Artigos PR Ricardo Gondim PDF
Artigos PR Ricardo Gondim PDF
Artigos PR Ricardo Gondim PDF
(www.ultimato.com.br), escritos pelo pastor Ricardo Gondim Pr. da Igreja Ass. Deus Betesda
em So Paulo SP
Igrejas tambm morrem
Ricardo Gondim Rodrigues
Na Inglaterra, entrei em um salo de snooker sentindo nuseas. A vertigem que invadiu meu
corpo foi diferente de tudo que j sentira antes. As mesas verdes espalhadas pelo largo espao
lembravam-me um necrotrio.
Eu explico o porqu. Aquele salo havia sido a nave de uma igreja, que definhou atravs dos
anos, at ser vendido. O pastor que me levou nessa inslita visita relatou que na Inglaterra h
um grande nmero de igrejas que morreram lentamente. Devido aos altos custos de
manuteno, s restava ao remanescente negoci-las. Os maiores compradores, segundo ele,
so os muulmanos, donos de lojas de antiguidades e, infelizmente, de bares e boates. Vendo
o plpito talhado em pedra com inscries de textos bblicos "Pregamos a Cristo
crucificado"; "O sangue de Cristo nos purifica de todo pecado" , voltei no tempo e lembreime de que aquela igreja, fundada durante o avivamento wesleyano, j fora um espao de
muita vitalidade espiritual. As placas de granito e mrmore, ainda fixadas nas paredes,
mostravam que naquele altar ento balco do bar pregaram pastores e missionrios
ilustres. Imaginei aquele grande espao, hoje cheio de homens vazios, lotado de pessoas
ansiosas por participarem do mover de Deus que varria toda a Inglaterra. Perguntei a mim
mesmo: "o que levou essa congregao a morrer de forma to pattica?". Nesses meus
solilquios, pensei no Brasil. Semelhantemente ao avivamento wesleyano, experimentamos
um crescimento numrico nas igrejas brasileiras. H uma efervescncia religiosa em nosso
pas. As periferias das grandes cidades esto apinhadas de templos evanglicos, todos
repletos. Grandes denominaes compram estaes de rdio e televiso. Cantores evanglicos
gravam e vendem muitos CDs. Publicam-se revistas e livros. Comercializam-se bugigangas
religiosas nas vrias livrarias, que tambm se multiplicam, interligadas pelo sistema de
franquias. Por outro lado, diferentemente do que aconteceu na Inglaterra, o despertamento
religioso brasileiro tem uma consistncia doutrinria rala, demonstra pouca preocupao tica
e um mnimo de impacto social.
Os desdobramentos destas constataes so preocupantes. Se, com toda a firmeza
doutrinria, tica e disciplina anglo-saxnica aquelas igrejas morreram, o mesmo pode
acontecer no Brasil? Infelizmente sim. As razes que implodiram inmeras congregaes
europias, obviamente so diferentes. L, houve um forte movimento anti-clerical motivado
pela secularizao do Estado e das universidades. A teologia liberal minou o nimo
evangelstico e os processos de institucionalizao do que era apenas um movimento jogaram
a ltima p de cal nos sonhos dos antigos avivalistas ingleses.
Quais os perigos que ameaam o futuro do movimento evanglico brasileiro? Alguns j se
mostram de forma exuberante.
A trivializao do sagrado
Visitar qualquer igreja evanglica no Brasil oportunidade para perceber uma forte tendncia
teolgica e litrgica na busca de uma divindade que se molde aos contornos teolgicos dessa
igreja e que oferea apoio aos anseios e caprichos pessoais. Faltam temor e espanto diante de
Deus. O nico medo o do pastor: de que a oferta no cubra as despesas e os seus planos de
expanso. A cultura evanglica nacional est fomentando uma atitude muito displicente quanto
ao sagrado. O deus que est a servio de seu povo para lhes cumprir todos os desejos
certamente no o Deus da exortao de Hebreus 12.28-29: "Por isso, recebendo ns um
reino inabalvel, retenhamos a graa, pela qual sirvamos a Deus de modo agradvel, com
reverncia e santo temor; porque o nosso Deus fogo consumidor". O tom de voz exigente e
determinante como se fala com Deus hoje deixa a dvida quanto a quem o senhor de quem.
As experincias que s geram arrepios pelo corpo so relatadas como se Deus fosse apenas
um estimulante qumico. Certos pastores dizem falar e ouvir a voz de Deus para serem
contraditos pelas suas prprias falsas profecias sem levar em conta que "Deus no ter por
inocente aquele que tomar o seu nome em vo". Os milagres, aumentados pela manipulao,
revelam uma falta de temor. O descaso com o sagrado uma faca de dois gumes. Se, por um
lado, demonstra grande familiaridade, por outro, gera complacncia. Complacncia e enfado
so sinnimos entre si. Se nos acostumarmos com o mistrio de Deus e trivializarmos sua
presena, acabaremos colocando-o na mesma categoria de nossos encontros mais
corriqueiros, daqueles que podem ser adiados ou no, dependendo de nossas convenincias.
Acabaremos entediados de Deus.
O esvaziamento dos contedos
Uma das marcas mais patticas do tempo em que vivemos a repetio maante de jarges
nos plpitos evanglicos. Frases de efeito so copiadas e multiplicadas nos sermes. Algumas,
vazias de contedo, criam xtases sem nenhum desdobramento. Servem para esconder o
despreparo teolgico e a falta de esmero ministerial. Manipulam-se os auditrios, eleva-se a
temperatura emotiva dos cultos, mas no se cria um enraizamento de princpios. Gera-se um
falso jbilo, mas no se fornecem ferramentas para criar convices espirituais. Hannah
Arendet, filsofa do sculo XX, ao comentar sobre o fato de que Eichmann, nazista, brao
direito de Hitler, respondeu com evasivas s interrogaes do tribunal de guerra que o julgava
sobre seus crimes, afirmou: "Clichs, frases feitas, adeses a condutas e cdigos de expresso
convencionais e padronizados tm a funo socialmente reconhecida de nos proteger da
realidade, ou seja, da exigncia de ateno do pensamento feita por todos os fatos e
acontecimentos".
Qual ser o futuro dessa gerao que se contenta com um papagaiar contnuo de frases ocas
que s prometem prosperidade, vitria sobre demnios e triunfo na vida?
A mistura de meios e fins
Por anos, combateu-se a idia de que os fins justificavam os meios, porque essa premissa
justificava comportamentos aticos. Hoje, o problema aprofundou-se. No se sabe mais o que
meio e o que fim. No se sabe mais se a igreja existe para levantar dinheiro ou se o
dinheiro existe para dar continuidade igreja. Canta-se para louvar a Deus ou para
entretenimento do povo? Publicam-se livros como negcio ou para divulgar uma idia? Os
programas de televiso visam popularizar determinado ministrio ou a proclamao da
mensagem? As respostas a essas perguntas no so facilmente encontradas. Cristo no virou
as mesas dos cambistas no templo simplesmente porque eles pretendiam prestar um servio
aos peregrinos que vinham adorar no templo. Ele detectou que os meios e os fins estavam
confusos e que j no se discernia com clareza se o templo existia para mercadejar ou se
mercadejava para ajudar no culto. A obsesso por dinheiro, a corrida desenfreada por fama e
prestgio, a paixo por ttulos, revelam que muitas igrejas j no sabem se existem para
faturar. Muitos lderes j no gastam suas energias buscando um auditrio que os oua, mas
procuram uma mensagem que segure o seu auditrio. A confuso de meios e fins mata igrejas
por asfixia.
O livro do Apocalipse mantm a advertncia, muitas vezes desapercebida, de que igrejas
morrem. As sete igrejas ali mencionadas inclusive a irrepreensvel Filadlfia acabaram-se.
Resumem-se a meros registros histricos. No podemos achar abrigo na promessa de Mateus
16 de que as portas do inferno no prevalecero contra a igreja para justificar qualquer
irresponsabilidade. O livro do Apocalipse adverte: "Lembra-te, pois, de onde caste arrependete, e volta prtica das primeiras obras; e se no, venho a ti e moverei do seu lugar o teu
candeeiro, caso no te arrependas" (Ap 2.5).
Crescer numericamente no imuniza a igreja de perigos. Pelo contrrio, torna-a mais
vulnervel. Resta perguntar: Ser que agora, famosos e numericamente profusos, no
estamos precisando de profetas? Ser que o to propalado avivamento evanglico brasileiro
no necessita de uma Reforma? Aprendamos com a histria. Um pequeno desvio hoje pode
tornar-se um abismo amanh. Imaginar que podemos condenar nossas igrejas a se tornarem
bares de snooker um sonho horrvel. Porm, se no fizermos algo, esse pesadelo pode se
tornar realidade.
Que Deus nos ajude.
Geramos pensadores. No tantos, talvez, mas com densidade invejvel. Homens e mulheres
que nos tiraram de nossos guetos denominacionais. Gente que nos ajudou a pular para fora
dos fossos cavados por alguns lderes reacionrios e que nos mantinham inimigos de ns
mesmos.
Tambm temos muito o que lamentar em nossa caminhada de vinte anos. Afinal de contas,
somos filhos desta gerao. Com ela choramos enlutados a morte das utopias. Viajamos com
os nossos veleiros rumo a um porto que parecia nunca chegar. Sentimos muitas vezes que
nossos sonhos nos abandonavam, assim como a noite abandona o seresteiro na madrugada
que se recusa virar dia. Contemplamos um tempo plido se repetindo monotonamente. A ps
modernidade buscou nos empurrar para uma histria sem sentido. E em inmeras ocasies
nos sentimos anestesiados. Com o avivamento do terrorismo, nos sobreveio a sensao de que
a histria retrocedeu para o incio de uma longa noite. Escurido povoada de ausncias e sem
estofos contra a intolerncia.
Testemunhamos a superficializao da f e a exuberncia da espiritualidade pret a porter,
prometendo um xtase intimista e imediato. Choramos a perda da dimenso comunitria da f
e o renascimento do individualismo. Frustramo-nos com a nossa incapacidade de encarnar
eticamente muitos de nossos pressupostos teolgicos.
Chegamos ao CBE II necessitando refazer o dever de casa para aprender a elencar novas
nfases em nossas agendas. Precisamos saber enfatizar, como Jesus Cristo, diferentes
dimenses da f. Ele ressaltou diferentes verdades em circunstncias distintas. Numa
determinada situao afirmou que para ser um discpulo seu, as pessoas deveriam abrir mo
de alguma coisas (Marcos 8.35, Lucas 14.26), em outras ocasies que precisava crer (Joo
5.24), e com a mesma convico declarou a necessidade do fazer (Mateus 25:44-46); como
tambm que confessar era condio para se entrar no Reino (Mateus 10:32).
Na ps-modernidade o verbo crer perdeu muita relevncia. Hoje, as pessoas acreditam em
qualquer coisa. Se continuarmos privilegiando o verbo crer, no conseguiremos mais produzir
verdadeiros discpulos. Proponho que elejamos a Graa como o grande tema do novo milnio e
reaprendamos todo o significado do Consumatum est, que Jesus bradou no Calvrio.
Ensinemos que Deus j fez tudo o que precisava ser feito para a salvao da humanidade.
Zelemos para que Efsios 2.8-9 no se transforme em um chavo: Pois vocs so salvos pela
graa, por meio da f, e isto no vem de vocs, dom de Deus; no por obras, para que
ningum se glorie.
S assim, celebraremos uma dimenso de louvor que no se esfora para agradar a Deus, mas
que festeja o amor de um Deus j agradado de ns; restituiremos ao culto felicidade e
gratido e no penitncia; daremos s nossas oraes a certeza que Deus nos ouve com
ouvidos carinhosos e no numa relao de causa e efeito; repetiremos a afirmao de Paulo
em Glatas 2:20: Logo, j no sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que,
agora, tenho na carne, vivo pela f no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou
por mim.
Somente a Graa produzir pessoas que no almejam integridade para serem queridas de
Deus, porm filhos e filhas amadas, que por isso, desejam ser verdadeiras. Com a Graa no
precisamos orar bem para sermos ouvidos por Deus, mas andaremos confiantes que ele nos
ouve sem exigir explicaes. A Graa nos ensinar que no somos salvos porque nos
sacrificamos, mas que vale a pena nos entregarmos pelo ideal do Reino de Deus. Somente a
Graa manter o cristianismo singular diante de todas as outras espiritualidades das
prateleiras religiosas ps-modernas.
Soli Deo Gloria.
No posso calar
Ricardo Gondim
No posso calar depois que se completam doze meses de uma das mais desastradas,
inoportunas e arrogantes campanhas militares dos ltimos anos. Mais de seiscentos soldados
americanos perderam suas vidas e mais de trs mil rapazes e moas dos exrcitos da coalizo
sofreram amputaes, desfiguramentos faciais e graves ferimentos. Cerca de dez mil civis
iraquianos morreram, entre eles mulheres, idosos e crianas. O caos e anarquia se instalaram
no pas que sem um governo legtimo contempla de suas janelas a desintegrao social,
religiosa e poltica.
No posso calar quando os americanos bradam que abriram as portas para um mundo mais
seguro onde os direitos humanos sero respeitados. Afinal de contas conseguiram desalojar do
trono um dspota sanguinrio. Ser? No havia no Iraque as to propaladas armas de
destruio em massa; Saddam Hussein no se equiparava a Hitler e nem o seu exrcito
envelhecido e mal equipado representava uma ameaa segurana do mundo, sequer dos
Estados Unidos. O Ministro da Economia dos Estados Unidos, Paul ONeill, (Treasury
Secretary) publicou um livro em que ele denuncia que a deciso de invadir o Iraque fazia parte
dos planos de governo de Bush antes do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Hoje se
sabe que houve m f tanto dos servios secretos ingleses como americanos sobre a ligao
do Iraque aos terroristas da Al Qaeda.
No posso calar mesmo quando dizem que no elegante tripudiar o erro alheio. Entretanto,
quando se trata de vtimas inocentes, de pais que ainda choraro a morte de seus filhos e da
paz entre as naes, no se pode consentir silenciosamente. Devemos relembrar os
beligerantes, os militaristas e os homens de mau senso que a guerra no a soluo. E que os
que se apressam em derramar sangue, colhem amargos castigos. Devemos continuar
lembrando aos americanos que no adianta bombardearem o mundo inteiro em busca de
terroristas. Assim no se acaba com o crime ns os brasileiros aprendemos isso, muito cedo.
Quando a polcia invade uma favela e os esquadres da morte matam bandidos, no
conseguem diminuir em nada os ndices de criminalidade. O mesmo se aplica a bandidos
internacionais.
No posso calar ao me lembrar do apoio que os evanglicos deram a essa malfadada guerra.
Onde os senhores lderes religiosos fundamentalistas lavaram a cara de vergonha quando
descobriram que o presidente deles um mentiroso? O que disseram de seus plpitos depois
que viram a fotografia de um menino com os dois braos amputados por uma bomba
inteligente que tambm matou os seus pais? Como dormiram quando ouviram esse menino
pedir para morrer sem haver ainda alcanado a puberdade?
No posso calar para que as pedras no comecem a clamar. A verdade que vivemos em um
mundo muito mais perigoso, mais cheio de dio e mais paranico. No quero me calar mesmo
sabendo que minha voz representa pouco. Contudo, sei que de meu grito, permanecer como
uma vaga lembrana de que nem todos consentiram com a insanidade destes dias.
Soli Deo Gloria
Inquietaes imediatas
Pr. Ricardo Gondim Rodrigues
Recentemente participei de um encontro de telogos, embora no seja telogo. Ali, espicacei a
chamada igreja evanglica brasileira com seus disparates teolgicos e ticos, outros me
acompanharam, igualmente revoltados. Denunciamos as agendas furadas das igrejas
neopentecostais. Um dos participantes chegou a cogitar a convocao de um Conclio para se
definisse qual o genuno movimento evanglico, herdeiro da Reforma. Esbravejei mais que
todos contra as excrescncias dos neopentecostais.
Voltei para casa e comecei a sentir-me um verdadeiro fariseu. Daqueles que se indignam com
um til e uma vrgula da lei que foi quebrada, mas que faz enormes concesses no essencial.
Inquietei-me por haver pregado em ambientes em que seria inconfortvel falar contra a
injustia social que condena milhes a viverem numa misria vergonhosa. E para no
perturbar, discursei sobre assuntos esterilizados, inspidos e que no perturbavam a
complacncia burguesa.
Confesso que continuo calado diante dos grandes debates e no me engajo pelas causas
humanas. a que confronto a mim mesmo: Ser que me adeqei ao sistema e acho que j
no posso e nem quero mexer em vespeiros? Sinto-me confortvel? Comeo a pensar que
essas acomodaes ticas no so apenas um desvio de minha prpria vida, mas do contexto
religioso em que vivo. Convivo com uma religio rpida e gil para denunciar o que de
menor importncia, elstica e lenta para detectar o que inconveniente e sempre silenciosa no
profetismo real e genuno. Acredito que sequer saibamos o verdadeiro carter do ofcio
proftico. A camisa de fora da teologia sistemtica no me deixa ser criativo, as cataratas
espirituais do dogmatismo secular obscurecem minha viso e o patrulhamento do gueto me
ameaa quando quero pensar com liberdade.
A turma da Teologia ortodoxa se indigna com as aberraes neopentecostais, mas no se ouve
deles uma s denncia contra o nacionalismo evanglico norte-americano que abenoou uma
das maiores mentiras da humanidade (cad as armas de destruio em massa do Iraque?),
como matou muita gente inocente, meros efeitos colaterais de uma guerra sem propsito. No
se ouve nada, apenas um silncio hesitante.
Participo de um meio que denuncia o Benny Hinn e Kenneth Hagin , mas se cala com o
fundamentalismo de direita do status quo evanglico; tememos confrontar o quintal de
famosos como Franklin Graham, Pat Robertson, John McArthur, Chuck Colson, etc. Quando os
militares dominaram a cena poltica brasileira, fizemos um acordo tcito com eles. Eles nos
deixavam pregar, realizar nossas campanhas evangelsticas, e ns os deixvamos em paz,
torturando nos pores e enriquecendo as elites. Por que eu tenho dificuldades de me sentar na
mesa dos neopentecostais e no tenho escrpulos participar da roda dos ricos pastores do
primeiro mundo, que sob o manto do conservadorismo teolgico, empurram a agenda da
direita conservadora americana? Eles certamente lem na cartilha do Bush. A Maioria Moral
batalha contra o aborto, contra os homossexuais, mas defende a pena de morte e apia o
discurso da National Rifle Association, uma das mais anacrnicas entidades que defende o uso
de armas.
Ser que nos vemos como guardies da inerrncia, vigilantes da ortodoxia apostlica, contudo
perpetuadores de uma religiosidade cada vez desconexa do mundo real; cada vez mais
inspida?
A grande verdade que ns os evanglicos, continuamos nos especializando no irrelevante.
Nossa agenda no tem o menor desdobramento na luta contra o preconceito racial ou de
gnero. No alteramos a sorte de milhes de crianas que vivem nas periferias ftidas das
metrpoles brasileiras. Porm, convocamos mais fruns para discutir nossa identidade
evanglica e, indignados com aqueles que diferem da nossa cartilha teolgica, esbravejamos
nosso furor farisaico.
Acredito que h enormes defeitos genticos em nossa identidade; a cultura que nos formou
vinha com anomalias. Nossa cosmoviso nasceu de uma aberrao da natureza espiritual:
religio sem alma. Acabo concluindo: Adoeceram minha alma e eu no me dou conta sequer
de que doena sofro...
Soli Deo Gloria
manifestava semanalmente h dois anos. Explicaram-lhe que esse tipo de demnio muito
esperto. Quando o expulsavam da mente, corria para o esprito. Do esprito se escondia na
vontade e da vontade pulava para a alma. Desta forma, continuava cativo mesmo j batizado
e mesmo havendo terminado o seu curso sobre plenitude do Esprito Santo. Mostrei-lhe que
no era possesso, apenas um inocente til. Um joguete nas mos dos lderes que precisavam
de pessoas sugestionveis para valorizar os cultos de libertao da sexta-feira.
Terceiro Episdio.
Roberto Pires pastoreia uma igreja no Rio de Janeiro. Certo dia, resolveu agir, indignado com a
violncia da cidade. Precisava fazer alguma coisa para reverter a incompetncia crnica da
polcia. No cogitou aes polticas, nem imaginou um programa na igreja que melhorasse a
educao cvica de seus membros. Sequer lhe passou pela cabea participar de manifestaes
ou passeatas exigindo melhor segurana pblica. Os culos teolgicos e ideolgicos com que
enxerga a sua realidade no lhe permitem essas cogitaes. Assim, orava em um culto quando
lhe veio uma idia que considerou a mais genial de sua vida - to genial que ele a relatou por
anos.
Correu para o seu escritrio, abriu a Lista Telefnica e nervosamente procurou pelos ags;
queria helicpteros. Desejava saber quanto custaria alugar um desses beija-flores
mecnicos. Anotou os valores e levou sua idia para o culto daquela noite. Irmos e irms,
Deus me deu uma viso. Preciso que vocs me ajudem a cumpri-la. Deus mandou que eu
alugasse um helicptero, colocasse um tonel de leo dentro e ungisse a cidade do Rio de
Janeiro. O auditrio irrompeu em palmas, uma oferta foi levantada e o pastor Roberto Pires
naquela semana embarcou no mais bizarro sobrevo que o Rio de Janeiro j teve. Latas de
leo eram derramadas para ungirem a Cidade Maravilhosa. Respingos melados caram sobre a
avenida Rio Branco, na praia de Copacabana e sobre alguns dos morros mais violentos da
cidade. Fora o inconveniente oleoso, nada aconteceu; meses depois a violncia carioca
recrudesceu.
Quarto Episdio
O pastor Carlos Feij voltou para Curitiba depois de uma semana em um seminrio de batalha
espiritual. A equipe que ministrou o curso ensinou-lhe a decretar sua cidade para Deus. Ali
aprendeu como identificar os limites do seu municpio e declarar que ele pertence a Jesus
Cristo. Aprendeu mais: Se a igreja no souber reivindicar o que pertence ao Senhor, o diabo
continuar com direitos legais sobre vidas, espalhando misria. O pastor Carlos passou uma
semana indignado consigo mesmo e com os outros pastores. Por anos no se aperceberam
dessa imensa negligncia. Foi para casa e orou. Com lgrimas rolando pelo rosto, se props a
jejuar. No terceiro dia do jejum veio-lhe o que tambm considerou uma brilhante revelao
divina. H muitos anos aprendera que tanto os lees como os lobos urinam para demarcar o
seu territrio e impedir a invaso de outros machos. Ele precisava fazer o mesmo, como
legtimo representante de Jesus o Leo da Tribo de Jud.
Naquela semana, convocou seus parceiros de ministrio para sarem pela madrugada urinando
em pontos estratgicos da cidade. Gastaram algumas horas na empreitada. O comboio de
carros percorreu vrios quilmetros com muitas paradas. Beberam litros e litros dgua;
precisavam de muita urina para uma cidade to grande.
Esses quatro episdios descritos so verdadeiros. Todos patticos! Realmente aconteceram nas
cidades mencionadas. Apenas os nomes e alguns detalhes so fictcios. Ilustram bem o que
invade as igrejas evanglicas no Brasil. Entendo que as pessoas tm o direito constitucional de
crerem, praticarem ou pregarem o que quiserem. Entretanto, no deveriam fazer em nome da
f protestante e evanglica. Muito sangue j foi derramado, muitas vidas sacrificadas e muitos
missionrios afadigados para que testemunhssemos tanta superficialidade.
Alm disso, produzem um estrago imensurvel em vidas. Muita gente j perdeu a f. Qualquer
pessoa com um mnimo de senso crtico, depois que passa a euforia e o fanatismo, se sentir
envergonhada de um dia haver participado de ambientes onde imperam tantas tolices. Acabam
trilhando o caminho do cinismo ou da revolta. Ambos muito trgicos.
Torna-se necessrio que aconteam denncias internas para que o evangelho no se desfigure
em um outro evangelho. Se nos calarmos, mancharemos nosso legado de f e nos
tornaremos culpados por omisso. Quando a igreja deixa de salgar e passa a ser motivo de
chacota, para nada mais serve seno para ser pisada pelos homens. H muito joio dentro das
igrejas evanglicas e ele no se parece em nada com o trigo. Pelo contrrio, d-nos vontade
de rir e de chorar ao mesmo tempo. Protestemos, antes que s d vontade de chorar.
Soli Deo Gloria
humano.
Na poltica respirava-se uma crescente impacincia com o sistema monrquico que s
premiava a aristocracia. Na revoluo francesa, nascia um novo paradigma: a Repblica com
os ideais de Liberdade, fraternidade e igualdade.
A cincia produzia freneticamente querendo melhorar as condies de vida do ser humano. A
revoluo industrial, os grandes inventos, e finalmente as linhas de produo prometiam que
finalmente poderamos viver em um mundo melhor.
A filosofia, de Voltaire, Rousseau, Hegel, o positivismo de Augusto Comte e finalmente Marx,
acreditavam que conseguiriam, atravs da educao das massas, do progresso, da ordem e de
um sistema inteiramente justo, autenticamente solidrio e humano, viabilizar aqui na terra os
sonhos da utopia de Thomas Moore.
O prprio cristianismo passou a usar o instrumental da modernidade para compreender os
textos sagrados. Nasceram os hermeneutas que querendo demonstrar que se no
demitologizarmos (essa uma expresso de Bultman) os textos, no haveria pontes entre a
religio e a modernidade. A Alta crtica, era a vertente teolgica alem que analisava os textos
bblicos com o mesmo rigor cientfico da anlise dos textos histricos. Inaugurava-se a teologia
do no, da negao.
A Amrica era o Novo Mundo, l os peregrinos chegaram com o sonho de torna-lo no Eldorado.
O mundo todo pulsava com um otimismo enorme.
Com a vitria do bolchevistas soviticos e com o triunfo da revoluo russa nascia o primeiro
experimento concreto de viabilizao dos ideais de Hegel, Marx. Na Rssia, prometia-se, uma
nao sem estado; l nasceria o novo homem da filosofia de Rousseau. Buscava-se que os
ricos dessem de acordo com a sua abundncia e os pobres recebessem de acordo com a sua
necessidade.
Assim, entramos o sculo XX. Cheios de otimismo. Este seria o sculo do progresso, do amor.
A cincia abriria fronteiras fantsticas, as massas seriam educadas, o conhecimento universal
acabaria as barreiras entre naes.
E Deus? Extinguindo-se a escurido e com a luz eltrica conseguiramos, educando-se as
massas libertar as multides do misticismo, das supersties. J no haveria necessidade mais
de Deus. Aquele Deus das religies oficiais, seria descartado. Nascendo o super homem que
Nietsche sonhava, no haver mais necessidade de Deus. O Louco, protagonista da filosofia
niilista de Nietsche entrou o sculo XX gritando: Deus est morto. Ns o matamos. Os
prprios telogos alemes chegaram a elaborar a teologia da morte de Deus.
Albert Camus afirmou que:
Contrariamente ao que pensam alguns de seus crticos cristos, Nietzsche no medito o
projeto de matar Deus. Ele o encontrou morto na alma de seu tempo. Albert Camus.
Mas, a modernidade sofreu o seu primeiro duro golpe com a Primeira Guerra Mundial, que na
verdade no foi to mundial assim. Foi na verdade uma guerra muito mais europia. Percebeuse ali, quo estpidos somos. A cincia, que deveria ter produzido para o bem estar, agora
fabricava tanques de guerra, utilizava avies que soltavam bombas. Pela primeira vez, usou-se
a guerra qumica. Foi nessa guerra que usou-se o gs de mostarda, para matar.
O processo de criao da Unio Sovitica tambm no foi incruento. Todo aquele sonho de um
mundo bonito, justo. Rua j no nascedouro. Para se viabilizar no poder, Stalin precisou de
fazer expurgos. Milhes foram mortos, criou-se uma truculenta polcia poltica, exilavam-se
cidados russos em clnicas psiquitricas e nos famosos Gulags, nos desolados desertos da
Sibria.
vai juntar-se aos crimes da razo a caminho do imprio dos homens. Ao eu me revolto, logo
existimos, ele acrescenta, tendo em mente prodigiosos desgnios e a prpria morte da revolta:
E estamos ss.
Mas o fim da II Guerra Mundial deixa uma rstia de luz da modernidade ainda
brilhando. Prometia-se que ainda era possvel sonhar com esse novo mundo.
As Naes se uniram com uma nova organizao chamada de Naes Unidas. Teramos agora
a penicilina, a propulso a jato, e a energia atmica. Essa energia no s destrutiva, nos
prometiam. Ela poderia ser domesticada e logo teramos energia eltrica gratuita.
Propagandeava-se: Descobrimos o meio de produzir energia to barata que as indstrias no
tero mais que computar energia como despesa na contabilidade de custos.
Viveu-se nos Estados Unidos, na Europa o que se chamava de Anos dourados. As mulheres
agora tambm trabalhavam. O poder aquisitivo das famlias praticamente dobrou e o parque
industrial que produzia armamentos, continuava num ritmo frentico.
Mas esse sonho de utopia sofreu os primeiros golpes mortais na dcada de 60. Ergueu-se o
muro em Berlim e novamente a humanidade acordou com o pesadelo de uma guerra que
ameaava a destruio total da raa humana. Chamava-se de Guerra Fria. Em um impasse em
Cuba, americanos e soviticos enfrentaram-se, olho no olho, esperando quem piscava
primeiro. Sabia-se que tanto americanos como russos possuam potencial atmico para acabar
com o mundo.
Sentia-se o calafrio de um inverno milenar da radiao, quando anunciou-se experimentos com
a bomba de hidrognio que para ser detonada necessitava da espoleta de uma bomba
atmica. Seu poder destruidor, milhares de vezes maior do que a bomba usada no Japo,
podia aniquilar-nos completamente.
Os jovens que foram criados com a opulncia dos anos dourados, revoltaram-se contra aquilo
tudo. O movimento hippie nasceu dizendo basicamente o seguinte: o legado da modernidade
fede.
Aturdidos, os americanos choram o assassinato de John Kennedy. Sem entender o porqu os
ingleses viram os seus jovens revoltarem-se contra a monarquia, os costumes, e a religio
racional e lgica dos protestantes europeus. Os hippies elegeram os seus reis, eles eram um
conjunto de rock: Os Beatles. A moda era escapar da realidade tomando LSD, injetando
herona nas veias e fumando haxixe.
Em 1968, dizem alguns, comea o fim da modernidade. Aquele foi um ano totalmente atpico,
singular. Na Tchecoslovquia houve o primeiro levante contra o poder comunista, Mostrava-se
para o mundo que a felicidade comunista era falsa. Na Frana, os estudantes se revoltaram
contra o sistema de ensino e foram para as ruas. Paris se transformou numa praa de guerra.
Os Estados Unidos, literalmente atolados no Viet-Nam, estavam divididos. Parecia que uma
nova guerra da Secesso explodiria. Os jovens estavam revoltados. Em 1968 foram
assassinados, Martin Luther King Jr e Robert Kennedy.
A Amrica Latina foi dominada por regimes militares truculentos. Pinochet governava com um
regime perverso no Chile. Viveu-se ao redor do mundo um tempo muito cinzento. A Grcia,
Portugal, Espanha tambm sofriam com ditadores.
A frica libertava-se do colonialismo europeu mas era incapaz de se articular. Respirava-se
violncia, perplexidade, medo.
Essas so as marcas dos anos 70.
Os anos 80 se iniciaram com alguns lderes marcando essa dcada. Ronald Reagan nos
Estados Unidos, Margareth Thatcher na Inglaterra, Gorbatchov na Unio Sovitica, e
Khoumeini no Ir. Eles jogaram as ltima ps de cal no sonho da modernidade.
Reagan e Thatcher na Inglaterra falavam que a economia sofria porque a presena do estado
na economia ruim. O estado perdulrio, lento e sua burocracia, perniciosa. Disseram que
ele precisa ser enxuto. Quanto menos a presena do estado melhor. Gorbatchov, na Unio
pregava a Perestroika e a Glasnost. Eram dois programas necessrios para viabilizar o
comunismo. Para o ltimo dos comunistas , o pas precisava ser transparente. Essa
transparncia deveria significar, a humildade de que a Unio Sovitica estava falida. Glasnost
era o jargo que buscava uma re-estruturao. Enquanto isso, o Khoumeini conseguia
encabear uma revoluo que buscava demonstrar que o projeto de modernizao do Iran com
o X Reza Pahlevi era, na verdade, um embuste. O Ir precisava voltar pre-modernidade
islmica. A teocracia triunfava sobre a democracia. O clericalismo vencia o laicismo. A f
voltava a tutelar a vida das pessoas.
O Muro de Berlim caiu em 1989. Os protagonistas desta nova revoluo foram o movimento do
sindicato de Solidariedade na Polnia, os cristos na Romnia, Vaclav Havel na
Checoslovquia, e Karol Woytila no Vaticano. Por causa de suas vidas, a Unio Sovitica
perdeu o seu domnio sobre a Europa Oriental e acabou se dissolvendo em 1991.
O mundo tambm se revoltava contra as propostas cientficas do progresso. Chegamos
concluso que o planeta terra no conseguia reciclar tantos gases, tanto lixo, tanta
devastao. Se a modernidade preconizava o progresso contnuo, agora pedamos que no
houvesse tanto progresso.
Sem a modernidade e sem um projeto para o futuro, ficamos no meio do caminho.
Qual o modelo poltico que desejamos? Os nossos polticos, nossas estruturas democrticas
no so to democrticas assim.
Qual o modelo econmico? O capitalismo frgil, perverso (haja vista, a frica literalmente
jogada moscas). Os excludos do neo-liberalismo.
Que tipo de ser humano ns somos? Negociamos armas e faturamos com a morte, no
conseguimos acabar com os cartis de drogas, no conseguimos educar as massas para a
felicidade.
Que tipo de religiosidade desejamos? A lgica, racionalmente compreensiva? A oriental? A
esotrica?
A razo perdeu o seu domnio.
O certo e o errado deixaram de ter qualquer referencial externo.
O belo e o feio no tm sentido.
Comeamos o sculo com o apogeu da modernidade, terminaremos com o nascimento da psmodernidade.
Se a Modernidade foi uma poca da lgica e do mtodo, a ps marcada pela ambigidade e
por contradies.
Por um lado, gera muita esperana mas por outro gera pavor.
Se por um lado este foi o sculo de Einstein, Flemming, Sabin, tambm foi de Menguele.
Se gerou um Churchill, um tambm gerou Kadaffi, Stalin e Hitler.
Se por um lado valorizou Ghandi, Martin Luther King, e Mandela, tambm valorizou Mussolini,
Pinochet.
Se por um lado teve um Pavarotti e um Bernstein tambm teve uma Janis Joplin, uma
Madona, um Michael Jackson.
Se por um lado tem jato, internet, e tomografia computadorizada, suicdio assistido, e cartis
de cocana.
Foi o sculo de Madre Teresa de Calcut, Billy Graham, C. S Lewis; mas tambm de Jim Jones,
Maharaji Iogui e do Rev. Moon.
Vivemos hoje na estreita brecha entre a esperana e o desespero.
No sabemos se vale a pena lutar pelo futuro, ou se melhor cada qual cuidar de se divertir o
mximo possvel.
O tempo que estamos vivendo no mais o tempo de Sartre mas de Paulo Coelho.
No mais o tempo de estadistas, como Lenin, Roosevelt, Churchill, Juscelino, mas de Yeltsin,
Clinton.
A Alta Crtica perdeu espao, ganharam os carismticos.
O fundamentalismo evanglico perdeu relevncia, ganhou a igreja Universal.
Leonardo Boff parou de defender os pobres e agora defende a natureza.
Na modernidade a filosofia era primordialmente otimista, na ps cnica.
Na modernidade o estado laico seria rbitro das injustias humanas, na ps ele deve ser
enxugado por que perdulrio, autoritrio, burocrtico e corrompido.
Na modernidade o deicdio era a vertente teolgica seriamente discutida nas Universidades
alems que, atravs da Alta Crtica, questionavam a integridade dos textos bblicos e a
possibilidade de um Deus objetivamente verdadeiro. Na ps modernidade discute-se o macro
ecumenismo.
Na modernidade, a razo, o mtodo, a o experimento emprico desfaria a ignorncia das
multides e levaria a um mundo sem as supersties msticas da Idade Mdia que ainda
escravizavam as multides. Na ps modernidade abre-se o caminho para o saber intuitivo,
para a inteligncia emocional, para verdades no racionais.
Na modernidade a tecnocincia abriria estradas para um mundo melhor, na ps ela vil do
ambiente.
Entre a modernidade e a ps modernidade h duas guerras mundiais e mais de cem milhes
de mortos. H Stalin, Hitler, Idi Amin, Pol Pot, Auschwitz e Ruanda. H Hiroshima e Nagasaki.
H Bangladesh, ndia, Vale do Inhamuns. H o Tiet, Chernobyl, e o buraco de Oznio.
A angstia do homem ps-moderno pode bem ser ilustrada na vida daquele personagem que
fazia anlise e vivia um dilema todas as vezes que ia para a consulta com seu analista. Se eu
chegar adiantado ele vai pensar que estou ansioso demais, se eu chegar na hora sou um
disciplinado compulsivo e se chegar atrasado estou fugindo dos meus problemas.
86% da classe mdia dos pases ocidentais sofre de stress crnico.
Por outro lado ainda h lgrimas nos casamentos, ainda h sorriso nas crianas, ainda h o
gorjeio dos pssaros, ainda h poetas fazendo poesia, ainda h evangelistas na esquina do
Hyde Park na Inglaterra, igrejas ainda esto sendo plantadas no Rio de Janeiro, ainda se ouve
os tamborins e pandeiros nas igrejas do Mxico. E pelas madrugadas ainda se ouve o clamor
dos crentes em cultos de viglia nas igrejas evanglicas.
Em uma poca como essas voc e eu fomos chamados. Na confuso ps-moderna que no
sabe discernir bem qual a diferena entre o belo e o feio, entre a verdade e a mentira, entre o
vcio e a virtude. Fomos chamados para pregar o evangelho.
Houve um perodo assim na histria de Israel. De acordo com a profecia dada ao rei Ezequias,
muitos anos antes (Isaas 39.6-7) o reino de Jud seria invadido por Nabucodonosor. A
sistemtica desobedincia do pas, a deteriorao da moral pblica, o enfraquecimento
espiritual do povo, tornou essa profecia irreversvel. A Babilnia finalmente invadiu a terra e
com um programa bem elaborado trabalhou para quebrar a espinha dorsal de Israel. Primeiro,
promoveu um xodo tnico. Esvaziou as cidades. Depois, selecionou os mais capazes para
serem re programados com lavagem cerebral, castrou jovens e vendeu mocinhas para serem
concubinas na Babilnia. O templo, orgulho dos judeus foi destrudo e os utenslios sagrados
de-sacralizados.
Jeremias profetizou que este perodo de desolao seria de 70 anos Jeremias 25.11. Ao
terminar este tempo, os persas ganharam a guerra anexaram os Medos, conquistaram a
Babilnia.
Um dos primeiros atos do novo governante, Ciro, depois da captura da Babilnia, foi passar
um edito autorizando os judeus exilados a retornarem sua prpria terra.
Esdras e Neemias trabalharam intensamente para construir as muralhas e o templo. Os vasos
roubados do templo por Nabucodonosor foram devolvidos. Depois deste recomeo a
construo do templo permaneceu desolada por 15 anos.
Havia uma espcie de apatia. Tiveram uma depresso ps-parto. As pessoas se voltaram para
seus empreendimentos pessoais, largaram os seus ideais, perderam o el. Cada qual voltou-se
para os seus prprios projetos.
A filosofia era mais ou menos a de hoje:
Se que no cuidar do que meu, quem cuida?
Melhor covarde vivo, que heri morto.
Primeiro o meu, depois o teu.
Nessas circunstncias Ageu profetizou. Interessante que por 4 vezes veio a ele a voz de Deus.
Captulo 1.1. Captulo 2.1 Captulo 2.10.
Captulo 2.20.
A primeira palavra que Deus deu a Ageu foi uma denncia contra o egosmo, a apatia de sua
gerao 1.1 11.
Quando h uma desiluso, quando se obrigado a conviver com a frustrao adoece-se:
A Esperana que se adia faz adoecer o corao, mas o desejo cumprido rvore da vida.
Prov. 13.12.
Uma das maiores tragdias de nossos dias a falncia dos sonhos e dos ideais. A tarefa de
reconstruir muitas vezes parece to grande to difcil que somos jogados numa espcie de
torpor espiritual, existencial.
Sonhar para qu? O negcio e tentar fazer o meu p de meia.
Eu soube que no perodo de altssima inflao na Argentina, alguns socilogos estudaram os
efeitos da alta inflao sobre o povo. A constatao foi sombria: quanto mais alta subia a
inflao mais as pessoas se mostravam duras, egostas, menor era a disposio de partilhar.
Eu soube que um dos muros de So Paulo foi pichado com a seguinte frase:
Estou cansado de aes, preciso de promessas.
O cinismo campeia, o deboche e a superficialidade esto em voga.
Christopher Lasch, escreveu um livro que foi catecismo nas Universidades de So Paulo: O
Mnimo Eu. Em que ele defende que o individualismo antes de ser um adoecimento de nossa
natureza ele um mecanismo de defesa.
O mundo, e particularmente, o Brasil um pas que tira nossas energias para fins
improdutivos: no ser assaltado, no ser furtado na conta de luz, no perder o emprego, no
comprar na Encol, no depositar no Econmico, no se mudar para o Palace I, no comprar
remdio falsificado, vencer a guerra do trnsito, tolerar as longas filas dos bancos, dos postos
de sade, preparar-se para passar uma velhice pobre.
Para se defender disso tudo, nos voltamos para o imediatismo. Vivemos a gerao das grifes,
dos Status Symbols (Bolsas Luis Vinton, carros BMW, condomnios em Miami, grifes de
roupas).
Somos a gerao de brinquedos caros, mas de alma vazia, sem causas para defender, sem
concordar. J se ouve o murmrio das pedras. Urge que os profetas comecem a falar.
Soli Deo Gloria
Evangelho e cidadania.
Ricardo Gondim
O Brasil enfrenta uma das piores crises de sua histria. Uma crise tal que os futuros
historiadores tero dificuldades de explicar como foi possvel este pas construir uma catstrofe
destas dimenses ao chegar no final do sculo XX.
Estamos desarticulados socialmente. Os sintomas desta desarticulao se mostram na misria
que se perpetua nos subrbios dos grandes centros urbanos, na deseducao das crianas que
so foradas a estudar em escolas pblicas em runas; no esvaziamento do campo e na
exploso urbana. Nossa desarticulao social se revela mais exuberante na perda do
sentimento de nacionalidade: vive-se uma descrena em relao ao futuro. Somos o pas em
que polticos ainda se elegem promovendo laqueadura de trompas e distribuindo dentaduras.
Observa-se a lenta perda do poder aquisitivo da classe mdia e nenhuma melhoria para a
maioria pobre. Vive-se uma desigualdade regional. O sul prspero e o norte e nordeste com
ndices africanos. Convivemos com o paradoxo de sermos um dos mais ricos pases do mundo
em terras e ainda assim sermos um dos mais pobres em nutrio; termos uma enorme
quantidade de escolas de medicina e estarmos classificados de acordo com Organizao
Mundial de Sade quanto a sade pblica em centsimo vigsimo quinto lugar. Segundo dados
preliminares do Ministrio do Bem Estar Social, haveria no Brasil, dezenas de milhares de
adolescentes prostitutas. Muitas delas acabam engravidando reproduzindo o ciclo da misria.
Outras, engrossam as sombrias estatsticas de aborto e mortalidade materna.
Dois em cada dez brasileiros vo dormir com fome.
Trinta e dois milhes de indigentes, pessoas que no conseguem comprar sequer uma cesta
bsica.
365 mil crianas abaixo de 5 anos morrem por ano no Brasil vtimas de desnutrio. mais
que 3 estdios do Morumbi.
O Brasil um pas com uma economia doente, sucateada com uma recesso brutal que
mantm os ndices de inflao baixos; cartelizada; dependente do protecionismo e subsdio do
estado, refm dos grandes bancos, escrava especulao do capital estrangeiro. O estado
est falido, o sistema mdico e previdencirio dilapidados. O sistema fiscal desmoralizado,
perverso, incoerente. O salrio mnimo, um dos mais baixos do mundo. O brasileiro obrigado
a conviver com as mais altas taxas de juros do planeta. Por conta disto, as estradas brasileiras
so esburacadas, impedindo o fluxo da riqueza para os grandes portos, o trnsito nas grandes
capitais catico, o transporte pblico bagunado. As cadeias pblicas super lotadas,
transformaram-se em antros de criminalidade. As polcias mal pagas e mal equipadas so
temidas pelos cidados e escarnecidas pelos bandidos. O estado no tem recursos para
cumprir com suas obrigaes previstas na Constituio.
Ecologicamente o Brasil um desastre. Os rios e florestas destrudos pela explorao
irresponsvel de seus recursos naturais. Desequilibramos nosso ecossistema quando
transformamos algumas de nossas lindas cataratas em imensos lagos artificiais. Polumos
nossas praias pela especulao imobiliria. Continuamos a devastar nossa selva para suprir o
guloso mercado madeireiro do primeiro mundo. O resultado pattico v-se e cheira-se por
toda parte: nossos rios so esgotos abertos, alguns de nossos prados se parecem com
cenrios lunares. Algumas de nossas montanhas, corrodas pela eroso, so retratos
surrealistas de nossa misria.
O Brasil o pas da degradao tica. Vive-se aqui a generalizao do oportunismo poltico. H
conivncia com a irresponsabilidade. Como grande nossa tolerncia com a corrupo
grande ou pequena! A fraude vista como fato normal. Os interesses corporativos prevalecem
sobre os sociais. Aceitamos, sem perdermos o sono, a coexistncia gritante da ostentao com
os mais dramticos nveis de misria. A injustia social no Brasil uma das mais alarmante do
mundo, sem que haja consternao das elites e das emergentes. Dinheiro que deveria ser
destinado a merenda escolar de crianas desviado para gordas contas na Sua. Promessas
eleitoreiras se repetem de tempo em tempo, enquanto nossas cidades esto entulhando-se de
Enquanto atrocidades eram cometidas nos pores do Doi Codi e nos pores da represso,
alheios, continuvamos conduzindo reunies evangelsticas. Acreditamos que os comunistas
eram perigo to grande, que deveramos no unir aos militares por que eles derrotariam as
foras do mal.
Em Ruanda, hoje sabe-se a poltica de extermnio na questo tnicas entre os Tutsis e os
Hutus teve o aval da igreja crist local.
Eis porque devemos observar o comportamento de Cristo diante do impasse que lhe
apresentaram:
1. O conceito cristo de cidadania dessacraliza os processos polticos.
Ele pergunta, de quem a efgie na moeda. A resposta obvia que era de Csar. Portanto,
no h uma tica transcendente na leitura daquele regime. O regime de Csar no visto
como agente do mal e nem como agente do bem; visto como uma manifestao dos
processos humanos de conduo da histria.
Para cristo, os sonhos teocrticos esto esvaziados. Ele edificar um reino que no guerrear
pelos mesmos espaos geogrficos que Roma, seu reino no usa a nomenclatura do poder de
Csar, no aparecer um novo partido dentro da confusa geo-poltica palestina do primeiro
sculo.
O evangelho no contempla no socialismo o sonho de concretizao do reino. Sequer consegue
ver o capitalismo que faz do dinheiro o seu deus, a possibilidade de encarnar a utopia do novo
cu e da nova terra.
Isso fora o cristianismo a interpretar sua realidade histrica luz da realidade e no do ideal.
Quando se indaga a Cristo se deve pagar impostos a Roma, est embutida na pergunta uma
inquietao: Um povo deve subjugar outro povo. Uma nao poderosa deve extorquir
impostos de outra nao pobre? No. O ideal no que isso acontea, mas o cristianismo no
trabalha com pressupostos do ideal e sim do que . O ideal que no se gastasse bilhes na
indstria das armas, o ideal que o sistema financeiro no premiasse a especulao e sim a
produo, o ideal que o sistema no se alicerasse sobre a ganncia e sim sobre a
solidariedade.
Foi devido a isso que a escravatura no duramente combatida nas pginas do Novo
Testamento. Na realidade em que foi escrito, a escravatura era amplamente difundida. Os
autores mergulhados na realidade histrica que viveram sem percepo ntida de como aquela
situao pudesse ser revertida no tentam desmoronar o sistema da escravatura, mas lutam
para humaniza-lo.
No exerccio da sua cidadania o cristo reconhece sua realidade mas no se encaramuja pela
distncia entre o que e o que desejamos que seja. O ideal que no houvesse meninos
morando nas ruas, chacinados por hordas de justiceiros. O ideal que no haja traficantes
vendendo crack para os miserveis que j vivem no inferno. Entre este ideal e o que vemos
quotidianamente h um abismo enorme. O que fazer. O evangelho desafia os cristos a lutar
para que eles sejam cuidados, que as estruturas que perpetuam esse estado de coisas sejam
derrubadas e que se engatilhem processos que preveniro outros a carem nesse caldeiro de
desgraa.
Foi interessante a postura do Ministro da Sade dos Governos do Jimmy Carter e do George
Bush. Ele, evanglico militante, iniciou uma campanha pela distribuio de preservativos por
todos os Estados Unidos. Confrontado pela Maioria Moral, se no estava legitimando a
promiscuidade no pas, ele respondeu: O ideal que as pessoas vivam uma vida monogmica,
mas antes que esse ideal se concretize h milhares de pessoas se contaminando com o vrus
HIV. Sou ministro da sade, no lido com o ideal, tenho que lidar com a dolorosa realidade,
portanto, vamos ensinar as pessoas a usar a camisinha.
O ideal que no haja abortos. Entretanto, milhares de mulheres esto recorrendo a clnicas
de aborto imundas. Muitas morrem por infeco. O que fazer? Creio que o conceito de
cidadania deve incorporar programas alternativos de adoo, creches antes que as
apedrejemos.
2. O exerccio da cidadania crist trabalha dentro dos contornos sociais, sem contudo legitimlos.
O simples fato de pagar o tributo no significa que o regime opressor de Roma est legitimado
por Cristo. Cristo no admite que suas posturas sejam exploradas por razes polticas, como
tambm ensinou aos seus discpulos a nunca se valeram das estruturas do poder para
alavancar o projeto do reino.
Francis Schaeffer que cunhou a expresso co-beligerncia. Fazem-se parcerias sem contudo
legitimar.
Quando percebo que a igreja catlica levantou uma bandeira digna, como sua luta contra a
explorao sexual de menores, posso me aliar com ela naquela luta, sem que necessariamente
esteja legitimando outros posicionamentos dela como sua mariolatria, o poder papal, etc.
Quando percebo que os sem terra, esto com reivindicaes slidas sobre a reforma agrria e
sobre a injustia social no campo o evangelho deve ratificar o esforo deles H muitos
crentes entre os sem-terra sem contudo, estar legitimando a invaso de prdios pblicos ou
estar solidrio a pressupostos socialistas.
Quando o presidente da Repblica desenvolve um projeto de cidadania, um esforo de
alfabetizar os evanglicos devem se posicionar a favor, sem que com isso estejam dizendo que
aprovam os mtodos que foram usados para que se ganhassem os votos pela re-eleio.
Odeio os indiferentes. Acredito que viver significa tomar partido. No podem existir os apenas
homens, estranhos cidade. Quem verdadeiramente vive no pode deixar de ser cidado e
partidrio. Indiferena abulia, parasitismo, covardia, no vida. Por isso odeio os
indiferentes. A indiferena o peso morto da histria. a bala de chumbo para o inovador e a
matria inerte em que se afogam freqentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso
que circunda a velha cidade e defende melhor do que nunca as ais slidas muralhas, melhor do
que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes,
os dizima e desencoraja e, s vezes, os leva a desistir da gesta herica.
Odeio os indiferentes tambm, porque me provocam tdio as suas lgrimas de eternos
inocentes. Peo contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhe
imps e impem quotidianamente, do que fizeram e, sobretudo, do que no fizeram. E sim
que posso ser inexorvel, que no devo desperdiar a minha compaixo, que no posso
repartir com eles minhas lgrimas. Sou militante, estou vivo. Sinto nas conscincias viris dos
que esto comigo pulsando a atividade da cidade futura que estamos a construir. Vivo, sou
militante. Por isso, odeio quem no toma partido, odeio os indiferentes.
Antnio Gramsci 11.02.1917.
3. O exerccio da cidadania encarado no cristianismo, no como uma atividade da redeno
mas da criao.
A funo de governar a terra e de administrar foi outorgada no Gnesis antes da queda. O
cristianismo, portanto, no necessita de homens redimidos para que o bem seja promovido.
Est fora o conceito de que o Brasil ser melhor quando tivermos o maior nmero de
evanglicos no poder.
No, o Brasil estar melhor quando tivermos o maior nmero de bons polticos exercendo, da
mesma maneira que a aviao brasileira estar melhor quando tivermos melhores pilotos
pilotando nossas aeronaves, da mesma maneira que o nosso programa de desenvolvimento da
fsica nuclear estar melhor quando tivermos o maior nmero de bons fsicos frente dos
podem viver um determinado estilo de vida, desde que comprem aquela marca especfica.
Assim os fumantes de Marlboro imaginam personificar o cowboy solitrio, mesmo morando
em um apartamento. Quando atletas amadores vestem as roupas ou calam os tnis da Nike,
acham que se transformam em campees. Gente que vive presa no trnsito apinhado das
grandes metrpoles, ao dirigir jipes com trao nas quatro rodas, sente-se desbravando
sertes. Klein declara: Marcas, no produtos! tornou-se o grito de guerra de um
renascimento do marketing liderado por uma nova estirpe de empresas que se viam como
agentes de significado em vez de fabricantes de produtos. Segundo o velho paradigma, tudo
o que o marketing vendia era um produto. De acordo com o novo modelo, contudo, o produto
sempre secundrio ao verdadeiro artigo. A marca e a sua venda adquirem um componente
adicional que s pode ser descrito como espiritual.
Infelizmente percebe-se o mesmo em determinados crculos cristos. Querem fazer do
Evangelho uma grife. Como? Primeiro transforma-se um seleto grupo de evangelistas,
cantores e pastores em superestrelas ao estilo de Hollywood. Depois associam seu nome a
grandes eventos e do-lhes o holofote. Ensinam-lhes habilidades espirituais acima da mdia.
Assim produzem-se cones semelhantes aos do mundo do entretenimento. Eles aglutinam
multides, vendem qualquer coisa e criam novas modas. A indstria fonogrfica enriquece, os
congressos se enchem, e os novos astros do mundo gospel alavancam suas igrejas.
Jesus dialogou com uma mulher samaritana e ofereceu-lhe uma gua viva. A mulher imaginou
essa gua com raciocnios concretos. Pensou que ao beber, nunca mais teria sede. Uma gua
dessas hoje, devidamente comercializada, seria um tesouro sem preo. D-me dessa gua e
assim nunca mais terei que voltar aqui.
Jesus corrigiu sua linha de pensamento. A gua que ele oferecia no era mgica, mas um
relacionamento: filhos e filhas adorando ao Criador em esprito em verdade. Infelizmente
muitos evanglicos brasileiros propagandeiam gua mgica. Pretensamente matando a sede
de qualquer um no estalar dos dedos.
O evangelho no produto ou grife, volto a repetir, mas uma alvissareira notcia. No deveria
se escravizar s regras do mercado. Ricardo Mariano em sua tese de doutoramento concluiu,
para a vergonha de tantas igrejas neo-pentecostais: As concesses mgicas feitas pelas
igrejas pentecostais s massas desafortunadas, por certo, no constituem to-somente meras
concesses... observa-se que a oferta pentecostal de servios mgicos segue cada vez mais
uma dinmica empresarial, ditada pela frrea lgica do mercado religioso, que pressiona os
diferentes concorrentes religiosos a acirrarem seu ativismo e a tornarem mais eficazes suas
aes e estratgias evangelsticas.
Essa mercadoria religiosa caricaturada de evangelho no representa o leito principal da
tradio apostlica. A indstria que encena essa coreografia carismtica de muito barulho e
pouca eficcia, no conta com o aval de Deus. H de se voltar ao anncio doloroso do
arrependimento como primeira atitude para os candidatos ao Reino. No se pode, em nome de
templos lotados, omitir a mensagem da cruz. Precisa-se repetir sem medo a mensagem de
Jesus: Se algum quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me
(Marcos 8.34).
Se no voltarmos aos fundamentos do Evangelho, teremos sempre clientes religiosos, nunca
seguidores de Cristo. Faremos proselitismo sem evangelizar. Aumentaremos nossa
arrecadao sem denunciar pecados. Construiremos instituies humanas sem encarnao do
Reino de Deus. E pior, continuaremos confundimos Jesus com Coca-Cola. No Maranho h um
refrigerante de grande sucesso com a marca Jesus. Entretanto, no se pode desejar alcanar o
sucesso transformando Jesus numa soda e as igrejas em quiosques religiosos.
Que Deus tenha piedade de ns.
Soli Deo Gloria
O fim da histria
Ricardo Gondim Rodrigues
H alguns anos, um obscuro funcionrio do Departamento de Estado norte americano props
que a histria chegara ao fim. O nome de Francis Fukuiama logo se tornou conhecido nos
meios acadmicos. Seus argumentos causaram enorme furor entre os defensores da dialtica
histrica. Ele defendia que o fim das grandes utopias, principalmente o esfacelamento da
proposta sovitica de um estado marxista, exauria a possibilidade de se escrever Histria, com
ag maisculo. Estaramos condenados a um futuro que tediosamente se alongaria numa
sucesso de fatos menores, portanto, uma historinha; meros acontecimentos quotidianos.
Ele simplesmente expressava a mentalidade de uma poca, tambm chamada de psmodernidade. Um contrap histrico caracterizado pela decepo com as propostas do
Iluminismo europeu e com as afirmaes da modernidade. Eram elas: a) o avano do saber
cientfico; b) o domnio da natureza pela tecnologia; c) o aumento exponencial da
produtividade e da riqueza material; d) a emancipao das mentes aps sculos de opresso
religiosa; superstio e servilismo; e) o progresso e salvao dos povos pelas instituies
polticas; f) o aprimoramento intelectual e moral dos homens por meio da ao conjunta da
educao e das leis. No se aguarda mais o paraso proletrio sonhado por Marx, o eldorado
do capitalismo ocidental ou o mundo feliz do positivismo em que imperam a ordem e o
progresso.
Realmente parece que se acabaram os sonhos, que se arriaram as bandeiras apaixonadas das
idias e que os visionrios cederam lugar aos hedonistas. Os grandes idelogos dos partidos
polticos, acossados nos corredores das universidades, cederam os palcos para os
marqueteiros. Diminuram as barricadas e trincheiras nas ruas das grandes cidades; os jovens
optaram pelos corredores refrigerados dos shoppings. A China, maior pas comunista do
planeta, criou um novo paraso capitalista, com instituies polticas totalitrias e uma
economia de mercado.
Idealistas, idealistas mesmo, restaram os fundamentalistas islmicos, defensores de um
mundo pr-moderno. Guerreiros dispostos a deitar suas prprias vidas por um estado
teocrtico. Vislumbram um mundo homogeneizado pelo Coro e sujeito disciplina e censura
de um Ministrio de Costumes e Tradio que condenaria as mulheres a retrocederem sculos
sujeitando-as novamente s mordaas medievais.
Fora esses segmentos islmicos mais radicais, realmente o mundo carece de sonhos e ideais.
Gabriel Periss afirma que uma das idias mais fortes que leu na sua vida encontrava-se
pichada em um tapume e dizia assim: Se voc est tranqilo porque est mal informado.
Entorpecemos nossas conscincias com a desinformao. A televiso nivelou-nos por baixo. A
avalanche de novos fatos que se sucedem em um mundo globalizado no nos deixa tempo
para a reflexo. Sucumbimos a um rpido processo de imbecilizao. H uma cultura de
consumo que anestesia o ocidente.
Fernando Pessoa em seu magnfico Livro do Desassossego, afirmou que ao herdarmos uma
descrena generalizada tanto no cristianismo como na igualdade social e na cincia e nos seus
proveitos acabamos nos contentando em meramente viver. E arremata inclemente: Ficamos,
pois, cada um entregue a si prprio, na desolao de s sentir viver. Um barco parece ser um
objeto cujo fim navegar; mas o seu fim no navegar, seno chegar a um porto. Ns
encontramo-nos navegando, sem a idia do porto a que nos deveramos acolher. O veredicto
de Pessoa, mesmo vaticinado h quase cem anos, doloroso: Sem iluses, vivemos apenas
do sonho, que a iluso de quem no pode ter iluses ... Sem f, no temos esperana, e sem
esperana no temos propriamente vida. No tendo uma idia do futuro, tambm no temos
uma idia de hoje, porque o hoje, para o homem de ao, no seno um prlogo do futuro.
A energia para lutar nasceu morta conosco, porque ns nascemos sem o entusiasmo da luta.
Melancolicamente tambm constato que a esperana igualmente anda trpega entre os
cristos. Percebo que nos contentamos em repetir dominicalmente nossos cultos. Sujeitamonos ladainha enfadonha de oraes prontas, paliativos espirituais em um mundo inclemente.
Pastor, a seduo pelo aplauso v. A disputa por respeitabilidade, intil. O desejo de ter um
nome se aproxima da mentalidade dos construtores de Babel. Na proposta de Jesus Cristo h
discrio. O sucesso cobra um preo muito alto. Ele mirra nossa alma.
No se afadigue para ser bem sucedido. Deus no busca desempenho, apenas fidelidade. Ele
jamais lhe comparar a ningum. Seja to somente fiel ao que lhe foi confiado. Jesus alicerou
sua identidade na frase que ouviu antes de iniciar seu ministrio: Este meu filho amado em
quem me comprazo. Faa o mesmo. Tome conscincia de que agradvel a Deus. S assim
voc no se deixar afetar por elogios ou desprezos. s vezes, preocupo-me que voc esteja
querendo impressionar outros pastores. No preciso. Por causa de Jesus, sabemos que Deus
j est satisfeito conosco.
Semana passada vi-lhe no culto sem palet e sem gravata. Ningum se chocou. Pelo contrrio,
sentimo-nos mais prximos. Incrvel, como nesses pequenos detalhes haja tanto significado.
Gosto de lhe enxergar humano. Recordo-me com detalhes todas as vezes que voc, sem
temor, deixou-nos conhecer suas fraquezas. Ajudou-me a perceber que no luto sozinho
contra a carne, o mundo e o diabo. Senti-me fortalecido em saber que somos parceiros de
caminhada. Na verdade, eu andava cansado dos pastores que tentam projetar em suas
congregaes, uma imagem de super homens. Tenho pena dos evangelistas, que sem
perceberem o ridculo, enxergam-se como semideuses. Ser que no notam como vaidosa
essa moda dos pastores se darem ttulos e, a si mesmos se promoverem? Esqueceram que o
discpulo no pode ser maior que o mestre? Apagaram da lembrana o dia em que a me de
Tiago e Joo procurou um lugar de destaque para seus filhos? Diante de seu pedido afirmou:
Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridades
sobre eles. No assim entre vs; pelo contrrio, quem quiser tornar-se grande entre vs,
ser esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vs ser vosso servo; tal como o
Filho do Homem, que no veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de
muitos (Mt 20.20-28). Dispense os ttulos, esteja sempre perto de ns, sua congregao. Aqui
voc ser sempre amado sem precisar de mscara.
Quero, por ltimo, agradecer por seus sermes. Ouo ao rdio e assisto televiso com
regularidade. Sei que no devo, mas fao minhas comparaes. Acredito que h uma crise
muito grande nos plpitos evanglicos. Poucos se atrevem a pregar expositivamente as
escrituras. Na proliferao dos sermes tpicos percebe-se a falta de zelo. Reparei
ultimamente, que a maioria dos sermes rodopia no que Deus pode fazer pelas pessoas.
Parece que muitos pastores perderam a noo da grandeza e majestade de Deus. Apresentamno como mero cumpridor dos caprichos humanos. Muito obrigado, pelo seu esmero em nos dar
todo o conselho de Deus. Seus sermes podem destoar. Mas, continue exaltando a Cristo. Ele
atrair as pessoas a si mesmo. No caia na tentao de adocicar sua mensagem, tornando o
evangelho apenas uma verso simplria da neurolingstica. A mensagem da cruz pode estar
fora de moda, mas ainda o poder de Deus salvar todo o que cr.
Voc tem honrado o conselho que Paulo deu a Timteo: Prega a palavra, insta, quer seja
oportuno, quer no, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois
haver tempo em que no suportaro a s doutrina; pelo contrrio, cercar-se-o de mestres
segundo as suas prprias cobias, como que sentindo coceira nos ouvidos e se recusaro a dar
ouvidos verdade, entregando-se s fbulas. Tu, porm, s sbrio em todas as coisas,
suporta as aflies, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministrio
(2Tm 4.2-5).
Daqui a cem anos escrevero a histria de nossa gerao. Nossa comunidade no alcanou a
notoriedade de algumas igrejas mais famosas. Mas a vontade de Deus que demos fruto e
que nosso fruto permanea. No se preocupe. Caminhe de tal forma que voc possa dizer no
final de sua jornada: Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a f (2Tm 4.7). A
histria dir o resto.
Conte comigo sempre,
Uma ovelha de seu rebanho
31.34. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres- Joo 8.36. E assim, se
algum est Cristo, nova criatura, as cousas antigas j passaram; eis que tudo se fez novo2 Corntios 5.17. Mas uma cousa fao: esquecendo-me das cousas que para trs ficam e
avanando para as que diante de mim esto, prossigo para o alvo, para o prmio da soberana
vocao de Deus em Cristo Jesus- Filipenses 3.13-14. Sesses de cura interior so incuas
para preservar qualquer pessoa espiritualmente, danosas na gestao de autnticos discpulos
e um horror como cura psicolgica. Algum que se submeteu a uma sesso de Cura Interior
corre o risco de entrar em uma parania espiritual e descobrir que continua sofrendo com seus
traumas psicolgicos, e pode facilmente se desesperar pois foi-lhe prometido que Deus a
curaria instantaneamente.
O Evangelho Antropocntrico.
Desde a Modernidade e com o apogeu do Iluminismo, homens e mulheres subiram em um
pedestal. O mundo ocidental acredita que merecemos ser felizes e que tudo deve gravitar em
torno de nos tornar plenos. Inclusive Deus. Devido a essa viso, aprendemos um conceito
religioso egosta. Entendemos como evangelho o anncio de um Deus que nos faa bem. Que
esteja ao nosso dispor. Assim, nossas preces se resumem a pedir. Queremos que nosso louvor
seja agradvel a ns mesmos. Compreendemos converso como uma descoberta que nos fez
mais felizes. Hoje, muitos evanglicos aprenderam a reivindicar direitos e decretar
bnos. Recentemente vi um adesivo colado no vidro do carro de um crente que pedia: D
uma chance para Deus. Quem ser que necessita de uma chance? Deus ou homens e
mulheres que se rebelaram contra Deus que amoroso e bom? Estarrecido, soube que h
encontros evanglicos onde as pessoas aprendem a liberar perdo para Deus. o cmulo!
Inverteram-se os papis. Deus agora precisa ser perdoado? Urge voltar ao anncio do Reino
em que ele Senhor Soberano e amorosamente estende sua graa para todos.
Atalhos.
Tanto as foras do mercado como a tecnologia ps moderna condicionam esta gerao ao
imediatismo. Acredita-se que tudo pode ser resolvido no estalar de dedos. As propagandas na
televiso conseguem solucionar os problemas de limpeza de uma casa, garantem seguro
mdico, prometem frias felizes, do-nos prestgio. Tudo em 30 segundos. Buscamos tambm
resolver nossos dilemas espirituais em rpidos momentos de um culto. Infantilmente
acreditamos que bastam alguns momentos de xtase espiritual para subirmos os penosos
degraus da maturidade crist. Paulo admitiu que necessitava mais do que surtos de adrenalina
espiritual: mas esmurro o meu corpo, e o reduzo escravido, para que, tendo pregado a
outros, no venha eu mesmo a ser desqualificado- I Corntios 9.27. No h atalhos na escola
de Deus. Nada substitui o discipulado. Nenhum mtodo suplantaria a igreja como comunidade
teraputica. Experincias com Deus se acumulam com amargas derrotas e felizes triunfos. Dia
a dia aprende-se a fidelidade de Deus. Devemos olhar com cautela ministrios que prometem
que em um simples final de semana os imaturos sero transformados em lderes capazes.
potencialmente desastroso montar uma estrutura eclesistica em tcnicas to velozes.
Os modismos so sinais dos tempos. Para no sermos levados por todo vento de doutrina,
portemo-nos como os bereanos, conferindo com as escrituras todas as novidades que surgem
no cenrio religioso. Acreditemos que passaro os cus e a terra, mas a sua Palavra
permanecer.
Soli Deo Gloria
Eu, mulher
Ricardo Gondim Rodrigues
Antes, preciso apresentar-me. H dezoito anos convertida, estou totalmente comprometida
com minha igreja local. Sou me de dois filhos lindssimos, amo o meu marido e, como todas
as mulheres, vivo a tenso entre o meu lar e minhas aspiraes profissionais. Trabalho como
diretora do departamento de recursos humanos de um grande hospital. Lido diariamente com
enfermeiras, mdicos e cirurgies competentssimos, contabilistas, tcnicos em informtica.
Resolvi escrever sobre minhas inquietaes por no entender o porqu das discriminaes que
sofro na minha igreja e denominao. Sinto que a grande maioria das igrejas insiste em tentar
perenizar um preconceito contra as mulheres, mesmo depois de um sculo com tantas
conquistas femininas.
Espero que minhas palavras aqui sejam doces e que eu no esteja gerando ainda mais
rancores e divises entre homens e mulheres. Acredito que algo precisa acontecer
urgentemente. Sabe-se que a maioria dos membros de qualquer igreja feminina, concordase que a grande fora missionria evanglica composta de mulheres. Todo pastor admitir
que o ministrio da orao em suas congregaes largamente impulsionado pelas irms. As
Escolas Dominicais, o trabalho de assistncia social, visitao e a evangelizao pessoal de
suas comunidades depende em muito das Martas e Marias que se desdobram em orao e
muita atividade.
No entendo o porqu, depois de tanto fruto, tanta dedicao, as igrejas insistam na antiga
interpretao bblica de que a mulher induziu o homem a pecar e, portanto, deve manter-se
sempre em segundo plano. Tambm, no sei porque os homens no enxerguem que na
insistncia em alijar as mulheres, prestam um desfavor ao reino de Deus. Temos tanto para
contribuir. Com certeza nossa presena no precisa ser sempre vista como uma tentao, um
perigo aos homens.
O meu pastor promoveu um simposium sobre as mulheres no ministrio e algumas pessoas
abandonaram nossa comunidade. Alegaram que ele havia aberto um precedente perigoso e
que na histria do cristianismo, todas as vezes que mulheres foram iadas posio de
liderana, houve apostasia. Senti-me rasgada em minha dignidade. Vi a imagem de Deus em
mim achincalhada. Mesmo com tanta dor, no quero que minha escrita aqui se transforme em
um mero desabafo, gostaria de pedir aos meus irmos e irms que meditem comigo sobre a
mulher, no como um segundo plano de Deus, mas como parte de seu lindssimo propsito
eterno.
Ser que precisamos insistir na tese de que a mulher foi a nica culpada pela queda?
Repetiremos sempre a desculpa esfarrapada de Ado: de que a mulher o induziu ao erro?
Creio que j caminhamos o suficiente na teologia para entendermos que a nossa humanidade,
tanto homens como mulheres, susceptvel ao pecado e que nossa fraqueza precisa ser
solidariamente assumida? Parece-me que as perspectivas teolgicas masculinas que
dominaram o pensar por tantos milnios colocaram sobre o personagem feminino um peso
maior. Creio que o pecado, considerado como ruptura de toda relao com Deus e com os
seres humanos; tem a dimenso da fraqueza, bem como de orgulho, pois nega a nossa
responsabilidade humana e agride o propsito de nossa criao. Insisto em afirmar que o
pecado no possui gnero, no masculino nem feminino, mas um desvio de nossa
humanidade.
Ouo com freqncia o argumento de que o papel da mulher na igreja deve ser o da
submisso e da obedincia. Cansei de ouvir que h inmeros (?) textos em que a Bblia ordena
que as mulheres sejam submissas. Longe de mim questionar a submisso como uma virtude
crist. O que me inquieta que esse mandamento se restrinja s mulheres. Ser que a
mansido e a humildade no deveriam ser virtudes almejadas por todos, sem distino de
gnero? Concordo com Simone de Beauvoir, quando afirma que o dualismo macho/fmea
um preconceito a ser ultrapassado. Acredito que no h essncias eternas masculinas e
femininas. Creio que todos devemos almejar um mundo em que as mulheres sejam acolhidas
juntamente com os homens na fraternidade integral. Acredito que o exemplo de Jesus deve
ser imitado por todos: Tende em vs o mesmo sentimento que houve tambm em Cristo
Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, no julgou como usurpao ser igual a Deus,
antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhana de
homens; e, reconhecido em figura humana a si mesmo se humilhou... Fp 2.5-8.
Quantas vezes eu e outras irms de nossa comunidade fomos esquecidas nos processos de
deciso. Alegam que as mulheres so timas obreiras mas esto espiritualmente impedidas
de exercerem liderana. Argumenta-se que Jesus s escolheu homens para participarem do
colgio apostlico. J tentaram me consolar, afirmando-me que eu devo me resignar a servir,
pois no reino de Deus maiores so os que servem e no os que mandam. Como lamento essas
abordagens. Dizem para ns que se ele s chamou homens, portanto, as mulheres precisam
entender o princpio de que os do sexo masculino devem exercitar liderana. Mas, como leiga,
pergunto: Ele tambm no chamou s judeus para serem do seu colgio apostlico? Os
pastores e lderes cristos usurpam o ministrio, por serem incircuncisos? Lgico que no.
Acredito que o texto de I Pedro 2.4-5 e 9, precisa ser lido sem que se leve em conta macho ou
fmea, judeu ou grego:
Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus
eleita e preciosa, tambm vs mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual
para serdes sacerdcio santo, a fim de oferecerdes sacrifcios espirituais agradveis a Deus por
intermdio de Jesus Cristo...Vs, porm, sois raa eleita, sacerdcio real, nao santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou
das trevas para a sua maravilhosa luz.
Quando nos ensinam que maior o que serve e no o que manda, tambm questiono: Por que
os homens no do o exemplo ento, abrindo mo do poder para que as que mulheres que
sempre serviram experimentem liderar, mesmo que sem grandes galardes?
Escuto tambm a tese de que Deus escolheu vir ao mundo como homem e no como mulher.
Nessa argumentao, entendo que h uma sugesto muito sutil de que ele seria menor se
optasse ser mulher. Anne Carr escreveu sobre A Mulher na Igreja (Editora Temas e Debates) e
cita June OConnor, sua afirmao precisa ser ouvida por ns:
Homens e mulheres so igualmente feitos imagem e semelhana de Deus, so chamados
responsabilidade e salvao em Cristo, so um em Cristo (como gregos e judeus, escravos e
senhores), nisso no h nenhuma significao teolgica definitiva ao carter masculino de
Jesus. A sua identidade masculina considerada como um trao de sua pessoa, e no como
uma condio necessria encarnao. Embora a masculinidade de Jesus no tenha nenhuma
significao teolgica intrnseca, tem de fato, segundo a opinio geral, uma significao social
simblica. Porque Jesus sapa as estruturas predominantes das relaes humanas e dos
fundamentos sobre os quais assenta a sociedade de sua poca, saber: a famlia patriarcal
greco-romana do sculo I, que favorece o homem.
Acredito que no diminuiramos nossos conceitos a respeito de nosso Senhor se resgatssemos
algumas metforas bem femininas. Ele no tem receios de dizer que como uma galinha busca
ajuntar seus pintinhos assim ele buscou a Jerusalm (Mt 23.37). No se envergonha de
comparar Deus a uma mulher que varre a casa para encontrar sua moeda Lc 15.8-10. No
se sente menor quando diz que o reino de Deus como o fermento que uma mulher tomou e
escondeu em trs medidas de farinha, at tudo ficar levedado Mt 13.33. Em sociedades
patriarcais referir-se a Deus sempre como Ele, coloca a teologia em sintonia cultural, mas no
define ou sequer delimita nossa compreenso da essncia espiritual de Deus que no pode ser
identificada como macho, sequer fmea.
Alguns rechaam o clamor feminino. Acreditam que estamos reivindicando dominar sobre os
homens. No queremos ser cabea, no desejamos controlar. Pelo contrrio, desejamos que
no haja domnio de ningum seno o do Senhor sobre todos. Queremos apenas que o clamor
de Paulo em Glatas 3.27-28 ressoe sem preconceitos nas mais diversas igrejas: Pois todos os
que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. No h judeu nem grego; no h
escravo nem homem livre, no h homem nem mulher, pois todos vs sois um s em Cristo.
Acredito que um dia as igrejas deixaro de ser o ltimo reduto onde as mulheres ainda sofrem
preconceitos. Assim como eu, elas j exercem cargos na liderana de estados, municpios;
esto frente de grande empresas; julgam nos tribunais e at reinam sobre alguns pases.
Neste dia, estaremos mais prximos de sermos a igreja que ele sonhou. Por enquanto,
sonhemos juntos.
Soli Deo Gloria
que denunciar um irmo um crime hediondo. Tememos citar nomes. Quando a teologia da
prosperidade comeou a se enraizar no Brasil, publicou-se um livro que citava, j na capa, os
responsveis por essas aberraes doutrinrias. O autor sofreu ostracismo e a editora,
durssimas crticas. Entretanto, a Bblia contm vrios exemplos de pessoas expostas quando
cometeram erros morais ou doutrinrios. Paulo no hesitou em chamar a ateno de Pedro
quando se mostrou incoerente em seu comportamento diante dos Fariseus e dos gentios
Glatas 2. 11. Tambm afirmou que a linguagem de Himeneu e Fileto corroa como um cncer,
pois pregavam que a ressurreio j se realizou 2Tm 2.17; exps a Demas que tendo amado
o presente sculo, o abandonara 2Tm 4.10; e no temeu revelar o nome de Alexandre, o
latoeiro, que lhe causara muitos males 2Tm 4.14.
H uma idia errada que os erros da igreja no podem ser publicados sob o risco de perder o
testemunho na sociedade. Mas o que mal feito acaba sendo conhecido de qualquer maneira.
Cristo prometeu que tudo o que estiver escondido ser alardeado de cima dos telhados. Deus
ento levanta os profetas seculares e a igreja perde a oportunidade de mostrar sua
intolerncia com o pecado.
Ser que nunca teremos nenhum meio de comunicao com coragem de se antecipar aos
grandes escndalos que vez por outra nascem na igreja evanglica? Criemos estruturas em
nossas igrejas, denominaes e, principalmente nos seminrios, para que Deus levante jovens
jornalistas. Carecemos de vozes com coragem de expor o maquiavelismo que usa de fins
legtimos para justificar meios indignos. Precisamos urgentemente de bons escritores que
relatem como acontecem os conchavos entre polticos inescrupulosos e pastores iludidos pela
adulao dos poderosos. Somente com um jornalismo independente e sem patrulhamentos
ideolgicos saberemos o que acontece nas tesourarias eclesisticas e nos procedimentos
contbeis das grandes denominaes.
As pedras clamaro se o juzo no comear na casa de Deus. Mas a ser tarde demais. O
mpio escarnecer e todos padecero sob a mesma suspeita.
Padre Antnio Vieira dizia que a cegueira do juzo e do amor-prprio muito maior do que a
cegueira dos olhos. A cegueira dos olhos faz que no vejamos as cousas; a cegueira do amorprprio faz que as vejamos diferentes do que so, que muito maior cegueira. O enorme
crescimento evanglico brasileiro gera um clima ufanista, porm um bom jornalismo poderia
curar esse mal.
Se no curar, pelo menos teremos menos sobressaltos quando lermos o jornal de amanh.
Soli Deo Gloria
tempo). Porque sou o menor dos apstolos, que mesmo no sou digno de ser chamado
apstolo, pois persegui a igreja de Deus (15.10). O testemunho de mais de dois mil anos de
histria que os apstolos foram somente aqueles doze homens que andaram com Jesus e
foram comissionados por ele para serem as colunas da igreja, comunidade espiritual de Deus.
O que preocupa nos apstolos ps-modernos ainda mais grave. Tem a ver com a nossa
natureza que cobia o poder, que se encanta com ttulos e que fez do sucesso uma filosofia
ministerial. H uma corrida frentica acontecendo nas igrejas de quem o maior, quem est
na vanguarda da revelao do Esprito Santo e quem ostenta a uno mais eficaz. Tanto que
os que se afoitam ao ttulo de apstolo so os lderes de ministrios de grande visibilidade e
que conseguem mobilizar enormes multides. Possuem um perfil carismtico, sabem lidar com
massas e, infelizmente, so ricos.
No quero ser um apstolo porque no desejo a vanguarda da revelao. Desejo ser fiel ao
leito principal do cristianismo histrico. No quero uma nova revelao que tenha sido
desapercebida de Paulo, Pedro, Tiago ou Judas. No quero ser apstolo porque no quero me
distanciar dos pastores simples, dos missionrios sem glamour, das mulheres que oram nos
crculos de orao e dos santos homens que me precederam e que no conheceram as
tentaes dos mega eventos, do culto espetculo e da v-glria da fama. No quero ser
apstolo, porque no acho que precisemos de ttulos para fazer a obra de Deus, especialmente
quando eles nos conferem estatus. Alis, estou disposto, inclusive a abrir mo de ser
chamado, pastor, se isso representar uma graduao e no uma vocao ao servio.
No desdenho as pessoas, sinto apenas um enorme pesar em perceber que a ambincia
evanglica conspira para que homens de Deus sintam-se to atrados a ostentao de ttulos,
cargos e posies. Embriagados com a exuberncia de suas prprias palavras, crentes que so
especiais, aceitam os aplausos que vm dos homens e se esquecem que no foi esse o esprito
que norteou o ministrio de Jesus de Nazar.
Ele nos ensinou a no cobiar ttulos e a no aceitar as lisonjas humanas. Quando um jovem
rico o saudou com um Bom Mestre, rejeitou a interpelao: Porque me chamas bom?
Ningum bom seno um, que Deus (Mc 10.17-18). A me de Tiago e Joo pediu um lugar
especial para os seus filhos. Jesus aproveitou o mal estar causado, para ensinar: Sabeis que
os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. No
assim entre vs; pelo contrrio, quem quiser tornar-se grande entre vs, ser esse o que
vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vs ser vosso servo; tal como o Filho do
Homem, que no veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de
muitos (Mateus 20.25-28).
Os pastores esto se esquecendo do principal. No fomos chamados para termos ministrios
bem sucedidos, mas para continuarmos o ministrio de Jesus, amigo dos pecadores,
compassivo com os pobres e identificado com as dores das vivas e dos rfos. Ser pastor no
acumular conquistas acadmicas, no conhecer polticos poderosos, no ser um gerente
de grandes empresas religiosas, no pertencer aos altos graus das hierarquias religiosas.
Pastorear conhecer e vivenciar a intimidade de Deus com integridade. Pastorear caminhar
ao lado da famlia que acaba de enterrar um filho prematuramente e que precisa experimentar
o consolo do Esprito Santo. Pastorear ser fiel todo o conselho de Deus; ensinar ao povo
a meditar na Palavra de Deus. Ser pastor amar os perdidos com o mesmo amor com que
Deus os ama.
Pastores, no queiram ser apstolos, mas busquem o secreto da orao. No ambicionem ter
mega igrejas, busquem ser achados despenseiros fieis dos mistrios de Deus. No se
encantem com o brilho deste mundo, busquem ser apenas serviais. No alicercem seus
ministrios sobre o ineditismo, busquem manejar bem a palavra da verdade; aquela mesma
que Timteo ouviu de Paulo e que deveria transmitir a homens fieis e idneos que por sua vez
instruiriam a outros. Pastores, no permitam que os seus cultos se transformem em shows.
No alimentem a natureza terrena e pecaminosa das pessoas, preguem a mensagem do
Calvrio.
csmico, para o sistema oriental hindu e budista somos meras partculas de um deus etreo,
uma concepo pantesta, para o sistema esprita kardecista somos espritos aprisionados em
corpos cumprindo a nossa lei do karma, mas para os cristos a resposta contundente, bonita
e nobre, somos a imagem de um Deus que com amor, meticulosamente nos projetou no seu
prprio corao.
Porque existe a maldade?
No h resposta mais contundente e racional do que a do Cristianismo. Por que existem tantos
estupros? Por que existe tanto trfico de drogas? Por que as clnicas psiquitricas esto
abarrotadas de pessoas devastadas pela malignidade da civilizao?
No conceito oriental o mal e o bem se fundem numa s coisa, no conceito esprita o mal uma
questo de aperfeioamento, no conceito cristo o mal e mais do que tudo isso, uma
decorrncia de estarmos distantes de um Deus pessoal,fonte de todo o tipo de bondade e
benignidade, a bondade existe no universo no como fonte de um acidente, mas como fonte
de um Deus que eternamente bom e justo, e a nossa bondade vem medida que estamos
plugados nesse Deus, mas quando estamos desligados dele , somos passiveis de
malignidade , e o resultado desse desligamento gera em ns a capacidade de nos tornarmos
monstros de iniqidades e essa monstruosidade vem da nossa independncia de Deus.
E por ltimo, ningum conseguiu falar de Redeno de uma forma to coerente, to justa e to
intelectualmente lcida do que essa Mensagem. Porque Deus amou o ser humano de tal
forma que deu ao sacrifcio seu nico Filho, Jesus Cristo, para que todo aquele que Nele
Jesus Cristo crer e reconhecer o seu sacrifcio na Cruz do Calvrio seja Redimido e tenha a
Vida Eterna.
(Joo 3:16). Que Deus nos ajude.
Soli Deo Gloria
minha misria. Se ainda no me arrependi deste projeto porque nada espero da Inglaterra
ou do paraso. Aonde for levarei o meu inferno comigo...
Ainda a bordo conheceu alguns missionrios morvios e depois que chegou Gergia,
conversou com August Gottlieb Spangenberg que depois do conde Zinzendorf era a segunda
pessoa na sociedade dos Morvios. Quando pediu ajuda sobre sua obra missionria
Spangenberg foi direto na jugular: O Esprito de Deus testifica com o seu esprito que voc
filho de Deus? Wesley se espantou com a linguagem direta e sem rodeios do outro
missionrio. Spangenberg continuou como numa rajada de metralhadora: Voc conhece Jesus
Cristo? Wesley engasgou: Sei que ele o salvador do mundo. Seu interlocutor no lhe dava
trguas e fustigou mais uma vez: Verdade, concordou Spangenberg, mas voc sabe se ele
j lhe salvou? A hesitao de Wesley chegava a ser vergonhosa: Espero que ele tenha
morrido para me salvar. Spangenberg pressionava com a mesma intensidade: Voc sabe
disso com certeza? Sem coragem para falar, Wesley apenas resmungou: Sei, sim. Anos
depois, confessou em seu dirio que aquele sei, sim, foram palavras vs.
Depois que voltou para a Inglaterra, sentindo-se derrotado e triste, Wesley nasceu como
verdadeiro filho de Deus, no memorvel 24 de maio de 1738, aniversrio espiritual de um dos
mais completos evangelistas de toda a histria do cristianismo. O marco foi to significativo
que Wesley afirmou: acabaram-se todas as disputas. No prefcio de sua narrativa de
converso, ele nos conta que dois alicerces marcaram o dia em que finalmente Cristo tornouse seu salvador: 1) renunciar de forma absoluta, minhas obras ou minha justia, que me
serviam de base para salvao; 2) acrescentar ao viver todos os meios da graa: orao,
dependncia completa no sangue que Cristo derramou por mim, confiana nele como o meu
Cristo, minha nica justia, santificao e redeno (grifo original).
Os evanglicos brasileiros precisam redescobrir Wesley. Ele pode nos ajudar a nos
desvencilharmos de uma cultura excessivamente pragmtica. As demandas do mundo
urbanizado em que o tempo se torna cada vez mais exguo. Com menos tempo para cuidarmos
de nossa alma, acabamos consumidos pelas engrenagens da mquina religiosa e apenas
papagaiando jarges que h muito perderam o sentido ou a profundidade. A avidez com que
Wesley lia, sua sede de conhecer, deram-lhe uma profundidade teolgica impressionante.
Quo distante do evangelista ps-moderno que se especializa em superficialidades, se
contenta em produzir emotividade instantnea e vive da sua dramaturgia. Necessitamos
devolver a boa teologia ao conceito evangelstico. Os pregoeiros da justia precisam ser mais
densos, precisam chamar o seu auditrio a entender, internalizar e viver as verdades bblicas.
Meu cho a Bblia, Wesley declarou certa vez. Sim, eu sigo a Bblia em todos os assuntos,
grandes ou pequenos. Ela a pedra de apoio em que os cristos examinam todas as
revelaes, reais ou supostas. Aconselhou seus evangelistas: Nunca aceitem nada sem
testar... no creiam em nada que no tenha sido claramente confirmado por passagens das
escrituras...
Wesley era pregador da graa. Embora, a primeira gerao de metodistas tenha sido de
homens e mulheres comprometidos com santidade e o texto de Hebreus 12.14 (Segui a paz
com todos e a santificao, sem a qual ningum ver o Senhor) fosse o lema de milhes,
ningum jamais esqueceu a Graa. Wesley alinhava-se Reforma protestante e enfatizava a
Sola Gratia e Sola Fide. Em junho de 1738, pregou um sermo em Oxford e afirmou: A
mesma graa livre nos concede hoje vida, respirao e tudo mais, pois no h nada que somos
ou temos ou fazemos que no provenha da mo de Deus. Todas as nossas obras, tu, oh Deus
as fazes por ns. Assim, elas so tantas outras manifestaes de livre misericrdia, e toda
justia encontrada no homem, ser tambm uma ddiva de Deus. Ento como o pecador far
expiao pelo menor de seus pecados? Com suas prprias obras? No. Ainda que estas sejam
muitas ou sejam santas, no provm dele, mas seno de Deus...Se, portanto, os pecadores
acharem graa diante de Deus, graa sobre graa...Pela graa ento sois salvos, mediante
a f. A graa a fonte e a f a condio da salvao.
A igreja evanglica distancia-se muito da Reforma protestante e afasta-se muito do pensar
wesleyano ao calcar sua prtica evangelstica sobre sacrifcios, penitncias e boas obras
O cristo pessimista?
Ricardo Gondim Rodrigues
"O discurso do pastor foi desanimador e pessimista. Afinal de contas, o emprego dele depende
do pessimismo." Ouvi essas sentenas como reao a um discurso que proferi em uma
entidade filantrpica. O tema que me foi apresentado era: A realidade do mundo e a
expectativa evanglica para o futuro. Embora esse comentrio sobre minha palestra tenha me
deixado triste, compreendi que ele no se dirigia apenas a mim. Representava muito mais uma
resposta secularizada viso crist de mundo. A expectativa evanglica do futuro parece, em
um primeiro instante, muito negativa.
Cristo previu um cenrio bem cru para os ltimos dias. Independente da interpretao que se
d para alguns textos como Mateus 24 e Lucas 21, v-se claramente que Jesus no foi ufanista
quanto ao futuro da humanidade. Seu vaticnio previa uma falncia do sistema ecolgico
(terremotos, o sol se escurecendo, a lua no dando sua claridade etc.); crises econmicas
(fome); conflitos polticos (guerras e rumores de guerra); abalo na famlia (pai se levantando
contra filho); barafunda religiosa (falsos profetas, falsos cristos, perseguio); frouxido moral
(multiplicao da iniqidade, esfriamento do amor).
Depois de Cristo, os pagos tambm acusaram os primeiros cristos de "odiar a raa humana".
E Paulo no poupa palavras. Escrevendo para seu discpulo Timteo, anteviu um futuro
nebuloso: "Sabe porm, isto: Nos ltimos dias sobreviro dias difceis; pois os homens sero
egostas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, ingratos, irreverentes, desafeioados,
implacveis, caluniadores, sem domnio de si, cruis, inimigos do bem, traidores, atrevidos,
enfatuados, antes amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma da piedade,
negando-lhe, entretanto, o poder" (2Tm 3.1-5).
Passados quase 2.000 anos, vale perguntar: "a escatologia crist pessimista?".
S neste sculo experimentamos duas guerras mundiais, centenas de conflitos em menor
escala e mais de 150 milhes de mortos. A cobia humana arrasou com florestas, dizimou
espcies animais, poluiu rios, destruiu a camada de oznio. A sofisticao dos sistemas
polticos foram incapazes de amenizar as injustias sociais; um tero da humanidade ainda
vive em misria absoluta. Os cartis do txico tornaram-se poderosas foras econmicas e
polticas. Pode-se continuar relatando desgraas ad infinitum: aborto, dio tnico e religioso,
indstria da pornografia infantil, chuva cida, minas que mutilaram homens, mulheres e
crianas etc. Antes de ter sido acusado por sua mulher de cometer incesto com uma de suas
filhas adotivas, o cineasta Woody Allen declarou: "Mais do que em qualquer outra poca,
estamos numa encruzilhada. Um dos caminhos leva catstrofe e ao mais terrvel desespero.
O outro leva extino total. Vamos rezar para que faamos a escolha correta". Norman
Brown, escritor americano, conseguiu ser ainda mais seco: "At a sobrevivncia da
humanidade hoje uma esperana utpica".
O cristianismo no colore o futuro de tons bonitos porque, ao contrrio do Iluminismo - que
imaginava as pessoas como naturalmente boas -, ele insiste na doutrina da queda - todos
esto presos ao pecado. Alienados de Deus, homens e mulheres continuaro gerando sistemas
perversos. H alguns anos, acompanhei um fotgrafo norte-americano que documentava a
dura realidade da misria nordestina. Ele j trabalhara para o Washington Post, cobrindo a
guerra do Vietnam e conhecia as inquas entranhas do poder poltico. Desiludido, sua
concluso sobre a humanidade coincide com a dos evangelhos. "Parece que h foras invisveis
governando os destinos da humanidade; por mais que nos esforcemos e sonhemos com um
mundo mais bonito, somos impelidos para a guerra, para a corrupo e para a desgraa",
lamentava ele. O cristianismo reconhece que sistemas adoecem, que estruturas se satanizam,
que geraes inteiras se corrompem, mas identifica o pecado pessoal como a fonte de todos os
males. "Porque do corao procedem maus desgnios, homicdios, adultrios, prostituio,
furtos, falsos testemunhos, blasfmias" (Mt 15.19). Sem arrependimento e regenerao do
indivduo, a escatologia crist ser sempre ctica quanto ao futuro. Joo Batista comeou
pregando que o machado est posto raiz da rvore (Mt 3.10), portanto, se as pessoas no
forem regeneradas pelo poder do Esprito Santo, no conseguiro jamais gestar um futuro
promissor.
A escatologia crist parece ser pessimista tambm porque espera uma interveno radical de
Deus na histria. Os apstolos questionaram a Cristo antes do dia de Pentecostes: "Senhor,
ser este o tempo em que restaures o reino a Israel?" (At 1.6). Desde ento a literatura crist
est farta de idias apocalpticas. Tanto nos escritos de Paulo, Pedro, Joo, como nos anseios
das comunidades primitivas - que clamavam "Maranata" - acreditava-se que a volta de Cristo
seria eminente. Todas as geraes esperavam que Cristo voltasse para julgar os mpios,
erradicar a maldade e estabelecer seu reino milenar na Terra. Essa expectativa sintomtica.
Indica que a comunidade crist jamais acreditou que as utopias futuras dessem certo. Mesmo
em perodos histricos em que houve grande envolvimento poltico, os cristos esperaram a
invaso apocalptica do prprio Deus. Thomas More imaginou a ilha da Utopia, Chardin pregou
a evoluo do ser humano e Marx props uma sociedade altrusta e sem desiguais. Os cristos,
entretanto, embora insistindo no envolvimento de cidados na militncia poltica para diminuir
o avano do mal e demonstrar lampejos do reino futuro aqui na Terra, acreditam que s
haver justia e paz quando Cristo voltar e implantar seu reino. Certa vez, C. S. Lewis disse
que na hora em que o autor de uma pea entra no palco do teatro sinal de que acabou-se o
espetculo.
A escatologia crist, porm, no se enxerga como pessimista. Primeiro, porque no se frustra
com o irrealizvel, mas se concentra no que pode ser feito. No se acomoda, mas antecipa em
vidas e comunidades o reino de justia que ainda est por vir. Forma espaos de vida em meio
ao caos. Gera esperana contra a prpria esperana. O cristo no niilista, porque acredita
nos desdobramentos da regenerao. Se o corao depravado potencialmente capaz de
monstruosidade, o regenerado pode produzir ondas de bondade com poder de alterar leis,
pases, geraes inteiras. Robinson Cavalcanti, meu vizinho aqui na Ultimato, faz-nos pensar
nos desdobramentos de um cristianismo integral. A misso do cristo regenerado : "Expor
toda a Palavra, interceder por todos os problemas, apoiar todas as vocaes, edificar todos os
fiis, combater todo o mal". Cavalcanti continua sonhando com a possibilidade de concretizar a
utopia realizvel do Reino com "cristos que amam no s de palavras, mas de atos. Atos
filantrpicos, atos que apiem projetos em comunidades carentes, atos que lutem por atacar
as causas estruturais de opresso. Igrejas profticas, cristos engajados, movimentos de
inspirao evanglica. Homens novos comprometidos com um novo mundo, antecipando
novidades no mundo: sinais do Reino, marcas do Reino, antecipao do Reino".
Na igreja de Tessalnica espalhou-se uma heresia apocalptica. Alguns diziam que Cristo j
voltara e que de nada adiantava trabalhar ou ter planos futuros, porque o seu reino seria
implantado sem a interferncia humana. Outros afirmavam que Ele ainda no tinha voltado,
mas que estava s portas. Diziam tambm que no era mais necessrio nenhum projeto
humano, pois na sua volta, tudo redundaria em nada. Paulo os corrigiu escrevendo as duas
epstolas aos tessalonicenses. Nelas, ele lembra que a volta de Cristo no deve provocar
acomodao, indiferena mas um compromisso com a vida. "O mesmo Deus da paz vos
santifique em tudo; e o vosso esprito, alma e corpo, sejam conservados ntegros e
irrepreensveis na vinda nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Ts 5.23).
A profecia crist no pessimista, ela convoca os cristos a se engajarem antecipando e
demonstrando lampejos do Reino e a se santificarem esperando "novos cus e nova terra, nos
quais habita a justia" (2 Pe 3.13). Vem, Senhor Jesus.
Soli Deo Gloria
Um sonho inquietante
Ricardo Gondim Rodrigues
Exausto, deitei-me j tarde. O silncio da madrugada fria convidava-me para uma noite de
sono profundo. Aquela seria uma noite curta pois antes do sol nascer j teria que estar em p
novamente. Noites curtas so geralmente sem sonhos. Deito-me e antes que perceba, as
horas se passaram cleres. Ontem, entretanto, no foi assim. Sonhei a noite inteira.
Sonhei que estava em um culto com o auditrio lotado. A reunio iniciou-se com uma orao
muito mecnica. Apresentou-se logo um grupo musical gospel. Nos primeiros acordes, notei
que faltava talento e sobravam decibis. A letra era pauprrima, toda a msica concentrava-se
em repetir um refro: O leo de Jud derrotou o outro leo perigoso. A multido foi ao delrio
com o trmino da apresentao que todos chamaram de louvorzo. Gritava e movia-se em
um frenesi alucinante. O lder do culto, levantou-se e ensinou as pessoas uma coreografia que,
segundo ele, derrotaria o diabo. Todos, como se estivessem com espadas na mo, passaram a
encenar uma batalha de esgrima. Terminada a batalha foram gastos mais de quarenta
minutos no levantamento das ofertas. O ambiente tornou-se constrangedor. Tudo foi feito para
aumentar a contribuio. Desde ameaas a promessas de que receberiam cem vezes mais. As
ofertas resolveriam todos os problemas das pessoas. De acordo com o valor dado, o cncer
desapareceria, os problemas conjugais se resolveriam. A oferta seria a chave para uma vida
plena e feliz.
O preletor daquela noite, levantou-se para pregar e, por cerca de cinqenta minutos, falou
sobre assuntos diversos sem, contudo conduzir uma linha de raciocnio, sem qualquer
compromisso de expor a Bblia. Parecia no haver se preparado. Falava, falava, deixando que
suas divagaes o conduzissem a um prximo pensamento, que nem ele prprio sabia qual
era. Meu sonho me perturbava. Transformava-se em um pesadelo.
De repente, vi ao meu lado, participando daquele culto, para minha absoluta surpresa, quatro
personagens histricos: Martinho Lutero, Joo Calvino, Joo Wesley e Charles Finney. Mal
podia acreditar que um dia estaria cultuando a Deus ao lado de to ilustres personalidades do
mundo protestante. Em meu sonho, eu fui apresentado a eles pelo sueco Gunar Vingren,
fundador do pentecostalismo no Brasil. Todos pareciam se conhecer h muito, havia uma
familiaridade entre eles. Contudo, embora estivssemos participando de um mesmo culto,
todos mostravam-se igualmente inquietos. O clima era desconfortvel. Mesmo sonhando,
lembro-me de como o msculo de minha face tremia diante da honra de apertar a mo de
cada um deles. Muitas perguntas vieram minha mente. Curiosidades, esclarecimentos,
dvidas que precisavam ser sanadas. Mas, ao contrrio, eles que comearam a me
questionar.
Lutero estava indignado pelo que parecia uma volta da igreja poca Medieval das relquias,
dos amuletos e das indulgncias. Queria saber o que aconteceu aos protestantes para estarem
novamente acreditando que sal grosso afasta mal olhado, que copo dgua traz bnos.
Perguntou-me como a igreja passou a acreditar em maldio familiar.
Expliquei-lhe que a igreja brasileira convive com uma cultura muito mstica. Falei da herana
catlica medieval, depois disse que os ndios brasileiros eram animistas e ainda tracei um
cuidadoso curso da religiosidade africana e como ela se contextualizou. Lutero, porm,
veemente, mostrou-me os efeitos devastadores que as relquias tiveram em seus dias e que
somos justificados pela f. Para ele, a Palavra deveria ser suficiente para produzir f e que no
precisamos de pontos de contato para que o poder de Deus flua em ns.
Calvino, interveio em minha conversa com Lutero. Ele tambm estava revoltado. Sua maior
preocupao era entender o porqu de tanto descaso com a Bblia. Ele no entendia como nos
separamos tanto da Reforma que transformou o conceito de culto. Calvino me falava que at o
avano dos protestantes na Europa, cultuar a Deus, resumia-se em se assistir a um ritual. A
liturgia era mais importante que a exposio do texto sagrado. Mas os reformadores, segundo
ele me dizia, lutaram muito para que as pessoas apreendessem que a melhor maneira de
cultuar a Deus conhecendo e vivendo os princpios eternos de Deus. Concluiu me mostrando
que o plpito antigamente ficava deslocado em um lugar de menor importncia e que o altar
que era central. S no protestantismo, o plpito passou a ocupar o lugar mais central do
templo. Tentei mostrar-lhe que estamos em uma sociedade viciada em imagens. Que o nosso
nvel de ateno hoje mnimo. Falei-lhe dos vdeo clips, da superficialidade cultural que a
televiso produz. Ouviu-me com ateno, mas parece no ter aceitado minha explicao.
Wesley estava aturdido. Em meu sonho, ele me dizia que percebia por aquele culto que havia
muitos chaves mas pouco compromisso tico na igreja. Por duas vezes, me perguntou: Ser
possvel conduzir a obra de Deus apenas prometendo triunfo, sem jamais questionar a vocao
proftica da igreja? Wesley no entendeu a interpretao de textos do Antigo Testamento,
prometendo que os crentes foram postos por cabea e no por cauda. Ser que a igreja
evanglica no sabe que o gro de trigo precisa morrer para produzir muitos frutos? Insistia
me indagando: No somos chamados para sermos sal da terra e luz do mundo antes que nos
preocuparmos com riqueza e poder? Novamente tentei explicar. Mas, eu prprio estava
envergonhado e minha explicao foi v.
No sonho, Charles Finney, tambm se aproximava de mim querendo entender o que se
passava. Falou-me de como eram os cultos evangelsticos de seus dias e de como as pessoas
encaravam o novo nascimento. Mostrou-me que o apelo para as pessoas se converterem foi
uma quebra de paradigmas. Ele fazia o apelo para que as pessoas que estavam ansiosas por
salvao tivessem um tempo para refletir e saber se realmente desejavam um compromisso
real com Cristo. Que o novo nascimento era uma deciso importantssima que as pessoas
faziam em resposta graa. Sua inquietao com o culto de meus sonhos vinha da maneira
to trivial que as pessoas encaravam a converso e o discipulado. Finney dizia-me que o
cristianismo moderno est se esvaziando de seus contedos e que em breve muitos no
sabero sequer explicar o que lhes aconteceu na converso.
Gunnar Vingren, que me apresentou aos outros ilustres personagens, no aceitava que todo o
sacrifcio dos pioneiros do movimento pentecostal desmoronasse em uma teologia to
imediatista. Ele dizia que no h pentecostes sem a cruz. Com um sotaque sueco, disse-me: Meu filho, no h experincias com o Esprito Santo sem zelo missionrio, sem paixo
evangelstica.
Comecei a suar e meu sono tornou-se atribulado. Estava rodeado com uma grande nuvem de
testemunhas, e todos tinham o semblante preocupado. Acordei.
Sem conseguir voltar para a cama, orei. Em minha prece, pedi que Deus levante uma igreja
evanglica no Brasil comprometida em ter apenas a Bblia como regra de f e de prtica. Pedi
que Deus levante pastores que cuidem do povo como rebanho de Deus e no como um
investimento que pode ser capitalizado no futuro. Orei para que os seminaristas no
confundam sucesso com um ministrio aprovado por Deus. Supliquei a Deus que nos faa uma
igreja solidria com os miserveis, proftica na defesa dos indignos e misericordiosa com os
pecadores.
Os sonhos so interessantes. Muitas vezes mostram o que no queremos ver. Talvez, a maior
necessidade da igreja seja olhar-se criticamente. Se fecharmos os olhos para a trivializao do
sagrado, para a falta de compromissos ticos e profticos, para a transformao do culto em
espetculo, no s nos condenamos a sermos irrelevantes para a nossa gerao como
envergonharemos muita gente que j deu a sua vida pela causa de Cristo.
Que Deus nos ajude.
Soli Deo Gloria
corriqueiros, daqueles que podem ser adiados ou no, dependendo de nossas convenincias.
Acabaremos entediados de Deus.
O esvaziamento dos contedos
Uma das marcas mais patticas do tempo em que vivemos a repetio maante de jarges
nos plpitos evanglicos. Frases de efeito so copiadas e multiplicadas nos sermes. Algumas,
vazias de contedo, criam xtases sem nenhum desdobramento. Servem para esconder o
despreparo teolgico e a falta de esmero ministerial. Manipulam-se os auditrios, eleva-se a
temperatura emotiva dos cultos, mas no se cria um enraizamento de princpios. Gera-se um
falso jbilo, mas no se fornecem ferramentas para criar convices espirituais. Hannah
Arendet, filsofa do sculo XX, ao comentar sobre o fato de que Eichmann, nazista, brao
direito de Hitler, respondeu com evasivas s interrogaes do tribunal de guerra que o julgava
sobre seus crimes, afirmou: "Clichs, frases feitas, adeses a condutas e cdigos de expresso
convencionais e padronizados tm a funo socialmente reconhecida de nos proteger da
realidade, ou seja, da exigncia de ateno do pensamento feita por todos os fatos e
acontecimentos".
Qual ser o futuro dessa gerao que se contenta com um papagaiar contnuo de frases ocas
que s prometem prosperidade, vitria sobre demnios e triunfo na vida?
A mistura de meios e fins
Por anos, combateu-se a idia de que os fins justificavam os meios, porque essa premissa
justificava comportamentos aticos. Hoje, o problema aprofundou-se. No se sabe mais o que
meio e o que fim. No se sabe mais se a igreja existe para levantar dinheiro ou se o
dinheiro existe para dar continuidade igreja. Canta-se para louvar a Deus ou para
entretenimento do povo? Publicam-se livros como negcio ou para divulgar uma idia? Os
programas de televiso visam popularizar determinado ministrio ou a proclamao da
mensagem? As respostas a essas perguntas no so facilmente encontradas. Cristo no virou
as mesas dos cambistas no templo simplesmente porque eles pretendiam prestar um servio
aos peregrinos que vinham adorar no templo. Ele detectou que os meios e os fins estavam
confusos e que j no se discernia com clareza se o templo existia para mercadejar ou se
mercadejava para ajudar no culto. A obsesso por dinheiro, a corrida desenfreada por fama e
prestgio, a paixo por ttulos, revelam que muitas igrejas j no sabem se existem para
faturar. Muitos lderes j no gastam suas energias buscando um auditrio que os oua, mas
procuram uma mensagem que segure o seu auditrio. A confuso de meios e fins mata igrejas
por asfixia.
O livro do Apocalipse mantm a advertncia, muitas vezes desapercebida, de que igrejas
morrem. As sete igrejas ali mencionadas inclusive a irrepreensvel Filadlfia acabaram-se.
Resumem-se a meros registros histricos. No podemos achar abrigo na promessa de Mateus
16 de que as portas do inferno no prevalecero contra a igreja para justificar qualquer
irresponsabilidade. O livro do Apocalipse adverte: "Lembra-te, pois, de onde caste arrependete, e volta prtica das primeiras obras; e se no, venho a ti e moverei do seu lugar o teu
candeeiro, caso no te arrependas" (Ap 2.5).
Crescer numericamente no imuniza a igreja de perigos. Pelo contrrio, torna-a mais
vulnervel. Resta perguntar: Ser que agora, famosos e numericamente profusos, no
estamos precisando de profetas? Ser que o to propalado avivamento evanglico brasileiro
no necessita de uma Reforma? Aprendamos com a histria. Um pequeno desvio hoje pode
tornar-se um abismo amanh. Imaginar que podemos condenar nossas igrejas a se tornarem
bares de snooker um sonho horrvel. Porm, se no fizermos algo, esse pesadelo pode se
tornar realidade. Que Deus nos ajude.
Soli Deo Gloria.
H muitos erros no modelo evanglico. Entretanto, ele no est falido. Historicamente ainda
somos adolescentes. A presena evanglica no Brasil ainda no tem 150 anos (O primeiro
casal protestante de carter permanente, Sarah e Robert Kalley, chegou no Brasil em 10 de
maio de 1855). Ainda cometeremos muitos deslizes at que cheguemos a uma maturidade
histrica. Se a igreja evanglica neste pas tem perdido alguns valores da tica protestante,
ela tem conseguido enormes avanos em outras dimenses da Reforma. O sacerdcio
universal de todos os crentes, por exemplo.
No Brasil, a igreja evanglica caminha com os leigos. Enquanto algumas lideranas
denominacionais perdem tempo com a poltica interna. Homens e mulheres sobem os morros,
embrenham-se pelos igaraps amaznicos, varam os sertes nordestinos com a paixo de
evangelizar. Orgulho-me de j ter pregado em cultos familiares conduzidos na calada. A mesa
da cozinha, coberta com uma toalha e ornada com um buqu de flores artificiais, serve de
plpito. Falei com o microfone dando choque. Minha voz amplificada numa corneta de som
chiando. Sem instrumento musical algum, desafinados, cantamos sobre o Calvrio: Foi na
cruz, foi na cruz, onde um dia eu vi meu pecado castigado em Jesus. Foi ali pela f, que meus
olhos abri e agora me alegro em sua luz. Quando viajo pela redondezas das grandes cidades
observo famlias caminhando a p pelos acostamentos das estradas. Identifico os crentes e
com os olhos marejados de lgrimas, sinto-me orgulhoso. O pai de palet e gravata carrega a
Bblia orgulhosamente contra o peito. Segura a mo de um filho. A esposa, seguindo com mais
dois outros filhos. O Evangelho lhes d uma dignidade que as estruturas sociais inquas lhes
impedem de ter. Percebo-os felizes. Altivos, vo cultuar a Deus.
Tenho orgulho de missionrios transculturais. J me encontrei com verdadeiras heronas e
heris trabalhando pela causa de Cristo em circunstncias dificlimas. Gente que investe o
melhor de seus anos na ndia, Moambique, Peru, Filipinas, Sibria. s vezes, ouo crticas aos
modelos evanglicos partindo de pessoas que sempre desfrutaram as benesses do evangelho.
Carecem de legitimidade. O modelo com que nossos missionrios trabalham talvez no seja
ideal, mas dentro de suas possibilidades e do que sabem, eles excedem. Orgulho-me das
missionrias solteiras, dos pilotos que voam pela Amaznia, dos lingistas que investem
dcadas na traduo de Bblias, dos mdicos e dentista que abriram mo da possibilidade de
ficarem ricos para alcanarem os pobres. H fidalguia no sacrifcio dos heris da f
contemporneos.
Sinto orgulho dos professores de pequenos seminrios e institutos bblicos deste pas. Por todo
o Brasil h pequenos centros de formao teolgica. Geralmente ocupam as mal equipadas
salas da Escola Dominical. Louvo a Deus por esses professores que gastam suas noites
semanais lecionando para rapazes e moas. Muitos no recebem salrio algum. Desdobram-se
para que os livros de teologia sistemtica, histria da igreja, pneumatologia sejam conhecidos
de seus pupilos.
A igreja evanglica brasileira ao mesmo tempo uma construo social e espiritual. Jesus
afirmou: Tu s Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja. Chamou para si a
responsabilidade de edificar sua igreja. Tambm nos convocou amorosamente para sermos
seus parceiros. Eis a razo de haver ao mesmo tempo tanta beleza e imperfeio. Nesta
ambigidade devemos nos arrepender de nossos defeitos e celebrar nossa beleza. Creio na
fidelidade de Deus. Ele terminar a boa obra que comeou em ns. Acredito que ainda vamos
amadurecer e nos aprimorarmos no projeto do Reino. Estou disposto a investir minha vida pela
Igreja. Pensando bem, creio que vou mandar fazer uma camiseta: Orgulho de ser evanglico.
Soli Deo Gloria
Estou cansado!
Ricardo Gondim Rodrigues
Cansei! Entendo que o mundo evanglico no admite que um pastor confesse o seu cansao.
Conheo as vrias passagens da Bblia que prometem restaurar os trpegos. Compreendo que
o profeta Isaas ensina que Deus restaura as foras do que no tem nenhum vigor. Tambm
estou informado de que Jesus d alvio para os cansados. Por isso, j me preparo para as
censuras dos que se escandalizarem com a minha confisso e me considerarem um derrotista.
Contudo, no consigo dissimular: eu me acho exausto.
No, no me afadiguei com Deus ou com minha vocao. Continuo entusiasmado pelo que
fao; amo o meu Deus, bem como minha famlia e amigos. Permaneo esperanoso. Minha
fadiga nasce de outras fontes.
Canso com o discurso repetitivo e absurdo dos que mercadejam a Palavra de Deus. J no
agento mais que se usem versculos tirados do Antigo Testamento e que se aplicavam a
Israel para vender iluses aos que lotam as igrejas em busca de alvio. Essa possibilidade
mgica de reverter uma realidade cruel me deixa arrasado porque sei que uma propaganda
enganosa. Cansei com os programas de rdio em que os pastores no anunciam mais os
contedos do evangelho; gastam o tempo alardeando as virtudes de suas prprias instituies.
Causa tdio tomar conhecimento das infinitas campanhas e correntes de orao; todas visando
exclusivamente encher os seus templos. Considero os amuletos evanglicos horrveis. Cansei
de ter de explicar que h uma diferena brutal entre a f bblica e as crendices supersticiosas.
Canso com a leitura simplista que algumas correntes evanglicas fazem da realidade. Sinto-me
triste quando percebo que a injustia social vista como uma conspirao satnica, e no
como fruto de uma construo social perversa. No consideram os sculos de preconceitos
nem que existe uma economia perversa privilegiando as elites h sculos. No agento mais
cultos de amarrar demnios ou de desfazer as maldies que pairam sobre o Brasil e o mundo.
Canso com a repetio enfadonha das teologias sem criatividade nem riqueza potica. Sinto
pena dos telogos que se contentam em reproduzir o que outros escreveram h sculos.
Presos s molduras de suas escolas teolgicas, no conseguem admitir que haja outros
ngulos de leitura das Escrituras. Convivem com uma teologia pronta. No enxergam sua
pobreza porque acreditam que basta aprofundarem um conhecimento cientfico da Bblia e
desvendaro os mistrios de Deus. A aridez fundamentalista exaure as minhas foras.
Canso com os esteretipos pentecostais. Como doloroso observ-los: sem uma visitao
nova do Esprito Santo, buscam criar ambientes espirituais com gritos e manifestaes
emocionais. No h nada mais desolador que um culto pentecostal com uma coreografia
preservada, mas sem vitalidade espiritual. Cansei, inclusive, de ouvir piadas contadas pelos
prprios pentecostais sobre os dons espirituais.
Cansei de ouvir relatos sobre evangelistas estrangeiros que vm ao Brasil para soprar sobre as
multides. Fico abatido com eles porque sei que provocam que as pessoas caiam sob o poder
de Deus para tirar fotografias ou gravar os acontecimentos e depois levantar fortunas em
seus pases de origem.
Canso com as perguntas que me fazem sobre a conduta crist e o legalismo. Recebo todos os
dias vrias mensagens eletrnicas de gente me perguntando se pode beber vinho, usar
piercing, fazer tatuagem, se tratar com acupuntura etc., etc. A lista enorme e parece
inexaurvel. Canso com essa mentalidade pequena, que no sai das questinculas, que no
concebe um exerccio religioso mais nobre; que no pensa em grandes temas. Canso com
gente que precisa de cabrestos, que no sabe ser livre e no consegue caminhar com
princpios. Acho intolervel conviver com aqueles que se acomodam com uma existncia sob o
domnio da lei e no do amor.
Canso com os livros evanglicos traduzidos para o portugus. No tanto pelas tradues mal
feitas, tampouco pelos exemplos tirados do golfe ou do basebol, que nada tm a ver com a
nossa realidade. Canso com os pacotes prontos e com o pragmatismo. J no agento mais
livros com dez leis ou vinte e um passos para qualquer coisa. No consigo entender como uma
igreja to vibrante como a brasileira precisa copiar os exemplos l do norte, onde a
abundncia tanta que os profetas denunciam o pecado da complacncia entre os crentes.
Cansei de ter de opinar se concordo ou no com um novo modelo de crescimento de igreja
copiado e que vem sendo adotado no Brasil.
Canso com a falta de beleza artstica dos evanglicos. H pouco compareci a um show de
msica evanglica s para sair arrasado. A musicalidade era medocre, a poesia sofrvel e,
pior, percebia-se o interesse comercial por trs do evento. Quo diferente do dia em que me
sentei na Sala So Paulo para ouvir a msica que Johann Sebastian Bach (1685-1750) comps
sobre os ltimos captulos do Evangelho de So Joo. Sob a batuta do maestro, subimos o
Glgota. A sala se encheu de um encanto mgico j nos primeiros acordes; fechei os olhos e
me senti em um templo. O maestro era um sacerdote e ns, a platia, uma assemblia de
adoradores. No consegui conter minhas lgrimas nos movimentos dos violinos, dos obos e
das trompas. Aquela beleza no era deste mundo. Envoltos em mistrio, transcendamos a
mecnica da vida e nos transportvamos para onde Deus habita. Minhas lgrimas naquele
momento tambm vinham com pesar pelo distanciamento esttico da atual cultura evanglica,
contente com to pouca beleza.
Canso de explicar que nem todos os pastores so gananciosos e que as igrejas no existem
para enriquecer sua liderana. Cansei de ter de dar satisfaes todas as vezes que fao
qualquer negcio em nome da igreja. Tenho de provar que nossa igreja no tem ttulo
protestado em cartrio, que no rica, e que vivemos com um oramento apertado. No h
nada mais desgastante do que ser obrigado a explanar para parentes ou amigos no
evanglicos que aquele ltimo escndalo do jornal no representa a grande maioria dos
pastores que vivem dignamente.
Canso com as vaidades religiosas. fatigante observar os lderes que adoram cargos, posies
e ttulos. Desdenho os conchavos polticos que possibilitam eleies para os altos escales
denominacionais. Cansei com as vaidades acadmicas e com os mestrados e doutorados que
apenas enriquecem os currculos e geram uma soberba tola. No suporto ouvir que mais um se
auto-intitulou apstolo.
Sei que estou cansado, entretanto, no permitirei que o meu cansao me torne um cnico.
Decidi lutar para no atrofiar o meu corao.
Por isso, opto por no participar de uma mquina religiosa que fabrica cones. No brigarei
pelos primeiros lugares nas festas solenes patrocinadas por gente importante. Jamais
oferecerei meu nome para compor a lista dos preletores de qualquer conferncia. Abro mo de
querer adornar meu nome com ttulos de qualquer espcie. No desejo ganhar aplausos de
auditrios famosos.
Buscarei o convvio dos pequenos grupos, priorizarei fazer minhas refeies com os amigos
mais queridos. Meu refgio ser ao lado de pessoas simples, pois quero aprender a valorizar os
momentos despretensiosos da vida. Lerei mais poesia para entender a alma humana, mais
romances para continuar sonhando e muita boa msica para tornar a vida mais bonita. Desejo
meditar outras vezes diante do pr-do-sol para, em silncio, agradecer a Deus por sua
fidelidade. Quero voltar a orar no secreto do meu quarto e a ler as Escrituras como uma carta
de amor de meu Pai.
Pode ser que outros estejam to cansados quanto eu. Se o seu caso, convido-o ento a
mudar a sua agenda; romper com as estruturas religiosas que sugam suas energias; voltar ao
primeiro amor. Jesus afirmou que no adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma. Ainda
h tempo de salvar a nossa.
Soli Deo Gloria.