O Mundo de RNA
O Mundo de RNA
O Mundo de RNA
Dessa forma, cunhou-se o termo "mundo de RNA" para descrever o cenrio ond
e a principal molcula ativa na origem da vida teria sido o RNA, uma vez que ele p
ode tanto possuir propriedades catalticas quanto replicativas (armazenamento de i
nformao gentica e de evoluo). Considera-se, nessa hiptese, que a reproduo e o metabol
o das primeiras formas de vida teriam dependido primeiro das atividades cataltica
s e replicativas do RNA, para s posteriormente as protenas e o RNA terem assumido
suas funes atuais (Gilbert, 1986). Sendo assim, as molculas de RNA catalticas encont
radas hoje seriam remanescentes da poca anterior ao desenvolvimento do DNA e das
protenas, i.e., verdadeiros fsseis moleculares (Joyce, 1989).
Consideraes sobre o RNA, em relao ao DNA
Apesar de haver dificuldades para se conseguir formar, em condies pr-biticas
, polmeros similares aos cidos nucleicos atuais, h algumas linhas de evidncia que ap
ontam para a hiptese de que o RNA anterior ao DNA:
1. Estruturalmente, o RNA mais flexvel que o DNA, por causa de sua composio como si
mples fita e por apresentar em seu acar (ribose) a hidroxila (-OH) na posio 2', o qu
e lhe confere maior reatividade.
2. Funcionalmente, alm de se apresentar como mRNA, tRNA e rRNA, sabe-se hoje que
ele participa: da telomerase, que adiciona o DNA das extremidades dos cromossomo
s; do sistema secretor celular, sob a forma de RNA 7S; do splicing (processament
o do mRNA), como pequenas molculas nucleares; e da regulao da expresso de genes (RNA
-interferncia), como RNA dupla-fita (Fire, 2007).
3. No metabolismo celular, observa-se que: a prpria sntese de DNA necessita do RNA
iniciador (primer); na sntese dos precursores de DNA, os desoxirribonucleotdeos so
derivados dos ribonucleotdeos a partir de reao catalisada por ribonucleotdeo-reduta
ses; e a timidina sintetizada a partir da metilao de uridina.
4. Nos retrovrus, a transcriptase reversa sintetiza DNA a partir de RNA; supe-se q
ue esse mecanismo ocorreu cedo na evoluo, culminando no surgimento das clulas dotad
as de DNA.
RNA cataltico
Em 1977, descobriu-se que sequncias codificadoras de vrios genes, nomeadas
exons, eram interrompidas por sequncias intervenientes ou intercalantes, que for
am denominadas introns. Aps a transcrio, os introns teriam que ser removidos do pr-R
NA (RNA splicing), originando o RNA maduro, que serviria de molde para a traduo em
uma protena. As primeiras evidncias de descontinuidade do gene eucarionte foram o
bservadas estudando-se adenovrus, nos quais observa-se que molculas de mRNA hibrid
Uma simples interao qumica entre aminocidos e ribozimas para a produo de prote
as pode, eventualmente, ter levado a uma transformao completa da clula baseada em R
NA (Lazcano, 1994).
A primeira protoclula , por definio, um sistema envolto por membranas, compo
sto de macromolculas capazes de autorreplicao e de catlise, com mecanismos de tomada
de matria-prima do meio e de obteno de energia (Deamer et al., 1994). Os genomas d
e RNA das primeiras clulas teriam as seguintes propriedades (Ohta, 1994): a repli
case do RNA seria ineficiente devido a uma alta taxa de erro, em termos de subst
ituio de nucleotdeos; os materiais gentico e funcional seriam a mesma molcula, mas as
duas formas teriam se diferenciado cedo, sendo o material genmico formado por RN
A de dupla-fita, pois o de simples-fita tem alta taxa de hidrlise; vrias funes gentic
as j deveriam existir a partir da diversificao da primeira replicase do RNA; uma es
trutura semelhante ao tRNA teria servido como marcao para a transcrio (copiar RNA ge
nmico dupla-fita para RNA funcional); o genoma de RNA deveria ter aumentado gradu
almente, permitindo uma maior diversidade funcional.
O "mundo de RNP"
A origem do cdigo gentico e do sistema de traduo deve ter sido uma das princ
ipais transies na evoluo e na diversificao da vida. Essa transio modificou radicalmen
os sistemas vivos, permitindo a diviso de trabalho entre os cidos nucleicos (infor
mao) e as protenas (catlise).
No se pode descartar a hiptese de que genomas de DNA tenham aparecido ante
s do surgimento da sntese proteica. De acordo com a hiptese do mundo de RNA, a snte
se proteica mediada por ribossomos surgiu a partir da interao entre aminocidos e RN
A. H evidncias de que aminocidos e oligopeptdeos compunham a sopa pr-bitica na Terra p
rimitiva. A sntese proteica um processo complexo, envolvendo muitos componentes,
como rRNA, tRNA, mRNA, e diversas protenas, como fatores de elongao e iniciao, sintet
ases de aminoacil-tRNA, protenas ribossmicas, etc.
Ainda no se conhece completamente como as ligaes peptdicas so formadas no rib
ossomo, mas existem evidncias de que o rRNA responsvel pela catlise (Noller, 1991;
Nitta et al., 1998). Recentemente, selecionou-se uma ribozima capaz de catalisar
a formao de uma ligao amida (Szathmry, 1999). Um dos passos mais crticos na origem da
sntese proteica a formao de uma estrutura altamente complexa como o ribossomo (Poo
le et al., 1998).
Assume-se, geralmente, que, no incio do mundo de RNA, a preciso da replicao
era limitada, e que, por isso, nas molculas de RNA, no se ultrapassariam algumas c
entenas de bases. medida que a preciso da replicao foi aumentando, molculas maiores
puderam ser formadas. possvel que os vrios stios ativos dos ribossomos tenham sua o
rigem em ribozimas individuais que, com o tempo, foram reunidas por recombinao e f
ormaram rRNA (Jeffares et al., 1998; Poole et al., 1998).
ande diversificao e aumento de complexidade das formas de vida. Clulas com RNA como
material gentico, com capacidade metablica mais limitada e lenta, poderiam gradua
lmente ter sido extintas na competio com essas novas clulas de DNA emergentes.
A transferncia de informao gentica do RNA para o DNA deve ter ocorrido graas
atividade de enzimas conhecidas como transcriptase reversa. Inicialmente encontr
adas em retrovrus, elas tm sido descritas em clulas eucariticas e procariticas. possv
l que, aps o mundo de RNA se estabelecer, protenas tivessem se estabelecido como d
eterminantes importantes do metabolismo celular, no mundo de RNP, e que enzimas
como a transcriptase reversa tivessem convertido o genoma, ou parte dele, em DNA
. A telomerase, por exemplo, que uma enzima importante na sntese de extremidades
repetitivas dos cromossomos de eucariotos, os telmeros, realiza sua funo empregando
uma molcula de RNA como molde da regio repetitiva. Ela , portanto, uma transcripta
se reversa. Acredita-se que a telomerase seja um dos fsseis moleculares do mundo
de RNP, e, alm disso, ela indica que a funo de transcriptase reversa tambm pode ser
realizada por ribozimas.
Aumento de complexidade
Estudos de filogenia molecular utilizando o gene, no DNA, que codifica o
RNA da subunidade pequena do ribossomo (SSU rDNA, 16S nos procariotos e 18S nos
eucariotos) feitos por Woese (1987) e Woese et al. (1990) transformaram a dicot
omia eucarioto-procarioto em um sistema de trs domnios: Bacteria, Archaea e Eucary
a. Muitos caracteres moleculares e fenotpicos indicam uma ancestralidade comum en
tre arqueias e eucariotos, dentre os quais a presena de protenas similares s histon
as associadas ao DNA em arqueias, de molculas similares a esteroides em um grupo
de arqueias (os ecitos), alm de vrias protenas e vias metablicas assemelhadas entre o
s dois domnios. Apesar disso, a relao entre os dois domnios ainda bastante controver
sa (Katz, 1998; Doolittle, 1999a; Nelson et al., 1999; Pace, 2004).
Frequentemente assume-se que procariotos so anteriores aos eucariotos, de
vido sua aparente simplicidade, sua ocorrncia anterior no registro fssil, e com ba
se em estudos filogenticos. Nesse cenrio, as caractersticas complexas dos eucarioto
s, como membrana nuclear, organelas membranosas e processamento de mRNA para rem
oo de introns, so aquisies tardias. Os procariotos certamente antecedem os eucariotos
modernos que possuem mitocndria (Forterre e Philippe, 1999). Poole et al. (1998)
, entretanto, sugerem que o genoma do ancestral comum mais antigo seria linear,
capaz de recombinao, fragmentado e repleto de fsseis moleculares, i.e., mais pareci
do com eucariotos do que com procariotos.
As ribozimas seriam relquias do mundo de RNA (Jeffares et al., 1998), i.e
., de um perodo anterior ao ltimo ancestral comum das linhagens de organismos atua
is. Poole et al. (1998) utilizam essas molculas-fsseis para posicionar a origem da
rvore da vida. Segundo os autores, como o genoma do tipo eucaritico contm um nmero
maior de fsseis moleculares (introns autocatalticos, spliceosomes, snoRNAs, telome
rase, etc.), ele seria anterior ao do tipo procaritico. A transcrio e a traduo seriam
, alm disso, muito mais rpidas e eficientes em procariotos. Se fosse considerada u
ma forte seleo em ambientes termoflicos, a origem de um genoma procaritico a partir
de um eucaritico seria relativamente mais simples e direta, pois o ambiente termo
flico favoreceria um rpido processamento do RNA e sua subsequente traduo, j que as ta
xas de hidrlise do RNA aumentam com a temperatura. Alm disso, em ambientes instveis
, frequentemente encontram-se altas taxas reprodutivas, pequenos tamanhos e cicl
os de vida curtos. Assim, os efeitos combinados de uma adaptao termofilia e uma pr
esso seletiva para o ciclo de vida rpido poderiam ter levado perda dos fsseis molec
ulares e a uma simplificao no processamento e traduo dos RNAs em procariotos (Darnel
l e Doolitle, 1986; Poole et al., 1998). Alguns autores (Poole et al., 1998; For
terre e Philippe, 1999), assim, argumentam que a confiabilidade em mtodos filogent
icos na recuperao de divergncias to antigas est sujeita a controvrsias e que a semelha
na dos fsseis mais antigos (estromatlitos de cerca de 3,8 bilhes de anos atrs) com as
atuais cianobactrias no conclusiva.