Universidade Federal Do Estado Do Rio de Janeiro Centro de Letras E Artes Programa de Pós-Graduação em Música Mestrado E Doutorado em Música
Universidade Federal Do Estado Do Rio de Janeiro Centro de Letras E Artes Programa de Pós-Graduação em Música Mestrado E Doutorado em Música
Universidade Federal Do Estado Do Rio de Janeiro Centro de Letras E Artes Programa de Pós-Graduação em Música Mestrado E Doutorado em Música
EDUARDO LAKSCHEVITZ
por
EDUARDO LAKSCHEVITZ
ii
Lakschevitz, Eduardo.
L192 Um canto comum : percebendo o coro de empresa como um
mundo artítstico / Eduardo Lakschevitz, 2009.
228f.
CDD – 782.50981
Autorizo a cópia da minha tese “Um canto comum: percebendo o coro de empresa como um
mundo artístico”, para fins didáticos.
iii
iv
Este canto é dedicado a
Gisele, Sofia e Luisa,
minha maior inspiração.
v
AGRADECIMENTOS
vi
Music is not a thing at all, but an activity, something that people do.
The apparent thing “music” is a figment, an abstraction of the action,
whose reality vanishes as soon as we examine it at all closely.
Christopher Small
Musicking
It takes courage to study one’s own work, just as it does to take a good
hard look at anything which is dear to one and of which one is proud.
Everett Hughes
The sociological eye
Don Randel
The canons in the musicological toolbox
Gonzaguinha
Caminhos do coração
vii
LAKSCHEVITZ, Eduardo. Um canto comum: percebendo o coro de empresa como um
mundo artístico. 2009. Tese (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em
Música, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO
Nesta tese propõe-se a busca por parâmetros por meio dos quais a atividade coral
contemporânea pode ser observada. Após uma análise de conceitos de cunho técnico-musical,
procura-se metodologias complementares a estes no trabalho de autores que abordam o
fenômeno musical pelo prisma da Sociologia. Com base em idéias elaboradas pelo sociólogo
Howard Becker em Art Worlds (1982), procurou-se observar o funcionamento de coros
formados por colaboradores de quatro empresas no Estado do Rio de Janeiro: SEBRAE/RJ,
TV Globo, FENASEG e SUBSEA7. Utilizando-se a técnica da observação participante
(Becker, 1993 e Mann, 1973), foi investigada a rede de cooperações que suporta essa
produção artística, com ênfase na atividade do regente e dos coristas. Posteriormente foram
analisadas as conseqüências das questões identificadas na linguagem musical desses coros em
aspectos relativos a repertório (forma, tessitura, textura e tratamento do texto) e regência
(gestual e ensaio). Ao fim se estabelece uma comparação entre o funcionamento dos coros
observados e a atividade orfeônica das escolas brasileiras nas décadas de 1940 e 1950.
ABSTRACT
This thesis presents a search for parameters through which contemporary choral singing can
be observed. After an analysis of technical-musical concepts, complementary methods are
searched in the work of authors who approach the musical phenomenon through Sociology.
Supported by ideas elaborated by sociologist Howard Becker, in Art Worlds (1982), choirs
composed by employees of four companies in the State of Rio de Janeiro were examined:
SEBRAE/RJ, TV Globo, FENASEG e SUBSEA7. Using the technique of Participant
Observation (Becker, 1993 e Mann, 1973), the network of cooperation that supports this form
of art production is studied, with emphasis in the work of the choir director and the singers.
Subsequently, the consequences of these findings in the musical language of the choirs was
analyzed, in aspects such as repertory (form, tessitura, texture and text treatment) and
conducting (gesture and rehearsal procedures). At the end a comparison is developed
between the work observed in this choirs with that of the orpheonic choral singing in
Brazilian schools in the decades of 1940 and 1950.
Keywords: Choral music ‒ Company choir ‒ Orpheonic singing ‒ Art worlds ‒ Participant
observation ‒ Becker – prosumer
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................1
1.4. Classificações
1.5. Concursos
1.9. Gravações
1.10. Conclusão
x
CAPÍTULO 3: O CORO COMO UM MUNDO ARTÍSTICO.....................................106
3.2.4 O regente
3.2.5 Os cantores
3.3.1.2 Tessitura
3.3.1.3. Textura
3.3.2 Regência
3.3.2.1 Gestual
3.3.2.2 Ensaio
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................199
xi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
xii
INTRODUÇÃO
– Mas ‘Seu’ Arthur – ponderei – hoje tem jogo do Brasil. Pela primeira vez a Copa
do Mundo está sendo transmitida pela televisão, ao vivo. Ninguém irá ao ensaio.
Por que o senhor não fica em casa e assiste o jogo conosco?
– Ensaio de coro é mais importante que jogo de futebol – ele retrucou ‒ e eu não
desmarquei ensaio algum.
E lá foi ele. Mas pouco mais de uma hora depois ele voltou para casa, semblante
fechado e aparência contrariada. Nem preciso explicar mais. Ninguém, nem ao
menos um cantor, foi ao ensaio naquele dia.
A história acima, narrada por meu pai, revela alguns aspectos da música coral que não
elementos construtores do trabalho de um coro que variam de acordo com a cultura local, com
a comunidade onde esse coro se insere, com a época de sua realização e, nesse caso mais
particularmente, com eventos específicos. O problema narrado nessa história se deu porque
Décadas mais tarde do acontecimento relatado, este autor, também regente coral, iniciou
(modalidade coral de popularidade crescente no Brasil, mas que ainda não foi tema de uma
se investigar o contexto social que cercava aqueles coros para, a partir deste, planejar e
2
grupos.
diferentes daqueles que haviam sido vivenciados até então, seja como corista (em coros
comparado com definições e conceitos apresentados na literatura sobre o assunto, bem como
expressadas por regentes e professores de música em debates ocorridos nos muitos eventos
relativos à essa área em que este autor tomou parte nos últimos anos, o trabalho desenvolvido
no Coral SEBRAE/RJ demonstrava muitos pontos de conflito. Por outro lado, notava-se que,
muitas vezes, a principal atração que o coro exercia nos próprios coristas provinha exatamente
dos pontos que diferenciavam este grupo dos conceitos levantados pelos autores da área.
demonstravam, e que, muitas vezes, não correspondiam aos conceitos acima mencionados.
Tal situação se mostrava inusitada até mesmo para este regente, que, tendo desenvolvido a
maior parte de sua formação musical em instituições de ensino tradicionais, viu-se compelido
métodos de sua atuação naquela empresa. Na presente tese procurou-se entender as bases
social ocorridas no grupo. Conseqüentemente, para aperfeiçoar seu trabalho à frente desse
coro, tornou-se fundamental, para o regente, procurar compreender aquela atividade também
pelo prisma da Sociologia, que não é normalmente contemplado pela literatura que versa
sobre ela.
dissertações na área, constatado por José Nunes Fernandes (2006 e 2007).1 Porém, estudos
específicos dessa produção musical sob a mesma ótica daquela utilizada nesta tese não são
Lara Rocha (2007) versam sobre a atividade coral em empresas, sendo que a primeira
relaciona a prática coral a um sistema particular de gestão empresarial, a segunda tem seu
atividade é constatada em periódicos da área de música nos artigos de Élinton Pereira e Miriã
Vasconcelos (2007) e Rita Fucci Amato (2007). A baixa freqüência com que esses dois temas
são analisados contrasta com a grande quantidade de regentes envolvidos no trabalho de coros
de empresas, verificada por este autor em cursos de regência e festivais de coros em diversas
1
Fernandes identifica cinco trabalhos realizados na área de educação musical coral até 2001 enquanto nove deles
se completaram entre 2001 e 2005. O autor realizou suas observações no Banco de Teses da CAPES,
utilizando quatro palavras-chave: música, ensino de música, musicalização e educação musical.
Posteriormente classificou os trabalhos encontrados de acordo com a área de Música (sub-área Educação
Musical), conforme definição do CNPq, fatos que podem ter deixado de fora de sua observação teses e
dissertações sobre canto coral que não sejam listadas como as atividades citadas. Mesmo assim, o
crescimento constatado nessa área específica já testemunha um aumento do interesse acadêmico na
música coral.
4
cidades brasileiras na última década. Dessa maneira, esta tese, cuja motivação inicial foi a
compreensão de questões de ordem prática presentes numa atividade coral específica, torna-se
ainda mais relevante, pois discute questões intimamente ligadas a um estilo de produção
musical que, apesar de ser denominado “coral”, demonstra feições muito particulares.
Este texto está estruturado em três partes. Primeiramente se procurou uma definição
para o conceito encerrado na expressão “canto coral”. Para tanto empreendeu-se investigação
etimológica acerca dos termos “coro” e “coral”. Como os cantores observados tinham pouco
contato prévio com esse tipo de produção musical, foi importante demarcar o significado do
termo para balizar suas declarações. A pesquisa foi, então, alargada para dicionários
específicos da área de música e para textos técnicos sobre regência e canto coral. Ainda nessa
etapa foram utilizados depoimentos recolhidos pelo autor especificamente para esta pesquisa
como também informações coletadas ao longo de três décadas de atuação nesta área.
feminista de Susan McLary (1991), que também embasa o texto da regente Patricia O’Toole
atualmente sendo trilhadas por escritores como Tia DeNora, John Shepherd, Lucy Green e
Howard Becker. Ainda neste capítulo observa-se críticas à forma como o jazz foi abraçado
pela análise acadêmica e o possível paralelo que a música dos coros aqui investigados pode
encontrar com esse processo. Ainda outra questão marcante observada neste capítulo foi a
sociológica. Musicólogos e sociólogos tendem a assumir pontos de vista que ressaltam suas
tendências acima são contempladas de forma conciliadora, delineado nas idéias de Antoine
Por fim, no terceiro capítulo empregou-se a idéia de mundos artísticos, tal qual utilizada
por Becker em livro homônimo, para investigar as atividades realizadas por quatro coros de
diferentes empresas. Por meio de tal análise procurou-se identificar os participantes da rede de
cooperações que produz a música desses coros e compreender seus reflexos nas atividades de
regente e coristas. Foram examinadas questões relacionadas a aspectos musicais dos coros
observados que, como se constatou, são em grande maioria determinadas por eventos de
ordem social.
Não obstante a motivação inicial deste trabalho ter sido gerada por questões
iniciaram suas atividades durante o período de observações que embasou esta tese, sob a
direção deste autor. Em função da semelhança entre os processos que nortearam o trabalho
dos quatro coros, questões observadas em todos eles enriqueceram a presente investigação.
São eles: Coral 7 Notas (SUBSEA7), Coral FENASEG e Coral da TV Globo. Ao fim deste
capítulo foi traçada uma analogia entre a produção coral estudada e a atividade orfeônica em
escolas brasileiras nas décadas de 1930 e 1940. Notou-se o surgimento de diversos pontos de
similitude entre as duas quando analisadas sob o prisma dos mundos artísticos, idéia que entra
em conflito com a maior parte da literatura recente sobre o tema. Nesta, de orientação técnico-
lembra o musicólogo Friedrich Blume (1970:67), com relação à produção musical do século
XIX. Acontece imbuída dos mais variados objetivos e envolve pessoas com diversos níveis de
relação estreita que tem com a literatura, pelo caráter socializador que pode apresentar, ou até
mesmo pelo baixo custo de sustento que requer (fator significativo em ocasiões específicas).
Mas, independente de qual seja fonte de sua motivação, a idéia acima expõe a necessidade de
origem extrínseca à própria atividade musical, como acontece na análise empreendida nesta
tese, numa atitude semelhante àquela sugerida por Henry Raynor (1981:14) com relação ao
A música, a menos que não passe de rabiscos casuais em sons, tem o seu lugar na
história geral das idéias, pois sendo, de algum modo, intelectual e expressiva, é
influenciada pelo que se faz no mundo, pelas crenças políticas e religiosas, pelos
hábitos e costumes ou pela decadência deles; tem sua influência, talvez velada e
sutil, no desenvolvimento das idéias fora da música.
CAPÍTULO 1: HÁ UM ESTILO CORAL?
‒ Sei que sua filosofia de trabalho não é essa, como também sei que esse é o caso
da maioria dos regentes corais que trabalham com coros de empresas. Por isso
determinei especificamente os coros que observo neste trabalho. Meu interesse
aqui é conhecer um pouco mais sobre os primórdios e os conceitos envolvidos na
atividade coral da Petrobrás.
(...)
‒ Nosso concerto estava lotado e as pessoas diziam que “neste concerto, cada hora
é uma coisa”. É porque eu coloco um solista pra cantar, depois uma pessoa fazendo
coreografia, etc. Quer dizer, a gente tem que criar, mas, ao mesmo tempo sem fugir
ao estilo coral.
‒ É porque hoje você vê muito oba oba, não é? A gente tem o estilo coral, canta a
quatro vozes, ou a três, se for o caso. Mas você vê que é um coral.
Nestes trechos da entrevista com José Machado Neto (2009), Coordenador Geral dos
coordena não foge ao que se entende por “canto coral”. Mais adiante, diante de uma pergunta
objetiva, apesar de mencionar a divisão de vozes como um possível parâmetro definidor dessa
2
Os autores consultados na bibliografia e nas entrevistas realizadas durante a pesquisa deste capítulo mostram
características de discurso díspares. Por um lado há textos com informações pouco precisas, de caráter
vago, para o qual utiliza-se, aqui, também, o termo “subjetivo”. Estes textos esbarram em opiniões
pessoais (“impressionistas”) e, por vezes, deixam transparecer até mesmo um viés esotérico. São comuns
também menções à qualidade de determinada produção musical (“melhor” ou “pior”), o que reforça sua
8
pessoas um conjunto coral. Esta tendência à opinião de caráter impressionista foi averiguada
pessoas relacionadas à atividade coral, mas também na literatura relativa ao assunto. Tal
questão é um dos principais elementos motivadores deste texto, mas também um de seus
maiores complicadores.
Na presente análise sobre esse tipo de atividade musical, vêm à mente aspectos que, ao
mesmo tempo em que realçam a grande diversidade entre grupos corais, provocam-nos a
sugerida pela utilização de uma nomenclatura comum, e quais são eles. O que define um
coro? Quais os seus componentes fundamentais? Que elementos contribuem para que um
grupo de pessoas seja chamado de “coro” ou “coral”? O significado desses termos, como será
visto a seguir, pode ser muito amplo, mas por vezes também pode agregar características
musicais e sociais que lhe conferem uma série de conotações específicas e que não
diversidade.
tomando como base o verbete “coro” em dois dicionários da língua portuguesa. Tal busca se
imprecisão. Por outro lado, há autores que versam sobre a atividade coral de forma denotativa e até
mesmo esquemática. Neste caso, a maior dificuldade encontrada é a extensa gama de variáveis envolvidas
na produção coral, que engendram casos excepcionais às classificações normalmente utilizadas em tão
grande número, que as tornam pouco eficientes.
9
denominação para a produção coletiva de música vocal, bem como a compreensão de quais
atividades são definidas, em diversas instâncias, pelos termos “coro” e “coral”. Dessa forma,
desenvolve essa discussão, fato que torna essa busca importante no momento inicial da
presente investigação.
O Dicionário Aurélio apresenta doze entradas para o termo, dentre as quais duas são
relacionadas a conjuntos vocais, uma a conjunto instrumental, três ao teatro clássico, duas à
“coral”, definido como adjetivo referente a coro, como forma de composição originada na
quatro definições, sendo uma delas relacionada a conjunto vocal, duas à composição musical
e uma ligada ao teatro. Quanto ao termo “coral”, este autor o relaciona primordialmente como
mencionadas nos dois dicionários, sendo deixada de lado sua utilização como definição de
forma musical.
Mas há uma definição do Dicionário Aurélio que causa espécie, pois designa coro como
uníssono ou a várias vozes, com acompanhamento ou sem ele, e do qual é padrão o que é
constituído por vozes mistas de soprano, contralto, tenor e baixo” [grifo meu]. Mesmo se
especificação do termo, característica que também está muito presente em textos técnicos a
organização de vozes, que é, na verdade, variável de acordo com o contexto no qual o coro se
10
“em número mais ou menos considerável”. Esta dificuldade na determinação precisa de uma
terminologia a ser utilizada na área da música coral é evidenciada pela freqüência com que
expressões vagas ocorrem – por vezes até numa mesma sentença – paralelamente a tentativas
(1938:72):
bibliografia, fato que pode sugerir a procedência dessa informação. Contudo, nenhum dos
particular para a definição de um tipo de coro, situação que, mais uma vez, demonstra a
dificuldade de utilização precisa de termos que indiquem tipos específicos de grupos corais,
uma vez que, como será salientado mais adiante, há uma grande diversidade de parâmetros
3
A utilização dos termos “glee” e “madrigal” para tipificar grupos vocais é outra demonstração do caráter vago
dessas nomenclaturas, uma vez que ambos determinam , também, uma forma de composição musical. Tal
flexibilidade em sua utilização é comum, também, ao termo “coral”.
11
Porém, no verbete “choir” no The Harvard Dictionary of Music, chama atenção a expressão
“um grupo de cantores, especialmente aquele dedicado à interpretação de música sacra”,4 que
significativo para a definição desta atividade musical. Há também uma referência ao verbete
“chorus”, definido basicamente da mesma maneira, mas também acompanhado por uma breve
sem manter relação com a idéia de uma coletividade de cantores. O mesmo modelo é traçado
pelo Grove Music Online, que em sua definição de “chorus”, anteriormente à apresentação de
um detalhamento maior dos elementos envolvidos nessa atividade, tanto pelo aspecto técnico
como pelo lado histórico, faz referência à diferenciação entre um grupo de solistas (um cantor
por parte) e um coro (mais de um cantor por parte), bem como à ausência esporádica dos
cantorum, singing society, chorale ou glee club. Assim, sugere também a existência de grupos
de cantores que não se utilizam dos termos em questão, mas desenvolvem a atividade coral.
Mais ainda, menciona uma definição que sugere ser particular da língua inglesa, na qual os
dois termos são diferenciados por questões de afiliação, número de componentes, qualidade
técnica e remuneração:
4
A group of singers, specially one dedicated to the performance of sacred music. (Todas as traduções neste
trabalho foram feitas pelo próprio autor.)
12
em fatores acessórios à idéia mais básica que é extraída dos dicionários, segundo a qual coro é
cabo pelo Grove Music Online, os esclarecimentos encontrados nos dicionários parecem
tornar a definição dos termos relativos à atividade coral o mais abrangente possível. Porém,
no caso dos autores que escrevem em língua portuguesa, mesmo sem se utilizar de dois
termos diferentes, estes vêem-se, por vezes, baseando-se nos fatores acessórios citados para
definir a atividade coral, como faz o professor Octavio Bevilacqua (1933:47), que usa
parâmetros de longevidade de um grupo coral bem como de afiliação para tanto: “No Brasil, o
coro propriamente dito, ainda não entrou nos habitos do povo, embora seja esboçado com
vigor em seu folk-lore. Organizações ephemeras nas egrejas não podem ser tomadas em
consideração”.6
O artigo de um professor inglês, escrito ainda no século XIX (J. Spencer Curwen,
5
In English, but in no other language, a distinction is often made between ‘chorus’ and ‘choir’: an ecclesiastical
body of singers is invariably called a ‘choir’, as, normally, is a small, highly trained or professional
group; ‘chorus’ is generally preferred for large groups of secular provenance.
6
Optou-se, neste texto, pela manutenção da literalidade das citações, de acordo com as regras gramaticais
vigentes à época de sua escrita. Ressalta-se, assim, a variação diminuta no conteúdo das discussões acerca
do canto coral, bem como nos próprios paradigmas definidores dessa atividade, não obstante terem sido,
estas citações, extraídas de obras publicadas durante um período longo (as mais antigas datam da década
de 1930).
13
língua portuguesa e acontecia também, à época, com relação à música instrumental. A citação
refere-se, ainda, à utilização do termo coral para designar música sem acompanhamento
instrumental:
Com relação ao termo “coral”, é uma das muitas palavras em música cercadas de
grande obscuridade. É como a palavra “banda” referindo-se à orquestra, que
intrigava Sir George Grove. O termo “coral”, imagino, encontra-se em edições
contemporâneas de música alemã, chamadas de “canto coral”, para indicar o uso do
canto coral de forma diferente àquela em que é acompanhado por instrumentos, à
moda da música secular.7
freqüente à música coral, mas quase sempre como uma extensão da música instrumental em
conjunto, sem uma atenção maior dedicada aos seus aspectos mais particulares, como explica
As normas e preceitos aqui ditados não são dirigidos exclusivamente aos regentes
de orquestra e de banda de música. Dirigimo-nos, também, aos regentes de coro,
pois, este, quando integrado na música sinfônica, submete-se à regência
convencional dos conjuntos instrumentais.
seus textos é percebida uma ampliação do conceito em tela, ao qual se adiciona uma série de
idéias acessórias às questões básicas acima citadas, sem que, muitas vezes, questione-se suas
metodologia utilizada para seu ensino e aprendizado (incluída aqui a questão da notação
7
As regards the word “chorale," it is one of the many words in music which is surrounded with great obscurity.
It is something like the word " band " for an orchestra, which puzzled Sir George Grove. The word
"chorale," I fancy, you find in contemporaneous editions of German music, called the " chant chorale," as
if it was meant to indicate the use of chorale singing as being different if sung accompanied by
instruments in secular fashion.
14
e seu funcionamento, as relações pessoais acontecidas nesse ensaio, as questões visuais (desde
uniformes utilizados até o posicionamento no palco) e a relação dos grupos corais com suas
platéias são exemplos dessas idéias que, ao longo do tempo, foram sendo apensadas ao
conhecimento mais aprofundado dessa arte, acaba por conferir caráter fundamental a questões
que foram se associando a ela ao longo do tempo. Com poucas exceções, os autores que
discorrem sobre a atividade coral tomam tais idéias como dados pré-estabelecidos, como
música), passa a encerrar muitas das características acima descritas. Tal tendência acontece
com autores que se debruçam sobre o estudo do coro tanto do ponto de vista estrito da
interpretação musical e da regência, como com aqueles que discorrem sob a ótica da educação
musical.
Na literatura de feição mais técnica sobre a música coral é comum a organização dos
textos tomar como parâmetro essas idéias acessórias, conferindo-lhes um caráter universal,
mas não levando em consideração os diversos tipos possíveis de expressão da música vocal
coletiva. Na maior parte dos textos que serviram de base para o presente estudo, os autores
8
O termo “qualidade da sonoridade” refere-se, aqui, tanto a características próprias do som de um coro como
também à idéia (mais subjetiva) de julgamento de valor (qualidade boa ou ruim).
15
maneiras de executar seu ofício, sendo o aspecto gestual de seu trabalho o mais habitualmente
denotando uma busca pela representação mais exata possível dos elementos que formam cada
contexto musical. Há professores de regência coral, como James Jordan (1996:114), que
O maior dilema com relação aos padrões de regência é que os mesmos são
freqüentemente ensinados sem conexão com o som; são ensinados como exercícios
geométricos onde padrões são desenhados no ar, sem a presença do elemento
sonoro. Padrões deveriam ser reflexo do som em todas as suas dimensões, i.e., cor,
linha, características rítmicas e forma geral das frases.9
que sugere ser incompleta uma formação calcada somente nos padrões gestuais, Jordan
Em textos voltados especificamente para o regente coral, autores tendem a, além dos
padrões gestuais, aprofundar-se também em questões técnicas próprias dessa atividade, tal
que tange ao seu funcionamento, sem maiores considerações às suas origens e funções
elementos, que, então, são discutidos. Dificilmente se questiona sua origem, função, contexto
ou mesmo sua validade em determinado tipo de coro. De acordo com o professor Sérgio Luiz
Figueiredo (1989):
9
The biggest dilemma concerning conducting patterns is that they are most often taught devoid of sound; they
are taught as geometric exercises of sketching patterns in the air without sound being present. Patterns
should be a reflection of sound in all its dimensions, i.e., color, line, rhythmic characteristics, and overall
phrase shapes.
16
(...)
(...)
brasileira, Figueiredo ilustra, neste texto, alguns caminhos possíveis para a análise da
atividade coral contemporânea. Como acontece com um grande número de autores, seus
pensamento referente a essa atividade. Ao mencionar que, no Brasil, a prática coral de leigos
é numericamente superior àquela realizada por profissionais,10 e que tal fato gera distorções
modelo contra o qual tal comparação deve ser realizada. Uma eventual escolha deste modelo,
Figueiredo foi escrito há vinte anos). O desejo do autor por uma sistematização da prática
10
Neste caso imagina-se que o autor use este termo como sinônimo de “conhecedores”, para se referir àqueles
cantores já familiarizados com os meandros da prática coral ocidental tradicional.
17
atualidade, de estilos e possibilidades dessa produção musical. Esta, por sua vez, constitui um
próprios cantores, sem, contudo, aprofundar tais conceitos. Relaciona, ainda, a imposição do
aspecto social sobre o musical como uma das questões relativas à referida baixa qualidade da
produção coral brasileira. Deixa transparecer, ao fazer tais constatações, que o modelo para
referência nesses aspectos seria aquele produzido por coros estrangeiros. Ao comentar a falta
qualidade insatisfatória de uma grande parte de grupos corais do Brasil, o autor coloca as
tarefa fácil. Tecer comentários subjetivos acerca dessas questões é um ato comum nos textos
distintas. Joseph Flummerfelt, que durante trinta e três anos regeu o Westminster Symphonic
Para mim, tudo começa com respiração − o meio de abrir a interconexão mais
profunda com um impulso criativo, de uma forma que vai além das restrições do
ego individual. Uma conexão espiritual que facilita um fluxo espontâneo emerge
somente quando a necessidade de controle determinada pelo ego tenha cedido.11
11
For me it all begins with breath − the means of opening the deepest inner connection to a creative impulse
beyond the stricture of an individual ego. A spiritual connection allowing a spontaneous flow only
emerges when the ego-driven need to control has subsided.
18
O padre William Finn (1939:71), que se dedicou aos coros masculinos nas
Congregações Paulinas de Chicago e Nova York, grupos que trabalhavam com objetivos e
A afinação baixa ou alta é o insulto mais repugnante que pode ser oferecido à
música. O fato de a transgressão das alturas corretas ser sempre involuntário não
diminui objetivamente a indignação provocada por tal ultraje. Aqueles que
persistem despreocupada e complacentemente, e continuam a oferecer tal afronta
deveriam ser indiciados por vandalismo e jogados ao ostracismo da arena
musical.12
Porém, Finn divide o capítulo sobre afinação em partes claramente demarcadas, onde
discute o problema de forma esquemática: (a) problemas, causas e soluções da afinação baixa;
(b) problemas, causas e soluções da afinação alta; (c) tais questões em coros com e sem
acompanhamento; (d) tais questões durante ensaios e apresentações. Assim, Finn demonstra,
índole mais pragmática, é também sugerido por Figueiredo (1989:77) para tornar mais
12
Flattening or sharpening is the most repugnant slight offered to music. The fact that straying from pitch is
always involuntary does not lessen objectively the indignity of the affront. Units that persist
unconcernedly and smugly in offering the affront should be indicted for vandalism, and ostracized from
the musical arena.
19
campos da música coral, quase sempre deixando implícita uma uniformidade de aplicação
idiossincrasias de cada grupamento de cantores. Poderia ser argumentado que Finn se utiliza
(Finn morreu em 1961), da grande variedade atual de tipos de coros e que, portanto,
idéia pode ser inferida das palavras do regente Paul Brandvik (1993:148):
musicais (alturas e ritmo), fato que, conseqüentemente, poderia denotar também o grau de
qualidade de um coro. Apesar das quatro décadas que os separam de Finn, a questão persiste,
13
So now there are choices in choral tone that did not exist for directors until the last two or three decades. We
can experiment and model the tone of our choir after the examples of many great choirs. We have a vast
databank of choral sound from which we can draw. With insight and imagination we can bring the most
versatile of instruments – the human voice – to its fullest potential in a choir with a great variety of tonal
colors.
20
pois pressupõe-se que todo o coro funciona aproximadamente da mesma forma, variando
O regente Howard Swan (1973:7) traça um mapa da música coral norte-americana, onde
identifica especificamente seis escolas, comparando-as com base em sua filosofia de trabalho,
mas também em diversos elementos de produção musical vocal, tais como: controle
afinação, dicção e vitalidade rítmica. O autor crê que, em seu país, durante a segunda metade
do século XX, alguns regentes e professores exerceram grande influência sobre a maneira
como canta a maioria dos coros, por meio de aulas abertas, demonstrações e gravações e
programas de rádio e TV, o que justifica essa detalhada categorização da produção de música
coral. Todavia, reconhece que “não há dois coros nos Estados Unidos que cantem com um
som idêntico ao outro”14 e que “há mais de uma ‘maneira correta’ de cantar”.15
pedagogia musical, “há algo quase injusto na tentativa de se ensinar uma habilidade através de
palavras. Aprendemos muito mais quando o fazemos através de nossos sentidos e nossa
experiência”.16
Como conseqüência desta tendência à extrema praticidade no trato da arte coral, nota-se
também uma hierarquização dos fatores musicais presentes nesta, como podemos perceber no
texto dos regentes Ray Robinson e Allen Winold (1974:239). Tal como Finn, colocam a
14
No two choruses in America sing with an identical sound.
15
There is more than one “right way” to sing.
16
There´s something almost unfair about trying to teach a skill by putting it into words. We learn so much more
when we learn through our senses and our experience.
21
afinação no topo dessa escala: “Infelizmente é verdadeiro que platéias e críticos são mais
propensos a não notar erros sutis em ritmo e dinâmica, mas são sempre rápidos ao criticar até
Diremos contudo que ser afinado é a condição essencial para ser côrista. E esta
deve ser a sua principal preocupação, pois, é da afinação de um côro que depende
uma bôa execução; e mesmo num conjunto muito numeroso, basta um máo
elemento para que sua afinação não seja perfeita.
clareza textual decorrente da dicção e a noção de frase musical no topo dessa hierarquia:
Que sinais o texto nos dá quanto à tensão e repouso na linha musical? Substantivos
e verbos ocorrem normalmente em tempos fortes, enquanto advérbios e adjetivos
ocorrem em tempos fracos! Então, temos um sistema dentro de cada peça que
ensinamos. Precisamos apenas de um sistema que mostre isso aos coros. É tudo
uma questão de ensinar tempos fortes e tempos fracos.18
lista de importância, dependendo do regente que a confecciona. De acordo com Swan (1973),
é possível se encontrar diferenças entre a filosofia de trabalho de alguns dos regentes mais
entre as vozes é o elemento mais importante na produção de música coral; John Finley
17
It is unfortunately true that audiences and critics are likely not to notice subtle mistakes in rhythm or in
dynamics, but they are usually quick to criticize even small errors in intonation.
18
What signs does the text give us as to tension and release in musical line? Nouns and verbs usually occur on
strong beats and adjectives and adverbs usually occur on weak beats! So you see, we have a “built-in”
system within every piece we teach. We just have to have a “system” for pointing out these things to the
choirs. It is all about teaching strong to weak beats.
22
Fred Waring lista a dicção em primeiro lugar, enquanto Robert Shaw cita o ritmo como
modos de operação de cada uma dessas escolas, mas se mantém superficial na compreensão
das causas que podem tê-las estabelecido. Esse esclarecimento, porém, torna-se fácil se
observadas as áreas de atuação de cada um desses regentes. Christiansen foi o fundador do St.
Olaf Choir, uma das principais escolas de música sacra dos EUA e, portanto, a sonoridade
as orquestras de Nova York e Filadélfia, o que explica a importância conferida à massa sonora
1940 e 1950, e, por isso a exigência de excelência em dicção vinha em primeiro lugar. Já
Shaw, atuante tanto na área de câmera como nos coros sinfônicos, e um dos primeiros a
gravar o repertório coral ocidental para larga distribuição, ressaltava a superioridade do fator
19
Frank Abrahams, Chefe do Departamento de Educação Musical do Westminster Choir College, revelou que o
ideal de sonoridade coral de Williamson (1887–1964) sofreu adaptações. Atualmente, apesar da função
principal do coro permanecer a mesma (repertório sinfônico), desenvolvimentos recentes de pesquisas em
práticas interpretativas, bem como de sistemas de amplificação e gravação, tornaram menos premente a
importância conferida ao “som muito escuro e com grande quantidade de vibrato” (informação pessoal ao
autor).
20
The dimension of music is time – not space. Time is music’s canvas. If time is music’s canvas, then every
instant ought to be used up. There ought to be no fragmentary time without dramatic drive. If momentary
silence has a real and pertinent meaning, O.K.; if not, then it has no business interrupting the music.
23
1.4. Classificações
mencionadas, por sua vez, engendram modelos classificatórios para grupos corais que, não
obstante, mostram-se sempre imprecisos, pois variam entre si não somente pelo grau de
detalhamento em suas definições, mas também pelo tipo de variáveis que envolvem sua
por instituições ligadas à área, como as federações e associações de coros ou de regentes, que
tendem a realizar tal tarefa de forma a melhor refletir a realidade local de onde atuam. A
Internacional para a Música Coral (IFCM), Jean-Claude Wilkens (2002:21), sobre o possível
primeira coisa a ser feita nesse estudo é se chegar a uma definição muito clara das cinco, seis,
(2005:xv) expõe o processo de seleção das obras nela incluídas como uma das grandes
21
Um exemplo dessa questão é o Curso Internacional de Regência Coral da Oficina Coral, coordenado por este
autor de 1995 a 2003, e organizado por temas específicos. Anualmente os cursos eram oferecidos em
áreas como coro infantil, negro-spirituals, coro de terceira idade, técnicas de regência e grupos vocais.
24
também um sistema de avaliação das dificuldades de cada obra, listando-as de acordo com
O primeiro vem da comparação possível entre esta idéia e aquelas do regente Percy
Young (1962:11) que, ao também desenvolver uma listagem de repertório em The Choral
Tradition, procura traçar uma história do canto coral baseada na noção de “grandes obras –
expressão the greater works, o que mostra uma certa despreocupação com o processo de
seleção das obras a ser incluídas em seu projeto, como se os conceitos de grandes obras e de
repertório geral fosse uma indicação precisa e universalmente aceita. A diferença de quatro
décadas entre a publicação desses dois textos pode nos indicar um processo de aumento, nesse
trabalhos, bem como à larga maioria de textos que discorrem a respeito desse assunto, que é a
trabalho de um coro é um paradigma marcante, que se mostrou aceito pela grande maioria dos
22
Choirs come in many forms and sizes, and we were mindful of the need to find a balance between sacred and
secular literature, music for different voicings and ensemble sizes, music of different historical periods
and genres, and music for choirs of varying levels of ability and experience.
23
The greater works – those which are in the general repertoire.
25
Modelos de classificação de grupos corais são muitos e variam entre si não somente
pelo grau de detalhamento em suas definições, mas também pelo tipo de variáveis que
repertório – classificação que pode conter conotação histórica (proveniente de alguma era ou
local específicos) ou estilística (coro sinfônico, operístico, popular); idade (coros infantis,
juvenis, cambiata,24 adultos, etc.); características vocais (coros mistos ou de vozes iguais);
sexo dos participantes (coro de meninos, por exemplo); função do coro na comunidade onde
motivações dos cantores (estética, social, emocional, financeira etc.), processos de seleção
(presença ou ausência de testes, bem como os tipos de testes são aplicados); número de
cantores (grupo vocal, madrigal, coro de câmera, etc.); presença ou ausência de regente (O
24
Termo por vezes utilizado para definição de vozes masculinas em estado de mudança. Contudo, tal
terminologia é questionada por alguns regentes. Henry Leck, diretor do Indianapolis Children’s Choir,
prefere o emprego da expressão “extensão” vocal, ao invés de “muda” vocal do adolescente. O termo é
empregado, porém mais raramente, na classificação de grupos de coros que mantém naipes de jovens
nessa situação (ex. coro cambiata).
25 O coro terapêutico é uma prática desenvolvida pela musicoterapia. Cláudia Zanini (2002), que escreveu
dissertação de mestrado nessa área, explica a idéia dessa prática coral: “O termo terapêutico está inserido
num contexto de assistir, dar assistência a outro(s) ser(es) humano(s). O termo Coro Terapêutico, objeto
deste estudo, é apresentado como um novo conceito a ser desenvolvido, pois visa-se expandir seu alcance
a outras áreas e a diferentes clientelas. Seu planejamento e consolidação surgiu fruto da atuação
profissional, musicoterapêutica, conduzida através de um trabalho de Oficina Coral que, anteriormente à
sua praxis, tinha funções sócio-educativas e passou, a partir de sua metodologia de mobilização de grupo,
a ter objetivos terapêuticos. Pode-se observar que esse é, como os demais coros apresentados nos sub-
itens anteriores, formado por um grupo de pessoas que se reúnem com o intuito de cantar. No entanto, ao
conduzir os participantes, há, primordialmente, uma preocupação com o processo no qual o grupo se
insere no decorrer dos encontros, para que estes momentos, sejam de igual ou maior importância que as
apresentações que por ventura venham a ocorrer. O Coro Terapêutico, a ser melhor detalhado no decorrer
deste trabalho científico, tem como clientela uma população com idade média de sessenta e nove anos.
Nele desenvolveu-se, através de atividades como: relaxamento, respiração, jogos musicais e de memória,
vocalizes, interpretação de canções, improvises vocais, expressão vocal e corporal, entre outras, visando,
primordialmente, atender e/ou viabilizar objetivos terapêuticos.
26
próprias categorias estabelecidas. Coros podem ser classificados em várias delas ao mesmo
tempo. Um coro, por exemplo, pode ser ao mesmo tempo infantil, sacro, de cantores
selecionados e escolar. Outro pode ser adulto, de vozes iguais, de poucos cantores, e de
estrutura profissional.
Há também tipos de categorização, que, mesmo não avalizadas por quaisquer das
instituições acima citadas, são comumente percebidas nos discursos dos regentes corais ao
referirem-se à sua atividade prática, como a leitura de partitura. Um exemplo desse caso é
ilustrado por um fato ocorrido em 2004, no Encontro Anual da ABEM.26 Num curso
intitulado “Coro Leigo”, esta própria designação fomentou sua discussão inicial. No primeiro
encontro, ao serem perguntados sobre o motivo de seu interesse pelo referido curso, bem
como sobre o significado daquele título, não surpreendeu a associação feita pela grande
maioria dos alunos entre o título do curso ao trabalho de música vocal em conjunto com
cantores que não desenvolveram sua habilidade de leitura de partitura, indicando, assim, esse
outro modelo, que divide os grupos corais por tal parâmetro: “corista que lê ou que não lê”.
Nas nove edições do já mencionado Curso Internacional de Regência Coral pôde ser
notação musical – é invocado pelos regentes, o que faz com que muitos deles elevem uma
coral. Mais ainda, esta habilidade é, por vezes, utilizada com sentido dúbio, onde se confunde
26
XIII Encontro Anual da ABEM - Associação Brasileira de Educação Musical, realizado no Rio de Janeiro.
27
coral em determinado local, como para o regente David Junker (2002:39) ao discorrer sobre o
canto coral no Brasil. Contudo, também aqui é latente o grau de imprecisão de uma
categorização nessa área. O autor reconhece que “para se descrever a atividade coral como um
corais para que seja visto com clareza onde o canto coral acontece em uma sociedade como a
brasileira”. Mas as dimensões continentais do nosso país, bem como sua enorme diversidade
cultural, dificultam de tal forma a organização de categorias ou gêneros de coros, que Junker
optou por utilizar dois tipos de categorização, sendo um deles abalizado por critérios musicais
promovida em 1998 pela Federação de Coros de Brasília, que toma como parâmetro principal
sustentam, que pode, muitas vezes, ser o fator determinante até mesmo de questões musicais
do trabalho coral.27
1.5. Concursos
27
Este é um ponto que poderia ser questionado, se levado em consideração o funcionamento de coros não
ligados a quaisquer tipos de instituição, argumento que, mesmo assim, não se sustentaria, uma vez que
esse coros também são influenciados por tais classificações, seja através da disponibilidade de repertório
disponível, do treinamento de seus regentes dos seus modelos de organização.
28
no regulamento de três edições do concurso de corais promovido pelo Jornal do Brasil e pela
Rádio JB, verifica-se a realização de ajustes, feitos para acomodar de forma mais efetiva os
divididos “em duas categorias: A, corais de escolas primárias; B, corais ginasiais, colegiais e
categorias, bem como a previsão de uma série de exceções, conforme matéria publicada pelo
Jornal do Brasil:
28
Jornal do Brasil, 16 de maio de 1970.
29
Jornal do Brasil, 30 de maio de 1971.
30
Jornal do Brasil, 30 de maio de 1971.
29
Tal fato, além de tornar determinada peça mais apropriada para um tipo de coro em
interpretar uma mesma peça), expõe a fragilidade de uma pesquisa sobre atividades corais
quando realizada apenas com base no repertório escrito, pois esta deixa de contemplar a
possibilidade de variações significativas entre realizações de uma mesma obra. Tais variações
são, por sua vez, provocadas não somente por decisões interpretativas de regentes, mas
também pelas condições práticas oferecidas por um grupo coral, como número de cantores,
parâmetros se misturam (idade, afiliação e divisão de vozes, por exemplo), o que torna mais
O Concurso Villa-Lobos de Canto Coral, realizado pelo Museu de Arte Moderna do Rio
31
Jornal do Brasil, 3 de junho de 1974.
32
Jornal do Brasil, 3 de junho de 1974.
30
Artigo 2:
categoria específica de vozes iguais, como acontecia nos concursos promovidos pelo Jornal
do Brasil nas décadas anteriores. Mais ainda, as idades começaram a ser especificadas, numa
Concurso Nacional FUNARTE de Canto Coral. As categorias em que se dividiam eram: coros
infantis, com idade máxima de catorze anos; coros juvenis de vozes mistas, com idade
máxima de até vinte e um anos; e coros adultos de vozes mistas. A mudança nesses
Além dos dois eventos citados acima, outros concursos de coros foram realizados no
Estado do Rio de Janeiro entre as décadas de 1970 e 1990, promovidos pela TV Globo e pela
Prefeitura Municipal de Teresópolis. Durante a presente pesquisa não foi encontrado qualquer
relato completo acerca dos concursos aqui citados, o que pode caracterizar uma importante
lacuna a ser preenchida na busca por uma melhor compreensão da atividade coral brasileira.
33
Houve grande dificuldade na verificação precisa dessas datas, pois mesmo que fossem solicitados na ficha de
inscrição os nomes e as idades dos cantores, não havia nesses concursos qualquer tipo de processo
fiscalizador para certificar a comissão organizadora que os cantores no palco eram realmente aqueles que
foram inscritos.
31
Face ao caráter optativo da prática da música coral nas escolas brasileiras durante esse
período, os concursos e festivais de coros são, talvez, o terreno onde essa música mais deu
frutos.
demarcação entre tais tipos é feita simplesmente pela presença ou ausência de remuneração
para cantores e regente. O maestro Ricardo Rocha (2004:158), além de diferenciar questões
a grande escola de regência para os que querem iniciar a carreira, ainda jovens ou
não, por se tratar de um conjunto de acesso bem mais fácil se comparado a uma
orquestra. Ao assumir, ou melhor ainda, fundar um coro em qualquer instituição ou
local, onde o cantor recrutado não está ligado à atividade por dinheiro e/ou
necessidade de emprego, é que a maioria dos regentes principiantes poderá, não
somente, dar livre curso ao seu desenvolvimento musical, mas, primordialmente,
encontrar aí a oportunidade para amadurecer sua autoridade no exercício da
liderança sem o poder de uso dos vínculos empregatícios como objeto de barganha.
profissional, que é a possibilidade de, com um maior número de ensaios, [o regente] realizar
diferentes exercícios coletivos que trarão robustez, maior precisão e grande unidade sonora e
rítmica ao conjunto” (p.160). De acordo com este regente, o aspecto financeiro é o principal
diferenciador dessas categorias, no que concordam a maior parte dos autores consultados.
Mas também a disponibilidade de tempo dos cantores e mesmo a qualidade do trabalho desses
instrumentistas profissionais. Ambos são músicos que recebem salários ou cachês para
diferenciador mais constante de coros profissionais e amadores, mas, como Rocha, enxerga
outras conseqüências dessa divisão, principalmente no que tange à atitude e disposição dos
cantores:
En cuanto a los coros profesionales, se puede decir que son agrupaciones diversas
cuyo denominador común consiste en la remuneración que reciben sus integrantes
por cantar. Estos coros son de distintos niveles y categorías, muchos de ellos
formados por personas con una práctica coral bastante extensa, voces ya cultivadas
y buenos conocimientos musicales.
(...)
La condición profesional de sus integrantes debiera ser razón suficiente para que
cada uno de ellos se sintiera muy motivado al estudio de partituras y a la
presentación de conciertos; sin embargo, es frecuente apreciar um mayor nivel de
estímulo participativo em coros diletantes, donde solo se canta por el placer de
hacer música, por el gusto de pertencer a una agrupación musical a la que se ama y
por mantener un vínculo fraterno com los demás integrantes.
coral, o regente Angelo Fernandes (2006:34) também lida com a dificuldade da definição
precisa desses termos. Mesmo sem especificar o que eles significam exatamente, considera
que “um dos pontos comuns entre os grupos corais de natureza amadora é o fato de que o
regente é o único profissional do grupo”. Tal afirmação mostra, ainda, dois obstáculos à
33
sem a presença do regente tradicional, fato que torna relativa a informação do autor. Depois,
tal definição também mostra-se imprecisa ao indicar uma mistura de categorias na mesma
atividade: um mesmo coro poderia congregar cantores amadores e regente profissional mas
profissionais poderia ser dirigido por um regente amador. Esta possibilidade tem exemplos
Kaplan.34
dos componentes de um grupo coral, incluída aqui a destreza na leitura de partitura, como
inglesa a antropóloga Ruth Finnegan (1989:15) também deparou com tal questão:
34
Kaplan é um economista, fundador da revista Institutional Investor, que atua, também, como maestro. Seu
repertório é formado exclusivamente pela Sinfonia da Ressurreição, de Mahler, obra da qual já realizou
duas gravações. Seus concertos são, geralmente, cercados por grande celeuma, pois mesmo quando
aclamados pelo público, sofrem duras críticas dos músicos profissionais, como percebe-se no depoimento
de David Finlayson relatado no jornal The New York Times em 8 de dezembro de 2008: “My colleagues
and I gave what we could to this rudderless performance but the evening proved to be nothing more than
a simplistic reading of a very wonderful piece of music. Mr. Kaplan acknowledged in rehearsal that he
was incapable of keeping a steady beat. Despite being a self-professed expert on the piece, Mr. Kaplan
ignored Mahler’s ‘blizzard’ of directions”. (Meus colegas e eu demos tudo o que podíamos a essa
performance desgovernada, mas a noite provou ser nada mais que uma leitura simplista de uma obra
musical maravilhosa. O Sr. Kaplan reconheceu, em ensaio, que era incapaz de manter métrica regular.
Apesar de ser um auto-declarado especialista nessa obra, o Sr. Kaplan ignorou uma ‘tempestade’ de
instruções de Mahler.)
35
Another interesting feature of the ‘amateur’ / ‘professional’ contrast lies in differing interpretations by the
participants themselves. When local musicians use the term ‘professional’ they often refer to evaluative
34
A autora também considerou relevante não somente os rótulos em questão, mas a pessoa
que os utiliza, enxergando até mesmo uma possível declaração política nessa divisão (p.16):
Young (1962:10) reforça o aspecto voluntário do coro amador, o que pode constituir
uma definição coerente dessa atividade, ao separá-la dos coros que atuam mediante
diferenciador, também evidencia o caráter vago dessa normatização: “Pois a música coral –
aqueles que são, com certa freqüência, mais conscientes de suas limitações que de suas
como referencial para tal divisão, simplesmente por tratar-se de matéria intangível, de difícil
rather than economic aspects: the ‘high standard’ of a player, his or her specialist qualifications, teachers,
musical role, or appearance as a regular performer with musicians themselves regarded as ‘professional’.
36
As this dispute illustrates, the problematics of the terms ‘amateur’, ‘professional’, and ‘semi-professional’ are
not just of academic interest but can enter into the perceptions and actions of those involved in local
music. The label ‘professional’ is used − and not only in this case − as an apparently objective, but in
practice tendentious, description to suggest status and local affiliation rather than just financial, or even
purely musical, evaluation. From one viewpoint it connotes high-standard or serious performance as
against ‘mere amateur playing’, and from another, outsiders coming in from elsewhere to take prestige or
fees from local players, or entertainers who try to charge more than those paying them would like. Thus
the emotional claim − or accusation − of being either ‘amateur’ or ‘professional’ can become a political
statement rather an indicator of economic status.
37
For choral music – today, at all events – is largely a concern of amateur musicians – volunteers; those who are,
more often than not, conscious of their limitations rather than virtues.
35
Robert Shaw à frente do Coro da Orquestra Sinfônica de Atlanta também deixa transparecer
que, em sua opinião, questões de qualidade técnica são aquelas às quais se refere a dicotomia
Shaw tinha um grande poder de estimular os coros com que trabalhava, fossem eles
ligados ou não a orquestras. Ele não foi o único regente coral a exercer impacto
decisivo nos Estados Unidos e no exterior. Mas Shaw mudou a maneira pela qual
tanto os músicos quanto o público percebiam os coros, estabelecendo-os como
conjuntos amadores dedicados a atingir os mais altos padrões de profissionalismo.
“‒ Ser um amador significa, eu acho” ‒ dizia Shaw ‒ “não desejar ou não poder
colocar preço no esforço e no amor presentes na criação da beleza”.38
amador” como ferramenta de classificação, pois esta traz em seu bojo nuances muito sutis. No
início de seu texto a autora sente-se compelida a demarcar tal conceito, que é fundamental em
sua discussão, mas esbarra numa série de possibilidades de definição. Verifica que, na cidade
onde desenvolve sua pesquisa, há músicos atuando sob condições as mais variadas, e que tal
situação coloca sob suspeita qualquer tentativa de definição precisa. A autora percebe que tal
distinção pode referir-se ao aspecto financeiro ou à qualidade artística de um músico, tal como
descrito acima, mas observa também que, quando se trata de produção musical coletiva as
gradações entre essas nuances são ainda mais sensíveis. Imaginando um continuum, onde de
inúmeras variáveis possíveis entre os dois pólos. Na verdade, propõe que (p.14), “até mesmo
38
Shaw had such a galvanizing effect on choruses whether they were allied with orchestras or not. He wasn't the
only choral director to have a decisive impact in America and beyond. Yet Shaw changed the way both
musicians and the public perceived choruses, establishing them as amateur ensembles dedicated to the
highest 'professional' standards. 'To be an amateur means, I suppose,' Shaw noted, 'to be unwilling or
unable to set a price upon the effort and love which attends the creation of beauty.'
36
as mesmas pessoas poderiam ser colocadas em pontos diferentes dessa linha, em contextos
O regente paulista Eduardo Fernandes (2003:97) localiza essa questão no que chama de
caráter híbrido da atividade coral, que gera reações por parte dos músicos considerados
profissionais: “Esta posição ambígua do grupo coral, constituição amadora com produção
profissional, gera uma certa antipatia por parte do mundo profissional da música, uma vez que
existe um espaço de atuação profissional que está sendo ocupado por amadores”.40
O presente estudo, tal como o de Finnegan, aponta seu foco para o lado amador desse
continuum e, por isso, exige uma definição clara e específica para a idéia contida no termo
de motivações que marcam tal atividade são amplamente comentadas por autores da área.
Citada por Alberto Grau (1992:3), pesquisa desenvolvida pela International Federation for
Choral Music revelou “uma estimativa aproximada de que, no ano de 1992, havia quinze
39
Indeed, even the same people could be placed at different points along this line in different contexts or
different stages of their lives.
40
Questão semelhante foi apresentada pelo tecladista da banda Afro-Reggae, Maílson Teixeira, em depoimento
dado à classe de História da Música no Romantismo da UNRIO. Segundo ele, a banda sofre certo
preconceito por parte dos músicos profissionais, uma vez que, apesar de ser formada por jovens
freqüentadores do projeto social homônimo, concorre com esses músicos pelos mesmos espaços de
atuação.
37
anteriormente, mas também por sua pretensão global, se comparada aos órgãos e ferramentas
atualmente disponíveis para tanto; depois, pela própria questão da definição do significado do
termo “canto coral” (quem pode ser considerado cantor de coro e que grupos podem ser
chamados de coro?); por fim, pelo caráter flutuante do número de cantores num grupo, e
Mesmo sem tentar colocar a questão de forma quantitativa, muitos autores mencionam a
popularidade da atividade coral: “As denominações corais são as mais variadas. Os objetivos,
funções e interesses dos inúmeros grupos corais são bastante heterogêneos” (Fernandes,
2006:33); “Há todo o tipo de coro: com finalidades religiosas, cívicas, formalmente
local específico:
La vida musical en la América del Sur, há adquirido, en los últimos lustros, nuevos
aspectos, con el considerable aumento de associaciones corales. Esto parece signo
evidente de uma reacción positiva de los aficionados a la música, a quienes ya no
satisface el goce musical meramente pasivo, y que, en cambio, buscan los medios,
que cuadran a sus posibilidades, para acercarse al arte.
O canto coral configura-se como uma prática musical exercida e difundida nas
mais diferentes etnias e culturas. Por apresentar-se como um grupo de
41
Dez anos mais tarde, Jean-Claude Wilkens, em entrevista já citada (2002), relata que “nós [da Federação
Internacional para a Música Coral] estimamos que a comunidade de cantores em todo o mundo seja
composta de aproximadamente 25 milhões de pessoas”. Durante a presente pesquisa não foi encontrado
qualquer texto que explique tal tipo de projeção realizada pela IFCM.
38
A existência deste tipo de prática musical desde tempos remotos, bem como sua
continuidade, em diversos lugares do mundo, traz à baila sua vocação para o surgimento de
da unidade. Quanto mais coros existem, também maior a possibilidade de variações nos seus
modi operandi, tornando-se cada vez mais difícil padronizar a atividade coral por meio de
por outros regentes brasileiros, ao questionarem especificamente a rigidez com que esta visão
realidade local dos coros no Brasil. Isso é demonstrado principalmente nas pesquisas de
educadores musicais que atuam em escolas de primeiro e segundo graus em centros urbanos
brasileiros.
39
Uma dessas professoras, Neila Ruiz (2002:62), relata sua experiência enquanto
exemplo, apresenta características próprias que podem estar em descompasso com idéias
Dentre os autores que ilustram o artigo de Ruiz, as idéias de Marcos Leite (1996)
merecem atenção especial, pois questionam a utilização de repertório para quatro vozes mistas
necessidade deste repertório se adaptar à realidade específica das vozes de cada coro. Leite
canções da Bossa Nova. Contesta, ainda, a preocupação excessiva dos regentes com a
uniformidade visual do grupo coral, tanto com relação à postura como ao figurino.
Falecido prematuramente em 2002, Marcos Leite não foi um autor de textos freqüente –
essencialmente prática de seu trabalho faz de seus arranjos, composições, gravações e shows a
parte de onde se pode tirar as informações mais ricas acerca de suas idéias, juntamente com o
40
depoimento dos que com ele conviveram, como Ruiz, que trabalhou como sua assistente
durante alguns anos, e como a professora Irene Zagari Tupinambá (1993:85), que narra o
impacto causado por uma apresentação do primeiro trabalho coral dirigido por ele:
O grupo Coral da Cultura Inglesa que adentrou o palco da Sala Cecília Meireles em
outubro de 1980, no 7º. Concurso de Corais do Rio de Janeiro, promovido pelo
Jornal do Brasil, era, pelo menos, singular: pés descalços, roupas uniformes em
malha preta, calças e mangas compridas, homens e mulheres, o regente, quase na
totalidade de cabelos fartos, volumosos, longos.
(...)
– Meu caro Marcos: a gente não pode se apresentar na Escola de Música sem
aprontar um pouco, certo?
Como se pode notar nesses depoimentos, rebeldia é uma idéia freqüentemente associada
ao trabalho de Marcos Leite, bem como sua crítica a um padrão europeizado de coro. Porém,
brasileira era por ele criticada não por razões de cunho político-nacionalista, mas sim pelo
afastamento que esta criava, entre o próprio canto coral e a realidade cultural que seus
cantores e seu público experimentavam no dia-a-dia. Músico forjado pela prática da música
popular, lhe parecia natural a flexibilização de estilo vocal, repertório e aspectos visuais do
coro. A funcionalidade que incutia ao repertório, que por vezes causava estranheza entre
regentes mais tradicionais – muitos exemplos desta são relatados por Cavalcanti (2006) – é
mestrado, entrevistou alguns dos cantores que trabalharam com ele: “Pedro Melo entendia que
sua contribuição foi escrever para a personalidade do coro. A escolha do arranjo sempre se
realizava direcionada, pois ele pensava no coro para o qual fazia o arranjo procurando saber
Marcos Leite e o canto orfeônico. Tupinambá (1993:1) deixa clara esta questão já na
importação de modelos europeus a esse estilo de música coral, difundido por Villa-Lobos a
partir da década de 30. Conforme já verificado na busca por definições dos termos “coro” e
“coral”, autores diferentes comentam essa modalidade musical de forma muito variada, o que
torna de grande interesse para esta pesquisa uma investigação dessa inconsistência entre eles.
Devido à sua larga popularidade – em função do grande apoio estatal que recebeu, da sua
afinidade com os ideais políticos do Estado Novo e da grande propaganda realizada a seu
histórico, político e social. Optou-se, nesta discussão, pela utilização de trechos de várias
delas como referência, com o propósito de se traçar um panorama abrangente de suas idéias e
definições, possibilitando, assim, uma compreensão mais ampla dessa atividade musical. Mais
Dentre os textos ora pesquisados, todos os que se reportam à provável origem do termo
nome dado geralmente a sociedades corais masculinas que, com o passar do tempo,
recebeu da boca dos músicos um certo sentido pejorativo. Deve-se a Bocquillon-
Wilhem o mérito da introdução do ensino do canto nas escolas municipais de Paris
(1818). Em 1835 este ensino se tornou obrigatório e foram criadas, ao mesmo
tempo, as associações corais para as classes trabalhadoras, inovações que foram
calorosamente recebidas. Gounod não as considerou abaixo de sua dignidade ao
aceitar, em 1852, a função de diretor geral de todos os orfeões de Paris.42
42
Nom que l’on donne en général aux sociétés chorales d’hommes, mas qui a pris avec lê temps, dans la bouche
des musiciens, un sens quelque peu péjoratif. C’est à Bocquillon-Wilhem que revient le mérite de
43
A definição de Riemann é também citada por Tomás Borba e Lopes Graça (1958:319),
a organismos corais mistos, quer populares, quer pertencentes a liceus, escolas, universidades
atividade orfeônica: “O primeiro [canto coral] faz parte de uma regular educação musical ou
dela depende. O segundo, não dependendo, por sua natureza, de qualquer cultura ou
conhecimento musicais, limita a sua acção a executar de ouvido trechos de música melhor ou
unicamente ligada à escola, tese geralmente aceita nos textos a esse respeito: “Como se vê, o
canto orfeônico, entre nós, deixou de ser uma mera atividade coral, de caráter mais ou menos
artístico, para ser uma disciplina integrante do processo educacional da escola”. Seguindo
essa linha de pensamento, no presente estudo a idéia de canto orfeônico será trabalhada como
preciso lembrar que tal atividade, em suas origens, também referiu-se a concentrações de
Jane Fulcher (1979:48) mostra que a atividade orfeônica aplicava-se igualmente à classe de
trabalhadores e às escolas:
l’introduction de l’enseignement du chant dans lês écoles municipales de Paris (1818). En 1835, cet
enseignement devint obligatoire et l’on créa, en même temps, des associations chorales pour lês classes
ouvrières; ces innovations furent chaleureusement accueillies. Gounod ne trouva point au-dessous de sa
dignité d’accepter, en 1852, lês fonctions de directeur général de tous les o. de Paris.
44
musical. Tal prática fez enorme sucesso, e essas concentrações começaram a ser
chamadas de ‘Orfeões’, nome que foi, logo depois, usado para designar um outro
tipo de organização. Wilhem começou a incluir jovens trabalhadores em suas aulas
de música coral; logo ele desenvolveu coros exclusivamente para eles.43
(...)
Diferentes autores, contudo, definem a atividade orfeônica por idéias que vão além
desta afiliação institucional, envolvendo também idade e maturidade vocal, como observado
43
By 1819, the ‘Conseil d’instruction primaire du département de la Seine’ had observed his large choral groups
and decided to introduce them in the French schools. By 1833, Wilhem had begun to organize periodic
huge musical assemblies, drawing choruses from different French schools together to perform as one
musical body. This practice was an overwhelming success, and the assemblies were dubbed ‘Orphéons’,
but the name itself was soon after applied to a slightly different kind of organization. Wilhem began to
include young adult workers in his choral music instruction; soon he developed choruses exclusively for
them.
44
C’est à Wilhem (1842) et à sés successeurs Delaporte et Hubert, qu’est due l’instituition de L’Orphéon,
association chorale d’hommes amateurs recrutés dans toutes lês classes de la societé. “Les societés
chorales dont le but est de donner à leurs membres des habitudes d’ordre en leur faisant pratiquer et
accepter le príncipe de la solidarité volontaire, sont possibles dans toutes les localités et peuvent vivre
quel que soient leurs éléments”, proclamait Laureant de Rillé, inspecteur du chant dans les écoles de la
Ville de Paris et auteur de nombreux choeurs orphéoniques devenus populaires.
45
lembrado por autores que buscam definir o canto orfeônico, como fazem os professores
Entre estas [sociedades corais], pela extensão, pelo caracter popular e educativo,
devem ter menção especial os orpheões, de papel tão sympathico como
contribuidores para a elevação do nivel moral e artistico da massa popular.
Formados exclusivamente de amadores, elles se destinam á diversão, por meio de
uma alta manifestação do espirito, daquelles que não desejam empregar seus
lazeres em futilidades mais ou menos perniciosas.
escolar deste como apenas uma de suas facetas, acrescentando a competência técnica como
parecido:
46
O canto orfeônico tem características próprias que o distinguem do canto coral dos
conjuntos eruditos. Trata-se de uma prática da coletividade em que se organizam
conjuntos heterogêneos de vozes e tamanho muito variável. Nesses grupos não se
exige conhecimento musical ou treinamento vocal de seus participantes. Por outro
lado, o canto coral erudito exige não só o conhecimento musical e habilidade vocal,
como também vozes rigorosamente distribuídas e um rigor técnico-interpretativo
mais elevado.
vocais dos cantores e mesmo a técnica interpretativa são elementos essenciais para a
diferenciação dos termos “canto orfeônico” e “canto coral erudito”. Lima (1955:30) também
faz coro às idéias que colocam a qualidade técnica como fator diferenciador entre essas duas
cada coro determina diversas facetas de seus procedimentos, dificultando uma definição
Quanto à disposição das vozes, esta variará de acordo com a natureza dos
elementos componentes do coro, que poderá ser constituído só por vozes
femininas, só por vozes masculinas ou, ainda, por vozes mixtas; qualquer um dos
conjuntos vocais podendo ser “à capela” ou acompanhado por instrumento.
evidente quando o repertório desses grupos corais é analisado, como lemos em Barreto
45
Apesar da ausência de data, no volume examinado nesta pesquisa, que se encontra na Biblioteca Amália
Conde, no Conservatório Brasileiro de Música, consta dedicatória assinada pela autora ao Maestro
Lorenzo Fernandez, em 15 de julho de 1940.
47
despertando o interesse pela música”. Segundo esta autora, “as canções orfeônicas abrangem
Apesar de freqüente, a dicotomia entre canto orfeônico e canto coral não é unânime,
como exemplifica o maestro Reginaldo Carvalho (1997:209), que não encontra diferença
entre as atividades: “Canto orfeônico: canto em conjunto polifônico (de vários naipes) com
Bevilacqua e Jacobina (1949:70) também não enxergam essa diferença com clareza: “O Canto
Orfeônico, hoje ensino obrigatório em todas as escolas primárias e secundárias do Brasil, nada
música”. Já Judith Almeida (1955:15) associa os termos “coro”e “orfeão”, marcando sua
Dá-se o nome ORFEÃO (de Orfeu, personagem mitológico que teria sido músico e
poeta), aos conjuntos de cantores que se propõe a execução de música coral. Êsses
conjuntos são organizados para cultivar a arte musical com finalidades culturais,
artísticas ou recreativas.
(...)
A atitude e postura cívicas dos cantores de orfeões escolares são lembradas por todos
(...)
a posição do corpo deve ser correta, direita, com a cabeça erguida naturalmente, na
posição de quem olha ao longe a linha do horizonte, tudo para facilitar a emissão
do som. Alteraríamos, porém, a posição dos braços, quando não forem utilizadas
partituras: as mãos devem de unir atrás, ombros em posição natural, sem forçá-los
para trás ou deixá-los cair para frente.
orfeônica, como ainda descreve o comportamento ideal do regente para atingir tal objetivo:
(...)
(...)
cuidado especial com sua pronúncia, que “deve ser clara e as syllabas bem articuladas, afim
nas escolas, que, muitas vezes, sugerem ligações políticas de Villa-Lobos com o regime de
E Villa-Lobos, por seu lado, fez por merecer esses benefícios, pois, com o fim de
“difundir a arte”, costumava utilizar mensagens extremamente simpáticas à
ideologia política empregada pelo Estado.
O canto orfeônico foi realizado como uma espécie de processo hipnótico coletivo
susceptível de orientar a mentalidade da massa, disciplinando-a, educando-a,
dirigindo-a segundo os interesses dominantes, através da ideologia dominantes.
Na Região Sul do Brasil, a atividade orfeônica se propunha ainda outra tarefa de caráter
disciplinar: “moldar na alma infantil o mais elevado espírito de civismo, preenchendo uma
falha existente no ensino, principalmente nos meios influenciados pelo espírito germânico”,
de acordo com João dos Santos Areão, Inspetor de Ensino das Escolas Subvencionadas de
Santa Catarina, mencionado por Tânia Regina Unglaub (2007:2). Segundo esta historiadora,
Não cabe no presente estudo uma investigação aprofundada a respeito das relações
apesar das críticas nesse sentido desvelarem a mesma paixão e veemência que atribuem à
especialmente quando levado em conta o ponto de vista dos que trabalharam mais
proximamente a Villa-Lobos.
Apesar de não ser ter sido o precursor da atividade orfeônica no Brasil,46 Villa-Lobos
foi o responsável pelo projeto de institucionalização do canto orfeônico nas escolas públicas a
partir de decreto referendado pelo Presidente Getúlio Vargas em 1931 (Lisboa, 2005:83). O
unidades didáticas de ensino de canto orfeônico nas escolas secundárias”. Desta publicação
dois aspectos se fazem ressaltar: a freqüência às aulas, que “é obrigatória, devendo ser
computada para todos os efeitos legais”; e também os procedimentos de avaliação: “As provas
46
Foi no estado de São Paulo que essas primeiras atividades orfeônicas se manifestaram, cujos mentores foram
os educadores João Gomes Júnior (1868 – 1963) e Carlos Alberto Gomes Cardim (1875 – 1938), que
trabalharam com orfeões na Escola Caetano de Campos, na capital paulista, e os irmãos Lázaro Lozano
(1871 – 1951) e Fabiano Lozano (1884 – 1965), que trabalharam com atividades orfeônicas junto à
Escola Complementar (posteriormente, Escola Normal) em Piracicaba. (Alessandra Lisboa, 2005:68)
51
finais realizar-se-ão por grupos de quatro alunos no máximo. Nessas provas deverá ser
livro do professor Luis Rêgo (1953:9) também é publicado, a título de introdução, texto com
as “instruções para aulas, exercícios e provas do ensino de canto orfeônico nos cursos ginasial
chama atenção uma maior especificação nos procedimentos de avaliação: “para se verificar o
seu aproveitamento em afinação, ritmo, dicção correta dos hinos oficiais e canções patrióticas,
contexto escolar. Mas questões como aptidão musical, atitude e disciplina, em que se baseiam
tais verificações, mostram-se por demais subjetivas e expõe um problema de difícil solução:
como avaliar o cantor que não possui uma natural aptidão musical? Tal dificuldade é evidente
na maneira como o próprio Villa-Lobos (1951:8) lida com o assunto, ao escrever que “para os
Nacional de Canto Orfeônico”, sem, entretanto, citar tais critérios. Ao pensar sobre esses
(...)
Não é bom arguir o desafinado parcial, só em leitura rítmica. Melhor é permitir que
cante baixinho, auxiliado por dois ou três colegas. A nota de aproveitamento será
52
(...)
Problemas de afinação começaram a ser tratados de forma mais científica somente nas
últimas três décadas. Entre os autores que se debruçaram sobre o assunto estão o regente
sueco Per-Gunnar Alldahl (1990), cujo texto trata separadamente da afinação de diferentes
intervalos e suas relações dentro do sistema tonal, levando em conta a diferença entre os
Upitis (1992), que abordam o tema a partir de um ponto de vista psico-fisiológico; o regente
Joceley Bohrer (2001), que comparou diferentes reações fisiológicas com alguns padrões de
afinação, em experimentos com a captação de sinais por eletrodos colocados na parte externa
da garganta dos cantores participantes; e Sílvia Sobreira (2003), que discute o assunto com
relação a adultos e crianças separadamente. Vale notar, ainda, que, apesar dos textos ora
consultados versarem sobre a faixa etária do curso ginasial, não há sequer menção da
debatido na atualidade por autores como os regentes John Cooksey (1992) e Vilson Gavaldão
de Oliveira (1996).
avaliação dos alunos orfeonistas, bem como de cópias das provas teóricas aplicadas, Barreto
(1938:127) demonstra que o processo da avaliação no canto orfeônico pode ser realizado por
diferentes parâmetros, o que implica num alto grau de imprecisão e o torna dependente da
interpretação do professor:
53
Silva (2006) e analisadas por Carlos Alberto Figueiredo (2006b) sugerem, ainda, outro
caminho a ser trilhado na busca por uma melhor compreensão dessa prática musical.
Figueiredo (p.16) ressalta aspectos texturais do repertório, composto sempre com a melodia
apresentada na primeira voz, com eventual dobramento na segunda voz. A terceira e a quarta,
identidade rítmica das obras. Lembra o autor que, ao cantar somente esses acompanhamentos,
os coristas dessas vozes raramente têm contato com a melodia – e poderíamos acrescentar
aqui, também, com a inteireza (e até mesmo o significado) do texto – das peças, o que se
contracantos e raríssimas texturas imitativas. Dessa maneira a audição desse repertório sugere
certo descompasso com sua ideologia, pois o veículo maior para a educação cívica pretendida
é exatamente o texto entoado pelo cantor, que fica enfraquecido mediante às estruturas
texturais verificadas.
era realizado pelos agrupamentos orfeônicos à sua época, fato que deixa aberta a possibilidade
uma investigação mais aprofundada sobre as técnicas utilizadas nesses registros poderia
difeririam muito de suas práticas de ensaio e interpretação vocal habituais. O autor nota que
54
“um dos problemas dessas gravações é exatamente sua qualidade técnica, que compromete
1.9. Gravações
De fato, as técnicas de gravação são uma questão que acompanhará toda o fazer musical
audição de detalhes importantes de uma música, e assim ter uma impressão auditiva de
características diferentes daquelas que foram realmente gravadas, uma vez que até mesmo
processos.
quantidade de gravações de coros brasileiros realizada nas duas últimas décadas. Não
capítulo, tendo em vista a utilização de idéias subjetivas de valor, aparentes nos termos
complexidade trazida aos processos de execução e recepção musicais por diferentes processos
de gravação é ressaltada em textos que analisam o evento musical sob a ótica da sociologia,
distância, tanto corpórea quanto física entre intérprete e platéia que não existia
anteriormente, o que produz novas formas da audição musical e permite ao ouvinte
formas inteiramente novas de usá-la.47
O compositor John Rea (2003) e o musicólogo Nicholas Cook (2006) também sugerem
que o aprimoramento dos meios de gravação e reprodução acabaram por determinar um novo
padrão de interpretação musical a partir da segunda metade do século XX. Trata-se de assunto
complexo, cujo debate não cabe neste estudo. Mas uma discussão intitulada Choral singing
and the microphone, ainda na década de 1920 parece ilustrar bem tal questão no âmbito da
música coral.
apresentação do coro de meninos All Saints Margaret Street,48 da Inglaterra, realizada pela
caráter impressionista, e até mesmo passional, dos comentários. Ainda assim, percebe-se que
O canto era não somente desagradável, mas a qualidade dos meninos e tenores era
terrível. O canto do ‘Veni Creator’ também não foi satisfatório, sendo que os
neumas, num determinado momento soavam como ‘Come, Ho-ho-ly Gho-host, our
so-houls inspire’. (...) Será o microfone mais severo com os este tipo de coro do
que com os coros mistos?49
47
In the course of this process, the age-old dialog of musical communication was radically upset. Above all, the
techniques of reproduction ‒ mechanical, electrical or electronic ‒ creates a distance, both physical and
physic between performer and audience that simply never existed before, which produces new ways of
music to be heard and allows the listener totally new ways of using it.
48
Apesar de denominado coro de meninos, o grupo é formado por vozes mistas, com rapazes que já passaram
pela mudança vocal respondendo pelas partes de tenor e baixo.
49
Not only was the singing unpleasant, but the quality of the boys and tenors dreadful in the extreme. The
singing of the ‘Veni Creator’ also was unsatisfactory, the neumes being rendered in one instance
something like ‘Come, Ho-ho-ly Gho-host, our so-houls inspire’. (…) Is the microphone more unkind to
56
Duas cartas que comentam o assunto mencionado (março de 1929:256) mantém o foco
do nível técnico de um grupo coral? Mas todas as respostas à carta citada acima sugerem a
fidelidade dessa reprodução, creditando ao próprio coro a estranheza do ouvinte com a dicção
Tenho cantado há alguns anos num coro do qual participa um cantor que também
canta no All Saints’, e já há algum tempo venho notando que ele canta com uma
certa força, ou uma aspiração em todas as notas, exatamente da maneira sugerida
por ‘A.R.C.O.’. Primeiramente achei que se tratava de um aguçado senso de humor
por parte de meu colega, mas depois cheguei à conclusão que aquilo ocorria em
função de algum treinamento pelo qual tinha passado. Confirmei essa opinião
quando ouvi a transmissão do dia 6 de janeiro.50
this kind of choir than it is to mixed voices? (O termo “neumas” é aqui utilizado como referência a
trechos de escrita melismática, onde uma sílaba corresponde a uma sucessão de notas da melodia.)
50
I have sung a number of years in a choir, alongside one of the members of the choir of All Saints’, and for
some time past have noticed that he sings with a ‘punch’ or an aspirate on every note in exactly the same
manner as suggested by ‘A.R.C.O.’. At first I thought it was a little humour on the part of my fellow-
chorister, but have since come to the conclusion that it was due to some peculiar training. This opinion
was confirmed by the broadcast on January 6.
51
I have attended All Saints’ Church very many times, and have invariably noticed and commented on the fact
that the choir sang ‘Come, Ho-holy go-host’ and so on: so it would seem that the fault does not lie with
the broadcast.
52
I should like to say that my three-valve set reproduced the lecture and illustrations on January 6 very faithfully,
and although I am not easily pleased with choirs, I listened throughout the proceedings with real
enjoyment. (...) [A.R.C.O.] is quite right, however, with regard to the staccato effect of the singers
whenever two or more notes were to be sung to one syllable, and that was certainly very odd in such a
reputable choir.
57
transmissão, mas sim ao próprio estilo vocal do coro. Poderia-se argumentar a existência de
uma alta fidelidade da gravação à realização sonora do coro, pois o caso narrado aconteceu
numa transmissão da Rádio BBC de Londres, uma das empresas de comunicações com mais
sólida história de pesquisa em tecnologia e técnicas de gravação, que prima por altíssima
qualidade de seu pessoal e equipamentos, e que, no caso das gravações orfeônicas analisadas
por Figueiredo essa qualidade técnica fosse realmente questionável, o que é bastante
plausível. Mas se as próprias gravações desses grupos orfeônicos são escassas (e também por
isso o artigo de Silva e Figueiredo é ainda mais significativo), as informações acerca desses
processos utilizados na sua realização possivelmente nunca foram registradas, fato que
1.10. Conclusão
idéia de canto coral, com o intuito de balizar a reflexão acerca da atividade coral
contemporânea. Porém, as diferentes formas pelas quais a atividade coral é descrita, ao invés
de apontarem a direção para uma definição clara dos termos investigados, colaboram para
música coral verificadas neste texto, apenas dois autores sugerem a compreensão de tal
atividade da forma mais abrangente possível. Harry Robert Wilson (1959:1) considera que
Figueiredo (2006a:8) sugere: “só não conheço um coro que não tenha cantores...”.54
53
When a group of people sing together simultaneously, either formally or informally, it is choral singing.
54
Este comentário poderia ser questionado se confrontado com a possibilidade da existência de coros sem
cantores, como no caso de um coro de mudos. Porém, assim como no caso da publicação em questão, o
parâmetro balizador mais amplo do conceito de “coro”ou “coral” na presente pesquisa será a produção
coletiva de música vocal, mesmo que, conforme a pesquisa realizada em dicionários da língua portuguesa
relatada no início deste capítulo, os termos possam ser relacionados, também, ao teatro e à arquitetura.
CAPÍTULO 2: OUTROS MODELOS DE PERCEPÇÃO DA ATIVIDADE CORAL
especialmente aquela desenvolvida por cantores voluntários nos coros formados por
funcionários de empresas do Rio de Janeiro, que constituem o foco principal das observações
a ser apresentadas no terceiro capítulo. A descrição do trabalho desses coros não se encaixa
com as representações sugeridas na maior parte da literatura específica da área. Sendo assim,
após a investigação empreendida acerca do significado do próprio termo “canto coral” e das
idéias usualmente a ele relacionadas, torna-se notável a necessidade de busca (ou mesmo da
Na busca por uma compreensão de aspectos desta área do conhecimento, para explicar a
produção coral que constitui o corpus deste trabalho, procura-se identificar caminhos e
perspectivas, o que é feito por meio de um grande número de citações e referências. O exame
55
Utiliza-se aqui a expressão “atividade coral contemporânea” para indicar exclusivamente a produção dessa
música na atualidade, sem envolver questões estilísticas, sejam de escrita, linguagem ou interpretação
musical.
60
mais aprofundado dessas informações se dará quando for comentado o trabalho do sociólogo
Howard Becker, que inspira grande parte da análise específica dos coros que formam o objeto
novembro de 2007. Os três concertos (na primeira noite aconteceu somente a solenidade de
abertura) foram realizados no Cine Bangüê, do Espaço Cultural José Lins do Rêgo, em João
Pessoa, com capacidade para receber um público de 800 pessoas. Segundo o coordenador do
Festival, Prof. Eduardo Nóbrega, participaram 49 dos 50 coros previamente inscritos. Afora
participantes de Minas Gerais e Espírito Santo, todos os grupos eram originários da Região
também grupos formados por funcionários de empresas. Várias faixas etárias foram
representadas. Em comum, todavia, havia o fato de serem, todos os grupos, formados por
cantores que atuam voluntariamente,56 mas com níveis variados de experiência musical.
Tomando-se como média a presença de trinta cantores por grupo, pôde-se contabilizar 1.470
cantores participantes no evento. A média de público ‒ que contava com grande participação
de cantores dos coros que se apresentavam no Festival ‒ foi de cerca de 400 pessoas,
totalizando 1.200 durante todo o evento. Ou seja, naquele festival havia mais pessoas no palco
que na platéia.
56
Utiliza-se aqui o termo “voluntariamente” em referência à participação dos cantores nos coros sem vínculos de
ordem financeira, evitando, assim, a utilização do termo “amador”, cujo significado é menos objetivo,
conforme discutido no primeiro capítulo.
61
que a torna matéria de categorização dificílima. Por isso mesmo, afirmar que a situação acima
descrita ilustra uma tendência majoritária da música coral brasileira contemporânea pode
Entretanto, com base em conversas com regentes brasileiros, análises de listas de discussões
rincões do Brasil na última década, pode-se afirmar que a situação acima descrita coloca em
foco uma das questões marcantes dessa produção coral contemporânea: Será esta uma
atividade que envolve mais cantores que ouvintes? Será maior o número de produtores que o
cuidado, mesmo sem a preocupação com a obtenção de respostas imediatas, pode desvelar
funções do artista (posição ativa; sujeito postado em cima do palco, criando sons para a
Patrícia Costa, regente coral atuante principalmente em grupos formados por alunos de nível
médio em escolas cariocas, mostra tal preocupação ao propor a questão: “Coral é bom pra
participar ou pra assistir? Estou falando de público leigo, ok? Sinto que as pessoas em geral
57
Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=993285&tid=2583630754353955454.
Acesso em 1, set., 2008.
62
não têm o menor interesse em assistir uma apresentação de coral, mesmo quando a gente diz
dos coros são compostas por iniciados, ou seja, cantores de coros − “os fanáticos”, como diz
eventos de público mais numeroso. Mas Patrícia, a mediadora, logo precisa voltar à discussão
e esclarecer que sua preocupação é compreender como um público leigo se relaciona com
essa forma de arte, que, a seu ver, tem uma imagem estereotipada, em nada atraente. São
aventadas algumas razões para tal fato (com o qual quase todos concordam), como a falta de
produzir música que a quantidade de ouvintes levanta a hipótese de ser esta uma questão que
mencionados como repertório, postura, qualidade vocal ou roteiro.58 Mais que somente a
mesmo institucional. Uma análise destas, bem como das relações entre as personagens
envolvidas nesse processo de feitura artística apresenta-se como um caminho promissor para
58
Seria plausível estender o problema à produção de música de câmera e ao movimento de música antiga, que,
salvo no caso de conjuntos de alta reputação e competência técnica, são estilos musicais de público
reduzido, mas que mantém atividade constante. Sob esta perspectiva, o que diferencia a música coral
destes estilos é o número maior de pessoas envolvidas no fazer musical.
63
tornar tal debate ainda mais fecundo, especialmente se considerada a escassez atual de
É comum na literatura sobre a música coral, que muitas vezes toma a forma de manuais
formatos e situações dos grupos corais. O que fazem é explicitar reiteradas referências à
importância, para o regente, de conhecer o mais profundamente possível o grupo com o qual
trabalha. De forma geral, tal exortação é relacionada a questões técnicas, como emissão vocal,
tessitura, conhecimento musical dos cantores e equilíbrio entre naipes. Mais raramente, como
capítulo deste texto, uma grande maioria dos autores na área tece suas considerações a partir
organização social, bem como sobre suas motivações e objetivos. Raros são os textos que se
afinal, cantores de coro vivem na sociedade contemporânea e precisam ser abordados sob esta
vocal. Observada sob essa perspectiva, a atividade coral poderá ser questionada nos seus
conceitos mais arraigados, com implicações futuras em temas tais como repertório, qualidade
De acordo com o sociólogo Peter Martin (2000:42), desde as últimas décadas do século
em várias direções, sendo uma delas representada por uma “virada para o social”.59 Muitos
autores, como ele, norteiam seus discursos pela relevância que conferem não somente à
criação da obra de arte, mas também aos processos relativos à sua interpretação e recepção.
Jane Davidson (2004:57) mostra com clareza tal idéia quando diz que
Se é aceito que processos mentais das pessoas são mediados socialmente, então
também poderia ser dito que as estruturas básicas dos diferentes estilos de música
também podem ser mediados socialmente, bem como ter significado social.61
E também Janet Wolff (1987:5) demonstra pensar da mesma maneira, ao escrever que
cultura “é um produto social e o estudo da cultura e das artes deve, de acordo com esse fato,
interessados na música popular, como Simon Frith (1987:134), quando comenta possíveis
parâmetros de distinção que emergem em tentativas de valoração dessa música: “Até mesmo
59
Turn to the social.
60
In the vast majority of music-making contexts, the real or implied presence of others means that at some level
social communication or interaction takes place: singing a lullaby; a work song; a hunting song; or a
school song; chanting as the member of a football crowd; participating as either a music performer or a
spectator in a symphony orchestra concert or at a Hindu wedding. In fact, individual practice is one of the
rare music occasions when there is no involvement with a co-performer or a spectator, but even here there
is generally a social goal: the preparation of a performance.60
61
If it is accepted that people’s thought processes are socially mediated, than it could be said that the basic
structures of different styles of music are likewise socially mediated and so socially significant.
62
Culture, however, is a social product, and the study of culture and the arts must accordingly be sociologically
informed.
65
se os prazeres extraídos das músicas popular e erudita são diferentes, não é imediatamente
atividade criativa humana: “Parece cada vez mais evidente que a atribuição de obras criativas
DeMasi joga luz sobre o contraste, que considera de vital importância para a compreensão da
número de autores, há uma lacuna entre o reconhecimento desse fato e a investigação dos
processos a ele relativos, conforme lembra Tia DeNora (apud Shepherd, 2002:8): “Embora
música possa ser, aparente ser, ou de fato seja interligada a questões ‘sociais’, tais ligações
não deveriam ser presumidas”.64 Sarah Cohen (apud Shepherd, 2002:6) também demonstra
Por essa vereda, seria tentador encontrar-se uma tendência lógica na associação da
atividade coral com a análise social, afinal, como escreve Finn (1939:166), trata-se de uma
atividade coletiva onde valores dos mais estimados são a igualdade entre as vozes e o
63
But even if the pleasures of serious and popular musics are different, it is not immediately obvious that the
difference is between artistic autonomy and social unity.
64
While music may be, seems to be, or is, interlinked to “social” matters, these links should not be presumed.
65
What is particularly lacking in the literature is ethnographic data and micro-sociological detail .
66
Não deve haver quaisquer elementos, tanto indivíduos ou grupos de vozes, tão
proeminentes de maneira a atrair atenção para si mesmos. A razão de ser dos
aspectos mais amplos da música coral é criar efeitos de mistura sutil entre diversos
elementos, que não podem ser obtidos por solistas ou por um grupo pequeno de
cantores em uníssono, com um só timbre prevalecente.66
Entretanto, esse fato, que é um dos objetivos musicais mais comentados na literatura
produção vocal em conjunto deve, conforme sugerem DeNora e Cohen, transcender tal ponto
de vista. Mais ainda, o cuidado particular com as mediações envolvidas nesse tipo de
atividade musical mostrará que determinações técnicas, como as acima citadas por Finn, são,
com freqüência, fixadas por essas próprias relações sociais de âmbito extra-musical.
terem sido produzidos ainda em meados do século XX,67 textos e idéias publicados nessa área
começaram a se tornar mais freqüentes a partir dos anos 1980, na produção de autores como
as musicólogas Susan McClary, Sarah Cohen e Tia DeNora, bem como no trabalho de
diversos outros pesquisadores em cujos discursos tal questão aparece com freqüência. Trata-
investigar o evento musical tomando como base questões relacionadas a gênero,68 classes
66
There must be no single elements, either individual voices or groups of voices, so prominent as to attract
attention to themselves. The raison d’être of the broader aspects of choral singing is to create effects by
the subtle mixture of diverse elements, which cannot be obtained by soloists or by small groups of
choristers singing in unison with one prevailing timbre.
67
Os trabalhos de Alfred Schütz, Theodore Adorno e Max Weber são freqüentemente citados como seminais
nessa área.
68
O uso deste termo pode gerar confusão em sua tradução literal, pois em inglês a palavra gender refere-se
diretamente a gênero sexual, enquanto que em português muito comumente trata de gênero musical. No
caso presente o termo recebe a mesma significação da língua inglesa.
67
sociais, semiologia e sociologia. Tal denominação não aparenta reclamar escola, unidade
participantes de uma “Nova Musicologia”, apesar de alguns serem conectados a essa idéia por
outros autores, o que acontece principalmente com os que estudam questões de gênero e
sexualidade na produção musical). Em comum entre essas abordagens, porém, está o fato de
diferentes gerações de professores na academia, bem como aos eventos históricos e sociais
contemporâneos. Citando Neil Leonard,71 sugere que o jazz começa a gozar de maior
aceitação nos meios artísticos da população branca em função de mudanças sociais ocorridas
durante os anos 1920, após a Primeira Guerra Mundial, bem como com o advento do rádio e
da gravação eletrônica. Tal situação funcionou como pano de fundo na educação dos
69
Em suas palestras no PPGM da UNIRIO, em 2006, Antoine Hennion humoradamente referia-se a este tipo de
análise como L’homme, la vie, l’ouvre.
70
It was during the mid-to-late-1970’s that the notion of music − which was to say, classical music − as an ideal
and autonomous artistic form with immanent meanings essentially impervious to the influence of cultural
and social processes came to be challenged in a continuous and consistent fashion.
71
Autor de Jazz and the White Americans. Chicago: University of Chicago Press, 1962.
68
professores e pesquisadores que iniciaram suas atividades docentes nas décadas de 1930 e
Da mesma forma menciona a etnomusicologia, que é por ele citada como a primeira
durante os anos 1950 e 1960, principalmente por meio da atuação da Society for
Ethnomusicology. Ilustra sua idéia, ainda, citando o musicólogo Joseph Kerman (apud
Shepherd, 2006), quando este nota “a influência que os horrores da Primeira Guerra Mundial
mudanças no terreno social e cultural provocadas após o final da Segunda Guerra Mundial e
Foi essa geração que pavimentou o caminho para disciplinas tais como estudos
culturais, feminismo, estruturalismo e semiologia, pós-estruturalismo, pós-
modernismo, pós-colonialismo, teoria do discurso foucaultiano, e estudos da
produção de autores homossexuais. (…) Às músicas tradicionais e ao jazz foram
adicionadas [na abordagem acadêmica] várias formas de música popular.73
72
The influence that the horrors of World War I and the deprivations of Depression years exercised on Charles
Seeger, commonly regarded as the father of US ethnomusicology.
73
It was this generation that paved the way for disciplines such as cultural studies, feminism, structuralism and
semiology, post-structuralism, postmodernism, post-colonialism, Foucauldian discourse theory, and gay
and lesbian studies. (...) To traditional musics and jazz, various forms of popular music were added.
69
bem como a urgência de uma ampliação das normas e procedimentos deste. Tal necessidade
de alargamento não somente do objeto, como também do olhar, apesar de mencionada por
Don Randel (1992:10) mostra que o método de pesquisa musicológica tradicional mais
propagado nos meios acadêmicos pode ser representado por uma “caixa de ferramentas”,76 ou
seja, um determinado conjunto de obras que, uma vez desenvolvido, é seguido pela criação de
dessas obras, determinando até mesmo que assuntos seriam passíveis de análise musicológica.
Entre os fatores que compõe tal conjunto de regras estão a notação musical, a noção de obra
74
Musicology fastidiously declares issues of musical signification off-limits to those engaged in legitimate
scholarship. It has seized disciplinary control over the study of music and has prohibited the asking of
even the most fundamental questions concerning meaning. Something terribly important is being hidden
away by the profession.
75
Phillip Bohlman (1992:198) sugere que o cânone da música ocidental traduz a postura racista, sexista e
colonialista de seus criadores.
76
Toolbox. O termo é utilizado pelo autor em alusão à metodologia desenvolvida pela Apple Computers Inc.
para tornar os sistemas de computadores pessoais de fácil utilização, através do qual o fabricante do
sistema oferece um conjunto fixo de rotinas aplicáveis a diferentes programas, o que oferece consistência
e familiaridade no uso do equipamento.
70
Talvez o fator de maior motivação dessa busca por novos critérios de avaliação e análise
meio século, Leonard Meyer (1967:98) sugeriu a utilização do termo stasis78 para descrever o
na produção cultural ocidental. Em meio a tantas mudanças pelas quais passava a criação
tendência seria que a noção de estabilidade estilística (comum em eras anteriores, e mesmo
Randel adverte, contudo, que a busca por processos alternativos que acomodem a stasis
mencionada por Meyer torna-se falha, muitas vezes, por consistir numa tentativa de abordar
para explicar um outro corpus de repertório e atitudes. De fato, o uso destas técnicas indica
um forte elemento colonizador desse conjunto de regras e procedimentos, pois muitas vezes
denota a tentativa de se mudar o objeto analisado para que este se conforme com o método
77
Largely reductionist approach to music, which has tried to understand it in terms of its structural elements:
melody, harmony, rhythm, and so forth. But, as general interest in issues related to attitudes and beliefs,
and individual and group behavior has grown, so too has the interest in music as a social-behavioral
phenomenom.
78
The coming epoch will be a period of stylistic stasis, a period characterized not by the linear, cumulative
development of a single fundamental style, but by the coexistence of a multiplicity of quite different
styles in a fluctuating and dynamic steady-state.
71
analítico. Bruce Horner (1998:160) mostra-se consoante com a idéia ao comentar a base da
Ao se observar tais comentários, é possível sugerir, também, que um dos caminhos para
algumas informações acerca da gradual aceitação do jazz como material digno de investigação
musicológica.
Segundo Randel (1992:14) o jazz foi o primeiro gênero não pertencente ao cânone
ocidental a ser tratado por pessoas que não se consideravam etnomusicólogos, mas sim que
trabalhavam com a musicologia tradicional. Sugere, porém, que tal aceitação pelo estudo
musicológico clássico desvela uma dominação por parte de um conjunto específico de regras
dessa vertente de estudo. Tal acolhimento pelo meio acadêmico se dá principalmente pelo fato
de existir, a partir do início do século XX, uma vasta quantidade de material de pesquisa, com
79
In the hands of some critics the "jazz tradition" comes to be reified in just the pernicious ways that Western
"art" music has been reified: separated from other musics and rendered into apparently timeless "texts."
80
The jazz canon now shares all the misguided pretensions to transcendent value and meaning that characterize
those other canons.
72
potencial para ser descrito e catalogado, formado por gravações cada vez mais numerosas.
Mais ainda, a cultura do jazz coloca grande importância na figura do gênio. Dessa forma, as
análise tradicional face a um novo repertório, a inclusão do jazz como objeto de estudo
acadêmico mostra apenas um alargamento, uma expansão das regras, para que estas possam
abraçar o referido repertório. Como menciona Randel (1992:15), pode se tratar de “um caso
Esse fato exemplifica, também, um outro aspecto por ele mencionado: o caráter colonizador
do cânone tradicional, que busca analisar o material musical exclusivamente sob sua ótica
Quando se trata da música popular, porém (e, como veremos no próximo capítulo,
também de aspectos da música coral que analisamos), nem mesmo as regras adaptadas para a
pesquisa com o jazz mostram-se eficientes. Nela, a obra musical não é tão claramente
identificável, como também não o são o registro escrito e a utilização da notação musical.
Mais ainda, os aspectos rítmicos, tímbricos e de performance, que auferem importância nesse
gênero, não são os mais aptos à análise musicológica tradicional, que, como lembra o autor, é
mais calcada no parâmetro altura, fenômeno verificável por sua recorrência histórica como
81
A case of attempted appropriation and domination. (…) It is a political move as much as an aesthetic one.
73
Mostrando-se alarmado com o fato de Amiri Baraka ter escrito o texto transcrito abaixo
Vai além, localizando no ensino acadêmico do jazz, e tomando como exemplo quatro
autores dos livros mais populares nos Estados Unidos a respeito da história desse estilo,84 não
cânone da música européia, o cânone do jazz consiste numa estratégia de exclusão, uma
coleção fechada e elitista de obras ‘clássicas’ que, juntas, definem o que é e o que não é
jazz”.85
Também Phillip Bohlman (1992:198) concorda com a idéia: “O cânone [das obras da
música ocidental] foi determinado não tanto pelo que ele era, mas pelo que ele não era”.86
Tomlinson ainda denuncia a tendência da musicologia tradicional a abraçar uma ideologia que
Atrás [dessa ideologia] está à espreita a proposta absurda que a música sozinha,
independente das matrizes culturais que indivíduos constroem ao seu entorno, pode
82
Jazz and the white critic. In Amiri Baraka, Black Music, 11-20. New York: William Morrow.
83
We have institutionalized jazz, evaluated its works, and enshrined those judged to be best in a glass case of
cultural admirabilia. The jazz Canon has been forged and maintained according to old strategies -
Eurocentrical, hierarchical notions behind which the rules of aestheticism, transcendentalism and
formalism are apparent.
84
Frank Tirro (Jazz: a history, 1977), Mark C. Gridley (Jazz styles: history and analysis, 1985), Donald D.
Megill e Richard S. Demory (Introduction to jazz history, 1989) e James McCalla (Jazz: a listener’s
guide, 1982).
85
Like the canon of European music, the jazz canon is a strategy for exclusion, a closed and elite collection of
“classic” works that together define what is and what isn’t jazz.
86
Canon was determined not so much by what it was as by what it was not.
74
“elevação” de seu status enquanto manifestação artística, ocorre por meio “da negação de
nome da interdisciplinaridade”.90
Em tom quase que de denúncia, Tomlinson lembra, ainda, que a significação do jazz é
largamente extra-canônica, idéia com a qual concorda Randel (1992:14), ao argumentar que
fatores essenciais da linguagem jazzística, tanto para seus praticantes quanto para seus
Tais fatores, que podem ser verificados na visão de quem observa o jazz com objetivos
alternativos à tradição analítico-musical, são muitas vezes ligados aos processos criativos − e
seus atores − envolvidos na produção dessa música. John Kao (1998:85), diretor acadêmico
87
Behind it lurks the absurd proposition that music alone, independent of the cultural matrices that individuals
build around it, can mean − that a recording or transcription of a Charlie Parker solo, for example, or the
score or performance of a Beethoven symphony, can convey something even in the hypothetical absence
of the complex negotiations we each pursue with them.
88
…by denying the contingencies - the "dialogical situations" - of its production and reproduction.
89
Horner também utiliza uma frase de Bohlman: “the musics of ‘high’ (usually Western ‘art’) and ‘low’
culture”.
90
Liberal promotions of cultural tourism in the name of multiculturalism, or the enlargement of academic
empires in the name of interdisciplinarity.
75
jazz: “toca talvez o limite extremo de que se valeu o processo criativo de grupo, como perfeita
americana”. Lembra que há, nesse estilo, a necessidade de alto desenvolvimento técnico por
parte dos músicos, mas também a presença de espaços criativos “praticamente infinitos, e a
Dois aspectos que representam os pilares mais sólidos sobre os quais se assentam os
métodos tradicionais da pesquisa em música são o mito da autoria e a arte autônoma, que, não
obstante, permanecem fortes mesmo quando de uma investigação que privilegia aspectos
sociais ou culturais. Tal questão pode ser percebida quando Frith (1987:136) argumenta sobre
crítica do rock: “o valor da música pop depende de algo fora do pop, tem suas raízes na
pessoa, no autor (...) a crítica do rock depende do mito”.91 Por outro lado, Wolff (1987:3)
91
Pop value is dependent on something outside the pop, is rooted on the person, the auteur (...) rock criticism
depends on myth.
76
deles.
Qualquer um que lide com questões colocadas pela Sociologia da Música cedo
reconhece que as respostas devem derivar não somente da Sociologia e da
Musicologia, mas também da Antropologia, Comunicação, Psico-acústica,
Acústica, e várias outras disciplinas. É chegado o tempo de aceitar essa
convergência de necessidades e de descobrir o que a pesquisa interdisciplinar pode
proporcionar.93
sociólogos e antropólogos, contudo sendo falsa a situação onde músicos ocupem cadeiras nas
destaque nessas escolas é conjuntura raríssima, senão inexistente. Mesmo descontando os tons
parciais − e até mesmo corporativistas − passíveis de temperar discussão desta sorte, há que se
considerar o fato de o olhar sociológico sobre a atividade musical dividir um terreno que foi
ocupado exclusivamente por estudiosos fascinados pela obra e pelo texto musical durante pelo
92
Thus the actual situation of the artist/author in the mid-nineteenth century helped to produce the myth that art
is an activity which transcends the social. In the twentieth century this myth has been sustained by the
continued marginal existence of cultural procedures, and by the persistence and proliferation of
specialized arts institutions and personnel.
93
Anyone who deals with the questions posed by the sociology of music soon recognizes that answers must be
derived not only from sociology and musicology, but also from anthropology, communications,
psychoacoustics, room acoustics, and a number of other disciplines. The time has come to accept this
necessary convergence and to discover what interdisciplinary research can yield.
94
A Sociologia da Música, apesar de constituir matéria comum na academia norte-americana e européia, não
figura com freqüência nos currículos das escolas de música e artes das universidades brasileiras.
77
menos dois séculos. A busca pelo equilíbrio de forças nessa divisão territorial − no olhar
que escreve para o Grove Music Online, chama atenção para dois problemas fundamentais no
caminho desse equilíbrio, que, pode-se supor, residem também no fato de a Sociologia da
Música ser matéria de origem recente: primeiramente, a falta de uma tradição desse
pensamento nas Ciências Sociais, por ser a música freqüentemente considerada uma atividade
motivada, a princípio, pela inconteste aceitação deste nos círculos acadêmicos. Ainda uma
terceira questão por ele mencionada é a porosidade da matéria Sociologia, cujo princípio
básico é o seu inter-relacionamento com as áreas que constituem o próprio objeto de suas
observações, uma vez que a questão social está presente em todas as áreas da atividade
humana. Com base nessa última questão, pode-se dizer que Sociologia não é matéria sozinha,
que não tem estatura independente, pois, na verdade, trata-se de uma análise sobre algum
objeto, alguma matéria extrínseca e, exatamente por isso, funciona bem em parceria com a
trabalho musicológico, que julgam conferir pouca importância ao contexto de uma produção
musical. Musicólogos, por outro lado, acusam os primeiros de não prestar atenção no fato
excelência da obra de arte em si. No início de uma crítica ao livro de DeNora sobre
Alguns acham que Beethoven teve muita sorte. Um etnomusicólogo ligado a uma
respeitada universidade (que, talvez, ficará feliz em permanecer anônimo), uma vez
afirmou: “Deve haver centenas de sinfonias tão boas quanto a Eroica, mas nós
simplesmente não as conhecemos”. 96
A discussão tem réplica e tréplica97, que bem ilustram pontos de discussão entre
Sugerir que genialidade é uma realização social não é, de forma alguma, diminuir a
importância de Beethoven, ou negar seu talento. (...) Tenho argumentado que a
análise musical do século XX não é o caminho mais certo para a história da
música. Em função do significado e valor da música serem percebidos de maneiras
diferentes em tempos e grupos sociais diversos, tenho sugerido que os relatos de
“evolução” musical elidem muitos dos fatos de maior interesse para a história
social e a Sociologia histórica da cultura e do conhecimento. (DeNora, 1997)98
95
Beethoven and the construction of genius: musical politics in Vienna, 1792-1803. Berkeley: University of
California Press, 1995.
96
Beethoven, some think, had all the luck. An ethnomusicologist, tenured at a respected university (he will
perhaps be happy to remain anonymous), once asserted: “There must be hundreds of symphonies just as
good as the Eroica, but we just don’t know them”.
97
Num só website, o New York Review of Books, foram publicados os artigos aqui consultados, com a crítica de
Rosen ao livro de DeNora, a resposta da autora e o posterior comentário do crítico.
98
To suggest that genius is a social achievement is by no means to debunk Beethoven or to deny his talent. (...) I
have argued that twentieth-century music analysis is not the surest route to music history. Because
music’s meaning and value are perceived differently across time and social group, I have suggested that
accounts of music’s “evolution” elide many of the most interesting questions for the social history and
historical sociology of culture and knowledge.
99
I claimed only the DeNora does not understand how genius is socially constructed − to use her expression. Nor
did I say that DeNora wishes to debunk Beethoven or deny his talent. She is not interested enough in his
music to do either. What I challenged was her belief that Beethoven’s success can be explained with
absolutely no consideration whatever for his work.
79
própria música e seus elementos sonoros, a Sociologia da Música procura preencher a lacuna
que encontra, relacionando a atividade musical aos elementos que a circundam. É criticada,
porém, por simplesmente esquecer-se que seu próprio objeto de análise é musical, sonoro.
O primeiro perigo reside no fato de a Sociologia poder operar com suas próprias
categorias, não considerando a música, o objeto de sua pesquisa, como o critério
para julgar a utilidade dessas categorias. De acordo com alguns estudiosos, a
Sociologia se preocupa exclusivamente com o estudo do ambiente social da arte, e
esse estudo não pode ser utilizado para “explicar a natureza e a essência das
artes”.101
Por outro lado, uma das críticas mais freqüentes da Sociologia da Música aos
musicólogos tradicionais é o apreço destes pelo texto musical como objeto de estudo, bem
como a importância que dão à obra musical e ao seu criador, característica essa que
dificultaria a fluência conjunta das duas matérias. Essa idéia fundamenta-se no fato de a
processo de realização, que somente serão trazidos à baila caso o foco se estenda aos atores
100
We have not paid sufficient attention to the role of musical sound and its performance in social ordering in
general and, more specifically, to the role of organized sound as a dynamic medium in relation to
historical process and to cultural and political change.
101
The first danger is that sociology may operate with its own ready-made categories, failing to regard music, the
object of its research, as the criterion for their usefulness. According to some scholars, sociology concerns
itself solely with studying the social involvement of art, and this study cannot be used to “explain the
nature and essence of the arts themselves”.
80
Porém, mesmo ao examinar o fato musical no contexto de sua cultura, muitas vezes
autores mantém-se presos ao texto como base de suas análises. Theodore Adorno é um deles,
mesmo que no intuito de desferir seus conhecidos ataques à música popular. Como lembra
atenção na música popular tanto quanto na música erudita”. Para ele, “música poderia ser
compreendida não somente em termos de suas características formais, mas em termos de sua
localiza nas reações dos estudiosos à sua teoria o ponto de partida de diferentes caminhos
102
Traditional musicology sustains the illusion of the autonomy of art by its reification of the musical work in
the form of an idealized text (the authoritative score), authorial intentions, and/or (authenticated)
performance to produce the Werktreue. Criticisms of these forms have aimed primarily at demonstrating
how such reifications result in both limited and false representations of music.
103
Placing the music first will always distance it from the complex and largely extramusical negotiations that
made it and that sustain it. It will always privilege European bourgeois myths of aesthetic transcendence,
artistic purity untouched by function and context, and the elite status of artistic expression.
104
Unlike many who preceded and followed him, he paid attention to popular as well as art music. (…) Music
needed to be understood not only in terms of its formal characteristics but also in terms of the relation of
these to the circumstances of its production and reception.
81
trilhados por esta matéria, marcando a centralidade que os significados sociais relacionados a
Vários autores nas últimas décadas do século XX, deixando de lado a antipatia
adorniana pela música popular, adotam, não obstante, suas preocupações com o caráter social
mostra-se também íntima do aspecto estruturalista de Adorno, uma vez que se baseia no texto
musical, a partir do qual busca seu objetivo de desvelar as teias de relações a partir desse
desenvolvido por McClary, que, ao advogar paradigmas de análise musicológica que retirem
o peso dado tradicionalmente à ótica masculina, o faz com freqüência observando tal peso no
Horner (1998:160) enxerga o contágio dessa reflexão em outras áreas, como a pesquisa
da música popular, pois considera que “talvez o efeito mais promissor desse movimento
‘baixa cultura’”.105
Música com o estudo da Etnomusicologia, uma vez que ambos partem da premissa básica: o
105
Perhaps the most promising effect of this movement has been the blurring of the (sub)disciplinary boundaries
between "musicology" and "ethnomusicology," and thus the blurring of the division between the musics
of "high" (usually Western "art") and "low" culture.
82
fenômeno musical não pode ser compreendido isoladamente, sem levar em consideração
aspectos sociais e culturais que envolvem sua criação, prática e consumo. Entretanto, ainda
segundo o autor, há uma diferença marcante, pois enquanto o trabalho etnomusicológico foi
excelência, e mostra não se incomodar com a aparente dicotomia metodológica entre as duas
áreas de estudo ora discutidas. Para ele a atividade dos musicólogos, em sua essência, é a de
“definir músicas”, identificando seus padrões de coerência e suas relações, com o objetivo de
alguma maneira tornam estreitos os caminhos por onde transita a pesquisa em música, sempre
haverá cânones a regê-la. Assinala também (1992:202) que, para entrar no cânone, ou seja,
para se tornar passível de avaliação, uma peça de música precisa, de alguma forma, “durar”,
permanecer através do tempo, o que é feito também por meio de sua transformação em texto
para análise.
mais válidos, dentre uma pluralidade deles. Localiza historicamente a origem desse
fenômeno:
106
While ethnomusicological work was by definition based on fieldwork and owed much to social anthropology,
this new trajectory in musicology was theoretical, drawing for its inspiration on recent developments
within sociology.
83
mesmo momento em que a sociedade européia começou a criar espaço para uma
música que não aquela do seu próprio tempo, lugar e função. (...) Juntos [o
interesse por música antiga e por investigações de material folclórico] contribuiram
para o mapeamento de uma paisagem cultural européia que tolerava, pela primeira
vez, a convivência de músicas e cânones, como também a sua irrestrita
proliferação.107
Em seu estudo sobre Beethoven, DeNora (1995:37) mostra idéia semelhante, ao sugerir
que a nobreza encontra na criação de um cânone específico (grandes obras e grandes mestres)
uma forma de demonstrar e ratificar sua tradição cultural, então sendo contestada pela parte
da sociedade formada por banqueiros de uma alta burguesia emergente e por homens de
negócios:
Durante os anos 1780, o caráter comercial da vida musical [em Viena] se mostra
reforçado; mesmo que ainda não seja uma base estável para o comércio da música,
a popularização do mecenato musical parece incitar alguns aristocratas ativos no
mundo musical a reafirmar-se como líderes da vida musical adotando e elaborando
a nascente ideologia da ‘grandeza’ musical e dos ‘mestres’ compositores.108
público às sinfonias de Beethoven na França do século XIX que, segundo ele, mudaram
abruptamente de uma postura indiferente (até mesmo de estranheza) para uma aclamação sem
precedentes.
107
A distinctive body of broadly musicological writings − historical, theoretical, critical, and anthropological −
began to emerge in the eighteenth century at approximately the same moment at which European society
began to carve out niches for more music than those of an immediate time, place and function (...)
together they contributed to the mapping of a European intellectual landscape that tolerated, for the first
time, the cohabitations of multiple musics and multiple canons, as well as their unrestricted proliferation.
108
Pendant les années 1780, le caractère commercial de la vie musicale se trouva renforcé; bien qu’il n’y eût pas
encore une base stable pour le commerce de la musique, la popularization du mécénat musical semble
avoir incite certains des aristocrats actifs du monde musical à réaffirmer leur identité de leaders de la vie
musicale en adoptant et en élaborant l’idéologie naissante de la “grandeur” musicale et des “maitres”
compositeurs.
84
ambos os pontos de vista (relações sociais e produto musical em si), ao invés do privilégio
concedido a um ou outro tipo de abordagem que, como vimos acima, parece nortear a maior
parte dos autores em suas análises das produções artísticas. Para ele, a consideração de
aspectos do mundo social a cingir o objeto e o ideal do grand approach (grandes teorias nas
quais o objeto musical é quem exerce o principal magnetismo sobre o pesquisador) não são
excludentes, mas sim complementares. Seu trabalho, então, constitui-se de uma análise
baseada tanto em elementos musicais (os produtos) quanto em aspectos sociais (relações
envolvidas no processo), uma observação que tem em alta conta o que ele denomina
na mesma trilha: “todos os objetos culturais são, eles próprios, constituídos no constante
processo de interação colaborativa (...) é através das conversas que criamos, sustentamos − e
‘conversas’ pelas quais das quais a ‘realidade do senso comum’, que raramente é questionada,
importante também por DeNora (2004b), que, no entanto, constata que na pesquisa
109
Sociologia da Música, no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (UNIRIO).
110
All cultural objects are themselves constituted in the constant process of collaborative interaction (…) it is
through talk that we create, sustain – and change – the taken-for-granted world of common-sense reality.
85
para um público de ouvintes, ou seja, a música realizada para o consumo dos próprios
desenvolvida para dar suporte aos ideais da Reforma Protestante, ou mesmo do canto
orfeônico nas escolas brasileiras de meados do século XX. Entretanto, o modelo de música
coral sedimentado a partir do século XIX, entre outros aspectos pela influência da
profissionalização do intérprete de música111 (ainda que a larga maioria dos atores na área de
produção coral o façam de forma voluntária), bem como pela normatização do repertório e da
obras visando a um público de ouvintes, quer seja com objetivos artísticos ou religiosos.
Mesmo que a situação configurada em parte da atividade coral contemporânea no Brasil seja
análoga àquela descrita acima (a finalidade estética não é a única envolvida), a discussão a
seu respeito é continuamente baseada na idéia de um grupo postado no palco, sob a direção de
um maestro, executando obras vocais com ou sem acompanhamento, para apreciação de uma
platéia de ouvintes. Conforme verificado na primeira parte desta pesquisa, tal conceito é tão
potente que, de forma geral, as discussões acerca da atividade coral têm características
século XIX com a produção musical de compositoras de várias eras, Randel (1992:17) lembra
111
O termo “profissionalização” é aqui utilizado como determinante de uma atitude para com a produção
musical, e não especificamente para conotar recompensa financeira por um serviço prestado.
86
que ambas as músicas “são compostas por (e, talvez, para) pessoas diferentes − e estrangeiras
− daquelas que oficializaram as regras”112 que têm dominado a análise musicológica. Sugere
que “não podemos esperar entender qualquer repertório novo diferente do tradicional se não
estamos preparados para inventar novas metodologias apropriadas para seu estudo”.113 Dentre
as regras presentes na metodologia tradicional, com relação à qual este autor estimula o
cotejamento, estão, como vimos acima, a soberania da notação musical, a noção de obra de
binárias. Da mesma forma, urge que se desenvolvam novas formas de abordar a música coral
para a análise dessa produção musical coral, fato justificado tanto pela carência de reflexões
na área como pela necessidade urgente de compreensão da mesma. Num processo de questões
semelhantes àquelas que norteiam as pesquisas das tendências mais recentes na musicologia,
os cânones que regem o funcionamento da música coral brasileira precisam ser questionados.
O primeiro caminho consiste em procurar compreender o entorno social no qual o cantor está
cantores, que, dada a relação de voluntariado por parte destes para com o grupo, constitui-se
em fator de extrema importância. O compromisso do regente com esse aspecto passa pela
necessidade de olhar atentamente para a sociedade onde se inserem seus cantores. Como
112
Composed by (and perhaps for) people different from − foreign to − those who officiated the canonization.
113
We cannot expect to understand any new repertory other than the traditional ones if we are not prepared to
invent new methodologies appropriate for its study.
114
O termo “pós-modernidade” é utilizada com freqüência por vários autores mencionados no presente texto,
para definir a era contemporânea. Mas não está no escopo deste trabalho uma discussão sobre seu
significado ou sobre as questões filosóficas relacionadas ao termo. Aqui quer-se, apenas, caracterizar a
época em que vivemos.
87
lembra a regente Elza Lakschevitz (2006:56): “Seus alunos cantam no coro, mas também vão
à escola, assistem televisão, têm seus artistas favoritos, jogam bola etc. Temos que levar em
consideração os efeitos desses fatores na vida deles”. Mesmo numa situação onde a
participação dos cantores era obrigatória − o canto orfeônico das escolas brasileiras − a
motivação que mencionamos era também objeto de preocupação. A esse respeito o professor
Podemos dizer, com pequena parcela de erro, que nas escolas secundárias do Brasil
onde se consegue realizar alguma coisa com o canto orfeônico, é exclusivamente
em razão da necessidade de nota para promoção de final de ano, e da exigência do
professor. Porque aceitação espontânea e gosto pela matéria não existem.
Conhecer e motivar o cantor, como desejam esses dois professores, são atos que
encontra na atividade coral, para áreas do conhecimento que não mantém afinidade imediata
com a presente investigação. O tema é discutido, por exemplo, por autores ligados ao campo
referenciais de quem escreve podem ser muito diferentes, o que fica ainda mais claro ao
necessidade compulsiva de sistematizar a todo preço”115 presente, por vezes, na análise sócio-
musicológica. Continua, ainda, afirmando que há poucas regras gerais sobre o comportamento
musical e que “essas são normalmente ‘teorias de médio alcance’, válidas somente para
musical aqui analisada, o entendimento das relações sociais contemporâneas parece ser uma
tarefa mais ligada às grandes teorias da Sociologia. Mostrar-se-ão mais significativas para o
A busca por referências que iluminem este segundo caminho deve inspirar-se, então,
relacionados às suas mediações e ao seu funcionamento. Pragmatismo de tal sorte é uma das
(termo que utiliza para se referir ao conjunto de todas as pessoas envolvidas numa
determinada produção artística) realiza uma obra. Num momento posterior nesse texto,
informações empíricas sobre alguns grupos corais contemporâneos do Rio de Janeiro serão
observadas sob a luz dessa corrente sociológica. Por ora serão investigados alguns conceitos e
“caixa de ferramentas”.
115
A superabundant use of grandiose terminology and a frequently compulsive urge to systematize at all costs.
116
These are usually “medium-range theories,” valid only for given musical cultures and given time periods.
89
das soluções práticas de sobrevivência grupal ou de reprodução das suas sociedades através da
consumidos, os bens culturais etc.”. As freqüentes menções e uniformidade dessa idéia nos
textos da área podem caracterizar um novo cânone em formação. A reação aos cânones
complementada na busca por modelos de análise condizente com os novos objetos analisados.
Como lembra Randel (1992:17), é preciso novas regras para avaliar as novas questões sendo
mister que se desenvolva uma atitude de crítica também com relação aos padrões comumente
Das muitas das características que se destacam nos coros observados nesta tese,
específica do trabalho coral dentro das empresas, dois aspectos são mais significativos: o
enfraquecimento da noção de obra musical, uma vez que a canção original sofre inúmeras
se, ao mesmo tempo, na condição de artista e platéia, levando-se em conta que o processo dos
ideais tradicionais da música coral ocidental, mas também mostram que a noção de produção,
vez que estas três funções, no caso do coro de empresa, podem ser realizadas pelos mesmos
sujeitos. De todo jeito, há que se olhar a realização de música vocal na coletividade sob uma
ótica alternativa àquela do século XIX. A atividade coral contemporânea no Brasil já merece
O exemplo do FEPAC, que inicia esse capítulo, parece revelador quando analisado sob
esta ótica. O caso do público de um evento musical ser menor que o número de artistas nele
envolvido sugere novas relações entre as citadas áreas da produção, distribuição e consumo.
Pode ser considerada a possibilidade de o consumidor final ser o próprio artista, que também
é o produtor da obra, fato que pode redirecionar toda a discussão a respeito dessa arte. Nesse
J. J. Nattiez (1990) procura analisar o fato musical utilizando um modelo tripartite, pelo
qual a obra musical deve ser observada sob a ótica de sua produção, de sua estrutura (a obra
semiológica na qual o conceito de obra musical é fundamental − e, por isso mesmo, colocado
no centro da análise −, fato que faz dela um caminho diferente do que buscamos para explicar
produção (pólo poiético) e recepção (pólo estésico) da obra torna apropriada uma reflexão
regente
coro
performance
(nível imanente)
público
musical (nível imanente), ao dividi-lo entre a canção original, a adaptação para o coro (única
instância de música notada em todo o processo) e a própria performance (uma vez que nela há
espaço para mudanças, re-criações e improvisações). Mais ainda, há uma clara identificação
de caráter estésico (de recepção) entre os cantores e a canção, e também com a adaptação. Ao
mesmo tempo os cantores poderiam também se encaixar no pólo poiético (de criação), uma
vez que estão participando de sua produção (além de interpretar, dão sugestões nas
adaptações, etc.). Desse fato deduz-se que os coros observados nesta tese confundem os
dois pólos (e também o conceito de “nível imanente”) podem sofrer variações se comparados
A autora propõe a compreensão dos significados musicais que um grupo social produz,
distribui e consome (termos também utilizados por DeNora e Shepherd), a partir de dois
delineados (fatores simbólicos delineados metaforicamente pela música). Tal método mostra
grande utilidade nas observações realizadas, pois lida com aspectos específicos da realidade
timbre, técnica vocal, relações métricas e tessitura, por exemplo, que, conforme será visto no
terceiro capítulo, é distinta daquela idealizada pelo canto coral tradicional −, como em
e consumo desses significados, que, no caso dos coros em questão, mostra-se de grande
importância. Numa apresentação disponível em seu website, P. Tagg (s/d) sugere que o
caminho de uma “mensagem pretendida” somente se completa, ou seja, recebe sua “resposta
receptor criariam uma situação que chama de “incompetência de códigos”. 117 Recuperando
uma idéia semelhante, acerca do significado da produção musical, pode-se invocar também
Martin (2000:48), que expressa seu incômodo com relação ao uso do termo “recepção”:
Para ele, o consumidor da música é também o produtor de seu significado. No caso dos
coros aqui observados, o consumidor da música também produz não apenas seu significado,
como também a própria música. Há uma clara analogia aqui com o termo “prosumidor”,
O site Mind the Gap - Design Better Products,120 explica ainda mais o conceito:
117
“Intended message”, “adequate response” e “codal incompetence”.
118
For one thing, the notion of ‘reception’ is too passive, having the connotation of ‘receiving’ a ‘message’
which has been ‘transmitted’ as with radio and TV signals. What must be emphasized is the active and
engaged process through which people ‘make sense’ of their cultural environment.
119
This helps explain the significance of the coming fusion of producer and consumer – what I have called the
rise of prosumer. Third Wave civilization brings with it the re-emergence of a huge economic sector
based on production for use rather than for exchange, a sector based on do-it-for-youtself rather than do-
it-for-the-market.
120
Disponível em http://www.designbetterproducts.com/. Comentário postado em 22 de fevereiro de 2008.
Acesso em 1 out. 2008.
94
produtos, serviços e experiências para sua própria satisfação, e não para venda ou
troca.121
Em Art Worlds (1982), Howard Becker se utiliza de conceito homônimo para designar
processos coletivos de produção artística,122 destacando seu interesse estrito nos padrões de
cooperação entre indivíduos envolvidos nesses mundos artísticos, e não necessariamente nos
Mundos artísticos produzem trabalhos e também lhes conferem valor estético. Este
livro não faz julgamentos, como a frase anterior poderia sugerir. Ao invés disso,
trata o julgamento estético como fenômeno característico da atividade coletiva.124
Num primeiro momento, parece ser grande a tentação de se verificar a pronta correlação
entre o mundo artístico e a atividade coral, mais ainda se considerado o seu significado em
seu estado mais básico, despido de idéias assessórias: produção coletiva de musica vocal.
Porém, é bom manter-se em mente, como sugere Becker, que colaborações acontecem mesmo
121
This prosumer is not to be mixed-up with the "professional consumer", the category invented by marketers
sitting between the consumer and the professional. The prosumer in Toffler's world is: one who create
goods, services or experiences for his own satisfaction, rather than for sale or exchange.
122
Ainda antes de Becker, o conceito de “mundos artísticos” foi utilizado pelo filósofo Arthur Danto (1964).
123
Art worlds consist of all the people whose activities are necessary to the production of the characteristic
works which that world, and perhaps others as well, define as art. (…) so that we can think of an art world
as an established network of cooperative links among participants.
124
Art worlds produce works and also give them aesthetic value. This book does not itself make aesthetic
judgments, as the preceding remarks suggest. Instead it treats aesthetic judgments as characteristic
phenomena of collective activity.
95
A observação de um trabalho coral por esse prisma não se prende aos aspectos que
base estética. Por outro lado, também não é determinada por modelos desenvolvidos pelos
autores da Sociologia da Música, como discutido neste capítulo. Ao mesmo tempo em que
abre possibilidades de se enxergar características de um grupo coral que não seriam vistas por
atividade coral, conforme visto no primeiro capítulo, essa observação pode se perder,
tornando-se muito vaga. As diferenças fundamentais entre grupos corais podem também
tornando-a impraticável, fato que reforça ainda mais a importância da busca por uma
definição mais precisa do objeto. Por esse motivo, nesta tese optou-se por examinar aspectos
Ruth Finnegan (1989:188) utiliza o conceito de mundos artísticos como base para
observar a atividade musical amadora de uma cidade inglesa, em pesquisa já relatada neste
trabalho. Em seu texto, entretanto, aponta algumas dificuldades que o uso do termo “mundo”
pode gerar, marcando duas delas de forma especial. Primeiramente, menciona o perigo de o
termo denotar uma realidade concreta e fechada. Como a autora lembra, Becker sugere que os
mundos artísticos não são instituições fechadas, e que uma pessoa pode participar de vários (e
96
distintos) mundos artísticos, mas que, mesmo assim, o termo “mundo” pode sugerir tal
rigidez conceitual. A segunda dificuldade é a confusão que o uso desse termo pode gerar,
determinado estilo musical. Para o pesquisador, diz ela, “é tentador se movimentar entre os
dois e concluir que o que é um mundo artístico num desses aspectos, necessariamente é no
outro”.125 Não obstante essas duas dificuldades, a autora reforça que o conceito tem “o papel
essencial de nos lembrar que músicas diferentes podem ser tratadas como formas igualmente
válidas, que não são para ser julgadas por critérios de outros”.126
produzem música, cada qual com um conjunto próprio de regras, métodos e procedimentos, e
que, por isso mesmo, reclamam marcos particulares para balizar suas dinâmicas de produção:
“O que é certo e natural num mundo não é necessariamente assim em outro, e é quando
critérios apropriados para um deles são aplicados a outro que aparecem as confusões”.127
diferenciais da atividade que ora discutimos. É um conceito natural na produção musical que é
aqui observada, mas não necessariamente em todas as áreas da produção musical. Por esse
motivo o “foco na atividade”128 de que fala DeNora (2004b:38) surge como o procedimento
125
It is tempting to move between the two and conclude that what is a world in one respect necessarily is in the
other.
126
The concept has the essential role of reminding us that different musics can be treated as equally valid forms,
not to be judged by the criteria of others.
127
What is right and natural in one world is not necessarily so in another, and it is when criteria appropriate for
one are applied to another that misunderstandings appear.
128
Focus on activity.
97
interacionismo social, mencionada por Martin (2000) e por Olle Edström (1997).
Tenho tratado arte como o trabalho que algumas pessoas fazem, e tenho tido maior
preocupação com padrões de cooperação entre as pessoas que executam os
trabalhos que com os próprios trabalhos, ou com aqueles convencionalmente
definidos como seus criadores.129
Como lembra Gilberto Velho (2002:14), antropólogo com quem Becker trabalhou
durante seus três períodos de residência no Rio de Janeiro, em 1976, 1978 e 1990, este autor
através da interação entre indivíduos”. Uma outra questão que aproxima o olhar de Becker das
necessidades analíticas provocadas pela unicidade dos coros aqui observados vem de sua
Shepherd (s/d), “uma forma quase perfeita de observação participativa”.130 Da mesma forma,
é preciso olhar de perto a atividade coral que é aqui examinada, para entender suas
especificidades.
Outros autores também seguem caminho semelhante, como o sociólogo Paul Willis,
cuja pesquisa sobre o a música ouvida por grupos de motoqueiros e hippies realizou-se por
meio de uma observação participante, nos próprios ambientes naturais dos grupos estudados
129
I have treated art as the work some people do, and have been more concerned with patterns of cooperation
among the people who make the works than with the works themselves or with those conventionally
defined as their creators.
130
An almost perfect form of participant observation.
98
(DeNora, 2004b:46). Seu livro Profane Cultures é criticado por Will Wright (1980:1312) por
suas posições sobre política, economia e classe: “o método poderia ser chamado de interação
conviver com seus objetos de estudo, a parte do livro que Wright considera a mais
possibilidades de observação sociológica onde pessoas são as fontes principais dos dados,133
forma de observar na qual o observador está escondido dos observados, que se desincumbem
de seus papéis em um ambiente natural sem lhes ser imposta qualquer manipulação de suas
atividades”. Assim, o observador apenas toma nota dos fatos que são relevantes para seu
estudo, sem qualquer interferência. Porém, alerta o autor, há problemas neste processo,
131
The method could be called naive symbolic interaction.
132
Flirts with the possibility of a serious sociology of culture, an effort to examine systematically, for example,
the ways in which daily life situations, class situations, if you will, determine which kind of music is
listened to, and how, in turn, the music influences and shapes the conduct of the daily life situations.
133
A outra categoria mencionada pelo autor é a pesquisa sociológica baseada em documentos.
99
inserir em seu estudo, uma vez que, como visto, o observador não tem o poder de interferir no
quando o ambiente é controlado pelo observador, mas onde os processos acontecem sem a
interferência deste. Tal processo é comum em estudos no campo da Psicologia Social, visando
considera a forte possibilidade de este tipo de pesquisa sociológica afrontar questões éticas.
Menciona o caso do processo no qual pessoas são colocadas num ambiente fechado, porém
observadas com câmeras de vídeo e microfones, para ter suas atitudes posteriormente
analisadas pelos pesquisadores. Chama atenção o fato de o texto de Mann, escrito há mais de
três décadas, descrever tal situação como fronteiriça entre o ético a o anti-ético, uma vez que,
atualmente, parte significante da sociedade brasileira incluiu tal atividade dentre seus meios
mas onde a população faz as vezes do “pesquisador”, com objetivos certamente diferentes
uma definição como esta, como faz Mann, que uma entrevista pode variar entre ser uma
sistematizado. Mais ainda, o método e o etilo de entrevista tem seu perfil determinado de
acordo com o estágio em que se encontra a pesquisa e com os objetivos daquele momento,
100
sejam eles mais gerais, como a busca por hipóteses ou mais específicos, como a busca pela
eliminar o maior número possível de desvios bem como reduzir sua margem de erro
estatístico. O outro pólo desse espectro, ou seja, a entrevista aberta e menos formal, é
mencionado pela professora Liora Bresler (1995:5) como um dos instrumentos mais
que propriamente metodológica. Numa comparação com a etnografia, Bresler sugere que o
método fenomenológico não é orientado por observações de campo, de ordem natural, e o uso
de entrevistas abertas, por ser, também, uma atividade “não natural”, torna-se uma importante
(...)
Numa situação comum de entrevista onde o observador tenta ser objetivo e científico,
ele correrá o risco de tornar o processo de tal maneira artificial que acabará por se distanciar
134
Open-ended interviews enable the interviewees to follow streams of thought and explore in-depth experiences
that are often unformulated, yet powerful in their lives. Rather than to fit data into pre-existing categories,
the purpose is to reveal personal meaning. (…) Phenomenological investigation requires the skills of
listening attentively, probing and facilitating the articulation of nonverbal experiences into linguistic
constructs.
101
dos fatos reais que procura observar. Mann lembra que é necessário o estabelecimento e
manutenção de certa empatia com objeto de seu inquérito, para que essa entrevista alcance
bons resultados, isto é, proporcione informações que serão relevantes para a pesquisa. Mesmo
quando o informante procura cooperar nessa situação artificial, o simples fato de receber
instruções para “agir e conversar naturalmente” não significa que isso realmente acontecerá.
A interferência causada pela artificialidade desse processo, provém, também, do sujeito que
inserção do pesquisador no seu grupo de interesse, devido ao incômodo por vezes causado
pelo caráter de pessoalidade das questões propostas, bem como à frouxidão do sigilo com que
por vezes é tratado o material recolhido. Dessa forma, o informante por vezes “age
deliberadamente de forma a não confirmar o que ele supõe que seja a hipótese em teste”.
quarto método citado por Mann (1973:96),135 denominado “observação participante”, que é
dos objetos, e não somente as conversas e entrevistas. Trata-se de grande ajuda quando se
precisa compreender uma situação específica. Pode se dar basicamente de duas maneiras, que
vez, porém, não se pode vislumbrar gradação entre estes dois pólos. O tipo de interação do
135
O texto de Mann mostra a observação participante antes da observação controlada, ordenando sua explanação
do processo de menor controle para o de maior controle. No presente texto esta ordem foi alterada para
melhorar o fluxo do raciocínio.
102
observador com o ambiente deve ser claramente estabelecido desde o início do projeto. Em
comum nesses estilos de observação está a importância de o observador ser visto realmente
ser investigado, o observador precisará, para não ser reconhecido como tal, “criar” um
histórico de vida pregressa que justifique sua presença naquele local (formação profissional,
vida familiar, locais onde morou etc. ), além de modificar sua maneira habitual de se vestir,
habilidades técnicas, novos hobbies etc. Mann capta com precisão a natureza de tal atividade
esbarra numa questão ética, uma vez que pretende criar ou provar determinada teoria a partir
de dados que nem sempre seriam tornados disponíveis voluntariamente pelas pessoas
observadas.
objetivos explicitados, o problema ético já não passa pela questão do conhecimento ou não
conhecimento da situação, por parte dos objetos, mas sim do que será feito posteriormente
com todas as informações recolhidas a partir daquela posição privilegiada. Mesmo quando um
observador é reconhecido como tal, ele ainda precisa ser aceito pelo grupo que observa. Em
Becker (1993:134) menciona a má condução de problemas éticos como responsável por uma
103
dificuldade crescente de inserção dos pesquisadores nos grupos que pretendem estudar: “o
problema é perene para os praticantes da observação participante, que habitualmente têm que
negociar a questão novamente a cada vez que entram numa organização”. Mesmo no caso de
surveys, segundo ele, a questão da inserção tornou-se problemática a partir do momento que
questionários, o que inicialmente era feito em escolas e com seus próprios alunos. Mesmo
antes do início de uma pesquisa, a conquista da confiança do grupo a ser estudado já mostra-
Bogden (1972:5) para o método: “Período de intensa interação social entre pesquisadores e
sujeitos, no meio desses últimos, durante o qual coletam-se dados, na forma de notas de
mais ajustada para a geração de uma teoria do que propriamente para se ocupar de testá-la.
comunidade sociológica. Como observador participante, por exemplo, não se pode anotar
todas as características a ser estudadas, afinal se propõe a participação mesma nas atividades
descritas. Mesmo que as anotações sejam feitas algum tempo depois dos acontecimentos,
pode-se perder dados importantes. Segundo esses autores, os procedimentos desse método são
acesso e desempenhar um papel, 3) tomar notas, 4) formular uma análise. Sobre essa
Por esse método é possível uma abordagem mais interna do fenômeno sob investigação
podem se dar durante o processo, apesar de, como lembra Mann, surpresas serem mais
da coleta de dados simultânea à sua análise também geram críticas quanto à sua solidez
informação obtida por meio desse processo, algumas críticas a ele referem-se ao problema da
fidedignidade, pois na maior parte das vezes o observador é o único no processo, o que
De acordo com Becker (1993:31), tal problema, ao invés de ser técnico e passível de ser
resolvido pelo uso de ferramentas metodológicas, deve ser abordado como uma questão
ser tendencioso, isso é feito geralmente por alguém que não se sente satisfeito com o resultado
pesquisador com aqueles que lêem os resultados: “Os representantes comuns da sociedade
rotineiramente atribuem maior credibilidade à história contada por aqueles que administram
do que às histórias daqueles que estão nos níveis inferiores da hierarquia”. Assim, mesmo o
105
Nesta etapa da pesquisa procurou-se observar a prática de quatro coros formados por
funcionários de três empresas do Rio de Janeiro e uma de Niterói, tomando como base a idéia
de mundos artísticos conforme descrita por Howard Becker em Art Worlds (1982). As
observações pelas quais foram percebidas as questões levantadas nesta tese começaram a se
coros foi, não somente observado, como também vivenciado pelo autor deste trabalho, que, na
condição de regente desses coros, esteve presente a todos os ensaios, apresentações e reuniões
administrativas, desde o seu início. Além das observações da prática e do dia-a-dia dos
diretores e gerentes das empresas pesquisadas, além de colegas dos cantores), realizadas
durante os ensaios e fora dele, constituíram boa parte do material empírico deste capítulo.
assistente136 eram ligados à atividade coral por laços profissionais, gozando, todos, de larga
experiência nessa área. Assim, com cantores sem qualquer experiência anterior de
participação em coros (ou mesmo de audição de um grupo coral “ao vivo”), o rumo tomado
pelo trabalho desses grupos foi causando espécie, por obedecer a regras díspares das que
anterior do observador na área da música coral, como também por meio do exame da
136
Um regente assistente foi contratado para trabalhar em dois dos grupos, Coral TV Globo e Coral FENASEG,
nos dois últimos anos do processo de observação.
107
bibliografia sobre o assunto. O problema discutido nesta tese, então, foi definido após o início
das observações. Antes disso, anotações sobre o funcionamento do grupo eram feitas no
material de ensaio (partituras), bem como em relatórios de reuniões semanais entre regente e
relativos às adaptações das canções do repertório. Questões colocadas pelos cantores durante
os ensaios, preferências demonstradas por eles (no âmbito musical e organizacional), bem
Os processos observados tiveram seu início ainda antes da própria atividade musical dos
motivações e prioridades, dos contratos e das discussões acerca de testes, repertório e mesmo
de cronograma (um dos coros tinha data marcada para sua apresentação antes mesmo da
realização de seu primeiro ensaio). Tal fato, associado à ausência de qualquer atividade
similar anterior naquelas empresas e a um amplo desconhecimento da matéria por parte dos
que se dispunham a participar dos coros,137 gerou duas conseqüências nessa pesquisa.
mensagens eletrônicas. As observações não foram feitas com o intuito de testar uma teoria
aberto das perguntas e dos comentários em que parte das observações se baseou, apesar de ter
137
Um exemplo desse desconhecimento se deu no primeiro encontro do coro do SEBRAE/RJ. Naquela
oportunidade, quando o regente deveria esclarecer dúvidas sobre o projeto, a pergunta de um dos futuros
participantes foi: “‒ Então vamos cantar coisas diferentes ao mesmo tempo? E vai dar certo? Isso é que é
um coral?”.
108
gerado informações muito desiguais, não constituiu obstáculo metodológico para a presente
análise. A segunda conseqüência foi a ausência de necessidade, por parte dos cantores, de
tecer comentários “corretos”, ou que estivessem de acordo com “o que deve ser um coral”,
uma vez que não conheciam tal manifestação artística (foi revelado por vários participantes
dos coros que jamais sequer haviam assistido uma apresentação de canto coral até então).
Dessa maneira, os grupos tomaram forma de acordo com a cultura e com os padrões da
duração dos ensaios, seu funcionamento, na escolha dos uniformes, no repertório e até no
estilo vocal. Por fim, procurou-se não se levar em conta o valor literal de informações cujo
caráter emocional era facilmente perceptível. Conforme verificado no primeiro capítulo deste
concretude, que as fazem assumir postura impressionista. Andamento, timbre e caráter de uma
interpretação são exemplos desses parâmetros subjetivos e podem ser utilizados para
representar questões sentimentais, afetivas e mesmo profissionais de quem opina, mas que
Também não foi relevante o alerta de Becker (1993:54), para a possibilidade de uma atitude
dúbia por parte de um informante: “Uma pessoa pode dizer ou fazer alguma coisa quando está
sozinha com o observador ou quando outros membros do grupo também estão presentes”. Na
dos cantores. Mesmo assim, em função da constante presença do observador no trabalho, uma
informação revelada em conversa particular poderia ser sempre comparada com a atitude do
abaixo.
A maior parte das observações que fundamentam o presente texto foi realizada nos
SEBRAE/RJ, durante seus oito anos de atividades, de junho de 1997 até novembro de 2005.
O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado do Rio de Janeiro tem sua sede
localizada no Centro desta capital, onde trabalham 158 funcionários138. Além desses, há
do Estado. O processo seletivo para escolha do regente foi dirigido por uma funcionária do
Janeiro, que, até o ano anterior exercera a direção do SEBRAE Nacional. No primeiro contato
entrevista sua que lera na Revista Louvor,139 especialmente por seus comentários sobre a
maneira com que dirigia um programa musical de natal numa igreja batista no Rio de Janeiro,
onde o coro tinha como característica principal a mistura de cantores experientes e iniciantes
(Lakschevitz,1997:6):
Nós juntamos todos os coros da igreja e outras pessoas que não cantam nos coros,
mas vão também. Geralmente usamos uma parte instrumental mais elaborada. Este
ano fizemos com baixo, piano, bateria, trompete e violoncelo. Sempre procuro
colocar uma novidade em termos de estilo musical. Este ano foi um RAP. Não
soou ofensivo, estava dentro do contexto. Por ser na praça, é preciso ser criterioso
com o repertório. Tem que haver equilíbrio. Não dá para fazer algo erudito, parado
138
Dado fornecido pela Área da Qualidade de Equipes da empresa, em janeiro de 2006.
139
Periódico trimestral publicado pela JUERP (Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção Batista
Brasileira).
110
ou sério demais, mas também não pode ser escrachado, rebelde. A idéia é fazer
uma coisa para que as pessoas na rua se sintam em casa.
Por se tratar de um serviço social autônomo que utiliza “recursos financeiros oriundos
a máxima eficiência e nos estritos limites da finalidade institucional da Entidade”.140 Por esse
motivo foi necessário um parecer da assessoria jurídica da empresa por ocasião da criação
desse coro, pelo qual é possível compreender o que se almejava com o Projeto Coral naquela
instituição:141
(...)
(...)
(...)
140
Documento AJ-07: Projeto Coral SEBRAE/RJ – Viabilidade jurídica de sua criação e manutenção pelo
SEBRAE/RJ. Alçada decisória do CDE. Emitido em 27 de maio de 1997, elaborado e assinado pelo Dr.
Luziano Prudente de Oliveira, então advogado da empresa.
141
Idem.
111
oferecido pela empresa aos funcionários, colaborando, assim, para a melhoria da qualidade de
vida dos mesmos, além de se constituir, também, numa atividade de integração dentro da
perante seu público.142 Em função da proposta acima descrita, foi descartada qualquer espécie
iguais para todos os colaboradores que quisessem tomar parte daquela atividade. Mais ainda,
instituição, sem a atuação de uma base formada por cantores profissionais, o que legitima este
Optou-se por um regime de dois encontros semanais, com uma hora de duração cada,
onde, além do regente, estava presente também uma pianista acompanhadora,143 pois os
142
Em conversas com regentes corais de diversas partes do Brasil, acontecidas em nove edições do Curso
Internacional de Regência Coral (já mencionado no primeiro capítulo), se pôde perceber que essas são as
justificativas mais comumente mencionadas em projetos que criam a atividade coral em empresas
brasileiras.
143
A partir de 1999 passou-se a se contar com um contrabaixista e um percussionista para apresentações, fato
que também influenciou o tratamento do repertório através do aumento das possibilidades timbrísticas nos
arranjos.
112
foi, então, desenvolvido para vozes com acompanhamento harmônico, onde os momentos de
A principal motivação para a criação do coro nesta empresa foi a integração dos
estúdios diferentes, espalhados por diversas partes da cidade, como também em outros
estados), bem como da sua disposição espacial (afora os estúdios, não há qualquer grande sala
funcionários), a idéia da criação de um coro ecoou com força junto às instâncias decisórias da
área de recursos humanos. Além disso, uma grande diferença de horários de trabalho de seus
transmissões, faz com que, de uma maneira geral, os mesmos tenham contato somente com o
integração entre esses funcionários que não ocorre habitualmente na instituição. Como
também acontecia com o Coral do SEBRAE/RJ, não era permitida a participação no coro de
144
Em conversa informal ocorrida em setembro de 2004, o Maestro Samuel Kerr reforçou a importância da
utilização de um instrumento harmônico na realização desse tipo de trabalho coral, devido à falta de
experiência musical anterior da grande maioria dos participantes dos coros de empresas no Brasil. As
observações realizadas nesta tese reforçam sua idéia, principalmente porque notou-se que à essa
inexperiência soma-se a necessidade de resultados rápidos exigidos pela maior parte das instituições.
113
empresa, esta participação poderia reforçar a justificativa para uma possível solicitação de
vínculo empregatício.145 A partir dessa iniciativa, outras sedes da empresa passaram a utilizar
a atividade coral como ferramenta de integração.146 O grupo ensaiava uma vez por semana,
desde sua fundação, em maio de 2004 até dezembro de 2008. Durante este período o grupo
repertório a quatro vozes (soprano, contralto, tenor e baixo), sempre com acompanhamento
instrumental.
atividade coral com seus funcionários em setembro de 2004. As observações aqui realizadas
aumento do número de funcionários de 301, em 2004, para 450, em 2008,147 gerando uma
necessidade de aumento de espaço físico, cuja solução foi sua expansão para outros andares
do edifício que a empresa ocupa no Centro do Rio de Janeiro. Em 2008 a FENASEG foi
145
Casos semelhantes foram observados também nos coros do SEBRAE/RJ e da FENASEG. Nestas empresas
também não era permitida a participação de funcionários em contratos temporários, que poderia gerar
“evidências que provem vínculo empregatício”, nas palavras do então gerente do SEBRAE/RJ Carlos
Milione. Na TV Globo, a participação de estagiários só foi permitida após deliberações entre a
coordenação do coro e a Gerência de Recursos Humanos.
146
Até 2008 a TV Globo contava com 4 coros em funcionamento, dois em sedes no Rio de janeiro, um em São
Paulo e um em Belo Horizonte.
147
Dados fornecidos pela área de recursos humanos da FENASEG. O número de funcionários em 2008
corresponde ao somatório dos trabalhadores ativos na confederação, nas cinco federações e na
seguradora.
114
desmembrada, sendo criadas uma confederação e cinco diferentes federações, bem como uma
acima mencionado, atividade exercida até então por um dos departamentos da FENASEG. O
desmembramento da empresa, na única atividade ali executada que era aberta aos
funcionários de todas as instituições que surgiram, o que reforçou sua condição de elemento
SEBRAE/RJ, uma vez que os objetivos propostos, os locais e as condições de trabalho nessas
três instituições não diferem de forma acentuada. Malgrado pequenas diferenças entre as
culturas organizacionais dessas empresas, pode-se esperar uma linha de trabalho coral
semelhante em todos os coros observados, uma vez que atuaram sob a direção do mesmo
FENASEG, uma delas é a posição em que o grupo ensaiava. Como os encontros aconteciam
numa das salas de reuniões da empresa, os cantores sentavam-se à volta de uma grande mesa,
mesa,148 fato que provocou uma forma de condução dos ensaios distinta daquela dos outros
148
A questão do espaço disponível para ensaios é de grande importância para a compreensão da atividade coral
numa empresa, pois descerra informações a respeito dos parâmetros musicais daquele coro, dos processos
didáticos, dos objetivos e das motivações envolvidos no trabalho, como se pode observar em comentário
de João Batista Genúncio, fundador do Coral do BNDES: “Começamos no quinto andar da garagem e
115
exploração de petróleo e gás, fez contato com o regente para a realização de trabalho coral
deste grupo, entretanto, mostrou alguns fatores marcantes. O objetivo foi traçado de forma
ainda mais clara que nos outros grupos, e o tempo disponível para sua execução definido
antes do início de suas atividades. O coro deveria começar a funcionar em junho e realizar um
show na festa de final de ano da empresa, em dezembro do mesmo ano. Funcionando na Ilha
empresa coloca à disposição de seus funcionários o seu transporte e alimentação, bem como
uma área de lazer. Na entrevista inicial com o regente, a coordenadora, que também viria a ser
responsável pelo projeto na empresa, mencionou como motivação para o início daquele
trabalho a abertura de uma oportunidade para desenvolvimento dos talentos musicais dos
qualquer requerimento de habilidade musical por parte dos cantores abriu a forte possibilidade
problema se deu de forma ainda mais aguda, uma vez que o tempo de duração do trabalho era
mais curto, e urgia uma definição do número de cantores, para que, então, o repertório fosse
adaptado. O problema se agravou, pois nos dois primeiros meses de atividade compareceram
aos ensaios vinte e duas mulheres e quatro homens, sendo que os homens, por questões
depois nos mudamos para a sacada do restaurante. Só muito depois conseguimos uma sala para ensaios.
Então, durante muito tempo nosso ensaio acontecia com uma roda de pessoas, partituras e um diapasão.
Nem cadeiras havia”.
116
relativas a local e horário de trabalho jamais ensaiaram num mesmo dia. Com o passar do
tempo, foi decidido pelos coristas, em conversa com o regente, que o grupo deveria ser
constituído somente por vozes femininas, fato que provocou uma mudança de rumo na
do tempo de ensaio tornou-se questão fundamental nesse coro, o que se refletiu na confecção
dos arranjos, bem como numa definição muito particular das prioridades musicais daquele
projeto, uma vez que a apresentação combinada, que aconteceria junto com outro evento da
Não é errôneo classificar os coros aqui observados como “coros de empresa”, afinal
todos os grupos estudados têm esta procedência. Mas tal nomenclatura diz respeito
como aqueles discutidos anteriormente (número de vozes, estilo, repertório, idade, etc.). O
caso do Coral Petrobrás também é um bom indicador deste fato. A empresa mantém vinte e
sete coros em atuação, bem como um funcionário em tempo integral para administrar toda
seus grupos, sendo que em muitos deles uma orquestra sinfônica é contratada para
distribuído, com a finalidade de “definir as normas e critérios que regem o Coral do sistema
149
Conforme informado em entrevista por José Machado Neto (2009). O entrevistado diz, ainda, que a
expectativa é chegar a trinta grupos nas diversas instalações da empresa em todo o território nacional.
117
Corporativa”.150 Neste regulamento, que reúne muitas das ações institucionais dos coros, não
há qualquer menção a elementos que possam descrever sua atividade musical, a não ser sua
afiliação. Tal fato demonstra que a afiliação de um coro, quando utilizada como parâmetro de
classificação, deixa de fora da análise informações que poderiam esclarecer diversos aspectos
Mas até mesmo o aspecto da afiliação institucional pode ser questionado nessa análise,
uma vez que entre as empresas é variável a política de admissão de cantores. Um determinado
coro pode ser composto por funcionários atuantes na empresa, ou pode admitir, além desses,
outras que a restringem com veemência, o mesmo acontecendo com a força de trabalho
empresas podem, também, contar com uma base de cantores profissionais contratados para
nesta pesquisa, seja por tratar de apenas um aspecto da música coral ou por não especificar
diferentes tipos de afiliação. A utilização desse rótulo para designar qualquer aspecto
150
Regulamento do Coral Petrobrás, publicado em 3 de maio de 2006.
151
De forma geral tais grupos são mantidos pelas associações de ex-funcionários ou pelas caixas de assistência
de grandes empresas, como é o caso do Coral da Petros (Fundo de Pensão da Petrobrás).
152
Tais cantores, chamados “monitores”, atuam em ensaios, apresentações e demais compromissos do grupo. A
prática é utilizada por alguns coros de empresas na Cidade do Rio de Janeiro, como nos grupos da
FIRJAN, Inmetro, Ipiranga, Fiocruz e Vale.
118
claudicante, pelo fato de a produção de música vocal dentro do ambiente corporativo (em
constituir uma prática nova. Os relatos mais antigos encontrados durante a presente
investigação sobre esse tipo de coro datam da primeira metade do século XIX.
A musicóloga Jane Fulcher (1979:51) menciona artigo publicado em 1845, cujo autor
grandes usinas em Cercamps e Boubers, promove diariamente lições de canto para mais de
pela prática orfeônica nas escolas francesas, começa a incluir jovens trabalhadores nas
No artigo citado, Fulcher (p.47) procura compreender as relações dessa “música feita
possibilidades de ganho político que ele representava, mostrando, assim, que o trabalho coral
trabalho.
153
M. le Baron de Foument, propriétaire de deux grandes usines à Cercamps et à Boubers, y fait donner
journellement dês leçons de chant à près de 900 ouvriers. (M. de RAMBOURS, Methode d’enseignement
populaire de la musique. Revue de la musique religieuse, populaire et classique, 1845, p.43.
154
The Orphéon societies flourished because of the long established and still vital beliefs, which were subtly re-
interpreted and used by the Empire for its immediate political gain. Utopian ideas concerning the
119
A autora sugere (p. 48), outras conexões entre os ideais utópicos e a atividade coral, que
Evidências continuam sendo sugeridas por Fulcher, ao indicar que pensadores utópicos,
que ordem e progresso eram os ideais sociais mais urgentes em sua época, entendiam que,
para atingi-los era necessário satisfazer às demandas emocionais da classe trabalhadora, o que
também servem de apoio à realização dessa atividade coral, especialmente em função de suas
E também por colocar a música como a arte mais apropriada para a execução dos
são exageradas por pessoas pedantes, cujo interesse é unicamente esse; na verdade,
treinamento específico é menos necessário para a apreciação, e mesmo para a
communal, harmonizing ministration of music, the “social art”, were re-focused in according to the
Bonapartist conception of the democratic, humanitarian state.
155
Utopian theorists, during the Restoration and earlier, had conceived of similar musical schemes, of large
gatherings of singers to provide “moral amelioration” specifically for the laboring class.
156
Would obviate political and social unrest, and thus the world would reconcile individual liberty with the
demands of the society at large.
157
To exhort the working classes to seek happiness in calling their moral and mental powers into constant
exercise, and to give them an education, the principal basis of which is esthetic, is to place art under the
protection of its natural patrons.
120
composição musical, que no caso tanto da pintura quanto da escultura. Daí ela é, de
todas as formas, mais popular e mais social.158
Música era uma arte para ser praticada em grandes grupos, que poderia ser
aprendida até mesmo por analfabetos; simbolizava a sociedade, era eficaz na
disseminação de idéias e na indução de um ‘espírito de ‘concordância’ entre os
homens.160
França acontece justamente por meio de uma manipulação dos ideais acima descritos. O ideal
de “preencher o vazio de cada classe trabalhadora pela oferta de ‘equilíbrio emocional’ acaba
autora, publicado no jornal La Maîtrise em 1857, lê-se que os coros orfeônicos, além de
servirem como uma “distração nobre” para os trabalhadores, ainda “formam seu gosto,
elevam sua inteligência, tornam mais leve o seu humor e exercitam seu juízo”.161 Fulcher, por
158
Are exaggerated by pedants, whose interest it is to do so; in reality, special training is less needed for its
appreciation, and even for its composition, than in the case of either painting or sculpture. Hence it is in
every respect more popular and more social.
159
Le plaisir (...) exalte l’âme du travailleur, centuple ses forces productives. G. D. Laverdant, De la mission de
l’art et du role dês artistes, La Phalange, 1845, p. 266, citado no texto de J. Fulcher (p.49). Não foi
posssível verificar se o parecer da assessoria jurídica do SEBRAE/RJ anteriormente citado, em sua
menção à eficiência e produtividade, se baseou de alguma forma nessas idéias de G. Laverdant, escritas
cerca de 150 anos antes. Também não se encontrou, no decorrer da presente pesquisa, textos que
descrevam o caminho histórico do pensamento relativo à função da música nas corporações brasileiras.
No momento atual, quando esforços são envidados por estudiosos de diversas áreas (como Daniel Pink,
em A Whole New Mind, New York, Riverhead Books, 2005) visando à compreensão das profundas
mudanças ocorridas nas relações de trabalho dos últimos trinta anos, tal estudo se mostrará de grande
valor.
160
Music was an art to be practiced in large groups, and one which could be learned by even the illiterate; it was
symbolic of society, effective in instilling ideas, and in imbuing “concordance” within and among men.
161
Forment leur goût et élèvent leur intelligence, assouplissent leur humeur, exercent leur jugement.
121
fim, apresenta uma outra questão a respeito da música coral feita pelos trabalhadores: a
representação de ordem social que apresenta. O canto coral, especialmente quando de uma
contestar suas idéias, atitudes e procedimentos. Essa faceta do trabalho coral ilustra uma
ordem social equilibrada e harmoniosa. Assim, lembra a autora, tal atividade musical vai ao
encontro dos ideais propagados pelo regime político do Segundo Reinado francês, que
Textos que descrevem a atividade orfeônica no Brasil nas décadas de 1930 e 1940
disciplina do conjunto como fator de apoio a esse tipo de estrutura social. Verifica-se esta
idéia nos manuais de canto orfeônico, em expressões como “abstrair-se de vontade própria”
(Costa, 1935:67). O próprio Villa-Lobos (1937:19) expressa tal preocupação com clareza, ao
A disciplina absoluta de uma classe é o principal fator para que o mestre obtenha
resultado das suas experimentações, seja a classe de 40 ou de 120 alunos. Um só
aluno rebelde estabelece uma inquietude contagiosa entre os colegas, para a qual
não existe nenhum meio pedagógico da aplicação imediata dos ensinamentos. A
pratica e o tirocinio do professor fa-lo empregar o metodo oportuno para corrigir o
aluno rebelde, sem contudo considerar como castigo ou punição humilhante.
O destaque dado ao líder das grandes concentrações corais também colabora para tornar
mais sólido o ideal da estrutura homogênea que obedece a uma só direção, sem contestá-la.
Villa-Lobos foi parte significativa desse processo. Como lembra, a construção biográfica do
maestro foi calcada na sua genialidade, seu apego ao folclore brasileiro e seu contato com a
122
apresentadas acima, que não se pode pressupor caráter inovador nos coros observados nesta
pesquisa. Mas até mesmo na área onde se localizam, Rio de Janeiro e Niterói, a atividade
denominada “coro de empresa” já acontece há muitos anos. José Machado Neto (2009),
afirma que o Coral da Petrobrás iniciou suas atividades em 1967, no edifício-sede da empresa,
também o Coral da Interbrás (empresa que mais tarde foi incorporada à Petrobrás) e o Coral
dos Correios, este por iniciativa e apoio do então presidente da empresa, Haroldo Corrêa de
Matos. No mesmo período criou, também, o Coral da TELERJ, empresa que mantinha ainda
um outro grupo, ligado à sua associação de funcionários, dirigido por João Batista Genúncio.
Pouco mais tarde, em 1978, quando Corrêa de Matos assume a presidência da EMBRATEL, a
empresa também inicia as atividades corais com seus funcionários, sob a regência de Irene
162
Anteriormente, em 1966, um coro de funcionários da Petrobrás já havia iniciado suas atividades na unidade
que a empresa mantém em Betim, Minas Gerais, mas encerrou-as poucos anos mais tarde. Um
levantamento acerca da atividade de coros empresariais no Brasil ainda não foi realizado. Porém, os
registros escritos sobre o tema, em sua maioria programas de concertos, festivais de coros e impressos
institucionais, não descrevem questões importantes sobre a as motivações, a organização e a produção
musical desses coros. Para tanto, o caminho investigativo mais rico será aquele baseado em depoimentos
dos regentes e demais envolvidos nesses grupos, o que sugere, inclusive, uma certa urgência para a
realização de tal empreitada.
163
Em conversa informal, Irene relata que Armando Prazeres fora convidado para montar e dirigir o Coral da
EMBRATEL, mas que, devido à falta de tempo para ensaios, uma vez que estava envolvido com diversos
outros coros de escolas, igrejas e empresas, a indicou para a tarefa. Meses após o início das atividades na
123
grande crescimento no número dos coros de empresas no Rio de Janeiro e também em outras
cidades brasileiras. Um detalhamento desse processo foge ao escopo da presente tese, mas o
trabalho desses regentes demonstra que a atividade coral em empresas cariocas já contempla
Para ser iniciada e mantida, a atividade musical em instituições profissionais, sejam elas
determinado bem ou serviço, o que torna a música uma atividade secundária. Assim, o canto
coral dentro desse tipo de instituição é justificado e busca atingir objetivos que não são
necessariamente de caráter musical. Poder-se-ia pretender, então, que esta seja a característica
mais marcante do “coro de empresa”, mas mesmo assim incorrer-se-ia em erro, uma vez que a
mesma dinâmica ocorre nos coros terapêuticos, bem como em coros de algumas escolas ou
comunidades.164
Com efeito, a simples descrição dos coros observados neste trabalho não aponta
primeiro capítulo. Sob a ótica das nomenclaturas e definições mencionadas (número de vozes,
estilo de repertório, afiliação, idade e experiência dos cantores, por exemplo), os grupos ora
estudados se encaixariam com justeza em alguns desses rótulos. Porém, dos trabalhos em
questão, os pontos considerados nesse encaixe são apenas pequenas partes de um processo
mais amplo e intricado, o que torna fraca uma metodologia de análise baseada somente nas
pelo ponto de vista dos mundos artísticos, conforme sugerido por Becker, traz à baila detalhes
que podem mostrar com maior definição esse tipo de produção musical, uma vez que cria
espaço para uma descrição mais compreensiva da atividade dos coros observados por meio do
exame de questões específicas destes, que nem sempre são mencionadas na literatura da área.
No primeiro capítulo de Art Worlds Becker (1982) apresenta uma série de atividades
supostamente envolvidas num mundo artístico, entretanto sem listá-las como categorias: a
criação de idéia, sua execução, os meios de execução, tempo e dinheiro, atividades de apoio, a
desenvolvimento de certa obra de arte. Não obstante o fato de o texto de Becker enfocar com
maior freqüência as artes visuais, algumas dessas atividades, que irão intitular os capítulos de
sua obra, servirão como balizadores da presente descrição dos eventos observados nos coros
de empresa estudados, mas sem compromisso com a manutenção de sua ordem, ou mesmo de
A obra de arte, segundo Becker (1982:35) é fruto de um processo onde o artista trabalha
no centro de uma rede de colaboradores, todos eles influentes, em algum grau, no resultado
final do trabalho. É pressuposta, então, a existência de elos entre os membros desta rede,
dessa rede de colaborações num coro de uma empresa, de forma mais ou menos direta.
125
Primeiramente, alguém tem a idéia de se formar um coro naquela instituição. Nos coros
atividade coral em alguma outra empresa e apresentaram tal sugestão na sua própria
instituição. Apenas o Coral do SEBRAE/RJ teve o processo iniciado por iniciativa do diretor-
superintendente, que acabava de assumir o cargo após trabalhar na mesma função na sede da
Nas outras empresas estudadas, a idéia foi levada à gerência mais direta de quem a teve,
viabilizasse tal atividade. Neste aspecto, a FENASEG foi exceção, pois, por sua estrutura
hierárquica, a decisão pela implantação do projeto foi tomada pelo conselho administrativo da
empresa.
empresa é, então, designado para a execução dessas tarefas, bem como para a coordenação do
projeto uma vez iniciado. Este funcionário administra, também, questões relativas a
Coral da TV Globo foi lotado na área de Comunicação Interna da empresa, uma vez que seu
objetivo principal foi promover a integração entre os funcionários. Na SUBSEA7 o projeto foi
126
gerido pelo departamento de marketing, que procurava, naquele ano, tornar os talentos
artísticos de seus funcionários mais enfatizados dentro da própria empresa. A atividade coral
dessas empresas. Enquanto nesta última o objetivo foi sempre o de se criar um ambiente
específicas de suas funções e, ao mesmo tempo, entrar em contato com colegas com quem não
conviviam regularmente, no SEBRAE/RJ esse objetivo foi transformado ao longo dos oito
anos de duração do trabalho. Inicialmente ligado aos projetos de qualidade de vida, como um
viabilizada, entre outros, pela realização de cursos e palestras sobre questões relativas ao
funcionamento delas, tais como gestão, produtividade e recursos humanos. Nos quatro
educativo e eram associadas a esses eventos, oferecidos não somente para clientes, mas
limpeza, colocação de instrumentos etc. A realização de tal atividade pode ser realizada pelos
próprios cantores, mas também pode contar com pessoal específico para tal fim, que também
(apesar de, por vezes, os coordenadores também participarem dos coros como cantores). Há
uma concepção musical, que é moldada de acordo com a motivação da instituição que abraça
observados, este acompanhamento era realizado por um tecladista, mas outros instrumentistas
letrista. No caso de canções escritas para uma formação que não a do coro, um arranjador
adaptou a canção para aquela realidade. Na maior parte das vezes, os arranjos executados
pelos grupos pesquisados eram escritos pelo próprio regente ou pelos pianistas
se destinava. O arranjador era responsável, também, pela cópia do material, sempre impresso
por meio de programas de notação musical. Por se tratar de cantores inexperientes, que não
os coros observados neste trabalho, porém, essa era uma ferramenta utilizada somente pelo
empresa, para ser copiadas e ouvidas a qualquer momento.165 Os músicos técnicos que
participaram de tal gravação são, também, parte da rede de cooperações ora discutida.
Na análise das redes de cooperação são percebidas modificações que, com o passar do
tempo, ocorrem na própria estrutura de grupos corais Um exemplo delas é o fato de o regente
profissional que, até as últimas décadas do século XX, participava habitualmente dessa rede.
165
No início de cada semestre os regentes e a pianista gravavam, em estúdio, as peças que seriam executadas,
que eram colocadas à disposição dos coristas em cinco versões, sendo uma para cada voz e uma com
todas as vozes juntas.
128
Ainda colaboraram para tanto as maneiras diferentes pelas quais os coristas observados se
relacionam com a música notada, freqüentemente até abrindo mão dela. Por outro lado, as
uma função que não era relacionada à atividade coral anteriormente. Por fim, como
populares faz com que, nas oportunidades em que é utilizado acompanhamento além do
piano, seja comum a presença de músicos que geralmente não participam do repertório coral
igual à de outro. Uma particularidade do Coral da TV Globo, por exemplo, era um lanche
servido trinta minutos antes de cada ensaio. Tal prática, destituída de predicados artísticos e
que, por isso, tende a ser considerada menos importante que a própria produção desse grupo ‒
dificilmente seria um dado considerado numa análise que levasse em conta apenas o seu
aspecto musical ‒, acentuava o caráter integrador daquele trabalho, tornando-o ainda mais
afinado com os objetivos da empresa. Essa particularidade desse coro faz com que a pessoa
que semanalmente preparava e servia o lanche seja uma parte da referida rede de cooperações,
O público representa parte significativa desse mundo artístico. Quem compõe a platéia
das apresentações? Onde o coro costuma se apresentar, e com que freqüência? Como suas
apresentações são criticadas, por quem? Que opiniões são significativas para o coro? Qual a
fundamentação das críticas ao trabalho realizado? Qual a reputação dessa atividade, e perante
que público? Nas empresas observadas, a maior parte das apresentações se realizava
interessado nesse estilo particular de música. Na minoria das ocasiões onde o coro foi a única
129
atração, o público era formado por parentes e convidados dos próprios cantores, que também
trabalho apresentado eram orientadas por diversos fatores diferentes das observações técnicas
Todos são ligados a departamentos ou áreas de atividade pela qual recebem seu pagamento.
Dessa maneira, a maioria dos cantores necessita do consentimento de algum superior para que
possam participar das atividades do grupo, o que faz destes peças importantes na rede de
Seria possível entender esta rede de forma ainda mais alargada, o que envolveria
(1998:35), por exemplo, lista os responsáveis pelo transporte do público até o teatro em sua
descrição das atividades envolvidas num concerto orquestral. Porém, à medida em que se
inclui num determinado mundo artístico atividades muito distantes da produção artística
propriamente dita, o foco da análise se torna difuso. Assim, a marcação de um limite para a
rede ora estudada mostra-se conveniente, para que esta seja olhada de forma mais objetiva. De
fato, mesmo limitando a análise aos elementos da rede de cooperações citados acima, é clara a
diferença que estes mantêm entre si, quando analisados sob o ponto de vista de sua
proximidade com a atividade principal ali realizada. Que atividades no coro de empresa são
consideradas artísticas e quais delas são atividades de apoio? Tal questão organiza um mundo
artístico de forma hierárquica, que se constrói balizada por duas questões principais, sendo a
130
definição de quais atividades dentro da rede são consideradas artísticas, e por quem.
Como descrito anteriormente, canto coral não é a atividade principal nas instituições
acordo com as necessidades e com a cultura da mesma. No entanto, por mais variadas as
produção artística.
Numa rede de colaborações que produz determinada arte, algumas atividades são
consideradas mais importantes por serem artísticas e, conseqüentemente, mais essenciais que
outras, que são menos próximas da obra produzida por essa rede. Destarte, para balizar a
que, na presente discussão seguirá sugestão de Becker (1982:14), quando diz que tanto
166
Participants in the creation of art works, and members of society generally believe the making of art requires
special talents, gifts or abilities, which few have. Some have more than others and very few are gifted
enough to merit the honorific title of “artist”.
131
depende de quem tece tal consideração. Um cantor amador pode ser considerado “artista” por
alguns, mas na opinião de outros, não se encaixar nas características que definem um artista.
que descreve com clareza uma situação de produção artística. Um artista, fazendo uso de
determinados materiais (pincéis, tela e tinta, por exemplo) criou uma obra de arte, que é o
quadro. Consideremos, então, uma segunda situação: Um coro de cantores voluntários (sem
experiência, sem treinamento técnico algum, e formado sem qualquer tipo de testes) executou,
arranjo coral de uma canção originalmente escrita para voz e violão. Neste caso, quem é o
Ao contrário da primeira, esta questão parece provocar uma gama variada de respostas.
Nesta atividade, os coristas são os únicos participantes a produzir o som. São, também, os que
estão de frente para o ouvinte, com quem estabelecem a comunicação mais direta numa
apresentação. Mas esses cantores apóiam-se no discernimento do regente, cujas opiniões são
função de sua inexperiência, um cantor nem mesmo consegue, sozinho, analisar a qualidade
de sua produção vocal (o uso alargado que faz da terminologia “afinado”e “desafinado”
comprovam o fato). Pode ser até que sem a presença do regente à sua frente, um cantor fique
inseguro a ponto de parar de cantar. Sem o regente, então, faltaria uma organização aos sons
produzidos (ao menos a que foi treinada e ensaiada), organização essa que constitui um
elemento fundamental na própria definição dessa produção musical como uma atividade
artística. Mais ainda, um arranjo para coro da canção executada foi desenvolvido
(provavelmente escrito em alguma forma de notação musical) pelo próprio regente ou por
outra pessoa, com conhecimento musical suficiente para fazê-lo. No processo de confecção
132
desse arranjo pode ter havido uma participação mais ou menos marcante do arranjador,
identificável pela exatidão e fidelidade aos aspectos musicais originais da peça em oposição à
adição de suas próprias idéias. Este fato pode, também, ser um fator marcante para determinar
Seja qual for a compreensão acerca de que atividades podem ser consideradas artísticas
num coro de empresa, um processo de hierarquização toma lugar e pode ser observado entre
naipes, entre as vozes dos cantores individualmente e entre atividades consideradas artísticas
ou de apoio.167 Nesta pesquisa, a hierarquia entre naipes que foi percebida pode ser
demonstrada em comentários que remetem à distribuição de textos, bem como das melodias
de uma canção nos arranjos executados. Dois coristas do SEBRAE/RJ exemplificam o fato.
Uma cantora disse perceber que “a gente só canta coisas diferentes. Elas (as sopranos) é que
cantam a música mesmo, conforme está no disco”, sugerindo uma importância maior dos
naipes que detém as melodias das canções. Já um cantor do naipe de baixos reclamou da falta
de textos associados à sua voz em determinado arranjo: “Isso é muito chato. Não temos
indivíduos em função de suas habilidades musicais: “Nem tenho coragem de cantar este solo
depois que ela cantou”, disse uma corista da TV Globo. “Antes de entrar no ensaio procuro
ver se minha colega está lá. A voz dela é a que me dá segurança”, comentou outra cantora, do
SEBRAE/RJ. Mas as diferenças entre as funções de cada cantor naquela produção artística
167
O sociólogo Bernard Lehmann (1998) também descreve processos hierárquicos da produção musical coletiva,
através da observação de uma orquestra sinfônica. No artigo, menciona aspectos como a sala de
concertos, o posicionamento da orquestra, os instrumentos, os rituais envolvidos num concerto, os
procedimentos de ensaio e as tensões presentes na relação entre músicos e maestro.
133
são percebidas não somente durante os ensaios do coro, mas também no contexto maior da
Numa semana em que apresentava a empresa para os membros da diretoria que acabara
comentário: “Aqui está acontecendo o ensaio do coral, o único lugar na empresa onde um
colega aplaude o trabalho do outro, literalmente”. Este funcionário, que participou do grupo
somente por alguns meses, referia-se ao hábito ali desenvolvido de cantores aplaudirem os
colegas que iam sendo identificados como bons cantores, ou seja, que se destacavam numa
escala hierárquica baseada na qualidade das vozes, à medida que esta escala se formava. Tal
comentário também desvela esta outra faceta da hierarquia desenvolvida num grupo coral,
mencionada com freqüência pelos coordenadores dos projetos corais estudados, que é a
corporativo em que se dão. Indivíduos passam a ser reconhecidos também por competências
diferentes daquelas que utilizam no seu cotidiano, um fato que, conforme demonstrado em
conversas com esses coordenadores, pode aprimorar aspectos das relações humanas dentro da
instituição. Ainda outro depoimento, de uma cantora da SUBSEA7, reforça esta idéia: “Nunca
teria coragem de subir num palco sozinha, mas me sinto segura quando estou junto com o
grupo”.
misturam com questões musicais. Nos coros aqui pesquisados, a opção pela participação de
empresa, no qual a estrutura hierárquica cotidiana era desafiada por uma outra, calcada em
parâmetros diferentes.
Mais ainda, quando a questão da hierarquia era olhada por outro foco, o ideal de
igualdade e equilíbrio entre vozes e naipes da atividade coral fazia dela um ambiente em que
hierárquicas. Tal idéia, sobre a qual o debate se intensificou nos últimos anos, é chamada pelo
Estados Unidos, Hildegard Froelich (2007:75) menciona a ênfase dada por esta à prática
um modelo baseado em solistas e pequenos grupos. Comenta que tal fato promove “um
modelo de aprendizado que opera ‘de cima para baixo’, e que é, por sua própria natureza,
crítica e da criatividade pessoal, uma vez que o aluno é levado a atuar em conformidade com
o que lhe é imposto, fato que, ao invés de suavizar, acaba por cristalizar ainda mais as
relações de poder entre professores a alunos. Froelich apresenta tal idéia para debater sua
168
Represents a new mode of organizing that is neither market nor hierarchy: whereas hierarchies involve
relations of dependence and markets involve relations of independence, heterarchies involve relations of
interdependence. As the term suggests, heterarchies are characterized by minimal hierarchy and by
organizational heterogeneity.
169
A model of learning that operates from the “top down,” being, by its very nature, autocratic.
135
conexão com os ideais e valores que regem a educação musical em escolas norte-americanas,
numa discussão que excede ao tema desta tese. No entanto, sua observação é pertinente na
medida em que mostra o coro como uma situação social na qual se fazem presentes, ao
mesmo tempo, a estrutura hierárquica e a busca pelo equilíbrio sonoro. A professora Patricia
O regente é, então, posicionado à frente do coro, o que faz com que os cantores
possam vê-lo primordialmente, mas apenas perifericamente os outros cantores.
Toda a atenção e foco são direcionados verticalmente para o regente. Interações
horizontais que possam criar um “perigoso” senso de comunidade entre os cantores
são fortemente desencorajadas pelo regente, como se fossem uma distração do foco
no fazer musical, ou seja, do seu controle. Mas ainda, nas apresentações o regente
abertamente recebe crédito pelo trabalho do coro. Mesmo que o regente
pessoalmente não se sinta responsável pelo produto do trabalho do coro, é isso o
que a arquitetura e o discurso acerca de um concerto certamente sugerem.170
funcionário-cantor exercer ali uma função de caráter artístico, diferente de suas obrigações
diárias. Em três das empresas observadas era permitido ao funcionário acrescentar trinta
minutos ao seu horário de almoço nos dias de ensaio. Todas as empresas observadas se
responsabilizavam pelo transporte de cada corista até a sua residência após cada apresentação
realizada fora do local de trabalho. No caso do SEBRAE/RJ, um jantar ainda era oferecido
aos coristas quando as apresentações se davam após o horário de expediente normal. Tais
benefícios eram concedidos a partir da idéia de que a atividade coral, diferente das outras
desempenhadas naquela empresa, tinha caráter artístico, um fator capaz de criar distinção
170
The director is then positioned in front of the choir, so singers can see the director primarily and each other
peripherally. All attention and focus moves vertically toward the director. Horizontal interaction that
might create “dangerous” community among the singers is strongly discouraged by the director as a
distraction from the focus on music-making, that is, from the director’s control. Further, during
performances the director overtly accepts credit for the choir’s work. Even though the director may not
personally feel responsible for the choir’s product, the architecture and discourse surrounding concerts
certainly suggests it.
136
entre um funcionário que participava do coro e um outro, mesmo que esse trabalhasse no
empresa, exemplificou a situação: “Eu ajudo a carregar o teclado porque quero colaborar com
o coro, mas não tenho obrigação de fazer isso. Aqui sou cantor, e não ‘serviços gerais’”. Esse
coro, como descrito anteriormente, diferenciava-se dos outros grupos observados pela
freqüentemente fora da empresa, para públicos diversos, em horários que muitas vezes
aproveitando um benefício oferecido pela empresa ou se estava a serviço da mesma, fato que
Certa feita, um dos coros observados nesta pesquisa se apresentaria numa determinada
festividade, onde habitualmente não era permitida a presença de estagiários que fossem
menores de idade, situação de várias das cantoras, inclusive da principal solista daquele
programa. A gerência responsável pelos estagiários concedeu exceção a essa regra, mas
evento. Estas foram apoiadas pelos funcionários participantes do coro, que ampliaram a
discussão dentro da empresa, uma vez que o trabalho de todo o grupo poderia ser prejudicado
com a referida ausência. O caso, que por fim foi decidido a favor das estagiárias, ilustra uma
situação onde a hierarquia do coro e da instituição, mais do que se misturar, até mesmo
entraram em conflito.
137
O caráter artístico da atividade coral afeta até mesmo questões contratuais entre as
dias e horas trabalhadas, por exemplo, são especificadas de forma distinta de todas as outras
funções e cargos. A Lei 8.666, que regulamenta contratos nos órgãos da administração
(...)
Se outros coros fossem observados, é natural que pudessem ser verificadas atividades
diferentes das descritas acima, mesmo que esses grupos fossem coros de empresas. Como
não faz com que uma obra de arte deixe de existir, mas sim que a mesma exista de forma
diferente. Seria facilmente notada, também, a diferença entre as atividades listadas na análise
de um coro cujo funcionamento deu-se há duas, três ou mais décadas atrás. Entre os vários
fatores que vão se modificando com o tempo, estão o público do coro ‒ e seu gosto ‒, os
171
Lei 8666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o Art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui
normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
138
3.2.4 O regente
possível olhar seu trabalho nos coros objetos desta tese sob dois pontos de vista: sua posição
na rede de cooperações ‒ as funções que executa, bem como a maneira como lida com as
pertence, ressaltadas pela perspectiva sociológica que norteia esta observação ‒ e, por outro
lado, as questões musicais de seu trabalho, que são conseqüência da referida perspectiva
sociológica.
O regente dos coros observados desenvolve sua tarefa buscando equilibrar várias metas.
Procura atender aos interesses de seu coordenador direto, da direção da empresa em que
trabalha, dos cantores, que têm motivações as mais diversas ‒ pelo caráter voluntário de sua
regente tem sua próprias convicções musicais e artísticas, que muitas vezes são diferentes das
de todas as partes citadas acima. Ao mesmo tempo em que, para as empresas estudadas, o
coro era uma prática-satélite, o regente o entendia como sua atividade principal, afinal ele era
o seu único vínculo com a empresa. A condução de um grupo com objetivos tão variados
resulta numa função artística diferente daquela desempenhada pelo maestro, conforme idéia
solidificada a partir do século XIX, assim descrita pelo sociólogo Christopher Small
(1998:79):
Ele controla não somente o desenrolar do próprio concerto, mas também é visto
como o controlador dos músicos, uma figura autoritária à qual eles aparentemente
devem se submeter (...). Então, nele está investida a autoridade da interpretação,
um entendimento de que, como controlador das forças envolvidas na performance e
modelador da sonoridade geral (modelagem que é, obviamente, representada
cineticamente pelos movimentos de suas mãos e seu corpo), ele consente a re-
criação das intenções do compositor em nosso favor. Certamente não é
coincidência que a ascensão do regente como uma figura autoritária durante o
curso do século XIX foi acompanhada por mudanças nas práticas dos rituais de
concerto que, em muitos aspectos, parece ter sido projetada para destacar ainda
mais sua autoridade e sua mística.173
diferença entre a análise do título de uma profissão e as tarefas a ela relacionadas. Segundo
ele, determinado trabalho (no caso de seu estudo, a enfermagem) é realizado por um indivíduo
dentro de alguma organização, que o reconhece. O título que este indivíduo recebe, entretanto,
não indica necessariamente as tarefas que ele realiza dentro dessa organização. Assim, a
simples terminologia “regente coral” não basta para estabelecer uma compreensão dessa
172
His power over the performance and over the rehearsals that have preceded it appears all but absolute. His
authority comes from his control of the score lying open on the desk before him, which he alone among
the musicians sees and has the power to interpret. He is a larger-than-life, even heroic figure who, even
with his back to the audience, dominates them into stillness while with facial expressions and gestures of
his hands he imposes his will on the sophisticated and often bored or stressed professional musicians
before him, galvanizing them into life and guiding and shaping their performance.
173
Not only does he control the unfolding of the concert itself, but he is also seen as the controller of the
musicians, an authoritarian figure to whom they must apparently submit (…). Invested in him, therefore,
is also the authority of interpretation, an understanding that, as controller of the performance forces and
shaper of the overall sound (shaping that is, of course, kinetically represented by his hand and body
movements), he enables the recreation of the composer’s intentions on our behalf. It is surely no
coincidence that the rise of the conductor as an authoritarian figure over the course of the nineteenth
century was accompanied by changes in the practice of concert rituals that in many respects appear to
have been designed to enhance further his authority and mystique.
140
um regente num coro de empresas pode, então, revelar dados que passariam desapercebidos
caso esta profissão fosse relacionada somente ao título pela qual é identificada, como
apresentações, bem como a confecção e cópia dos arranjos que serão executados, na maioria
das vezes escritos especialmente para aquele grupo, prática que foi sendo desenvolvida nos
coros das empresas observadas em função das características vocais dos cantores destas. O
ensino de vozes separadas também faz parte de suas atribuições, muitas das vezes em horários
separados do ensaio coletivo. A ausência de habilidade de leitura musical por parte dos
coristas torna esta uma tarefa fundamental no processo. Nos grupos observados, mais que
simplesmente responsável pelo produto musical construído naquele coro, ao regente cabia
visita prévia aos locais de apresentação, quase sempre lugares que não reuniam condições
ideais para apresentações musicais. No Coral do SEBRAE/RJ, por causa do grande número de
como com as ligações elétricas para o mesmo (inclusive verificações de voltagem), além da
feiras e palcos montados em praça pública. Mesmo quando alguma dessas tarefas era
realizada por outras pessoas, a responsabilidade final sobre estas era do regente.
174
Bundle of tasks.
141
capela no século XVII ilustram aspectos da atividade do regente dos coros de empresa aqui
capela, Raynor descreve um pacote de funções como aquele relacionado acima ao regente dos
coros observados:
mesma forma que todos os demais funcionários, uma situação que difere da intenção
diversas outras atividades. Anteriores ao seu ideal estético estão os deveres para com seus
(...)
Nada mais do que isso se lhes pedia. Tinham eles um ligar reconhecido, inatacável
mas modesto no esquema da sociedade, satisfazendo gostos estabelecidos. O desejo
palaciano de música, desde o concerto grosso de inícios do século até a sinfonia e o
175
Blume (1970:108) lembra que, durante o século XIX a tarefa maior do artista era “proclamar a natureza
interior do homem, dar voz ao inexprimível (...) [O artista] é de tal forma comprometido com tal tarefa
que precisa se sacrificar, extinguir sua personalidade em sua obra. (...) [O artista] não fala por si próprio.
Algo transcendental, de outro mundo, universal fala por ele”.
142
concerto solo no final dele, satisfazia-se com graciosos clichês, dos quais
Alessandro Scarlatti escreveu mais de mil. (Raynor, 1981:337)
A situação do regente num coro de empresa pode ser ilustrada, também, pelos diferentes
relacionamentos que Haydn manteve com o segundo e terceiro de seus patrões na Corte de
Esterhazy, como mencionado pelos musicólogos Donald Grout e Claude Palisca (1988:587).
uma orquestra de vinte e quatro músicos (de grandes proporções para a época) e acompanhava
opinando sobre instrumentação, estilo e até mesmo interpretação. Para tanto, Haydn dispunha
de recursos humanos e estruturais abundantes, mas sofria forte controle por parte de seu
empregador, que não lhe permitia viagens ou mesmo a divulgação de sua obra (cujos direitos
de venda e promoção eram vedados ao compositor), condições que eram estabelecidas por
contrato. Nicolau Esterhazy foi sucedido por Joseph Nicolau II, que não mantinha a mesma
apreciação para com a produção artística em sua Corte, e que dispensou a orquestra logo no
início de seu mandato. Eventualmente o Príncipe recontratou Haydn, mesmo sem o interesse
em sua música demonstrado por seu antecessor, mas em função da importância que o fato de
ter o nome de Haydn (um dos compositores de maior renome na Europa ao final do século
XVIII) em sua folha de pagamento conferia à sua Corte. Nesse novo contrato, então, era
permitido ao compositor aceitar comissões para novas obras, divulgar sua produção (e receber
Mesmo em empresas onde a atividade coral tenha grande proporções e longa tradição
do trabalho faz parte do pacote de funções do regente. Nas empresas observadas nesta tese, as
decisões finais a respeito da existência e continuidade dos coros cabiam a pessoas em cargos
de direção que, na maior parte das vezes, não tinham experiência ou qualquer familiaridade
com a atividade coral. Nesse aspecto, a FENASEG foi exceção entre os grupos estudados,
pois o diretor administrativo da empresa, que geria a área à qual o coro era afiliado, era um
em encontros periódicos com o regente, discutia questões musicais acerca do trabalho coral,
A avaliação de resultados dos projetos corais estudados eram, via de regra, feitas pelos
coordenadores dos mesmos, juntamente com os gerentes das áreas em que trabalhavam. Ao
julgamento da adequação de um coro nos processos de uma determinada empresa é feito por
inviabilidade de um cálculo preciso dos benefícios que uma atividade coral traz a uma
empresa. Entretanto, é comum a criação de parâmetros que funcionem como marcadores para
não correspondam às questões pelas quais o próprio regente avalia seu trabalho artístico,
constitui uma parte importante do pacote de funções do regente ora estudado, de que depende
capacidade de motivar os cantores, afinal eles são as peças fundamentais de todo o trabalho
coral. O caráter voluntário dos cantores faz dessa motivação uma preocupação constante para
144
o regente, cuja atuação, nos coros observados neste tese, foi determinada por uma constante
atenção às opiniões e atitudes dos mesmos com relação a repertório, estilo vocal, locais para
3.2.5 Os cantores
exigida do regente dos coros observados, o mesmo não acontece com o trabalho dos músicos
que trabalham com ele na corte. Enquanto estes eram, em sua maioria profissionais e
contratados para aquela tarefa, os cantores dos coros de empresas são conscientes do caráter
mensagens eletrônicas entre os cantores, comentando aquela estréia. Após já ter enviado
algumas mensagens para aquele fórum, um dos cantores, jornalista, encerrou sua participação
dizendo ironicamente: “Pessoal, preciso ir trabalhar agora, afinal sou um cantor que de vez
em quando faz uma reportagem”. Este comentário ilustra a característica principal do cantor
profissional para quem o coro é uma atividade secundária, cuja atuação no grupo tem caráter
voluntário. Como mencionado anteriormente, esse corista também não tem necessariamente
treinamento musical ou vocal, além de uma relação muito tímida com a atividade coral no seu
dia-a-dia, mesmo como ouvinte. Numa grande parte das vezes, as referências a respeito de
música coral desses cantores vão sendo criadas a partir da sua experiência nos próprios coros
em que participam. Esse processo acontece contra um pano de fundo formado a partir das
informações musicais às quais são expostos cotidianamente, membros que são de uma
145
ocidental nas últimas décadas, bem como suas influências nas relações entre esses estilos. A
mais forte delas é provocada pela inovação tecnológica promovida pela indústria da música,
que tem grande impacto sobre a cultura do ocidente. Segundo o autor, muito mais que nos
ouvinte moderno, ainda segundo Meyer, tende a ser menos concentrado na audição da obra
musical, pois hoje é muito freqüente sua realização paralela a outras atividades. Exemplos
desse fato são, no ambiente doméstico, os aparelhos de som com controle remoto, os walk-
dispõe da capacidade (e a usa) de ouvir somente as partes que lhe interessam, em detrimento
da integralidade da obra musical (fato também mencionado por Meyer). É a prática que
176
Aaron Copland, compositor norte-americano de Fanfarre for the common man.
177
Muzak é o termo mais comumente utilizado para música que depende de baixos níveis de atenção. Refere-se à
música ambiente, também chamada, pejorativamente, de “música de elevador”. Curiosamente, o que se
percebe, no século XXI, como conseqüência da utilização da tecnologia, já era experimentado por Eric
Satie, em suas peças intituladas Musique d'ameublement (música de mobília), escritas de 1917 a 1923.
146
consumidor dessa música não é necessária a leitura do livro do começo ao fim, para a
facilidade de uso dos controles de “avançar” e “recuar” dos aparelhos de reprodução digital de
música também como responsáveis por esse evento. Rea comenta a grande irritação do
Segundo o maestro, tais projetos objetivam somente a satisfação rápida da lascívia dos
ouvintes.
Para Hennion (2001:4) é uma mudança nas condições e nos espaços de audição do
Se os espaços de audição modernos são muito diferentes dos que eram conhecidos
no passado, a diferença deve ser encontrada menos em modificações internas de
uma psicologia profunda ou nos principais contextos de significação musical do
que na série de novos meios e ocasiões de audição. É a transformação radical de
todos os materiais intermediários que verdadeiramente criou o espaço musical da
audição atual ‒ o que eu tenho chamado de produção do amador.179
de uma comunidade é causada também por elementos extrínsecos à música, mas de origem
de ouvir e consumir música (constatada também por Rea) não acontece de forma isolada, mas
de acordo com mudanças de crenças e atitudes na sociedade. Quando se pretende, por meio da
178
N’est pas nécessaire de “lire le livre” du début à la fin pour se procurer des sensations fortes.
179
If modern spaces of listening are very different from what was known in earlier times, the difference is to be
found less in an internal modification of the deep psychology or in that of the main social contexts of
musical signification than in the series of new means and occasions for listening. It is the radical
transformation of all its material intermediaries that has truly created the musical space of current
listening ‒ what I have called the production of the amateur.
147
arte, alcançar o público, e esse público pertence a uma sociedade regida por determinadas
características, então pelo menos alguns pontos em comum devem existir entre o produto
Meyer e Rea mencionam o estado de mudança constante e a maneira pela qual o ouvinte
faz uso de seu tempo como questões básicas da produção musical contemporânea. Não
obstante, Meyer (1994:328) sugere que tais questões não se limitam à música, ou mesmo a
qualquer tipo de arte, mas alimentam e são alimentados pela sociedade como um todo:
O princípio norteador dos trabalhos corais aqui observados advinha do fato de este ser
realizado por indivíduos imersos nas características aqui descritas, não só com relação a
referências musicais, mas também à sua situação enquanto funcionários de uma empresa
180
I do not mean to minimize the importance of economic and political conditions, of scientific or geographical
discoveries, of technological and medical innovations, in affecting the direction and speed of cultural
change. But save in exceptional circumstances, these changes do not, in my view, directly influence the
musical/stylistic choices made by members of the musical community. Instead, realms external to music
affect the history of music by changing the beliefs and attitudes – the cultural ideology – that establishes
the values and goals in terms of which composers and performers, patrons and audiences choose
particular musical means.
148
resultados cada vez mais rápidos são características provavelmente decorrentes de constantes
mudanças:
Hoje, quando se chega ao estado almejado, o mundo já mudou de novo, e mais uma
vez define-se um novo alvo. Essa revisão fundamental de um modelo relativamente
simples tem profundas conseqüências para as empresas e para os líderes gerenciais.
A sugestão implícita é que as organizações se encontram em constante estado de
transição. Não se trata de fenômeno pouco duradouro nem de algo a ser gerenciado
no processo de criação do novo status quo. A transição é o status quo, se isso é
possível. O chão está em constante movimento irregular sob nossos pés, e tudo
indica que não parará tão cedo.
Para essa geração a lógica linear (com começo, meio e fim) não tem mais
importância. Eles criam sua própria hierarquia na hora de receber informações;
pensam em hipertexto. Além disso, processos simples, com uma tarefa única, não
conseguem prender sua atenção. Eles preferem processos mais complexos, onde há
várias tarefas sendo executadas de forma paralela.
Chama atenção a motivação deste texto: descrever uma geração de novos profissionais
sensíveis em relação à geração anterior, numa discussão que parece transcender a dicotomia
deles justificavam sua participação no coro por pontos diferentes às questões artísticas ali
desenvolvidas, como se nota nas palavras de uma das cantoras do SEBRAE/RJ: “Vim para o
149
coro porque estava precisando de terapia, mas não tinha dinheiro para pagar um tratamento”.
A abordagem pouco controlada dos depoimentos recolhidos não permite, aqui, uma análise
apropriada dessas motivações pessoais, mas aponta uma lacuna a ser preenchida nas
investigações sobre o funcionamento dos coro de empresa no Brasil, uma vez que nenhum
Ao enfocar a rede de cooperações numa produção artística, Becker trata “as pessoas
definidas como artistas de forma não muito diferente de outros tipos de trabalhadores” (p.x),
uma vez que seu interesse maior está na identificação das formas pelas quais essa cooperação
ocorre. Assim, lhe é natural estabelecer comparações entre formas de arte que gozam de
diferentes níveis de reputação, como uma tira de quadrinhos de jornal e uma sinfonia de
ordem estética, como também não discute problemas de significado da arte produzida. Essa
postura, típica de uma observação de caráter sociológico, é contestada por muitos que
Movimento, sem sentido de frase, é o que Joe Flummerfelt chamou de “ritmo sem
consciência”. Música precisa ter tudo: ritmo, melodia e um conceito mental. Mas
muito do que acontece hoje em dia é realizado meio que sem consciência. Eu me
contorço quando penso que algumas coisas que vejo na televisão recebem o mesmo
nome de um moteto de Brahms – tudo é chamado de música. É preciso haver
termos diferentes para coisas como essas. (Wine, 2001:27)182
181
Hoje, passadas quase três décadas da publicação de Art Worlds, novas formas de produção artística surgiram,
enquanto outras passaram a gozar de reputação mais elevada, o que pode ser exemplificado pela atividade
de grafiteiros e DJ’s.
182
Movement, without feeling for the phrase, is what Joe Flummerfelt called “mindless rhythm”. Music has to
have everything: rhythm, melody and a mental concept. Too much today is sort of mindless. I cringe
150
ciosos por uma pesquisa que não esbarre em críticas de valor artístico, crêem ser impossível a
separação entre as situações sociais ocorridas numa produção de uma obra de arte e seu
conteúdo. Entre eles está Hennion (2008:36), que concentra o foco de sua pesquisa nas
Música, a intenção desta tese não é discutir a relação entre os processos de ordem social de
uma produção musical e seu significado.184 Todavia, nas observações realizadas pode-se notar
musical que, muitas vezes, caminham em mão contrária àquelas descritas nos manuais
analisados no primeiro capítulo. Tal fato acentua a importância da observação da música coral
por perspectivas diferentes daquelas tradicionalmente usadas para explicá-la, como aqui é
proposto.
Por mais que se procure formas alternativas para a descrição de uma atividade musical,
algum tipo de sistematização dos dados coletados se faz necessária para balizá-la, e esta passa
por parâmetros já conhecidos (e citados no primeiro capítulo). No caso deste estudo, tais
when I think that some of the things I see on television are of the same name as a Brahms motet - it’s all
called music. They ought to have different names for stuff like that.
183
What clearly sets this posture apart from aesthetic essentialism and from sociological reductionism is that, in
this position, the object matters a great deal – but an object seen now through the ‘feedbacks’ and
reactions it enables.
184
A discussão sobre o significado de uma música, bem como sua produção e recepção são o ponto central
também nos textos do sociólogo Peter Martin (2000) e do musicólogo Olle Edström (1997).
151
trabalho de um grupo coral seja bem sucedido. Relaciona, em seu texto, uma série de itens em
que essa adequação pode se dar, dentre os quais estão a vivência cultural e estética de seus
membros e o nível técnico do grupo. Descreve, ainda, possíveis problemas que podem
decorrer de uma escolha de repertório que estiver acima das possibilidades técnicas do grupo:
d) Falta de empenho por parte dos cantores em razão de um repertório que não
oferece qualquer tipo de desafio (repertório aquém das possibilidades do
grupo).
momentos históricos diferentes, o musicólogo Peter Szendy menciona uma prática comum na
de uma determinada montagem antes de escrever a ópera, às vezes antes até mesmo de
185
Musicology is in the business of defining musics, delimiting their internal patterns of coherence, and
identifying their relations with some sort of external order.
152
escolher o libreto. Tal prática fazia com que a música dos personagens fosse escrita
escolhidos. Szendy (2003:60-61) ilustra esta situação com uma carta escrita por um dos
compositores mais bem sucedidos nessa área, Gaetano Donizetti, a Mercadante, maestro
Corrige todas las faltas de mi partitura, vigila com buen ojo mi ópera, haz com ella
todo lo que consideres útil, em el sentido más amplio de la palabra: añade cosas a
la instrumentación, reinstrumenta, aligera la instrumentación, abrevia, alarga,
transpón, en resumen: conviértela en uma obra tuya.
O repertório dos quatro coros analisados era formado por canções populares brasileiras,
adaptadas especificamente para cada um deles, escolha que se deve à preocupação com o
contexto ao qual pertenciam os cantores. Tais canções eram quase sempre conhecidas
186
Common sense would say that in the establishment known as lyric theaters, the singers are there for the
operas; the fact is just the other way around ‒ the operas are there for the singers. A score must
continually be fitted, recast, patched up, lengthened, or shortened to put in into a state (and what a state!)
in which it can be performed by the artists by whom it is delivered. One singer finds his part too high,
another too low; this one has too much to sing, that one not enough. The tenor wants every phrase to end
with i, the baritone wants a.
153
previamente pelos cantores que, na maior parte, estavam iniciando sua experiência coral
naqueles grupos. Assim, a atividade coral se tornava mais próxima do contexto de seus
participantes, a partir do qual eram traçadas as linhas diretivas do trabalho realizado pelo
regente,187 questão que embasava a opção por determinadas escolhas de elementos musicais
nesse repertório.
elementos. As canções eram compreendidas pelos cantores com mais facilidade que outras
formas e faziam com que as peças fossem aprontadas mais rapidamente, o que era importante
nesses coros, tanto pela motivação dos participantes como pela possibilidade de marcação de
apresentações com pouca antecedência. A duração dessas canções, sempre em torno de três a
cinco minutos, convergia para o mesmo objetivo, bem como a ênfase na melodia e no texto, e
a fraseologia e métrica regulares. Mais ainda, eram cantadas em português (frases em inglês
eram utilizadas somente em citações de outras canções), o que tornava-as ainda mais
dos cantores com o trabalho coral, pois funcionava como mais um fator de inserção deste no
contexto das referências musicais daqueles. Uma discussão sobre o grau de naturalidade desse
sistema para o ouvido humano excede ao escopo deste trabalho, mas de fato notou-se que,
187
Apesar de não ter sido utilizado como referência teórica para os trabalhos observados, estes se aproximam de
idéias defendidas pelo educador Paulo Freire (1970), especialmente no que tange à importância da
realidade social do aluno como ponto de partida do processo de ensino e aprendizagem. Também um
comentário do compositor Ernani Aguiar, quando indagado sobre a linguagem de sua obra coral da
década de 70, em que experimentava efeitos sonoros e fonemas não-convencionais, mostra preocupação
semelhante: “Abandonei aquela estética porque quero que as pessoas ouçam minha música. Quero que o
público me compreenda” (informação verbal).
188
As exceções eram canções ambientadas em harmonia modal.
154
Frank Kuehn (2007:90), em artigo onde comenta idéias de Adorno, diz que
Tal padronização pode ser percebida nas referências do contexto musical que cercam os
(1994) ‒ , pelas maneiras de ouvir e compor no mundo contemporâneo, que, por sua vez, se
contorno melódico, tratadas de forma a fazer com que o ouvinte compreenda e responda
prontamente a elas. Segundo Meyer, trata-se de uma música de fácil compreensão, geralmente
de curta duração. Curiosamente, uma distinção semântica na língua inglesa ilustra bem este
canções populares no repertório de grupos corais em São Paulo e Buenos Aires, sugere que
189
O termo é utilizado por Eric Salzmann (1988) para descrever a harmonia tonal como um dos fatores
representativos da produção musical clássico-romântica.
155
o arranjo de música popular se encontra numa fronteira muito delicada, uma vez
que é originário de uma canção popular (massiva / produto da indústria cultural) e
ao mesmo tempo utiliza um meio de expressão erudito (alta cultura), o coral. Essa
fronteira, se por um lado oferece uma posição privilegiada de trabalho com duas
importantes vertentes da cultura, por outro lhe traz o problema de muitas vezes não
ser bem aceito em nenhuma das partes de sua origem.
e alta cultura)190, decorrentes da referida posição fronteiriça ocupada pelo arranjo. Entre os
argumentos levantados (e contestados) pelo autor junto aos que a rejeitam como forma
legítima de música coral estão a falta de inventividade na canção e de vocação para seu uso
criativo. Na base de tais argumentos, mesmo que não citada, está a utilização de maior ou
menor redundância em elementos de sintaxe específicos de uma peça, como a estrutura formal
3.3.1.2 Tessitura
especialmente pelo freqüente uso da região grave nas vozes femininas, que, de certa forma,
Ray Robinson e Alan Winold (1976:76), Oscar Zander (1979:177), Guilhermo Graetzer
(1949:6) e Nicolai Rimsky-Korsakov (1964:135)191. Com exceção deste último, que se dirige
190
Toda a terminologia utilizada por Fernandes foi mantida aqui para manter a fluência do texto. A discussão
sobre seu significado e pertinência fogem ao propósito desta tese. O assunto é debatido especialmente por
autores envolvidos com as novas tendências da pesquisa musicológica mencionadas no capítulo 2.
191
Optou-se pela exemplificação somente das tessituras indicadas para coros adultos, objeto exclusivo das
observações desta pesquisa. Pelo mesmo motivo, apesar de Rimsky-Korsakov utilizar tabelas separadas
para cantores solistas e cantores de coro, somente esta última foi utilizada na tabela.
156
a compositores, os livros representados no quadro foram escritos por regentes corais, que
apresentam em seus textos tabelas alternativas referentes a vozes infantis e juvenis. Cada um
desses autores, porém, trata de forma diferente as classificações vocais possíveis no coro
adulto, dividindo-o em quatro, seis ou oito vozes. Todos os autores marcam uma extensão
específica para cada voz, adicionando-lhes a possibilidade de uma expansão (marcada “exp.”
no quadro), ponto no qual a exceção é Zander, que, ao invés de utilizar-se desse expediente,
associa à sua demonstração informações a respeito da ressonância de cada voz (de peito, de
cabeça ou falsete). Essa inconsistência entre as maneiras pelas quais diferentes autores
abordam a questão, mostram que tessitura vocal não é matéria de fácil sistematização,
capítulo.
exp. extensão exp. exp. extensão exp. exp. extensão exp. exp. extensão exp.
dó
soprano sol 4 si 4 dó 3 fá 3 fá 4 dó 5 fá 3 lá 4 si b 4 sol 2 dó 4
3
mezzo lá 2 mi 4 sol 4 dó 3 fá 4 sol 4
mi
contralto 1 fá 2 dó 4 mi 4 sol 2 si 2 si 3 fá 4 lá 2 fá 4 mi 2 sol 2 lá 4
4
dó
contralto 2 fá 2 ré 4
4
dó
tenor 1 sol 3 lá 3 dó 2 fá 2 fá 3 lá 3 fá 2 lá 3 si b 3 lá 2 dó 4
2
tenor 2 dó 2 fá 3 fá# 3
sol mi b
barítono lá 1 mi 3 fá 3 ré 3
1 3
mi mi dó
baixo f'á 1 dó 3 ré 3 dó 1 si 1 si 2 mi 3 fá 1 ré 3 mi 1 sol 3
1 1 3
157
extensão foi a questão que determinou de forma mais marcante as escolhas de tessitura
utilizada nos arranjos interpretados pelos coros observados. Todos os autores mencionados
mostram uma tessitura maior que uma oitava para cada voz. Porém, a pouca experiência
vocal, bem como o contexto musical dos cantores observados, lhes conferia, na maior parte
das vezes, uma extensão mais curta que a oitava (muitos deles consideravam confortável uma
região ainda mais curta, contida em intervalos de quarta ou quinta apenas). Não seria possível
identificar, com base nos dados recolhidos durante esta pesquisa, as causas específicas desse
uma dessas causas a força exercida sobre os participantes do coro de empresa pelas
características estruturais da música produzida com objetivos mercadológicos (de que fala
Adorno). A propósito de um trecho onde a linha de sopranos orbitava em torno de lá3 e ré4 a
cantora disse: “Esse pedaço é esquisito. Parece ópera, ou música da igreja, ou música de
velho. Sei lá. Não é normal”. A afirmação é confusa. Os nomes utilizados para intitular tal
depoente não conhecia os estilos citados e, por isso, usa os termos de forma vaga. Mas o que
chama mais atenção é o conceito de naturalidade da voz cantada. Para ela, tal trecho soava
artificial pois só conseguia ser entoado na região de ressonância de cabeça, diferente de sua
voz falada. Mesmo que, por meio de exercícios, os cantores do coro pudessem experimentar
uma projeção sonora maior, a clareza e articulação do texto, que, no julgamento daquela
cantora, era uma fator fundamental para o sucesso daquela realização musical, se
prejudicavam. Tal questão foi levada às cantoras de dois outros coros observados, que
192
Silva Sobreira (2003) aborda o problema discutindo, separadamente, sua ocorrência com crianças e adultos.
158
musical desses cantores, a tendência dos arranjos era fazer com que as vozes soassem na
região que os cantores julgassem mais natural, baseados em seus próprios parâmetros.
prática de se escrever arranjos especificamente para cada um dos coros (em função do
freqüência aos ensaios dos coristas, bem como à sua impaciência com exercícios de técnica
vocal, outra razão pela qual a região central de cada tessitura era a mais explorada. A variação
motivada, muitas vezes, por questões institucionais, o que justificava esse encurtamento de
tessitura observada. Menos cantores significava menos volume, o que era em parte
coros desta tese com relação à tessitura vocal. Primeiramente ele considera as
individualidades verificadas entre cada cantor, o que implica em tessituras variadas, no que
diferem dos instrumentos, cuja tessitura é determinada unicamente pelas características de sua
construção. Mas, logo após, recomenda que o compositor escreva para vozes de maneira
igual, “sem se preocupar com as habilidades e defeitos individuais dos cantores”.193 Apesar de
cantores terem vozes diferentes, a questão que se mostrava mais importante nos coros
observados era a busca por uma tessitura média, comum à maior parte dos cantores. O
193
Without having to trouble himself as to the abilities or defects of individual singers.
159
igrejas inglesas, também mostra que essa busca é comum ao trabalho de muitos regentes na
Com relação aos arranjos modernos, acho que a maioria é de homens que têm
excelente cantores em seus coros; têm bons baixos, e escrevem partes de baixo
graves. Acho que se trata de um grande erro, pois o tipo de baixos que
normalmente temos em nossos coros não são particularmente bons no registro
grave.194
O Quadro 2 mostra essa tessitura média, que se mantinha dentro de uma oitava em todos
os naipes, com colchetes marcando as expansões que foram encontradas raramente, e que
momentos específicos.
contralto mi 2 fá 2 fá 3
tenor dó 2 dó 3 fá 3
194
With regard to modern arrangements, I find that the majority of arrangers are men who have excellent singers
in their choir; they have good basses, and they write low bass parts. I think that is a great mistake, because
the sort of basses we ordinarily get are not particularly good in the low register.
160
anteriormente, sentida mais intensamente pelas vozes femininas mais graves. Já a expansão
aguda dos tenores os fazia cantar na mesma região que as contraltos. Não raro, essas vozes
juntavam aos tenores, por motivos de equilíbrio de volume ou mesmo de efeito timbrístico,
uma vez que a tessitura era semelhante. Nos grupos que se dividiam em três naipes apenas,
dois femininos e um masculino, a tessitura média dos homens pouco se alterava com relação
ao Quadro 2. Nesses casos, a expansão grave dos baixos era suprimida e a dos tenores era
Winold trabalham com seis naipes diferentes, enquanto Zander e Rimsky-Korsakov com
apenas quatro). Assim, para a construção de tabelas como essas, o título referente a cada naipe
é o parâmetro utilizado para comparações. Por seu contexto e pelos nomes utilizados, as
extensões de tessitura vocal referentes aos coros observados não mostram os mesmos padrões
contralto, tenor e baixo) eram utilizadas, mas nos grupos da FENASEG e na SUBSEA7, coros
que tiveram suas atividades iniciadas posteriormente, os naipes eram numerados (grupos I, II,
III ou IV). Em ambos os casos, a falta de experiência vocal anterior dos cantores determinava
média das vozes. Por isso, mesmo nos coros onde eram utilizados nomes de naipes, isso
acontecia mais por razões simplesmente organizacionais que por características individuais de
timbre ou tessitura. Nesse sentido a utilização dos nomes dos naipes recobra idéias dos
161
primórdios da polifonia ocidental, onde termos eram associados às diferentes vozes de uma
polifonia mais por sua função ou posicionamento na textura que especificamente por sua
Além dos fatores mencionados acima, opções feitas quanto às extensões de tessitura
eram relacionadas, também, por questões relativas a textura e ao tratamento do texto cantado,
discutidos a seguir.
3.3.1.3. Textura
com mais freqüência, pois era compreendida pelos cantores de forma mais natural (a melodia
era mais claramente perceptível), e ainda contribuía para a proeminência do texto. A base
fornecida pelo acompanhamento instrumental reforçava essa escrita, uma vez que dava
liberdade aos naipes que estivessem com partes de acompanhando para fazê-lo sem a
de cada voz, fato que, como visto na página 132, relacionava-se proximamente com a própria
demonstravam maior dificuldade em sua execução. O fato de o texto estar sendo articulado ao
mesmo tempo por todas as vozes, ao passo em que facilitava seu aprendizado, criava um
obstáculo para a compreensão das relações intervalares. Nesses momentos de homofonia era
declarando não perceber que cantavam linhas diferentes das suas. Variações à melodia
195
O termo tenor (do latim, “tenére”, ou seja, aquele que mantém, que carrega) designava a voz que mantinha a
melodia principal (o cantus firmus); cuntrapunctus altus era o contraponto executado acima do tenor;
cuntrapunctus bassus representava o contraponto abaixo do tenor; e soprano, posteriormente utilizado
como o nome da voz mais aguda, pois localizava-se sobre todas as outras.
162
acompanhada aconteciam por meio de pequenas imitações polifônicas entre duas ou três
vozes, que traziam certa variedade ao discurso musical, como também contribuíam para o
do texto e da melodia principal. Também foram percebidas com freqüência texturas que se
relativamente curta em cada naipe também criava um ambiente sonoro polifônico ‒ conquanto
não-motívico ‒ que dava aos cantores a sensação de massa coral, como se nota no dizer de um
cantor do SEBRAE/RJ: “Parece que nosso coro cresce nesse pedaço. Fica um coralzão”. O
efeito produzido, ao mesmo tempo em que reforçava o caráter coletivo dessa produção vocal,
normalmente tinham acesso, como mencionado por Jon Pareles, crítico de música do jornal
The New York Times: “O video-clipe de música também acelerou a longa virada da música
popular da extensa melodia ao riff, ritmo e textura”. (apud Meyer, 1994:326) 196
textural dos arranjos. A tessitura encurtada dos arranjos, comentada anteriormente, tornava
muito próximas as alturas das melodias escritas e motivava o uso de acordes em posição
estreita, fato que provocava a presença de intervalos de segundas maiores com freqüência, que
tornavam-se habituais para os cantores. O fato de estes terem vozes brancas, em função da
rara experiência coral anterior,197 fazia com que o desenvolvimento dessa harmonia em
196
Music video has also accelerated pop´s long-term shift away from extended melody toward riffs, rhythm and
texture.
197
Nos grupos observados, durante os quatro anos de atividades apenas dois cantores se utilizavam de vibrato
regularmente, fato que provinha de sua experiência na participação em coros nas igrejas protestantes onde
congregavam. Segundo depoimento dos dois, tal efeito vocal era involuntário, pois não havia aulas
formais de canto nesses coros, mas “de tanto ouvir os outros a gente aprendia”.
163
considerados mais consonantes, como quintas justas e terças, que se mostravam mais difíceis,
pois os cantores muitas vezes cantavam esses intervalos julgando estar cantando a nota
A textura dos arranjos escritos para os coros observados também era determinada por
características acústicas dos locais de apresentação foi uma delas. A maior parte dos eventos
onde o coro tomava parte acontecia em ambientes que desfavoreciam as peças com grande
variação dinâmica. De maneira geral, mesmo nos locais onde havia equipamentos de
sonorização, suas especificações e os técnicos responsáveis por seu manuseio não eram
adequados para o trabalho com música coral, o que tornava praticamente nulo o seu efeito.
Assim, a responsabilidade de fazer com que um coro de vozes não-treinadas (e, muitas vezes,
de poucos cantores) produzisse uma quantidade de som suficiente nessas situações provocava
cuidados não somente com a tessitura, mas também com a textura dos arranjos escritos, cujas
linhas melódicas deveriam ser confortáveis para todos, além de propiciar uma projeção vocal
que potencializasse o volume daquelas vozes. Tal fato implicava, muitas vezes, na diminuição
trabalho (o coro iniciou suas atividades em junho de 2008, com o compromisso de realizar
grupo (15 vozes femininas e uma voz masculina), foram determinantes para a opção pela
larga utilização do uníssono nos arranjos. Contudo, mesmo que seja aparentemente uma
textura de fácil assimilação e reprodução por coristas inexperientes, pois todos aprendem a
cada voz, provocando a necessidade de eventuais aberturas em duas ou três partes. Curwen
É fato que nós não conseguimos fazer com que os ingleses cantem melodias. O
canto em uníssono, obviamente, não é adaptado à voz humana; o que é muito
confortável para um baixo pode ser extremamente desconfortável para um tenor, e
o que é confortável para um tenor é bem agudo para um baixo; e da mesma forma
com as vozes femininas, no que uma mulher pode cantar com grande facilidade,
uma mezzo-soprano encontra dificuldade.198
O problema ocorria também com a escrita canônica, na qual, além da tessitura, cantores
demonstravam dificuldade em cantar uma melodia juntamente com a audição de sua repetição
Mais que o cuidado com a textura, no que tange à combinação de linhas dentro de um
arranjo particular, a condução das vozes de acompanhamento era tratada com atenção
especial. Apesar de estarem em segundo plano, tais linhas precisavam ser lógicas e fluentes,
de modo a possibilitar uma certa facilidade de compreensão e emissão para os cantores, o que
em seqüência. Na verdade, a própria atividade coral naquela instituição poderia ter sua própria
intransponíveis. Uma melodia que oferecesse muitos obstáculos à sua execução tornaria essas
dificuldades aparentes de maneira mais imediata. Assim, nos arranjos analisados nesta
pesquisa a construção melódica era o elemento de textura mais priorizado, o que, associado às
cruzamentos entre linhas melódicas. Foi percebida, também, a utilização constante de trechos
198
It is a fact that we cannot get English people to sing melodies. Unison singing, of course, is not adapted for
the human voice; what is very comfortable for a bass is exceedingly uncomfortable for a tenor, and what
is comfortable for a tenor is rather high for a bass; and so with ladies' voices, what one lady can sing with
perfect ease, a mezzo-soprano voice finds a difficulty in.
165
com solistas, o que era facilitado pelo acompanhamento instrumental e, ao mesmo tempo,
arranjadas. O acompanhamento do teclado era utilizado também como meio para criar
variedade formal, por meio de mudanças na textura de sua execução, mesmo sendo escrito
O fato de a textura de uma determinada peça coral (ou conjunto de peças) ser
engendrada pela função que aquela música exerce no contexto social em que se insere pode
ser verificado também em outros momentos da história da música ocidental. A forma do hino
é um exemplo desse fato, pois tornou-se comum na música da igreja protestante por trazer em
sua estrutura características concordantes com o ideal da Reforma deflagrada por Lutero. Um
dos estilos mais marcantes de produção musical nessas igrejas é o canto congregacional, que,
elemento de dificuldade para os cantores dos coros analisados, fato que reforça a importância
de uma análise dos elementos organizacionais de um coro que seja contextualizada com a
situação social que o cerca, para a compreensão até mesmo das características de sua
musical coletiva (cantores voluntários e sem experiência, por exemplo) o momento histórico
“‒ Nós gostamos de cantar e adoramos participar do coro, mas essa música está
incomodando muito. Será que você pode fazer alguma para resolver esse problema?”. Essa
frase foi o início de uma conversa entre duas cantoras e o regente num dos coros observados.
Ocorria que uma determinada expressão contida numa das canções de alguma forma feria as
convicções religiosas dessas cantoras, que justificaram sua solicitação: “Não queremos cantar
Apesar de esta ter sido a única oportunidade nestas observações em que aconteceu uma
determinada peça, tal situação é relatada com freqüência em discussões entre regentes corais
brasileiros. A discussão oferece subsídios para abordagens que partem de diversas áreas,
como a Psicologia, a Sociologia, a Teologia a até mesmo o Direito. Nesta tese, entretanto, a
questão salienta a importância do texto na atividade coral, nesse caso até maior que os
O que incomodou aquelas cantoras, que consideraram até mesmo encerrar sua
significado que esta lhes comunicava. A conversa acima relatada foi surpreendente para o
regente, para a coordenadora do grupo e para o regente assistente, cientes que eram do
cuidado deste primeiro nas escolhas das letras, pois a equipe se reunia periodicamente e
iniciava a discussão sobre qualquer sugestão de novo repertório especialmente por seu
conteúdo textual.
A insistente preocupação com o texto foi a diretriz básica de todo o trabalho realizado
nos referidos coros. As letras eram ensinadas aos cantores levando-se em conta tanto seu
significado quanto sua dicção. O ensino de uma peça iniciava-se pela concepção de
167
articulação do texto. Desde o início das observações foi percebida uma dificuldade dos
ou pela utilização de sílabas diferentes) para somente depois colocar nelas a letra. Ao
memorização da peça.
de cabeça reforçava a prioridade com que o texto era tratado nos coros observados. Sua
compreensão pelos ouvintes e pelos próprios cantores era considerada por estes de
daquele repertório.
por meio de clareza textural, mas não se constituíam numa representação do significado do
menos como uma tentativa de “mover os afetos dos ouvintes”, à maneira do pensamento do
compositor barroco.
anteriormente. Para os cantores dos grupos observados, texto era sinônimo de status elevado,
execução desses dois elementos eram consideradas, dentro do grupo, como mais competentes
ou privilegiadas, sendo o inverso também verdadeiro. Desse modo, adaptações que tendem a
199
Word-painting é a expressão usada na literatura de língua inglesa.
168
tratar as vozes instrumentalmente (em sílabas como “tum tum tum” ou “lá lá lá”), bem como a
vozes de acompanhamento eram dotadas de texto que, por vezes, eram comentários sobre o
texto principal, mas não faziam parte deste. Vocalizações eram utilizadas esporadicamente,
somente para a obtenção de algum efeito especial, o mesmo acontecendo com imitações
propósito não era a inteligibilidade textual. A opção pela escrita melismática ou silábica
também se dava, nos arranjos, em virtude da clareza textual desejada naquele momento.
deveriam situar-se em tempos fortes e sílabas átonas em tempos fracos, uma lógica que muitas
vezes se mostrou desafiadora para os arranjadores, uma vez que as próprias canções utilizadas
não raro apresentavam sílabas tônicas em tempos fracos, e vice versa. Nesses casos,
adaptações eram feitas às melodias, em função da recitação mais natural possível dos textos.
David Blum (1977:50) intitula um dos capítulos de seu livro sobre Pablo Casals Dicção para
instrumentistas de cordas, o que denota a grande importância auferida pelo renomado maestro
a esse aspecto da produção musical. Segundo Casals, na articulação de qualquer discurso, seja
ele textual ou musical, o que mais importa não é o quão forte as palavras podem ser ditas, mas
sim a clareza do impacto causado pelas palavras mais importantes de um texto, conforme são
A utilização que os cantores faziam das partituras nos coros também era determinada
pela importância do texto. Alguns cantores referiam-se a essa partitura como “letra”,
provavelmente refletindo a única informação que, a princípio, poderiam deduzir do que estava
escrito. Outros, ainda, traziam as letras das canções em forma de poesia, para, então, aprendê-
169
las por imitação auditiva. Mesmo para aqueles que, com o passar do tempo, se familiarizavam
com alguns aspectos da notação musical e também para o regente e a pianista acompanhadora,
a importância do texto mencionada acima determinava uma relação flexível com a informação
escrita. Articulação, acentuação agógica, regularidade métrica e até mesmo figuras rítmicas
poderiam ser modificadas em função da recitação da letra, fato que provocava a utilização da
Dois fatores despontaram como norteadores dos aspectos textuais encontrados nas
dos fatores de identificação mais fortes entre cantores e ouvintes. Muitas vezes um grupo é
reconhecido pelas músicas que interpreta, ou até mesmo deriva seu nome delas, do período de
sua composição ou de seu estilo. Diferente dos grupos instrumentais, o texto desse repertório
tem uma participação significativa nessa identificação. Mais ainda, o caráter voluntário dos
coros observados intensifica a relação do texto com o corista. Nesses grupos não se impõe a
interpretação de uma determinada peça (e seu texto), como às vezes acontece com coros
profissionais. Ao contrário, o corista participa de uma apresentação por vontade própria. Por
isso muitos dos cantores observados, como revelado em alguns depoimentos, não entendem o
público, mas sim como se estivessem fazendo uma declaração de algo com o qual concordam.
Cantam aquele texto voluntariamente, e não o cantariam caso não concordassem com ele
O segundo fator é a funcionalidade com que esse texto é tratado, podendo modificar
qualquer outro aspecto da estrutura musical. Sob esta perspectiva, a é curioso texto de
questões acerca dos ensaios que antecederam uma performance do Requiem Alemão, de
170
funcionamento do coro e, na maioria das vezes, o maestro sugere modificações com relação a
apresentações dos grupos e, por isso, as individualidades de cada um deles eram levadas em
referências mais precisas eram provenientes, ao invés de manuais ou tratados sobre o assunto,
da prática dos participantes dos coros, que, cantando, expunham problemas e sugeriam
hinos utilizados nas igrejas protestantes, há mais de um século atrás, demonstra a questão com
exatidão:
Acho que poucos editores podem dizer, sentados em suas salas, ou até mesmo
tocando ao piano, em que aspectos um hino será bem sucedido. Há muito eu já
perdi as esperanças de decidir sobre este assunto. É como o antigo provérbio latino
– solvitur ambulando. É preciso colocar [o hino] na boca do povo, a ver como
responde ao ser utilizado. Não há outro teste.200
3.3.2 Regência
A violinista britânica Micaela Comberti201, em uma de suas visitas ao Brasil, relatou que
no ano anterior havia aceitado convite de uma universidade norte-americana para dirigir um
200
I think very few editors can tell, sitting in their room, or even playing it on the pianoforte, what will be the
success of a tune. I have long given up any hopes of being able to decide it. It is like the old Latin proverb
- solvitur ambulando. You must put it into the mouth of the people, and see if it answers when it is used.
There is no other test.
201
Durante a XIX Oficina de Música de Curitiba, em janeiro de 2001.
171
“to lead an orchestra”, foi compreendida por ela como se denotando uma atividade que lhe
era muito confortável: dirigir um concerto ao mesmo tempo em que toca seu instrumento,
procedimento comum em grupos que executam repertório barroco ou mesmo clássico. Depois
de longa viagem, ao chegar ao teatro da universidade para seu primeiro ensaio, a violinista
encontrou, já montados, um pódio e uma estante de regente, o que lhe causou grande
estranheza, pois percebeu que esperavam dela uma forma de liderança musical diferente da
maneira com a qual estava mais acostumada. Independente da forma, da posição do regente
diante do conjunto, ou mesmo da utilização ou não de um instrumento, vale ressaltar que sua
capacidade para a sua liderar a orquestra foi o elemento mais importante da atividade que
realizou.
cantores. Sua metodologia de trabalho foi determinada essencialmente pelos contextos em que
os grupos se inseriam, bem como pelo que os cantores demonstravam ser importante perceber
em sua liderança. Como na história acima relatada, a figura do regente à frente de seu grupo,
atuando por meio de gesticulações dos braços, guiando, assim, a interpretação de uma obra
musical, deve ser tratada apenas como uma entre diversas possibilidades de comunicação
Tal conduta (regente de pé, no pódio à frente da orquestra, utilizando ou não uma
batuta) se estabilizou na música ocidental somente a partir do início do século XIX por razões
outros períodos históricos uma gama variada de técnicas de regência, que têm em comum o
172
intuito prático de otimizar a comunicação do evento musical. A quironomia, por exemplo, que
sugere movimentos circulares do regente, é o método mais utilizado para a direção do canto
gregoriano, pois empresta mais valor ao contorno melódico e articulação do texto que à
mostram algumas figuras) para a manutenção do pulso, denominado tactus, serve como
referência para as várias linhas melódicas combinadas. No teatro francês do século XVII, sob
a direção de Jean Baptiste Lully (1632-1687), batidas de bengala no chão serviam como
referência rítmica, mostrando ainda uma tendência comum em algumas passagens da história
da música, de uma direção não-silenciosa. Em comum, essas práticas de regência têm a busca
pela representação mais exata possível dos elementos mais significativos dos respectivos
contextos musicais.
pesquisa, bem como percebida na maior parte dos coros atuantes na sociedade ocidental, é
considerar como padrão o modelo de atuação iniciado no século XIX citado acima, bem como
a utilização dos padrões gestuais como sua espinha dorsal. De forma geral, os desenhos desses
ocidental. Sua eficiência é confirmada não somente por sua utilização até os dias de hoje – há
quase dois séculos os mesmos gestos têm o mesmo significado – mas também por sua já
exemplo, é compreendido por grande parte dos músicos no mundo). Mesmo o aparecimento
maestrina Elizabeth Green (1987:18) – não subtraem a importância conferida aos padrões de
regência.
173
3.3.2.1 Gestual
que, para existir, pressupõe um código em comum entre as partes envolvidas. Ora, se o
principal resultado de toda essa atividade é uma mensagem auditiva que o grupo (sob a
liderança do regente) transmite ao seu ouvinte, a comunicação entre regente e coro deve ser
regência, situação decorrente de sua inexperiência na área. Para uma utilização funcional
desses padrões seria necessário seu ensino aos coristas, o que requereria tempo e,
principalmente, interesse destes, fato que entraria em conflito com o objetivo maior de sua
depoimentos (“vamos cantar” era uma expressão comumente usada pelos cantores quando
um momento do ensaio em que estivesse sendo realizada outra atividade que não as próprias
sem a necessidade de uma referência visual externa que explicasse os números de tempos e
compassos. Uma afirmação do compositor Richard Wagner reforça a idéia da importância dos
repertório sinfônico do século XIX: “A essência de todo o trabalho do regente está contida em
sua habilidade de indicar os tempi corretos. Sua escolha de tempi irá mostrar se ele realmente
entende ou não uma determinada obra.”202 Uma vez que o código dos padrões não era
compartilhado entre cantores e regente dos coros observados nesta tese, tornou-se importante
202
The whole duty of a conductor is comprised in his ability always to indicate the right tempi. His choice of
tempi will show whether he understands the piece or not.
174
relação muito mais intuitiva na comunicação entre regente e coro, baseada em fatores de
ordem prática, que iam se mostrando significativos conforme o cotidiano daquele trabalho ia
se desenrolando.
regência comentados, não foi sistematizada, ou seguiu algum tipo de manual ou normas
Ekman e Wallace Friesen (citados pelo regente Andrew Shultz, 1993:10) classificam em
cinco categorias os tipo de mensagem que podem ser compreendidas através de ações não-
verbais:
b) ilustradores: movimentos utilizados para reforçar uma idéia (Ex. apontar para
um objeto);
203
Nos últimos anos investigações acerca dos movimentos de regentes orquestrais têm incorporado, também,
meios de alta tecnologia, como no caso do projeto The Conductor´s Jacket, desenvolvido por Teresa
Marrin Nakra (2000) no Massachussetts Institute of Technology (MIT), que mapeia a atividade muscular
de um regente e suas conexões com o texto musical – e suas características interpretativas – através de
eletrodos instalados em sua casaca.
175
coral, pela própria natureza da liderança que exerce. O que causa espécie, porém, é o fato de
somente uma delas (os emblemas) ser relacionada ao padrões de regência citados acima. Os
observados nos coros se encaixavam em todas essas categorias, evidenciando outros aspectos
desenvolvidas pelo regente nos coros observados. Segundo o autor, “anafonia significa a
desenvolver esses conceitos, Tagg empresta um sentido que aparenta ser formulado, em
criadas (ou motivadas) por determinadas músicas e sonoridades. Tagg menciona as anafonias
tácteis como aquelas que têm conexão com diferentes texturas: “string pads podem produzir
efeitos de textura sônica homogênea, grossa, rica, viscosa...”.205 Já as anafonias cinéticas são
aquelas que se relacionam com o corpo humano no tempo e no espaço, mas que também
que fazemos para descrever objetos. “Até mesmo uma total quietude pode ser expressa pela
204
Anaphone means the use of existing models in the formation of (musical) sounds.
205
String pads can produce the effect of homogeneous, thick, rich, viscous sonic texture…
176
dançarino e coreógrafo húngaro Rudolf von Laban mostram alguns pontos em comum.
Laban entende que o “vocabulário de movimentos” do ser humano vai diminuindo com
o passar do tempo. Enquanto crianças, brincamos e nos movimentamos com muita freqüência,
vamos nos esquecendo de todos os outros (mas não os perdendo), os quais, apesar de
movimentos uma pessoa não mais se lembra, para, assim, revitalizá-los. Jordan menciona
diversas implicações diretas que as idéias de Laban podem ter sobre a construção do
“peso” e “tempo”, característicos dos esforços feitos para a realização de cada movimento.
Mostra, então, uma tabela onde movimentos são classificados207 de acordo com os aspectos
citados:
206
Even stillness can be expressed by kinetic anaphone through the very lack of explicit metronomic time in
relation to the regular beats of the heart, the regular periodicity of breathing etc.
207
Foram mantidos nessa ilustração os nomes das ações na língua inglesa por considerá-los, de certo modo,
palavras onomatopaicas.
177
sustentado (T)
indireto (E)
WRING pesado (P) torcer uma toalha
sustentado (T)
direto (E)
sustentado (T)
direto (E)
PRESS pesado (P) empurrar um carro
sustentado (T)
indireto (E)
FLICK leve (P) um peteleco
rápido (T)
indireto (E)
SLASH pesado (P) um saque (num jogo de tênis)
rápido (T)
direto (E)
DAB leve (P) digitação (em computador)
rápido (T)
direto (E)
PUNCH pesado (P) um soco
rápido (T)
178
No quadro acima (Jordan, 1996:34) aparecem entre parêntesis os aspectos aos quais se
referem as qualidades citadas em cada movimento (espaço, peso e tempo). Jordan faz menção
à utilização dessas idéias como uma maneira possível de desenvolver a expressividade gestual
importância nos modelos de ensino de regência baseados em padrões gestuais. “Ritmo é uma
chamamos de métrica”.208
pesquisas desenvolvidas por seus autores. Curiosamente, porém, gestos por vezes utilizados
num dos coros pesquisados não necessariamente se faziam entender por outro grupo. Mesmo
de um movimento do regente expressa o problema: “Por que tua mão está indo pra cima? O
que isso significa?”. Juntamente com um conjunto de gestos em comum dentre os grupos, um
Mesmo não sendo ligado à música coral, questões aparentes no trabalho do regente
liderança sobre um grupo musical. Num concerto da Itiberê Orquestra Família (transmitido
208
Rhythm is a manifestation of tension and release that provide points of reference that we commonly refer to
as meter.
179
pela TVE em meados de 2006), percebe-se não só a ausência de padrões gestuais freqüentes,
como também, em alguns momentos, a ausência total de gestos de direção. Muitas vezes o
som produzido aparenta ser a maior motivação dos movimentos do regente, como se este
dançasse com a música que ouve, reagindo a ela, ao invés de liderá-la. Em texto sobre
ressalta, entretanto, a liderança forte exercida pelo maestro. Entre as bases para tal estão
citadas a profunda admiração dos músicos pelo seu regente, os métodos meticulosos de ensaio
entrevista (Silva, 2001), “foi feito um pacto de sangue, um negócio muito sério. Se não for
regente ao grupo já estão bem codificadas. Entretanto, no caso de uma atuação à frente de
frente de um grupo que não o conhece, o regente precisaria recorrer a um código comum para
entendimento com sua orquestra se desenvolve no decorrer do tempo que passam juntos,
como observado com os coros nesta pesquisa. Porém, a expressão “pacto de sangue” sugere
uma relação mais forte entre os participantes e o próprio grupo do que aquela encontrada
O maestro inglês John Eliott Gardiner, numa frase relatada por Nakra (2000), faz
semântica da língua inglesa. Dessa forma, coloca em perspectiva o trabalho do regente, seja
dos coros observados, ou de qualquer outro tipo de grupamento musical. A linguagem gestual
3.3.2.2 Ensaio
técnicas específicas de ensaio coral, baseado em duas idéias principais: a conexão íntima entre
bem como a situação do coro no contexto da instituição. Dessa forma, um planejamento feito
reações dos cantores a questões acontecidas na instituição (sem qualquer relação com o coro)
209
The word ‘conductor’ is very significant because the idea of a current being actually passed from one sphere
to another, from one element to another is very important and very much part of the conductor´s skill and
craft. Entre os significados do termo “conductor” estão ‘regente” ou “maestro”, mas também um corpo
que conduz eletricidade.
210
While choral singing reaches the audience or congregation in the public performance, it is, in reality, in the
regular rehearsal that the choral experience finds its true identity; put more simply, the location of the
choral experience is the rehearsal.
181
eram criados com vistas às suas possibilidades práticas, e nem sempre se mostravam de
esporadicamente. A utilização de um âmbito estreito de tessitura nos arranjos permitia que tal
fato ocorresse utilizando-se o próprio repertório. A prática de exercícios vocais no início dos
ensaios fazia com que muitos cantores se desmotivassem. Comentários como “chego somente
na hora de cantar” eram comuns para justificar tal procedimento, o que encurtava mais ainda
escrito, mas sim cifrado, o que dava flexibilidade ao pianista flexibilidade para modificar
textura e mesmo substituir acordes (quando possível), atuando de acordo a com ambiente
harmônico, mas, de toda forma, não sendo utilizado para dobrar as melodias. Tal prática, ao
tonal que apoiava sua compreensão da forma musical dos arranjos. A utilização de falsete
pelo regente para o ensino das vozes femininas era comum em todos os grupos. Entretanto, tal
fato confundiu muitas cantoras (que ali iniciavam sua experiência em música vocal), no que
diz respeito à compreensão de alturas absolutas, o que ficou mais evidente nos últimos meses
das observações realizadas, quando o regente começou a abdicar do uso desse recurso.
Apesar da falta de conhecimento teórico dos cantores, partituras eram sempre utilizadas.
Mesmo que, a princípio, seu principal propósito fosse a leitura do texto das canções, com o
passar do tempo determinadas referências de altura, duração e relação com outras vozes
começavam a ser deduzidas (o que tornava as partituras ferramentas de utilidade maior para
uns que outros). O desenvolvimento de habilidades de leitura, porém, nunca foi considerado
182
um objetivo desses coros e, por isso, não era dedicado tempo algum de ensaios para esse
propósito.211
átonas e sua relação com a métrica da música colaboravam para sua inteligibilidade, uma das
características mais prezadas desse trabalho na opinião dos coristas e do público do coro, em
o contorno melódico e a acentuação do texto era facilitada pela prática de cantar caminhando
pela sala, onde o andar dos cantores tornava-se a referência para a compreensão do sentido
musical ocorria até mesmo pela disponibilidade de espaço, como na situação observada no
Coral da FENASEG, onde os cantores sentavam-se ao redor de uma mesa de reuniões, com o
mesa, dependendo do naipe que estivesse ensaiando, o que nunca permitia contato visual entre
o regente se retirava da frente do grupo, colocando-se ao lado (às vezes como um dos
cantores) e deixando que os coristas seguissem com a música sendo executada. Tal atitude era
211
Nos coros observados, o objetivo não era a realização de um processo de “educação musical”, onde a
linguagem musical é ensinada aos alunos, através do canto em grupo. Consoante com a políticas de
recursos humanos das empresas onde aconteciam, o trabalho dos coros eram direcionados à educação e ao
desenvolvimento de competências relativas ao desempenho profissional dos colaboradores da empresa,
tais como trabalho em equipe, liderança, comunicação e resolução de conflitos.
183
Ao se empreender uma análise como esta, são verificadas questões pertinentes aos coros
Assim, coros cujas atividade são consideradas muito divergentes pela música que produzem,
artísticos. Mas até mesmo processos semelhantes de ordem musical podem ser encontrados
nessa comparação, uma vez que, como verificado neste capítulo, estes também são
Um exemplo desse fato pode ser inferido de uma comparação entre os coros que foram
objeto da presente análise e o canto orfeônico, uma atividade que, dentre as manifestações de
música vocal coletiva pesquisadas na literatura coral brasileira, figura entre as mais
comentadas. Verifica-se, entre esses autores, uma polarização de opiniões a seu respeito. Por
um lado proferem-se loas ‒ até mesmo passionais ‒ que destacam sua importância cultural,
artística, educativa e cívica; por outro critica-se sua relação de permissividade com o poder
público, seu uso político, as circunstâncias pelas quais foi imposto às escolas, como também
suas marcas estético-musicais, tais como tipo de repertório, postura, práticas interpretativas e
época de sua vigência nas escolas, entre as décadas de 1930 e 1950, enquanto que as críticas
são desenvolvidas em textos escritos a partir do final da década de 1960, já com um relativo
Nestes últimos pode-se perceber o canto orfeônico sendo tratado como uma prática
musical que representa: (a) a antítese de uma atividade coral contextualizada com a sociedade
políticos de uma determinada era histórica brasileira (Chernavsky, 2003 e Unglaub, 2005) e
francesa (Fulcher, 1979); (c) uma realização musical extensiva a todos e não preocupada
unicamente com o aspecto técnico-musical ou com o talento de seus participantes. Nas três
entre o orfeão e os coros aqui observados, que representam uma parte da produção musical
brasileira da atualidade.
aluno estava condicionado, também, à sua atuação nessa matéria. A preocupação dos
processo são conseqüência dessa obrigatoriedade. Porém, ao mesmo tempo em que se pode
obrigar a participação de todos os alunos, não se pode esperar do grupo uma uniformidade no
que tange ao seu talento e desempenho musical. As habilidades para a realização artística são
equilíbrio nesse aspecto, ocorreria em casos dos orfeões selecionados, como o sugerido por
Barreto (1973:61-62):
cultura musical e educação geral mais completa. Será necessário muito critério na
organização desse orfeão, evitando provocar sentimento de inferioridade entre os
demais alunos, os quais deverão colaborar na seleção dos elementos do conjunto,
devidamente orientados pelo professor quanto à escolha. O mesmo se aplica aos
orfeões de operários e amadores.
Tal situação, apesar de mostrar um ponto de contraste entre o canto orfeônico e os coros
que pesquisamos, sugere, por outro lado, um aspecto de semelhança. Em nenhum coro de
faixa etária dos participantes é mais alargada que no contexto escolar, fato que colabora,
juntamente com a ausência de testes para selecionar cantores, para uma heterogeneidade ainda
mais aguda no que concerne à habilidade e ao gosto musical dos coristas, bem como aos
modelos e práticas vocais. Mas em ambos os casos o regente não escolhe seus cantores. Para
levar a termo seu trabalho à frente do coro, precisa compreender o contexto destes, bem como
realizar ajustes necessários nos processos de realização artística do grupo, visando à acomodar
cantores de diferentes níveis de habilidades musicais. Dentre estes ajustes estão as idéias
coesa à volta de um único dirigente, o funcionamento dos grupos corais aqui estudados
trabalha em horários noturnos, bem como mudam seus locais de atuação, seja em eventos
internos ou externos, para os quais são convocados geralmente sem qualquer antecedência. Os
funcionários do SEBRAE/RJ atuam em todo o Estado do Rio de Janeiro, fato que, muitas
vezes, os tira da rotina diária de sua sede. A empresa, além disso, mantém um setor de tele-
186
SUBSEA7 − a empresa atua globalmente na exploração submarina de petróleo − faz com que
internacionais, bem como trabalhem por algum tempo embarcados em seus navios.
entre esses grupos, onde os cantores não estão sempre à disposição do grupo, e o orfeão, onde
os alunos freqüentam a escola diariamente, quase sempre em horário fixo. Mesmo não sendo
grande o número de encontros semanais para ensaios ‒ três dos grupos realizam dois ensaios
de uma hora de duração por semana, sendo exceção o coro da TV Globo, com um ensaio
trabalho acima mencionadas. Estes cantores, por sua vez, salvo raríssimas exceções, também
não realizam atividade relacionada ao coro fora do período de ensaios (mesmo quando o
repertório é gravado em áudio para facilitar seu aprendizado, como uma alternativa à ausência
de habilidade em leitura musical por parte dos coristas). Tal fato isoladamente já
estudados. Soma-se a este, como fatores inibidores de sistemas disciplinares rígidos nesses
coros, uma das razões que sustentam o investimento feito por uma empresa na manutenção de
um trabalho de coro com seus funcionários, que é a presença do “componente de base humana
corporativo.
212
Olavo Ribeiro Filho, Gerente de Recursos Humanos do SEBRAE/RJ, em depoimento gravado no vídeo
institucional com o show do Coral SEBRAE no Espaço Constituição, em agosto de 2003.
187
ser considerado oposto aos ideais dos coros observados nesta tese, mostra questões em
comum com estes. Num dos textos mais antigos sobre o assunto, intitulado Coro‒Orfeão,
atividade, sugere dois pontos em comum entre canto orfeônico e os coros de empresa aqui
observados:
A disciplina que êle deve obter não será a de caráter externo, imposta por gritos ou
ameaças, mas aquela que nasça dos interêsses do grupo, integrados na
compreensão do objetivo comum a ser alcançado.
Para a autora, processos disciplinares não têm função se utilizados isoladamente, mas
servem como ferramenta que pode facilitar o cumprimento de metas comuns ao grupo.
qual se refere, guarda diferenças com aqueles que definem os objetivos dos coros observados,
mas a concepção de disciplina como meio e não como fim é comum aos dois estilos de
produção coral.
grupo, sendo este um fator fundamental na relação do regente com os coristas nas empresas
pela coordenação do projeto são fatores determinantes na maneira de o regente lidar com os
processos disciplinares, o que faz, também, com que o dia-a-dia de cada grupo coral de uma
Por vezes até mesmo interesses individuais e sugestões dos participantes recebem atenção
especial do regente, que, como verificado nos ensaios estudados nesta tese, molda o seu
que esta é uma discussão pertinente não somente na atividade coral, mas também na área da
Educação Musical de forma geral. A professora Ann C. Clemens (2008:2) lembra que tal
metodologia é
Mediante os textos consultados no decorrer desta pesquisa, torna-se difícil imaginar tal
valorização de interesses e habilidades dos alunos numa classe de canto orfeônico, ao passo
em que o conceito aparenta estar no cerne da atividade dos coros observados nas empresas,
orfeônico. Por outro lado, esses dois tipos de coro reúnem participantes que não foram
selecionados por sua habilidade musical ou vocal, o que implica em promover a manutenção
dos interesses de cantores de diversos níveis de competência musical num mesmo grupo.
Mesmo numa situação onde os alunos eram obrigados a participar da prática coral, o estímulo
213
Student centered learning. Lucy Green desenvolve a idéia em How popular musicians learn: a way ahead for
music education (2001). Em Music informal learning and the school: a new classroom pedagogy (2008),
Green sugere maneiras de sua aplicação prática em sala de aula.
214
Based on partnerships of students, shared responsibilities among student-centered groups, and
acknowledgement through respect and value of students’ pre-existing interests, abilities, and preferences
by the classroom teacher. In particular, student preference and knowledge become the primary starting
points from which students expand outwards into different musical styles, genres and cultures.
189
de seu interesse e sua motivação eram uma questão central do processo educativo, como já foi
mesmo texto (s/d), este autor procura identificar quais as razões para a mencionada
atividade:
Haverá coisa mais agradável para um jovem do que ouvir música no colégio? Não.
Acontece, porém, que se desperdiçou muito êsse interesse juvenil na imprópria e
obrigatória audição de cantatas de Bach! Alguma coisa comparar-se-á à satisfação
de quem canta em côro, quando a pessoa se sente uma peça do intricado mas
belíssimo efeito das harmonias sonoras? Não; mas o exagero e a inoportunidade do
canto gritado e fatigante por ser mal dosado e selecionado, levou a atual geração ‒
com sérios prejuízos para as gerações futuras ‒ à saturação orfeônica. Não será de
utilidade reconhecida pelos jovens a prática dos símbolos musicais quando feita
inteligente e gradativamente? Sim, e motivo de satisfação, podemos dizer mais;
mas a memorização obrigatória do quadro geral de valores, sem razão plausível
para justificá-la, levou a um fastio desolador. (D’Assumpção, s/d:43)
de ensaios no universo social e cultural do aluno, uma idéia que foi verificada no decorrer
(Barreto, 1938) e à educação musical (Clemens, 2008). É significante, nesse parágrafo, o fato
de o autor não associar à referida contextualização qualquer mudança nos valores ou nos
objetivos propostos, mas sim à uma adaptação de procedimentos e técnicas utilizadas para
alcançá-los. Mais ainda, chama atenção a forma pela qual o autor trata o ensino da notação
musical, que considera importante somente se concebido como ferramenta de trabalho, e não
comentar uma atividade realizada há pelo menos quatro décadas, discussões a esse respeito
Por fim, a aproximação entre os dois estilos de música coral acontece em função de
atividades, de uma produção musical coletiva como meio de realização de objetivos não-
importância da produção musical mediante aos objetivos a ser alcançados por meio dela:
atividade de definição complexa. Por se tratar de uma das formas de realização musical mais
mesmo limitando-se as observações exclusivamente a esta cultura. É uma atividade que não
Diferentes grupos a realizam com objetivos os mais variados. Também são distintas as
funções dos que tomam parte em diferentes coros. Pela naturalidade de seu principal meio, a
voz humana, a música coral demonstra certa facilidade de adaptação a lugares e situações
diferentes. Ocorre em ambientes que lhe impõe regras rígidas, mas também em outros onde
poucas convenções são determinadas previamente. Mais ainda, em sua prática o problema da
imprecisão da representação gráfica do evento sonoro, conforme discutido por Cook (2003),
torna-se ainda mais grave, em função da relação próxima que se estabelece entre música e
letra, que torna incompleta sua observação por meio exclusivo da notação musical.
Por essas questões, a descrição pormenorizada dessa atividade parece uma empreitada
de difícil realização, assim como o desenvolvimento de uma teoria que auxilie a compreensão
dessa produção musical de forma geral. Outrossim, seria natural supor que uma música com
variadas, motivadas por diferentes interesses, um fato que, conforme verificado no Capítulo 2,
é comum nas análises de outras produções musicais realizadas a partir das últimas décadas do
século XX. Não obstante, as técnicas utilizadas para sua observação e análise, na maior parte
O’Toole (2005:1) é uma das poucas autoras a comentar esse problema que acomete a análise
da arte coral, que chama de “normalização”, ou seja, a solidificação do senso comum de uma
O senso comum ao qual se refere O’Toole também é notado por Small (1998:5), que
partir da Renascença e cristalizada no século XIX, baseada na noção de um grupo que produz
um som unificado com o propósito de ser apreciado apenas por meio da audição (outros
sentidos, como a visão, também poderiam ser incluídos nesse conceito) e não da participação.
Por conseqüência, duas idéias surgem como sustentadoras dessa atividade musical: a
Small sugere, ainda, outras questões decorrentes dessa percepção oitocentista do fazer
sistema de comunicação de mão única; nenhuma performance pode ser melhor que a obra em
A opção aqui apresentada, da observação de uma atividade coral sob a ótica dos mundos
artísticos, com base nas idéias de Becker, revelou aspectos dessa produção musical diferentes
dos que compõe o senso comum mencionado por O’Toole. A necessidade logo sentida de
desenvolvimento da música coral torna este tipo de análise viável somente se esta é
direcionada a um segmento específico dentro do que normalmente é definido por canto coral.
afastaram os processos de trabalho dos coros estudados das características mencionadas por
O’Toole.
193
do cantor, suas características vocais, sua capacidade técnica e mesmo seu gosto musical, na
escolha das canções e na confecção dos arranjos. Também o desenvolvimento dos ensaios é
pensado de forma a motivá-lo. A percepção do canto coral como uma atividade-satélite nas
empresas reforça essa necessidade de contextualização, que determina até mesmo questões de
ordem musical. Com isso, torna-se importante a flexibilidade do regente para adaptar-se a
eventos não planejados, uma vez que o objetivo principal da atividade de um coro de empresa
estruturais no repertório, seja na melodia, textura ou na própria forma das canções, além de
acomodações nos procedimentos de ensaio bem como na maneira como esse regente
O olhar de cunho sociológico suprime a prioridade dada pela análise musical aos gênios
criadores e sua obras-primas, ao passo em que coloca mais importância nos processos de seu
desenvolvimento. Por isso, é por esse olhar que se revela um dos aspectos mais significativos
desse trabalho coral, originário do fato de este ter poucos elementos escritos em partitura.
Mesmo as informações que são impressas podem ser modificadas durante o processo de
ensaios, inclusive por sugestão dos cantores, fato que torna a obra musical menos importante
que a própria performance dos cantores. Nos casos estudados não se ajustava o coro para
conseguir interpretar uma peça, mas ajustava-se a peça para caber nas particularidades
incrementava a dependência do grupo nos seus componentes. Era muito difícil a substituição
de um cantor quando este não podia participar de uma apresentação, fato que ocorria com
certa regularidade em função da agenda de atividades profissionais dos coristas. Nas duas
194
ocasiões onde cantores foram contratados para cobrir a falta de algum componente do coro
em compromisso já marcado, esta dificuldade logo se tornou aparente. Uma vez que a
interpretação de cada canção foi montada durante o processo de ensaios, dos quais esse
substituto não participou, por mais conhecimento que ele tivesse de notação musical, não
escrito. Mais ainda, esse modo de trabalho exigia dos instrumentistas que acompanhavam os
básica para a escolha destes músicos era sua experiência prévia na prática da música popular,
No conjunto das particularidades desses coros levantadas nesta tese estão a participação
voluntária dos cantores, o fato de esta atividade ser secundária na instituição onde acontece, a
consciência de que seus objetivos principais não são de ordem estética, e a realização de
momento de ensaio é onde o cantor participa ativamente na criação de uma música coletiva,
acerta e erra, e conhece seus colegas de trabalho por uma perspectiva diferente daquela
oferecida pela convivência profissional. Mais ainda, é um momento onde esse cantor aprecia,
cantando, canções que já admirava como ouvinte, ao mesmo tempo em que incrementa a
maneira como as escuta, ao tomar parte na execução de um arranjo dela. Assim, a fronteira
que delimita a atuação do artista e do público ‒ o processo de mão única sugerido por Small
(1998:6) ‒, sobre o qual muitos sociólogos constroem sua análise do fato musical (baseada
195
nas ações de produção, distribuição e consumo),215 torna-se esmaecida nesses coros, fato que
constitui um elemento diferenciador entre essa produção coral e o modelo citado acima nas
palavras de O’Toole. Os cantores dos grupos observados eram, ao mesmo tempo, também a
Usando um outro termo de Small, o “ritual” daquela atividade artística como um todo
era mais significativo que o seu produto final, o que não quer dizer, porém, que a realização
de apresentações era desvalorizada por regente e cantores. Eram parte do ritual, assim como
apresentação é marcada a gente sabe que tem que preparar tudo até lá. Tem um alvo claro”.
música e platéia era perceptível ‒ quando a apresentação ocorria num palco isso era ainda
mais evidente ‒, mas ainda assim notava-se uma interação entre eles, fruto de uma série de
códigos de comunicação entre regente e coro, que foram criados em conjunto com os cantores
e, por isso, poderiam ser mais compreensíveis também para o público; o fato de o repertório
ter sido formado por canções previamente conhecidas por parte do público; e pelos freqüentes
215
Hennion (2001:5) identifica no surgimento de um “ouvinte transformado em consumidor” (listener turned
costumer) uma das maiores inovações musicais do século XX, o que, a princípio, reforça a idéia de
música como algo produzido por alguns para o consumo de outros. Porém, ao invés de corroborar a idéia
do “sistema de comunicação de mão única” sugerida por Small, descreve a audição como um processo
ativo, o que coloca o foco de sua pesquisa no que chama de “mediações” entre a produção e a audição
musicais.
196
Small (1998:82) localiza a origem da referida separação entre o músico e a platéia, que
exatamente na música coral religiosa da Renascença, executada por “um grupo unificado que
produzia um som uniforme e equilibrado, cujas performances deveriam ser ouvidas de fora,
onde a função da linguagem musical não é de origem estética, mas sim de apoio a
distanciamento entre músico e ouvinte. Foi também no ambiente da música religiosa que
ocorreu, com a Reforma Protestante, um processo que provocou sua reaproximação, por meio
liturgia.
A investigação realizada nesta tese iniciou-se com a busca pela definição mais
elementar possível da atividade coral, razão pela qual primeiramente foram consultados
dicionários de língua portuguesa. A busca foi então se tornando mais abrangente, abarcando
dicionários de música e a literatura específica da área coral. Nesse processo foi observado um
mesmo contemplando algum aspecto dessa produção musical, desconsideravam outros tantos,
fato que se tornou mais complexo por tratar da grande variedade de idéias e desenvolvimentos
possíveis da música coral contemporânea. A partir daí foram procurados modelos alternativos
de análise musical, já comuns em outras áreas, mas ainda pouco freqüentes nas pesquisas e na
vislumbrou-se uma perspectiva pela qual o coro pudesse ser observado de modo a ressaltar
216
An unified group that produced an unified, blended sound, whose performances were intended to be listened
to from outside rather to be participated in.
197
elementos em sua estrutura (em algumas situações até mesmo detalhadamente) que não são
percebidos por meio dos sistemas e classificações verificados no primeiro capítulo. Tal
atividade de quatro coros de empresas do Estado do Rio de Janeiro, realizada pelo método da
observação participante.
contemplou a busca por uma unidade de definição que originou a presente investigação. Não
se encontrou uma resposta única para a primeira pergunta deste texto: “Há um estilo coral?”.
diferenças de funcionamento entre eles, tanto no aspecto musical quanto no estrutural, o que
sugere uma dificuldade cada vez maior para a realização de projetos que visem ao
Todavia, foram notadas questões que engendram um elemento comum entre esses
coros: a noção de música não como um produto a ser executado e ouvido por uma platéia,
mas uma atividade realizada em conjunto que tem como conseqüência a realização de
apresentações. A obra não é o foco principal, mas sim o processo de sua realização. Tal idéia
se aproxima do conceito que Small chama de musicking, um verbo que, no sentido utilizado
por ele, não teria tradução para o português217. Relaciona-se com o fazer musical e com todas
as atividades a ele relacionadas, sem que se esteja preso a qualquer tradição de performance,
escola ou cultura. É um termo que indica o ato de se fazer música. Para Small (1998:9), trata-
se de “tomar parte, em qualquer função, numa performance musical, seja atuando, seja
217
Sua tradução literal, “musicar”, significa “pôr música”, segundo o Dicionário Aurélio.
198
ouvindo, seja ensaiando ou estudando, seja provendo material para uma performance
(compondo), ou dançando”.218
orfeônica, desenvolvida no terceiro capítulo, mostra que os aspectos desses coros apurados na
presente análise não constituem novidade, uma impressão que seria reforçada caso tal
utilização de conceitos por meio dos quais se pudesse produzir uma música que alcançasse os
objetivos específicos daqueles grupos. Assim, não se deve entender o funcionamento dos
mesmo de coros de empresa no Estado do Rio de Janeiro. A música coral inspirada em tais
conceitos constitui apenas um estilo entre muitos outros. Quiçá seja exatamente essa
situações, o que mantém o canto coletivo ainda tão vivo nas diferentes sociedades, mesmo se
218
Take part, in any capacity, in a musical performance, whether by performing, by listening, by rehearsing or
practicing, by providing material for performance (what is called composing), or by dancing.
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