Trilhasonoratese
Trilhasonoratese
Trilhasonoratese
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES CNICAS
PORTO ALEGRE
2011
PORTO ALEGRE
2011
Banca examinadora:
AGRADECIMENTOS
Aos criadores de trilha sonora entrevistados que, com gentileza, dividiram suas
experincias: Adolfo Almeida Jr., lvaro Rosacosta, Arthur de Faria, Flvio Oliveira,
Gustavo Finkler, Johann Alex de Souza, Nico Nicolaiewsky e Rafael Ferrari.
Ao Grupo Farsa, principalmente ao diretor Gilberto Fonseca e aos colegas de O
Avarento e Tartufo (peas que integram a trilogia As Trs Batidas de Molire), pela parceria e
incentivo com relao ao tema deste trabalho.
Cia. de Teatro ao Quadrado e ao Grupo Depsito de Teatro, pela abertura aos seus
espetculos Mes & Sogras e Solos Trgicos, no incio desta pesquisa.
Ao meu orientador, Clvis Dias Massa, que encontrou palavras diversas para mostrar
o rumo do trabalho e por aceitar embarcar neste tpico que est entre as artes teatral e
musical.
Ao Programa de Ps-Graduao em Artes Cnicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e ao Governo Federal por propiciar estudo e qualificao.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior pela bolsa (PROFCAPES) concedida, fundamental para o exerccio da pesquisa.
minha famlia, que mesmo de longe acompanha os passos de minha trajetria
artstica, torcendo ativamente a cada nova fase. A minhas irms artistas, Fernanda e Marina,
por sua amizade e por trazerem ao mundo crianas lindas que se e nos inspiram
artisticamente. A meus pais, Silvano e Mara, pelo carinho e incentivo constante.
A minha esposa, colega de teatro e colega de Mestrado, Ariane, por tudo.
RESUMO
ABSTRACT
This research proposes the construction of a different theater sound design concept, and a
sound designer function analyze, also difficulty on the creation to execution process,
especially to sound designer creator and not just executor. Through interviews with theater
sound designers that act in Porto Alegre, chosen by yours different works, we search new
ideas between theater and music. Through writers as Murray Schafer, Giovanni Piana and
Lvio Tragtenberg, this research dialogues about sound in theater. We learn about two
definitions about theater sound design: total sound design, when every sound in the play is in
the concept, and musical sound design, when we deal only with the music of the play.
SUMRIO
APRESENTAO
Foram dados os trs sinais
14
CAPTULO 1
1.1 Trilha sonora ou no: eis a questo
19
1.2 Metodologia
21
24
27
34
CAPTULO 2
2.1 Caractersticas da criao de trilha sonora
47
52
54
54
55
2.2.4 Improviso
57
58
60
62
CAPTULO 3
3.1 Trilha sonora total e trilha sonora musical
69
73
77
80
10
CONCLUSO
Novos horizontes
86
REFERNCIAS
90
ANEXOS
Questionrio para criadores de trilha sonora
94
96
11
LISTA DE ILUSTRAES
12
APRESENTAO
13
Jean-Baptiste Poquelin, conhecido por Molire, foi ator e dramaturgo, viveu na Frana do sculo XVII.
Comediante do rei Lus XIV, firmou as batidas para avisar ao pblico que o rei estava chegando ao recinto. A
terceira batida sinalizava que Sua Majestade havia sentado, e com isso o espetculo iria iniciar.
2
Dirigida por Kinho Nazrio na cidade gacha de Novo Hamburgo em 1995, Grupo Fazendo Arte.
14
lbum de fotografias e imagens que ela via materializavam-se em diferentes cantos do palco,
de onde os atores encenavam poesias que faziam aluso ao momento da vida da protagonista.
Em Folhas ao Vento, o diretor utilizou parte da trilha sonora do filme O Piano (1993) de
Jane Campion, elaborada por Michael Nyman. Houve uma apresentao em que foram
dirigidos alunos de um coral para fazer parte da esquete. No incio da apresentao, os
participantes cantaram a msica Todo Sentimento, de Chico Buarque, e diziam, atravs da
melodia: preciso no dormir at se consumar o tempo da gente.
Este acontecimento marcou as crianas que ali estavam, dispostas a encenar. Depois da
sada dos coralistas entrava o piano de Nyman em um arranjo vigoroso. As crianas estavam
ali, umas em prontido na coxia, esperando sua deixa para entrar em cena, outras, como eu,
com os olhos esbugalhados no canto absorvendo as melodias e harmonias que construam,
junto com os interpretantes e espectadores, uma composio cnica nica.
A partir da, entendi a importncia da msica no teatro. Compreender o valor dos mais
diversos sons em uma encenao teatral foi um processo gradual, desenvolvido durante o
exerccio prtico no teatro: em cada trabalho, em cada apresentao, com as diferenas entre
os grupos, elencos, equipes, modos de ensaios, salas, aparatos tcnicos, espaos cnicos e
espectadores.
O fato que depois das experincias infantis, nunca parei de praticar a arte teatral. Na
adolescncia enveredei tambm pela arte musical, participando de grupos e bandas. Prestei
vestibular para o curso de msica na Universidade Federal de Pelotas, pois no havia, na
poca, curso de teatro ou artes cnicas naquela universidade. Ali se iniciou minha jornada
acadmica (as relaes pessoais com msica e teatro estavam s comeando).
Costumo dizer que fiz um curso de teatro em uma faculdade de msica, pois nos quatro
anos dentro da universidade, observei paralelos entre as duas artes no decorrer das disciplinas.
Integrante e bolsista do Ncleo de Teatro da UFPel, ministrei cursos de extenso pelo
Departamento de Msica e Artes Cnicas. Nesta poca, tive as maiores experincias com a
prtica musical, integrando bandas e participando de recitais e festivais de msica. O
instrumento de escolha, piano/teclado, no foi decidido por acaso, as melodias de Folhas as
Vento continuavam como motivao, e o recital de concluso de curso teve a msica The
Heart Asks Pleasure First, do filme O Piano e da citada esquete teatral, como encerramento.
O trabalho de concluso de curso que elaborei abordou A importncia da educao musical
para a prtica teatral.
15
Espetculo teatral de Jlio Fisher, encenado pelo Grupo Farsa com estria em setembro de 2005 no Teatro
Renascena em Porto Alegre. Direo de Gilberto Fonseca.
4
Texto de Molire, adaptado, contemplado com o Prmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2008. Direo de
Gilberto Fonseca. Data de estreia: 14 de agosto de 2009 - Teatro de Cmara Tlio Piva em Porto Alegre.
5
Montagem contemplada atravs de edital 01/2010 do FUMPROARTE Fundo Municipal de Apoio Produo
Artstica e Cultural de Porto Alegre. Direo de Gilberto Fonseca. Data de estreia: 03 de junho de 2011 - Teatro
de Cmara Tlio Piva em Porto Alegre.
16
Trabalhamos, em O Avarento, com o canto coral nos exerccios de preparao vocal dos
atores e nas msicas cnicas. O resultado foi positivo e a sonoridade do espetculo, desde sua
estreia, tem sido comentada em vrios eventos teatrais brasileiros.
Quando o espetculo recebeu indicao ao Prmio Aorianos de Teatro por Melhor
Trilha, em Porto Alegre, no ano de 2009, vrias perguntas surgiram: o que os jurados
analisam para indicar algum a tal categoria? Apenas as msicas de cena, as canes? Uma
proposta de ambientao sonora? A pesquisa da sonoridade do espetculo? A partir destes
questionamentos, percebi que necessrio enfocar o termo em questo.
As reflexes e dvidas sobre trilha no so apenas nossas: h a curiosidade do artista
teatral em entender e se relacionar com os elementos cnicos. Eu somente estava em um bom
momento para pr em pauta a trilha sonora. o que fao a partir de agora.
17
CAPTULO 1
18
19
Em uma das principais premiaes teatrais no Brasil, o Prmio Shell de teatro, no Rio de
Janeiro e So Paulo, so contempladas nove categorias: autor, diretor, ator, atriz, cengrafo,
trilha sonora, iluminador, figurinista e categoria especial. As indicaes cabem a um jri
formado por especialistas convidados. (SANTANA, 2010: 01) Nota-se que fora a categoria
especial, as outras esto com ttulo referente ao profissional da funo. No se premia o
figurino, mas o figurinista, no se premia o cenrio, mas cengrafo... A regra, porm tem
exceo: a categoria trilha sonora. Seria essa a funo do profissional? Sabemos que no, pois
ningum uma trilha sonora. simples, ento, perceber que h indefinio ou uma abertura
muito grande no significado do termo.
A observao de tal dado em premiaes teatrais no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e
So Paulo, levou-nos a procurar eventos similares, em outros estados, para verificao do uso
do termo. Em Minas Gerais h o Prmio Usiminas SINPARC (Sindicato dos Produtores de
Artes Cnicas de Minas Gerais). Dentre as categorias do prmio mineiro, a trilha sonora est
contemplada. No Nordeste, h o Prmio APACEPE (Associao dos Produtores de Artes
Cnicas de Pernambuco) de teatro e dana. Na categoria de teatro para a infncia encontramos
a classificao Trilha Sonora; para teatro adulto so duas as categorias: Melhor Sonoplastia e
Melhor Trilha Sonora Original.
Em festivais de teatro pelo Brasil, tambm encontramos o termo trilha sonora, como na
regio norte, no 6 Festival de Teatro da Amaznia, que aconteceu de 03 a 12 de outubro de
2009; e na regio centro-oeste, no 2 Festival Nacional de Teatro de Goinia, ocorrido de 18 a
25 de abril de 2010. No festival de teatro amazonense, h uma mostra competitiva que premia
trilha sonora, o mesmo acontece no festival goiano.
Sem o intuito de fazer apologia a prmios, os exemplos acima servem apenas para ilustrar
a maneira como, nestes modelos de premiaes, a classe teatral separa as funes de trabalho
e destaca alguns profissionais.
Esta nomenclatura, trilha sonora, est presente na rea teatral em todo o Brasil. Uma
pesquisa rpida sobre o assunto na internet demonstra isso. O que no se encontra o que
significa trilha sonora em cada local. Tambm possvel perceber a utilizao do termo em
programas (folhetos) de espetculos teatrais brasileiros. No unanimidade, pois muitos
definem a sonoridade de sua montagem com outros termos, mas trilha sonora facilmente
encontrada na ficha tcnica de muitas peas. Talvez tal categorizao nos programas dos
20
espetculos d margem para que os prmios mantenham este nome, ou vice-versa: a partir das
premiaes que o termo se estabelece nos programas.
O termo em questo a nica categoria (dentro dos modelos de premiaes citados) que
abrange exclusivamente a parte de udio na obra audiovisual que o teatro, pois todas as
outras (cenrio, figurino, iluminao) so visuais ou mesclas audiovisuais, como a
interpretao dos atores. Sendo assim, pode-se chamar do que quiser: som em cena, pesquisa
musical, etc. O que est proposto aqui no simplesmente a definio categrica deste
elemento teatral, mas um pensamento diferenciado a respeito da questo sonora no teatro.
Ser ou no ser trilha sonora. Pouco importa. A sonoridade no teatro e sua funo no
espetculo o enfoque principal deste trabalho.
1.2 Metodologia
21
As questes, nesse caso, devero ser formuladas de forma a permitir que o sujeito discorra e verbalize seus
pensamentos, tendncias e reflexes sobre os temas apresentados. O questionamento mais profundo e, tambm,
mais subjetivo, levando ambos a um relacionamento recproco, muitas vezes, de confiabilidade. (ROSA, 2008:
31)
22
entrevistas para relacionar. Buscou-se eleger nomes que, em sua diversidade, contemplem
diferentes mtodos de trabalhar com a criao de trilha sonora no teatro em Porto Alegre. A
opo por determinados profissionais para a entrevista deve-se a seu trabalho prtico e
possibilidade de trazer materiais diversos para a pesquisa, no havendo juzo de valor na
escolha.
Antes de ir a campo para fazer as entrevistas com os criadores de trilha sonora, elaborouse um roteiro com dezoito perguntas (vide anexo). A antepenltima questo, o que trilha
sonora para voc?, foi fundamental para que se pudesse mediar um conceito a respeito do
termo. Complementando esta pergunta, interroga-se tambm: o que abarca a trilha sonora?,
ou seja, quais os sons que fazem parte da trilha em um espetculo teatral? Trata-se de uma
pergunta simples e pessoal, que estava no fim do roteiro. As questes anteriores abordam a
formao do profissional, os motivos que o levaram a esta prtica, perguntas a respeito dos
processos de criao, da relao do criador de trilha com os demais criadores em uma pea de
teatro, das dificuldades encontradas neste tipo de trabalho, de questes sobre msica cnica,
sobre a relao do criador de sonoridades com o espao teatral e com os espectadores, at
chegar questo sobre o que seria trilha sonora, momento em que j est inserido o termo em
questo, para que o criador pudesse dar a sua opinio acerca de seu significado.
Perguntar o que trilha sonora para um criador de trilha sonora parece ser uma questo
bvia ou fcil. Por incrvel que parea, no . O pesquisador observa tal questo com
propriedade, pois tambm um artista que, dentre outras funes, cria sonoridades para a
cena teatral. No a toa que se traz esta questo pesquisa: ela tem como objetivo no perder
de vista a problematizao do termo, pois no difcil retornar quela ideia generalizante
sobre trilha sonora, algo que todos sabem do que se trata, mas que ningum sabe esclarecer.
As oito entrevistas aconteceram entre janeiro e abril de 2010. Ao entrar em contato com
os entrevistados, deixaram-se abertas opes para que eles escolhessem o local da captao,
motivo pelo qual os encontros aconteceram em lugares e datas diferentes. Alguns preferiram
que o entrevistador fosse at sua residncia, outros acabaram marcando o bate-papo em
cafeterias ou livrarias. Todas as entrevistas foram gravadas ao vivo, na cidade de Porto
Alegre, exceto a do profissional Flvio Oliveira, realizada em Estncia Velha, cidade prxima
capital gacha. A nica entrevista no gravada por captao de udio foi com o artista
Gustavo Finkler, radicado em So Paulo, que respondeu ao questionrio por e-mail.
23
Desta maneira, colhendo material de novas fontes, procura-se observar e entender melhor
o termo trilha sonora, compreender todos os sons provenientes dos mais variados e variveis
pontos de produo sonora em uma apresentao teatral, priorizando a cena e o processo de
criao, levando em considerao o acontecimento como nico, diferenciando-o da obra ou
no, mas, sobretudo, com o intuito de provocar a reflexo de artistas do teatro e da msica,
artes que trocam experincias desde o incio de suas trajetrias, conhecendo melhor a prtica
dos criadores de trilha sonora.
Alguns exemplos de trabalho com criao de trilha sonora para espetculos teatrais: Chapeuzinho Amarelo,
Saltimbancos e As Galinhas, dirigidos por Dilmar Messias (anos 80); O Imprio da Cobia, do grupo Tear, por
Maria Helena Lopes (1987); Ubu Rei, com direo de Dilmar Messias (1988); Jato de Sangue, por Shirley
Rosrio; Solos Trgicos, dirigido por Roberto Oliveira (2010).
24
formado em Composio pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Alm de trabalhar
com teatro, possui vasta produo artstica musical, como o cd Majestic (2003) com produo
independente. Recebeu indicaes e prmios diversos, destaque para o Aorianos de msica
como Melhor Msico Erudito em 2006.
lvaro Rosacosta9, tambm natural de Porto Alegre, denomina-se artista. Cria trilha
sonora para teatro desde 1997. Como instrumento principal, cita a voz. formado em Artes
Plsticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tambm recebeu diversas
indicaes e prmios por suas trilhas sonoras teatrais, como o Tibicuera de teatro infantil em
2005 e o Quero-quero em 2006 pela trilha original de A Tempestade.
Arthur de Faria10, da mesma forma porto-alegrense, compositor, intrprete,
arranjador, produtor e instrumentista. Cria trilha sonora para teatro h 25 anos. Como
instrumento principal, cita o piano. formado em Jornalismo pela Pontifcia Universidade
Catlica do Rio Grande do Sul. Destaca em sua obra a discografia de Arthur de Faria & Seu
Conjunto: Msica Para Gente Grande (1996) e Msica Para Bater Pezinho (2005). Alm de
condecoraes por trilhas teatrais, recebeu prmios de Melhor Compositor (1997) e Melhor
Produtor Discogrfico (2000) no Aorianos de msica.
Flvio Oliveira11, natural de Santa Maria, compositor. Cria trilha sonora para teatro h
47 anos. Como instrumento principal, cita o piano. De 1986 a 1990 lecionou no Departamento
de Msica do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. formado em
Letras - Grego e Latim - pela mesma universidade. Trabalhou na criao de trilha sonora de
diversos espetculos teatrais, como, por exemplo, na estreia mundial das trs comdias do
autor Qorpo Santo Matheus e Matheuza, Eu Sou Vida, Eu No Sou Morte e As Relaes
9
Entre os trabalhos de criao de trilha sonora para teatro, destacam-se: Chapeuzinho Amarelo, com direo de
Camilo de Llis (1997); A Bela e a Fera, da Cia. Teatro Novo, dirigido por Ronald Radde (1997); O Bandido e o
Cantador, direo de Patrcia Fagundes (1997); Toda Nudez Ser Castigada e Nossa Senhora dos Navegantes,
dirigidos por Ramiro Silveira (2001); O Banho, da Cia. Trpsi (2002); A Tempestade, com direo de Jezebel de
Carli (2006); Histrias de Bruxa Boa, da Cia. Teatro Novo (2008); Sonho de Uma Noite de Vero, direo de
Daniela Carmona e Adriano Basgio (2009); DentroFora, da In.Co.Mo.De-Te (2009).
10
Alguns exemplos de trabalho com criao de trilha sonora para teatro: O Rei Nunca Riu, da Cia. Stravaganza,
com direo de Lus Henrique Palese (1994); Beladormecida, dirigido por Z Ado Barbosa (1995); Flicts, pelo
grupo Camaleo, com direo de Roberto Oliveira (1997); A Histria do Prncipe Que Nasceu Azul, dirigido por
Marcelo Aquino (2001); Antgona, direo de Luciano Alabarse (2004); Solos Trgicos, dirigido por Roberto
Oliveira (2010).
11
Pode-se citar, de sua extensa trajetria como criador de trilha sonora, sua participao nos espetculos Dona
Rosita, a Solteira, dirigido por Maria Helena Lopes (1967); Cordlia Brasil, dirigido por Wagner Mello (1968);
O Transplante, com direo de Delmar Mancuso (1969); Mockingpott (Wie dem Herrn Mockimpott das Leiden
ausgetrieben wird De Como se lhe Estirpou o Mal ao Sr. Mockimpott) de Peter Weiss, dirigido por Jos Luiz
Gomz (1975) no Teatro de Arena; A Transformao, de Eduardo Pavlosvsky, com direo de Paulo
Albuquerque (1983); Merlin ou a Terra Secreta, com direo de Arines bias (1984); Mundo, o Segredo da
Noite, dirigido por Gilberto Icle (1998).
25
Naturais com direo de Antnio Carlos Sena (1966); na trilogia perversa de Ivo Bender
1941 (1996), em As Bodas de Theodora (2000) e em A Ronda do Lobo (2002) com direo
de Dcio Antunes. Participou de vrias edies do Encontro de Compositores da HispanoAmrica, coordenando o evento em 2001. Produziu tambm vrias outras obras ligadas rea
musical, como o lbum Tudo Muda, realizado em 2002, que recebeu dois prmios Aorianos
na categoria msica erudita: Melhor CD e Compositor. Recebeu premiaes diversas em
msica e teatro em todo o Brasil.
Gustavo Finkler 12, nascido em Porto Alegre, denomina-se msico. Cria trilha sonora
para teatro h 25 anos. Como instrumento principal, cita o violo. formado em Jornalismo.
Destaca, em suas obras artsticas, a autoria do texto e trilha sonora do livro-cd-espetculo A
Famlia Sujo, com direo de Mirna Spritzer e Raquel Grabauska; e a trilha sonora do curtametragem Dona Cristina Perdeu Sua Memria, de Ana Azevedo. Recebeu diversos prmios
tanto em eventos teatrais (Tibicuera de teatro infantil e Aorianos de teatro) como em eventos
de outras reas artsticas (Aorianos de dana, Aorianos de msica e Aorianos de literatura
na categoria Melhor Livro Infantil por O Natal de Natanael em 2003).
Johann Alex de Souza13, natural de Santa Maria, tambm denomina-se msico. Cria
trilha sonora para teatro h 13 anos. Como instrumento principal, cita o violo. formado em
Msica pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Trabalhou com diversos
espetculos teatrais na criao de trilha sonora, em sua maior parte com o grupo i Nis Aqui
Traveiz. Recebeu prmio Aorianos de teatro por Melhor Trilha nos anos de 2002 e 2009,
assim como o Prmio Shell de Teatro de So Paulo em 2007.
Nico Nicolaiewsky 14, natural de Porto Alegre, msico e ator. Cria trilha sonora para
teatro h 30 anos. Como instrumento principal, cita o piano e o acordeon. Integrou e foi um
dos fundadores da banda Saracura, grupo que se destacou no rock gacho de 1978 a 1983.
12
Na criao de trilha sonora, destacam-se os trabalhos: Um Conto de Inverno, com direo de Irion Nolasco
(1996); A Bota e Sua Meia, dirigido por Camilo de Llis (1997); A Mulher Gigante, com o grupo fundado por
ele - Cuidado Que Mancha (1999); A Famlia do Beb, de Carlota Albuquerque da Cia. Terps (1999); As Traas
da Paixo, dirigido por lcio Rossini (2000); Deus e o Diabo na Terra da Misria, de Hamilton Leite (2000); O
Negrinho do Pastoreio, do grupo Oigal de teatro de rua.
13
So exemplos de trabalho com criao de trilha sonora, em espetculos teatrais do grupo i Nis Aqui Traveiz
(direo coletiva): Hamlet Mquina, (1999); A Saga de Canudos, (2000); Kassandra In Process, (2002); A
Misso, (2006); O Amargo Santo da Purificao, Vida e Morte do Revolucionrio Carlos Marigella, (2008).
14
Alguns exemplos de trabalho com criao de trilha sonora para espetculos teatrais: Cabea-Quebra-Cabea,
com direo de Jlio Conte no Grupo Do Jeito Que D (1985); Canto do Lobo, dirigido por Mrcia do Canto e
Toninho Lobo na Cia. de Teatro Mmico (1989); Um Tiro Que Mudou a Histria (1990) e Tiradentes Uma
Inconfidncia no Rio (1992), ambas dirigidas por Aderbal Freire Filho Centro de Demolio e Reconstruo do
Espetculo; Marleni, com direo de Mrcia do Canto (2009).
26
Atua no tradicional espetculo Tangos & Tragdias, que mistura msica e teatro, desde 1984
(obra que continua em cartaz, sendo sucesso de pblico). Alm de trabalhar com teatro, possui
ampla produo artstica musical, como os discos solo Nico Nicolaiewsky (1996), As Sete
Caras da Verdade (2002), uma pera-cmica, e Onde est o Amor? (2008). Recebeu
indicaes e prmios por Melhor Trilha; tambm recebeu indicao ao prmio Sharp de
msica em 1992.
Rafael Ferrari15, porto-alegrense, bandolinista, compositor, arranjador, produtor
musical e professor. Cria trilha sonora para teatro h quatro anos. Como instrumento
principal, cita o bandolim de 10 cordas. Gravou dois discos com a Camerata Brasileira, grupo
que ajudou a fundar. Recebeu o prmio Aorianos de msica (categoria msica instrumental)
como Melhor Compositor (2007).
Como se pode observar, so entrevistados de diferenciadas formaes e geraes,
trajetrias e experincias, que trabalharam em espetculos tradicionais ou inusitados,
elaborados para os mais variados locais de apresentao: de edifcios teatrais a espaos no
convencionais.
A diversidade do trabalho dos artistas entrevistados permite aprofundar questes
referentes trilha sonora a partir das semelhanas e diferenas entre eles. Diante dessa
diversidade, acabamos reforando ou destruindo conceitos, elaborando e reelaborando
conhecimentos sobre o tema desta pesquisa.
Exemplos de trabalho com criao ou execuo de trilha sonora para teatro: dipo (2007) e Plato Dois Em
Um (2009) com direo de Luciano Alabarse; pera do Malandro, dirigido por Ernani Poeta (2009); Mes &
Sogras, com direo de Marcelo Adams na Cia. De Teatro ao Quadrado (2010).
27
gravadas ou utilizando programas de computador para realizar a edio de som e/ou obter
novas sonoridades. Assim, nem sempre o criador de trilhas necessariamente um compositor,
pode se tratar de um artista mltiplo, que no faz somente msicas e canes, mas trabalha
com outras sonoridades que podem fazer parte da trilha.
No preciso ser msico para criar trilha (no sentido em que o propositor pode
selecionar msicas e sonoridades existentes, ou saber manusear um bom software de edio
de som para organizar sons aleatrios criando uma faixa indita) ainda que o criador
geralmente j tenha alguma familiaridade ou vivncia com a rea musical. fato que todos os
entrevistados so msicos e lidam tambm com msica de cena. Com outras funes
profissionais ou no, possuem conhecimentos diversos da rea musical. Em algum momento,
o teatro e a msica se cruzaram na vida de cada um. Como no caso de Arthur de Faria:
O meu primeiro trabalho profissional com msica, quando eu tinha 15 anos de idade,
foi uma trilha para teatro, para um grupo que a gente tinha l em Gravata, que a
cidade onde eu cresci. Ento a gente montou um grupo de teatro amador,
evidentemente, mas j com as atividades delegadas. Tinha ento os atores, tinha o
diretor, tinha o diretor musical e compositor da trilha, tinha o produtor, tinham as
funes todas. (FARIA, 2010)
16
O grupo musical Saracura alcanou grande repercusso musical em Porto Alegre no incio dos anos 80 e
chegou ao fim em 1984, ano de apresentao do show Mais alm. Mrio Barbar, Nico Nicolaiewsky, Silvio
Marques, Chamin, Kledir Ramil, Cludio Levitan, Fernando Pezo, Bebeco Garcia gravaram o LP
Saracura em 1982.
28
Arthur de Faria e Adolfo Almeida Jr. mostram um ponto comum: o despertar para o fazer
artstico na mesma fase da vida (aproximadamente). O que os torna artistas hbridos a
circunstncia de, em algum momento de suas vidas, terem vivenciando prticas em ambas as
reas, e o fato de terem afinidade com ambas. Arthur e Adolfo acabaram desenvolvendo a
parte musical, em sua formao, como compositores, intrpretes, instrumentistas, mas sempre
mantiveram um vnculo, devido sua experincia, com a criao de sonoridades para a cena
teatral. Nico Nicolaiewsky um artista que iniciou na msica quando criana, e notou, na
prtica musical, a similaridade desta com a prtica teatral na postura cnica dos msicos no
palco, na interpretao das canes. No espetculo Tangos & Tragdias, assumiu a postura de
ator-msico ou msico-ator. O hibridismo ou a mistura e prtica nas reas da msica e do
teatro, dos criadores de trilha sonora teatral, acaba sendo natural, seja por sua formao ou
pela concepo sonora para a montagem em uma apresentao.
Nas entrevistas, no houve oposio por parte dos entrevistados em ser tratados como
criadores de trilha sonora, apesar de se reconhecer, em alguns entrevistados, uma tendncia
forte ao termo compositor.
Ainda ligado ao profissional que cria sonoridades para teatro, mas mais ligado a todo o
processo de criao e execuo do espetculo, est aquele que participa deste executando ao
vivo, no palco ou espao de apresentao, a sua trilha sonora.
Em determinada pergunta da entrevista que se refere ao exerccio de outras funes no
teatro , tem-se um levantamento relevante: metade dos entrevistados respondeu que no
exerce ou exerceu qualquer outra funo que no a de criador de trilha sonora; a outra metade,
que teve (ou ainda tem) experincias como ator, assistente de direo, diretor e at cengrafo,
alm de criador de trilha.
Curiosamente, todos os que responderam no exercer ou ter exercido outra funo no
teatro alm da criao de sonoridades, ao menos em alguma oportunidade tocaram trilha
sonora ao vivo em algum espetculo teatral. Ainda assim, nada impede que se coloque a ideia
de que quando o artista executa uma composio musical em uma apresentao teatral, ele ,
no mnimo, um msico de cena, um msico-ator. J uma funo diferenciada, sobre a qual
vale enfatizar algumas palavras do discurso de dois entrevistados, Rafael Ferrari e Johann
Alex de Souza.
Rafael Ferrari, em sua recente montagem teatral, tocou a trilha ao vivo, com figurino e
funes na encenao que no apenas a execuo sonora, como a participao em uma dana
29
e em outras marcaes cnicas; o diretor insere o artista em pontos com foco de luz para
remeter a uma ideia de que a imagem deste representa a materializao (visualizao do
pensamento) do filho da protagonista, que s era citado no texto17. Questionado se exercia
outras funes no teatro, Rafael respondeu: no, nessa pea eu vou ter umas pequenas
participaes assim, no tocando... Ento, mas assim, nada digamos..., ao ser indagado se era
uma atuao, respondeu que uma atuao, segundo o Marcelo uma atuao, mas na
minha opinio s uma participao bem tranquila, bem discreta (FERRARI, 2010).
De forma parecida, Johann Alex de Souza, que costuma criar trilha sonora para a tribo de
atuadores i Nis Aqui Traveiz, afirma que sua rea a msica. Na entrevista, falou sobre
uma montagem teatral de sala do grupo, que costuma trabalhar com teatro de rua: eu at
inclusive no espetculo Hamlet Mquina, de 1999, fui contratado pelo i Nis, a gente
acertou, e eu tocava em cena, ento eu usava um figurino (SOUZA, 2010). Sobre estar
presente na pea, como personagem ou no, comentou:
Embora at as pessoas diziam no, tu um personagem, porque tu um cara que t
tocando gaita, tu o homem de preto eu no, no, no, eu sou... [...] s vezes nas
estreias as pessoas diziam m... pra ti, eu dizia no fala m... pra mim que eu no sou
ator, eu sou msico, os msicos no falam isso, seno vai sair tudo errado e tal.
(SOUZA, 2010)
Johann Alex de Souza comentou que nesta situao ele era msico de cena, s no
atribuiu isto a uma possvel outra funo no teatro alm de criador de trilha sonora. Gustavo
Finkler, que tambm ator, contribui nesta questo por dividir sua experincia: meio teatro,
meio msica:
Trabalhar dizendo um texto no palco deixou ainda mais claro para mim um
pensamento que eu j tinha: trilha sonora uma parceria entre msicos e atores. Os
msicos tm uma percepo diferente da dos atores. Para o msico, um show bom
um show onde ele no errou. um trabalho que fica mais centrado na relao entre a
pessoa e seu instrumento. Os intrpretes, cantores, as figuras de frente j tm que
ser um pouco atores; tm que comunicar, falar com o pblico. O ator no pode ser
um autista no palco. Tudo nele relao: plateia, elenco, luz, trilha sonora. O
msico no deve, mas pode ser um autista. Ele se relaciona com o seu instrumento
e executa a pea da melhor maneira possvel, sem precisar lembrar que h pessoas
17
Mes & Sogras, texto de Leandro Sarmatz, direo de Marcelo Adams pela Cia. de Teatro ao Quadrado: A
pea uma tragicomdia musical e conta a histria de Bella Moldvski (Margarida Leoni Peixoto), uma me
judia de cerca de 60 anos que nutre um amor sufocante e egosta por seu filho Beto. H quatro anos fora do
Brasil, Beto afasta-se de sua me por ela no aceitar seu casamento com uma mulher no judia, uma goi. Junto
de sua amiga Anita (Naiara Harry), tambm uma amorosa e implacvel me judia, Bella dedica-se a descarregar
suas mgoas e frustraes pela ausncia do filho em todos que a rodeiam In: ROLIM, Michele. Me sempre
me. Jornal do Comrcio. Porto Alegre, RS, Caderno Viver, p. 6. 01, 02, 03 e 04 de abril de 2010.
30
Percebe-se que atuar ajuda a pensar de forma diferente a questo da sonoridade cnica na
hora da criao. Teatro relao de tudo o que est acontecendo no espao cnico, no palco: a
sonoridade proposta tem de estar conectada ao espetculo teatral, a favor dos atores.
Tocar a trilha sonora ao vivo em um espetculo pode aproximar o criador da atuao dos
atores, sendo um msico de cena, o artista um msico-ator, pois, por mais que esteja em um
espao reservado, h o vnculo presente na relao entre cada signo, entre cada ao, em um
som que uma deixa para o ator, em uma luz que, quando acesa, indica mudana de
intensidade da sonoridade na cena. Todavia, a presena do msico na cena teatral deve
acontecer de modo que esse artista se sinta confortvel dentro da encenao. Para tanto, o
artista pode buscar a separao do seu trabalho na obra para uma melhor execuo. Cabe a um
interlocutor/mediador dos diversos signos do espetculo (no caso o diretor ou o criador de
trilha sonora) a colocao/adequao do trabalho desse profissional no contexto teatral como
um todo, perceba-se ele msico-ator ou prefira outra designao.
Criador de trilha sonora no teatro e msico de cena so duas funes observadas nesta
pesquisa. possvel, ainda, elencar e especificar outras, diversas mas muito prximas.
possvel que o criador de trilha sonora, por conhecer a gama de recursos e empregos ligados
ao som, por vezes tenha que assumir mais de uma funo no teatro. H vrias atribuies
profissionais para o trabalho com o udio ligadas s artes cnicas:
Compositor de msicas: responsvel por elaborar canes ou temas instrumentais para o
espetculo teatral que faz o arranjo, a harmonia e a melodia da msica, podendo ser ou no
um letrista. Entende-se que este profissional compe a msica de acordo com aquilo que
imagina que ser a propagao do produto final, a execuo gravada ou ao vivo, e se os atores
iro cantar.
Letrista: prope a letra da cano, rimada ou no, indita ou adaptada. O letrista um
profissional ligado rea de prosdia musical.
Intrpretes (instrumentistas): msicos que tocam as composies, nos mais diversos
instrumentos musicais, seja no estdio de gravao, seja ao vivo. So os msicos-atores ou
atores-msicos.
31
Segundo Jos Miguel Wisnik: O desenvolvimento tcnico do ps-guerra fez com que se desenvolvessem dois
tipos de msica que tomam como ponto de partida no a extrao do som afinado, discriminado ritualmente do
mundo dos rudos, mas a produo de rudos com base em mquinas sonoras. o caso da msica concreta e da
msica eletrnica, que disputaram polemicamente a primazia do processo de ruidificao esttica do mundo. A
primeira (cujo mentor o compositor Pierre Schaeffer) tinha a sua estratgia na gravao de rudos reais
(tomados como material bruto), alterados e mixados, isto , compostos por montagem. A segunda, que conta
entre seus praticantes com os nomes de Henri Pousser e Stockhausen (cujo Canto dos adolescentes sem dvida
uma obra definitiva, um marco na contemporaneidade), toma como base rudos produzidos por sintetizador,
rudos inteiramente artificiais (embora na na obra citada Stockhausen manipulasse tambm o som de voz
gravada). (WISNIK, 2002: 47-8)
19
32
criao da trilha, pela preparao vocal e pela operao de som, isso favorece o espetculo. E,
neste caso, os devidos crditos so dados a estas pessoas na ficha tcnica do espetculo.
Quando h profissionais especializados para cada um dos trabalhos relacionados aos signos
sonoros, o espetculo pode cercar-se de competncias especficas que acrescem montagem
como um todo.
Sobre a funo de operador do som, amplia-se a reflexo ao relacionar esta atividade com
o termo sonoplasta. Sonoplasta e sonoplastia foram termos que apareceram em cinco das oito
entrevistas com os criadores de trilha sonora. Vejamos tal ocorrncia em trs delas, como
exemplo.
lvaro Rosacosta:
Por isso eu acho que to importante um sonoplasta, talvez seja meio a meio com o
criador porque um mau sonoplasta acaba com a trilha, assim como um bom
sonoplasta faz daquela trilha, um brilho a mais. A colocao das caixas, por
exemplo... Eu parto da idia que o som tem que vir dos atores. Se os atores esto no
palco, o som tem que vir do palco. (ROSACOSTA, 2010)
Flvio Oliveira:
Eu tambm fazia a sonoplastia na hora, quer dizer, eu largava a msica na
gravadora, eu operava o som na hora, fazia as duas coisas, eu compunha a msica,
gravava a msica, e depois que estava tudo pronto eu ainda ia pra coxia operar o
gravador pra botar a msica na hora que ela saia no decorrer da pea. (OLIVEIRA,
2010)
Com efeito, nos depoimentos vistos h um pensamento comum de que fazer a sonoplastia
operar o som. Nesse sentido, o sonoplasta a pessoa responsvel por controlar a insero e
o volume da mdia gravada. Johann Alex de Souza tambm acompanha esse ponto de vista
quando comenta que at nesse espetculo Hamlet Mquina eu tambm fazia a sonoplastia, a
operao de som fora de cena, mas tudo ligado msica. (SOUZA, 2010) O criador de
sonoridades do grupo i Nis, na mesma frase, une a sonoplastia operao de som.
Rafael Ferrari emprega o termo sonoplastia ao responder pergunta o que abrange a
trilha sonora?: desde msica mesmo composta especialmente para momentos, at
sonoplastia, sons, rudos e barulhos e enfim, coisas que queiram, tem uma campainha... Acho
33
que tudo isso faz parte da trilha sonora (FERRARI, 2010). Sonoplastia, para o entrevistado,
pelo que se pode depreender, est vinculada ao que se pode chamar de efeitos sonoros.
Por fim, pode-se entender que sonoplasta sinnimo para o operador de som, ao mesmo
tempo discernir o uso deste termo quando usado como Rafael Ferrari, que se refere
sonoplastia como os sons propostos em um espetculo que no sejam a prpria msica ou
cano.
Trilha sonora um termo importado do cinema que pode ser muito bem aplicado ao
teatro. Todavia, no cinema a trilha sonora uma banda que armazena todos os sons do filme:
msicas, rudos, voz dos atores, sons variados.
O norte-americano David Sonnenschein escreve sobre o designer sonoro no cinema,
sobre o responsvel pela organizao de todos os sons da banda sonora, e esquematiza um
mapa em seu livro para este trabalho que abrange sons concretos, sons musicais, msica e
voz.
Sonnenschein registra que os principais colaboradores deste profissional so: o diretor, o
editor de som e o compositor de msicas20. (SONNENSCHEIN, 2001: 01, traduo nossa)
Trilha sonora no cinema trata de todos os sons que ouvimos em um filme, ainda que vrios
profissionais, cada um com uma funo, sejam responsveis por esta juno de som e
imagem.
Lvio Tragtenberg, compositor e saxofonista, ao falar da trilha sonora no cinema
desenvolve uma reflexo sobre a trilha no teatro, constatando que:
Um pouco diversa a situao do teatro e da dana que, mesmo incorporando
elementos das novas tecnologias, por definio uma linguagem que acontece no
tempo e espao reais. Irremediavelmente artesanais, em escala humana, e de
reprodutibilidade limitada, so linguagens que possibilitam uma atuao mais crtica
e independente do elemento sonoro, que ganha um espao e importncia criativa
maior, ao contrrio do contexto industrial da cultura de massa. (TRAGTENBERG,
1999: 14)
20
Your principal collaborators the director, sound editor, and music composer.
34
Pode-se analisar o termo trilha sonora nas artes cnicas a partir da percepo de que este
termo de uso constante no meio teatral. O difcil encontrar especificaes sobre ele. O que
se v a utilizao deste termo a partir de uma generalizao acerca do trabalho dos
profissionais que pensam e criam as sonoridades para a cena. A questo : que sonoridades
so essas? Estamos falando apenas de msica cnica? Todos parecem saber o que significa
trilha sonora, mas do que realmente se trata?
Nos levantamentos bibliogrficos sobre pesquisas que tratem da relao entre som e cena
teatral, sempre h dificuldades em coletar materiais. Existem muitos pargrafos sobre
questes sonoras e musicais em livros diversos, mas poucas obras direcionadas a tais
questes. Alguns autores que no falam especificamente da sonoridade na encenao, mas
sobre teatro em geral, nos do pistas acerca da evoluo da compreenso das sonoridades na
histria do teatro. O terico e professor francs Jean-Jacques Roubine, por exemplo, considera
que os naturalistas foram os primeiros a se interrogar sobre a sonorizao do espao cnico:
se a tradicional msica de cena habituada a manter um clima era um artifcio que era preciso
se livrar, a sonoplastia, ao contrrio, era capaz de intervir para reforar a iluso visual.
(ROUBINE, 1998: 154)
Algumas fontes trazem reflexes, sobre o som e a msica no ambiente cnico, de grandes
mestres do teatro, como as do diretor russo Constantin Stanislavski, que observa a fala, no
teatro, como msica, ao dizer que o texto de um papel ou uma pea uma melodia, uma
pera ou uma sinfonia [...] quando um ator de voz bem trabalhada e magnfica tcnica vocal
diz as palavras de seu papel, sou completamente transportando por sua suprema arte.
(STANISLAVSKI, 2004: 128) A fala um som. Se pensarmos a trilha sonora como a
sonoridade do espetculo teatral, estaria incluso este signo?
No objetivo, neste estudo, fazer um levantamento histrico detalhado do som na cena,
apesar de ser um tema relevante. Outros autores j fizeram isso ao desenvolver conceitos
ligados sonoridade no teatro, como Lvio Tragtenberg em seu livro Msica de cena. O autor
afirma que importante ter em mente que a hoje chamada msica aplicada ou trilha sonora,
que designo genericamente como msica de cena, resultado de uma tradio que remonta
aos primrdios da expresso artstica humana. (TRAGTENBERG, 1999: 17) Assim como o
diretor Roberto Gill Camargo21, que em um captulo de seu livro Som e cena, de ttulo Som e
21
35
Nesta introduo, o diretor considera a trilha sonora como etapa do processo de criao.
No ano em que foi escrito, vinculava-se o termo gravao em uma fita (ou algo similar) a
ser reproduzida, em um paralelo bem prximo ao cinema.
Por sua vez, Tragtenberg registra um contedo mais aprofundado e proporciona reflexes
sobre o som no teatro, sobre processo de criao de msica cnica, vertentes da trilha sonora
(como pano de fundo ou ajudando a contar a histria), e, em vrias oportunidades, fala sobre
tempo (importante elo de ligao entre teatro e msica), velocidade e continuidade entre som
e cena: A relao que se estabelece entre o tempo real cnico e o tempo musical um fator
de extrema importncia na concepo e estruturao da msica de cena. Uma cena pode ser
de longa durao em termos de tempo real, mas fugaz em termos do continuum da
percepo. (TRAGTENBERG, 1999: 51)
O conceito de tempo renderia um captulo a mais nesta pesquisa, to forte seu vnculo
tanto com a arte musical como a teatral, mas assunto suficiente para vrias outras pesquisas.
Como o teatro uma arte espao-temporal, conceitos como andamento, mtrica, compasso,
pulsao e demais ligaes com o ritmo estudado na msica servem para ampliar a percepo
do artista no que se refere a sua atuao no tempo-espao.
Em relao a preceitos bsicos na criao do material sonoro para a cena, Camargo
aborda possveis aplicaes para esta, tornando-se uma importante referncia que, mesmo
tendo pontos que hoje podemos supor ultrapassados (pela data em que foi escrito o primeiro
livro), servem, e muito, ao estudante de artes cnicas que quer desbravar tais caminhos.
A quantidade de material sonoro relacionado para o espetculo submete-se a estudo,
levando-se em conta uma srie de fatores: o porqu do som no espetculo, qual a
inteno do diretor ao empregar determinado efeito; o qu estes sons podem
representar dentro do contexto, a estrutura da pea, etc. (CAMARGO, 1986: 14)
Ao observar que o som proposto pelo criador deve servir obra teatral, tudo possvel
neste campo: sons e msicas gravadas, executadas ao vivo pelos prprios atores ou por
36
msicos inseridos na montagem. Esta possibilidade dos sons executados ao vivo, alis, outro
ponto de reflexo para quem pensa o som em cena. A disposio de tais profissionais no
espao cnico, por exemplo, compondo a esttica do espetculo, algo a ser pensado:
Na cena teatral a presena do msico pode assumir as mais diferentes funes. Os
gneros derivados da tradio popular (desde os espetculos de festas populares,
cuja herana remete s feiras da Idade Mdia) oferecem um espao diferenciado que
coloca o msico parte da cena, seja como mestre de cerimnias, clown ou
comentador que se dirige diretamente platia, rompendo o ilusionismo da cena
dramtica. (TRAGTENBERG, 1999: 132)
Como fica claro nas ltimas citaes, o teatro a arte que abraa todas as artes. Pode-se
dialogar facilmente, atravs da leitura, com os autores brasileiros destacados anteriormente.
Suas obras no so difceis de encontrar em bibliotecas ou livrarias de todo o pas, o que
raro, em se tratando do tema em questo, to pouco estudado. Para artistas que querem pensar
com maior profundidade sobre os sons em cena, sejam eles criadores de trilha sonora teatral,
diretores e, principalmente, atores, tais leituras so uma boa fonte de conhecimento.
Os atores esto na cena quando todos os signos se cruzam; importante tentar entender
esta zona de turbulncia: local/espao no qual tudo ao mesmo tempo se acumula, se conecta,
se desconecta, se atualiza, se diagonaliza; tudo se auto-afeta e se recria a cada momento.
(FERRACINI, 2006: 196)
O ator tambm produtor de som, e no apenas com sua voz: o corpo fala. O som
acontece no espao de apresentao pela voz dos atores, por alguma msica proposta e pelos
rudos derivados do movimento em cena, intencionais ou involuntrios, assim como
preenchem o ambiente os sons e rudos oriundos da plateia e do ambiente externo.
Segundo Jerzy Grotowski, podemos definir o teatro como o que ocorre entre o espectador
e o ator:
Todas as outras coisas so suplementares talvez necessrias, mas ainda assim
suplementares. No foi por coincidncia que nosso Teatro-Laboratrio se
desenvolveu a partir de um teatro rico em recursos nos quais as artes plsticas, a
iluminao e a msica eram constantemente usadas para o teatro asctico em que
nos tornamos nos ltimos anos: um teatro asctico no qual os atores so tudo o que
existe. Todos os outros elementos visuais so construdos atravs do corpo do ator, e
os efeitos musicais e acsticos atravs da sua voz. (GROTOWSKI, 1987: 18)
O encenador polons buscou no ator o seu fazer teatral, e com sua observao pertinente
na relao ator e espectador mostra ser necessrio, no mnimo, dois participantes para que
tenhamos o acontecimento teatral. A relao importa: ao e reao, e a sonoridade est
presente nestes aspectos. Tanto entre as pessoas envolvidas como na relao destas com o
37
espao que as cerca. Grotowski sabia disso e indicava que durante os ensaios, o ator deve
estar ciente das possibilidades acsticas da sala na qual vai representar, a fim de descobrir os
efeitos (ecos, ressonncias, etc.) que podem ser usados, incorporando-os a estrutura do seu
papel. (GROTOWSKI, 1987: 122)
Entender o espao onde est inserido importante para o ator. Dependendo do local,
necessrio alterar a intensidade vocal. Utilizar os fenmenos fsicos do som a seu favor, em
relao ao local de apresentao, pode ser o diferencial em uma conexo entre atores e
espectadores. Em uma sala com muito eco, por exemplo, durante um espetculo dramtico a
plateia pode no conseguir acompanhar a narrativa.
No intuito de auxiliar o trabalho do artista teatral possvel encontrar no mundo sonoro
conceituado pela fsica, que inclui fenmenos como a reverberao, relaes pertinentes ao
teatro. Ao estudar Os sons da msica, obra de John Pierce22, em um captulo sobre a acstica
arquitetnica encontram-se importantes percepes a respeito da reverberao do som no
palco:
O clculo exato do tempo de reverberao tem sido um problema permanente da
acstica arquitetnica. Sabine no somente foi o primeiro a definir o tempo de
reverberao, mas tambm planejou um sistema til, embora no muito preciso, para
calcul-lo em funo do volume e da frao do som incidente que reflete nas paredes
e outras superfcies23. (PIERCE, 1985: 140-1, traduo nossa)
O espao onde se apresenta uma obra teatral, seja ele um palco italiano ou a rua,
determina a propagao do som. E em todos estes espaos h interveno sonora, sons
involuntrios oriundos de pontos diversos, do maquinrio cnico, do prprio elenco, do
espectador, da rua (mesmo dentro dos edifcios destinados a encenao teatral). O que fazer
com tais intervenes? Elas fazem parte da cena? Estes sons involuntrios fazem parte da
trilha sonora do espetculo teatral?
A trilha sonora tem a ver com a arte musical, no apenas com canes (nesse sentido,
uma msica com letra cantada) que possam ser entoadas na nossa mente, mas,
definitivamente, o conceito em questo trata da musicalidade em cena.
22
23
El clculo exacto del tiempo de reverberacin ha sido un problema permanente de la acstica arquitectnica.
Sabine no slo fue el primero en definir el tiempo de reverberacin, sino que tambin ide un sistema til,
aunque no muy preciso, para calcularlo en funcin del volumen y de La fraccin del sonido incidente que
reflejan las paredes y otras superficies.
38
No paralelo audiovisual que h entre o teatro e o cinema, apesar do enfoque teatral desta
pesquisa raramente dialogar com o lado cinematogrfico (principalmente no que se refere ao
surgimento do termo trilha sonora que utilizamos nas artes cnicas), um recorte histrico pode
ajudar na compreenso da sonoridade em cena. Um artista que transitou entre ambas as artes
citadas, no incio do sculo XX poca em que havia uma forte discusso sobre a questo
audiovisual tanto no teatro quanto no cinema foi Sergei Eisenstein. Nascido na Letnia,
Eisenstein foi um ator de teatro e cineasta que defendia uma esttica cnica que contemplasse
a juno das artes:
Um manifesto escrito por Eisenstein e publicado na LEF24, sobre essa montagem de
atraes25, inseria-se num polmico quadro do teatro sovitico. A oposio
Stanislavski versus Meyerhold estendia-se ao interior do Proletkult26. No manifesto,
24
25
Em 1923 e 1924 Eisenstein dirigiu trs espetculos em parceria com Sergei Tretyakov, em O sbio, o frenesi
audiovisual rompia to violentamente a linha narrativa que as apresentaes eram iniciadas com Tretyakov lendo
um resumo do enredo, para que o pblico tivesse alguma indicao da conexo entre as atraes. (SARAIVA,
2006: 119)
26
39
As artes sempre tiveram pocas em que foi necessrio romper barreiras para alcanar uma
auto-afirmao. Cada poca tem sua peculiaridade, todas so ricas e formam as artes que
fazemos hoje.
No perodo e no quadro onde Meyerhold e Eisenstein estavam inseridos, percebe-se o uso
da msica no teatro como forte elemento para ambos. Porm, entende-se que Stanislavski
tambm assim o fazia, embora com outro enfoque, pois sempre levava a seus atores uma
vivncia com peras e musicalidades diversas no intuito de acrescer possibilidades ao
trabalho do ator. Isto uma forma de pensar o som em cena: sua aplicao existe, mesmo que
interna, no conhecimento do artista.
Antes dos artistas russos citados, o encenador suo Adolphe Appia j escrevia sobre
questes musicais na cena teatral. Contrrio esttica realista, por volta de 1880 publicou A
encenao do drama wagneriano, texto em que afirmava que o que distingue o drama
wagneriano do drama falado o emprego da msica. Ora, a msica no somente d ao drama
o elemento expressivo: ela tambm fixa peremptoriamente a durao. (APPIA, 2009: 148)
Appia reflete sobre o tempo diferenciado que o emprego da msica traz ao espetculo, assim
como prope relaes entre o drama falado e o drama do poeta-msico, distinguindo o modo
de expressar o drama interior, relacionando-o a sua durao.
A musicalidade na cena vai alm da prpria msica na cena, abrange a apropriao de
conceitos que conduzam o espetculo de forma a ser observado tambm como uma
composio musical. O fato de buscar semelhanas em outra arte que no a teatral no exclui
a observao das tcnicas e conceitos teatrais. Alis, comum encontrarmos, no s na
msica, mas tambm nas artes visuais, referncias que, trazidas s artes cnicas, contribuem
para o posicionamento crtico do artista de teatro.
Pelo vis da musicalidade na cena, podem-se destacar vrios outros perodos teatrais,
anteriores ou posteriores a Meyerhold. Todavia, para findar esta questo antes de avanarmos
especificamente no estudo do termo trilha sonora usado hoje no teatro brasileiro, faz-se
40
necessrio lembrar o dramaturgo alemo Bertold Brecht, cuja carreira interage com uma
dramaturgia musical desde o seu incio. (MOTA, 2010: 04) Brecht contou com grandes
compositores como Kurt Weill, em 1927, trazendo a msica para o teatro de forma
diferenciada, contando ou comentando a cena, usando-a como elemento para romper o
mergulho dos espectadores na iluso da ao cnica e, ao mesmo tempo, utilizando-a de
forma potica.
Para completar esse breve panorama da trilha sonora teatral, observa-se uma de suas
possveis denominaes no teatro do final do sculo XX: paisagem sonora. O compositor e
educador musical canadense Murray Schafer sugeriu o termo ao interrogar a si e a seus alunos
sobre o que seria msica: um avio a jato arranha o cu por sobre minha cabea e eu
pergunto: - Sim, mas isso msica? (SCHAFER, 1991: 119) O som dos pssaros, dos
carros, do entorno... Seria msica?
O educador relembra outro questionamento comum na rea musical: a experincia de
John Cage, que tentou ouvir o silncio. Em certa ocasio, Cage entrou em uma sala
completamente prova de som e descreveu que os ouvidos se apuram, sendo que sozinho
nesta cmara anecica27 ainda ouvia dois sons: o do prprio sistema nervoso em
funcionamento e o da circulao do sangue. Concluso de Cage: o silncio no existe.
Msica, silncio, rudo, so conceitos conhecidos, mas sua interlocuo depender da
percepo (e do momento) de quem est na escuta.
A nova paisagem sonora de Schafer toma emprestada a definio de msica de Cage
como sons nossa volta, no importa se estamos dentro ou fora das salas de concerto.
(SCHAFER, 1991: 187) Paisagem sonora so os sons que nos cercam. No estamos
acostumados a ouvi-los, mas existe uma infinidade de sons sendo produzidos ao mesmo
tempo, perto de todos ns.
Ao transpor tais ideias ao teatro, e tratando de paisagem sonora, encontramos alguns
paralelos entre Schafer e aquilo que escreve o terico teatral e dramaturgo alemo Hans-Thies
Lehmann sobre este termo. Em sentido diferente do realismo cnico tradicional, lembrando as
verses naturalistas de paisagens acsticas nas encenaes de Tchekhov realizadas por
Stanislavski que intensificou com elaboradas sonoridades de fundo (rudo de grilos, sapos,
pssaros etc.) a realidade do espao ficcional delimitado por um palco auditivo,
27
Local que no apresenta eco, cmara anecica uma sala em que as paredes, o teto e o cho so cobertos por
materiais absorventes que eliminam a reflexo de ondas sonoras.
41
(LEHMANN, 2007: 255) para o terico alemo, texto, voz e rudo misturam-se na idia de
uma paisagem sonora:
A paisagem sonora ps-dramtica de Wilson no constitui realidade alguma, mas
produz um espao de associaes na conscincia do espectador. A cena auditiva
em torno da imagem teatral abre referncias intertextuais em todas as direes ou
complementa o material cnico com temas sonoros musicais ou rudos concretos.
Nesse contexto, esclarecedora a declarao feita por Wilson de que seu ideal de
teatro uma juno de cinema mudo e pea radiofnica. (Idem, ibidem)
El hbito de la pera o del teatro musical, los protocolos ntimos que franquea el micrfono el susurro, el
latido del corazn, el ruido de la sangre por las venas que suele mencionar John Cage no son un signo del
tiempo? No se adorna el cine con las estrategias musicales de la pera? En donde se inaugura la retrica de
ruidos y msica que parecen ser signos de identidad de la radio?
42
dia de apresentao da mesma pea para outro; as vozes dos atores so emitidas em diferentes
intensidades e alturas; os timbres (derivados da ao cnica) diferentes, pela interferncia do
modo como est o figurino, o cenrio, as ambientaes sonoras. Se gravadas, mudam de
acordo com os aparelhos eletrnicos, com a qualidade e a direo dos alto-falantes, com a
intensidade do volume; e se tocadas ao vivo, uma enorme gama de diferenas na execuo
dos profissionais responsveis e tantas outras interferncias possveis em um espetculo de
teatro. Assim, todo som faz parte do espetculo teatral no acontecimento que uma
apresentao: produo sonora da cena misturada com produo sonora do espao. Ainda que
se aborde o processo de criao de trilha sonora no teatro, na cena que esta pesquisa est
focada (sons voluntrios e involuntrios). No h como ignorar os sons do ambiente, j que
estes sons se misturam. Encontra-se em alguns aspectos da performance, onde um de seus
princpios trata do aqui-agora, tal embasamento. Fernando Pinheiro Villar escreveu que:
A maioria do teatro, convencional, clssico, familiar e/ou teatro e muito do teatro
de pesquisa de artistas com visibilidade internacional e respaldo crtico estaria
caracterizado pela representao de um l-ento. Este l-ento reproduzido em um
palco ou espao eleito, com atores ou atrizes vivendo personagens escritos por um
autor ou autora, seguindo marcaes de um diretor ou diretora. Performance
privilegiaria o aqui-agora do durante da apresentao. (VILLAR, 2003: 71)
De forma parecida, Renato Cohen traz dois modelos que se diferenciam pela forma
como se trata a separao entre emissor e receptor: o modelo esttico e o modelo mtico.
Podemos dizer que o teatro convencional de que fala Fernando Villar est para o modelo
esttico, assim como a performance est para o modelo mtico.
O que diferencia o esttico do mtico que no primeiro o espectador um observador,
no faz parte da obra. Na relao mtica, este distanciamento no claro, ele pode ser parte da
obra. possvel tambm observar uma outra distino com relao aos atuantes, que
representam suas personagens no modelo esttico e vivem experincias artsticas no modelo
mtico.
Percebe-se que, mesmo em um teatro dito convencional ou ilusionista, tem-se o aquiagora presente, ou algo que traga os atores e espectadores para o momento real. Este
pensamento lida com a efemeridade do teatro, que no se repete. Mesmo no teatro realista, em
um mergulho na iluso, sempre h espao para o imprevisto, para o vivo. No h como
negar. Renato Cohen, ao falar sobre o modelo esttico, afirma que:
No teatro, o mergulho na iluso cmica mais difcil. A cena est acontecendo
naquele instante. Mesmo que o gnero teatral estudado caminhe apenas sobre o
44
Dizer que a cena est acontecendo naquele instante vale para o teatro esttico e para o
mtico, e, assim, aplica-se a elementos da encenao como o da sonoridade do espetculo
teatral. No modelo esttico, um incidente como um rudo involuntrio seria uma ruptura, algo
ligado ao acaso. No faz parte da obra, mas do acontecimento teatral. Nessa perspectiva,
pode-se dizer que estes sons fazem parte do aqui-agora sonoro que acontece em cada
apresentao.
Como exemplos de sons intencionais, tanto no modelo esttico como no modelo mtico,
para observar de que forma o aqui-agora mais perceptvel, temos a voz do ator - que sempre
muda de uma apresentao para outra.
A voz do ator diferente em cada apresentao, por vrios motivos: pela entonao
diferenciada da palavra ou pelo cansao das pregas vocais (relacionado ao fsico e ao
psicolgico), pela reverberao diferenciada no espao de apresentao, ocasionada por
espaos diferentes ou pela quantidade de pblico em um mesmo local.
45
CAPTULO 2
46
O teatro que fazemos hoje geralmente carrega em sua concepo maiores cuidados com
aspectos visuais. Silvia Adriana Davini, ps-doutora em teatro pela Universidade de Londres
e professora da Universidade de Braslia, tem amplo conhecimento sobre a cena
contempornea de Buenos Aires, e, ao pesquisar estilos de atuaes a partir da voz, encontrou
situaes parecidas na Argentina e no Brasil. Davini explica que, durante a dcada de 80, as
circunstncias polticas que implicaram no retorno da democracia argentina estimularam o
crescimento do chamado teatro de grupos, cuja influncia na cena contempornea portenha
como um todo resultou em uma predominncia do visual, que na dcada de 90 ainda mostrava
sua vigncia.30 (DAVINI, 2007: 14, traduo nossa)
Planejamentos aprofundados apenas na parte visual do espetculo resultam em
deficincia na programao sonora do mesmo. Pablo Iglesias Simn, diretor radicado na
Espanha, aborda um tema que muitos sequer planejam: a importncia do som colocado na
cena e a necessidade de que um especialista se encarregue de sua concepo e articulao.31
(SIMN, 2004: 01, traduo nossa) Observa-se que os diretores de cena priorizam os
elementos visuais tais como figurino, cenrio e iluminao. Ao conceber o teatro como uma
criao audiovisual, necessrio que o diretor, como faz com os segmentos visuais, se
cerque de um colaborador capaz de lhe dar assistncia na concepo, articulao e elaborao
da parcela sonora.32 (Idem, ibidem)
29
30
Cuya influencia en la escena contempornea portea como un todo resulto en una predominancia de lo visual,
que en la dcada de 1990 todava mostraba su vigencia.
31
Es quizs intentar tratar un tema que muchos ni siquiera se hayan planteado: la importancia del sonido dentro
de las puestas en escena y la necesidad de que un especialista se encargue de su concepcin y articulacin.
32
Es necesario que el director, al igual que sucede en el segmento visual, se acompae de un colaborador capaz
de asistirle en la concepcin articulacin y elaboracin de la parcela sonora.
47
Criar sonoridade para um espetculo teatral em uma sociedade que preza pelo visual gera
uma abordagem diferente por ocasio, pois se trata de um campo que precisa ser melhor
aprofundado. Todavia, nas afinidades e diferenas dos processos criativos de trilha sonora,
encontram-se elos que ajudam a refletir o papel do responsvel pelas sonoridades em uma
pea de teatro. O questionamento que se faz no individual: justamente por nosso artista
beber da teoria teatral e musical ocidental, vislumbram-se indagaes similares sobre o som
na cena em diferentes centros culturais no Brasil e em outros pases.
O que se chama de trilha sonora no teatro brasileiro tem o nome de sound design em
montagens americanas e diseo de sonido em espetculos hispnicos. Ambos tem mesma
traduo: desenho de som. A funo do criador de sonoridades para a cena, aparentemente,
semelhante em espetculos teatrais ocidentais.
O artista espanhol mencionado idealiza as funes caractersticas do responsvel pelas
sonoridades. Para ele, este profissional um colaborador do diretor de cena, encarregado de
tarefas como: selecionar os sons que aparecero no espetculo determinando sua tipologia,
qualidades, origem, carter, funo, autoria, graduao de evidncia nos mecanismos de
produo, caractersticas de suas fontes sonoras e qualidades do entorno sonoro.
responsvel tambm por ordenar, agrega Simn, os sons de maneira que se integrem
dentro de uma trilha sonora original que disponha de uma estrutura temporal e espacial.
Elaborar a folha de som, como um mapa a ser utilizado nas apresentaes.
O criador deve ainda, acrescenta, obter as msicas e efeitos sonoros existentes;
supervisionar a composio da msica original se necessrio; supervisionar a gravao da
msica e sons originais; determinar a configurao do equipamento de som que ser utilizado
para a materializao de sua trilha no espao de apresentao; supervisionar a montagem do
equipamento de som completo no lugar da representao, de acordo com seu desenho.
Para uma apropriada criao de trilha sonora, o profissional deve assistir a quantos
ensaios convencionais, tcnicos e gerais sejam necessrios para corrigir, ajustar e atualizar sua
trilha sonora de forma que se assegure sua perfeita integrao dentro do espetculo teatral tal
e como tem planejado o diretor de cena.33 (SIMN, 2004, p. 03, traduo nossa)
33
Asistir a cuantos ensayos convencionales, tcnicos y generales sean necesarios para corregir, ajustar y
actualizar su diseo de sonido de forma que se asegure su ptima integracin dentro del espectculo teatral tal y
como lo tiene planteado el director de escena.
48
Na viso deste diretor, o compositor das sonoridades no teatro um artista que deve estar
presente na montagem, e com liberdade para criar durante o processo, sendo responsvel pela
articulao do material sonoro proposto e sua execuo tcnica.
Ao entrevistar artistas gachos que trabalham com sonoridades na cena teatral, captam-se
outras caractersticas (tanto do criador quanto do processo de criao) no trabalho com trilha
sonora atravs de idealizaes prprias. Como, em teoria, seria um processo ideal de criao
de sonoridades para a cena?
Arthur de Faria:
O processo ideal assim: o diretor definir e me dar o texto. A comea a ensaiar,
arma um pouquinho como est, quando j tiver ensaiado chama de novo, discute em
cima do que a gente viu daquele ensaio. Ou quando d o texto j estabelece uma
ideia do tipo de sonoridade que ele quer, a a gente vai trabalhando ao longo do
processo o tempo todo junto. Acho que uma vez por semana, claro, quando chega
perto da estreia tem que ser mais, mas um encontro por semana com o diretor vendo
a pea ou no, um tempo bem interessante para ir compondo e trocando idias.
(FARIA, 2010)
Gustavo Finkler:
Conversas com um diretor que j sabe o que quer da trilha e que tem o espetculo
decupado. Cena 1, entra msica na fala tal e fica por 15 segundos causando a ideia
de suspense na plateia. Perfeito. A trilha deve ser pedida com um tempo razovel
para a sua criao. Devo ir ao ensaio quando a pea j estiver bem encaminhada na
sua estrutura para poder comentar as inseres sugeridas pelo diretor e sugerir outras
provveis inseres de trilha. O diretor deve ser aberto s sugestes do msico.
Gravo parte da trilha e mostro ao diretor para que ele d o ok de que estou no
caminho certo. (FINKLER, 2010)
A figura de um diretor que saiba o que quer aparece como ponto caracterstico forte, que
almeja o criador de trilha sonora, quando inicia um novo trabalho. Entretanto, a concentrao
no papel do diretor para a maioria das decises criativas distancia o profissional responsvel
pelas sonoridades da prpria obra teatral.
Johann Alex de Souza revela que, geralmente, o criador da msica chamado depois
que os atores e o diretor j sabem tudo o que querem, tudo o que vo fazer. (SOUZA, 2010)
O procedimento de compor por encomendas especficas uma caracterstica de uma trilha
sonora musical.
Contrapondo a ideia de um diretor centralizador, acompanhar o processo de montagem
imerso na mesma gera possibilidades diferenciadas ao criador de trilha. lvaro Rosacosta
acredita que: ideal a gente ter bastante tempo, tempo livre e dedicao aos ensaios, as
49
primeiras leituras so determinantes pra essa atmosfera; essa coisa de ter a pea e depois
chamar o msico pra botar meio complicada. (ROSACOSTA, 2010) Rafael Ferrari
corrobora com este pensamento:
O ideal o processo onde o compositor est acompanhando toda a evoluo da
criao dos personagens do texto, da movimentao, do cenrio, do figurino, onde
ele realmente uma parte integrante daquele trabalho, no uma coisa a parte que
ele faz na casa dele, s pensando com as ideias dele, tem uma srie de coisas ali
envolvidas, de vrias pessoas, de vrios profissionais. (FERRARI, 2010)
34
Segundo Jos Miguel Wisnik: A tonalidade guarda um resduo modal na forma da oposio entre os modos
maior e menor (fundado este sobre trades menores nos primeiros e quartos graus, sem no entanto alterar as
bases da gramtica tonal e da lgica do encadeamento, que permanece a mesma). O modo menor introduz uma
variao ambiental e colorstica na msica tonal, que costuma ser associada (numa evocao do ethos) a
conotaes tristes e sombrias. (WISNIK, 2002: 140)
50
O processo ideal tambm tu ter atores capazes de ter um espectro grande assim, de
msica, de qualidade musical, pra que tu possa fazer uma cano mesmo, uma
cano super simples e ele possa fazer isso em cena, isso fica super legal, porque o
ator consegue cantar isso. E certamente ter tempo pra fazer. (NICOLAIEWSKY,
2010)
51
Produo a fase de criao e gravao dos materiais sonoros. Nesta etapa, o profissional
responsvel busca todos os sons que utilizar na montagem teatral. Tambm supervisionar a
gravao dos efeitos sonoros e msicas originais necessrias.36 (SIMN, 2004: 25, traduo
nossa)
Na ps-produo, o criador de trilha modifica os sons criados para uma melhor utilizao
no espetculo teatral. Dentro desta fase, est presente a edio do material sonoro e a
gravao do mesmo em suporte adequado, quando se tem sonoridades executadas a partir de
equipamentos sonoros.
Sobre a execuo, afirma o diretor espanhol que a trilha sonora na apresentao a fase
em que se monta e comprova no espao concreto da representao, a equipe tcnica
necessria para a materializao da trilha sonora e sua integrao dentro do espetculo que
finalmente se mostrar ao pblico.37 (SIMN, 2004, p. 26, traduo nossa)
A execuo da trilha sonora est amarrada concepo com um adendo: o
acontecimento. Todo o trabalho de pesquisa e ensaios ser absorvido pelo espectador de
acordo com a percepo naquele determinado momento.
Cada execuo nica, e isso traz uma particularidade que apaixonante no teatro: tudo
se recria, tudo novo e os participantes, artistas e pblico, trocam olhares compactuando um
momento singular no histrico de cada um, que pode ser banal e facilmente esquecido, ou
marcante, de forma positiva ou negativa.
Todavia, at chegar execuo, h um longo caminho de criao de trilha sonora. Ao
conhecer as etapas, focam-se procedimentos ligados fase de produo: como o criador de
trilha sonora se utiliza de algumas tcnicas para obter o resultado.
Cada trabalho de criao de trilha tem sua particularidade, e se percebem nos exemplos
vivenciados pelos entrevistados, as diferentes maneiras de proceder para obter efeitos na cena.
Os trabalhos executados servem como inspirao para metodologias futuras. Listam-se alguns
procedimentos de criao de trilha sonora, entendendo-os tambm como opes, ou seja,
possveis abordagens em um trabalho. No como algo fechado, j que cada tpico tambm
possui vrios procedimentos diferentes para sua execuo. Por exemplo, improviso um
36
Supervisor la grabacin de aquellos efectos de sonido y msicas originales que sean precisos.
37
53
procedimento que pode ser utilizado em uma pea teatral, mas h vrias maneiras de utilizlo. Abaixo ento, alguns modos de proceder para criar sonoridades em um espetculo teatral.
Esta indicao foi levantada nas entrevistas de lvaro Rosacosta e Nico Nicolaiewsky.
Outros entrevistados at falaram situaes parecidas, mas os dois citaram exatamente o termo
e explicaram sua utilizao.
Referncia utilizada na msica cnica de ambientao ou ambiente sonoro. Acredita-se
que tambm possa ser usada para canes. Trata-se de pegar uma msica pronta, qualquer
gnero, que funcione em determinada cena ou situao, e criar uma msica original
observando quais efeitos a msica de referncia possui. Isso pode funcionar partindo do
diretor para o criador de trilha e vice-versa.
Citamos um exemplo: o diretor est criando uma pea e h um romance entre duas
personagens, uma cena onde acontece o primeiro beijo do casal, e ele diz que a msica tema
do filme Titanic de 1997, dirigido por James Cameron, seria perfeita naquele instante. Pode54
se imaginar que, ao inserir a cano My heart will go on, interpretada por Celine Dion, em
uma montagem que no seja uma pardia, o espetculo corre o risco de ir por gua abaixo
como o navio da pelcula, de tanta identificao que tem a msica da cantora canadense com o
filme.
Este o problema de se usar certas msicas prontas em um espetculo: elas possuem
histricos e identidades culturais. uma alternativa, mas tem de ser muito pesquisada,
principalmente com o uso de msicas chamadas populares. Uma msica j existente inserida
em um novo contexto tem de estar amarrada proposta (e com os direitos em dia). Sem
esquecer que o fator identidade pode mudar de acordo com a regio onde a obra
apresentada.
Utilizando a referncia e o exemplo da msica de Titanic, o criador de trilha tem a
possibilidade de buscar: o que o diretor acha interessante nesta msica para determinada
cena? o solo da flauta com uma melodia suave? o ritmo? Nico Nicolaiewsky fornece um
bom exemplo da utilizao da referncia e de onde surge o termo:
O pessoal de cinema que eu trabalhei vem da rea de publicidade, ento um
pessoal que trabalha sempre com referncia, msica de referncia. Embora eu saiba
de muita gente que no gosta de trabalhar com msica de referncia, eu, ao
contrrio, me adaptei muito bem... Porque eu criei um mtodo, uma maneira de
entender aquela msica de referncia dentro da cena e ver porque funciona. E a eu
capto na verdade quais so os aspectos daquelas msicas que funcionam, por que
que funcionam? pela velocidade, pelo tom menor, pela sonoridade... Quais so
os aspectos que levaram o diretor a escolher aquela msica, e que de fato funciona,
naquela cena? Ento eu capto esses aspectos e eu fao outra msica com esses
aspectos, com essas informaes: realmente esse ritmo nessa cena faz todo o
sentido, e ela vem at aqui, aqui ela muda, aqui ela... Eu utilizo isso. E as pessoas
ouvem, a msica que eu fao no tem nada a ver com a msica de referncia.
(NICOLAIEWSKY, 2010)
Esta possibilidade til na criao, e no deixa de ser uma msica original, como
concorda lvaro Rosacosta: eu estou gostando de trabalhar com referncia porque uma
oportunidade de fazer um trabalho diferente, e por mais referncia que seja, o trabalho teu.
(ROSACOSTA, 2010)
56
2.2.4 Improviso
escolheram seus instrumentos principais para o uso em cena: fagote e teclas (na
impossibilidade do piano o uso de um acordeom e piano de brinquedo) respectivamente. A
improvisao depende do que est acontecendo e como o artista consegue absorver e
desenvolver sua tcnica. A tcnica e a capacidade de criao esto diretamente relacionadas
ao improviso, quanto mais repertrio e conhecimento sobre o instrumento que toca tem o
artista, maior a gama de escolha para o determinado momento.
Teve uma experincia inclusive l com o Aderbal que era uma msica final do
espetculo, espetculo na rua, e eu compus a msica, na verdade, com o ator que ia
cantar. Ento eu sabia qual era o clima, que era o incio do clima do Olodum, aquele
ritmo, e a gente tinha um pessoal de percusso... E a tinha a idia da letra. Fui
fazendo a msica com o ator, quer dizer, eu fazia e ele cantava, eu digo: vamos subir
um pouco o tom, ou vamos... Quer dizer, a ia funcionando, se no funcionasse eu j
estava vendo exatamente ali. (NICOLAIEWSKY, 2010)
Propor solues nos espetculos teatrais, para que a sonoridade possa ser ouvida, algo
que o criador de trilha identifica no incio do trabalho. No adianta colocar um instrumento
musical em uma insero na rua que tenha um alcance pequeno de intensidade, por exemplo,
como uma flauta doce tenor em notas graves. Se o timbre desta flauta for imprescindvel,
necessrio solucionar a propagao de sua sonoridade.
No trabalho com atores-cantores, traz-se exemplo de O Avarento38 do Grupo Farsa de
Porto Alegre. As msicas cnicas foram propostas em polifonia vocal: diferentes melodias
formando harmonias. Os atores explicitaram suas dificuldades no incio do processo, e ento
se estipulou um trabalho de oficina coral, preparao atravs de peas musicais com quatro
vozes. Como desenvolve Ernani Maletta, diretor musical do Grupo Galpo de Minas Gerais,
38
Espetculo teatral com direo de Gilberto Fonseca, esta montagem foi contemplada com o Prmio Funarte de
Teatro Myriam Muniz 2008 e abre a trilogia As Trs Batidas de Molire do grupo gacho. A obra recebeu
diversos destaques em sua trajetria, sua trilha sonora foi indicada ao Prmio Aorianos de Teatro 2009 em
Porto Alegre, e recebeu o prmio de Melhor Sonoplastia no 38 Festival Nacional de Teatro em 2010 na
cidade de Ponta Grossa, PR.
59
a experincia polifnica por intermdio do canto coral uma estratgia que estimula no
apenas o ouvido, mas tambm todo o corpo a incorporar mltiplas vozes. (MALETTA,
2009: 32)
Nesta montagem de Molire, o elenco selecionou e aprimorou uma pea coral, tirada do
perodo de ensaios, para executar alguns minutos antes de entrar em cena no espetculo
teatral, ou seja, toda apresentao tem este momento anterior de interao vocal. Tal ao
prepara os atores para que se escutem e possam entrar mais tranquilos no espao de
apresentao.
Denominamos diegtico a todo aquel sonido que pertenece y se origina dentro del mundo de la ficcin. Como
tal es escuchado por los personajes que participan de la misma.
40
Denominamos extradiegtico a todo aquel sonido que no pertenece ni se origina en el mundo de la ficcin.
Como tal nicamente es escuchado por los espectadores.
60
41
Actualmente, el uso indiscriminado de micrfonos en el teatro en Buenos Aires parece estar provocando un
efecto indeseado ya que, a pesar de ellos, muchas veces resulta igualmente difcil escuchar y entender lo que se
dice en escena. [...] Los micrfonos amplifican el sonido que reciben, de forma que amplificarn la intensidad de
la voz y, con ella, alterarn todos sus otros parmetros acsticos. [...] As, al exponer sus voces a los micrfonos,
los actores se ven obligados a reducir drsticamente la intensidad, la articulacin de las consonantes e, inclusive,
a alterar el timbre de las vocales.
61
Apesar da suposta rigidez de uma trilha gravada, essa tambm est sujeita a alteraes no
acontecimento teatral. Porque sua propagao sempre ser diferente devido quantidade de
espectadores e interveno dos sons ambiente. Todavia, em uma escala muito menor em
comparao com o som executado ao vivo.
No existem regras para iniciar um processo de criao de trilha. Existem necessidades
do espetculo teatral, e diversas possibilidades de trabalhar a sonoridade proposta para
colaborar com o processo de uma montagem.
Existem momentos em que o criador de trilha se depara com situaes inusitadas quando
no h sintonia de comunicao com o diretor. Ele pode ter na cabea uma ideia sobre o que
quer, e no saber expressar o que imagina. O diretor, s vezes, no tem como colocar em
palavras as melodias que ocorrem em sua mente, e busca expressar cdigos para serem
traduzidos, como relata Gustavo Finkler: aconteceu de uma diretora me pedir uma msica
mais azul, por exemplo. Se difcil explicar, imagina entender. Foi a que eu tive uma
iluminao. Eu disse a ela: me diz que sensao tu queres causar no pblico e de quantos
62
segundos tu precisas. (FINKLER, 2010) Desta forma, o artista estabeleceu uma comunicao
direta: referncia por sensao e tempo de durao.
A comunicao entre a equipe pode ser uma dificuldade em um processo de criao, mas
na trilha sonora, os percalos esto mais ligados parte tcnica.
O trabalho com sonoridades no teatro gera muitas questes sobre a disposio espacial
dos meios de produo de som. Dvidas a respeito do espao de apresentao, como: em que
local o grupo ir apresentar a montagem teatral? Ser em um palco tradicional, italiano? Quais
dimenses? De que so feitas as paredes do edifcio teatral? Como esto dispostas as cadeiras
da plateia? A apresentao ser em um espao no convencional? Vai ser ao ar livre? Na rua?
Em que rua? Tais questes tm como eixo a propagao do som.
Os atores sabem naturalmente, por exemplo, que na capital gacha apresentar no Theatro
So Pedro e na Sala lvaro Moreyra (ambos os espaos contemplam diversas montagens
teatrais por ano) bem diferente. Nem preciso falar ao ator sobre a projeo de voz dele em
um espao tradicional como o primeiro, onde cabem mais ou menos 700 espectadores, ou em
um espao mais intimista como o segundo, que tem capacidade para 110 pessoas.
Diferenciar projeo vocal para apresentao de uma pea teatral em uma sala ou na rua
est presente nestas questes. H conscincia por parte de muitos atores, acostumados com a
prtica, da intensidade que ser necessria para enunciar um texto em diferentes locais.
Em sala, h outras questes importantes para a execuo: os aparelhos eletrnicos.
Dvidas como a localizao da cabine de som; se h equalizador; quantos canais possui a
mesa de som; se possui aparelho reprodutor de mdias sonoras, e se est em boas condies;
onde esto posicionadas as caixas de som, e se possvel alter-las; se existem caixas de
retorno, monitores para os atores. So perguntas que precisam de respostas quando um
espetculo teatral se prepara para a execuo. Tais dvidas se referem a uma parte das
sonoridades propostas no processo de criao.
Na apresentao da obra teatral, esbarra-se em problemas como a falta de equipamentos
adequados. Dificuldade essa que j vem dos ensaios, como relata Adolfo Almeida Jr.:
No ter o equipamento de som quando uma pea que precisa de sonorizao, e da
no consegue ensaiar adequadamente, fica at o ltimo dia com um gravadorzinho
pequeno... Essas limitaes assim tecnolgicas de toda ordem que o teatro aqui
enfrenta, um problema de quase um semi-amadorismo, vamos dizer, tambm porque
no existe uma estrutura j pronta pra isso. Tu chegas nos teatros e no tem nada, s
tem uma pessoa que cuida do teatro, ento tens que estar trazendo tudo... Isso um
pouco triste de ver, o espetculo perde dentro daquilo que foi imaginado como
63
poderia ser, e da sempre montado um pouco mais precrio, uma coisa meio
frustrante desse ponto de vista do acabamento. (ALMEIDA, 2010)
65
Vivemos hoje em uma poca cuja tendncia vincular alta intensidade sonora como
sinnimo de qualidade de som. Na rua ou em veculos automotivos, quanto mais alto o
volume do som, melhor. Esta cultura chega ao teatro com os profissionais responsveis pelos
equipamentos sonoros, acostumados com volumes altssimos e, como diz Oliveira, tem
dificuldades em dosar o som no ambiente: uma briga para eles saberem onde que entra
com pouco volume, onde que cresce, quer dizer, ou tu grava, deixa em zero e grava tudo em
estdio como tem que ser, e diz pro cara, olha, tu s v se o aparelho funciona, t? Tu s play
e stop. (OLIVEIRA, 2010) O compositor veemente porque considera tal problema como
crucial no teatro, cita que qualquer pessoa acha que pode operar a msica, e se eu entrar
numa sala de cirurgia e quiser fazer uma micro-cirurgia oftalmolgica pra retirar uma
catarata, eu vou pra cadeia. (OLIVEIRA, 2010)
Oliveira enfatiza que qualquer pessoa autorizada por um diretor, ou por um produtor
para operar um equipamento de som. Agrega s dificuldades encontradas na execuo da
trilha sonora teatral: no existem produtores de teatro altura dos trabalhos que os diretores
e os atores fazem, os produtores executivos, principalmente, no tem noo do tipo de
equipamento que vo alugar. (OLIVEIRA, 2010) A falta de conhecimento sonoro da
produo do espetculo proporcional dificuldade de resolver problemas que a execuo da
trilha carece em um espao de apresentao.
Ento a outra dificuldade que a acstica dos lugares ela exige que as caixas, ou que
os aparelhos de reproduo sonora sejam colocados em determinados lugares. E
muito difcil que uma pessoa como eu, vamos dizer, que estou fazendo o som, a
msica, enfim, possa dialogar com quem vai colocar as caixas de som onde quer
colocar, quer dizer, tu no tens o menor crdito, e a eu acho que os diretores falham,
com algumas excees claro, os diretores e os produtores falham. (OLIVEIRA,
2010)
Nesta entrevista, aps um parecer vigoroso, o compositor conclui que estas consideraes
o deixam com sensaes ruins: eu falo um tanto emocionado, estressado, assim, porque
parece que voltam as pendncias. Existe muito descaso, desrespeito. (OLIVEIRA, 2010) De
fato, isto nos faz pensar sobre o conceito que alguns envolvidos com a arte teatral possuem a
respeito da sonoridade. Todos estes problemas fazem parte das relaes humanas em uma
equipe de trabalho, aliados falta de recursos ou preparos adequados em uma montagem.
As maiores dificuldades encontradas so sobre a execuo da trilha em relao com o
espao de apresentao e vinculadas questo oramentria, seja do espetculo ou dos
prprios edifcios teatrais com frgeis infra-estruturas na questo tecnolgica do som.
66
67
CAPTULO 3
68
DIAS, Ana. Ator, cena e musicalidade. In: CASTILHO, Jacyan (org). Msica e musicalidade no espetculo
teatral. Revista Vox da Cena, Salvador, BA: Ano I n 1, maro de 2009: 37.
69
Percebe-se que a trilha sonora est totalmente conectada msica, e, a partir destas
respostas, chega-se a duas acepes sobre trilha sonora teatral:
- Trilha sonora total: onde todos os sons no espetculo fazem parte do conceito.
- Trilha sonora musical: resume-se s msicas cnicas da montagem teatral.
Ao entrevistar os oito criadores, observa-se que Rosacosta, Nicolaiewsky, Oliveira e
Finkler se enquadram mais no grupo que concebe a trilha sonora como total, enquanto que
Faria, Ferrari, Souza e Almeida esto no grupo de trilha sonora musical. Separa-se desta
forma por semelhana em suas respostas, mas certo que todos no tm um pensamento
fechado e respondem, em vrios momentos, com posturas que poderiam deix-los tanto em
um lado como em outro. Isto positivo, a abertura a novas possibilidades. No h uma
maneira correta.
Uma particularidade destes grupos: os criadores que exercem outra funo no teatro,
como a atuao, tendem a perceber a trilha sonora como total, enquanto os criadores
compositores, a observar uma trilha sonora musical.
Na trilha sonora total, o espetculo pode ser musical sem ter msica nenhuma, quer dizer,
as vozes, os sons que envolvem o espetculo, tudo uma composio executada frente ao
espectador, envolto e participante em seus sons. H toda uma concepo sonora que pode ser
real ou surreal. Por exemplo, a sonoridade do batimento cardaco pode ser desenvolvida por
diversos materiais, tanto por um sampler43 como por uma percusso corporal (batidas rtmicas
utilizando apenas o corpo do artista).
Na trilha sonora musical, os mesmos recursos so usados, mas o enfoque est nas
canes, nas msicas de ambientao, vinhetas e at efeitos sonoros, a maior preocupao
est na execuo, se gravada ou ao vivo.
Ambos os grupos esto sujeitos ao acaso sonoro, aos sons involuntrios que acontecem
em uma montagem teatral. Na trilha sonora total, o incidente sonoro um som incorporado no
espetculo, agregado de forma positiva ou no, que faz parte de toda a sonoridade do
acontecimento. Na trilha sonora musical, o acaso visivelmente algo incmodo, no que seja
agradvel ao outro grupo dependendo de qual som involuntrio se refere (o toque do celular
de algum na plateia, por exemplo, quase sempre incmodo), mas partindo de algo
43
Sampler um equipamento eletrnico/digital que consegue armazenar sons em sua memria, podendo
executar desde timbres de orquestra a sons da natureza.
70
71
Ao buscar adequar o conceito nas semelhanas e oposies, se trilha sonora teatral todo
o som que ali est presente, tambm se pode dizer que trilha sonora msica, quando o artista
se refere musicalidade do espetculo teatral, assim como as palavras de Nico Nicolaiewsky:
Eu acho que a msica no espetculo, no que eu j tenha trabalhado isso
praticamente com outras pessoas, isso uma coisa que eu fao, que eu penso no
Tangos e Tragdias, que eu acabo repetindo ele tantas vezes ao longo dos ltimos
vinte e cinco anos, que eu acabo pensando algumas coisas que eu no pensaria em
uma primeira vista. a coisa da musicalidade da prpria fala, quer dizer, o ritmo, o
tom, a msica que tem nos textos, ento os textos que eu dou, eu curto eles, na
verdade, como uma questo musical. Como uma questo de, quer dizer, a questo
musical que so, a entonao dele, se ele mais grave, ele mais agudo, os
aceleramentos ou desaceleramentos, os tempos, o quanto eu posso aproximar do
microfone e falar de uma outra forma, que uma emisso bem diferente de uma
outra, que mais forte... Pra mim isso tudo, na verdade, msica que tudo que a
pessoa escuta, tudo o que passa pelo ouvido pra mim t dentro da rea da msica.
(NICOLAIEWSKY, 2010)
A trilha sonora teatral no mais, nem menos, do que outro elemento na encenao.
Parte-se do pressuposto que tudo faz parte de uma composio: os atores, as solues cnicas,
a caracterizao atravs da maquiagem e figurino, a luz, o som, e o que mais vier a fazer parte
de determinada montagem. Tudo configura uma nica obra. O pblico faz parte destas
relaes todas, e tambm proporciona interaes sonoras no meio de seu silncio, que
segundo Cage, no existe. O filsofo italiano Giovanni Piana prope um pensamento a
respeito deste silncio:
Deveramos, ento, concluir que algo como o silncio no existe de modo algum e
que o mesmo se reduza apenas quela idia? [...] O fato de contrapor a tal silncio a
onipresena do som, e alm do mais como uma espcie de dado de fato, parece ento
menos significativo do que poderia parecer primeira vista. Na realidade, para
representar tal onipresena rica de sentido ns precisamos dar-lhe uma nova
interpretao. [...] Isso significa que o prprio silncio, em que se configure um
nico som, na sua preciso e determinao, pode ser concebido como uma espcie
de textura sonora, como uma trama de pequenos sons, como um borbulhar e um
murmrio. Tal silncio murmurante o outro aspecto do silncio: ele consta de uma
espcie de formigar de sons que se encontram no limiar da sensibilidade, que mal
so percebidos ou ficam quase totalmente despercebidos, guisa das coisas que
esto no fundo e que por isso no so percebidas. (PIANA, 2001, pp. 73-4)
Por que no nos aproximarmos do conceito de Piana sobre esta trama de pequenos sons
que configura um silncio, que mal so percebidos ou ficam quase totalmente despercebidos?
Assim como uma plateia que vai a um edifcio teatral para assistir a um espetculo, e procura
ficar atenta apenas aos sons emitidos pelos atuantes na encenao. O som desta plateia ainda
existe, esto envolvidos em seu silncio murmurante.
72
Trilha sonora no teatro tudo o que ouvimos no espao de apresentao da obra teatral
em seu acontecimento. Trilha sonora tudo o que se escuta no teatro, observando-a como as
sonoridades ali presentes. Pode-se classific-la como total ao abranger todos os sons do
espetculo, ou musical quando nos referirmos s msicas cnicas da montagem teatral.
A voz do ator o som mais importante no teatro. Assim como importante o som do ator
derivado de suas aes corporais. Observando a trilha sonora como toda a sonoridade do
espetculo teatral, a voz do ator a maior aliada do responsvel por criar sons para a cena.
Segundo Silvia Adriana Davini, a trilha sonora teatral dispe de materiais como a
possibilidade da msica, efeitos sonoros e a vocalidade dos atores.44 (DAVINI, 2007: 165,
traduo nossa)
Todavia, trata-se de um campo onde o criador de sonoridades deve buscar o mximo de
conhecimento em cada trabalho, tanto em embasamento terico quanto no contato com o
elenco. A funo de preparador vocal essencial em montagens teatrais atuais. Alguns
criadores de trilha, devido sua formao musical e prtica com composies destinada aos
atores, acabam exercendo tambm tal tarefa. Entende-se que caso o profissional no efetue
esta funo, deve dialogar com o responsvel por tal preparao no intuito de aproximar os
sons propostos da realidade dos atores.
No difcil notar que os atores brasileiros geralmente possuem dificuldades com suas
vozes em relao encenao, apesar de compreenderem a importncia da voz na cena.
Relata a professora da Universidade de Braslia que, no final do sculo XX, estudantes e
professores declaravam que a preparao vocal uma instncia primordial e inevitvel na
formao dos atores, mas a quantidade e carga horria das matrias vinculadas voz na
encenao nos planos de estudo dos cursos de artes cnicas eram muito limitadas.45
(DAVINI, 2007: 13, traduo nossa)
44
El diseo sonoro en el teatro, que incluye como materiales la posibilidad de la msica, de los efectos sonoros y
de la vocalidad de los atores, establece una discursividad.
45
Estudiantes y profesores declaraban en forma unnime que la preparacin vocal es una instancia primordial e
ineludible en la formacin de actores. Sin embargo, la cantidad y la carga horaria de las materias vinculadas a la
voz en performance en los planes de estudio de los cursos de artes escnicas eran muy limitadas.
73
Se, por um lado, a formao acadmica do ator carece de maior carga horria para o
desenvolvimento de sua vocalidade, por outro, os atores poderiam aprimorar mais suas
habilidades vocais atravs de cursos de aperfeioamento ou acompanhamento profissional.
Tal quadro retrato de um teatro que pende ao visual por sua cultura. Os atores possuem
grande interesse no trabalho de voz, mas quando chega o momento da preparao, surge o que
Davini nomeou de ansiedade vocal.
No fcil para os estudantes de teatro perceber e localizar suas vozes ou
compreender seus comportamentos. Se para uma cultura orientada visualmente o
que no visvel no existe, poderamos inferir que, pertencendo esfera do
acstico, a voz e a palavra proferida teriam sua presena enfraquecida na
performance.46 (DAVINI, 2007: 15-6, traduo nossa)
No resultaba fcil para los estudiantes de teatro percibir y localizar sus voces o comprender sus
comportamientos. Si para una cultura orientada visualmente lo que no es visible no existe, podramos inferir que,
perteneciendo a la esfera de lo acstico, la voz y palabra proferida habran visto debilitada su presencia en
performance.
47
Un actor usa el rgano vocal para producir sonido vocal y habla; un cantante lo utiliza como instrumento
musical.
48
Un instrumento es una herramienta, una prtesis que utilizamos para un determinado fin y, por lo tanto, no es
ni puede ser humano.
49
En s mismo, ni un instrumento puede ocultar ni un rgano puede revelar nada. Es el sujeto quien oculta o
revela; y el lugar del sujeto es el cuerpo.
74
A produo sonora do ator se mescla em sua voz cotidiana e sua voz para a cena, a
capacidade de esculpir sonoramente as vontades e necessidades do personagem vital para o
ator (GAYOTTO, 2002: 41). No trabalho com os atores de O Avarento, foram enfatizadas
aos atores as propriedades do som: altura, intensidade, durao e timbre. As relaes destas
propriedades diferenciam-se em cada emisso vocal, e interessante que o ator saiba
diferenciar e conhecer as caractersticas de sua voz. O autoconhecimento est conectado com
a autoconfiana acima mencionada.
50
La voz es una mezcla compleja de lo que oyes, como lo oyes, y como inconscientemente eliges usar eso que
oyes a la luz de tu personalidad y de tu experiencia [la voz] est condicionada por cuatro factores: ambiente,
odo, agilidad fsica [y] personalidad.
75
76
nas canes. Entende-se playback como a gravao prvia dos instrumentos musicais e da
letra da msica cantada que os atores dublam a voz em cena.
Quando se utiliza os instrumentos gravados para o canto ao vivo, a expresso do ator
continua latente, e apesar do artista ter de cantar muito corretamente para no perder o
andamento, porque o tempo no ir oscilar, h a presena e o contato com o espectador
atravs da ao vocal.
Quanto ao uso de playback no teatro onde a voz do ator j est gravada, entende-se que
tal prtica empobrece o discurso sonoro da encenao e expe o ator negativamente. O
problema que fica claro ao espectador que a cano no est sendo executada por ele. H
casos emblemticos onde o profissional responsvel, ao lidar com um ator que no canta,
grava a msica com outro intrprete e o ator dubla ao fingir que canta em cena. Mesmo
quando o prprio ator grava sua voz em estdio, a voz fica diferenciada no momento da
execuo. A diferena se d porque sua voz acstica naquele momento reverbera de uma
maneira que no ser a mesma do timbre captado na gravao. Outro problema a diferena
de intensidade (volume) que h entre a voz acstica e a cano gravada, assim como o
posicionamento das caixas de som.
As caixas de som, em palco italiano, geralmente esto dispostas ao lado do palco, na
direo dos espectadores (public adress). J que os sons da cena, as vozes e outros materiais
sonoros so produzidos no espao de encenao, quando a sonoridade gravada entra em cena,
o foco da emisso vai para onde est a produo do som, neste caso, para os alto-falantes
dispostos ao lado do palco.
Como as canes cnicas so prticas comuns, muitos criadores de trilha sonora tm sido
chamados para tal funo. Algumas vezes, as equipes de produo escolhem compositores
que no possuem conhecimento teatral. Deste modo, a preocupao com a sonoridade do
espetculo resume-se s msicas. Um trabalho no nega o outro: possvel contar com um
bom profissional que desenhe sonoramente a pea teatral e um bom compositor musical, nas
vezes em que um mesmo artista no desempenhe ambas as funes.
77
Dois verbos em lngua portuguesa remetem recepo do som: ouvir e escutar. O criador
de trilha sonora Flvio Oliveira destaca que, na lngua francesa, existem trs verbos ligados s
sonoridades: entendre, our, couter, so trs nuanas, interessante que um deles entendre,
que a raiz de entender, o outro our que de ouvido mesmo, e couter que escutar.
Existem as diferenas... Mas principal da questo do teatro para mim a escuta.
(OLIVEIRA, 2010)
A maior diferena entre ouvir e escutar est na ateno, na apreenso. Assim sublinham
ditos populares que propagam: eles ouvem, mas no escutam. Independente de como se
conjugue o verbo eleito, h o vnculo com a audio, com o ouvido.
Ao contrrio de outros rgos dos sentidos, os ouvidos so expostos e vulnerveis.
Os olhos podem ser fechados, se quisermos; os ouvidos no, esto sempre abertos.
Os olhos podem focalizar e apontar nossa vontade, enquanto os ouvidos captam
todos os sons do horizonte acstico, em todas as direes. (SCHAFER, 1991: 67)
Nossos ouvidos no conseguem escutar apenas um ator, somos atrados pelas sonoridades
que nos cercam. Todavia, estamos propensos a filtrar apenas determinados sons, na tentativa
78
de ignorar outras sonoridades nossa volta. Esta propenso fora do hbito, prtica e
costume. Ao vivermos em locais onde h muita informao sonora, desenvolvemos
intuitivamente uma barreira e ampliamos o silncio murmurante do entorno.
O fato de habituar-se a poluio sonora no colabora com a prontido de nosso sentido
auditivo. Schafer destaca a necessidade da limpeza dos ouvidos, sempre importante a
todos os ouvintes e executantes da msica (SCHAFER, 1991: 67), ou seja, ouvir avidamente
os sons do ambiente.
O exerccio de abrirmos nossos ouvidos para outras sonoridades nos mostra um material
presente que no havamos notado. So sutilezas que aparecem e nos do novas possibilidades
de percepo.
No teatro, os sons presentes podem nos conduzir em uma montagem, se mostrarem
relevantes, indiferentes ou incmodos. Dependendo da apresentao, os rudos da plateia so
capazes de aborrecer outros espectadores e tirar sua ateno da obra em cena.
O rudo subjetivo, est no mbito da percepo de sons agradveis e desagradveis.
Para Schafer, rudo o som indesejvel, qualquer som que interfere, destruindo o que
queremos ouvir: para algum verdadeiramente emocionado com uma msica, mesmo os
aplausos podem se constituir numa interferncia (SCHAFER, 1991: 69). Estabelece-se desta
forma uma incoerncia conceitual em seu discurso, pois a reao do espectador em uma
apresentao no pode ser pr-determinada.
A percepo do rudo pessoal, na realidade, no se trata tanto de tomar sem mais nem
menos uma deciso a esse propsito, quanto de esclarecer se, proposta desta forma, ou seja,
por meio de uma referncia justificativa ao agradvel e ao desagradvel, tal distino entre
sons e rudos tenha uma efetiva consistncia conceitual (PIANA, 2001: 111).
Tudo depende do ponto de vista, ou, construindo a frase apropriadamente, ponto de
escuta. Refora Piana:
O cicio do vento entre as folhas ou a chuva martelante podero ser chamados
preferivelmente de barulhos sem que nesta designao esteja implicada
necessariamente uma reao negativa de rejeio ou aborrecimento. Ao passo que o
som de uma trompa que foi soprado grosseiramente no nosso ouvido, podemos
ainda cham-lo de som apesar do mximo aborrecimento que pode nos causar. [...]
Portanto, pretender que a distino entre sons e rudos seja uma distino inflexvel
e que a sua justificativa se apie na natureza do fenmeno sonoro, mais do que na
sua elaborao cultural, significa nada mais do que educar para o preconceito.
(PIANA, 2001: 112-3)
79
O processo de criao de trilha sonora no teatro pode estar integrado s msicas de cena
em um procedimento musical ou vinculado a toda sonoridade que cerca a obra teatral, em um
trabalho que denominamos total, completo.
Um pensamento de trilha sonora total complexo. No est presente unicamente no papel
do criador de sonoridades, ainda que este profissional possa facilitar a interlocuo sonora da
equipe em um espetculo teatral.
Um criador no pode, todavia, elaborar uma trilha total, pois no pode prever os sons
involuntrios. Ainda assim, ao tentar incluir as diversas sonoridades que provm de cada parte
da encenao (atores, figurinos, iluminao, cenrio, maquinrio cnico, palco, plateia,
ambiente interno e externo), ou refletir a relao destes em sua trilha proposta (msicas de
cena, efeitos sonoros, sonoridades de ambientao, materiais e equipamentos de produo de
som), estar em um processo de criao que abrange quase todos os sons do espetculo.
Desta forma, podemos diferenciar um criador de um executor de trilha sonora. Um
trabalho por encomenda de msicas est mais para o executor que para o criador de uma
sonoridade do espetculo. Por mais que um compositor crie msicas pedidas por um diretor
ou produtor, e que tenha liberdade no arranjo das mesmas, acaba executando um servio
pontual: um nmero estipulado de msicas. A encomenda pode, inclusive, ser bastante
especfica, indicando durao, ritmo e at tonalidade.
No trabalho, por encomenda, de msicas para o teatro, o compositor age dentro de um
mbito que lhe familiar e, de certa forma, confortvel: fazer msicas o seu trabalho. Esta
80
prtica vlida: no difcil localizar compositores que elaboram, com competncia, msicas
de cena. Nas entrevistas realizadas, encontram-se artistas que optam, em determinados
trabalhos, por tal metodologia.
Ao perguntar aos entrevistados se eles costumam ter contato com os outros criadores de
elementos de cena, atores e equipe do espetculo, no processo de criao, Arthur de Faria
respondeu: no, no muito, deveria at, talvez, mas eu prefiro que o diretor defina para todo
mundo. [...] At muitas vezes o iluminador vem falar pra ver a ideia, pra tentar fechar com a
trilha e tal, talvez eu at devesse, mas no... Eu acabo fazendo com o diretor mesmo.
(FARIA, 2010) Arthur prefere, pois, que o diretor d as coordenadas do processo de criao
do espetculo teatral. Relata, inclusive, o exemplo de um trabalho de criao de msicas para
um programa de televiso, e embora possa ter muitas diferenas com relao criao no
teatro, h paralelos comuns em um processo de encomendas de msica para utilizao em
uma obra artstica:
A nica vez que eu me estressei com uma trilha, foi uma trilha pra uma srie de
programa de televiso em que o diretor me disse faz o que tu quiser, e eu fiz o que
eu quis. A quando o cara ouviu disse no isso, eu disse bom, lamento, no
isso no, isso, vai ser isso, j est pronto, tu me disse faz o que tu quiser, eu fiz o
que eu quis, foi o que tu decidiu. (FARIA, 2010)
Quando o diretor de uma obra teatral solicita um trabalho ao compositor de msicas, deve
estar ciente do que quer. Pedir uma determinada cano para a cena e, depois que a
composio estiver pronta mudar de ideia, no s possvel como relativamente comum.
Nestes casos, quando quem encomenda no soube pedir e, ao receber o que solicitou, queira
mudar o servio, seria justo outro acerto de valores entre as partes envolvidas, pois tal
incumbncia caracteriza um novo trabalho para o compositor.
J o criador de sonoridades que est dentro do processo de criao do espetculo teatral
elabora uma identidade junto com a equipe presente. lvaro Rosacosta cita um de seus
trabalhos com trilha sonora que teve participao conjunta do grupo:
No processo criativo de uma linguagem, quando tu no tem uma linguagem e as
pessoas todas esto juntas criando isso, muito... Pra mim o processo ideal. A
nudez foi assim. Toda nudez ser castigada, todos os dias no ensaio ns vnhamos
com propostas sonoras diferentes. A gente procurava trazer elementos novos pra
impulsionar os atores. Ento eles combinavam no final do ensaio o que iam fazer no
outro ensaio, tanto em termos de luz, como de cenrio, como de som. Eram todas as
reas trabalhando juntas na composio do espetculo. Isso durante trs meses. s
vezes era s som, s vezes s... Mas o processo nunca ficou abandonado, sempre ia
modificando. Tanto que eu nem sei quando criou a trilha na verdade [...] Foi criada
do incio ao fim, porque, parece que ela estava pronta j... uma coisa to
81
estranha... Parece, assim que as cenas foram fazendo, essa trilha aqui pela cena, a
quando se costurou tudo comeou a botar na ordem, j estava tudo pronto, j estava
tudo encaminhado conforme o que se queria. Para mim o ideal isso, ... Desde o
incio estar trabalhando junto. (ROSACOSTA, 2010)
Percebe-se que uma trilha que busque contemplar o conjunto sonoro da obra teatral est
vinculada a um processo de trabalho em grupo. Por trabalho em grupo, entende-se um
processo onde a criao no est centralizada, e o estudo, o improviso e o instante so
propulsores de um raciocnio que dinmico. Em suma: trata-se de um processo colaborativo.
Em um processo colaborativo no se pode fixar formas nem metodologias (FISCHER,
2010: 224). concordando com tal afirmao que se reflete sobre as etapas e procedimentos
de criao de trilha sonora levantadas nesta pesquisa. Em um processo colaborativo, algumas
formas servem como inspirao, como construo de conhecimento. Todavia, s na prtica se
configuram as reais necessidades que direcionam o processo de criao cnica, nesse sentido,
as mltiplas experincias agregadas pelos envolvidos a partir de outros trabalhos,
proporcionam a incorporao de tais experincias em uma nova abordagem. Por mais que se
utilize de uma metodologia conhecida, ela ser enriquecida e redescoberta pela equipe em
questo.
Neste vis, pode-se citar duas companhias teatrais brasileiras que produziram, com xito,
sonoridades e msicas para a cena a partir de um processo colaborativo: a Companhia do
Lato, de So Paulo, e o Grupo Galpo, de Minas Gerais.
Consequentemente, o centro da criao artstica da companhia [do Lato] consiste
no desvendamento, mediante a dialtica. Outra via de pesquisa da companhia que
busca instaurar uma cena dialtica a insero do trabalho musical. Criada tambm
em consonncia com a cena, em que o msico-autor participa de todos os momentos
da pesquisa e improvisaes dos atores, a msica segue as mesmas caractersticas da
dramaturgia em processo, resultado da colaborao de todos os artistas para esse
fim. (FISCHER, 2010: 208)
Quando o criador de trilha sonora est inserido no trabalho, suas indicaes tambm
servem como um aprendizado para todos os envolvidos, principalmente para os atores que
estaro em cena durante a apresentao. O elenco tem que se apropriar dos signos sonoros em
uma obra, e, para isso, muitas vezes preciso trabalhar habilidades com o fim de executar e se
relacionar com as sonoridades. Dessa forma, mais uma vez o responsvel pela trilha age como
interlocutor que media as conversaes musicais com o grupo.
Martin Eikmeier, diretor musical da Companhia do Lato, cita que:
82
O trabalho com o canto coral realmente colabora para que os atores agucem sua
percepo sonora. Constata-se isto na montagem do espetculo teatral O Avarento, em que as
msicas cnicas tm divises de melodia diferentes. Tanto o grupo mineiro como o gacho
utilizam a msica como parte de uma integrao dentro de um processo, de um
aprimoramento do espetculo teatral.
Lembra-se a Companhia do Lato e o Grupo Galpo, nestas breves pontuaes, por seu
trabalho com a sonoridade na cena em um processo colaborativo. Ao dialogar com um
trabalho de montagem porto-alegrense, observa-se que h similaridades, mas tambm
diferenas. No se encontra, nas entrevistas e na vivncia do cenrio local, processo similar de
musicalidade e identidade com um grupo nas companhias gachas. H trabalhos em que se
percebe um pensamento voltado para a totalidade sonora, por parte de alguns profissionais,
mas em montagens pontuais. O Grupo i Nis Aqui Traveiz trabalha com processo
colaborativo e , neste sentido, o grupo local que mais se aproxima dos exemplos paulista e
mineiro, no que diz respeito concepo sonora, em seus espetculos.
83
84
CONCLUSO
85
Novos horizontes
msicas cnicas, e outro que inseria outras sonoridades para o discurso, como uma totalidade
de sons.
Um discurso de trilha sonora total traz o acaso e o acontecimento como prerrogativa, no
sendo possvel prever todos os sons de cada apresentao. Tal afirmao lida com a
efemeridade do teatro, onde toda exibio nica. No se tem como antecipar os sons
involuntrios, ento o papel do responsvel pelas sonoridades est na elaborao de alguns
materiais sonoros propostos e na articulao da musicalidade do espetculo com a equipe.
O criador de trilha sonora teatral um artista hbrido, s vezes mais ligado msica,
outras, mais ao teatro. Observa-se a falta de dilogo sobre a temtica abordada, logo o
criador-compositor acaba desenvolvendo metodologias individuais e tirando concluses a
respeito do trabalho, que, dependendo do caso, podem no contemplar a necessidade do grupo
de atores.
O envolvimento do profissional na montagem teatral o distinguir criador ou executor.
Um criador busca dialogar com a equipe e participa ativamente do processo, sua proximidade
fundamental. J um trabalho de encomendas de msicas est para o lado executor de um
responsvel pelos sons propostos. Encontram-se montagens em ambas vertentes, mas
defende-se o papel do criador de sonoridades presente, por sua mediao dos dilogos
musicais e responsabilidade de proporcionar momentos para aprimoramento da escuta dos
atores, principalmente.
O ator est presente na trilha sonora, na sonoridade do espetculo. salutar que
desenvolva percepo dos sons do ambiente e treine sua voz tanto para o canto em cena como
para a palavra proferida. Os atores emitem sons no apenas com suas vozes, mas com as
relaes corporais. O som do movimento, um simples deslocamento no palco pode ser rico
em sonoridade. Assim como a respirao, que mostra tanto um envolvimento na obra como o
preparo fsico do artista.
H vrias funes nesta fronteira teatral-musical. importante destacar, alm do criador
de trilha sonora, duas atribuies comuns e suas variaes: o ator-msico e o msico-ator. O
primeiro um artista teatral inserido em um contexto musical no espetculo, seja tocando um
instrumento ou cantando. O segundo um artista musical inserido na obra teatral. Quando um
ator toca um instrumento musical, ou interpreta uma cano, no se busca um virtuosismo, e
sim competncia: que o artista consiga executar a funo de forma a contribuir com o
espetculo, integrando a atividade musical ao cnica. Cantar ou tocar como a personagem
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canta ou toca. Da mesma forma, quando msicos so inseridos em uma montagem teatral, no
se espera desempenho corporal como os atores que tiveram uma preparao para tal, mas o
entendimento que outros signos em sua ao, que no sua sonoridade apenas, sero
absorvidos pelo espectador. Sua caracterizao como figurino e maquiagem, por exemplo,
tem de estar inserida no contexto teatral.
Na trilha sonora teatral, os equipamentos eletrnicos so forte aliados. Podem tornar-se
problemas, quando precrios. Com msicas cnicas e efeitos sonoros gravados, a montagem
fica entregue qualidade tcnica do edifcio teatral. A no ser que o grupo leve seu prprio
material e tenha liberdade para mont-lo. Nos espetculos de rua h uma proporo muito
maior de sonoridades propostas executadas ao vivo do que gravadas. Nisto, incide em que
local ou rua esto, se h prdios na volta, em um fator crucial: reverberao.
O local de apresentao revela todos os materiais que serviro para refletir o som emitido
na pea teatral. As paredes, projetadas em um teatro ou improvisadas como postes, rvores,
placas e fachadas na rua, podem contribuir com a sonoridade. A melhor forma de testar a
reverberao do local ensaiar, ir para o ambiente e bater palmas, falar. Tudo para que o ator
e o espectador possam exercer a mais importante ao a respeito do som: a escuta.
Em uma sociedade que preza pelo visual, a audio um possvel diferencial de
referncia. Ao participar de uma jornada pedaggica de um colgio privado porto-alegrense
no incio deste ano, o pesquisador notou um vdeo passado aos professores de ttulo O poder
da viso. As reflexes iniciais voltaram neste instante ao constatar o fato de uma cultura que
valoriza um sentido humano em detrimento do outro, sem perceber que tudo est conectado.
O vdeo comoveu a maioria dos participantes, com a ajuda de dois aspectos sonoros: a msica
de fundo e a voz de um narrador.
Tal exibio falava sobre a importncia de observar diferentes pontos de vista na vida, e
realmente isso necessrio. Porm isso lembra a citao de Schafer, que o ouvido no
seletivo, as pessoas no possuem plpebras nos ouvidos como nos olhos, e mesmo ao
descansar continua-se a ouvir os sons que cercam a todos. Assim lembra-se que ter um ponto
de escuta to importante quanto um ponto de vista.
Volta-se o aspecto audiovisual do teatro. O criador de trilha, ou o responsvel pela
articulao dos sons na montagem, assume um papel fundamental em um processo de criao,
pois este profissional a referncia sonora e musical dos envolvidos em determinado
trabalho.
88
89
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Entrevistas:
ALMEIDA JR., Adolfo. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na cafeteria da
Usina do Gasmetro - 3 andar, Porto Alegre: 19 jan. 2010.
FARIA, Arthur de. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na rdio Pop Rock,
Porto Alegre: 15 jan. 2010.
FERRARI, Rafael. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na cafeteria da Casa de
Cultura Mrio Quintana - andar trreo, Porto Alegre: 26 mar. 2010.
FINKLER, Gustavo. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada atravs de
correspondncia eletrnica, Porto Alegre: 05 fev. 2010.
NICOLAIEWSKY, Nico. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na casa do
artista, Porto Alegre: 22 jan. 2010.
OLIVEIRA, Flvio. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na casa do artista,
Estncia Velha: 05 abr. 2010.
ROSACOSTA, lvaro. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na casa do artista,
Porto Alegre: 14 jan. 2010.
SOUZA, Johann Alex de. Entrevista concedida a Marcos Chaves realizada na Palavraria,
Porto Alegre: 01 abr. 2010.
Sites consultados:
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Disponvel em: < http://www.bacante.com.br/especial/premio-apacepe-de-teatro-e-danca>.
Acesso em: 12 jul. 2010.
92
93
ANEXO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL UFRGS
INSTITUTO DE ARTES IA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES CNICAS PPGAC
12- Qual sua relao com o espao teatral (espao de apresentao)? Em que medida o
conhecimento sobre o espao teatral determinante para o processo de criao?
13- Costumas alterar o resultado aps visualizao em apresentao?
14- Sobre sua relao com o espectador, ele considerado em alguma etapa no seu
processo de criao de trilha sonora para o teatro?
15- Voc observa a reao do espectador aps o resultado? Isso influencia na prpria trilha
ou em suas ideias para trilhas futuras?
16- O que trilha sonora para voc? (ou O que abarca a trilha sonora?)
17- Como voc observa os sons involuntrios em uma apresentao teatral? (Os sons
involuntrios e a abertura para o acaso tm alguma relao com a trilha sonora do
espetculo? Em que medida o acaso previsto?)
18- Como voc descreveria um processo ideal para criao de trilha sonora no teatro?
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