantação dos Ecopontos no município
tornará a população mais consciente, e mostrará a importância
de reciclar, reutilizar e reduzir o consumo desenfreado, já que o
consumo deve ser consciente e controlado, visando apenas suprir
as necessidades.
Para que esses Ecopontos locais vigorem de forma adequada,
também se criou um Projeto de Lei Municipal que institui o Plano
Integrado de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil
para o Município de Ijuí. Esse projeto será apresentado ao vereador
Matheus Pompeo, que, se considerá-lo adequado, o levará à Câmara
de Vereadores.
Por fim, com o intuito de que essas propostas atuem
convenientemente, a conscientização da população local e regional
foi feita por meio de uma entrevista no programa Rizoma Rádio
UNIJUÍ FM 106.9, onde foi exposto a importância da consciência
ambiental, principalmente no que tange aos resíduos da construção
civil.
Portanto, as três soluções propostas são capazes de reger
a problemática da destinação dos resíduos da construção civil na
região de Ijuí, atendendo ao desafio proposto neste trabalho.
35
Educação, Sociedade e Cultura

Referências

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Educação, Sociedade e Cultura

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em: 8 abr. 2022.
Capítulo 3

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE


ADORNO E AS SUAS CONTRIBUIÇÕES
NA ÁREA DA EDUCAÇÃO

Vani Wruch Leitzke1

1 Introdução

O presente artigo é resultado de pesquisa bibliográfica


realizada na disciplina de Sociedade, Cultura e
Cidadania do curso de Mestrado em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta, região
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. O referido artigo
irá tratar sobre a educação para o pensar autônomo e também a
educação após Aushiwtz na perspectiva de Theodor Adorno, ambas
repercutem temáticas que nos dias atuais são focos de discussão e
pesquisa. Adorno, indignado com a situação dos oprimidos frente
a segunda guerra mundial, faz menção ao campo de concentração
como um exemplo de barbárie cometida por indivíduos contra
eles mesmos. Estudioso em um contexto histórico onde o regime
fascista atuava na sociedade como centro de uma mentalidade, o
autor procurou concentrar seus estudos demonstrando ser influente
em vários âmbitos da sociedade.
Considerando o contexto referido nos estudos, a pesquisa
busca responder as seguintes questões: Qual a relevância em
pesquisar um evento ocorrido há tanto tempo como Auschwitz? E,
qual a sua relação com a área da educação? Qual a importância de
desenvolver a autonomia através da educação?
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Prática Socioculturais e
Desenvolvimento Social da universidade de Cruz Alta - Unicruz. E-mail: vani-
leitzke@bol.com.br
40
Educação, Sociedade e Cultura

O autor diz que enquanto a sociedade contar com os fatores


que levaram ao ocorrido em Auschwitz, tal barbárie continuará
acontecendo (ADORNO, 1995). Infelizmente, mesmo com o
término desta subversão alemã, muitos aspectos que levaram a
esse triste acontecimento, ainda estão presentes na sociedade. O
que culminou na morte de inúmeras pessoas, o nazismo e os seus
reflexos se consumavam, de diversas maneiras. Atualmente mesmo
não contando com a sua incontestável superioridade, ainda existem
alguns resquícios da sua cultura. O que justifica a intenção da
pesquisa.
Adorno chama a atenção que estes resquícios, e também,
todos aqueles aspectos que levaram à tal calamidade histórica,
servirão de base para a referida pesquisa, portanto, “deve-se
conhecer os mecanismos que tornam os homens assim, ou seja,
que os tornam capazes de tais atos” (ADORNO, 1995, p. 120).
Portanto, frente a tal degradação dos homens, é preciso entender
quais os motivos que os levaram a cometer tamanho genocídio.
A compreensão dos fatos é uma forma de supera-los atualmente,
e pode ser considerada como uma esperança que Auschwitz seja
considerada como algo isolado, e como parte de um contexto que
se mantem.

2 Procedimento metodológico

O percurso de análise constituído na minha pesquisa foi


baseado na leitura de vários textos que serviram de suporte para
o trabalho de pesquisa aqui desenvolvido. Portanto, realizei uma
pesquisa bibliográfica com o objetivo de expandir a rede de sentidos
em cada uma das perspectivas aqui confrontadas, consideradas
relevantes e merecedoras de serem discutidas e analisadas.
Durante os desdobramentos da pesquisa foi possível um nível de
compreensão a respeito do tema inicial que tornou o trabalho mais
interessante do que imaginei.
41
Educação, Sociedade e Cultura

3 Resultados e discussões

Theodor Adorno (1903-1969) foi um sociólogo e filósofo


alemão que dedicou a sua vida ao entendimento dos processos de
formação do homem na sociedade. Ele foi um dos fundadores da
Escola de Frankfurt, corrente de pensamento do início da década de
1920 fundamentada na basicamente na ideologia marxista. Adorno
desempenhou um papel importante na investigação das relações
humanas. Ele queria entender a lógica da burguesia industrial
para defender mudanças na estrutura social e, com esse propósito,
acabou entrando no campo da educação mesmo não sendo não
sendo considerado por especialistas um teórico da área.
O autor tendo sua origem em uma família bem-sucedida,
formou-se em Sociologia, Filosofia e Artes. Ele era filho de uma
cantora lírica, estudou piano e, entre 1921 e 1932, publicou vários
artigos sobre crítica e estética musical. Ainda muito jovem, tornou-
se doutor em Filosofia e foi um dos fundadores da Escola de
Frankfurt. Alguns anos depois, tornou-se professor da Universidade
de Frankfurt.
Adorno fez críticas em relação a educação, para
compreendermos seus pensamentos é importante compreender
as críticas que ele faz à indústria cultural, que foi considerada
como a responsável por prejudicar a capacidade humana de agir
com autonomia. O tema foi tratado pela primeira vez em 1947 na
obra: A Dialética do Esclarecimento, que ele escreveu em parceria
com Horkheimer (1895-1973), também fazia parte da Escola
de Frankfurt. Eles disseram que a nossa consciência é dominada
pela comercialização dos bens culturais o que eles chamaram de
“semiformação”.
Segundo Adorno, existe um processo na sociedade
capitalista que de aliena o homem da sua própria condição de
Vida”, o que explica Rita Amélia Teixeira Vilela. Partindo dessa
discussão facilita o entendimento da crítica adorniana à escola,
para o autor, a crise da educação é, na verdade, a crise da formação
cultural da sociedade capitalista como um todo. De acordo com
42
Educação, Sociedade e Cultura

ele, o problema da Educação está no afastamento do seu principal


objetivo, que é promover o domínio pleno do conhecimento
e a capacidade de reflexão. E assim, a escola, se transformou em
simples instrumento a serviço da indústria cultural, que trata o
ensino como mercadoria pedagógica que colabora para como ele
disse para a “semiformação”. Segundo o autor, com essa perda de
valores, vai se anulando o desenvolvimento da autorreflexão e da
autonomia humana.
Se a escola banalizar o conhecimento, infelizmente o aluno
será induzido a deixar de ler com profundidade as principais
obras literárias, por exemplo, dando lugar à apreciação somente
de algumas partes necessárias para a resolução de algumas
questões. Sendo assim, o ensino se torna fragmentado e o trabalho
pedagógico está somente orientado para conseguir a aprovação em
trabalhos e um diploma”. Seria o que chamamos de “decoreba”
de respostas prontas, ao invés de estimularmos o nosso aluno a se
tornar um ser autônomo que seja capaz de refletir, considerando
que o conhecimento é o que liberta, é o que vai colaborar para uma
mudança significativa de vida.
Adorno considerava que a verdadeira emancipação somente
poderia ocorrer através da educação. Em alguns momentos,
pode parecer que Adorno era contra a educação. Mas muito pelo
contrário. Ele criticava o processo pedagógico porque tinha a plena
certeza da capacidade que a escola tem de transformar as relações
sociais. Adorno defende na sua obra que o homem pode alcançar
a liberdade pela formação acadêmica, mas defende sempre, porém
uma formação de amplitude humanística. Para o autor, o ensino
precisa ser considerado como uma arma à indústria cultural p
medida em que contribui para a formação da consciência crítica e
permite que o indivíduo desvende as contradições da coletividade.
O autor defende um processo educacional capaz de criar
e manter uma sociedade baseada na dignidade e no respeito às
diferenças. Segundo ele, o mundo estaria danificado pela falta de
capacidade dos indivíduos de resistir ao processo de sua própria
alienação. Mesmo quando a educação considerada ideal estiver
43
Educação, Sociedade e Cultura

limitada e condicionada a uma realidade nada promissora, Adorno


prega um projeto pedagógico que consiga libertar da opressão e da
massificação. O caminho para isso é formar um indivíduo culto,
com conhecimentos científicos, humanos e artísticos, preparado
para uma vivência democrática. “A perspectiva sociológica de
seu pensamento fazia com que ele considerasse a escola como a
instituição capaz de formar o homem não dominado, pleno de
autonomia de pensamento e ação em todas as instâncias da vida
social”, diz Rita Amélia, “esse homem resistiria ao processo de
massificação e de adaptação cega à ordem estabelecida.”
Adorno acreditava que a da sociedade capitalista impunha
um mecanismo de sujeição do indivíduo à vontade de terceiros,
tornando assim o homem ser igual aos demais e automaticamente
perdendo a sua individualidade. Sendo assim, o indivíduo
perderia a sua capacidade de pensar e agir por sua conta própria
e, consequentemente, de ser solidário e respeitar o próximo. Na
opinião dele, somente essa alienação poderia explicar uma situação
tão grave como a barbárie presente na sociedade - Adorno utiliza o
Holocausto e os campos de concentração como símbolos máximos
da selvageria humana.
E para tanto ele escreve Educação após Auschwitz, onde
diz que qualquer discussão na área da educação que não se faça
pensando na barbárie ocorrida em Auschwitz não tem valor algum,
e também que isso é algo a qual toda educação se opõe. Quando
o autor fala sobre essa prática que aconteceu na segunda guerra
mundial ao âmbito escolar, ele é o autor é chama a atenção que os
processos sociais que levaram à tanta tristeza devem ser extintos
para não corrermos o risco que Auschwiz se repita. E afirma ainda
que a educação é o caminho para que isso ocorra.
O autor afirma que a educação na primeira infância, desse
ser considerada como primária à formação do indivíduo enquanto
ser social e histórico. Ele faz um resgate a psicologia, explicando
este fato e apontando para “os caracteres em geral, mesmo os que
no decorrer da existência chegam a penetrar os crimes, já se formam
na primeira infância” (ADORNO, 1995, p. 121). Sendo assim, é
44
Educação, Sociedade e Cultura

nela que se inicia um processo de esclarecimento, e formação de


valores que irão corroborar para a formação geral dos indivíduos.
Como já foi citado anteriormente, o autor afirma que um
indivíduo para ser capaz de cometer tais atos é porque não tem a
capacidade realizar uma reflexão interna, ou seja, que é “carente
de reflexões sobre si mesmo” (ADORNO, 1995). Ele diz que a
educação, só se faz quando possibilita a autorreflexão. Quiçá tenha
sido tal carência que levou a sociedade a um e episódio tão trágico.
O autor, indica esta, como uma possível hipótese acerca dos motivos
que levaram a barbárie, cita. Depois de várias argumentações, o
autor conclui que o elemento propício ao combate para que esta
barbárie não ocorra é a autonomia dos indivíduos.
De acordo com o autor é indispensável que se tenha “força
para a reflexão, para a autodeterminação, e para a não-participação
"(ADORNO, 1995 p. 124). No entanto, esta autonomia é
relacionada com a educação, logo que, Adorno havia a mencionado
anteriormente. Seguindo esta lógica, aponta que o indivíduo capaz
de cometer estes atos é aquele que não realiza uma reflexão interna,
ou seja, que é “carente de reflexões sobre si mesmo” (ADORNO,
1995). Afirma que a educação, no entanto, só se faz quando
possibilita a autorreflexão.
Se remetendo à educação, e fazendo uma crítica àqueles
que a permeiam através do aspecto da dureza, já que, esta deve
despertar para a superação deste ao invés de incentivá-lo, devendo
isso também acontecer com os esportes, o autor diz que:
A concepção de que a virilidade signifique o máximo de
capacidade para suportar já se transformou há tempos
em símbolo de um masoquismo que –como demonstra a
psicologia- se funde com demasiada facilidade ao sadismo [...]
Aquele que é duro contra si mesmo, adquire o direito de sê-lo
contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade
de demonstrar, que precisou reprimir. (ADORNO, 1995, p.
127).
Quanto aos preconizadores de Auschwitz, Adorno evidencia
agora, algumas características aos indivíduos que o concretizaram.
45
Educação, Sociedade e Cultura

Ele menciona o caráter manipulativo, mania de organização,


incapacidade de vivenciar experiências humanas em geral, falta de
emotividade e realismo exagerado. Diz ainda que, estes tipos podem
ser vistos naqueles delinquentes juvenis, chefes de quadrilhas dentre
outros que nomeiam os noticiários. O autor chama a atenção para
a necessidade de entender este caráter manipulativo deficiente, o
denominando como: consciência coisificada, ou seja, “um consciente
que rejeita tudo que é consequência, todo o conhecimento do
próprio condicionamento, e aceita incondicionalmente o que está
dado" (ADORNO, 1995, p. 130).
Outro ponto que o autor chama a atenção é a falta de amor
aos homens, mas sim, a uma exagerada valorização aos objetos que
resultam em uma falsa felicidade através da realização momentânea.
Ele, afirma de forma generalizada que:
Todas as pessoas hoje, sem qualquer exceção, sentem-se mal-
amadas, porque não são capazes de amar suficientemente [...]
A incapacidade de identificação foi, sem dúvida, a principal
condição psicológica para que algo como Auschwitz. Pudesse
acontecer no meio de uma coletividade relativamente civilizada
e inócua. (ADORNO, 1995, p. 134).
O autor considera, o elemento amor, como solução
desta barbárie poderia ser afirmado, porém, afirma que isso seria
incoerente, já que, como foi citado anteriormente este sentimento
não é habitável em nenhum dos seres humanos. Assim retorna à
questão da educação na primeira infância, chamando a atenção
para que quanto mais cedo e melhor forem tratados os indivíduos,
mais chances eles terão de cultivar em si estes aspectos de
humanização. No entanto, afirma, que cobrar esta ação dos pais,
também é ineficaz, considerando que estes também são produtos
desta sociedade. Considera impossível exigir isso dos professores e
outros profissionais, já que, sendo o amor imediatista, não poderia
se misturar com algo “arquitetado” (ADORNO, 1995).
Adorno (1995) pode ser considerado como um estudioso
muito a frente se deu tempo, sendo que visualizou questões naquele
tempo, que ainda hoje vivenciamos. Os seus apontamentos em
46
Educação, Sociedade e Cultura

ralação a educação também se fazem atuais, considerando os


aspectos que hoje ainda almejamos através dela.

4 Considerações finais

Alguns dos aspectos mencionados por Adorno em Educação


após Aushiwtz, atualmente são discutidos por diversos autores e
desenvolvidos em algumas teorias. A educação nos dias atuais,
precisa possibilitar a reflexão, a autonomia e um pensar ativo por
parte dos alunos, para estes sejam capazes de atuar no meio em que
vivem. Adorno menciona tais fatores, ainda que de forma direta
ou indireta, como fundamentais à uma educação que possa superar
àquela que possibilitou que Aushiwtz acontecesse. São esses pontos
relacionados à educação pensada por Adorno, que ele chama a
atenção em diversos momentos que a falta de reflexão, autonomia
e pensar crítico possibilitaram o levar dos indivíduos à submissão
inconsciente de um sistema onde humanos acabariam com outros.
Quando são pensados os elementos primordiais à educação
contemporânea, não se pensa especificamente em Aushiwtz, mas
sim, no desenvolvimento e formação dos indivíduos em suas
múltiplas potencialidades. Portanto, seria essa formação integral,
tão importante e decisiva para que atos de tamanha barbárie não
voltem a acontecer, já que, segundo Adorno, foi a incapacidade dos
homens de pensar de forma autônoma que os levaram a concluir
este ato. Sendo assim, um indivíduo completo em seus potenciais,
estará apto a desenvolver um raciocínio capaz de o impedir da
repetição de Aushiwtz.
O texto “a Educação após Aushiwtz” não trouxe tão a fundo
o pensamento de Adorno acerca da educação, porém, forneceu
elementos com os quais foi possível entender a postura do autor
frente a esta e seu papel na sociedade. Chamando a atenção para a
possibilidade de um retorno ao ocorrido em Aushiwtz, ele aponta
fatores que possam ter levado os indivíduos a cometerem tamanha
barbárie, e afirma que é possível a superação desta, para uma não
repetição atual, colocando a educação a frente mencionando sua
47
Educação, Sociedade e Cultura

importância desde a primeira infância. Considerando o contexto


histórico atual, bem como, sua base econômica capitalista, nota-
se na sociedade os elementos que demonstram os despreparos
causadores de Aushiwtz.
Considerando todas as reflexões que os textos trazem, é
possível perceber a importância dos estudos de Adorno e o quanto
se faz pertinente, mesmo que datado de décadas anteriores. Outro
fator que Adorno já chamava a atenção era o avanço da tecnologia,
e realmente é possível perceber e a muitos fatores ligados ao uso
delas, e notadamente alguns fatores de regressão foram instituídos,
influenciando a postura dos homens, em consequência o ambiente
escolar e todos os âmbitos sociais.

Referências

ADORNO, T. (1965-1966). Educação após Auschwitz. In:


Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1995, p.
119-154.
ADORNO, T. (1965-1966) Educação após Auschwitz. In:
Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1995, p.
119-154.
NOVA ESCOLA. Disponível em: https://novaescola.org.br/
conteudo/881/theodor-adorno-e-a-educacao-para-o-pensar-
autonomo acesso em 12-08-2021.
Capítulo 4

O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E A
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA
EXCEPCIONALIDADE

Daiane Caroline Tanski1


Carla Rosane da Silva Tavares Alves2
Tiago Anderson Brutti3
Solange Beatriz Billing Garcês4
Sirlei de Lourdes Lauxen5

1. Considerações iniciais

A Constituição Federal de 1988 prevê que o sujeito de


direitos compreendido na criança ou adolescente está
protegido pelo princípio da convivência familiar, onde assegura
que a criança possui o direito de conviver com os integrantes da sua
família, bem como assegura a prioridade da existência de vínculo
entre os componentes da família.
No entanto, a legislação prevê a possibilidade de retirar
a criança ou adolescente do seu ambiente familiar em situações
1 Universidade de Cruz Alta, mestranda em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento
Social, bolsistada CAPES. E-mail: daitans@hotmail.com
2 Universidade de Cruz Alta, professora e coordenadora do PPG em Práticas
Socioculturais e Desenvolvimento Social, Cruz Alta, RS, Brasil. E-mail: ctavares@
unicruz.edu.br
3 Universidade de Cruz Alta, professor do PPG em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social,Cruz Alta, RS, Brasil. E-mail: tiagobrutti@hotmail.com
4 Universidade de Cruz Alta, professora do PPG em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social, Cruz Alta, RS, Brasil. E-mail: sgarces@unicruz.edu.br
5 Universidade de Cruz Alta, professora do PPG em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social, Cruz Alta, RS, Brasil. E-mail: slauxen@unicruz.edu.br
50
Educação, Sociedade e Cultura

extremas de violação de direitos do menor, com o objetivo de


proteger o sujeito. Nessa situação, a criança ou adolescente
é colocado em uma entidade de atendimento denominado
acolhimento institucional, junto das demais crianças na mesma
situação.
No entanto, o funcionamento das entidades de acolhimento
institucional devem obedecer alguns princípios a fim de sempre
proteger o melhor interesse do menor, como o princípio da
excepcionalidade e da provisoriedade. O princípio da provisoriedade
prevê que o acolhimento do menor será por tempo determinado,
estipulando um prazo máximo de 02 (dois) anos.
O presente artigo estudará, especialmente, o princípio
da excepcionalidade que prevê que o acolhimento institucional
ocorrerá como última alternativa quando averiguada que a criança
ou adolescente está em uma situação de grave violação de seus
direitos.
O princípio da excepcionalidade busca assegurar o direito a
convivência familiar do menor, onde o Poder Judiciário irá priorizar
colocar a guarda provisória da criança ou adolescente sempre com
a família extensa antes de determinar a sua colocação em entidade
de acolhimento, sob pena de nova violação de direitos da criança
ou adolescente.

2 Conceituação do Acolhimento Institucional

O art. 227, caput, da Constituição Federal consagra o


princípio da convivência familiar, onde o legislador constituinte
prioriza o vínculo entre os integrantes da família (DI MAURO,
2017). Além disso, o Título I do Estatuto da Criança e do
Adolescente abarca os chamados direitos fundamentais da criança e
do adolescente, do qual, o Capítulo III por sua vez, prevê o direito
à convivência familiar e comunitária. A garantia da convivência
familiar se perfaz através de dois princípios basilares: o da proteção
integral e o da prioridade absoluta, ou seja:
51
Educação, Sociedade e Cultura

A entidade familiar dispõe de proteção constitucional, já


que o art. 226 da Carta Magna especifica proteção especial
pelo Estado da família. Esta possui um conceito dilatado,
abrangendo a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §
4º). A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem
já dispunha em seu art. XVI, que a família é o núcleo natural
e fundamental da sociedade. Finalmente, a Lei nº 12.010/09
elegeu a família natural como prioridade (art. 1º, § 2º),
entidade a qual a criança e o adolescente devem permanecer,
ressalvada a absoluta impossibilidade, devendo existir decisão
judicial fundamentada. Assim, nos procedimentos da infância
e juventude, a preferência é sempre de mantença do menor
junto aos genitores biológicos. Na impossibilidade, existe a
colocação em acolhimento familiar ou institucional (§ 1º).
Somente após acompanhamento técnico-jurídico verificatório
da inexistência de condições dos genitores, inicia-se a colocação
em lar substituto. (ISHIDA, 2015, p. 45).
Pode ser conceituado atualmente como o direito
fundamental da criança e adolescente a viver junto à sua família
natural ou subsidiariamente à sua família extensa, visto que trata-se
de uma ampliação do previsto no art. 9º da Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989) que prevê o direito da criança em não
ser separada dos pais contra a vontade dela (ISHIDA, 2015).
No entanto, o ECA prevê a existência do acolhimento
institucional, como uma extensão das entidades de atendimentos
destinadas à criança ou adolescente, onde o menor é tirado do
seu seio familiar por alguma circunstância de extrema violação de
direitos do indivíduo protegido por este Estatuto. Assim, Ashida
explica sobre essa entidade:
Entidade de abrigo ou abrigamento é a instituição destinada a
receber crianças e adolescentes em situação do art. 98. O ECA
distingue a entidade que desenvolve programa de acolhimento
familiar e a que desenvolve programa institucional. A lei
menorista elegeu o princípio da preferência da família natural
e na medida do possível, o abrigamento deve ser breve e
excepcional, devendo o menor retornar à sua família de origem.
As entidades abrigadoras de crianças e adolescentes, principais
52
Educação, Sociedade e Cultura

entidades que atuam junto à Vara da Infância e Juventude,


juntamente com a entidade governamental, devem obedecer a
parâmetros a seguir descritos: permissão de acompanhamento
da família; colocação em família substituta no caso de
impossibilidade dos genitores; tratamento individual;
não separação dos irmãos; desenvolvimento de atividades
educacionais; evitar as transferências; participação da sociedade
e na sociedade e preparação para o desligamento. A colocação
em família substituta deve ser comunicada à Vara da Infância
e Juventude, que é competente para tal ato (v. arts. 165 e ss).
Os dirigentes deverão elaborar relatório circunstanciado a cada
6 (seis) meses sobre a situação da criança ou do adolescente (§
2º). (ISHIDA, 2015, p. 246).
Cumpre ressaltar que o acolhimento institucional está
previsto no art. 101, inciso VII do Estatuto da Criança e Adolescente
e, de acordo com a doutrina, o acolhimento institucional possui o
seguinte conceito:
Compreende um regime de atendimento voltado ao
acolhimento provisório de criança ou adolescente, em
entidade de atendimento, quando constatada a necessidade
de afastamento do convívio com a família ou comunidade
de origem, por meio da aplicação da medida protetiva
homônima, até que seja viabilizada a sua reinserção familiar ou
a sua colocação em família substituta. Pode ser oferecido em
diversas modalidades, tais como o acolhimento institucional
para pequenos grupos, casa-lar, casa de passagem, república,
entre outros. (MACIEL, 2018, p. 365).
As entidades de acolhimento institucionais possui estratégias
que são baseadas em programas de atendimento, e, como estão
inseridas no âmbito da Infância e Juventude, possuem como público-
alvo pra crianças e adolescentes em situação de risco que, em razão
desta circunstância, são destinatários de programas de proteção, pra
adolescentes envolvidos na prática de atos infracionais, incluídos
em programas voltados a execução de medidas socioeducativas
determinadas judicialmente, observadas as normas procedimentais
apontadas nos arts. 171 a 190 do ECA (MACIEL, 2018).
Este é o sentido do art. 90, caput, do ECA que estabelecer
53
Educação, Sociedade e Cultura

que: “as entidades de atendimento são responsáveis pela


manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento
e execução de programas de proteção e socioeducativos destinados
a crianças e adolescentes” (BRASIL, 1990). E essas entidades
funcionarão “em regime de orientação e apoio sociofamiliar; apoio
socioeducativo em meio aberto; colocação familiar; acolhimento
institucional; prestação de serviços à comunidade; liberdade
assistida; semiliberdade; internação” (BRASIL, 1990).
Essas entidades destinadas ao acolhimento institucional
possuem princípios que estão definidos no artigo 92 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e esses princípios são reafirmados
tanto no documento de Orientações Técnicas (2009), quanto no
documento Orientações Técnicas - Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes:
1. Excepcionalidade do afastamento do convívio familiar –
procurar manter, estimular e fortalecer o convívio da criança
ou do adolescente com a rede primária de proteção – família
nuclear e extensa – e considerar o distanciamento da família,
uma situação excepcional e não comum. 2. Provisoriedade
do afastamento do convívio familiar – garantir a proteção da
criança ou do adolescente fora do ambiente familiar por prazo
muito curto, agilizando sua reinserção familiar, seja com seus
parentes, seja em família substituta, quando a família biológica
não puder protegê-los. (BERNARDI, 2010, p. 31).
Assim sendo, o acolhimento institucional quanto o familiar
regem-se pelo princípio da provisoriedade da medida, conforme
o § 1º do art. 101 do ECA, visando sempre assegurar o direito
fundamental à convivência familiar (MACIEL, 2013). Assim, de
forma a assegurar o princípio da provisoriedade, Maciel ressalta:
A lei estabelece como prazo máximo para a manutenção
da criança e do adolescente em programa de acolhimento
institucional, o período de 2 anos (§ 2º do art. 19 do ECA).
Assim, este também é o prazo máximo de duração do
procedimento destinado ao controle da medida de acolhimento
institucional; findo este prazo, deverá a criança ou o adolescente
estar com sua situação jurídica definida, ou seja, de volta ao seio
54
Educação, Sociedade e Cultura

de uma família - natural, extensa ou substituta - ou, em sendo


esta alternativa inviável, minimamente, inserida em cadastro
de adoção. Nesta última hipótese, o procedimento deverá
seguir, mediante decisão judicial fundamentada, e o plano
individual de atendimento tomará importância ímpar, com a
busca de estratégias aptas a minimizar os efeitos nocivos da
não convivência em família (ex.: fortalecimento da autonomia
e das redes sociais de apoio, transferência para programas de
família acolhedora etc.), enquanto se persiste na busca ativa
de pessoas interessadas na adoção. (MACIEL, 2013, p. 874).
Os princípios indicados no art. 92, I e II, do Estatuto da
Criança e Adolescente evidenciam, de acordo com Maciel (2018),
que o acolhimento institucional de criança ou adolescente deverá
funcionar como etapa precedente à sua futura reintegração familiar
ou, constatada a impossibilidade de retorno ao núcleo de origem,
à sua colocação em família substituta, sendo a sua permanência
no programa indesejável exceção e será objeto de determinação e
controle pela autoridade judiciária, conforme é possível se constatar
no art. 19, §§ 1º, 2º e 3º, do ECA, com redação dada pela Lei n.
13.257/2016.

3 O princípio da excepcionalidade no funcionamento das


entidades de Acolhimento Institucional

A inserção de crianças e adolescentes em programas


de acolhimento institucional devem obedecer o princípio da
excepcionalidade, o qual estabelece que somente após o esgotamento
de todos os recursos de manutenção na família de origem, será
possível o acolhimento da criança ou do adolescente (MACIAL,
2013).
O acolhimento institucional deve, portanto, ser visto como
última alternativa, sob pena de gerar nova violação o direito da
criança ou do adolescente, pois o acolhimento deve ser estabelecido
apenas quando a criança ou adolescente é submetido a situações
extremas, segundo BERNARDI (2010, p. 21):
55
Educação, Sociedade e Cultura

Situações graves de abandono, vitimização, exploração sexual


e de trabalho, desde que essas agressões não possam ser
interrompidas com sua permanência na família de origem
(natural ou extensiva), família de apoio ou mesmo junto
à sua comunidade. O acolhimento também se torna uma
necessidade quando a criança e o adolescente se encontram em
situação de abandono, fuga do lar e vivência de rua, situações
que denunciam vulnerabilidade social e pessoal. Assim,
entendemos que acolhimento institucional é uma das respostas
de proteção do Estado a situações específicas de violação de
direitos, quando esgotadas as possibilidades de resolução no
ambiente familiar e comunitário da criança e do adolescente
em questão. O abrigo tem a responsabilidade de zelar pela
integridade física e emocional de crianças e adolescentes que,
temporariamente, necessitem viver afastados da convivência
com suas famílias, promovendo formas de cuidado e de
educação em ambiente coletivo, pequeno e dotado de
infraestrutura material e humana capazes de proporcionar, ao
acolhido, condições de pleno desenvolvimento.
Dessa forma, é possível confirmar que a ocorrência do
acolhimento institucional é uma forma de resposta do Estado a
situações de graves violações de direitos da criança ou adolescente,
visando sempre o melhor interesse do menor e a sua devida proteção.
Essas violações graves de direito, de forma a exemplificar,
são apresentadas nas seguintes possibilidades: “os casos de
violência sexual, violência física, tráfico e uso abusivo de drogas
ou situações de negligência grave que comprometam a integridade
física e emocional da criança e que não possam ser solucionados
imediatamente” (BERNARDI, 2010, p. 28).
Vamos imaginar que uma criança de 6 anos cuide de seu irmão
de 6 meses na ausência de sua mãe, que trabalha fora. Esta é uma
situação comum em várias famílias brasileiras. Um profissional
ou conselheiro que tenha como pressuposto que crianças de
6 anos não têm capacidade de proteger adequadamente um
bebê poderá ver esta situação como de muito risco para ambas,
decidindo pela necessidade de uma intervenção. Para que a
intervenção ocorra, um estudo de caso deve ser realizado,
com base nas diretrizes fixadas pela normativa legal, visando
56
Educação, Sociedade e Cultura

à garantia ao direito de convivência familiar e comunitária e


priorizando ações protetivas da família, vista como um núcleo
de cuidado e de educação da criança. Segundo o artigo 100 do
ECA, na aplicação das medidas de proteção, deve-se levar em
conta as necessidades pedagógicas da criança e do adolescente,
dando-se preferência àquelas que visem ao fortalecimento
dos vínculos familiares e comunitários. Esta diretriz implica
que tanto a equipe interdisciplinar do Poder Judiciário
quanto o Conselho Tutelar e os serviços de diagnóstico a ele
relacionados devem contemplar todas as medidas protetivas
anteriores ao acolhimento institucional da criança e do
adolescente, trabalhando de forma interssetorial para que as
medidas voltadas à família possam ser efetivadas, de acordo
com as diretrizes do ECA. (BERNARDI, 2010, p. 27).
Porém, mesmo nessas situações mais extremas, deve-
se observar o princípio da excepcionalidade do afastamento do
convício familiar, em que primeiro devem ser buscadas soluções que
mantenham a criança protegida na família extensa ou em famílias
da rede de referência com vínculos já estabelecidos (BERNARDI,
2010).
Segundo Bernardi (2010), outras circunstâncias extremas
que pode acarretar o acolhimento institucional seria a internação
por motivo de doença ou encarceramento dos pais ou responsáveis,
nessas situações, “a criança ou o adolescente poderá ser encaminhado
para um serviço de acolhimento quando não há outro parente ou
pessoa próxima que possa se responsabilizar pelo seu cuidado,
mesmo que temporariamente” (BERNARDI, 2010, p. 21).
E, por fim, a última circunstância extrema que Bernardi
exemplifica como uma possibilidade de acolhimento do menor
seria: “crianças e adolescentes ameaçados de morte, incluídos
em programa de proteção, depois de esgotadas as possibilidades
de mudança de contexto e de inserção em outras famílias da
comunidade” (BERNARDI, 2010, p. 28).
Como visto acima, o ordenamento jurídico brasileiro
possui preferência aos programas de acolhimento familiar, se
comparados ao acolhimento institucional, que estão previstos
57
Educação, Sociedade e Cultura

nas regras constantes do art. 227, § 3º, VI, da CF/88, do art.


34 e parágrafos e, ainda, do art. 260, § 2º, ambos do ECA, com
alterações conferidas pela Lei n. 13.257/2016 (MACIEL, 2018).
Assim, Maciel (2018, p. 365) explana:
[...] Qualquer que seja o regime ou a modalidade de
acolhimento é, contudo, fundamental que o serviço oferecido
observe os princípios e as regras estabelecidas na legislação
estatutária (arts. 90, 91, 92, 93, 94, 100 e 101 do ECA) e
normas regulamentares, notadamente as constantes do Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária
e das Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento de
Crianças e Adolescentes, sobre os quais será possível se debruçar
mais adiante. Observe-se, desde logo, que a inobservância
dos princípios, exigências e finalidades do estatuto impede
as entidades que desenvolvem programas de acolhimento de
receber recursos de origem pública (art. 92, § 5º, do ECA).
Ou seja, de acordo com o Manual de Convivência Familiar
elaborado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (2014)
somente quando esgotadas todas as possibilidades de manutenção
na família de origem, inclusive com o suporte da família extensa
e a rede social de apoio, é que podem ser adotadas medidas
excepcionais, e sempre provisórias, como a inserção em programa
de famílias acolhedoras, em acolhimento institucional ou mesmo a
colocação em família substituta.
Antes de decidir pelo acolhimento institucional da criança
ou adolescente, sugestiona-se contactar pessoas próximas, como
tios, padrinhos, vizinhos etc., identificando a possibilidade dessas
pessoas de fornecer suporte à criança ou adolescente, além disso, a
rede também oferece os serviços necessários para que esses familiares
realizem o devido acolhimento do menor (ISHIDA, 2015).
Assim, segundo Ishida (2015, p. 46): “se o tio necessita de
subsídio para o transporte, a rede deverá providenciar esse suporte,
como, por exemplo, para levar ao tratamento médico. Isso para
evitar a eternização da criança ou adolescente no abrigo”. Ainda,
nesse sentido:
58
Educação, Sociedade e Cultura

A primeira das principais modificações trazidas com a nova


lei é a alteração do quadro acima apresentado, pois manteve
o legislador a possibilidade de promoção de acolhimentos
institucionais, de forma excepcional, pelo Conselho Tutelar/
própria entidade de acolhimento, mas desde que a decisão
de acolhimento institucional seja ratificada judicialmente
em ação cautelar a ser ajuizada pelo Ministério Público ou
de quem tenha legítimo interesse a tanto. A outra hipótese
é a comunicação de caso ao Ministério Público que deverá,
caso entenda inviável o imediato retorno ao convívio familiar,
ajuizar a necessária ação cautelar ou principal (destitutiva)
para obtenção de decisão favorável ao afastamento de
crianças/adolescentes do convívio familiar, com respectivo
acolhimento institucional. Resumindo: a) fica mantida a
possibilidade, excepcional, de acolhimento institucional pelo
Conselho Tutelar/própria entidade, hipótese em que deverá
ser ajuizada ação cautelar pelo Ministério Público para obter
decisão de manutenção/ratificação/homologação da decisão
administrativa excepcionalmente promovida pelo Conselho
Tutelar (CNMP, 2014, p. 18).
Vislumbra-se que para o ordenamento jurídico
hodiernamente vigente, tão relevante é o direito à convivência
familiar de crianças e adolescentes, com o objetivo de assegurar o
princípio da proteção integral, que o legislador não mediu esforços
em instituir mecanismos para a sua garantia, entre os quais merecem
destaque:
1) A inclusão, no Estatuto, de regra expressa segundo a qual a
ausência – ou exiguidade – de recursos materiais não autoriza
a perda ou a suspensão do poder familiar e, portanto, com
muito menos motivo, a institucionalização da criança ou do
adolescente vitimizados pela pobreza (art. 23 do ECA); 2) A
reavaliação da situação da criança ou adolescente inseridos em
programa de acolhimento, no máximo, a cada 6 meses, pela
autoridade judiciária competente (art. 19, § 1º, do ECA); 3) O
impedimento à permanência nos serviços de acolhimento por
prazo excedente a 18 meses, salvo comprovada necessidade,
fundamentada pela autoridade judiciária (art. 19, § 2º, do
ECA, com redação dada pela Lei n. 13.509/2017); e 4) A
necessidade de os Entes Federados – por intermédio dos
59
Educação, Sociedade e Cultura

Poderes Executivo e Judiciário – promoverem conjuntamente


a permanente qualificação dos profissionais que atuam direta
ou indiretamente em programas de acolhimento institucional
e destinados à colocação familiar de crianças e adolescentes,
incluindo membros do Poder Judiciário, Ministério Público e
Conselho Tutelar (art. 92, § 3º, do ECA). (MACIEL, 2018,
p. 370).
O princípio da excepcionalidade tem como decorrência
o princípio da preservação dos vínculos familiares, especialmente
porque a manutenção de laços familiares é de suma importância
para o pleno desenvolvimento do menor em diversos aspectos, de
acordo com Maciel (2018), há uma exigência de que os horários de
visita de qualquer membro da família sejam flexíveis o suficiente
para garantir a preservação, ou até mesmo o estreitamento, dos
laços afetivos existentes com a criança ou o adolescente.
Do princípio da preservação dos vínculos familiares,
também origina a compreensão de que qualquer proibição de visita,
voltada à pessoa específica da família, deverá ser necessariamente
precedida de ordem judicial (MACIEL, 2018), que representa o
entendimento estabelecido no §4º do art. 92 do ECA que:
salvo determinação em contrário da autoridade judiciária
competente, as entidades que desenvolvem programas de
acolhimento familiar ou institucional, se necessário com o
auxílio do Conselho Tutelar e dos órgãos de assistência social,
estimularão o contato da criança ou adolescente com seus pais
e parentes, em cumprimento ao disposto nos incisos I e VIII
do caput este artigo (BRASIL, 1990).
Todos esses princípios e regras estabelecidos no ECA são
estabelecidos de forma a minimizar o máximo possível a experiência
negativa que a criança tem ao ser tirada do seu seio familiar em
decorrência da necessidade do acolhimento institucional, visto que
essa experiência, normalmente, é vivida com a insegurança, e, por
vezes, com a dor, seja por causa do motivo que circunstanciou a
retirada da criança do meio familiar, seja pela própria ruptura com
o ambiente familiar com o qual a criança ou adolescente já haviam
se habituado.
60
Educação, Sociedade e Cultura

Com isso, a legislação busca evitar a todo o custo o


afastamento dos irmãos nessas circunstâncias, a fim de prevenir
novas perdas traumáticas (MACIEL, 2018), assim, a legislação
prioriza que os irmãos sejam tanto acolhidos institucionalmente,
quanto adotados de forma conjunta, de forma a não afastá-los do
convívio entre os irmãos.
A legislação prevê que eventual separação deverá ter uma
justificativa fundamentada. A intenção do legislador é garantir
a proteção dos laços fraternos, sobretudo devido à ruptura
dos vínculos com os pais biológicos, e com isso minorar o
sofrimento emocional decorrente do abandono. No caso de
irmãos em regime de acolhimento institucional, é natural
que se crie entre eles, na maioria dos casos, uma mutualidade
protetiva, em especial dos mais velhos em relação aos mais
novos. Na hipótese de o magistrado autorizar a separação
dos irmãos, a recomendação da Lei é no sentido de se tentar
manter, mesmo após a adoção, os laços de fraternidade. Se a
separação entre pais e filhos é um processo que impinge elevada
dor e sofrimento, igualmente o é a separação entre irmãos que
usufruam de afinidade e cumplicidade emocional (SOUSA,
2018).
Segundo Ishida (2015), a Lei nº 12.010/09 depende da
criação de um suporte, com apoio de escolas, agentes comunitários
etc, com isso, o acolhimento institucional também vislumbra o
princípio da incompletude institucional, que segundo Maciel
(2018), tem o objetivo de que a instituição destinada a esse fim
possua a obrigação de se articularem com a comunidade, utilizando-
se de todos os recursos ali disponíveis.
Esse princípio da incompletude institucional também tem
o objetivo de não isolar as crianças ou adolescentes das pessoas da
comunidade, permitindo e estimulando a sua interação, mediante
a participação em eventos externos ou nas dependências da própria
instituição, ou, ainda, com a permissão de visitas, desde que isso se
mostre salutar e hábil ao fortalecimento do convívio comunitário
(MACIEL, 2018).
Isso significa que à entidade não possui o objetivo de
61
Educação, Sociedade e Cultura

substituir a comunidade nas ofertas de atividades ali existentes,


como as quadras de esporte ou os cultos religiosos, ou em serviços da
competência das redes socioassistencial, de saúde ou de educação,
por exemplo.
Tudo isso porque a criança e o adolescente possuem o direito
fundamental de conviver na comunidade, ou seja, na coletividade,
abrangendo os mais variados locais, como o bairro onde residem, a
escola, o clube etc, visando as necessidades do menor, como o seu
perfeito desenvolvimento (ISHIDA, 2015).

4 Considerações finais

Ao finalizar esta pesquisa, conclui-se que as entidades de


acolhimento institucional caracterizam um serviço essencial para
o funcionamento da rede de apoio que visa à proteção da criança
e adolescente, especialmente porque são as entidades onde se
destinam as crianças que sofreram graves violações de seus direitos.
Normalmente, os menores que sofreram graves violações
de seus direitos se encontram em uma situação vulnerável e/ou
delicada, e com isso, com o fim de proteger o melhor interesse
do menor, o funcionamento destas entidades de atendimento
deve obedecer diversos princípios, entre eles o princípio da
excepcionalidade, visto que o acolhimento institucional do menor
deve ser determinado como uma última alternativa.
Além disso, constata-se que ao determinar o acolhimento
institucional do menor deve obedecer o princípio da excepcionalidade,
especialmente para obedecer o direito que a criança e adolescente
tem à convivência familiar, visando sempre assegurar o princípio
da proteção integral, contactando com pessoas próximas, como
tios, padrinhos, vizinhos etc., identificando a possibilidade dessas
pessoas de fornecer suporte à criança ou adolescente.
O princípio da excepcionalidade tem sua relevância dentro
do ordenamento jurídico, visto que propõe a manutenção de laços
familiares que é algo necessário para o pleno desenvolvimento do
62
Educação, Sociedade e Cultura

menor em diversos aspectos. Com isso, verifica-se a intenção do


legislador em garantir a proteção dos laços fraternos, sobretudo
devido à ruptura dos vínculos com os pais biológicos, e com isso
minorar o sofrimento emocional decorrente do abandono.

Referências

BERNARDI, Dayse C. F. Cada caso é um caso: estudos de caso,


projetos de atendimento. São Paulo: Associação Fazendo História:
NECA – Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e
Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente, 2010.
BRASIL. Lei Federal n. 8.069. (1990, 13 de julho). Estatuto
da Criança e do Adolescente. Acesso em 20 de dez. 2021, em
http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
DI MAURO, Renata Giovanoni. Procedimentos civis no Estatuto
da Criança e do Adolescente. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente:
doutrina e jurisprudência. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito
da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 6. ed.
São Paulo: Saraiva, 2013.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira. Curso de direito da criança e
do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Andréa Rodrigues
Amin...[et al.]. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
REVISTA do Conselho Nacional do Ministério Público/
Comissão de Jurisprudência. Conselho Nacional do Ministério
Público. Brasília. CNMP, n. 4, 2014.
SOUSA, Walter Gomes. Adoção de irmãos: desafios e
possibilidades. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios. 16 de jul de 2018. Disponível em: <https://www.
tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-
discursos-e-entrevistas/artigos/2018/adocao-de-irmaos-desafios-e-
possibilidades>. Acesso em: 20, dez. 2021.
Capítulo 5

SOCIEDADE E CULTURA NA ESCOLA


DA INFÂNCIA: DESCONSTRUINDO O
PLANEJAMENTO PAUTADO EM DATAS
COMEMORATIVAS

Deise Vincensi Veit1

1 Considerações iniciais

A educação é uma função histórica que se dá através das


relações com o mundo, no mundo, com as pessoas e para as
pessoas e o conhecimento se atualiza de tempos em tempos sendo
reconstruído assim como uma sociedade dinâmica que temos.
A partir disso, abordaremos a educação na relação
dialógica sendo construída e reconstruída pela subjetividade, pelas
interpretações e não como algo dado pronto e acabado. Dela parte
a construção da cultura na criança discutida por Adorno (1995).
Por fim discutiremos o planejamento a partir das datas
comemorativas como fonte de aprendizagem para a cultura, na
escola da infância contrapondo com a perspectiva trazida na BNCC
(2016) para o planejamento das propostas educativas da educação
infantil.

2 Construção da cultura na criança: função da escola

A educação como direito garantido para todos, previsto


na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 205: “A educação,
1 Universidade de Cruz Alta, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Práticas
Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta, Unicruz.
Cruz Alta, RS, Brasil. E-mail: deisepbi@yahoo.com.br
64
Educação, Sociedade e Cultura

direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida


e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”, é tema de constantes
discussões e permanentes estudos, considerando-a um organismo
vivo entrelaçado na sociedade.
Neste contexto de direito, é importante salientar que a etapa
da Educação Infantil teve um longo processo até ser considerada
parte da Educação Básica. Tal indicação faz a diferença ao trazer
para discussão a construção da cultura na criança, visto que dos
zero aos seis anos, idade da educação infantil, muitas aprendizagens
são despertadas no desenvolvimento humano.
Ao delinear sobre os conceitos de educação e cultura,
Adorno (1995) traz que a educação é emancipatória:
[...] minha concepção inicial de educação. Evidentemente
não assim chamada modelagem de pessoas, porque não
temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior;
mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja
característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas
a produção de uma consciência verdadeira. Isto seria inclusive
da maior importância política; sua ideia, se é permitido dizer
assim, é uma exigência política. Isto é: uma democracia com
o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu
conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia
efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de
quem é emancipado. (1995, p. 141 ).
Contudo em relação a cultura, Santos (2009, sp) diz que
“a primeira concepção de cultura remete a todos os aspectos de
uma realidade social; a segunda refere-se mais especificamente ao
conhecimento, às ideias e crenças de um povo”. E ele ainda traz
como sendo a cultura, assim como a educação, em outras palavras,
como (Adorno) emancipatória:
Cultura é um território bem atual das lutas sociais por um
destino melhor. E uma realidade e uma concepção que
precisam ser apropriadas em favor do progresso social e da
liberdade, em favor da luta contra a exploração de uma parte
65
Educação, Sociedade e Cultura

da sociedade por outra, em favor da superação da opressão e da


desigualdade (SANTOS, 2009, n.p.).
Desta forma, Freire (1997) diz que “o mundo está sendo”,
despertando reflexões sobre as ações e/ou “conteúdos” que
tradicionalmente são abordados na escola, e que ano após ano, por
muitas instituições e professores, estão no currículo objetivando
trazer um conhecimento cultural pronto para a criança.
é o saber da história como possibilidade e não como
determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como
subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade
com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo
não é só o de quem constata o que ocorre mas também o de
quem intervém como sujeito de ocorrências (1997, p. 85).
Sabe-se que através do direito garantido à educação
institucionalizada, a criança far-se-á frente a uma construção
cultural através do meio vivenciado e do currículo ofertado na
instituição escolar, bem como no contexto familiar.
No Brasil muitos estudos tem despontado para a valorização
da educação infantil em defesa desta etapa, evidenciando-a como
base para as construções do conhecimento humano. Adorno
(1995, p.147) diz que (...) “na educação infantil o processo de
conscientização se desenvolva paralelamente ao processo de
promoção da espontaneidade”.
A livre manifestação das crianças traz conceitos empíricos
que devem ser considerados para que as vivências planejadas na
escola desempenhem o objetivo de desenvolver a aprendizagem
significativa, conforme também afirma Adorno (1995, p143),
exemplificando a necessidade do conhecimento produzido não
apenas recebido como pronto: “A educação seria impotente e
ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação e não preparasse os
homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria igualmente
questionável se ficasse nisto, produzindo nada além de pessoas bem
ajustadas”.
Saber como planejar nossos movimentos para a educação é
necessidade básica na educação, pois podemos ‘dar asas’ para nossas
66
Educação, Sociedade e Cultura

crianças ou simplesmente mantê-las na mesmice, subestimando


a capacidade humana. O percurso enquanto educadores é
inacabado, pois perceber que pouco sabemos e ou atingimos do
desenvolvimento humano é necessário. Pearce (1987, p. 29) traz
uma importante reflexão:
Inteligência é a capacidade de interagir, e esta capacidade
pode desenvolver-se unicamente pela interação com novos
fenômenos, isto é, indo do que nos é conhecido em direção ao
que desconhecemos. Embora pareça óbvio, este movimento
do conhecido ao desconhecido prova ser tanto a solução
como o obstáculo ao desenvolvimento. A maior parte dos
danos intelectuais origina-se da não-observação do equilíbrio
deste movimento. Com nossas ansiedades, não permitimos a
contínua interação da criança com os fenômenos deste mundo
em larga escala (o que significa, com seus cinco sentidos); e
ao mesmo tempo colocamo-la forçosamente em contato com
fenômenos não apropriados a seu estágio de desenvolvimento
biológico. Isto é, ou cerceamos o movimento que a criança
faz em direção ao desconhecido, bloqueando, assim, o seu
desenvolvimento intelectual, ou a propulsionamos para
experiências não adequadas.
Tavares (2019 p.23), num contexto bem atual, traz que as
relações precisam ser construídas e não impostas como prontas,
inclusive a relação com os conhecimentos históricos.
[...] que as representações expressam a maneira como as pessoas
interpretam o mundo que as rodeia e do qual fazem parte.
Trata-se de um processo de interação constante, no qual estão
presentes tanto a influência sociocultural sobre os indivíduos
como a possibilidade da interferência deles nos destinos deste
mundo.
Considerando a possibilidade como processo de construção
é que se pode acreditar na infância como tempo rico e oportuno
para espaço de descobertas e construções de novas relações. Da
sociedade emergem novas relações para com o mundo, com a
natureza e entre os humanos.
67
Educação, Sociedade e Cultura

3 Datas comemorativas e a escola da infância: educação x


cultura

Culturalmente, ainda muito pequenos aprende-


se a comemorar as datas comemorativas. Datas criadas para
comemorar: marcos de eventos históricos, aniversários, profissões,
enfim dias intitulados para comemorar. Por sua vez, um certo
consenso foi instaurado nas instituições escolares trazendo as datas
comemorativas como alicerces dos planejamentos.
Ostetto (2012, p. 181) traz sua constatação afirmando que
“nessa perspectiva o planejamento da prática cotidiana é direcionado
pelo calendário. A programação é organizada considerando algumas
datas, tidas como importantes do ponto de vista do adulto”.
Ela ainda traz o consumismo, instaurado pelas datas
comemorativas. Portanto questiona-se: Esta é a função da escola
da infância? Trazer datas selecionadas pelo adulto e ditas como
historicamente ou culturalmente tomadas como padrões a serem
comemoradas? O que se comemora com cada data? As crianças
fazem construções a partir destes momentos vivenciados na escola?
Trazendo a criança no centro do processo escolar e as
ações tradicionais em relação ao planejamento institucional,
pautado em datas comemorativas é que se questiona se ao trazer
tal conhecimento, historicamente já construído, é de interesse
cultural e realmente desperta encanto ao ponto de provocar novas
descobertas e reflexões? Ou ainda, através do olhar único do adulto
que traz, essa prática que muitas vezes, se repete anualmente na
escola, a exemplo do Dia do Índio, São João, com atividades
estanques, dentre outras datas selecionadas, é capaz de envolver a
concepção de criança trazida pela BNCC?
A educação é capaz de trazer muitas mudanças para a
sociedade e Tavares (2019) de uma forma encantadora, diz que, não
somente através da educação, mas com ela também, é necessário “o
desencadear de uma sensibilidade” apontando que diversos espaços
ocupados na sociedade devem ser possibilitadores para “uma
68
Educação, Sociedade e Cultura

convivência humana mais feliz”.


O desencadear de uma sensibilidade mais plena do sujeito
diante de si e do mundo talvez seja um dos princípios
fundamentais a resguardar para fazer nascer um outro modo
de convívio social, de viver, de conhecer, de fazer ciência, de
ser educador. Porém, sabemos bem que a abertura dos vetores
de uma sensibilidade mais plena não emerge (principalmente,
preferencialmente nem unicamente) das reformulações
teóricas, pragmáticas, conceituais, metodológicas, nem dos
abstratos planos educacionais e projetos político-pedagógicos
por si sós. Essa abertura certamente emergirá de sujeitos que
se exercitem como implicados no mundo; na teia da vida;
no conjunto social; na construção mítica; nos desmandos
da civilização; na poética da natureza; no destino da espécie;
na servidão dos despossuídos das benesses do progresso; na
curiosidade das crianças; nas provocações das artes e na
obstinação, sem trégua, de nossa parte, para projetar e fazer
acontecer uma convivência humana mais feliz (2019, p. 9).
A cultura entra nesse espaço educacional, trazendo a
sensibilidade, o reconhecer-se parte de um povo histórico e através
da intencionalidade planejada dentro da instituição escola, pelo
professor, é que as propostas se tornam espaços para dialogar e
fazer descobertas, pois na história humana, as mudanças se devem à
ousadia, esperança e diria sensibilidade para assim construir novos
caminhos.
Assim os professores seguem ensinando o que é de senso
comum, o que foi aprendido na infância, conteúdos fragmentados,
descontextualizados e óbvios, conforme esclarece Barbosa e Horn
(2008, p. 38):
Conhecimentos que são transmitidos atualmente nas escolas
de educação infantil partem de uma tradição antiga, que vem
se repetindo e aparece nas práticas sendo denominado como
“de interesse da criança” ponto por exemplo “todas as Crianças
gostam de animais todas querem aprender sobre os meios de
transportes ou todas gostam de festejar o que se diz importante
e frequentemente cíclico.
Ao pensarmos que seguiremos as mesmas aprendizagens
69
Educação, Sociedade e Cultura

ditadas pelo calendário quais serão as aprendizagens significativas e


diferenciadas para as crianças? E como nos traz Adams: “Gastamos
cada vez mais tempo com informações para e sobre a educação
sem, no entanto, assumir uma postura dialógica capaz de buscar
interpretar de forma comum a questão do seu sentido (2020, p.34).”
É a educação que dá sentido ao mundo (Freire, 2011) construindo,
dialogando e descobrindo novas aprendizagens e primordialmente
buscar o seu sentido, o sentido da educação.

4 (Re)construção das práticas pedagógicas alicerçadas no


planejamento pautado na BNCC, sem a datas comemorativas

(Re)significar o planejamento na educação infantil, a


partir da introdução de um planejamento em contexto pautado
nos campos de experiência e nos direitos de aprendizagem,
desconstruindo assim a prática de um planejamento pautado em
datas comemorativas é uma ação constante nas escolas da infância.
Adams (2020) traz para a reflexão que “um esforço muito
maior necessita ser feito para que sejam desprendidas as propostas
da escola da infância da pedagogia tradicional, buscando o sentido
da educação”.
Por sua vez, há um certo valor educativo na instituição de
educação infantil que começa a ser traçado a partir de algumas
premissas, ou talvez tradições em relação aos currículos seguidos
e toda essa problemática de ser respeitada como etapa básica na
educação que talvez tenham forçado um enquadramento da
educação infantil na escolarização do ensino fundamental.
Dentro do contexto trazido pela BNCC, o professor deve
fomentar o pensamento autônomo que, aliado a criatividade flexível
das crianças, pode criar inúmeras teorias provisórias para explicar o
mundo. Assim teremos a oportunidade de (re) conhecer o mundo
através da ótica das crianças. Por isso a importância de ‘perguntas
abertas’, que fomentem continuidade de mapa mental das crianças,
para que possamos descobrir além do superficial.
70
Educação, Sociedade e Cultura

A chegada da Base Nacional Comum Curricular – BNCC


(2016), documento mandatório para orientar os novos currículos
escolares faz, por sua vez, repensar o que minimamente, como
o próprio nome já diz: base, deve ser garantido às crianças, por
intermédio das instituições escolares brasileiras.
Tendo em vista os eixos estruturantes das práticas
pedagógicas e as competências gerais da Educação Básica
propostas pela BNCC, seis direitos de aprendizagem e
desenvolvimento asseguram, na Educação Infantil, as
condições para que as crianças aprendam em situações nas
quais possam desempenhar um papel ativo em ambientes que
as convidem a vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a
resolvê-los, nas quais possam construir significados sobre si, os
outros e o mundo social e natural. (2016, p. 37).
A concepção de criança da BNCC é realmente a
oportunidade de dar espaço para novas construções apoiando as
possibilidades da infância:
Essa concepção de criança como ser que observa, questiona,
levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e assimila valores
e que constrói conhecimentos e se apropria do conhecimento
sistematizado por meio da ação e nas interações com o
mundo físico e social não deve resultar no confinamento
dessas aprendizagens a um processo de desenvolvimento
natural ou espontâneo. Ao contrário, impõe a necessidade de
imprimir intencionalidade educativa às práticas pedagógicas
na Educação Infantil, tanto na creche quanto na pré-escola.
(BNCC, 2016, p. 38).
Pearce (1987, p.35) já diz que “[...] significa que cada
estágio de desenvolvimento é perfeito e completo em si mesmo.
A criança de três anos não é uma de cinco anos incompletos, a
criança não é um adulto incompleto. Nunca estamos simplesmente
a caminho, já estamos sempre lá”, portanto enquanto educador
perceber o percurso do desenvolvimento infantil, trazendo
propostas adequadas é fundamental para a aprendizagem da criança
se desenvolva, oportunizando assim criações e construções de novos
conceitos culturais.
71
Educação, Sociedade e Cultura

5 Considerações finais

Ao refletir sobre o processo cultural desde a infância percebe-


se que é na e pela educação que este percurso acontece fortemente.
Entretanto o percurso educacional precisa ser revisto pelos motivos,
primeiro: de sermos humano práticos e segundo: por que fazemos
parte de uma sociedade que se modifica constantemente, não
“sendo” nada como sempre foi ou ao menos no que trazemos como
verdades únicas.
Desta forma trazemos teóricos que nos fazem perceber o
quanto a infância é potente e capaz, podendo/devendo ser mediada
pela escola através de um planejamento educacional eficaz ao
desenvolvimento da inteligência humana.
Como garantia de um currículo mínimo a BNCC (2016)
assume o papel de base nacional para o ensino e para a educação
infantil traz a possibilidade de sair da pedagogia tradicional através
de campos de experiência e a garantia dos direitos de aprendizagens,
fomentando a infância no seu protagonismo.

Referências

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de


Janeiro, Paz e Terra, 1995.
ADAMS, Adair. Educação e novas tecnologias: linguagem,
tradição e mundo comum. Cruz Alta: Editora Ilustração, 2020.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007.
BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. G. S. Projetualidade
em diferentes tempos: na escola e na sala de aula. Projetos
Pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação
Básica. Base nacional comum curricular. Brasília, DF,
2016. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/
72
Educação, Sociedade e Cultura

uploads/2018/11/7._Orienta%C3%A7%C3%B5es_aos_
Conselhos.pdf
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz
e Terra, 2011.
PEARCE, Chilton Joseph. A criança mágica: a redescoberta do
plano da natureza para nossas crianças. Rio de janeiro, 3ª Edição:
Francisco Alves, 1987.
OLIVEIRA, Formosinho, J. Pedagogia(s) da infância:
reconstruindo uma práxis de participação. In: Oliveira-
Formosinho, Julia. Kishimoto, Tizuco Morchida. Pinazza, Mônica
Appezzato. (orgs.). Pedagogia da infância: dialogando com o
passado, construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
OSTETTO, L. E. Planejamento na educação infantil: mais que
a atividade, a criança em foco. In: Ostetto, Luciana Esmeralda
(org.). Encontros e encantamentos na educação infantil. 10ª
edição. Campinas – SP: Papirus, 2012.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense,
2009.
Capítulo 6

QUESTÕES DE VIOLÊNCIA ESCOLAR:


UM OLHAR SOBRE AS FORMAS
PREVENTIVAS DE BULLIYNG

Gabriela Portela Azevedo1


Julia Giovana Mera da Silva2
Vanessa Steigleder Neubauer3

1 Considerações iniciais

A presente pesquisa é oriunda do Laboratório de


Humanidades – Sorge Lebens, por meio dos projetos de
extensão e pesquisa da Universidade de Cruz Alta/RS, intitulados
“Direitos Humanos em movimento: 9ª CRE e Unicruz fortalecendo
o exercício da cidadania a partir do esclarecimento e da reflexão
– PIBEX”, e “Escuta Especializada: mecanismo de prevenção
à revitimização de crianças e adolescentes vítimas de violência –
PIBIC”.
A iniciativa do projeto PIBEX “Direitos Humanos em
movimento: 9ª CRE e Unicruz fortalecendo o exercício da
cidadania a partir do esclarecimento e da reflexão” se institui por
demanda da 9ª Coordenadora Regional da Educação (9ª CRE)

1 Acadêmica do 7º semestre do curso de Direito da Unicruz. Bolsista PIBEX do projeto


Direitos Humanos em movimento 9ª CRE e Unicruz fortalecendo o exercício da
cidadania a partir do esclarecimento e da reflexão. E-mail: gabyazevedoacdc@gmail.
com
2 Acadêmica do 9º semestre do Curso de Direito da Universidade de Cruz Alta. Bolsista
de Iniciação científica PIBIC-Unicruz do projeto intitulado “Escuta Especializada:
mecanismo de prevenção à revitimização de crianças e adolescentes vítimas de
violência”.
3 Docente da Universidade de Cruz Alta, Doutora em Filosofia pela Unisinos,
Coordenadora do Laboratório de Humanidades da UNICRUZ e projeto mencionado
no texto. E-mail: vneubauer@unicruz.edu.br
74
Educação, Sociedade e Cultura

da Cidade de Cruz Alta/RS que buscou a Universidade de Cruz


Alta, em específico o Laboratório de Humanidades – Sorge Lebens,
que é vinculado ao Grupo de Pesquisa Jurídica em Cidadania,
Democracia e Direitos Humanos – GPJUR e inserido a Linha
República, Estado e Sociedade Contemporânea, tendo em vista as
constantes violências que vem ocorrendo nas escolas das regiões,
para que desenvolvesse um projeto em parceria com o programa
CIPAVE+ do governo do estado.
Já o projeto de pesquisa “Escuta Especializada: mecanismo
de prevenção à revitimização de crianças e adolescentes vítimas
de violência – PIBIC, objetiva-se investigar a técnica da Escuta
Especializada nos casos de violência contra crianças e adolescentes,
principalmente a sua aplicabilidade, consistência, significação e
valoração como meio de prova, e a necessidade de capacitação do
profissional que realiza a oitiva. Parte-se do pressuposto de que a
Lei no 13.431/17 procurou estabelecer nova sistemática para o
atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência, tanto na seara protetiva (na perspectiva de minimizar os
efeitos deletérios do ocorrido) quanto na repressiva (no sentido de
responsabilizar, de forma rápida e efetiva, os vitimizadores).
O artigo 13 da Lei n.º 13.431/20174 preconiza que
qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ação ou
omissão, praticada em local público ou privado, que constitua
violência contra criança ou adolescente tem o dever de comunicar
o fato imediatamente ao serviço de recebimento e monitoramento
de denúncias, ao conselho tutelar ou à autoridade policial, os quais,
por sua vez, cientificarão imediatamente o Ministério Público.

2 Desenvolvimento

Para desenvolver o presente trabalho o mesmo será divido em


três partes, uma breve explicação de como o projeto vem atuando,
4 Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou
testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente).
75
Educação, Sociedade e Cultura

uma explicação sobre o cyberbullying e suas fundamentações


jurídicas no ordenamento brasileiro, no terceiro momento uma
explanação sobre o programa CIPAVE+, parceiro do projeto.
A violência escolar, sem dúvidas, é um tema atual na
sociedade contemporânea, sendo indubitáveis os fatores que
incumbem às escolas e universidades a responsabilidade de
preveni-la. É notável, porém, que não há violência somente nas
escolas, mas, também, em estádios de futebol, nas vilas/bairros,
ruas, ambientes familiares, nas redes sociais das instituições e em
espaços diversificados, deixando cada vez mais a comunidade em
sobressalto, exigindo urgentes providências das instâncias estatais.
Nos dias de hoje, escolas vêm se deparando com violências de
diversos conceitos e ações. Muitas vezes, estas são decorrentes
da desigualdade social, miséria, negligência do ministério
publico das políticas culturais, sociais e econômicas. Assim,
cabe destacar que a violência se manifesta deforma intensa
principalmente nas escolas, sejam elas públicas ou privadas,
independentes da série à qual o aluno está inserido, sendo
que ações para a prevenção e combate a estas violências são
efetivadas, mas invés dos números diminuírem cada vez mais,
o aumento de casos vem sendo expostos na mídia em todos
os estados brasileiros, o mais comum desses casos é Bullying e
o atual Cyberbullying (BATISTA, BEZERRA, SILVA, 2019,
[s.p]).
O esclarecimento sobre os Direitos Humanos enquanto
direitos e liberdades básicos de todas as pessoas é um interessante
ponto de partida para se refletir sobre a origem e o crescimento da
violência escolar em diferentes contextos.
O Projeto tem sua ideia basilar sobre refletir na temática
da violência escolar, a práxis social, fazendo um chamamento
à responsabilidade cívica de prudência, comprometimento e
tolerância entre o que é próprio e distinto ao indivíduo, ou seja,
seus preconceitos. Entende-se, ainda, ser fundamental à formação
universitária, propiciar o desenvolvimento da reflexão filosófica no
âmbito prático, no ensino e na vida cultural, pois é somente assim
que se terá profissionais que exerçam as suas virtudes intelectuais e
76
Educação, Sociedade e Cultura

morais em consonância com o que concerne à essência da verdadeira


cidadania.
Sendo que para este exercício foi utilizado uma apresentação
das subdivisões dos Direitos Humanos, dando exemplos práticos,
para após fazer um recorte sobre a violação desses direitos no
âmbito escolar, para isso é utilizado a tratativa do vídeo da UNICEF
(Fundo das Nações Unidas para a Infância), sobre o cyberbullying5.
Este recorde é para que os alunos possam verificar quais direitos
foram violados, de uma forma mais prática.
Para contextualizar o Cyberbullying é necessário voltarmos,
para sua versão presencial, qual seja o Bullying, palavra importada
do vocabulário americano, que é derivada da palavra Bully, que
significa tirano, brutal. O Bullying é o ato de violência física e
psicológica, que é intencional e repetitivo podendo ser realizado
por um ou mais agressores podendo ocorrer em diversos locais,
mas nos últimos anos, o destaque do Bullying está nas escolas, e
com o advento da internet o mesmo migrou para as redes sociais,
se criando um novo termo o de Cyberbullying, o qual acontece por
meio eletrônico, seja em plataformas de jogos quanto em redes
sociais.
Segundo Gomes, 2013, entende-se que o Bullying é um
fenômeno realístico:
Mas o fenômeno realístico chamado bullying é muito mais
vasto e complexo. Não existe consenso em torno de nenhuma
nomenclatura. Por este motivo, a maioria dos países que
estudam e pesquisam o fenômeno adota a terminologia
inglesa, justamente por não encontrar outras denominações
que contenham o mesmo alcance da palavra inglesa (Gomes,
2013, p. 8).
No ano de 2015, foi promulgada a Lei 13.185, a qual
ficou conhecida popularmente, como a Lei do Bullying, lei essa
regulamenta Programas de Combate à Intimidação Sistemática, em
todo o território nacional e para isso em seu art. 2º a lei elenca as

5 https://www.youtube.com/watch?v=asTti6y39xI
77
Educação, Sociedade e Cultura

caracterizações do Bullying:
Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando
há violência física ou psicológica em atos de intimidação,
humilhação ou discriminação e, ainda:
I - ataques físicos;
II - insultos pessoais;
III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV - ameaças por quaisquer meios;
V - grafites depreciativos;
VI - expressões preconceituosas;
VII - isolamento social consciente e premeditado;
VIII - pilhérias.
Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial
de computadores (cyberbullying), quando se usarem os
instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a
violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de
criar meios de constrangimento psicossocial (BRASIL, 2015).
Além das intimidações previstas nos incisos do Art. 2º, estas
intimidações ainda podem ser classificadas como Verbal, Moral,
Sexual, Social, Psicológica, Físico, Material e Virtual conforme Art.
3º da Lei 13.185.
Com tantas formas e classificações de intimidações, que
podem ocorrer no ambiente escolar é de grande importância que
sejam implementados os programas previstos na Lei do Bullying,
conforme enuncia o Artigo 4º:
Art. 4º Constituem objetivos do Programa referido no caput
do art. 1º:
I - prevenir e combater a prática da intimidação sistemática
(bullying) em toda a sociedade;
II - capacitar docentes e equipes pedagógicas para a
implementação das ações de discussão, prevenção, orientação
e solução do problema;
78
Educação, Sociedade e Cultura

III - implementar e disseminar campanhas de educação,


conscientização e informação;
IV - instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares
e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;
V - dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos
agressores;
VI - integrar os meios de comunicação de massa com as escolas
e a sociedade, como forma de identificação e conscientização
do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo;
VII – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito
a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância
mútua;
VIII - evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores,
privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que
promovam a efetiva responsabilização e a mudança de
comportamento hostil;
IX - promover medidas de conscientização, prevenção
e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas
práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou
constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos,
professores e outros profissionais integrantes de escola e de
comunidade escolar (BRASIL, 2015).
A importância da citada lei é tão vasta que se parramos para
pensar sob a ótica de Braga, Ebert e Lisboa, 2009 que defendem
que o bullying um fator de risco para a violência institucional e
social, bem como para comportamentos antissociais individuais,
cabendo aos professores e demais profissionais a devida atenção ao
problema, bem como a busca de saídas para sua interrupção.
Assim, para colocar o referido artigo em prática a Secretaria
da Educação (SEDUC) do estado Rio Grande do Sul, desenvolveu
as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência
Escolar, no estado do Rio Grande do sul, iniciou-se no final do
ano de 2013, sendo que no ano de 2015 a Secretária da Educação
colocou como prioritária a formação e implantações delas comissões
internas nas escolas.
79
Educação, Sociedade e Cultura

Para melhor auxiliar na elaboração das CIPAVES, a SEDUC


(Secretaria da Educação) formulou por meio de pesquisas, quais
os pontos mais sensíveis que estão ocorrendo nas escolas e que
precisam de atividades, segundo o secretário Ronald Krummenauer,
no ano de 2018, em seu encontro com o Raph Gomes Alves,
representante do Ministério da Educação afirmou que: “Podemos
num primeiro momento saber o que acontece dentro das escolas,
os casos de bullying e de violência, para depois termos controle
desses processos”.
Sabe-se que os comportamentos violentos na escola têm
uma intencionalidade lesiva, podendo ser fruto de muitas situações
de indisciplina que não foram resolvidas. É preciso identificar a
origem dessa violência, descobrir quais são as suas causas, o que se
pode fazer para evitar as ocorrências e como enfrentá-la.
Nesse sentido, Paranahiba e Paranahiba (2016, p. 376)
salientam que o bullyning sempre existiu, e que as crianças não
passaram a sofrer ameaças, receber apelidos ou provocações só a
partir da década de 70, quando pela primeira vez se falou a respeito
dessas intimidações ocorridas na escola:
Com efeito, o ambiente mais propício para a ocorrência do
bullying com suas consequências deletérias é na escola, onde
meninos e meninas sofrem diversos tipos de perseguições em
um momento da vida em que estão formando a visão de si, a
autoconsciência, a visão do mundo à sua volta e, principalmente
na idade escolar, piadas, insultos, apelidos e diversas outras
formas de atingir a moral podem acarretar consequências por
toda a vida. Visto que a opinião que se faz de si não está ainda
completamente formada (se é que um dia estará...) e para sua
formação, a opinião do outro é extremante importante.
Para isso conforme as pesquisas realizadas, o governo do
Estado do Rio Grande do Sul, colocou em prática a Comissão de
Prevenção a Acidentes e Violência Escolar conhecido popularmente
como CIPAVE, programa que busca orientar sobre as mais diversas
situações que podem ser vislumbrados, no ambiente escolar, para
que Alunos, Professores, Funcionários e Pais possam, seguir os 7
passos propostas pelo programa, quais sejam:
80
Educação, Sociedade e Cultura

Identificar situações de violência, de acidentes bem como suas


causas, definir a frequência e a gravidade com que ocorrem;
averiguar a circunstância em que ocorrem estas situações;
planejar e recomendar formas de prevenção; formar parcerias
com entidades públicas e privadas para auxiliar no trabalho
preventivo; estimular a fiscalização por parte da própria
comunidade escolar, fazendo com que zele pelo ambiente
escolar, bem como realizar estudos, coletar dados e mapear
os casos ocorridos que envolvam violência e acidentes, para
que sejam apresentados à comunidade e às autoridades,
proporcionando que estas parcerias auxiliem no trabalho de
combate e prevenção dos acidentes e violência na escola (RIO
GRANDE DO SUL, [s.d]).
O programa utiliza, como forma de prevenção games,
palestras e interação entre alunos e comunidade, assim criando
uma rede de apoio às escolas, e ainda buscando apoio de outras
entidades, como Polícia Civil, Brigada Militar, Corpo de Bombeiros,
Conselho Tutelar e Ministério Público, para fazerem atividades que
abordem a problemática presenciada pelas escolas, visto que cada
escola tem uma demanda diferente.
Na cidade de Cruz Alta/RS, a 9ª Coordenadoria Regional
da Educação, como já mencionado entrou em contato com a
universidade solicitando um apoio, para aumentar essa rede de
apoio nas escolas. Para isso foi feito uma pesquisa na região, sendo
que os dados coletados se encontram anexados na tabela a seguir:
Tabela 1 - Matrículas do Ensino Médio de Cruz Alta/RS

1° ano Ens. 2° ano Ens. 3° ano Ens.


Turma Médio Médio Médio
Estadual 612 630 550
Privada 64 60 52
Total 676 690 602 1968
1089 Meninas
901 Meninos

Fonte: Dados extraídos do INEP Instituto nacional de estudos e pesquisas


educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação Básica 2021.
81
Educação, Sociedade e Cultura

Nota-se que do total de alunos apenas 30,59% chegam


até o terceiro ano do ensino médio, e que mais de 50% do total
de alunos são meninas, com isso a CIPAVE solicitou para que
o projeto, fomentasse a prevenção para os Lideres de Turma do
Ensino Médio, para que os lideres, sejam a fonte de informação e
multiplicadores dos conhecimentos. Sabe-se, de fato, que é somente
diante do esforço de um agir prudente consigo mesmo, com o
outro e com o mundo, que se reconhece o verdadeiro sentido da
existência humana e que nela se encontra o próprio lugar.
Nesta senda abordam os autores Batista, Bezerra e Silva,
(2019):
Pautar uma ideia inicial sobre como prevenir o Bullying e o
Cyberbullying seria o diálogo, pois o mesmo é capaz de criar
uma noção, uma base no que está havendo no determinado
momento e com certa pessoa. Após esse primeiro ato dar-se
um pontapé inicial de avaliar cada indivíduo e caso para assim
iniciar uma intervenção, assim orientar pais ou responsáveis
da real gravidade do problema e se preciso o aconselhamento
com psicólogos entre outros profissionais. E nas escolas
com palestras mesas redondas, filmes, gincanas, socialização
dos alunos para que se aprenda a respeitar o próximo e as
diferenças entre eles e a sociedade. É de grande importância
a participação da escola para o aluno, pois é na escola que
mais está presente o Bullying, cabe a mesma diagnosticar,
avaliar e garantir um ambiente seguro para que os alunos se
sintam protegidos. Por isso, é de suma importância o papel dos
pais na educação dentro e fora de casa, mas se faz necessário
à sua presença na escola acompanhando na aprendizagem e
o desenvolvimento do seu filho, deste modo, estabelecendo
uma relação com a criança baseada no diálogo e na confiança
(BATISTA; BEZERRA; SILVA, 2019, [s.p]).
A ideia de se focar nos líderes de turma se dá pelo fato de
que a turma escolheu eles para representá-los e com isso focando
em um aprendizado humanizado com o intuito de fazer que os
mesmos abram seus olhos para os demais colegas, mediando
situações se possível, mas principalmente, fazer com estes alunos
que foram escolhidos pelas suas turmas, possam dar um passo para
82
Educação, Sociedade e Cultura

trás para poder vislumbrar a situação de sua sala, escola e ambiente


familiar com uma visão mais ampla da situação.
Dessa forma o projeto vem como incentivador desse
olhar ampliado do aluno, visando que o mesmo saia da ação com
uma perspectiva diferente, com um olhar mais humano, e nessa
perspectiva Paranahiba e Paranahiba (2016, p. 386) salientam:
O bullying é uma prática nefasta ao desenvolvimento sadio
de crianças e adolescentes. Não pode ser negligenciado, sob
pena de acarretar consequências deletérias na fase adulta. Se
se pretende coibir a violência de gênero, homofobia, assédio
moral no ambiente de trabalho, preconceito e racismo, o
Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA deve ser aplicado
integralmente.
No decorrer das ações os alunos além de prestarem
muita atenção ao que é apresentado e perguntado os alunos
compartilham com o projeto os seus relatos, seus pensamentos,
seus questionamentos de como funciona na prática os atos jurídicos
previstos pela violação de seus direitos ao final de cada ação é sendo
possível ver como o projeto tem uma participação fundamental
para o desenvolvimento humanístico dos alunos.

4 Considerações finais

O Cyberbullying são agressões cometidas entre estudantes


pelos meios digitais (internet) ou por mensagens de celulares
(SMS), sendo atos ilícitos civis no Brasil.
Trata-se de um grande problema para as redes de ensino,
possuindo o Brasil um alto índice de ocorrências no meio
escolar, o que traz sofrimento para as vítimas, podendo gerar um
ambiente escolar extremamente negativo, de modo que prejudica o
aprendizado de toda a comunidade.
A vida digital sem regras com a falsa ideia de anonimato,
a competição das escolas (em especial, as particulares), o
individualismo e a falta de investimento em ações preventivas e
concretas para coibir o Cyberbullying propiciam o surgimento
83
Educação, Sociedade e Cultura

de um ambiente para condutas abusivas nas redes sociais entre os


alunos de uma escola.
O Direito Educacional, o qual regula as relações da
comunidade acadêmica, deve ser aplicado e interpretado com o
Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de
Defesa do Consumidor e Constituição Federal, para regular o
assunto.
A não implantação dos programas antibullying, após o
advento da Lei Federal 13.185/15 (artigo 4º), demonstra desídia
e omissão dolosa por parte da direção das escolas, por trazerem
prejuízo concreto ao ambiente escolar e desrespeitarem um dever
jurídico específico criado para proteger os alunos de agressões de
Bullying e Cyberbullying.
Ainda, após o advento da Lei Federal 13.185/15, grande
parte das escolas brasileiras ainda desrespeitam a lei e não implantam
programas efetivos antibullying e anticyberbullying.
Ressalta-se que a escola é responsável pela educação e o
comprimento das leis no seu regulamento e ações vigentes na qual
a comunidade escolar é inserida e a família é de suma importância
na aprendizagem e educação do seu filho através dos valores e
atitudes imposto para a sociedade, porém os pais são negligentes
fogem de suas responsabilidades e passam a cobrar da escola a
responsabilidade que é dada família demostrando assim que está
despreparada para esta função educar os seus próprios filhos.
A família e a escola devem trabalhar em conjunto para
solucionar problemas vivenciados dentro do âmbito escolar. É
imprescindível que a família tenha ciência das atitudes dos seus
filhos na escola e, ainda, que a mesma traga ações voltadas para
conscientizar e preservar de forma sistemática os conceitos de
atitudes, respeito e cidadania.
A missão da escola é desenvolver e orientar ao educando
uma cultura de paz fragmentada a conviver em uma sociedade
humana.
84
Educação, Sociedade e Cultura

Referências

BATISTA, Edleuza Araújo da Conceição; BEZERRA, Adelina


Passos; SILVA, Vitor Santos. Bullying e cyberbullying
nas escolas: ação, consequências, reflexão e prevenção.
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construindo verdades. (Coleção saberes monográficos).Editora
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Brasilia: Inep, 2022. Disponivel em: <https://www.gov.br/inep/
pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses estatisticas/
85
Educação, Sociedade e Cultura

educacao-basica>. Acesso em: dd mm. yyyy.


LISBOA, C.; BRAGA, L. L.; EBERT, G. O fenômeno bullying
ou vitimização entre pares na atualidade: definições, formas
de manifestação e possibilidades de intervenção. Contextos
Clínicos, v. 2, n. 1, p. 59-71, jan./jun. 2009.
PARANAHIBA, Tales Alves; PARANAHIBA, Taís Alves. O uso
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RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Educação. O que são as
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em 07 jun 2022.
Capítulo 7

NOTAS SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO,


A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO
JURÍDICA E A INTERAÇÃO COM A
SOCIEDADE

Ciro Portella Cardoso1


Elizabeth Fontoura Dorneles2
Marcelo Cacinotti Costa3
Tiago Anderson Brutti4

1 Introdução

A Análise do Discurso foi desenvolvida a partir da década


de 1960 com Michel Pêcheux, possibilitando uma nova
abordagem e visão sobre os estudos da linguagem. A linguagem
passou a ser compreendida como uma característica distintiva da

1 Bacharel em Direito pela Universidade de Cruz Alta. Mestre em Práticas Socioculturais


e Desenvolvimento Social pela UNICRUZ, Cruz Alta, Rio Grande do Sul, Brasil.
E-mail: ciro.cardoso@hotmail.com
2 Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Letras
pela UFRGS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social da UNICRUZ. Cruz Alta, Rio Grande do Sul, Brasil. Email:
edorneles@unicruz.edu.br
3 Doutor em Direito Público pela UNISINOS. Mestre em Direito pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social e do Curso de Direito da UNICRUZ, Cruz Alta,
Rio Grande do Sul, Brasil. Email: mccacinotti@hotmail.com
4 Doutor em Educação nas Ciências/Filosofia pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Mestre e Educação nas Ciências/Direito
pela UNIJUÍ. Pós-doutor em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Estado
do Paraná - UNIOESTE. Professor do Programa de Pós-Graduação em Práticas
Socioculturais e Desenvolvimento Social e do Curso de Direito da UNICRUZ.
E-mail: tbrutti@unicruz.edu.br
88
Educação, Sociedade e Cultura

condição humana, como uma dimensão que se estabeleceu por


processos históricos e sociais. Dessa forma, a linguagem já não
poderia ser estudada de modo desvinculado das condições de
produção do discurso e nem ser pesquisada fora do convívio em
sociedade.
A Análise do Discurso Francesa, como também é conhecida
esta perspectiva, conquistou destaque ao longo dos anos e hoje está
consolidada como uma das disciplinas fundamentais no campo dos
estudos da linguagem. A AD apresenta um caráter interdisciplinar,
envolvendo diversos ramos do conhecimento, especialmente, as
Ciências Sociais e Humanas, grande área em que o Direito está
inserido. Cabe salientar que o discurso jurídico deve ser analisado,
dentre outros aspectos, em seu formalismo, domínio e imposição/
coercitividade. E é exatamente em função dessas características
que a linguagem que constitui o discurso jurídico está vinculada à
racionalização e organização da sociedade e do Estado, bem como
à disputa pelo poder. Para Orlandi (1999, p. 21), uma das autoras
proeminentes da AD no Brasil, “[...] as relações de linguagem são
relações de sujeitos e sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados”.
Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos entre
locutores’’.
A teoria da Argumentação Jurídica formulada por Robert
Alexy, por sua vez, tem como objetivo central a pergunta sobre como
é possível fundamentar racionalmente as decisões jurídicas. A teoria
é apresentada nas obras “Theorie der juristischen Argumentation” e
“Recht, Vernunft, Diskurs – Studien zur Rechtsphilosophie”.
O objetivo geral desta pesquisa consiste, pois, em analisar
a linguagem a partir dos conceitos e categorias da Análise do
Discurso e da teoria da Argumentação Jurídica, refletindo sobre
suas contribuições nas práticas sociais de interação. Para tanto, o
procedimento técnico utilizado é a pesquisa bibliográfica, com
abordagem qualitativa e dedutiva. Como finalidade, também,
espera-se que este capítulo possa contribuir com os estudos
comparativos entre teorias oriundas das áreas das Letras e do
Direito no que elas se debruçam à pesquisa sobre a linguagem, o
89
Educação, Sociedade e Cultura

discurso e a argumentação, a fim de divulgar essas perspectivas no


meio do Direito e da Linguística.

2 A análise do discurso conforme Michel Pêcheux

Os estudos pêcheuxtianos e foucaultianos têm estruturado


uma abordagem singular e de grande capacidade elucidativa
no âmbito da Ciência da Linguagem. As discussões sobre os
domínios da linguagem, da língua e o discurso resultaram em
diferentes construções teóricas e ênfases que não correspondem,
necessariamente, ao pensamento dos referidos autores. O
estruturalismo, até então, com a negação do sujeito e da situação, e
a gramática gerativa transformacional (GGT) proposta por Noam
Chomsky, que enfatiza o valor biológico da linguagem, instituíram
espaços expressivos para os estudos da linguagem. A Análise do
Discurso é estruturada, então, a partir da discussão de elementos
e questões que intercedem contra o formalismo hermético da
linguagem, questionando a negação da dimensão exterior.
O que a Análise do Discurso Francesa procura conhecer é
o caráter histórico da linguagem. Esses estudos são considerados
de ruptura, o que sugere variadas formas de reconsideração
no oportuno fazer linguístico. A Análise do Discurso de linha
francesa se desenvolve como uma disciplina confluente, porquanto
se insere em um espaço nos quais se conectam três regiões do
conhecimento: o Materialismo Histórico, compreendido como
teoria das formações sociais, incluindo-se, aqui, o conceito de
ideologia; a Linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos
e dos processos de enunciação; e, por fim, a teoria do Discurso,
como assentamento histórico dos processos semânticos. Todos esses
dados estão permeados por uma teoria não unicamente subjetiva
do sujeito, de ordem psicanalítica, porquanto se reconhece que o
sujeito é afetado pelo inconsciente e pelo contexto. De acordo com
essa visão pêcheuxtiana, o sentido não está óbvio e transparente.
Faz-se necessário observar a opacidade da materialidade presente
em cada discurso analisado.
90
Educação, Sociedade e Cultura

Pêcheux (1990) concebe a Análise do Discurso no conflito


entre a Linguística e a História. A AD é composta no decorrer de
sua construção em um campo baseado, mas não simbolizado em
três grandes pilares teóricos, a saber: Materialismo Histórico (Marx
e Althusser), Linguística (Saussure) e Psicanálise (Freud e Lacan).
Ao se utilizar essas bases teóricas, Pêcheux (1990) concretizou os
rompimentos conceituais, o engajamento e a crítica, a filiação e o
desprendimento, que caracterizam a AD. A composição da teoria
da Análise do Discurso Francesa envolve, nas palavras de Pêcheux e
Fuchs (1990, p. 163-164):
1. O materialismo histórico, como teoria das formações
sociais e de suas transformações, compreendida aí a teoria
das ideologias; 2. A linguística, como teoria dos mecanismos
sintáticos e dos processos de enunciação ao mesmo tempo; 3.
A teoria do discurso, como teoria da determinação histórica
dos processos semânticos. Convém explicitar ainda que estas
três regiões são, de certo modo, A linguística, como teoria
dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao
mesmo tempo; 3. atravessadas e articuladas por uma teoria da
subjetividade (de natureza psicanalítica).
É possível verificar, através da Análise do Discurso, o espaço
do contraditório nessa disciplina de entremeio, uma vez que a
língua tem autonomia relativa e é o início para a materialidade do
discurso (ORLANDI, 2008). Segundo afirma Benveniste (2005),
é na linguagem que o homem se forma como sujeito. Benveniste
concebe a noção de subjetividade com valor linguístico, ou seja, a
capacidade do ser humano de se posicionar como sujeito perante a
sociedade. Conforme o autor, o sujeito se apropria do pronome eu
para indicar a consciência de si.
Pêcheux (1988), por sua vez, argumenta que o sujeito do
discurso não se pertence, ele se compõe pelo esquecimento daquilo
que o origina: significação do fenômeno da interpelação do
indivíduo em sujeito do seu próprio discurso. Através da linguagem,
o sujeito faz o “seu mundo” de significações e simbolismos, tendo
como preceito cada experiência interpretada e vivida, construindo,
com isso, uma bagagem cultural.
91
Educação, Sociedade e Cultura

Dentro dessa concepção, o pensamento de Foucault (2012)


considera que os discursos não se justificam por si mesmos, mas,
sim, surgem dentro de um ambiente enunciativo no qual são
edificados. Nesse sentido, insere-se o debate central da obra “A
Arqueologia do Saber”, que diz respeito ao conjunto de enunciados
em seu acontecimento: “[...] essa teoria não pode ser elaborada sem
que apareça, em sua pureza não sintética, o campo dos fatos do
discurso a partir do qual são construídas” (FOUCAULT, 2012, p.
32).
Todo discurso, de acordo com Pêcheux (2008, p. 56), “[...]
marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação das
redes e trajetos”. Ferreira (2005, p. 20), por sua vez, destaca que o
discurso pode ser equiparado a:
Uma rede, e pensemos numa rede mais simples, como a de
pesca, é composta de fios, de nós e de furos. Os fios que se
encontram e se sustentam nos nós são tão relevantes para o
processo de fazer sentido, como os furos, por onde a falta,
a falha se deixam escolar. Se não houvesse furos, estaríamos
confrontados com a completude do dizer, não havendo espaço
para novos e outros sentidos se formarem. A rede, como um
sistema, é um todo organizado, mas não fechado, por que tem
os furos, e não estável, por que os sentidos podem passar e
chegar por essas brechas a cada momento. Diríamos que o
discurso seria uma rede e como tal representaria o todo; só que
esse todo comporta em si o não-todo, esse sistema abre lugar
para o não sistêmico, o não representável.
A definição do discurso não se explicita de imediato.
Para Orlandi (1999, p. 47), “[...] o sentido é assim uma relação
determinada do sujeito – afetado pela língua – com a história”. Ao
lado disso, a autora afirma que “[...] não há discurso sem sujeito
e não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão
materialmente ligados”. Desse modo, a AD procura admitir as
razões de ser do discurso, não satisfazendo, para tanto, lançar mão
daquilo que se percebe de maneira superficial e nem a partir do
senso comum.
92
Educação, Sociedade e Cultura

3 A teoria da argumentação jurídica e a interação com a


sociedade

A teoria da Argumentação Jurídica, de Alexy (1989),


diferenças à parte, discute os problemas de fundamentação
do discurso jurídico por meio dos cânones da interpretação
(gramatical, lógico, histórico e sistemático). Ocorre que o número
desses cânones é discutível, assim como o é a existência ou não
de hierarquia entre eles. Segundo Alexy (1989, p. 18): “[...] uma
regra como intérprete de cada norma de modo a que se cumpra seu
objetivo só pode levar a resultados incompatíveis entre si, quando
cada um dos dois intérpretes tem um ponto de vista diferente sobre
o objetivo da norma em questão’’.
Na compreensão de Alexy (1989), os pontos de início de
uma argumentação, nos sistemas jurídicos, colocam-se entre o
necessário e o arbitrário, na propriedade que se pode denominar
de aceitável, como o resultado de um jogo dialogal de valores e
princípios. Cabe salientar que para a teoria da Argumentação
Jurídica se deve buscar a compatibilização da conclusão com os
dados pré-existentes, razão pela qual a ideia de coerência guarda
uma autoridade fulcral no sistema jurídico. De fato, na ciência
jurídica a racionalidade está ligada à ideia de continuidade, à
fidelidade às regras, a principiar pela regra de justiça. Formalismo
e pragmatismo caminham de forma conjunta para permitir uma
interpretação dos textos com respeito às regras já admitidas.
O autor pondera sobre a probabilidade de justificar as
decisões em um sistema de valores e objetivos, pois “[...] o sistema
axiológico-teleológico em si não permite decisão única sobre o peso
e o equilíbrio dos princípios jurídicos em dado caso [...]” (ALEXY,
1989, p. 19).
Alexy (1989), nesse contexto, propõe responder ao seguinte
questionamento: “Como esses julgamentos de valor podem ser
racionalmente fundamentados ou justificados?” A resposta para tal
questionamento é o objeto principal de sua obra e teria um:
93
Educação, Sociedade e Cultura

[…] grande peso para o problema de legitimidade da regulação


de conflitos sociais através de sentenças judiciais. Pois se os
julgamentos têm como base julgamentos de valor e esses
julgamentos de valor não são racionalmente fundamentados,
então, no mínimo, em muitos casos as convicções normativas,
respectivamente as decisões de um grupo profissional formam
a base para essa regularização de conflitos, uma base que não
se pode sem ter mais nenhuma justificação (ALEXY, 1989, p.
20-21).
Ao tentar responder ao questionamento, Alexy (1989)
sugere desenvolver uma teoria normativa (que propõe e justifica
os critérios para racionalização do discurso jurídico) e analítica
(contemplação que trata da estrutura lógica encontrada de fato ou
nos possíveis argumentos). O autor considera a respeito da teoria
do discurso:
Podemos entender a tarefa da teoria do discurso precisamente
como a de criar normas que, por um lado, sejam suficientemente
fracas, portanto, de pouco conteúdo normativo, o que permite
que indivíduos com opiniões normativas muito diferentes
possam concordar com elas – e, por outro lado, sejam tão
fortes, que qualquer discussão feita com base nelas seja
designada como racional.
Alexy (1988, p. 29) assevera que a autoridade das regras
impostas pela teoria do discurso, ainda que só possam ser
desempenhadas através da aproximação, está estabelecida no fato
de poderem ser empregadas como critérios para julgar a correção de
afirmações normativas. As regras da teoria do discurso significam,
nesse sentido, um “[...] instrumento crítico para excluir tudo o que
não seja racional numa justificação objetiva, e/ou por tornar mais
visível um ideal pelo qual valha a pena lutar’’.
A tese explicitada na teoria da Argumentação Jurídica é a
integração entre os argumentos jurídicos e os argumentos práticos
gerais para justificação racional da decisão jurídica. Distancia-se,
portanto, da tese da subordinação, segundo a qual “[...] sempre
que houver casos em que a solução não possa ser derivada
conclusivamente da lei, o discurso jurídico não passa de um
94
Educação, Sociedade e Cultura

discurso prático geral por trás de uma fachada jurídica” (ALEXY,


1988, p. 30). Igualmente, distancia-se da tese da suplementação,
conforme a qual “[...] a argumentação jurídica só pode ir até uma
parte do caminho, chegando a um ponto em que os argumentos
especificamente jurídicos não estão mais disponíveis. É aqui que
deve intervir a argumentação prática geral” (1988, p. 30).
Foucault (1999), diferenças à parte, enfatizou em sua obra
a interação entre discurso e sociedade, tendo empregado métodos
singulares, o da formação discursiva e o do interdiscurso. Segundo
a comentadora De Nardi (2002), o discurso é, para Foucault, a
consequência daquilo que o sujeito produz em linguagem, ‘é um
embate entre o sujeito e os saberes’. A prática da linguagem não é
livre, pois sofre o controle da sociedade, do momento histórico, do
mundo social e econômico (instrumentos coercitivos da sociedade).
Esse tipo de controle, conceituado como interdiscurso, acarreta
uma série de discursos que ditam quando, como e onde se deve
dizer tal coisa. Foucault (1999, p. 48), a esse respeito, explica que:
O tema da mediação universal é ainda, creio eu, uma maneira
de elidir a realidade do discurso. Isto, apesar da aparência.
Pois parece, à primeira vista, que ao encontrar em toda parte
o movimento de um logos que eleva as singularidades até o
conceito de que permite à consciência imediata desenvolver
finalmente toda a racionalidade do mundo, é o discurso ele
próprio que se situa no centro da especulação. Mas este logos,
na verdade, não é senão um discurso já pronunciado, ou antes,
são as coisas mesmas e os acontecimentos que se tornam
insensivelmente discurso, manifestando o segredo de sua
própria essência. O discurso nada mais é do que a reverberação
de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos: e,
quando tudo pode, enfim, tomar a forma do discurso, quando
tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito de
tudo, isso se dá porque todas as coisas, tendo manifestado e
intercambiando seu sentido, podem voltar à interioridade
silenciosa da consciência em si.
A edificação equivalente da subjetividade e da objetividade
como duas áreas do conhecimento racional provoca uma posição
epistemológica baseada nas ideias de neutralidade e transparência.
95
Educação, Sociedade e Cultura

Diante dessa perspectiva, o conhecimento apropriado do mundo


sobrevém quando o sujeito apreende o objeto, promovendo o uso de
meios racionais. Com objetivo de alcançar uma percepção concisa
da realidade que está diante de si, o sujeito como ser pensante deve
suprimir suas particularidades porque elas evitam o funcionamento
correspondente dos processos mentais.
Autores vinculados à teoria crítica do Direito, como Boyle
e Schroeder, acentuam que a teoria argumentativa esconde um
fato importante. Os intérpretes verdadeiramente constroem textos
jurídicos como objetos de conhecimento em função das categorias
mentais internalizadas no processo de socialização (SCHROEDER,
1992). O formalismo jurídico disfarça os diferentes processos sociais
que desenvolvem a subjetividade humana. Boyle (1991) abdica da
imagem de um sujeito autônomo. O sujeito, para o autor, é um
produto de sistemas sociais. Tais pesquisadores criticam a ideia
de interpretação jurídica como uma produção racional objetiva
de significados; enfim, as normas sociais regulam a produção de
conhecimento.
De modo similar, Maturana e Varela ressaltam na
obra “Árvore do conhecimento”: “Entende-se por conduta a
estabilidade transgeracional de configurações comportamentais
ontogrênicamente adquiridas na dinâmica comunicativa do meio
social (2009, p. 223)”. A interação social, como Maturana e
Varela (2009) afirmam, nasce através da dinâmica comunicativa,
intermedida pela linguagem, que permite que os sujeitos se
compreendam através de sistemas, símbolos e signos.
É no horizonte dessa compreensão que as normas jurídicas
são pensadas, discutidas e válidas porque foram aprovadas por
representantes políticos dos diversos segmentos sociais, escolhidos
através do voto da sociedade. Muitos pensadores analisariam esse
entendimento como excessivamente formalista e problemático
porque não considera os vários mecanismos que refletem as
desigualdades instituídas, uma vez que as próprias normas jurídicas
e o processo interpretativo podem perpetuar hierarquias sociais
(GABEL, 1980).
96
Educação, Sociedade e Cultura

Na compreensão de Beaman (1999), os discursos jurídicos


não adotam somente entendimentos tradicionais sobre questões
legais, mas têm um papel importante na forma como o Direito
molda a realidade social. Importa ressaltar a relevância das normas
legais no desenvolvimento das identidades pessoais e coletivas, O
discurso jurídico tem um papel central no processo e na forma das
decisões judiciais, porque referendam os interesses desses grupos
como objetivos de toda a sociedade.
De forma similar, Pêcheux (1997, apud SALES, 2008)
destaca que “[...] essas noções fazem parte da memória discursiva,
ou seja, algo que já foi falado antes, em outro lugar, congregando
conhecimentos e crenças sobre o mundo em que o sujeito vive”.
Compreende-se, diante das considerações precedentes, que as
teorias da Análise do Discurso e da Argumentação Jurídica,
guardadas as diferenças, têm em comum o fato de serem produzidas
através da interação social, em conjunto com o saber/poder, ora
disseminando na norma, ou seja, no ordenamento jurídico, ora nos
saberes da sociedade, o que prova a existência da interdiscursividade
no discurso jurídico.

4 Considerações finais

Esta pesquisa permitiu reconhecer a necessidade dos estudos


da linguagem na perspectiva da Análise do Discurso e da teoria
da Argumentação Jurídica. A linguagem e a comunicação, com as
novas ferramentas tecnológicas, foram intensificadas e sofisticadas
pela sociedade da informação, ampliando a demanda e importância
de um estudo crítico. Os estudos, com o uso dessas metodologias
e teorias, constituem-se em ferramentas aptas para a pesquisa,
favorecendo um melhor conhecimento a respeito do Direito, em
termos de modalidades, órgãos, operadores e ideólogos. Com
relação ao aspecto linguístico, pode-se dizer que essas perspectivas
remetem à lógica da teoria de Bakhtin (1997), para quem não há
linguagem sem diálogo e também não há discurso autônomo.
Como últimas considerações, salienta-se que através desta
97
Educação, Sociedade e Cultura

pesquisa foi possível verificar que a Análise do Discurso e a teoria


da Argumentação Jurídica reconhecem que o discurso é polifônico,
marcado pela presença de várias vozes sociais. A linguagem jurídica,
nesse sentido, é revelada como uma linguagem de poder e de
ordem, diante do seu caráter formalista, dominante e impositivo;
e a Análise do Discurso Francesa se caracteriza como instrumento
relevante de interpretação da realidade linguística, social e histórica
dos sujeitos que participam do processo jurídico discursivo.

Referências

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In: Archives de Philosophie du Droit, tome 33, pp. 23-38,
1988.
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of rational discourse as theory of legal justification. Oxford:
Clarendon Press, 1989.
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discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
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CARNEIRO, Eduardo de Araújo; CARNEIRO, Egina Carli
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do discurso. Parte 4 - Fundamentos da Análise do Discurso.
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Educação, Sociedade e Cultura

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MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do
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99
Educação, Sociedade e Cultura

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SCHOROEDER, Jeanne. Subject: object. In: University of
Miami Law Review, v. 47, n. 1, p. 2 - 119, 1992.
Capítulo 8

A SOCIALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NO ENSINO HÍBRIDO

Daiane Trichez Machado Penkal1


Adriana Pereira dos Santos2
Marco Antonio Ribeiro Merlin3

1 Introdução

O presente trabalho tem como objeto de estudo a


educação como fato social. Sendo assim, buscar-se-á
como problema, a seguinte questão: Como acontece a socialização
de crianças e adolescentes no ensino híbrido considerando o
1 Graduada em Ciências Sociais pela PUCPR e Pedagogia pela UNIFACEAR e pós-
graduada em Docência do Ensino Superior pela mesma. Atua no QPM do município
e como PSS no Estado, leciono para a Educação Infantil e Ensino Médio.
2 Mestre em psicologia social e comunitária pela universidade Tuiuti de Curitiba,
especialista em direito processual civil (PUCPR), psicopedagoga (Uninter), graduada
em direito pela universidade paranaense - UNIPAR (1999) e licenciada em pedagogia
pela faculdade Bagozzi (2014). coordenadora pedagógica dos cursos de licenciatura,
professora/tutora nos cursos de graduação presencial e na modalidade ead do centro
universitário UNIFACEAR tem experiência na elaboração de material de apoio
didático para modalidade de ensino à distância para os cursos de administração, cst
gestão em RH, logística, direito e pedagogia (UNIFACEAR). possui experiência
na área de gestão empresarial, legislação e educação. membro da rede brasileira de
formação em psicologia comunitária.
3 Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (2022), especialista em
Educação Inclusiva (2017), pelo Centro Universitário Uniandrade e no Ensino da
Arte pela Faculdade Anchieta, especialista em Docência no Ensino Superior (2021),
pelo Centro Universitário UNIFACEAR. Graduado em História (2016) e Pedagogia
(2018), ambos pela Universidade Tuiuti do Paraná. Atualmente é coordenador dos
cursos de pós-graduação e professor do Campos Universitário UNIFACEAR e leciona
a disciplina de história e filosofia no ensino privado de Curitiba. Também é professor
de disciplinas de graduação e pós-graduação Latu Senso, dos cursos relacionados a
educação. Além disso, participa do Núcleo de Pesquisa em Educação do Campo,
Movimentos Sociais e Práticas Pedagógicas (NUPECAMP), vinculado ao Programa
de Pós-graduação da Educação (PPGED), da Universidade Tuiuti do Paraná
102
Educação, Sociedade e Cultura

contexto da pandemia Covid-19?


Utilizou-se como metodologia de pesquisa a revisão de
literatura de artigos da plataforma Google Acadêmico. Utilizando
a visão pesquisada pelos autores encontrados nas plataformas
pesquisadas buscou-se à problematização das concepções teórico-
práticas da educação através do olhar teórico de Emile Durkheim.
O trabalho tem como objetivo geral investigar como
acontece a socialização de crianças e adolescentes no ensino híbrido
considerando o contexto da pandemia Covid-19. Para alcançá-lo
se dividi o texto em dois momentos, no primeiro contextualizar a
educação como fato social e analisar referencial bibliográfico sobre
o ensino híbrido. Posteriormente buscar-se-á apurar os resultados
e traçar limares de como acontece à socialização de crianças e
adolescentes no ensino híbrido.

2 Educação como fato social

Para se entender a educação como fato social e, portanto,


como agente fundamental na socialização, aborda-se primeiro o
que são fatos sociais e, por conseguinte como a educação é definida
fundamentalmente um meio de socialização.
Segundo Durkheim, os fatos sociais teriam duas
características que permitem identificá-los na realidade: são
exteriores e coercitivos. São considerados exteriores porque
consistem em ideias, normas ou regras de conduta que não são
criadas isoladamente pelos indivíduos, mas foram criadas pela
coletividade e já existem fora do indivíduo quando eles nascem.
Já os coercitivos, tem este nome, pois essas ideias, normas e regras
devem ser seguidas pelos membros da sociedade, e se acaso um
destes transgredir esse conjunto normativo e valorativo, poderá
eventualmente ser sancionado pelo grupo social (DURKHEIM,
2005 apud. VARES 2011, p.31). Com essa definição de fato social
se pode entender porque a educação é um fato social e desempenha
um papel fundamental na socialização das crianças e adolescentes
103
Educação, Sociedade e Cultura

Para Durkheim “a educação é a socialização da criança”,


sendo assim cada nação tem sua própria forma de educação, bem
como sua própria organização política, religiosa ou moral. A
educação tem por objetivo originar e desenvolver alguns estados
físicos, cognitivos e morais, elaborado pela sociedade como um
todo e particularmente pelo meio em que a criança estará, ou seja,
cada sociedade cria um tipo ideal do homem para seu uso através
do eixo educativo.
A educação se exibe como fenômeno eminentemente
social. A obra da educação surge na necessidade de sobrepor
o ser egoísta e associal que acaba de nascer para o ser capaz de
submeter-se à vida moral e social. E se as ações que as gerações mais
velhas exercem sobre as mais jovens mudam conforme o contexto
histórico e a sociedade, é porque não existe modelo perfeito ou
ideal de educação.
Apesar de todo esse caráter social da educação, podemos
afirmar que é possível individualizar, socializando, visto que educar
é socializar. Sobre a responsabilidade do Estado para com a educação
Durkheim nos diz que:
Admitido que a educação seja função essencialmente social,
não pode o Estado desinteressar-se dela. Ao contrário, tudo
o que seja educação, deve estar até certo ponto submetido
à sua influência. Isto não quer dizer que o Estado deva,
necessariamente, monopolizar o ensino (DURKHEIM, 1975
p. 48).
Ou seja, apesar da obrigação do Estado que deve estar
interessado na educação, ele não pode monopolizar todo o ensino
para ele. Para Durkheim o ser humano é dual, sendo individual
e social. O ser individual diz respeito aos estados mentais que se
relacionam somente com o individuo. O ser social é a expressão de
ideias, hábitos e sentimentos coletivos. O ser individual é natural,
porém o ser social só pode se desenvolver em sociedade e a educação
é a designada por gerar esse ser totalmente novo.
Não apenas o indivíduo faz parte da sociedade, uma parte
da sociedade faz parte dele, a sociedade vive na cabeça de cada um.
104
Educação, Sociedade e Cultura

E a consciência coletiva (sociedade) existe através das consciências


particulares (conjunto de indivíduos). “A sociedade faz o homem na
mesma medida em que o homem faz a sociedade” (RODRIGUES,
2001 p. 20). Disso podemos concluir que a sociedade não existe
individualmente, mas apenas pela cooperação entre os indivíduos,
esses que são compostos também por gerações passadas, nos
obrigando a viver de acordo com a vontade da sociedade, com
seus valores, crenças e regras. E se agimos conforme essa vontade,
é porque assim somos educados, seja no âmbito familiar, por
experiências ou na própria escola.
Por assim dizer, a finalidade da educação, consiste em tornar
o individuo humano, na medida em que faz dele um ser social,
“é uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como
queremos” (DURKHEIM, 1975), certas regras e costumes que
gostando ou não, devem ser transmitidos no processo educacional,
caso contrário a sociedade vinga o individuo mais tarde, pois não
terá condições de viver em meio aos outros quando se tornar adulto,
sendo assim, nada de ensinar ideias ultrapassadas aos pequeninos,
e nem futurísticas, tem que ser aprendido o real, o agora, viver
conforme a sociedade do momento. E a educação adequada é
própria ao meio moral de cada um, ou seja, aprender a ser um
membro de sua classe, do seu grupo, da sua profissão, do meio
moral onde está inserido, é o modo específico, particular pelo qual
o individuo se torna membro da sociedade.
Apesar disso, sempre existirão crenças e valores que devem ser
comuns a todos, uma educação fundamental que é compartilhada
por todos, é importante que haja certa conformidade no processo
educacional. Só assim é possível preservar a sociedade. Preservá-la
inclusive na própria diferenciação (RODRIGUES, 2001 p. 33).
A educação se torna essencialmente um processo de humano-
socialização.
Desse modo, percebendo a educação como sendo um
fato social e importante elemento para a socialização de crianças
e adolescentes, preocupa-se com questão de como acontece essa
socialização em período da pandemia mundial (Covid-19), em que
105
Educação, Sociedade e Cultura

as formas de ensino mudaram do presencial, até então em vigor na


maioria das instituições para outras formas, como o ensino híbrido.

2.1 O ensino híbrido

A partir da exposição anterior sobre educação, entende-se


que há várias formas de ensino, e uma dessas formas é o ensino
híbrido que ganhou maior visibilidade com a pandemia da
Covid-19 que mudou as formas de se conviver em sociedade nos
anos de 2020 até o presente momento (2021).
Segundo Horn et al. o ensino híbrido pode ser definido
como
Qualquer programa educacional formal no qual um estudante
aprende, pelo menos em parte, por meio do ensino on-line,
com algum elemento de controle dos estudantes sobre o
tempo, o lugar, o caminho e/ou ritmo. (HORN; STAKER.
2015. p. 34)
Isto é, para os autores o ensino híbrido é relevante, pois
caracteriza-se como algo que dará ritmo aos estudantes, cujo evita
que fiquem sem objetivos em seu processo de ensino aprendizagem.
Vale destacar que não irá se tratar da educação informal ou outras
formas de educar, mas sim da educação formal como colocado
em definição pelos autores supracitados, nesse contexto o ensino
híbrido é compreendido como a combinação de mais fatores além
do ensino presencial para transmissão e acompanhamento das
aprendizagens.
O modelo de ensino em que a educação consiste em
agrupar estudantes em uma sala de aula fechada e enfileirá-los é
considerado “ineficaz na aprendizagem de crianças” (CASTRO,
Eder Alonso et al, 2015 p.50) e a procura de um modo mais eficaz
cuja a aprendizagem fosse centrada na criança e adolescente trouxe
à tona o ensino híbrido:
O desafio de implantar a aprendizagem centrada no estudante
é fazê-la em larga escala, aqui entra o ensino híbrido. Sua
importância está em alimentar o ensino personalizado
106
Educação, Sociedade e Cultura

utilizando-se das ferramentas possíveis, entre elas as novas


tecnologias. (CASTRO et al., 2015 p. 51).
Na superação dos desafios causados pelo ensino tradicional
em meio a Covid-19 houve uma adesão maior ao ensino híbrido
baseado em metodologias ativas e que não tem definição além da
mistura do presencial e virtual, segundo Brito (2020) “qualquer
mistura entre o ensino presencial e o a distância é ensino híbrido,
sem que seja cogitada a possibilidade de que tal ensino tenha uma
característica própria, uma identidade singular, que o diferencie
da simples mistura” (Brito, 2020 p.03). Portanto o ensino híbrido
pode ser aplicado tanto no sistema de educação a distância quanto
no presencial, desde que aconteça a interação com os recursos
educacionais de forma simultânea.
Sobre a base em metodologias ativas que o ensino híbrido
carrega, consideram-se os “estudantes como protagonistas de seu
aprendizado” (GOBBI; MERLIN (2021). Com isso, se percebe o
distanciamento do ensino tradicional em que o protagonismo dos
estudantes não é considerado pelo ensino híbrido que combina,
além das variáveis ambientais possíveis, sala de aula virtual e/ou
presencial, também o uso de metodologias ativas que engajem o
estudante no processo de ensino-aprendizagem. Aliás, de acordo
com Brito (2020) “todos os modelos de ensino que fazem uso de
metodologias ativas são híbridos”, o que torna o ensino híbrido um
dos sistemas que mais prioriza o estudante como agente ativo em
seu caminho de aprendizagem.
Esse processo de ensino-aprendizagem proporcionado
pelo ensino híbrido foi fundamental para enfrentar a pandemia
Covid-19 que assolou o Brasil (e o mundo) em 2020. Em uma
matéria do Senado brasileiro, os dados mostram as consequências
dessa interrupção abrupta no sistema educacional:
Entre os quase 56 milhões de alunos matriculados na educação
básica e superior no Brasil, 35% (19,5 milhões) tiveram as
aulas suspensas devido à pandemia de covid-19, enquanto que
58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas. (Agência
Senado, 2020).
107
Educação, Sociedade e Cultura

De modo que o ensino híbrido foi uma das soluções


encontradas para manter ininterrupto o desenvolvimento do
processo educacional brasileiro.
Apesar de todos os benefícios citados do ensino híbrido,
que se intensificaram no contexto pandêmico da Covid-19, alguns
autores trazem críticas negativas ao sistema de ensino. É o caso
de Moreira (2020) que, nas considerações finais explanadas em
seu estudo, pondera que o processo de ensino-aprendizagem se
torna inviável em todas as camadas da sociedade, pois a interação
social entre crianças e adolescentes é afetada, já que não há
o “desenvolvimento de relações interpessoais e aquisição de
conhecimentos que não estão nos livros e que apenas o contato
físico/presencial pode fornecer” (MOREIRA 2020, p. 6288-
6289) que nem sempre são contemplados pelo ensino híbrido,
principalmente em sua interface a distância .
É certo que o ensino híbrido é adaptável e pode ser em
muito melhorado, ações pedagógicas específicas precisam ser
realizadas para aumentar sua efetividade, “é preciso fazer a triagem
de conteúdos e definir ações pedagógicas que possam dar conta
da “fusão” entre o virtual e o presencial” (BRITO, 2020, p. 8).
Assim sendo, com orientações pedagógicas próprias e até mesmo
contando com os resultados da experiência prática do ensino
híbrido no contexto da pandemia Covid-19 e ao que indica as
pesquisas bibliográficas o ensino híbrido será duradouro em nosso
sistema educacional.

3 Considerações finais

A educação tem como essência ser socializadora, quando


Durkheim define a educação como fato social, nos ajuda a entender
como e porque a educação exerce um papel fundamental em nossa
sociedade. Considerando essa importante contribuição teórica,
nos deparamos com a surpresa da pandemia Coronavírus (SARS-
CoV-2) ou ainda Covid-19, como é conhecida popularmente e a
paralisação do ensino presencial, e das metodologias aplicadas até
108
Educação, Sociedade e Cultura

aquele momento. Surgindo a necessidade de adaptação, e a adesão


do ensino híbrido. Mas, uma questão fica no ar: como acontece
a socialização dessas crianças e adolescentes, tão primordial na
educação, com o contexto da Covid-19 e o ensino híbrido? Para
isso, utilizamos a pesquisa em revisão de literatura de artigos para
auxiliar na resolução da pergunta e alcançar o objetivo permeando
dois momentos no trabalho, a contextualização da educação como
fato social e posteriormente a apuração dos resultados sobre o
objetivo proposto a partir da questão norteadora.
Conclui-se, portanto, que a educação sendo um fato social
e perpassando pelo contexto da pandemia Covid-19 a socialização
de crianças e adolescentes aconteceu de maneira prioritária no
ambiente virtual no ensino híbrido, que conforme a pesquisa
realizada foi uma alternativa encontrada para dar continuidade ao
processo de ensino-aprendizagem.
Com esse novo parâmetro descoberto, sob as condições
de uma sociedade que se vê obrigada a escolher uma maneira
alternativa de educar que não seja o ensino tradicional, e teve
por consequência a descoberta cujo o ensino ocorre de maneira
majoritária pelo virtual, fica algumas lacunas ainda para futuras
pesquisas. O assunto não se esgota aqui, várias vertentes podem
ser traçadas a partir dessa experiência, inclusive para melhorar o
ensino híbrido, que apesar da adesão como alternativa ao ensino
tradicional, tem muito que progredir.

Referências

BRASIL. AGENCIA SENADO. DataSenado: quase 20


milhões de alunos deixaram de ter aulas durante pandemia.
2020. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/
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deixaram-de-ter-aulas-durante-pandemia.> Acesso em: 18 maio
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Educação, Sociedade e Cultura

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Acesso em: 13 abr. 2021.
Capítulo 9

PEDAGOGAS E PEDAGOGOS:
CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO1

Jean Carlos Ferreira Dourado2


Odair Ledo Neves3
Raquel da Costa Barbosa4

1 Introdução

O campo brasileiro abrange uma diversidade de espaços


com características distintas, que produzem modos de
vida e de relações sociais, culturais e produtivas diversas. Portanto,
o conceito de campo ultrapassa o sentido centrado no ideário
urbano de definição deste espaço apenas como um oposto à cidade.
No sentido assumido a partir da construção de um conceito
marcado pela identidade, o campo é entendido como território
que se forma a partir de diversos outros conceitos, constituindo-
1 Texto elaborado para o debate com a temática: O Pedagogo na Educação do Campo,
no evento em homenagem ao dia do Pedagogo, promovido pela Faculdade de Ciência
e Tecnologia da Bahia – FACITE, em Santa Maria da Vitória – BA. 17 de maio de
2019.
2 Pedagogo pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Professor da rede municipal
de ensino de Serra do Ramalho-BA. E-mail: jeanserra79@yahoo.com.br
3 Doutorando em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). Mestre em Educação do Campo pela Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB). Membro do grupo de Estudos e Pesquisas em
Movimentos Sociais e Educação do Campo e da cidade – GEPEMDECC.
Professor da rede municipal de ensino de Serra do Ramalho-BA. E-mail:
odairln@yahoo.com.br
4 Licenciada em Pedagogia (UNEB), especialista em Ensino de Geografia e História
com Ênfase em Educação Ambiental (UNYAHNA), mestranda em Educação do
Campo (UFRB), professora da Rede Municipal de Correntina, docente do Curso de
Pedagogia da FACITE.
112
Educação, Sociedade e Cultura

se enquanto território camponês, cuja definição apresentada


por Fernandes In Caldart et. al (2012 p. 746), representa este
entendimento:
O território camponês é o espaço de vida do camponês. É o
lugar ou os lugares onde uma enorme diversidade de culturas
camponesas constrói sua existência. O território camponês é uma
unidade de produção familiar e local de residência da família,
que muitas vezes pode ser constituída de mais de uma família.
Esse território é predominantemente agropecuário, e contribui
com a maior parte da produção de alimentos saudáveis,
consumidos principalmente pelas populações urbanas. (grifos
do autor).
Nessa perspectiva, é possível compreender que considerar
o campo enquanto o contrário de cidade, assume um caráter
reducionista de valorização de um espaço em detrimento de outro.
Portanto, o debate em torno da definição do campo enquanto lugar
de vivência e de identidade, envolve também o reconhecimento
dos diversos espaços camponeses: espaços da floresta, da pecuária,
da agricultura, das minas, espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos,
extrativistas, comunidades quilombolas, territórios indígenas,
assentamentos da reforma agrária e comunidades tradicionais.
Se a diversidade é uma marca do território camponês,
a educação do seu povo também precisa estar pautada nesta
característica para atender às necessidades específicas destas
populações. Desse modo, o povo camponês, organizado em
movimentos definiu a trajetória da educação do campo com uma
construção marcadapela luta e pelo protagonismo.
Considerando o exposto, o presente texto tem o objetivo
de trazer alguns aspectos que permeiam a temática da Educação
do Campo, no sentido de fornecer elementos básicos para a
compreensão de alguns conceitos e da construção histórica da luta
e do debate, além de instigar uma leitura mais aprofundada acerca
deste importante tema para a formação de pedagogas e pedagogos.
113
Educação, Sociedade e Cultura

2 Educação do Campo, território e sujeitos: breves reflexões

No cerne de sua origem, a Educação do Campo nasce


das reivindicações e lutas dos movimentos sociais por políticas
educacionais para comunidades camponesas, de um lado, os sem-
terra pela implantação de escolas nas áreas de reforma agrária, e
de outro, comunidades camponesas, lutando para não perderem
suas escolas e as experiências sociais e culturais construídas em suas
comunidades. Essa discussão é aprofundada por Caldart (2008, p.
72) quando ela afirma que,
A Educação do Campo nasceu também como crítica a uma
educação pensada em si mesma ou em abstrato; seus sujeitos
lutaram desde o começo para que o debate pedagógico se
colasse a sua realidade, de relações sociais concretas, de vida
acontecendo em sua necessária complexidade.
Segundo Caldart (2008), a Educação do Campo fundamenta-
se numa tríade: – Campo – Política pública – Educação. Assim,
defende o vínculo com sujeitos concretos,traz um recorte específico
de classe sem perder de vista sua dimensão de universalidade, pois
para Caldart (2004, p. 12) “faz o diálogo com a teoria pedagógica
desde a realidade particular dos camponeses, mas preocupada com
a educação do conjunto da população trabalhadora do campo e,
mais amplamente, com a formação humana”.
A materialidade da Educação do Campo está principalmente
nos processos formativos de sujeitos coletivos e nas lutas sociais
do campo, isto implica dizer que, a escola do/no campo defende
os interesses, a política, a cultura e a economia da agricultura
camponesa. Implica, portanto, na construção de conhecimentos
e tecnologias para o desenvolvimento social e econômico da
população do campo.
Após conhecer a materialidade que sustenta a Educação
do Campo, faz-se necessário uma discussão sobre como o campo
foi pensado historicamente, assim verificamos nesse processo, um
histórico marcado pela ausência de políticas públicas que atentassem
para a situação de abandono, a que a população campesina estava
114
Educação, Sociedade e Cultura

submetida. Paralela a tal situação, os sujeitos moradores do campo


eram constantemente vítimas de preconceitos e estereótipos de
natureza social, cultural e econômica.
Era lugar comum v o campo como espaço de atraso e
de pouca qualidade de vida. Essa situação é reflexo do processo
histórico do contexto agrário brasileiro, em que predominava os
senhores de engenho e os barões do café, no cenário atual, os donos
do agronegócio.
É nesse contexto, que emerge o camponês, grupo de pessoas
que possuem terras cultivadas pelos próprios membros da família,
como enfatiza Costa e Carvalho (2012, p.113, apud Costa, 2000,
p.116-130):
Camponeses são aquelas famílias que, tendo acesso à terra e
aos recursos naturais que ela suporta, resolvem seus problemas
produtivos – suas necessidades imediatas de consumo e
o encaminhamento de projetos que permitam cumprir
adequadamente um ciclo de vida da família – mediante
a produção rural, desenvolvida de tal maneira que não se
diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do
trabalho dos que se apropriam do resultado dessa alocação.
É preciso destacar que as famílias que vivem no campo
produzem, consomem e comercializam o excedente da produção
e, tal relação tem sido cada vez mais comprometida com a invasão
e o desenvolvimento do capitalismo no campo, que traz consigo a
introdução de insumos e máquinas agrícolas.
Diante desse contexto, precisamos entender que para
os povos que vivem no campo a terra se configura como espaço
polissêmico, dada à amplitude de relações queo camponês estabelece
com ela, produção e reprodução da vida, de produção de cultura, de
saberes, de sociabilidade, de sustentabilidade. Fato constatado por
Fernandes (2008, p. 40-41), ao caracterizar a paisagem do território
do agronegócio e apaisagem do território camponês,
A paisagem do território do agronegócio é homogêneo,
enquanto a paisagem do território camponês é heterogêneo.
A composição uniforme e geométrica da monocultura se
115
Educação, Sociedade e Cultura

caracteriza pela pouca presença de pessoas no território,


porque sua área está ocupada por mercadoria, que predomina
na paisagem. A mercadoria é a expressão do território do
agronegócio. A diversidade dos elementos que compõem a
paisagem do território camponês é caracterizada pela grande
presença de pessoas no território, porque é nesse e desse
espaço que constroem suas existências, produzindo alimentos.
Homens, mulheres, jovens, meninos e meninas, moradias,
produção de mercadorias, culturas e infraestrutura social,
entre outros, são os componentes da paisagem dos territórios
camponeses (...).
A reflexão trazida por Fernandes permite entender o
território camponês em sua totalidade, isto é, marcado por uma
diversidade de paisagens, modos de vida e a presença de pessoas que
vivem nele. Convive hoje com o grande desafio de conseguirmanter
seu território e sua soberania e fazer enfrentamento ao capital.
Ao pensar o território camponês, é possível discutir as
relações culturais que permeiam o espaço do campo, marcado pela
diversidade cultural, neste sentido cultura, aqui é compreendida
como “toda criação humana resultante das relações entre os seres
humanos e deles com a natureza que leva ao estabelecimento de
modos de vida. Trata-se da criação e da recriação que emergem
daquelas relações em que os humanos ao transformarem o mundo,
simultaneamente transformam a si próprios” (TARDIN, 2012, p.
178).
Tardin (2012) é enfático ao afirmar que o campesinato tem
sua constituição a partir da diversidade de sujeitos sociais históricos
tecidos culturalmente na relação familiar, comunitária e com a
natureza, demarcando assim territórios, fazendo transformações
necessárias à reprodução material e espiritual, isto é, ao mesmo
tempo em que determina e marca sua humanização, humaniza a
natureza num intricado complexo de agroecossistemas.
Discutir os sujeitos do campo requer o reconhecimento de
traços marcantes de identidades e manifestações culturais, a saber:
religiosidade, festas, modos de falar, devestir e de se relacionar entre
si e com o meio. Essas peculiaridades são característicaspróprias da
116
Educação, Sociedade e Cultura

cultura como bem ressalta Santos (2006, p.8) “cultura diz respeito
à humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos
povos, nações, sociedades e grupos humanos. Quando se considera
as culturas particulares que existem ou existiram, logo se constata a
sua grande variação”.
Assim sendo, toda cultura é permeada de valores e
sentidos para aqueles que a vivem e, materializa-se dentro de uma
lógica interna que justifica suas práticas, costumes, concepções
e, até mesmo as transformações que são passíveis de acontecer. A
esse respeito, emerge a importância e o desafio de pensar uma
Educação do Campo que valorize as diferentes culturas presentes
nesses espaços e principalmente, fortaleça o campo como lugar de
possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos para a
produção das condições necessárias à existência social.
É a partir da necessidade de se ter uma educação do campo,
que além de ser desenvolvida no espaço físico camponês, seja
produzida pelos sujeitos camponeses trazendo toda a diversidade
de modos de vida, produção cultural, econômica, tecnológica,
intelectual, e seja voltada para os povos do campo.

3 Trajetória histórica de construção da Educação do


Campo

O protagonismo dos povos do campo foi determinante


para a afirmação da necessidade de se construir uma educação do
campo, no campo, produzida pelos sujeitos camponeses e voltada
para as suas necessidades. No entanto, as políticas públicas capazes
de promover a garantia da dignidade ao povo camponês, ainda
estão longe de serem efetivadas por completo. Mas, faz-se necessário
destacar que o patamar onde se coloca a educação do campo,
atualmente, deve-se inteiramente à luta e à organização dos sujeitos
do campo. Por isso, cabe trazer os momentos marcantes dessa
construção para que se perceba os avanços obtidos.
1997 - Realização do I Encontro de Educadoras e Educadores
117
Educação, Sociedade e Cultura

da Reforma Agrária (ENERA), momento marcante da


luta política em que, segundo Oliveira e Santos (2012, p.
238) se promoveu uma ruptura com o sentido histórico da
educação rural.
1998 – Realização da I Conferência Nacional por uma
Educação Básica do campo, tendo expressiva participação dos
Movimentos Sociais do Campo, Sindicatos, Universidades,
Organizações docentes, dentre outros sujeitos envolvidos
com o crescente debate da Educação do Campo;
2001 e 2002 – Edição do Parecer nº 36/2001 e a Resolução
nº 1 de 3 de abril de 2002, que institui as Diretrizes
operacionais para a Educação Básica nas Escolasdo Campo.
2003 – Criação do Grupo Permanente de Trabalho de
Educação do Campo, no âmbito do MEC;
2004 – Realização da II Conferência Nacional por uma
Educação do Campo, momento marcante em que se
afirmou a Educação como direito dos povos do campo e
dever do Estado.
2010 – Criado o Fórum Nacional de Educação do Campo,
pontuado por Caldart (2012, p. 261), como um esforço
para retomar a articulação dos movimentos sociais, no
intuito de ampliar o debate para o espaço das universidades
e institutos federais.
Tais acontecimentos podem ser considerados como marcos,
portanto diversos outros que surgiram como fruto destes momentos
chave, contribuíram para o avançonas políticas de educação voltadas
para os povos do campo. Nesse aspecto também cabe destaque a
implantação e ampliação de cursos de nível técnico e superior no
âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA) nas Universidades e Institutos Federais em todo o
país, além de programas de Pós- graduação com linhas de pesquisa
específicas sobre a Educação do Campo.
Todas essas e tantas outras são conquistas históricas dos
sujeitos do campo, que não devem arrefecer a luta nem sucumbir
118
Educação, Sociedade e Cultura

ao retrocesso das forças da elite dominante que não abriu mão


de seus privilégios, tampouco aceitou que as classes populares
conquistassem direitos.
A Educação do Campo é movimento, é construção e se
faz diariamente por seus sujeitos em sua dinâmica de produção da
vida, da cultura, da economia, enfim, dos jeitos de ser do povo
camponês.

4 Para saber mais sobre a Educação do Campo – indicações

Livro: Por Uma Educação do Campo organizado por


Miguel Gonzalez Arroyo, Roseli Salete Caldart e Mônica
Castagna Molina. Petrópolis: Vozes, 2004;
Dicionário da Educação do Campo, organizado por Roseli
Salete Caldart, Isabel Brasil Pereira, Paulo Alentejano e
Galdêncio Frigotto, da Editora Expressão Popular, 2012.
Leis e Resoluções: Educação do Campo: marcos
normativos, Ministério da Educação,2012.
Revista Brasileira de Educação do Campo, da
Universidade Federal do Tocantins –UFT, disponível em
https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/campo/
index.

Referencias

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Continuada, Alfabetização,Diversidade e Inclusão – SECADI.
Marcos Normativos, Brasília, 2012.
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Roseli Salete et al. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo.
3. ed. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012.
CALDART, Roseli Salete. Sobre educação do campo. In:
119
Educação, Sociedade e Cultura

SANTOS, Clarice Aparecida dos Santos. Educação do campo:


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2008.
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de. Campesinato. In:CALDART, Roseli Salete et al. (orgs.).
Dicionário da Educação do Campo. 3. ed. Rio de Janeiro:
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FERNANDES, Bernardo Mançano. Educação do campo e
território camponês no Brasil. In: SANTOS, Clarice Aparecida
dos (Org.). Educação do campo: campo,políticas públicas,
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CALDART, Roseli Salete et al. (orgs.). Dicionário da Educação
do Campo. 3. ed. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012.
cultura. São Paulo: Brasiliense, 2006.
MOLINA, Mônica Castagna; SÁ, Lais Mourão. Escola do campo.
In: CALDART, RoseliSalete et al. (orgs.). Dicionário da Educação
do Campo. 3. ed. Rio de Janeiro: ExpressãoPopular, 2012
OLIVEIRA, Lia Maria Teixeira de; CAMPOS, Marília. Educação
Básica do Campo In: CALDART, Roseli Salete et al (orgs.)
Dicionário da Educação do Campo. 3. ed. Rio deJaneiro:
Expressão Popular, 2012.
SOUZA, Shirley Pimentel de. Educação escolar quilombola:
as pedagogias quilombolas na construção curricular. 112f. 2015.
Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação, Universidade
Federal da Bahia, 2015.
TARDIM, José Maria. Cultura camponesa. In: CALDART,
Roseli Salete et al. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo.
3. ed. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012.
Capítulo 10

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E


ATUAÇÃO DO PROFESSOR

Jean Carlos Ferreira Dourado1


Romário Pereira de Carvalho2
Odair Ledo Neves3

1 Introdução

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade


de ensino que perpassa todos os níveis da Educação
Básica do país, destina-se aos jovens, adultos e idosos que não
tiveram acesso à educação na escola convencional na idade
apropriada (BRASIL, 1996). Assim, possibilita ao aluno o retorno
aos estudos e a conclusão do processo educacional, tendo como
intuito a qualificação dos estudantes no engajamento social,
político, cultural e também a inserção no mercado de trabalho.
Em todo processo de construção do conhecimento da
Educação de Jovens e Adultos, é essencial o resgate dos saberes,
das histórias contadas pelos sujeitos, compreender as lembranças
e compartilhar com os outros estudantes, viabilizando assim, o
fortalecimento de significados para a aprendizagem.

1 Pedagogo pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Professor da rede municipal


de ensino de Serra do Ramalho-BA. E-mail: jeanserra79@yahoo.com.br
2 Mestrando em Ensino pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).
Especialista em Educação do Campo pelo Instituto Federal Baiano (IFBAIANO).
Membro do Grupo de Estudos Etnicidades, Relações Raciais. Professor da rede
municipal de ensino de Ruy Barbosa. E-mail: romariouneb@hotmail.com
3 Doutorando em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). Mestre em Educação do Campo pela Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia (UFRB). Membro do grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais
e Educação do Campo e da cidade – GEPEMDECC. Professor da rede municipal de
ensino de Serra do Ramalho-BA. E-mail: odairln@yahoo.com.br
122
Educação, Sociedade e Cultura

Assim sendo, o presente trabalho tem como objetivo tecer


algumas reflexões sobre o papel do professor como mediador do
processo de ensino aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos.

2 Educação de Jovens e Adultos: o professor como mediador

Para fazer essa discussão, partimos da compreensão


que a Educação de Jovens e Adultos enquanto modalidade da
educação básica busca contemplar aqueles sujeitos que não
tiveram oportunidade de frequentar e concluir os estudos em uma
instituição de ensino no período regular, mantendo-os distantes
dos espaços escolares por diversos motivos, o que se inclui fatores
de ordem social, cultural, políticos, dentre outros.
Como afirma Moreira (2014) a educação de jovens e adultos
não é algo recente, vem desde o período colonial. A educação
jesuítica no Brasil permaneceu até o ano de 1759, época em que
estes foram expulsos do país, por Marquês de Pombal. Com a
expulsão dos Jesuítas a EJA no Brasil sofre uma grande ruptura,
passando então a servir aos interesses do Estado e não mais da igreja.
A educação de adultos teve início com a chegada dos jesuítas
em 1549. Essa educação esteve, durante séculos, em poder dos
jesuítas que fundaram colégios nos quais era desenvolvida uma
educação cujo objetivo inicial era formar uma elite religiosa
(MOURA 2004, apud SANTANA).
Neste seguimento, podemos afirmar que a EJA teve início
no Brasil no período colonial, por volta de 1549, e nessa época a
educação era uma tarefa que ficava nas mãos da igreja e não do
Estado. Os jesuítas ensinavam os índios a ler e escrever, para que
além de servirem a igreja pudessem realizar um trabalho manual.
Moura (2003) faz uma reflexão acerca da EJA no período
colonial:
Com a expulsão dos jesuítas de Portugal e das colônias em
1759, pelo marquês de pombal toda a estrutura organizacional
da educação passou por transformações. A uniformidade da
ação pedagógica, a perfeita transição de um nível escolar para
123
Educação, Sociedade e Cultura

outro e a graduação foram substituídas pela diversidade das


disciplinas isoladas. Assim podemos dizer que a escola pública
no Brasil teve início com pombal os adultos das classes menos
abastadas que tinha intenção de estudar não encontravam
espaço na reforma Pombalina, mesmo porque a educação
elementar era privilégio de poucos e essa reforma objetivou
atender prioritariamente ao ensino superior. (MOURA, apud
SANTANA).
Deste modo, com a expulsão dos jesuítas do Brasil,
desorganizou o sistema de ensino até então existente. Em seguida,
no período imperial a Educação de Jovens e Adultos volta a ter novas
iniciativas, por meio da abertura de escolas noturnas. Assim, busca-
se uma reorganização da sociedade brasileira e para isso, entendia-
se que fosse necessário que a educação atingisse a toda população,
porém não eram todos que tinham o direito de frequentar às
escolas, como se percebe nos artigos 4º e 5º do decreto 7.031 de 6
de setembro de 1878:
Art. 4º Os cursos noturnos das escolas urbanas começarão a
funcionar desde já. Os das escolas suburbanas serão abertos
quando o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império determinar, tendo em consideração as circunstancias
locais.
Art. 5º Nos cursos noturnos poderão matricular-se, em
qualquer tempo, todas as pessoas do sexo masculino, livres
ou libertos, maiores de 14 anos. As matriculas serão feitas
pelos Professores dos cursos em vista de guias passadas pelos
respectivos Delegados, os quais farão nelas as declarações
da naturalidade, filiação, idade, profissão e residência dos
matriculados. (BRASIL, 1878).
Como afirma Moreira (2014), no ano de 1889 tem início
no Brasil o período republicano que se inicia com a Proclamação
da República e perdura até hoje. A educação de adultos começa a
consolidar-se no sistema público de ensino a partir da década de 30,
período em que a sociedade passa por transformações e processo
de industrialização, o que alavanca o ensino para jovens e adultos,
conforme mostra a proposta curricular:
124
Educação, Sociedade e Cultura

A educação básica de adultos começou a delimitar seu lugar


na história da educação no Brasil a partir da década de 30,
quando finalmente começa a se consolidar um sistema público
de educação elementar no país. Neste período, a sociedade
brasileira passava por grandes transformações, associadas ao
processo de industrialização e concentração populacional em
centros urbanos. A oferta de ensino básico gratuito estendia-
se consideravelmente, acolhendo setores sociais cada vez mais
diversos. (PROPOSTA CURRICULAR, 1997, P. 30).
É nesse contexto de transformação social que a educação
de adultos ganha força a priori para atender às necessidades do
processo de industrialização, que não tinha a menor intenção de
despertar consciência crítica do sujeito. A Constituição de 1934
estabelece o PNE que regulamenta como dever do Estado o ensino
primário, integral e gratuito, inclusive para os adultos.
Neste sentido, nos anos 1940 foi marcada por altos índices
de analfabetismo no Brasil, o que fez com que o governo criasse um
fundo destinado a alfabetização da população adulta.
Cabe destacar que, a política educacional desta época
tinha dois objetivos principais: formar mão de obra para atender
ao mercado de trabalho e formar eleitores, tendo em vista que
analfabetos na época não votavam. Dessa forma, foi criada a
campanha nacional de educação de adolescentes e adultos.
Na década de 1960, a EJA tem seu marco na história,
quando há uma grande mobilização da sociedade em busca das
reformas de base, é quando surge uma nova concepção de pedagogia
de alfabetização baseada em Paulo Freire.
Como afirma Moreira (2014), Freire no ano de 1963 foi
incumbido de desenvolver um programa nacional de alfabetização
de jovens e adultos que foi interrompido no ano de 1964, devido a
ditadura e golpe militar. A partir deste momento um novo regime
comanda o Brasil e novos programas de alfabetização de jovens e
adultos começam a ser criados, no entanto, longe de um caráter
crítico e reflexivo.
Em 1967 o Movimento Brasileiro de Alfabetização
125
Educação, Sociedade e Cultura

(MOBRAL), para todos os analfabetos de 15 a 30 anos de idade,


um programa tradicional e conservador. Em 1985 o Mobral foi
extinto. Em 1988, foi promulgada a nova Constituição e nela
amplia-se o dever do Estado para com a EJA, passando então a
garantir o ensino fundamental e gratuito para todos.
Muitos avanços aconteceram, por meio da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), n.º 9.394/96 que assegura:
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles
que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos
jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos
na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas,
consideradas as características do alunado, seus interesses,
condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
(BRASIL, 1996).
Neste sentido, a Educação de Jovens e Adultos é uma
modalidade complexa, que sustenta discussões para além de ensinar
a ler e escrever. O perfil dos alunos da EJA em sua maioria são
trabalhadores em busca de melhores condições de vida, melhora da
autoestima, e que buscam vencer as barreiras da exclusão provocadas
por um sistema educacional excludente.
Neste sentido, o público atendido pela EJA é de pessoas que
na idade regular não puderam estudar, ou que, por não se sentirem
atraídos pelo conteúdo escolar acabaram deixando à escola. Fato que
contribuiu para exclusão dos indivíduos analfabetos na sociedade
e na escola. Muitos são os problemas que dificultam o ingresso de
pessoas no ensino na idade regular, alguns destes problemas são:
gravidez precoce, drogas, condições financeiras, dentre outros
(PEDROSO, 2010).
Neste ponto, os sujeitos da EJA são aqueles que foram
excluídos da sociedade letrada impedindo-os de participar
ativamente das questões postas pela sociedade contemporânea.
Enquanto dívida social, a modalidade busca equalizar as
desigualdades existes no país, preparando os sujeitos também para
126
Educação, Sociedade e Cultura

qualificação profissional, com intuito de desempenhar funções que


são exigidas pelo mercado de trabalho. Neste sentido,
A educação de jovens e adultos é toda educação destinada
aqueles que não tiveram oportunidades educacionais em idade
própria ou que tiveram de forma insuficiente não conseguindo
alfabetizar-se e obter os conhecimentos básicos necessários
(PAIVA, 1973, p.16).
Dessa forma, podemos compreender esses sujeitos como
pessoas que em sua maioria tem como objetivo de vida, aprender
a ler e escrever, isto é, inserir-se no processo de alfabetização –
ler, escrever e fazer cálculos simples. Nesse sentido, Freire (2002)
defende que um professor dedicado para a educação popular tem que
acreditar em mudanças, não pode ensinar apenas a ler e escrever, é
preciso haver uma mudança de paradigma, e transmitir esperanças,
fazer com que o aluno se transforme em sujeito pensante, crítico e
consciente do que lhe envolve no dia a dia, o professor tem que ter
prazer, alegria e reverberar esses sentidos nos alunos.
O professor da EJA precisa compreender as especificidades e
diferenças dos educandos, pois, cada estudante possui saberes e, cabe
ao professor, de modo crítico/reflexivo, instigar o saber cotidiano
e as experiências de vida, inserindo o saber cotidiano ao currículo
escolar, despertando e motivando-os a aprender e continuar no
processo educacional. Para Freire (2002), a educação deveria
corresponder a formação plena do ser humano, denominada por
ele de preparação para a vida, com formação de valores, atrelados a
uma proposta política de uma pedagogia libertadora, fundamental
para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária:
Não é possível atuar em favor da igualdade, do respeito aos
direitos à voz, à participação, à reinvenção do mundo, num
regime que negue a liberdade de trabalhar, de comer, de falar,
de criticar, de ler, de discordar, de ir e vir, a liberdade de ser.
(FREIRE, 2002, p. 193).
No percurso dessa modalidade de ensino, é interessante que
o professor, seja mediador do processo de ensino e aprendizagem,
pois, o conhecimento acontece por meio de trocas de saberes
127
Educação, Sociedade e Cultura

e experiências adquiridas ao longo da vida. É importante que o


educador seja um mediador do conhecimento, tenha sabedoria
e humildade de aprenda juntamente com os alunos, uma troca
de sabres que acontece de forma simultânea, descobrindo novas
possibilidades de ensino dentro da realidade vivenciada pelos
sujeitos. Como defende Gadotti,
Em nenhum contexto, alfabetizar-se constitui num ato neutro.
Na verdade, ninguém alfabetiza ninguém. O alfabetizador
não alfabetiza o aluno. Ele é mediador, entre o aprendiz e a
escrita, entre o sujeito e o objeto desse processo de construção
autônoma do conhecimento. Esta mediação consiste em
estruturar atividade que permitam ao alfabetizando agir e
pensar sobre a escrita e o mundo (GADOTTI, 2008, p. 59).
Nesse sentido, o professor assumindo o processo de mediação
do conhecimento instiga os estudantes, para que esses se tornem
críticos, reflexivos e conscientes, pois, “é o sujeito que constrói o
seu próprio conhecimento para se apropriar do conhecimento dos
outros” (GADOTTI, 2008, p. 59).
Como política de afirmação social, os educadores que estão
engajados e comprometidos com a Educação de Jovens e Adultos,
devem possuir consciência da necessidade da busca de mecanismo,
metodologias inovadoras, terias de linguagem simples e acessível
que motive o público alvo a dar seguimento ao processo de
aprendizagem, ou seja, o professor deve ser um ser motivador, que
possibilite significados para a aprendizagem do educando, devem
aproximar incessantemente os conteúdos a realidade do educando ,
para que esses se tornem e se sintam parte do processo.

3 Considerações finais

O objetivo de tecer algumas reflexões sobre o papel do


professor como mediador do processo de ensino aprendizagem na
Educação de Jovens e Adultos, foi o que motivou a escrita deste
trabalho, momento em que se firma como deve ocorrer o processo
de ensino/aprendizagem, respeitando os saberes dos estudantes,
128
Educação, Sociedade e Cultura

além disso, que as aulas sejam libertadoras, pois o ensino e


aprendizagem na EJA devem ser crítico e reflexivo e se reconhece o
professor como o principal mediador desse processo.

Referências

BRASIL. Decreto nº. 7031 de 6 de setembro de 1878.


Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/
decret/1824-1899/decreto-7031-a-6-setembro-1878-548011-
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BRASIL. Plano Nacional de Educação. Lei nº 13005/2014.
Disponível em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/
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BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 31
out. 2021.
FREIRE, P. Conscientização teoria e prática de libertação. São
Paulo. Cortez e Morais,1979.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à
prática educativa. 35. Ed. São Paulo: Paz e terra, 1986.
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Moacir Gadotti. - São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008.
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(EJA): uma reflexão sobre o abandono escolar. Monografia, UEB.
Brasília DF, 2014.
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e Adultos EJA, na visão de Paulo Freire. Monografia de
Especialização Paranavaí-paraná. 2013.
PAIVA. Vamilda Pereira, Educação popular e educação de
jovens e adultos, Rio de Janeiro: Edição Loyola, 1973.
129
Educação, Sociedade e Cultura

PEDROSO, Sandra Gramilich. Dificuldades encontradas no


processo de educação de jovens e adultos. In: I Congresso
Internacional da Cátedra Unesco de Educação de Jovens e
Adultos, 2010, João Pessoa. Jovens, Adultos e Idosos: os sujeitos
da EJA. João Pessoa: EDITORA UNIVERSITÁRIA UFPB,
2010. Disponível em: <http://www.catedraunescoeja.org/GT05/
COM/COM019.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2021.
SANTANA, Daniela Cordeiro. Eja: breve análise da
trajetória histórica e tendências de Formação do
educador de jovens e adultos. Editora Realize. Disponível
em: < http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/
trabalhos/28e93eb53881513e51959a43ae232800_1862.pdf>.
Acesso em: 30 de setembro de 2014.
Capítulo 11

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA
EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

Raquel Schuquel da Luz de Oliveira1

1 Introdução

A tecnologia esteve presente ao longo da história da


humanidade, evoluindo junto com as civilizações,
ganhando cada vez mais espaço e tornando-se indispensável no
mundo inteiro. No âmbito educacional não foi diferente, pois
cada vez mais as tecnologias digitais vêm ganhando espaço como
ferramenta indispensável para o processo de ensino-aprendizagem.
Com a pandemia da COVID-19 tornou-se ainda mais evidente a
importância da tecnologia na prática pedagógica e a necessidade da
formação de professores voltada para o uso de tais recursos.
A suspensão das aulas em todo o Brasil e no mundo, como
meio de prevenção a propagação do coronavírus trouxe diversos
processos de transformação na educação. Com o distanciamento
social tornou-se impossível que os alunos se reúnam nas escolas,
exigindo a adaptação das práticas de ensino através das tecnologias
digitais disponíveis. Porém, por mais que haja inúmeros recursos
tecnológicos nem todos tiveram acesso a tais metodologias
em tempos convencionais o que acabou por causar maiores
desigualdades de acesso dos alunos ao ensino e a aprendizagem.
Nesta pesquisa o leitor encontrará uma breve analise
das transformações tecnológicas advindas da pandemia na

1 Possui licenciatura em Pedagogia pela Faculdade Liberdade. Pós-graduação em


Coordenação Pedagógica pela Prominas. Pós-graduação em Tecnologias Digitais na
Educação pela URI – Campus de Santo Ângelo. Atualmente é professora de Educação
Infantil na Escola Municipal de Educação Infantil Raios de Sol - São Nicolau.
132
Educação, Sociedade e Cultura

educação básica, os processos que permanecerão pós-pandemia,


as dificuldades enfrentadas pelos educadores em adaptar-se aos
recursos tecnológicos que se tornaram indispensáveis para as aulas
remotas e os conflitos gerados na vida dos alunos pela ausência
física do educador e de toda a estrutura escolar durante o ano letivo
2020.
Espera-se contribuir para uma melhor compreensão
dos efeitos da pandemia da COVID-19 em diversos aspectos
da educação para que se possa pensar em soluções para as
consequências deixadas por este período tanto para os alunos e
suas famílias, quanto para educadores. Visa-se também identificar
alguns processos que permanecerão vigentes na prática pedagógica e
prometem revolucionar o meio educacional através das tecnologias
digitais.

2 As tecnologias digitais na educação em tempos de


pandemia

O ser humano vive em constante evolução, seja no aspecto


físico, emocional ou social. As transformações acontecem por vezes
de maneira lenta e despercebida, outras vezes de maneira rápida
e de grande notoriedade. Para sua sobrevivência ao longo da
história, precisou adaptar-se a diversos ambientes e situações. Com
o objetivo de tornar sua vida mais prática e facilitar os processos
cotidianos o homem criou diversos inventos que evoluíram desde
a antiguidade e seguem evoluindo nos dias atuais. Estes inventos
se constituíram em tecnologias que proporcionaram ao homem
uma facilidade maior de locomoção, comunicação ou até mesmo
serviram para tornar sua vida mais prazerosa.
Através da tecnologia o homem transformou o seu modo
de viver, de trabalhar, de se relacionar e conviver em sociedade. As
revoluções industriais e sociais trouxeram uma nova realidade para
diversos aspectos da vivencia humana. Com isso, fez-se necessária
uma adaptação do meio educacional para as novas demandas do
133
Educação, Sociedade e Cultura

mercado de trabalho que foi se tornando mais informatizado e


automatizado. Assim, a escola passou a pensar na tecnologia como
instrumento de educação.
Dentre tantas criações humanas, existem algumas que são
úteis ao ensino e a aprendizagem. A fala humana e a escrita são
exemplos antigos de tecnologias relevantes à educação, evoluindo
para o livro impresso, giz e quadro-negro, chegando a ferramentas
mais modernas como a fotografia, rádio, televisão, computadores e
internet, por exemplo. O uso destes recursos no fazer pedagógico
veio como facilitador do processo de ensino-aprendizagem.
Desta forma, a tecnologia mudou o perfil do público que
chega à sala de aula. A velocidade em que a informação chega e
o número de pessoas que esta alcança de uma só vez foi sendo
ampliado na medida em que os recursos tecnológicos foram se
expandindo. Assim, as práticas pedagógicas convencionais tiveram
que ser repensadas para suprir este vácuo que se formava entre a
educação bancaria e um mundo cada vez mais interligado pela
tecnologia.
O uso das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC´s) na prática docente vem sendo discutido e analisado há
muitos anos. A indagação sobre como essas ferramentas viriam a
contribuir para a aprendizagem dos alunos se tornou objeto de
estudos e pesquisas em todo o mundo. Surge então a necessidade
de refletir sobre a afirmação de Paulo Freire:
Se esta exigência, saber que mudar é difícil mas é possível,
teve sempre que ver com a “natureza” da prática educativa,
as condições históricas atuais marcadas pelas inovações
tecnológicas, a sublinham. (FREIRE, 2000, p. 94).
Com todos os estudos e pesquisas sobre como as TIC´s
viriam a beneficiar a educação e os desafios impostos por esse
processo, sempre se soube da necessidade de mudanças no meio
educacional. Porém, a implementação de um sistema de ensino
considerando a tecnologia como uma ferramenta de mediação da
aprendizagem sempre esteve longe de ser uma realidade para todos.
134
Educação, Sociedade e Cultura

Ao pensar a tecnologia na prática pedagógica, destaca-se


a importância de compreendê-la, não como um mero recurso ou
uma ferramenta para recreação. Pensar na tecnologia como parte
integrada do processo educativo e com fins pedagógicos se tornou
o grande desafio das ultimas décadas. Os alunos vêm para escola,
trazendo uma bagagem de informações e conhecimentos muito
além do que se possa imaginar, pois está constantemente ligado ao
mundo através das mídias digitais.
Marinho, (2002, p. 46) entende que a escola precisa
assumir que não é mais detentora do conhecimento e dá o exemplo
do computador como ferramenta essencial na busca por trazer para
o espaço escolar aquelas informações que estão ao alcance de todos
e de forma instantânea através da internet. Estes conhecimentos
e experiências adquiridas previamente pelo aluno precisam ser
consideradas no planejamento do educador e pela escola como um
todo em suas ações.
A pandemia, advinda da doença causada pelo vírus SARS-
CoV-2, conhecida como COVID-19, ou popularmente como
CORONAVÍRUS, trouxe a tona a grande lacuna existente entre os
debates em torno da tecnologia na educação e a realidade das escolas
em todo o território nacional. Esta doença altamente contagiosa e
fatal para muitos, surgiu no fim do ano 2019, na cidade de Wuhan,
na China e se espalhou rapidamente por todos os países do mundo
levando as autoridades a tomarem medidas drásticas de prevenção
no sentido de conter a proliferação do vírus. Uma destas medidas
foi o fechamento imediato de todas as escolas, em todas as esferas e
modalidades.
Com as escolas fechadas, e o distanciamento social visto
como principal meio de diminuir os contágios e assim retardar
o avanço da doença, a educação foi obrigada a se adaptar, mais
uma vez, a nova realidade, imposta pelo medo e pela dor de muitas
vidas perdidas. Muitas empresas optaram pelo trabalho em casa,
conhecido como Home Office e outras tantas fecharam suas
portas, devido à grande crise econômica resultante do fechamento
e limitações impostas ao comércio e indústrias, levando muitos
135
Educação, Sociedade e Cultura

trabalhadores a passarem mais tempo em casa. Desta forma,


constituiu-se também uma nova realidade para muitas famílias e
consequentemente para os alunos.
Diante deste cenário, toda a estrutura educacional precisou
de uma solução imediata para que a suspensão das aulas presenciais
trouxesse o mínimo possível de prejuízo na aprendizagem dos
alunos. Como afirma Campos (2006, p. 61):
A contribuição de Papert para o processo de ensino-
aprendizagem é a de nos lembrar que ser inteligente
significa estar situado, conectado e sensitivo às variações do
ambiente. Papert busca chamar nossa atenção para o fato
de que, se mergulharmos em situações de aprendizagem ao
invés de olhá-las a certa distância, se tivermos com ela uma
maior conectividade ao invés de estarmos separados, elas se
tornarão poderosas para nosso aprendizado. O envolvimento,
a aplicação plena àquilo que estamos aprendendo é, em sua
teoria, a chave para o verdadeiro aprendizado.
A educação encontrou nas TIC´s uma alternativa para
que o vínculo escolar fosse mantido, mesmo em circunstâncias
tão imprevisíveis. Educadores e educandos precisaram apropriar-
se de aplicativos e plataformas, outrora desconhecidos por muitos.
As variações do ambiente, antes do espaço escolar e agora da casa,
da realidade, das dificuldades, mais do que nunca tiveram que ser
consideradas no planejamento dos professores e gestores, visando à
aprendizagem destes alunos.
O grande desafio da formação docente com relação às
novas metodologias de ensino tornou-se mais um obstáculo a ser
vencido em meio a tantas dificuldades. Boa parte dos professores,
há anos lecionando na sala de aula tradicional, tiveram que superar
o fato de não ter ainda habilidades para utilizar os recursos digitais
e tecnológicos. A inclusão das tecnologias na prática pedagógica
sempre foi vista de longe e experimentada aos poucos. Com as aulas
remotas, toda a comunidade escolar foi direcionada a mergulhar
nas novas experiências de aprendizagem mediada pela tecnologia.
O professor precisou concentrar seus esforços em propor
136
Educação, Sociedade e Cultura

aos alunos atividades que se adaptem as condições emocionais e


sociais de cada individuo, reforçando a ideia de que
Somente uma escola centrada democraticamente no seu
educando e na sua comunidade local, vivendo as suas
circunstâncias, integrada com seus problemas, levará os seus
estudantes a uma nova postura diante dos problemas de
contexto. (FREIRE, 2001, p. 85).
O distanciamento entre o professor e o aluno em tempos
de pandemia e com as aulas remotas leva a repensar o papel e a
importância do educador no processo de ensino e aprendizagem, visto
que a falta de mediação do educador na prática e presencialmente
levou muitos alunos a uma grande lacuna na sua aprendizagem
e fez com que pais e responsáveis entendessem que o professor
possui uma habilidade única que em muitas oportunidades não era
entendida como essencial.
Durante toda esta adequação manteve-se e tornou-se
imprescindível ao professor a tarefa de conhecer as necessidades e
interesses de seus alunos e assim, adequar os objetivos, conteúdos
e métodos, propondo atividades que instiguem e despertem o
interesse em aprender de uma forma diferenciada e convencional,
tornando-o autodidata. Segundo D’Ávila (2011. p. 63),
a mediação didática, consiste em estabelecer as condições
ideais à ativação do processo de aprendizagem. Depende, pois,
de uma relação de caráter psicopedagógico estabelecida entre o
professor e seus alunos e de uma relação didática estabelecida
de modo disciplinar ou interdisciplinar entre esse mesmo
professor e os objetos de conhecimento.
O professor foi desafiado pela pandemia a encontrar métodos
que pudessem ser adaptados ao momento de crise. Considerar
que a aprendizagem ocorre em todos os lugares e dentro de cada
individuo torna-se primordial, quando professor e aluno precisam
interagir, cada um em sua casa. As atividades propostas por meio
de aplicativos e plataformas on-line agora passam a envolver não só
o educando, mas todos os membros do grupo familiar.
No inicio da pandemia se pensava que a suspensão das aulas
137
Educação, Sociedade e Cultura

presenciais se daria por um curto espaço de tempo. Porém, com


a propagação do vírus em velocidade cada vez mais acelerada, as
aulas remotas foram se estabelecendo por mais tempo e perdurando
durante todo o ano letivo 2020.
As dificuldades enfrentadas há décadas pela educação
brasileira só aumentaram durante a pandemia. Uma das
consequências imediatas para educação é o aumento do abandono
escolar. Segundo um estudo conduzido pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), Instituto Claro e CENPEC
Educação, 1,38 milhão de pessoas, equivalente a 3,8% das crianças
e adolescentes brasileiros, com idades entre 06 e 17 anos deixaram
de estudar presencial ou remotamente até outubro de 2020. Dos
alunos que diziam estar estudando, 4,12 milhões, equivalente a
11,2%, disseram não terem recebido nenhuma atividade escolar
mesmo não estando em férias.
O abandono escolar está diretamente ligado ao aumento
da desigualdade social, visto que a escolaridade está relacionada ao
nível de renda. A dificuldade de acesso aos recursos tecnológicos e
à internet inviabilizou o acompanhamento das aulas remotas.
O direito à educação é assegurado por lei por meio da
Constituição Federal (1988), no artigo 6°, citando a educação como
um dos direitos sociais que deve ser oferecido de forma igualitária e
universal. No artigo 205 a Constituição diz que:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o mercado de
trabalho. (BRASIL, 1988, art. 205)
Um dos grandes obstáculos para que esse direito fosse
assegurado a todos foi que nem todas as instituições escolares
estavam prontas para oferecer um ensino remoto. Escolas
particulares, com maior poder de aquisição, ofereceram algum tipo
de recurso enquanto as instituições públicas enfrentaram uma cruel
realidade de desigualdade e impotência. Há pesquisas sobre TIC’s
que apontam que em torno de 14% das escolas públicas (municipais
138
Educação, Sociedade e Cultura

e estaduais) faziam uso de ambientes ou plataformas digitais antes


da pandemia e que 39% dos alunos de escolas públicas não tem
acesso a computador ou tablet em casa, isso acontece com 9% dos
estudantes de escolas particulares. O acesso a internet somente pelo
celular se dá para 21% dos alunos de escolas públicas e o índice cai
para 3% em escolas privadas.
Essa realidade não se constituiu agora, mas é resultado do
tempo de descaso e desvalorização da educação pública. Papert já
questionava:
Com muito mais poder persuasivo do que a filosofia de um
pensador até mesmo tão radical como Dewey, a informática,
em todas as suas diversas manifestações, está oferecendo aos
Inovadores novas oportunidades para criar alternativas. A
pergunta que permanece é: estas alternativas serão criadas
democraticamente? Em essência, a educação pública mostrará
o caminho ou, como na maioria das coisas, a mudança
primeiro melhorará as vidas dos filhos dos ricos e poderoso e
apenas lentamente e com um certo grau de esforço entrará nas
vidas dos filhos do resto de nós? (PAPERT, 1994:13)
Sabendo que o uso das TIC’s como ferramenta pedagógica
será incorporada a todos os níveis da educação faz-se necessário
pensar em soluções para que a aprendizagem ocorra igualmente para
todos independente de sua condição social ou financeira. Um dos
caminhos seria buscar junto ao Governo Federal um barateamento
dos recursos tecnológicos, seja de aparelhos digitais ou de acesso
a internet, para alunos de escolas públicas. Com isso, será de fato
viável para as instituições proporcionarem educação on-line para os
alunos, já que hoje, o ensino não chega para muitos, pelo fato de
não terem acesso amplo à internet e a tecnologia.
Outra ação para melhorar a qualidade do ensino, seria por
meio do Ministério da Educação, ofertando estratégias e auxiliando
o professor na transição do ensino presencial para um ensino
remoto, ou híbrido, através de cursos de capacitação e valorização
do trabalho docente, tornando esse processo menos traumático
para estes profissionais.
139
Educação, Sociedade e Cultura

Não são poucos os impasses para a educação pós-


pandemia. As experiências vividas, tanto por educadores quanto
por educandos e suas famílias no período de distanciamento social,
causaram traumas sócio emocionais que deverão ser trabalhados e
superados. O ensino híbrido, com parte das aulas presencias e parte
remota, vai exigir da escola uma adaptação curricular de acordo
com as necessidades individuais e coletivas, bem como considerar
as circunstâncias que esse cenário irá trazer.
Os recursos tecnológicos já não poderão ser vistos como
uma forma de interagir com o aluno em casa, mas estarão presentes
dentro das salas de aula e o acesso deverá ser proporcionado a todos
dentro do espaço escolar. A internet, vista como um ambiente rico
em possibilidades de aprendizagem se tornará a ferramenta mais
potente para que pessoas interessadas e motivadas possam aprender.
Esta nova perspectiva da educação digital e tecnológica
traz um novo grau de autonomia do aluno na construção do
conhecimento, afinal, tanto durante a pandemia e o ensino remoto,
quanto no pós-pandemia e um ensino hibrido, o educando passa a
se auto-disciplinar para estudar em casa, estabelecendo horários e
formas de aprender.
Para falar de um retorno as escolas, será necessário fazer
uma releitura de mundo e do pós mundo que irá nascer. Este novo
formato de educação, que recebe alunos diferentes, também formará
pessoas diferentes. A escola deverá reforçar ainda mais o principio
de oferecer aos alunos experiências significativas na construção de
conhecimentos e valores que estarão diretamente ligados a nova
conjuntura social.
Não é somente no âmbito educacional que a tecnologia
ganhou espaço com a pandemia. Na indústria, no comercio,
nas relações sócio-afetivas, na economia, também aconteceram
transformações importantes relacionadas ao uso da tecnologia que se
modernizou ainda mais para suprir as necessidades da humanidade
em meio a uma catástrofe jamais antes vista. Com isso, os desafios
tecnológicos para a educação tendem a aumentar com o passar do
tempo, já que a sociedade como um todo, exige pessoas cada vez
140
Educação, Sociedade e Cultura

mais preparadas para lidar com o mundo do trabalho e das relações


sociais cada vez mais interligado pela internet e pelos aparelhos
digitais e tecnológicos.

3 Considerações finais

A tecnologia sempre esteve presente na vida humana


e algumas invenções foram consideradas úteis ao processo
educacional. Porém, com a evolução e criação de novos recursos
a escola passou a experimentar lentamente as novas ferramentas
disponíveis. É bem verdade que sempre se olhou para a tecnologia
como um complemento possível de ser usado, mas não essencial.
Com a pandemia, essa visão mudou completamente.
O distanciamento social impôs aos alunos, famílias,
professores e gestores uma nova realidade, pois o novo cenário
levou a escola e o trabalho para dentro dos lares. O professor
precisou, mais do que nunca, adaptar suas práticas e pautar suas
ações nas necessidades e limitações dos alunos. Os alunos, por sua
vez, precisaram enfrentar a realidade social e econômica para chegar
o mais próximo possível da aprendizagem.
A solução encontrada para que o ano letivo 2020 tivesse
continuidade em meio à pandemia da COVID-19, foi de levar as
aulas para as plataformas digitais e aplicativos de comunicação,
porém, estas ações não alcançaram a todos de igual maneira. A
proposta das aulas remotas evidenciou um fato histórico no Brasil,
da desigualdade de acesso às informações e ao conhecimento.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s)
estão presentes e cada vez ganhando mais espaço em todas as
esferas da sociedade. Ao longo do tempo essas tecnologias foram
transformando as pessoas e os alunos que chegam as escolas,
carregados de informações e questionamentos cada vez mais
complexos.
Desta forma, a reflexão do papel da escola neste momento
histórico leva a conclusão de que a tecnologia não pode mais ser vista
141
Educação, Sociedade e Cultura

como um mero instrumento de educação, mas como parte integrada


do mundo do trabalho e das relações sociais como um todo.
Se a educação e a aprendizagem são processos que ocorrem
dentro de cada individuo onde quer que ele esteja, as ferramentas
digitais se tornam um importante aliado na função do educador
como mediador dos conhecimentos. Afinal, a educação não mudou,
pois segue pautada em um conteúdo pedagógico e em atividades
com intencionalidades de aprendizagem. O que de fato mudou, foi
a forma como as informações são levadas até as pessoas.
A grande dificuldade, que sempre existiu e se agravou com
a pandemia, é a de fazer com que a aprendizagem seja oferecida
a todos, fazendo valer o principio da igualdade e da equidade.
Para que esses princípios se tornem uma realidade por meio dos
recursos tecnológicos, demanda de políticas públicas voltadas para
a formação de profissionais docentes visando à capacitação para o
uso de tais ferramentas, bem como de programas que facilitem o
acesso a aparelhos adequados e a internet.
A epidemia do COVID-19 não nos deixou opção do uso
ou não dos recursos tecnológicos em todos os âmbitos e momentos.
Principalmente no que refere à educação. Somos um povo que não
possui o habito de estudar de maneira não convencional, porém,
temos que nos adaptar porque os tempos mudaram.
É essencial que firmemos parcerias e criemos consciência
de que as mudanças serão permanentes, visto que o vírus estará por
muito tempo entre nós e que haverá outros desafios como este no
futuro. Além disso, o uso destas ferramentas facilita em muito a
aprendizagem se usada de maneira eficaz.
A tecnologia que já estava presente antes da pandemia será
agora parte essencial. Mediante isto, o governo deverá proporcionar
facilidades de acesso aos recursos, principalmente aos profissionais
de educação para que possam fazer um trabalho qualificado. A escola
precisa fazer parcerias com as famílias que são parte indispensável
do processo ensino aprendizagem e os educandos deverão possuir
o acesso e o incentivo para que se tornem sujeitos atuantes do seu
142
Educação, Sociedade e Cultura

processo de aprendizagem. Acredita-se que seja primordial não


só o acesso, mas a qualidade deste ensino aprendizagem de forma
diferenciada, caso contrário a lacuna será gigante tornando as
desigualdades imensuráveis e sem precedentes.

Referências

BRASIL. [Constituição (1998)]. Constituição da República


Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1998.
4.ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
CAMPOS, Flávio Rodrigues. Robótica pedagógica e inovação
educacional: uma experiência no uso de novas tecnologias na sala
de aula. Dissertação (Mestrado em Educação, Artes e História
da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo,
2005.
FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. 3. ed. São
Paulo: Cortez, 2001.
MARINHO, Simão Pedro. Tecnologia, educação
contemporânea e desafios ao professor. In: Joly, Maria Cristina
R. Azevedo (org). A Tecnologia no Ensino: implicações para a
aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a
escola na era da informática. Ed. rev. Porto Alegre: ARTMED,
2008.
RICHIT, Adriana. Implicações da Teoria de Vygotsky aos
Processos de Aprendizagem e Desenvolvimento em Ambientes
Mediados pelo Computador. Revista Perspectiva, Erechin, RS,
v.28, n. 103, p. 21-32. Set 2004.
Capítulo 12

REPRESENTATIVIDADE FEMININA NA
POLÍTICA: UM ESTUDO ACERCA DO
SISTEMA DE COTAS E O REPASSE DE
VERBAS NO MUNICÍPIO DE ROSÁRIO
DO SUL/RS

Jalusa de Souza Sampaio1


Juliano Gonçalves Valli2

1 Introdução

E ste estudo trata da participação das mulheres na política


tendo como foco os cargos legislativos, particularmente
no Estado do Rio Grande do Sul e, em especial na cidade de Rosário
do Sul, durante as últimas eleições e os desdobramentos com ênfase
no repasse de verbas destinadas à promoção das mulheres.
A sociedade brasileira, diante das inúmeras dificuldades
vividas por mulheres devido à desigualdade de gênero, associada
à estrutura patriarcal e segregadora vivida no país desde a sua
colonização, nos últimos tempos, está passando por um movimento
de conscientização das injustiças que permeiam, em especial,
as posições de poder da mulher na política, o que sempre fora
silenciado pela retórica dominante.

1 Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha –


URCAMP, Campus de São Gabriel-RS. E-mail: jalusafernandes@gmail.com
2 Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (2002) e Especialista em Direito Ambiental e Agrário pela
Faculdade de Direito de Santa Maria (2008). Professor da Universidade da Região
da Campanha e Advogado Liberal da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional
do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito
Público. E-mail: julianovalli@urcamp.edu.br
144
Educação, Sociedade e Cultura

Verifica-se, na atualidade, que as mulheres estão, a cada


dia mais, ocupando diversos cargos de gestoras tanto nos órgãos
públicos como nas empresas e vêm, gradativamente demonstrando
grandes aptidões para exercerem cargos de liderança e gestão pública
contribuindo assim, para a construção de uma nova sociedade mais
justa, organizada e igualitária para todos.
Este novo cenário vem ajudar a minimizar séculos de
preconceitos e machismos aos quais as mulheres foram e ainda são
submetidas, impedindo-lhes igualdade de direitos estabelecidos na
Constituição Brasileira. Verifica-se que ainda há resquícios dessas
barreiras que não possibilitam às mulheres avançarem nos espaços
de poder.
Percebe-se, então, a grande necessidade da equidade de
gênero, principalmente na esfera política, mas a admissão das
mulheres nesse setor, por via de regra, possui um grande complicador
que é a submissão social enquadrada pela sociedade, que a coloca
num patamar distante dos cargos públicos, principalmente dos que
se encontram em níveis hierárquicos elevados.
Contudo, a política de cotas obrigatórias aos partidos, como
também, as normas de repasse de verbas destinadas à promoção das
mulheres na política ainda são temáticas bastante complexas frente
à representatividade e à busca pela igualdade que tanto se almeja.
Deste modo, este artigo se justifica pois é notória a crescente
importância de adquirir conhecimento sobre a participação das
mulheres na política sejam em cargos majoritários ou proporcionais
buscando entender o sistema de cotas e sua efetividade, assim como
a questão do repasse de verbas destinadas à promoção das mulheres
na política.
Logo este trabalho busca responder aos questionamentos
acerca das mudanças ocorridas na legislação a partir do sistema de
cotas e do repasse para as mulheres e se os mesmos garantem a
devida representação feminina na política.
Sendo assim, a proposta é analisar a participação e a
influência feminina na política no que se refere ao sistema de cotas
145
Educação, Sociedade e Cultura

e no repasse de verbas. Para isso, buscou-se analisar historicamente


a participação feminina nas diferentes esferas da sociedade;
diagnosticar a participação das mulheres no processo eleitoral e
contrapor com o cumprimento das leis; e, por fim, descrever os
principais entraves no sistema de cotas e no repasse de verbas
destinados exclusivamente às mulheres tendo como estudo de caso
o Município de Rosário do Sul/RS, nos cargos legislativos, referente
a eleição de 2016.
Diante destas prerrogativas, tem-se como hipótese que
apesar das melhorias legislativas no sistema de cotas e no repasse de
verbas exclusivamente para as mulheres a equidade na política ainda
está muito aquém do que se é esperado uma vez que as mulheres são
a maior parte da população e não possuem representação política
adequada, apesar dos seus avanços ainda há muito a progredir para
que exista a devida representatividade feminina na política.
Por conseguinte, este trabalho usa o método de abordagem
dedutivo (partindo do entendimento geral até o específico). Utiliza
como método de procedimento histórico e bibliográfico uma vez
que será realizada uma abordagem histórica sobre as trajetórias
e desdobramentos acerca da participação feminina nas esferas
de poder, especificamente na política, e, ainda, levantamentos
de dados estatísticos oficiais que abordem estas questões como o
IBGE, TRE e TSE.
Portanto, o trabalho apresenta, primeiramente, o panorama
da participação feminina nas esferas de poder, especificamente
no âmbito político destacando as legislações acerca da temática.
Posteriormente, relacionou-se a participação feminina na política,
especificamente no que se refere ao sistema de cotas e ao repasse
de verbas tendo como objeto de pesquisa as eleições legislativas no
município de Rosário do Sul/RS.
146
Educação, Sociedade e Cultura

2 Participação feminina nas esferas de poder

A participação das mulheres nas esferas de poder no século


XXI, principalmente nos espaços políticos de liderança e de alta
gestão, consagrou-se como o tema do estudo desta pesquisa,
por ser de suma importância para a sociedade vigente, sendo ele
extremamente reflexivo. Deste modo, este trabalho busca apresentar,
primeiramente, a participação e importância da mulher na política
ao longo da história na construção da sociedade da forma como a
conhecemos hoje.
De acordo com Alves, Pinto e Jordão (2012, p. 32),
A apresentação dos obstáculos extrapartidários impeditivos
de uma maior ampliação das candidaturas segue, portanto,
duas direções: uma que se atribui as dificuldades à concepção
dominante masculina sobre a política; e outra que enfatiza o
papel conferido “pela sociedade” às mulheres.
Em 1992, as mulheres se apropriavam de, meramente,
4% dos cargos de liderança executiva, de acordo com a CUT
(Confederação Única dos Trabalhadores), e em 2003 a contribuição
das mulheres subiu para 32%. Diante do progresso feminino no
mercado de trabalho, na sociedade contemporânea brasileira, elas
respondem por 43,8% do total de trabalhadores, mas a efetivação
declinou conforme o nível hierárquico e atualmente representa
aproximadamente 37% dos níveis de direção e gerência e na
sumidade das grandes empresas elas são apenas 10% (PIOVESAN,
2008).
Segundo uma reportagem feita pelo jornal O Globo, em 06
de março de 2017, a mulher ganha 76% do salário dos homens
e quanto mais alto o cargo e a escolaridade, maior a desigualdade
de gênero. Porém, na média da população a escolaridade feminina
é maior, obtendo oito anos de estudo, enquanto o homem possuí
7,6 anos. Para a economista do IBGE, Cristiane Soares (2017, s/p):
Muitas mulheres escolhem carreiras em que podem conciliar
trabalho com as tarefas de casa, mãe, esposa, cuidadora. Outras
abrem mão da carreira ou dão prioridade para a ascensão do
147
Educação, Sociedade e Cultura

marido, por ele ganhar mais. Há vários aspectos que restringem


essa ascensão, inclusive o machismo, pois alguns homens ainda
não aceitam a ideia de serem comandados por uma mulher
(SOARES, 2017 apud ALMEIDA, 2017, s/p).
Cabe salientar, dentro de uma perspectiva cronológica de
empoderamento feminino e das transformações sociais referentes à
conquista do legado de desenvolvimento da autonomia da mulher,
que, segundo Scott (2005), a alteridade de gênero é a origem mais
decrépita, influente e ecumênica de vasta especulação doutrinária
estimada no que concerne tudo que rodeia a sociedade.
A inserção desta como predicamento de análise concebeu-
nos a percepção da instauração do patriarcado e (re)produziu
estereótipos de gênero, favorecendo a construção e a preservação da
opressão contra as mulheres. Diante desta infortunada e controversa
concepção que imerge, sobre a sociedade, a ideologia do poder
contextualizada nas tempestuosas relações de poder (SCOTT,
2005).
A partir dessa concepção de que a mulher carece da ocupação
do espaço doméstico, permitindo que o homem siga seu caminho
natural no âmbito público, tal valor torna-se senso comum e
intrínseco na sociedade. Em vista da sujeição do ser feminino e da
hierarquização patriarcal, somadas à restrição aos cargos de poder,
desencadeou a ausência integral da atuação feminina no espaço
público, protelando a autonomia feminina.
A contribuição da mulher em proveito da construção
de uma sociedade mais igualitária também é vista na política ao
longo dos anos. Assim, comprova-se como a participação feminina
nos espaços de poder pode contribuir para a transformação da
sociedade, tornando-a mais justa e igualitária. Corrobora também
nos investimentos dos setores governamentais em políticas
afirmativas, com programas e com incentivos que auxiliam as
mulheres a desenvolverem a sua liderança.
148
Educação, Sociedade e Cultura

3 Participação das mulheres na política e as legislações


pertinentes

Em 1927, Celina Guimarães Viana registrou um marco


histórico na consagração da mulher no país, sendo a primeira
eleitora registrada no país, a qual reivindicou seu direito a partir
do próprio texto constitucional do Estado que provinha o voto
sem distinção de sexos. No ano seguinte, ocorreu a primeira
eleição em que as mulheres votaram, vãmente, uma vez que, fora
posteriormente anulada, pautada na justificativa de que era preciso
lei específica para tutelar o direito de seus votos, não impedindo
que em 1929, houvesse a primeira prefeita eleita da América do
Sul, na cidade de Lages no Rio Grande do Norte: Alzira Soriano,
exercendo o cargo por um ano (ARAÚJO, 1998).
Ainda no decorrer dessa luta, em 1932, foi garantido
o direito de voto às mulheres, mas, não só apenas as que eram
casadas, somente diante da autorização do marido, como também
às viúvas que obtivessem renda própria para seu sustento (PINTO,
2010). Ainda que tenha sido um grande avanço referente ao
desenvolvimento do empoderamento feminino, esse pré-requisito
para o voto era demasiado paradoxal, uma vez que, por mais que
trouxesse autonomia de valores políticos para parte das mulheres
na sociedade, impossibilitava outras que ainda não eram casadas,
ou que não desejavam o matrimônio, por não terem o direto a
voto, delimitando cada vez mais a perspectiva de libertação
feminina, estimulando o vínculo de submissão ao homem através
da concepção de insuficiência social.
A partir desse impedimento, a concessão do sufrágio para
as casadas apenas visava a manutenção das regras patriarcais, as
quais almejavam a manutenção do status de submissão da mulher
perante o marido. Novamente, as vontades masculinas estão
acima da paridade de gênero, mantendo a mulher sob as rédeas
do casamento e do espaço privado, fato esse que será modificado
com o advento da Constituição Federal de 1988 (CAVALCANTI,
2004).
149
Educação, Sociedade e Cultura

Além dos inúmeros avanços trazidos pela nova norma


jurídica, como a total normatividade internacional de adesão aos
direitos humanos, apresenta também a mais vasta proteção de
direitos iguais e legítimos de toda a história do Brasil, no que se
refere à proteção de direitos civis e políticos das mulheres e dos
homens. Como configura Barsted e Pitanguy (2011, p. 34):
“[...] nosso país não só assinou todos os documentos relativos ao
reconhecimento e às proteções aos direitos humanos das mulheres,
como também apresenta um quadro legislativo bastante avançado
no que se refere à igualdade de direito entre homens e mulheres”.
As mulheres conquistaram o direito ao voto muito antes da
criação e adoção na Carta Magna brasileira, porém a Constituição
veio para deixar bem claro a condição feminina, no que se refere
aos direitos fundamentais, inclusive ao sufrágio, exercido pelos dois
gêneros em posição de igualdade, em detrimento de um direito
certo e inviolável aos olhos da lei, na qual todos são considerados
iguais (CAVALCANTI, 2004).
Portanto, de todas as Constituições brasileiras criadas, a
Carta de 1988 foi responsável por consagrar as diretrizes sociais
e assegurar a participação popular em todos os seus aspectos de
direitos e deveres, além de desmistificar a inferioridade feminina
perante os homens na sociedade, tratando-as como indivíduos e
não mais incluindo a desigualdade dos gêneros.
De acordo com estatísticas eleitorais realizadas pelo
Tribunal Superior Eleitoral, em 2021 as mulheres integram
52,84% do eleitorado nacional, o que corresponde a 77.148.942
de eleitoras no universo global de 145.991.936 votantes no Brasil.
Uma porcentagem que aumenta conforme o passar dos anos (TSE,
2021).
Em relação ao ato de se candidatar a um cargo eletivo, são
consideradas algumas determinações constitucionais como: ter a
nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, a
filiação partidária, a idade mínima que é trinta e cinco anos para
os cargos de Presidente, Vice-Presidente e Senador, trinta anos para
150
Educação, Sociedade e Cultura

Governador e Vice-Governador e Estado e do Distrito Federal,


vinte e um anos para os cargos de Deputados e Prefeito e dezoito
para Vereadores. Lembrando que os inelegíveis são os inalistáveis e
os analfabetos (BRASIL, 1988).
Um dos marcos que diretamente persuadiu a sociedade
de que era necessária a criação da legislação de cotas na América
Latina, foi a 4ª Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher,
ocorrida em 1995 em Beijing na China. O evento teve como viés
a relevância da representatividade feminina em cargos políticos,
culminando na política de cotas de gênero em diversos países
(MARQUES, 2018). Rigorosamente, por esse motivo, houve uma
vultuosa aderência às cotas por numerosos países a posteriori, posto
que a ideia foi direcionada às nações através de seus governantes.
Segundo Alves, Pinto e Jordão (2012, p. 45):
As cotas foram idealizadas com o objetivo de gerar medidas
reparatórias no sentido mais concreto de proporcionar,
nas disputas eleitorais, uma vantagem inicial às mulheres,
compensando ao menos em parte os prejuízos devidos ao seu
ingresso forçosamente tardio na política.
Sob efeitos da influência gerada na conferência, a Deputada
Marta Suplicy, ainda em 1995, propôs o Projeto de Lei de Cotas
que provinha da concepção de que os partidos deveriam ter um
diminuto estipulado de candidaturas femininas, possibilitando a
participação das mulheres nos espaços de decisão e avolumando a
sua representatividade. A priori, a Lei nº. 9.100/95 predizia que,
nas eleições municipais de 1996, deveria haver 20% do total de
candidaturas reservadas para vereadoras (ALVES; PITANGUY,
2003).
A Lei de nº. 9.504, de 30 de setembro de 1997, estabeleceu
algumas normas para as eleições, fazendo com que cada partido
ou coligação deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de
60% para candidaturas de cada sexo, ocasionando, uma alteração
que consequentemente impôs a presença das mulheres na política
do país. Tais comandos estão em coerência com a Convenção
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra
151
Educação, Sociedade e Cultura

a Mulher, que estabelece o dever do Estado de proibir qualquer


forma de discriminação, como também manter o dever de zelar
pela igualdade.
Porém, em 2018, o percentual de mulheres candidatas para
as eleições foi de 31,6% do total de candidaturas para os cargos
federais e estaduais, sendo 16,2% eleitas neste último pleito (TRE,
2018). Ao analisar os percentuais para a Câmara dos Deputados
pode-se perceber um aumento de 51% na representação feminina
em relação ao ano de 2014, assim como nas assembleias legislativas
de tiveram um aumento de 41,2% em relação ao pleito anterior
(ALVES, 2020).
Segundo o sociólogo Alves (2020) o crescimento tem
ficado abaixo do esperado e do que aconteceu em outros países que
adotaram algum tipo de política de cotas. Os resultados tímidos
da lei se devem à forma como a legislação foi adotada no Brasil,
uma vez que a Lei “reserva” 30% das vagas para cada sexo, mas não
obriga que cada partido preencha as vagas destinadas para o sexo
que tem representação minoritária. Em consequência, nenhum
partido cumpriu a cota de 30% na média nacional nos últimos
pleitos.
Com relação as cotas e repasse de verba, Alves (2020, online)
afirma que:
Então, está na hora de mudar essa cota para 50%. E aí,
obviamente, os recursos para financiamento dessas candidaturas
têm que ser aplicados mesmo, os partidos precisam adotar esse
sistema de paridade também na sua estrutura. É um conjunto
de coisas que precisam ser feitos. É claro que isso não significa
que você vá eleger 50% de mulheres, o aumento não seria
nessa proporção, mas vai aumentando.
Ainda em 2018, a Câmara dos Deputados exibiu um gráfico
demonstrativo sobre a evolução da bancada feminina na Câmara de
1933 a 2018.
152
Educação, Sociedade e Cultura

Gráfico 1 - Evolução da Banca Feminina na Câmara

Fonte: Câmara dos Deputados/CEDI3

Diante desse demonstrativo, embora haja uma curva


ascendente da participação das mulheres na vida pública, é possível
perceber que os resultados ainda são irrisórios, visto que a Lei nº
9.504/97 de implementação das cotas nas candidaturas femininas
ainda não alcançou o mínimo almejado.
Apesar de ter ocorrido uma grande evolução de direitos
e possibilidades para o gênero feminino, o universo de mulheres
representantes dentro da política do Brasil ainda é bastante inferior.
Em decorrência dos anos, esses números obteve um leve aumento,
mas, consideravelmente insuficientes para se igualar a porcentagem
dos homens.
Com relação à paridade de gênero, o mesmo autor afirma
em entrevista a Sanny Bertoldo, editora do Blog Gênero e Número
(2020, online):
Estamos longe do que seria o ideal quanto à paridade de
3 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/
secretaria-da-mulher/imagens/imagem.2018-10-10.7154017689/view. Acesso em:
22 set. 2021.
153
Educação, Sociedade e Cultura

gênero. A meta é pelo menos meio a meio. Você não pode


obrigar o eleitorado a votar, mas se tivéssemos 40%, 45% de
mulheres, seria mais aceitável. O que acontece é que, nestas
eleições, apenas 16% de mulheres foram eleitas para as
câmaras municipais. É muito pouco. Sempre me perguntam
quando vamos chegar à paridade. De 2016 para 2020 foi um
dos maiores avanços que houve nesse sentido, mas esse avanço,
que é mais ou menos de 2,5%, é lento. Então, se continuarmos
nesse ritmo, só em 56 anos teremos paridade entre homens e
mulheres nas câmaras municipais. Nas prefeituras é ainda pior.
Geralmente o que acontece é que, quando há mais mulheres
na política municipal, isso acaba refletindo nas prefeituras. Só
que, do jeito que as coisas caminham, precisaríamos de 300
anos para que a paridade chegasse às prefeituras (BERTOLDO
apud ALVES, 2020, online).
No dia 01 de janeiro de 2011, na qualidade de primeira
presidente eleita na história do país, a então presidenta Dilma
Rousseff, juntou-se ao total de 11 mulheres chefes de governo, no
conjunto de 192 países e inaugurou com o seu discurso de posse
proferindo as seguintes palavras:
Pela decisão soberana do povo, hoje será a primeira vez que
a faixa presidencial cingirá no ombro de uma mulher. (…)
sei que o meu mandato deve incluir a tradução mais generosa
desta ousadia do voto popular que, após levar à Presidência
um homem do povo, decide convocar uma mulher para
decidir os destinos do país. […] Para além da minha pessoa,
a valorização da mulher melhora a nossa sociedade e valoriza
nossa democracia.
É relevante o número de mulheres participando das demais
esferas sociais e espaços de representação política. Porém, nesses
meios, a representação das mulheres em cargos de poder é ainda
bem menor do que a dos homens. Segundo a revista Exame,
tendo os dados das 500 melhores e maiores empresas, apenas três
mulheres exerciam posição de presidente. Numa avaliação do Guia
das 100 melhores empresas para trabalhar, as mulheres possuíam
apenas 24% do total de gerentes e 7,7% de cargos como diretor
(VICENTIN, 2021).
154
Educação, Sociedade e Cultura

Em decorrência da ignóbil participação das mulheres em


cargos políticos, sendo baixa a sua representatividade nacional,
evidencia-se a necessidade de movimentos de classe que fomentem
o aumento do número de participantes femininos nas câmaras, com
princípio no respaldo em lei de candidaturas femininas obrigatórias
direcionadas aos partidos políticos, o que hipoteticamente traria a
garantia de haver maior possibilidade de mulheres eleitas no Brasil.

4 Representação feminina na política do município de


Rosário do Sul/RS e os principais entraves na legislação

É importante deixar claro que este é um trabalho inédito e


também bastante preliminar no que se refere à abordagem teórica
sobre a participação feminina na política. Além disso, levando
em consideração a disponibilidade de tempo e de recursos para
a elaboração deste trabalho optou-se por limitar a pesquisa ao
Município de Rosário do Sul/RS.
Sabe-se que, em 12 anos, ampliou-se a proteção à
participação política da mulher, fortalecendo a obrigatoriedade
da proporção da candidatura de 30% (trinta por cento) e 70%
(setenta por cento), no mínimo, para cada sexo (ALMEIDA, 2018)
direcionada aos partidos políticos, através da Lei n° 12.034, de 29
de setembro de 2009. O texto legal modificou a expressão “deveria
ser” para “preencherá”, tornando-se, assim, obrigatória.
Segundo dados estatísticos do TSE, em 2018 apenas 33,6%
dos eleitos foram mulheres, provando que comparado às eleições de
2014 esse número não ganhou ascendência.
Assim, é cabível concluir que a Lei de Cotas de Gênero,
ainda que diante do aumento de 30% a 70% das candidaturas
femininas destinados aos partidos políticos brasileiros, ainda
enfrenta muitos desafios nesse longo caminho rumo ao aumento
potencial e qualitativo de mulheres na política.
Não se pode deixar de mencionar as fraudes que impactam
diretamente nesse resultado. Para melhor esclarecimento, é preciso
155
Educação, Sociedade e Cultura

ressaltar que a prática de fraude tem considerável relevância no que


se refere à falta de mudança desse cenário. Sedo importante trazer
ao contexto a semântica do termo fraude trazida por Silvio de Salvo
Venosa (2009, p. 443):
A fraude é o mais grave ato ilícito, destruidor das relações
sociais, responsável por danos de vulto e, na maioria das vezes,
de difícil reparação. É um vício de muitas faces, presente em
inúmeras situações da vida cotidiana do homem e no Direito.
Constitui fraude contra credores a prática maliciosa, pelo
devedor, de atos que desfalcam o seu patrimônio, com o
escopo de colocá-lo a salvo de uma execução por dívidas em
detrimento dos direitos creditórios alheios.
Trazido também pela Constituição Federal de 1988 no
§10 do art. 14, como circunstância de pedir a AIME (Ação de
Impugnação de Mandato Eletivo): “§ 10. O mandato eletivo
poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze
dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso
do poder econômico, corrupção ou fraude” (BRASIL, 1988).
Explicitando com maior clareza sobre a fraude nas cotas
de candidaturas femininas, registra-se que, não só os partidos,
mas também as coligações têm utilizado variados artifícios para
defraudar a obrigatoriedade instituída. Não obstante, para punir
com mais austeridade àqueles que manipulam a regra do percentual
de gênero, o TSE passou a admitir as alegações de fraude como
objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME).
Como ato punitivo pode-se impor: a cassação do mandato
eletivo, a anulação dos votos e, se a condenação resultar de abuso
de poder econômico ou de corrupção eleitoral, ficará inelegível por
8 anos a contar da eleição disputada, conforme disposto no art. 1º,
I, d e j, da LI.
Devido à prática cultural de atos fraudulentos, é comum
que, na esfera política, na qual há grande tendência a favoritismo
e autobenefício, desdobrem-se situações que vêm de encontro às
leis. São muitos os meios políticos para se obter benefício próprio e
muitas são as pessoas que colaboram para que seja possível executar
156
Educação, Sociedade e Cultura

atos ilegais.
Foi carregando este estigma e diante da Lei nº 9.504/97
– e suas alterações trazidas na Lei nº. 12.304/09 – que impõem
o preenchimento de no mínimo 30% e no máximo 70% para
candidaturas do mesmo sexo destinados aos partidos e coligações
políticas, que as fraudes começaram a se tornar ainda mais
frequentes. Isso porque os partidos políticos manipulam resultados
através de candidaturas de “laranjas” ou falsas, alcançando o
quantitativo contrafeito de cotas, obtendo permissão ao fundo
partidário a posteriori distribuído para esses candidatos (BRASIL,
2009).
Destarte, os partidos políticos lançam um mínimo de 30%
de mulheres em suas candidaturas, que acabam recebendo também
30% do fundo eleitoral para campanhas. Contudo esses fundos são
direcionados através de atos fraudatórios para outros fins.

4.1 Eleições 2016 e os reflexos na participação feminina da


política do município de Rosário do Sul

A despeito de toda regulamentação legal, houve, em 2016,


o primeiro processo direcionado à cassação dos diplomas dos
vereadores de Rosário do Sul (RS) Jalusa Fernandes de Souza (PP) e
Afrânio Vasconcelos da Vara (PP), que, por uso ilícito de verbas do
Fundo Partidário, no qual esse alegou que o acórdão fundamentou-
se em premissas fáticas equivocadas e contraditórias com a prova
produzida nos autos, bem como se omitiu em relação a pontos
essenciais do julgamento e aquela sustentou a existência de omissão
e contradição acerca da norma da Lei n. 9.504/97 violada pelos
representados. Texto da ementa decisória:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REPRESENTAÇÃO.
CAPTAÇÃO OU GASTO ILÍCITO DE RECURSOS.
PROCEDENTE. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS.
ELEIÇÃO 2016. REEXAME DAS PROVAS.
IMPOSSIBILIDADE. REGISTRO DE QUESTÃO DE
ORDEM. AUSENTE. JUNTADA DA ATA DA SESSÃO
157
Educação, Sociedade e Cultura

ORDINÁRIA. ACOLHIMENTO PARCIAL. […] Decisão,


no entanto, adequadamente fundamentada, tendo o acórdão
embargado enfrentado a controvérsia de maneira integral e
com embasamento suficiente. Não caracterizada a contradição
na cassação da vereadora em virtude de norma que beneficia
a participação das mulheres na política, tendo em vista que a
sanção é decorrência do comando que determina a supressão
do mandato do candidato que realiza gastos ilícitos de recursos
(art. 30-A da Lei das Eleições), conduta reconhecida nestes
autos. Configurada omissão pela falta de registro de questão de
ordem suscitada pelo patrono dos embargantes em sustentação
oral realizada na sessão de julgamento do apelo. Determinada,
assim, a juntada aos autos da cópia da ata da referida sessão.
Acolhimento parcial. (TRE-RS 339-86.2016.6.21.0039 –
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, Relator: Dr. Luciano
André Losekann, Julgado em: 10/10/2017).
No decurso do julgamento, o tribunal decidiu, inclusive,
que a conjuntura referida nos autos se integra nos pressupostos para
o juízo da concepção prevista no artigo 30-A da Lei das Eleições
(Lei nº 9.504/1997), que versa sobre a rogação do encabeçamento
de investigação judicial para aferir procedimentos ilícitos, referentes
à arrecadação e a despesa de recursos de campanha.
Em vista disso, é evidente que o Tribunal Regional Eleitoral
tem se empenhado na alavancagem da participação feminina na
esfera política, tanto através de medidas administrativas, como por
meio da veiculação em emissoras de rádio e televisão de campanhas
em defesa da valorização e da igualdade de gênero, cabendo
não só o exercício da jurisdição via decisões sinalizadoras de seu
entendimento, como também o alcance e a efetividade das normas
que disciplinam ações afirmativas sobre o tema.
Em Rosário do Sul, nas eleições de 2020, nenhum cargo
de vereador foi preenchido por uma mulher, tampouco o cargo
de prefeito. Ainda que as mulheres sejam maioria na população
(SEBRAE, 2019, p. 10), isso não tem trazido força nem
empoderamento feminino quando o assunto é política. Embora
já tenha tido a Zilase Rossignollo Cunha como primeira prefeita
eleita (2016), essa também pagou multa, visto que houve processo
158
Educação, Sociedade e Cultura

decorrente da suspeita de transgressão eleitoral referente à captação


ilícita de sufrágio, corroborando para o enfraquecimento da
imagem feminina na política da cidade.
Verifica-se que, sem embargo de atos ilícitos, a Lei de Cotas
de Gênero tem fomentado o alcance das mulheres em cargos
políticos, que, desde a redemocratização do país em 1988, exorta a
inserção das mulheres na política valorizando a representatividade
de gênero nos espaços de poder. Não obstante, ainda há um longo
caminho a ser trilhado em busca da paridade política, visto que,
inobstante ao crescente empoderamento da mulher e à gradação do
número de mulheres eleitas, este número, apresenta-se muito baixo
comparado ao quantitativo de homens titulares de cargos públicos.
Diante dessa incansável luta, o Brasil consegue dar um
grande passo rumo a equidade de gênero. Isso aconteceu essa
semana (28/09/2021) com a promulgação em sessão solene,
a Emenda à Constituição (PEC) de reforma eleitoral o que traz
como benefício a contagem em dobro dos votos dados a candidatas
mulheres e negros para fins de distribuições dos recursos dos fundos
partidário e eleitoral. A regra, transitória, valerá até 2030. Segundo
a relatora da matéria no Senado, Elisiane Gama (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2021), o mecanismo é eficiente para “estimular os
partidos a incluírem nas listas de candidatos nomes competitivos
de mulheres e de negros.
Esta medida pode, não só, reduzir a prática de falsas
candidaturas - método que burla a lei de cotas femininas – como
também fomentar candidaturas femininas com o propósito de
angariar votos para os partidos e para as coligações.
Desse modo, é possível compreender o progresso
humanizado e suas constantes contradições, que, nesse contexto,
limitam-se a: mesmo que haja uma imensurável depauperação das
necessidades de novas políticas públicas em prol da equidade de
gênero, a mulher vem conquistando seu espaço diante de uma
incansável luta por seus direitos, ainda que em passos ínfimos.
159
Educação, Sociedade e Cultura

5 Considerações finais

Conclui-se que, diante da representação ínfima das


mulheres nas cadeiras do Congresso (inferior a 30%), as alegações
apresentadas no decorrer deste trabalho apontam para a ineficácia
das cotas partidárias de gênero no Brasil. Essa vagarosidade na
evolução desse quantitativo se deve a diversos fatos, tendo como
principais desencadeadores: a formação cultural da sociedade e a
falta de penalidade referente ao não cumprimento a lei de cotas por
parte dos partidos políticos.
Infere-se que a desvantagem histórica do Brasil no que cerne
à emancipação da mulher, traz extemporaneidade às conquistas
da sociedade uma vez que a corrupção na esfera política e a
segmentação social impedem o desenvolvimento da coletividade
gerando consequências como desigualdade de gênero e o equivocado
direcionamento de fundos destinados a possíveis possibilidades de
equiparação dessas disparidades.
Percebe-se também que, no que diz respeito à preocupação
dos partidos quanto a equidade de gênero nos cargos políticos,
há uma forte incoerência de ideais, já que a precaução não está
direcionada a essa luta, mas sim, unicamente ao cumprimento
do minuto número de mulheres fixados na lei que resguarde a
participação feminina na política, para evitar que se obtemperem
às punições dela procedentes.
Isso traz a premissa de que as cotas adotadas no Brasil não
são o bastante para combater a disparidade entre homem e mulher
na política porque, além do obstáculo cultural preso à sociedade,
ainda é contínua a contravenção do direito igual entre ambos que é
garantido constitucionalmente.
Constata-se, então, a extrema necessidade de haver novas
políticas públicas incorporadas ao Estado com propriedades voltadas
à equidade de gênero e à maior participação efetiva da mulher na
política. Isso porque, diante do favorecimento da classe feminina,
é notória a ampla contribuição para a formação política e social da
160
Educação, Sociedade e Cultura

nação, havendo também uma expansiva percepção das necessidades


sociais, principalmente no que se refere ao desempenho de novas
medidas em prol de toda a coletividade.
Por fim, fica claro que as mudanças ocorridas na legislação
a partir do sistema de cotas e do repasse exclusivo não garantem a
devida representação feminina na política, há ainda muito o que se
avançar.

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Capítulo 13

O ENSINO BILÍNGUE E AS ATIVIDADES


CLIL

Brenda Mourão Pricinoti1


João Vítor Sampaio de Moura2
Stefanne de Almeida Teixeira3

1 Introdução

C onforme apontado por Canagarajah (2013), o inglês


é considerado um dos principais idiomas de contato
do mundo, sendo, portanto, uma das línguas mais estudadas em
países que possuem idiomas diferentes, como no Brasil, onde se
fala o português. Devido a sua importância, muitos pais buscam
matricular os filhos em escolas que promovam o uso da língua
inglesa, ofertando a opção de educação bilíngue como uma forma
de melhorar o currículo profissional dos infantes.
Neste contexto, da educação bilíngue no Brasil, a abordagem
Content and Language Integrated Learning (CLIL) de ensino tem
ganhado cada vez mais espaço, visto que tal método consiste no

1 Mestranda em Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia. Graduada


em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia. Graduada em Pedagogia pela
Universidade de Uberaba. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Federal
de Uberlândia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1727697477231852. Orcid: 0000-
0003-3178-6512. E-mail: brendapricinoti@yahoo.com.br
2 Mestrando em Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia.
Graduado em Letras Português-Inglês pela Universidade Estadual de Goiás. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4179011639506808. Orcid: 0000-0002-2792-6423. E-mail:
contatomourajvs@gmail.com
3 Mestranda em Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia.
Graduada em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia. Lattes: http://lattes.
cnpq.br/4389832049522456. Orcid: 0000-0002-5581-3872. E-mail: stefanne.
almeida@gmail.com
166
Educação, Sociedade e Cultura

ensino de um segundo idioma por meio de uma outra disciplina, o


que significa que serão desenvolvidas atividades de outras áreas do
conhecimento (matemática, ciências, educação física, entre outras)
com a língua adicional. Isso faz com que os alunos estejam sempre
em contato com a língua, tornando o aprendizado do idioma mais
natural e mais interessante para os estudantes. Além disso, a escola
pode oferecer a eles outras dinâmicas para explorarem ainda mais
o idioma, como canções, brincadeiras, histórias, aulas de culinária,
artes, música, entre outras. Assim, essa abordagem faz com que
a língua estudada seja natural, como os bebês aprendendo a
língua materna e que, desse modo, consigam absorvê-la com mais
facilidade, ou seja, transformando-a em algo divertido, prazeroso e
significativo.
No entanto, antes do método ser implantado nas escolas,
faz-se necessário que haja apoio da gestão escolar, bem como
possuir materiais adequados para esse ensino no ambiente e,
principalmente, que os professores sejam capacitados para esse
processo de ensino-aprendizagem. Isso, pois, segundo Georgiou
(2011), o professor que é sujeitado a esse tipo de prática de ensino
deve ter suporte na escola e debater constantemente sobre as aulas,
discutindo preocupações em muitas áreas que podem ser novas
para ele, além de ter espaço para falar sobre as frustrações em torno
do processo. Conforme a autora, o CLIL exige bastante de quem
utiliza essa prática para o ensino.
Diante disso, percebe-se que ainda há caminho a ser
percorrido até que as escolas, principalmente as de rede pública,
conforme apresentado por Megale (2005) consigam aplicar os
métodos do CLIL de forma eficaz e correta. Nesse sentido, nosso
objetivo é o de proporcionar reflexões acerca do CLIL no ensino
de línguas para crianças e também de exemplificá-lo com uma
atividade realizada por nós.
167
Educação, Sociedade e Cultura

2 Metodologia

A metodologia de pesquisa científica busca descrever os


métodos utilizados para realização de um determinado estudo, além
de explicar, interpretar, compreender e avaliar os meios utilizados.
Em outras palavras, a metodologia é o caminho traçado para atingir
um propósito, ou seja, as regras e métodos para o estabelecimento
do método científico. Segundo Prodanov e Freitas (2013, p.14),
“metodologia é a aplicação de procedimentos e técnicas que devem
ser observados para a construção do conhecimento, com o propósito
de comprovar sua validade e utilidade nos diversos âmbitos da
sociedade”. Para Gil (2002), na metodologia, descrevem-se os
procedimentos a serem seguidos durante a execução da pesquisa.
Portanto, consideramos metodologia os métodos que objetivam a
obtenção dos resultados. Desse modo, nesta seção serão descritos os
métodos referentes ao estudo desenvolvido, método de abordagem
e classificação da pesquisa.
Dito isso, utilizamos o método de pesquisa bibliográfica
com abordagem descritiva e qualitativa, com o intuito de
analisar os aspectos teóricos referentes ao uso do método CLIL
na educação infantil e quais caminhos podem ser traçados para o
ensino-aprendizagem da língua inglesa nas escolas. Assim, no que
diz respeito ao método de pesquisa bibliográfica, este é realizado
por meio de pesquisas já existentes, como livros e outros artigos
científicos, e também a partir da legislação vigente. Além disso, faz-
se necessário que seja compreendido que cada pesquisa é diferente
uma da outra, pois cada uma possui suas particularidades.
Nesse sentido, trazemos um pouco sobre o histórico da
língua inglesa e alguns dos métodos que foram utilizados ao longo
dos anos; em seguida, buscamos caracterizar o ensino bilíngue;
após isso, explicamos sobre as atividades CLIL no ensino da língua
inglesa e, por último, trazemos uma atividade que exemplifique o
CLIL.
168
Educação, Sociedade e Cultura

3 Breve histórico sobre a língua inglesa e sobre os métodos


de ensino do inglês

Primeiramente, apresentaremos um pequeno resumo sobre


a história da língua inglesa e falaremos um pouco de alguns métodos
existentes no seu ensino. Desse modo, Ferreira (2000), informa que
o inglês é uma língua derivada do germânico que deixou de existir
no século XVI. A língua inglesa se divide em: “Old English/ Antigo
Inglês (séc. VII-1100); Middle English/ Médio Inglês (1100-1450);
e Modern English/ Moderno Inglês (1.500 -) ” (FERREIRA, 2000,
p. 23). A autora também informa sobre a influência do latim, visto
que houve um empréstimo de vocábulos latinos na língua inglesa a
partir da ascensão da igreja católica e da cristianização, no final do
séc. VI (597).
Jalil e Procailo (2009) informam que o ensino das línguas
evoluiu com o passar dos anos, bem como os métodos utilizados.
O primeiro, e mais antigo, é Método Tradicional (ou Método da
Gramática – tradução) e foi muito utilizado no ensino das línguas
clássicas (o grego e o latim) que consistia em traduzir os textos
literários clássicos. A gramática também possui um grande enfoque,
devendo os alunos apropriarem-se das regras da língua (não havia
uma separação entre língua e gramática), e a fala não era o principal
objetivo deste método.
Em seguida, Jalil e Procailo (2009) ainda apresentam um
método que contrapôs o Método Tradicional: o Método Direto.
Nele, o uso da língua alvo é fundamental e há o estimulo para
que os alunos pensem na língua alvo. Desse modo, as habilidades
(fala, escrita, escuta e leitura) são desenvolvidas através de textos
e de situações propostas, e a pronúncia é um foque desde as
primeiras aulas. Assim, os professores utilizam-se de recursos que os
auxiliem a usar apenas a língua adicional (imagens, realia –objetos
utilizados nas aulas para exemplificar o vocábulo, pantomimas,
etc). Além disso, a gramática é aprendida de forma indutiva, com
generalizações e práticas com o tópico a ser desenvolvido.
169
Educação, Sociedade e Cultura

Os autores também apresentam o Método Audiolingual, o


qual, assim como o Método Direto, favorece o desenvolvimento da
fala, mas com base na psicologia comportamentalista. A língua,
portanto, era considerada um hábito que deve ser conquistado
por meio de um processo mecânico de estímulo-resposta. Assim,
a repetição se faz necessária, pois ela é o quem cria os hábitos.
Desse modo, como na aprendizagem da língua materna, primeiro
aprende-se a entender, falar, ler e, por último, escrever – isso é,
aplicar as estruturas linguísticas e os vocabulários internalizados nos
outros processos, os quais são apresentados por diálogos artificiais.
E por último, há o reforço positivo para os acertos e o reforço
negativo para os erros.
Os três métodos anteriores tinham como centro do
processo a gramática. No final do séc. XX, muitos linguistas e
professores perceberam que, apesar de os alunos saberem as regras
e vocabulários, eles não utilizavam a língua adicional fora da sala
de aula. Jalil e Procailo (2009) citam que outras atribuições são
necessárias para conseguir apropriar-se de uma língua adicional
tais quais: a competência cultural, sociolinguística, discursiva
e a estratégica. E ainda a interação entre aluno-aluno se tornam
relevantes para o aprendizado de um idioma.
Nesse sentido, o último método, nomeado pelos autores de
pós-método, baseia-se na ideia de que cada sala de aula é única.
Dessa forma, não existe um método mágico que resolva todos os
problemas que o processo de ensino-aprendizagem apresenta. O
professor deve, portanto, saber os objetivos das atividades, como
realizá-las e em qual lugar devem ser feitas. O ensino artificial
é amplamente criticado e a língua não é vista apenas como
instrumento de comunicação.

4 O ensino bilíngue

Não existe uma fórmula mágica para aprender uma língua


adicional, e, apesar de várias escolas de idiomas desenvolverem
diversos métodos, metodologias e abordagens de ensino, ainda
170
Educação, Sociedade e Cultura

assim apresentaram alunos que fracassam no aprendizado do


idioma. Dessa forma, visando solucionar este problema, linguistas
e neurocientistas dispõem que aprender uma língua adicional na
infância auxilia no desenvolvimento da criança e aumenta a chance
do sucesso em aprender a língua adicional, pois o infante está no
processo de desenvolvimento (o cérebro é uma esponja, que absorve
mais facilmente e de forma natural não apenas a língua, mas tudo
que a cerca).
Conforme apontado por Bartoszeck e Bartoszeck (2009),
os seis primeiros anos infantis são cruciais no desenvolvimento da
conduta, da aprendizagem, da linguagem e, ainda, da vitalidade do
sujeito durante sua vida. Os autores destacam que
Era amplamente aceito que a citoarquitetura do cérebro estava
estabelecida no nascimento, em decorrência das características
herdadas dos pais. Sabe-se nos dias atuais, que ocorre
substancial parcela de desenvolvimento cerebral no período
entre a concepção do novo ser e o primeiro ano de vida. Hoje,
tem-se uma nova compreensão de como agem os estímulos
sobre as experiências vivenciadas pela criança antes dos 3
anos, de maneira como influenciam a circuitaria das redes
neuronais deste cérebro em crescimento. (BARTOSZECK et
BARTOSZECK, 2009, p. 3).
Assim, Bartoszeck e Bartoszeck (2009) informam que a
comunidade científica ressalta não saber profundamente sobre o
desenvolvimento cerebral. Entretanto, muitos autores advogam
sobre iniciar práticas educacionais o mais cedo possível.
Muitos educadores citam pesquisa científica sobre o
desenvolvimento do cérebro para advogar práticas
educacionais o mais precoce possível (Caine & Caine,1990;
Rice et al.,1996; Ramos, 2002). Alegam que as crianças
devem começar a estudar uma segunda língua, aritmética,
música clássica o quanto antes para não ficarem defasados.
A alfabetização científica deve iniciar já na pré-escola (jardim
I, II) e primeira & segunda séries do ensino fundamental,
particularmente com relação ao cérebro humano. (Foy, et al.
2006, apud BARTOSZECK et BARTOSZECK, 2009, p. 9).
171
Educação, Sociedade e Cultura

Pereira (2016) afirma que as crianças do século XXI


nasceram em uma sociedade altamente globalizada. Devido às
tecnologias, há a possibilidade de interação com pessoas de outros
países, por meio de aparelhos digitais, e a língua utilizada por
essas tecnologias é o inglês. Nesse sentido, tornou-se importante
saber a língua inglesa para assim conseguir interagir melhor nesse
novo modelo de sociedade. Isso acontece, pois, o inglês é utilizado
internacionalmente por falantes não nativos em suas comunicações:
“os alunos na faixa etária pré-escolar assimilam sua Língua Materna
e outra língua de um modo absolutamente similar, por isso é
importante que o professor cumpra uma rotina diária nas aulas de
inglês” (PEREIRA, 2016, apud ROTH, 2016, p.16).
A inserção de um Segundo Idioma na idade inicial da
introdução escolar (menores de 3 anos de idade), tem o
intuito de fazer com que os pequenos aprendizes desenvolvam
um reconhecimento das produções orais em Inglês, e que esse
contato primário, já na infância, possa familiariza-los com
outra língua, verbalizando e identificando algumas expressões
e palavras em Inglês, por meio de aulas dinâmicas e interativas,
através de brincadeiras, imagens, historias, músicas e vídeos.
(ANTUNES; NETO, 2016, p. 17).
Desse modo, vem crescendo o número de escolas da
educação infantil que adotam o ensino bilíngue, ensinando a
língua inglesa desde os primeiros dias de aula, para que as crianças
possam aprender a falar com proficiência o idioma. Entretanto, a
educação bilíngue não ocorre de uma única forma, ela se dá de
diversas maneiras e há várias classificações nesta modalidade de
ensino. “Dentre as características essenciais é possível ressaltar a
necessidade de uma porção significativa do currículo através da
segunda língua, sendo que os alunos terão aula não só de língua,
mas através da língua, desenvolvendo concomitantemente suas
habilidades linguísticas e acadêmicas.” (BOLZAN, 2014 p. 9 –
grifos nossos).
Para Bolzan (2014) “educação bilíngue é uma educação que
dê suporte a habilidade do aluno de realizar funções comunicativas
e acadêmicas envolvendo a leitura, escrita, produção oral e
172
Educação, Sociedade e Cultura

compreensão oral nas duas línguas.” (BOLZAN, 2014, p. 3 apud


MOLYNEUX, 2009). Nesse sentido, Megale (2005) “descreve a
educação bilíngue como qualquer sistema de educação escolar, na
qual, em dado momento e período, simultânea ou consecutivamente,
a instrução é planejada e ministrada em pelo menos duas línguas”.
(MEGALE, 2005, p.9 apud HAMERS; BLANC, 2000.) Megale
(2005) ainda aponta a divisão do bilinguismo em dois grandes
grupos segundo o status da comunidade que a utiliza:
De forma generalista, divide-se a educação bilíngüe em dois
grandes domínios: educação bilíngüe para crianças do grupo
dominante e educação bilíngüe para crianças de grupos
minoritários. Quando se discute educação bilíngüe para
crianças de grupos minoritários deve-se ressaltar que essas
crianças freqüentemente vêm de comunidades socialmente
desprovidas, como é o caso dos grupos indígenas no Brasil
ou mesmo de grupos imigrantes, como os hispânicos nos
Estados Unidos. Por educação bilíngüe para crianças do
grupo dominante, entende-se uma educação quase sempre
de caráter elitista visando o aprendizado de um novo idioma,
o conhecimento de outras culturas e a habilitação para
completar os estudos no exterior. O estudo aqui apresentado
tem como objetivo discutir a educação bilíngüe para crianças
do grupo dominante. Obtêm-se então, dois principais tipos
de programa: os programas de imersão e as escolas internacionais
multilingües. (p. 9-10).
Para Antunes e Neto (2016) a educação bilíngue propicia um
ensino que auxilia no desenvolvimento das crianças, pois o contato
com a língua adicional permite às crianças, além de compreender
uma língua diferente da sua, perceber a cultura, os costumes e as
formas de pensar distintas da qual elas estão inseridas. Assim, a
criança se torna um aprendiz interdisciplinar e intercultural.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), as línguas adicionais devem ser ofertadas na rede pública
do ensino brasileiro obrigatoriamente do ensino fundamental II
até o Ensino Médio; e a inserção delas na educação infantil é uma
opção dos municípios (ANTUNES A. J. S.; NETO V. C. V., 2016).
Apesar de o ensino de língua inglesa crescer a cada ano em escolas
173
Educação, Sociedade e Cultura

privadas, não há uma legislação específica para esse componente


curricular na Educação Infantil (PEREIRA, 2016). Assim:
Na Educação Infantil, as escolas têm mais liberdade ao criar
seu currículo e muitas acabam optando pelo modelo de
imersão. Essa imersão pode ser total, ou seja, o total da carga
horária é ministrado através da segunda língua, ou pode ser
parcial através da qual a maior parte do currículo é ministrada
através da segunda língua e a língua materna não deixa de ser
contemplada e valorizada em uma porção menor do currículo.
Para o Ensino Fundamental, a legislação brasileira prevê que
os componentes curriculares sejam organizados de acordo
com uma Base Nacional Comum presentes nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, que precisam ser ministrados através
da língua oficial do país. Na parte diversificada do currículo,
as escolas têm autonomia para adaptarem sua formatação às
necessidades das comunidades nas quais estão inseridas. Assim,
muitas escolas têm usado a parte diversificada do currículo para
torná-lo bilíngue, incluindo ali componentes curriculares que
serão ministrados através da segunda língua, ou então elas têm
aumentado sua carga-horária semanal para que seja possível a
inserção de mais horas de instrução através da segunda língua a
partir do Ensino Fundamental. (BOLZAN, 2014, p. 6).
Pereira (2016) critica os docentes que ensinam a língua
inglesa na educação infantil acreditando que as crianças só
conseguem aprender as cores, os números e as canções. Ela ressalta
a importância do uso de jogos lúdicos, contação de histórias,
movimentação, enigmas, brincadeiras e músicas, isto é, da arte
em geral para ensinar a língua adicional na educação infantil. Ela
também enfatiza o uso de elementos culturais, para que seja possível
a criação de adultos mais tolerantes, uma vez que entrar em contato
com outra cultura é adentrar-se a formas diferentes de pensar, de
agir e de se comportar.
A autora afirma que as crianças não necessariamente
aprendem uma língua adicional mais rápido do que um adolescente
ou um adulto. As crianças só focam e gravam as informações que
as interessam. Nesse sentido, se a aula se tornar cansativa, elas
se desconcentram e a aprendizagem deixa de ser efetiva. Dessa
174
Educação, Sociedade e Cultura

maneira, os professores de línguas adicionais da educação infantil


devem cativar os discentes para assim conseguirem sua atenção.
A autora ainda informa que, por não haver uma legislação
que aborde o ensino das línguas adicionais na educação infantil,
cada escola desenvolve o processo do seu próprio jeito. No entanto,
algumas instituições educacionais não contratam profissionais
graduados em licenciatura ou pedagogia para atuar na docência,
apenas exigem o conhecimento da língua. Além disso, a pesquisadora
acrescenta que alguns professores não são nem fluentes no idioma.
Bolzan (2014) também discorre sobre a diversidade
de escolas bilíngues no Brasil. Para a autora, como não há uma
legislação específica para estas escolas, cada uma escolhe a própria
maneira de se tornar bilíngue. Estas escolas, portanto, “prevê a
integração da busca pelo desenvolvimento linguístico a da instrução
acadêmica como tendo igual importância educacional” (p. 2).
Ela ainda denomina estas instituições escolares como Educação
Bilíngue de Escolha. Neste caso, a “escolha” se dá por ser ministrada
no país nativo da criança (logo, ela não aprende a língua em um
país estrangeiro) e os pais escolhem este tipo de educação.
Uma terceira tipologia é denominada Educação Bilíngue de
Escolha (Cavalcanti, 1999, p. 387) ou Educação Bilíngue de
Enriquecimento, já que as crianças falantes da língua majoritária
do contexto estão adicionando uma segunda língua ao seu
repertório, a partir da escola (Baker, 2006), como no caso do
contexto brasileiro em que falantes de português estudam em
currículos bilíngues para aprender o inglês, alemão, espanhol
entre outras. Alguns autores também a denominam Educação
Bilíngue de Elite ou Prestígio. (apud BOLZAN, 2014, p.5)
Além disso, uma questão muito discutida por Megale
(2005) foi sobre a valorização de ambas as línguas das crianças.
“Ainda segundo Harmers e Blanc (2000), o fator mais importante
na experiência bilíngue é que ambas as línguas devem ser igualmente
valorizadas. Como isto será realizado, deve ser estudado por aqueles
que planejam a educação bilíngue.” (p. 11).
Por último, Bolzan (2014) informa que um dos desafios
175
Educação, Sociedade e Cultura

apresentados pela educação bilíngue se dá com a formação do


professor e “este ponto é um dos aspectos que irá colaborar para
que diferentes instituições organizem seus currículos bilíngues
de formas variadas.” (p. 10). A autora traz alguns exemplos para
ilustrar esta dificuldade encontrada nestas instituições escolares
Em determinado contexto, nas séries finais do Ensino
Fundamental e Médio pode-se ter o desejo de que algumas
disciplinas do currículo, digamos Geografia e Ciências, sejam
ministradas através da segunda língua, mas a escola que tem este
desejo pode não encontrar um profissional com formação nas
áreas que seja fluente na língua de instrução. Já o profissional de
Letras, que é fluente na língua, não tem a formação específica
das áreas e, assim, não tem habilitação para ministrar outra
disciplina através da língua. Uma possível solução que algumas
escolas vêm utilizando para esta problemática é o trabalho com
projetos interdisciplinares em que o professor especialista da
área irá trabalhar em parceria com o professor especialista na
língua. Uma das possíveis formas de fazê-lo poderia ser através
do Preview-Review Technique [...]Esta forma parece mais
adequada do que apresentar ao aluno o mesmo conteúdo,
primeiramente em uma língua e depois na outra, o que pode
torná-lo desmotivado devido à repetição e o que pode ser
um complicador para a instituição de ensino se esta não tiver
acesso ao profissional com formação adequada para trabalhar
desta forma. (p. 10).
Para concluir, o ensino de língua inglesa na educação
infantil cresce mais a cada ano na realidade brasileira, e muitas
escolas buscam meios de propiciar um ensino que desenvolva
a língua adicional de forma mais efetiva e também que permita
aos alunos absorverem os conteúdos propostos pela legislação
brasileira. Assim, destaca-se que muitas escolas bilíngues adotaram
as atividades CLIL para auxiliar no ensino bilíngue.

5 Atividades CLIL no ensino da língua inglesa na educação


infantil

Segundo Montalto et al. (2016), o termo se refere a: “Content


176
Educação, Sociedade e Cultura

and Language Integrated Learning (CLIL)”, ou seja, aprendizagem


Integrada de Conteúdo e Linguagem (AICL). Ainda segundo
os autores, “em termos simples, o CLIL integra Aprendizado de
Idiomas” (p. 6 – tradução nossa4). Assim:
Usando as atividades CLIL, os alunos aprendem uma ou
mais disciplinas escolares em um idioma específico, que,
muitas vezes, é o inglês. Não se espera que os alunos tenham
proficiência no idioma antes de começarem a estudar, dessa
forma eles aprendem a língua ao mesmo tempo em que
aprendem um assunto necessário. (MONTALTO et al. 2016,
p. 6 – tradução nossa5).
Estas atividades, portanto, não pretendem ensinar um
conteúdo específico, mas sim uma língua juntamente com um ou
vários conteúdos. Assim, é necessário não apenas um assunto, mas
também desenvolver as competências linguísticas dos estudantes,
visto que eles a irão utilizar ao mesmo tempo em aprendem os
conceitos aplicados. Nesse sentido:
Com o CLIL, aprender o conteúdo e aprender a língua são
igualmente importantes. Ambas são disciplinas curriculares
relevantes para os alunos e são desenvolvidas e integradas de
forma lenta, mas constante. A longo prazo, os alunos aprendem
tanto o conteúdo quanto o novo idioma, se não melhor que
os estudantes que aprendem o conteúdo e o idioma em classes
separadas. (MONTALTO et al. 2016, p. 7 – tradução nossa)6.
Além disso, as propostas das atividades CLIL não almejam
ensinar conteúdos separados, como a aula de inglês, depois a de
matemática, seguida da de geografia. Estes assuntos podem ser
abordados todos juntos, com atividades e projetos mais criativos,
4 In simple terms, CLIL integrates both Content Learning and Language Learning.
5 Using CLIL, students learn one or more of their school subjects in a targeted
language, oft en English, but sometimes in another second language. Students aren’t
expected to be proficient in the new language before they begin studying. They learn
the language they eed for studying at the same time as they learn the subject.
6 With CLIL, learning the content and learning the language are equally important.
Both are important curriculum subjects for the students, and they are developed and
integrated slowly but steadily In the long term, students learn both the content and the
new language as well as, if not better than, students who study content and language in
separate classes p. 7).
177
Educação, Sociedade e Cultura

que desenvolvam o senso crítico e a capacidade de resolver questões.


Dessa forma:
CLIL envolve uma mudança de enfoque na sala de aula,
na qual o professor prepara os jovens alunos para o mundo
moderno, como para trabalharem em equipes de projetos;
usar outra língua para falar com vários colegas e para se
comunicarem com pessoas de diferentes países. Espera-se
que os alunos resolvam problemas, planejem seus próprios
trabalhos e descubram coisas usando uma variedade de fontes,
especialmente a internet. CLIL, então, visa preparar os jovens
para o futuro. Além de fornecer o primeiro passo para aprender
e para compreender de forma independente. (MONTALTO
et al. 2016, p. 7 – tradução nossa7).
CLIL são atividades que vão mesclar os conteúdos, ou seja,
que irão trabalhar não apenas o ensino do inglês (ou de qualquer
língua adicional), mas também os conceitos que as crianças precisam
aprender. Para ilustrar, observaremos uma atividade aplicada com
os alunos em uma escola de educação bilíngue.
Figura 1: Imagem da atividade 1 - CLIL8

Fonte: Arquivo dos autores, 2021.

7 CLIL involves a change of focus in the classroom. When teachers use the school lingua
franca (SLF) for teaching, they can tell the students everything they want them to know,
and the students can understand them However, when they teach their subject using
a new language, this isn’t possible Because of this, they have to show students how
to find out information for themselves, and how to work and talk together to discover
new ideas, so that using the language becomes part of the process of learning In other
words, the teachers have to change their methodology, and find different ways to help
students learn p.7)
8 https://www.arteeblog.com/2017/12/analise-de-color-study-squares-with.html
178
Educação, Sociedade e Cultura

Para contextualizar, esta atividade foi realizada por uma


turma de primeiro período da educação infantil em uma escola
bilíngue, durante o período da pandemia. Nela, apresentamos essa
imagem de Wassily Kandinsky, um grande artista russo do século
XX. Após isso, os estudantes foram questionados (em inglês, já
que, na escola bilingue, utilizamos somente a língua adicional) se
eles conheciam aquela pintura. Entretanto, nenhuma informou
conhece-la.
Em seguida, foi apresentado um pequeno vídeo do Youtube9
explicando sobre Kandinsky para as crianças. Este vídeo apresenta
(em inglês) de forma curta a biografia do autor, onde ele nasceu,
quem ele era, qual época viveu, entre outras informações. Depois,
foram apresentadas algumas obras de arte dele, e as crianças
informaram quem gostou das realizações dele, quais foram as
obras que mais gostaram e porquê. Foi explicado, também, sobre
a corrente artística do autor – arte abstrata – como surgiu, porque
surgiu e quais as outras correntes artísticas.
Depois disso, a tela dos quadrados com círculos (a Figura 1)
foi apresentada. As crianças lembraram as cores em inglês e fizeram
o jogo “elefantinho colorido” para relembrá-las. A professora
gritava de forma divertida “Colourful elephant” e as crianças diziam
“what colour?”, uma cor era falada e os alunos corriam pela casa
para buscar objetos daquelas cores. Após essa atividade, as cores
utilizadas pelo autor na tela foram exploradas (as crianças falavam
quais cores Kandinsky utilizou em sua tela).
Posteriormente, foi questionado o que mais, além de cores,
haviam na imagem. As crianças responderam: “Shapes” (formas),
então foi compartilhado um slide com as formas: “triângulo,
quadrado, círculo, coração, estrela, retângulo”, as crianças repetiram
as formas (em inglês) e a professora perguntava “is there a triangle in
the painting? ”, “is there a circle in the painting?”, “is there a rectangle
in the painting?” (tem um triângulo na pintura, tem um círculo na
pintura, um retângulo, etc).

9 https://www.youtube.com/watch?v=vDWmLlNicMU&t=57s
179
Educação, Sociedade e Cultura

A seguir, foi proposto que as crianças refizessem a pintura.


Os alunos buscaram tinta, papel e pincel e refizeram a sua obra de
arte baseada em Kandinsky. A “Figura 1” apresenta uma foto da
atividade realizada pela professora. A folha sulfite A4 foi dividida
em quatro quadrados com círculos dentro. Uma versão mais curta e
simples (com menos formas geométricas). Algumas crianças fizeram
mais círculos e quadrados do que o autor. Cada uma utilizou-se das
cores que desejavam (fizeram uma releitura não idêntica da obra
do autor).
Figura 2: Imagem da atividade 2 – CLIL10

Fonte: Arquivo dos autores, 2021.

A “Figura 2” foi de uma atividade proposta e realizada pela


professora, em uma escola bilíngue de educação infantil. Ela foi
oferecida para uma turma de segundo período da educação infantil
também no momento da pandemia. Foram gastas três aulas de
50 minutos para realizar esta atividade. Vale ressaltar que, por ser
professora de inglês, a língua foi utilizada (praticamente) durante
toda a aula. Como as crianças estão aprendendo a língua inglesa,
elas mesclam a língua materna com a língua adicional.

10 https://br.pinterest.com/pin/199917670938463001/)
(https://www.facebook.com/handmakingarts/photos/
pcb.3766673876730560/3766670273397587/?type=3&theater)
180
Educação, Sociedade e Cultura

Primeiramente foi compartilhado um vídeo sobre abelhas,


as crianças cantaram e dançaram junto com a professora. Depois,
todos conversaram sobre os insetos, o que são, qual a importância
delas para a natureza, etc. Eles falaram ainda sobre insetos em geral
– “Abelhas são insetos, quais os outros insetos existentes, por que
eles existem”. Em seguida eles fizeram uma atividade, desenharam
um jardim com seus insetos favoritos, e, por último, a atividade
artística da imagem acima foi realizada. Para ela, foram utilizados
rolos de papel higiênico, fita crepe, tinta, palito de picolé, papel e
lápis.
Além de ensinar sobre as abelhas e os insetos, foi relembrado
os materiais em inglês (ex: palitos de picolé – “popsicle sticks”; fita
crepe – “masking tape”, etc), as cores, entre outros. Foi abordado
ainda sobre “a casinha da abelha” (Beehives – Colméias), porque
elas vivem em colmeias, como elas constroem as suas casinhas, etc.
Por último, as crianças e a professora construíram a colmeia e uma
abelhinha.

6 Considerações finais

Diante do exposto, acreditamos que, apesar do senso comum


propagar que possuir idade precoce para ter contato direto com
duas línguas é nocivo, para criança não haverá impactos negativos,
mas sim positivos, uma vez que esse contato pode ajudar no seu
desenvolvimento cognitivo, social e linguístico.
Dessa forma, o método CLIL e seus fatores culturais e
sociais que o integram, torna-se essencial, além de ser um processo
rico de aprendizagem em diversos outros sentidos. No entanto, a
realidade atual ainda passa longe da real efetivação de tal método,
visto que muitos alunos terminam o Ensino Médio sem ao menos
saber como formar uma frase em inglês.
Para mudarmos esse cenário, é necessário que os municípios
e o Estado possam contar com professores capacitados para ensinar
uma língua adicional desde a pré-escola, já que as crianças estão
181
Educação, Sociedade e Cultura

mais propensas a aprender e a absorver diferentes informações,


sendo, portanto, vantagens do ensino.

Referências

ANTUNES, A. J. S.; NETO, V. C. V. O ensino da língua


inglesa na educação infantil. 22f. Trabalho de Conclusão de
Curso (Licenciatura em Pedagogia a Distância), Centro de
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CANAGARAJAH, S. Translingual practice: global Englishes and
cosmopolitan relations. 2013, Simultaneously published in the
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professor sobre neurociência aplicada à educação. EDUCERE
- Revista da Educação, Umuarama, v. 9, n. 1, p. 7-32, jan./jun.
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BOLZAN, D. B. Os desafios da Educação Bilíngue de Escolha
em contexto brasileiro: da construção do currículo à formação
de professores. UFRGS. Linguagem Educação e Memória. 2014.
FERREIRA, J. D. História da Língua Inglesa. Centro de
Estudos Anglísticos da Universidade de Liboa e Edições Colibri
Faculdade de Letras e da Universidade de Lisboa, 2000. ISBN
972-772-169-9.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo:
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GEORGIOU, Sophie Loannou. Transition into CLIL:
Guidelines for the beginning stages of CLIL. In: GEORGIOU,
Sophie Loannou. d pre-primary education. [S. l.]: Socrates, 2011.
p. 34-54.
JALIL, Samira Abdel e PROCAILO, Leonilda. Metodologia
de ensino de línguas estrangeiras: perspectivas e reflexões
182
Educação, Sociedade e Cultura

sobre os métodos, abordagens e o pós-método. IX Congresso


Nacional de Educação - EDUCERE III Encontro Sul Brasileiro
de Psicopedagogia - 26 a 29 de outubro de 2009 - PUCPR.
MEGALE, A. H. Bilingüismo e educação bilíngüe – discutindo
conceitos. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL.
V. 3, n. 5, agosto de 2005.
MONTALTO, S. A.; WALTER, L.; THEODOROU, M.;
CHRYSANTHOU, K. The CLIL Guidebook. Lifelong Learning
Programme. 2016.
PRODANOV, C. C.; FREITAS, E. C. Metodologia do
Trabalho Científico: Métodos e Técnicas da Pesquisa e do
Trabalho Acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo - RS, Associação
Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEUR
Universidade Feevale, 2013. Disponível em: <http://www.feevale.
br/Comum/midias/8807f05a-14d0-4d5b-b1ad-1538f3aef538/E-
book %20Metodologia%20do%20Trabalho%20Cientifico.pdf>,
acesso em: 07/08/2022.
PEREIRA, J. C. M. Q. P. O ensino de língua inglesa na
Educação Infantil: considerações sobre formação e prática
docente. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem) – Pontifica Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2016.p.169.
Capítulo 14

O ENSINO DA LÍNGUA INGLESA EM


ESCOLAS BILÍNGUES

Brenda Mourão Pricinoti1


João Vítor Sampaio de Moura2
Lorraine Caroline Nicomedes3
Stefanne de Almeida Teixeira4

Introdução

A princípio, é necessário falarmos sobre o ensino de


línguas. Como a língua inglesa atingiu o status de língua
franca, coloca-se destaque na aprendizagem dela. Pesquisadores
adotam o termo língua franca (GIMENEZ et al., 2015) ou língua
internacional (SMITH, 1976) ou língua universal (ROCHA, 2007,
p .274) pois “a língua inglesa é hoje utilizada majoritariamente em
situações envolvendo falantes de diferentes línguas maternas e não
exclusivamente em interações que tenham como interlocutores
privilegiados os falantes nativos” (GIMENEZ, et al., 2015, p. 594).

1 Mestranda em Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia. Graduada


em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia. Graduada em Pedagogia pela
Universidade de Uberaba. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade
Federal de Uberlândia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1727697477231852. E-mail:
brendapricinoti@yahoo.com.br
2 Mestrando em Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia.
Graduado em Letras Português-Inglês pela Universidade Estadual de Goiás. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4179011639506808. E-mail: contatomourajvs@gmail.com
3 Mestranda em Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia.
Especialista em Psicopedagogia pela Faculdade Pitágoras. Graduada em
Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/6134553190222915. E-mail: lorrainenicomedes2@gmail.com
4 Mestranda em Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia.
Graduada em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia. Lattes: http://lattes.
cnpq.br/4389832049522456. E-mail: stefanne.almeida@gmail.com
184
Educação, Sociedade e Cultura

Apesar dos termos apontarem para questões específicas que não


serão adentradas neste trabalho, todos eles têm algo em comum,
que é o da língua inglesa ser a língua não materna mais utilizada
no mundo.
Conforme Vilson (1988), a abordagem gramática e
tradução foi amplamente utilizada nas culturas latinas durante o
renascimento; sendo que o sujeito aprenderia estruturas básicas e
memorizaria palavras e faria traduções e versões literais, de uma
dada língua para a língua materna. Nesta abordagem, o foco estava
na escrita e na leitura. No século XVI surgiu a abordagem direta.
Vilson (1988) ressalta que na abordagem direta a língua adicional
era ensinada e aprendida pela língua adicional. A ênfase desta
abordagem está na língua oral, todavia, a leitura e escrita também
pode ser ensinada. A gramática é ensinada de forma indutiva.
Posteriormente, Vilson (1988) aborda sobre a abordagem
audiolingual, que surgiu com a segunda guerra mundial. Nesta
abordagem, diferem a língua escrita da falada, sendo a primeira
uma cópia “malfeita” da segunda. Assim, compreende-se que as
línguas são criações de hábitos, assim, deve-se aprender a língua na
prática, utilizando-a. Um ponto para ser ressaltado aqui é que esta
abordagem também critica o uso da língua materna dos estudantes,
deve-se, portanto, evita-la durante as aulas.
Mas o que essas abordagens têm a ver com a educação
bilíngue5? No brasil, vem crescendo o número de escolas particulares
que adotam o estilo bilíngue. Já nas últimas décadas, com o avanço
da neurociência que estuda sobre a plasticidade do cérebro infantil
permitindo uma maior facilidade na aprendizagem de habilidades,
passou-se a ensinar a língua inglesa desde os primeiros anos da
educação infantil. Dassi (2018) ressalta que “estudar uma segunda
língua altera a massa cinzenta, área do cérebro que processa as
informações, da mesma forma que exercícios formam músculos”
(DASSI, 2018, p. 12 apud FRIZZO, 2013, p. 11). Dessarte, a

5 Utilizaremos este termo, mas não entraremos em discussões sobre esta nomenclatura.
Utilizamos deste, pois as instituições escolares se consideram desta forma.
185
Educação, Sociedade e Cultura

aprendizagem da língua inglesa auxilia no aprimoramento do


cérebro, mais especificamente da área em que as informações são
processadas.
Desta forma, este texto tem por objetivo analisar e refletir
sobre escolas bilíngues6 no Brasil, descrevendo como elas funcionam,
por meio de um relato de experiência; e analisar as diretrizes
curriculares nacionais para a oferta da educação plurilíngue.

2 Mas afinal de contas, o que seria uma escola bilíngue?

Na sessão anterior, foram apresentadas algumas abordagens


no ensino da língua adicional7 e, apesar de serem estudos antigos,
as escolas bilíngues também se utilizam destas abordagens para
ensinar as línguas; sendo que um dos pontos em comum com
algumas escolas de idiomas é a proibição da língua materna nas
aulas de língua adicional.
As escolas bilíngues utilizam-se da abordagem direta, pois
ensina a língua adicional e os conteúdos na e pela língua adicional;
elas também concebem a língua como criação de hábitos, sendo a
língua materna do indivíduo um recurso que atrapalha na aquisição
da linguagem. Como se ensina a língua adicional desde muito cedo,
as crianças ainda não aprenderam a ler e escrever, portanto o foco
nos primeiros anos está no listening e no speaking. Megale (2019)
ressalta que a educação bilíngue é “uma educação quase sempre
de caráter elitista, que visa o aprendizado de um novo idioma, o
conhecimento de outras culturas e, em muitos casos, a habilitação
para completar os estudos no exterior. ” (p. 15)
Bolzan (2014) também discorre sobre as instituições
escolares bilíngues e a nomeia de Educação Bilíngue de Escolha ou
ainda Educação Bilíngue Elite. Neste caso, o termo “escolha” seria
por ser ministrada no país nativo da criança, logo, ela não aprende
6 Canagarajah (2013) critica a rotulagem de línguas, pois elas são colocadas como se
fossem coisas separadas, entretanto as escolas se denominam de escolas bilíngues, por
questão de marketing. Adotarei o termo empregado pelas escolas.
7 Utilizamos do termo adicional, conforme García e Li Wei (2014).
186
Educação, Sociedade e Cultura

a língua em um país estrangeiro e os pais escolhem este tipo de


educação; e Elite por ter como público pessoas com condições
financeiras para investir em uma alta mensalidade escolar.
Neste texto, abordamos sobre as diferentes escolas bilíngues
e, por isso, as nomeamos de Escolas Bilíngues Imersiva8 (EBI)
as escolas que são internacionais ou que propõem a imersão da
língua adicional aos estudante(s), ou seja, eles(as) irão ter o dia
letivo inteiro ou 50% do dia letivo na língua adicional. Nestas
escolas, ensina-se não apenas o idioma, mas através do idioma. E
denominamos de Escolas Bilíngues Complementares (EBC) as escolas
que complementam o ensino regular, desta forma não se ensina
as disciplinas: história, geografia, matemática, etc. em inglês. Nas
EBC, o ensino de língua adicional complementa o ensino regular;
entretanto, o foco não está em aprender matemática, por exemplo,
mas em aprender o idioma. Por linhas gerais e a fim de ilustrar as
escolas bilíngues, narraremos um pouco da experiência de um(a)
dos (as) autores(as) do texto, enquanto docente nestas escolas.

3 Relato de experiência

Na EBI que trabalhei, haviam duas professoras regentes,


uma de português e outra de inglês. Os conteúdos dispostos para
o ensino fundamental I pela BNCC (2018) são: linguagens, língua
portuguesa, língua inglesa (que é obrigatória apenas no final do
ensino fundamental), arte, educação física, matemática, ciências da
natureza, ciências humanas, geografia e ensino religioso. Os conteúdos
eram divididos pelas professoras regente (de inglês e português).
Deste modo, tanto a professora regente de português quanto a
professora regente de inglês abordam estes tópicos em suas aulas.
Para exemplificar, no primeiro ano do ensino fundamental, as
crianças aprendem sobre as escalas de tempo, em outras palavras,
dias da semana, meses do ano, etc.; este tema é ministrado na
matéria de ciências da natureza. As professoras regentes dividiam

8 “Immersion bilingual education”. (GARCÍA e LI WEI, 2014, p. 50).


187
Educação, Sociedade e Cultura

e revezavam as disciplinas para que as crianças desenvolvessem não


apenas o conhecimento acerca daquela temática, mas também a
aquisição das línguas e do código escrito (do português e do inglês).
Nas EBI as crianças devem aprender os conteúdos em
ambas as línguas; ou seja, se há o conteúdo de fração na disciplina
matemática, os estudantes aprenderão não apenas a língua inglesa,
mas também este tópico e como resolver frações e será utilizado a
língua inglesa durante o processo. Por isso é de praxe dizer que nas
EBI imersivas as crianças não aprendem “o inglês”, mas “através do
inglês”, pois os (as) estudantes aprendem não apenas a utilizar o
idioma, mas usa a língua para aprender conteúdo.
Apenas exemplificando um dia típico em uma EBI privada
que trabalhei, com uma turma de 1º período (crianças entre 4/5
anos). As crianças entravam na escola às 13hrs, assim é feito uma
roda (circle time), cantava uma música de cumprimentar (hello
song) junto com as crianças, depois era questionado como cada
uma estava, neste momento as crianças podiam dividir vivências
que tiveram, viagens, etc. Após isso cantava a música dos dias da
semana, marcando em um painel o dia que as crianças estavam;
apresentava a rotina do dia, o que elas fariam naquele dia e o
conteúdo do dia. Ilustrando com uma das minhas aulas, certo dia
estávamos abordando sobre animais carnívoros e herbívoros; foi
apresentado um vídeo sobre estes animais. Depois foram utilizadas
cartas (flashcards) sobre os animais, e coloquei na lousa uma divisão:
na direita os carnívoros e na esquerda os herbívoros. As crianças
falavam se os animais estavam em uma ou em outra categoria.
Depois disso, expliquei a atividade do dia, as crianças iriam
colorir os animais herbívoros e carnívoros que estavam misturados.
Depois recortariam os mesmos e colariam em duas folhas. Elas
deveriam colar os carnívoros em uma folha e os herbívoros em
outra. Elas também tinham que escrever (no caso cópia, pois
crianças desta idade ainda estão no processo de aquisição do código
escrito) nas folhas: “Herbivorous” e “Carnivorous”. Após isso, as
crianças lavavam as mãos e foram para o refeitório lanchar. Quando
terminaram o lanche, os (as) estudantes voltavam para a sala. Neste
188
Educação, Sociedade e Cultura

momento eles (as) escovavam os dentes. A seguir, passávamos


protetor solar nas crianças e elas iam ao parque. Quando encerrava
o momento do parque (30 minutos diários), elas voltavam para a
sala e faziam uma atividade de letras ou números. Logo já estava
bem próximo do momento em que elas sairiam do colégio (17:30),
assim, elas podiam brincar com massinha, brinquedos, etc. até o
momento em que seus familiares as buscariam na escola.
A fim de exemplificar as atividades; as de matemática
trabalhavam contagem, escrita, soma, subtração e padrões (patterns).
Era utilizado uma caixa com brinquedos de animais na sala; cada
criança pegava uma quantidade de peixinhos, por exemplo e elas
deveriam contar quantos peixinhos tinham e depois escreviam e
desenhavam quantos peixes haviam na caixa. Em outras atividades
de soma, a professora perguntava: “How many fish do you have? ”
A criança contava e respondia. Depois a professora entregava mais
três peixes para o estudante e questionava a quantidade novamente;
e isto era feito para que a criança aprendesse a contar. Quando
as atividades eram de pattern (padrões), as crianças amavam. Os
estudantes pegavam os peixes e faziam padrões, exemplo: azul,
amarelo, vermelho, e colocavam os peixes seguindo esse padrão de
cores.
Ilustrando as atividades de leitura, elas geralmente
trabalhavam com letras, e as crianças tinham que encontrar as
mesmas em um livro, ou em uma folha impressa, jornais, ou até
mesmo nos brinquedos com palavras; elas deviam fazer as primeiras
leituras. Claro que sempre haviam imagens para auxiliar as crianças
no processo de leitura. As atividades de escrita eram de colar feijões,
bolinhas de papel crepom, etc. nas letras, fazer letras de massinha,
escrever o nome em uma folha, escrever o nome de massinha,
tentar escrever o nome dos colegas, das professoras, fazer pinturas
com letras e ou palavras, etc.
Vale salientar que em todo o momento descrito acima,
falávamos na língua inglesa. Ao levar as crianças ao parque,
utilizávamos o inglês, ao servir o lanche, ao explicar as atividades,
conteúdos. Nas EBIs ressaltam o uso da língua adicional. Na escola
189
Educação, Sociedade e Cultura

em que trabalhei, caso não usasse o português e a coordenadora


visse, ela iria “chamar a nossa atenção”. Mas claro que em momentos
de “acolhida” (quando a criança cai e machuca e está chorando)
podíamos utilizar a língua materna a fim de acalmá-las.
Este são os conteúdos nas EBC’s: arte, educação física,
matemática, ciências da natureza, ciências humanas, geografia
e ensino religioso não são ensinados nas aulas de inglês, o foco
está no desenvolvimento da língua inglesa e não o de ensinar as
crianças fazerem contas, por exemplo. Há escolas que ofertam 3
aulas de inglês por semana. Outras o ensino do idioma é diário,
sendo 50 minutos ou 1 hora de aula do mesmo. Há escolas que
optam por metodologias, ou seja, contratam escolas de inglês que
estarão dentro das escolas regulares e cuidarão do inglês. Outras
contratam uma coordenadora de inglês que ficará responsável
pela criação do material. Algumas escolas seguem “à risca” o que
a professora regente faz em suas aulas e complementa no inglês.
Outras não ficam engessadas à professora regente. E tem ainda as
escolas que ofertam o ensino de inglês optativo; assim o pai que
deseja introduzir a língua inglesa na vida do(a) filho (a) desde cedo,
pagará um valor extra e a criança terá a aula especializada após o
encerramento do dia letivo.
Nas EBCs, o (a) professor (a) de inglês não fará a função
de um (a) pedagogo (a). Assim, ele (a) não fará troca de fraldas, ou
acompanhará a criança ao banheiro. Este (a) professor (a) dará a
suas aulas de inglês. Será um (a) professor (a) especialista, focando
no ensino e aprendizagem da sua área especializada.
Desta forma, percebe-se que há diferentes formas de adotar
o ensino bilíngue, primeiro sendo ele ofertado de forma integrada
junto ao currículo (EBI) alternando as disciplinas que serão ensinadas
em português ou em inglês; segundo algumas escolas bilíngues
optam por ensinar a língua inglesa de forma complementar (EBC),
assim os conteúdos obrigatórios são ensinados por uma professora
regente e o foco das aulas de inglês estão na aquisição do idioma,
entretanto este complementará os conteúdos ensinados pela escola;
e por último as escolas que ofertam a língua inglesa de forma
190
Educação, Sociedade e Cultura

optativa, sendo o ensino do inglês como os de escolas de idiomas,


entretanto estas são feitas dentro da escola regular (neste caso há
parcerias entre escolas de idiomas e escolas regulares) e os familiares
que optarem pelo inglês pagam um valor extra pelas aulas.

4 Diretrizes curriculares nacionais para a oferta da


educação plurilíngue

Vale enfatizar que esse ensino dito bilíngue não tinha


nenhuma normatização por parte de órgãos governamentais. Estas
escolas eram como o ditado popular a “terra de ninguém”; entretanto,
em 2020, foi aprovada as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
oferta de Educação Plurilíngue9, sendo este documento um ganho
para a educação bilíngue no brasil.
Conforme apontado pelo próprio documento, era recebido
requerimentos para a normatização deste tipo de educação, como
se lê no trecho: “com o crescimento exponencial de instituições
de ensino bilíngues, o CNE passou a receber solicitações sobre a
necessidade de normatização, pois cada escola montava o seu ensino
“bilíngue” da sua maneira e haviam diferenças drásticas entre elas. ”
(p.1). Entretanto, sendo que este documento serve não apenas para
a aquisição do idioma inglês, mas também para os indígenas, os
habitantes de fronteiras e para a população surda.
O documento traz no primeiro capítulo o objetivo da
educação plurilíngue, sendo este: “Art. 2º As Escolas Bilíngues se
caracterizam por promover currículo único, integrado e ministrado
em duas línguas de instrução, visando ao desenvolvimento de
competências e habilidades linguísticas e acadêmicas dos estudantes
nessas línguas.” (p. 24). Entretanto, as escolas só poderão se
considerar bilíngues se estiverem dentro das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Plurilíngue; e se as escolas que possuem

9 As Diretrizes adotam este texto, pois encaram que há várias línguas dentro do
Brasil, conforme segue no trecho: “as diversas comunidades de imigrantes (asiáticas,
africanas, europeias) de várias nacionalidades e paragens trouxeram outras línguas e
culturas para o cenário plurilinguístico que já existia no Brasil. ” (p.3).
191
Educação, Sociedade e Cultura

o ensino bilíngue ofertarem o ensino de outras línguas que não o


português, a língua alvo deve ser ofertada em todas as etapas da
educação básica - educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio.
Para se considerarem bilíngues as escolas devem trabalhar
os conteúdos em ambas as línguas, sendo que o ensino das
línguas deve promover o “desenvolvimento linguístico integrada e
simultaneamente ao desenvolvimento dos conteúdos curriculares.”
(p. 24). Portanto, o ensino das línguas adicionais deve estar de acordo
com os documentos normatizadores da educação. No Art. 4º é
informado que as escolas internacionais10, para serem consideradas
bilíngues, devem ofertar o ensino nas duas línguas, não apenas a
língua inglesa, e devem seguir os conteúdos dispostos na BNCC.
E no Brasil várias escolas abriram metodologias estrangeiras que
não ensinavam a língua materna e não seguiam os documentos
normatizadores educacionais brasileiros. No Art. 6º é informado
que as escolas internacionais que seguem as diretrizes curriculares
de outros países, devem estar atentas às leis e normas brasileiras
para conseguirem expedir dupla diplomação.
Sobre a carga horária das escolas bilíngues, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Plurilíngue determinam que
o tempo mínimo de instrução na língua não oficial é de no mínimo
30% e no máximo 50%. Sobre a formação dos profissionais que
trabalham nas escolas consideradas bilíngues, o Art. 10º informa
que os professores devem ser licenciados no curso de Pedagogia
ou Letras, além disso, os docentes devem comprovar proficiência
mínima B2 no Common European Framework for Languages (CEFR)
e no item c) noticia que o discente da escola bilíngue, deve ainda
fazer uma instrução que complementa os conhecimentos acerca da
educação bilíngue, e o curso poderá ser de extensão (de pelo menos
120 horas), especialização, mestrado ou doutorado voltados para

10 São escolas internacionais, aquelas escolas que foram criadas em outros países e que
são franqueadas no Brasil. Elas geralmente adotam a língua inglesa, entretanto,
conforme as diretrizes devem trabalhar os conteúdos também na língua oficial do
Brasil e estar de acordo com as Leis, PCNS, diretrizes brasileiras.
192
Educação, Sociedade e Cultura

a educação bilíngue. Este tópico sobre a formação do professor


de inglês auxiliará a reduzir o que ocorre nestas instituições, na
EBI em que trabalhei, muitos professores regentes da instituição
não tinham formação na área, inclusive alguns professores só
tinham ensino médio e experiência no exterior. Mas será que uma
pessoa que viveu em outro país, sem graduação sabe as melhores
metodologias para ensinar crianças a ler, escrever, fazer contas, etc.?
O capítulo V das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Plurilíngue informa sobre avaliações; as Escolas bilíngues
devem aplicar avaliações que sejam diagnósticas, somativas e
formativas. As escolas Internacionais devem explicar para os pais
ou responsáveis da criança como são os processos avaliativos
internacionais e seguir a legislação brasileira para se orientar sobre
as disciplinas a serem ministradas e sobre o currículo nacional. O
Art. 19º declara que os estudantes devem também ser avaliados na
proficiência do idioma. Portanto, espera-se que no até o 6º ano do
Ensino Fundamental, 80% dos alunos devem atingir o nível A2 no
Common European Framework for Languages (CEFR); até o final do
9º ano, 80% dos estudantes devem alcançar o nível B1 no Common
European Framework for Languages (CEFR); e no final do Ensino
Médio, 80% dos discentes, devem conseguir o nível mínimo de
proficiência B2 no Common European Framework for Languages
(CEFR).
Como já citado anteriormente, percebemos que, na cidade
de Uberlândia, dois tipos de escolas bilíngues. Nas escolas bilíngues
complementares, o professor de inglês é um professor especialista;
ensina entre três e cinco horas semanais da língua inglesa e
complementam a aprendizagem das professoras regentes. Nas
escolas bilíngues imersivas ministra-se os conteúdos obrigatórios em
ambas às línguas (o português e o inglês). O professor que leciona
a língua inglesa nestas escolas terá a mesma função do pedagogo
ou do professor regente, com um acréscimo, falar a língua inglesa
durante as suas aulas.
Para ilustrar, ensina-se o conteúdo de matemática tanto na
língua portuguesa quanto na inglesa. O professor de inglês deverá
193
Educação, Sociedade e Cultura

preparar aulas que desenvolvam as crianças baseados nas “interações


e a brincadeira, assegurando-lhes os direitos de conviver, brincar,
participar, explorar, expressar-se e conhecer-se” (BRASIL, 2018, p.
40, grifos nossos).
Assim, o professor de inglês das escolas bilíngues imersivas
deverá além de preparar aulas, ter reuniões com os familiares,
participar das decisões da escola; ele deve lecionar os conteúdos
propostos pela escola e pelo BNCC, com um diferencial, estes
conteúdos devem ser ministrados, entre 30% e 50% na língua
inglesa na educação básica; e ainda realizar trocas de fraldas, fazer
as crianças dormirem quando houver a necessidade, auxiliar as
crianças a calçarem os sapatos, etc.
Os campos de experiência que a BNCC organiza para
desenvolvimento das crianças, na educação infantil, são: “o eu,
o outro e o nós”, “corpo, gestos e movimentos”, “traços, sons e
formas”, “escuta, fala, pensamento e imaginação”, e ainda, “espaços,
tempos, quantidades, relações e transformações”. De acordo
com a BNCC, “os eixos estruturantes das práticas pedagógicas
dessa etapa da Educação Básica são as interações e a brincadeira,
experiências nas quais as crianças podem construir e apropriar-se de
conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares
e com os adultos, o que possibilita aprendizagens, desenvolvimento
e socialização.” (BRASIL, 2018, p. 37).
Portanto, as diretrizes curriculares nacionais para a oferta
da educação plurilíngue são bem recentes, mas elas trazem questões
pertinentes para a oferta desta modalidade de educação. Como
informado na minha pesquisa de mestrado, muitas instituições
optam pelo ensino bilíngue por questões de marketing, a educação
bilíngue ganhou status e muitos pais e mães desejam que a língua
inglesa seja ensinada desde cedo na vida de seus filhos (as). Apesar
da normatização ser um ganho para o país, pois deverá adequar-
se aos conteúdos e eixos norteadores da educação brasileira, este
documento está bem desorganizado e é muito superficial.
194
Educação, Sociedade e Cultura

5 Considerações finais

Em suma, com o presente trabalho foi possível perceber


que a existência do plurilinguísmo na Base Comum Curricular da
Educação evidencia a importância de uma adequada aplicação do
ensino linguístico em suas inúmeras formas metodológicas, uma vez
que sua consolidada presença e importância na atualidade se fazem
necessário tanto para a formação do aluno, quanto do professor,
para que este aprimore sua prática em sala de aula e aquele conheça
outras culturas sociolinguísticas.
Diante disso, somado a experiência profissional na área,
foi possível perceber que no ensino das línguas, em especial da
língua inglesa, ainda há profissionais que utilizam metodologias
sem embasamento teórico adequado ou até mesmo sem nenhuma
metodologia, o que faz com que o ensino da língua não passe de
mercantilismo educacional.
Neste contexto, para que o estudo das línguas seja efetivo e
traga resultados, se faz necessário que os profissionais da educação
e seus auxiliares estejam capacitados e preparados para acolher e
propagar o bilinguismo de forma simples e individualizados, como,
por exemplo, no caso das crianças que estão tendo o primeiro
contato com uma língua estrangeira e até mesmo com regras básicas
da língua materna, não pode ser aplicado conceitos e formas de um
ensino linguístico direcionado á adultos.
Isto porque as línguas estrangeiras e a língua materna
tornam-se facilitadoras para o acesso aos diferentes povos e grupos,
às diferentes culturas e ainda aos amplos debates e conhecimentos
disponíveis nacionalmente e mundialmente. Assim, quando
um aluno entende por meio da brincadeira, metodologia básica
do ensino linguístico infantil, consegue compreender de forma
simples e didática aspectos culturais de uma nação, bem como
conhecê-la mais a fundo, percebendo sua história, seus costumes
e suas ideologias.
A exemplo disso, como já mencionado neste texto, nas EBI
195
Educação, Sociedade e Cultura

imersivas as crianças não aprendem “o inglês”, mas “através do


inglês”, pois os (as) estudantes aprendem não apenas a utilizar o
idioma, mas usar a língua para aprender conteúdos, que pode ir do
português a matemática. Há, portanto, diferentes formas de adotar
o ensino bilíngue, devendo as escolas buscarem se especializar na
que mais se encaixa na realidade dos alunos e no que determina a
regulamentação da BNCC.
Sendo assim, tem-se este texto como contribuição para
outras pesquisas mais aprofundadas sobre esta temática, bem como
para construção do conhecimento de acadêmicos e profissionais
da área, visto que se trata de um setor da educação ainda pouco
explorado, necessitando de profissionais ativos e especializados
porá transformar a educação translinguística.

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