Este resumo analisa o discurso modernizador de Rui Barbosa entre 1879-1923. Aborda sua formação liberal e influências intelectuais, e como seus discursos defendiam valores republicanos, federalismo e abolicionismo durante a construção da República Brasileira. O trabalho utiliza documentos sobre sua carreira jurídica, jornalística, literária e política para entender como Barbosa difundiu ideias liberais e modernizou o debate político no Brasil.
Este resumo analisa o discurso modernizador de Rui Barbosa entre 1879-1923. Aborda sua formação liberal e influências intelectuais, e como seus discursos defendiam valores republicanos, federalismo e abolicionismo durante a construção da República Brasileira. O trabalho utiliza documentos sobre sua carreira jurídica, jornalística, literária e política para entender como Barbosa difundiu ideias liberais e modernizou o debate político no Brasil.
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Este resumo analisa o discurso modernizador de Rui Barbosa entre 1879-1923. Aborda sua formação liberal e influências intelectuais, e como seus discursos defendiam valores republicanos, federalismo e abolicionismo durante a construção da República Brasileira. O trabalho utiliza documentos sobre sua carreira jurídica, jornalística, literária e política para entender como Barbosa difundiu ideias liberais e modernizou o debate político no Brasil.
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Universidade Federal de Juiz de Fora
Instituto de Cincias Humanas - ICH
Programa de Ps-graduao em Histria Leandro de Almeida Silva O Discurso Modernizador de Rui Barbosa (1879-1923) Juiz de Fora 2009 Leandro de Almeida Silva O Discurso Modernizador de Rui Barbosa (1879-1923) Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Histria por LEANDRO DE ALMEIDA SILVA Orientadora: Prof. Dr Cludia Maria Ribeiro Viscardi. Orientadora: Prof. Dr Cludia Maria Ribeiro Viscardi.
Juiz de Fora 2009 Leandro de Almeida Silva O Discurso Modernizador de Rui Barbosa (1879-1923) Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Histria por LEANDRO DE ALMEIDA SILVA Orientadora: Prof. Dr Cludia Maria Ribeiro Viscardi. Orientadora: Prof. Dr Cludia Maria Ribeiro Viscardi. Aprovada em 25 de junho de 2009 Banca Examinadora ____________________________________________ Prof. Dr Cludia Maria Ribeiro Viscardi (orientadora) Universidade Federal de Juiz de Fora _____________________________________________ Prof. Ps-Dr. Ricardo Vlez Rodrguez Universidade Federal de Juiz de Fora _____________________________________________ Prof. Dr Surama Conde S Pinto Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Juiz de Fora 2009 Ao Tales e Cris, com muito amor. AGRADECIMENTOS Ao contrrio de muitos modelos de agradecimentos, eu sei por onde comear. Se no fossem meus pais, Jorge e Maria da Penha, eu no seria praticamente nada. Ao meu pai, devo o seu legado de honestidade, bondade e garra. Devo, certo, todo o meu respeito e admirao. minha me, que mesmo j no estando entre ns, ecoa seus ventos de sabedoria e habilidade poltica com o mundo. Ela me ensinou a arte da poltica. Sinto at hoje seu afeto, seu brilho e sua firmeza. Muitas pessoas me ajudaram a percorrer esse caminho, trilhado com a sede de quem sabe lidar com as batalhas. Gostaria de lembrar-me dos meus professores de cursinhos, figuras exticas e empolgadas com a cultura. Aos meus amigos da graduao e do mestrado: um forte abrao e meus sinceros agradecimentos por compartilharem comigo bons momentos de minha construo acadmica. Aos professores do Departamento de Histria da UFJF tambm meu eterno agradecimento. Ao Prof. Galba Di Mambro, pelas orientaes de normas tcnicas, somadas a doses incansveis de exerccios de tranquilidade, produto de nossas conversas. Ao Igncio Godinho Delgado, por estimular o gosto pela pesquisa em seus alunos. Ao Marco Cabral que instigou nossa turma de mestrado a pensar sobre as diversas matrizes do conhecimento. Foi muito produtivo o seu curso e suas orientaes. No poderia esquecer-me de outros queridos do espao acadmico do ICH. Gostaria de citar o Marquinhos (Marquito) da cantina, s faxineiras queridas e os meninos alegres do xerox . minha orientadora Cludia Viscardi, todo o meu apreo e admirao, pelo profissionalismo e pela acolhida de um estudante, que h muito no freqentava os bancos da Faculdade. Obrigado por acreditar em mim e depositar confiana no meu trabalho. Voc para mim uma referncia cultural. Andra Casa Nova Maia e ao Ricardo Vlez Rodrigues, que fizeram parte de minha Banca de Qualificao e me deram a honra de tambm integrarem a Banca Examinadora de minha dissertao, dispenso palavras. Foi mgico aceitarem os meus convites. Finalmente, tambm com muito amor, aos outros sabores da minha famlia. Aos meus irmos queridos. Obrigado por existirem. Ao Paulo Csar, que nunca mais tenhamos contratempos, pois admiro sua determinao na vida. Ao Jorge Adilson, obrigado por manter sua jovialidade e ser afetivo: voc merece dar a volta por cima. Ao Lus Carlos, Carlinhos, figura de exemplo para a humanidade. Meus parabns! Ao meu irmo mais velho, Lavinho, obrigado por me ensinar a arriscar um pouco na vida para ter alguma coisa. Voc uma figura. Toro para que um dia nossa famlia possa estar mais unida, como era no passado. Vocs so tudo para mim, pois plantam minhas esperanas e fazem renascer minhas virtudes. Ao Prof. Messias por ter ampliado minhas possibilidades de trabalho e aos meus alunos, que me motivaram a no desistir do meu sonho. Valeu a pena. Ir. Ernestina por ter enxergado em mim, um bom futuro para o seu Colgio. Muito Obrigado. Ao Lus Antnio Daibert por ter percebido bondade e talento em mim: estou torcendo muito por voc. Ao Miguel Detsi, obrigado pelas conversas e pelas motivaes. Ao professor Jos Luiz Botti agradeo por disseminar o seu idealismo. Ao Francisco por me ensinar a ser forte: um abrao, Mano! De forma tambm especial, Maringela, que acompanhou grande parte de minha histria acadmica: espero que se orgulhe de trabalhar comigo. Ao amigo Andr Carneiro, que sua humanidade contamine a todos nesse planeta nem sempre habitado por pessoas atentas alteridade. Ao amigo Wander: meu muito obrigado por inspirar outros educadores a pensarem sobre o verdadeiro significado da arte de ensinar. minha esposa Cris e ao meu filho Tales, devo-lhes todo este trabalho. Obrigado por serem solidrios e estarem junto comigo, em plenas frias, apoiando meus estudos e tendo pacincia com as minhas intempries. Ficar sem conversar, brincar, compartilhar e abraar vocs foi um grande sacrifcio. Mas nunca deixei de fato de fazer isso no meu imaginrio repleto de felicidades por ter construdo com vocs uma bela histria. Espero continuarmos nessa estrada. Dedico esse trabalho profundamente ao meu filho, Tales. Que voc seja feliz e se inspire nos estudos de seu pai. Esse o legado que gostaria de deixar a voc, associado aos valores que construmos em famlia. Cris, parabns por sua beleza, sua verdade, sua tica, seu companheirismo, sua preocupao e sua bondade. Eu amo muito vocs e a fonte desse sentimento fez despertar em mim a vontade de vitria. Vocs so lindos! Na anlise dos acontecimentos histricos, entretanto, preciso ir alm dos fenmenos aparentes, que so observados e registrados pelos contemporneos. As grandes transformaes que subvertem as estruturas econmicas e a ordem social so s vezes silenciosas e passam desapercebidas aos olhos dos contemporneos, ou so vistas de maneira parcial ou deformada. Emlia Viotti da Costa RESUMO No presente trabalho visamos estudar os discursos de modernizao poltica de Rui Barbosa, durante o final do sculo XIX e primeira metade do sculo XX. Pretendemos, atravs dos discursos proferidos por Rui Barbosa, encontrar elementos de sua modernidade poltica, a partir dos principais acontecimentos da histria do Brasil, no perodo mencionado. O estudo de sua formao poltica, bem como de suas influncias fundamentais na construo do pensamento poltico no Brasil, tornaram-se uma das principais questes iniciais desse trabalho, que buscou correlacionar a gnese de seu pensamento com o processo de consolidao dos valores liberais por ele divulgados, principalmente, ao longo da Primeira Repblica. Para isso, foi essencial compreendermos os contedos de seu pensamento liberal, inserindo-os nos contextos necessrios, ao longo do processo de construo da Repblica brasileira. Para realizar tal tarefa, investigamos um amplo conjunto de documentos, em distintas faces de sua formao: a carreira jurdica, jornalstica, literria e poltica. Nosso foco foi este ltimo ponto, contemplado pela bibliografia sobre o tema. A modernidade poltica de Rui Barbosa esteve presente nos debates sobre repblica, federalismo e abolicionismo PALAVRAS-CHAVE: Rui Barbosa. Modernizao Poltica. Liberalismo. ABSTRACT This paper aims to study Rui Barbosas speeches of political modernisation from the end of the 19 th Century to the middle of the 20 th Century. Through the speeches given by Rui Barbosa, we intend to find elements of his political modernity, from the main events in Brazilian history during this period. One of the main initial subjects of this research was the study of his political formation and his fundamental influence in the construction of political thought in Brazil, thereby attempting to correlate the origin of his thought with the process of consolidation of the liberal values that he preached, especially at the time of the First Republic. So it was essential for us to understand the content of his liberal thinking, inserting it into the necessary contexts, during the process of construction of the Brazilian Republic. To carry out this task we investigated a large set of documents on different facets of his formation: his legal, journalistic, literary and political career. We focused mainly on this last item, considered by the bibliography on the theme. Rui Barbosas political modernity was present in debates on the republic, federalism and abolitionism. KEY WORDS: Rui Barbosa. Political modernisation. Liberalism. SUMRIO INTRODUO ............................................................................................................... CAPTULO 1 - A FORMAO DO DISCURSO MODERNIZADOR DE RUI BARBOSA: DO BERO LIBERAL OLIGRQUICO AO GABINETE DE CANSANSO DE SINIMBU (1849-1879) .................................................................... 1.1 Uma breve sntese biogrfica ................................................................................... 1.2 Os diversos olhares sobre Rui .................................................................................. 1.3 A modernidade polimrfica ...................................................................................... 1.4 Culturas polticas compartilhadas ........................................................................... 1.5 Consideraes finais .................................................................................................. CAPTULO 2 - O LIBERALISMO DE RUI BARBOSA: AS VRIAS FACES DE UMA TRADIO POLTICA (1879-1907) ................................................................. 2.1 As metamorfoses liberais no processo de construo do imaginrio republicano 2.2 Rui e os grandes debates nacionais: Abolio, Repblica e Federalismo 2.3 A Segunda Conferncia de Haia (1907) ................................................................... 2.4 Consideraes finais CAPTULO 3 - A CAMPANHA CIVILISTA DE 1910 .............................................. 3.1 Origens da Campanha Civilista e sua posteridade imediata ................................. 3.2 A oposio de Rui ao governo Hermes da Fonseca ................................................ 3.3 Rui e a Guerra da Democracia ................................................................................. 3.4 Os ltimos anos (1918-1923) ..................................................................................... 3.5 Consideraes finais CONCLUSO ................................................................................................................. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 9 INTRODUO 1 A proposta do presente trabalho consiste em estudar o discurso de modernizao poltica de Rui Barbosa, ao longo da segunda metade do sculo XIX, fase do II Imprio e, fundamentalmente, durante a Primeira Repblica. Estabelecemos como marco inicial cronolgico, o ano de seu nascimento, em 1849, por entendermos que sua formao familiar foi um elemento fundamental na construo de seu imaginrio poltico at o ano de sua morte, 1923. Em linhas gerais, a historiografia recente sobre o tema tem procurado analisar a figura de Rui Barbosa como uma das expresses polticas mais importantes de nossa histria, no que tange lgica de construo de um espao pblico legalista, no mbito dos debates da montagem institucional da Repblica liberal brasileira. Por mais esforos que os pesquisadores acerca do assunto tenham feito, grande parcela dessas obras ainda acabam se concentrando em certa dose de enaltecimento de sua figura, o que procuraremos mostrar no bojo de nossa pesquisa. 2 Nossa proposta consiste em fazer uma biografia de Rui Barbosa, a partir de novas formas de fazer biografias, tendo como ponto de partida a nova histria poltica. Como nossa personagem aqui se encaixa no conjunto do pensamento da elite de uma poca, percebemos a
1 Disponvel em: www.senado.gov.br. Acesso em: 01 mai. 2009. 2 A ttulo de exemplo poderamos enquadrar nessa corrente: CARDIM, Carlos Henrique. A raiz das coisas: Rui Barbosa o Brasil e o mundo. Rio de Janeiro: Ed. Civilizao Brasileira, 2007 e GONALVES, Joo Felipe. Vida, glria e morte de Rui Barbosa: a construo de um heri nacional. 1999. Dissertao de Mestrado Universidade Federal do Rio de Janeiro: PPGAS / Museu Nacional / UFRJ, 1999. 10 validade da anlise de Heinz, quando o autor nos oferece um conjunto de possibilidades analticas surgidas mediante a aplicao da metodologia das biografias ou grupos de elites. 3 Segundo Heinz, as elites so definidas pela deteno de certo poder ou ento como produto de uma seleo social ou intelectual. O estudo das elites seria um meio para determinar quais so os espaos e mecanismos de poder utilizados por diferentes tipos de sociedade ou, ainda, para delimitar os princpios empregados para o acesso s posies dominantes. Tal perspectiva, somada ao recurso metodolgico das biografias coletivas, foram responsveis pelo grande sucesso desse tipo de pesquisa entre os historiadores. Essa combinao possibilitaria, segundo o autor, realizar uma anlise mais fina dos atores situados no topo da hierarquia social, permitindo compreender a complexidade de suas relaes, de seus laos objetivos, com o conjunto ou com setores da sociedade. 4 Os trabalhos mais antigos acerca de Rui Barbosa se concentravam em torno de algumas matrizes que percebemos como universais: o apego exacerbado ao seu legado histrico, vinculado ao seu herosmo; a mistificao de sua figura poltica; a nfase na sua cultura enciclopdica; no jargo simbolizado como homem alm de seu tempo; um homem pblico portador de causas humanas; um desenraizado no ambiente poltico de sua ptria; um paradigma nos assuntos de justia; um impecvel estudioso das letras; um homem dotado de grande capacidade de sacrifcio, entre outras questes anlogas a tais adjetivos. 5 Pretendemos distanciar-nos de tais abordagens e estabelecer uma anlise mais equilibrada a respeito de Rui Barbosa. No queremos engrandecer exacerbadamente sua figura e nem depreciar suas contribuies na formao do liberalismo-democrtico-nacional. Procuraremos identificar Rui, nos contextos mais amplos, levando em considerao a tradio de seu liberalismo-oligrquico, conforme a ele se referiu um grupo de historiadores. 6
3 HEINZ, Flvio M. Por outra histria das elites. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006. pp. 12-45. 4 Ibid, pp. 12-45. 5 Como exemplos desse conjunto de pensadores, citamos: VIANA, Filho, Luiz. A vida de Rui Barbosa. So Paulo: Martins, 1965.; ______. Rui Barbosa: seis conferncias. Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Cultura ( MEC) / Fundao Casa de Rui Barbosa, 1977.; ______. A vida de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Cia. editora nacional, 1977.; VILLAS-BOAS, N.B. A Rui o que de Rui. Rio de Janeiro: MEC / Casa de Rui Barbosa.; MONTEIRO, Exupero. Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Ed. Fundao Casa de Rui Barbosa, 1958.; PIRES, Homero. Rui Barbosa e os livros. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1949. ; LIMA, Hermes. O construtor, o crtico e o reformador na obra de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1958.; entre outros que mostraremos ao longo de nosso captulo 1. 6 RESENDE, Maria Efignia Lage de. O processo poltico na Primeira Repblica. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Luclia de A. Neves (org.). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamao da Repblica Revoluo de 1930. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. v. 1, p. 98-100. Cf .tambm CARONE, Edgard. A Primeira Repblica (1889-1930). So Paulo: Difel, 1975, pp. 112-134. ______. A Repblica Velha: instituies e classes sociais (1889-1930), 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988. pp.23-38. CARONE, Edgard. A Primeira Repblica (1889-1930). So Paulo: Difel, 1975. ____. A Repblica Velha: instituies e classes sociais (1889-1930). 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988. pp. 25-74. 11 Para compreendermos as propostas da modernizao poltica de Rui Barbosa, levamos em conta a noo de contexto, defendida por Alban Bensa. Para esse autor, no se pode pensar no contexto como uma estrutura esttica, pois ele imanente s prticas sociais, faz parte delas. O contexto histrico, em sua concepo, seria composto por mltiplas contradies e fraturas internas, podendo suscitar a ideia de que vrios contextos muitas vezes antinmicos se encontram cristalizados no prprio interior do comportamento dos atores. 7 Esta ideia se encaixa no contexto ou nos contextos aqui analisados, pois os fatores da construo do discurso modernizador de Rui so mltiplos e regados por variveis, como mostraremos. Rui se insere no fervor de uma identidade particularizada por suas culturas poltica. De acordo com Serge Berstein, a cultura poltica constitui um conjunto coerente em que todos os elementos esto em estreita relao uns com os outros, permitindo definir uma forma de identidade do indivduo que dela se reclama. 8 Ela permitiria ainda uma leitura comum do passado e uma projeo para o futuro. exatamente este o caso do discurso difundido por Rui Barbosa em sua poca. Notadamente, perceberemos que em grande parte de sua vida, em especial, na Primeira Repblica, h uma leitura negativa em relao ao passado visto como o atraso, a repblica dos coronis, excludente e elitista e um projeto poltico para o futuro: democratizao, concretizao dos ideais republicanos, defesa das liberdades individuais com a insero poltica das camadas mdias urbanas e populares atravs do voto secreto e uma pretensa moralizao da poltica brasileira. O final do Segundo Reinado e o processo da Primeira Repblica foi um perodo adequado para o estudo do discurso de modernizao poltica de Rui, uma vez que vrios debates polticos sobre a sociedade brasileira nele se estabeleceram. Entre as principais discusses, citamos a questo da escravido e o abolicionismo; a construo de um modelo republicano, inspirado nos arcabouos da cultura poltica anglo-saxnica; a necessidade de se criar um espao poltico no pas para aumentar a demanda natural da necessidade de participao poltica, como foi o caso dos anseios da classe mdia; a luta em torno do habeas- corpus, a proposta de formular um Cdigo Civil fundamentado nas garantias das liberdades individuais; a discusso em torno da reforma no ensino, entre outros problemas polticos de
7 BENSA, Alban. Da micro-histria a uma antropologia crtica. In: REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas: a experincia da microanlise. Rio de Janeiro: Ed. Fundao Getlio Vargas, 1998. p. 52. 8 BERSTEIN, Serge. A cultura poltica. In: RIOUX, Jean Pierre & SIRINELLI, Jean-Franois (org.). Para uma histria cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 349-50. 12 insero de uma cidadania moderna refinada e redefinida no curso da investigao histrica, respeitando as especificidades da realidade brasileira. No existem trabalhos especficos que tratam dos discursos de modernidade poltica de Rui, que levam em considerao toda a sua vida, sua trajetria e suas culturas polticas compartilhadas. Nesse sentido, estudar o tema se torna instigante e nos motiva a colaborar para o debate historiogrfico baseado na rediscusso da modernizao poltica na Histria do Brasil. Ao lanarmo-nos no calor de nossa pesquisa algumas perguntas nos inspiraram. Quais obras ele lia e em quais autores ele se inspirou? Que valores polticos Rui transmitia em seus discursos? Quais so as principais ideias liberais que influenciaram Rui Barbosa? Havia homogeneidade em seu discurso poltico? Por que os eventos dos quais ele participou expressaram elementos de modernizao poltica? Qual a importncia da modernidade poltica de Rui para a classe mdia? De que forma Rui articulou o seu liberalismo oligrquico? Qual sua postura em relao poltica externa? De que forma ele agia na poltica? Havia coerncia entre seus discursos e sua atividade na vida pblica? Como ele se posicionou na Campanha Civilista de 1910? Quais os significados de suas ideais para a atualidade? Para respondermos as questes propostas, examinamos toda a documentao disponvel acerca dos seus discursos e verificamos que, de fato, Rui Barbosa esteve envolvido diretamente com a rotina de projetos liberais, sem, contudo, abandonar sua tradio oligrquica, para realizar seus clculos e interesses. Porm, ao mesmo tempo, verificamos a importncia de suas bandeiras polticas na construo da dignidade dos valores liberais. Percorremos sua vida poltica analisando sua passagem no poder como Deputado Provincial, Deputado Geral, Senador, Ministro dentre outras funes por ele ocupadas. Constatamos que Rui Barbosa representou determinados avanos para o debate poltico no Brasil, principalmente, em suas crticas ao militarismo e na usurpao do poder pblico em nome da filosofia do autoritarismo. Ele postulou a liberdade contra as arbitrariedades de determinadas prticas polticas tirnicas de governantes nacionais e internacionais. Aps seguirmos todos esses passos, dividimos o nosso trabalho em trs captulos. No primeiro, verificamos de que forma Rui Barbosa construiu suas ideias modernizadoras e liberais. Pontuamos as origens de sua construo ideolgica alicerada em seu forte liberalismo oligrquico. No levantamento realizado, observamos que Rui construiu seus valores polticos em torno do legado de sua formao familiar e intelectual, especialmente, na Faculdade de Recife, local onde diversos temas polticos brasileiros eram debatidos. 13 Discutimos as propriedades do debate acerca do Moderno, levando em conta os seus discursos e a formao dos grupos polticos, entre os quais ele compartilhou valores. No segundo captulo, analisamos a tradio poltica liberal de Rui Barbosa, tendo como preocupao central enumerar e refletir sobre os principais eventos polticos em que ele manifestou sua presena na arena poltica. Os documentos serviram de base para constatarmos o perfil de seu pensamento liberal e os traos de modernidade poltica pelos quais ele se empenhou durante sua poca. Os documentos nos mostraram seu apreo pelos ideais polticos norte-americanos, sua inclinao pelas simpatias ao parlamentarismo britnico, embora na Constituio de 1891, tenha sido defensor, pelo menos, no incio, do presidencialismo estadunidense. As fontes nos mostraram a pluralidade das culturas polticas de Rui Barbosa e dos grupos polticos que disputavam a hegemonia pelo poder. Ainda no segundo captulo falamos sobre a Segunda Conferncia de Paz em Haia e discutimos as principais causas defendidas por Rui. Ao examinarmos as fontes, percebemos que suas atitudes, realmente, foram dignas para a defesa do Brasil, em sua imagem pblica internacional. Falamos, em seguida, sobre a fabricao mtica de Rui Barbosa, notadamente, quando de sua volta para Brasil, em que discutimos os contextos de formao do smbolo com que ficara conhecido: O guia de Haia. O debate sobre sua participao na poltica externa refletiu profundamente em outras polticas compartilhadas por ele, que verificamos de forma macro, no mbito da Campanha Civilista de 1910. No terceiro e ltimo captulo, examinamos a Campanha Civilista de 1910, onde discutimos as nuances do processo histrico, bem como os valores disseminados por Rui acerca de seu antimilitarismo. A documentao examinada nos levou a verificar o apreo poltico de Rui Barbosa permanncia de uma estrutura poltica civil no Brasil, contra o militarismo, que, em sua leitura, expressava relaes de similitude com o autoritarismo dos grandes imprios. Os documentos nos mostraram as crticas que Rui fez possibilidade de vitria do militarismo no pleito de 1910. Logo, em seguida analisamos, aps a derrota de Rui, a oposio feita por ele contra Hermes da Fonseca. Pudemos constatar que, nas fontes pesquisadas, Rui travou vrias discusses sobre os fundamentos do liberalismo. Analisamos, para elucidar tal assertiva, a campanha de Rui contra a lei de vacina obrigatria e a sua forte oposio ao governo Hermes, no que tange poltica de intervenes militares. Outro assunto de que tratamos, no terceiro captulo, foi o empenho de Rui em recrutar uma defesa poltica contra a neutralidade na Guerra. Ao verificarmos a documentao 14 sobre esse assunto, ficaram evidentes suas ligaes com os Aliados e a importncia do papel histrico de tal evento na poltica externa e interna no Brasil. Terminamos nosso trabalho discorrendo sobre os ltimos anos de sua vida, quando das homenagens que lhe foram prestadas, no Jubileu Cvico e Literrio, e tambm sobre seu envolvimento poltico, no contexto do governo Arthur Bernardes. A documentao pode nos mostrar as especificidades polticas no final de sua vida, garantindo nosso argumento de em relao sua heterogeneidade de discurso. 15 CAPTULO 1 - A FORMAO DO DISCURSO MODERNIZADOR DE RUI BARBOSA: DO BERO LIBERAL OLIGRQUICO AO GABINETE DE CANSANSO DE SINIMBU (1849-1879) O Brasil no isso. isto. O Brasil, senhores, sois vs. O Brasil esta assemblia. O Brasil este comcio imenso de almas livres. No so os comensais do errio. No so as ratazanas do Tesoiro.No so os mercadores do Parlamento. No so as sanguessugas da riqueza pblica. No so os falsificadores de eleies. No so os compradores de jornais. No so os corruptores do sistema republicano. No so os oligarcas estaduais. No so os ministros de tarraxa. No so os presidentes de palha. No so os publicistas de aluguer. No so os estadistas de impostura. No so os diplomatas de marca estrangeira. So as clulas ativas da vida nacional. a multido que no adula, no teme, no corre, no recua, no deserta, no se vende. No a massa inconsciente, que oscila da servido desordem, mas a coeso orgnica das unidades pensantes, o oceano das conscincias, a mole das vagas humanas, onde a Providncia acumula reservas inesgotveis de calor, de fora e de luz para a renovao das nossas energias. o povo, em um desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade. 9 1.1 Uma breve sntese biogrfica Pretendemos neste trabalho possibilitar outros olhares sobre a Histria poltica da Primeira Repblica. Para isso falaremos um pouco do contexto anterior visando explicar a trajetria de Rui Barbosa. Sabemos que, possivelmente, a traduo do liberalismo oligrquico foi consubstanciada na figura emblemtica de Rui, nosso objeto de estudo. 108
9 Disponvel em: www.pensadoresbrasileiros.home.comcast.net. Acesso em: 10 abr. 2009. 10 RESENDE, Maria Efignia Lage de. O processo poltico na Primeira Repblica. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Luclia de A. Neves (org.). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamao da Repblica Revoluo de 1930. op.cit. pp 100-101. 16 11 O caminho que escolhemos para desenvolver este trabalho consiste em fazer uma anlise cronolgica, destacando os eventos em que Rui esteve envolvido, tendo como eixo a perspectiva de sua modernidade poltica. A partir de tais eventos, avaliamos as culturas polticas da poca levando em conta a coeso oligrquico-familiar e personalista e, ainda, buscamos perceber a visibilidade nacional de Rui, almejando os mais altos postos da poltica Federal. Para Serge Bernstein, 12 a cultura poltica surgiu na tentativa de oferecer uma explicao mais satisfatria dos comportamentos polticos, pelo fato de no apresentar-se como uma chave universal que explica todos os fenmenos, mas como uma ferramenta de mltiplos parmetros que permite adaptar-se complexidade dos comportamentos humanos. levando em considerao tais colocaes que vamos procurar compreender a dinmica poltica de Rui envolvida em torno das particularidades contraditrias do Brasil
11 Caricatura de Rui Barbosa disponvel em www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 10 abr. 2009. 12 BERSTEIN, Serge. A cultura poltica. In: RIOUX, Jean Pierre & SIRINELLI, Jean-Franois (org.). Para uma histria cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. pp. 349-50. 17 Oligrquico. A modernidade de Rui manifestada luz dessas circunstncias histricas. Na leitura de Marshall Berman em seu livro Tudo que slido desmancha no ar 13 : Ser moderno viver uma vida de paradoxo e contradio. sentir-se fortalecido pelas imensas organizaes burocrticas que detm o poder de controlar e freqentemente destruir comunidades, valores, vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essas foras, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo. ser ao mesmo tempo revolucionrio e conservador: aberto a novas possibilidades de experincia e aventura, aterrorizado pelo abismo niilista ao qual tantas aventuras modernas conduzem, na expectativa de criar e conservar algo real, ainda quando tudo em volta se desfaz.Dir-se-ia que para ser inteiramente moderno preciso ser anti-moderno. Confirmando que as contradies da modernidade que do a ela seu verdadeiro sentido, Rui Barbosa parece no ter sido exceo diante da amplitude desse conceito. As peculiaridades de seu tempo eram carregadas de incoerncias, porm explicveis diante da teia de suas relaes polticas e de seu comportamento tpico, retrato de uma gerao de pensadores sociais que nem sempre lutava amplamente por direitos sociais, mas apenas por direitos polticos: [...] a modernidade foi marcada, portanto, por esse carter profundamente excludente. Existia uma descrena na capacidade da populao negra e mestia. Por isso a adoo de prticas democrticas mostrou-se to problemtica. A civilizao no implicava a democratizao social, mas antes, no reforo dos ideais aristocratizantes. No Rio de Janeiro, em particular acabaram-se criando novos mecanismos de excluso social, j que a abolio da escravido pelo menos em teoria determinava a igualdade de direitos.Os ideais civilizatrios passaram a ser claramente endereados s elites. Essas, identificadas com a cultura europia passaram a ser claramente endereadas s elites. Essas, identificadas com a cultura europia, tentavam negar as origens mestias da nacionalidade. Para isso recorriam abusivamente aos mecanismos de diferenciao. Rui foi a expresso ntida do discurso de modernizao poltica. Nossa premissa, assim como na viso de uma parcela de historiadores, que toda a sua modernidade tambm foi levada pelo apego s tradies. Nasceu em Salvador, em 1849, filho de Joo Jos Barbosa e Maria Adlia Barbosa de Almeida. Para entendermos um pouco mais a vida de nossa personagem principal, vamos procurar conhecer a importncia de seu pai, clebre por ter tido uma grande barganha nos relacionamentos polticos. Joo Jos Barbosa tinha a formao em Medicina, mas sua paixo era a poltica. Era um liberal, formado na tradio inglesa, mas tambm nos princpios do Contrato Social de
13 BERMAN, Marshall. Tudo que slido desmancha no ar. So Paulo. Ed: Cia. das Letras, 1982. p. 84 18 Rousseau e nos Direitos do Homem e do Cidado, uma das representaes mais significativas da Revoluo Francesa. Tais influncias acabaram por despertar sua participao na revolta regencial conhecida como Sabinada. Foi um homem voltado sempre para os problemas da educao e da cultura e, por esse motivo, dirigiu a Instruo Pblica de sua provncia, publicando importantes relatrios e sustentando polmicas a respeito de sua atividade. Foi dele a principal influncia sobre o filho, benfica em pelo menos dois sentidos: no amor leitura dos clssicos e no respeito documentao em suas pesquisas. No contexto em que Joo Jos Barbosa era Diretor de Instruo Pblica, Rui foi estudar no Ginsio Baiano, que funcionava na antiga manso do Marqus de Barbacena. Seu Diretor era Dr. Ablio Borges, homem culto e liberal. Na memria da cidade era um homem ligado moderna educao. Foi ele quem aboliu a palmatria para os alunos que eram designados pejorativamente de preguiosos. Em 1865, Rui terminara o curso ginasial e ficaria pronto para cursar a velha Faculdade de Direito de Recife, lugar onde os grandes debates acadmicos aconteciam no pas. Joo Barbosa veio do Rio de Janeiro assistir formatura no curso ginasial e se espantou com o discurso proferido pelo filho. Na ocasio, Rui lanara as bases de seu liberalismo ao defender a unidade nacional e ao proclamar grande parte dos anseios da juventude de sua poca, calcados no modernismo liberal. Sem dvida, como dissemos, um passo importante de Rui foi o seu ingresso na Faculdade de Direito de Recife. Outra Faculdade, que mais tarde se tornaria um forte campo de debates, foi a Faculdade de Direito de So Paulo. No contexto, a cultura jurdica era uma forma de ascenso poltica. Gilberto Freyre, em sua obra Sobrados e Mocambos, afirma que os bacharis de So Paulo trouxeram uma determinada perspectiva de renovao das elites, simbolizada na proposta de substituio de um patriarcado rural tradicional por um urbano fortemente europeizado. Sabemos que o foco de Rui foi voltado para os direitos civis e polticos, no tendo a mesma preocupao com os direitos sociais, nosso lugar de discusso a partir daqui. Entendemos que o cunho liberal de Rui no abarcou uma ampla cidadania social, em quase toda a sua carreira poltica. A relao entre o seu discurso e a questo da cidadania devem, portanto, serem esclarecidas, uma vez que o iderio liberal-democrtico enfatizou seus horizontes na lgica do debate sobre a cidadania, entendida esta no mbito jurdico-poltico, nada alm disso. Um dos retratos mais marcantes de Rui foi a possibilidade de ele expressar a coexistncia de prticas polticas oligrquicas com os princpios norteadores do Constitucionalismo Liberal, tendo como eixo os discursos favorveis s demandas do 19 liberalismo individual. Essa lgica tambm foi uma das fortes motivaes de seu pai, que se fundamentava no modelo poltico anglo-saxo. Rui teve uma vida mergulhada nesses grandes anseios.Como desdobramento de sua formao todas as leituras e influncias de seu pai acabaram por lev-lo a ser conhecido como um homem das letras. Sua vocao era estar inclinado ao aperfeioamento da linguagem, a fim de torn-la cada vez mais um instrumento de combate. Essa tarefa era de permanente investigao, parte de um universo de perptua pesquisa sistemtica. Os livros eram amados por ele. Para termos uma ideia de sua motivao pela cultura, basta observarmos o tratamento que ele dava prpria organizao de suas fontes de pesquisa, revelando o apreo que tinha por elas. As obras eram cuidadosamente citadas com indicaes de edio, local, data, pgina e, s vezes, at de linhas. As mais antigas edies eram de Castilho Antnio, Cames, Shakespeare, Lincoln, Herculano, Frei Lus de Souza, Frei Heitor Pinto, Dr. Antnio Vieira e, mais que todos, Pe. Antnio Vieira. As publicaes do pai apresentam a mesma preocupao fundamental. As notas citadas por Rui so tomadas caprichosamente, de acordo com a preocupao de indicar as fontes. Os originais so sempre limpos, caligrficos, frequentemente com tinta de duas cores para destaque dos trechos principais. De acordo com nossa pesquisa, os cadernos mais recentes datam dos ltimos anos de sua vida, depois da polmica sobre o Cdigo Civil (1902), assunto que aprofundaremos no captulo 2. So centenas de fichas, que representam a negao do improviso e a inspirao momentnea. 9 Seus horizontes polticos foram consolidados numa srie de eventos. Destacou-se como autor de projetos de reforma eleitoral e de emancipao dos sexagenrios, o que expressa sua ligao com o contexto do abolicionismo. Foi autor dos pareceres sobre a reforma de ensino, entendendo que uma sociedade deveria ser organizada a partir de uma comunidade letrada. Notamos que isso era to significativo, pois defendia a tese de que os analfabetos no deveriam exercer o direito de voto. Somente a partir da alfabetizao o status de cidado poderia ser preenchido no sentido de exercer o discernimento e lutar pelos direitos constitucionais, como fica claro no seguinte documento: [...] a instruo do povo, ao mesmo tempo, que o civiliza e o melhora, tem especialmente em mira a habilit-lo a se governar a si mesmo, nomeando periodicamente, no municpio, no Estado, na Unio, o chefe do Poder Executivo e a legislatura. Entre suas lutas mais proeminentes citamos o fato de ele ser um grande lder do Federalismo. Iderio poltico totalmente influenciado pelo modelo norte-americano, em
9 Documento publicado no Jornal da Bahia, Salvador, em 2 de julho de 1877. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes Escritos e Discursos Seletos. Ibid. pp. 736-756. 20 especial, aquele defendido por Lincoln na poca da Guerra de Secesso. Tal federalismo estadunidense era to expressivo, que o prprio Lincoln colocava a possibilidade de abolir a escravatura para atingir os seus objetivos de Federao. No ano de 1868, Rui aos 19 anos, fez um discurso saudando o deputado Jos Bonifcio, sobrinho e neto do velho fundador do Imprio brasileiro, um de seus professores em So Paulo. No ano em questo, o Imperador D. Pedro II, contrariando o princpio moderador da Coroa, destituiu o Gabinete Zacarias, recm-convertido ao Liberalismo, pondo em seu lugar Itabora. Rui protestou a atitude do Imperador no jornal chamado Clube da Reforma, porm depois foi levado a reconhecer o exagero de suas crticas tendo a postura de dizer que o importante era a reforma do Estado, desde que se preservasse a liberdade. Foi logo depois disso que ele proferiu seu discurso em homenagem a Jos Bonifcio, pois este tambm era contra a arbitrariedade do Imperador. Aps esse discurso, Rui viria a fundo na sua carreira jornalstica no Radical Paulistano, miniatura do Clube da Reforma, sendo parceiro de Lus Gama, Amrico de Campos e Bernardino Pamplona. Foi nesse jornal que Rui passou a canalizar suas ideias sobre ensino livre, abolio da escravatura e eleies diretas. No sentido geral, esses jornais surgiram a partir de algumas discusses travadas por determinados grupos intelectuais, defensores dos valores liberais-democrticos. Outro aspecto de notoriedade da carreira de Rui Barbosa foi, no ano de 1869, quando teve uma atuao pblica bastante significativa, por meio da saudao proferida s tropas que voltavam da Guerra do Paraguai. Durante trs noites fez discursos aos soldados defendendo as bandeiras da liberdade e do civilismo. Esse episdio aprofundou a mstica de Rui em torno de sua imagem pblica. Em 1875, Rui protestou contra o servio militar obrigatrio decretado pelo Imprio. Sua perspectiva era no sentido de defender a liberdade contra o militarismo excessivo. Utilizando--se das premissas filosficas de John Locke, fez um discurso calcado nos pilares das liberdades individuais, trilhando o seu caminho em direo identidade de sua eloquncia. Estabelecendo um pequeno paralelo entre sua vida poltica e pessoal, no contexto de 1876, Rui conheceu sua paixo, Maria Augusta Viana Bandeira. Moa pobre, filha de funcionrio pblico, mas vinda de uma ilustre famlia tradicional aristocrata baiana. A histria nos conta que ele tinha que adquirir determinados capitais para os fundos da realizao de seu amor e por isso foi para o Rio de Janeiro. Na Corte, logo se empregou em um escritrio de advocacia, por recomendao do conhecido poltico Manuel Dantas e passou a escrever no 21 jornal A Reforma, cujo eixo temtico principal era a crtica direta ao Partido Conservador, ento no governo. Como orador discursou ao embaixador do Chile e proferiu discursos realizados numa Loja Manica, o que legitimou seu nome na cidade. O primeiro discurso foi uma defesa da liberdade individual e o segundo, a favor da separao entre a Igreja e o Estado. 10 No contexto da chamada Questo religiosa o anticlericalismo de Rui ganhou espao proeminente. A gnese dessa questo se encontra na priso dos bispos do Par e de Olinda, no ano de 1873, acusados de hostilidades contra os maons. A ao dos bispos decorrera da obedincia, a uma Bula Papal que o imperador no ratificara, sendo assim considerada um desrespeito aos poderes do imperador sobre o clero. No Dirio da Bahia, Rui se posicionou favoravelmente aos dois bispos, mas quando eles foram anistiados em 1875, Rui protestou o fato nas pginas do jornal. Nesse passo se desenvolvia o processo de sua posio a favor da liberdade religiosa e da separao entre a Igreja e o Estado. Esta postura de Rui se deve ao fato de ele defender um Estado laico e o contexto de transio da Monarquia Repblica favorecer plenamente sua postura poltica nesse sentido. Ainda se tratando da Questo Religiosa, Rui se envolveu em outras histrias. Um livro francs contra o dogma da Imaculada Conceio, traduzido e prefaciado por Joo Jos Barbosa, fora publicado logo aps sua morte. Atacado por defensores das posies papais, Rui Barbosa saiu em defesa do trabalho do pai com uma crtica virulenta das prerrogativas temporais do papa, da intolerncia religiosa, dos dogmas da infalibilidade papal e da Imaculada Conceio. Em 1875, logo depois da anistia aos bispos, Rui mais uma vez suscitou a revolta do clero contra si, ao defender publicamente a apresentao, na Bahia, da pea Os Lazaristas, considerada anticlerical por discutir os dogmas recentes da Igreja e a atuao temporal do papa. 11 Quando Rui chegou ao Rio, novamente o capital social herdado de seu pai funcionou a seu favor. Vinculou-se Saldanha Marinho, que ampliava o anticlericalismo estabelecendo uma parceria com Rui ao convid-lo para traduzir a obra antipapista, do alemo Johann Dollinger. Rui aceitou, pois estava com dificuldades econmicas e precisava obter renda para cumprir os seus principais compromissos. Saldanha garantiu a Rui que a maonaria compraria 1.500 exemplares do livro, o que seria um grande elemento para se livrar das dvidas herdadas do pai.
10 GONALVES, Joo Felipe. Rui Barbosa: pondo as idias no lugar. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2000. pp. 12-16. 11 GONALVES, Joo Felipe. Op. cit., pp.12-24. 22 Em fins de 1876, Rui retornaria Serra Fluminense, mas ficaria doente de tifo, chegando a passar por risco de vida. Em seguida retornou a Salvador em meados de 1877, quando assumiu a direo do Dirio da Bahia, devido ausncia de Rodolfo Dantas, passagem de sua vida que comprova mais uma vez os benefcios das relaes pessoais e polticas de seu pai. Em artigo publicado no jornal Dirio da Bahia, Rui expressava seus anseios em relao ao povo brasileiro destacando o fato de os homens serem donos de sua prpria histria. A modernizao poltica de Rui tambm era celebrada por sua ampla viso acerca da liberdade individual dos homens, como nos mostra o seguinte trecho: [...] um povo digno de dominar os seus destinos, de ser indisputadamente senhor de si mesmo, no delira, no se atordoa, no fecha os olhos realidade severa da sua posio. Nas horas mais freqentes do regozijo, quanto a imaginao e o entusiasmo dourarem das suas irradiaes os feitos de nossos pais, ouamos, cada um no seio de sua alma. 12 Outro marco importante de sua vida tambm ocorreu em 1877, quando ocorreu a homenagem ao General Osrio, equivalente liberal ao Duque de Caxias para o Partido Conservador. Rui foi escolhido como orador para saud-lo em nome da Comisso Central do Partido Liberal, em janeiro de 1878, com o Gabinete de Cansanso de Sinimbu. notria a importncia da ascenso de Sinimbu. As eleies parlamentares imperiais eram feitas para referendar o Gabinete que assumia, e, portanto os liberais tinham sido a minoria parlamentar nos ltimos 10 anos de governo conservador. A partir desse momento, com a ascenso dos liberais ao poder, jovens polticos, como Rui Barbosa, saam do ostracismo. 13 Fica evidente que para a eleio de Rui, para ambas as cmaras, provincial e geral, foi decisiva a influncia de Manuel Dantas. Este garantiu as eleies, como de costume na poca, sem campanha, utilizando-se de arranjos internos da elite conforme as questes complexas de articulaes polticas que envolviam as elites no final do sculo XIX e incio do sculo XX. 14 No comentrio de Joo Felipe Gonalves a expresso poltica de Rui, corroborada por Dantas, pode ser sintetizada nas suas origens da seguinte forma: como deputado provincial a atuao de Rui no teve muitos incidentes dignos de nota (devido a sua curta durao). O maior embate em que se envolveu foi acerca de uma crise no abastecimento de farinha na
12 Documento publicado no Jornal da Bahia, Salvador, em 2 de julho de 1877. Cf.. LACERDA, Virgnia Cortes Rui Barbosa: escritos e discursos seletos. Rio de Janeiro: Edies Casa de Rui Barbosa/Editora Nova Aguilar, 1995.p.736. 13 LAMOUNIER, Bolvar. Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. 14 CARVALHO, Jos Murilo. Op. cit. (nota 26), pp. 107-108. 23 cidade de Salvador. Rui defendeu um projeto que proibia temporariamente a exportao de farinha como forma de resolver a crise. Sobre essa polmica, dois aspectos so de destacar. Primeiro, a defesa de Rui Barbosa foi inteiramente calcada em exemplos similares da histria parlamentar inglesa, mostrando a validade da suspenso do livre cmbio em certos casos. Segundo, o fato teve grande repercusso porque o grande opositor do projeto era Lus Antnio Barbosa, tio de Rui, com quem este rompera relaes desde que ele rompera com Dantas e Joo Jos Barbosa. Tio e sobrinho passaram ao ataque mtuo e constante nos jornais soteropolitanos, trocando agresses abertas. Em mais um duelo verbal se envolvia o jovem Rui, e ia crescendo sua fama de orador e escritor capaz de destruir o argumento alheio. Desse duelo familiar Rui saiu em dezembro de 1878 para ocupar a cadeira na Assemblia Geral, na corte. Mas logo teria tambm ali chances de se sobressair atravs de polmica igualmente ferozes. 15 Por ltimo, abordamos os primeiros discursos de Rui na qualidade de Deputado Geral. O primeiro discurso foi contra o seu correligionrio do Partido Liberal, Gavio Peixoto. Na ocasio, Rui argumentou que o candidato conservador Joo Mendes apresentava legitimidade para preencher a vaga na Assemblia, uma vez que defendia a tese de que Gavio Bueno tinha sua elegibilidade invalidada por ser concessionrio de servios pblicos. Seu argumento no convenceu a Cmara Liberal, que acabou favorecendo a Gavio Peixoto, porm Rui aumentou com tal estria sua tradio de tribuno eloqente e perspicaz. O segundo discurso significativo de Rui foi em defesa de uma atitude do governo imperial: ter dado o poder a um Gabinete Liberal e convocado novas eleies. Rui proferiu um discurso de aproximadamente quatro horas legitimando uma de suas marcas polticas. Mas o seu maior triunfo foi o duelo de eloqncia com Gaspar Silveira Martins, que tinha sido ministro da Fazenda do Gabinete Sinimbu, ento no poder, o qual criticava.. Martins discordava da reforma eleitoral proposta por Sinimbu, que no dava direitos polticos aos no-catlicos, ponto defendido pelo grupo democrata de que era lder. Rui foi encarregado de defender o Gabinete Sinimbu na Assemblia. No dia 16 de abril de 1879, o dissidente liberal atacaria o governo e Rui revidaria saindo vitorioso. Porm o ponto mais irnico da questo que no ano seguinte Rui sugeriu um projeto de reforma eleitoral que determinava a concesso aos no-catlicos dos direitos polticos de voto e elegibilidade, ponto que ocasionara a dissidncia de Martins em relao ao Gabinete Sinimbu. Isso demonstra que no existia uma homogeneidade no discurso de Rui e
15 GONALVES, Joo Felipe. Op. cit. (nota 22), p. 34. 24 ele agiria na arena poltica de acordo com seus interesses conjunturais em busca de atingir os seus principais objetivos. 16 Devemos nos lembrar que Rui se encaixava num contexto poltico que se fundamentou na razo clientelista. Na poca, fim do Imprio incio da Repblica, a distribuio de favores governamentais tinha o nome de patronato e filhotismo. O meio pelo qual se exercia o patronato era o empenho, ou seja, o pistolo, o pedido, a recomendao, a intermediao, a proteo, o apadrinhamento e a apresentao. Rui viveu nesse perodo e utilizava a retrica liberal dispondo das benesses das polticas de troca de favores. Foi nesse turbilho que Rui se fez. 17 Na histria de sua formao, a prpria carreira poltica do pai de Rui foi facilitada pelo apoio de um parente, Lus Antnio Barbosa de Almeida, e de um poltico conhecido como Manuel de Souza Dantas. A elite poltica controlava as promoes de cargos atravs do clientelismo e exercia dessa forma suas prticas de dominao. 18 Como visto, a formao intelectual de Rui foi espelhada em clssicos da Modernidade como Shakeaspeare, Vitor Hugo, Cames, John Locke, Tocqueville, Montesquieu, Adam Smith, Rousseau, Cavour, Darwin, Lincoln e outros. J aos 10 anos recitava poemas de Cames e tinha grande familiaridade, conforme dito anteriormente, com os sermes do Pe. Antnio Vieira, base de sustentao de seu cristianismo liberal, que mais tarde se inclinaria ao que poderamos denominar como valor do salvador 19 . No mbito de sua carreira poltica, em 1884 deixou o parlamento, recandidatou-se por duas vezes consecutivas ao cargo, em 1885 e 1886, mas no conseguiu se reeleger. Fora da Cmara dedicou-se advocacia, imprensa e publicou a traduo de Lies de Coisas, do educador americano Norman Calkins, em 1896. Na Imprensa, Rui Barbosa continuou a luta pela abolio, interrompendo-a em 1887, quando ficou doente. Em 1888, foi decretada a abolio da escravatura, o que encerrou a questo para o autor. No ano seguinte, ele envolveu-se em incidentes entre o governo e o exrcito e com a questo da federao.
16 GONALVES, Joo Felipe. op. cit. (nota 22), p. 34-40 17 Ver o artigo publicado na Revista Dados de Jos Murilo de Carvalho: Rui Barbosa e a razo clientelista. Disponvel em: www.scielo.com.br. Acesso em: 12 abr. 2009. 18 Segundo Flvio Heinz, o termo elite no designa apenas a compreenso das instncias burocrticas e nas realizaes de tarefas. No sentido mais amplo se remete no mais a um simples critrio funcional, mas a uma percepo compartilhada por agentes histricos pelo qual eles se situam como iguais ou desiguais na realizao de seus papis sociais e polticos. A partir desse conceito que vamos procurar compreender as variaes das culturas polticas existentes na poca de Rui. CF. HEINZ, Flvio M. Por outra histria das elites. Rio de Janeiro: Ed: FGV 2006. pp 8- 9. 19 Para mais detalhes sobre os mitos polticos Cf. GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias polticas. So Paulo: Ed: Cia das Letras, 1987. pp.12-45. 25 No jornal Dirio de Notcias, iniciou forte campanha para que o modelo monrquico fosse substitudo pelo regime federativo, a exemplo dos Estados Unidos. Foi convidado pelo Visconde de Ouro Preto para ser ministro, mas Rui Barbosa, devido s suas ideias sobre federao no pas, no aceitou, desvencilhando-se do Partido Liberal e da Monarquia. Proclamada a Repblica pela tropa comandada pelo general Deodoro da Fonseca, foi convidado para ocupar a pasta de finanas. Como ministro, foi bastante ousado: abandonou o lastro-ouro, ampliou as emisses de papel moeda e alterou o regime das sociedades annimas, provocando uma reviravolta completa na vida econmica do Brasil. Alastrou-se, porm, pelo pas o delrio da especulao, culminando com o encilhamento. Rui Barbosa foi criticado com violncia. No incio da Repblica, o ministro dedicou-se tambm questo do saneamento urbano e redao da nova Constituio. Foi nomeado vice-presidente da repblica, no perodo de 31 de dezembro de 1889 a agosto de 1890. Assim, como ministro da Fazenda e vice-presidente, trabalhou por quinze meses para o governo republicano de novembro de 1889 a janeiro de 1891. Logo depois sua demisso, o presidente da repblica teve muitos atritos com o parlamento e acabou pondo fim Cmara. Em 23 de novembro de 1891, Floriano Peixoto liderou uma revoluo restabelecendo o Congresso, o que levou a renncia de Deodoro da Fonseca. Peixoto, como vice-presidente, assumiu o governo. Este no aceitou convocar nova eleio para presidente, decretando, em seguida, estado de stio, levando muitos opositores ao crcere. Encerrado o estado de stio, Rui Barbosa, como advogado, pediu o hbeas-corpus em favor dos desterrados. Pela imprensa, divulgou os trabalhos norte-americanos e a sua influncia na Constituio. Em 1892, reelegeu-se senador pela Bahia e assumiu a direo do Jornal do Brasil, onde pedia eleio para presidente. O pas agitava-se: em seis de setembro de 1893 ocorreu a revolta da Marinha contra o governo Floriano Peixoto. Embora Rui Barbosa no estivesse envolvido com os revoltosos, sob ameaa do estado de stio, foi obrigado a procurar abrigo na legao do Chile. Em seguida, saiu do pas com destino Argentina. Tentou retornar ao Brasil, mas no obteve sucesso. Assim, fixou-se na Argentina, com a famlia, permanecendo neste pas seis meses. Em seguida, mudou-se para Portugal, posteriormente se transferindo para a Inglaterra, e l se estabeleceu em Londres, onde colaborou com o Jornal do Comrcio. Com a reunio dos artigos publicados neste jornal escreveu Cartas da Inglaterra. 26 Em 1895 retornou ao Brasil e no ano seguinte se reelegeu senador pelo seu estado natal. Rui Barbosa voltou-se para o jornalismo e publicou artigos no jornal A Imprensa. Em 1902 trabalhou na comisso incumbida de estudar o projeto do Cdigo Civil. Em 1905 participou das discusses sobre os limites entre Brasil e a Bolvia, que disputavam o territrio do Acre. Rui Barbosa saiu desta negociao por discordar do encaminhamento dado por Rio Branco, ministro das Relaes Exteriores. Aps a resoluo desta questo, assumiu, como advogado, a causa movida pelo estado do Amazonas contra o Brasil, pelo qual requisitava o territrio do Acre. Em 1907 foi convidado para ser representante brasileiro na Segunda Conferncia da Paz, que seria realizada em Haia. Sua participao nesta conferncia descrita, pelos bigrafos e comentaristas, com muitos louvores. No ano de 1909 candidatou-se para presidente da Repblica, disputando o pleito com Hermes da Fonseca. Esta disputa ficou conhecida como campanha civilista. Ele obteve a maioria de votos das grandes cidades, porm perdeu no interior do pas. Em 1916 ele foi convidado por Wenceslau Braz para representar o pas na Argentina, na qualidade de embaixador, durante as comemoraes da independncia daquele pas. As naes reunidas na Faculdade de Buenos Aires decidiram que no ficariam neutras diante da Primeira Guerra. O ano de 1918 foi especial, pois ocorreu a comemorao do Jubileu Cvico de Rui Barbosa, sendo que, logo depois, inaugurou-se o seu busto na Biblioteca Nacional. No ano seguinte, concorreu para a presidncia do pas, disputando a eleio contra Epitcio Pessoa, que acabou saindo vitorioso. Com o fim dessa eleio, foi para a Bahia apoiar um candidato de oposio. Em 1921 renunciou cadeira de senador, porm seu mandato foi renovado. No ano de 1922, em que Artur Bernardes passou a comandar a presidncia da repblica. Rui Barbosa no acompanhou esse governo, pois ficou doente e se retirou para Petrpolis. O diagnstico do mdico apontava para uma paralisia bulbar. Na tarde de maro de 1923, Rui faleceu. 27 1.2 Os diversos olhares sobre Rui 20 Segundo o historiador Boris Fausto, a grande parte das obras dedicadas ao estudo sobre Rui Barbosa possui diversas distores, entre as quais passamos a tratar com mais cuidado a partir daqui. Uma das principais correntes que se dedicou aos estudos sobre Rui foi inspirada pelos idelogos autoritrios, como Azeredo Amaral e Oliveira Vianna, 21 que enfocavam Rui como um exemplo de idealismo utpico desvencilhado da realidade do pas. A tnica era voltada para a busca da legitimidade simblica de Rui, tendo como envergadura essencial o enaltecimento exacerbado de sua figura na Histria do Brasil. Outra corrente enfatizou a questo do desprezo pela sua atuao. Notemos que essa leitura equivocada foi feita por uma determinada parte da historiografia marxista dos anos 50, que preteria o esforo de Rui pela recriao do espao pblico e pela consolidao de slidas
20 MADEIRA DE FREITAS. Arquivo Histria da Fundao Casa de Rui Barbosa. IN: VIEIRA, Jos de Arajo. A cadeia velha: memria da cmara dos deputados. Braslia: Senado Federal e Rio de Janeiro: Fundao Casa de Rui Barbosa, MEC, 1980. p. 90. 21 CARDIM, Carlos Henrique. Op. cit., pp. 22-26. 28 instituies polticas. A questo era desprezar o cunho liberal de Rui em defesa de uma bandeira ideolgica do socialismo, alijando suas contribuies no desenvolvimento brasileiro. Por ltimo, ressaltamos a corrente que fez um balano pouco equilibrado de sua figura, ligada aos liberais conservadores da UDN, nas Faculdades de Direito, despindo Rui da dimenso humana e levando a fabricao intensa de sua expresso mtica. 22 Essas anlises esbarram nas premissas de suas contribuies jurdicas, encarando a realidade como mero produto da fabricao de normas e regras de convivncia no mbito de comunidades polticas cvicas, na qual o grau de participao poltica diretamente relacionado ao grau de complexidade das instituies polticas em seus planos de representao de cidadania. 23 Nossa preocupao nesse momento avaliar as correntes mais tradicionais ligadas ao herosmo ruiano e procurar apontar para outras direes, que possam ser mais equilibradas ao analisar Rui tambm, no que tange s suas contribuies e desafios para a construo de nossa histria, tendo como eixo seus principais projetos de modernizao poltica. Embora no sendo nosso foco central, os trabalhos biogrficos sobre nossa personagem, encontrados antes de 1960, so biografias apologticas, que procuram explicar o homem Rui Barbosa, centrando no indivduo e fazendo uma descrio de sua vida. Nossa opo consiste em procurar perceber atravs de uma nova leitura poltica de que forma Rui e o grupo com o qual ele estava envolvido participou do processo de redefinio de uma identidade pblica. Para isso, torna- se necessrio tambm perceber suas limitaes, incongruncias e imperfeies. Esta opo de nosso trabalho justificada pela compreenso de que a nova histria poltica pode suscitar explicaes profundas da histria de Rui Barbosa, a partir das diversas dimenses dos contextos histricos. Para fins de organizao das principais correntes que abordaram o pensamento de Rui destacamos trs momentos histricos distintos. Nas dcadas de 30 e 40, autores que fizeram uma leitura sobre Rui a partir de olhares de autodidatas vinculados, a ttulo de exemplo, ao IHGB (Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro). Das dcadas de 50 a 70, desenvolveu-se outro grupo ligado diretamente Academia, cuja preocupao era analisar Rui no campo de suas contribuies jurdicas, porm ainda presos ao enaltecimento da figura de Rui Barbosa. Por ltimo, a nova histria poltica, a partir dos anos 80, preocupada em inserir a figura de Rui nos contextos mais amplos, procurou destacar, inclusive, suas incongruncias.
22 FAUSTO, Boris. Reviso de Rui. In: Folha de So Paulo, 15 de novembro de 1999. p. 26. 23 Cf. alguns autores que comungavam com os ideais da UDN como Amrico Palha e Exupero Monteiro dos quais falaremos mais adiante em neste trabalho. 29 Comeando ento pela corrente desenvolvida a partir dos anos 30 citamos, a priori, a contribuio de um grande pensador, um dos maiores exemplos da abordagem tradicional sobre Rui: Homero Pires. Em conferncia em 1938, sublinhava que Rui era um homem dos livros. Ficou conhecido como um homem retrico e divorciado da realidade nacional, embora para Pires ele fosse conhecedor do mundo que o cercava. 24 A conferncia proferida por Homero Pires na Fundao Casa de Rui Barbosa, em 5 de novembro de 1938, mostra com detalhes todo o contedo existente em sua biblioteca, o que denotava sua erudio acima de qualquer suspeita. Confiramos abaixo o documento que descreve um pouco sobre a leitura de Pires acerca de Rui: A filosofia est nobremente figurada em Plato e Aristteles, em Leibnitz e Spinosa, todos com as suas obras completas, bem como Francisco Bacon, cuja Confisso de F o prprio Rui Barbosa teve oportunidade de caracterizar como "admirvel Summa Theologiae em sete pginas, de uma lngua deliciosamente pura, verdadeiro monumento dos mais capazes de abalar os espritos menos dceis inspirao crist". Descartes, na edio de Jlio Simon. Rousseau, Voltaire, Locke e Hegel, em obras incompletas. Hume, Kant, Comte, Spencer, quase integrais. J Schopenhauer s nos surge nos seus livros menores, sem o Mundo como Vontade e como Representao. Nietzsche, William James, Bergson, Bertrand Russel, Dewey, correspondem todos chamada. Vm depois os manuais de filosofia, as histrias da filosofia. Contra o que geralmente se diz, Rui Barbosa explorou as grandes construes filosficas, lendo- as integralmente, conforme confisso sua, desde Plato aos modernos. Ele teve tambm uma fase intensa de inquietao religiosa, que o levou a pesquisar esses sistemas: "Percorri as filosofias", disse Rui desse estado do seu esprito; "mas nenhuma me saciou: no encontrei repouso em nenhuma. Entre o espiritualismo, o agnosticismo, o materialismo, muitas vezes se me levantou da razo esta pergunta: onde est a cincia"? 25 Luiz Delgado (1945) em Rui Barbosa, considerou-o realista apesar de ser chamado de homem de biblioteca e ser acusado de no ter experincias. Na viso de Delgado, Rui no se esquecia dos problemas sociais, pois era vinculado lei. Tal noo se deve ao fato de Rui ter sido o campeo jurdico em sua famosa defesa do Habeas Corpus aos desterrados perseguidos politicamente em 1893, em plena ditadura do governo Floriano Peixoto. 26 Para analisarmos a corrente formada em torno da dcada de 50 at os anos 70 passamos agora a alguns de seus representantes. Amrico Palha (1954) em Histria da vida
24 PIRES, Homero. Rui Barbosa e outros livros. Rio de Janeiro. Fundao Casa de Rui Barbosa. pp.12-34. 25 Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 10 abr. 2009. Cf. Documento na ntegra do discurso de Homero Pires em 1938. A FCRB publicou em livro no ano de 1949. Acesso em: 10 abr. 2009. 26 DELGADO, Luiz. Rui Barbosa: tentativa de compreenso e sntese. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1945. 30 de Rui Barbosa o considerava um dos maiores intrpretes da conscincia brasileira, que valorizava o ideal de liberdade e justia. 27 [...] j disse um dos bigrafos: Rui um produto excepcional de uma civilizao. No meamos o tamanho da sua figura apenas pelo que ele fez e sim, tambm, pela natureza da poca em que trabalhou, arrostando hostilidades e intransigncias, sofrendo a amargor das injustias e as angstias das incompreenses. A sua obra est toda moldada da mocidade velhice num nico idealismo: o amor liberdade e a justia. A finalidade social do seu apostolado, os objetivos das suas batalhas estrondosas, jamais se afastaram desses princpios. 28 Exupero Monteiro(1958) destacou em sua anlise que ningum viu to longe a sua poca como Rui Barbosa. Para exemplificar, dizia que Rui assemelhava-se ao homem que plantava carvalho para o futuro e no a couve para o amanh. 29 Lima Barbosa na obra Rui Barbosa, procurou a todo o momento enaltecer o biografado, enfatizando o epteto de O guia de Haia. 30 Em sua leitura, Rui representaria a luz de lamparina, expresso utilizada para marcar o atraso do pas e o quanto Rui Barbosa fora incompreendido pelos seus contemporneos. 31 Lima Barbosa sempre foi articulador de um forte nacionalismo, agregado ao valor da legalidade ao qual Rui Barbosa tambm se encaixava. Nesse sentido, entendem-se muito bem seus elogios a Rui luz de suas prprias convices a respeito do Brasil. Em um de seus discursos, Lima Barbosa enaltece a ptria e conclamada seu projeto poltico: Dentro da lei, com a lei e pela lei, vs, o povo, vs, a nao, vs, o Brasil, sois o direito, sois o poder, sois a fora. Saia a opinio pblica de dentro de si mesma, declare-se, levante-se, e vena. Onde quer que aparea, reinar, como divindade esperada que se revela. A democracia, o governo do povo pelo povo, no outra coisa: o imprio da opinio, cercada e servida pelos rgos da sua soberania. E, onde a opinio pblica entrar, espancaram-se as trevas, raiou a luz meridiana, sumiram-se vampiros e rptis, entrou a grande higiene, a competncia, a virtude, a moralidade assumem o poder. [...] Com Deus, na Constituio e pela ptria. Viva a nao brasileira! 32
27 PALHA, Amrico. Histria da vida de Rui Barbosa. Rio de Janeiro. Fundao Casa de Rui Barbosa, 1945. pp 13-34. 28 Ibid. p. 14. 29 MONTEIRO, Exupero. Rui Barbosa. Rio de Janeiro. Fundao Casa de Rui Barbosa, 1954. pp. 04-23. 30 CUNHA, Pedro Penner da. A diplomacia da paz: Rui Barbosa em Haia. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1976. 31 Cf . LACERDA, Virgnia Cortes de. Rui Barbosa em Haia. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1957. e BARBOSA, Mrio Lima. Rui Barbosa. So Paulo. Ed. Progresso Industrial, 1944. pp. 12-34. 32 Disponvel em: www.usinadeletras.com.br. Acesso em: 22 jan. 2009. 31 A ideia de colocar Rui como heri alm de seu tempo, dando nfase ao homem grandioso que era, encontra-se tambm no trabalho de Lus Viana Filho, que ainda destacava Rui como apstolo, portador de grandes paixes, uma alma de desejos que evangelizava o pas com sua brilhante presena. 33 Um fato a observar que grande parte dos estudos sobre Rui se correlacionam diretamente ao perodo da Primeira Repblica. Joo Mangabeira(1960) em O estadista da Repblica destacou o apostolado de Rui, os seus ideais de liberdade e a mstica envolvendo sua inteligncia, uma espcie de verdadeiro homem superior. 34 Parece que a tendncia de engrandecer a figura de Rui no foi apenas antes de 1960, ela acabou alargando fronteiras e se lanando a uma espcie de continusmo em algumas obras clssicas sobre nossa personagem. A ttulo de comprovaes dessa ideia, o seu possvel desconhecimento dos problemas do Brasil foi divulgado tambm por Magalhes Jnior (1964) em Rui: o homem e o mito. Essa biografia procurou desfazer os mitos criados sobre ele e traar retratos mais autnticos. Assim, criticou os bigrafos que, no seu entender, iniciaram a mistificao de Rui Barbosa com uma srie de biografias manipuladoras, em que se omitiram seus erros, contradies, fraquezas morais, ideias antiquadas, preconceitos enraizados, viso limitada, falta de senso de medida e ausncia de realismo. 35 Magalhes afirmou que Rui procurava a imagem da Inglaterra no mapa do Brasil: no era um homem de ideias originais, evidncia disso foi a eleio indireta proposta na constituinte de 1890, copiada do procedimento americano. Tambm no era um lder nacional, com uma viso ampla e segura da realidade social e dos problemas bsicos do pas. Acrescenta, ainda, que ignorava, por exemplo, as lutas do operariado, embora no final do sculo, as greves de trabalhadores fossem raras e s tivessem se intensificado no incio do sculo XX referiu-se greve de 25 mil operrios das indstrias de tecidos, em 1902. Magalhes concluiu que ele marcou sua longa vida parlamentar por uma imensa esterilidade. Assim, ao procurar contrapor-se sua figura herica, denunciava-o pela sua completa ausncia de realismo. Os trabalhos que se voltam para o homem Rui Barbosa esto carregados de adjetivos e classificaes. Nossa proposta est em estud-lo, no contexto mais amplo da transio da Monarquia Repblica, procurando correlacion-lo s transformaes sociais, culturais,
33 FILHO, Lus Viana. O ltimo ano de Rui na Bahia, histria.Local: Ed.Martins 1972. pp.23-56. 34 MANGABEIRA, Joo. O estadista da Repblica. So Paulo: Ed .Martins, 1960.. pp. 02-14. 35 MAGALHES, Jnior, R. Rui, o homem e o mito. Rio de Janeiro: Editora Civilizao Brasileira, 1964. pp.10- 27. 32 polticas e econmicas, em especial, destacar seu lugar em meio s necessidades da elite de sua poca, predominantemente na Primeira Repblica. Outras vises de intelectuais so tambm importantes para a compreenso de Rui Barbosa. Algumas nos chamam um pouco mais de ateno, embora aquelas de que falamos at ento, apresentam o seu lugar com grande propriedade, mas so as leituras abaixo que gostaramos de lembrar um pouco mais. Para San Tiago Dantas em Rui e a renovao da Sociedade ele encarado como criador impetuoso, reformador social, smbolo de uma classe cheia de futuro em nosso meio. Portador da ideia do progresso econmico, defensor da ampliao e diversificao do trabalho brasileiro e adepto da lgica da reforma social. 36 Na leitura de Afonso Arinos em seu livro O som de outro sino um brevirio liberal, Rui no era propriamente um jurista, ele era um legista. O legismo no uma posio intelectual, uma tcnica e adeso lei. 37 Segundo Joo Mangabeira, a lei no um sudrio de morte, um instrumento de vida. um instrumento flexvel, dinmico, regulador das relaes cambiantes da sociedade. A lei no rege o passado, nem mesmo o presente que lhe foge, mas o futuro que a espera. O legislador, que a elabora, sabe que ela tem de perdurar atravs dos anos que se ecoam e nas relaes sociais que se transformam. A dificuldade da jurisprudncia assegurar, a uma situao determinada, a relativa estabilidade do Direito, num meio que no cessa de mudar. Segundo Rui todas as coisa mudam sobre uma base que no muda nunca. 38 No pensamento de Hermes Lima, em seu livro Problemas de nosso tempo, sinaliza que Rui era um verbo, uma energia, uma conscincia, uma intrepidez a servio de causas humanas. 39 Para Jos Maria Bello foi, sob vrios aspectos, um desenraizado no ambiente poltico da sua ptria, como aconteceu, na sua poca, a tantas personalidades eminentes dos nossos pases novos, transplantadas, do solo intelectual da Europa. Encontraria, talvez o seu clmax ideal na Inglaterra vitoriana, provavelmente muito mais Whig do que Tory. 40
36 DANTAS, San Tiago. Rui e a renovao da Sociedade,. In: LACERDA, Virgnia Cortes. op. cit. Rui Barbosa: escritos e discursos seletos. Rio de Janeiro: Edies Casa de Rui Barbosa/ Editora Nova Aguilar, 1995. pp 55-69. 37 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O som de outro sino: um brevirio liberal. Rio de Janeiro: Ed Civilizao Brasileira/ Editora Universidade de Braslia, 1978.pp.10-32. 38 MANGABEIRA, Joo. A presena de Rui nas geraes nova e a funo poltica e social da mocidade do presente. In: LACERDA, Virgnia Cortes. op. cit. p.22. 39 LIMA, Hermes. O construtor, o crtico e o reformador na obra de Rui Barbosa. Rio de Janeiro. Casa de Rui Barbosa, 1958. pp.12-23. 40 BELLO, Jos Maria. Joaquim Nabuco: Rui Barbosa: duas conferncias. Rio de Janeiro: Ministrio das relaes exteriores/ Servio de Publicaes, 1966. pp. 01-23. 33 Em aluso ao fato de Rui ter sido um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em funo de seus escritos, Herclito Graa considerou-o o detentor do centro das letras nacionais aps os trabalhos sobre a redao do Cdigo Civil; Constncio Alves disse que a lngua portuguesa atingia a Suprema perfeio; Joo Ribeiro compara-o a Ccero; Nabuco refere-se ao ao admirvel de seu estilo para consider-lo o escritor que dominou intelectualmente a sua poca; Slvio Romero comparava-lhe a prosa de Vitor Hugo, porque possuia como a deste, todas as modulaes, todos os tons, todos os aspectos; Capistrano de Abreu, em perfil no muito ameno, exalta-lhe as qualidades na orquestrao dos artigos. 41 Na perspectiva de interpretao de Oliveira Vianna Rui era um grande intuitivo e para as inteligncias desse tipo o saber antes uma iluminao, um dado imediato de uma conscincia na sua instantaneidade compreensiva, do que o resultado trabalhoso do estudo e do raciocnio. 42 No olhar do grande literato Oswald de Andrade, Rui se encaixaria na rvore da liberdade que pode ser sintetizada em sua prpria figura, homem de grande capacidade de sacrifcio: [...] aqui por detrs da esttua de Rui a rvore da Liberdade. Porque no mundo milenrio que transformamos, a liberdade um smbolo vegetal, e tem que ser ligado a terra, como um resumo das suas energias, tendendo a dar sombra aos nossos desalentos e cansaos. Ela fica aqui como um marco de insubmisso aos interesses partidrios e polticos que enxovalham a nossa Ptria. Ela fica aqui subindo como a vida da urbe para os prometidos horizontes da humana liberdade. 43 tambm importante a leitura de Azeredo Amaral que sinaliza aideia de que uma grossa argamassa separa Rui da realidade. 44 O que notamos a volta a viso tradicional de que Rui est descolado do real, como se asideias falassem por si mesmas ignorando o processo histrico como elemento norteador das prprias aes humanas. A ltima corrente, a nova histria poltica construda a partir dos anos 80, passou a tecer anlises sobre Rui Barbosa enfatizando suas contribuies, porm abrindo possibilidades de refletir sobre suas limitaes, contradies e inserindo-o no contexto mais amplo da histria poltica do perodo em que ele viveu. Podemos citar, entre os trabalhos mais recentes
41 LACOMBE, Amrico Jacobina. Rui escritor. In: LACERDA, Virgnia Cortes. op. cit. p. 14. 42 VIANNA, Oliveira. Pequenos estudos de Psycologia Social. So Paulo: Monteiro Lobato & C/Editores, 1921. pp. 02-24. 43 ANDRADE, Oswald. Rui e a rvore da Liberdade. In: LACERDA, Virgnia Cortes. op. cit. .O documento foi pronunciado em So Paulo em 5 de novembro de 1949. 44 CARDIM, Carlos Henrique.Op. cit. .pp 22-26. 34 sobre Rui, a biografia escrita por Joo Felipe Gonalves e outra, mais recente, escrita por Carlos Henrique Cardim. 45
45 CARDIM, Carlos Henrique. Op. cit. e tambm GONALVES, Joo Felipe. Op.cit. (nota 22). 35 1.3 A modernidade polimrfica 46 Tratar de Rui Barbosa, no mbito ao qual nos propomos, requer, no mnimo, resgatar a funo que nos cabida de compreender, antes de mais nada, as variaes do que podemos chamar, a priori, de Modernidade, para mais tarde tentar compreender um pouco melhor a formulao de seus discursos. Definir modernidade no tarefa fcil. De imediato podemos dizer que o conceito de modernidade, como o de moderno, tem uma implicao temporal: uma nova relao do homem do presente com o passado e o futuro. Etimologicamente, o termo modernidade vem do advrbio latino modo (h pouco, recentemente). O uso do adjetivo moderno foi bem anterior ao do substantivo modernidade: o primeiro j aparecia no francs medieval ao passo que o segundo apareceu no sculo XIX. 47 Na realidade brasileira a qual nos lanamos no presente trabalho, as ltimas dcadas de grande parte da segunda metade do sculo XIX e incio do sculo XX, as questes envolvendo moderno, modernidade e modernizao eram repletas de significados. Sem dvida, foi palco de grandes novidades tecnolgicas como o telgrafo, o gramofone, o automvel, a eletricidade, o telefone, o cinema, o avio. E ainda, as instituies cientficas como a Escola de Minas, o Butant, Manguinhos, as escolas de Medicina e Engenharia. Nessa
46 Disponvel em: www.4.Bp.blog.spot.com. Acesso em: 01 mai. 2009. 47 DOMINGUES, Beatriz. Tradio na modernidade e modernidade na tradio: a modernidade Ibrica e a revoluo copernicana. Rio de Janeiro: COOPE/UFRJ, 1996. p. 35 36 fase uma srie de ideias novas apareceram ligadas ao materialismo, ao positivismo, ao evolucionismo, ao darwinismo social, ao livre cambismo e ao secularismo. Foi um perodo da indstria, em especial, no final do sculo XIX, em que houve a onda de imigrao europia. O imaginrio era desenhado nos traos da ltima moda feminina de Paris, a ltima moda masculina de Londres, a lngua e a literatura francesas. O cenrio era tambm norte- americano, preenchido fortemente pelo pragmatismo, pelo esprito de negcio, pelo esporte e pela aventura. Antes de tudo, para alargarmos nossos horizontes de anlise, um dos eixos importantes para entendermos as nuances do conceito de modernidade se insere na relao entre a expanso da autoridade pblica associada ampliao da cidadania como forma de expresso do que chamamos de modernizao. Bendix analisa, por exemplo, que na comparao entre a estrutura medieval e a moderna extenso da cidadania se realizou e pode ser vista por vrios pontos complementares, [...] a constituio de um Estado-Nao moderno tipicamente a origem dos direitos de cidadania, e esses direitos so um smbolo da igualdade de mbito nacional. A prpria poltica tornou-se de mbito nacional, e as classes baixas tm agora a oportunidade de participao ativa 48 A gnese das influncias do pensamento de Rui se encontra at mesmo antes disso, ao passo que sua cultura poltica foi constituda, atravs de sua abertura leitura dos clssicos, devido influncia direta de seu pai. sabido que nos sculos XVI e XVII, quando o adjetivo moderno passou a ser usado constantemente, eram considerados modernos todos aqueles que defendiam o tempo atual, quando confrontando o passado. Entre os princpios norteadores da modernidade industrial do sculo XIX podemos destacar a descomunal exploso demogrfica: o rpido e, muitas vezes, catastrfico crescimento urbano; as grandes descobertas nas cincias fsicas; a industrializao da produo; a ampliao dos sistemas de comunicao de massa; o advento de estados nacionais cada vez mais fortes; a emergncia de movimentos sociais de massa e de naes, desafiando seus governantes polticos ou econmicos e lutando por obter algum controle sobre suas vidas; enfim, o controle da sociedade e das instituies em um mercado capitalista global, drasticamente flutuante, e em permanente expanso. 49 O universo de formao acadmica de Rui tambm encontrava lugar no caudal do que acabamos de expor, consideradas as devidas propores, pois a modernizao do Brasil no foi igual europia. Segundo Marshall Berman a modernidade pode ser dividida levando
48 BENDIX, Reinhard. Construo nacional e cidadania. So Paulo: EDUSP, 1996. Passim. 49 BERMAN, Marshall. Tudo que slido desmancha no ar. So Paulo. Ed: Cia. das Letras, 1982. pp. 12-34. 37 em conta basicamente trs momentos distintos, porm dialeticamente conectados devido ao eixo do avano das foras produtivas materiais e do despertar das transformaes ocasionadas pelas repercusses dos fins dos tempos medievais. Vejamos: 50 Na primeira fase da modernidade, dos sculos XVI ao XVIII, ocorreu uma experimentao da vida moderna. No existia ainda um senso pblico ou comunidade moderna, dentro do qual os julgamentos dos homens pudessem ser compartilhados. A segunda fase comeou com a grande onda revolucionria de 1789. Com a Revoluo Francesa e suas reverberaes, ganhou vida, de maneira abrupta e dramtica, um grande e moderno pblico. Esse pblico partilhava o sentimento de viver em uma era revolucionria, uma era que desencadeava explosivas convulses em todos os nveis de vida pessoal, social e poltica. Ao mesmo tempo, o pblico moderno do sculo XIX ainda se lembrava do que era viver, material e espiritualmente, em um mundo que no chegava a ser moderno por inteiro. dessa profunda dicotomia, dessa sensao de viver em dois mundos, simultaneamente, que emergiu e se desdobrou a ideia de modernismo e modernizao. J a terceira fase, remete-se ao sculo XX. Marcado por um forte processo de modernizao, que articulou triunfos da arte do pensamento na sociedade do espetculo. No decorrer da expanso da modernidade, o pblico moderno se multiplicou em uma multido de fragmentrios caminhos, perdendo a nitidez e tendo dificuldades em dar sentido vida e s coisas. Em consequncia disso a era moderna acabou perdendo contato com as razes da prpria modernidade. 51 Diante dessas consideraes iniciais sobre modernidade, torna-se interessante percebermos em que sentido tal questo se correlaciona com a questo de cidadania, uma vez que um dos pilares de Rui consistia em conciliar o discurso modernizador com as demandas cidads de uma classe mdia em ascenso. Como vimos, o discurso ruiano estava engendrado muito mais no universo elitista do que no popular, o que apresenta uma relao anloga com os paradigmas de Marshall, no que tange cidadania entendida no mbito civil e poltico.
50 Cf. Outras leituras de clssicos da Modernidade: WATT, Ian. Mitos do Individualismo moderno: Fausto, Dom Quixote, Dom Juan, Robinson Cruzo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. pp. 13-99 51 BERMAN, Marshall. Op. cit., p. 23 38 Vrios traos de Rui so encontrados nos valores da Gerao de 1870. 52 Foi comum a esta gerao se vincular formao extra-acadmica atravs de jornais, da literatura, da poesia, do teatro, dos grmios literrios e polticos, das sociedades secretas e das lojas manicas. Eram nesses debates na imprensa, nos grmios e sociedades literrias, nas comemoraes cvicas e demonstraes polticas, que os bacharis iam formando seu liberalismo e criando um estilo prprio, rebuscado e calcado na oratria. 53 Foi no ambiente da Faculdade de Direito de So Paulo que Rui se inspirou para apresentar ao parlamento Imperial um projeto de Reforma do Ensino Superior, um dos primeiros traos de sua modernidade. Esta entendida a partir do caudal dos ideais modernos como afirma Margarida de Souza Neves: Expresso nos conceitos de progresso e civilizao, que redesenhavam o quadro internacional, acenavam com a possibilidade de um otimismo sem limites em funo das conquistas da cincia e da tcnica, impunham uma determinada concepo de tempo e de histria, e ocultavam aos olhos da grande maioria o reverso de um panorama apresentado, quase sempre, como uma espcie de parusia terrena na qual as conquistas da tcnica e do engenho humano transformariam a barbrie das guerras no reinado de emulao entre os pases mais aptos, destinados a anunciar, por todo o orbe, a boa-nova da redeno do atraso. 54 A modernidade poltica de Rui expressa novamente no ano de 1868, quando ingressa no Ateneu Paulistano. Nessa poca fez um discurso em homenagem ao deputado Jos Bonifcio, como nos referimos anteriormente, ocasio em que ocorreu a criao do Clube Radical, cujo um dos princpios norteadores era a defesa das eleies dos presidentes da provncia, de voto universal e direito e da abolio da escravatura. No contexto da histria mundial de acordo com Reinhard Bendix, durante todo o sculo XIX, quando se consolidava a transio para o capitalismo e a constituio do Estado liberal na Europa Ocidental, o paternalismo manteve o seu apelo, ao passo que o setor
52 Segundo nos informa Skidmore, os dois aspectos norteadores do contexto da emergncia de uma nova gerao de intelectuais no Brasil passaram pelas questes ligadas a influncia do positivismo e do republicanismo. O positivismo afirmava que o curso da histria, como da natureza da realidade social, estava sujeito a leis cientficas como afirmou A.Comte. Desse modo havia uma rejeio tanto da teologia como a metafsica, defendendo no lugar destas uma religio da humanidade. Embora Comte fosse um profeta da secularizao e um dos pais espirituais da tecnocracia moderna, ele tambm defendia limites estritos ao papel do Estado, especialmente no que dizia respeito educao superior e religio. O republicanismo no era uma idia to nova na realidade brasileira, tendo inspirado revoltas regionais nas dcadas de 1830 e 1840. Agora o republicanismo revivia quando os brasileiros mais jovens questionavam se a monarquia, com o ethos socioeconmico que a acompanhava, era o melhor sistema do pas. Cf. SKIDMORE, Thomas. Uma histria do Brasil. So Paulo: Ed. Paz e Terra, 1998. pp.97-98. 53 CARVALHO, Jos Murilo.Op. cit. (nota 26), p.184. 54 NEVES, Margarida de Souza. Os cenrios da Repblica: o Brasil na virada do sculo XIX para o sculo XX. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Luclia de A. Neves (org.). Op. cit., p.1 9. 39 dominante e o Estado rejeitavam qualquer responsabilidade social. Este contexto levou a uma confuso entre os setores populares, acerca do papel do Estado na sociedade, pois enquanto o paternalismo se mantinha vivo no discurso, como forma de domnio social e controle sobre as classes subalternas, as antigas obrigaes paternalistas de auxlio e proteo aos mais pobres eram negadas, dentro da nova lgica do mercado. Isso fez surgir uma situao completamente nova, onde, no campo das representaes sociais, o Estado passava de promotor da justia e protetor dos fracos, a regulador de conflitos individuais em uma sociedade de iguais. 55 Recebendo os sons que ecoavam em tal lgica da rbita capitalista, em 1870, Rui desenvolveu sua mais expressiva atuao contra a escravido. Orador na Loja Amrica apresentou e defendeu um projeto que forava os maons a libertarem o ventre de suas escravas. A maonaria era uma instituio defensora dos ideais liberais-democrticos, opondo-se aos legados absolutistas do Imprio. Rui acabou se desligando do movimento na virada da dcada de 80, devido ao no cumprimento das promessas que lhe foram feitas, bem como falta de fora poltica da maonaria a partir de ento. Aps trs meses do sucesso retrico na Maonaria, Rui teve delicados problemas de sade, tendo que se afastar mais cedo da faculdade. Os professores concordaram em dar-lhe o diploma antecipadamente. Logo em seguida voltou Bahia. Como afirmamos no incio do captulo, na carreira poltica de Rui, a razo clientelista acabou atuando a seu favor, principalmente devido ao capital social legado de seu pai. Como evidncias desse tipo de favorecimento poltico podemos citar vrios exemplos. Quando Rui foi estudar em So Paulo, ficou hospedado no palcio do presidente da provncia, Saldanha Marinho. Posteriormente, tendo perdido o pai e morando em Salvador, Rui foi residir na casa do Conselheiro Salustiano Souto, amigo de Joo Jos. Vale ainda lembrar, que Rui tinha contatos com Albino Barbosa de Oliveira, primo de seu pai e pessoa influente na Corte. Foi Albino quem aproximou Joo Jos de Lus Antnio Barbosa de Almeida para o casamento ideal da filosofia poltica liberal. 56 De quebra, o grande padrinho poltico de Rui foi Manuel de Souza Dantas, maior lder do Partido Liberal Baiano. Em 1872, Rui comeou sua carreira de advogado no escritrio de Dantas. Rui contribua para o jornal de Dantas Dirio da Bahia de tendncia liberal. No jornal, Rui expressou uma das principais bandeiras do liberalismo: a eleio direta. Lutou para eliminar um item da Constituio de 1824, que estabelecia a eleio dos parlamentares atravs de um Colgio de Eleitores, que por sua vez, era eleito pelos cidados votantes. Rui
55 BENDIX, Reinhard. Op. cit. passim. 56 GONALVES, Joo Felipe. Op. cit. (nota 22), pp. 26-9. 40 foi um defensor aguerrido da abolio desse sistema, em prol de uma reforma eleitoral, que garantisse a expresso direta da vontade dos cidados. A campanha pela eleio direta se vinculava s grandes modificaes pelas quais a Europa passava. De acordo com Bellamy, as transformaes na Histria, a partir do final do sculo XIX, foram marcadas pelas foras estruturais geradas pela industrializao entre 1870 e 1930, levando ao enfraquecimento do liberalismo tico e sua transformao em um liberalismo econmico. Na prtica, continua o autor, a economia de mercado idealizada pelos clssicos, deu origem no a uma sociedade cooperativa de indivduos mutuamente se desenvolvendo, mas a uma srie de grupos com interesses conflitantes. esse tipo de liberalismo que influenciou demasiadamente o esprito fundador de Rui Barbosa, preocupado em reproduzir grande parte da lgica do liberalismo consolidado no sculo XIX. 57 As transformaes histricas a que nos referimos afetaram profundamente a histria poltica de Rui. Foi nesse contexto que durante muito tempo, foi amigo da famlia Dantas, desenvolvendo um forte lao de amizade com o filho de Manuel Dantas, Rodolfo Dantas. Atravs dessa relao Rui acabou conhecendo a Europa. No ano de 1874 ocorreu a morte de seu pai e Manuel Dantas nomeou Rui como inspetor da Santa Casa de Misericrdia da Bahia, cargo que passou a acumular com o escritrio e o trabalho do Dirio da Bahia. Foi nesse jornal que Rui lanou a campanha pela eleio direta, mencionada anteriormente. Na anlise desse processo vale lembrar que Rui no tinha entre suas bandeiras o fim do voto censitrio e, nesse perodo, foi contra o servio militar por sorteio, editado pelo Imprio. Tais posturas de Rui evidenciavam que ele era tambm colaborador dos ideais aristocrticos e que seus compromissos com a democracia no chegavam a ser suficientes para aprofundar a discusso em torno da premissa do sufrgio universal. Devemos observar, ainda, que seus argumentos foram inspirados no liberalismo poltico de John Locke, na lgica da defesa da liberdade individual, no existindo avanos maiores. Rui mostrava sua vocao pelas polmicas. Em cada fase de sua vida levantava uma ideia em busca de celebrar no palco poltico, o debate pblico. O discurso ruiano era pomposo, erudito e extremamente formal. Era um aristocrata que sabia falar difcil, chamando ateno das massas como num passe de mgica. A grande parte do povo brasileiro era analfabeta e no entendia claramente todo o contedo de seu discurso. Ainda com tom irnico, Rui era defensor da Repblica dos Letrados: como dissemos somente as pessoas
57 BELLAMY, Richard. Liberalismo e Sociedade Moderna. So Paulo. Ed: UNESP, 1992. pp. 23-54. 41 alfabetizadas teriam legitimidade para exercer sua cidadania, essa foi mais uma das questes polmicas que ele apresentava. O olhar bem atento sobre o que acontecia faz com que possamos descortinar apenas o brilho das noes de modernidade vinculadas ao novo e aventura com os quais nos ocupamos acima. Indo a fundo nessa questo, a viso do que era antigo, tradicional, atrasado era a do portugus, do catlico, do colonial, do ndio, do preto e do sertanejo. Era ainda a do pai-de-santo, do centralismo poltico e do espiritualismo. Esse retrato foi bem intenso, especialmente em meados do sculo XIX. Atravs da lente das teorias do evolucionismo positivista focalizava-se o povo brasileiro, como o fez Silvio Romero ao localizar a frica em nossas cozinhas, a Amrica em nossas selvas e a Europa em nossos sales. 58 Nessa tempestade de contradies a histria poltica de Rui foi conduzida, evidentemente respeitando os paradigmas de construo da modernidade associada ideia de civilizao, na leitura estereotipada de grande parte da intelectualidade mundial. O Fausto, de Goethe, embora tivesse um sentido peculiar a seu tempo, inspirou- nos nessa pesquisa no sentido de poder entrar no campo das analogias e procurar perceber algumas correlaes entre a modernidade fustica e a modernidade ruiana (resguardando as propores devidas, pelo menos em alguns aspectos, pois alguns sentidos so de fato diferentes). J. W. Van Goethe levou quase sessenta anos para escrever o Mito Fustico. Essa obra foi muito alm da reao romntica, terminada em reviravoltas espirituais e materiais da Revoluo Industrial. Fausto acaba vendendo a alma ao Diabo no por dinheiro, sexo ou fama, mas sim pelo direito de controlar a natureza, para transformar o mundo medieval atravs de uma imensa fora de trabalho organizada. Fausto se tornaria o primeiro arqutipo do empresrio moderno. Sabemos que Rui tambm fora uma espcie de arqutipo da modernidade liberal brasileira e portador de um determinado desejo de transformar alguns pilares dos tempos do Imprio. Sua perspectiva foi de selar os paradigmas das liberdades individuais, to solicitadas por alguns pensadores modernos, que viveram o dinamismo do prprio impacto da Revoluo Industrial. Vale ainda destacar que o Iluminismo alemo, do qual Goethe foi parte integrante, esteve atrelado ao sucesso poltico da nova burguesia. Portanto, no de surpreender que os principados ainda feudais da Alemanha no tivessem produzido nem uma classe mdia forte, nem um corpo de pensamento radical, como havia na Inglaterra e na Frana.
58 HARDMANN, Francisco Food. Antigos modernistas. In: ______. Tempo e Histria. Ed. Cia das Letras, So Paulo, 1992. pp. 12-36. 42 Nesse contexto o Mito Fustico foi produzido. Para melhor compreendermos o discurso poltico modernizador de Rui Barbosa nossa tarefa descrever um pouco sobre o Mito Fustico e, em seguida, analisar suas possveis proximidades com momentos relevantes da histria poltica de Rui. Sabemos que a obra de Goethe, nesse caso tem outras direes de anlise, mas por que no arriscarmos a abstrair determinadas ideias do autor, que possam enriquecer o universo global de nosso trabalho? Longe de ser o ponto central aqui, mas isso poder ampliar nossa compreenso, nos captulos subseqentes dessa pesquisa, preocupada tambm em encontrar alguns modelos explicativos para decodificao da personalidade poltica de Rui em nossa Histria. Vamos ento difcil tarefa. A tragdia de Fausto percorre basicamente trs etapas: O Sonhador, O Amador e O Fomentador. Sinteticamente poderamos colocar os trs momentos da seguinte forma: Na primeira fase, ele vivia s e sonhava. Na segunda, ele entreteceu sua vida na de outra pessoa e aprendeu a amar. Agora, em sua ltima encarnao, ele conecta seus rumos pessoais com as foras econmicas, polticas e sociais, que dirigem o mundo; aprende a construir e a destruir. Expande o horizonte de seu ser, da vida privada para a pblica, da intimidade para o ativismo, da comunho para a organizao. Lana todos os seus poderes contra a natureza e a sociedade; luta para mudar no s a sua vida, mas a vida de todos. Assim encontra meios de agir de maneira efetiva contra o mundo feudal e patriarcal: para construir uma ambiente social radicalmente novo, destinado a esvaziar de vez o velho mundo ou destru- lo. 59 Os pontos que vamos explicar correlacionando o mito fustico e Rui Barbosa podem ser melhores compreendidos a partir das situaes a seguir. Certamente Rui no vivia o mesmo tipo de transio, mas estava envolvido nas continuidades e rupturas da passagem do sculo XIX para o XX. Assim como Fausto, Rui era intelectual, preso aos livros, tinha ligao com o ensino e era advogado. Sua vida cercada do capital social de seu pai foi similar ao mito fustico. Rui foi um homem que amou Maria Augusta e congregou foras para lanar seu emblema de legista. Fez ser conhecido como novo, um homem no s sonhador como fomentador. Saint-Simon chamou a fase do Fomentador de Goethe de O Organizador, Berman preferiu o termo O Fomentador. Em nosso trabalho, assim como Gilberto Freyre o designou, chamaremos Rui de O Amarelinho. O mito salvacionista de Rui era diretamente relacionado sua capacidade de se colocar e realizar grande parte de seus objetivos, pelo menos no plano da retrica. O mito do amarelinho foi discutido por Freyre em sua obra
59 BERMAN, Marshall. Op. cit., p.24. 43 Ordem e Progresso 60 : O amarelinho pode ser definido como o homem capaz de grandes faanhas e de tremendas vitrias sobre gigantes louros e rosados; espcie de Davi brasileiro em face de Golias nrdicos ou germnicos. 61 Outro aspecto de comparao entre Rui e a questo do Mito Fustico se refere discusso acerca da metamorfose, quando Fausto apresenta o seu papel de fomentador industrial em termos de uma negao da liberdade emocional. De forma particularizada, Rui parecia estar disposto a destruir grande parte dos pilares que sustentaram a Monarquia, mas estava, ao mesmo tempo, amarrado poltica de compromissos e favores que o acompanhavam desde a sua formao, fundamentadas no clientelismo e no apadrinhamento. 62 Fausto desejava para si mesmo um processo dinmico que incluiria suas experincias humanas, alegria e desgraa juntas, assimilando-as todas ao seu interminvel crescimento interior; at mesmo a destruio do prprio eu seria parte integrante de seu desenvolvimento. Rui sempre teve o desejo de sair de si mesmo atravs de sua exploso idealista no enfrentamento com o mundo. Embora no fosse o portador da unicidade coletiva sugerida por Goethe, foi o idealista liberal voltado para a busca da unidade da garantia das liberdades individuais. Rui afirmava em documento intitulado Problemas sobre o Direito Internacional que toda a civilizao se encerra na liberdade e toda a liberdade na segurana dos direitos individuais. Para ele, liberdade e segurana legal eram termos equivalentes e substitutveis um pelo outro. 63 A figura mtica do heri ruiano anloga heroicidade do Fausto goethiano, proveniente da libertao de tremendas energias humanas reprimidas, no s nele mesmo, mas em todos os que nele tocavam e, eventualmente, em toda a sociedade a sua volta. 64 Ao longo de toda a vida dedicada ao direito e aos problemas polticos, Rui sentiu sempre uma estranha atrao por grandes causas. Isso o levou a fabricar parte de sua histria, um dos grandes homens pblicos de que se tem notcia, atravs dos seus discursos e da sua intensa participao em alguns eventos nacionais e internacionais. Embora reconheamos que Rui esteve dotado de seus iderios, sabemos que eles foram atrelados mentalidade aristocrtica e regados pelo Patronato.
60 FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 3 Ed. 1974, 2 tomos. 61 CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., p.47 62 BOSI, Alfredo. A escravido entre dois liberalismos In: ______. A Dialtica da Colonizao. So Paulo, Ed: Cia das Letras,1992. pp.194-245. 63 ACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p.84. 64 GIRARDET, Raoul. Op. cit., pp. 23-43. 44 O que nos desperta ateno a possibilidade de os heris serem reinventados ou interpretados. Todo o processo de heroificao implica, em outras palavras, uma certa adequao entre a personalidade virtual e as necessidades de uma sociedade em um dado momento. Parecia apropriado, no contexto do final do sculo XIX, Rui se colocar como portador do novo, fundamentalmente no plano retrico. Dada a sua habilidade no campo da oralidade, tambm foi capaz de manobrar muitos coraes em um pas de forte excluso social. Segundo Goethe, os problemas de Fausto no so apenas seus: eles dramatizam tenses mais amplas, que agitaram todas as sociedades europias nos anos antecedentes Revoluo Francesa e Revoluo Industrial. Fausto participa desse processo e ajuda a criar uma cultura que abriu uma amplitude e profundidade de desejos e sonhos humanos que se situam muito alm das fronteiras clssicas e medievais. Ao mesmo tempo, ele est inserido numa sociedade fechada e estagnada, ainda incrustada em formas sociais tpicas do feudalismo e da Idade Mdia. 65 Rui esteve muito ligado aos ideais de progresso e civilizao procurando olhar o Brasil no mbito da modernidade industrial, prioritariamente, em fins do sculo XIX.Uma das idias mais originais e frutferas do Fausto de Goethe diz respeito afinidade entre o ideal cultural do autodesenvolvimento e o efetivo movimento social na direo do desenvolvimento econmico 66 O nosso questionamento se Rui estava de fato ligado aos interesses mais estruturais para transformar a sociedade e promover o bem comum. Ao longo de nossa pesquisa lanamos a hiptese de que ele se envolveu em vrios eventos apegados modernidade poltica civilista, promovedora da construo do espao pblico. Ele sempre esteve atento aos anseios dos setores mdios urbanos urbana, no contexto das transformaes scio-econmicas que atravessavam o pas. Segundo San Tiago Dantas, a classe mdia no Brasil foi constituda por imigrantes, estrangeiros ou comerciantes que comeam com pequenos estabelecimentos e os ampliavam reaplicando lucros produzidos pelo prprio negcio. Com eles se inicia uma classe, que contrapunha sua mentalidade pequeno-burguesa, seu esprito de precavida iniciativa, mentalidade agrria. Na leitura do autor, a classe mdia foi ideloga de uma determinada reforma na sociedade e o seu comportamento como classe costumava ser
65 Tudo que slido desmancha no ar. So Paulo. Ed: Cia. das Letras, 1982. p 57. 66 Ibid, p.53. 45 conservador, no terreno econmico, e radical, no terreno poltico, onde se tornou o que poderamos chamar a rocha armazenadora do liberalismo primitivo. 67 dessa forma que Rui se encaixa como portador do desenvolvimento e dotado de um esprito reformador para atender a uma nova ordem scio-econmica que viria a acontecer, tendo como espelho as mudanas capitalistas do sculo XIX, preocupado fundamentalmente com as matrizes do liberalismo individualista. A vida de Rui foi um repertrio de vrias virtudes e circunstncias episdicas, que exortavam o ideal tico da classe mdia e que constituam uma das foras mais profundas de que se alimenta sua fecunda trajetria social: [...] no teve os favores e as facilidades da existncia dos filhos das classes privilegiadas; foi um produto do seu trabalho e do seu merecimento; como filho, deu testemunho de um pietas exemplar; foi um homem de cuja vida amorosa no veio escndalo, o que ofereceu a sociedade o exemplo da felicidade e do decoro no casamento; como intelectual espantoso o grau de identificao de suas idias gerais com o pensar mais corrente e aplaudido na sua poca; na sua obra, sem juzos extravagantes, reflexes inacessveis ou caminhos perigosos, passeia-se como um tranqilo e policiado campo aberto; aquela inteligncia, de que todos reconhecem o soberano poder de expresso, de demonstrao, e de polmica, no tem momentos de dvida ou recantos de mistrio; os sentimentos que confessa, as descries que nos oferece do seu prprio ser moral so sempre bem pensantes, edificante, exemplares. 68 Se a angstia interior de Fausto inspirou nele vises, aes e criaes revolucionrias, podemos afirmar que Rui sempre foi angustiado com uma srie de questes que o perseguiam, e atravs de suas atitudes procurava, no seio de suas articulaes polticas, atingir os seus projetos de homem pblico, que por sua vez, celebrava mais um de seus mitos, O Mito do Homem Pblico, aquele capaz de universalizar os interesses em prol da legalidade, como ele pronunciara em um de seus discursos: Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei no h salvao. 69 Vale ressaltar, portanto, que, em nossa leitura, nem sempre a lei a garantia de justia para todos. Em Rui, as discusses sobre as essncias sociais e revolucionrias ficavam mais em segundo plano. O foco era o liberalismo reformista atendendo a uma elite que no pretendia abrir mo de seus privilgios.
67 LOBATO, Monteiro. Urups. So Paulo: Livraria Martins Editora, 1994. Para verificar o mito do jeca tatu alusivo classe mdia brasileira. pp. 23-45. 68 CARDIM,Carlos Henrique. Op.cit., p 35-39. 69 DANTAS, San Tiago. Rui e a Renovao da Sociedade. In: LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p 68-70. 46 Ele tambm conseguiu arquitetar no pas o selo da modernidade crist-liberal. Correlacionando os elementos, a ideia de modernidade de Goethe agregada questo crist. Segundo Goethe, quando Fausto se direciona ao mundo como se ele celebrasse literalmente a Pscoa. Rui em variados momentos incorporava os eventos histricos dos quais ele participava com o esprito do cristianismo liberal. O discurso liberal para ser mais fortalecido era agregado caridade e utilizado luz de Deus. No ano de 1893, em uma Conferncia em favor de rfos do asilo de Nossa Senhora do Lourdes da Feira de Santana, encontramos um trao de seu cristianismo liberal: 70 [...] diante da criana que me pedia, em nome da caridade, uma conferncia popular a benefcio de um asilo de rfos, no julguei com o direito de pesar minhas foras, e muito menos de examinar, luz de minhas idias particulares, a consagrao religiosa, sob que esse pio se mantm. [...] posso no orar em Lourdes; mas Lourdes no me separa da humanidade. [...] mais longe estava Cristo da impureza do que os filsofos esto da razo. E, todavia, Cristo no se pejava de falar, nas ruas com Madalena. Esta simples lio oriunda de to alto, vale mais para o bem do gnero humano, do que as mais soberbas filosofias, estabelecendo, entre as divergncias que se alongam os homens uns dos outros na f, nas aes, no destino individual, uma unidade suprema: a da santificao pela caridade. 71 Continuando nossa narrativa do Mito Fustico, na passagem em que Fausto estava prestes a morrer tomando um veneno, ocorre o bimbalhar dos sinos na ocasio da Pscoa, que na sua dimenso simblica, representava a ressurreio. O contexto da questo envolvendo os sinos acaba representando a revelao da importncia do projeto romntico de liberao no processo histrico da modernizao. importante lembrar que Rui vivia de smbolos, atravs de seus discursos emblemticos, em especial os de Haia do qual trataremos com mais detalhes no prximo captulo , que foram possibilitadores de sua heroificao, como nos mostra Freyre, no caso do Mito do amarelinho, j explicado anteriormente. A prpria imprensa, na ocasio, foi promovedora de Rui recheando ainda mais o seu contedo liberal- cristo em nossa Histria. O modelo fustico de desenvolvimento, de forma holstica, assim explicado por Marshal Berman:
70 Discurso na Bahia, em 22 de fevereiro de 1893. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p.191 71 Discurso na Bahia. Ibid, p. 192. 47 Tal modelo confere prioridade absoluta aos gigantescos projetos de energia e transporte em escala internacional. Seu objetivo menos os lucros imediatos que o desenvolvimento a longo prazo das foras produtivas, as quais em ltima instncia, ele acredita, geraro os melhores resultados para todos. Em vez de deixar empresrios e trabalhadores se desperdiarem em migalhas e atividades competitivas, o modelo prope a integrao de todos. Com isso criar uma nova sntese histrica entre poder pblico e poder privado, simbolizada na unio de Mefistfeles, o pirata e predador privado, que executa a maior parte do trabalho sujo, e Fausto, o administrador pblico, que concebe e dirige o trabalho como um todo. Isso abrir espao, na histria mundial para o papel excitante e ambguo do intelectual moderno Saint- Simon chamou-o O Organizador; eu preferi O fomentador capaz de reunir recursos materiais, tcnicos e espirituais, transformando-os em nossas estruturas de vida social. Finalmente, o modelo fustico criar um novo tipo de autoridade, derivado da capacidade do lder em satisfazer a persistente necessidade de desenvolvimento aventureiro, aberto ao infinito, sempre renovado, do homem moderno. 72 Para firmarmos nossa posio, a leitura que fazemos sobre Rui visa evitar os radicalismos de anlise e avaliar sua histria no contexto mais amplo. 73 Sabemos que, em especial, grande fase da atuao poltica de Rui est inserida entre 1870 a 1914. Esse perodo foi marcado pelo conflito entre a modernidade e a tradio, como nos aponta Jos Murilo de Carvalho. Tal fase foi economicamente caracterizada, em toda a Amrica Latina, como sendo o auge do desenvolvimento para fora, da integrao da rea da economia capitalista em fase de expanso imperialista. Socialmente foi a poca da extino da escravido, fortalecida com a Lei do Ventre Livre de 1871 e completada teoricamente com a abolio em 1888. Destaca- se ainda o impacto da imigrao levando a profundas transformaes demogrficas. Ainda, a emergncia do movimento operrio influenciado pelas ideias do anarco-sindicalismo. Politicamente, 1870 o ano do fim da Guerra do Paraguai, do Manifesto do Partido Republicano e da afirmao do que conhecemos como Gerao de 1870. Faziam parte desse grupo Tobias Barreto, Silvio Romero, Graa Aranha, Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha, entre outros, como nos informa a historiadora Mnica Pimenta Velloso: [...] os intelectuais modernistas da gerao de 1870 visavam buscar a compreenso da identidade mltipla da nacionalidade. Nos cantos, contos, poesias e danas, o brasileiro aparece reconhecido na figura do indgena, do africano, do europeu e do mestio. Para os padres valorativos da poca, essa idia j significava um determinado avano na interpretao do Brasil. mesmo que de uma forma que poderamos denominar envergonhada reconhecia-se a nossa identidade mestia, buscando-se estud-la. Mas predominava ainda a idia da segmentao entre o superior (europeu) e inferior (Brasil) sendo reservado a cada uma das etnias o seu respectivo espao. 74
72 BERMAN, Marshall. Op. cit., p 83. 73 CARVALHO, Jos Murilo. Os Bestializados. 3 Edio. Rio de Janeiro: Ed. Cia. das Letras. 1999. pp. 161- 168. 74 VELLOSO, Mnica Pimenta. O Modernismo e a questo nacional. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Luclia de A. Neves (org.). Op. cit., p. 356. 48 A segunda parte do sculo XIX apresenta um significado simblico no processo de construo da racionalidade republicana inspirada na propaganda, em especial, depois da publicao do Manifesto Republicano de 1870, congregando uma gerao de pensadores portadores de uma espcie de misso civilizatria. 75 Segundo o filsofo Ricardo Vlez Rodrguez: O Manifesto de 1870, publicado no jornal A Repblica do Rio de Janeiro, a 3 de dezembro, e assinado por Joaquim Saldanha Marinho, ex-presidente de Minas e So Paulo, e por 57 republicanos salientava, em primeiro lugar, que o autoritarismo e o regime de privilgios eram as principais causas da decadncia poltica do Imprio. As tradies do Ancien Regime, em que esses vcios se baseavam, abrigavam preconceitos contra as conquistas do progresso e da liberdade. 76 importante salientar que o Brasil nesse momento estava criando uma nova identidade pblica. Vale, tambm, destacar que a Gerao de 1870 foi responsvel por compor o ambiente da esfera pblica republicana. De acordo com Habermas 77 , a formao de uma esfera pblica est relacionada a um processo de racionalizao da dominao poltica, passando de um governo arbitrrio a um legitimado e consensual, orientado pelo interesse geral. exatamente esse o discurso modernizador sobre o qual se ergue a Repblica no Brasil, dizendo-se representante da democracia liberal, embasada num princpio igualitrio e racional. Esse discurso, propalado pela imprensa desde a Propaganda, acabou sendo apropriado pela populao. 78 Notemos que a base de toda essa intelectualidade de que falamos constituda das fortes influncias dos movimentos nacionalistas do sculo XIX, que vo simultaneamente abalar o velho edifcio estatal europeu. Apresentam-se, em primeiro lugar, como afirmao de uma espcie de renascena. Como afirma Girardet, em relao imagem ideologicamente reconstruda, de uma nao desaparecida da Histria, mas da qual se pretende redescobrir a memria, exaltar a grandeza passada. Nela se encontra legitimado o combate a ser empreendido para garantir a ressurreio.
75 RODRGUEZ, Ricardo Vlez. Luz nas Trevas: Ensaios sobre o Iluminismo. Guarapari-ES. Ed. Exlibris, 2007. pp 199-221. Segundo o autor no que tange a mstica republicana (...) a adeso convico religiosa de que o movimento libertrio em prol da Repblica constitua uma tradio sagrada, foi uma linha de inspirao dos manifestos republicanos 76 Ibid, p.218. (grifos nossos.) 77 HABERMAS, Jrgen. Mudana estrutural da esfera pblica: investigaes quanto a uma categoria da sociedade burguesa. 2 ed. Traduo de Flvio R. Kothe Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.pp.04-45. 78 RODRGUEZ, Ricardo Vlez. Op. cit. pp 199-221. Segundo o autor a mais significativa influncia das ideias que empolgaram a Revoluo Francesa deu-se, no Brasil, no terreno da propaganda Republicana. 49 Rui parece ter dado conta disso e ter sido um emblema desse momento, celebrando sua histria de ser reconhecido como, no mnimo, um homem pblico, na perspectiva de legado futurolgico. No contexto do governo reformista de Rio Branco, a partir de 1871, o Brasil enfrentou as questes relativas escravido, imigrao, Guarda Nacional, ao recrutamento militar, ao sistema judicirio, reforma do sistema de pesos e medidas e s relaes entre Igreja e Estado. 79 As fontes encontradas sobre os discursos de Rui percorrem justamente o contexto mencionado e refletem grande parte de nossa opo metodolgica, que busca compreender Rui inserido no processo que levaria a formar a Primeira Repblica, nossa grande questo. O recorte histrico feito aqui nos levou a enfrentar discusses envolvendo a modernidade, o civilismo e o Liberalismo. Este ltimo entendido por ns como essencialmente enquadrado realidade brasileira, refletindo nosso parecer no incio dessa pesquisa, de que as ideias liberais estavam encaixadas no imaginrio e na realidade escravista brasileira do sculo XIX, assunto que aprofundaremos no prximo captulo. 80 Nossa personagem trilhava nesses caminhos, corporificado nas suas razes de patriarcalismo colonial. Visto de certo ngulo, tambm foi legendrio, canalizando grande parte de suas energias em sintonia com as classes mdias, como demonstramos. Certos valores que nortearam seus pensamentos e aes eram debates da prpria sociedade brasileira, entre os quais observamos: a valorizao do Estado com poder centralizado na Unio, com hierarquia e ordem; defesa das liberdades individuais pela vigncia do Direito e aplicao da lei; promoo da descentralizao do poder, em um Federalismo sem excessos; luta por acelerado progresso material; diversificao da economia pela industrializao, imigrao e educao; empenho pela ascenso social e preservao do status alcanado; viso universalista do papel do Brasil no mundo; importncia do bom conceito externo do pas. 81
79 CARVALHO, Jos Murilo. Op. cit. (nota 86) pp. 107-108. 80 GONALVES, Joo Felipe. Op. cit. (nota 22), pp. 03-24. 81 GRAHAM, Richard. Clientelismo e poltica no Brasil do sculo XIX. Rio de Janeiro: UFRJ. pp.21-36. 50 1.4 Culturas polticas compartilhadas Rui Barbosa pode perfeitamente ser avaliado a partir de vrias dimenses mticas e de uma grande representao de valores por ele compartilhados, como foi possvel detectar em alguns documentos fundamentais. Embora no presente captulo tenhamos a preocupao de delimitar o nosso estudo at a ascenso de Rui ao cargo de Deputado Geral, em 1878 e ao incio de 1879, especificamente, nesse momento, ampliamos nosso marco cronolgico. De acordo com nossas necessidades de pesquisa vamos exemplificar melhor seus significados, que deram margem de sustentao ao entendimento de seu pensamento e ao na Primeira Repblica. Para estudarmos a questo mtica e a teia de valores de Rui partiremos dos estudos macro-estruturais envolvendo o mito poltico na Histria e suas faces de elaboraes no mbito de suas relaes. No campo de anlise das representaes polticas, nossa discusso encontra raiz no trabalho desenvolvido por Raoul Girardet, em obra j citada no presente trabalho. O autor critica a regularidade do pensamento ocidental, no que tangem s anlises acerca das Mitologias Polticas. Para ele a narrativa legendria exerce uma funo explicativa, fornecendo subsdios para a compreenso do presente. Inspirado em Lvi-Strauss, que expressava a ideia de que no existia limite para uma anlise mtica, Girardet remete questo da ambivalncia do mito pelo fato de ele ser polimorfo. 82 Na tese de Girardet, quanto mais o mito ganha amplitude mais ele se estende por um largo espao cronolgico e se prolonga na memria coletiva. De forma anloga, parece-nos ser o caso de Rui Barbosa. Um poltico dotado de imensa capacidade pblica e formador de opinies no Brasil, inclusive nos dias de hoje. Segundo Cardim, a revista poca divulgou uma pesquisa, em sua edio, de 11 de setembro de 2006 e publicou matria sobre enquete junto a um grupo de personalidades nacionais, para escolher o maior brasileiro da Histria. O resultado final foi um empate entre Rui Barbosa e Machado de Assis. A Folha de So Paulo, em edio de 1 de abril de 2007, divulgou resultado de enquete com duzentas personalidades que escolheram o(a) maior brasileiro de todos os tempos e o resultado foi surpreendente: Getlio Vargas em primeiro, Juscelino Kubitscheck em segundo, Machado de Assis em terceiro e Rui em quarto. Essas informaes so mais uma prova da relevncia histrica de
82 GIRARDET, Raoul. Op.cit., p.15 51 nossa personagem. 83 Os documentos nos levaram a descobrir a existncia de outros valores que no necessariamente tenham sido mencionados por nossos estudos iniciais. Entre o que falaremos nesse momento, citamos o valor da Inteligncia, O valor do salvador; O valor da unidade; O valor da legalidade; O valor da moralidade e o valor do cristianismo liberal. 84 O valor da inteligncia se manifestou assim como todos os demais mitos que citamos em momentos distintos. Falaremos de alguns indcios, bem como suas faces de representao e apropriao, caso seja necessrio. Esse valor agregado por Rui fica evidente, segundo San Tiago Dantas, a partir da seguinte percepo: [...] o apreo exagerado pela inteligncia elevada dos povos ou das classes em luta contra as resistncias de um meio social j consolidado. No ocorre no seio das aristocracias; no ocorreu na grande burguesia, nas geraes posteriores sua estabilizao; curioso observar que no ocorre no proletariado, cuja ascenso depende de outros recursos de luta. Ocorre porm, nas burguesias nascentes, onde a inteligncia o meio por excelncia de vencer, o valor a que se rendem eventualmente todos os outros e que no consolida privilgios. 85 Dialogando com a leitura de Homero Pires, em Conferncia realizada na FCRB, em 5 de novembro de 1938, em sua defesa da cultura interdisciplinar de Rui Barbosa, percebemos o quanto Rui se norteava pelo apreo ao valor da inteligncia. Nas palavras de Homero Pires: Rui Barbosa aproximava-se de todos esses vultos, freqentava-os habitualmente, do que h vastos sinais nos seus trabalhos forenses. Porque, como eles, tinha a mesma formao: a formao dos Cujcios, dos Donelos, dos Melo Freires, todos fortes em humanidades, todos ledores constantes e espertos dos grandes clssicos, todos devotos assduos da histria, da eloqncia, da filosofia, da filologia, s vezes da poesia e at das matemticas, como instrumentos que conduzem ao estudo do direito. A sua rara e forte estirpe no era a mesma daquele Giovanni DAndrea, o mais famoso jurista do tempo de Petrarca, e a quem este demonstrava e provava a sua insuficincia literria. A jurisprudncia, o direito, a poltica, para Rui Barbosa, como para os antigos, apoiavam-se nas boas letras humanas.
83 Ser-nos til os conceitos de representao e apropriao de Chartier. Segundo esse autor, a representao, pensada quer como algo que permite ver uma coisa ausente, quer como exibio de uma presena o conceito que ele considera superior ao de mentalidade, dado que permite articular trs modalidades da relao com o mundo social: o trabalho de delimitao e classificao das mltiplas figuraes intelectuais, as prticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social e as formas institucionalizadas e objetivadas graas as quais uns representantes marcam de forma visvel e perpetuada a existncia do grupo, de classe ou da comunidade. A apropriao uma histria social das interpretaes remetidas para as suas determinaes fundamentais, que so sociais, institucionais e culturais. Rui trabalhava como ator no contexto anterior e durante o Teatro das Oligarquias estabelecendo representaes e se apropriando de ideias e comportamentos de acordo com as suas prprias crenas liberais. 84 CHARTIER, Roger. A Histria Cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: Difel, 1990. pp.136-137. 85 DANTAS, San Tiago. Rui e a renovao da Sociedade. op.cit. p. 68 52 Era um jurisconsulto desses velhos e slidos moldes criadores, que retemperava a sua cincia nas saudveis fontes primitivas, abandonadas pela ignorncia, pela incapacidade e pela preguia. A sua obra foi construda sobretudo com o esprito da antigidade clssica. Ora, o sedimento dessas idias no h como o achar fora dos livros, desses bons livros antigos, e neles, de par com uma grande biblioteca, que tem de ser buscado e pesquisado. Rui Barbosa no podia, pois, dispensar-se de uma livraria assim, possu-la em casa, bem junto sua pessoa. Dele se pode dizer, com Anatole France, que foi um desses homens que "amaram as letras mortas com o mais vivo amor, e encontraram na poeira antiga a centelha da eterna beleza. 86 No mbito do valor da inteligncia, encontramos vrias caractersticas que so fundamentais. Todos os dons reais ou imaginrios, que se reconheceram ou se atriburam a Rui Barbosa seu saber, supostamente enciclopdico, seu preparo de poliglota, sua capacidade de trabalho, seus esforos mentais sem proporo com seu fsico, seu gnio verbal desmedido estavam carregados de uma energia emocional indestrutvel e do vnculo eletivo que o prenderia sociedade de que estava fadado a ser o ideal. O valor do salvador, de acordo com o que expomos anteriormente, representado pelo modelo freyriano que especifica o chamado Mito do Amarelinho, como podemos perceber no documento a seguir: [...] quisera converter a verdade todos os transviados; mas a tarefa do apstolo infinitamente mais rdua que a do enfermeiro, a de retificar opinies incalculavelmente mais delicadas que a de aliviar padecimentos. 87 No discurso realizado na Bahia, na conferncia em favor de cinqenta rfos do asilo de Nossa Senhora de Lourdes, em feira de Santana, Rui afirmava que a caridade tinha um sentido de purificao e o homem deveria dialogar sua vida luz dos preceitos de Jesus Cristo. Como citamos, Rui legitima seu liberalismo poltico assistencialista visando preencher as garantias mnimas de existncia aos cidados. Rui apresentava um discurso divinizador e se preocupava acerca do debate em torno da cincia e de deus. A leitura que ele fazia era a possibilidade de se correlacionar a racionalidade cientfica com a questo divina, entendendo tais situaes como indissociveis: Pus a cincia acima de todas as coisas; mas no afirmei jamais que a cincia no possa abranger as coisas divinas. Nunca encarei a cincia como a sistematizao do antagonismo com o esprito. Esse incognoscvel, que no cabe nos laboratrios, no acreditei jamais que se distancie da cincia por incompatibilidades invencveis, unicamente porque esta no sabe os meios de verific-lo. Vejo a cincia que afirma Deus; vejo a cincia que prescinde que proscreve a Deus; e entre o espiritualismo, o agnoscticismo, o materialismo, muitas vezes se me levanta da razo esta pergunta: onde est a cincia?
86 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp.56-89. 87 Ver o discurso na ntegra proferido na Bahia em 22 de fevereiro de 1893, Ibid, p. 193. 53 A mesma nvoa que a princpio se adensara sobre as inquietaes do crente, acaba por envolver o orgulho do sbio. A mesma dvida que nos arrastara das tribulaes da f ao exclusivismo cientfico, pode reconduzir-nos do radicalismo cientfico placidez da f. 88 Para Girardet, O salvador guardio da normalidade na sucesso dos tempos, no decorrer das geraes, assim aparece nessa perspectiva. A ordem est intrinsecamente relacionada legalidade dos novos tempos. Em documento Visita Terra Natal, pronunciado na Bahia em 1893, Rui termina sua fala afirmando: [...] faamos desta sesso, pois, um ato de aliana pela repblica, em presena daquele Deus que nossas famlias exoravam pelos escravos, o que Deus enlaa divide os homens. [...] mas esse msculo sagrado pertence sobretudo s geraes robustas, que comeam a se dourar da mocidade como os pomos da colheita, da providncia, e s geraes nascentes, que abrolham como a primavera na copa dos laranjais. 89 O documento acima nos mostra o seu discurso cristianizador que era um dos pilares de sua face salvacionista. Rui procurava atravs de sua fala mostrar as suas ligaes com o esprito de salvador do pas. O valor da unidade apresenta-se historicamente em sentidos plurais. As fundamentaes mticas em torno da discusso da nacionalidade perpassaram vrios exemplos. Na leitura de Fourier, o Falanstrio significou a multiplicao dos festins coletivos e o selo da harmoniosa coeso da comunidade. Em Michelet, a unidade representou a exaltao da bela harmonia vivida pelos coraes fraternos em virtude do milagre da associao. Em Danton, [...] o sonho de todos estarem sentados no mesmo banquete. Em Bossuet, [...] fora da unidade a morte certa. Em Comte, a [...] unidade de uma doutrina comum e em Saint-Simon, uma sociedade cujos membros entram em oposio uns com os outros tende dissoluo. 90 A Unidade se correlaciona, ao mesmo tempo com a Repblica e o Federalismo. Em documento referente ao discurso no Colgio Anchieta a questo da Unidade discutida em torno do conceito de Ptria e expressa a leitura dos elementos nacionais como motivao para as grandes transformaes na histria da humanidade:
88 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 194. 89 Discurso proferido em 7 de fevereiro de 1893. Ibid, pp. 174-191. 90 Ibid, pp .23-45. 54 [...] a Ptria, o complexo de todos os interesses brasileiros, o conjunto das instituies polticas e sociais, o povo e o Estado, a harmonia orgnica entre os elementos humanos e os elementos legais da nacionalidade. Nada mais natural que o amor da ptria; mas tambm nada mais confuso, nada mais abusado, nada mais degenervel. Toda a planta quer ao hmus, de que se nutre, ao envoltrio areo, onde respira, ao pedao de azul celeste, que lhe sorri e a orvalha. Mas esse rebento da seiva terrestre no tem paixes, como a planta humana. Esta , de seu natural, ambiciosa, violenta, agressiva, invasora, absorvente, exclusivista, e todas essas aberraes malvolas facilmente misturam com o patriotismo, que, assim, entendido, se parece tanto com o bom amor da Ptria como o mal com o bem. 91 O valor da legalidade tambm se vincula noo de liberdade. Para Rui, A Monarquia e a Repblica so meios; a liberdade, o fim. Essa frase de Rui, s vsperas da queda do Imprio, expressava o ncleo do seu pensamento poltico. Segundo ele, s a lei iria salvar o Brasil contra o despotismo. Como bem assinala Afonso Arinos de Melo Franco, a formao da Repblica foi marcada pela integridade constitucional de Rui Barbosa gerando repercusses como o Federalismo, a mentalidade da Unio representada pela Constituio contra as heresias estaduais. 92 Uma das formas de legalidade em Rui se localizava no valor do regime constitucional e esteve presente no seu discurso na Cmara dos Deputados, no mbito de suas campanhas parlamentares: [...] a Constituio, segundo as impresses sentimentais de um nobre senador, uma frgil individualidade, cuja vida pende do fio de nossos punhais; segundo a imaginao pinturesca de outro, um Himalaia severo, imvel, superior aos sculos, que embalde tentaramos abalar, com a base eterna de rochas no seio da terra e o topo das nuvens do cu. 93 Em documento A Rplica, que consta no temrio de Rui, se afirma que a soberania do legislador cercada por limites, seguindo como premissa filosfica e poltica a tradio do parlamento ingls. [...] a lei sempre um elemento de regenerao muito circunscrito em sua influncia sobre a realidade. Se no colabora com ela a vontade humana, se o meio, onde se desdobra, tende a neutraliz-la, se a ao de seus executores lhe ops foras surdas, nas perseverantes, de resistncia, a lei atrofia-se, suas aderncias sociais paralisam-se, seus resultados amesquinham-se, ou acabam por se nulificar. 94 O valor da moralidade tambm foi extremamente articulado com os ideais de Repblica e de Federao. A Repblica precisa de ser conservadora, mas conservadora, a um tempo, contra o radicalismo e contra o despotismo, contra as utopias revolucionrias e contra
91 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 1038. 92 FRANCO, Afonso Arinos. Um estadista da Repblica. Rio de Janeiro: Ed. Jos Olympio, 1955. pp. 23-63. 93 Cf. discurso na ntegra proferido na Cmara dos Deputados na sesso de 21 de junho de 1858, In: LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 126. 94 Ibid, p.1016. 55 as usurpaes administrativas, contra a selvageria anrquica das faces e contra a educao inconstitucional dos governos. A Federao poltica h de assentar nessa Federao moral. 95 Na leitura de Rui, no existia dupla moralidade, doutrina e a praxe. Moral uma s e esta perpassa a conscincia humana, que no vacila em discernir entre o direito e a fora. [...] os interesses podem obscurecer transitoriamente esse rgo da viso interior: podem obscurec-lo nas relaes entre os povos, como nas relaes entre os indivduos, no comrcio entre os homens, nos governos como nos tribunais, na esfera poltica internacional, como nos cdigos civis e penais. Mas tais perturbaes, tais anomalias, tais crises no provam que no exista em ns, individual ou coletivamente, o senso da moralidade humana, ou que as suas frmulas sejam meras teorias. No h duas morais. Para os estados como para os indivduos repetirei, na paz ou na guerra, a moral uma s. 96 O valor do cristianismo liberal deve ser compreendido nas suas relaes de similitude com o Mito do Salvador, sendo especificado pelo contedo poltico do Liberalismo. Vincula-se no plano religioso ao gosto de Rui pelos sermes do Pe. Antnio Vieira. Desde os 10 anos de idade, Rui se encantara pelo livro sobre a vida de Jesus, a Historie du Nouveau Testament, de Derme, cheio de gravuras que tornavam ainda mais fascinante o que ali contava. No plano do liberalismo, Rui em vrios momentos, dizia que jamais a cincia suplantaria todas as questes divinas. 97 [...] no sei compreender o homem sem Deus, e ainda menos acreditar na possibilidade atual, ou vindoura, de uma nao civilizada e atia. Ou ainda: [...] preciso cultivar a Caridade e a Justia para colher o amor e a Paz. 98 Numa conferncia proferida em maio de 1915 no salo da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, Rui legitimou a liberdade, um dos pilares de seu cristianismo liberal: [...] assim para os homens e mulheres do operariado e da classe mdia, a tragicomdia democrtica apresenta-se nesses termos: de um lado, cidado, livre pelo voto, quando livremente escolhe os governantes; e eis a liberdade; do outro lado, propriamente como homem, na vida material de todos os dias, dependente do senhor que lhe compra a fora de trabalho; e eis a servido. 99
95 Visita a Terra Natal. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit.,. p.184. 96 Ibid, p.1028. 97 MERQUIOR, Jos Guilherme. O liberalismo: antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1991pp.23- 45. 98 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p.33 99 Ibid, p.30 56 Os modelos explicativos que sugerimos no se encerram em nossas primeiras citaes e, dinamicamente, podem ser inseridos em outros contextos nas diversas dimenses das culturas polticas. Os arranjos polticos entre as elites e os jogos de discursos leva-nos a procurar enxergar outros signos do Poltico que possam se manifestar ao longo da Histria do Brasil, no perodo em que estamos dedicados a ele. Sabemos que as contradies de Rui representam o primeiro caminho para percebermos o quanto as suas ideias liberais propagandeadas pelo seu discurso, em inmeras vezes, mantiveram slidas suas razes polticas. Embora se manifestasse como o homem novo, o pejorativamente dito velho carregava sua vida e o levava a se confrontar muitas vezes consigo mesmo, no turbilho de enfrentamentos entre as suas teorias e o universo da prxis. 100 1.5 Consideraes finais Podemos perceber que a formao de Rui Barbosa foi caracterizada pela forte presena de grupos da aristocracia brasileira ligados intimamente ao imaginrio de sua tradio poltica. A maneira como ele foi compondo o seu discurso atravs dos clssicos da modernidade e na prpria dinmica de sua realidade social, levou-nos a verificar o quanto foi determinante o patriarcalismo colonial em sua famlia, em busca de sua promoo na esfera poltica, um legado de sonho herdado de seu pai. Certamente, ao ler Cames, Shakespeare, Vitor Hugo e outros clssicos do processo de formao ou conhecimento, Rui teve uma forte influncia, mas no poderia despir-se de suas relaes sociais e polticas como nos sinalizava Karl Marx, de que os homens tambm so produtos da grande engrenagem do processo
100 Disponvel em: www.casaruibarbosa.com.br. Acesso em: 06 mai. 2009. 57 histrico. 101 Embora consideramos que as novas leituras do marxismo discordem de tal assertiva. O discurso de modernidade de Rui calcou-se nas bases do liberalismo poltico de John Locke, nas premissas da tripartio de poderes de Montesquieu e no prprio Liberalismo econmico de Adam Smith, entre outras influncias. No contexto do Liberalismo Oligrquico, ele foi constituindo sua cadeia de valores e representando sua marca poltica atravs de sua histria. Os interesses em jogo eram fundamentados nas bases dos direitos cidados, entendidos predominantemente nos mbitos civil e poltico. As invenes dos discursos foram cimentadas em crenas adquiridas pelas suas leituras e pelos hbitos polticos dos grupos com os quais ele se relacionava. Quase todos os princpios norteadores da modernidade se encaixam nas passagens em que Rui se envolveu na Histria, colocando sua condio identitria de promoo da mstica do homem pblico, provedor do bem e capaz de promover uma espcie de festa da unidade. Na sua formao de ideias europias, norte-americanas e coloniais, Rui foi constituindo seus pacotes de legalidade. Conseguiu promover vrias passagens em que se colocava como o Salvador da Repblica, proliferou, como dissemos, o Mito do Amarelinho e foi, dessa forma, lanado ao imprio de contradies que a prpria modernidade produziu. A documentao analisada nos permitiu verificar seus anseios pelo legalismo, sua busca pela promoo da identidade nacional, pelo fomento ao cristianismo liberal, pela defesa do federalismo, pelo abolicionismo circunstancial, pelas campanhas anticlericais, pela crtica ao servio militar obrigatrio e pela fabricao constante de sua mstica da oralidade, entre outras questes. Adiante, aprofundaremos as anlises de seus principais discursos no perodo de 1879 a 1909, antes da Campanha Civilista. Tal campanha na verdade j comeava a ser construda nos primeiros anos de sua vida e nos primeiros discursos polticos que ele proferiu.
101 MARX, Karl. Formaes econmicas pr-capitalistas. 5 Edio; So Paulo. Ed. Paz e Terra, 1986. pp.02-54. 58 CAPTULO 2 - O LIBERALISMO DE RUI BARBOSA: AS VRIAS FACES DE UMA TRADIO POLTICA (1879-1907) 2.1 As metamorfoses liberais no processo de construo do imaginrio republicano [...] a eloqncia de Rui sem altos e baixos, nem lampejos, ou, antes um lampejo permanente, sua facndia ilustre,incomparvel, aplica-se a reflexo de um viajante atnito ante a exuberncia e a magnificncia da selva tropical: a profuso de rvores no deixa apreciar a floresta [...]. 102 103
102 Cf. Elogio de Afonso Celso a Rui. In: CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., p.110. 103 Disponvel em: www.revistaepoca.globo.com. Acesso em: 06 fev. 2009. . 59 Antes de quaisquer fatos histricos mais relevantes, no presente captulo pretendemos identificar e analisar, de forma cronolgica, os principais eventos em que Rui esteve envolvido a partir de sua ascenso ao cargo de Deputado Geral (1879) at a Segunda Conferncia de Haia (1907), bem como seus efeitos imediatos no perodo anterior Campanha Civilista de 1910, assunto de que trataremos com mais detalhes no Captulo 3 deste estudo. 104 Visando enriquecer nossos debates sobre a articulao entre o liberalismo ruiano e seus vnculos com sua participao poltica nos principais eventos que marcaram sua histria, sugerimos, a partir desse momento, um pequeno levantamento da historiografia que trabalhou as correlaes entre Liberalismo e a realidade brasileira em torno da segunda metade do sculo XIX e no processo de construo da Repblica. Paralelamente analisamos, nos aspectos gerais, os contextos poltico, econmico e social, do final do Segundo Imprio at a formao da Primeira Repblica, e o desenvolvimento do perodo denominado de Repblica Oligrquica (1894-1930), especificamente a partir do prximo subcaptulo dessa dissertao. Tendo como eixo o debate historiogrfico, este nos possibilitar enxergar melhor o tipo de liberalismo ao qual Rui esteve relacionado, facilitando em muito compreenso de seus discursos polticos modernizadores. A partir da anlise atenta da documentao que temos disponvel, procuramos buscar evidncias das relaes entre os seus discursos e sua atividade na prtica poltica, no que tange aos principais debates que o Brasil se firmou em torno da construo de um espao pblico notadamente republicano. Foi justamente nesse turbilho em que as ideias liberais e modernizadoras de Rui Barbosa alcanaram seu palco de expresso na Histria do Brasil. Antes de mais nada, em busca de esclarecer um pouco mais sobre o assunto em questo passamos pelo sentido etimolgico do liberalismo, preocupao ntida de grande parte dos autores das Cincias Sociais. Na leitura de Norberto Bobbio, por exemplo, para se discutir amplamente a questo do Estado liberal, deve-se correlacion-lo ao conceito de democracia.
104 Mais detalhes sobre a 2 Conferncia de Haia Cf. CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., p.115-122. 60 [...] o pressuposto filosfico do Estado liberal, entendido como Estado limitado em contraposio ao Estado absoluto, a doutrina dos direitos do homem elaborada pela escola do direito natural (ou jusnaturalismo): doutrina segundo a qual o homem, todos os homens, indiscriminadamente, tem por natureza e, portanto, independentemente de sua prpria vontade, e menos ainda da vontade de alguns poucos ou apenas um, certos direitos fundamentais, como o direito vida, liberdade, segurana, felicidade direitos esses que o Estado, ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histrico detm o poder legtimo de exercer a fora para obter a obedincia a seus comandos devem respeitar, e portanto no invadir, e ao mesmo tempo proteger contra toda possvel invaso por parte dos outros. Atribuir a algum um direito significa reconhecer que ele tem a faculdade de fazer ou no fazer algo conforme seu desejo e tambm o poder de resistir, recorrendo, em ltima instncia, fora (prpria ou dos outros), contra o eventual transgressor, o qual em conseqncia o dever (ou obrigao) de se abster de qualquer ato que possa de algum modo interferir naquela faculdade de fazer ou no fazer. 105 Para efetuarmos a to intrincada tarefa, torna-se importante lembrar que Rui Barbosa assumiu, de fato, a legislatura de Deputado Geral em 1879 tendo logo de incio que enfrentar alguns desafios de eloqncia poltica. Segundo informaes de Joo Felipe Gonalves, em um primeiro momento, Rui defendeu com fervor a legitimidade da eleio para a Assemblia do candidato conservador, Joo Mendes, deixando Gavio Peixoto, do Partido Liberal, em situao complicada. O argumento utilizado por Rui, tambm membro do Partido Liberal, era que Gavio Peixoto no poderia ter sido eleito por ser pertencente aos servios pblicos. No final da discusso, a Cmara Liberal acabou dando razo a Gavio Peixoto. Comeava assim o processo de construo de sua carreira poltica alicerada nos eixos do liberalismo- democrtico. 106 O seu segundo discurso foi em defesa de uma atitude do governo imperial de ter dado o poder a um Gabinete Liberal e convocado novas eleies. Rui proferiu sbias palavras polticas na ocasio, marcando mais uma vez sua presena. Sem dvida, o maior triunfo de Rui foi o seu duelo de oratria contra Silveira Martins, que discordava da reforma eleitoral de Sinimbu, cujo contedo expressava o fim dos direitos polticos aos no-catlicos. Nesse contexto, Rui foi designado a defender o Gabinete Sinimbu na Assemblia. Como vimos, no incio deste trabalho, derrotar Silveira Martins era aniquilar um cone dos tribunos do Imprio. Rui conseguiu derrot-lo e lanou inevitavelmente mais uma das bases da construo de sua mstica de grande orador. Utilizando alguns procedimentos de anlise que fizemos no primeiro captulo, Rui aqui se encaixa perfeitamente no mbito da discusso sobre Mitos, levantada por Raoul
105 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. Ed. Brasiliense. So Paulo, 2005. pp. 7-8. 106 GONALVES, Joo Felipe. Op.cit., p.35-38. (nota 22) 61 Girardet. 107 No caso da situao apresentada acima poderamos perfeitamente enquadrar Rui Barbosa como homem pblico, portador do valor da eloqncia, que o projetaria exaustivamente na vida poltica do pas. Levando em considerao o seu embate contra Silveira Martins, vale ressaltar, que, de forma um tanto quanto curiosa, Rui escreveria em 1880 um projeto de reforma eleitoral que incluiria os no catlicos no processo de direitos polticos de voto e elegibilidade, aspecto que havia levado dissidncia de Martins em relao ao Gabinete Sinimbu. Mais adiante, aprofundamos a discusso envolvendo a proposta de nossa personagem sobre a eleio direta, no contexto da queda do Gabinete Sinimbu e da ascenso do Gabinete do tambm liberal baiano Jos Antnio Saraiva. Percorrendo um pouco o contexto histrico do II Imprio e do incio da Repblica podemos levar em considerao algumas questes. A princpio, segundo anlises macroestruturais feitas por Jos Murilo de Carvalho e citadas por ns no captulo primeiro da dissertao o perodo entre 1870 a 1914 pode ser sintetizado levando em conta alguns aspectos a seguir. O pas era inclinado a agroexportao e ocorre a concentrao do plo cafeeiro em So Paulo. No aspecto social foi uma fase de fim da escravido, do processo de elaborao das leis abolicionistas, poca de grande investimento estrangeiro e desenvolvimento de parte de nosso comrcio e indstria. No aspecto poltico, desenvolver-se- - na Gerao de 1870 o debate acerca do federalismo, principalmente, em So Paulo, e as lutas polticas contra o poder pessoal do Imperador, no Rio de Janeiro. 108 Uma nova concepo de tempo e Histria acompanha as mltiplas mudanas que, aproximadamente entre 1870 e a I Grande Guerra de 1914, se multiplica em todos os mbitos. O Ocidente vivia um desses perodos em que a Histria parecia acelerar-se, e no apenas a experincia do tempo vivido que reflete e provoca essa sensao: a prpria percepo mais abstrata do tempo. Dessa forma, a concepo de histria torna-se seu corolrio, pautada na primazia da noo de evoluo e numa representao linear, em constante acelerao, do tempo histrico, que certamente ganha uma nova colorao, ainda que possa ser percebida desde o sculo XVIII e da construo da razo instrumental moderna, nas palavras de Reinhart Koselleck. Segundo este autor, nosso conceito moderno de histria fruto da
107 GIRARDET, Raoul.Op. cit., .pp.12-45. 108 CARVALHO, Jos Murilo. Op.cit., pp. 107-108. (Nota 26) 62 reflexo das Luzes sobre a complexidade crescente da [...] histria em si, na qual as condies da experincia parecem afastar-se, cada vez mais, da prpria experincia 109 No processo de construo dos debates polticos em torno da formao da Repblica brasileira, segundo o historiador Jos Murilo de Carvalho, se formaram basicamente trs grupos. Os Positivistas, que pensavam a repblica numa perspectiva mais de longo prazo, que postulava uma futura idade do ouro na qual os homens se realizariam. Os jacobinos, que idealizavam a democracia clssica, construda com a participao direta das massas, e Os Liberalistas, que procuravam construir uma sociedade composta por indivduos autnomos, que tinham seus interesses compatibilizados pela mo invisvel do Estado. Rui parecia mais herdeiro dessa ltima corrente, embora se utilizasse de quase todos os grupos na composio de seu iderio. 110 Preservar o eixo temporal das relaes histricas e reconstituir as conexes, objetivo comum dos historiadores. Segundo Quentim Skinner os conceitos so dotados de significados e ressignificados, portanto s expressam utilidade quando se manifestam dotados de sentido ou sentidos. [...] os conceitos ou as idias no se esgotam uma vez (re)conhecido seu significado: necessrio saber quem os maneja e com quais objetivos, o que s possvel atravs do (re)conhecimento dos vocabulrios polticos e sociais da respectiva poca ou perodo histrico, a fim de que seja possvel situar os textos no seu campo especfico de ao ou de atividade intelectual. 111 A Primeira Repblica (1889-1930) apresentou algumas especificidades que so fundamentais para compreendermos a trajetria de Rui Barbosa. Em termos polticos, no processo de construo da Repblica, ocorreu um confronto entre o projeto modernizador com estruturas centralizadoras e autoritrias, que foram consubstanciadas, sobretudo, na figura de determinados grupos militares, cujo representante mximo foi Floriano Peixoto. Na fase da Repblica Oligrquica (1894-1930) predominou o mandonismo local, corporificado pelo coronelismo, a disputa poltica no pleito presidencial entre os Estados hegemnicos e a Poltica dos Governadores, fundada no governo Campos Sales, sucessor do presidente Prudente de Morais. Tal poltica selou definitivamente um sistema de completa excluso social e de negao dos princpios democrticos republicanos. Na Primeira Repblica o sufrgio tornou-se amplo e geral para os maiores de 21 anos, o voto mantm-se direto, mas
109 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuio Semntica dos Tempos Histricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2006. pp.10-35. 110 CARVALHO, Jos Murilo.Op. cit. (nota 86), pp.09-41 e CARVALHO, Jos Murilo. A Formao das almas. Ed. Cia das Letras. Rio de Janeiro. 1997. pp. 09-54. 111 SKINNER, Quentin. Fundaes do Pensamento Poltico Moderno. So Paulo: Editora Cia. das Letras, 1996. p. 96. 63 volta a se instituir a mesa eleitoral. Como no existia o voto secreto, era a mesa eleitora que controlava a presena e a votao, tornando-se fcil a manipulao dos eleitores. 112 A base da economia brasileira da Repblica Oligrquica, segundo nos conta Edgar Carone, o que se denominava hegemonia agrria. No sul, Nordeste e Norte desenvolveram-se as trs atividades principais: o caf, o acar e a borracha. A agricultura de subsistncia era dominante em grande parte do interior do Brasil ficando a economia de mercado restrita aos grandes centros. Nas pequenas cidades o artesanato supre as necessidades mecnicas da lavoura. Essas populaes permaneceram isoladas e ignoradas, manifestando-se nas chamadas rebelies primitivas, Canudos e Contestado, e no fenmeno do Cangao no Nordeste. A economia cafeeira, por outro lado, organizava-se direcionada para o abastecimento do mercado externo, no qual adquiria os produtos manufaturados de que precisava. No entanto, como se deu posteriormente, as exportaes no foram proporcionais s demandas internas de importaes e a industrializao tornou-se ento necessidade e manifestao de uma prosperidade urbana facilitada pela evoluo nos meios de comunicao. Nas cidades havia uma diversificao de funes e posies sociais, produto da integrao do processo agrcola-comercial-industrial. Porm, ainda era insignificante a influncia desses setores, classificados por Edgar Carone como mdios-urbanos, na ao poltica. As oligarquias eram dominantes, pois a terra era ainda a maior fonte de renda. 113 Rui sempre esteve ligado a uma tradio liberal que perpassava, entre outros, o seguinte aspecto: em sua leitura, o modelo liberal, racionalista e moderado, devia se manter
112 Disponvel em: www.marcilio.com/rio/historia/hirewca.jpg. Acesso em: 12 jan. 2009. 113 CARONE, Edgard. A Repblica Velha ( Evoluo Poltica). 3 Ed. So Paulo: Difel, 1971. p. 431. 64 herdeiro da tradio iluminista e considerar que usos, costumes e a prpria tradio geral dos povos devessem ser avaliados pela razo e s mantidos quando se revelassem favorveis ao progresso, razo e moral, tendo uma perspectiva universal e racional no imaginrio liberal. Diversos historiadores se ocuparam em discutir o carter do liberalismo no Brasil. Entre as anlises clssicas sobre a introduo das ideias liberais no pas, no poderamos deixar de levar em considerao a discusso entre Robert Schwarz 114 e Maria Sylvia de Carvalho Franco. 115 Para Schwarz, o liberalismo europeu se vinculava diretamente ao modo de produo capitalista e s ideias liberais. Ao chegarem no Brasil, esbarraram com a questo do escravismo, tornando-se as ideias fora do lugar. Mesmo com a abolio da escravatura e o advento da Repblica, a que passou a conviver com a mo-de-obra assalariada, a ideologia do favor acabou sendo a base de uma estrutura que se manteve agroexportadora. Portanto, a relao democrtica falsa, na medida em que s pode ser compreendida a partir do fenmeno poltico do coronelismo. Para o autor, as ideias liberais eram impraticveis no Brasil devido sua estrutura scio-econmica excludente, marcada pela concentrao de renda e poderes, herdeira do escravismo colonial. Em sua concepo, essa estrutura fez com que as relaes sociais entre os homens livres no fossem mediadas pelas premissas liberais de liberdade, igualdade e universalidade, mas fossem mediadas pelo favor, que teria se tornado uma mediao quase universal. Maria Sylvia de Carvalho Franco, partindo de outra perspectiva historiogrfica, contraps-se tese levantada por Schwarz. Para a autora, o conceito de igualdade surgiu no processo de dominao scio-econmica e do direito de propriedade, por isso cumpre aqui como l fora sua funo prtica de encobrir e inverter as coisas. Um dado importante que, no Brasil, as pessoas que defendiam o liberalismo no aplicaram o ideal liberal na sua totalidade, mas adaptaram tal ideologia s condies reais e particulares em cada ocasio, para satisfazer aos jogos de interesses das elites agrrias. No caso brasileiro inegvel a prtica do patrimonialismo, do clientelismo e de vrios mecanismos que impediram a efetivao dos direitos estabelecidos por lei. Nesse sentido, as ideias liberais foram utilizadas pelas elites agrrias visando salvaguardar os seus prprios interesses econmicos.
114 SCHWARZ, Roberto. As idias fora do lugar. In: ______. Cultura e Poltica. So Paulo: Paz e Terra, 2001 (Coleo Leitura). p. 59-83. 115 FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. As idias esto no lugar. pp.10-45. 65 Alfredo Bosi, em discusso similar, coloca num novo patamar o debate sobre cultura, produzida em nosso pas, e suas relaes com as ideias de origem estrangeira. A origem geogrfica ou cronolgica das ideias no determina para todo sempre seu destino e seu valor, polemizando contra aqueles que pensam que podem haver ideias fora do lugar. Segundo o prprio Bosi, o liberalismo econmico do sculo XIX foi uma ideologia importada da Inglaterra e que se revelou muito til aos escravistas brasileiros que queriam agir livremente, sem peias (laissez-faire), sem um Estado que fiscalizasse ou impedisse o trabalho forado. Eram liberais e coerentemente eram senhores de cativos. O mesmo liberalismo funcionou muito bem quando esta classe em ascenso defendeu e praticou o parlamentarismo monrquico, pois era necessrio aos fazendeiros ter uma representao poltica nas cmaras e no senado, de onde, por seu turno, nasciam os ministrios. Logo, o liberalismo econmico se acoplou harmoniosamente com o escravismo (situao evidente nos anos 40, 50 e 60 do Segundo Imprio); e o liberalismo poltico funcionou como uma luva para a mo de ferro das oligarquias. No h, pois, contrasenso entre liberalismo e escravido, no plano da realidade emprica; no plano abstrato de um evolucionismo linear, sim: liberalismo e escravido so contraditrios, um impede que o outro se desenvolva. Mas faz parte das ideologias dominantes mascararem as contradies. 116 No Brasil, as ideias liberais chegaram no incio do sculo XIX, tendo maior influncia a partir da Independncia de 1822. Para Emlia Viotti da Costa, o liberalismo brasileiro s pode ser entendido com referncia realidade brasileira. Os principais adeptos foram homens interessados na economia de exportao e importao, muitos proprietrios de grandes extenses de terra e escravos. Ansiavam por manter as estruturas tradicionais de produo, libertando-se do jugo de Portugal e ganhando espao no livre-comrcio. Esta elite tencionava manter as estruturas sociais e econmicas. Aps a independncia, os liberais tencionavam ampliar o poder legislativo em detrimento do poder real. Durante o perodo Imperial temos a formao de dois grupos polticos distintos no Brasil: liberais e conservadores. Os primeiros defendiam um sistema de educao livre do controle religioso, uma legislao favorvel quebra do monoplio da terra e favoreciam descentralizao das provncias e municpios. Os conservadores opunham-se a essas ideias. Todo o perodo imperial foi marcado por tenses e conciliaes entre os dois grupos. Vrios conservadores passaram para o lado liberal e como tambm vrios liberais foram responsveis por fundar o Partido Republicano no final deste perodo.
116 BOSI, Alfredo. Dialtica da colonizao. So Paulo. Editora. Companhia das Letras, 1992. Op.cit. pp 194- 204. 66 Ainda para Costa (1999), os liberais brasileiros foram incapazes de realizar os ideais do liberalismo, pois estes transcendiam a poltica. Nenhuma das reformas que os liberais realizaram eliminou o conflito entre a retrica liberal e o sistema de patronagem. As reformas defendiam apenas os seus interesses comerciais e a manuteno da explorao do trabalho. Liberalismo e nacionalismo expressam na Europa as aspiraes da burguesia interessada em organizar a sociedade em bases novas, empenhada em rever os valores tradicionais, em atacar os privilgios do clero e o poder absoluto dos reis e em organizar o Estado de forma a ter o seu controle direto. Era de seu interesse eliminar definitivamente as barreiras que impossibilitavam o desenvolvimento de uma economia nacional integrada. A afirmao dos Direitos do Homem o direito de propriedade, liberdade, igualdade de todos perante a lei, de representao, de participao nas decises fundamentais do governo vinham satisfazer plenamente seus interesses e objetivos. Importadas, essas ideias no encontrariam no Brasil uma estrutura scio-econmica correspondente, aqui elas iriam ser defendidas pela aristocracia rural e uma pouco expressiva burguesia. 117 Partindo de outros parmetros e enfocando outras discusses, Ricardo Vlez Rodriguez assinala que no Brasil, a filosofia poltica predominante nos primrdios da Repblica foi o positivismo, o que difere da filosofia poltica de inspirao liberal desenvolvida ao longo do perodo imperial. Segundo a tese dos positivistas, a sociedade caminha rumo a uma estruturao racional, cujas possibilidades de organizao se desdobram em duas alternativas: empenhar-se em prol da educao dos espritos para que o regime poltico se instaure como fruto do esclarecimento, ou simplesmente impor um governo de uma minoria esclarecida. Rui, em vrios momentos, criticava essa segunda possibilidade, que foi representada no pas por Jlio de Castilhos, Borges de Medeiros, do Rio Grande do Sul, e por Pinheiro Machado, em nvel nacional. 118 Porm, segundo anlises de Leonel Severo, o Estado para Rui no era uma construo do povo, mas para o povo, o que caracteriza sua ideia de soberania popular: Leonel Severo observa que para Rui Barbosa a questo da liberdade no estava limitada a um direito do indivduo, mas como uma possibilidade do direito ao direito da esfera pblica, o que a torna uma questo poltica. Rui era um liberal, mas de um liberalismo doutrinrio, defensor da racionalidade poltica, no apegado s formas de governo ou modelos institucionais cristalizados. Idealista, acreditava na fora dos princpios do saber, da compreenso intelectual na produo de
117 COSTA, Emlia Viotti da. Da Monarquia a Repblica: Momentos Decisivos. So Paulo: Fundao Editoria da UNESP. 1999.pp.23-89. 118 RODRGUEZ, Ricardo Vlez. Castilhismo: uma filosofia da Repblica. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia de So Loureno de Brindes; Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, 1980. p.160. 67 mudanas na sociedade [...] Reconhecia a necessidade da instruo, do saber, da reflexo intelectual na atuao poltica. 119 Tendo por base a leitura de Ubiratan Borges de Macedo, 120 Rui Barbosa se enquadra na fase do liberalismo cientificista. Segundo o autor compunham a essa nova etapa do pensamento liberal figuras como Gaspar Silveira Martins (1835-1901), A.C. Tavares Bastos (1839-1875), Tobias Barreto (1839-1889), Joaquim Nabuco (1849-1910), Sylvio Romero (1851-1914) e Clvis Bevilcqua (1859-1944). Em linhas gerais, o autor enumera alguns elementos constitutivos que expressam o imaginrio dessa corrente poltico-filosfica. A luta pelo federalismo alcana o vis da paixo, bem como a defesa do abolicionismo. Alm disso, defende-se o progresso como necessrio, dando-lhe conotao reformista e, essencialmente, no-revolucionria. A ideia de separao entre Igreja e Estado, o apego ao Parlamentarismo com a preocupao com a autenticidade e com a ampliao do sufrgio. Destacam-se ainda como ideias do liberalismo cientificista a defesa da democracia; a aceitao do liberalismo econmico, quanto s funes do Estado, comrcio livre, nfase no valor do trabalho e da indstria no pas. A crena na educao bsica como fator de reforma social e a abertura do liberalismo aos desamparados Segundo Ubiratan Borges, os projetos levantados acima no saram vitoriosos com o advento da primeira constituio Republicana a qual consolidou a predominncia das elites arbitrrias, inspiradas em distintos autoritarismos: positivistas e catlicos, criando uma prxis inviabilizadora do sentido liberal. 121 Ricardo Vlez Rodriguez discute amplamente as contribuies de alguns autores citados anteriormente em seu artigo Presena de Tocqueville no Brasil. 122 O autor, ao analisar o assunto, faz uma leitura global e aprofundada a respeito das principais teses defendidas pelos tericos do sculo XIX, enfatizando em um determinado momento o papel de Rui enquanto adepto de algumas ideias tocquevillianas. Nas palavras de Vlez, os estadistas brasileiros do sculo XIX, em especial, aqueles vinculados ao Segundo Reinado(1840-1889), encontraram nos doutrinrios franceses, como Guizot (1787-1874), vrios subsdios tericos para a prtica de um liberalismo conservador, que cimentou a cultura poltica do pas. A presena de Tocqueville (1805-1859) no meio brasileiro serviu, nesse
119 ROCHA, Leonel Severo da. A Democracia em Rui Barbosa: O projeto poltico liberal-racional. Coleo: Estudos polticos Constitucionais. Rio de Janeiro: Editora Lber Jris,1995. p.183. 120 MACEDO, Ubiratan Borges. O Liberalismo Moderno. So Paulo: Ed. Massao Ohno, 1997. p.23. 121 Ibid, Op.cit. pp.59-60. 122 RODRGUEZ, Ricardo Vlez. A presena de Toqueville no Brasil. Revista Carta Mensal. Volume 44, n 528, maro de 1999, Rio de Janeiro. pp.48-61. 68 contexto, como contraponto liberal ao conservadorismo dos doutrinrios, notadamente no que se refere defesa incondicional da liberdade face ao estado centralizador. Tavares Bastos, monarquista convicto, foi o pensador poltico mais afinado com a ideia democrtica tocquevilliana: [...] tanto pela sua admirao do self-government praticado na Amrica como pela defesa que fazia da livre iniciativa, do liberalismo social moderado, do livre comrcio, da liberdade religiosa, da descentralizao administrativa, do respeito s minorias, da extino da escravatura, da imigrao, do governo representativo e da democratizao do sufrgio. 123 Vale lembrar ainda, que na leitura de Tavares Bastos, o modelo a ser seguido era o paradigma norte-americano, exemplo de liberdade e democracia, o que tambm se encaixava na filosofia poltica de Rui Barbosa. Tavares Bastos criticava o centralismo administrativo praticado no Segundo Imprio no Brasil e mostrava que o vcio da centralizao tambm percorreu a Revoluo Francesa e a Era Napolenica (1799-1815). Tobias Barreto, republicano democrtico e moderado, afirma que o regime republicano descrito por Tocqueville em La Democratie em Amrique constitua o arqutipo da democracia moderna. Para esse autor, a liberdade era fundamental. Analogamente, Rui Barbosa pensava que [...] a Monarquia e a Repblica so os meios: a liberdade o fim, o que ia ao encontro de uma das ideias defendias por Tobias Barreto. Veja mais detalhes descritos por Vlez acerca do pensamento poltico de Tobias Barreto: [...] a igualdade significa um imperativo moral no sentido de que no haja desigualdades de jure entre os cidados do mesmo pas. Significa, outrossim, que todos os cidados possam representar os seus interesses no Parlamento, a fim de que todos possam participar no governo. Para este pensador, as instituies imperiais, em que pese as declaraes dos estadistas do II Imprio em prol das liberdades e da representao, no conseguiram realizar o ideal liberal da efetiva participao de todos os brasileiros. Isso se tornaria possvel mediante a substituio da Monarquia, centrada na instituio do Poder Moderador, pela Repblica entendida nos moldes americanos, ou seja, com representao poltica de todos os cidados e a prtica dos self-government a nvel dos municpios. A respeito, o pensador brasileiro faz suas palavras de Tocqueville as instituies comunais so para a liberdade o que as escolas primrias so para a cincia. 124 Em documento Credo Poltico, Rui Barbosa confirmava sua influncia liberal anglo-saxnica e defendia assim como Tobias Barreto, a liberdade como elemento norteador da democracia moderna:
123 RODRGUES, Ricardo Vlez. Op. cit. p.49. 124 Ibid, pp.57-59. (Grifos do autor.) 69 Creio na liberdade onipotente, criadora das naes robustas: creio na lei, emanao dela, o seu rgo capital, a primeira de suas necessidades; creio que neste regime, no h poderes soberanos, o soberano s o direito, interpretado pelos tribunais; creio que a prpria soberania popular necessita de limites, e que esses limites vm a ser as suas constituies, por ela mesma criadas, nas suas horas de inspirao jurdica, que garantia contra os impulsos da paixo desordenada; creio que a Repblica decai, porque se deixou estragar, confiando-se s usurpaes de fora [...] creio no governo do povo pelo povo; creio, porm, que o governo do povo pelo povo tem a base de sua legitimidade na cultura da inteligncia nacional, pelo desenvolvimento do [...] ensino. 125 O grande problema que levantamos em relao ao sentido de liberdade em Rui se localiza na sua f cega no mercado e no carter inexorvel do progresso. Na anlise de Karl Polany, o industrialismo em alta, no final do sculo XIX, coisificava as almas. Em suas razes foi a interveno consciente, e s vezes, violenta, por parte do governo que imps a sociedade a organizao do mercado. 126 No que tange crtica ao industrialismo, a sociedade industrial, representada simbolicamente pela mquina, criou uma nova civilizao: a produo mecnica em uma sociedade comercial supe nada menos que a transformao da substncia humana e natural da sociedade em mercadorias. A civilizao industrial na qual Rui estava inserido modificou o poder do ser do homem do interno para o externo, alterando tambm a realam com a natureza, criando novas relaes interpessoais que refletem foras fsicas e mentais capazes de destruir a raa humana. A fragmentao do homem e o predomnio da organizao sobre a espontaneidade representam ameaas personalidade da liberdade. 127 Por esse motivo que depositamos determinadas desconfianas em relao ao que a gerao de Rui Barbosa pensava sobre liberdade. Porm, mostramos ao longo da pesquisa que existiram vrios avanos, que foram inegveis para a construo de novos valores na cultura poltica brasileira. Nosso argumento refora a ideia de que as ideias liberais defendidas por Rui colaboraram para implantar no pas uma cultura poltica racional fundamentada nos parmetros universais do liberalismo democrtico anglo-saxnico, que era necessrio ser disseminado no Brasil, no contexto em que as instituies democrticas eram precrias. Segundo Vlez, Rui se inspirou em Tocqueville no tocante defesa incondicional da liberdade de imprensa. O estadista francs era, para o brasileiro, a encarnao viva do ideal liberal de defesa da liberdade, em todas as suas manifestaes, inclusive na luta em prol da abolio da escravatura. Em documento denominado Liberdade de Imprensa, encontrado
125 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit.,. pp. 983-986. 126 POLANY, Karl. A Grande Transformao: as origens de nossa poca. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1980. pp.12-45. 127 Ibid, pp.12-45. 70 no temrio de Rui Barbosa, ele afirmava que de todas as liberdades, a de imprensa era a mais necessria e a mais nobre. Segundo ele os governos representativos anglo-saxes jamais dispensariam a liberdade de imprensa por entend-la como fundamental ao livre arbtrio e ao exerccio da democracia. 128 Em linhas gerais, o pensamento liberal compartilha do pensamento de que o tipo de liberalismo mais contundente realidade brasileira pode ser perfeitamente na ideia de que a ao individual se fundamenta no clculo. Em discusso levantada por Antnio Carlos Peixoto o indivduo calcula, pesa as situaes e concluiu que ganha mais deixando o estado da natureza e criando o Estado. Os indivduos concluem que ganham mais criando um poder que seja capaz de constranger a todos do que permanecendo num estado de natureza. Dessa maneira a base da ao individual est no clculo. Ento a ordem liberal trabalha baseada na suposio de um tipo particular de indivduo, aquele que capaz de definir os seus interesses. claro que todas essas operaes, o clculo, da situao e a capacidade de definir interesses pressupem a liberdade. No quer dizer que o indivduo que no viva uma situao de liberdade no seja capaz de calcular, ele calcula; o que ele no consegue levar sua ao prtica, porque est bloqueado justamente pela ausncia da condio primordial que a ausncia da liberdade. 129 Compreender que o clculo um dos elementos constitutivos do processo de construo do liberalismo no Brasil nos faz enxergar de maneira mais clara como se deu o processo de elaborao do imaginrio republicano e sua efetivao na Primeira Repblica, momento de jogos de interesses polticos das elites oligrquicas, que calculavam seus ganhos para articular as possibilidades de permanncia no poder. 130 Rui , em diversas situaes, se utilizou de determinados clculos para atingir um dos seus principais objetivos que era a liberdade. O trabalho de Cludia Viscardi mostrou que a to falada poltica do caf-com- leite, extensivamente comentada a respeito do perodo da Primeira Repblica, no pode ser
128 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p.1018. 129 PEIXOTO, Antnio Carlos. Liberais ou conservadores? IN: ______. O Liberalismo no Brasil Imperial: origens, conceitos e prtica (et al.); Lucia Maria Paschoal ( org ), Maria Emilia Prado ( org). Rio de Janeiro: Rvan: UERJ, 2001.pp-15-16. 130 A questo do clculo pode ser correlacionada com a famosa teoria dos interesses de Geertz. Nas anlises fantsticas de Geertz fica claro que para o estudo da ideologia, incorpora-se a questo dos interesses: ... a grande vantagem da teoria do interesse foi, e ainda , seu enraizamento das idias-sistemas- culturais no terreno slido da estrutura social, atravs da nfase nas motivaes daqueles que professam tais sistemas e na dependncia dessas motivaes em voltar-se para a posio social, mais especialmente, para a classe social. Alm disso, a teoria do interesse fundiu a especulao poltica ao combate poltico, demonstrando que as ideias so armas, e que uma forma excelente de institucionalizar uma viso particular da realidade a do grupo, classe ou partido de cada um apossar-se do poder poltico e refor-lo.(Grifos nossos) Cf. GEERTZ, Cliford. A Interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989. pp. 171-172. 71 vista como aliana estvel e smbolo exclusivo de Minas e So Paulo. Em seu livro Teatro das Oligarquias a autora questiona o carter hegemnico, permanente e isento de conflitos, da difcil aliana entre Minas e So Paulo, discutindo seus limites polticos e econmicos. A partir da, ela contesta a tese tradicional de que a poltica dos governadores trouxe estabilidade Repblica, apoiada no domnio de Minas e So Paulo. Para Viscardi, a Repblica, teve a sua estabilidade garantida pela instabilidade das alianas entre os estados mais importantes da Federao, impedindo que a hegemonia de uns fosse perpetuada e que a excluso de outros fosse decisiva. 131 Entre os mais importantes objetivos de nossa pesquisa encontra-se o de inserir o debate em torno de Rui Barbosa na dinmica do processo poltico, econmico e social no qual ele estava inserido, considerando seus valores e experincias. Sem dvida, Rui foi beneficirio da instabilidade das alianas entre os estados mais notrios da Federao, conforme sinalizou Viscardi. 2.2 Rui e os grandes debates nacionais: Abolio, Repblica e Federalismo Rui estava inserido na famosa Gerao de 1870 que, nos idos de 1878, no centro do Partido Liberal, pretendia promover uma verdadeira renovao ideolgica, cujo eixo inicial era a luta pela efetivao do projeto de reforma eleitoral. Em seu primeiro pleito como deputado geral, Rui apoiado por Rodolfo Dantas, foi o redator do projeto, que estabeleceu eleies legislativas diretas, acabando com as distines entre votante e eleitores. Depois de meses de debate no parlamento, a reforma eleitoral foi aprovada em janeiro de 1881 e passou a ser conhecida como Lei Saraiva ou Lei do Censo. Em discurso proferido em 1880 na Cmara dos Deputados, na sesso de 21 de junho de 1880, Rui foi enftico no que tange ao valor da Constituio, que segundo ele representava [...] um Himalaia severo, imvel, superior aos sculos. Afirmava ainda que a nica base do regime brasileiro era a democracia. Na administrao dos interesses polticos do pas, a soberania do povo o alfa e o mega, o princpio e o fim. Em vrias situaes Rui canalizava seu potencial poltico direcionando-se classe operria, inspirado no ministro ingls Gladstone. Para reforar a importncia da eleio direta, Rui teceu um paralelo entre a Inglaterra e o Brasil, no que diz respeito ao processo de democratizao no sculo XIX:
131 RESENDE, Maria Efignia Lage de. Op. cit., p. 53 72 No h Sr. Presidente, classe mais digna de interesse que a do operrio. Mas educando-a, que os seus verdadeiros amigos, noutros pases, buscam aproxim-la do Governo. Ora, enquanto no quiserdes o voto universal, a educao poltica dessa classe no pode constituir em incutir-se-lhe a idia de que a questo suprema nos governos populares est no voto de todo o mundo, quando, evidentemente, da seleo segura do eleitorado e da independncia do voto que h de partir a generalizao progressiva do sufrgio. A reforma parlamentar de 1832 na Inglaterra no aproveitava aos operrios; no conferia sua classe em geral o direito de voto, suprimia, at o sistema eleitoral realmente popular existente em alguns lugares, como Preston, Newark e outros: era a burguesia e no os artfices, que ela chamava ao parlamento. Pois bem: os operrios ingleses lutaram com todas as suas foras em favor dessa reforma. A reforma de 1867 foi acolhida com satisfao pelos operrios dos condados, a quem, entretanto, recusava o mesmo direito de sufrgio, que estendia aos operrios dos burgos. Mas se justo e honroso aos operrios brasileiros o procedimento egostico e cego a que a retrica de alguns contraditores do projeto tende a estimul-los, os aplausos dos operrios ingleses, em 1832 e 1867, a duas reformas que lhes negavam o voto, foram uma atitude indigna e baixa, em vez de um alto sinal de inteligncia e um indcio de raro desenvolvimento moral. 132 Joo Felipe Gonalves, ao analisar a discusso em torno da Lei Saraiva comentava sobre a importncia do reformismo no II Imprio, uma vez que se estabeleciam eleies diretas, que incorporaria maior nmero de cidados ao Estado. A lei determinou ainda os direitos de voto e elegibilidade aos libertos, aos estrangeiros naturalizados e aos no-catlicos. Porm, limitava-se o voto aos que possuam renda, ou seja, mantinha-se o voto censitrio, e exclua os analfabetos do direito de cidadania poltica. Segundo Rui se o voto fosse universalizado a todas as classes poderia aumentar a corrupo no pas e, alm disso, partia do princpio de que as reformas eleitorais britnicas no haviam estendido direito de voto aos operrios. Vale lembrar que junto Lei Saraiva, Rui fez uma proposta de educao popular, que foi apresentada ao primeiro-ministro Saraiva, mas no obteve xito. A ideia era criar um imposto de 1% sobre o aluguel das casas cujo valor superasse determinada quantia e destinar a renda assim obtida organizao de um sistema de educao popular. A partir de 1881, Rui assume o seu segundo pleito como Deputado Geral e durante a campanha poltica para se manter no cargo visitou grande parcela dos eleitores inaugurando na histria poltica do pas, o que hoje conhecemos como campanha poltica. No ano de 1882 assume o novo gabinete liberal de Martinho Campos e Rui, nesse contexto, elabora o projeto de reforma no ensino primrio, secundrio e superior, cuja premissa bsica consistia em civilizar o pas. A fonte de inspirao do projeto era, principalmente, a democracia norte-
132 Discurso realizado na Cmara dos Deputados na sesso de 21 de junho de 1880. Cf Defesa da eleio direta LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit.,. pp- 137-138. 73 americana. Nos Estados Unidos onde o nmero de analfabetos era pequeno, eles estavam proibidos de votar; seu voto representaria um mal, ainda que em pequeno nmero. 133 A exigncia de saber ler e escrever era considerada justa e til, pois era civilizadora e liberal. E no seu entendimento seria justo excluir os analfabetos uma vez que eles deveriam ser educados para usufrurem de seus direitos. O projeto de instruo pblica no foi implantado, embora Rui tenha sido elogiado pelo imperador D. Pedro II. O primeiro-ministro Lafaiete governou entre maio de 1883 e junho de 1884 sendo substitudo por Manuel Dantas. Nessa ocasio Rui assumiu o cargo de lder do governo na Cmara e foi um dos defensores do famoso Projeto Dantas, que visava acelerar o processo de abolio da escravido, uma vez que ventilava a emancipao dos escravos. O projeto, escrito por Rui Barbosa, determinava basicamente a emancipao obrigatria dos escravos com mais de 60 anos. Havia outra clusula que exigia que os proprietrios declarassem a procedncia de todos os seus escravos. Rui pretendia com essa estratgia fazer valer a chamada Lei Feij, que em 1831 abolira a importao de negros e que nunca fora posta em real vigor. Assim, com seu projeto a libertar, alm dos sexagenrios, todos os negros trazidos ilegalmente para o pas desde 1831. Vale destacar que o projeto foi derrotado em consequncia de os liberais escravocratas terem se unido aos conservadores da poca. Logo aps o comando de Manuel Dantas, assume o governo um novo liberal conhecido como Jos Antnio Saraiva. A preocupao nesse momento era restringir o projeto Dantas atravs de algumas ideias novas. A questo era mudar a idade de emancipao de 60 para 65 anos, estabelecer como indenizao aos proprietrios trs anos de trabalho obrigatrio depois de 65 e ainda retirar a obrigatoriedade da procedncia dos escravos. Como o projeto favorecia, sobretudo, as elites escravocratas, Rui se mostrou contrrio tal restrio que acabou sendo conhecida, a partir de agosto de 1885, como Lei dos Sexagenrios ou Lei Saraiva-Cotegipe. Antes mesmo da Lei dos Sexagenrios, Rui se envolveu em crtica pesada contra a Lei do Ventre Livre de 1871. Demonstrou que embora a morte eliminasse por ano 500 mil escravos e o fundo de emancipao resgatasse 20 mil, ainda se mantinham 1,1 milho de escravos no cativeiro. Com a morte, a abolio estaria decretada apenas em 1950. Segundo Jos de Alencar as consequncias dessa lei foram mais negativas.
133 MACHADO, Maria Cristina Gomes. Rui Barbosa: pensamento e ao. Ed. Autores associados. FCRB. Rio de Janeiro, 2002. pp 62-65 74 Esta idia do ventre livre sinistra, senhores: e admira-me que a ilustre comisso, tendo-a estudado to profundamente, no se lembrasse das palavras do duque de Broglie, escritas no memorvel relatrio, tantas vezes citado, que ele apresentou como presidente da comisso nomeada em 1840 para tratar da emancipao dos escravos nas colnias francesas. Para o ilustre publicista e profundo jurisconsulto, a emancipao do ventre a criar famlias hbridas, pais sem filhos, filhos sem pais: rouba a esperana aos adultos, condenando-os ao cativeiro perptuo: desmoraliza o trabalho livre, misturando, nas habitaes, livres com escravos, e garante ao proprietrio unicamente os relaxados, os pssimos trabalhadores. Eu acrescentarei que essa idia da libertao do ventre-livre desorganiza o trabalho livre, dando-lhe por exemplo e mestre o trabalho escravo: ao mesmo tempo, aniquila o trabalho escravo, pondo-lhe em face, a todo instante, a imagem da liberdade. Finalmente, contamina a nova gerao, criando-a no seio da escravido, ao contato dos vcios que ela gera. 134 135 Como parte integrante das lutas abolicionistas travadas por Rui, citamos sua participao como orador na cerimnia baiana em homenagem aos 10 anos da morte de Castro Alves. Em documento do jornal Dirio da Bahia de 1881 reproduzido na Revista da Academia de Letras no Rio de Janeiro em 1921, Rui proferiu um discurso denominado Elogio de Castro Alves. Neste, ficou evidente a venerao de Rui ao poeta: .Ora a revoluo, no livro de Castro Alves, o extermnio no de uma s, mas de ambas as tiranias filhas da metrpole: a do europeu sobre o americano e a do branco sobre o negro. So duas causas irms, que ningum separar jamais. [...] ele sentiu porm, que a liberdade de uma raa fundada na servido de outra a mais
134 MACHADO, Maria Cristina Gomes. Op. cit., pp 40-41. 135 NOVAES, Carlos Eduardo. Histria do Brasil para principiantes. So Paulo: Editora tica. 1997. p.192. 75 atroz das mentiras; percebeu que a histria da nossa emancipao nacional estava incompleta sem a emancipao do trabalho, base de toda a nacionalidade; e fez da conjurao de minas o bero no s da nossa independncia, como da libertao futura das geraes condenadas ao cativeiro pela poltica dos nossos colonizadores e pelos interesses dos traficantes. No mais escravos! No mais senhores! Liberdade a todos os braos, liberdade a todas as cabeas! o brado que reboa da alma flamejante de Gonzaga: a nota perene de toda a obra potica e dramtica de Castro Alves 136 Vale ainda lembrar que em relao ao tema abolio da escravido a histria da decretao por parte de Rui da queima de arquivos alcanou uma grande discusso. A deciso determinava queimar todos os papis, livros de matrcula e documentos relativos escravido existentes nas reparties do Ministrio da Fazenda. Sociedades abolicionistas participaram da queima solene de livros de matrcula de escravos, realizada em Salvador em 13 de maio de 1893. Toda a sociedade, exceto os ex-proprietrios, celebrava a deciso do ministro com uma vitria sobre os resqucios servis no Brasil. Outro elemento fundamental na discusso acerca da escravido no Brasil se deve a discusso levantada por Rui, argumentando que os escravos libertos em outros pases equivaliam a bons imigrantes e rendiam muito mais. O trabalho escravo, dizia ele, j estava demonstrando que era muito improdutivo, embora tivesse afirmado anteriormente que a renda do pas continuava crescendo. Para demonstrar a superioridade do trabalho livre, comparou os Estados do Sul e do Norte dos Estados Unidos, mostrando que o nmero de indivduos educados era maior nos Estados livres, ao passo que nos Estados escravistas era enorme o nmero de analfabetos. O desenvolvimento dos Estados do Norte era muito maior do que o do Sul em nmero de escolas pblicas, correios, canais, fbricas, patentes de invenes, etc. Mesmo no que se referia produo agrcola, a da regio Norte era superior. A escravido presente no Sul do pas no permitia o seu desenvolvimento. Em documento denominado Elemento servil, Rui estabeleceu crticas severas escravido, que segundo ele era absurda, inclusive na concepo de comrcio de uma criatura humana: O estado de esprito pblico j no sofre o comrcio de escravos. A compra e venda de uma criatura humana repugna aos sentimentos hoje dominantes no pas. Se no aconselhamos a inalienabilidade do escravo, porque ele representa ainda um instrumento de crdito e interesses da fortuna pblica, a que essa medida radical poderia trazer abalo profundo. Mas, ao menos, restrinjamos as
136 Discurso proferido no Jornal da Bahia em 1881. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 628 76 possibilidades e os limites desse direito odioso, encaminhando as nossas leis para a imobilizao local do elemento servil 137 No perodo de 1885 a 1889 destacamos trs questes fundamentais que percorreram as bandeiras polticas de Rui Barbosa: a Abolio, que j comeamos a fundamentar, a Federao e a Repblica. Vale ressaltar, no entanto, que de dezembro de 1884 at a proclamao da Repblica nossa personagem viveu uma fase de ostracismo poltico. Tal situao explicada em parte pela prpria situao do Partido Liberal, que saiu do poder em 1885, com a ascenso do Gabinete baro de Cotegipe. No ano de 1889 o Gabinete foi ocupado pelo liberal Visconde de Ouro Preto, que foi extremamente criticado por Rui. At a aprovao da Lei urea, a grande luta de Rui foi o abolicionismo. Em Conferncia proferida no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1885, intitulada Campanha da Abolio da Escravatura, ficam claras suas crticas escravido. Segundo Rui, por exemplo, a Lei Eusbio de Queirs empregou laboriosos esforos, para demonstrar que o mrito da extino do comrcio de carne humana pertence ao governo brasileiro, cuja vontade se fez obedecer logo que ele energicamente o quis. Alm disso, desenvolve-se uma nfase de que [...] entre todos os problemas do nosso tempo, a questo das questes a escravido, aquela a que todas as outras se subordinam, e encerra em si o comeo de soluo de todas as outras. Rui de fato levantava a proposta do abolicionismo como forma de universalizar a linguagem em defesa da liberdade, fazendo ecoar um dos sentidos de seu nacionalismo: [...] o abolicionismo, increpado de sediao e assalto propriedade, no se homizia no segredo, no solapa o cho de dinamite: procura juntar-se porta dos quartis, constituir-se em assemblia sob os olhos da fora armada, levantar a voz, at soar bem fundo na alma dos defensores da Ptria, e fortalecer-se, sentindo voltar de l o eco do aplauso fraterno 138 A abolio dos escravos aconteceu em 13 de maio de 1888, proposta pelo ministro do Imprio Joo Alfredo e assinada pela princesa Isabel, num curto documento que dizia estar abolida a escravido em todo o pas. Segundo Boris Fausto o destino dos ex-escravos variou de acordo com a regio do pas. No Nordeste, transformaram-se, em regra, em dependentes dos grandes proprietrios. O Maranho representou uma exceo, pois a os libertos abandonaram as fazendas e se instalaram nas terras desocupadas como posseiros. No Vale do Paraba, os antigos escravos viraram parceiros nas fazendas de caf em decadncia e, mais tarde, pequenos sitiantes ou pees para cuidar do gado. A fuga em massa
137 Discurso proferido por Rui na Cmara dos Deputados em 1884. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 168. 138 Discurso proferido em 1885. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp. 274-275. 77 foi caracterstica dos ltimos anos que antecederam a Abolio no Oeste Paulista, mesmo assim o fluxo de negros para a cidade de So Paulo e outras regies durou pelo menos dez anos. Nos centros urbanos de So Paulo e do Rio de Janeiro, a situao variou. Enquanto em So Paulo os empregos estveis foram ocupados pelos trabalhadores imigrantes, relegando-se os ex-escravos aos servios irregulares e mal pagos, no Rio o quadro foi algo diverso. Tendo em vista a tradio de emprego de negros escravos e livres nas oficinas artesanais e manufaturas, assim como o menor peso da imigrao, o trabalhador negro teve a oportunidades relativamente maiores. Por exemplo, eram negros cerca de 30% dos negros trabalhadores fabris cariocas em 1891, ao passo que s os imigrantes ocupavam 84% dos empregos na indstria paulistana em 1893. No Rio Grande do Sul ocorreu, como em So Paulo, um processo de substituio de escravos ou ex-escravos por imigrantes nas oportunidades de trabalho regular. Apesar das variaes de acordo com as diferentes regies do pas, a abolio da escravatura no eliminou o problema do negro. A opo pelo trabalhador imigrante, nas reas regionais mais dinmicas da economia, e as escassas oportunidades abertas ao ex-escravo, em outras reas, resultaram em uma profunda desigualdade social da populao negra. Fruto em parte do preconceito, essa desigualdade acabou por reforar o prprio preconceito contra o negro. Sobretudo nas regies de forte imigrao, ele foi considerado um ser inferior, perigoso, vadio e propenso ao crime, mas til quando subserviente. 139 Na concepo de Rui Barbosa, a abolio no era mrito da princesa, pois ela j estava imposta ao pas. Quase um ano depois de promulgada a abolio, no jornal Dirio de Notcias, no artigo intitulado 10 de maro, ele travou uma interessante discusso sobre a abolio, demonstrando que o escravo decretara sua prpria liberdade. Vale ressaltar, que para Rui Barbosa a libertao dos escravos consistia, apenas, em meia liberdade. Era preciso ainda proporcionar-lhes a redeno intelectual, atravs de sua educao. Outro tema de preocupao de Rui Barbosa, no processo de constituio da Repblica foi o federalismo, sendo o ponto de partida de tal discusso sua atuao no Congresso Liberal de 1889. Alm da descentralizao administrativa, queria a laicizao do ensino e a eleio dos presidentes de provncias e senadores (at ento designados pelo imperador). A proposta de Rui perdeu de longe a votao, apesar de ter contado com o voto do conselheiro Dantas. As ideias Federalistas em Rui significam a possibilidade de integrar
139 FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo: Edusp, 1998. pp. 220-221. 78 liberdade e organizao estatal. Assim, como os direitos sociais e individuais so a liberdade do cidado, o federalismo permitiria uma certa autonomia aos organismo participantes dos regimes constitucionais. Vale ressaltar, que Rui se inspirou no pensamento tocquevilliano, que falava da importncia de descentralizar a organizao administrativa. Ricardo Vlez Rodriguez destaca a diferena entre as ideias de federalismo radical defendidas por Jlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul, e o federalismo moderado sustentado por Rui Barbosa, no projeto governamental vitorioso na Constituio de 1891. O castilhismo partiria da premissa de que o presidente o Legislativo, o Executivo e o Judicirio. No Rio Grande do Sul, os grandes destaques, alm de Jlio de Castilhos, foram Borges de Medeiros e Pinheiro Machado. 140 Em discurso pronunciado na Bahia, em 7 de Fevereiro de 1893, Rui defendeu arduamente a correlao inevitvel entre federalismo e repblica. Segundo ele proferiu, no h como regredir ao centralismo poltico e muito menos ao despotismo. [...] renunciar o federalismo esmacular-se. Desistir do foro republicano prostituir-se. Conquistas destas no se revogam, seno pelo processo por que fazem os eunucos. Da federao no se retrocede para a centralizao. Da Amrica presidencial no se volve para a realeza ultramarina. A transmudao das monarquias europias, nos seus renovos coloniais, em democracias republicanas, um fenmeno constante, com todos os caracteres de uma lei histrica, infringida unicamente no caso singular do Brasil 141 interessante observar que Rui se envolveu, no final do sculo XIX, nas chamadas trs questes da queda do Imprio. No que tange a Questo Religiosa, desenvolveram-se vrias crticas contra o governo imperial, em que se defendia a separao entre Igreja e Estado. Antes mesmo da questo religiosa ganhar um grande mpeto, Rui se envolvera em vrias discusses sobre o anticlericalismo. Em 1877, em O Papa e o Conclio, Rui desenvolveu as bases de seu anticlericalismo. Na construo de suas ideias repudiou a Igreja e Coroa, no poupando crticas a ningum, nem princesa Isabel. No prefcio da traduo da obra, Rui traou um panorama do Brasil, que guardou vigncia nas primeiras dcadas da Repblica. Ele fez uma longa Introduo at maior que o prprio livro, criticando os dogmas essenciais do cristianismo, repudiando a infalibilidade papal, subservincia da famlia imperial ao clero brasileiro, educao religiosa, hierarquia catlica e aos jesutas. Atribua a eles um fanatismo exacerbado. Por outro lado, contrapunha o progresso das naes do Norte, livres da
140 RODRGUES, Ricardo Vlez. Op.cit. (nota 135), pp. 59-62. 141 Discurso proferido em 1893-. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit.,. pp.180-181. 79 tirania eclesistica, ao atraso cultural e econmico das naes meridionais, por ele atribudo nefasta ao do catolicismo oficial. Defendia Rui uma reconciliao com o catolicismo original, mais puro e prximo da mensagem crist, menos desvirtuado pela hierarquia. A Introduo tambm pedia o fim do juramento de fidelidade religio de Estado pelos ocupantes de cargos pblicos, como parte das medidas urgentes de separao entre Estado e Igreja, mais um dos pontos de sua modernidade poltica. Sob o pas legal o, que nos oprime, est a Nao. Nesta o torpor que a paralisa, no a gangrena senil da Roma cesrea; a inrcia de uma juvenilidade vigorosa, mas transitoriamente abatida, um perodo passageiro de prostrao na existncia de um povo vivedouro e possante que, aps uma estao de altas virtudes cvicas, viu, numa decadncia vertiginosamente acelerada, prostiturem-se programas, partidos, homens, tudo, e, burlado de decepo em decepo, desiludido por uma longamente acerca experincia, costumou-se a descrer absolutamente do seu tempo. Mas todas as energias vitais subsistem nesse organismo, todas potncias da reao vivificadora. Falta apenas o motor que a desperte, isto : a restaurao da verdade do regime constitucional, a fundao sincera da liberdade mediante leis srias, a descentralizao amplssima, radical, as reformas populares. Por a no pelos meios artificiais e contraproducentes do imposto ou da proteo governista que se criar o nervo da nossa futura grandeza, e abrir-se-o as fontes reais da prosperidade nacional: o trabalho, a iniciativa privada, a associao, a imigrao. 142 Na Questo Servil redigira um dos mais audaciosos documentos relativos ao projeto de emancipao, que levara dissoluo da Cmara e queda de um gabinete. Quanto Questo Militar passara por ela apenas para redigir um importante manifesto assinado por dois generais. Porm, quando renasceram com maior profundidade as divergncias entre civis e militares, foi um dos maiores aliados destes ltimos, a ponto de juntar-se conspirao que ps fim Monarquia. Na fase do Governo Provisrio, entre 1889 a 1891, o pas viveu diversos desafios para construir o imaginrio republicano. 143 Em um primeiro momento j se leva em conta a
142 O Papa e o Conclio Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit.,. pp.234-238.(grifos nossos) 143 Na Primeira Repblica o Governo Provisrio foi de Marechal Deodoro da Fonseca, 15/11/1889 a 24/02/1891. Para o Governo constitucional, presidentes eleitos por voto indireto foram: Marechal Deodoro da Fonseca, 25/02/1891 a 23/11/189; Marechal Floriano Vieira Peixoto, 23/11/1891 a 15/11/1894. Para o Governo Constitucional, presidentes eleitos por voto popular destacamos: Prudente Jos de Moraes Barros, 15/11/1894 a 15/11/1898. (Manuel Vitorino - 1896-1897 - Vice-presidente de Prudente de Morais assumiu o governo em novembro de 1896 por doena do titular. Coube a ele presidir a inaugurao da nova sede do governo federal, instalado no reformado Palcio do Catete, hoje Museu da Repblica, em 24 de fevereiro de 1897). Manuel Ferraz de Campos Salles, 15/11/1898 a 15/11/1902; Francisco de Paula Rodrigues Alves, 15/11/1902 a 15/11/1906; Affonso Augusto Moreira Penna, 15/11/1906 a 14/06/1909; Nilo Procpio Peanha14/06/1909 a 15/11/1910; Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca 15/11/1910 a 15/11/1914; Wenceslau Brz Pereira Gomes, 15/11/1914 a 15/11/1918; Delfim Moreira da Costa Ribeiro, 15/11/1918 a 27/07/1919; Epitcio da Silva Pessoa , 28/07/1919 a 15/11/1922; Artur da Silva Bernardes, 15/11/1922 a 15/11/1926; Washington Luiz Pereira de Sousa, 15/11/1926 a 24/10/1930.Cf. www.brasilrepblica.com/ presidentes. 80 escolha do prprio nome do pas. Rui continuou nessa fase a defender arduamente a federalizao poltica e foi, entre os ministros, aquele que mais se destacou na elaborao da constituio de 1891. 144 Rui defendeu tambm o projeto de separao entre Igreja e Estado aprovado em janeiro de 1890, estabelecendo a liberdade religiosa e o fim da interferncia do Estado nos cultos. No temrio de Rui. em documento denominado Igreja e Estado, evidenciou-se a preocupao em se defender a essncia do Brasil cristo enquanto parte inerente de sua prpria histria. Segundo Rui, a Repblica veio organizar o Brasil e no esmag-lo, e a frmula da liberdade, sem dvida, seria uma frmula crist. A ideia de permanncia do discurso cristianizador se inspira na constituio americana e legitima as bases do direito brasileiro. 145 No contexto da formao da Repblica Rui apoiou Deodoro da Fonseca contra Floriano Peixoto. Rui defendia um governo sem freios parlamentares e sem limitao de poderes visando construir uma democracia liberal no pas. H que se considerar que parte das elites de So Paulo e de Minas Gerais abraava a causa do federalismo, uma vez que clamavam por maior autonomia e participao no governo. Nesse sentido, Rui esteve sempre favorvel s ideias liberais, conseguindo o apoio tanto do Marechal Deodoro, lder do Governo Provisrio, quanto de grande parte das elites regionais. Assim como os militares, as elites cafeeiras no gozavam internamente de uma homogeneidade e seriam suas cises internas que mais serviriam para Rui angariar entre elas parte que ele necessitava para os seus clculos polticos. Na leitura de Joo Felipe Gonalves o modelo republicano liberal de Rui se norteava em funo da ampla defesa do sufrgio universal masculino, do regime federativo, um sistema de freios e contrapesos entre trs poderes, o parlamento bicameral, uma cmara dos deputados com nmero de representantes distribudo de forma proporcional populao dos estados, um senado com igual nmero de membros para cada Estado, um judicirio forte para conter os avanos dos outros poderes contra a liberdade individual, etc. 146
144 Boa parte dos trabalhos que abordam a questo da cidadania durante o perodo destaca o carter excludente e antidemocrtico da Constituio de 1891. Para Maria Efignia Lage de Resende os constituintes fixaram suas atenes na organizao do poder e na definio das instncias de deciso, deixando de lado os problemas sociais e de participao poltica tornados candentes pela abolio da escravido. No que diz respeito aos direitos de cidadania continua a autora, a Constituio atm-se basicamente aos direitos individuais (civis), limitando-se no caso dos direitos polticos, ao direito de associao e ao voto, concluindo que no Brasil, a centralidade conferida aos direitos individuais, deixando de lado a preocupao com o bem pblico, que estaria no cerne da ideia de repblica, funcionou como uma barreira ao processo de construo da cidadania. Cf RESENDE, Maria Efignia Lage de.Op. cit., pp. 95-100 145 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit.,. p.1009 146 GONALVES, Joo Felipe. Op.cit. p. 66. GONALVES, Joo Felipe. Op.cit., p.35-38. 81 Para construir todo o debate em torno da Constituio de 1891 147 devemos partir da premissa de que Rui se inspirou nos Artigos Federalistas de Alexander Hamilton, James
147 A caricatura foi extrada de NOVAES, Carlos Eduardo. Op.cit. p.193. 82 Madison, John Jay e, em especial, nos Escritos Polticos de Thomas Jefferson. 148 Segundo Luiz Felipe Dvila a Constituio dos Estados Unidos serviu de modelo para os defensores dos princpios democrticos. Rui escreveu que: [...] a nossa lmpada de segurana ser o direito americano, suas antecedncias, suas decises, seus mestres. A Constituio brasileira filha dela e a prpria lei nos ps na mo esse foco luminoso. 149 Rui era adepto da ideia de eleies indiretas para presidente da repblica, tais quais estabelecidas na Carta Americana. Temia, como os tericos do liberalismo clssico, os efeitos perversos da participao popular sobre a liberdade individual. 150 Alm disso, em um primeiro momento Rui criticou o sufrgio universal masculino, mas acabou sendo levado a resignar-se quanto a esse ponto. Ocorreu ainda a defesa do fim do voto censitrio como algo irreversvel. Queria, porm contrabalan-la, como nos EUA, com eleies indiretas para presidente. Um aspecto que devemos debater aqui a clara preocupao de Rui com o sistema presidencialista. O seu receio era de o pas ser ocupado por grupos polticos defensores da centralizao e legitimadores do autoritarismo. Em documento denominado A Imprensa e o dever da Verdade, Rui condenou abertamente o sistema presidencial, embora tenha sido um dos articuladores desse sistema no mbito da Constituio de 1891: Nestes aleijes constitucionais da Amrica Latina, como no Brasil, nesses mseros tolhios de repblicas, que, tais qual o pau torto de nascena, tarde, mal ou nunca se endireitam; o ideal dos governos est na irresponsabilidade. Essa intransigncia em que nosso mundo poltico se abrasa pelo sistema presidencial, negando po e gua a qualquer trao de ensaio das formas parlamentares, no se origina, realmente de nenhum dos motivos assoalhados, no tem nascena em consideraes de ordem superior, no vem de que os nossos polticos bebam os
148 Na leitura do historiador Jos Murilo de Carvalho o modelo americano, em boa parte vitorioso na Constituio de 1891, se atendia aos interesses dos proprietrios rurais, tinha sentido profundamente distinto daquele que teve nos Estados Unidos. L, como lembrou Hannah Arendt, a revoluo viera antes, estava na nova sociedade igualitria formada por colonos. A preocupao com a organizao do poder, era antes conseqncia da quase ausncia de hierarquias sociais. No Brasil, no houvera a revoluo prvia. Apesar da abolio da escravido, a sociedade caracterizava-se por desigualdades profundas e pela concentrao do poder. Nessas circunstncias, o,liberalismo adquiria um carter de consagrao do poder. Nessas circunstncias, o liberalismo adquira um carter de consagrao da desigualdade, de sano da lei do mais forte. Acoplado ao presidencialismo, o darwinismo republicano tinha em mos os instrumentos ideolgicos e polticos para estabelecer um regime profundamente autoritrio. Cf. CARVALHO, Jos Murilo. Op. cit. (nota 123), . p. 25. 149 Cf In Discurso proferido por Rui em Escritos e Discursos Seletos. p.180 e DVILA, Luiz Felipe.Os Virtuosos: os estadistas que fundaram a Repblica Brasileira. Ed. A Girafa. So Paulo, 2006. p.44. 150 No debate de Jos Murilo de Carvalho acerca da liberdade entre os antigos e modernos, o autor salienta que,o bom funcionamento repblica antiga estava relacionado a ideia de que os cidados deveriam renunciar em boa parte influncia sobre os negcios pblicos em favor da liberdade individual para isso, talvez fosse necessria a existncia anterior do sentimento de comunidade, de identidade coletiva, que antigamente podia ser o de pertencer a uma cidade e que modernamente o de pertencer a uma nao. Cf. CARVALHO, Jos Murilo. Op. cit., . Op.cit. (nota 123), p. 32. 83 ares pela verdadeira prtica republicana. No, senhores. Pelo contrrio, o de que se anda em cata, s da irresponsabilidade vai dar, naturalmente, o presidencialismo. O presidencialismo, se no em teoria, com certeza praticamente, vem a ser, de ordinrio, umsistema de governo irresponsvel. 151 Ainda, acerca do debate em torno do parlamentarismo e do presidencialismo, faremos algumas consideraes. Paulo Brossard de Souza Pinto em Rui e o Presidencialismo externou a preocupao de Rui Barbosa no seio do modelo presidencialista. Rui fez parte da famosa Comisso dos Cinco (Joaquim Saldanha Marinho, Amrico Brasiliense de Almeida Prado, Antnio Lus dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e Jos Antnio Pedreira de Magalhes Castro). Tal Comisso consagrou o projeto do sistema presidencial. Rui colaborou para a redao final do projeto, mas aos poucos foi se afastando e sendo um severo crtico da experincia presidencialista brasileira. A ttulo de exemplo uma passagem significativa: [...] onde o governo se realiza pelo sistema parlamentar, o jogo das mudanas ministeriais, dos votos de confiana, dos apelos nao, mediante a dissoluo das cmaras, constitui uma garantia, j contra os excessos do Poder Executivo, j contra as demasias das maiorias parlamentares. Mas, neste regime, onde para o chefe do Estado no existe responsabilidade, porque a responsabilidade criada sob a forma do impeachment absolutamente fictcia, irrealizvel, mentirosa, e onde as maiorias parlamentares so manejadas por um sistema de eleio que as converte num meio de perpetuar o poder s oligarquias estabelecidas, o regime presidencial criou o mais chins, o mais turco, o mais russo, o mais asitico, o mais africano de todos os regimes. [...] o presidencialismo se torna mais tirnico e o mais desastroso dos regimes conhecidos: a repblica presidencial com a onipotncia do Congresso; o arbtrio do Executivo, apoiado na irresponsabilidade das maiorias polticas; a situao autocrtica, em que se coloca, nesse sistema de Estado. Somente v um caminho para contrabalanar tal poderio perverso: a majestade inviolvel da constituio escrita, interpretada, em ltima alada, por uma magistratura independente. 152 Fica claro, a nosso ver, que Rui, embora tivesse uma influncia muito forte do parlamentarismo britnico, desde a elaborao da Constituio de 1891, fez opo pelo regime republicano e presidencialista norte-americano. Joo Neves da Fontoura sintetiza o pensamento de Rui para esclarecer melhor essa questo:
151 BARBOSA, Ruy. A Imprensa e o Dever da Verdade. Bahia, s. ed , 1920, p. 21. Manuscrito existente no Arquivo Histrico da FCRB: CR.1.611.2(8). Cf tambm In Rui e o Presidencialismo Cf. Rui Barbosa e a Constituio de 1891. Rio de Janeiro, FCRB, pp 12-13. 152 Cf. Rui e o Presidencialismo. Op.cit., pp 12-13. 84 Por que Presidencialista? H, em sua atuao poltica to discutida, alguma coisa de surpreendente. Domina-o a paixo mstica pela Inglaterra, pelos seus homens, pelas suas inspiraes. Chamou-a mesmo uma vez a grande rvore da liberdade do mundo. Pois este anglfilo alguns o disseram at um anglmano esse orador insupervel nas justas parlamentares, quando lhe tocou desenhar, depois de 15 de novembro, o figurino das novas instituies, foi para o presidencialismo norte- americano que se voltou, no para o parlamentarismo britnico. Entretanto, ningum mais do que ele mgico das frmulas lgicas, domador de cmaras polticas ningum estaria mais a gosto do sistema de governo de gabinete. Terrvel contradio com a sua origem poltica, com os padres da sua formao juvenil com o horscopo do seu destino pblico. [...] O parlamentarismo seria o seu regime, o seu clima, a sua atmosfera, a arena das suas vitrias. Se a ele renunciou, s o teria feito por convico certa ou desmentida mais tarde de que o presidencialismo aperfeioaria a unidade nacional pela ao de um Executivo dotado de estabilidade e fortaleza. 153 Outro ponto fundamental no contexto do Governo Provisrio a clebre e conhecida poltica do Encilhamento, aplicada na qualidade de Rui no cargo de Ministro da Fazenda. Se encaixando perfeitamente no projeto modernizador de Rui, incentivou-se o crescimento da indstria no pas. Joo Felipe Gonalves sintetiza a poltica do Encilhamento da seguinte forma: [...] em 17 de janeiro de 1890, sem consultar os demais ministros. Deodoro assinou um decreto proposto pelo ministro da Fazenda. Era uma profunda interveno na economia nacional, entrando inclusive em assuntos do mrito de outros ministrios. Rui dava a trs Bancos particulares (um em cada regio do pas) permisso para emitir no lastro triplo, isto , emitir trs vezes mais moeda que o lastro disponvel. Alm disso, permitia que esse lastro fosse no mais exclusivamente em ouro, como mandava a tradio, mas tambm em aplices da dvida pblica, o que vinculava as emisses monetrias ao Tesouro Nacional. O decreto dava ainda amplos poderes a todos os Bancos, no intuito de transform-los em verdadeiros dnamos da economia nacional. Permitia-lhes operar como empresas no comrcio, na indstria e na prestao de servios e dava-lhes inmeros privilgios, desde a iseno quase total de impostos preferncia oficial em alguns casos de concorrncia pblica. Rui visava com isso estimular a industrializao brasileira e a fazer crescer a economia em pouco tempo. [...] aos decretos de Rui Barbosa seguiu-se grande euforia financeira, com falsos investimentos e falsas empresas visando a lucrar com os incentivos do governo. Em pouco tempo o pas entraria em uma verdadeira crise especulativa com altos lucros derivados de empreendimentos sem fundamentos. A jogatina se espalhou pelo pas, o custo de vida subiu vertiginosamente, lucros fantsticos se obtinham em operaes de compra e venda. A Bolsa entrou em verdadeiro delrio. 154
153 FONTOURA, Joo Neves. Rui Barbosa: orador. Rio de Janeiro, MEC Servio de documentao, 1960, pp 32-33. 154 GONALVES. Joo. Op.cit., pp.87-88. GONALVES, Joo Felipe. Op.cit., p.35-38. (Nota 2 ou 22) 85 155 Segundo Schulz, a primeira etapa do Encilhamento comeou, na verdade, durante o gabinete de Ouro Preto. Nessa fase, ele aplicou emprstimos agrcolas e emisso de notas conversveis. No aspecto poltico, Ouro Preto preocupado com a queda da monarquia tentou comprar os fazendeiros descontentes, disponibilizando a eles grandes somas de dinheiro. Ele acreditava que as notas conversveis s funcionariam no Brasil durante perodos de preos altos do caf, achando que os preos se manteriam fortes por um perodo suficiente para ele ganhar de volta os fazendeiros para a monarquia. Ocorreu um fornecimento de emprstimos agrcolas aos bancos, que dispensava o pagamento de juros. A maioria desses crditos era para ser paga em cinco anos, tempo no qual ou a monarquia teria cado ou teria reconquistado seu vigor do passado. A concluso foi a de que a maior parte desses emprstimos no seria paga, gerando uma significativa transferncia de recursos da populao em geral para os proprietrios de terras. A segunda etapa do Encilhamento foi mais irresponsvel que a primeira. Como afirma Schulz, Ouro Preto permitiu a converso das notas e financiou emprstimos agrcolas utilizando a venda de bnus. Seu sucessor permitiu aos bancos criarem dinheiro vontade sem lastro Rui Barbosa tentou dar continuidade s notas com lastro em ouro, como Ouro Preto, mas falhou, uma vez que o cmbio caiu abaixo da paridade. 156 A ltima fase do Encilhamento foi coordenada pelo baro de Lucena e durou de janeiro a novembro de 1891. Lucena, como Ouro Preto e Rui Barbosa, encontrava-se numa situao poltica frgil, pois apoiou um presidente que acabara de ser eleito, ameaando um golpe. O baro continuou possibilitando a oferta de notas sem o lastro-ouro necessrio, para
155 Caricatura de Agostini alusiva ao Encilhamento disponvel em www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 04 mai. 2009. 156 SCHULZ, John. A Crise financeira da abolio. So Paulo. Ed. Edusp, 1996.p.98. 86 manter uma Bolsa de valores que se sabia estar artificialmente inflacionada, e um sistema bancrio reputado como falido. Quando no mais conseguiu obter a aprovao do Congresso para continuar a emisso, tentou usar a fora e foi derrubado pelos paulistas e seus aliados militares. Manter governos frgeis por meio de dinheiro fcil no deu resultados. 157 Segundo afirma Schulz, Ouro Preto, Rui Barbosa e Lucena outorgaram privilgios valiosos elite, fornecendo emprstimos sem juros e concesses de terras pblicas. Os trs efetivamente aumentaram a decadncia da economia ao permitirem que os bancos emitissem papel-moeda. Sob essas condies, alguma alta do movimento da Bolsa de Valores pareceu ter sido inevitvel, na medida em que os bancos e a indstria cresceram em resposta ao mercado nascente, composto de imigrantes, libertos e moradores das cidades. Os trs governos erraram quanto ao volume de liquidez adicional fornecido economia, falta de superviso Bolsa e distribuio inescrupulosa de terras devolutas e contratos de imigrao. 158 Porm, um dos principais elementos para compreendermos o Encilhamento foi a reforma financeira de 1890. A quantidade de moeda em circulao foi a preocupao de Rui Barbosa, ministro das finanas do Governo Provisrio (1889-1891). Adepto do industrialismo, ele via na ampliao dos crditos a soluo para diversificar a economia nacional e acelerar as atividades comerciais. Acreditando no alcance positivo desses resultados, o chefe do Governo Provisrio, marechal Deodoro da Fonseca, autorizou a reforma financeira proposta por Rui Barbosa. Segundo decreto de 17 de janeiro de 1890 ficaram estabelecidas uma srie de questes. O pas seria dividido em trs zonas financeiras distintas: Norte (da Bahia at o Amazonas), Centro (Esprito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, So Paulo, Paran e Santa Catarina) e Sul ( Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Gois). 159 A sede de cada zona (Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, respectivamente) organizaria um banco de emisso; assim, existiriam trs bancos emissores que poderiam fundar agncias mediante autorizao do governo. Os fundos sociais desses bancos emissores seriam constitudos com ttulos da dvida pblica em substituio ao lastro-ouro; esses bancos, portanto, no necessitariam de reservas metlicas. medida que algum interessado contrasse um emprstimo, o banco autorizado emitiria papel-moeda, entregando ao
157 SCHULTZ, John. Op.cit. p.98. 158 Ibid, p.99. 159 Ibid, pp.83-85. 87 solicitante a soma requerida; a mesma quantia emitida seria transformada em ttulo da dvida pblica, que o banco guardaria como garantia de seus fundos. 160 Os primeiros resultados da poltica de Rui Barbosa foram excelentes, ocorrendo um rpido crescimento dos negcios e a formao de um grande nmero de empresas industriais, comerciais e de servios. Calcula-se que s em 1890 foram fundadas 313 empresas no Brasil. Grande parte dessas empresas eram sociedades annimas, criadas graas facilidade na obteno de crditos, proporcionada pelas reformas de Rui Barbosa. O capital dessas companhias era dividido em certo nmero de cotas, chamadas de aes, que por sua vez eram negociadas na Bolsa de Valores. Ento elas eram vendidas e compradas por comerciantes, banqueiros ou intermedirios. Se as aes alcanassem um bom preo, aumentava-se , assim, o capital inicial da sociedade annima. Essa possibilidade de ganho fcil incentivou a multiplicao dos negcios e a criao de mais empresas. Consequentemente, dinamizou-se um setor incipiente no Brasil: o mercado de capitais, com a compra e venda de ttulos e aes. 161 No entanto, a facilidade para obteno de dinheiro fez surgir empresas-fantasmas que nada produziam. Tais empresas no aplicavam seu capital na aquisio de matrias-primas, mquinas, instalaes ou na contratao de empregados, com a finalidade de produzir mercadorias e gerar riquezas. Em vez disso, seu capital era revertido em aes e ttulos negociados na Bolsa por altos preos. Caracterizava-se, assim, uma atividade to comum no sistema capitalista: a especulao. Os negcios irregulares provocados pela emisso desenfreada de moeda e de aes foram chamados pela populao de Encilhamento. Esse nome derivava de um termo turfstico: o encilhamento, isto , colocao dos arreios nos cavalos, o que estabelecia uma analogia, entre as ideias de jogo, de risco e at trapaas, prprios das apostas no hipdromo, e as especulaes que envolviam o mercado de capitais. No prprio momento de criao de uma empresa, os especuladores j faziam suas apostas, lanando cotaes (preos) sobre as aes e jogando com ttulos de empresas concorrentes. As repercusses do Encilhamento foram inmeras. Ocorreu um enorme aumento do papel-moeda em circulao, sem garantia de reserva metlica (lastro-ouro) e sem perspectiva de retorno em forma de riquezas, pois o dinheiro no era aplicado em atividades realmente produtivas. Segundo Schulz: Rui Barbosa autorizou a emisso de notas lastreadas em ouro no-conversveis, em outras palavras, permitiu que os bancos emitissem dinheiro. Quando ele
160 SCHULZ, John. Op. cit., p.98. 161 FAUSTO, Boris. Op.cit. (nota 152), pp. 80-97. 88 deixou o governo, os bancos haviam emitido notas iguais a mais da metade do dinheiro em circulao na poca em que assumiu. Essa imensa quantia representou uma transferncia de recursos do povo brasileiro para os bancos privilegiados e seus clientes preferenciais. 162 Destacam-se ainda a alta geral do custo de vida e inflao crescente provocada pelo excesso de numerrio. O aumento contnuo dos preos no mercado levava o comrcio e a indstria a exigirem cada vez mais dinheiro para as suas necessidades. O governo cedia s exigncias emitindo mais moeda e, portanto, agravava a inflao. 163 Ocorreu ainda a desvalorizao dos mil-ris, encarecendo os produtos estrangeiros e, consequentemente, reduzindo sua importao. Como os impostos sobre as importaes para o consumo eram a principal fonte de renda do governo, a diminuio das importaes acarretou graves problemas financeiros. O encilhamento levou queda cambial e insuficincia de reservas metlicas para cobrir tanto dinheiro em circulao, o que impediu o Brasil de cumprir seus compromissos no exterior. Por ltimo, desenvolveu-se a venda desenfreada de aes, que provocou a baixa de cotaes e a falncia de numerosas empresas. Durante o perodo do governo de Floriano Peixoto (1891-1894), Rui, de incio, deu o seu apoio poltico, porm, em seguida, ocorreu uma ruptura entre Rui e Floriano em funo da situao dos Estados, especialmente na Bahia. Como quase todos os governadores tinham apoiado o golpe de Deodoro, as oposies locais viram no novo governo a oportunidade de depor com sucesso os que estavam no poder estadual, isso aconteceu em vrios estados. Rui se posicionou de imediato contra as deposies. Vale lembrar que ele voltou-se contra Floriano, questionando a legalidade de seu governo, uma vez que este contrariou a determinao constitucional de que se deveriam realizar novas eleies em caso de vacncia da presidncia na primeira metade do mandato. Pouco depois, Floriano recebeu o Manifesto dos 13 Generais que exigia tais eleies e repudiava a deposio dos governadores. Floriano reagiu decretando estado de stio no Distrito Federal e desterrou para o Amazonas vrios militares e civis, que se opuseram ao prolongamento de seu governo. Logo depois do decreto do desterro, Rui entrou no Supremo Tribunal Federal com um pedido de Habeas Corpus em favor dos presos. Comeava sua mais vigorosa luta contra o governo de Floriano. Rui pretendia lutar pela liberdade individual contra os nefastos dos poderes Executivo e Legislativo. Embora Rui no tenha conseguido tal intento, a sua luta pelas liberdades individuais celebraram mais um momento de sua histria.
162 SCHULZ, John. Op.cit., p.98. 163 FAUSTO, Boris. Op.cit. (nota 52), pp. 89-99. 89 Rui afirma que o princpio do Habeas-Corpus de fundamental importncia para a cincia das constituies no mundo. Em discurso proferido no Supremo Tribunal Federal, em 26 de maro de 1898, evidencia-se tal convico poltica: [...] o homem privado jaz em estado pior do que a morte porque sente em si todo o amargor da opresso e, ao mesmo tempo, toda a impotncia do morto a evit-la. A condio desse indivduo reclama, por isso, a mais viva solicitude e amais valente defesa social. Nenhum cidado honesto pode ser indiferente sua sorte, como no pode ser indiferente prpria segurana. Na faculdade de prender, ou no prender o cidado parece estar o ponto central onde praticamente se vo encontrar todos os raios da tirania ou da liberdade. 164 Dois episdios que se correlacionam diretamente com os anseios de Rui no tema liberdade foram: a Revoluo Federalista no Rio Grande do Sul e a Revolta da Armada. Em fevereiro de 1893 eclodiu a Revoluo Federalista, que se opunha ao governo de Jlio de Castilhos, de inspirao positivista e apoiada por Floriano. O objetivo dos oficiais da Marinha liderados por Wandenkolk era dar apoio ao grupo rebelde e deflagrar uma revolta da Marinha contra o presidente. Floriano reprimiu imediatamente os revoltosos e Rui voltou ao Supremo tribunal Federal em defesa dos presos, para quem pediu sucessivos Habeas Corpus. Dessa vez, Rui conseguiu liberdade aos civis, mas no conseguiu a liberdade para os militares envolvidos no episdio. Na Revolta da Armada em 1893, Rui apoiou Custdio de Melo contra Floriano. Os revoltosos ofereceram a ele refgio nos navios da resistncia e ele no aceitou. Diante da nova decretao de estado de stio, Rui acabou tendo que fugir do Brasil. Ele embarcou para Buenos Aires onde ficou at 1894 e morou quase trs meses em Lisboa. Depois, entre 1894 a junho de 1895, ficou na Inglaterra. Nesse perodo o grande destaque de sua vida poltica foi a defesa do capito Alfred Dreyfus, oficial judeu que fora injustamente acusado de espionagem, preso e degredado pelo governo de seu pas. O caso Dreyfus veio posteriormente a dividir a Frana em duas: uma republicana e igualitria e a outra racista, ultramontana e intolerante. Em documento de 07 de Janeiro de 1895, Rui defendia abertamente a integridade do capito Dreyfus enquanto homem portador de nobres valores, inclusive, familiares: Ora, Dreyfus no tinha no seu passado uma ndoa, um trao duvidoso. Quinze anos de servios imaculados e alta posio de confiana, que ocupava no mais delicado ramo da administrao da guerra, definem-lhe a f de ofcio. A superabundncia dos seus recursos, a opulncia de sua famlia, a simplicidade dos seus hbitos, a sua averso ao jogo, a concentrao exclusiva de sua vida particular nas afeies
164 Discurso pronunciado em 1898. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 497. 90 domsticas excluem a suspeita das sedues tenebrosas, que so frequentemente a explicao obscura dessas catstrofes da honra. De onde viria, pois, a tentao inexplicvel, que instantaneamente prostituiu aquele ornamento de sua classe, aquela nobre esperana dos seus concidados? 165 O objetivo principal do texto era mostrar a superioridade da Inglaterra liberal sobre a Frana. Para Rui, tratava-se simplesmente de um problema de tirania da maioria, de imposio da vontade tirnica do povo sobre um indivduo. No foi levada em conta para Rui, como objetivo principal, a questo do racismo, o que lhe preocupava era o despotismo de uma Nao sobre um indivduo de boa ndole. Ao voltar do exlio, em 1895, Rui se estabeleceu na manso da rua So Clemente, atualmente, Fundao Casa de Rui Barbosa, onde moraria at a morte. Ele encontrou o poder oligrquico em fase de consolidao, atravs do governo Prudente de Morais, iniciado em novembro de 1894. O grande desafio inicial, nessa nova fase, foi o embate contra Cezar Zama, velho concorrente poltico, que disputava a preferncia do senador Dantas. Zama acusava Rui Barbosa de ter-se enriquecido ilegalmente fazendo entender que Rui adquirira o palcio de Botafogo atravs de regalias na ocasio do Governo Provisrio. Em discurso no Senado, dia 13 de outubro de 1896, no documento intitulado Resposta a Cezar Zama, Rui explicita sua averso aos insultores e defende a moralidade poltica fundamentada na tica da responsabilidade. [...] na poltica brasileira avulta, h muito, a insigne classe dos insultores, cuja funo poltica se reduz exclusivamente ao ofcio de insultar. So os magarefes de certa espcie de aougues, onde corta, na honra das almas independentes, na fama dos homens responsveis, no merecimento dos espritos teis, nos servios dos cidados moderados, o bife sangrento para o estmago da democracia feroz. 166 No mesmo ano de 1896, Rui obteve uma esmagadora vitria eleitoral sobre Cezar Zama, representando sua primeira grande conquista no contexto da Repblica Oligrquica. Em 1898, foi eleito Campos Sales e Rui tratou imediatamente de preparar sua oposio a esse governo, em especial, na Imprensa. Talvez um dos marcos mais importantes nesse perodo foi a elaborao do projeto de Cdigo Civil, em 1902, que , em princpio, foi questionado por Rui o momento de sua implantao. Rui achava que Campos Sales estava pretendendo se promover ao elaborar o Cdigo durante o seu mandato. Alm disso, Rui fora preterido pelo governo, que indicou Clvis Bevilqua para escrever o anteprojeto do Cdigo. Nesse sentido, Rui props mais de mil emendas ao Cdigo para marcar sua posio poltica de oposio a
165 Discurso proferido em 7 de Janeiro de 1895. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 839. 166 Discurso pronunciado no Senado em 13 de outubro de 1896. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p 208. 91 Campos Sales, porm, com moderadas crticas s emendas de Rui, Carneiro Ribeiro procurou responder aos seus comentrios, embora Rui tenha feito a rplica combatendo os argumentos pouco fundamentados de Carneiro Ribeiro. Tal situao projetou, mais uma vez Rui na vida pblica do pas. Na leitura de Rui, o exerccio de pensar a Arte de escrever foi plantado por um dos grandes mestres da lngua, Antnio de Castilho, que partia do princpio da dvida como forma de humildade para a elaborao do texto: [...] todos os que escrevem trabalhos de arte, sentiro mil vezes a necessidade de pensar. Ora, dentre eles, no conheo nenhum mais rduo que a codificao das leis civis de uma nacionalidade: e as codificaes no devem menos forma, que se lhes imprime, do que ao esprito, que se lhes sopra. Obrigar-se uma pessoa a revestir de linguagem correta, em menos de um qinqdio, um desses trabalhos monumentais seria ousar uma entrepresa de semi-deuses, ou concertar, relativamente a uma das mais delicadas e grandiosas edificaes do esprito humano, um ajuste de franqueria. 167 168
167 Dirio do Congresso. Suplemento n 211, de 07 de novembro de 1902. Cmara dos Deputados, Comisso do Cdigo Civil. Resposta ao parecer do Senador Rui Barbosa p. 5. col. 3. Cf. ainda em LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p .912. 168 Caricatura: Alfredo Cndido, Lavra, 18/09/1903. Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 10 fev. 2009. 92 Quando Rui Barbosa apresentou ao Senado sua rplica, o paulista Rodrigues Alves j tinha assumido a presidncia da Repblica. O sucessor deste foi o mineiro Afonso Pena. Entre fins de 1902 e 1909, com poucas interrupes, o senador baiano apoiou abertamente os dois presidentes, membros das mais poderosas oligarquias estaduais. Vale lembrar que, nessa nova fase poltica de Rui, sua aproximao com Pinheiro Machado foi fundamental para sua projeo nos arranjos polticos. Pinheiro era a personificao da mquina poltica nacional e o maior representante da oligarquia gacha no plano federal. Alm da valiosa articulao poltica com Pinheiro Machado, uma questo de extrema relevncia foi o cargo que Rui assumiu para ser o representante do pas nas negociaes com a Bolvia, acerca do territrio do Acre, pelo qual as duas naes disputavam. Rio Branco, chefe do Itamarati, 169 designou uma comisso para negociar o Acre diretamente com a Bolvia. Ela era composta por ele prprio, Rui Barbosa, e Assis Brasil. Quando a Bolvia props um acordo em que ficaria com a margem esquerda do rio Madeira e receberia uma indenizao em troca do Acre, Rio Branco e Assis Brasil apoiaram a ideia. Rui no concordou, pois achava que, sendo o territrio legitimamente brasileiro, no cabia qualquer compensao ao governo boliviano. Rui acabou pedindo demisso da comisso e criticou amplamente Rio Branco. Em junho de 1904, o governo do Amazonas o contratou como advogado particular para lutar contra a Unio pela posse do Acre setentrional. Rui entrou com processo no Supremo Tribunal Federal no ano seguinte, mas o rgo nunca deu um parecer final sobre o caso, que s veio a se resolver na Constituio de 1934, com a vitria da Unio. Logo depois de ter assinado um acordo com a Bolvia, Rui fez uma orao como paraninfo da formatura de seu filho Joo, no Colgio Anchieta, em Friburgo (1903). Tal discurso levou sua aproximao com a Igreja Catlica, em especial, com os padres jesutas, marcando uma nova fase na sua viso sobre o anticlericalismo. No mesmo ano, Rui Barbosa proferiu um discurso no Senado, criticando os poderes excessivos dados ao prefeito Pereira
169 Segundo Cardim o Itamaraty, no sentido hoje entendido, de entidade emblemtica no Estado Brasileiro, voltada para a compreenso da poltica internacional, a formulao das propostas de poltica externa ao Presidente da Repblica, o recrutamento e a formao regular de funcionrios diplomticos, e a execuo diplomtica das polticas decididas pelo presidente da Repblica, uma criao republicana que tem em Rio Branco seu construtor maior. Foi ele, como bem disse Gilberto Amado o abridor de caminhos, o iniciador. ... com Rio branco na Repblica (1902-1912) que surge o Ministrio das Relaes exteriores com forte personalidade prpria, que veio a gerar at uma denominao especfica O Itamaraty, smbolo e expresso da diplomacia brasileira, a exemplo de outros pases: Reino Unido, Foreign Office; Frana, Quais d`Orsay, e EUA, State Departement. Cf. CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., p.92. 93 Passos para fazer a renovao da capital federal. Rui tambm criticou a obrigatoriedade da vacinao contra a varola, em 1904. Para ele, o ser humano deve ou no escolher se deseja vacinar-se. O Estado no tinha direito de decidir pelos cidados as atitudes com o prprio corpo, porm, Rui apoiou a decretao de estado de stio imposta aos revoltosos. Na sua viso poltica, o povo no poderia ter gerado todo o transtorno que fez. Deveria, sim, ter esgotado todas as possibilidades no plano da luta na justia. 170 Contudo, no ano seguinte, em 1905, Rui Barbosa ficou novamente contra o governo para atacar os abusos ocorridos durante o estado de stio, apresentando ao Congresso projeto de anistia dos envolvidos, tanto na revolta popular de 1904 quanto na revolta militar, que a elas se associaram. No contexto de sucesso presidencial de Rodrigues Alves, Rui protestou contra a indicao do paulista Bernardino de Campos. Tanto Pinheiro Machado quanto as oligarquias mineira e baiana se opuseram a tal candidatura e, esta ltima, preferia o nome de Rui Barbosa. Pinheiro indicou o nome de Afonso Pena mobilizando parte das oligarquias nordestinas, mineira, gacha e fluminense. Rui retirra sua candidatura e mobilizara os baianos para apoiarem Afonso Pena. Ao opor-se candidatura desejada por Rodrigues Alves, Rui pensava estar combatendo uma corrupo tirnica do sistema representativo: a indicao do sucessor pelo presidente atual.
170 Resistncia da populao do Rio de Janeiro contra a Lei de Vacinao obrigatria. Charge disponvel em: www.pessoas.hsw.uol.br/historia-da-saude.htm. Acesso em:.03 mai. 2009. 94 Em 1906, Rui Barbosa assumiu a vice-presidncia do Senado em substituio a Pinheiro Machado. Ficaria nessa posio at a morte de Afonso Pena, em junho de 1909. Tendo Afonso Pena assumido o poder em novembro de 1906, em fevereiro do ano seguinte Rui Barbosa foi convidado pelo baro do Rio Branco para representar o Brasil na 2 Conferncia de Paz de Haia, na Holanda. 171
171 Rui Barbosa, o Baro do Rio Branco e os representantes da Inglaterra, Alemanha, Frana, Itlia e Espanha. O Malho, Lobo, 07/09/1907. Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 03 abr. 2009. 95 2.3 A Segunda Conferncia de Haia (1907) Ela mostrou aos fortes o papel necessrio dos fracos na elaborao do direito das gentes. Ela adiantou as bases da pacificao internacional evidenciando que, numa grande assemblia convocada para organizar a paz, no se podem classificar os votos segundo a preparao dos Estados para a guerra. Ela revelou politicamente ao mundo antigo o novo mundo, mal conhecido a si prprio, com sua fisionomia, a sua independncia, a sua ao no direito das gentes. Resta que a Amrica Latina, a mais beneficiada nesses resultados e o Brasil, o mais ativo operrio na sua promoo, compreendam o valor decisivodesta situao para o seu futuro. 172 A Segunda Conferncia de Paz de Haia reuniu 48 pases para a discusso de diversos assuntos internacionais, a fim de estabelecer um novo equilbrio de foras. 173 O maior objetivo da Conferncia foi a criao de uma Corte Permanente de Justia Internacional. 174
172 Discurso de Rui Barbosa em Haia, 1907. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., op.cit. pp. 72-73. 173 A ttulo de curiosidade em documento denominado Rui Barbosa em Haia da FCRB, obras avulsas existe uma relao dos pases representados na Conferncia e seus respectivos delegados. Porm vamos citar aqui apenas o Brasil: Ruy Barbosa, Embaixador Extraordinrio e Plenipotencirio (Delgado Plenipotencirio); Eduardo F. R dos Santos Lisboa, Ministro Plenipotencirio (Delegado); Roberto Trompowsky Leito de Almeida (Delegado tcnico); Tancrredo Burlamaqui de moura (Delegado tcnico); Arthur de carvalho Moreira (Primeiro secretrio da Delegao) ; Carlos Lemgruber Kropf (1 secretrio da Delegao);Rodrigo Octvio de Langaard Menezes (1 secretrio da Delegao); Abelardo Roas (2 secretrio da Delegao); Jos Rodrigues pereira (2 secretrio da Delegao); A.Baptista Pereira (2 secretrio da Delegao); Leopoldo de Magalhes Castro (2 secretrio da Delegao); Fernando Dobbert (2 secretrio da Delegao). 174 Segundo Cardim, Joo Neves da Fontoura atribui a Rui um orador de corte britnico, de processos britnicos na discusso dos temas; apenas a maneira dialtica que o aproxima, at certo ponto, do gosto francs, embora o seu modelo seja lidimamente lusitano, porque correm nas veias da sua eloqncia o conceptualismo, a imagtica, os jogos florais do seu mestre predileto que o Pe. Antnio Vieira. para o historiador Jos Maria Belo, em sua avaliao da oratria de Rui, considera: [...] a sua sensao permanente do dever e a profunda conscincia da misso apostolar, da misso tantas vezes como ele sabia de repetir Santo Antnio e o Pe. Vieira, isto , de falar sem descanso. Destino, segundo imagem sua, de quem planta carvalho para as geraes vindouras em vez de couves para o prato de amanh [...] Deu ao carvalho a sombra com que sonhou o seu semeador. Eis a o problema final de Rui Barbosa. Cf. CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., p.112-113. 96 175 Segundo Afonso Arinos, o contexto da 2 Conferncia de Haia foi marcado por uma srie de impactos internacionais. Os estados alemes tinham-se unificado e a Alemanha surgia como Nao influente no cenrio internacional. O mesmo acontecia com a Itlia. A Inglaterra perdia terreno no palco dos interesses mundiais, enquanto os Estados Unidos despontavam como grande potncia. A Frana esquecera Napoleo, e reclamava por ser ouvida. A ustria perdera sua estrela. E a Rssia passava, especialmente depois de 1905, por terrveis convulses internas, motivadas pela agitao socialista. E os pequenos tentam chegar sua vez. 176 Segundo Cardim dois fatos decisivos selaram a participao do Brasil nas relaes exteriores. A obra do Baro do Rio Branco, principalmente, no acerto das questes fronteirias, patrimnio bsico da diplomacia brasileira contempornea, e as primeiras participaes no plano global da nova Repblica, expressa na Segunda Conferncia da Paz de Haia de 1907 e na Primeira Guerra Mundial, sendo que, em ambas, Rui Barbosa desempenhou importante papel. Vale frisar que a Segunda Conferncia marcou a passagem de nossa poltica externa do exclusivo continental para o cenrio mundial. 177 No mbito das relaes internacionais, um ponto de destaque a alternativa de aproximao entre Brasil e Argentina. Em artigo intitulado Brasil e Argentina, Rio Branco publicou no Jornal do Commercio, de 26 de setembro de 1908 a questo do atraso do Brasil
175 Charge alusiva a comemorao dos 100 anos da realizao da 2 Conferncia de Paz em Haia. Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br/templat-01/default. Acesso em: 03 mai. 2009. 176 FRANCO, Afonso Arinos de Mello e LACOMBE, Amrico Jacobina. Rui Barbosa. So Paulo: Edies Isto , 2001 p.183. 177 CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., pp 22-26 97 na agenda externa. Para Rio Branco h uma necessidade imensa de o pas se aproximar da Argentina, pois representam destinos comuns de civilizao e cultura, sendo os maiores representantes na Amrica Latina. Fica clara, nossa ansiedade em estar revendo nosso lugar no mbito externo, procurando como caminho inicial, ligaes diplomticas com a Argentina: [...] ns vivemos fora da realidade da poltica internacional de hoje, em plena iluso, a que o passado nos habituou. Longo tempo a Amrica do Sul esteve entregue a si mesma, fez e desfez nacionalidade, ergueu e matou a liberdade, armou e extinguiu o despotismo, estabeleceu preponderncias e supremacias, perfeitamente independente em matria internacional. 178 179 A escolha de Rui para representar o Brasil em Haia foi um tanto quanto polmica. O Chanceler Rio Branco havia indicado Joaquim Nabuco devido ao seu grande prestgio nacional. Todavia, o jornal Correio da Manh, lanou a candidatura Rui Barbosa, que teve uma grande aceitao nacional. Diante disso, Nabuco recuou admitindo ser Rui Barbosa um nome forte para tal intento. Diante disso, Rui foi convidado por Rio Branco para representar o pas. Propositalmente, Rui levou quarenta e dois dias para aceitar o convite de Rio Branco, feito em nome do presidente Afonso Pena. Quando Rui chegou a Haia, no contexto poltico do presidente Afonso Pena, o pas havia comeado a dar provas de sua capacidade modernizadora. Ocorreu uma grande
178 Artigo publicado por Rio Branco em O Jornal do Commercio no dia 26 de setembro de 1908. 179 Delegao brasileira para a 2 conferncia Internacional de Paz em Haia Holanda, presentes nesta imagem, o Embaixador Brasileiro na Conferncia Rui Barbosa e o Marechal Hermes da Fonseca. Disponvel em: www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/governo-a. Acesso em: 03 mai. 2009. Os nomes dos participantes encontram-se em nota anterior do nosso trabalho de pesquisa. 98 transformao da capital, a extino da peste, da varola e da febre amarela. Na economia, a inflao do Encilhamento, da fase final do sculo XIX, fora vencida pelo emprstimo de estabilizao denominado funding-loan e pela energia recessiva do governo Campos Sales. O caf supria as necessidades do cmbio estvel e o novo porto do Rio de Janeiro melhorava o comrcio internacional. O programa de reaparelhamento naval de Afonso Pena respondia rivalidade Argentina e o desenvolvimento tcnico e industrial se exibia na Exposio Nacional de 1908, centenrio da Abertura dos Portos s Naes Amigas. Em suma, o otimismo e a confiana percorriam o pas. Um dos pontos marcantes que levou a projeo poltica de Rui, em Haia, foi o conflito dele com o delegado russo De Martens, em 12 de julho de 1907. O delegado criticava um discurso de Rui, que tinha um determinado perfil de poltica. Rui fez uma trplica improvisada e argumentou que a poltica, no sentido lato e menos partidrio da palavra, era um assunto imprescindvel a quaisquer naes, que prezam pelo liberalismo democrtico. Foi a partir desse acontecimento que nossa personagem selou sua presena, sinalizando que daria um bom trabalho aos seus possveis adversrios verbais. [...] seria... justo acolha o meu discurso, como o acolheram, com a solene advertncia de que a poltica no mais matria proibida, como se eu achasse de transgredir essa regra? [...] No nos esquecemos de que Sua Majestade o imperador da Rssia, no seu ato convocatrio da Conferncia de Paz, expungiu formalmente do nosso programa as questes polticas. Mas essa interdio, obviamente s visara a poltica militante ... a que resolve, agita e desune os povos nas suas relaes internas ou nas suas relaes internacionais, nunca a poltica encarada como cincia, a poltica estudada como Histria, a poltica explorada como regra moral.... considerada nessa acepo a poltica, acaso no-la poderiam tolher? No, senhores. 180 evidente que Rui utilizava-se de sua capacidade de eloqncia para registrar seu papel na Segunda Conferncia de Paz em Haia. Alm de De Martens seus principais adversrios foram Choate dos Estados Unidos, Leon Bourgeois, da Frana, o poderoso Marchallvon Biebernstein da Alemanha e Drago, da Argentina. Outro aspecto de relevncia poltica na carreira de Rui Barbosa foi quando Rio Branco e Afonso Pena pediram a Rui para votar contra a aprovao da Doutrina Drago, formulada pelo diplomata argentino Lus Maria Drago. Tal doutrina negava o direito de uso da fora para a cobrana das dvidas de um pas junto a credores de outro. Os demais pases da Amrica Latina, altamente endividados, uniram-se na defesa dessa doutrina, que alis
180 FRANCO, Afonso Arinos de Mello e LACOMBE, Amrico Jacobina. Op.cit., p.191. 99 surgira a partir de uma interveno europia na Venezuela para cobrar dvidas desse pas. Teve uma repercusso negativa tal postura do Brasil. Porm, Afonso Pena e Rio Branco tinham o interesse em no contrariar os credores de que o Brasil, tanto dependia. Entre as campanhas travadas por Rui em Haia, destaca-se a crtica composio do Tribunal Internacional que, ento, criava-se para regulamentar as Presas Martimas. O questionamento levantado por Rui era que alguns pases perifricos, como o Brasil e Cuba, tinham pouca representao. Em contrapartida, outras naes, que tinham uma Marinha muito menor ou que nem sequer tinham litoral, apresentavam maior representatividade no Tribunal de Presas Martimas. Embora Rui tivera-se esforado para fazer valer suas argumentaes, o projeto das grandes naes acabou sendo aprovado. Mas importante considerar que, mais uma vez, Rui se colocava na posio de um liberal democrtico atento questo da desigualdade entre as naes. Mais uma vez comprovamos um dos elementos de sua modernidade poltica. Posteriormente a grande atuao de Rui em Haia se deu quando ele atacou o principal projeto da Conferncia: O Tribunal Permanente de Arbitragem. Segundo a proposta acertada entre as grandes potncias europias e os Estados Unidos, os juzes desse tribunal seriam distribudos entre as naes de modo proporcional fora militar de cada uma. A poderosa oratria de Rui props a igualdade das naes na representao do Tribunal Internacional. O resultado da discusso foi um projeto conciliatrio que acabou levando o Brasil a decidir junto com EUA, Alemanha, Itlia, Frana, Rssia e Imprio Austro-Hngaro o assunto. Rui no conseguiu aprovar seu modelo de um tribunal justo, baseado na igualdade entre as naes, mas conseguiu impedir a constituio de um tribunal injusto, destinado a perpetuar e potencializar as iniquidades do sistema internacional. O maior sucesso de Rui na Conferncia de Paz em Haia foi, portanto, o fracasso da principal tarefa desse encontro. 181 Rui Barbosa, ao defender o princpio da igualdade entre as naes, em Haia em 1907, colocou a poltica externa em outro eixo. Criticou o ento vigente sistema internacional, mas de forma construtiva, e declarou que o Brasil assumia responsabilidades em sua reforma. Foi uma crtica de quem se reconhecia como um igual, um membro pleno da comunidade maior, e no pode se omitir. Abriu-se com generosidade para dar sua contribuio, mas via e apontava as iniqidades do quadro presente. 182
181 GONALVES, Joo Felipe. Op.cit. pp. 120-121.GONALVES, Joo Felipe. Op.cit., p.35-38. (Nota 2 ou 22) 182 CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., p.109 o elogio de Afonso Celso a participao de Rui nas tribunas da Cmara e do Senado, que provavelmente foram as bases para sua grande representao poltica em Haia. ...Esse Rui assombrava como um fenmeno. Baixo, franzino, compleio mrbida, parecendo insuscetvel do mais leve esforo e prestes a desfalecer, falava, duas, trs, quatro horas, sem repousar, sem solues de continuidade, sem 100 No aprofundamento da tese da igualdade entre as naes, Rui aproveitou o contexto para criticar qualquer modelo arbitrrio de Estado. Rui jamais aceitou o culto ao Estado, pois temia que se formasse uma espcie de religio do poder. Sua tese era direcionada aos abusos de alguns Estados que se colocavam acima dos interesses dos indivduos. Quando o Estado se coloca acima de todos os direitos ele perde sua natureza democrtica. Rui criticou o superestado militarista, que abusou historicamente de pequenos Estados tendo o predomnio da fora e negando a eficcia das sanes morais nas relaes entre os povos. Provamos, assim, outro eixo de sua modernidade poltica corroborada pela natureza do liberalismo. Rui foi um grande defensor dos Estados democratizados contra as teorias de Estado arbitrrias. Em documento O Direito Internacional, Rui defende a tese de que: [...] no so os governos democratizados os que pertubam a paz do mundo. Os povos amam o trabalho, anelam a justia, confiam na palavra, tm no mais alto grau o instinto da moralidade, aborrecem as instituies opressivas, simpatizam com o direito dos fracos. A democracia e a liberdade so pacficas e conservadoras. As castas, as ambies dinsticas, os regimes arbitrrios so os que promovem a discrdia, a malevolncia e a desarmonia entre os Estados. A guerra contempornea seria impossvel se os povos, e no o direito divino das coroas, dominassem a poltica internacional. 183 184 O ltimo discurso de Rui, em Haia, foi uma despedida em grande estilo. Para concluir sua orao final, Rui Barbosa falou da necessidade de se convocar uma 3 Conferncia de Paz para continuar o trabalho de aprimoramento do direito das gentes.
se servir de uma nota, sem molhar a garganta, sem que um instante afrouxasse ou se empanasse o timbre de sua voz extensa e mordente. 183 Problemas do Direito Internacional. Cf. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp.122-181. 184 Revista O Malho de 21 set. de 1907. 101 Escolhe, porm, como tema principal, o papel dos pases da Amrica Latina e da sia no novo cenrio mundial que comea a se desenhar: [...] vai por trs anos que a Europa no divisava no seu horizonte poltico, alm dos confins dela, seno os EUA como uma espcie de projeo europia e a s representao no transcurvel do Ocidente. A sia e a Amrica Latina eram apenas expresses mais ou menos geogrficas, com uma situao poltica de complacncia. Um belo dia, com assombro geral, descortinou-se ao oriente uma apario tremenda. Era a nascena inopinada de uma grande potncia. O Japo entrava ao concerto europeu pela porta da guerra, que forara com a sua espada.Fomos chamados os Estados da Amrica latina a entrar ao seio dele pela porta da paz. Nesta Conferncia lhe acabamos de transpor os umbrais, e comeastes a nos conhecer como obreiros da paz e do direito. Se, porm, nos vssemos desiludidos, se nos despedsseis desacoroados, com a experincia de que s pela fora das armas que se mede a importncia internacional, ento, por obra vossa, o resultado da Segunda Conferncia da Paz teria consistido em inverter para a guerra a corrente poltica do mundo, arrastando-nos a buscarmos nos grandes exrcitos e nas grandes marinhas o reconhecimento da nossa posio real debalde indicada pela populao, pela inteligncia e pela riqueza. 185 A Conferncia terminou em outubro de 1907, mas at dezembro Rui ficou em Paris e recebeu homenagens da colnia brasileira que morava na regio. Em Obras Avulsas-1 da FCRB, publicado no ano de 1962, encontra-se o discurso que Rui proferiu em Paris a 31 de outubro de 1907, cujo contedo expressa claramente os ganhos que a Amrica Latina teve em tal Conferncia, bem como a afirmao da legitimidade do Brasil colocando suas posies polticas frente a frente com as grandes naes. 186 Nesse ponto, encontramos mais uma forte elemento de sua modernizao poltica em defesa da igualdade entre as naes, como comprovamos anteriormente em documento descrito. Chegando ao Brasil foi homenageado em vrias cidades, especialmente em Recife, Salvador e Rio de Janeiro, recebendo o emblema de heri nacional. Nesse contexto fica clara a produo intensa do Mito do Nacionalismo. 187 A imprensa brasileira contribuiu intensamente para a fabricao desse mito divulgando a expresso alusiva a Rui: O guia de Haia. 188 O prprio Baro do Rio Branco supervisionava os jornais para garantir uma cobertura apropriada dos eventos da Conferncia. 189
185 Cf. Orao final em Haia. In: CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., p.148. 186 Cf. A Conferncia de Haia In: LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp. .976-989. 187 GIRARDET, Raoul. Op. cit., pp. 20-57. 188 Rui se encaixa na perspectiva de smbolo encarnado na lgica de que sua imagem produzida se desenvolveu a partir de fontes extrnsecas de informao, na qual a prpria personalidade poltica de Rui foi construda pelos diversos interesses, levando, principalmente, em conta os padres culturais da poca em que ele viveu. Segundo Cliford Geertz, tanto os smbolos chamados cognitivos como os chamados expressivos tm pelo menos uma coisa em comum: eles so as fontes extrnsecas de informaes em termos das quais a vida humana pode ser padronizada mecanismos extrapessoais para a percepo, compreenso, julgamento e manipulao do mundo. 102 Quando Rui voltou atividade poltica no Brasil, em 1908, reassumiu a vice- presidncia do Senado e retomou a velha amizade com Afonso Pena, o que abriria espaos para a reaproximao com Pinheiro Machado, pondo fim rusga entre os dois acerca das questes sucessrias. Em outubro desse ano, Rui ainda foi eleito presidente da Academia Brasileira de Letras, celebrando o legado deixado pelo seu trabalho em Haia. Um acontecimento paralelo, nessa poca, foi a homenagem que Rui prestou a Machado de Assis (1908), apresentando sua face de homem de boas tradies e ligado s letras de seu tempo: Nunca ergui a voz sobre um tmulo, parecendo-me sempre que o silncio era a linguagem de nos entendermos com o mistrio dos mortos. [...] No o clssico da lngua; no o mestre da frase: no o rbitro das letras, no o filsofo do romance; no o mgico do conto; no o joalheiro do verso; o que soube viver intensamente da arte, sem deixar de ser bom. 190 Foi nesse contexto que Rui se encantou com a possibilidade de ser presidente da Repblica. Porm, Afonso Pena acabou indicando para seu sucessor o ministro da fazenda David Campista, o que levou Rui a romper relaes polticas com Afonso Pena. Uma das repercusses de Haia foi a consagrao de Rui para membro da Segunda Corte Permanente de Justia Internacional de Haia (1921). Dos juzes eleitos, Rui foi o que obteve a mais alta votao, em reconhecimento quele que se batera por um critrio justo na composio do tribunal que, enfim, se estabelecia. Pretendendo fazer uma espcie de balano sobre a importncia de Rui em Haia, a resposta de Cardim ao cientista social Hlio Jaguaribe sobre a questo foi extremamente perspicaz e vale as pena frisarmo-la aqui para concluirmos esta parte de nosso trabalho. A indagao de Jaguaribe foi respondida por Cardim, tendo como princpios norteadores as seguintes colocaes: O Brasil era considerado, em 1907, uma Repblica de quinta categoria, conforme exposto no livro de Percy F. Martin. O Pas cometeu um grave erro diplomtico ao recusar o convite feito para participar da Primeira Conferncia Internacional da paz em Haia, em 1899. Brasil e Mxico foram os nicos pases latinos americanos convidados para o conclave. O Mxico aceitou o convite e participou da
Os padres culturais religioso, filosfico, esttico, cientfico, ideolgico so programas: eles fornecem um gabarito ou diagrama para a organizao dos processos sociais e psicolgicos, de forma semelhante aos sistemas genticos que fornecem tal gabarito para a organizao dos processos orgnicos.. Cf. GEERTZ, Cliford. Op. Cit. pp.34-78. 189 Cf informaes detalhadas sobre a Segunda Conferncia de Haia In LACERDA, Virgnia Crtes de; REAL, Regina Monteiro. Rui Barbosa em Haia- cinqentenrio da Segunda Conferncia de Haia ( 1907-1957). FCRB. Rio de Janeiro. 1957. O documento informa os nomes dos delegados presentes em Haia, a relao dos pases que participaram da Conferncia, trechos de discursos de Rui Barbosa e a cronologia de cada dia da Segunda Conferncia e outras informaes valiosas. 190 FRANCO, Afonso Arinos de Mello e LACOMBE, Amrico Jacobina. Op.cit., p. 200. 103 conferncia. Rio Branco, que assumira o Ministrio das Relaes Exteriores em 1902, tinha, entre suas prioridades, abrir a diplomacia para um cenrio internacional mais amplo do que a poltica regional. O Brasil j tinha alcanado um status que lhe permitia e o obrigava a atuar na poltica internacional. Vale destacar, ainda, que Rui chegou em Haia praticamente desconhecido. Nas primeiras semanas, Rui marcou pelos longos discursos que lhe valeram o apelido de Mr. Verbosa. Com o transcorrer da Conferncia, suas intervenes foram sendo mais ouvidas e respeitadas. Sua cultura jurdica foi reconhecida. O Brasil se apresentava como um delegado culto e humanista, com uma mensagem universal, e na paroquial. Ao final do conclave, Rui, que comeara desconhecido e mal reputado, alcanou, no difcil jogo diplomtico da Conferncia em que preponderavam representantes dos Estados Unidos, Frana, Alemanha, Rssia e Inglaterra, um lugar de real importncia. Em publicaes no-brasileiras sobre a Segunda Conferncia de Haia, Rui lembrado com destaque, junto com alguns poucos outros nomes como os expoentes da reunio. 191 Nossa viso sobre as contribuies de Rui na Segunda Conferncia da Paz de Haia vai ao encontro das ideias apresentadas por Cardim. Rui, de fato, colaborou para fortalecer a imagem pblica do pas em termos de poltica internacional, canalizando nosso emblema de liberalismo democrtico e encaixando o Brasil como uma Nao articuladora de grandes possibilidades de construo de uma Repblica de futuras projees, para garantia das liberdades pblicas. Seria um estmulo para comearmos a pensar o que somos e o que estamos fazendo para construir uma nova ordem social e poltica, alicerada nos pilares iluministas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Sabemos, contudo, que poderamos descortinar os vcios dos jogos polticos das oligarquias e, na medida do possvel, amenizar a desigualdade social existente da Repblica Oligrquica. Estavam lanados alguns desafios. Em discurso proferido por Jos Almino de Alencar, na abertura do Seminrio de 100 anos da Segunda Conferncia da Paz em Haia, o legado de Rui Barbosa ainda ficara evidente naquela ocasio, por mais que nossa viso sobre Rui no pretenda enfatizar sua mstica de heri nacional, de forma exacerbada. Mas o documento abaixo mostra a importncia de Rui para os especialistas no assunto. Em torno dessa Conferncia, a despeito das diferentes interpretaes sobre a sua real importncia poltica e do sentido contemporneo que a ela podemos atribuir, ampliou-se, firmou-se e, digamos assim, perpetuou-se parte significativa da mitologia popular sobre o nosso patrono. Se, por acaso, fssemos levados a fazer um exerccio de livre associao com o seu nome, tenho certeza que uma maioria entre ns ligaria o nome de Rui, se no Conferncia, pelo menos ao nome da cidade. guia de Haia disseram a imprensa e os seus contemporneos e guia de Haia ficou: o epteto entrou nos manuais escolares, reproduziu-se periodicamente em manifestaes pblicas, fixou-se na memria do povo. E poderamos, talvez, associar a elaborao deste mito a um perodo em que a nossa primeira Repblica
191 CARDIM, Carlos Henrique. Op.cit., pp.182-183. 104 a Repblica Velha, tendo ultrapassado os conflitos e percalos iniciais, portanto j assentada e mais segura de si tecia os seus mitos e construa o seu panteo de heris, em contraposio histria imperial do sculo XIX, que era vista como um prolongamento da nossa experincia colonial, uma espcie de desdobramento local do que havia sido o Reino Unido. 192 193 2.4 Consideraes finais Nesse captulo, foi possvel comprovar a importncia dos discursos liberais e modernizadores de Rui Barbosa, bem como sua prtica poltica a partir dos principais eventos em que ele marcou suas posies polticas. luz de uma vasta documentao entrecruzamos suas aes na vida pblica brasileira e as correlacionamos com as teorias, sendo manifestadas, no texto, de acordo com as necessidades explicativas. Rui Barbosa celebrou, em nossa histria poltica, sua capacidade de eloquncia e de articulao de diversos interesses no projeto de construo de nossa Repblica. Sem dvida, suas ideias estavam no lugar, podendo se estabelecer no mbito do discurso liberal os entrelaamentos com a realidade escravocrata de fins do sculo XIX. Com o advento da Repblica, o Brasil entrou numa nova fase de sua histria, que foi lembrada de maneira mais forte pelos historiadores como perodo de forte excluso poltica e social. As prticas coronelsticas, a articulao da Poltica dos Governadores e a disputa pela esfera federal entre os estados hegemnicos geraram um ambiente de predomnio das
192 Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br.Acesso em: 10 abr. 2009. 193 Disponvel em: www.academia.org.com.br. Acesso em: 01 mai. 2009. 105 oligarquias, que alijaram o povo do processo das decises polticas, porm no abafando as lutas pelas resistncias em prol da cidadania. O grupo ao qual Rui estava relacionado, como dissemos, foi denominado de liberais cientificistas, que fizeram suas defesas polticas em torno do progresso material, da separao entre Igreja e Estado, da valorizao do Parlamentarismo, do reformismo educacional, do discurso assistencialista aos desamparados, da aceitao e defesa da Democracia como culminao do processo liberal de ampliao do sufrgio, da luta incansvel a favor do federalismo, do abolicionismo imediato e da aceitao do liberalismo econmico, quanto s funes do Estado, comrcio livre, com nfase no valor do trabalho, da riqueza e da indstria no pas. Vimos tambm o quanto Rui compartilhava de algumas ideias de Tavares Bastos e Tobias Barreto, que jamais preteriram os ideais de liberdade na defesa da descentralizao administrativa no Brasil. De fato, Rui Barbosa, assim como Tavares Bastos e Tobias Barreto, segundo nos informou Ricardo Vlez Rodriguez, foram influenciados pelo liberalismo tocquevilliano. A marca mais contundente herdada de Tocqueville foi a defesa incondicional da liberdade em face de qualquer tipo de Estado centralizador. Em torno desse aspecto outros elementos foram tambm fundamentais como a questo da livre-iniciativa, do self- government, da democratizao do sufrgio, da descentralizao administrativa, da luta contra a escravido, da defesa das minorias e da liberdade de imprensa. A nossa grande fonte de inspirao para compreendermos, no o contexto da formao da Repblica, mas o processo da Repblica Oligrquica foi o trabalho desenvolvido por Cladia Viscardi, que nos abriu possibilidades para enxergar frestas nas alianas articuladas pelas elites e compreendermos melhor de que forma se deu a instabilidade na Primeira Repblica. Rui calculava seus ganhos e se ajustava s diferenas de acordo com os contextos, como mostramos em diversas situaes de sua histria. Procuramos analisar a participao poltica de Rui, a partir dos documentos e de algumas de suas atitudes. Rui se empenhou na defesa da Lei Saraiva procurando defender a moralidade do processo poltico na monarquia brasileira. A sua defesa em favor da eleio direta, do direito de voto e elegibilidade dos libertos, aos estrangeiros naturalizados e aos no catlicos, garantiu seu carto de visitas no processo de transio da Monarquia Repblica. Na sua fase abolicionista, Rui foi o grande defensor do Projeto Dantas que visava emancipar obrigatoriamente os escravos com mais de 60 anos. Tambm foi articulador das crticas a Lei dos Sexagenrios e defensor das liberdades individuais contra o escravismo. 106 Talvez uma de suas grandes bandeiras tenha sido a luta pelo federalismo, como explica Ricardo Vlez Rodrigues. Rui no se enquadrava no federalismo radical defendido por Jlio de Castilhos, mas sim no federalismo moderado, que significava uma certa autonomia aos organismos participantes dos regimes constitucionais fundamentados na premissa da descentralizao administrativa. Rui como redator da Constituio de 1891, inspirou-se na Constituio norte-americana e sugerindo o novo nome do pas: Repblica dos Estados Unidos do Brasil. Foi ousado no que tange ao processo de modernizao econmica, implantando uma poltica de forte emisso de moeda sem o lastro-ouro necessrio, a qual mais tarde foi denominada de Encilhamento. Segundo Boris Fausto a medida mais importante foi a que conferiu a alguns bancos a faculdade de emitir moeda. O papel fundamental coube ao banco emissor do Rio de Janeiro, o Banco dos Estados Unidos do Brasil. As iniciativas de Rui Barbosa concorreram para expandir o crdito e gerar a ideia de que a Repblica seria o reino dos negcios. Formaram-se muitas empresas, algumas reais e outras fantasmas. A especulao cresceu nas bolsas de valores e o custo de vida subiu fortemente. Sem dvida, o Encilhamento no deixou boas lembranas No incio de 1891 veio a crise, com a derrubada do preo das aes, a falncia de estabelecimentos bancrios e empresas. O valor da moeda brasileira, cotado em relao libra inglesa, comeou a despencar. possvel que para isso tenha concorrido um refluxo na aplicao de capitais britnicos na Amrica Latina, aps uma grave crise financeira na Argentina (1890). Por mais que as consequncias do Encilhamento tenham sido desastrosas, Rui foi ousado ao propor uma poltica visando o aceleramento do processo de industrializao no pas. Rui defendeu com fervor a separao entre Igreja e Estado colaborando para o fim do regime de padroado e instaurando a perspectiva da laicizao cultural no Brasil. Foi grande colaborador e defensor da soberania nacional, na famosa Questo do Acre, lutou pela legitimidade territorial brasileira contra as pretenses da Bolvia. Envolveu- se na famosa Revolta da Vacina, medida que questionou publicamente a A Lei de Vacinao Obrigatria, aproveitando a ocasio para levantar suas ilustres bandeiras em prol das liberdades individuais. Rui deixou claro que o Estado no poderia obrigar os cidados a se vacinarem, uma vez, que no plano jurdico-poltico todos os homens devem escolher se vo ou no se vacinarem. o princpio do livre arbtrio tpico da doutrina liberal. 194
194 Thomas Skidmore ponderou que a renovao do centro da cidade foi acompanhada por uma ampla campanha de sade pblica, supervisionada pelo notvel administrador mdico Oswaldo Cruz. [...] a meta principal da 107 Sem sombra de dvida, seu envolvimento na Segunda Conferncia de Haia consolidou sua postura liberal no exterior e reforou sua imagem de homem pblico defensor dos interesses democrticos no Brasil. Rui ao defender a igualdade das naes contra o Tribunal Permanente de Arbitragem selou sua legitimidade enquanto defensor dos princpios liberais e democrticos. Ao voltar ao Brasil foi extremamente homenageado ficando conhecido como guia de Haia, portador dos interesses da liberdade e defensor da soberania nacional, evidentemente tendo um grande apoio de Rio Branco, grande colaborador da imagem herica de Rui na Imprensa. Rui procurou se aproximar de dois grandes polticos nesse contexto: o presidente Afonso Pena e o caudilho Pinheiro Machado. Como afirmou Joo Felipe Gonalves, devido ao fato de Rui estar prximo de Afonso Pena ele esperava ser candidato presidncia da Repblica. Porm, com a morte de Joo Pinheiro, governador de Minas, Pena indicou para seu sucessor o ministro da Fazenda, David Campista, o que levou Rui a romper relaes polticas com o presidente. Comeava assim as bases histricas que levariam ao processo que estudaremos a seguir, denominado Campanha Civilista de 1910.
campanha era a erradicao do mosquito Aeds, transmissor da febre amarela (o presidente Rodrigues Alves perdera um filho com a doena). Isso exigia a eliminao ou o tratamento de toda gua parada onde os mosquitos pudessem se reproduzir. A campanha despertou apaixonada oposio quando os funcionrios da sade (apelidados de mata-mosquitos) passaram a ir de porta em porta. Uma campanha simultnea exigindo vacinao contra a varola provocou uma oposio ainda mais forte, causando o adiamento do incio da vacinao por cinco anos. Os positivistas eram os opositores mais ferrenhos, especialmente da vacinao compulsria, que ia contra seu conceito de liberdade individual.(Grifos nossos) Cf. SKIDMORE, Thomas. Op. cit., p. pp.67-94. 108 195
195 Disponvel em: www.scielo.br. Acesso em: 01 mai 2009. 109 CAPTULO 3 - A CAMPANHA CIVILISTA DE 1910 3.1 Origens da Campanha Civilista e sua posteridade imediata 196 Entende-se por campanha civilista a campanha poltica desempenhada por Rui Barbosa contra o militarismo representado pela figura de Hermes da Fonseca, no pleito eleitoral de 1910. Do ponto de vista histrico mais amplo, foi a primeira vez em que realmente se disputaram eleies para chefia do Estado brasileiro. Como afirma Carlos Peixoto foi: [...] a primeira tentativa de aglutinao poltica da nao em torno de um candidato que, viajando pelo pas, levava a toda parte o seu programa governamental, em verdadeiro dilogo com o povo. Tambm aqui se iniciou dos processos democrticos, pela escolha do candidato em conveno partidria, pelo exame de uma plataforma de governo, pela influncia da imprensa e do esclarecimento direto da opinio pblica, por campanhas e excurses polticas. 197 Em linhas gerais, sabemos que a Primeira Repblica se colocou numa lgica federativa da incerteza da sucesso presidencial. Segundo Otavio Soares Dulci, em sua anlise de apreciao do trabalho de Viscardi no livro Teatro das Oligarquias, a cada
196 Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 20 abr. 04 2009 197 BRITTO, Carvalho. O civilismo em Minas. Rio de Janeiro. Ed. FCRB, 1949. p.11. 110 quatro anos a hegemonia tinha que ser recomposta. Isso se fazia por meio de estratgias de maquinaes polticas em circuito fechado. 198 Conversaes entre os protagonistas, os chefes das oligarquias estaduais tinham lugar em esquemas que eram engendrados para atrair aliados e afastar competidores. Havia aproximaes, reaproximaes, vetos e retaliaes, no s entre pessoas e grupos, mas entre estados, como parte de um jogo de xadrez geopoltico. Assim, a instabilidade era condio para o relativo equilbrio do jogo das oligarquias. 199 A partir das consideraes expostas anteriormente procuramos enxergar as diversas possibilidades polticas no mbito da campanha civilista e nos seus efeitos imediatos. Afonso Pena, ao invs de indicar seu amigo, Rui Barbosa, para ser seu sucessor indicou o ministro da Fazenda, David Campista. Porm, tal indicao no agradaria Pinheiro Machado, que em tais circunstncias perderia sua posio de eminncia parda do regime. Com a morte de Joo Pinheiro, Pinheiro Machado 200 passa a articular a candidatura apoiada por jovens oficiais do Exrcito representada pela figura de Hermes da Fonseca. 201
198 Antes de mais nada visando facilitar nossos estudos propusemos uma cronologia da Campanha Civilista. Campanha civilista em 1909: 19 de maio Hermes declara-se candidato presidncia. 22 de maio A Conveno dos Congressistas homologa a candidatura do marechal Hermes da Fonseca, dando-lhe foros de escolha nacional. 14 de junho Morre Afonso Pena. 23 de Junho - Rui Barbosa renuncia vice-presidncia do Senado. 23 de julho Rodrigues Alves recusa o convite de Nilo Peanha para se candidatar presidncia da Repblica. Agosto: proclamado candidato presidncia da Repblica, na Conveno Nacional. 3 de outubro Realiza-se no Teatro Lrico, a Conveno das Municipalidades., na qual Rui Barbosa e Albuquerque Lins so proclamados candidatos, respectivamente, presidncia e vice-presidncia da Repblica. Nesse perodo ocorreu a excurso eleitoral ao Estado de So Paulo. Campanha civilista em 1910: Excurso eleitoral aos Estados da Bahia e Minas Gerais. 1 de maro Apresenta ao Congresso Nacional uma memria contestando a apurao da eleio para presidente e vice-presidente da Repblica. Hermes da Fonseca, logo em seguida, declarado eleito. Rui lhe faz sistemtica oposio. Cf IN site da FCRB A cronologia da Campanha Civilista est, Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso: 199 VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. O Teatro das Oligarquias. Ed. C/ Arte. Belo Horizonte, 2001. p. 13 200 A caricatura extrada de O Malho. Coleo lvaro Cotrim ( Cf. FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: apogeu e declnio do presidencialismo. Rio de Janeiro: J. Olympio e So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1973, vol. 2, p.543). 201 Afastando-se dos principais coronis mineiros, Joo Pinheiro sustentava politicamente Afonso Pena, cerrando esforos ao lado dos lderes do Jardim da Infncia, com a pretenso de ser indicado pelo Catete sucesso de Afonso Pena.No tardou a associao de interesses entre os velhos coronis do PRM e o Bloco em oposio ao Jardim da Infncia. Esta oposio manifestou-se em variadas ocasies, ao longo da gesto de A. Pena, mas teve como corolrio final a sua sucesso. A precoce morte de Joo Pinheiro interrompera-lhe as pretenses, recaindo a escolha sobre o nome de David Campista, poltico da zona da mata mineira, ligado ao Jardim da Infncia e Ministro da Fazenda de Afonso Pena. Muito embora tivesse o apoio dos paulistas - trocado pela concesso do endosso ao emprstimo que viabilizaria a realizao do Convnio de Taubat - a candidatura no conseguiu decolar em razo da conjuno de dois fatores. O primeiro, foi o veto interno, que partiu das hostes do PRM. O segundo foi o veto externo, que partiu dos estados que compunham o Bloco, j comprometidos com a indicao da candidatura militar de Hermes da Fonseca. Cf VISCARDI, Cludia. M. R. 111 202 A juventude militar, sempre descontente com os governos civis, lanou de forma independente a candidatura Hermes, que era sobrinho de Deodoro e ministro da Guerra de Afonso Pena, em maio de 1909. Rui no concordava de forma alguma com essa candidatura, mas apesar da oposio contundente, Pinheiro Machado considerava Hermes o candidato ideal. E resolve acelerar o processo. 203
Minas de Dentro para Fora: A Poltica Interna Mineira no Contexto da Primeira Repblica. Revista Locus, Juiz de Fora, v. 5, n. 2, p. 89-99, 1999. 202 Disponvel em: www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 10 abr. 2009. 203 Giovanni Stroppa Faquim em belssimo trabalho em sua dissertao de mestrado Polticos da Nova Raa: o Jardim da Infncia e a experincia do poder na Primeira Repblica compartilha com vrias de nossas ideias em relao a postura poltica de Rui no mbito da Campanha Civilista. O texto merece ser lido na ntegra, como o disponibilizaremos pelo menos uma parte aqui: Definitivamente afastados das foras gravitacionais do sul de Minas, diversos personagens , identificados Zona da mata, se filiaram candidatura civilista de Rui Barbosa, exceo de Joo Lus Alves que, por convenincias regionais ( era do Sul de Minas), filiou-se ao hermismo. Rapidamente ficaria clara a tnica pela qual os civilistas conduziriam a campanha presidencial: a fora contra a inteligncia. To logo iniciassem a criao da plataforma de governo os civilistas teriam que se posicionar frente aos rumos econmicos exigidos pelo pas. Esforariam-se bastante para eliminar a imagem negativa da crise do Encilhamento herdada por Rui Barbosa quando de sua passagem pelo Ministrio da Fazenda durante a administrao do tio de Hermes, Marechal Deodoro da Fonseca. Irineu Machado, deputado pelo Distrito Federal e presidente da comisso de Campanha Civilista defenderia os anos de poltica emissionista empenhadas por Rui. Apesar das claras conseqncias advindas dessa prtica que trariam instabilidade a profunda depreciao cambial com a conseqente presso sobre o endividamento externo, as emisses foram tratadas durante a campanha de Rui como nica soluo possvel no momento. Alm das defesas do candidato, sobravam ataques a Hermes da Fonseca. Cf . Dissertao de Mestrado apresentada no Programa de Ps-Graduao em Histria da UFJF, no ano de 2007 apreciada pela orientadora Prof. Dr Cludia Maria Ribeiro Viscardi. Cf tambm a 112 204 Pinheiro Machado reuniu-se com quatro polticos do estado-maior, cuja composio era preenchida por dois aliados de Rui, Azeredo e Glicrio, e por outros dois comprometidos em apoiar Hermes. Formava-se o impasse cabendo a Pinheiro decidir. Rosa e Silva, adversrio de Rui, colaborou muito para que Rui no tivesse nenhuma chance candidatura e fez um pronunciamento favorvel a Hermes. Segundo Afonso Arinos, o incio da Campanha Civilista uma carta que Rui envia a Azeredo e Glicrio. Os dois amigos, embora votando por Rui na reunio da cpula que decidiu fechar com a candidatura Hermes, ficaram ao lado de Pinheiro. O velho chefe sabia manipular seus companheiros garantindo a hegemonia do lder gacho. 205
definio que Viscardi faz sobre o Jardim da Infncia grupo que servia de sustentculo ao governo Pena, no Executivo e Legislativo Federais. Cf. VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Op. cit. (nota 212), p.183. 204 Disponvel em: www.historianet.com.br. Acesso em: 20 abr. 2009. 205 Confira a seguir: Caricatura de Pinheiro Machado. Klixto, publicado originalmente em O Malho, Rio de Janeiro (Cf. VIEIRA, Jos de Arajo. A cadeia velha: memria da cmara dos deputados. Braslia: Senado Federal e Rio de Janeiro: Fundao Casa de Rui Barbosa, MEC, 1980, p. 92.) 113 206 Rui se voltou contra Hermes e contra o candidato a vice-presidncia, Venceslau Brs, mais uma vez levantando a bandeira do credo civilista e liberal contra a soluo armada. Preferia ser derrotado na defesa dessas idias, pois assim, vencidos, teramos a consolao de o ser com honra, o que muito do que vencer sem ela e de salvar os princpios, que se devem salvar para sempre, ainda quando se perca tudo o mais [...] So compromissos que representam minha vida inteira. 207 Na famosa Carta de Bronze, de 19 de maio de 1909, Rui elogiava exaustivamente Hermes da Fonseca e deixava claro que era o militar e no o cidado, que se candidatava e, portanto, sua eleio seria uma verdadeira interveno militar na vida poltica. Rui no era contra os militares, mas contra o militarismo, que corrompia tanto as Foras Armadas quanto a democracia. No mesmo ms de maio, David Campista, diante da presso poltica, retirou sua candidatura. 208 Com a morte repentina de Afonso Pena, em junho, assumiu a presidncia
206 Apud. 207 FRANCO, Afonso Arinos de Mello e LACOMBE, Amrico Jacobina. Op.cit., p. 200. 208 conhecido o fato que deu origem intensa disputa eleitoral em 1910. O veto candidatura do mineiro David Campista, capaz de agregar os apoios dos estados de Minas e So Paulo, dividiu as bases de sustentao da presidncia Afonso Pena ( chamado bloco) em dois grupos opostos. natural que as bases de sustentao do nome de Campista (os polticos ligados ao grupo jardim da infncia) no se conformassem com a indicao da candidatura de Hermes e a ela se opusessem. Da explicar-se a importncia e dinamicidade do civilismo em Minas. No que diz respeito oposio poltica entre as duas regies cafeicultoras mineiras, ela se funda em dois pilares. O primeiro muito simples. Os modelos de cafeicultura das duas regies eram bastante distintos, dificultando a sedimentao de interesses econmicos comuns. O segundo mais simples ainda. David Campista 114 seu vice, o fluminense Nilo Peanha, um grande aliado de Pinheiro Machado. A chapa Hermes agora era oficial no s de fato, mas tambm de direito. Rui repudiou imensamente o militarismo e valorizou a campanha civilista como forma de expressar suas convices polticas: [...] como ao fiat dos livros sagrados, vimos de repente surdir aqui toda uma criao inesperada. A palavra baixou ao seio do nosso caos, e dele saiu a idia, a harmonia, a solidariedade. ramos fraqueza, disperso, inrcia. Somos hoje fora, coletividade, resoluo. Pela primeira vez uma eleio presidencial se anuncia com o concurso real do povo. Ponto por ponto se est realizando o que eu antevia na minha carta de 19 de maio, quando ao repelir a candidatura militar, disse que apelssemos para as urnas, teramos, nesta terra, o primeiro exemplo de uma luta nacional pela eleio de presidente. 209 Os grupos dissidentes, ou seja, as oposies estaduais e as situaes baiana e paulista convocaram a famosa Conveno de agosto de 1909, 210 que tentou articular os nomes de Rodrigues Alves, Rio Branco e Rosa e Silva. Porm, nenhum deles aceitou perder para Hermes, no momento em que os paulistas ainda rechaavam a candidatura de Rui presidncia. Como a situao no se resolvia, membros da oligarquia paulista procuraram Jos Marcelino para que ele tentasse convencer Rui a lanar sua candidatura. Dessa forma, Rui acabou sendo beneficiado e a Conveno de 1909 indicou para vice o governador de So Paulo, Albuquerque Lins. 211 O resultado da Conveno pode ser conferido nos dois quadros a seguir: 212
era uma das mais destacadas lideranas polticas da Zona da Mata. E Wenceslau Brs, candidato a vice na chapa de Hermes, era do Sul de Minas. As duas regies encontravam-se representadas em lados opostos. Cf. VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Elites polticas na Primeira Repblica Brasileira: um levantamento prosopogrfico. :Disponvel em: www.mestradohistoriaufjf.br. Acesso em: 03 fev. 2009. pp.5-13. 209 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 307. 210 Segundo Viscardi alguns setores de Minas gerais aderiram ao civilismo. Cerca de 70 municpios mineiros compareceram Conveno que escolheu Rui Barbosa. Dos 37 deputados mineiros, cinco aderiram candidatura de Rui. Entre eles estava a ala mineira do Jardim da Infncia, liderada por Carlos Peixoto. Juiz de Fora e Belo Horizonte somaram grande apoio campanha civilista. Dois importantes jornais do Estado conferiram seu apoio a Rui Barbosa: O Pharol e o Correio de Minas. adeso mineira ao civilismo, Rui atribuiu a expresso o estouro da boiada, com o objetivo de caracterizar as dissidncias internas mineiras, no totalmente controladas pela poderosa tarasca. Cf. VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Op. cit. (nota 212), p.207. 211 Manuel Joaquim de Albuquerque Lins nasceu em So Miguel dos Campos, em 1852, So Paulo. Foi governador do estado de So Paulo entre 1908 e 1912.Nascido no interior de Alagoas, formou-se na Faculdade de Direito do Recife, na turma de 1877. Nos ltimos anos do Imprio foi deputado provincial em 1888 e presidente da Provncia do Rio Grande do Norte em 1889.J em So Paulo, foi vereador da cmara municipal de 1899 a 1901, presidindo-a nesse perodo. Torna-se senador do Estado em 1901, permanecendo no cargo at 1904. Depois de ocupar a Secretaria da Fazenda e do Tesouro do Estado (1904 a 1907) e exerceu mandato como presidente do Estado durante o perodo de 1908 a 1912.Graas aos preos favorveis do caf no mercado internacional conseguiu despontar como um dos maiores presidentes do Estado, construindo edifcios, expandindo o sistema de armazenamento da rede escolar, criou o ensino tcnico agrcola e a Diretoria Geral de Instruo Pblica, em substituio Inspetoria do Ensino. Deu continuidade construo do Instituto Butant, iniciou a construo do Hospital de Isolamento de Santos e deixou o estado com grande supervit 115 Rui Barbosa 482 votos Joaquim Murtinho 19 votos Assis Brasil 14 votos Fernando Lobo 7 votos Rodrigues Alves 4 votos Campos Sales 1 voto Hermes da Fonseca 1 voto Albuquerque Lins 1 voto Quadro 1: Resultado da Conveno de 1909 para a Presidncia da Repblica Albuquerque Lins 486 votos Carlos Peixoto 5 votos Carvalho Brito 5 votos Fernando Lobo 4 votos Joaquim Murtinho 3 votos Assis Brasil 2 votos Barbosa Lima 1 voto Jos Marcelino 1 voto Nilo Pessanha (sic) 1 voto Quadro 2: Resultado da Conveno de 1909 para a Vice- presidncia da Repblica O discurso da campanha civilista, a partir de ento, foi o de fortalecer o processo de construo da democracia no Brasil, combatendo o domnio oligrquico na Primeira Repblica. Porm, devemos perceber que embora houvesse um contedo antioligrquico, Rui Barbosa fora apoiado pelas oligarquias paulista, baiana e, mais tarde, fluminense. O grande emblema deixado pela Campanha civilista foi promover o debate de ideias e persuadir o eleitor pela palavra e pela razo. Sem dvida, na prpria forma da campanha j se encontrava as matrizes de inovao poltica no centro da Primeira Repblica. O civilismo ganhou tambm forte expresso atravs da imprensa. No Rio de Janeiro, atravs de jornais como o Correio da Manh e o Jornal do Commercio. Em quase todas as cidades mineiras, por
financeiro.Depois disso, ainda foi senador estadual por trs mandatos: de 1913 a 1916, de 1916 a 1922 e de 1922 a 1926. Cf. VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Op. cit. (nota 212), p. 191-198. Segundo Carvalho Brito, Aluquerque Lins, presidente de So Paulo era apoiado por tradicionais elementos da poltica paulista, tais como: Alfredo llis, Jlio Mesquita, Altino Arantes, Cincinato Braga, Eli Chaves, Prudente de Morais e Barros, e tantos outros. 212 BRITO, Carvalho. Op.cit., pp.31-32. 116 exemplo, havia um rgo de propaganda do civilismo e da candidatura de seu supremo chefe, conforme podemos perceber no quadro a seguir: Juiz de Fora O Fharol e Correio de Minas Uberaba, Lavras e Minas Novas O Civilista Barbacena e Poos de Caldas Liberdade civil Lavras A Tribuna So Joo Del Rei O Reprter Ouro Preto O Regenerador Alfenas Combate Belo Horizonte O Astro Palmira O Binculo Bicas O Povo Bom Sucesso O Juvenil Cataguases A poca e O Bomio Leopoldina O Novo Movimento Quadro 3: Principais jornais civilistas em Minas Gerais Em discurso inaugural da Campanha, no teatro Lrico do Rio de Janeiro, Rui proferia as seguintes palavras para combater o autoritarismo e o militarismo, pontos chaves da chapa de oposio: Todo o Brasil se levanta. A nao est de p e em marcha. o batismo do povo na Democracia. o renascimento de nossa nacionalidade. o futuro livre que se comea a descortinar. 213 Outro estilo importante de Rui foi sua proposta de excurso eleitoral. Fez campanha na capital federal, passou por So Paulo, Bahia e Minas Gerais. Ocupou teatros e praas pblicas. Em geral suas propostas polticas eram sintetizadas nas reformas eleitoral e constitucional. Rui pregava a defesa do fim do voto aberto e a abolio do processo de apurao e verificao dos escrutnios eleitorais no Congresso. Havia ainda a defesa da autonomia do Judicirio em relao ao poder central, a unificao da magistratura, a especificao dos poderes legislativos dos estados, a imunidade dos magistrados e parlamentares ao estado de stio e a especificao legal de que os efeitos do estado de stio cessam quando ele cessar. Ressalta-se ainda a sua velha bandeira de defesa de ampliao do sistema de educao pblica no pas.
213 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 274 Discurso proferido por Rui no Teatro lrico do Rio de Janeiro, no processo inaugural da Campanha. O documento conhecido como "Campanha Presidencial de 1910. 117 Rui Barbosa procurou demonstrar atravs de seus discursos, a imoralidade de prticas polticas como o militarismo, o patrimonialismo e o coronelismo. No mesmo documento que citamos anteriormente, no perodo de inaugurao de sua campanha, Rui vociferava: [...] os governos se revezam ali e meia dzia de individualidades lgias de mesmo senhor ou filiadas na mesma parentela. 214 Contra o militarismo diversas crticas foram feitas dando legitimidade aos discursos dos bacharis de direito. Segundo Rui, o intervencionismo militar trazia a substituio da lei e da liberdade pelo arbtrio tirnico. Trs questes bsicas envolvem o debate em torno do antimilitarismo de Rui. Primeiro necessrio distinguir o que funo das instituies de uma ideologia militarista autoritria. Segundo, mostrar as consequncias na prtica poltica republicana da ingerncia militar. E, terceiro, demonstrar a incompatibilidade dos princpios liberais democrticos comprometidos com a representatividade civil com os princpios que norteiam um governo da fora, da espada. No documento proferido por Rui Barbosa no teatro Lrico do Rio de Janeiro, em 03 de outubro de 1909, Rui levanta seus argumentos contra a candidatura militar criticando a doutrina da vigilncia da sociedade, em prejuzo das liberdades civis: [...] abriram-se as catadupas da mentira. Evocaram-se os fantasmas da ameaa. Espremeram-se os venenos da malignidade. Invenes atrozes e boais, desvaladas e ferozes nos saram praa, com fumos de acusao e ares de sentena. O movimento civil conspirava o assassnio do candidato militar. E em torno desta emanao infecta se vai dilatando, com engenho e perseverana, toda uma literatura de editoriais, discursos, telegramas e entremezes. A polcia abriu os olhos da sua vigilncia protetora sobre as vidas preciosas dos chefes da faco militar. O candidato da fora est de guarda porta. 215 Em documento denominado Militares e Poltica fica evidente as preocupaes de Rui em defender os parmetros democrticos macro-estruturais: 216 [...] entre as instituies militares e o militarismo vai, em substncia, o abismo de uma contradio radical. O militarismo governo da nao pela espada, arruna as instituies militares, subalternidade legal da espada nao. As instituies, militares organizam juridicamente a fora. O militarismo a desorganiza. O militarismo est para o Exrcito, como o fanatismo para a religio, como o charlatanismo para a cincia, como o industrialismo para a indstria, como o mercantilismo para o comrcio, como o cesarismo para a realeza, como o demagogismo para a democracia, como o absolutismo para a ordem, como o egosmo para o eu. Elas so a regra; ele a anarquia. Elas a moralidade; ele a
214 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 274 215 Ibid, p.309. 216 Ibid, pp. 274-289. 118 corrupo. Elas a defesa nacional. Ele, o desmantelo, o solapamento, a aluio dessa defesa, encarecida nos oramentos, mas reduzidas, na sua expresso real, a um simulacro. 217 Fica evidente que o documento acima colabora para concluirmos que para Rui as instituies civis no logram estabelecer a paz mediante a justia, as armas s estabelecem a paz da servido. Rui Barbosa mostra que no desconhecia o poder das Foras Armadas e temia o uso inadequado da fora e a usurpao da lei. Segundo Joo Felipe Gonalves a grande inovao do discurso civilista foi o carter da liberdade que Rui nele enfatizou. Rui critica a liberdade negativa, que se baseava na interveno do poder pblico na esfera de ao dos indivduos e defendia a liberdade positiva, ou seja, a participao pular no poder pblico. Nessa nova fase da vida poltica de Rui no se tratava de negar os direitos sociais, pois o governo democrtico no pode legitimamente restringir a liberdade de ao e pensamento dos cidados. Agora, a representao da sociedade no Estado passou a ser melhor garantida contra os governos tirnicos: [...] destrudo o governo representativo, cuja substncia consiste na escolha do Governo pelo povo, nenhuma das liberdades crists, das liberdades democrticas, poder mais existir, seno por tolerncia do usurpador ( ...) Todos os direitos, que as Constituies declaram irrenunciveis, intangveis, e inalienveis se coassociam e coexistem num feixe. Mas a liberdade poltica, da qual a condio prtica est no voto, o liame que nesse feixe os enlaa a todos, estabelecendo entre eles a unio por onde se conservam e se impem. 218 O resultado das eleies apontou Hermes da Fonseca como vencedor. Entre 16 de maio e 23 de julho de 1910, Rui apresentou ao Senado uma forte contestao em que denunciava as bases falsas do resultado oficial e demonstrava ter sido vitorioso nas eleies. A contestao, que continuava o clamor de Rui pela moralizao do processo eleitoral, no foi acatada pelo Congresso. Em 15 de novembro de 1910 o marechal Hermes da Fonseca assumiu a presidncia. Segundo a historiadora Cludia Ribeiro Viscardi, no existe um carter de excepcionalidade na sucesso de 1910. No havia uma aliana prvia entre Minas e So Paulo. Viscardi demonstrou que a sucesso de Afonso Pena reeditou uma aliana estabelecida previamente, entre Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro (os dois ltimos
217 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 274-292. 218 BARBOSA, Rui. Teoria poltica. Seleo, coordenao e prefcio de Homero Pires. Rio de Janeiro, So Paulo, Porto Alegre, W.M Jackson, 1950. 119 divididos), sobre novos patamares. Os parceiros polticos foram mudados, e o Estado cedeu sua hegemonia ao Rio Grande do Sul. 219 Pelo que pde ser observado, a sucesso de 1910 foi marcada por uma nova derrota poltica de So Paulo, mesmo fortalecido politicamente, foi derrotado ao tentar impor um candidato prprio aos demais estados. No evento em foco, a sucesso de Pena, So Paulo encontrava-se mais frgil e menos autnomo, em razo de sua dependncia em relao poltica econmica em vigor. Acabou por lanar-se em uma aventura oposicionista a ter que submeter-se ao risco de uma presidncia militar e gacha. Por mais uma vez, a atuao ativa do Rio Grande do Sul impediu que uma aliana mineiro-paulista prejudicasse a sua projeo por sobre a nao. Cabe frisar, no entanto, que a interveno gacha s foi possvel em funo das divises internas da elite mineira, e do apoio de parte das faces dos estados da Bahia e do Rio de Janeiro. 220 3.2 A oposio de Rui ao governo Hermes da Fonseca Governo de mandes, de chefes de partidos, governo absoluto, sem responsabilidade, arbitrrio em toda a sua extenso desta palavra, negao completa de todas as idias que pregamos. 221 O fato de o governo Hermes ter sido o primeiro a surgir de uma eleio efetivamente disputada na Repblica criou um quadro novo, at ento, no vivenciado pelo novo regime. O governo federal teria, pela primeira vez, uma oposio organizada, a dos civilistas, tendo frente dois grandes estados, So Paulo e Bahia. 222 De forma um tanto quanto curiosa, Rui no deixa de manifestar, pelo menos num primeiro momento, sua amizade e admirao pessoal pelo Marechal Hermes, mas, acrescenta:
219 Segundo Viscardi um dos momentos mais destacados de diviso interna da elite mineira ocorreu ao longo da gesto presidencial de Afonso Pena, a qual confluiu na colocao de duas candidaturas presidenciais relativamente competitivas, sobretudo se comparada s anteriores, qual seja, a que ops as candidaturas do baiano Rui. Cf. VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Op. cit. (nota 221), pp.5-13. 220 Cf. VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Op. cit. (nota 212), Op. cit. p.208. 221 MANGABEIRA, Joo. Op. cit. (nota 41), pp 23-24. 222 Na dissertao de mestrado de Faquim . op.cit ele afirma que Hermes da Fonseca era encarado como marechal sem tradies e sem passado. [...] pesavam sobre o militar o passado de violncias como integrante do corpo policial da Capital Federal e na represso Revolta da Escola Militar em novembro de 1905 alm um conhecido histrico de intolerncia liberdade de imprensa. A soluo militar era vista como um retrocesso completo. Cf. Faquim op.cit. p. 138. 120 [...] a farda que veste, no constitui objeo ao exerccio de servir ao pas nesse posto, uma vez que ele se no configura ao militar, mas ao cidado. [...] Assim que, se o honrado Marechal sasse do Congresso, do seio de um partido, ou de um passado poltico para a situao de chefe do Poder Executivo, o fato seria natural, e sua candidatura teria sido acolhida com o meu imediato assentimento. [...] se na escolha no entra como razo determinante a considerao da classe, a qual pertence, escapa ao meu entendimento o motivo da preferncia, que a fez recair sobre seu nome. [...] qualificar a sua candidatura, como a nica eficaz para desmanchar o encalhe atual, seria atribuir fora de que esse elemento expresso, o privilgio de remediar um caso do Governo. 223 O incio da administrao de Hermes foi marcado pela tentativa de conciliao com seus maiores opositores, os civilistas. Ao escolher seu Ministrio, esforou-se em ouvir Rui Barbosa, mas no abriu mo de indicar nomes que provinham dos estados que serviram de sustentculo a sua eleio, tais como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e parte da Bahia. Hermes fez questo de indicar pessoalmente os titulares das pastas militares. Os demais foram escolhidos sob o aval do Rio Grande do Sul. 224 A oposio ruiana percorria a imprensa atravs dos jornais Dirios de Notcias, Correio da Manh, A Noite e O Imparcial. Para organizarmos melhor nossa estrutura de pensamento abordamos a partir de agora as atitudes prticas encabeadas por Rui contra o hermismo. Um primeiro elemento de destaque foi o discurso feroz que Rui pronunciara contra a traio garantia de anistia dos revoltosos na chamada Revolta da Chibata (1910) 225 , apresentando um pedido para que se votasse um projeto de extino dos castigos corporais nas Foras Armadas. Em dezembro, o governo decretou estado de stio devido resistncia dos marinheiros presos na ilha das Cobras. Duas vezes Rui discursou contra a medida no Senado e foi o nico a votar contra ela. Quando se desenrolou, em 1911, os escndalos envolvendo o fuzilamento dos presos no navio que se direcionava para o Acre, Rui foi um dos primeiros a protestar contra o ocorrido.
223 BARBOSA, Rui. Contra o militarismo: campanha eleitoral. Rio de Janeiro: ED. FCRB, 1910. 224 VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Op. cit. (nota 212), Op. cit., p. 215. 225 Acerca da Revolta da Chibata ver: MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata. 3. Ed, Rio de Janeiro: Graal, 1979 e SILVA, Marcos A. da. Contra a Chibata: marinheiros brasileiros em 1910. So Paulo: Brasiliense, 1982. 121 226 A segunda grande campanha de Rui contra o presidente Hermes estava vinculada questo da Poltica das Salvaes. Essa poltica tinha o objetivo de substituir as oligarquias que controlavam o poder nos Estados, por interventores federais, de preferncia militares, que impusessem a vontade do poder central. Tal poltica satisfaria assim o desejo dos militares de centralizarem o governo e de se substiturem ao domnio oligrquico. Afonso Arinos afirmou que as salvaes tiveram um importante significado poltico. Segundo ele as as salvaes no eram uma improvisao sem base: [...] representavam um processo sociolgico definido: a luta da oficialidade jovem, com apoio ou indiferena das classes populares para deslocar a aristocracia republicana e instalar-se nas suas posies. 227 Como foi comentado na poca, essa poltica lembrava as tradies florianistas. Atravs das aes polticas de Pinheiro Machado, as intervenes se tornaram meros remanejamentos das vrias faces oligrquicas nos Estados. 228 Segundo Viscardi, o discurso militar que justificava as intervenes e atraa as oligarquias para uma aliana era o da defesa de uma distribuio de poder mais equitativa entre as unidades federadas brasileiras:
226 Cf In www.jblog.com.br. Acesso em 20-04-09. 227 FRANCO, Afonso. A. de M. Rodrigues Alves: apogeu e declnio do presidencialismo. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1973, volumes 1 e 2. p 616. 228 Segundo Joo Felipe Gonalves Rui ia atacando as salvaes no Dirio de Notcias e no Congresso, medida que iam ocorrendo. Comeou discursando no Senado contra a interveno em Pernambuco, defendendo o seu opositor Rosa e Silva. Mas seu maior envolvimento foi no caso da Bahia, em que seu aliado Arajo Pinho foi forado pelos militares a renunciar o governo do Estado. Um bombardeio a Salvador, em janeiro de 1912, obrigou tambm o governador substituto, Aurlio Viana, a renunciar. Tendo causado muitas mortes e destrudo vrios prdios pblicos, o bombardeio foi a ao mais dramtica e violenta do salvacionismo. Cf IN Gonalves, Joo Felipe. Op.cit. p 134. 228 GONALVES, Joo Felipe. Op.cit., p.35-38. (Nota 2 ou 22) 122 Cientes de que os mdios e grandes estados eram os responsveis pela conduo do regime republicano, os militares sabiam que a nica forma de tornarem-se atores polticos competitivos seria atravs da formao de um eixo alternativo de poder, composto por eles e pelos pequenos estados. Este anseio dos militares era igualmente partilhado pelas oligarquias, que se encontravam marginalizadas do poder, o que propiciou o advento de uma aliana entre os militares e as oligarquias emergentes destes estados. Para as ltimas, a parceria com os militares, naquele contexto, seria a nica forma de combater seus rivais locais, comprometidos com os chefes polticos dos grandes estados, que exerciam o controle do pas desde a gesto de Campos Sales. Como a historiadora defendeu, as tentativas de se formarem eixos alternativos ao poder das alianas polticas hegemnicas foram constantes e variadas ao longo da Primeira Repblica. 229 Em defesa do Habeas-Corpus, uma velha bandeira poltica de Rui, destaca-se sua real vitria quando, no ano de 1913, conseguiu a liberdade para os desembargadores do estado do Amazonas, que estavam sendo ameaados de exonerao. O final do governo Hermes teve um balano extremamente negativo principalmente em funo das Salvaes. A oligarquia de Minas Gerais que havia apoiado sua eleio retirou sua sustentao. Tentando ficar no poder, Pinheiro Machado e Hermes tentaram convencer Rui a lanar-se candidato, mas Rui rechaou com fria a proposta de seus inimigos polticos. Diante desse contexto, Pinheiro Machado acabou sendo candidato presidncia, mas sua impopularidade era imensa em relao s oligarquias sulinas e nordestinas. Minas e So Paulo encabearam um grupo de reao sua candidatura, chamado de Coligao. No incio, os nomes de Rui Barbosa e Francisco Glicrio compunham a possvel chapa da Coligao. A ideia no foi adiante devido oposio das oligarquias ao nome de Rui Barbosa, que tinha como desejo naquele momento implementar a reforma constitucional. A Coligao acabou lanando a candidatura do mineiro Wenceslau Brs, que, como era de se esperar, acabaria sendo eleito em 1 de maro do ano seguinte. Rui no desistiu no incio de sua candidatura tendo sido candidato por um novo partido estruturado em torno do seu nome: o Partido Republicano Liberal. Chegou a escrever algumas conferncias, mas acabou desistindo da disputas pelo pleito presidencial no ano de 1913. Na ocasio da posse de Wenceslau Brs, havia uma suspeita de conspirao contra o governo e Hermes decretou estado de stio, o que gerou uma nova oposio de Rui s atitudes arbitrrias, que foram tomadas em pleno recesso parlamentar. Rui no conseguiu tantos avanos como esperava, mas foi feliz ao restringir o estado de stio, ao conquistar o direito de liberdade de imprensa, mesmo em tais circunstncias. Rui afirmara: [...] o estado de stio
229 VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Op. cit. (nota 212), p. 224. 123 uma instituio condenada; o cancro do regime republicano. H de liquid-lo, se no for extirpado por uma reviso constitucional. 230 Um pouco antes da posse de Wenceslau Brs Rui manifestou se apoio ao novo presidente marcando uma nova trajetria na sua vida poltica voltada agora para o exterior. Sobre esse assunto, no prximo subcaptulo discutimos a posio poltica de Rui em relao Primeira Guerra Mundial (1914-1918). 3.3 Rui e a Guerra da Democracia 231 A Primeira Guerra foi originada em funo das lutas imperialistas das grandes potncias industriais, a partir do final do sculo XIX. Sem dvida foi um acontecimento histrico que foi um desdobramento da Revoluo Industrial O historiador Pierre Miquel inclui a Primeira Guerra entre os principais acontecimentos da histria do mundo. Na anlise dos imprios ele faz a seguinte sntese: [...] o imprio mais doente o austro-hngaro, ameaado em sua coeso pelas populaes srvias reunidas na Bsnia anexada ao imprio. Essa minoria srvia apoiada, em desejo de se unir vizinha Srvia, pelos governos de Belgrado e de So Petersburgo. [...] O imprio otomano, que domina uma parte da Europa ( a Trcia ocidental) e os povos rabes da Sria e os do Lbano, os cristos da Armnia e do Oriente, este h algum tempo doente. Suas finanas esto nas mos dos anglo- franceses, seu exrcito, nas mos dos alemes. Ele acaba de passar pela revoluo dos jovens Turcos que querem imperdir que o imprio desaparea, mesmo com
230 MANGABEIRA, Joo. Op. cit. (nota 41), pp.10-23. 231 Caricatura de Rui Barbosa disponvel em www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 10 abr. 2009. 124 risco de uma guerra. [...] O II Reich alemo o nico imprio slido e triunfante. Ele constituiu sua unificao por meio de trs guerras, uma pela conquista dos ducados dinamarqueses, O Schelswig e o Holstein, outra, em 1866, para desencorajar a ustria de liderar a unificao alem na Europa, e a terceira contra a Frana, em 1870, para se apossar do Reichsland da Lorena e da Alscia. O Reich domina tambm, como a ustria e a Rssia, uma parte da Polnia. 232 Nos primeiros momentos do governo Wenceslau Brs ocorreram vrias manifestaes em apoio ao papel de smbolo da legalidade representado por Rui Barbosa contra o governo Hermes da Fonseca. Com a morte de Pinheiro Machado em setembro de 1915, Rui reservou suas foras polticas. 233 Em 1916, Rui foi convidado para representar o Brasil como embaixador extraordinrio na Argentina e l proferiu um discurso que o projetou, no plano internacional, condenando a neutralidade dos pases americanos na Primeira Grande Guerra. O objetivo de Rui era fazer com que o Brasil, Argentina e Estados Unidos entrassem na guerra ao lado de Inglaterra, Frana, Rssia e Itlia, contra os imprios otomano, alemo e austro-hngaro. Na leitura de Rui Barbosa os imprios representavam uma verdadeira barbrie da modernidade e deviam ser combatidos em prol da liberdade. Rui defendia a tese de que era impossvel pensar em neutralidade brasileira uma vez que o conflito mundial era a expresso da luta entre justia e a democracia, por um lado, e a fora e o despotismo, por outro. Acima de tudo, Rui via na guerra a possibilidade de regenerao democrtica de cada uma das naes envolvidas. No conflito, os pases despticos da Europa seriam derrotados e salvos pelas potncias liberais, gerando um inaudito avano mundial da democracia. Cabe ressaltar que Rui incorporou sua luta internacional favorvel participao do Brasil na guerra, em busca de aproveitar a oportunidade para criticar determinados arranjos polticos no Brasil, como era o caso da poltica sucessria. Rui era contra o predomnio da vontade pessoal do presidente para fazer o seu sucessor e aproveitava a sua luta pela cruzada democrtica a favor da guerra para defender polticas reformistas democrticas no Brasil. A ttulo de exemplo, no ano de 1917, quando houve a indicao da chapa Rodrigues Alves- Delfim Moreira para a presidncia, Rui questionou tal possibilidade imediatamente. Tais
232 SKIDMORE, Thomas. p. 140. (Grifos do autor) 233 Viscardi afirma em O Teatro das Oligarquias que aps a morte de Pinheiro Machado, os estados, reunidos em torno do poder riograndense, perderam progressivamente sua fora. Este fato resultou na indicao de Rodrigues Alves para suceder Wenceslau, sem que a pretenso paulista sofresse qualquer desafio. A historiadora discorda das anlises que afirmam que a indicao do nome paulista tenha sido apenas um captulo a mais da histria de uma aliana permanente entre Minas e So Paulo, verificada pelo pacto de Ouro Fino. O seu trabalho de pesquisa comprovou que a escolha de Alves se deu como resultado de um acordo interno entre os estados hegemnicos, cujo marco definidor principal foi a momentnea fragilidade dos antigos perrecistas no processo. Cf. VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. Op. cit. (nota 212), p. 281. 125 candidaturas obedeciam ao revezamento entre mineiros e paulistas, acertado em Ouro Fino, mas Rui viu nela apenas a imposio da vontade pessoal de Wenceslau, o velho desrespeito personalista aos processos democrticos. No que tange especificamente aos Estados Unidos, embora Rui tenha solicitado a participao desse pas a favor dos Aliados, antes mesmo de 1900, nosso Conselheiro estabeleceu crticas outra forma de imprio representada pela Doutrina Monroe. Em a A Iluso Americana, Eduardo Prado levanta os seguintes argumentos a respeito da participao de Rui em relao a este assunto: [...] a Doutrina Monroe, no uso diplomtico, dos Estados Unidos, tivera em todos os tempos, um carter exclusivamente americano, que a face pior por ela apresentada ao resto da Amrica era puramente uma limitao da soberania de outras repblicas, que a democracia de Washington nunca se irmanara a sua causa nossa, e que cerrando, por aquela frmula memorvel, o continente americano a cobia europia, no fizera mais do que reservar aos empreendimentos futuros da sua. 234 A crtica de Rui Doutrina Monroe cimentou os outros questionamentos levantados em sua carreira poltica e dialogou perfeitamente com a sua postura em relao ao debate travado em torno da defesa da igualdade entre as Naes, no que tange ao Tribunal Permanente de Arbitragem, na Segunda Conferncia de Haia, conforme demonstramos no captulo 2. Em Conferncia pronunciada na Faculdade de Direito de Buenos Aires, em 14 de julho de 1916, Rui defende abertamente a participao do Brasil no conflito tendo entre os seus argumentos a questo moral: [...] sem a guerra as raas inferiores e desmoralizadas ligeiramente eliminariam as raas saudveis e longevas. Sem ela o mundo acabaria numa decadncia geral. A Guerra um dos fatores essenciais da moralidade. 235 Fica transparente, no entanto, a viso racista de Rui, que fazia com que o discurso de legitimidade de superioridade tnica de determinados povos fosse uma verdade universal. Percebemos, nesse ponto, mais uma das incongruncias do pensamento de Rui Barbosa. Para criticar a frente germnica na Guerra que se consolidaria em torno de um forte Imprio, Rui hostilizou os efeitos de uma guerra para mostrar, que no havendo escolha, o Brasil deveria combater os articuladores da violncia internacional. 236
234 PRADO, Eduardo. A iluso americana. So Paulo: Livraria e Oficina Magalhes, 1917. 235 Cf. Escritos e Discursos Seletos a Conferncia na Faculdade de Direito de Buenos Aires em 14 de julho de 1916 denominada Problemas do Direito Internacional. LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp. 81-122. 236 [...] a Histria nos ensina que a guerra nasce da tirania, ou a gera, que a guerra colide com as instituies livres, e a destri, que a guerra desumana as almas, e as corrompe, que a guerra descristianiza as sociedades e as 126 Um ponto a observar no documento que estamos examinando que, em determinado momento, Rui aproveitou para defender alguns de seus outros valores. Percebemos que uma das matrizes do pensamento liberal percorreu o seu texto. O assunto em questo tratava-se do valor dos contratos nas sociedades modernas. Segundo ele, a autenticidade da fala traduzida pela escrita, pois o valor do papel, como ele mesmo afirmou, no comunica a sua destrutibilidade. Tal reflexo visava, entre outras questes, instigar o pas a se envolver inclusive em assuntos internacionais, marcando sua posio em documentos escritos. Essa foi sua grande luta quando retornou ao Brasil. De volta ao Brasil, Rui se tornou membro da Liga Brasileira pelos Aliados e fez conferncias em teatros e escreveu em jornais suas convices contra a neutralidade. O ponto culminante do civilismo de Rui Barbosa sobre esse assunto aumentou em abril de 1917, quando o Brasil rompeu relaes diplomticas com a Alemanha. Rui encarava a participao do Brasil no Primeiro conflito Mundial como uma forma de inserir o pas na universalizao do civismo democrtico. A proposta era estabelecer uma verdadeira cruzada civilista internacional tendo como objetivo a paz mundial. 237 Ainda a respeito da situao do Brasil no plano internacional, s se declarou oficialmente guerra Alemanha, em outubro de 1917, quando um segundo navio brasileiro foi torpedeado pelos alemes (o primeiro torpedeamento levara ao rompimento das relaes
asselvaja, que a guerra divide os povos e castas e os escraviza, que a guerra atenta contra Deus e lhe profana o nome, associando-o s mais horrendas barbarias. Cf. Problemas do Direito Internacional. In: LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 104 237 Disponvel em www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em: 20 abr. 2009. 127 diplomticas com aquele pas). Outra situao em que Rui se indisps com Wenceslau foi em relao pretensa atitude do governo em decretar estado de stio enquanto durasse a guerra. Rui questionou no Senado tal posio e conseguiu aprovar uma emenda que restringiu seus poderes e sua rea geogrfica de validade Vale lembrar que, nesse contexto Rui elogiava a Revoluo liberal-burguesa, na Rssia em Fevereiro de 1917, e repudiava a radicalizao socialista, em Outubro de 1917. Para Rui a participao do Brasil favorvel aos Aliados no implicaria necessariamente apoiar o socialismo bolchevique, no qual um dos pases participantes estava embutido. No mesmo ano de 1917, o batalho patritico de um sindicato de trabalhadores organizou um cortejo cvico prestando uma homenagem a Rui em Botafogo. Depois de Rio Branco, Rui se tornara o homem pblico mais notrio da Histria do Brasil. Porm uma grande homenagem prestada a Rui foi no contexto em que a Alemanha j mostrava sua derrocada. Em agosto de 1918 foi o seu Jubileu Cvico e Literrio, que mobilizou diversas cidades do pas. Comemoravam-se supostamente os 50 anos, do primeiro discurso pblico de Rui em defesa do deputado Jos Bonifcio, O Moo. O Jubileu Cvico e Literrio lanou ainda mais Rui na qualidade de heri nacional, produzindo uma espcie de Mito patritico e nacionalista. A fabricao de sua imagem de gnio supremo da humanidade ocorreu num contexto em que a Primeira Guerra chegava ao fim e o clima de discursos em prol da paz pipocava entre as naes vencedoras do conflito. Por ocasio das festas do Jubileu Cvico e Literrio Rui proferiu um discurso, em julho de 1918, em que fazia no s um retrospecto de sua luta e apostolado como tambm exaltava o papel das bibliotecas na histria do mundo. Segundo ele, a guerra levou a destruio de diversos patrimnios culturais. Rui enfatizou as perdas da Biblioteca de Lovaiana e a sua Universidade, que arderam na catstrofe belga. Rui destaca que a sua histria foi fundamental para que ele se tornasse um verdadeiro homem das letras. [...] uma existncia vivida assim nos campos de batalha, tecida assim, toda, dos fios da ao combatente no se desnatura de sua substncia, no se desintegra dos seus elementos orgnicos, para se apresentar desvestida e transmudada naquilo de que ela tem menos, na mera existncia de um homem das letras. Como quer que se encare, boa ou m, a de um missionrio, a de um soldado, a de um construtor. As letras nela entram apenas como forma da palavra, que reveste o pensamento como eloqncia, que dobra o poder das idias, como a beleza aparente que reflete a beleza interior, como a condio de asseio que lhe d clareza s opinies que as dota de elegncia que as faz inteligveis e amveis. 238
238 Cf. Problemas do Direito Internacional. In: LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., p. 686. 128 Como nos aponta Joo Felipe Gonalves, o Brasil passou por um clima de festa regado por um forte nacionalismo. As homenagens se estenderam da capital federal ao nordeste do pas. O autor nos mostra que a capital federal se transformou em um grande palco de homenagens a Rui durante trs dias. No primeiro dia, celebrou-se uma missa solene no campo de So Cristvo rezada pelo cardeal Arcoverde. Logo aps a missa Rui proferiu um discurso defendo os ideais de legalidade no Brasil. No segundo dia, foi inaugurado o busto de Rui na Biblioteca Nacional, onde diversos intelectuais brasileiros estiveram presentes. No ltimo dia das homenagens ocorreu a festa do Jubileu Cvico, que teve incio no discurso proferido por Rui em frente Cmara dos Deputados. Uma grande passeata de estudantes levou Rui a se dirigir ao teatro So Pedro para a grande cerimnia cvica, que contribuiu para o enaltecimento poltico da figura de Rui na Histria do Brasil. 239 3.4 Os ltimos anos (1918-1923) 240 Aps 1918, Rui j se encontrava com a sade debilitada, o que explica sua reduzida atividade poltica nesse perodo. Rui concorreu disputa pela candidatura presidncia da Repblica em 1919, disputando espao poltico com Epitcio Pessoa. Uma das primeiras situaes que merecem destaque nessa nova fase de Rui foi quando ele aceitou o convite para ser Paraninfo da Faculdade de Direito de So Paulo. Os estudantes queriam homenage-lo porque ele comemorava ento 50 anos de formado pela
239 GONALVES, Joo Felipe. Op.cit., p. 120. 240 Disponvel em: www.acaricatura.zip.net. Acesso em: 18 abr. 2009. 129 mesma instituio. A fraca sade impediu Rui de comparecer formatura, mas um professor leu para os formandos, em maro de 1921, o discurso enviado pelo conhecido guia de Haia. Rui selou a partir da o seu smbolo de bacharel para as novas geraes. Nas comemoraes do Centenrio da Independncia do Brasil, em 1922, Rui Barbosa foi saudado como o maior heri nacional vivo. Em setembro do mesmo ano, recebeu o prmio Nobel de literatura na Academia Brasileira de Letras. A partir de ento, diversas homenagens prosseguiram levando Rui a ser convidado por Rodrigues Alves, em 3 de dezembro de 1918, para representar o Brasil na Conferncia de Versalhes, resolvendo o rancor de Rui que fora rejeitado por Wenceslau Brs para realizar tal intento. No discurso proferido na Faculdade de Direito de So Paulo, como paraninfo dos bacharelandos de 1920, O Sr. Dr. Reinaldo Porchat se encarregou de ler aos estudantes o recado deixado por Rui. Entre os temas levantados, destacaram-se a questo da liberdade no Parlamento, o nacionalismo, o antiescravismo, entre outros: [...] merc, porm, das circunstncias inspitas, com o encerro do meu meio sculo de trabalho de jurisprudncia, se ajusta o remate dos meus cinqenta anos de servios Nao. J o jurista comeava a olhar com os primeiros toques de saudade para o instrumento que, h dez lustros, lhe vibra entre os dedos, lidando pelo direito, quando a conscincia lhe mandou que despisse as modestas armas da sua luta, provadamente intil, pela grandeza da Ptria e suas liberdades no Parlamento [...] h poucos anos, a guerra civil limpara da grande repblica o cativeiro negro, cuja agonia esteve a pique de a soobrar despedaada. Eram dois prenncios de uma alvorada, que doirava os cimos do mundo cristo, anunciando futuras vitrias da liberdade. 241 Com a morte de Rodrigues Alves em janeiro de 1919, Nilo Peanha comeou a articular a candidatura oficial de Rui como representante das oligarquias. Se, no incio, a candidatura Rui contou com amplo apoio da maioria das oligarquias, sobretudo fluminense e gacha, sofreu ao mesmo tempo fortes oposies, em especial de Arthur Bernardes, que pretendia ser eleito presidente em 1922. A plataforma poltica de Rui no agradava todas as oligarquias, como ele mesmo dizia em carta direcionada a Nilo Peanha: [...] com esse programa est identificada a minha candidatura. Eu sou esse programa. esse programa que a opinio pblica v na minha pessoa. No seno esse programa o que em mim quer a nao, se que a nao, ou alguma
241 Cf. Orao aos Moos. In: LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp. 659-681. 130 parte da nao me quer. At agora, a poltica brasileira quer a Constituio inalterada, para se violar. Ns a queremos reformada para se conservar. 242 Fica evidente que Rui pretendia levar frente a proposta de reforma eleitoral. Embora Nilo Peanha tentasse passar uma imagem diferente, as oligarquias temiam o desejo de Rui pela reforma. No dia 25 de fevereiro de 1919, consagrou-se outro nome como candidato oficial presidncia. Como dissemos, despontou-se Epitcio Pessoa, nico nome de projeo nacional que se apresentara como alternativa possvel indesejvel candidatura do senador baiano. 243 Rui insistiu na sua candidatura tendo o apoio de apenas dois governos estaduais: o do Rio de Janeiro e do Par. Sua propaganda foi reduzida em basicamente cinco conferncias: duas no Rio, em maro; uma em Juiz de Fora, outra em So Paulo e a ltima em Salvador, em abril. Evidentemente foi Bahia sendo saudado pelo povo com fervor. de fundamental importncia percebermos a proposta de Rui, nesse momento, em torno de direitos sociais, incorporados aos direitos civis e polticos, em que se defendia tradicionalmente. Contrariando parte de algumas colocaes que fizemos no primeiro captulo desta dissertao, ao examinarmos a documentao, comprovamos que, nessa ocasio, desenvolveu-se uma mudana de foco poltico. Havia em Rui uma preocupao com a democracia social, como ele nos mostra em documento sobre a Campanha de 1919: J no se v na sociedade um mero agregado, uma justaposio de unidades individuais, acasteladas cada qual no seu direito intratvel, mas uma entidade naturalmente orgnica em que a esfera do indivduo tem por limites inevitveis, de todos os lados, a coletividade. 244 Em Conferncia no Teatro Lrico do Rio de Janeiro em 20 de maro de 1918, Rui percorre seu discurso defendendo mais uma vez a liberdade e criticando profundamente a escravido. Ficam evidentes, ainda, a defesa do voto, da moralidade poltica e a crtica manipulao eleitoral consubstanciada pelos vcios das oligarquias. [...] os manda-chuvas enxergam o povo como uma ral semi-animal e semi-humana de escravos de nascena, concebidos e gerados para a obedincia, como o muar para a albarba, como o suno para o chiqueiro, como o gorila para a corrente; uma raa cujo crebro ainda no se sabe se de banana, ou de mamo, para se empapar de tudo o que lhe imbutam. [...] no seria o povo brasileiro mais do que uma
242 MANGABEIRA, Joo. Op. cit (nota 41), p 259. 243 Cf IN Viscardi. A historiadora mostra em O Teatro das Oligarquias op.cit, que na escolha de Epitcio Pessoa, procurou-se comprovar que ela expressou profundas dificuldades no relacionamento entre Minas e So Paulo. Durante todo o processo, seus representantes atuavam com desconfianas mtuas, omitiam informaes e agiam nos bastidores, apontando para o fato de que a parceria entre mineiros e paulistas tinha ares de casamento em contnua crise conjugal. p. 281 244 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp.274-278. 131 especimen do caboclo mais desasnado, que no se sabe ter de p, nem mesmo se senta, conjunto de todos os estigmas da calaaria e da estupidez, cujo voto se compre com um rolete de fumo, uma andaina de sarjo e um vez de aguardente ? [...] O Brasil no essa nacionalidade fria, deliqescente, cadaverizada, como messalina recebe no brao a tatuagem do amante, ou o calceta, no dorso, a flor-de- lis do verdugo. 245 No tpico sobre Abolicionismo e Reforma Social, encontrado no mesmo documento, Rui repudia a escravido e afirma que a abolio restitui o escravo condio humana. Na sua leitura, o Brasil precisa de uma reforma social que assegure aos trabalhadores livres o apreo pela luta incansvel pela emancipao do trabalho. 246 Mais adiante, nessa mesma fonte, em O Poder do Voto, Rui afirma que o voto a primeira arma do cidado. Na sua viso o que garante legitimidade aos cidados para exercerem grande parte de suas liberdades individuais, em busca de construir as bases constantes da legalidade do Estado. 247 Em sua outra conferncia carioca de 1919, feita na Associao Comercial e endereada s classes conservadoras, solicitava que a elite nacional salvasse o Brasil atravs da reforma poltica e social. Para ele a ptria deveria ser preservada assegurando a legitimidade dos elementos humanos e dos elementos legais. 248 S o Brasil na mentira de uma rotina conservadora, com que a indstria poltica mascara os interesses da estabilidade. S o Brasil renuncia a ter um governo de legalidade, honestidade e liberdade, para se oferecer ao mundo no espetculo de uma nao de 25 milhes de almas debaixo dos ps de sete acrobatas da feira poltica. [...] Anarquia ou protetorado. Protetorado ou anarquia. Eis a frmula do nosso prximo destino. Se o Brasil no acorda. Se a nao no se reconquista a si mesma. Se um grande povo no se envergonha de se cavalgar e desonrar por uma ciganagem pernstica e desabusada. 249 Buscando se autodefinir enquanto portador de uma misso apostlica no Brasil, em 1919, Rui proferiu um discurso expressando claramente quem ele era, cujo contedo era a sntese de seus propsitos modernizadores e liberais.
245 Cf A Questo Social e Poltica no Brasil de 20 de maro de 1919. In: LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp. 420-459. 246 Ibid, . p.431. 247 Ibid, p.454. 248 No Temrio de Rui IN Escritos e Discursos Seletos ele define Ptria como o complexo de todos os interesses brasileiros, o conjunto das instituies polticas e sociais, o povo e o Estado, a harmonia orgnica entre os elementos humanos e os elementos legais na nacionalidade. Em sua leitura nada mais natural do que o amor a Ptria; mas tambm nada mais abusado, nada mais degenervel. Toda a planta quer ao hmus, de que se nutre, ao envoltrio areo, onde respira, ao pedao azul celeste, que lhe sorri e orvalha. Mas esses rebentos da seiva terrestre no tem paixes, como a planta humana.. p. 1038 249 BARBOSA, Rui. s classes conservadoras. Rio de Janeiro, Fundao Casa de Rui Barbosa; So Paulo, LTr, 1986. p. 48 132 [...] o que eu sou, a voz ardente, a voz perptua da esperana. No gemo; canto o hino dos livres, ento o peo da resistncia, sou missionrio do futuro. Enfim a bandeira do seu passado: aqui no se chora. Aqui se reage. Aqui no se alam bandeiras de lgrimas. Desfralda-se a bandeira da luta e da liberdade. A que me est nas mos, a mesma de 1910, a mesma de 1919; uma s bandeira de cem batalhas, muitas vezes atraioada, mas ainda no vencida; a bandeira do voto livre; a bandeira da extino do cativeiro; a bandeira da constituio republicana; a bandeira de dio s oligarquias e ditaduras; a bandeira da honra do Brasil no estrangeiro; a bandeira da reviso constitucional; a bandeira da verdade na repblica, da liberdade da Democracia, da moralidade na administrao. Numa palavra: a bandeira do futuro. 250 Segundo afirma Joo Felipe Gonalves, o liberalismo ruiano se caracterizou, nesse contexto, pelo aprimoramento da ideia de que foi a partir das reivindicaes sociais que o sistema liberal de direitos se aprimorou e se enriqueceu. Rui foi o grande articulador, no Brasil, da atualizao dos direitos democrticos. Nesse sentido, num pas onde sequer os direitos mais antigos haviam se estabelecido, a derrota de Rui era praticamente certa. Em abril de 1919, Epitcio Pessoa foi declarado eleito. Nossa preocupao, desde o incio desta pesquisa, foi a de enquadrar Rui no liberalismo oligrquico. Analisamos a seguir, mais um exemplo de sua modernidade poltica, imbuda de suas ligaes com parcelas significativas da aristocracia, no sentido prtico. Nas eleies estaduais realizadas em dezembro de 1919, Rui novamente marcou sua posio. Fato curioso a observar, que ao mesmo tempo em que defendia a candidatura dos coronis do serto baiano, que se beneficiariam com a defesa do voto para eliminar os congneres do litoral e recncavo baiano, Rui representou para os homens da cidade outras perspectivas polticas liberais-democrticas. Em geral, para os habitantes das cidades, Rui preenchia suas carncias polticas atravs de discursos em defesa da democracia, da relevncia da participao poltica em nvel nacional e estadual. Somando-se a isso a defesa dos direitos humanos e a luta pela obrigao moral de resistncia s oligarquias pelo voto. 251 Em 1921, ocorreu outra mudana significativa na postura poltica de Rui. Ele procurou reatar relaes polticas com os militares, em especial, com Hermes da Fonseca. Tal situao torna-se compreensvel medida que Rui pretendia fortalecer um discurso moralizante e antioligquico, do qual compartilhavam, principalmente, os jovens militares.
250 LACERDA, Virgnia Cortes. Op. cit., pp 51-52. 251 fundamental revisitar a discusso sobre liberalismo-oligrquico presente nesse livro:Cf IN RESENDE, Maria Efignia Lage de. O processo poltico na Primeira Repblica. IN: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Luclia de A. Neves (org.). Op. cit., pp. 97-100. 133 Aos olhos de Rui a soluo militar, nesse momento, tornava-se necessria ao passo que os canais de renovao institucionais estavam esgotados. Outra mudana poltica veio em seguida, quando Rui, em 15 de novembro de 1921, passou a apoiar Arthur Bernardes, que prometeu levar a frente o projeto de reviso constitucional. O apoio a Bernardes marcou o fim do ensaio de ligao de Rui com o Exrcito. Este tinha a candidatura do mineiro como antimilitar e se agitava contra ela. A capacidade de adaptar os seus discursos realidade dada mais uma vez comprova-se diante dessa situao. No episdio denominado Cartas Falsas, Rui se posicionou favoravelmente a Arthur Bernardes. No curso da disputa eleitoral veio tona a insatisfao militar. A impresso corrente nos meios do Exrcito de que a candidatura Bernardes era antimilitar ganhou dramaticidade com uma carta publicada no Correio da Manh do Rio de Janeiro, em outubro de 1921. Aparentemente, tratou-se de cartas pois havia duas enviadas por Bernardes ao lder poltico mineiro Raul Soares, onde se dizia entre outras coisas, o seguinte: [...] estou informado do ridculo e acintoso banquete dado pelo Hermes, esse sargento sem compostura, aos seus apaniguados e de tudo o que nessa orgia se passou. Espero que use de toda a energia, de acordo com as minhas ltimas instrues, pois esse canalha precisa de uma reprimenda para entrar na disciplina [...] A situao no admite contemporizaes: os que forem venais, que quase a totalidade, compre-os com seus bordados e gales. 252 A aluso ao banquete dado por Hermes referia-se ao banquete promovido por ocasio da posse do ex-presidente da Repblica na presidncia do Clube Militar. As Cartas Falsas tiveram o objetivo de indispor as Foras Armadas, contra a candidatura Bernardes. Quando em julho eclodiu a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, Rui limitou- se a comparecer ao Senado e a votar, sem muitas palavras, a favor do estado de stio pedido pelo governo. Aps o esclarecimento do fato de que as Cartas mencionadas eram falsas, o Clube Militar decidiu ento impedir a posse de Bernardes. Os tenentes planejaram derrubar o presidente Epitcio Pessoa, atravs de um golpe que seria dado nos quartis. No dia 5 de julho de 1922, os quartis seriam tomados pelos tenentes que exigiram a renncia do presidente. No dia marcado, porm s a Escola Militar e o Forte de Copacabana se levantaram. Cercados pelas foras leais ao governo, no tiveram alternativa a no ser entregar-se. Entretanto, 17 tenentes e um civil resolveram enfrentar o governo oligrquico e saram do Forte caminhando pela praia. Foram atacados e s dois sobreviveram: Siqueira Campos e
252 FAUSTO, Boris. Op. cit. (nota 152), pp .306-307. 134 Eduardo Gomes. O episdio dos 18 do Forte marca o recrudescimento da oposio ao governo oligrquico, que seria derrubado em 1930, aps diversas revoltas. 253 Aps a questo envolvendo a Revolta dos 18 do Forte, Rui adoeceu ficando de cama at sua morte. No dia 1 de maro de 1923, Rui fora diagnosticado com paralisia bulbar, perdendo as funes do crebro e das cordas vocais. Na noite do mesmo dia, pouco depois de tomar extrema-uno, Rui morreu ao lado de sua esposa. Rui Barbosa recebeu vrias homenagens e prolongados funerais como era tradicional naquela poca. A elite poltica foi a Petrpolis para buscar o corpo de Rui, que foi levado para o Rio de Janeiro. Seu velrio durou dois dias e foi realizado na Biblioteca Nacional. O governo polons determinou que os alunos das escolas pblicas fizessem de p cinco minutos de silncio em respeito a Rui. A Polnia foi o pas que Rui mais defendeu contra os dominadores germnicos e por esse motivo tanta mobilizao fora feita para homenage-lo. Por fim, em sua honra foi tocada a marcha fnebre de Chopin, em um intervalo de espetculo na pera de Varsvia. Foi dessa forma que nossa personagem aqui se tornou smbolo na Histria de nosso pas, lembrado como o grande idealizador dos valores liberais e democrticos e legitimado, at os dias de hoje e como homem pblico, defensor da construo de novos espaos polticos canalizadores de vrios debates, em busca das ideias constitucionais.
253 A charge foi extrada de NOVAES, Carlos Eduardo. Op.cit., p.213 135 3.5 Consideraes finais Procuramos, ao longo deste captulo, comprovar a modernidade civilista de Rui Barbosa. No primeiro momento, recapitulamos as origens da Campanha Civilista e discutimos, posteriormente, o antimilitarismo de Rui. A campanha Civilista teve sua origem na sucesso do presidente da Repblica Afonso Pena. Este pretendia fazer o seu sucessor e escolheu, inicialmente, o governador de Minas Gerais, Joo Pinheiro. Com a morte deste, em outubro de 1908, o candidato oficial passou a ser o ministro da Fazenda, David Campista, a que Rui se opusera. Entretanto, no houve unanimidade no apoio ao candidato oficial. Em maio de 1909, em meio a uma crise poltica, apareceram os nomes de Hermes da Fonseca, Rui Barbosa e o Baro do Rio Branco como alternativa candidatura Campista. A no aceitao de Rio Branco e a desistncia de David Campista reduziu a disputa a Hermes da Fonseca e Rui Barbosa, conforme explicamos. O Ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, que recebeu o apoio dos militares, logo conseguiu a adeso de polticos contrrios candidatura campista. No dia 17 de maio, em reunio de polticos na casa de Pinheiro Machado, foi articulada a candidatura de Hermes da Fonseca, que dois dias mais tarde foi declarado candidato oficial. A escolha de Hermes forou as oposies a se articularem em torno de um nome que pudesse enfrent-lo nas eleies. O nome de Rui Barbosa saiu vitorioso da Conveno oposicionista de 22 de agosto e deu incio a uma disputa eleitoral conhecida como Campanha Civilista. Ela se fez, predominantemente, nos Estados de So Paulo, Bahia e Minas Gerais. Rui Barbosa reforou muito a origem de sua candidatura, em oposio a Hermes da Fonseca, acenando para o perigo do militarismo. Alm disso, ele apontou para a necessidade de defesa dos princpios democrticos. Entre as bandeiras polticas defendidas, destacaram-se a defesa do voto secreto, o combate a grande parte das oligarquias, as transformaes na justia, a estabilidade cambial, dentre outros temas. A Campanha de 1910 foi a primeira tentativa de galvanizar a opinio pblica em eleies presidenciais e por isto considerada pela historiografia como um divisor de guas do regime republicano. Vale lembrar, que foi, nesse contexto, que o antimilitarismo de Rui se desenvolveu, bem como sua defesa em prol dos governos civis fundamentados nos pilares do liberalismo democrtico, como exaustivamente explicamos. As crticas de Rui ao governo Hermes da Fonseca foram inmeras e demonstramos que levaram a solidificao das principais ideias defendidas por ele em torno da construo de um espao pblico de modernidade civilista. Vimos que para Rui Barbosa o Estado no pode 136 ser ocupado pelos militares, por representar tal circunstncia em autoritarismo. O risco do despotismo abriu a oposio natural feita pelos civilistas, que encontraram, entre outras matrizes de seus pensamentos, a defesa da federao como forma de esvaziar o despotismo de determinados governantes. No governo Hermes, Rui questionou a decretao por parte do governo, a respeito da lei de vacinao obrigatria contra a varola. Rui se manifestou contra e fez diversos discursos favorveis defesa das liberdades individuais numa comunidade poltica cvica. Na leitura de Rui Barbosa, o cidado deveria escolher se desejava ou no vacinar-se. A questo da escolha uma das condies a priori do exerccio poltico de uma sociedade verdadeiramente democrtica. Ainda no contexto mencionado, Rui criticou abruptamente a Poltica das Salvaes. Estas consistiam nas tentativas dos elementos militares do governo, associados aos familiares do Presidente da Repblica, de interferirem sobre as sucesses estaduais, com vistas a se fortalecerem no controle do governo federal. Os Estados que escaparam da interveno foram aqueles que no passaram por processos sucessrios ou que conseguiram, de um acordo interno entre suas faces, impedir a disputa eleitoral. Comprovamos que Rui Barbosa no aceitou tais intervenes defendendo o desenvolvimento de uma repblica federativa antimilitarista, que tivesse como norte central a democratizao completa dos poderes, nas esferas municipal, estadual e federal. Em se tratando da posio de Rui em relao Primeira Guerra procuramos mostrar seus anseios em combater os denominados grandes imprios, em especial, desenvolver uma cultura poltica no pas contra uma suposta germanizao da sociedade. Em grande parte da documentao examinada ficou evidente a necessidade de Rui em combater a neutralidade. Para ele, o Brasil deveria ser um dos grandes articuladores para convocar as diversas naes a participarem do conflito em favor dos Aliados. A declarao de guerra Alemanha se deu oficialmente em outubro de 1917, momento histrico em que a Rssia sai do conflito em funo da revoluo Bolchevique e os Estados Unidos decidem participar na linha do front, visando, sobretudo, assegurar os seus mercados consumidores. Na fase final de sua vida, mostramos a importncia de nossa personagem, que recebeu diversas homenagens, sejam nacionais ou internacionais. Lembramos aqui do Jubileu Cvico e Literrio, quando Rui Barbosa se efetivou como smbolo de homem da Letras. E seu busto foi colocado na Biblioteca Nacional. No ano seguinte, novamente concorreu presidncia do pas: o pleito fora disputado com Epitcio Pessoa, que saiu vitorioso. Terminada essa eleio, foi para a Bahia apoiar um candidato de oposio. Em 1921, 137 renunciou cadeira de senador, no entanto seu mandato foi renovado. No ano de 1922, Artur Bernardes assumiu a presidncia da repblica. Rui, porm, no acompanhou esse governo, ficou adoentado e retirando-se para Petrpolis. Faleceu em primeiro de maro de 1923. 254
254 Arthur Bernardes. Arquivo. O Globo. IN: GUIMARES, Manoel Luiz Salgado (org.). A revoluo de 30: textos e documentos. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1982,1v, p.173). 138 CONCLUSO Nossa pesquisa se fundamentou na perspectiva de investigao do discurso de modernizao poltica de Rui Barbosa e na anlise de suas culturas polticas, especialmente, durante a Primeira Repblica. Entendemos que a abordagem poltica sobre o assunto, est correlacionada diretamente com as dimenses sociais, uma vez que a natureza do poltico se encaixa, sobremaneira, nas questes de ordem social. As aes histricas estariam horizontalmente orientadas pelos pensamentos e discursos polticos. Rui Barbosa se encaixava perfeitamente no locus dessa discusso, uma vez que o entendemos nas relaes de sua inerncia com o social. 255 dentro dessa lgica poltica que construmos nosso trabalho. A partir da abordagem poltica engendrada pela discusso que fizemos anteriormente, Ricardo Vlez Rodrguez situa Rui no debate sobre liberalismo. Segundo Vlez, Rui Barbosa compartilhava de algumas ideias tocquevillianas, em contraposio ao conservadorismo dos doutrinrios. A grande premissa da filosofia poltica de Rui foi a defesa da liberdade contra o estado centralizador. Por meio de um trabalho de pesquisa atento em responder tal reflexo evidenciamos, que, de fato, nossa personagem trilhou tais caminhos e absorveu outras ideias polticas de Tocqueville, notadamente no que tange aos caminhos de uma verdadeira federalizao poltica. Como afirmou Cardim, Rui foi um idelogo das classes mdias ao defender determinados princpios norteadores que foram ao encontro dos interesses desses grupos. Em geral, Rui legitimou a importncia do Estado como portador de uma hierarquia e ordem. Sem dvida, desenvolveu sua perspectiva de defesa das liberdades individuais centradas no Direito e na legalidade. Fazia parte de sua filosofia poltica, a promoo da descentralizao do poder, traduzida em um federalismo moderado. Rui incentivou o progresso material e estimulou programas de diversificao da economia pela industrializao, imigrao e educao. Enfim, firmou-se como universalista do papel do Brasil no mundo e selou a importncia do bom conceito externo do pas. Porm, pudemos observar que ele estava comprometido, em muitas situaes, com suas alianas polticas com parte da elite oligrquica, que se posicionava muitas vezes somente na perspectiva de sustentao de seus prprios interesses. Cludia Viscardi, na sua tese de afirmao de que a instabilidade poltica das elites representava uma condio para o relativo equilbrio do jogo das oligarquias, inspirou-nos para perceber em nossa pesquisa as
255 Para aprofundamento do debate sobre a sociologia histrica do poltico Cf. DELYE, Yves. Sociologia histrica do poltico. So Paulo: EDUSC, 1999, pp.27-28. 139 heterogeneidades do discurso de Rui Barbosa, um dos atores principais das articulaes polticas, na Primeira Repblica. Percebemos que Rui Barbosa se enquadrava em um grupo de pensadores denominados liberais cientificistas, que foram defensores de novas concepes poltica, na gnese da Repblica. O grupo compartilhava de ideais como o fim do regime de padroado, a legitimidade democrtica, a defesa da ampliao do sufrgio, da luta incisiva em torno do federalismo, do abolicionismo e na sustentao dos pilares bsicos do Liberalismo Econmico. Tal grupo estava representado, entre outros, por Tavares Bastos e Tobias Barreto, adeptos da filosofia poltica do federalismo e tambm fortemente influenciados pelo pensamento tocquevilliano. Vimos que os anseios desse grupo de intelectuais refletiram na formao da Primeira Repblica, enquanto momento histrico, palco de grandes debates polticos. A documentao investigada levou-nos a constatar as variveis de discurso de Rui, no que tange aos processos que ele participou. Ele, por exemplo, colaborou para a emergncia do sistema presidencialista, no seio da Constituio de 1891. No entanto, como percebeu que, a lgica poltica do federalismo brasileiro poderia levar a determinados abusos polticos por parte da presidncia, passou a defender o parlamentarismo, uma velha influncia de sua tradio britnica. Em busca de sustentar seus princpios liberais, Rui Barbosa foi contra a Lei de Vacinao obrigatria e defendeu, sofregamente, os valores das liberdades individuais, um dos elementos bsicos da teoria liberal. Os dados levantados nos informaram que Rui agia contra as arbitrariedades do poder poltico de Hermes da Fonseca, mas, ao mesmo tempo foi contra a revolta popular da vacina, defendendo mais uma tese liberal de que o povo deveria esgotar todas as possibilidades legais e evitar, ao mximo, manifestaes de tal natureza. A modernidade poltica de Rui atingiu o seu auge no processo da Campanha Civilista de 1910. A documentao que pesquisamos mostrou, em diversos momentos, como a postura poltica de Rui foi desenvolvida. A grande questo da campanha era o seu antimilitarismo visando questionar qualquer tentativa de autoritarismo de estado. A nfase de sua campanha foi canalizada em torno de um novo projeto para as classes mdias, Rui revelou, nesse momento, ser o idealizador de uma espcie de passaporte para a ampliao da cidadania dos setores mdios da sociedade. Constatamos tambm as aspiraes de Rui na poltica externa, na fase da Primeira Guerra. Vimos que ele condenou a poltica de neutralidade brasileira no conflito, por entender, que a posio do Brasil deveria se desenvolver no sentido de combater os imprios 140 austro-hngaro, otomano e alemo. As fontes nos levaram a concluir que Rui apoiou as democracias internacionais e todos os processos polticos que legitimaram tal discurso. Em relao Rssia, por exemplo, a revoluo liberal burguesa de fevereiro de 1917 foi extremamente enaltecida por ele. Em contrapartida, quando se desencadeou a revoluo bolchevique de outubro de 1917, Rui foi contra e, como vimos, atribua ao movimento um perigo prtico de anarquia poltica. Mostramos, assim, sua leitura de mundo antissocialista. Um dado importante que pudemos observar que alm das crticas aos imprios na Primeira Guerra, Rui questionou tipos de polticas imperialistas, como mostramos, em sua tese poltica contra a Doutrina Monroe. Nas entrelinhas dos seus discursos estava um princpio liberal da defesa da igualdade poltico-jurdica entre os estados, no podendo existir a subservincia de determinadas naes pobres em relao as naes ricas, analogamente, como percebemos, em Haia, suas crticas em relao a Corte Suprema de Arbitragem. Enfim, vimos que, at os ltimos anos de sua vida, nossa personagem ficou sendo reverenciada por determinadas cerimnias oficiais, sendo um dos aspectos mais importantes no final de sua vida a homenagem recebida no Jubileu Cvico e Literrio, no ano de 1918. Este trabalho pode e deve suscitar novas possibilidades de pesquisa para quem pretenda estudar o tema. No mbito do discurso, por exemplo, foi possvel identificar informaes valiosas sobre as propostas de Rui sobre o ensino, sobre a questo jurdica, sobre as contribuies na rea do jornalismo, da literatura e da filosofia poltica. No entanto, escolhemos tratar aqui de sua modernizao poltica, o que j nos foi bastante laborioso. 141 1. 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O ensino tcnico seria a base para a industrializao do pas, e o desenho, em qualquer de suas modalidades, resolveria o problema do desenvolvimento: de nao agrcola, o Brasil passaria a nao industrial. :: O dever do advogado. Carta a Evaristo de Morais. Prefcio de Evaristo de Morais Filho. (pdf, 141 Kb, 44 pginas) Carta de Rui Barbosa, de outubro de 1911, que se tornou um clssico sobre a tica profissional, em que responde a consulta de um correligionrio, se devia ou no aceitar o patrocnio da causa de um amigo, partidrio de Hermes da Fonseca. :: Discurso no Colgio Anchieta (pdf, 187 Kb) Em dezembro de 1903, Rui, paraninfo de alunos adolescentes do Colgio Anchieta, pronunciou esse discurso conhecido como Palavras Juventude que marca um momento decisivo na sua evoluo espiritual e representa uma profisso de f crist. :: Elogio de Castro Alves (pdf, Kb) Nos 10 anos da morte de Castro Alves, os admiradores do poeta Aquino Fonseca e Torquato Bahia levaram ao Dirio da Bahia a ideia da comemorao do seu Decenrio. Formada a comisso dos atos solenes, Rui foi escolhido orador. Numa festa magnfica no dia 6 de julho 144 de 1881 no Teatro So Joo da Bahia Rui pronunciou o Elogio do Poeta. Justificou a escolha de seu nome como orador ao atestar a obra do poeta: [...] desse extraordinrio representante da nossa poesia [...] distanciado dele pela diferena das nossas vocaes, pela eminncia da sua predestinao, bem perto estive de sua alma pela amizade. :: A imprensa e o dever da verdade (pdf, 309 Kb, 53 pginas) Conferncia no pronunciada por Rui Barbosa, por motivo de sade, com a 1 edio feita na Bahia, em benefcio do Abrigo dos Filhos do Povo. fonte de citaes sobre a tica nos meios de comunicao, a responsabilidade, a funo social e a liberdade da imprensa, o dever do jornalista e do homem pblico. :: O justo e a justia poltica (pdf, 47 Kb, 6 pginas) Rui Barbosa analisa a runa moral do tempo e do mundo ao comentar o julgamento de Jesus Cristo; transpe para a sua poca a interferncia da poltica dos governos nos atos do Supremo Tribunal Federal. :: Orao aos moos (pdf, 338 Kb, 51 pginas) Discurso de Rui Barbosa preparado para os formandos de 1920 da Faculdade de Direito de So Paulo, dos quais foi o paraninfo. Uma das mais brilhantes peas produzidas pelo jurista, sntese de sua maturidade intelectual, discorre sobre o papel do magistrado e a misso do advogado. :: Osvaldo Cruz (pdf, 652 Kb, 87 pginas) Pronunciado no dia 28 de maio de 1917 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o discurso de Rui Barbosa em homenagem a Osvaldo Cruz, que desaparecera recentemente, uma pea fundamental para os que se interessam pela histria da cincia no Brasil. Rui descreve com entusiasmo os primeiros passos da atividade cientfica entre ns e destaca a atuao do grande sanitarista, cuja atuao contribuiu de modo decisivo para o prestgio da pesquisa cientfica no Brasil, seja pela seriedade do trabalho desenvolvido por Osvaldo Cruz, seja por suas qualidades pessoais de liderana e determinao. :: Pensamento e ao de Rui Barbosa. Prefcio de Mario Brockmann Machado. FCRB/Senado Federal. (pdf, 204 Kb, 1 pgina - abertura) 145 Coletnea de textos de autoria de Rui Barbosa abordando aspectos de sua multifacetada atividade intelectual e pblica, como deputado, advogado, ministro, diplomata, senador, candidato Presidncia da Repblica, jornalista. TEXTOS: :: Discurso A situao liberal - 17 mar. 1879. :: Discurso Organizao das finanas republicanas - 16 nov. 1890 (pdf, 289 Kb, 77 pginas). :: Discurso Orao perante o Supremo Tribunal Federal - 23 abr. 1892. :: Discurso O Supremo Tribunal Federal na Constituio Brasileira - 19 nov. 1914 (pdf, 369 Kb, 99 pginas). :: Conferncia Os conceitos modernos de Direito Internacional - 14 ago. 1916 - tambm conhecida como O Dever dos Neutros. :: Discurso Anistia - 05 set. 1905 (pdf, 409 Kb, 109 pginas). :: Plataforma [eleitoral] - 15 jan. 1910. :: Conferncia A questo social e poltica no Brasil - 20 mar. 1919 (pdf, 346 Kb, 81 pginas). :: Artigo, a 5 Carta de Inglaterra, O Congresso e a Justia no Regmen Federal - 21 mai. 1895. :: Requerimento de informaes sobre o caso do Satlite-II (pdf, 191 Kb, 15 pginas). Esse discurso no Senado faz parte de uma srie de 5, nos quais Rui Barbosa evoca e requer informaes sobre o caso do fuzilamento dos marinheiros a bordo do navio Satlite. :: Saudao a Anatole France (pdf, 317 Kb, 56 pginas). 146 No meio da mais agitada confuso poltica recebe o Brasil a visita de Anatole France. Como presidente da Academia Brasileira, coube a Rui Barbosa fazer a saudao ao famoso literato. :: No sculo XX (pdf, 51 Kb, 7 pginas). Rui Barbosa faz um retrospecto dos acontecimentos do sculo XIX e expe sua preocupao para o sculo XX. Afirma que s alguns podero dizer se a um sculo, em que a cincia serviu principalmente fora, ter sucedido um sculo, em que a fora se incline, afinal, ao direito. :: Surrexit (pdf, 37 Kb, 3 pginas). Discurso proferido por ocasio da Semana Santa. 1.2 BIBLIOGRAFIA: 1.2.1 OBRAS SOBRE A VIDA DE RUI BARBOSA: AGUIAR, Pinto de. Rui e a economia brasileira. Rio de Janeiro: Fundao Casa de Rui Barbosa, 1975. AMARAL, Marcio Tavares & Lacombe, A. J ( sup). 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