As Três Irmãs
As Três Irmãs
As Três Irmãs
AS TRS IRMS
Anton Tchekhov
traduo e adaptao
David Herman
PRIMEIRO ATO
2 - As Trs Irms
As Trs Irms - 3
um jornal.)
4 - As Trs Irms
Certamente Verchinin.
(Verchinin entra.)
O Tenente Coronel
IRINA
MASHA
As Trs Irms - 5
Silncio constrangedor.
TUSENBACH Vassily Vassilyevitch um brincalho.
VERCHININ Conheci sua me...
TCHEBUTIKIN Era um anjo de bondade! Que Deus a guarde!
MASHA terrvel. J estou esquecendo como ela era. O mesmo nos acontecer.
Vo esquecer de ns.
VERCHININ Sim, vo esquecer de ns. esse o nosso destino; intil. O que
consideramos srio, significativo, muito importante, amanh vai ser esquecido. O
curioso que hoje ns no sabemos o que amanh ser considerado importante.
E nossa vida de hoje, que encaramos com resignao... para quem vir depois,
no vai parecer estranha, absurda, incmoda, desonesta, imoral at? Quem
sabe?
TUSENBACH Quem sabe? Talvez falem dela com respeito, e a achem nobre,
superior. Porque hoje, enfim, no h mais torturas, nem invases, nem guerras...
SOLIONI (Com voz fina como que para chamar pintinhos). Prr-p-p-p-p...
Prr-p-p-p-p... No quer farelo, Baro? Ou s quer bicar Plato?
Vassili Vassilyevitch, me deixe, por favor! (Vai se assentar mais
longe). At incomoda!
TUSENBACH
6 - As Trs Irms
Andrei entra.
OLGA (Apresentando-o). Meu irmo Andrei Sergeyitch.
VERCHININ (Apresentando-se). Verchinin.
ANDREI Prsorov. (Enxugando o rosto suado).
OLGA Imagine voc, Alexandre Ignatyevitch de Moscou.
ANDREI Bem... Meus parabns! Agora minhas irms no deixaro mais em paz o
senhor.
VERCHININ At agora fui eu que aborreci.
IRINA (Mostrando uma moldura para fotografias). Veja que bela moldura meu
irmo me deu como presente de aniversrio. Foi ele mesmo que a fez!
VERCHININ (Para dizer qualquer coisa). Realmente... alguma coisa...
As Trs Irms - 7
OLGA Ele instrudo, toca violino, esculpe, faz uma quantidade de objetos; numa
palavra, artista em tudo! Andrei, aonde voc vai! Ele tem a mania de sempre ir
embora. Vamos, venha!
ANDREI Basta! Basta! Por favor. (Enxuga o rosto). Esta noite no dormi e minha
cabea no est muito boa. Li at as quatro da madrugada. Depois me deitei mas
foi em vo. Fiquei pensando numa coisa, depois noutra, at que o sol invadiu
meu quarto. Este vero vou aproveitar o tempo para traduzir um livro ingls.
VERCHININ O senhor sabe ingls?
ANDREI Sei. Nosso pai, que Deus o guarde, nos abarrotou de instruo. Graas a
meu pai, minhas trs irms e eu sabemos francs, alemo e ingls. Irina sabe at
italiano.
MASHA Conhecer trs lnguas estrangeiras aqui, neste buraco, um luxo
suprfluo. Pior do que um luxo; to intil quanto um sexto dedo. Sabemos
muita coisa intil!
VERCHININ (Rindo). Sabem coisas inteis?... Parece-me que no existe lugarejo,
por mais medocre e triste que seja, onde a presena de pessoas inteligentes e
instrudas no seja til. clarssimo que as trs no podem sozinhas vencer a
massa vulgar no seu redor. Durante toda a vida vocs sero obrigados, a fazer
cada dia pequenas concesses. A vida vai sufocar vocs. Mas, mesmo assim,
vocs existem e tm influncia! Depois de vocs haver seis outras pessoas
iguais, depois doze, depois vinte e quatro e assim por diante, at o dia em que as
pessoas cultas como vocs sero a maioria. Dentro de duzentos ou trezentos
anos a sociedade vai se transformar e a vida sobre a terra vai ser
inacreditavelmente bela. O homem precisa dessa vida e, se ela ainda no existe
8 - As Trs Irms
em nossos dias, deve pensar nela, se preparar para ela. (Ri). E vocs se queixam
de ter aprendido coisas demais?
MASHA (Tirando o chapu). Vou ficar para o almoo.
IRINA (Com um suspiro). Precisava ter anotado tudo o que o senhor acabou de
dizer.
VERCHININ
Um silncio.
VERCHININ (Anda para c e para l). De vez em quando eu penso: se fosse
possvel recomear a vida, se a vida que j vivemos tivesse sido apenas um
rascunho, e que a nova vida pudesse ser passada a limpo. Eu arranjaria uma
casa como esta, por exemplo, cheia de flores e luz... eu tenho uma mulher...
duas filhas e minha mulher no goza de boa sade, sabe... Pois bem, se tivesse
que recomear minha vida, no me casaria. Ah! No! Nunca mais.
As Trs Irms - 9
refeies).
10 - As Trs Irms
Natasha Ivanovna entra. Seu vestido cor de rosa com um cinto verde.
NATASHA Cheguei atrasada... (Percebendo Irina). Parabns, querida Irina
Sergeyevna. (Beija-a com um beijo vigoroso e prolongado). Mas vocs tm
muitos convidados. Fico muito sem graa... Bom dia, Baro.
OLGA (Vindo da sala em direo a ela). Oh! Afinal Natasha Ivanovna! Bom dia
querida. (Beijam-se).
NATASHA Meus cumprimentos. Vocs tm tanta gente. Estou terrivelmente
constrangida.
OLGA Ora, por favor! So todos conhecidos. (A meia voz espantada). Voc ps
um cinto verde! Querida, isso no vai bem.
NATASHA Por que? D azar?
As Trs Irms - 11
Riem mais forte. Natasha se levanta da mesa e foge para o salo. Andrei a
segue.
ANDREI No faa isso! No d importncia! Espere, por favor. Espere, eu te peo!
NATASHA Estou com vergonha... No entendo nada e estes senhores esto
fazendo troa de mim. falta de educao deixar a mesa, eu sei, mas no pude
me controlar... No, no posso. (Esconde o rosto nas mos).
ANDREI Vamos querida, eu te peo, no fique assim. Eu te garanto que s
quiseram brincar. Falaram sem maldade. Gostam de voc, gostam de mim.
Venha at aqui, no nos vero mais. (Olha em torno de si).
12 - As Trs Irms
As Trs Irms - 13
SEGUNDO ATO
NATASHA Creio que nosso Bobik esteja doente. Tem o corpo todo frio.
Ontem, estava com febre; hoje est gelado... Estou muito ansiosa!...
Parece que l para as dez horas teremos os mascarados aqui, mas seria
muito melhor se no viessem.
ANDREI No sei... Eles foram convidados...
NATASHA Esta manh o menino acordou e me olhou sorrindo. Quer dizer, que me
reconheceu... Disse: "Bom dia, Bobik, bom dia tesouro." E ele riu. As crianas
compreendem muito bem as coisas. Bom. Ento eu vou dizer que no deixem
entrar os mascarados.
ANDREI (Com indeciso) Isso com elas. So elas que do as ordens.
NATASHA Elas tambm. Vou falar tambm com elas. (Afasta-se.) Bobik est
gelado. Tenho certeza que resfriou por causa do quarto. Seria melhor colocar
ele em outro. O quarto de Irina, por exemplo, exatamente indicado para um
beb. No mido, recebe sol durante todo o dia. Vou dizer a ela, enquanto
isso, ela pode dormir com Olga. D no mesmo, s chega em casa para dormir.
(Pausa) Andriusha, por que no diz nada?... Havia outra coisa. Lembrei!
Ferapont acaba de chegar da Cmara.
ANDREI (Boceja) Mande ele entrar.
Natasha sai. Andrei, se aproximando da vela que ela esqueceu, l seu livro.
Ferapont entra, vestindo um sobretudo muito pudo e com a gola levantada. As
orelhas esto cobertas por um xale.
ANDREI Boa noite, meu velho. Que deseja?
FERAPONT O Presidente manda este livro e esta papelada.
ANDREI (Tomando o livro e os papis.) Est bem. Mas por que veio to tarde?
So quase nove horas!
FERAPONT O que?
14 - As Trs Irms
Nos bastidores ouve-se uma empregada que canta para ninar Bobik. Entram
Masha e Vershinin seguidos por uma empregada que acende as lmpadas e as
velas enquanto eles conversam.
MASHA Eu acho que justo o que estou dizendo: em nossa cidade as pessoas
mais nobres e educadas so os militares.
VERSHININ Estou com sede... gostaria de tomar ch.
MASHA Casaram-me aos dezoito anos e eu tinha medo do meu marido porque ele
era professor do Liceu. Naquele tempo ele me parecia muitssimo sbio e
inteligente... e importante.
VERSHININ o que acontece.
As Trs Irms - 15
16 - As Trs Irms
pacincia)
Masha ri docemente.
TUSENBACH Que que a senhora tem?
MASHA No sei. Estou rindo assim desde de manh.
VERSHININ Como gostaria de faz-los compreender que a felicidade no existe...
e, para ns, jamais existir. S devemos trabalhar e trabalhar. A felicidade vem
para nossos descendentes... (Pausa) Se eu no sou feliz, pelo menos que sejam
os filhos dos meus filhos.
TUSENBACH Em sua opinio, no temos nem mesmo o direito de sonhar com a
felicidade. Mas se eu sou feliz?
VERSHININ O senhor no .
TUSENBACH (Jogando as mos para cima e rindo.) Decidamente no nos
compreendemos.
Masha ri baixinho.
As Trs Irms - 17
TUSENBACH (Levantando o dedo) Pode rir! Pode rir! (Para Vershinin) Daqui a
mil anos a vida ser a mesma. Os pssaros migratrios, as cegonhas por
exemplo, voam. Voam e voaro sempre, mesmo que entre elas se encontram
pensadores. Afinal, pouco importa que filosofem contanto que voem!
MASHA Mesmo assim, deve ter um propsito... um sentido?
TUSENBACH A razo de ser? Olha, est nevando l fora. Que sentido v nisso?
(Silncio)
MASHA Acho que o homem deve acreditar ou procurar ter f em alguma coisa na
vida. Se no a vida se torna vazia, vazia.
TCHEBUTIKIN (Lendo o jornal) Balzac casou-se em Berditchev.
18 - As Trs Irms
3
4
Por favor, Maria, perdoa-me, mais voc tem modos um tanto grosseiros.
Parace que meu Bobik j no est dormindo
As Trs Irms - 19
Eles bebem.
SOLIONI Nunca guardei rancores contra voc, Baro. que tenho o carter de
Lermontov. (Em voz baixa) At que pareo um pouco com ele... o que dizem.
20 - As Trs Irms
Risos
TUSENBACH (Beijando Andrei.) Venha, Andriusha! Um brinde a nossa amizade.
Vou contigo Moscou, para a Universidade.
SOLIONI Qual das duas? H duas Universidades em Moscou.
ANDREI S h uma Universidade em Moscou.
SOLIONI Pois eu lhe digo que h duas!
ANDREI Est bom; que haja trs, se voc quiser, tanto melhor.
SOLIONI H duas Universidades em Moscou! (Murmrios de desaprovao.) H
duas Universidades em Moscou: a nova e a antiga. Mas voc se recusa a me
escutar. Se o que digo desagrada vocs, posso me calar... Posso at ir para a
outra sala. (Sai.)
TCHEBUTIKIN Bravo! Bravo! (Rindo.) Senhores, em seus lugares para a dana!
(Senta-se ao piano e toca uma valsa.) engraado, esse Solioni.
As Trs Irms - 21
NATASHA
MASHA
22 - As Trs Irms
As Trs Irms - 23
correndo.)
24 - As Trs Irms
OLGA Minha cabea!... Andrei perdeu ainda... a cidade s fala nisso... vou deitar.
(Dirige-se para a porta.) Amanh estarei livre... Oh, meu Deus, como bom!
Depois de amanh tambm... Minha cabea!... (Sai.)
IRINA (S.) Foram-se. No tem mais ningum.
As Trs Irms - 25
TERCEIRO ATO
26 - As Trs Irms
OLGA (Bebe gua.) Voc tratou a bab de tal maneira ainda h pouco... Desculpe
mas no estou em condies... Estou quase desmaiando...
NATASHA (Perturbada.) Me perdoe, Olga, no queria te ofender.
OLGA Compreenda, Natasha... Fomos criadas de uma maneira talvez estranha,
mas no suporto uma coisa dessas. Uma atitude como a sua me faz mal...
NATASHA Perdoe-me... Perdoe-me... (Beija-a.)
OLGA A menor grosseria, a menor palavra ofensiva, a mais ligeira indelicadeza, me
aflige...
NATASHA Falo demais s vezes, certo, mas reconhea, minha querida, que ela
poderia muito bem viver no campo.
OLGA Ela est conosco h trinta anos.
NATASHA Mas se agora no pode mais trabalhar! Ou sou eu que no
compreendo, ou voc no quer me compreender: ela no agenta mais
trabalhar! Ou fica dormindo, ou fica sentada.
OLGA Pois bem, que fique sentada!
NATASHA preciso que nos entendamos, Olga... Voc no Liceu, eu em casa;
voc tem as suas lies, eu tenho o trabalho de casa. E se falo de criados, sei do
que falo! Sei muito bem do que falo! E amanh no quero mais ver aqui esta
velha ladra... (Batendo os ps.) Esta velha coroca... Bruxa! Que desaparea,
est entendido! Que no me aborrea! (Compondo-se.) Olga, se voc no se
instalar em baixo, discutiremos o tempo todo. intolervel!
KULHIGIN
As Trs Irms - 27
da mulher que matei quarta-feira... Revi tudo, senti que afundava na lama, na
vergonha, no nojo... Sa correndo e fui beber... beber...
KULHIGIN
Pausa.
VERCHININ Assim que comeou o incndio, corri para casa. A casa estava de p,
fora de perigo. E na porta, minhas duas meninas de camisola. Da me, nem
8
No vinho h a verdade.
28 - As Trs Irms
sombra. E nos rostos daquelas duas crianas... ansiedade, terror, splica... que
sei eu? Peguei-as nos braos e corri. (Sinos de alarme. Silncio.) Chego aqui,
encontro a me: berrando, zangada... (Entra Masha com um travesseiro e sentase no sof.) Estou com veia de filosofar esta noite. (Pausa.) Que vida se levar
no futuro! Pensem nisso! Quantas pessoas h como vocs hoje? Apenas trs;
dentro de vinte ou trinta anos, haver o dobro, o triplo, um nmero cada vez
maior; at chegar o dia em que todos sero como vocs. (Rindo.) No sei o que
se passa comigo esta noite! Estou bbado de vida! (Cantando e rindo.)
Entra Solioni.
IRINA Oh no Vassly Vassilyitch! O senhor no! V embora, por favor. Voc no
pode entrar nesse quarto!
SOLIONI E por que o Baro sim e eu no?
VERCHININ Na verdade precisamos sair. Como anda o incndio?
SOLIONI Dizem que est acabando... mas no entendo porque o Baro pode ficar
aqui e eu no! (Tira do bolso um frasco de perfume e se borrifa.)
VERCHININ Tra la la!
MASHA La la!
VERCHININ (Rindo a Solioni.) Vamos para o salo.
SOLIONI Tudo bem.
As Trs Irms - 29
(Ternamente a Irina.)
trabalhar juntos.
10
11
30 - As Trs Irms
IRINA No posso mais trabalhar... Basta! Basta! Estava no Telgrafo, agora estou
na Prefeitura; desprezo e odeio tudo que me mandam fazer. Estou com quase
vinte e quatro anos e com tanto trabalho meu crebro secou.
OLGA Querida, falo como irm, como amiga: Se queres um conselho, se case com
o Baro; (Irina chora docemente.) Voc respeita e aprecia ele, muito... verdade
que ele fei... no um homem bonito, mas ele to digno, to nobre. Ns, as
mulheres, no nos casamos somente por amor, mas para cumprir um dever. Eu
pelo menos penso assim e me casaria sem amor com qualquer um que me
solicitasse, contando que fosse uma pessoa digna.
IRINA Eu me iludi! Iramos para Moscou e l encontraria meu verdadeiro noivo;
sonhava com ele, amava ele...
OLGA (Beijando-a.) Minha querida, minha irmzinha, eu te compreendo. O dia em
que o Baro deixou o exrcito e veio nos visitar sem uniforme, eu o achei to
feio que at chorei...
MASHA
por esse homem... vocs acabam de v-lo... por que esconder... Amo Verchinin!
OLGA (Vai para trs do biombo.) Pare com isso... De qualquer maneira, no estou
ouvindo.
MASHA Que posso fazer? (Com a cabea entre as mos.) A princpio ele me
pareceu estranho... Depois tive pena dele... Logo amei... o amei por seu tom de
voz, por suas palavras.
OLGA (Por trs do biombo.) J disse que no quero ouvir. Estou surda!
MASHA Voc no quer entender, Olga. Amo, quer dizer este o meu destino que
no pode ser diferente... Ele tambm me ama. Tudo isso terrvel. Sim?
imoral? (Puxa Irina pelo brao e a traz a si.) Querida... como viveremos, o que
ser de ns? Quando se l um romance tudo parece fcil, tudo resolvido. Mas
quando se apaixona...
Andrei entra
ANDREI Onde est Olga? (Olga se mostra atrs do biombo.) Preciso da chave do
armrio; perdi a minha.
Olga entrega-lhe a chave sem dizer uma palavra. Irina passa para trs do
biombo. Pausa.
ANDREI Que incndio devastador! Agora est mais calmo. (Pausa.) Por que fica
calada, Olga? J tempo de esquecer essas tolices e no ficar mais aborrecida
As Trs Irms - 31
sem razo. Voc est a Mashenka, e Irina tambm? timo, ento me expliquem
de uma vez por todas. Que tm vocs contra mim?
OLGA Deixe, Andriusha, amanh nos explicaremos. (Nervosa.) Que noite!
ANDREI (Muito constrangido.) No fique nervosa. Eu pergunto a vocs com toda
calma: o que tm contra mim. Digam francamente.
VOZ DE VERCHININ (Cantando.) Tra, la, la!
MASHA (Levantando-se para responder.) La, la, la! (A Olga.) Adeus, Olga, fique
com Deus. (Passa atrs do biombo e beija Irina.) Durma bem... Adeus, Andrei...
ANDREI S quero dizer a vocs uma palavra, depois vou embora. Em primeiro
lugar vocs tm qualquer coisa contra Natasha, minha mulher; Natasha uma
mulher honesta, simples, direita e cordial: esta a minha opinio. Amo e
respeito minha mulher. E exijo que os outros a respeitem tambm. (Pausa.) Em
segundo lugar, esto aborrecidas comigo porque no sou professor, porque no
me dedico cincia. Pois bem, sou membro da Cmara Rural e isto me basta.
Creio que trabalho por uma causa to sagrada quanto a da Cincia. Sou membro
da Cmara e tenho orgulho disso, se que vocs querem saber... (Pausa.) Em
terceiro lugar: hipotequei a casa sem consultar vocs; fiz mal e peo desculpas.
Fui obrigado a agir dessa maneira por causa das minhas dvidas. Mas no jogo
mais cartas... h muito tempo...
Pausa.
KULHIGIN (Da porta, com inquietao.) Mashenka no est a? Onde est?
estranho... (Sai.)
ANDREI Vocs no esto me ouvindo. Natasha uma mulher honesta, uma
criatura excelente, perfeita. (D alguns passos, depois pra.) Quando casei com
ela pensei que seramos felizes... todos felizes... Mas meu Deus. (Com lgrimas
na voz.) Minhas queridas irms, no acreditem, no acreditem... no acreditem...
(Sai.)
KULHIGIN (Voltando porta. Ansioso.) Onde est Mashenka? Ela no est aqui?
(Chamando.) Mashenka! Que coisa mais esquisita! (Sai. Ouve-se o sino. A cena
fica vazia.)
IRINA Que noite horrvel! (Um tempo.) Olga, voc ouviu dizer que a brigada vai
embora? Ficaremos sozinhas... Olga?
OLGA Como?
IRINA Querida, minha querida, eu estimo e respeito o Baro; uma tima pessoa,
casarei com ele, estou de acordo, mas vamos para Moscou. Eu te suplico, vamos
para l. No h nada melhor no mundo do que Moscou. Olga, vamos para l,
Olga...
Fim do terceiro ato.
32 - As Trs Irms
QUARTO ATO
Outono. O velho jardim a casa dos Prsorov. direita, o terrao da casa. Uma
mesa cheia de garrafas e copos. meio dia e acabam de tomar champanhe. Ao
fim de uma alameda de pinheiros avista-se o rio por trs deste, um bosque.
Pessoas caminhas em direo ao rio. Passam vrios soldados. Tchebutikin, de
bon e bengala est sentado numa poltrona no jardim e parecer de excelente
humor durante todo este quarto ato. Espera que venham procura-lo. Kulhigin,
sem bigodes, est com uma condecorao no pescoo. Irina e Tusenbach esto
de p no terrao.
IRINA Foram embora. (Senta-se no ltimo degrau do terrao.)
TCHEBUTIKIN Parto amanh... Ainda fico um dia aqui. Dentro de um ano estarei
aposentado e voltarei para acabar meus poucos dias aqui, perto de vocs. (Enfia
um jornal num dos bolsos e tira outro de outro bolso.) Voltarei aqui e mudarei de
vida radicalmente: vou ficar quietinho. Vou ser exemplar, decente...
(Cantarolando.)
Ta-ra-ra bum-di-,
O facho sentarei.
e entra em casa.)
As Trs Irms - 33
34 - As Trs Irms
TCHEBUTIKIN De Solioni.
MASHA E o Baro? (Pausa.) Quando Verchinin chegar, venham me prevenir.
(Entrando na alameda.)
ANDREI Nossa casa vai ficar vazia. Os oficiais vo embora. O senhor vai partir.
Minha irm se casa e eu ficarei s.
TCHEBUTIKIN E sua mulher?
As Trs Irms - 35
Vai para o fundo da cena. Tusenbach de chapu de palha entra com Irina.
Kulhigin atravessa a cena gritando: Masha, Yoo Hoo!
TUSENBACH Com licena querida, voltarei num instante.
IRINA Aonde vai?
TUSENBACH Eu... preciso me despedir dos camaradas.
IRINA No verdade... Nicolai por que est preocupado hoje? (Pausa.) O que
aconteceu, ontem, perto do teatro?
TUSENBACH (Um tanto impaciente.) Daqui a uma hora estarei de novo junto de
voc. (Beija-lhe as mos.) Meu amor... H cinco anos que eu quero voc e ainda
no me acostumei a isso; me parece cada dia mais bela! S me falta uma coisa,
uma s: que voc me ame!
IRINA Que posso fazer! Vou me casar com voc, vou ser fiel, dedicada, mas o
amor... Que posso fazer?
TUSENBACH No dormi a noite toda. (Silncio.) Diga alguma coisa... Como estas
rvores so lindas! (Gritam: Ol! Hei! Hei!) Preciso te deixar, est na hora.
Veja aquela rvore: secou ao lado das outras, mas, como as outras, o vento a
sacode... Adeus, minha querida. (Beija-lhe as mos.)
IRINA Vou com voc.
TUSENBACH (Aflito.) No! No! (Afasta-se repentinamente pela alameda e voltase.) Irina?
IRINA Que ?
TUSENBACH (Procurando sem encontrar outra coisa para dizer.) No tomei caf
esta manh... mande preparar um pouco para mim...
Desaparece logo. Irina pra pensativa. Depois vai ao fundo do jardim onde se
assenta no balano. Andrei chega empurrando o carro do menino. Ferapont
aparece.
FERAPONT Andrei Sergeyevitch, estes papis no so meus, so do Governo. No
fui eu que inventei eles.
ANDREI Onde, onde se foi meu passado? Quando era jovem, alegre, inteligente?
Quando meus pensamentos, meus sonhos eram generosos? Quando a esperana
iluminava o meu presente e o meu futuro? Por que apenas entramos na vida
ficamos enojados, apagados, pouco interessantes, preguiosos, indiferentes,
inteis, infelizes? H duzentos anos que nossa cidade existe: tem cem mil
habitantes mas nem um que tenha se distinguido dos outros. Nem no passado
36 - As Trs Irms
un ours.
As Trs Irms - 37
VERCHININ Bem... Obrigado por tudo... Perdoe se alguma vez... Quanto, quanto
falei...
OLGA (Enxugando os olhos.) Por que Mashenka no vem logo?
VERCHININ Que posso dizer a ela antes de partir? Sobre o que filosofar? (Ri.) A
vida dura. Para muitos de ns um beco sem sada.
OLGA A est ela!
Masha entra
VERCHININ Vim para me despedir...
VERCHININ
que ir...
38 - As Trs Irms
Natasha entra.
NATASHA Quanta preocupao do as crianas! (A Irina.) Irina, voc vai amanh?
Que pena. Fique mais uma semana. (Percebendo Kulhigin e dando um grito.
Kulhigin ri e tira o bigode e a barba.) Ah!... Que susto voc me deu!
(Continuando a falar com Irina.) Estava to habituada com voc, acredite que vai
me fazer uma falta enorme. Andrei vai para o seu quarto e pode martelar o
piano a vontade! Vou mudar Sofiazinha para o quarto dele. Que bela menina vai
ser! Maravilhosa! Esta manh ela me olhou com seus olhinhos e disse:
Mame!
KULHIGIN de fato uma bela criana!
NATASHA Pois , amanh estarei sozinha nesta casa. (Suspira.) Mandarei derrubar
toda aquela alameda de pinheiros... e esta rvore... De noite pavoroso. (A
Irina.) Minha querida, esse cinto no fica nada bem em voc... de uma falta de
gosto!... Voc deve usar cores claras, bem claras... (Severa.) Por que este garfo
est em cima do banco? o que eu pergunto!
KULHIGIN J comeou.
Tchebutikin entra.
MASHA (A Kulhigin.) Precisamos ir para casa... Onde esto meu chapu e minha
capa.
KULHIGIN Pendurei l dentro. Vou buscar.
TCHEBUTIKIN Olga Sergeyevna!
OLGA Que ? (Pausa.) Que ?
TCHEBUTIKIN Nada... No sei como dizer... (Segreda-lhe qualquer coisa.)
As Trs Irms - 39
TCHEBUTIKIN
Tar-ra-ra bum-di-
O facho sentarei.