Terapia Cognitivo-Comportamental Na Depressão Infantil: Uma Proposta de Intervenção
Terapia Cognitivo-Comportamental Na Depressão Infantil: Uma Proposta de Intervenção
Terapia Cognitivo-Comportamental Na Depressão Infantil: Uma Proposta de Intervenção
Terapia cognitivo-comportamental na
depresso infantil: uma proposta de
interveno
Cognitive-behavioral therapy depression in children:
an intervention
Resumo
O transtorno depressivo maior na infncia tem se tornado cada vez mais comum,
configurando-se, na atualidade, como alvo das principais preocupaes em sade
pblica. Entretanto, o interesse cientfico e o desenvolvimento de intervenes para
trat-lo so poucos e bastante recentes. Dessa maneira, este trabalho teve como
objetivo principal desenvolver um protocolo teraputico baseado na terapia cognitivocomportamental para o tratamento do transtorno depressivo maior em crianas de 7 a
11 anos de idade, o que foi possvel pela adoo do mtodo bibliogrfico. Sua estrutura
foi organizada em 20 semanas de atendimento, que equivalem a aproximadamente 6
meses de tratamento. Foram delineadas 18 sesses com a criana, 8 sesses com os
pais e 3 sesses em conjunto. O tratamento engloba aspectos considerados relevantes
pela literatura estudada, como psicoeducao, programao de atividades prazerosas,
resoluo de problemas, reestruturao cognitiva, treino em habilidades sociais e
envolvimento dos pais durante todo o tratamento. Apesar das limitaes encontradas
no desenvolvimento deste estudo, concluiu-se que a proposta pode beneficiar
muitas crianas ao reduzir os prejuzos decorrentes do transtorno. Por fim, salientase a pretenso de desenvolver estudos posteriores capazes de avaliar a eficcia do
protocolo, o que permitir o seu aperfeioamento.
Palavras-chave: Protocolo, Psicologia infantil, Transtorno depressivo.
Abstract
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INTRODUO
A depresso est se tornando uma doena cada
vez mais comum, caracteristicamente crnica, recorrente e
familiar, cujo incio ocorre, muitas vezes, durante a infncia e
a adolescncia (Bahls & Bahls, 2003). comum que a infncia
seja vista, quase que exclusivamente, como um perodo de
descobertas, alegrias e encantamentos. Entretanto, dados
provenientes de estudos epidemiolgicos e da casustica clnica
apontam que o transtorno depressivo maior (TDM) uma
ocorrncia comum nessa faixa etria, podendo, inclusive, estar
acompanhado de ideaes e tentativas de suicdio (Petersen
& Wainer, 2011).
Apesar disso, parece ser recente o interesse cientfico
pelo TDM em crianas e adolescentes, pois at a dcada
de 1970 acreditava-se que sua ocorrncia fosse rara ou
at mesmo inexistente nessa fase da vida. Foi somente em
1975 que o Instituto Nacional de Sade Mental dos Estados
Unidos reconheceu oficialmente a existncia do TDM entre a
populao de crianas e adolescentes (Bahls, 2002).
Atualmente, a depresso representa uma patologia
com alta e crescente prevalncia na populao geral e que,
nas prximas dcadas, poder substituir as cardiopatias e
os atuais problemas de sade da populao. Dados recentes
apontam prevalncia de 0,3 a 5,9% de depresso na populao
geral de crianas e adolescentes (Petersen & Wainer, 2011).
Em consequncia disso, o transtorno est se tornando uma
das principais preocupaes em sade pblica (Bahls S. &
Bahls F., 2003).
Disso, depreende-se que a identificao e o tratamento
da depresso na infncia se tornam extremamente importantes,
tendo em vista que essa psicopatologia est ocorrendo cada
vez mais cedo e que pode apresentar continuidade na vida
adulta. Entretanto, no Brasil, so poucos os estudos sobre
intervenes para depresso infantil, o que destaca a relevncia
de desenvolver pesquisas voltadas prtica clnica nessa rea.
Isso viabilizaria a melhoria da sade, o bem-estar e a qualidade
de vida dessas crianas, principalmente por se tratar da fase
inicial da vida, que possui papel central no seu desenvolvimento,
evitando, assim, que venham a enfrentar prejuzos maiores
no futuro.
Uma maneira de tornar o tratamento mais efetivo pode
ocorrer a partir da utilizao de protocolos teraputicos, os
quais renem diferentes tcnicas que so aplicadas a determinadas psicopatologias e buscam sua eliminao. Os principais
tratamentos psicolgicos realizados por meio de protocolos
so baseados na terapia cognitivo-comportamental (TCC)
(Caminha & Caminha, 2011), porm, ressalta-se a reduzida
quantidade de protocolos fundamentados nessa abordagem
voltados para o tratamento do TDM na infncia.
Assim, este trabalho teve como objetivo apresentar
uma reviso terica com uma proposta de interveno no
final, por meio do delineamento de um protocolo baseado
A DEPRESSO NA INFNCIA
Os indivduos costumam experimentar uma larga
variedade de emoes e suas respostas afetivas podem
assumir um carter patolgico, resultando em transtornos
de humor (TH) (Bahls, 2004). Entre eles, o mais comum o
TDM (Piccoloto, Wainer, Benvegn, & Juruena, 2000), que
pode aparecer pela primeira vez em qualquer idade e ...
caracterizado por episdios distintos de pelo menos duas
semanas de durao, evolvendo alteraes ntidas no afeto,
na cognio e nas funes neurovegetativas (American
Psychiatric Association [APA], 2014, p. 155).
O diagnstico de TDM vem aumentando de forma
significativa entre crianas e adolescentes, de maneira que
alguns pacientes apresentam o primeiro episdio durante os
anos pr-escolares, antes da puberdade ou na adolescncia
(Bauer, Whybrow, Angst, Versiani, & Mller, 2009, Piccoloto et
al., 2000). Percebe-se, a partir desses dados, a importncia de
se reconhecer os sinais e os sintomas do transtorno em crianas
e, principalmente, de desenvolver um tratamento efetivo para
ele (Friedberg & McClure, 2004).
Epidemiologia
Foi somente a partir da dcada de 1960 que comearam
a surgir investigaes no campo da psicopatologia infantil, entre
os quais, o primeiro estudo sobre a prevalncia da depresso
infantil, que demonstrou uma taxa de 0,14% do transtorno em
crianas (Baptista & Golfeto, 2000). Recentemente, porm, em
reviso sobre a epidemiologia dos transtornos depressivos em
crianas, encontrou-se a prevalncia/ano de 0,4 a 3,0%, o que
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Critrios diagnsticos
Nos ltimos anos, passou-se a considerar que a
depresso na criana, no adolescente e no adulto emerge
de forma semelhante. Assim, tomando como base o Manual
diagnstico e estatstico de transtornos mentais, 5 edio
(DSM-5), considera-se que os sintomas bsicos do TDM so
os mesmos para todas as faixas etrias, sendo o diagnstico
realizado pelos mesmos critrios (APA, 2014).
Conforme o DSM-5, o TDM caracteriza-se pela
persistncia de humor deprimido ou de perda de interesse ou
prazer em quase todas as atividades, por um perodo mnimo
de duas semanas. Entretanto, em crianas o humor pode ser
irritvel em vez de triste, porm, devendo ser diferenciado do
padro de irritabilidade nos casos de frustrao. Alm disso,
o indivduo tambm deve apresentar pelo menos quatro dos
seguintes sintomas: alterao no apetite ou no peso, no sono
e na atividade psicomotora; diminuio da energia; sentimento
de desvalia ou culpa; dificuldade para pensar, concentrar-se
ou tomar decises; e pensamentos recorrentes de morte ou
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Comorbidades
A depresso pura em crianas e adolescentes
considerada rara, de forma que a comorbidade tende a ser a
regra (Petersen & Wainer, 2011). Os transtornos depressivos em
crianas e adolescentes apresentam 40% de comorbidade com
transtorno de ansiedade (especialmente de separao) e 15%
com transtorno da conduta, transtorno de oposio desafiante e
transtorno de dficit de ateno/hiperatividade (TDAH) (Bahls,
2002; Bauer et al., 2009; Fernandes & Castro, 2011; Petersen
& Wainer, 2011).
Nesses casos, a prioridade no tratamento deve ser
estabelecida levando em conta os objetivos traados pela dupla
teraputica. Alm disso, deve-se considerar a necessidade
de sucesso em curto prazo, os padres que impossibilitam
o alcance de outras metas, a importncia da meta dentro da
organizao cognitiva do paciente e a prioridade na crise em
contraponto prioridade de longo prazo (McKay, Abramowitz,
& Taylor, 2009).
Fatores de risco
Os fatores de risco mais descritos pelas produes
cientficas para o surgimento do TDM na infncia incluem uso
precoce de lcool, presena do TDAH, condutas parentais
inadequadas, rejeio dos colegas, estressores ambientais,
abuso fsico e sexual e perda de um dos pais, irmo ou amigo
ntimo (Bahls, 2002; Petersen & Wainer, 2011; Schwan &
Ramires, 2011). Alm desses, destaca-se que o fator de risco
mais importante a ser considerado a presena de depresso
em um dos pais, pois a existncia de histrico familiar aumenta
em pelo menos trs vezes o risco de a criana tambm
desenvolver o transtorno (Bahls, 2002; Cruvinel & Boruchovitch,
2009; Calderaro & Carvalho, 2005, Petersen & Wainer, 2011;
Serro, Klein, & Gonalves, 2007).
Tratamentos psicolgicos
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Objetivos
Tcnicas
Estabelecer rapport;
Avaliao do paciente;
Inventrio de comportamentos
para crianas ou adolescentes
(child behavior checklist - CBCL) de
Achenbach (1991), a partir da qual
foi realizado um estudo preliminar
por Bordin e colaboradores (2013);
Conceitualizao cognitiva.
Diagrama de conceitualizao
cognitiva (Beck , 2013).
Tarefas
Sesses de tratamento
Semana
1 semana - sesso com os pais.
Objetivos
Tcnicas
Psicoeducao.
Tarefas
Planejamento de atividades
prazerosas por meio de um
calendrio semanal com as
atividades que ela gostaria de
realizar (Friedberg & McClure, 2004).
Realizar as atividades
determinadas durante a sesso.
Economia de fichas.
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Registro de pensamentos
disfuncionais (RPD).
Continuao Tabela 1.
6 semana - sesso com os pais.
7 semana - sesso com a criana
7 semana - sesso com os pais.
8 semana - sesso com a criana.
8 semana - sesso com os pais
9 semana - sesso com a criana.
Trabalhar cognies.
RPD.
Reaplicar o CDI;
Tcnica de resoluo de
problemas (Stallard, 2011).
Reaplicar CBCL;
Resoluo de problemas.
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Continuao Tabela 1.
Finalizar o tratamento.
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PBLICO-ALVO
Crianas de 9 a 13 anos.
Jovens de 8 a 15 anos.
Adultos.
Crianas de 7 a 11 anos.
Individual.
Individual.
20 com o paciente.
Resoluo de problemas;
Identificar pensamentos;
Psicoeducao;
Atividades prazerosas;
Atividades prazerosas;
Reestruturar cognies;
Reestruturao cognitiva;
Confiana;
Implementar autocrtica e
repostas de enfrentamento;
Resoluo de problemas;
Resoluo de problemas.
THS;
MODALIDADE
Individual ou grupal.
Individual.
NMERO DE SESSES
Educao afetiva;
Treino em resoluo de
problemas;
Treino em habilidades sociais;
Intervenes cognitivas.
Consolidao de ganhos e
finalizao do tratamento.
CONSIDERAES FINAIS
A depresso vem sendo descrita por muitos autores
como uma doena incapacitante, porm, devido ao fato de
no conseguirmos v-la, ela tende a no ser considerada em
sua real gravidade. O mesmo acontece quando se fala em DI.
O interesse pela temtica ainda bastante recente, fato que
comprovado pela constatao do pequeno nmero de estudos
dedicados ao desenvolvimento de intervenes destinadas
ao seu tratamento. Essa problemtica pode ser percebida em
estudos de autores como Bahls (2002), Bahls S. e Bahls F.
(2003), Curatolo e Brasil (2005), Fernandes e Castro (2011),
Petersen e Wainer (2011) e Schwan e Ramires (2011).
Corroborando essas afirmaes, um estudo de Almeida e
Neto (2003) sobre o uso da TCC na preveno de recadas e
recorrncias depressivas constatou que o impacto da depresso
vem sendo subestimado, apesar de existirem pesquisas
demonstrando os efeitos devastadores da doena em todo
o mundo. Alm disso, os autores ressaltam que a depresso
foi a 4 maior causa de incapacitao no mundo em 1997 e
que as projees para as prximas dcadas so ainda mais
expressivas, apontando a necessidade, entre outras medidas,
da disponibilidade de terapias psicolgicas seguras e efetivas.
Isso refora a necessidade do desenvolvimento de um
PT para o tratamento de crianas depressivas, haja vista seus
benefcios. Durante a realizao desta pesquisa, percebeu-se a
limitao da literatura brasileira relativa temtica, de forma que
poucos foram os materiais cientficos disponveis discorrendo
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