Trilhasonoratese

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES CNICAS

Marcos Machado Chaves

A TRILHA SONORA TEATRAL EM PAUTA:


Experincias de criadores de trilha sonora em Porto Alegre

PORTO ALEGRE
2011

MARCOS MACHADO CHAVES

A TRILHA SONORA TEATRAL EM PAUTA:


Experincias de criadores de trilha sonora em Porto Alegre

Dissertao apresentada como requisito parcial para


obteno do ttulo de Mestre em Artes Cnicas pelo
Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas.
Orientador: Clvis Dias Massa.

PORTO ALEGRE
2011

MARCOS MACHADO CHAVES

A TRILHA SONORA TEATRAL EM PAUTA:


Experincias de criadores de trilha sonora em Porto Alegre

DEFESA DE DISSERTAO DE MESTRADO


Aprovada em 10 de junho de 2011

Banca examinadora:

Prof. Dr. Ernani de Castro Maletta


(UFMG)

Prof. Dr. Luciana Prass


(UFRGS)

Prof. Dr. Mirna Spritzer


(UFRGS)

A todos os artistas mergulhados nas relaes teatrais e musicais.

AGRADECIMENTOS

Aos criadores de trilha sonora entrevistados que, com gentileza, dividiram suas
experincias: Adolfo Almeida Jr., lvaro Rosacosta, Arthur de Faria, Flvio Oliveira,
Gustavo Finkler, Johann Alex de Souza, Nico Nicolaiewsky e Rafael Ferrari.
Ao Grupo Farsa, principalmente ao diretor Gilberto Fonseca e aos colegas de O
Avarento e Tartufo (peas que integram a trilogia As Trs Batidas de Molire), pela parceria e
incentivo com relao ao tema deste trabalho.
Cia. de Teatro ao Quadrado e ao Grupo Depsito de Teatro, pela abertura aos seus
espetculos Mes & Sogras e Solos Trgicos, no incio desta pesquisa.
Ao meu orientador, Clvis Dias Massa, que encontrou palavras diversas para mostrar
o rumo do trabalho e por aceitar embarcar neste tpico que est entre as artes teatral e
musical.
Ao Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e ao Governo Federal por propiciar estudo e qualificao.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior pela bolsa (PROFCAPES) concedida, fundamental para o exerccio da pesquisa.
minha famlia, que mesmo de longe acompanha os passos de minha trajetria
artstica, torcendo ativamente a cada nova fase. A minhas irms artistas, Fernanda e Marina,
por sua amizade e por trazerem ao mundo crianas lindas que se e nos inspiram
artisticamente. A meus pais, Silvano e Mara, pelo carinho e incentivo constante.
A minha esposa, colega de teatro e colega de Mestrado, Ariane, por tudo.

RESUMO

A TRILHA SONORA TEATRAL EM PAUTA:


Experincias de criadores de trilha sonora em Porto Alegre

A pesquisa prope a construo de um possvel conceito de trilha sonora no teatro, e a anlise


das funes dos profissionais responsveis por ela, bem como das dificuldades encontradas
por esses profissionais para a efetiva realizao do seu ofcio, em particular no que se refere
ao seu papel criador e no apenas executor. Atravs de entrevistas com criadores de trilha
sonora teatral que atuam em Porto Alegre, escolhidos por seus trabalhos diferenciados,
buscam-se novas abordagens entre o teatro e a msica. Ao problematizar a trilha sonora, o
trabalho tem como principais referenciais as teorias de Murray Schafer, Giovanni Piana e
Lvio Tragtenberg, no que dizem respeito ao som e sonoridade no teatro. A investigao
dialoga com duas acepes sobre trilha sonora teatral: trilha sonora total, em que todos os
sons no espetculo fazem parte do conceito, e trilha sonora musical, quando se trata
diretamente das msicas cnicas da montagem teatral.

PALAVRAS-CHAVE: processo de criao; trilha sonora; teatro; msica.

ABSTRACT

THEATER SOUND DESIGN IN DISCUSSION:


Porto Alegre sound designers experiences

This research proposes the construction of a different theater sound design concept, and a
sound designer function analyze, also difficulty on the creation to execution process,
especially to sound designer creator and not just executor. Through interviews with theater
sound designers that act in Porto Alegre, chosen by yours different works, we search new
ideas between theater and music. Through writers as Murray Schafer, Giovanni Piana and
Lvio Tragtenberg, this research dialogues about sound in theater. We learn about two
definitions about theater sound design: total sound design, when every sound in the play is in
the concept, and musical sound design, when we deal only with the music of the play.

KEY-WORDS: creation process; sound design; theater; music.

SUMRIO

APRESENTAO
Foram dados os trs sinais

14

CAPTULO 1
1.1 Trilha sonora ou no: eis a questo

19

1.2 Metodologia

21

1.3 Sobre os criadores de trilha sonora entrevistados

24

1.4 Os profissionais responsveis pela sonoridade e suas funes

27

1.5 Breve panorama da trilha sonora teatral

34

CAPTULO 2
2.1 Caractersticas da criao de trilha sonora

47

2.2 Etapas e procedimentos

52

2.2.1 Utilizao de sons dos ensaios

54

2.2.2 Referncia para msica cnica

54

2.2.3 Pesquisa investigativa para o espetculo teatral


como inspirao s sonoridades

55

2.2.4 Improviso

57

2.2.5 Oficinas para atores instrumentistas e cantores

58

2.2.6 Preparao para trilha sonora ao vivo ou gravada

60

2.3 Dificuldades na criao de trilha sonora teatral

62

CAPTULO 3
3.1 Trilha sonora total e trilha sonora musical

69

3.2 O som da voz

73

3.3 A escuta e a sonoridade total

77

3.4 Criador versus executor

80

10

CONCLUSO
Novos horizontes

86

REFERNCIAS

90

ANEXOS
Questionrio para criadores de trilha sonora

94

Autorizao assinada pelos sujeitos da pesquisa

96

11

LISTA DE ILUSTRAES

A imagem inserida antes da pgina de agradecimentos,


elaborada com recortes, foi produzida pelo pesquisador,
em aula do Mestrado em Artes Cnicas ministrada pelo
Prof. Dr. Joo Pedro Gil, durante atividade que visava
tranquilizar os alunos, antes da qualificao, atravs de
uma colagem de palavras (encontradas em revistas e
jornais) relacionadas pesquisa.
As imagens no corpo da pesquisa foram encomendadas em
fevereiro de 2011 ao artista Ricardo Zigomtico, a partir
de temas sugeridos pelo autor.
- Trilha sonora teatral - pgina 13;
- Folhas e sons ao vento - pgina 18;
- Todos os sons fazem parte do teatro - pgina 46;
- Som da voz - pgina 68;
- A trilha sonora teatral em pauta - pgina 85.

12

APRESENTAO

13

Foram dados os trs sinais

Antes do incio de um espetculo teatral, em muitos locais ouve-se os tradicionais trs


sinais, produzidos atualmente por uma campainha eltrica. Esses sinais so oriundos das
batidas de Molire1: pancadas no cho do palco que serviam para avisar que a pea j vai
comear. O som um signo; no teatro, um signo teatral. A importncia dos sons na vida
das pessoas assunto que me interessa, e a reflexo sobre a sonoridade no teatro desperta
maior curiosidade ainda, pois o ambiente de onde e sobre o qual falo.
Ouvi, h alguns anos, a propaganda de um servio de canais por assinatura para
televises a cabo que dizia: a vida feita de imagens. A princpio, perguntei onde estariam
os sons nesta afirmao. Nesta poca, no incio da graduao em msica, recordei um texto
lido que falava sobre o desenvolvimento da audio dos bebs, ainda na barriga da me, no
terceiro ms de gestao. O mesmo texto citava que o beb s consegue enxergar com clareza
por volta dos seis meses de vida. Logo, a propaganda me pareceu questionvel no seguinte
fator: a vida realmente feita de imagens?
Na verdade, temos uma cultura mais visual do que sonora: fato. Quando enxergamos
uma pessoa conhecida, identificamos. Se a mesma pessoa falar conosco, fora de nosso ngulo
de viso (antes de a vermos), at podemos reconhec-la pelo timbre de voz, mas s
confirmamos o reconhecimento quando olhamos para ela. A audio no to instigada como
a viso, em nossa sociedade. O teatro uma forma de expresso artstica audiovisual, uma
mescla de signos sonoros e visuais. Talvez o estmulo mais visual, na contemporaneidade,
explique o porqu de termos tantas dvidas a respeito da sonoridade no teatro, e a insegurana
de alguns atores quanto musicalidade da encenao.
Minhas inquietaes a respeito do assunto surgiram no decorrer de minha trajetria
artstica. Comecei a praticar teatro ainda jovem. Lembro de meu primeiro diretor teatral, que
dizia: teatro um vrus. Falava romanticamente que se tal frase fosse verdade, ele queria
morrer disso. Verdade ou lenda, fui contaminado profundamente por esta arte enquanto
montvamos uma esquete teatral intitulada Folhas ao Vento2. A concepo da obra era
simples: poesias amarradas como o fio condutor do texto, uma personagem idosa folheava um
1

Jean-Baptiste Poquelin, conhecido por Molire, foi ator e dramaturgo, viveu na Frana do sculo XVII.
Comediante do rei Lus XIV, firmou as batidas para avisar ao pblico que o rei estava chegando ao recinto. A
terceira batida sinalizava que Sua Majestade havia sentado, e com isso o espetculo iria iniciar.
2

Dirigida por Kinho Nazrio na cidade gacha de Novo Hamburgo em 1995, Grupo Fazendo Arte.

14

lbum de fotografias e imagens que ela via materializavam-se em diferentes cantos do palco,
de onde os atores encenavam poesias que faziam aluso ao momento da vida da protagonista.
Em Folhas ao Vento, o diretor utilizou parte da trilha sonora do filme O Piano (1993) de
Jane Campion, elaborada por Michael Nyman. Houve uma apresentao em que foram
dirigidos alunos de um coral para fazer parte da esquete. No incio da apresentao, os
participantes cantaram a msica Todo Sentimento, de Chico Buarque, e diziam, atravs da
melodia: preciso no dormir at se consumar o tempo da gente.
Este acontecimento marcou as crianas que ali estavam, dispostas a encenar. Depois da
sada dos coralistas entrava o piano de Nyman em um arranjo vigoroso. As crianas estavam
ali, umas em prontido na coxia, esperando sua deixa para entrar em cena, outras, como eu,
com os olhos esbugalhados no canto absorvendo as melodias e harmonias que construam,
junto com os interpretantes e espectadores, uma composio cnica nica.
A partir da, entendi a importncia da msica no teatro. Compreender o valor dos mais
diversos sons em uma encenao teatral foi um processo gradual, desenvolvido durante o
exerccio prtico no teatro: em cada trabalho, em cada apresentao, com as diferenas entre
os grupos, elencos, equipes, modos de ensaios, salas, aparatos tcnicos, espaos cnicos e
espectadores.
O fato que depois das experincias infantis, nunca parei de praticar a arte teatral. Na
adolescncia enveredei tambm pela arte musical, participando de grupos e bandas. Prestei
vestibular para o curso de msica na Universidade Federal de Pelotas, pois no havia, na
poca, curso de teatro ou artes cnicas naquela universidade. Ali se iniciou minha jornada
acadmica (as relaes pessoais com msica e teatro estavam s comeando).
Costumo dizer que fiz um curso de teatro em uma faculdade de msica, pois nos quatro
anos dentro da universidade, observei paralelos entre as duas artes no decorrer das disciplinas.
Integrante e bolsista do Ncleo de Teatro da UFPel, ministrei cursos de extenso pelo
Departamento de Msica e Artes Cnicas. Nesta poca, tive as maiores experincias com a
prtica musical, integrando bandas e participando de recitais e festivais de msica. O
instrumento de escolha, piano/teclado, no foi decidido por acaso, as melodias de Folhas as
Vento continuavam como motivao, e o recital de concluso de curso teve a msica The
Heart Asks Pleasure First, do filme O Piano e da citada esquete teatral, como encerramento.
O trabalho de concluso de curso que elaborei abordou A importncia da educao musical
para a prtica teatral.
15

O som e a msica ganhavam um sentido fundamental quando pensava sobre minha


prpria atuao no teatro e projetava novas montagens. A partir dos conhecimentos adquiridos
na graduao, comecei tambm a compor para a cena teatral, a pesquisar e a adaptar sons e
melodias como criador de trilha sonora, um ator que cria trilhas.
Entrei na cena teatral de Porto Alegre em 2006, como ator-msico, em uma montagem
teatral para crianas intitulada A Cano de Assis3, pea com trilha executada ao vivo com
instrumentos acsticos. Atento relao entre o som e a cena, no parei de estudar e
pesquisar. Fiz especializao em Encenao Teatral na Universidade Regional de Blumenau;
orientado pelo Prof. Dr. Andr Carreira, pesquisei A construo do ambiente sonoro no
teatro para crianas, em grande medida motivado pela pea para a infncia e juventude de
que participava.
Com o ttulo de especialista, participei de congressos e encontros buscando o debate com
pessoas interessadas na relao entre em som e cena. Muitas vezes as conversas acabavam por
enfocar a trilha sonora no teatro. Como ator e criador de sonoridades para a cena, percebi que
este componente, o som pouco dissecado por pesquisadores teatrais: trilha sonora um
termo comum, mas quais sons fazem parte, de fato, da trilha de uma pea teatral?
Entrei no Mestrado em Artes Cnicas no mesmo ano em que um projeto de montagem do
espetculo teatral O Avarento4, do Grupo Farsa, de Porto Alegre, foi contemplado com um
prmio de montagem. Mais um captulo das relaes que tenho com o som e com a cena seria
escrito, pois no novo processo de criao, cumpriria as funes de ator, criador de trilha
sonora, preparador vocal e diretor musical.
O Avarento um espetculo diferenciado, divisor de guas para o grupo Farsa e para os
artistas envolvidos. A pea faz parte do projeto As Trs Batidas de Molire, que prev a
montagem de trs obras do dramaturgo francs, sendo a montagem de O Avarento (2009)
seguida pela de Tartufo5 (2011) e O Doente Imaginrio ainda sem previso de estreia.

Espetculo teatral de Jlio Fisher, encenado pelo Grupo Farsa com estria em setembro de 2005 no Teatro
Renascena em Porto Alegre. Direo de Gilberto Fonseca.
4

Texto de Molire, adaptado, contemplado com o Prmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2008. Direo de
Gilberto Fonseca. Data de estreia: 14 de agosto de 2009 - Teatro de Cmara Tlio Piva em Porto Alegre.
5

Montagem contemplada atravs de edital 01/2010 do FUMPROARTE Fundo Municipal de Apoio Produo
Artstica e Cultural de Porto Alegre. Direo de Gilberto Fonseca. Data de estreia: 03 de junho de 2011 - Teatro
de Cmara Tlio Piva em Porto Alegre.

16

Trabalhamos, em O Avarento, com o canto coral nos exerccios de preparao vocal dos
atores e nas msicas cnicas. O resultado foi positivo e a sonoridade do espetculo, desde sua
estreia, tem sido comentada em vrios eventos teatrais brasileiros.
Quando o espetculo recebeu indicao ao Prmio Aorianos de Teatro por Melhor
Trilha, em Porto Alegre, no ano de 2009, vrias perguntas surgiram: o que os jurados
analisam para indicar algum a tal categoria? Apenas as msicas de cena, as canes? Uma
proposta de ambientao sonora? A pesquisa da sonoridade do espetculo? A partir destes
questionamentos, percebi que necessrio enfocar o termo em questo.
As reflexes e dvidas sobre trilha no so apenas nossas: h a curiosidade do artista
teatral em entender e se relacionar com os elementos cnicos. Eu somente estava em um bom
momento para pr em pauta a trilha sonora. o que fao a partir de agora.

17

CAPTULO 1

18

Os sons por si prprios so demasiado


significativos para que o compositor
possa pensar em acrescentar-lhes alguma
coisa.
Giovanni Piana6

1.1 Trilha sonora ou no: eis a questo

Qual o melhor termo para nos referirmos s sonoridades do espetculo teatral? A


princpio, trilha sonora no a melhor designao no teatro, pois no h uma clareza nesta
nomenclatura. A falta de clareza se refere ao que este termo abrange: todas as sonoridades
propostas no espetculo ou apenas as msicas de cena?
Se nos referimos s msicas da pea teatral, msica cnica uma referncia adequada.
Sonoplastia outro termo que se refere parte sonora do espetculo e que abrange, no
inconsciente coletivo dos artistas teatrais, os sons criados para ambientaes: sons de sinos
de igrejas, batidas de portas, balas de canhes, barulho de chuva, e uma infinidade de
exemplos similares.
Todavia, trilha sonora um termo usado em todo o Brasil para designar os sons no teatro.
Quando se iniciou esta pesquisa, houve o receio de falar a respeito de uma categorizao
considerada no apropriada; muitos artistas encarregados desta funo no a apreciam. Essa
hiptese pode ser corroborada a partir da constatao de que muitos criadores de sonoridades
do espetculo teatral procuram outros nomes para caracterizar seu trabalho: pesquisa sonora,
repertrio, paisagem, desenho de som, ambientao.
Procurar outros nomes para designar seu trabalho no espetculo teatral um fator
positivo. possvel encontrar uma forma de designar os sons no teatro, e esta iniciativa pode
ser difundida na rea. Entretanto, trilha sonora aparece hoje, no teatro, de vrias formas, e
cabe a ns, artistas, assimilar e determinar o que o termo trilha sonora abrange. Talvez o
movimento contrrio sirva para reforar o entendimento sobre os sons do espetculo: ao invs
de procurar novos nomes, que se encaixem melhor no trabalho, ressignificar o termo j
existente pode ampliar o debate sobre o tema. A afirmao do termo importante neste
momento, visto que ele encontrado de Norte a Sul do pas, em festivais, mostras, premiaes
e projetos de encenao.
6

PIANA, Giovanni. A Filosofia da msica. Bauru, SP: EDUSC, 2001: 71.

19

Em uma das principais premiaes teatrais no Brasil, o Prmio Shell de teatro, no Rio de
Janeiro e So Paulo, so contempladas nove categorias: autor, diretor, ator, atriz, cengrafo,
trilha sonora, iluminador, figurinista e categoria especial. As indicaes cabem a um jri
formado por especialistas convidados. (SANTANA, 2010: 01) Nota-se que fora a categoria
especial, as outras esto com ttulo referente ao profissional da funo. No se premia o
figurino, mas o figurinista, no se premia o cenrio, mas cengrafo... A regra, porm tem
exceo: a categoria trilha sonora. Seria essa a funo do profissional? Sabemos que no, pois
ningum uma trilha sonora. simples, ento, perceber que h indefinio ou uma abertura
muito grande no significado do termo.
A observao de tal dado em premiaes teatrais no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e
So Paulo, levou-nos a procurar eventos similares, em outros estados, para verificao do uso
do termo. Em Minas Gerais h o Prmio Usiminas SINPARC (Sindicato dos Produtores de
Artes Cnicas de Minas Gerais). Dentre as categorias do prmio mineiro, a trilha sonora est
contemplada. No Nordeste, h o Prmio APACEPE (Associao dos Produtores de Artes
Cnicas de Pernambuco) de teatro e dana. Na categoria de teatro para a infncia encontramos
a classificao Trilha Sonora; para teatro adulto so duas as categorias: Melhor Sonoplastia e
Melhor Trilha Sonora Original.
Em festivais de teatro pelo Brasil, tambm encontramos o termo trilha sonora, como na
regio norte, no 6 Festival de Teatro da Amaznia, que aconteceu de 03 a 12 de outubro de
2009; e na regio centro-oeste, no 2 Festival Nacional de Teatro de Goinia, ocorrido de 18 a
25 de abril de 2010. No festival de teatro amazonense, h uma mostra competitiva que premia
trilha sonora, o mesmo acontece no festival goiano.
Sem o intuito de fazer apologia a prmios, os exemplos acima servem apenas para ilustrar
a maneira como, nestes modelos de premiaes, a classe teatral separa as funes de trabalho
e destaca alguns profissionais.
Esta nomenclatura, trilha sonora, est presente na rea teatral em todo o Brasil. Uma
pesquisa rpida sobre o assunto na internet demonstra isso. O que no se encontra o que
significa trilha sonora em cada local. Tambm possvel perceber a utilizao do termo em
programas (folhetos) de espetculos teatrais brasileiros. No unanimidade, pois muitos
definem a sonoridade de sua montagem com outros termos, mas trilha sonora facilmente
encontrada na ficha tcnica de muitas peas. Talvez tal categorizao nos programas dos

20

espetculos d margem para que os prmios mantenham este nome, ou vice-versa: a partir das
premiaes que o termo se estabelece nos programas.
O termo em questo a nica categoria (dentro dos modelos de premiaes citados) que
abrange exclusivamente a parte de udio na obra audiovisual que o teatro, pois todas as
outras (cenrio, figurino, iluminao) so visuais ou mesclas audiovisuais, como a
interpretao dos atores. Sendo assim, pode-se chamar do que quiser: som em cena, pesquisa
musical, etc. O que est proposto aqui no simplesmente a definio categrica deste
elemento teatral, mas um pensamento diferenciado a respeito da questo sonora no teatro.
Ser ou no ser trilha sonora. Pouco importa. A sonoridade no teatro e sua funo no
espetculo o enfoque principal deste trabalho.

1.2 Metodologia

O tema da sonoridade no teatro muito amplo, porm, em algumas obras possvel


observar o papel do profissional que pensa os signos sonoros no teatro.
A melhor forma de falar sobre trilha sonora dialogar com outros criadores que tambm
assinam a trilha de espetculos teatrais. Trata-se de um criador que no est sozinho. A figura
do diretor fundamental para a formulao de diretrizes, pretenses e necessidades de
determinadas sonoridades no espetculo teatral, que o profissional responsvel por elaborar a
trilha sonora buscar atender. Quem atua neste segmento do teatro sabe os mtodos que
funcionam em seu trabalho e conhece bem as dificuldades da execuo prtica deste.
A pesquisa em arte tem, de acordo com cada projeto, suas particularidades, sendo difcil
encaix-la em modelos quantitativos. At porque, dependendo do caso, isto seria uma
tentativa, talvez invivel, de fixar informaes que so subjetivas. possvel usarmos
nmeros para levantar dados sobre quantidade de espectadores por espetculo, sobre quantos
artistas profissionais possuem cadastro em um sindicato, e at para mapear material tcnico
disponvel nos edifcios teatrais. Todavia, a pesquisa qualitativa uma opo bem mais
pertinente quando tratamos de criao artstica.
Sobre o processo de montagem de um espetculo teatral, h um comentrio do encenador
ingls Peter Brook que nos permite visualizar a pesquisa em arte:

21

Por melhor que seja, o trabalho do diretor e do cengrafo/figurinista antes dos


ensaios limitado e subjetivo; pior ainda, impe formas rgidas, tanto ao cnica
como aparncia externa dos atores, e muitas vezes pode destruir ou castrar um
desenvolvimento natural. Por isso, o melhor mtodo de trabalho envolve um
equilbrio muito sutil que no tem regras preestabelecidas e depende de cada caso
entre o que deve ser preparado de antemo e o que pode ficar em aberto com
segurana. (BROOK, 2005: 89-90)

O pensamento de Brook corroborado pelo pesquisador paulista Silvio Zamboni que


observa que na arte, o sensvel, embalado por impulsos intuitivos, vai alm do processo de
criao artstica, pois faz parte do prprio carter multissignificativo da obra de arte.
(ZAMBONI, 2006: 03)
Dialogar com os criadores de trilha sonora teatral atravs de entrevistas semiestruturadas7 fornece um material indito que colabora com esta pesquisa, no sentido de
fomentar discusses e estudos posteriores a respeito do tema.
Sendo uma entrevista de investigao onde atravs da seleo de pessoas competentes,
procura-se reunir tanto dados teis para as hipteses levantadas como respostas s mesmas,
(ROSA, 2008: 32) decidiu-se entrevistar alguns criadores de trilha sonora que atuam na
capital gacha, no intuito de tentar responder a algumas questes pouco debatidas e at
mesmo esquecidas sobre este elemento da encenao.
Oito profissionais contriburam, com o relato de suas experincias, para a presente
reflexo sobre trilha no teatro: Adolfo Almeida Jr., lvaro Rosacosta, Arthur de Faria, Flvio
Oliveira, Gustavo Finkler, Johann Alex de Souza, Nico Nicolaiewsky e Rafael Ferrari.
Fazer uma lista de possveis colaboradores para colher dados e experincias no algo
fcil. Em Porto Alegre encontramos criadores de trilha sonora teatral reconhecidos por
trabalhos de qualidade, que receberam indicaes e destaques em importantes premiaes,
festivais e temporadas em todo o Brasil. A escolha dos criadores de trilha que atuam na
capital gacha foi feita a partir de motivos diferenciados: realizao de determinados
trabalhos, atuao em espaos inusitados, histrico, sugesto de colegas e da orientao desta
pesquisa.
Sabe-se que, provavelmente, algum nome no contemplado aqui tambm poderia
fornecer material interessante, mas preciso fazer escolhas e obter um nmero possvel de

As questes, nesse caso, devero ser formuladas de forma a permitir que o sujeito discorra e verbalize seus
pensamentos, tendncias e reflexes sobre os temas apresentados. O questionamento mais profundo e, tambm,
mais subjetivo, levando ambos a um relacionamento recproco, muitas vezes, de confiabilidade. (ROSA, 2008:
31)

22

entrevistas para relacionar. Buscou-se eleger nomes que, em sua diversidade, contemplem
diferentes mtodos de trabalhar com a criao de trilha sonora no teatro em Porto Alegre. A
opo por determinados profissionais para a entrevista deve-se a seu trabalho prtico e
possibilidade de trazer materiais diversos para a pesquisa, no havendo juzo de valor na
escolha.
Antes de ir a campo para fazer as entrevistas com os criadores de trilha sonora, elaborouse um roteiro com dezoito perguntas (vide anexo). A antepenltima questo, o que trilha
sonora para voc?, foi fundamental para que se pudesse mediar um conceito a respeito do
termo. Complementando esta pergunta, interroga-se tambm: o que abarca a trilha sonora?,
ou seja, quais os sons que fazem parte da trilha em um espetculo teatral? Trata-se de uma
pergunta simples e pessoal, que estava no fim do roteiro. As questes anteriores abordam a
formao do profissional, os motivos que o levaram a esta prtica, perguntas a respeito dos
processos de criao, da relao do criador de trilha com os demais criadores em uma pea de
teatro, das dificuldades encontradas neste tipo de trabalho, de questes sobre msica cnica,
sobre a relao do criador de sonoridades com o espao teatral e com os espectadores, at
chegar questo sobre o que seria trilha sonora, momento em que j est inserido o termo em
questo, para que o criador pudesse dar a sua opinio acerca de seu significado.
Perguntar o que trilha sonora para um criador de trilha sonora parece ser uma questo
bvia ou fcil. Por incrvel que parea, no . O pesquisador observa tal questo com
propriedade, pois tambm um artista que, dentre outras funes, cria sonoridades para a
cena teatral. No a toa que se traz esta questo pesquisa: ela tem como objetivo no perder
de vista a problematizao do termo, pois no difcil retornar quela ideia generalizante
sobre trilha sonora, algo que todos sabem do que se trata, mas que ningum sabe esclarecer.
As oito entrevistas aconteceram entre janeiro e abril de 2010. Ao entrar em contato com
os entrevistados, deixaram-se abertas opes para que eles escolhessem o local da captao,
motivo pelo qual os encontros aconteceram em lugares e datas diferentes. Alguns preferiram
que o entrevistador fosse at sua residncia, outros acabaram marcando o bate-papo em
cafeterias ou livrarias. Todas as entrevistas foram gravadas ao vivo, na cidade de Porto
Alegre, exceto a do profissional Flvio Oliveira, realizada em Estncia Velha, cidade prxima
capital gacha. A nica entrevista no gravada por captao de udio foi com o artista
Gustavo Finkler, radicado em So Paulo, que respondeu ao questionrio por e-mail.

23

Desta maneira, colhendo material de novas fontes, procura-se observar e entender melhor
o termo trilha sonora, compreender todos os sons provenientes dos mais variados e variveis
pontos de produo sonora em uma apresentao teatral, priorizando a cena e o processo de
criao, levando em considerao o acontecimento como nico, diferenciando-o da obra ou
no, mas, sobretudo, com o intuito de provocar a reflexo de artistas do teatro e da msica,
artes que trocam experincias desde o incio de suas trajetrias, conhecendo melhor a prtica
dos criadores de trilha sonora.

1.3 Sobre os criadores de trilha sonora entrevistados

Para conhecermos um pouco mais estes profissionais que contriburam, e continuam


contribuindo, com as sonoridades na cena de muitos espetculos gachos, apresentaremos os
entrevistados atravs de resumos de um pargrafo por participante. So artistas com
formaes e prticas diferenciadas, cujas trajetrias e experincias esto presentes em seus
discursos, enriquecendo o estudo, difundindo e especificando o que hoje conhecemos por
trilha sonora no teatro.
Nesta breve apresentao dos artistas entrevistados, a primeira linha cita sua cidade natal
e define a funo do profissional como ele se refere sua funo artstica, ou seja, a
resposta literal de como se denomina na arte. Logo aps, h quanto tempo trabalha com
criao de trilha para teatro e a citao de instrumento principal, o que pode causar
estranhamento, mas tem o objetivo de observar sua maior influncia ou destreza em
determinado instrumento musical. Sabe-se que um msico acaba ampliando sua gama de
possibilidades ao exercitar o que apreende da teoria musical em vrios instrumentos, mas
supe-se que todo o msico possui um instrumento de escolha, seja por formao, identidade
ou habilidade.
Adolfo Almeida Jr.8, natural de Porto Alegre, compositor. Cria trilha sonora para
teatro, profissionalmente, desde a dcada de 80. Como instrumento principal cita o fagote.

Alguns exemplos de trabalho com criao de trilha sonora para espetculos teatrais: Chapeuzinho Amarelo,
Saltimbancos e As Galinhas, dirigidos por Dilmar Messias (anos 80); O Imprio da Cobia, do grupo Tear, por
Maria Helena Lopes (1987); Ubu Rei, com direo de Dilmar Messias (1988); Jato de Sangue, por Shirley
Rosrio; Solos Trgicos, dirigido por Roberto Oliveira (2010).

24

formado em Composio pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Alm de trabalhar
com teatro, possui vasta produo artstica musical, como o cd Majestic (2003) com produo
independente. Recebeu indicaes e prmios diversos, destaque para o Aorianos de msica
como Melhor Msico Erudito em 2006.
lvaro Rosacosta9, tambm natural de Porto Alegre, denomina-se artista. Cria trilha
sonora para teatro desde 1997. Como instrumento principal, cita a voz. formado em Artes
Plsticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tambm recebeu diversas
indicaes e prmios por suas trilhas sonoras teatrais, como o Tibicuera de teatro infantil em
2005 e o Quero-quero em 2006 pela trilha original de A Tempestade.
Arthur de Faria10, da mesma forma porto-alegrense, compositor, intrprete,
arranjador, produtor e instrumentista. Cria trilha sonora para teatro h 25 anos. Como
instrumento principal, cita o piano. formado em Jornalismo pela Pontifcia Universidade
Catlica do Rio Grande do Sul. Destaca em sua obra a discografia de Arthur de Faria & Seu
Conjunto: Msica Para Gente Grande (1996) e Msica Para Bater Pezinho (2005). Alm de
condecoraes por trilhas teatrais, recebeu prmios de Melhor Compositor (1997) e Melhor
Produtor Discogrfico (2000) no Aorianos de msica.
Flvio Oliveira11, natural de Santa Maria, compositor. Cria trilha sonora para teatro h
47 anos. Como instrumento principal, cita o piano. De 1986 a 1990 lecionou no Departamento
de Msica do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. formado em
Letras - Grego e Latim - pela mesma universidade. Trabalhou na criao de trilha sonora de
diversos espetculos teatrais, como, por exemplo, na estreia mundial das trs comdias do
autor Qorpo Santo Matheus e Matheuza, Eu Sou Vida, Eu No Sou Morte e As Relaes
9

Entre os trabalhos de criao de trilha sonora para teatro, destacam-se: Chapeuzinho Amarelo, com direo de
Camilo de Llis (1997); A Bela e a Fera, da Cia. Teatro Novo, dirigido por Ronald Radde (1997); O Bandido e o
Cantador, direo de Patrcia Fagundes (1997); Toda Nudez Ser Castigada e Nossa Senhora dos Navegantes,
dirigidos por Ramiro Silveira (2001); O Banho, da Cia. Trpsi (2002); A Tempestade, com direo de Jezebel de
Carli (2006); Histrias de Bruxa Boa, da Cia. Teatro Novo (2008); Sonho de Uma Noite de Vero, direo de
Daniela Carmona e Adriano Basgio (2009); DentroFora, da In.Co.Mo.De-Te (2009).
10
Alguns exemplos de trabalho com criao de trilha sonora para teatro: O Rei Nunca Riu, da Cia. Stravaganza,
com direo de Lus Henrique Palese (1994); Beladormecida, dirigido por Z Ado Barbosa (1995); Flicts, pelo
grupo Camaleo, com direo de Roberto Oliveira (1997); A Histria do Prncipe Que Nasceu Azul, dirigido por
Marcelo Aquino (2001); Antgona, direo de Luciano Alabarse (2004); Solos Trgicos, dirigido por Roberto
Oliveira (2010).
11
Pode-se citar, de sua extensa trajetria como criador de trilha sonora, sua participao nos espetculos Dona
Rosita, a Solteira, dirigido por Maria Helena Lopes (1967); Cordlia Brasil, dirigido por Wagner Mello (1968);
O Transplante, com direo de Delmar Mancuso (1969); Mockingpott (Wie dem Herrn Mockimpott das Leiden
ausgetrieben wird De Como se lhe Estirpou o Mal ao Sr. Mockimpott) de Peter Weiss, dirigido por Jos Luiz
Gomz (1975) no Teatro de Arena; A Transformao, de Eduardo Pavlosvsky, com direo de Paulo
Albuquerque (1983); Merlin ou a Terra Secreta, com direo de Arines bias (1984); Mundo, o Segredo da
Noite, dirigido por Gilberto Icle (1998).

25

Naturais com direo de Antnio Carlos Sena (1966); na trilogia perversa de Ivo Bender
1941 (1996), em As Bodas de Theodora (2000) e em A Ronda do Lobo (2002) com direo
de Dcio Antunes. Participou de vrias edies do Encontro de Compositores da HispanoAmrica, coordenando o evento em 2001. Produziu tambm vrias outras obras ligadas rea
musical, como o lbum Tudo Muda, realizado em 2002, que recebeu dois prmios Aorianos
na categoria msica erudita: Melhor CD e Compositor. Recebeu premiaes diversas em
msica e teatro em todo o Brasil.
Gustavo Finkler 12, nascido em Porto Alegre, denomina-se msico. Cria trilha sonora
para teatro h 25 anos. Como instrumento principal, cita o violo. formado em Jornalismo.
Destaca, em suas obras artsticas, a autoria do texto e trilha sonora do livro-cd-espetculo A
Famlia Sujo, com direo de Mirna Spritzer e Raquel Grabauska; e a trilha sonora do curtametragem Dona Cristina Perdeu Sua Memria, de Ana Azevedo. Recebeu diversos prmios
tanto em eventos teatrais (Tibicuera de teatro infantil e Aorianos de teatro) como em eventos
de outras reas artsticas (Aorianos de dana, Aorianos de msica e Aorianos de literatura
na categoria Melhor Livro Infantil por O Natal de Natanael em 2003).
Johann Alex de Souza13, natural de Santa Maria, tambm denomina-se msico. Cria
trilha sonora para teatro h 13 anos. Como instrumento principal, cita o violo. formado em
Msica pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Trabalhou com diversos
espetculos teatrais na criao de trilha sonora, em sua maior parte com o grupo i Nis Aqui
Traveiz. Recebeu prmio Aorianos de teatro por Melhor Trilha nos anos de 2002 e 2009,
assim como o Prmio Shell de Teatro de So Paulo em 2007.
Nico Nicolaiewsky 14, natural de Porto Alegre, msico e ator. Cria trilha sonora para
teatro h 30 anos. Como instrumento principal, cita o piano e o acordeon. Integrou e foi um
dos fundadores da banda Saracura, grupo que se destacou no rock gacho de 1978 a 1983.
12

Na criao de trilha sonora, destacam-se os trabalhos: Um Conto de Inverno, com direo de Irion Nolasco
(1996); A Bota e Sua Meia, dirigido por Camilo de Llis (1997); A Mulher Gigante, com o grupo fundado por
ele - Cuidado Que Mancha (1999); A Famlia do Beb, de Carlota Albuquerque da Cia. Terps (1999); As Traas
da Paixo, dirigido por lcio Rossini (2000); Deus e o Diabo na Terra da Misria, de Hamilton Leite (2000); O
Negrinho do Pastoreio, do grupo Oigal de teatro de rua.
13
So exemplos de trabalho com criao de trilha sonora, em espetculos teatrais do grupo i Nis Aqui Traveiz
(direo coletiva): Hamlet Mquina, (1999); A Saga de Canudos, (2000); Kassandra In Process, (2002); A
Misso, (2006); O Amargo Santo da Purificao, Vida e Morte do Revolucionrio Carlos Marigella, (2008).
14
Alguns exemplos de trabalho com criao de trilha sonora para espetculos teatrais: Cabea-Quebra-Cabea,
com direo de Jlio Conte no Grupo Do Jeito Que D (1985); Canto do Lobo, dirigido por Mrcia do Canto e
Toninho Lobo na Cia. de Teatro Mmico (1989); Um Tiro Que Mudou a Histria (1990) e Tiradentes Uma
Inconfidncia no Rio (1992), ambas dirigidas por Aderbal Freire Filho Centro de Demolio e Reconstruo do
Espetculo; Marleni, com direo de Mrcia do Canto (2009).

26

Atua no tradicional espetculo Tangos & Tragdias, que mistura msica e teatro, desde 1984
(obra que continua em cartaz, sendo sucesso de pblico). Alm de trabalhar com teatro, possui
ampla produo artstica musical, como os discos solo Nico Nicolaiewsky (1996), As Sete
Caras da Verdade (2002), uma pera-cmica, e Onde est o Amor? (2008). Recebeu
indicaes e prmios por Melhor Trilha; tambm recebeu indicao ao prmio Sharp de
msica em 1992.
Rafael Ferrari15, porto-alegrense, bandolinista, compositor, arranjador, produtor
musical e professor. Cria trilha sonora para teatro h quatro anos. Como instrumento
principal, cita o bandolim de 10 cordas. Gravou dois discos com a Camerata Brasileira, grupo
que ajudou a fundar. Recebeu o prmio Aorianos de msica (categoria msica instrumental)
como Melhor Compositor (2007).
Como se pode observar, so entrevistados de diferenciadas formaes e geraes,
trajetrias e experincias, que trabalharam em espetculos tradicionais ou inusitados,
elaborados para os mais variados locais de apresentao: de edifcios teatrais a espaos no
convencionais.
A diversidade do trabalho dos artistas entrevistados permite aprofundar questes
referentes trilha sonora a partir das semelhanas e diferenas entre eles. Diante dessa
diversidade, acabamos reforando ou destruindo conceitos, elaborando e reelaborando
conhecimentos sobre o tema desta pesquisa.

1.4 Os profissionais responsveis pela sonoridade e suas funes

Sobre o profissional da sonoridade teatral h uma questo que se observa ao entrevistar


os criadores gachos de trilha teatral, um problema de definio nada fcil. Como eles se
categorizam em relao ao teatro, por assim dizer: so msicos, compositores, tcnicos?
Escolhe-se criador de trilha sonora por ser uma categoria mais abrangente. Quem cria trilha
no precisa, necessariamente, ser msico. Entendemos que preciso tal profissional para criar
a msica cnica, porm a trilha sonora no teatro pode ser criada apenas com adaptaes j
15

Exemplos de trabalho com criao ou execuo de trilha sonora para teatro: dipo (2007) e Plato Dois Em
Um (2009) com direo de Luciano Alabarse; pera do Malandro, dirigido por Ernani Poeta (2009); Mes &
Sogras, com direo de Marcelo Adams na Cia. De Teatro ao Quadrado (2010).

27

gravadas ou utilizando programas de computador para realizar a edio de som e/ou obter
novas sonoridades. Assim, nem sempre o criador de trilhas necessariamente um compositor,
pode se tratar de um artista mltiplo, que no faz somente msicas e canes, mas trabalha
com outras sonoridades que podem fazer parte da trilha.
No preciso ser msico para criar trilha (no sentido em que o propositor pode
selecionar msicas e sonoridades existentes, ou saber manusear um bom software de edio
de som para organizar sons aleatrios criando uma faixa indita) ainda que o criador
geralmente j tenha alguma familiaridade ou vivncia com a rea musical. fato que todos os
entrevistados so msicos e lidam tambm com msica de cena. Com outras funes
profissionais ou no, possuem conhecimentos diversos da rea musical. Em algum momento,
o teatro e a msica se cruzaram na vida de cada um. Como no caso de Arthur de Faria:
O meu primeiro trabalho profissional com msica, quando eu tinha 15 anos de idade,
foi uma trilha para teatro, para um grupo que a gente tinha l em Gravata, que a
cidade onde eu cresci. Ento a gente montou um grupo de teatro amador,
evidentemente, mas j com as atividades delegadas. Tinha ento os atores, tinha o
diretor, tinha o diretor musical e compositor da trilha, tinha o produtor, tinham as
funes todas. (FARIA, 2010)

Adolfo Almeida Jr. relata um processo de formao artstica semelhante:


Eu comecei no grupo de teatro em um centro comunitrio do bairro, e ali dentro j
surgiu o interesse, que eu tambm tinha comeado a estudar msica naquela mesma
poca, e j surgiu o interesse, fazer msica no teatro. Naquela poca no cheguei a
concretizar isso, eu s fiquei fazendo as experincias de teatro, e depois j
profissionalmente que eu desenvolvi isso. (ALMEIDA, 2010)

J a trajetria de Nico Nicolaiewsky um pouco diferente:


Eu sempre gostei muito do teatro, a msica, sempre estive procurando, eu comecei
l com a msica clssica, a daqui a pouco a msica clssica me torrou, quando eu
comecei essa coisa de compor popular, sempre tinha uma coisa assim, meio que arte
como um todo, a arte em expanso, ento... No Saracura 16 j tinha umas ideias
cnicas no sentido de que a msica ia ser feita ao vivo, ento no s tocar a
msica, como que ela vai acontecer ali naquele momento. Ento pra mim, isso
tudo a mesma coisa, msica no filme, msica no teatro, o teatro na msica, como
que acontece, tudo uma hora onde algum senta pra ver um negcio e ela vai ser
impactada com aquilo. (NICOLAIEWSKY, 2010)

16

O grupo musical Saracura alcanou grande repercusso musical em Porto Alegre no incio dos anos 80 e
chegou ao fim em 1984, ano de apresentao do show Mais alm. Mrio Barbar, Nico Nicolaiewsky, Silvio
Marques, Chamin, Kledir Ramil, Cludio Levitan, Fernando Pezo, Bebeco Garcia gravaram o LP
Saracura em 1982.

28

Arthur de Faria e Adolfo Almeida Jr. mostram um ponto comum: o despertar para o fazer
artstico na mesma fase da vida (aproximadamente). O que os torna artistas hbridos a
circunstncia de, em algum momento de suas vidas, terem vivenciando prticas em ambas as
reas, e o fato de terem afinidade com ambas. Arthur e Adolfo acabaram desenvolvendo a
parte musical, em sua formao, como compositores, intrpretes, instrumentistas, mas sempre
mantiveram um vnculo, devido sua experincia, com a criao de sonoridades para a cena
teatral. Nico Nicolaiewsky um artista que iniciou na msica quando criana, e notou, na
prtica musical, a similaridade desta com a prtica teatral na postura cnica dos msicos no
palco, na interpretao das canes. No espetculo Tangos & Tragdias, assumiu a postura de
ator-msico ou msico-ator. O hibridismo ou a mistura e prtica nas reas da msica e do
teatro, dos criadores de trilha sonora teatral, acaba sendo natural, seja por sua formao ou
pela concepo sonora para a montagem em uma apresentao.
Nas entrevistas, no houve oposio por parte dos entrevistados em ser tratados como
criadores de trilha sonora, apesar de se reconhecer, em alguns entrevistados, uma tendncia
forte ao termo compositor.
Ainda ligado ao profissional que cria sonoridades para teatro, mas mais ligado a todo o
processo de criao e execuo do espetculo, est aquele que participa deste executando ao
vivo, no palco ou espao de apresentao, a sua trilha sonora.
Em determinada pergunta da entrevista que se refere ao exerccio de outras funes no
teatro , tem-se um levantamento relevante: metade dos entrevistados respondeu que no
exerce ou exerceu qualquer outra funo que no a de criador de trilha sonora; a outra metade,
que teve (ou ainda tem) experincias como ator, assistente de direo, diretor e at cengrafo,
alm de criador de trilha.
Curiosamente, todos os que responderam no exercer ou ter exercido outra funo no
teatro alm da criao de sonoridades, ao menos em alguma oportunidade tocaram trilha
sonora ao vivo em algum espetculo teatral. Ainda assim, nada impede que se coloque a ideia
de que quando o artista executa uma composio musical em uma apresentao teatral, ele ,
no mnimo, um msico de cena, um msico-ator. J uma funo diferenciada, sobre a qual
vale enfatizar algumas palavras do discurso de dois entrevistados, Rafael Ferrari e Johann
Alex de Souza.
Rafael Ferrari, em sua recente montagem teatral, tocou a trilha ao vivo, com figurino e
funes na encenao que no apenas a execuo sonora, como a participao em uma dana
29

e em outras marcaes cnicas; o diretor insere o artista em pontos com foco de luz para
remeter a uma ideia de que a imagem deste representa a materializao (visualizao do
pensamento) do filho da protagonista, que s era citado no texto17. Questionado se exercia
outras funes no teatro, Rafael respondeu: no, nessa pea eu vou ter umas pequenas
participaes assim, no tocando... Ento, mas assim, nada digamos..., ao ser indagado se era
uma atuao, respondeu que uma atuao, segundo o Marcelo uma atuao, mas na
minha opinio s uma participao bem tranquila, bem discreta (FERRARI, 2010).
De forma parecida, Johann Alex de Souza, que costuma criar trilha sonora para a tribo de
atuadores i Nis Aqui Traveiz, afirma que sua rea a msica. Na entrevista, falou sobre
uma montagem teatral de sala do grupo, que costuma trabalhar com teatro de rua: eu at
inclusive no espetculo Hamlet Mquina, de 1999, fui contratado pelo i Nis, a gente
acertou, e eu tocava em cena, ento eu usava um figurino (SOUZA, 2010). Sobre estar
presente na pea, como personagem ou no, comentou:
Embora at as pessoas diziam no, tu um personagem, porque tu um cara que t
tocando gaita, tu o homem de preto eu no, no, no, eu sou... [...] s vezes nas
estreias as pessoas diziam m... pra ti, eu dizia no fala m... pra mim que eu no sou
ator, eu sou msico, os msicos no falam isso, seno vai sair tudo errado e tal.
(SOUZA, 2010)

Johann Alex de Souza comentou que nesta situao ele era msico de cena, s no
atribuiu isto a uma possvel outra funo no teatro alm de criador de trilha sonora. Gustavo
Finkler, que tambm ator, contribui nesta questo por dividir sua experincia: meio teatro,
meio msica:
Trabalhar dizendo um texto no palco deixou ainda mais claro para mim um
pensamento que eu j tinha: trilha sonora uma parceria entre msicos e atores. Os
msicos tm uma percepo diferente da dos atores. Para o msico, um show bom
um show onde ele no errou. um trabalho que fica mais centrado na relao entre a
pessoa e seu instrumento. Os intrpretes, cantores, as figuras de frente j tm que
ser um pouco atores; tm que comunicar, falar com o pblico. O ator no pode ser
um autista no palco. Tudo nele relao: plateia, elenco, luz, trilha sonora. O
msico no deve, mas pode ser um autista. Ele se relaciona com o seu instrumento
e executa a pea da melhor maneira possvel, sem precisar lembrar que h pessoas

17

Mes & Sogras, texto de Leandro Sarmatz, direo de Marcelo Adams pela Cia. de Teatro ao Quadrado: A
pea uma tragicomdia musical e conta a histria de Bella Moldvski (Margarida Leoni Peixoto), uma me
judia de cerca de 60 anos que nutre um amor sufocante e egosta por seu filho Beto. H quatro anos fora do
Brasil, Beto afasta-se de sua me por ela no aceitar seu casamento com uma mulher no judia, uma goi. Junto
de sua amiga Anita (Naiara Harry), tambm uma amorosa e implacvel me judia, Bella dedica-se a descarregar
suas mgoas e frustraes pela ausncia do filho em todos que a rodeiam In: ROLIM, Michele. Me sempre
me. Jornal do Comrcio. Porto Alegre, RS, Caderno Viver, p. 6. 01, 02, 03 e 04 de abril de 2010.

30

assistindo. Fazer as vezes de ator me ajudou muito na percepo da presena do


msico em cena. (FINKLER, 2010)

Percebe-se que atuar ajuda a pensar de forma diferente a questo da sonoridade cnica na
hora da criao. Teatro relao de tudo o que est acontecendo no espao cnico, no palco: a
sonoridade proposta tem de estar conectada ao espetculo teatral, a favor dos atores.
Tocar a trilha sonora ao vivo em um espetculo pode aproximar o criador da atuao dos
atores, sendo um msico de cena, o artista um msico-ator, pois, por mais que esteja em um
espao reservado, h o vnculo presente na relao entre cada signo, entre cada ao, em um
som que uma deixa para o ator, em uma luz que, quando acesa, indica mudana de
intensidade da sonoridade na cena. Todavia, a presena do msico na cena teatral deve
acontecer de modo que esse artista se sinta confortvel dentro da encenao. Para tanto, o
artista pode buscar a separao do seu trabalho na obra para uma melhor execuo. Cabe a um
interlocutor/mediador dos diversos signos do espetculo (no caso o diretor ou o criador de
trilha sonora) a colocao/adequao do trabalho desse profissional no contexto teatral como
um todo, perceba-se ele msico-ator ou prefira outra designao.
Criador de trilha sonora no teatro e msico de cena so duas funes observadas nesta
pesquisa. possvel, ainda, elencar e especificar outras, diversas mas muito prximas.
possvel que o criador de trilha sonora, por conhecer a gama de recursos e empregos ligados
ao som, por vezes tenha que assumir mais de uma funo no teatro. H vrias atribuies
profissionais para o trabalho com o udio ligadas s artes cnicas:
Compositor de msicas: responsvel por elaborar canes ou temas instrumentais para o
espetculo teatral que faz o arranjo, a harmonia e a melodia da msica, podendo ser ou no
um letrista. Entende-se que este profissional compe a msica de acordo com aquilo que
imagina que ser a propagao do produto final, a execuo gravada ou ao vivo, e se os atores
iro cantar.
Letrista: prope a letra da cano, rimada ou no, indita ou adaptada. O letrista um
profissional ligado rea de prosdia musical.
Intrpretes (instrumentistas): msicos que tocam as composies, nos mais diversos
instrumentos musicais, seja no estdio de gravao, seja ao vivo. So os msicos-atores ou
atores-msicos.

31

Intrpretes (cantores): executam a letra da cano na melodia proposta, e efetuam


sonoridades aleatrias necessrias, de acordo com sua tessitura vocal. Geralmente os cantores
so os prprios atores, podendo estes ser categorizados como atores-cantores.
Criador de efeitos sonoros: pesquisa efeitos sonoros vinculados ao rudo (sons concretos
ou sons eletrnicos18) necessrio para a montagem, gravando as sonoridades em suas fontes
para executar nas caixas de som ou realizar o som ao vivo, na coxia ou em cena.
Preparador vocal: geralmente d as diretrizes e prope exerccios para que os atores
tenham sade vocal, trabalhando projeo e articulao voltadas ao espetculo teatral. Tal
funo necessria mesmo quando no h msicas cantadas ou nenhuma harmonia tonal no
espetculo, pois o foco do trabalho de preparao est na sonoridade da voz do ator, com ou
sem texto enunciado.
Tcnico de som: conhece as conexes de udio, aparelhos eletrnicos, microfones, mesas
de som, equalizadores, caixas de som, public adress19, retorno. Sua atuao fundamental
quando h sonoridades gravadas para execuo, ou quando necessrio plugar instrumentos
musicais para desempenho ao vivo.
Diretor musical: geralmente o responsvel por alinhar as composies e a voz dos
atores quando h canes no espetculo, tambm deve estar sensvel a todos os outros sons da
montagem, como se pudesse reger os signos sonoros da pea teatral.
Operador de som: controla os produtos de udio gravados em alguma mdia (cd, md ou
outra) por aparelhos eletrnicos e conduz sua intensidade (volume), comum ficar na cabine,
em frente ao palco, junto com o operador de luz.
So diversas as atribuies referentes ao som que se pode encontrar na prtica teatral, e,
muitas vezes, tais atribuies ficam a cargo da pessoa que assina a trilha sonora na ficha
tcnica. O acmulo de funes de um profissional ligado s sonoridades no teatro pode
sobrecarregar o artista. Se, na equipe de uma pea, pessoas diferentes ficam responsveis pela
18

Segundo Jos Miguel Wisnik: O desenvolvimento tcnico do ps-guerra fez com que se desenvolvessem dois
tipos de msica que tomam como ponto de partida no a extrao do som afinado, discriminado ritualmente do
mundo dos rudos, mas a produo de rudos com base em mquinas sonoras. o caso da msica concreta e da
msica eletrnica, que disputaram polemicamente a primazia do processo de ruidificao esttica do mundo. A
primeira (cujo mentor o compositor Pierre Schaeffer) tinha a sua estratgia na gravao de rudos reais
(tomados como material bruto), alterados e mixados, isto , compostos por montagem. A segunda, que conta
entre seus praticantes com os nomes de Henri Pousser e Stockhausen (cujo Canto dos adolescentes sem dvida
uma obra definitiva, um marco na contemporaneidade), toma como base rudos produzidos por sintetizador,
rudos inteiramente artificiais (embora na na obra citada Stockhausen manipulasse tambm o som de voz
gravada). (WISNIK, 2002: 47-8)
19

Tambm chamado de P.A., que so as caixas de som frontais para a platia.

32

criao da trilha, pela preparao vocal e pela operao de som, isso favorece o espetculo. E,
neste caso, os devidos crditos so dados a estas pessoas na ficha tcnica do espetculo.
Quando h profissionais especializados para cada um dos trabalhos relacionados aos signos
sonoros, o espetculo pode cercar-se de competncias especficas que acrescem montagem
como um todo.
Sobre a funo de operador do som, amplia-se a reflexo ao relacionar esta atividade com
o termo sonoplasta. Sonoplasta e sonoplastia foram termos que apareceram em cinco das oito
entrevistas com os criadores de trilha sonora. Vejamos tal ocorrncia em trs delas, como
exemplo.
lvaro Rosacosta:
Por isso eu acho que to importante um sonoplasta, talvez seja meio a meio com o
criador porque um mau sonoplasta acaba com a trilha, assim como um bom
sonoplasta faz daquela trilha, um brilho a mais. A colocao das caixas, por
exemplo... Eu parto da idia que o som tem que vir dos atores. Se os atores esto no
palco, o som tem que vir do palco. (ROSACOSTA, 2010)

Adolfo Almeida Jr.:


Teve uma pea, uma das primeiras, que eu fiz uma trilha sonora propriamente assim,
uma trilha gravada que era em parte manipulando gravaes, mixando gravaes
tambm de outras msicas, ento a essncia desse trabalho era sempre ser gravado e
eu fiz a sonoplastia muitas vezes. (ALMEIDA, 2010)

Flvio Oliveira:
Eu tambm fazia a sonoplastia na hora, quer dizer, eu largava a msica na
gravadora, eu operava o som na hora, fazia as duas coisas, eu compunha a msica,
gravava a msica, e depois que estava tudo pronto eu ainda ia pra coxia operar o
gravador pra botar a msica na hora que ela saia no decorrer da pea. (OLIVEIRA,
2010)

Com efeito, nos depoimentos vistos h um pensamento comum de que fazer a sonoplastia
operar o som. Nesse sentido, o sonoplasta a pessoa responsvel por controlar a insero e
o volume da mdia gravada. Johann Alex de Souza tambm acompanha esse ponto de vista
quando comenta que at nesse espetculo Hamlet Mquina eu tambm fazia a sonoplastia, a
operao de som fora de cena, mas tudo ligado msica. (SOUZA, 2010) O criador de
sonoridades do grupo i Nis, na mesma frase, une a sonoplastia operao de som.
Rafael Ferrari emprega o termo sonoplastia ao responder pergunta o que abrange a
trilha sonora?: desde msica mesmo composta especialmente para momentos, at
sonoplastia, sons, rudos e barulhos e enfim, coisas que queiram, tem uma campainha... Acho

33

que tudo isso faz parte da trilha sonora (FERRARI, 2010). Sonoplastia, para o entrevistado,
pelo que se pode depreender, est vinculada ao que se pode chamar de efeitos sonoros.
Por fim, pode-se entender que sonoplasta sinnimo para o operador de som, ao mesmo
tempo discernir o uso deste termo quando usado como Rafael Ferrari, que se refere
sonoplastia como os sons propostos em um espetculo que no sejam a prpria msica ou
cano.

1.5 Breve panorama da trilha sonora teatral

Trilha sonora um termo importado do cinema que pode ser muito bem aplicado ao
teatro. Todavia, no cinema a trilha sonora uma banda que armazena todos os sons do filme:
msicas, rudos, voz dos atores, sons variados.
O norte-americano David Sonnenschein escreve sobre o designer sonoro no cinema,
sobre o responsvel pela organizao de todos os sons da banda sonora, e esquematiza um
mapa em seu livro para este trabalho que abrange sons concretos, sons musicais, msica e
voz.
Sonnenschein registra que os principais colaboradores deste profissional so: o diretor, o
editor de som e o compositor de msicas20. (SONNENSCHEIN, 2001: 01, traduo nossa)
Trilha sonora no cinema trata de todos os sons que ouvimos em um filme, ainda que vrios
profissionais, cada um com uma funo, sejam responsveis por esta juno de som e
imagem.
Lvio Tragtenberg, compositor e saxofonista, ao falar da trilha sonora no cinema
desenvolve uma reflexo sobre a trilha no teatro, constatando que:
Um pouco diversa a situao do teatro e da dana que, mesmo incorporando
elementos das novas tecnologias, por definio uma linguagem que acontece no
tempo e espao reais. Irremediavelmente artesanais, em escala humana, e de
reprodutibilidade limitada, so linguagens que possibilitam uma atuao mais crtica
e independente do elemento sonoro, que ganha um espao e importncia criativa
maior, ao contrrio do contexto industrial da cultura de massa. (TRAGTENBERG,
1999: 14)

20

Your principal collaborators the director, sound editor, and music composer.

34

Pode-se analisar o termo trilha sonora nas artes cnicas a partir da percepo de que este
termo de uso constante no meio teatral. O difcil encontrar especificaes sobre ele. O que
se v a utilizao deste termo a partir de uma generalizao acerca do trabalho dos
profissionais que pensam e criam as sonoridades para a cena. A questo : que sonoridades
so essas? Estamos falando apenas de msica cnica? Todos parecem saber o que significa
trilha sonora, mas do que realmente se trata?
Nos levantamentos bibliogrficos sobre pesquisas que tratem da relao entre som e cena
teatral, sempre h dificuldades em coletar materiais. Existem muitos pargrafos sobre
questes sonoras e musicais em livros diversos, mas poucas obras direcionadas a tais
questes. Alguns autores que no falam especificamente da sonoridade na encenao, mas
sobre teatro em geral, nos do pistas acerca da evoluo da compreenso das sonoridades na
histria do teatro. O terico e professor francs Jean-Jacques Roubine, por exemplo, considera
que os naturalistas foram os primeiros a se interrogar sobre a sonorizao do espao cnico:
se a tradicional msica de cena habituada a manter um clima era um artifcio que era preciso
se livrar, a sonoplastia, ao contrrio, era capaz de intervir para reforar a iluso visual.
(ROUBINE, 1998: 154)
Algumas fontes trazem reflexes, sobre o som e a msica no ambiente cnico, de grandes
mestres do teatro, como as do diretor russo Constantin Stanislavski, que observa a fala, no
teatro, como msica, ao dizer que o texto de um papel ou uma pea uma melodia, uma
pera ou uma sinfonia [...] quando um ator de voz bem trabalhada e magnfica tcnica vocal
diz as palavras de seu papel, sou completamente transportando por sua suprema arte.
(STANISLAVSKI, 2004: 128) A fala um som. Se pensarmos a trilha sonora como a
sonoridade do espetculo teatral, estaria incluso este signo?
No objetivo, neste estudo, fazer um levantamento histrico detalhado do som na cena,
apesar de ser um tema relevante. Outros autores j fizeram isso ao desenvolver conceitos
ligados sonoridade no teatro, como Lvio Tragtenberg em seu livro Msica de cena. O autor
afirma que importante ter em mente que a hoje chamada msica aplicada ou trilha sonora,
que designo genericamente como msica de cena, resultado de uma tradio que remonta
aos primrdios da expresso artstica humana. (TRAGTENBERG, 1999: 17) Assim como o
diretor Roberto Gill Camargo21, que em um captulo de seu livro Som e cena, de ttulo Som e

21

Autor de A sonoplastia no teatro (1986) e Som e cena (2001).

35

histria, aponta os pressupostos bsicos do assunto. Camargo inicia falando da sonoplastia


como tcnica e processo de criao:
Como tcnica, a sonoplastia parte encarregada da percusso dos efeitos sonoros
durante o espetculo. Envolve o uso de aparelhos eletrnicos, instrumentos,
msicos, operadores de som. Como processo de criao, a sonoplastia envolve
diversas etapas como: pesquisa sonora, seleo e ordenao de material, elaborao
de trilha sonora, etc. (CAMARGO, 1986: 09)

Nesta introduo, o diretor considera a trilha sonora como etapa do processo de criao.
No ano em que foi escrito, vinculava-se o termo gravao em uma fita (ou algo similar) a
ser reproduzida, em um paralelo bem prximo ao cinema.
Por sua vez, Tragtenberg registra um contedo mais aprofundado e proporciona reflexes
sobre o som no teatro, sobre processo de criao de msica cnica, vertentes da trilha sonora
(como pano de fundo ou ajudando a contar a histria), e, em vrias oportunidades, fala sobre
tempo (importante elo de ligao entre teatro e msica), velocidade e continuidade entre som
e cena: A relao que se estabelece entre o tempo real cnico e o tempo musical um fator
de extrema importncia na concepo e estruturao da msica de cena. Uma cena pode ser
de longa durao em termos de tempo real, mas fugaz em termos do continuum da
percepo. (TRAGTENBERG, 1999: 51)
O conceito de tempo renderia um captulo a mais nesta pesquisa, to forte seu vnculo
tanto com a arte musical como a teatral, mas assunto suficiente para vrias outras pesquisas.
Como o teatro uma arte espao-temporal, conceitos como andamento, mtrica, compasso,
pulsao e demais ligaes com o ritmo estudado na msica servem para ampliar a percepo
do artista no que se refere a sua atuao no tempo-espao.
Em relao a preceitos bsicos na criao do material sonoro para a cena, Camargo
aborda possveis aplicaes para esta, tornando-se uma importante referncia que, mesmo
tendo pontos que hoje podemos supor ultrapassados (pela data em que foi escrito o primeiro
livro), servem, e muito, ao estudante de artes cnicas que quer desbravar tais caminhos.
A quantidade de material sonoro relacionado para o espetculo submete-se a estudo,
levando-se em conta uma srie de fatores: o porqu do som no espetculo, qual a
inteno do diretor ao empregar determinado efeito; o qu estes sons podem
representar dentro do contexto, a estrutura da pea, etc. (CAMARGO, 1986: 14)

Ao observar que o som proposto pelo criador deve servir obra teatral, tudo possvel
neste campo: sons e msicas gravadas, executadas ao vivo pelos prprios atores ou por
36

msicos inseridos na montagem. Esta possibilidade dos sons executados ao vivo, alis, outro
ponto de reflexo para quem pensa o som em cena. A disposio de tais profissionais no
espao cnico, por exemplo, compondo a esttica do espetculo, algo a ser pensado:
Na cena teatral a presena do msico pode assumir as mais diferentes funes. Os
gneros derivados da tradio popular (desde os espetculos de festas populares,
cuja herana remete s feiras da Idade Mdia) oferecem um espao diferenciado que
coloca o msico parte da cena, seja como mestre de cerimnias, clown ou
comentador que se dirige diretamente platia, rompendo o ilusionismo da cena
dramtica. (TRAGTENBERG, 1999: 132)

Como fica claro nas ltimas citaes, o teatro a arte que abraa todas as artes. Pode-se
dialogar facilmente, atravs da leitura, com os autores brasileiros destacados anteriormente.
Suas obras no so difceis de encontrar em bibliotecas ou livrarias de todo o pas, o que
raro, em se tratando do tema em questo, to pouco estudado. Para artistas que querem pensar
com maior profundidade sobre os sons em cena, sejam eles criadores de trilha sonora teatral,
diretores e, principalmente, atores, tais leituras so uma boa fonte de conhecimento.
Os atores esto na cena quando todos os signos se cruzam; importante tentar entender
esta zona de turbulncia: local/espao no qual tudo ao mesmo tempo se acumula, se conecta,
se desconecta, se atualiza, se diagonaliza; tudo se auto-afeta e se recria a cada momento.
(FERRACINI, 2006: 196)
O ator tambm produtor de som, e no apenas com sua voz: o corpo fala. O som
acontece no espao de apresentao pela voz dos atores, por alguma msica proposta e pelos
rudos derivados do movimento em cena, intencionais ou involuntrios, assim como
preenchem o ambiente os sons e rudos oriundos da plateia e do ambiente externo.
Segundo Jerzy Grotowski, podemos definir o teatro como o que ocorre entre o espectador
e o ator:
Todas as outras coisas so suplementares talvez necessrias, mas ainda assim
suplementares. No foi por coincidncia que nosso Teatro-Laboratrio se
desenvolveu a partir de um teatro rico em recursos nos quais as artes plsticas, a
iluminao e a msica eram constantemente usadas para o teatro asctico em que
nos tornamos nos ltimos anos: um teatro asctico no qual os atores so tudo o que
existe. Todos os outros elementos visuais so construdos atravs do corpo do ator, e
os efeitos musicais e acsticos atravs da sua voz. (GROTOWSKI, 1987: 18)

O encenador polons buscou no ator o seu fazer teatral, e com sua observao pertinente
na relao ator e espectador mostra ser necessrio, no mnimo, dois participantes para que
tenhamos o acontecimento teatral. A relao importa: ao e reao, e a sonoridade est
presente nestes aspectos. Tanto entre as pessoas envolvidas como na relao destas com o
37

espao que as cerca. Grotowski sabia disso e indicava que durante os ensaios, o ator deve
estar ciente das possibilidades acsticas da sala na qual vai representar, a fim de descobrir os
efeitos (ecos, ressonncias, etc.) que podem ser usados, incorporando-os a estrutura do seu
papel. (GROTOWSKI, 1987: 122)
Entender o espao onde est inserido importante para o ator. Dependendo do local,
necessrio alterar a intensidade vocal. Utilizar os fenmenos fsicos do som a seu favor, em
relao ao local de apresentao, pode ser o diferencial em uma conexo entre atores e
espectadores. Em uma sala com muito eco, por exemplo, durante um espetculo dramtico a
plateia pode no conseguir acompanhar a narrativa.
No intuito de auxiliar o trabalho do artista teatral possvel encontrar no mundo sonoro
conceituado pela fsica, que inclui fenmenos como a reverberao, relaes pertinentes ao
teatro. Ao estudar Os sons da msica, obra de John Pierce22, em um captulo sobre a acstica
arquitetnica encontram-se importantes percepes a respeito da reverberao do som no
palco:
O clculo exato do tempo de reverberao tem sido um problema permanente da
acstica arquitetnica. Sabine no somente foi o primeiro a definir o tempo de
reverberao, mas tambm planejou um sistema til, embora no muito preciso, para
calcul-lo em funo do volume e da frao do som incidente que reflete nas paredes
e outras superfcies23. (PIERCE, 1985: 140-1, traduo nossa)

O espao onde se apresenta uma obra teatral, seja ele um palco italiano ou a rua,
determina a propagao do som. E em todos estes espaos h interveno sonora, sons
involuntrios oriundos de pontos diversos, do maquinrio cnico, do prprio elenco, do
espectador, da rua (mesmo dentro dos edifcios destinados a encenao teatral). O que fazer
com tais intervenes? Elas fazem parte da cena? Estes sons involuntrios fazem parte da
trilha sonora do espetculo teatral?
A trilha sonora tem a ver com a arte musical, no apenas com canes (nesse sentido,
uma msica com letra cantada) que possam ser entoadas na nossa mente, mas,
definitivamente, o conceito em questo trata da musicalidade em cena.

22

Doutor em Engenharia Eltrica.

23

El clculo exacto del tiempo de reverberacin ha sido un problema permanente de la acstica arquitectnica.
Sabine no slo fue el primero en definir el tiempo de reverberacin, sino que tambin ide un sistema til,
aunque no muy preciso, para calcularlo en funcin del volumen y de La fraccin del sonido incidente que
reflejan las paredes y otras superficies.

38

Um histrico da musicalidade na cena teatral muito mais vasto do que um histrico da


trilha sonora no teatro, justamente pela impreciso do termo e pelo fato da nomenclatura ser
importada do cinema (uma arte recente, j que os primeiros aparelhos a captar e reproduzir
imagem datam do sculo XIX, e a incluso do udio, do incio do sculo XX).
No intuito de observar a evoluo da trilha sonora teatral e/ou da insero de sonoridades
na cena, buscamos as reflexes dos artistas teatrais que utilizam a msica ou as propriedades
do som como diferencial em seus trabalhos. Assim como citamos Constantin Stanislavski, no
podemos tambm deixar de lembrar do ator e diretor russo Vsevolod Meyerhold quando
falamos em musicalidade no teatro.
Meyerhold aprimora o uso do som em cena utilizado apenas como ambientao sonora e
msicas de fundo, diante da impossibilidade de se esconder o som, de tornar o som invisvel
em uma situao audiovisual como o teatro, Meyerhold enfatiza a manipulao das
propriedades do som e dos materiais sonoros em cena. (MOTA, 2010: 03) O encenador russo
agia como um regente, em suas montagens teatrais, tambm em relao aos atores:
Os estudos no campo musical envolvem, nesse sentido, movimento, a sua
velocidade, o seu ritmo e os seus acentos, elementos, por sua vez, intrinsecamente
ligados ao problema da intencionalidade, captados atravs justamente do desenho
musical do movimento segundo Meyerhold. (CHAVES, 2005: 34)

No paralelo audiovisual que h entre o teatro e o cinema, apesar do enfoque teatral desta
pesquisa raramente dialogar com o lado cinematogrfico (principalmente no que se refere ao
surgimento do termo trilha sonora que utilizamos nas artes cnicas), um recorte histrico pode
ajudar na compreenso da sonoridade em cena. Um artista que transitou entre ambas as artes
citadas, no incio do sculo XX poca em que havia uma forte discusso sobre a questo
audiovisual tanto no teatro quanto no cinema foi Sergei Eisenstein. Nascido na Letnia,
Eisenstein foi um ator de teatro e cineasta que defendia uma esttica cnica que contemplasse
a juno das artes:
Um manifesto escrito por Eisenstein e publicado na LEF24, sobre essa montagem de
atraes25, inseria-se num polmico quadro do teatro sovitico. A oposio
Stanislavski versus Meyerhold estendia-se ao interior do Proletkult26. No manifesto,
24

Revista russa da Frente Esquerdista das Artes.

25

Em 1923 e 1924 Eisenstein dirigiu trs espetculos em parceria com Sergei Tretyakov, em O sbio, o frenesi
audiovisual rompia to violentamente a linha narrativa que as apresentaes eram iniciadas com Tretyakov lendo
um resumo do enredo, para que o pblico tivesse alguma indicao da conexo entre as atraes. (SARAIVA,
2006: 119)
26

Organizao teatral criada em 1917 sob a bandeira do combate do teatro burgus.

39

Eisenstein distingue duas alas do movimento: o "teatro figurativo-narrativo (esttico,


de costumes - ala direita)" e o "teatro de agitaes (dinmico e excntrico - ala
esquerda)" do qual ele prprio era o representante. Eisenstein ope ao teatro de
identificao psicolgica e de continuidade de enredo um teatro baseado em
estmulos sensoriais e emocionais. Ele lembra que esses recursos de impacto do
espectador sempre foram utilizados pelos encenadores, mas o que prope
"transferir o centro da ateno para o que era previamente considerado acessrio e
ornamental (...) montar um bom espetculo (do ponto de vista da forma) significa
construir um bom programa de music-hall e circo, partindo das situaes de um
texto de base". (SARAIVA, 2006: 119-0)

As artes sempre tiveram pocas em que foi necessrio romper barreiras para alcanar uma
auto-afirmao. Cada poca tem sua peculiaridade, todas so ricas e formam as artes que
fazemos hoje.
No perodo e no quadro onde Meyerhold e Eisenstein estavam inseridos, percebe-se o uso
da msica no teatro como forte elemento para ambos. Porm, entende-se que Stanislavski
tambm assim o fazia, embora com outro enfoque, pois sempre levava a seus atores uma
vivncia com peras e musicalidades diversas no intuito de acrescer possibilidades ao
trabalho do ator. Isto uma forma de pensar o som em cena: sua aplicao existe, mesmo que
interna, no conhecimento do artista.
Antes dos artistas russos citados, o encenador suo Adolphe Appia j escrevia sobre
questes musicais na cena teatral. Contrrio esttica realista, por volta de 1880 publicou A
encenao do drama wagneriano, texto em que afirmava que o que distingue o drama
wagneriano do drama falado o emprego da msica. Ora, a msica no somente d ao drama
o elemento expressivo: ela tambm fixa peremptoriamente a durao. (APPIA, 2009: 148)
Appia reflete sobre o tempo diferenciado que o emprego da msica traz ao espetculo, assim
como prope relaes entre o drama falado e o drama do poeta-msico, distinguindo o modo
de expressar o drama interior, relacionando-o a sua durao.
A musicalidade na cena vai alm da prpria msica na cena, abrange a apropriao de
conceitos que conduzam o espetculo de forma a ser observado tambm como uma
composio musical. O fato de buscar semelhanas em outra arte que no a teatral no exclui
a observao das tcnicas e conceitos teatrais. Alis, comum encontrarmos, no s na
msica, mas tambm nas artes visuais, referncias que, trazidas s artes cnicas, contribuem
para o posicionamento crtico do artista de teatro.
Pelo vis da musicalidade na cena, podem-se destacar vrios outros perodos teatrais,
anteriores ou posteriores a Meyerhold. Todavia, para findar esta questo antes de avanarmos
especificamente no estudo do termo trilha sonora usado hoje no teatro brasileiro, faz-se
40

necessrio lembrar o dramaturgo alemo Bertold Brecht, cuja carreira interage com uma
dramaturgia musical desde o seu incio. (MOTA, 2010: 04) Brecht contou com grandes
compositores como Kurt Weill, em 1927, trazendo a msica para o teatro de forma
diferenciada, contando ou comentando a cena, usando-a como elemento para romper o
mergulho dos espectadores na iluso da ao cnica e, ao mesmo tempo, utilizando-a de
forma potica.
Para completar esse breve panorama da trilha sonora teatral, observa-se uma de suas
possveis denominaes no teatro do final do sculo XX: paisagem sonora. O compositor e
educador musical canadense Murray Schafer sugeriu o termo ao interrogar a si e a seus alunos
sobre o que seria msica: um avio a jato arranha o cu por sobre minha cabea e eu
pergunto: - Sim, mas isso msica? (SCHAFER, 1991: 119) O som dos pssaros, dos
carros, do entorno... Seria msica?
O educador relembra outro questionamento comum na rea musical: a experincia de
John Cage, que tentou ouvir o silncio. Em certa ocasio, Cage entrou em uma sala
completamente prova de som e descreveu que os ouvidos se apuram, sendo que sozinho
nesta cmara anecica27 ainda ouvia dois sons: o do prprio sistema nervoso em
funcionamento e o da circulao do sangue. Concluso de Cage: o silncio no existe.
Msica, silncio, rudo, so conceitos conhecidos, mas sua interlocuo depender da
percepo (e do momento) de quem est na escuta.
A nova paisagem sonora de Schafer toma emprestada a definio de msica de Cage
como sons nossa volta, no importa se estamos dentro ou fora das salas de concerto.
(SCHAFER, 1991: 187) Paisagem sonora so os sons que nos cercam. No estamos
acostumados a ouvi-los, mas existe uma infinidade de sons sendo produzidos ao mesmo
tempo, perto de todos ns.
Ao transpor tais ideias ao teatro, e tratando de paisagem sonora, encontramos alguns
paralelos entre Schafer e aquilo que escreve o terico teatral e dramaturgo alemo Hans-Thies
Lehmann sobre este termo. Em sentido diferente do realismo cnico tradicional, lembrando as
verses naturalistas de paisagens acsticas nas encenaes de Tchekhov realizadas por
Stanislavski que intensificou com elaboradas sonoridades de fundo (rudo de grilos, sapos,
pssaros etc.) a realidade do espao ficcional delimitado por um palco auditivo,
27

Local que no apresenta eco, cmara anecica uma sala em que as paredes, o teto e o cho so cobertos por
materiais absorventes que eliminam a reflexo de ondas sonoras.

41

(LEHMANN, 2007: 255) para o terico alemo, texto, voz e rudo misturam-se na idia de
uma paisagem sonora:
A paisagem sonora ps-dramtica de Wilson no constitui realidade alguma, mas
produz um espao de associaes na conscincia do espectador. A cena auditiva
em torno da imagem teatral abre referncias intertextuais em todas as direes ou
complementa o material cnico com temas sonoros musicais ou rudos concretos.
Nesse contexto, esclarecedora a declarao feita por Wilson de que seu ideal de
teatro uma juno de cinema mudo e pea radiofnica. (Idem, ibidem)

Bob Wilson, encenador norte-americano, no o nico artista que separa as funes


audiovisuais para tentar explicar uma possibilidade interessante de observarmos o teatro. Uma
pea radiofnica dispe apenas dos recursos sonoros. Nesse contexto, notar o tratamento do
sistema de som no radioteatro, como o proposto por autores como o espanhol Pedro Barea,
nos proporciona outro ponto de vista:
O hbito da pera ou do teatro musical, os protocolos ntimos que cruzam o
microfone o sussurro, a batida do corao, o rudo do sangue nas veias que
menciona John Cage no so um signo de tempo? No se adorna o cinema com
estratgias musicais da pera? Onde se inaugura a retrica de rudos e msica que
parecem ser signos de identidade do rdio?28 (BAREA, 2000: 233, traduo nossa).

A utilizao de recursos tecnolgicos do campo de experincias sonoras radiofnicas se


expandiu para as outras artes. No teatro, o microfone um acessrio que pode ser til,
dependendo da montagem, chegando a ser fundamental em determinadas concepes de trilha
sonora.
Na tentativa de conceituar trilha sonora no teatro, ressalta-se a tendncia de pensar trilha
sonora e msica cnica como sinnimos. A msica de cena faz parte da trilha, mas o que se
prope uma maior abertura na concepo dos signos sonoros de um espetculo teatral.
Em questes iniciais sobre semitica teatral, pode-se observar alguns pontos de reflexo.
Tadeusz Kowzan classificou em treze sistemas os signos teatrais: palavra, tom, mmica, gesto,
movimento, maquiagem, penteado, vesturio, acessrio, cenrio, iluminao, msica e rudo.
De acordo com o autor, esta classificao permite fazer a distino entre signos auditivos e
signos visuais: palavra, tom, msica, rudo englobam signos auditivos (ou sonoros, ou
acsticos), enquanto que todos os outros renem signos visuais (ou pticos). (KOWZAN,
2003: 115)
28

El hbito de la pera o del teatro musical, los protocolos ntimos que franquea el micrfono el susurro, el
latido del corazn, el ruido de la sangre por las venas que suele mencionar John Cage no son un signo del
tiempo? No se adorna el cine con las estrategias musicales de la pera? En donde se inaugura la retrica de
ruidos y msica que parecen ser signos de identidad de la radio?

42

Na mistura das artes, no teatro como um todo, na observao da paisagem sonora e


considerando a musicalidade da cena a partir da evoluo da sonoplastia, com o advento de
recursos tecnolgicos, chega-se a um possvel conceito de trilha sonora teatral: todos os
signos auditivos do teatro so a prpria trilha sonora de um espetculo teatral.
Parte-se do pressuposto que todo o som produzido em cena faz parte da trilha sonora de
um espetculo teatral, entendendo por trilha sonora no teatro os sons intencionais produzidos
pelos criadores (diretores, atores, compositores) e os sons involuntrios que acontecem em
uma montagem de teatro, como estalos dos refletores de iluminao e rudos em geral
derivados da ao cnica.
No teatro deve-se levar em considerao a reverberao no espao onde a montagem
teatral est sendo apresentada quando se pensa na trilha sonora, bem como nos espectadores,
pois a quantidade de pessoas em um local muda a estrutura fsica do mesmo. O espao influi
no som, em sua forma, na propagao da onda sonora; no obstante, temos edifcios que
colaboram com a emisso do som que acontece no palco: para isso serve o planejamento
arquitetnico de um teatro; da mesma forma que o desenho das cpulas de uma igreja. Em
ambos os exemplos tem-se a engenharia planejada do edifcio para que o som emitido em um
ponto (palco) possa ser ouvido por todos os espectadores.
O espectador tambm emite sons: so rudos, tosses, estalos de cadeiras, aparelhos
eletrnicos e assim por diante. Isto faz parte da trilha sonora? Distingue-se a produo sonora
da cena da produo sonora do espao ou ambiente (o que inclui os espectadores), as duas
formam o que se poderia chamar de trilha sonora total. Contudo, o foco do trabalho est na
produo sonora da cena: seus sons intencionais e involuntrios. Todos os sons desta
totalidade sonora se mesclam, no so totalmente separveis: se um espectador gritar da
plateia, obviamente influir na cena.
Em uma apresentao dentro de uma escola, perto de uma estao ferroviria, seria uma
catstrofe no interagir com um trem (e seus rudos) passando; preciso uma pausa dos atores
at que o barulho cesse, aumentar a intensidade da emisso vocal ou incorporar o som
improvisando na cena. Esta interferncia no fez parte do espetculo? Pode-se fazer o paralelo
com uma comdia: se o ator ignorar o som do riso da platia, perder o timing da piada e
ningum escutar a sequencia da cena.
De acordo com este raciocnio, h uma trilha sonora nica para cada apresentao, j que
toda exposio cnica diferente da outra. H diversos aspectos sonoros que mudam de um
43

dia de apresentao da mesma pea para outro; as vozes dos atores so emitidas em diferentes
intensidades e alturas; os timbres (derivados da ao cnica) diferentes, pela interferncia do
modo como est o figurino, o cenrio, as ambientaes sonoras. Se gravadas, mudam de
acordo com os aparelhos eletrnicos, com a qualidade e a direo dos alto-falantes, com a
intensidade do volume; e se tocadas ao vivo, uma enorme gama de diferenas na execuo
dos profissionais responsveis e tantas outras interferncias possveis em um espetculo de
teatro. Assim, todo som faz parte do espetculo teatral no acontecimento que uma
apresentao: produo sonora da cena misturada com produo sonora do espao. Ainda que
se aborde o processo de criao de trilha sonora no teatro, na cena que esta pesquisa est
focada (sons voluntrios e involuntrios). No h como ignorar os sons do ambiente, j que
estes sons se misturam. Encontra-se em alguns aspectos da performance, onde um de seus
princpios trata do aqui-agora, tal embasamento. Fernando Pinheiro Villar escreveu que:
A maioria do teatro, convencional, clssico, familiar e/ou teatro e muito do teatro
de pesquisa de artistas com visibilidade internacional e respaldo crtico estaria
caracterizado pela representao de um l-ento. Este l-ento reproduzido em um
palco ou espao eleito, com atores ou atrizes vivendo personagens escritos por um
autor ou autora, seguindo marcaes de um diretor ou diretora. Performance
privilegiaria o aqui-agora do durante da apresentao. (VILLAR, 2003: 71)

De forma parecida, Renato Cohen traz dois modelos que se diferenciam pela forma
como se trata a separao entre emissor e receptor: o modelo esttico e o modelo mtico.
Podemos dizer que o teatro convencional de que fala Fernando Villar est para o modelo
esttico, assim como a performance est para o modelo mtico.
O que diferencia o esttico do mtico que no primeiro o espectador um observador,
no faz parte da obra. Na relao mtica, este distanciamento no claro, ele pode ser parte da
obra. possvel tambm observar uma outra distino com relao aos atuantes, que
representam suas personagens no modelo esttico e vivem experincias artsticas no modelo
mtico.
Percebe-se que, mesmo em um teatro dito convencional ou ilusionista, tem-se o aquiagora presente, ou algo que traga os atores e espectadores para o momento real. Este
pensamento lida com a efemeridade do teatro, que no se repete. Mesmo no teatro realista, em
um mergulho na iluso, sempre h espao para o imprevisto, para o vivo. No h como
negar. Renato Cohen, ao falar sobre o modelo esttico, afirma que:
No teatro, o mergulho na iluso cmica mais difcil. A cena est acontecendo
naquele instante. Mesmo que o gnero teatral estudado caminhe apenas sobre o

44

ficcional existe sempre no ar a expectativa de ruptura da iluso cmica essa


ruptura pode se dar por um acidente, por m interpretao, por alguma interveno
inusitada. Esses casos seriam quebras no intencionais em estilos, como o
naturalismo, que se elaboram sobre um tempo-espao ficcional. (COHEN, 2007:
127)

Dizer que a cena est acontecendo naquele instante vale para o teatro esttico e para o
mtico, e, assim, aplica-se a elementos da encenao como o da sonoridade do espetculo
teatral. No modelo esttico, um incidente como um rudo involuntrio seria uma ruptura, algo
ligado ao acaso. No faz parte da obra, mas do acontecimento teatral. Nessa perspectiva,
pode-se dizer que estes sons fazem parte do aqui-agora sonoro que acontece em cada
apresentao.
Como exemplos de sons intencionais, tanto no modelo esttico como no modelo mtico,
para observar de que forma o aqui-agora mais perceptvel, temos a voz do ator - que sempre
muda de uma apresentao para outra.
A voz do ator diferente em cada apresentao, por vrios motivos: pela entonao
diferenciada da palavra ou pelo cansao das pregas vocais (relacionado ao fsico e ao
psicolgico), pela reverberao diferenciada no espao de apresentao, ocasionada por
espaos diferentes ou pela quantidade de pblico em um mesmo local.

45

CAPTULO 2

46

O que se visa propriamente ao ouvir o som no


o prprio som, mas aquilo que atravs dele
designado. O ato de ouvir no pra portanto
no som, mas aps ouvi-lo, deixa a escuta para
ativar aquelas funes que logo se propendem
para agarrar o objeto que anunciado no som.
Giovanni Piana29

2.1 Caractersticas da criao de trilha sonora

O teatro que fazemos hoje geralmente carrega em sua concepo maiores cuidados com
aspectos visuais. Silvia Adriana Davini, ps-doutora em teatro pela Universidade de Londres
e professora da Universidade de Braslia, tem amplo conhecimento sobre a cena
contempornea de Buenos Aires, e, ao pesquisar estilos de atuaes a partir da voz, encontrou
situaes parecidas na Argentina e no Brasil. Davini explica que, durante a dcada de 80, as
circunstncias polticas que implicaram no retorno da democracia argentina estimularam o
crescimento do chamado teatro de grupos, cuja influncia na cena contempornea portenha
como um todo resultou em uma predominncia do visual, que na dcada de 90 ainda mostrava
sua vigncia.30 (DAVINI, 2007: 14, traduo nossa)
Planejamentos aprofundados apenas na parte visual do espetculo resultam em
deficincia na programao sonora do mesmo. Pablo Iglesias Simn, diretor radicado na
Espanha, aborda um tema que muitos sequer planejam: a importncia do som colocado na
cena e a necessidade de que um especialista se encarregue de sua concepo e articulao.31
(SIMN, 2004: 01, traduo nossa) Observa-se que os diretores de cena priorizam os
elementos visuais tais como figurino, cenrio e iluminao. Ao conceber o teatro como uma
criao audiovisual, necessrio que o diretor, como faz com os segmentos visuais, se
cerque de um colaborador capaz de lhe dar assistncia na concepo, articulao e elaborao
da parcela sonora.32 (Idem, ibidem)
29

PIANA, Giovanni. A Filosofia da msica. Bauru, SP: EDUSC, 2001: 85.

30

Cuya influencia en la escena contempornea portea como un todo resulto en una predominancia de lo visual,
que en la dcada de 1990 todava mostraba su vigencia.
31

Es quizs intentar tratar un tema que muchos ni siquiera se hayan planteado: la importancia del sonido dentro
de las puestas en escena y la necesidad de que un especialista se encargue de su concepcin y articulacin.
32

Es necesario que el director, al igual que sucede en el segmento visual, se acompae de un colaborador capaz
de asistirle en la concepcin articulacin y elaboracin de la parcela sonora.

47

Criar sonoridade para um espetculo teatral em uma sociedade que preza pelo visual gera
uma abordagem diferente por ocasio, pois se trata de um campo que precisa ser melhor
aprofundado. Todavia, nas afinidades e diferenas dos processos criativos de trilha sonora,
encontram-se elos que ajudam a refletir o papel do responsvel pelas sonoridades em uma
pea de teatro. O questionamento que se faz no individual: justamente por nosso artista
beber da teoria teatral e musical ocidental, vislumbram-se indagaes similares sobre o som
na cena em diferentes centros culturais no Brasil e em outros pases.
O que se chama de trilha sonora no teatro brasileiro tem o nome de sound design em
montagens americanas e diseo de sonido em espetculos hispnicos. Ambos tem mesma
traduo: desenho de som. A funo do criador de sonoridades para a cena, aparentemente,
semelhante em espetculos teatrais ocidentais.
O artista espanhol mencionado idealiza as funes caractersticas do responsvel pelas
sonoridades. Para ele, este profissional um colaborador do diretor de cena, encarregado de
tarefas como: selecionar os sons que aparecero no espetculo determinando sua tipologia,
qualidades, origem, carter, funo, autoria, graduao de evidncia nos mecanismos de
produo, caractersticas de suas fontes sonoras e qualidades do entorno sonoro.
responsvel tambm por ordenar, agrega Simn, os sons de maneira que se integrem
dentro de uma trilha sonora original que disponha de uma estrutura temporal e espacial.
Elaborar a folha de som, como um mapa a ser utilizado nas apresentaes.
O criador deve ainda, acrescenta, obter as msicas e efeitos sonoros existentes;
supervisionar a composio da msica original se necessrio; supervisionar a gravao da
msica e sons originais; determinar a configurao do equipamento de som que ser utilizado
para a materializao de sua trilha no espao de apresentao; supervisionar a montagem do
equipamento de som completo no lugar da representao, de acordo com seu desenho.
Para uma apropriada criao de trilha sonora, o profissional deve assistir a quantos
ensaios convencionais, tcnicos e gerais sejam necessrios para corrigir, ajustar e atualizar sua
trilha sonora de forma que se assegure sua perfeita integrao dentro do espetculo teatral tal
e como tem planejado o diretor de cena.33 (SIMN, 2004, p. 03, traduo nossa)

33

Asistir a cuantos ensayos convencionales, tcnicos y generales sean necesarios para corregir, ajustar y
actualizar su diseo de sonido de forma que se asegure su ptima integracin dentro del espectculo teatral tal y
como lo tiene planteado el director de escena.

48

Na viso deste diretor, o compositor das sonoridades no teatro um artista que deve estar
presente na montagem, e com liberdade para criar durante o processo, sendo responsvel pela
articulao do material sonoro proposto e sua execuo tcnica.
Ao entrevistar artistas gachos que trabalham com sonoridades na cena teatral, captam-se
outras caractersticas (tanto do criador quanto do processo de criao) no trabalho com trilha
sonora atravs de idealizaes prprias. Como, em teoria, seria um processo ideal de criao
de sonoridades para a cena?
Arthur de Faria:
O processo ideal assim: o diretor definir e me dar o texto. A comea a ensaiar,
arma um pouquinho como est, quando j tiver ensaiado chama de novo, discute em
cima do que a gente viu daquele ensaio. Ou quando d o texto j estabelece uma
ideia do tipo de sonoridade que ele quer, a a gente vai trabalhando ao longo do
processo o tempo todo junto. Acho que uma vez por semana, claro, quando chega
perto da estreia tem que ser mais, mas um encontro por semana com o diretor vendo
a pea ou no, um tempo bem interessante para ir compondo e trocando idias.
(FARIA, 2010)

Gustavo Finkler:
Conversas com um diretor que j sabe o que quer da trilha e que tem o espetculo
decupado. Cena 1, entra msica na fala tal e fica por 15 segundos causando a ideia
de suspense na plateia. Perfeito. A trilha deve ser pedida com um tempo razovel
para a sua criao. Devo ir ao ensaio quando a pea j estiver bem encaminhada na
sua estrutura para poder comentar as inseres sugeridas pelo diretor e sugerir outras
provveis inseres de trilha. O diretor deve ser aberto s sugestes do msico.
Gravo parte da trilha e mostro ao diretor para que ele d o ok de que estou no
caminho certo. (FINKLER, 2010)

A figura de um diretor que saiba o que quer aparece como ponto caracterstico forte, que
almeja o criador de trilha sonora, quando inicia um novo trabalho. Entretanto, a concentrao
no papel do diretor para a maioria das decises criativas distancia o profissional responsvel
pelas sonoridades da prpria obra teatral.
Johann Alex de Souza revela que, geralmente, o criador da msica chamado depois
que os atores e o diretor j sabem tudo o que querem, tudo o que vo fazer. (SOUZA, 2010)
O procedimento de compor por encomendas especficas uma caracterstica de uma trilha
sonora musical.
Contrapondo a ideia de um diretor centralizador, acompanhar o processo de montagem
imerso na mesma gera possibilidades diferenciadas ao criador de trilha. lvaro Rosacosta
acredita que: ideal a gente ter bastante tempo, tempo livre e dedicao aos ensaios, as
49

primeiras leituras so determinantes pra essa atmosfera; essa coisa de ter a pea e depois
chamar o msico pra botar meio complicada. (ROSACOSTA, 2010) Rafael Ferrari
corrobora com este pensamento:
O ideal o processo onde o compositor est acompanhando toda a evoluo da
criao dos personagens do texto, da movimentao, do cenrio, do figurino, onde
ele realmente uma parte integrante daquele trabalho, no uma coisa a parte que
ele faz na casa dele, s pensando com as ideias dele, tem uma srie de coisas ali
envolvidas, de vrias pessoas, de vrios profissionais. (FERRARI, 2010)

Nico Nicolaiewsky, que prope uma reflexo do criador de sonoridades como


participante fundamental de um novo processo, idealiza:
A criao da trilha sonora poderia comear desde o incio do processo, como um
elemento a ser usado no pra resolver ou pra alinhavar tambm coisas que j esto,
mas tambm como um instrumento gerador do prprio teatro, quer dizer... A msica
ali um elemento de expresso, assim como tem o movimento do ator em cena,
como tem a voz do ator em cena, e tem a msica em cena. E tem a luz... Quer dizer,
tudo poderia, tudo deveria, tudo estaria a disposio desde o incio para produzir
material musical servindo ao espetculo que t sendo criado. (NICOLAIEWSKY,
2010)

Os processos evolutivos de cada elemento da encenao alimentam-se entre si. O trabalho


de cada artista responsvel por algo na obra, cenrio, iluminao, maquiagem, os prprios
atores, os envolvidos pela parte executiva, todo o grupo pode ter uma inspirao, uma soluo
para o que est desenvolvendo individualmente que influir no exerccio do colega. Se o
figurinista imagina caracterizar os atores com cores frias, por exemplo, pode sugerir uma
linha de pensamento para o criador de trilha trabalhar com algo que colabore ou contraponha
intencionalmente. Por exemplo, se a inteno , atravs do uso destas cores no figurino, criar
um ambiente denso que remeta a sensaes de tristeza, o responsvel pelas sonoridades pode
elaborar msicas com andamento lento e em tonalidade menor34.
Outra caracterstica, comum tanto a um processo mais especfico na composio musical,
quanto ao trabalho de ateno a total sonoridade da obra: trata-se do desejo dos criadores de
contarem com elencos que deem possibilidades vocais para o canto em cena.

34

Segundo Jos Miguel Wisnik: A tonalidade guarda um resduo modal na forma da oposio entre os modos
maior e menor (fundado este sobre trades menores nos primeiros e quartos graus, sem no entanto alterar as
bases da gramtica tonal e da lgica do encadeamento, que permanece a mesma). O modo menor introduz uma
variao ambiental e colorstica na msica tonal, que costuma ser associada (numa evocao do ethos) a
conotaes tristes e sombrias. (WISNIK, 2002: 140)

50

O processo ideal tambm tu ter atores capazes de ter um espectro grande assim, de
msica, de qualidade musical, pra que tu possa fazer uma cano mesmo, uma
cano super simples e ele possa fazer isso em cena, isso fica super legal, porque o
ator consegue cantar isso. E certamente ter tempo pra fazer. (NICOLAIEWSKY,
2010)

Quando se inicia uma nova montagem teatral, observa-se muita diferena do


conhecimento musical de cada ator, e, consequentemente, de sua voz. O criador de trilha
sonora, muitas vezes, depara-se com extremos dentro de um mesmo elenco: atores preparados
para o canto em cena e com problemas srios de percepo auditiva.
O desejo dos criadores de trilha sonora em um processo ideal evitar bloqueios no
trabalho criativo. Entretanto, isso certamente almejvel por todos os criadores da montagem
teatral, no exclusividade dos profissionais responsveis pelas sonoridades. No campo das
idealizaes, tambm estaria presente a questo financeira.
Gustavo Finkler defende que uma verba adequada ao projeto tambm um bom
comeo. (FINKLER, 2010) Da mesma forma, considera lvaro Rosacosta: e se possvel
sem se preocupar com investimento, mas isso uma utopia ainda. (ROSACOSTA, 2010) Os
percalos oramentrios so caractersticos na elaborao das sonoridades para a cena. O
mote financeiro est presente no processo de criao de trilha sonora teatral, sem previso de
sair de um enquadramento problemtico, pois raras so as montagens que dispem de
oramento para a contratao de profissionais e equipamentos ao desejo do criadorcompositor. Possivelmente, tal fato retrate a atual situao do teatro gacho, mas se entende
que a situao brasileira, e, talvez, latina. O terico Hans-Thies Lehmann esteve em agosto
de 2010 em Porto Alegre e comentou, em sua palestra, que a maioria dos espetculos teatrais
montados na Alemanha subsidiada pelo governo. Tal afirmao remete ao incentivo
cultura que se possui, atravs do municpio, estado ou unio. Existem editais e prmios para
montagem de espetculos, mas se cr que essa iniciativa abranja uma pequena parcela do que
se produz. Nesse paralelo, ainda se engatinha, mas um comeo. Imagina-se que, no futuro,
com mais polticas pblicas culturais, a caracterstica problemtica financeira da trilha sonora
teatral seja amenizada.
Silvia Davini, ao falar sobre a dimenso acstica da cena, cita uma entrevista que fez com
o compositor argentino Edgardo Rudnitzky: no teatro se nega a tecnologia sonora, mas no a
da luz.35 (RUDNITZKY, 1998 apud DAVINI, 2007: 165, traduo nossa) Vinculada ao
35

En el teatro se niega la tecnologa en el sonido, pero no en la luz.

51

oramento, observa-se outra caracterstica no processo de criao de trilha sonora: a do


profissional no possuir o equipamento tcnico necessrio nos ensaios.
Tu tens que ter nos ensaios o mesmo equipamento que tu vai usar no espetculo. A
os caras ensaiam, ficam com aqueles trs em um, e tu fica botando a msica, e eles
vo rodando a pea e tal, mas ningum tem noo do que mesmo que vai
acontecer. A o dia em que chegam os equipamentos aquele caos. Eu acho assim,
os ensaios tem que contar com o tipo de recurso que vai ser. (OLIVEIRA, 2010)

Entretanto, tais desmembramentos j entram em dificuldades especficas da criao de


trilha sonora. Por ora, distinguem-se dois tipos de trabalho criativo da sonoridade cnica:
aquele com encomendas especficas de msicas para o teatro, e a prtica onde o profissional
atua como integrante do processo.

2.2 Etapas e procedimentos

O processo de criao de trilha depende do espetculo escolhido e do grupo com que se


trabalha. H vrias formas de trabalhar a trilha sonora em um espetculo de teatro. Johann
Alex de Souza resume algumas das vrias inquietaes e dvidas do criador de trilha sonora
teatral em um processo inicial de uma pea, ao questionar: como que vai ser a msica? Ela
vai ser tocada ao vivo? No vai ser tocada ao vivo? Ou vai ser gravada em cd? No vai ser
gravada em cd? Sou eu mesmo que vai tocar? outro msico? Mas um msico? So os
atores que vo tocar?. (SOUZA, 2010)
Saber se os atores vo cantar e tocar demanda outros pontos, sobre como passar a msica
cnica para eles, se vai haver uma oficina de msica, ou se o criador-compositor entrega em
partituras... So perguntas que determinam e oneram o trabalho.
O que se est observando so os passos de um processo de criao em trilha sonora no
teatro. O autor Pablo Iglesias Simn fala sobre um esquema de trabalho do profissional
responsvel pelas sonoridades do espetculo teatral, e o divide em quatro fases: pr-produo,
produo, ps-produo e execuo.
A pr-produo a fase de anlise e planejamento. Com o convite dos produtores de um
espetculo teatral, iniciam-se as conversaes com a equipe. A anlise do texto, quando
necessria, est presente nesta etapa. Assim como j possvel ter decises estticas e
narrativas para o planejamento da trilha sonora.
52

Produo a fase de criao e gravao dos materiais sonoros. Nesta etapa, o profissional
responsvel busca todos os sons que utilizar na montagem teatral. Tambm supervisionar a
gravao dos efeitos sonoros e msicas originais necessrias.36 (SIMN, 2004: 25, traduo
nossa)
Na ps-produo, o criador de trilha modifica os sons criados para uma melhor utilizao
no espetculo teatral. Dentro desta fase, est presente a edio do material sonoro e a
gravao do mesmo em suporte adequado, quando se tem sonoridades executadas a partir de
equipamentos sonoros.
Sobre a execuo, afirma o diretor espanhol que a trilha sonora na apresentao a fase
em que se monta e comprova no espao concreto da representao, a equipe tcnica
necessria para a materializao da trilha sonora e sua integrao dentro do espetculo que
finalmente se mostrar ao pblico.37 (SIMN, 2004, p. 26, traduo nossa)
A execuo da trilha sonora est amarrada concepo com um adendo: o
acontecimento. Todo o trabalho de pesquisa e ensaios ser absorvido pelo espectador de
acordo com a percepo naquele determinado momento.
Cada execuo nica, e isso traz uma particularidade que apaixonante no teatro: tudo
se recria, tudo novo e os participantes, artistas e pblico, trocam olhares compactuando um
momento singular no histrico de cada um, que pode ser banal e facilmente esquecido, ou
marcante, de forma positiva ou negativa.
Todavia, at chegar execuo, h um longo caminho de criao de trilha sonora. Ao
conhecer as etapas, focam-se procedimentos ligados fase de produo: como o criador de
trilha sonora se utiliza de algumas tcnicas para obter o resultado.
Cada trabalho de criao de trilha tem sua particularidade, e se percebem nos exemplos
vivenciados pelos entrevistados, as diferentes maneiras de proceder para obter efeitos na cena.
Os trabalhos executados servem como inspirao para metodologias futuras. Listam-se alguns
procedimentos de criao de trilha sonora, entendendo-os tambm como opes, ou seja,
possveis abordagens em um trabalho. No como algo fechado, j que cada tpico tambm
possui vrios procedimentos diferentes para sua execuo. Por exemplo, improviso um
36

Supervisor la grabacin de aquellos efectos de sonido y msicas originales que sean precisos.

37

El diseo en sala es la fase en la que se monta y comprueba en el espacio concreto de la representacin el


equipo tcnico necesario para la materializacin del diseo de sonido y su integracin dentro del espectculo que
finalmente se mostrar al pblico.

53

procedimento que pode ser utilizado em uma pea teatral, mas h vrias maneiras de utilizlo. Abaixo ento, alguns modos de proceder para criar sonoridades em um espetculo teatral.

2.2.1 Utilizao de sons dos ensaios

lvaro Rosacosta relata, nas entrevistas, seu trabalho em Macbeth. O criador-compositor


levava o gravador e captava o ensaio para poder usar estas frequncias em uma trilha gravada,
mesclando sons. Tal interao possibilitou que ele utilizasse sons concretos para elaborar sons
musicais a partir da sonoridade presente nos ensaios.
A utilizao dos sons dos ensaios resulta tanto no seu material gravado visando
execuo, como no jogo dos atores em descobrir sonoridades atravs de sua movimentao
para reproduo em apresentao.
A apropriao dos atores referente ao som produzido por eles elemento que contribui na
encenao. Um exemplo comum, no teatro, o som que o ato de caminhar no palco
proporciona, pois os calados e saltos diferem intensidade e altura, so timbres em uma
composio. Por isso a importncia de ter o figurino um bom perodo antes da estreia, assim
como interessante ensaiar no espao de apresentao. Do contrrio, o ator se acostuma com
ao e som diferente do que exercer em apresentao.

2.2.2 Referncia para msica cnica

Esta indicao foi levantada nas entrevistas de lvaro Rosacosta e Nico Nicolaiewsky.
Outros entrevistados at falaram situaes parecidas, mas os dois citaram exatamente o termo
e explicaram sua utilizao.
Referncia utilizada na msica cnica de ambientao ou ambiente sonoro. Acredita-se
que tambm possa ser usada para canes. Trata-se de pegar uma msica pronta, qualquer
gnero, que funcione em determinada cena ou situao, e criar uma msica original
observando quais efeitos a msica de referncia possui. Isso pode funcionar partindo do
diretor para o criador de trilha e vice-versa.
Citamos um exemplo: o diretor est criando uma pea e h um romance entre duas
personagens, uma cena onde acontece o primeiro beijo do casal, e ele diz que a msica tema
do filme Titanic de 1997, dirigido por James Cameron, seria perfeita naquele instante. Pode54

se imaginar que, ao inserir a cano My heart will go on, interpretada por Celine Dion, em
uma montagem que no seja uma pardia, o espetculo corre o risco de ir por gua abaixo
como o navio da pelcula, de tanta identificao que tem a msica da cantora canadense com o
filme.
Este o problema de se usar certas msicas prontas em um espetculo: elas possuem
histricos e identidades culturais. uma alternativa, mas tem de ser muito pesquisada,
principalmente com o uso de msicas chamadas populares. Uma msica j existente inserida
em um novo contexto tem de estar amarrada proposta (e com os direitos em dia). Sem
esquecer que o fator identidade pode mudar de acordo com a regio onde a obra
apresentada.
Utilizando a referncia e o exemplo da msica de Titanic, o criador de trilha tem a
possibilidade de buscar: o que o diretor acha interessante nesta msica para determinada
cena? o solo da flauta com uma melodia suave? o ritmo? Nico Nicolaiewsky fornece um
bom exemplo da utilizao da referncia e de onde surge o termo:
O pessoal de cinema que eu trabalhei vem da rea de publicidade, ento um
pessoal que trabalha sempre com referncia, msica de referncia. Embora eu saiba
de muita gente que no gosta de trabalhar com msica de referncia, eu, ao
contrrio, me adaptei muito bem... Porque eu criei um mtodo, uma maneira de
entender aquela msica de referncia dentro da cena e ver porque funciona. E a eu
capto na verdade quais so os aspectos daquelas msicas que funcionam, por que
que funcionam? pela velocidade, pelo tom menor, pela sonoridade... Quais so
os aspectos que levaram o diretor a escolher aquela msica, e que de fato funciona,
naquela cena? Ento eu capto esses aspectos e eu fao outra msica com esses
aspectos, com essas informaes: realmente esse ritmo nessa cena faz todo o
sentido, e ela vem at aqui, aqui ela muda, aqui ela... Eu utilizo isso. E as pessoas
ouvem, a msica que eu fao no tem nada a ver com a msica de referncia.
(NICOLAIEWSKY, 2010)

Esta possibilidade til na criao, e no deixa de ser uma msica original, como
concorda lvaro Rosacosta: eu estou gostando de trabalhar com referncia porque uma
oportunidade de fazer um trabalho diferente, e por mais referncia que seja, o trabalho teu.
(ROSACOSTA, 2010)

2.2.3 Pesquisa investigativa para o espetculo teatral como inspirao s sonoridades

Arthur de Faria descreve Antgona, montagem de Luciano Alabarse, como um processo


de criao marcante em sua carreira, pois a metodologia do trabalho foi estudar o teatro grego
(toda a equipe) durante seis meses junto com a traduo que era feita do texto, e durante o
55

procedimento ir musicando os coros do espetculo. Neste ponto, o criador pode interferir e


sugerir modificaes na traduo para adequar prosdia musical.
O criador de sonoridades pode acompanhar a obra desde o incio e inclusive fazer
exerccios com o elenco se assim imaginar que tal interao contribua com seu trabalho. Se o
diretor imagina que os atores devam passar por determinado processo para criar os
personagens, o criador de trilha, ao estar presente nesta situao, pode transpor o seu servio
dois aspectos que colaboram em seu trabalho: a experincia do exerccio que o diretor idealiza
que contribua com os artistas nesta obra, e a interao com a equipe conhecendo melhor o
grupo.
Sobre esta prtica, Flvio Oliveira fala sobre uma pea chamada A transformao, com
direo de Paulo Albuquerque, um texto do dramaturgo argentino Eduardo Pavlosky montado
na poca da ditadura. O diretor fez uma pesquisa no candombl para a pea teatral, levando
toda equipe a participar de um culto como exerccio. Iniciou a a relao do criador de trilha
com os artistas envolvidos: todos juntos em novas experincias. Na inspirao nesta religio,
Oliveira fez a trilha sonora com percusso corporal e em instrumentos caractersticos que
remetessem esta experincia: atabaques. Relata que, nesta montagem, cumpriu tambm a
funo de cengrafo, pois mandou fazer instrumentos que moldavam o espao cnico como o
assotor, um tambor a partir de um modelo haitiano do vudu, ele como um atabaque grande,
e a pessoa que toca fica sentada num galho de rvore. As msicas foram todas compostas para
esses instrumentos. (OLIVEIRA, 2010)
Alm de criar e adaptar instrumentos musicais para a montagem, a partir desta
experincia, o compositor aproveitou o relacionamento com os atores para ensin-los a tocar.
Ele no era visto como um profissional de fora, mas um integrante de fato. Fez um laboratrio
primeiro para que eles entendessem o que era o ritmo, o que era mtrica, como se toca, o
pulso em relao ao metro e ao ritmo. Os artistas desenvolveram novas habilidades sonoras,
aprenderam, inclusive, para este espetculo (e j para sua vivncia), a ler partitura musical.
Relacionamentos criados, a partir do processo de criao, que beneficiaram os participantes e
o espetculo teatral. O procedimento de criao de trilha sonora, neste caso, e toda interao
partiu do processo de estudo da montagem teatral.

56

2.2.4 Improviso

Trabalhar improvisando todos os sons da cena, inclusive as msicas, no mtodo


comum em montagens teatrais, mas uma alternativa. Para isso, o criador age como msico
de cena observando a ao para intervir e dialogar com a cena atravs de suas sonoridades.
Adolfo Almeida Jr. cita um espetculo recente, Solos Trgicos, no qual trabalhou com
Arthur de Faria em um processo de improviso:
Olha, esse processo que a gente t vivenciando aqui pra essa pea do Solos pra mim
dentro do que eu considero ideal... Porque se tivesse que compor uma msica da
j seria diferente, eu preferia ir pra casa compor a msica sozinho, no ficar aqui no
meio dos atores, vivenciando o processo deles pra compor a msica. Ento depende
de como vai ser a trilha, aqui improvisada, eu me propus, to podendo vir vrios
dias... At pra entender tudo como que t sendo feito... (ALMEIDA, 2010)

O improviso um desafio, com certeza, e demanda um envolvimento de tempo para


acompanhar cada passo da obra, para improvisar a trilha nos ensaios a fim de que os atores
interajam com as sonoridades, e depois utilizar estas experincias nas apresentaes.
Trabalhar o improviso interessante se pensar que cada exposio nica, o que fortalece a
singularidade de cada obra e cada trabalho.
O improviso no ensaio natural em um processo de criao de trilha sonora, e para
manter a improvisao nas apresentaes, h de se estipular condies ao menos para a
msica improvisada. Acredita-se que o msico-ator dificilmente produzir a esmo
sonoridades com seu instrumento musical, pois nos ensaios certamente os atores j iriam
incorporar tonalidades que combinam com a proposta, assim como os ritmos. Faz-se um
paralelo de msicas cnicas improvisadas com uma performance de jazz, um gnero musical
onde h muito improviso; neste caso, um pianista pode transpor sua sonoridade como quiser,
mas estar dialogando com a cadncia do baterista, com a marcao do contrabaixo. No
teatro, o dilogo do msico de cena, ao improvisar, com os atores e os outros elementos da
encenao.
Ressalta-se a dificuldade da aplicao do termo improvisao utilizado para a trilha
sonora. At no citado caso de Solos Trgicos onde se utilizou tal procedimento, o improviso
esteve no processo de ensaios. Na apresentao, observou-se dos msicos-atores a reproduo
de temas, melodias e intenes descobertas anteriormente. Certamente improvisou-se tambm
em cada de apresentao, mas em cima de algo que se construiu. Nota-se tambm nesta
montagem, que ambos criadores de sonoridades, Adolfo Almeida Jr. e Arthur de Faria,
57

escolheram seus instrumentos principais para o uso em cena: fagote e teclas (na
impossibilidade do piano o uso de um acordeom e piano de brinquedo) respectivamente. A
improvisao depende do que est acontecendo e como o artista consegue absorver e
desenvolver sua tcnica. A tcnica e a capacidade de criao esto diretamente relacionadas
ao improviso, quanto mais repertrio e conhecimento sobre o instrumento que toca tem o
artista, maior a gama de escolha para o determinado momento.

2.2.5 Oficinas para atores instrumentistas e cantores


O criador de trilha sonora como um facilitador para os atores. Quando h uma proposta
esttica que prev a utilizao de instrumentos musicais em cena, ou de canes cantadas
pelos atores, o criador de sonoridades pode buscar, ao conhecer o elenco, as possibilidades
tcnicas que possui e as que dever aprimorar.
Assim como o msico aproxima-se da arte da atuao no momento da apresentao, o
inverso tambm se aplica: se o ator tem de cantar, nesta hora ele um ator-cantor. Para tocar
algum instrumento, no precisa que o ator se torne um exmio msico, basta aprender a
executar a funo para aquela montagem: torna-se um ator-msico.
lvaro Rosacosta traz um exemplo da funo do ator-msico, ao citar a montagem O
bandido e o cantador, com direo de Patrcia Fagundes, que tinha a trilha executada ao vivo:
ento as flautas, como eles no tocavam flauta eu comecei a tapar com durex os buracos e
usava as notas que eu queria. (ROSACOSTA, 2010) Utilizou nesta montagem, agrega, um
instrumento venezuelano com quatro cordas e afinao estranha tocado por um ator. O criador
aprendeu alguns acordes para poder ensin-lo, e passou a compor as msicas a partir da
habilidade do ator com o instrumento. Processos de criao esto amarrados a um pensamento
do que pode ser aplicvel.
Na pea Ubu Rei, com direo de Dilmar Messias, em que Adolfo Almeida Jr. criou a
trilha sonora, o compositor organizou uma banda em cena. Instruiu alguns artistas e conseguiu
um professor para que uma atriz tocasse tuba. Como nesse caso, o criador de trilha no
precisa resolver todas as questes, deve reger os atores nas sonoridades propostas e se aliar a
outros profissionais que ajudem a equipe a chegar aos resultados imaginados. Todavia, em
muitos casos, o responsvel pelas sonoridades torna-se um educador ao passar as msicas aos
atores. Como Nico Nicolaiewsky vivenciou em So Paulo:
58

Teve uma experincia inclusive l com o Aderbal que era uma msica final do
espetculo, espetculo na rua, e eu compus a msica, na verdade, com o ator que ia
cantar. Ento eu sabia qual era o clima, que era o incio do clima do Olodum, aquele
ritmo, e a gente tinha um pessoal de percusso... E a tinha a idia da letra. Fui
fazendo a msica com o ator, quer dizer, eu fazia e ele cantava, eu digo: vamos subir
um pouco o tom, ou vamos... Quer dizer, a ia funcionando, se no funcionasse eu j
estava vendo exatamente ali. (NICOLAIEWSKY, 2010)

No intuito de facilitar o trabalho do ator em vivncias musicais na cena, o criador pode


argumentar com outros criadores de um espetculo teatral, embasando o que quer para
convencer a equipe de que tal iniciativa necessria. O dilogo indispensvel, pois o
trabalho do criador de trilha interfere na criao de outro e vice-versa, sendo um trabalho
conjunto. Johann Alex de Souza descreve um exemplo que aconteceu no processo de criao
do espetculo de rua O amargo santo da purificao, da Tribo de Atuadores i Nis Aqui
Traveiz, em que a direo coletiva. Souza fala sobre romper paradigmas:
Pela primeira vez em teatro de rua eles levaram um carro de som pra rua, que foi
uma idia que eu dei que eles no queriam... Porque eles partiam da ideia de que o
teatro de rua teatro de rua, ou seja... Se eu montar um palco na rua com
iluminao... No teatro de rua teatro na rua... De rua no pode alterar, isso com
palavras deles, no pode alterar o ambiente. A coisa do carro de som eu dizia: mas
as escolas de samba usam carro de som, escola de som na rua, t l o cara, e tem
um carro de som empurrando... Ento um carro de som pra amplificao do violo.
Porque inclusive esse espetculo da vida de Marighella, a cena final, se no
houvesse o violo amplificado, no ia se escutar o violo, so vinte pessoas cantando
e um violo tocando. No ia se escutar o violo, de jeito nenhum. (SOUZA, 2010)

Propor solues nos espetculos teatrais, para que a sonoridade possa ser ouvida, algo
que o criador de trilha identifica no incio do trabalho. No adianta colocar um instrumento
musical em uma insero na rua que tenha um alcance pequeno de intensidade, por exemplo,
como uma flauta doce tenor em notas graves. Se o timbre desta flauta for imprescindvel,
necessrio solucionar a propagao de sua sonoridade.
No trabalho com atores-cantores, traz-se exemplo de O Avarento38 do Grupo Farsa de
Porto Alegre. As msicas cnicas foram propostas em polifonia vocal: diferentes melodias
formando harmonias. Os atores explicitaram suas dificuldades no incio do processo, e ento
se estipulou um trabalho de oficina coral, preparao atravs de peas musicais com quatro
vozes. Como desenvolve Ernani Maletta, diretor musical do Grupo Galpo de Minas Gerais,

38

Espetculo teatral com direo de Gilberto Fonseca, esta montagem foi contemplada com o Prmio Funarte de
Teatro Myriam Muniz 2008 e abre a trilogia As Trs Batidas de Molire do grupo gacho. A obra recebeu
diversos destaques em sua trajetria, sua trilha sonora foi indicada ao Prmio Aorianos de Teatro 2009 em
Porto Alegre, e recebeu o prmio de Melhor Sonoplastia no 38 Festival Nacional de Teatro em 2010 na
cidade de Ponta Grossa, PR.

59

a experincia polifnica por intermdio do canto coral uma estratgia que estimula no
apenas o ouvido, mas tambm todo o corpo a incorporar mltiplas vozes. (MALETTA,
2009: 32)
Nesta montagem de Molire, o elenco selecionou e aprimorou uma pea coral, tirada do
perodo de ensaios, para executar alguns minutos antes de entrar em cena no espetculo
teatral, ou seja, toda apresentao tem este momento anterior de interao vocal. Tal ao
prepara os atores para que se escutem e possam entrar mais tranquilos no espao de
apresentao.

2.2.6 Preparao para trilha sonora ao vivo ou gravada


Uma das maiores questes colocadas ao criador de trilha sonora se ela ser gravada ou
executada ao vivo. Responde-se que, mesmo gravada, sempre ser uma mescla com os sons
do momento, pois as vozes dos atores e demais sons do ambiente compe a sonoridade do
espetculo. Entretanto, quando se utiliza o termo trilha gravada, trata-se de parte dela: sons
propostos como efeitos sonoros e msicas de cena compiladas em uma mdia.
A trilha sonora ao vivo aquela em que todos os sons so realizados no momento da
apresentao, inclusive efeitos sonoros e msicas cnicas. Os criadores de trilha tendem a
preferir esta opo: entre a acstica ou a gravada? Se eu posso optar eu prefiro a acstica, pra
teatro eu prefiro a acstica. (NICOLAIEWSKY, 2010) Entretanto, os custos geralmente
reduzem a frequncia desta alternativa nos palcos: a gravao uma maneira de viabilizar as
coisas, mas geralmente o ideal que fosse a msica executada ao vivo. (ALMEIDA, 2010)
Ao pensar o modo de execuo, pertinente comentar uma colocao de Pablo Iglesias
Simn a respeito da origem do som, classificando-o como diegtico ou extradiegtico:
denominamos diegtico a todo som que pertence e se origina dentro do mundo da fico.
Como tal, escutado por todos personagens que participam da mesma.39 (SIMN, 2004: 12,
traduo nossa) O som extradiegtico todo aquele que no pertence nem se origina no
mundo da fico. Como tal, unicamente escutado pelos espectadores.40 (SIMN, 2004: 14,
traduo nossa)
39

Denominamos diegtico a todo aquel sonido que pertenece y se origina dentro del mundo de la ficcin. Como
tal es escuchado por los personajes que participan de la misma.
40

Denominamos extradiegtico a todo aquel sonido que no pertenece ni se origina en el mundo de la ficcin.
Como tal nicamente es escuchado por los espectadores.

60

Ao falar sobre a origem do som, relaciona-se com o espao de apresentao. Sendo


diegtico ou extradiegtico, de onde o som proposto procede? Se das caixas de som, elas
podem estar dispostas de vrias maneiras, de frente para o pblico, direcionada para a cena,
colocadas atrs do pblico, nas laterais do espao de apresentao, e demais possibilidades.
Dependendo da origem do som, temos que ver se a fala dever ser amplificada ou no, se
a msica utiliza instrumentos musicais no espao de apresentao ou se executada por
aparelhos eletrnicos, assim como pensar na fonte dos efeitos sonoros. Estas decises levam
s opes da trilha sonora ser ao vivo ou utilizar sons gravados.
A trilha sonora ao vivo se divide em duas alternativas: acstica ou amplificada.
Na acstica, o som da voz e dos demais materiais sonoros no est ligado a equipamentos
eletrnicos, utilizando sua forma em relao com o ambiente para a propagao. De
instrumentos musicais acsticos, citam-se, como exemplo, o violo e o piano.
Na amplificada, o som da voz microfonado, os materiais sonoros esto ligados a
equipamentos eletrnicos, todos conectados a caixas de som. De instrumentos musicais
plugados a amplificadores, citam-se, a guitarra eltrica e o teclado.
O uso de microfones na encenao uma opo que pode ser um revs, principalmente
microfones headset que so presos cabea do ator (geralmente na orelha), salvo excees
onde as escolhas se justificam, sem comprometer a sonoridade com enormes diferenas de
equalizao e quebras entre o som amplificado e o som acstico.
Atualmente, o uso indiscriminado de microfones no teatro em Buenos Aires parece
estar provocando um efeito indesejado porque, apesar deles, muitas vezes resulta
igualmente difcil escutar e entender o que se diz em cena. [...] Os microfones
amplificam o som que recebem, de forma que amplificaro a intensidade da voz e,
com ela, alteraro todos seus outros parmetros acsticos. [...] Assim, ao expor suas
vozes a microfones, os atores se veem obrigados a reduzir drsticamente a
intensidade, a articulao das consoantes e, inclusive, a alterar o timbre das vogais.41
(DAVINI, 2010: 166, traduo nossa)

Em qualquer alternativa esttica e criativa pode-se mesclar a opo da execuo sonora,


ter a msica com seus instrumentos musicais gravados com os atores cantando no palco sem
microfonao, a voz dos atores equalizada atravs de microfones acompanhada por

41

Actualmente, el uso indiscriminado de micrfonos en el teatro en Buenos Aires parece estar provocando un
efecto indeseado ya que, a pesar de ellos, muchas veces resulta igualmente difcil escuchar y entender lo que se
dice en escena. [...] Los micrfonos amplifican el sonido que reciben, de forma que amplificarn la intensidad de
la voz y, con ella, alterarn todos sus otros parmetros acsticos. [...] As, al exponer sus voces a los micrfonos,
los actores se ven obligados a reducir drsticamente la intensidad, la articulacin de las consonantes e, inclusive,
a alterar el timbre de las vocales.

61

instrumentos de percusso sem captao amplificada: uma grande gama de possibilidades


encontrada em cada processo de criao.
A maior diferena entre a opo de trilha ao vivo para gravada trata de um assunto
subjetivo, que alguns msicos descrevem por feeling. Porque, quando o material gravado,
geralmente o criador encontra-se dentro de um estdio de som, executando-o com poucas
intervenes do ambiente e sem contato com o espectador. Resulta em uma captao onde a
ordenao dos sons fora feita em um determinado dia, com certa emoo. A mesma se
perpetua e reproduzida na apresentao teatral, que certamente compactua de outros
sentimentos que aqueles no momento da gravao.
Antigamente eu pensava assim: se tu botar um cara tocando nos bastidores ali, mas
se ouvindo, a mesma coisa que ter um cd, mas eu descobri que no, diferente! Se
tu botar uma cortina e o cara tiver tocando l s se enxerga a silhueta na cortina
diferente de ter um cd, porque as pessoas esto vendo que tem um cara tocando ali
atrs, mesmo que no se veja ele direito, que s veja um vulto, diferente. (SOUZA,
2010)

Apesar da suposta rigidez de uma trilha gravada, essa tambm est sujeita a alteraes no
acontecimento teatral. Porque sua propagao sempre ser diferente devido quantidade de
espectadores e interveno dos sons ambiente. Todavia, em uma escala muito menor em
comparao com o som executado ao vivo.
No existem regras para iniciar um processo de criao de trilha. Existem necessidades
do espetculo teatral, e diversas possibilidades de trabalhar a sonoridade proposta para
colaborar com o processo de uma montagem.

2.3 Dificuldades no trabalho com trilha sonora teatral

Existem momentos em que o criador de trilha se depara com situaes inusitadas quando
no h sintonia de comunicao com o diretor. Ele pode ter na cabea uma ideia sobre o que
quer, e no saber expressar o que imagina. O diretor, s vezes, no tem como colocar em
palavras as melodias que ocorrem em sua mente, e busca expressar cdigos para serem
traduzidos, como relata Gustavo Finkler: aconteceu de uma diretora me pedir uma msica
mais azul, por exemplo. Se difcil explicar, imagina entender. Foi a que eu tive uma
iluminao. Eu disse a ela: me diz que sensao tu queres causar no pblico e de quantos
62

segundos tu precisas. (FINKLER, 2010) Desta forma, o artista estabeleceu uma comunicao
direta: referncia por sensao e tempo de durao.
A comunicao entre a equipe pode ser uma dificuldade em um processo de criao, mas
na trilha sonora, os percalos esto mais ligados parte tcnica.
O trabalho com sonoridades no teatro gera muitas questes sobre a disposio espacial
dos meios de produo de som. Dvidas a respeito do espao de apresentao, como: em que
local o grupo ir apresentar a montagem teatral? Ser em um palco tradicional, italiano? Quais
dimenses? De que so feitas as paredes do edifcio teatral? Como esto dispostas as cadeiras
da plateia? A apresentao ser em um espao no convencional? Vai ser ao ar livre? Na rua?
Em que rua? Tais questes tm como eixo a propagao do som.
Os atores sabem naturalmente, por exemplo, que na capital gacha apresentar no Theatro
So Pedro e na Sala lvaro Moreyra (ambos os espaos contemplam diversas montagens
teatrais por ano) bem diferente. Nem preciso falar ao ator sobre a projeo de voz dele em
um espao tradicional como o primeiro, onde cabem mais ou menos 700 espectadores, ou em
um espao mais intimista como o segundo, que tem capacidade para 110 pessoas.
Diferenciar projeo vocal para apresentao de uma pea teatral em uma sala ou na rua
est presente nestas questes. H conscincia por parte de muitos atores, acostumados com a
prtica, da intensidade que ser necessria para enunciar um texto em diferentes locais.
Em sala, h outras questes importantes para a execuo: os aparelhos eletrnicos.
Dvidas como a localizao da cabine de som; se h equalizador; quantos canais possui a
mesa de som; se possui aparelho reprodutor de mdias sonoras, e se est em boas condies;
onde esto posicionadas as caixas de som, e se possvel alter-las; se existem caixas de
retorno, monitores para os atores. So perguntas que precisam de respostas quando um
espetculo teatral se prepara para a execuo. Tais dvidas se referem a uma parte das
sonoridades propostas no processo de criao.
Na apresentao da obra teatral, esbarra-se em problemas como a falta de equipamentos
adequados. Dificuldade essa que j vem dos ensaios, como relata Adolfo Almeida Jr.:
No ter o equipamento de som quando uma pea que precisa de sonorizao, e da
no consegue ensaiar adequadamente, fica at o ltimo dia com um gravadorzinho
pequeno... Essas limitaes assim tecnolgicas de toda ordem que o teatro aqui
enfrenta, um problema de quase um semi-amadorismo, vamos dizer, tambm porque
no existe uma estrutura j pronta pra isso. Tu chegas nos teatros e no tem nada, s
tem uma pessoa que cuida do teatro, ento tens que estar trazendo tudo... Isso um
pouco triste de ver, o espetculo perde dentro daquilo que foi imaginado como

63

poderia ser, e da sempre montado um pouco mais precrio, uma coisa meio
frustrante desse ponto de vista do acabamento. (ALMEIDA, 2010)

Alguns destes problemas sobre equipamentos tcnicos so possveis de sanar ao se


repensar, nos projetos de encenao, sobre o valor destinado sonoridade do espetculo
teatral, para dar suporte a recursos (durante o processo de criao e nas apresentaes) que
necessitem de maior investimento financeiro, talvez o aluguel de equipamentos adequados.
Assim Gustavo Finkler discorre, a respeito da gravao em estdio para execuo da
trilha gravada: a diferena entre um estdio bom e um no bom to grande, o trabalho se
torna to mais gil, fcil, leve. Ento fica aqui o meu pedido aos diretores: reservem uma cota
razovel para a gravao da trilha. Ir fazer toda a diferena. (FINKLER, 2010) Uma parcela
no oramento no garantia de bons resultados, mas respalda uma pesquisa sonora na
montagem, agregando profissionais que possam viabilizar solues para a apresentao da
obra.
Uma pergunta no questionrio feita aos entrevistados, quais so as dificuldades que voc
costuma encontrar no trabalho com trilha sonora?, gerou muitas respostas com um vis de
lamentaes, mas no no sentido de reclamar apenas, e sim para apontar problemas no intuito
de desvelar situaes incmodas que podem, em trabalhos futuros, ser diferentes.
Flvio Oliveira, em sua entrevista, abarca situaes comentadas pelos outros criadores de
trilha e, de todos os entrevistados, demonstrou maior desconforto com as dificuldades
encontradas. De modo que sua colocao resume alguns pontos citados por outros criadores.
difcil ensaiar com um aparelho de som precrio, mas pior observar tal precariedade
no espao de apresentao. Oliveira observa que todos os teatros de Porto Alegre prejudicam
qualquer tipo de sonoridade do palco, porque eles trazem sonoridade da rua, uns mais, uns
menos, quer dizer, Porto Alegre carece de teatros que tenha vedao sonora. (OLIVEIRA,
2010)
A interferncia sonora na obra teatral acontece em todas as apresentaes. Entende-se por
interferncia algo ligado aos sons involuntrios, ao acaso. Porm, a colocao de Oliveira
pertinente e questiona: no se poderia prever e diminuir alguns sons que interferem de forma
externa ao teatro, e ter um espao teatral com melhores condies acsticas?
Outro problema diagnosticado pelos criadores de trilha sonora so os aparelhos de som.
Nas entrevistas encontram-se dois apontamentos sobre tal questo: aparelhos inadequados e
falta de um profissional que domine o manuseio do mesmo.
64

O responsvel por tais equipamentos no teatro o tcnico de som, o operador


encarregado de manuse-los. Flvio Oliveira comenta que os operadores de som so pessoas
absolutamente despreparadas... E ns estamos vivendo em uma poca em que os shows e
apresentaes, se tu botar um decibelmetro, t acima daquilo que satura. (OLIVEIRA, 2010)
O compositor, que trabalha h 47 anos no ramo, deflagra o atual momento de uma execuo
de som: normalmente os profissionais de som que trabalham no teatro tambm desempenham
sonorizao de eventos, shows, formaturas.
Constata-se que botar som para uma apresentao de grupo ou banda musical demanda
potncia do equipamento de som, e tambm qualidade, mas o enfoque est na potncia. No
teatro, necessria uma equalizao pertinente com os sons criados. As fontes de produo de
som, os alto-falantes, dependendo do trabalho, precisam ser deslocadas para outras partes do
espao teatral. A mudana de local das caixas de som parte do problema, pois comum que
se tenha aparelhos fixos com pouca margem para alter-los de acordo com a necessidade da
montagem.
No espetculo O Avarento, combinou-se com a equipe que a execuo da trilha proposta
para a montagem, de efeitos sonoros e msicas gravadas, deveriam ser (a disposio dos altofalantes) somente por trs dos atores no fundo do palco. Tal deciso faz parte da concepo,
no preciosismo do responsvel pelas sonoridades. Nesta montagem os atores cantam em
cena sem microfones, e a colocao das caixas de som ao fundo do palco serviria tanto de
retorno para os artistas quanto para apreciao do pblico. A sensao que se props, foi
misturar os instrumentos gravados com as vozes dos atores, fazendo a sonoridade chegar no
pblico ao mesmo tempo, sem desviar o foco de produo de som da cena.
Esta concepo resultou em uma preocupao a mais, porque em todas as apresentaes
deslocam-se as caixas de som ou monitores para trs do palco, mas h lugares onde no
possvel tal recurso. Seria interessante que o grupo investisse em um material que julgasse
adequado e levasse junto com o cenrio, mas aparelhos de som de qualidade necessitam de
um investimento razovel. O grupo encontrou sua soluo no trabalho com as possibilidades
(aparatos tcnicos existentes) em cada novo local de apresentao, e, se for o caso, alugar o
equipamento para determinado edifcio teatral. O aluguel de equipamentos sonoros
geralmente feito com profissionais de sonorizao de eventos: voltamos a um crculo
vicioso.

65

Vivemos hoje em uma poca cuja tendncia vincular alta intensidade sonora como
sinnimo de qualidade de som. Na rua ou em veculos automotivos, quanto mais alto o
volume do som, melhor. Esta cultura chega ao teatro com os profissionais responsveis pelos
equipamentos sonoros, acostumados com volumes altssimos e, como diz Oliveira, tem
dificuldades em dosar o som no ambiente: uma briga para eles saberem onde que entra
com pouco volume, onde que cresce, quer dizer, ou tu grava, deixa em zero e grava tudo em
estdio como tem que ser, e diz pro cara, olha, tu s v se o aparelho funciona, t? Tu s play
e stop. (OLIVEIRA, 2010) O compositor veemente porque considera tal problema como
crucial no teatro, cita que qualquer pessoa acha que pode operar a msica, e se eu entrar
numa sala de cirurgia e quiser fazer uma micro-cirurgia oftalmolgica pra retirar uma
catarata, eu vou pra cadeia. (OLIVEIRA, 2010)
Oliveira enfatiza que qualquer pessoa autorizada por um diretor, ou por um produtor
para operar um equipamento de som. Agrega s dificuldades encontradas na execuo da
trilha sonora teatral: no existem produtores de teatro altura dos trabalhos que os diretores
e os atores fazem, os produtores executivos, principalmente, no tem noo do tipo de
equipamento que vo alugar. (OLIVEIRA, 2010) A falta de conhecimento sonoro da
produo do espetculo proporcional dificuldade de resolver problemas que a execuo da
trilha carece em um espao de apresentao.
Ento a outra dificuldade que a acstica dos lugares ela exige que as caixas, ou que
os aparelhos de reproduo sonora sejam colocados em determinados lugares. E
muito difcil que uma pessoa como eu, vamos dizer, que estou fazendo o som, a
msica, enfim, possa dialogar com quem vai colocar as caixas de som onde quer
colocar, quer dizer, tu no tens o menor crdito, e a eu acho que os diretores falham,
com algumas excees claro, os diretores e os produtores falham. (OLIVEIRA,
2010)

Nesta entrevista, aps um parecer vigoroso, o compositor conclui que estas consideraes
o deixam com sensaes ruins: eu falo um tanto emocionado, estressado, assim, porque
parece que voltam as pendncias. Existe muito descaso, desrespeito. (OLIVEIRA, 2010) De
fato, isto nos faz pensar sobre o conceito que alguns envolvidos com a arte teatral possuem a
respeito da sonoridade. Todos estes problemas fazem parte das relaes humanas em uma
equipe de trabalho, aliados falta de recursos ou preparos adequados em uma montagem.
As maiores dificuldades encontradas so sobre a execuo da trilha em relao com o
espao de apresentao e vinculadas questo oramentria, seja do espetculo ou dos
prprios edifcios teatrais com frgeis infra-estruturas na questo tecnolgica do som.
66

No teatro de rua tambm encontramos percalos na execuo da trilha sonora, como


podemos observar no relato de Johann Alex de Souza, ao perceber um problema com a pea
j em andamento:
Ento a coisa do teatro de rua importante porque a gente viu que certas coisas no
funcionam muito na rua em termos sonoros mesmo, em termos de msica. Eu fiz a
musica da Saga de Canudos que foi a pea anterior de rua do grupo i Nis, e a
gente colocou vrios violes e os violes no aparecem na rua. Eu descobri, no
sabia disso, que o violo no adianta, a no ser que tu coloques cinquenta violes,
mas eram seis violes com corda de ao, os caras dando palhetao e no se ouvia!
Eu assisti vrias vezes. Chegava na hora e no se ouvia, rebentava corda de tanto
que os caras batiam forte. Ento so pequenas coisas assim que a gente vai
descobrindo. E da tu vai descobrindo porque as pessoas gostam de usar mais gaita
na rua, porque alm da questo cnica tem a questo do volume, que so os
instrumentos que aparecem mais. (SOUZA, 2010)

No teatro de rua, temos tambm a dificuldade de transportar o equipamento necessrio,


por isso o uso comum de gaitas: por sua intensidade sonora e peso do instrumento. Souza
prefere a gaita de oito baixos ao acordeom pela facilidade de carregar. Instrumentos leves de
percusso, ou um violino, combinam em vrios fatores com um espetculo teatral de rua.
As dificuldades existem, assim como a superao dos artistas que, em apresentao,
procuram no transparecer os percalos encontrados na montagem do espetculo. Na
sonoridade teatral, h ainda a dificuldade pessoal dos atores em relao a um dos mais
importantes materiais sonoros de uma encenao: a voz. As inquietaes provm de pouco
conhecimento a respeito de suas vozes falta de treinamento vocal.

67

CAPTULO 3

68

Em meu processo de formao teatral (...) percebi o


quanto as aulas de msica deixavam inibidos grande
parte dos estudantes. Eu, que vinha de uma formao
musical
anterior,
habituada
a
me
expressar
musicalmente, fiquei inicialmente atnita ao ver
pessoas normalmente to seguras quase entrando em
pnico por terem de repetir pequenos trechos
meldicos ou rtmicos. A imagem de uma linda
aspirante a atriz, que, tremendo e quase chorando,
cantou com uma voz sumida, sem afinao nenhuma,
nunca me saiu da retina.
Ana Dias42

3.1 Trilha sonora total e trilha sonora musical

Ao dialogar com os entrevistados, observa-se que trilha sonora no somente a msica


do espetculo. Se a trilha sonora o som do teatro, o pensamento se estende voz dos atores.
No que a voz dos atores fique sob responsabilidade do criador de trilha sonora, mas a cincia
desta questo importante para alinhar as msicas propostas, para compreender o timbre de
cada ator e mesclar com uma sonoridade possvel. O criador de trilha sonora elabora os sons
(e msicas) intencionais, que se misturaro com todos os outros sons ali presentes na
apresentao como uma composio nica.
Enquanto que, para lvaro Rosacosta, qualquer som do espetculo faz parte da trilha
sonora, Nico Nicolaiewsky descreve de forma parecida que a trilha ou o som do espetculo
no apenas as msicas, como todos os barulhos e as vozes produzidas em cena. Flvio
Oliveira expe que trilha no s compor a msica de cena, a entrando a questo da
sonoridade, de investigao, de pesquisa. Por sua vez, Gustavo Finkler conciso, ao
responder que trilha sonora qualquer idia musical inserida em um contexto artstico. Para
Arthur de Faria, dependendo do conceito do diretor, qualquer ambiente sonoro criado com o
espetculo trilha sonora, enquanto Rafael Ferrari defende que, assim como a msica cnica,
trilha pode ser uma sonoplastia, pode ser um rudo. Segundo Johann Alex de Souza, o que as
pessoas chamam de trilha, ele entende como msica de cena, msica para teatro, seja ela
executada ao vivo ou gravada. Por fim, Adolfo Almeida Jr. conclui que trilha sonora acaba
sendo msica.
42

DIAS, Ana. Ator, cena e musicalidade. In: CASTILHO, Jacyan (org). Msica e musicalidade no espetculo
teatral. Revista Vox da Cena, Salvador, BA: Ano I n 1, maro de 2009: 37.

69

Percebe-se que a trilha sonora est totalmente conectada msica, e, a partir destas
respostas, chega-se a duas acepes sobre trilha sonora teatral:
- Trilha sonora total: onde todos os sons no espetculo fazem parte do conceito.
- Trilha sonora musical: resume-se s msicas cnicas da montagem teatral.
Ao entrevistar os oito criadores, observa-se que Rosacosta, Nicolaiewsky, Oliveira e
Finkler se enquadram mais no grupo que concebe a trilha sonora como total, enquanto que
Faria, Ferrari, Souza e Almeida esto no grupo de trilha sonora musical. Separa-se desta
forma por semelhana em suas respostas, mas certo que todos no tm um pensamento
fechado e respondem, em vrios momentos, com posturas que poderiam deix-los tanto em
um lado como em outro. Isto positivo, a abertura a novas possibilidades. No h uma
maneira correta.
Uma particularidade destes grupos: os criadores que exercem outra funo no teatro,
como a atuao, tendem a perceber a trilha sonora como total, enquanto os criadores
compositores, a observar uma trilha sonora musical.
Na trilha sonora total, o espetculo pode ser musical sem ter msica nenhuma, quer dizer,
as vozes, os sons que envolvem o espetculo, tudo uma composio executada frente ao
espectador, envolto e participante em seus sons. H toda uma concepo sonora que pode ser
real ou surreal. Por exemplo, a sonoridade do batimento cardaco pode ser desenvolvida por
diversos materiais, tanto por um sampler43 como por uma percusso corporal (batidas rtmicas
utilizando apenas o corpo do artista).
Na trilha sonora musical, os mesmos recursos so usados, mas o enfoque est nas
canes, nas msicas de ambientao, vinhetas e at efeitos sonoros, a maior preocupao
est na execuo, se gravada ou ao vivo.
Ambos os grupos esto sujeitos ao acaso sonoro, aos sons involuntrios que acontecem
em uma montagem teatral. Na trilha sonora total, o incidente sonoro um som incorporado no
espetculo, agregado de forma positiva ou no, que faz parte de toda a sonoridade do
acontecimento. Na trilha sonora musical, o acaso visivelmente algo incmodo, no que seja
agradvel ao outro grupo dependendo de qual som involuntrio se refere (o toque do celular
de algum na plateia, por exemplo, quase sempre incmodo), mas partindo de algo

43

Sampler um equipamento eletrnico/digital que consegue armazenar sons em sua memria, podendo
executar desde timbres de orquestra a sons da natureza.

70

aparentemente fechado como canes e vinhetas preestabelecidas, o som involuntrio no faz


parte da obra.
Um exemplo simples: o ator tosse sem querer ao cantar uma msica cnica em
apresentao. Do ponto de vista da totalidade sonora o som da tosse faz parte da cano,
enquanto que no vis musical, no. Porm, como estamos falando de teatro e no de um show
musical, o espectador no sabe se a tosse est incorporada, pois pode ser um som proposto.
As duas posturas se entrecruzam, mas seja qual for o ponto de vista, esto imersas no
acontecimento nico que a apresentao teatral. E, deste modo, sujeitas a novos sons em
cada dia, que o espectador absorver como a sonoridade do espetculo teatral.
Dois dos entrevistados (Johann Alex de Souza e Adolfo Almeida Jr.), no grupo em que se
destaca a trilha sonora musical, enfatizam o vnculo da trilha sonora do espetculo com a
msica feita para teatro. Pode-se constatar isso nas palavras de Almeida Jr.: tu podes pegar o
Saltimbancos e fazer capela, e da t fora no existe trilha, Saltimbancos as msicas todo
mundo conhece de cor, e tu pode fazer sem nenhum acompanhamento. A ento tu dispensas a
trilha e faz uma pea... Um musical tu pode fazer sem trilha. (ALMEIDA, 2010) O
compositor, desta forma, vincula apenas a parte instrumental da msica de teatro trilha
sonora, quando ressalta que um espetculo musical pode ser feito sem trilha. Pode-se
compreender sua tica observando que o ponto de vista dele o da composio instrumental,
porm o mesmo se contesta em outras questes, dando espao para a abertura de sonoridades
que no a msica de cena como parte da trilha do espetculo teatral.
De forma parecida com Almeida, Johann Alex de Souza nos esclarece este enfoque: se a
gente fosse falar que trilha sonora tudo o que tem som, ento da o texto tambm, porque o
texto ouvido pelo espectador. (SOUZA, 2010) O que se percebe aqui so apenas diferenas
de pontos de vista, pois Johann, ao dizer isso, dialoga com um conceito em construo de
trilha sonora total em que todo som pode fazer parte da sonoridade da pea teatral.
Talvez um pensamento de trilha sonora total esteja para um processo de criao mais
colaborativo, quando o criador fica presente a maior parte do tempo possvel com o grupo;
assim como a trilha sonora musical esteja para um processo de criao mais independente,
onde o criador compe suas inseres para o teatro dentro de seu prprio ambiente de
trabalho, preferindo o contato maior com as diretrizes do diretor da montagem.

71

Ao buscar adequar o conceito nas semelhanas e oposies, se trilha sonora teatral todo
o som que ali est presente, tambm se pode dizer que trilha sonora msica, quando o artista
se refere musicalidade do espetculo teatral, assim como as palavras de Nico Nicolaiewsky:
Eu acho que a msica no espetculo, no que eu j tenha trabalhado isso
praticamente com outras pessoas, isso uma coisa que eu fao, que eu penso no
Tangos e Tragdias, que eu acabo repetindo ele tantas vezes ao longo dos ltimos
vinte e cinco anos, que eu acabo pensando algumas coisas que eu no pensaria em
uma primeira vista. a coisa da musicalidade da prpria fala, quer dizer, o ritmo, o
tom, a msica que tem nos textos, ento os textos que eu dou, eu curto eles, na
verdade, como uma questo musical. Como uma questo de, quer dizer, a questo
musical que so, a entonao dele, se ele mais grave, ele mais agudo, os
aceleramentos ou desaceleramentos, os tempos, o quanto eu posso aproximar do
microfone e falar de uma outra forma, que uma emisso bem diferente de uma
outra, que mais forte... Pra mim isso tudo, na verdade, msica que tudo que a
pessoa escuta, tudo o que passa pelo ouvido pra mim t dentro da rea da msica.
(NICOLAIEWSKY, 2010)

A trilha sonora teatral no mais, nem menos, do que outro elemento na encenao.
Parte-se do pressuposto que tudo faz parte de uma composio: os atores, as solues cnicas,
a caracterizao atravs da maquiagem e figurino, a luz, o som, e o que mais vier a fazer parte
de determinada montagem. Tudo configura uma nica obra. O pblico faz parte destas
relaes todas, e tambm proporciona interaes sonoras no meio de seu silncio, que
segundo Cage, no existe. O filsofo italiano Giovanni Piana prope um pensamento a
respeito deste silncio:
Deveramos, ento, concluir que algo como o silncio no existe de modo algum e
que o mesmo se reduza apenas quela idia? [...] O fato de contrapor a tal silncio a
onipresena do som, e alm do mais como uma espcie de dado de fato, parece ento
menos significativo do que poderia parecer primeira vista. Na realidade, para
representar tal onipresena rica de sentido ns precisamos dar-lhe uma nova
interpretao. [...] Isso significa que o prprio silncio, em que se configure um
nico som, na sua preciso e determinao, pode ser concebido como uma espcie
de textura sonora, como uma trama de pequenos sons, como um borbulhar e um
murmrio. Tal silncio murmurante o outro aspecto do silncio: ele consta de uma
espcie de formigar de sons que se encontram no limiar da sensibilidade, que mal
so percebidos ou ficam quase totalmente despercebidos, guisa das coisas que
esto no fundo e que por isso no so percebidas. (PIANA, 2001, pp. 73-4)

Por que no nos aproximarmos do conceito de Piana sobre esta trama de pequenos sons
que configura um silncio, que mal so percebidos ou ficam quase totalmente despercebidos?
Assim como uma plateia que vai a um edifcio teatral para assistir a um espetculo, e procura
ficar atenta apenas aos sons emitidos pelos atuantes na encenao. O som desta plateia ainda
existe, esto envolvidos em seu silncio murmurante.
72

Trilha sonora no teatro tudo o que ouvimos no espao de apresentao da obra teatral
em seu acontecimento. Trilha sonora tudo o que se escuta no teatro, observando-a como as
sonoridades ali presentes. Pode-se classific-la como total ao abranger todos os sons do
espetculo, ou musical quando nos referirmos s msicas cnicas da montagem teatral.

3.2 O som da voz

A voz do ator o som mais importante no teatro. Assim como importante o som do ator
derivado de suas aes corporais. Observando a trilha sonora como toda a sonoridade do
espetculo teatral, a voz do ator a maior aliada do responsvel por criar sons para a cena.
Segundo Silvia Adriana Davini, a trilha sonora teatral dispe de materiais como a
possibilidade da msica, efeitos sonoros e a vocalidade dos atores.44 (DAVINI, 2007: 165,
traduo nossa)
Todavia, trata-se de um campo onde o criador de sonoridades deve buscar o mximo de
conhecimento em cada trabalho, tanto em embasamento terico quanto no contato com o
elenco. A funo de preparador vocal essencial em montagens teatrais atuais. Alguns
criadores de trilha, devido sua formao musical e prtica com composies destinada aos
atores, acabam exercendo tambm tal tarefa. Entende-se que caso o profissional no efetue
esta funo, deve dialogar com o responsvel por tal preparao no intuito de aproximar os
sons propostos da realidade dos atores.
No difcil notar que os atores brasileiros geralmente possuem dificuldades com suas
vozes em relao encenao, apesar de compreenderem a importncia da voz na cena.
Relata a professora da Universidade de Braslia que, no final do sculo XX, estudantes e
professores declaravam que a preparao vocal uma instncia primordial e inevitvel na
formao dos atores, mas a quantidade e carga horria das matrias vinculadas voz na
encenao nos planos de estudo dos cursos de artes cnicas eram muito limitadas.45
(DAVINI, 2007: 13, traduo nossa)
44

El diseo sonoro en el teatro, que incluye como materiales la posibilidad de la msica, de los efectos sonoros y
de la vocalidad de los atores, establece una discursividad.
45

Estudiantes y profesores declaraban en forma unnime que la preparacin vocal es una instancia primordial e
ineludible en la formacin de actores. Sin embargo, la cantidad y la carga horaria de las materias vinculadas a la
voz en performance en los planes de estudio de los cursos de artes escnicas eran muy limitadas.

73

Se, por um lado, a formao acadmica do ator carece de maior carga horria para o
desenvolvimento de sua vocalidade, por outro, os atores poderiam aprimorar mais suas
habilidades vocais atravs de cursos de aperfeioamento ou acompanhamento profissional.
Tal quadro retrato de um teatro que pende ao visual por sua cultura. Os atores possuem
grande interesse no trabalho de voz, mas quando chega o momento da preparao, surge o que
Davini nomeou de ansiedade vocal.
No fcil para os estudantes de teatro perceber e localizar suas vozes ou
compreender seus comportamentos. Se para uma cultura orientada visualmente o
que no visvel no existe, poderamos inferir que, pertencendo esfera do
acstico, a voz e a palavra proferida teriam sua presena enfraquecida na
performance.46 (DAVINI, 2007: 15-6, traduo nossa)

Ao compreender o espao que a voz do ator tem na criao de trilha sonora, o


profissional responsvel pode ajudar a reverter este quadro no tratamento com os atores.
Desconstruir a ideia da voz como instrumento um bom incio.
Para o musiclogo e professor de acstica aplicada Johan Sundberg, um ator usa o rgo
vocal para produzir som vocal e fala; um cantor o utiliza como instrumento musical.47
(SUNDBERG, 1987 apud DAVINI, 2007: 58, traduo nossa) Se a voz o instrumento,
quem o instrumentista? Um instrumento uma ferramenta, uma prtese que utilizamos
para um determinado fim e, portanto, no nem pode ser humano,48 (DAVINI, 2007: 84,
traduo nossa) argumenta Silvia Davini: Em si mesmo, nem um instrumento pode ocultar
nem um rgo pode revelar nada. o sujeito quem oculta ou revela; e o lugar do sujeito o
corpo.49 (DAVINI, 2007: 85, traduo nossa) A voz no pode ser considerada instrumento
do artista a no ser que o mesmo tenha uma concepo cartesiana de separao entre corpo e
mente. A voz o artista, no sentido em que sua sonoridade resulta em toda sua vivncia,
conectada suas virtudes e deficincias, sendo o som da voz, o resultado de uma emisso
corporal. Todavia, referir-se aos atores em relao suas vozes como instrumentos, pode ser
uma abordagem de fcil compreenso no trabalho com um grupo de pessoas, e as
46

No resultaba fcil para los estudiantes de teatro percibir y localizar sus voces o comprender sus
comportamientos. Si para una cultura orientada visualmente lo que no es visible no existe, podramos inferir que,
perteneciendo a la esfera de lo acstico, la voz y palabra proferida habran visto debilitada su presencia en
performance.
47
Un actor usa el rgano vocal para producir sonido vocal y habla; un cantante lo utiliza como instrumento
musical.
48
Un instrumento es una herramienta, una prtesis que utilizamos para un determinado fin y, por lo tanto, no es
ni puede ser humano.
49
En s mismo, ni un instrumento puede ocultar ni un rgano puede revelar nada. Es el sujeto quien oculta o
revela; y el lugar del sujeto es el cuerpo.

74

conceituaes da prtica podem ser aprimoradas com o passar do tempo em um processo de


criao, talvez elaborando conversaes (do ator em relao sua voz) de como ser
instrumento e instrumentista.
A preparadora vocal do The Royal Shakespeare Company, Cicely Berry, aproxima a voz
de um fenmeno complexo ao defini-la como: uma mescla complexa do que ouves, como
ouves, e como inconscientemente eleges usar isso que ouves a luz da tua personalidade e
experincia; a voz est condicionada por quatro fatores: ambiente, ouvido, agilidade fsica e
personalidade.50 (BERRY, 1993 apud DAVINI, 2007: 60, traduo nossa) Silvia Davini vai
alm e prope pensar a voz como uma produo do corpo capaz de gerar significados
complexos controlveis na cena, em uma tentativa de superar as noes de voz e corpo
dominantes no teatro contemporneo.
Todavia, o pensamento de Berry interessante para quem pensa a sonoridade do teatro
porque deflagra a ansiedade vocal dos atores, vinculando a vontade individual, o prazer e a
autoconfiana. Segundo Davini, a formulao de Berry aproxima-se de uma ideia da voz
como uma combinao de algum que percebe e produz sons.
O ator percebe e produz sons, co-criador da sonoridade do espetculo teatral. O
responsvel pela trilha sonora o auxilia com sons propostos. A fonoaudiloga Lucia Helena
Gayotto destaca:
Trabalhar a voz cnica envolve, muitas vezes e ao mesmo tempo, o treinamento de
atores que fazem abuso ou mau uso vocal, o trabalho com as necessidades vocais
para o palco e a construo vocal do personagem; e isto pressupe o conhecimento
da voz nas circunstncias cnicas e nos entrechos emocionais especficos s suas
cenas. (GAYOTTO, 2002: 23)

A produo sonora do ator se mescla em sua voz cotidiana e sua voz para a cena, a
capacidade de esculpir sonoramente as vontades e necessidades do personagem vital para o
ator (GAYOTTO, 2002: 41). No trabalho com os atores de O Avarento, foram enfatizadas
aos atores as propriedades do som: altura, intensidade, durao e timbre. As relaes destas
propriedades diferenciam-se em cada emisso vocal, e interessante que o ator saiba
diferenciar e conhecer as caractersticas de sua voz. O autoconhecimento est conectado com
a autoconfiana acima mencionada.

50

La voz es una mezcla compleja de lo que oyes, como lo oyes, y como inconscientemente eliges usar eso que
oyes a la luz de tu personalidad y de tu experiencia [la voz] est condicionada por cuatro factores: ambiente,
odo, agilidad fsica [y] personalidad.

75

A fala do ator, o texto pronunciado, faz parte da musicalidade do teatro. Os criadores de


trilha sonora que trabalham em suas casas preocupando-se mais com as msicas cnicas
perdem este contato direto, mas h um momento em que no possvel desconsiderar a voz:
nas canes que os atores cantam em cena.
O criador de trilha, ao estar prximo do ator, adapta a msica de acordo com suas
possibilidades. Como exemplifica Nico Nicolaiewsky, quando compe para um ator cantar,
ele tem um contato direto atravs dos ensaios para ver que notas o artista pode alcanar: no
adianta querer fazer uma msica l toda elaborada se o cantor s capaz de cantar uma coisa
muito simples, ento muito prefervel fazer uma coisa simples que v funcionar.
(NICOLAIEWSKY, 2010) Trata-se do trabalho e criao com as alternativas que so
melhores para aquele determinado grupo, por isso duas montagens de um mesmo texto ou
espetculo so to diferentes: pelas propostas da encenao, pelas influncias e pela maneira
como a equipe trabalha seus defeitos e virtudes.
O cantar em cena tem uma dificuldade extra: a tonalidade. Johann Alex de Souza fala
sobre tal questo: situaes em que o cara quer usar um instrumento de percusso
acompanhando vozes, no tem o registro tonal ali, da chega na hora, por exemplo, algum
puxa a cano em outra tonalidade e aquilo desanda, no tem o registro. (SOUZA, 2010) Um
grupo, ao comear a cantar em um tom, tende a seguir at o final com ele. Assume, mesmo
que inconscientemente, esta postura. difcil transpor na hora depois de iniciada cano, a
no ser que tenham treinado para isto.
Se o ator compreender as sonoridades sua volta, contribuir de forma diferenciada para
o espetculo, cantando da maneira que conseguir. Assim considera Flvio Oliveira, ao dizer
que o elenco deve fazer tcnica vocal para poder usar a sua voz de ator, no para cantar como
um cantor de pera. O compositor conclui este pensamento com uma frase que resume a
funo do ator quando executa uma cano em cena: cantar como um ator que canta.
(OLIVEIRA, 2010)
Muitas montagens atuais tem se utilizado do canto em cena. Independente da faixa etria
do pblico, vale lembrar, por exemplo, que os espetculos para crianas geralmente costumam
ter canes cnicas.
Sobre o canto e as prticas da trilha sonora gravada, se observa como aplicao recorrente
no teatro, os instrumentos gravados como base em uma msica cnica, e o uso de playback

76

nas canes. Entende-se playback como a gravao prvia dos instrumentos musicais e da
letra da msica cantada que os atores dublam a voz em cena.
Quando se utiliza os instrumentos gravados para o canto ao vivo, a expresso do ator
continua latente, e apesar do artista ter de cantar muito corretamente para no perder o
andamento, porque o tempo no ir oscilar, h a presena e o contato com o espectador
atravs da ao vocal.
Quanto ao uso de playback no teatro onde a voz do ator j est gravada, entende-se que
tal prtica empobrece o discurso sonoro da encenao e expe o ator negativamente. O
problema que fica claro ao espectador que a cano no est sendo executada por ele. H
casos emblemticos onde o profissional responsvel, ao lidar com um ator que no canta,
grava a msica com outro intrprete e o ator dubla ao fingir que canta em cena. Mesmo
quando o prprio ator grava sua voz em estdio, a voz fica diferenciada no momento da
execuo. A diferena se d porque sua voz acstica naquele momento reverbera de uma
maneira que no ser a mesma do timbre captado na gravao. Outro problema a diferena
de intensidade (volume) que h entre a voz acstica e a cano gravada, assim como o
posicionamento das caixas de som.
As caixas de som, em palco italiano, geralmente esto dispostas ao lado do palco, na
direo dos espectadores (public adress). J que os sons da cena, as vozes e outros materiais
sonoros so produzidos no espao de encenao, quando a sonoridade gravada entra em cena,
o foco da emisso vai para onde est a produo do som, neste caso, para os alto-falantes
dispostos ao lado do palco.
Como as canes cnicas so prticas comuns, muitos criadores de trilha sonora tm sido
chamados para tal funo. Algumas vezes, as equipes de produo escolhem compositores
que no possuem conhecimento teatral. Deste modo, a preocupao com a sonoridade do
espetculo resume-se s msicas. Um trabalho no nega o outro: possvel contar com um
bom profissional que desenhe sonoramente a pea teatral e um bom compositor musical, nas
vezes em que um mesmo artista no desempenhe ambas as funes.

3.3 A escuta e a sonoridade total

77

A execuo sonora no teatro interage com a arquitetura do local. Na apresentao, sempre


acontecem diversos tipos de sons involuntrios, oriundos da prtica na cena, dos espectadores,
dos outros elementos da encenao e da rua (mesmo dentro do edifcio teatral). E, partindo do
pressuposto que trilha sonora o que se escuta em uma apresentao, tais sons fazem parte do
acontecimento teatral, nico.
Se em um dia de apresentao do espetculo teatral a msica cantada pelos atores ficou
mais acelerada que o ensaiado, ou, em uma msica para ser executada com violo, flauta e
vozes, o ator-msico no achou a flauta na troca de cenas e entrou sem o instrumento para
continuar o espetculo, o pblico levar a impresso do que aconteceu. Para o espectador que
assistiu neste dia em que no havia flauta, a trilha sonora ocorreu da mesma forma.
A sonoridade do teatro o que escutamos em uma apresentao. Giovanni Piana reflete a
respeito da aplicao do verbo:
Nos jogos lingusticos correntes o ouvir representa uma condio necessria, mas
no suficiente, do escutar, sendo o escutar nada mais do que uma demora no ouvir
que pode assumir muitas formas. E sendo que aqueles jogos lingusticos no sabem
nada a respeito da diferena entre o fisiolgico e o psicolgico, o comeo da verbete
Escuta de R. Barthes e R. Hadas na Enciclopdia Einaudi
que diz
categoricamente: Ouvir um fenmeno fisiolgico; escutar um ato psicolgico,
no parece ser de modo algum um bom comeo, embora os desenvolvimentos
sucessivos sejam certamente ricos de interesse. (PIANA, 2001: 80)

Dois verbos em lngua portuguesa remetem recepo do som: ouvir e escutar. O criador
de trilha sonora Flvio Oliveira destaca que, na lngua francesa, existem trs verbos ligados s
sonoridades: entendre, our, couter, so trs nuanas, interessante que um deles entendre,
que a raiz de entender, o outro our que de ouvido mesmo, e couter que escutar.
Existem as diferenas... Mas principal da questo do teatro para mim a escuta.
(OLIVEIRA, 2010)
A maior diferena entre ouvir e escutar est na ateno, na apreenso. Assim sublinham
ditos populares que propagam: eles ouvem, mas no escutam. Independente de como se
conjugue o verbo eleito, h o vnculo com a audio, com o ouvido.
Ao contrrio de outros rgos dos sentidos, os ouvidos so expostos e vulnerveis.
Os olhos podem ser fechados, se quisermos; os ouvidos no, esto sempre abertos.
Os olhos podem focalizar e apontar nossa vontade, enquanto os ouvidos captam
todos os sons do horizonte acstico, em todas as direes. (SCHAFER, 1991: 67)

Nossos ouvidos no conseguem escutar apenas um ator, somos atrados pelas sonoridades
que nos cercam. Todavia, estamos propensos a filtrar apenas determinados sons, na tentativa
78

de ignorar outras sonoridades nossa volta. Esta propenso fora do hbito, prtica e
costume. Ao vivermos em locais onde h muita informao sonora, desenvolvemos
intuitivamente uma barreira e ampliamos o silncio murmurante do entorno.
O fato de habituar-se a poluio sonora no colabora com a prontido de nosso sentido
auditivo. Schafer destaca a necessidade da limpeza dos ouvidos, sempre importante a
todos os ouvintes e executantes da msica (SCHAFER, 1991: 67), ou seja, ouvir avidamente
os sons do ambiente.
O exerccio de abrirmos nossos ouvidos para outras sonoridades nos mostra um material
presente que no havamos notado. So sutilezas que aparecem e nos do novas possibilidades
de percepo.
No teatro, os sons presentes podem nos conduzir em uma montagem, se mostrarem
relevantes, indiferentes ou incmodos. Dependendo da apresentao, os rudos da plateia so
capazes de aborrecer outros espectadores e tirar sua ateno da obra em cena.
O rudo subjetivo, est no mbito da percepo de sons agradveis e desagradveis.
Para Schafer, rudo o som indesejvel, qualquer som que interfere, destruindo o que
queremos ouvir: para algum verdadeiramente emocionado com uma msica, mesmo os
aplausos podem se constituir numa interferncia (SCHAFER, 1991: 69). Estabelece-se desta
forma uma incoerncia conceitual em seu discurso, pois a reao do espectador em uma
apresentao no pode ser pr-determinada.
A percepo do rudo pessoal, na realidade, no se trata tanto de tomar sem mais nem
menos uma deciso a esse propsito, quanto de esclarecer se, proposta desta forma, ou seja,
por meio de uma referncia justificativa ao agradvel e ao desagradvel, tal distino entre
sons e rudos tenha uma efetiva consistncia conceitual (PIANA, 2001: 111).
Tudo depende do ponto de vista, ou, construindo a frase apropriadamente, ponto de
escuta. Refora Piana:
O cicio do vento entre as folhas ou a chuva martelante podero ser chamados
preferivelmente de barulhos sem que nesta designao esteja implicada
necessariamente uma reao negativa de rejeio ou aborrecimento. Ao passo que o
som de uma trompa que foi soprado grosseiramente no nosso ouvido, podemos
ainda cham-lo de som apesar do mximo aborrecimento que pode nos causar. [...]
Portanto, pretender que a distino entre sons e rudos seja uma distino inflexvel
e que a sua justificativa se apie na natureza do fenmeno sonoro, mais do que na
sua elaborao cultural, significa nada mais do que educar para o preconceito.
(PIANA, 2001: 112-3)

79

Os sons do acontecimento teatral compem a sonoridade total da obra. A trilha sonora


que se escuta provm dos mais diversos materiais de produo de som. O som involuntrio
est presente. Todavia, os sons propostos pela equipe so o foco principal da sonoridade
teatral. No costume esperar, em uma apresentao, por ser impreciso prever, por exemplo,
o aplauso em cena aberta, que seria a reao voluntaria do pblico cena durante o
espetculo. Porm, o teatro interao com a plateia, e o elenco, ao exercitar sua escuta,
poder manter a encenao sem que tal ao passe despercebida, lidando com os sons do
ambiente.

3.4 Criador versus executor

O processo de criao de trilha sonora no teatro pode estar integrado s msicas de cena
em um procedimento musical ou vinculado a toda sonoridade que cerca a obra teatral, em um
trabalho que denominamos total, completo.
Um pensamento de trilha sonora total complexo. No est presente unicamente no papel
do criador de sonoridades, ainda que este profissional possa facilitar a interlocuo sonora da
equipe em um espetculo teatral.
Um criador no pode, todavia, elaborar uma trilha total, pois no pode prever os sons
involuntrios. Ainda assim, ao tentar incluir as diversas sonoridades que provm de cada parte
da encenao (atores, figurinos, iluminao, cenrio, maquinrio cnico, palco, plateia,
ambiente interno e externo), ou refletir a relao destes em sua trilha proposta (msicas de
cena, efeitos sonoros, sonoridades de ambientao, materiais e equipamentos de produo de
som), estar em um processo de criao que abrange quase todos os sons do espetculo.
Desta forma, podemos diferenciar um criador de um executor de trilha sonora. Um
trabalho por encomenda de msicas est mais para o executor que para o criador de uma
sonoridade do espetculo. Por mais que um compositor crie msicas pedidas por um diretor
ou produtor, e que tenha liberdade no arranjo das mesmas, acaba executando um servio
pontual: um nmero estipulado de msicas. A encomenda pode, inclusive, ser bastante
especfica, indicando durao, ritmo e at tonalidade.
No trabalho, por encomenda, de msicas para o teatro, o compositor age dentro de um
mbito que lhe familiar e, de certa forma, confortvel: fazer msicas o seu trabalho. Esta
80

prtica vlida: no difcil localizar compositores que elaboram, com competncia, msicas
de cena. Nas entrevistas realizadas, encontram-se artistas que optam, em determinados
trabalhos, por tal metodologia.
Ao perguntar aos entrevistados se eles costumam ter contato com os outros criadores de
elementos de cena, atores e equipe do espetculo, no processo de criao, Arthur de Faria
respondeu: no, no muito, deveria at, talvez, mas eu prefiro que o diretor defina para todo
mundo. [...] At muitas vezes o iluminador vem falar pra ver a ideia, pra tentar fechar com a
trilha e tal, talvez eu at devesse, mas no... Eu acabo fazendo com o diretor mesmo.
(FARIA, 2010) Arthur prefere, pois, que o diretor d as coordenadas do processo de criao
do espetculo teatral. Relata, inclusive, o exemplo de um trabalho de criao de msicas para
um programa de televiso, e embora possa ter muitas diferenas com relao criao no
teatro, h paralelos comuns em um processo de encomendas de msica para utilizao em
uma obra artstica:
A nica vez que eu me estressei com uma trilha, foi uma trilha pra uma srie de
programa de televiso em que o diretor me disse faz o que tu quiser, e eu fiz o que
eu quis. A quando o cara ouviu disse no isso, eu disse bom, lamento, no
isso no, isso, vai ser isso, j est pronto, tu me disse faz o que tu quiser, eu fiz o
que eu quis, foi o que tu decidiu. (FARIA, 2010)

Quando o diretor de uma obra teatral solicita um trabalho ao compositor de msicas, deve
estar ciente do que quer. Pedir uma determinada cano para a cena e, depois que a
composio estiver pronta mudar de ideia, no s possvel como relativamente comum.
Nestes casos, quando quem encomenda no soube pedir e, ao receber o que solicitou, queira
mudar o servio, seria justo outro acerto de valores entre as partes envolvidas, pois tal
incumbncia caracteriza um novo trabalho para o compositor.
J o criador de sonoridades que est dentro do processo de criao do espetculo teatral
elabora uma identidade junto com a equipe presente. lvaro Rosacosta cita um de seus
trabalhos com trilha sonora que teve participao conjunta do grupo:
No processo criativo de uma linguagem, quando tu no tem uma linguagem e as
pessoas todas esto juntas criando isso, muito... Pra mim o processo ideal. A
nudez foi assim. Toda nudez ser castigada, todos os dias no ensaio ns vnhamos
com propostas sonoras diferentes. A gente procurava trazer elementos novos pra
impulsionar os atores. Ento eles combinavam no final do ensaio o que iam fazer no
outro ensaio, tanto em termos de luz, como de cenrio, como de som. Eram todas as
reas trabalhando juntas na composio do espetculo. Isso durante trs meses. s
vezes era s som, s vezes s... Mas o processo nunca ficou abandonado, sempre ia
modificando. Tanto que eu nem sei quando criou a trilha na verdade [...] Foi criada
do incio ao fim, porque, parece que ela estava pronta j... uma coisa to

81

estranha... Parece, assim que as cenas foram fazendo, essa trilha aqui pela cena, a
quando se costurou tudo comeou a botar na ordem, j estava tudo pronto, j estava
tudo encaminhado conforme o que se queria. Para mim o ideal isso, ... Desde o
incio estar trabalhando junto. (ROSACOSTA, 2010)

Percebe-se que uma trilha que busque contemplar o conjunto sonoro da obra teatral est
vinculada a um processo de trabalho em grupo. Por trabalho em grupo, entende-se um
processo onde a criao no est centralizada, e o estudo, o improviso e o instante so
propulsores de um raciocnio que dinmico. Em suma: trata-se de um processo colaborativo.
Em um processo colaborativo no se pode fixar formas nem metodologias (FISCHER,
2010: 224). concordando com tal afirmao que se reflete sobre as etapas e procedimentos
de criao de trilha sonora levantadas nesta pesquisa. Em um processo colaborativo, algumas
formas servem como inspirao, como construo de conhecimento. Todavia, s na prtica se
configuram as reais necessidades que direcionam o processo de criao cnica, nesse sentido,
as mltiplas experincias agregadas pelos envolvidos a partir de outros trabalhos,
proporcionam a incorporao de tais experincias em uma nova abordagem. Por mais que se
utilize de uma metodologia conhecida, ela ser enriquecida e redescoberta pela equipe em
questo.
Neste vis, pode-se citar duas companhias teatrais brasileiras que produziram, com xito,
sonoridades e msicas para a cena a partir de um processo colaborativo: a Companhia do
Lato, de So Paulo, e o Grupo Galpo, de Minas Gerais.
Consequentemente, o centro da criao artstica da companhia [do Lato] consiste
no desvendamento, mediante a dialtica. Outra via de pesquisa da companhia que
busca instaurar uma cena dialtica a insero do trabalho musical. Criada tambm
em consonncia com a cena, em que o msico-autor participa de todos os momentos
da pesquisa e improvisaes dos atores, a msica segue as mesmas caractersticas da
dramaturgia em processo, resultado da colaborao de todos os artistas para esse
fim. (FISCHER, 2010: 208)

Quando o criador de trilha sonora est inserido no trabalho, suas indicaes tambm
servem como um aprendizado para todos os envolvidos, principalmente para os atores que
estaro em cena durante a apresentao. O elenco tem que se apropriar dos signos sonoros em
uma obra, e, para isso, muitas vezes preciso trabalhar habilidades com o fim de executar e se
relacionar com as sonoridades. Dessa forma, mais uma vez o responsvel pela trilha age como
interlocutor que media as conversaes musicais com o grupo.
Martin Eikmeier, diretor musical da Companhia do Lato, cita que:

82

A reflexo a respeito do papel da msica no discurso teatral bastante rara, mas se


faz absolutamente necessria na medida em que a elaborao da mesma para um
enredo teatral divorciada de uma reflexo adequada pode vir a ser um investimento
(no escuro) na sua prpria decadncia. Tendo em vista que a Msica assunto de
uma classe de especialistas e o Teatro de outra, a mediao entre os dois passa a ser
um problema que poucos se propem a dedicar. Essa preocupao com o tema
alinha-se com o projeto esttico da Companhia do Lato, que antes de tudo colocar
os problemas da ordem do contedo e da forma para debate. (EIKMEIER, 2009: 17)

Compartilhando conceitos musicais com a equipe, a sonoridade do espetculo percebida


com maior clareza. No Grupo Galpo, o diretor e preparador musical Ernani Maletta se dedica
a estas questes:
No decorrer dos ensaios do espetculo Um Molire Imaginrio que sucedeu A Rua
da Amargura, estreou em 1997 e foi dirigido pelo ator Eduardo Moreira, um dos
fundadores do grupo houve um rpido e significativo progresso na performance
musical dos atores, tanto no aspecto vocal como instrumental, e na sua habilidade de
colocar em dilogo a msica com a encenao. Assim, para o Galpo, a polifonia
vocal, por intermdio do canto coral, tornou-se efetivamente um caminho para
estimular a atuao polifnica. Isso porque a execuo dos diversos arranjos vocais,
criados e trabalhados no grupo, um exerccio usual para a continuidade da sua
formao artstica, no apenas por alimentar a sensibilidade dos atores no que diz
respeito ao seu ouvido musical e ao canto, mas, tambm, por permitir que eles se
habituem a conviver com as vrias vozes que a encenao exige, ampliando a sua
capacidade de escuta cnica. (MALETTA, 2009: 30)

O trabalho com o canto coral realmente colabora para que os atores agucem sua
percepo sonora. Constata-se isto na montagem do espetculo teatral O Avarento, em que as
msicas cnicas tm divises de melodia diferentes. Tanto o grupo mineiro como o gacho
utilizam a msica como parte de uma integrao dentro de um processo, de um
aprimoramento do espetculo teatral.
Lembra-se a Companhia do Lato e o Grupo Galpo, nestas breves pontuaes, por seu
trabalho com a sonoridade na cena em um processo colaborativo. Ao dialogar com um
trabalho de montagem porto-alegrense, observa-se que h similaridades, mas tambm
diferenas. No se encontra, nas entrevistas e na vivncia do cenrio local, processo similar de
musicalidade e identidade com um grupo nas companhias gachas. H trabalhos em que se
percebe um pensamento voltado para a totalidade sonora, por parte de alguns profissionais,
mas em montagens pontuais. O Grupo i Nis Aqui Traveiz trabalha com processo
colaborativo e , neste sentido, o grupo local que mais se aproxima dos exemplos paulista e
mineiro, no que diz respeito concepo sonora, em seus espetculos.

83

O profissional responsvel pelas sonoridades, dentro do processo de criao, um


interlocutor que media as conversaes musicais do espetculo teatral. E vale dizer que a ao
teatral pode ser muito musical, mesmo quando no h msica.
A trilha sonora est presente em toda sonoridade no teatro. Os signos sonoros so
interpretados pelos espectadores e tambm pelos artistas, atravs da escuta. Da a importncia
de nossos ouvidos na percepo dos sons que nos cercam. A sonoridade proposta pelo criador
de trilha se insere neste conjunto auditivo, e em cada apresentao milhares de ondas sonoras
se deslocam pelo espao, formando uma composio. Desta forma, o profissional que
presencia e participa do processo de criao com toda equipe de um espetculo teatral tem,
para seu trabalho, material a perder de vista... . A perder de escuta.

84

CONCLUSO

85

Novos horizontes

A plateia entra no espao destinado apresentao. Carrega da rua o peso da poluio


sonora. As pessoas falam alto umas com as outras para que a conversao seja possvel. s
vezes h uma msica de ambientao inserida neste momento para que os espectadores
possam se acostumar com uma nova proposta sonora. Aos poucos a conversa diminui, uns
desligam o celular, outros, ao escutarem msicas caractersticas de aparelhos telefnicos
mveis desligando, lembram-se tambm de desligar ou silenciar seus aparelhos. Os trs sinais
sonoros so executados para lembrar que o espetculo j vai comear. Silncio murmurante.
Do outro lado, os atores preparam-se para a apresentao. ltimos minutos. Ouvem-se os
sons da plateia, e atravs da intensidade sonora percebem se a casa est cheia ou vazia. Tal
situao influi psicologicamente. s vezes distingue-se a risada ou voz de algum. Bebe-se
gua para hidratar a garganta. Alguns atores aproveitam para fumar um ltimo cigarro,
desespero do diretor musical. Transmitem-se boas energias. Ouvem-se os trs sinais sonoros
seguidos do silncio murmurante da plateia. O espetculo comea.
Existe uma infinidade de sons em uma apresentao teatral. Quando comea o
espetculo, surgem as sonoridades propostas e ensaiadas pelos artistas. Estes sons se
misturam a outros que ali so produzidos e a troca intensa. Tudo faz parte da sonoridade
daquele acontecimento. Intencional e involuntrio.
Os elementos de cena produzem sonoridades tambm, um figurino que atravs de sua
movimentao emite sons, a iluminao, o cenrio e, obviamente, a trilha sonora. Termo
confuso devido a suas diversas interpretaes, a trilha sonora, no teatro, trata da sonoridade
em cena. No se trata apenas das msicas cnicas, mas tambm dos sons de ambientaes,
efeitos sonoros, e todo e qualquer som presente na apresentao, incluindo-se a voz dos atores
e os sons do acaso, trazendo o espao teatral e os espectadores para a discusso.
Na realidade, prope-se uma reflexo da sonoridade como um todo, inserida no
espetculo teatral. O termo trilha sonora, neste aspecto, pouco importa, e de fato no parece o
mais apropriado. Todavia, ao atribuir este nome atualmente a um dos poucos termos
exclusivos aos signos sonoros, entende-se que sua abertura necessria, tanto para um grupo
teatral que se utilizar da trilha, como para o criador que ser responsvel por tal encargo.
As entrevistas trouxeram diversas experincias que serviram para ampliar o debate, em
que se observou duas distines nos pensamentos de criao de trilha sonora, um ligado s
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msicas cnicas, e outro que inseria outras sonoridades para o discurso, como uma totalidade
de sons.
Um discurso de trilha sonora total traz o acaso e o acontecimento como prerrogativa, no
sendo possvel prever todos os sons de cada apresentao. Tal afirmao lida com a
efemeridade do teatro, onde toda exibio nica. No se tem como antecipar os sons
involuntrios, ento o papel do responsvel pelas sonoridades est na elaborao de alguns
materiais sonoros propostos e na articulao da musicalidade do espetculo com a equipe.
O criador de trilha sonora teatral um artista hbrido, s vezes mais ligado msica,
outras, mais ao teatro. Observa-se a falta de dilogo sobre a temtica abordada, logo o
criador-compositor acaba desenvolvendo metodologias individuais e tirando concluses a
respeito do trabalho, que, dependendo do caso, podem no contemplar a necessidade do grupo
de atores.
O envolvimento do profissional na montagem teatral o distinguir criador ou executor.
Um criador busca dialogar com a equipe e participa ativamente do processo, sua proximidade
fundamental. J um trabalho de encomendas de msicas est para o lado executor de um
responsvel pelos sons propostos. Encontram-se montagens em ambas vertentes, mas
defende-se o papel do criador de sonoridades presente, por sua mediao dos dilogos
musicais e responsabilidade de proporcionar momentos para aprimoramento da escuta dos
atores, principalmente.
O ator est presente na trilha sonora, na sonoridade do espetculo. salutar que
desenvolva percepo dos sons do ambiente e treine sua voz tanto para o canto em cena como
para a palavra proferida. Os atores emitem sons no apenas com suas vozes, mas com as
relaes corporais. O som do movimento, um simples deslocamento no palco pode ser rico
em sonoridade. Assim como a respirao, que mostra tanto um envolvimento na obra como o
preparo fsico do artista.
H vrias funes nesta fronteira teatral-musical. importante destacar, alm do criador
de trilha sonora, duas atribuies comuns e suas variaes: o ator-msico e o msico-ator. O
primeiro um artista teatral inserido em um contexto musical no espetculo, seja tocando um
instrumento ou cantando. O segundo um artista musical inserido na obra teatral. Quando um
ator toca um instrumento musical, ou interpreta uma cano, no se busca um virtuosismo, e
sim competncia: que o artista consiga executar a funo de forma a contribuir com o
espetculo, integrando a atividade musical ao cnica. Cantar ou tocar como a personagem
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canta ou toca. Da mesma forma, quando msicos so inseridos em uma montagem teatral, no
se espera desempenho corporal como os atores que tiveram uma preparao para tal, mas o
entendimento que outros signos em sua ao, que no sua sonoridade apenas, sero
absorvidos pelo espectador. Sua caracterizao como figurino e maquiagem, por exemplo,
tem de estar inserida no contexto teatral.
Na trilha sonora teatral, os equipamentos eletrnicos so forte aliados. Podem tornar-se
problemas, quando precrios. Com msicas cnicas e efeitos sonoros gravados, a montagem
fica entregue qualidade tcnica do edifcio teatral. A no ser que o grupo leve seu prprio
material e tenha liberdade para mont-lo. Nos espetculos de rua h uma proporo muito
maior de sonoridades propostas executadas ao vivo do que gravadas. Nisto, incide em que
local ou rua esto, se h prdios na volta, em um fator crucial: reverberao.
O local de apresentao revela todos os materiais que serviro para refletir o som emitido
na pea teatral. As paredes, projetadas em um teatro ou improvisadas como postes, rvores,
placas e fachadas na rua, podem contribuir com a sonoridade. A melhor forma de testar a
reverberao do local ensaiar, ir para o ambiente e bater palmas, falar. Tudo para que o ator
e o espectador possam exercer a mais importante ao a respeito do som: a escuta.
Em uma sociedade que preza pelo visual, a audio um possvel diferencial de
referncia. Ao participar de uma jornada pedaggica de um colgio privado porto-alegrense
no incio deste ano, o pesquisador notou um vdeo passado aos professores de ttulo O poder
da viso. As reflexes iniciais voltaram neste instante ao constatar o fato de uma cultura que
valoriza um sentido humano em detrimento do outro, sem perceber que tudo est conectado.
O vdeo comoveu a maioria dos participantes, com a ajuda de dois aspectos sonoros: a msica
de fundo e a voz de um narrador.
Tal exibio falava sobre a importncia de observar diferentes pontos de vista na vida, e
realmente isso necessrio. Porm isso lembra a citao de Schafer, que o ouvido no
seletivo, as pessoas no possuem plpebras nos ouvidos como nos olhos, e mesmo ao
descansar continua-se a ouvir os sons que cercam a todos. Assim lembra-se que ter um ponto
de escuta to importante quanto um ponto de vista.
Volta-se o aspecto audiovisual do teatro. O criador de trilha, ou o responsvel pela
articulao dos sons na montagem, assume um papel fundamental em um processo de criao,
pois este profissional a referncia sonora e musical dos envolvidos em determinado
trabalho.
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A trilha sonora teatral, ou a sonoridade do espetculo, construda por todos os


envolvidos na ao cnica, por seus propositores como o criador de trilha e o diretor, em
relao com o acontecimento: interao naquele tempo, momento, edifcio, plateia, e demais
circunstncias que produzam, alterem e receptem a vibrao sonora.

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Entrevistas:
ALMEIDA JR., Adolfo. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na cafeteria da
Usina do Gasmetro - 3 andar, Porto Alegre: 19 jan. 2010.
FARIA, Arthur de. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na rdio Pop Rock,
Porto Alegre: 15 jan. 2010.
FERRARI, Rafael. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na cafeteria da Casa de
Cultura Mrio Quintana - andar trreo, Porto Alegre: 26 mar. 2010.
FINKLER, Gustavo. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada atravs de
correspondncia eletrnica, Porto Alegre: 05 fev. 2010.
NICOLAIEWSKY, Nico. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na casa do
artista, Porto Alegre: 22 jan. 2010.
OLIVEIRA, Flvio. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na casa do artista,
Estncia Velha: 05 abr. 2010.
ROSACOSTA, lvaro. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na casa do artista,
Porto Alegre: 14 jan. 2010.
SOUZA, Johann Alex de. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na Palavraria,
Porto Alegre: 01 abr. 2010.

Sites consultados:
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ANEXO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL UFRGS
INSTITUTO DE ARTES IA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES CNICAS PPGAC

A TRILHA SONORA NO TEATRO


Marcos Machado Chaves
Orientao: Prof. Dr. Clvis Dias Massa

QUESTIONRIO PARA CRIADORES


DE TRILHA SONORA TEATRAL

1- Qual sua formao profissional?


2- H quanto tempo voc trabalha criando sonoridades para espetculos de teatro, e o que
o levou a iniciar neste processo?
3- Voc exerce ou j exerceu outras funes no teatro? De que forma essa experincia
influencia ou contribui para seu trabalho como criador de trilha sonora?
4- Qual o ltimo (ou atual) diretor e obra (e ano) com que trabalhastes?
5- Quais as experincias consideras importante em sua trajetria?
6- Voc trabalha com criao sonora em outra rea artstica? Qual a relao (ou
diferencial) com a criao de trilha sonora no teatro?
7- Como voc costuma lidar (trabalhar) com os diretores de teatro?
8- Voc costuma ter contato com os outros criadores de elementos de cena, atores e
equipe do espetculo no processo de criao?
9- Quais so as dificuldades que voc costuma encontrar no trabalho com trilha sonora?
10- No caso de msica cnica, como voc procede?
11- Voc trabalha mais com trilha gravada ou acstica?
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12- Qual sua relao com o espao teatral (espao de apresentao)? Em que medida o
conhecimento sobre o espao teatral determinante para o processo de criao?
13- Costumas alterar o resultado aps visualizao em apresentao?
14- Sobre sua relao com o espectador, ele considerado em alguma etapa no seu
processo de criao de trilha sonora para o teatro?
15- Voc observa a reao do espectador aps o resultado? Isso influencia na prpria trilha
ou em suas ideias para trilhas futuras?
16- O que trilha sonora para voc? (ou O que abarca a trilha sonora?)
17- Como voc observa os sons involuntrios em uma apresentao teatral? (Os sons
involuntrios e a abertura para o acaso tm alguma relao com a trilha sonora do
espetculo? Em que medida o acaso previsto?)
18- Como voc descreveria um processo ideal para criao de trilha sonora no teatro?

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