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Estudos de Edward Sapir

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARABA

CAMPUS III GUARABIRA


CENTRO DE HUMANIDADES
CURSO DE GRADUAO EM LETRAS

ANTONIO TRAJANO DE LIRA JNIOR

A NATUREZA CULTURAL DA LINGUAGEM: Edward Sapir e sua


doutrina lingustica
GUARABIRA PB
2013

ANTONIO TRAJANO DE LIRA JUNIOR

A NATUREZA CULTURAL DA LINGUAGEM: Edward Sapir e


sua doutrina lingustica

Artigo apresentado como trabalho de


Concluso de Curso apresentado ao
Curso de Graduao em Letras da
Universidade Estadual da Paraba, em
cumprimento exigncia para obteno
do grau de licenciado em Letras.

Orientadora: Profa. Doutora Edilma de


Lucena Catanduba

GUARABIRA PB
2013
FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA SETORIAL DE
GUARABIRA/UEPB
L322n Lira Junior, Antnio Trajano de

A natureza cultural da linguagem: Edward Sapir e sua


doutrina lingustica / Antnio Trajano de Lira. - Guarabira:
UEPB, 2013.

17f.
Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em
Letras) Universidade Estadual da Paraba.

Orientao Prof. Edilma de Lucena Catanduba


.
1. Lingustica 2. Linguagem aspectos culturais
3. Edward Sapir I. Ttulo.
22.ed. CDD 410
5

A NATUREZA CULTURAL DA LINGUAGEM: Edward Sapir e


sua doutrina lingustica
LIRA JNIOR, Antonio Trajano de1

RESUMO

Edward Sapir, discpulo de Franz Boas e um dos linguistas mais importantes do


sculo XX, foi um dos grandes pensadores da lngua/linguagem e um dos
responsveis por uma mudana doutrinria no estudo das lnguas indgenas da
Amrica do Norte, de uma abordagem histrico-comparativa para uma abordagem
descritiva da estrutura das lnguas. Para Sapir a lngua/linguagem se configura como
uma das maiores conquistas culturais da humanidade. Neste trabalho, apresentamos
um pouco da vida e algumas das ideias mais significativas deste importante linguista e
fillogo estadunidense, tendo como foco o seu livro A Linguagem, introduo ao
estudo da fala, sua obra mais importante.

PALAVRAS-CHAVE: Lingustica. Linguagem. Cultura. Sapir

INTRODUO

O presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas das ideias mais
importantes de um dos maiores linguistas do sculo XX, na obra A Linguagem,
introduo ao estudo da fala, de Edward Sapir, livro que foi publicado pela primeira
vez em 1921 e que ainda faz eco nos dias de hoje.
Edward Sapir, antroplogo e linguista discpulo de Franz Boas, um dos
maiores expoentes da Antropologia Cultural, e outros estudiosos de sua gerao
foram os responsveis pelo que hoje se costuma designar Padro Clssico das
Cincias Sociais. Este modelo funciona como ponto de partida para a anlise de
diversos fenmenos humanos, inclusive a linguagem, sob um ponto de vista cultural,
relegando em grande parte a influncia biolgica no comportamento dos indivduos.
Dada a relevncia de suas ideias e a importncia da obra de Sapir para a
cincia da linguagem, neste trabalho procuramos examinar os principais argumentos
e hipteses do linguista e antroplogo no livro A Linguagem, introduo ao estudo

1
Graduando em Letras pela Universidade Estadual da Paraba. Email: antoniolira1985@hotmail.com
6

da fala tomando como focos principais o primeiro captulo do livro (Parte Introdutria:
linguagem e sua definio) e o dcimo captulo da obra (Lngua, Raa e Cultura)
ambos de suma importncia para a exposio terica defendida por Sapir em toda a
sua obra. Ser tambm utilizado o suporte terico de um dos maiores pesquisadores
e linguistas que o Brasil j teve: o fillogo e linguista brasileiro Mattoso Cmara Jr.,
tradutor da obra de Edward Sapir para o portugus e que muito enriqueceu sua
traduo com o apndice Um Sculo de Estudos Lingsticos nos Estados Unidos
da Amrica (1860 1960).
Procuramos apresentar um pouco da vida, influncias, obra e caractersticas
da doutrina lingustica de Edward Sapir que influenciou e contribuiu na reformulao
da lingustica dos Estados Unidos da Amrica de uma abordagem historicista e
comparatista das lnguas indgenas norte-americanas para uma abordagem
descritiva da estrutura lingustica.

EDWARD SAPIR: UM POUCO DE SUA HISTRIA

Edward Sapir nasceu em Luxemburgo, antiga Prssia, em 1884, mas foi nos
Estados Unidos da Amrica - para onde emigrou com a famlia ainda na infncia,
aos 5 anos de idade - que encontrou notoriedade, tornando-se, nas palavras de
Mattoso Cmara uma autntica expresso da cultura norte-americana (CMARA
JR, 1971, p. 7). Graduou-se em filologia germnica pela Universidade de Colmbia e
era a um tempo antroplogo, lingista de campo e indo-europeista (CMARA JR,
1971, p. 9). Sua obra encontra-se espalhada em seus vrios artigos, monografias e
conferncias, que versam sobre as lnguas indgenas dos Estados Unidos da
Amrica e do Canad, alm de outros assuntos aparentemente menos afins, tais
como cultura, arte e msica, e at mesmo de matrias que versam sobre a prpria
lingustica enquanto cincia. A amplitude de suas reflexes revela, assim, um
cientista e pesquisador preocupado com as bases, princpios e metodologias de uma
disciplina que passava por uma fase de grande ebulio em sua poca e desde
ento no parou de crescer em importncia para se tornar uma das cincias mais
prolficas das humanidades no sculo XX.
Sapir chegou a ser nomeado chefe da Diviso de Antropologia do Museu
Nacional do Canad em 1910 e inaugurou em 1925, na Universidade de Chicago, o
7

ensino da lingustica geral, indo posteriormente integrar o corpo docente da


Universidade de Yale. Faleceu em 1939, aos 56 anos de idade. Sua obra
considerada mais importante A Linguagem: introduo ao estudo da fala. Este
livro, publicado pela primeira vez em 1921, embora prometesse ser apenas uma
espcie de livro de divulgao cientfica, tomou grande importncia pelo modo como
Sapir se posiciona de forma clara e objetiva, evitando ao mximo a linguagem
tcnica, e pelo carter inovador de suas abordagens.

EDWARD SAPIR E FRANZ BOAS: UM DILOGO FUNDAMENTAL

Uma figura da maior importncia, no s na vida de Sapir, mas tambm para


a Etnologia, Antropologia e Lingustica Norte Americana na primeira metade do
sculo XX, foi, sem dvida, Franz Boas. Nas palavras de Mattoso Cmara,
devemos consider-lo o iniciador do movimento de renovao de princpios e
mtodos a que se acostumou chamar a escola lingstica norte-americana.
(CMARA JR, 1971, p. 230), e foi ele quem traou toda uma agenda para o
desenvolvimento de ambas as disciplinas e na anlise descritiva das lnguas
indgenas.
Antes de Franz Boas, a etnologia estudava todos os fenmenos culturais luz
da descrio cientfica, os dados eram coletados e depois minuciosamente
analisados, classificados e interpretados sem que fosse levada em conta sua origem
histrica, mas o mesmo no ocorria com a anlise das lnguas, pois o modelo
utilizado pelos etnlogos e antroplogos era todo baseado na concepo historicista
e comparatista das lnguas, que era a concepo lingustica em vigor na poca.
Assim, segundo Mattoso Cmara, a atuao de Franz Boas se verificou de
duas maneiras:

Em primeiro lugar, na organizao de um Manual de Lnguas Indgenas


Americanas para o qual reuniu uma equipe selecionada de pesquisadores,
traando linhas gerais, inteiramente novas, para as monografias, dentro de
um plano de lingstica descritiva que forma impressionante contraste com
os trabalhos etnolgicos de lnguas primitivas at ento publicados. Em
segundo lugar, pela Introduo, que escreveu para o primeiro volume do
manual em 1911, e um verdadeiro programa de renovao doutrinria na
teoria geral da linguagem. (MATTOSO CMARA JR apud SAPIR, 1971, p.
230)
8

Como podemos perceber, existia na poca uma espcie de preconceito com


as lnguas que no fossem ditas modernas ou clssicas. As lnguas indgenas eram
consideradas primitivas, no apenas porque eram lnguas que no possuam um
sistema de escrita prprio e uma literatura correspondente (pois os seus usurios
nativos eram povos grafos), e sim porque eram lnguas faladas por povos que eram
considerados primitivos, ou pouco civilizados em relao aos povos da Europa e
Amrica do Norte.
Franz Boas e Edward Sapir (num trabalho em conjunto entre Antropologia e
Lingustica, duas cincias autnomas), tambm, posteriormente, ajudaram a acabar
com esse mito mostrando que muitas dessas lnguas primitivas eram to ricas e
muitas vezes formalmente mais complexas do que as lnguas dos povos civilizados
da Europa. A etnologia, at ento, como dito anteriormente, trabalhava os dados
lingusticos coletados das lnguas indgenas sob uma perspectiva historicista vinda
de uma tradio gramatical clssica que acabava topando com uma multiplicidade
de lnguas indgenas complexas e muitas vezes exticas e que sequer tinha um
passado escrito. Franz Boas percebeu que tal modelo de anlise era ineficiente na
descrio das lnguas indgenas e traou linhas gerais para a coleta e anlise de
dados dessas lnguas sob um ponto de vista puramente descritivo, pois,

O descritivismo lingstico, em moldes verdadeiramente cientficos, no


poderia, entretanto apoiar-se na teoria gramatical greco-latina at ento
dominante, que a lingstica, apenas interessada no comparatismo histrico,
deixara intocada e at, muitas vezes, displicentemente utilizara, como um
piss-aller. Boas estabeleceu em seu lugar o mtodo de depreender da
prpria lngua analisada os princpios gramaticais que espontaneamente
resultavam da estrutura lingstica, revelada pela anlise. (CMARA JR,
1971, p. 231)

Nascia, assim, sob a orientao de Franz Boas, o Manual de Lnguas


Indgenas Americanas, do qual Boas se incumbiu de escrever a introduo onde
apresenta a sua doutrina lingustica, princpios e metodologias que se caracteriza,
segundo Mattoso Cmara, por,

uma concepo da lngua como parte integrante da cultura, mas ao mesmo


tempo a convico de que no h qualquer relao necessria entre uma
estrutura lingstica e a cultura material e espiritual que ela comunica,
consubstancia e transmite. (CMARA JR, 1971, p. 232)
9

Ainda nas palavras de Mattoso Cmara que nos esclarece sobre a


importncia de Franz Boas para a lingustica, em um artigo que escreveu (Um
Sculo de Estudos Lingsticos nos Estados Unidos da Amrica), e acrescentou
como apndice a sua traduo do livro de Edward Sapir, foi Boas quem

criou as bases de uma lingstica descritiva, na Amrica do Norte, alguns


anos antes da obra pstuma de Saussure, em 1916, ter estabelecido a
dicotomia entre estudo lingstico sincrnico e diacrnico, e muitos anos
antes dessa dicotomia ter encontrado plena aceitao na Europa, passando
a orientar a lingstica para uma metodologia descritiva, a par da tradicional
tcnica histrico-comparativa. (CMARA JR, 1971, p. 231)

Nesse contexto, assim se preparava o caminho para o estudo em


profundidade da forma lingustica em si e por si. (CMARA JR, 1971, p. 232)

Como dito anteriormente, uma primeira e fundamental contribuio do


Manual, dirigido por Boas, para o estudo lingustico dentro da etnologia lingstica,
foi o tratamento inteiramente descritivo das lnguas indgenas (CMARA JR, 1971
p. 231). Entre os pesquisadores que participaram com trabalhos no Manual estava
Edward Sapir, que reunia algumas qualidades intelectuais que o faziam se
sobressair entre os outros participantes do Manual organizado e orientado por Boas,
uma vez que

Na equipe que ento se constituiu e culminou com a colaborao do Manual


de Lnguas ndias Americanas, publicado a partir de 1911, Sapir se
destacou pela sua formao lingstica especializada, decorrente da
condio de graduado em filologia germnica pela Universidade de
Colmbia. (CMARA JR, 1971, 1971, p. 9)

Naturalmente, as numerosas monografias do Manual so de valor terico


muito varivel, e a maioria dos colaboradores no se desvencilhou das
idias gramaticais adquiridas; mas algumas como o tratamento do
Takelma por Sapir no segundo volume, de 1922, da obra foram pioneiras
da original e fecunda tcnica descritiva que caracterizou mais tarde a
lingstica indgena norte-americana. E a prpria posio terica assumida,
independentemente dos efeitos prticos, era uma grande inovao.
(CMARA JR, 1971, p. 231)

O contato e a aproximao com Franz Boas foram decisivos para Sapir, na


medida em que a experincia em campo como um etnlogo e antroplogo aliada a
seus conhecimentos de fillogo, e posteriormente a publicao no Manual, expandiu
seu horizonte terico e metodolgico, levando-o a se interessar pelos vrios
aspectos da cultura, como por exemplo, a arte, a msica e a literatura, e no apenas
10

pela descrio e anlise lingustica. Assim, a um tempo antroplogo, lingista de


campo e indo-europesta, soube Edward Sapir conciliar os trs interesses em
diversos trabalhos (CMARA JR, 1971, p. 9)
Foi assim, segundo Mattoso Cmara, que:

Edward Sapir, (...), deve ao seu contacto com Boas a original orientao
que to singularmente o destaca entre os contemporneos; ele prprio
declara que foi levado a uma reviso dos conceitos lingsticos tradicionais,
que haurira como especialista de filologia germnica, depois de ouvir uma
conferncia de Boas sobre o estudo das lnguas indgenas norte-
americanas. (CMARA JR, 1971, p. 230)

Ainda segundo o grande fillogo brasileiro, podemos reconhecer que,

Se com Franz Boas temos assim o primeiro decisivo impulso para uma nova
filosofia lingstica, que podemos caracterizar como norte-americana,
vamos encontrar em seu muito mais moo companheiro e at certo ponto
discpulo, Edward Sapir, um pensamento j plenamente elaborado j nesse
sentido.(CMARA JR,1971, p. 233)

A LINGUSTICA DE EDWARD SAPIR

Edward Sapir escreveu muitos artigos e conferncias, sobre os mais diversos


assuntos, e algumas monografias que eram o resultado de suas pesquisas sobre
lnguas indgenas dos Estados Unidos e do Canad, como o seu elogiado trabalho
sobre a lngua takelma, que figurava na segunda edio do Manual de Lnguas
Indgenas Americanas de Boas, em 1922, pondo em prtica os ensinamentos do
mestre no trato descritivo da anlise lingustica. Sapir tambm foi o responsvel pelo
registro da lngua paite, que na poca era um dialeto desconhecido, quando
literalmente encontrou o ltimo ndio que o falava morrendo de fome em um hospital
de Chicago.
Mas foi em 1921, que Edward Sapir publicara aquela que seria a sua obra
mais importante: A Linguagem, introduo ao estudo da fala, obra que nas palavras
de Mattoso Cmara constitui-se em um estimulante e original pequeno tratado, que
pretendia ser elementar e de divulgao (MATTOSO CMARA JR apud SAPIR,
1971, p 233). Pretendia porque Sapir o fez sem se preocupar em utilizar a
simbologia e o jargo tcnico da lingustica Evitei a maior parte dos termos
tcnicos e todos os smbolos tcnicos da academia lingstica, (SAPIR, 1971 p.16) -
11

nem utilizara malabarismos filosficos na composio de seus argumentos. E como


avisa o prprio Sapir no seu prefcio:
Destina-se este livrinho a dar uma viso de conjunto a respeito da
linguagem. (...) o seu escopo precpuo mostrar a minha maneira de se
conceber a linguagem e as suas relaes com outros interesses
humanos bsicos: o problema do pensamento, a natureza do processo
histrico, a raa, a cultura, a arte. (SAPIR, 1971 p. 15)

Mas, nem por isso, no pense o leitor que se trata de um livro fcil; embora
seja um livro de leitura relativamente agradvel para os curiosos e profissionais da
rea e para o pblico em geral. Em algumas passagens do livro preciso certo
esforo e ateno para acompanhar o desenvolvimento das ideias e argumentos do
autor em seus mais de dez captulos.
Uma observao da mais alta conta deve ser feita em relao atitude de
Sapir ao compor seu livro. Por causa dessa sua atitude academicamente informal
para a poca, Sapir deixou aqueles que se debruaram sobre sua obra em dvida,
pois h uma quase total ausncia de referenciais tericos, pois quase nunca cita
qualquer outro trabalho ou autor que o possa ter influenciado na consolidao de
suas ideias lingusticas.
Assim nos informa Mattoso Cmara:

difcil rastrear as influncias que sofreu Sapir na elaborao do seu


pensamento lingstico, porque raramente cita outros autores e no nos
apresenta bibliografia nem nos seus artigos nem no seu pequeno tratado
sobre A Linguagem, que, como se disse acima, pretendia ser elementar e
de divulgao. (CMARA JR, 1971, p. 233)

Em certo sentido, podemos admitir que as ideias lingusticas de Sapir acabam


convergindo, em certa medida, da doutrina lingustica de Ferdinand de Saussure;
mas de acordo com Mattoso Cmara uma convergncia espontnea, pois nada
indica que ele tenha tido conhecimento da obra pstuma do mestre genebrino.
(CMARA JR,1971, p. 234)
Por causa dessa possvel aproximao de concepes e ideias, um dos
discpulos de Saussure, Alan Gardiner, acusou Sapir de confundir os termos langue
e parole em virtude do subttulo da introduo ao estudo da fala (ing. Speech) que
leva o pequeno tratado de Sapir sobre A Linguagem. (CMARA JR,1971, p. 234).
Quem nos esclarece a polmica mais uma vez Mattoso Cmara:
12

Gardiner nisto foi vtima de um engano de interpretao lxica: tendo ele


prprio traduzido parole por speech, passa a s compreender o termo
ingls com a significao terminolgica estrita que lhe atribura, e no lhe
ocorre o sentido usual do termo que o faz sinnimo de linguagem. A
verdade que o intento de Sapir, com aquele subttulo, foi apenas contornar
a ambigidade do termo ingls language, que adotou para ttulo de sua
obra, Language com efeito, tanto corresponde lngua no sentido
concreto de meio de comunicao numa dada sociedade, como
linguagem, ou seja, com o alcance de um coletivo abstrato que abarca
todas as lnguas humanas no carter, que lhes comum, de processo vocal
de comunicao. (CMARA JR, 1971, p. 235)

Na anlise de Mattoso Cmara, foi Sapir quem mais clara e incisivamente, na


lingustica norte-americana, definiu a lngua como forma e levou s suas naturais
consequncias essa interpretao. (CMARA JR, 1971, p. 235). Depois de
afastado o excessivo historicismo na anlise lingustica e iniciada uma nova fase na
lingustica dos Estados Unidos da Amrica, Sapir pde com toda a sua bagagem de
fillogo e indo-europesta, associar a lingustica histrico-comparatista indo-europeia
e a amerndia. Tinha como pressuposto para isso a convico de uma identidade
essencial do fenmeno lingustico e acreditava na possibilidade de se estabelecer
uma lingustica geral, em que princpios permanentes se aplicam, no plano
descritivo e no plano histrico, s lnguas aparentemente mais diversas (CMARA
JR, 1971, p 239).

A LNGUA/LINGUAGEM COMO ENTIDADE CULTURAL

em seu livro A Linguagem, introduo ao estudo da fala - publicado nos


Estados Unidos da Amrica pela primeira vez em 1921 - que se encontra a essncia
das ideias lingusticas de Edward Sapir sobre o fenmeno da linguagem, o seu
modo de entender, interpretar e relacion-lo a outros aspectos referentes cultura,
tais como arte e literatura; a discusso sobre a relao entre a linguagem e o
pensamento; a falta de correspondncia entre lngua, raa e cultura; a
universalidade da linguagem e a diversidade de formas lingusticas; a natureza
histrica e cultural da linguagem e uma definio direta de lngua/linguagem
cunhada pelo prprio Sapir.
Para o discpulo de Franz Boas, a lngua/linguagem uma entidade, uma
instituio histrica produto da cultura humana em constante evoluo no tempo e
13

no espao e como tal deveria ser estudada do mesmo modo que todos os outros
fenmenos culturais, uma vez que

Podemos com proveito tratar da inteno, da forma e da histria da


linguagem, precisamente como tratamos de qualquer outro aspecto da
cultura humana da arte ou da religio, por exemplo maneira de uma
entidade institucional ou cultural, deixando de lado os mecanismos
orgnicos e psicolgicos que a condicionam, como coisa aceita uma vez por
todas. (SAPIR, 1971 p. 24)

Sapir rejeitava completamente a idia de que a linguagem fosse uma ddiva


da natureza ou um instinto; para ele eram os hbitos e tradies histricas e
culturais num continuum evolutivo que originavam as lnguas. Admitiu, porm, que
talvez pudesse ter existido uma lngua primordial da qual todas as outras teriam se
derivado, mas para ele, em essncia, as lnguas eram um aspecto da cultura, uma
criao daqueles que a falavam, em outras palavras uma arte. , assim, pois, que
Edward Sapir define a lngua/linguagem:

um mtodo puramente humano e no-instintivo de comunicao de idias,


emoes e desejos por meio de um sistema de smbolos voluntariamente
produzidos. Entre eles, avultam primacialmente os smbolos auditivos,
emitidos pelos chamados rgos da fala. (SAPIR,1971 p. 22)

Sapir nos oferece alguns argumentos que sustentam a sua concluso de que
a linguagem um mtodo puramente humano, um sistema de smbolos
voluntariamente produzidos no sentido de que uma conquista da cultura humana,
no admitindo nenhuma base instintiva no ato de falar, ou seja, para ele a linguagem
no pode ser explicada sob o argumento de que uma espcie de instinto humano,
ao contrrio do ato de andar, pois o processo de aquisio da linguagem , em
suma, coisa completamente diferente do processo de aprender a andar. (SAPIR
1971, p. 17). Assim, o autor se manifesta sobre o assunto:

No caso desta ltima funo, a cultura em outras palavras a massa


tradicional dos usos sociais no entra propriamente em jogo. A criana
individualmente apta, em virtude do complexo conjunto de fatores a que
chamamos hereditariedade biolgica, a executar todos os ajustamentos
musculares e nervosos que lhe so precisos para andar. Pode-se dizer que
a prpria conformao de tais msculos e das partes determinadas do
sistema nervoso j por si adequada aos movimentos que andar e
atividades semelhantes impem. Na realidade, o pequenino ser humano
normal est predestinado a andar, no porque os adultos o assistam na
aprendizagem, mas porque o prprio organismo, desde o nascimento, se
no desde o momento da concepo, vem preparado para o dispndio de
14

energia nervosa e para as adaptaes musculares que exige a atividade de


andar. Em resumo, trata-se de uma funo biolgica inerente ao homem.
(SAPIR, 1971 p. 17)

Mas, para ele o mesmo no ocorre em relao com a linguagem, pois:

evidente que, at certo ponto o indivduo humano est predestinado a


falar, mas em virtude da circunstncia de no ter nascido meramente na
natureza, e sim no regao de uma sociedade, cujo escopo racional
cham-lo para as suas tradies. (SAPIR, 1971 p.17)

Sapir conclui em seguida afirmando que andar uma funo orgnica e


instintiva (embora no seja a bem dizer um instinto); falar uma funo no
instintiva, uma funo adquirida, cultural. (SAPIR, 1971 p. 18)
Outro argumento utilizado pelo linguista relacionado com o anterior o fato de
que o nosso sistema fonador constitudo de rgos cuja funo principal nada
tem a ver com a fala, ou seja, os seres humanos fazem uso da fala como um meio
de transmitir suas ideias e emoes utilizando a emisso de sons complexos
articulados atravs do uso de uma srie de rgos por uma mera convenincia, uma
vez que,

No h, a rigor, rgos da fala; h apenas rgos que so incidentalmente


utilizados para a produo da fala. Os pulmes, a laringe, a abbada
palatina, o nariz, a lngua, os dentes e os lbios servem todos para esse fim;
mas no podem ser considerados rgos primordiais da fala, da mesma
sorte que os dedos no so rgos de tocar piano nem os joelhos os rgos
da genuflexo religiosa. (SAPIR, 1971 p. 22)

Sapir tambm via com desconfiana a afirmao de que poderia existir um


rgo da linguagem localizado em nosso crebro que cuidasse especificamente de
toda a nossa experincia lingustica. Para ele,

(...) a linguagem, em si mesma, no nem pode ser localizada de uma


maneira definida, pois consiste numa relao simblica toda peculiar e
fisiologicamente arbitrria entre todos os elementos da nossa experincia,
de um lado, e, de outro lado, certos elementos selecionados, localizados
nas regies auditiva, motriz, etc. do crebro e do sistema nervoso. (SAPIR,
1971 p. 23)

S podemos dizer que a linguagem est localizada no crebro no sentido


geral, e praticamente intil, com que dizemos que todos os aspectos da
nossa conscincia, todos os interesses e toda a atividade do homem
residem no crebro. (SAPIR, 1971 p. 24)
15

Sapir enfatiza o fato de a lngua/linguagem ter duas caractersticas gerais:


universalidade e diversidade. Sobre a universalidade da linguagem diz Sapir que
pode-se pr em dvida que uma ou outra tribo se entregue a atividades dignas do
nome religio ou de arte, mas no se sabe de nenhum povo que no possua uma
linguagem plenamente desenvolvida. (SAPIR, 1971 p. 33)
Todos os povos do mundo falam uma determinada lngua natural e particular
e nenhuma lngua igual outra. Existe uma multiplicidade de formas lingusticas,
todas elas complexas, que operam com uma lgica prpria e coerente. Com o
estudo das lnguas indgenas da Amrica, da frica e da Oceania ficou fcil verificar
que afinal as lnguas dos povos que antes eram ditos primitivos na verdade muitas
vezes eram to complexas quanto s lnguas dos civilizados que as estudavam. O
estudo da forma lingustica iniciado no Manual de Boas foi determinante nesse
reconhecimento, e Sapir no desprezou esse fato, pois como ele mesmo admite:
No passa de um mito a afirmao vulgar de que as lnguas primitivas esto
condenadas a uma extrema pobreza de expresso. (SAPIR, 1971p. 34). E ainda

Muitas lnguas primitivas possuem, alis, uma riqueza de formas e uma


luxurincia latente de expresses que eclipsam tudo o que se conhece nas
lnguas de civilizao moderna. At no simples setor do inventrio
lingstico, o leigo deve se preparar para estranhas surpresas. (SAPIR,
1971 p. 34)

COMENTRIOS FINAIS

Vimos que Edward Sapir foi um dos responsveis diretos, seguindo a


orientao de Franz Boas, pela mudana de posio terico-metodolgica de uma
abordagem histrico-comparativa das lnguas indgenas da Amrica para uma
posio puramente descritiva, consolidando uma nova lingustica norte-americana
no incio da primeira metade do sculo XX. Esta passou a se preocupar com a
estrutura formal das lnguas e a enxerg-las sem a viso preconceituosa dos
conquistadores europeus. Admitindo-se, como princpio, que no so primitivas,
assim como no so primitivos os povos que as falam, nem as julgando pobres
de expresso, pois uma anlise mais meticulosa provou que so formalmente to
complexas e ricas quanto qualquer outra lngua que se queira examinar na face da
Terra.
16

Foi em sua principal contribuio para a Lingustica, o livro A Linguagem,


introduo ao estudo da fala, que Edward Sapir ressaltou a universalidade da
linguagem e a diversidade das formas lingusticas e definiu a linguagem como um
produto da histria evolutiva da cultura humana assim como todos os outros
aspectos culturais, como por exemplo, a religio, a arte, a msica etc. A leitura dos
captulos primeiro e dcimo de A Linguagem foi de fundamental importncia para a
compreenso das principais ideias de Sapir.
Neste trabalho foi ignorada a polmica do relativismo e do determinismo
lingustico, decorrente de uma interpretao, muitas vezes maliciosa e mal
compreendida, das ideias de Sapir feitas pelo seu discpulo Benjamin Lee Worf e
outros comentaristas, o que gerou a to discutida hiptese Sapir-Worf. Tal questo
poder vir a ser abordada em outra oportunidade.
Sapir foi um estudioso convicto de suas opinies. Foi um homem fruto do seu
tempo, e por isso mesmo no poderia ser crucificado por certos anacronismos, pois
algumas de suas afirmaes podem muito facilmente ser contestadas hoje em dia,
como sua opinio de que a linguagem no pode ser localizada no crebro. Hoje a
cincia avanou e os estudos com afsicos mostraram que danos em uma
determinada rea do crebro, chamada rea de Broca, podem comprometer a
linguagem sem necessariamente comprometer a inteligncia.
Em meados do sculo XX, Noam Chomsky volta a colocar em evidncia a
concepo inatista da linguagem. Infelizmente Sapir morreu em 1939, e, portanto
no alcanou o boom da lingustica decorrente dos estudos Gerativistas.
Hodiernamente, estudiosos como o psiclogo Steven Pinker, influenciados
pela teoria da evoluo de Charles Darwin, voltam a ressaltar o carter instintivo da
linguagem em detrimento da cultura. Mas mesmo com todo este cenrio posterior
publicao de seu livro, Edward Sapir tem seu nome guardado para sempre como
um dos maiores linguistas do sculo XX e seu livro, hoje um clssico da rea,
continua to importante quanto o foi no passado.

RESUMEN
17

Edward Sapir, un pupilo de Franz Boas y uno de los lingistas ms importantes del
siglo XX, fue uno de los grandes pensadores de la lengua/lenguaje y el responsable
de un cambio doctrinal en el estudio de las lenguas indgenas de Amrica del Norte,
de un enfoque histrico-comparativo a una abordaje descriptiva a la estructura de las
lenguas. Para Sapir La lengua/lenguaje se configura como uno de los grandes logros
culturales de la humanidad. En este trabajo, presentamos un poco de la vida y
algunas de las ideas ms relevantes de este importante lingista y fillogo
estadunidense, centrndose en su libro El lenguaje, Introduccin al estudio del
habla, su obra ms importante.

Palabras Clave: Lingstica. Lenguaje. Cultura. Sapir

REFERNCIAS

CHOMSKY, Noam. Lingustica Cartesiana. Petrpolis: Vozes, 1972.

LYONS, John. Lingua(gem) e Lingustica: uma introduo. Rio de Janeiro: LTC,


2009.

CMARA JR, Joaquim Mattoso. Dicionrio de lingstica e Gramtica: referente


lngua portuguesa. 13 Ed. Petrpolis: Vozes, 1986.

___________. Um Sculo de Estudos Lingsticos nos Estados Unidos da Amrica


(1860 1960). In: SAPIR, Edward. A Linguagem: introduo ao estudo da fala. 2.
Ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadmica, 1971.

PINKER, Steven. O Instinto da Linguagem: como a mente cria a linguagem. So


Paulo: Martins Fontes, 2002.

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