MUCENIECKS Austrvegr e Gardariki Thesis PDF

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL

ANDR SZCZAWLINSKA MUCENIECKS

AUSTRVEGR E GARARKI (RE)SIGNIFICAES DO LESTE NA


ESCANDINVIA TARDO-MEDIEVAL

Verso corrigida

So Paulo
2014
ANDR SZCZAWLINSKA MUCENIECKS

AUSTRVEGR E GARARKI (RE)SIGNIFICAES DO LESTE NA


ESCANDINVIA TARDO-MEDIEVAL

Tese apresentada ao Departamento de


Histria da Universidade de So Paulo
para obteno do ttulo de Doutor em
Histria Social

Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula


Tavares Magalhes Tacconi

Verso corrigida

De acordo

So Paulo
2014
AGRADECIMENTOS

Ao Deus trino, criador, doador da Salvao, do sopro da vida, de sua imagem


semelhana, que permite todo e qualquer empreendimento no campo das letras e do saber.

Aos familiares, tanto os perto quanto distante geograficamente, pelo suporte e apoio
constante e pela prioridade sempre dada minha formao e educao: meus pais Igors e Lcia,
minha irm Rebeca, meus avs Agafangiel (in memorian) e Marta.

Aos tutores e conselheiros, que, nesta fase de minha jornada pessoal assumiram papeis
no tanto mais diretivos, mas providenciaram, ao lado da liberdade intelectual e de ao
necessrios, os conselhos e exemplo de vida imprecindveis:
Prs. e Revs. Denis, Artur, Darcy, Maurcio, Andr Mira.

Aos professores que contriburam de tantas formas em minha formao, para a


concluso deste trabalho e de tantas formas que muitos dos mesmos no imaginam alguns por
muitos anos a fio: Ana Paula, Bruno Gomide, Elena Nikolaievna Vassina, Maria Cristina
Pereira, Renan Frighetto, Ftima Regina Fernandes Frighetto, Marcelo Cndido, Andrejs Vasks,
Johnni Langer, Celso Taveira.

Aos amigos, colegas e alunos. Desses, alguns nunca entenderam exatamente o que
estudo, sempre se comprazendo em perguntar-me acerca de dinossauros, pterodctilos e a Era
do Gelo; a outros, agradeo as sugestes, crticas, descrenas e piadas que colaboraram para a
composio de um trabalho melhor e de uma autoimagem menor; outros foram de grande ajuda
em minha trajetria acadmica, oferecendo oportunidades e ajuda inestimvel. Alguns
enquadram-se em vrias dessas situaes. Diversos estimularam minha criatividade de vrias
formas; alguns ouviram pacientemente meus delrios; outros pagaram a lngua ao verem-se
constrangidos lerem e comentarem esta tese: Pedro, Paulinho, Renan, Daniel, Larissa, Samuel,
Evandro, Wellington, Otvio, Van, Lucas, Cecu, Fbio, Pablo.

s instituies que deram suporte, proveram recursos, experincia, crescimento pessoal e


sustento: IBVM, STBNET, CBVM.

Aos no mencionados, minha gratido pela compreenso de minhas falhas imensas, que
incluem a falta de memria.

Tambm fica claro que muitos aqui mencionados incorrem em mais de uma das categorias. Mas
deixemos de positivismo.
DEDICATRIA

Ao meu av Agafangiel Szczawlinska, falecido em


2010, cujas cinzas agora compem parte do
Altntico meridional. Nascido no ncleo da antiga
Rus, nos territrios pertencentes outrora tribo dos
Drevliani, sua ltima frase dita em minha presena
(tendo tomado conhecimento de minha entrada no
doutorado uma semana antes) foi, dirigida
profeticamente para o mdico que o atendia na UTI:
Este meu neto. Ele doutor. Sua inspirao vai
em muitos sentidos alm; desde o trabalho
incansvel, criativo por vezes pendente ao tosco -
face sria.
RESUMO

Nome: MUCENIECKS, Andr Szczawlinska. Austrvegr e Gararki


(Re)significaes do Leste na Escandinvia Tardo-Medieval. 2014. Tese (doutorado)
Faculdade e Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, So
Paulo, 2014.

Nesta tese analisamos as nuances que o conceito de leste assumiu nas fontes escritas da
Escandinvia e Islndia dos sculos XIII e XIV.
De incio, procedemos na observao de como a historiografia referente s interaes
entre povos da Escandinvia e do Nordeste Europeu produziu extenso debate de
implicaes polticas, conhecido como a Controvrsia Normanista. Neste captulo
salientamos tambm os impactos que o estudo do medievo teve nos tempos
contemporneos.
A seguir, efetuamos uma sntese baseada na interpretao da Cultura Material sobre os
movimentos escandinavos a leste no perodo viking, que forneceram material para os
prprios historiadores e autores na Escandinvia e Islndia dos sculos XIII e XIV.
At ento demonstramos que, a despeito da Controvrsia Normanista, h evidncia
convincente e suficiente para demonstrar que a presena escandinava no leste foi
deveras significativa.
Os captulos posteriores centralizam-se na anlise das fontes primrias. Dividimo-las
em fontes que apresentam material cartogrfico e geogrfico, obras de cunho
historiogrfico e sagas voltadas ao entretenimento; como seleo de obras
representativas de tais grandes grupos analisamos o Mappamundi islands Gks 1812,
4to, 5v-6r., o prlogo da Edda Menor, a Heimskringla, a Gesta Danorum e a rvar-Odds
Saga.
A anlise dessas fontes demonstrou que entre o sculo XIII e o XIV ocorreu na
produo escrita escandinava uma bifurcao entre o conhecimento produzido com
objetivos de instruo e aquele com intuitos de entretenimento.
O uso do leste na primeira vertente livresco, inserindo muito do saber acumulado do
Medievo Ocidental e ressignificando o leste segundo parmetros das terras bblicas e
dos autores clssicos.
Nas fontes de intuito de entretenimento o uso do leste tambm ressignificado, mas
desta feita de acordo com material mais ligado cultura e s narrativas populares,
empregando o leste na materializao de temas do fantstico e da mitologia.
ABSTRACT

Nome: MUCENIECKS, Andr Szczawlinska. Austrvegr e Gararki Austrvegr e


Gararki (Re)significaes do Leste na Escandinvia Tardo-Medieval. 2014. Tese
(doutorado) Faculdade e Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de
So Paulo, So Paulo, 2014.
(Austrvegr and Gararki - (re)significations of the East in Low-Middle Ages
Scandinavia)

In this thesis we analyze the nuances assumed by the concept of east in the primary
sources of Scandinavia and Iceland in the thirteenth and fourteenth centuries.
Initially, we proceeded in the observation of how the historiography related to Northern
and Eastern Europe have produced extensive debate of political implications, named the
Normanist Controversy. In this chapter we have stressed also the impacts that Medieval
Studies may assume in Contemporary milieu.
Hereafter we build a synthesis based on Material Culture - in the archaeological sense -
of the Scandinavian movements in East in the Viking Age, interactions that already had
provided inspiration for authors in XIII-XIVs. At this point we have showed
successfully that there is enough evidence to demonstrate the relevance of the
Scandinavian presence in medieval Eastern Europe.
The later chapters deal with the analysis of several kinds of primary sources. We have
gathered and organized it in geographical and cartographical works, writings of
historiographical nature and entertainment aimed sagas.
As a selection of representative works of such large groups we studied the Icelandic
Mappamundi of manuscript Gks 1812, 4to, 5v-6r, the Prologue of Edda Minor, the
Heimskringla, the Gesta Danorum and the rvar-Odds Saga
The analysis of these sources showed that between the thirteenth and the fourteenth
century a bifurcation occurred in Scandinavian written sources between the knowledge
produced for the purposes of instruction and the one with the goal of entertainment.
The use of the East in the first group is highly scholar, re-elaborating the East in the
light of accumulated knowledge of the Western Middle Ages, as well as redefining it
within parameters coherent with christian and classical authors.
The sources aimed to entertainment, however, employed the eastern areas in connection
with a different kind of knowledge. Folk narratives and popular lore gained prominence
in the reshaping of eastern region, transforming it in an auspicious place to the
materialization of the fantastic and the mythical.
MAPAS

Mapa 01: Austrvegr e Gararki, 90.


Mapa 02: Austrvegr e seus ramais, 99
Mapa 03: Principais rios ligados Rota do Daugava, 102.
Mapa 04: Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regio do Alto Volga,
105.
Mapa 05: A Regio de Bolghar e o entreposto com os Khazares, 108.
Mapa 06: Distribuio das estelas rnicas na Sucia e Noruega por Km2, 119.
Mapa 07: As provncias suecas, 135.
Mapa 08: Locais com toponmia bltica, 182.
Mapa 09: Tribos blticas no sculo XIII, 184.
Mapa 10: Mar Branco, Pennsula de Kola e Oceano rtico, 192.

Para Kiev e Bizncio


TABELAS
Tabela 01: Runes and North Italic letters, 112.
Tabela 02: Old English futhorcs and the Ruthwell runes, 114.
Tabela 03: Distribuio geogrfica das Estelas Vikings, 136.
Tabela 04: Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do sculo XIII, 200.
Tabela 05: Genealogia de Sturla oarsson, 204.
Tabela 06: A Gesta Danorum: a ordem dos livros em contexto, 242.
Tabela 07: O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais, 250.
Tabela 08: O desenvolvimento da Temtica do Conselheiro na Gesta Danorum, 251.
Tabela 09: Paralelos das duas iniciaes de rvar-Oddr, 286.
FIGURAS

Figura 01: Eurpedes em fevereiro de 1942 sua mquina de escrever ROYAL, redigindo e
finalizando a 1 tese de doutoramento em histria a ser defendida na Universidade de So Paulo,
82
Figura 02: Espada em estilo viking escavada em 1950 em Gniozdovo. Incio do X, 107
Figura 03: Den utnordiska runraden, 113
Figura 04: Den 16-typiga runradens tv varianter: Normalrunor, Kortkvistrunor, 113
Figura 05: U 439. Desenho de Johann Bureaus em 1595, 127
Figura 06: U 504 Ubby, Uppland, 128
Figura 07: U 792 Ulunda, 129
Figura 08: U 778 - Localizada no prtico da Igreja de Svinnegarn, 131
Figura 09: DR 216. Exposta no museu nacional dinamarqus, 132
Figura 10: S 319 - Localizada no solar de Stringe, para aonde foi movida. Oriunda de
Sannerby, 133
Figura 11: Mappamundi de Al Iakhr (977 a.D.), 153
Figura 12: O Mappamundi circular de al-Idrs. (1099-1165/66 a.D), 154
Figura 13: Mappamundi de Macrobius, 158
Figura 14: Mapa isidoriano em T-O, 160
Figura 15: Mapa do Mundo, de Beatus de Saint Sever, 162
Figura 16: O mapa da Vinland, 165
Figura 17: O Mappamundi islands do Gks 1812, 4to, 5v-6r., 167
Figura 18: Biarmia, na Carta Marina de Olaus Magnus (1539), 191
Figura 19: Van EEDEN, Stemma, 209
Figura 20: Stemma Gesta Danorum, 238
SIGLAS MANUSCRITOS E CDICES

Pviest vrimennikh liet


PVL Pviest vrimennikh liet
L Pviest vrimennikh liet, redao laurentina
H Pviest vrimennikh liet, redao hypatiana

Heimskringla
F Codex Frisianus - AM 45 fol
K Kringla Lbs fragm 82
HH Haralds saga Harra
OH lfs saga ins Helga
OT lafs saga Tryggvasonar

Edda Menor
R Codex Regius - GKS 2367 4to
T Codex Trajectinus - MSS 1374
U Codex Uppsaliensis - DG 11 4to
W Codex Wormianus - AM 242 fol

Gesta Danorum
A Fragmento de Angers - Ny kgl. Saml. 4to, 869 g.
a Edio de Paris, 1514
BD Frags. de Lassen (Ny kgl. Saml. Fol. 570.) + Kall-Rasmussen (Ny kgl. Saml. Fol.
570.)
b Codex de Caspar Barth (perdido)
C Fragmento de Laverentzen
c Colao de C
E Fragmento de Plesner - Ny kgl. Saml. Fol. 570.
F Chronicon Sialandiae
f Codex usado por F (perdido)
g Codex de Birger Gunnersen (perdido)
j Compendium Saxonis - Add. 49 2o
K Albert Kranz
k Codex usado por K (perdido)
O Peder Olsen
o Codex usado por Peder Olsen (perdido)
p Cpia de g usada para impresso de a (perdida)
s Edio e comentrio de Stephanius, de 1645
t Traduo de Christiern Pedersen (perdida)
v Traduo de A.S. Vedel, 1575
x Arqutipo medieval (perdido)

rvar-Odds Saga
OS rvar-Odds Saga
S rvar-Odds Saga, redao curta - Perg. 4tpo nr 7; 43v-57r:20
M rvar-Odds Saga, redao mdia - AM 344 a, 4to; 1r-24v
A rvar-Odds Saga, redao longa variante A - AM 343, 4 membr; 59v-81v
B rvar-Odds Saga, redao longa variante B - AM 471, 4 membr.; 61r-96v
E rvar-Odds Saga, redao longa variante E - AM 173, 4 membr.;
SUMRIO
INTRODUO, 15
CAPTULO 1: PRELIMINARES HISTORIOGRFICOS, 22
1.1 Pensando sobre a dualidade Mito X histria, 22
1.2 A historiografia pertinente, 26
1.3 A Rssia czarista, 27
1.3.1 Tatschev, 29
1.3.2 O alemes, 29
a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738), 29
b) Gerhard Friedrich Mller (1705-1783), 31
c) August Ludwig von Schlzer (1735-1809), 32
1.4 A controvrsia Normanista, 36
1.4.1 A posio normanista,38
I. A Etimologia, 41
II. As fontes, 42
a) Pviest vrimennikh liet, 42
b) Fontes bizantinas, 42
c) Fontes islmicas, 45
d) Fontes latinas, 46
1.4.2 A posio anti-normanista, 47
I. A questo da etimologia, 48
II. Os argumentos de ausncia, 49
III. Os enviados, 50
IV. Fontes islmicas, 50
V. Superioridade econmica, 50
1.4.3 Uma avaliao crtica das duas posies, 51
I. O problema das etimologias, 51
II. Interpretao arqueolgica e etnicidade, 52
1.4.4 Outras possibilidades interpretativas,55
1.4.5 O problema metodolgico, 56
1.4.6 O rei-estrangeiro, a Antropologia, a mitologia e o Hieros-gamos: sugestes e
possibilidades interpretativas adicionais, 58
1.5 O sculo XX: A arqueologia e a historiografia russas nos tempos soviticos, 63
1.5.1 O perodo revolucionrio (1917-1919) e os incios da URSS, 63
1.5.2 O perodo Stalinista, 66
1.5.3 Os tempos ps-Stalin: Kruchtchv (1953-1964) e os incios da escola de Klejn, 69
1.5.4 Da era Brjnev ao final da URSS (1964-1991), 70
1.5.5 A Rssia ps-sovitica, 73
1.6 Desenvolvimentos contemporneos: a era Putin-Medvedev, 76
1.6.1 A Comisso presidencial da Federao Russa para conter tentativas de Falsificao da
Histria em detrimento dos interesses da Rssia (15 de maio de 2009 a 14 de fevereiro de
2012), 75
1.6.2 A academia russa hoje, 78
1.7 Brasil: Eurpedes Simes de Paula, 79
1.8 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro, 84

CAPITULO 2: A CULTURA MATERIAL, 89


2.1 Os Escandinavos no leste O testemunho da Cultura Material, 91
2.1.1 A numismtica, 92
2.1.1.1 As Fontes, 94
2.1.1.2 Os khazares e os rabes, 95
2.1.1.3 Rotas e cronologias, 97
I. O Bltico: Austrvegr, 98
II. A Rus de norte: Ladoga, 103
III. Rostov, Suzdal e Murom, 106
IV. Os povoamentos pareados, 106
V. Rumo ao sul: Bizncio e Serkland, 108
2.2 As estelas rnicas, 110
2.2.1 Sobre as estelas rnicas, 111
2.2.2 A distribuio das inscries rnicas, 115
2.2.3 A Histria Social e as estelas rnicas, 123
2.2.4 As estelas rnicas e o leste,125
2.3 Anlises: a Cultura Material, o Perodo Viking e o leste, 135

CAPITULO 3: O LESTE ENQUANTO CONSTRUO GEOGRFICA, 139


3.1 Preliminares: mltiplas acepes de leste, 139
3.1.1 O sistema cardinal e a terminologia, 141
3.1.2 O Sistema de orientao geogrfica e espacial no medievo escandinavo, 143
3.1.3 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis a primazia da direo geogrfica simples,
147
3.1.4 Os mappaemundi e as formas pictogrficas da representao geogrfica, 150
3.1.4.1 Um breve panorama das tradies cartogrficas, 151
3.1.4.2 Os Mappaemundi, 155
3.1.4.3 O desenvolvimento e histrico dos mappaemundi, 156
3.1.4.4 A tradio de Macrbio (ca. 395-436): os mapas zonais, 158
3.1.4.5 Paulo Orsio (ca.383- post 417), 159
3.1.4.6 Isidoro (ca. 560-636), 159
3.1.4.7 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca. 700-1100): o surgimento dos mapas
Beatos, 161
3.1.5 A cartografia na Scandia e Islandia medievais, 163
3.2 Quadro etno-lingustico de Austrvegr e Gararki entre os sculos VIII e XIII, 174
3.2.1 Fino-gricos, 177
3.2.2 Os Baltos, 181
3.2.3 Baltos e Fino-gricos, 190
3.2.4 Bjrmaland, 191

CAPITULO 4: O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXO HISTRICA, 198


4.1 A produo escrita na Escandinvia e Islndia no medievo, 199
4.2 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradio islandesa, 204
4.2.1. Histrico, 204
4.2.2 A Heimskringla, 207
4.2.3 A Edda menor, 208
4.2.4 As interpretaes histrico-geogrficas da Heimskringla e da Edda Menor, 212
4.2.5 O prlogo da Edda Menor, 214
4.2.6 O Evemerismo,219
4.2.7 Snorri e a Matria de Roma,224
4.2.8 Austrvegr e Gararki na Heimskringla: o ciclo de lfr Tryggvason, S.lfr, Magnus o
bom e Haraldr Harrai,227
4.2.9 Gararki como local de refgio,228
4.2.10 Concluses parciais,234
4.3 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum, 235
4.3.1 O Evemerismo de Saxo, 243
4.3.2 O leste na Gesta Danorum, 248
4.3.3 A Temtica do Conselheiro, 250
4.3.4 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares, 253
4.3.5 O leste e as cruzadas setentrionais, 255
4.4 Algumas concluses prvias; Saxo, Snorri, o autor da Heimskringla e o leste: educar e instruir,
258

CAPTULO 5: A RVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSGUR - O LESTE E A NARRATIVA DE


ENTRETENIMENTO, 261
5.1 As Fornaldarsgur, 261
5.1.1 Dataes e subdivises, 264
5.2 A rvar-Odds Saga, 266
5.2.1 Manuscritos e redaes, 266
5.2.2 A profecia e as conexes da rvar-Odds Saga com a produo histrico-geogrfica, 268
5.2.3 Bjarmaland e o leste enquanto espao liminar, 270
5.2.4 O Homem-Casca, 279
5.3 As iniciaes e o leste, 286
6. CONCLUSES, 288
7. BIBLIOGRAFIA, 291
7.1 Fontes primrias, 291
7.1.1 Fontes escritas tradicionais, 291
a) Coltaneas, 291
b) Por autor ou ttulo, 291
7.1.2 Cultura material estelas rnicas, 293
7.2. Referncias Bibliogrficas, 294

8. APNDICES, 311
Apndice I: Constantino Porfirognito, De administrando Imperio, 311
Apndice II: Tabela de transliterao do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras
Orientais) da Universidade de So Paulo, 313
15

INTRODUO

A juventude dos estudos histrico-arqueolgicos do medievo escandinavo e


germnico no Brasil e na prpria Amrica Latina no novidade; tambm no o o
vigor com que essa rea tem se desenvolvido nas ltimas dcadas. Se prosseguirmos um
pouco mais adiante e nos dispormos a discutir o contexto escandinavo mais a leste
envolvendo a Rssia nos perodos viking e medieval, encontramos um panorama de
ineditismo quase total, com pouqussimas excees, como a tese de doutorado
defendida por Eurpides Simes de Paula1 no departamento de Histria Social da
Universidade de So Paulo, na dcada de 1940.

A produo que insere a temtica Escandinava no contexto de leste restrita a


artigos esparsos de estudiosos ligados de forma mais ou menos indireta ao tpico. O
interesse, entretanto, relativamente crescente, em particular nas novas geraes de
graduandos em Histria, que enfrentam, alm da resistncia entre os prprios
acadmicos estabelecidos (e desconhecedores do campo em questo), a ausncia de
literatura. O trabalho de Eurpides Simes de Paula veicula informaes teis, mas que
necessitam de atualizao e contextualizao.

Essa deficincia engloba outros problemas que inclui a falta de bibliografia


estrangeira mais acessvel ao estudante que deseja adentrar o campo. As obras de cunho
geral sobre a cultura russa mais difundidas nas naes ocidentais apresentam uma
nfase acentuada no perodo sovitico, em decorrncia da influncia da URSS no sculo
XX, e da maneira como as relaes sovitico-americanas moldaram a poltica do mundo
contemporneo.

relativamente fcil se encontrar manuais de alcance geral sobre a Histria


Russa desde seus primrdios at os tempos soviticos, que carecem de maior
especializao nos tempos que interessam escandinavstica. O acesso s fontes
primrias e secundrias cada vez mais fcil ao estudioso graas ao advento da Internet
e dos recursos digitais, mas o interessado em desvendar o tpico ainda se depara com
inmeras dificuldades desde o desconhecimento de por onde comear, ao prprio
acesso s linguagens e idiomas requeridos.

1
PAULA, Eurpedes Simes de. O comrcio varegue e o gro-ducado de Kiev. So Paulo: Universidade
de So Paulo, 1942.
16

O foco de nosso trabalho , de muitas formas, mltiplo, por estranha que possa
parecer tal afirmativa ao leitor, que enxergar a temtica russoescandinava no medievo
como algo da mais notria especificidade. Nosso interesse primordial de pesquisa so as
vises e conceituaes desenvolvidas pelos eruditos escandinavos do medievo sobre o
leste austr, em antigo nrdico.

O leste pode consistir em referncia simples de direo geogrfica; nesta


acepo, por vezes assume um significado relativo, passageiro para quem o emprega:
por exemplo, um navegante que sai da Islndia ruma para leste quando se dirige para a
Noruega; um noruegus ruma para leste quando se dirige para a Sucia.

Ainda geograficamente, entretanto, o leste pode assumir uma conotao mais


absoluta, que perpassa a mera dimenso geogrfica e, ainda que a incorpore, assume
tambm um significado quase que etnolgico. Neste sentido, encontramos o leste
enquanto regio habitada por populaes especficas, diferentes e similares aos
escandinavos em diversos graus, e por eles caracterizados e distinguidos por conceitos
prprios.

H outra dimenso que o leste assume na historiografia escandinava medieval.


De natureza mais etrea, menos real ao leitor contemporneo e mais inserida no
campo do imaginrio, da narrativa mtica e fantstica. Uma dimenso na qual o leste
torna-se um lugar adequado para tanto os acontecimentos e feitos dos deuses e heris
quanto para localizao de acontecimentos imemoriais que se encontram no domnio do
passado.

O estudo do conceito de leste assume, portanto, um papel significativo no


prprio estudo do desenvolvimento da histria do pensamento nas regies escandinavas
medievais. Estruturas de pensamento que passam a ser fixadas de forma escrita, e que
sofrem uma bifurcao crescente entre narrativas de cunho mais estritamente histrico e
geogrfico para o campo no apenas do fantstico, mas de prprio entretenimento.

Tal circunstncia leva-nos a efetuar uma aproximao com a j antiga discusso


entre o mito e a histria, entre o fato e o ficcional. Porm, o faz de formas que
extrapolam nossas concepes contemporneas, e que devem ser compreendidas e
estudadas dentro da mentalidade do contexto em questo. Os marcos temporais so
fornecidos pelo nosso prprio tema. A concentrao de fontes escritas tradicionais
escandinavas ocorre no sculo XIII, refletindo processos diversificados e distintos
17

ocorridos nos reinos escandinavos.

Majoritariamente remete aos sculos IX-XI, conhecido como o perodo viking.


Temos, portanto, uma dualidade temporal constante. O trabalho por ns proposto est
fadado a estudar a histria no apenas de pensadores e historiadores do passado, mas a
histria por eles pensada e escrita. Para isso, devemos nos aproximar no apenas de seu
contexto, mas tambm do contexto que to vividamente atraiu seu interesse. Essa opo
traz consequncias metodolgicas, principalmente ligadas existncia e disponibilidade
das fontes primrias, sua prpria natureza, bem como os procedimentos a serem
adotados em relao a elas.

Nossa pesquisa est estruturada de forma a, inicialmente, prover um panorama


referencial dos contextos em questo: discutiremos a historiografia pertinente ao tema e
no apenas o tradicional contexto poltico e narrativo de escrita das fontes. Tambm
nessa seo tocaremos brevemente na discusso entre Mito X Histria, Fato X Fico
que, ainda que bastante familiar ao historiador, precisa ser revisitada, por razes que
explanaremos logo a seguir. Tal abordagem enfatizar os enganos que o uso
indiscriminado da Arqueologia pelo historiador pode induzir.

Essa seo contm tambm a discusso da chamada Controvrsia Normanista,


que merece destaque. Ainda que uma questo considerada resolvida na historiografia
ocidental - e mesmo nos pases da antiga Cortina de Ferro, a temtica ainda capaz de
suscitar debate acalorado em territrio russo, polarizando as posies polticas, tanto
dentro quanto fora da academia. Dessa forma, uma temtica que seria de certa forma
acessria visto que nosso objeto focado sobre o ponto de vista escandinavo sobre o
leste, e no o contrrio acabou por assumir ateno e espao especial, pelas
implicaes polticas contemporneas que a temtica pode assumir, e em relao s
quais no estamos dispostos a nos omitir.

relevante a circunstncia de que a anlise das consequncias presentes no


estudo da Antiguidade e do Medievo consista em um campo relativamente recente nos
estudos antigos, mas bastante ausente nos medievais. No Brasil, tal preocupao tem
sido constante no trabalho de pesquisadores ligados Antiguidade, como Pedro Paulo
Funari, Renata Senna Garrafoni e Glaydson Jos da Silva destacamos, por exemplo,
os estudos do ltimo referentes aos usos da Antiguidade na Frana de Vichy, mas com
exceo de tentativas de anlise cinematogrfica e da Cultura popular, o estudo das
18

formas de emprego do medievo na Idade Contempornea ainda tem engatinhado e


encontrado resistncia. Destacamos os estudos de Johnni Langer referentes s
representaes escandinavas no Romantismo, por si s pioneiros, e que despertaram
interesse em toda uma gerao de estudantes.

Em nossa apresentao do Normanismo pretendemos ir, no entanto, um passo


adiante, na demonstrao, ainda que em linhas gerais, de como uma temtica do
Medievo pde assumir consequncias amplas na Rssia e na Unio Sovitica, a ponto
de vir a ser considerada danosa e perigosa ao Estado, implicando perseguio aos seus
proponentes, bem como assumindo conotaes de disputa e ressentimento poltico entre
antigas naes do Bloco Sovitico e a Rssia.

Para a confeco de tal seo nos beneficiamos consideravelmente dos


conselhos dos professores do departamento de Lnguas Orientais da Universidade de
So Paulo, Bruno Gomide e Elena Vssina, bem como das oportunidades de discutir e
lecionar o tema na disciplina de Cultura Russa I, ministrada pelo prprio professor
Gomide. O leitor encontrar nesta seo, portanto, uma sntese consideravelmente
ampla estamos plenamente cientes do paradoxo da afirmao -, e tambm inexistente
na Amrica Latina. Tambm devemos aqui o agradecimento aos professores Andrejs
Vasks, da Universidade de Riga, Letnia, Heiki Valk e Anti Selart, da Universidade de
Tartu, Estnia.

Essa ponte entre o passado e o presente desejvel em todo trabalho de pesquisa


histrica; impossvel dissociar-se do presente vivido, que sempre se imiscuir na
pesquisa do mais neutro e cientfico dos historiadores. De fato, as pesquisas antigas
e medievais permanecem como um dos ltimos redutos na pesquisa histria em que se
pratica um modelo no qual o historiador pensa isolar-se em sua torre de marfim,
mantendo postura supostamente apoltica ora, o prprio hbito de abster-se ao de
consequncia poltica, ainda que de tolerncia, subservincia ou mesmo apoio ao status
quo.

Por outro lado, perduram ainda em mbito acadmico as discusses sobre as


maneiras de se efetuar tal conexo passado-presente, e em muitas ocasies a crtica de
uma historiografia mais conservadora centralizar-se- no argumento de que muitos
historiadores que dizem efetuar o estudo da Antiguidade ou Medievo esto, na verdade,
efetuando estudos de Histria Contempornea. Em outras circunstncias, a mesma
19

historiografia tradicional, com uma preocupao salutar do recurso s fontes primrias,


advogar uma total e cabal ausncia de referncia terica e reflexiva externa fonte,
como se tal empirismo fosse de fato, possvel.

Procuramos lidar com tais ambiguidades e dualidades em nossa pesquisa,


efetuando, dentro das possibilidades de tempo e espao, trabalho slido de anlise das
fontes sejam escritas ou arqueolgicas, mas sem nos abstermos das implicaes scio-
polticas contemporneas de tal anlise. Cabe tambm ao leitor a considerao final
acerca de quo perto fomos capazazes de chegar de tal objetivo.

No captulo seguinte procederemos ao estudo de Austrvegr e Gararki nos


sculos IX -XI termos que dissecaremos com mais afinco adiante, mas que por hora
suficiente definir enquanto reas leste da Escandinvia Austrvegr compreendendo a
regio bltica e Gararki a Rusde Kiev e Novgorod. Em tal fase da pesquisa daremos
foco s fontes propiciadas pela Cultura Material termo aqui empregado em seu
conceito arqueolgico. Empregaremos principalmente duas sries documentais; a
numismtica e as estelas rnicas. Nossa pesquisa no exclusivamente arqueolgica, e
no possui a natureza de uma anlise arqueolgica especfica e detalhada de limitado e
determinado contexto arqueolgico. Dessa maneira, pela prpria natureza de tais fontes
e pelas possibilidades de tempo e espao, tal etapa de estudo inevitavelmente recorrer
com frequncia ao cnon interpretativo acadmico, possuindo carter enciclopdico.
Temos a confiana de poder, a despeito de tais circunstncias, prover o leitor de
interpretaes e snteses ainda no agrupadas em conjuntos.

O captulo seguinte iniciar a contraparte temporal do sculo XIII. Analisar a


terminologia, conceituao e aparatos geogrficos disponveis aos antigos escandinavos,
incluindo suas formas de expresso lingusticas, cartografia e formas narrativas. Esta
seo ser complementada por uma anlise das diferenciaes etno-geogrficas
presentes na Eursia de noroeste.

A seguinte e ltima parte do trabalho lidar mais profundamente com as fontes


escritas de carter tradicional ao historiador, em particular com os trabalhos de Snorri
Sturlusson, Saxo Grammaticus e autores annimos de diversas modalidades de sagas.
Os dois captulos a ela destinada dividir-se-o em uma anlise especfica das obras
histricas e cronsticas dos autores supracitados no primeiro, seguida da comparao
com a rvar-Odds Saga e alguns extratos de outras Fornaldarsgur, que exemplificam
20

outras formas totalmente distintas de se empregar o passado e de se compreender o


leste.

Tal estruturao da pesquisa, a nosso ver necessria abrangncia de todas as


temticas envolvidas, corre perigosamente perto da discusso j referenciada sobre
mito X histria, fato X fico, o que realmente aconteceu X o que foi escrito sobre
isso. O leitor perceber a facilidade com que se associa Cultura Material,
conhecimento Arqueolgico e materialidade objetividade cientfica, bem como o texto
escrito subjetividade. Um estudo focado na materialidade nos sculos IX-XI seguido
da anlise das fontes escritas do sculo XII que tratam sobre esses primeiros sculos
induz tentadoramente o pesquisador a uma diferenciao simplista entre o que de fato
aconteceu, estudado pela Arqueologia e o que se escreveu sobre isto, estudado pela
Histria. Esperamos no incorrer nessa discusso de forma ingnua, despreparada e
simplista, e deixaremos ao leitor a concluso se conseguimos ou no vencer e transpor
tal limitao.

A natureza mltipla de nosso trabalho implica um carter por vezes


enciclopedista e mais inclinado ao estudo generalista, ao invs de uma anlise
estritamente transversal. Temos a confiana, no entanto, de apresentarmos ao leitor e
academia uma discusso pareada com o estado da pesquisa internacional, beneficiada
pela discusso com especialistas da Escandinvia, do Reino Unido e do Bltico, e que
pode se prover de elementos tanto da academia ocidental quanto da antiga cortina de
ferro.

Em relao aos nomes russos, empregamos a tabela de transliterao do cirlico


empregada pelo curso de Lngua Russa do Departamento de Letras Orientais da
Universidade de So Paulo, que pode ser consultada no Apndice II. No caso de
acadmicos russos com produo internacional, principalmente no mundo anglo-saxo,
citamos as formas de seus nomes segundo as respectivas publicaes. Quanto aos
nomes escandinavos, mantivemo-los em suas formas originais, incluindo terminaes
de nominativo singular.

Por fim, falta ainda a ressalva sobre o emprego especfico que faremos dos
termos viking e varegue. Defendemos o emprego do termo viking em uma
acepo ocupacional, no tnica, de um indivduo que navega em expedies listadas
nas fontes escritas e monumentais como viking, fossem de saque ou comrcio.
21

Defendemos tal posio em artigo publicado em 20102 e, desde ento, a mesma ideia foi
proposta e defendida por Renan Birro e Tho Moosburguer.

Quanto ao uso do termo varegue, designao comum historiografia usada


para escandinavos, normalmente suecos, que navegam, lutam, perseguem carreira ou
residem nas terras a leste, fosse Austrvegr, Gararki ou mesmo Bizncio e alm. Esta
acepo geral induz a uma dicotomizao simples entre varegues-mercadores e vikings-
guerreiros, e pode ser encontrada na obra de autores consagrados na Escandinavstica
como Lucien Musset3 e o casal Sawyer4.

Entretanto tal formulao j no se sustenta de forma completa. Ainda que a


maior parte dos empreendimentos a leste tenham tido carter comercial, os aspectos
presentes em expedies vikings encontram-se tambm nos movimentos dos varegues a
leste, sendo o termo viking empregado pela historiografia mais recente a lidar com as
terras orientais5. Tambm importante notar que um indivduo no necessariamente
navegava apenas a oeste ou apenas a leste. Dessa forma, empregamos viking de forma
ocupacional, mas genrica, e varegue de forma especfica, enquanto vikings nas terras a
leste.

2
MUCENIECKS, Andr S. Notas sobre o termo viking: usos, abusos, etnia e profisso. In: Revista
Alethia de Estudos sobre a Antigidade e Medievo, volume 2/2, ago/dez 2010.
3
MUSSET, Lucien. Les peuples scandinaves au Moyen ge. Presses universitaires de France: Paris,
1951. Musset discute o conceito de viking nas pginas 41s, e o de varegue, segundo a acepo citada,
na 53.
4
SAWYER, Birgit & SAWYER, Peter. Medieval Scandinavia: from Conversion to Reformation circa
800-1500. Minneapolis: Minnesota University Press, 2003 [1993], 53.
5
Destaque-se os influentes trabalhos de Thomas Noonan, em particular sua srie de artigos The Islamic
World, Russia and the Vikings, 750-900, seminais no campo da Numismtica; a obra de referncia de
Wladimir Duczko, Viking Rus: Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europe, publicada
pela Brill em 2004, e o recente manual de Stefan Brink e Neil Price, The Viking World, publicado em
2008. O termo viking tem sido empregado tambm por autores de origen russa e que publicam em
russo como Tatjana Jackson, Elena Melnikova e Leo Klejn, bem como em congressos internacionais
podemos citar, por exemplo o Internacional medieval Congress em Leeds, UK, e as Saga Conferences.
22

CAPTULO 1: PRELIMINARES HISTORIOGRFICOS

Alguns, estimando que os fatos mais prximos a ns so, por


isso, mesmo, rebeldes a quaquer estudo verdadeiramente sereno,
desejavam simplesmente poupar casta Clio contatos demasiado
ardentes. [Assim pensava, imagino, meu velho professor. Isso ,
certamente, atribuir-nos um fraco domnio dos nervos. tambm
esquecer que, a partir do momento em que entram em jogo as
ressonncias sentimentais, o limite entre o atual e o inatual est longe
de se ajustar necessariamente pela mdia matemtica de um intervalo
de tempo.] Estava to errado meu bravo diretor do liceu
languedociano onde empunhei minhas primeiras armas, que advertia-
me, com sua voz grossa de capito de ensino: Aqui, o sculo XIX,
no muito perigoso; quando chegares nas guerras de Religio, s
prudente. Na verdade, quem, uma vez diante de sua mesa de trabalho,
no tiver a fora de poupar seu crebro do vrus do momento ser bem
capaz de destilar suas toxinas at num comentrio sobre a Ilada ou o
Ramayana (Marc Bloch)6

1.1 Pensando sobre a dualidade Mito X histria

Os paradigmas histricos sofreram considerveis alteraes na Ps-


modernidade. O que muitos de ns no se apercebem o quo modernos ainda somos
em muitos aspectos. Como Barstad7 salienta, a despeito das grandes diferenas
existentes entre as metodologias dos positivistas alemes e a Escola dos Annales
francesa, ambas partilham do pressuposto de que a tarefa do historiador compreender
o passado.

O estado atual de discusso da disciplina aponta para a necessidade de uma


reflexo sria por parte do historiador sobre o seu trabalho, sua produo e seu prprio
ponto de partida. Em particular o lugar de onde o historiador escreve precisa ser
considerado, bem como a compreenso de que sua escrita no neutra e desprovida de
significados para o seu presente e sua posteridade.

Aparentemente, h um senso comum de que a dimenso poltica do presente no


trabalho do historiador considerada mais significativa na relao de que seu recorte de
estudo aproxima-se de seu prprio tempo. As temporalidades mais distantes
Antiguidade, Antiguidade Tardia e Idade Mdia permanecem distantes geografica e

6
BLOCH, Marc. Apologia da Histria: ou O ofcio do historiador. Edio anotada por tienne Bloch.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002 [1997]. P.62.
7
BARSTAD. History and the Hebrew Bible: Can a History of Israel Be Written? In: GRABBE, L. L.
Grabbe (ed.) Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 245. European Seminar in
Historical Methodology 1. Sheffield, 1997. p.40.
23

temporalmente, e, escondendo-se em tal distncia, risco constante do historiador


pressupor a ausncia de consequncias e influncias nas duas mos de seu trabalho
no contexto em que ele vive.

H de ressaltar que, ao menos no que toca a Antiguidade Greco-Romana, o


panorama tm sido mudado. Gradualmente mais departamentos e pesquisadores abrem-
se s necessidades do estudo dos diversos usos da Antiguidade efetuados a posteriori.
Dessa forma, no causam mais tamanha estranheza linhas de pesquisa inteiramente
devotadas a este objetivo, e ainda assim inseridas em departamentos voltados ao estudo
da Antiguidade.

A despeito de crticas eventuais de uma historiografia mais tradicional e


emprica, os produtos de tais linhas de trabalho tm dado significado maior ao prprio
estudo da Histria Poltica com um todo. Podemos citar como exemplos de tais estudos
os trabalhos de Glaydson da Silva8 acerca dos empregos de identidades tnicas ora
gaulesas, ora gallo-romanas, ora francas na Frana, em particular no perodo de Vichy;
trabalhos do grupo de pesquisa no qual o mesmo se insere, que tambm inclui Pedro
Paulo Funari, Renata Senna Garrafoni, Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa e
Jos Geraldo Costa Grillo, ligado UFPR e Unifesp e chamado Antiguidade e
Modernidade: usos do passado; estudos sobre apropriao de imaginrio germnico
antigo e mesmo helnico na Alemanha nazista, dos quais se destaca o ensaio de Carlo
Ginzburg Mitologia Germanica e Nazismo Su Un Vecchio Libro Di Georges
Dumzil" em Mitos, emblemas e sinais9; estudos sobre a apropriao do passado
romano pela Itlia fascista, e mesmo estudos sobre os usos da Arqueologia nas naes
coloniais, disputas tnicas e temticas afins.

No estudo do medievo, entretanto, tais preocupaes parecem mais distantes da


mente do historiador, a despeito da maior proximidade temporal e por vezes, nos
casos europeus, geogrfica. Algumas excees notveis e podemos referir nesta linha
de pesquisa alguns trabalhos do professor Johnni Langer acerca das representaes

8
Destacamos: SILVA, Glaydson Jos da. O mundo antigo visto por lentes contemporneas: as extremas
direitas na Frana nas dcadas de 1980 e 90, ou da instrumentalidade da Antigidade. Histria (So
Paulo), v. 26, p. 79-99, 2007; e principalmente SILVA, Glaydson Jos da. Histria Antiga e usos do
passado: um estudo de apropriaes da Antiguidade sob o regime de Vichy (1940-1944). So Paulo:
Annablume; Fapesp, 2007, 222p.
9
Publicao original: GINZBURG, Carlo. Mitologia Germanica e Nazismo Su Un Vecchio Libro Di
Georges Dumzil : Miti emblemi spie. Morfologia e storia. Einaudi, 1986.
24

romnticas sobre os vikings10 vm trabalhar o estudo de determinadas representaes


do medievo em perodos mais contemporneos. Mas so casos mais raros, espordicos,
e muitos deles se perdem como meros estudos de curiosidades, carecendo de anlises
polticas mais consistentes.

Dois pontos fundamentais que derivam de tais reflexes so as fronteiras


rgidas entre "Mito" e "Histria" e uma reavaliao do prprio conceito de "verdade
histrica". A respeito das implicaes polticas de nosso objeto de pesquisa,
retornaremos com maior detalhe brevemente. Em relao questo Mito e Histria,
ao tratarmos da dualidade temporal entre o perodo viking e o perodo da Baixa Idade
Mdia na Escandinvia, costuramos as duas situaes inadvertidamente pela prpria
natureza das fontes envolvidas, pelas disciplinas que se destacam em seus estudos, e
pelos preconceitos que gravitam em torno de tais disciplinas.

Quando comparamos o estudo dos sculos IX-XI carente de fontes primrias


escritas e, por conseguinte, centralizado em interpretaes sugeridas pelo estudo da
Cultura Material por disciplinas como a Arqueologia, Numismtica e Paleografia com
a anlise das fontes escritas no sculo XIII-XIV caracterizados por abundncia de
material escrito e epigrfico e, portanto, dominados por estudos histricos e literrios, as
naturezas das disciplinas induzem-nos a pressupor uma maior verossimilhana nos
estudos que lidam com a materialidade, produzindo uma polarizao entre cultura
material = histria/verdade versus fontes escritas e literrias = mito/mentira.

As prprias divises entre as fontes primrias, tambm influenciadas por doses


considerveis de positivismo histrico, induzem a critrios de maior ou menor
verossimilhana, em abordagens que, por mais que envolvidas em discursos
historiogrficos contemporneos, repetem esteretipos de matriz positivista. A
contraposio entre as Fornaldarsgur (Sagas Fantsticas) com as Islendigasgur
(Sagas dos Islandeses)11 produziu tradio de desmerecimento das primeiras em favor
da suposta maior factualidade e realismo das ltimas.

interessante frisar, entretanto, que possumos um termo classificatrio


empregado por alguns dos prprios islandeses medievais, ainda que aparentemente mais

10
LANGER, J. The origins of the imaginary Viking 4, 2002. Centre for Baltic Studies/Gotland
University, Visby, Sweden: Viking Heritage Magazine, v. 04, n.04, p. 07-09, 2002. & ________. Les
Vikings, premiers europens. In: Temas medievales 14 14, 2006, Scielo Argentina; _________. A guerra
das imagens. In: Histria (UNESP). 26, 2007.
11
Discutiremos em separado as categorias de fontes primrias, nos captulos II e V.
25

restrito. Trata-se de lygisgur. Traduzido para o ingls como lie-sagas, uma


apropriao razovel no portugus seria sagas de mentira, ou mesmo algo coloquial
como sagas de mentirinha. Porm no necessrio pressupor aqui um critrio
pejorativo per se. Trata-se de um critrio de certa forma similar ao que empregamos ao
diferenciar verdico de fictcio, ou mesmo histria e mito, e enfatiza o aspecto
de que o evento narrado ocorreu ou no12.
Este parmetro classificatrio cria situaes curiosas ao olhar contemporneo.
Enquanto o parmetro classificatrio fosse o ocorreu ou no-ocorreu, a
incorporao de motivos mgicos e fantsticos podia ser feita a um enredo que
realmente ocorrera sem alterar a caracterstica de fato da narrativa em questo. A
maior parte das sagas classificadas atualmente como marcadamente fantsticas e
fictcias, ou seja, as fornaldarsgur, no eram chamadas de lygisgur. E de algumas
sagas classificadas como tais, afirmava-se que das mesmas no se devia desprezar o
valor pois, a despeito de sua no-factilidade, traziam ensinamentos morais relevantes.
Temos, portanto, definies e considerao sobre a diversa natureza do
conhecimento que no coincidem exatamente com as nossas prprias vises. Nossa
diviso tradicional que classifica mito enquanto fantasia e inveno e histria enquanto
estudo ou narrativa de fatos que realmente aconteceram no se aplica aqui.
As slendigasgur e as Fornaldarsgur, a despeito de suas formas e estticas
muito diversas, lidam com a mesma matria-prima, o passado e a narrativa, em
contextos diferentes e subsequentes. Esses usos diversos so igualmente vlidos, e
anacrnico executar juzos de valor ou colocar uma forma de escrita de saga como
superior outra. A menor factualidade das Fornaldarsgur no deprecia o seu valor
enquanto fonte histrica.
De igual forma, ao tratarmos da dualidade temporal, mister salientar que todas
essas interpretaes dos contextos histricos sejam as interpretaes arqueolgicas
sobre os sculos IX-XI e seu estudo focado no material, sejam as construes escritas
nos sculos XIII-XIV, sejam os estudos histricos feitos sobre as mesmas e sua
abordagem quase que literria trata-se de interpretaes e construes, efetuadas por
historiadores dos sculos em questo, dos sculos XIX at ns. Tratamos de vises
sobre um passado do qual cada poca aproximou-se empregando o cabedal de
conhecimento disponvel para si.

12
DRISCOLL, Matthew. Late Prose Fiction (lygisgur). In: McTURK, Rory (ed.). A companion to Old-
Norse Icelandic Literature and Culture. Oxford: Blackwell Publishing, 2007. Pp.190ss
26

1.2 A historiografia pertinente

A dinmica entre Escandinvia e o Leste foi tratada diferentemente nos pases


nas quais foi estudada. Na Escandinvia, na Europa Ocidental e na Amrica a nfase
maior da Escandinavstica sempre foi o oeste, em particular os movimentos vikings nas
Ilhas Britnicas. A presena escandinava a leste foi considerada um fato dado, mas uma
especificidade mais ligada aos varegues, os vikings suecos, e as prprias dificuldades de
comunicao e troca de informaes com o bloco sovitico colaboraram em muito para
que o tema permanecesse em posio perifrica.

Na Rssia, posterior URSS e pases a ela incorporados, a situao foi bastante


diversa. A historiografia russo-escandinava e o incio da prpria historiografia russa
esto entrelaados, e o debate ligado a esta questo diz respeito diretamente ao prprio
surgimento da Rssia seja qual acepo se empregue para o termo, assumindo
significados maiores sob os regimes czarista, sovitico e da Era Putin-Medvedev, mas
sempre retornando ao moto de que o normanismo13 uma ideologia danosa ao estado
russo/sovitico, dependendo da temporalidade em questo, ou reafirmando e
legitimando a independncia dos Pases Blticos por enfocar supostos vnculos
milenares com o Ocidente e o Norte.

Destarte, pertinente efetuarmos um panorama sobre as diversas abordagens


que a temtica j sofreu. Fica a ressalva de que no se trata de nosso objetivo primrio a
confeco de um estudo especfico sobre a historiografia russo-sovitica, que merece
por si s considervel espao parte.

Faremos a seguir um apanhado historiogrfico sumrio da Rssia, seguido de


uma discusso mais detalhada da chamada Controvrsia Normanista. Daremos nfase
especial aos primeiros historiadores de origem germnica, pela prpria inexistncia no
Brasil de qualquer informao acerca dos mesmos e pelo papel que tiveram no
desenvolvimento de estudos russo-escandinavos. Atravessaremos o perodo sovitico,
encerrando tal discusso com uma anlise da situao da temtica no Brasil, Ocidente
(em particular Escandinvia, EUA e Reino Unido) e Pases da antiga Cortina de Ferro.

Na antiga URSS a arqueologia foi rebatizada como Histria da Cultura


Material, e foi ensinada por muito tempo como parte das cincias histricas. Esta
circunstncia similar nas antigas repblicas soviticas e em parte da antiga Cortina de

13
Que definiremos exausto muito em breve.
27

Ferro. destarte, muito da discusso historiogrfica entralaa-se com a discusso da


prpria teoria arqueolgica que, diga-se de passagem, enfrenta problemticas muito
similares na relao passado-presente.

1.3 A Rssia czarista

Os primeiros estudos histricos na Rssia deram-se no sculo XVIII e devem-se


principalmente aos trabalhos de Tatschev relido e cada vez mais resgatado na Rssia
nos tempos contemporneos, Bayer, Mller e Schlzer. Conquanto entre os acadmicos
no ocidente e na Escandinvia a atuao escandinava na Rus de Kiev e Novgorod tenha
sido ponto bastante consensual, havendo maior divergncia em nuances e detalhes sobre
os movimentos escandinavos no leste, na Rssia e URSS a situao foi diversa por
implicar na prpria formao do estado, bem como em ferir as sensibilidades e
nacionalismos de diversas eras.

A temtica escandinava esteve presente j na primeira gerao de historiadores


russos. Em parte a origem e formao alem de elevada porcentagem desses estudiosos
explica embasamento e propenses aos estudos germnicos. Entretanto, desde os
princpios da historiografia russa, estudos de tal natureza encontraram um revezamento
entre acirrada resistncia e aceitao, em particular com o surgimento da chamada
Controvrsia Normanista, deflagrada j em 1749, que defendia um papel significativo
escandinavo no surgimento e organizao da Rusde Kiev, e que ainda na atualidade
perdura como ponte de debate entre acadmicos de situao e oposio na Rssia ps-
sovitica.

A despeito do grande debate acadmico que a controvrsia gerou, os


historiadores da Rssia dos sculos XVIII-XIX acabaram por adotar em grande parte a
posio normanista como histria oficial, ainda que fossem acusados de um suposto
anti-patriotismo. De fato, aps a morte de Pedro, o Grande, e com o final da linha direta
masculina dos Romnov entre 1761 a 1917, portanto, o Imprio Russo foi governado
por oriundos principalmente da dinastia germnica dos Holstein-Gottorp.

No sculo XIX os alemes compunham 57% dos oficiais no Ministrio de


assuntos exteriores, 46% do ministrio de defesa e 62% do Ministrio de Correio e
Comunicaes. A presena germnica na cincia e nas artes era tambm dominante.
28

Dessa forma, como Zakharii14 argumenta, a elite do Imprio Russo, alienada das classes
subalternas, careceria de um elo nacionalista eslvico que a impedisse de favorecer a
ideia normanista.

Nos primeiros historiadores a lidar com a questo escandinava na Rssia tal


campo de estudo foi geralmente secundrio em relao aos seus interesses principais,
normalmente ligados s antiguidades clssica e oriental.

No obstante as fortes posies anti-normanistas desenvolvidas na Rssia


imperial entre autores nacionalistas e na posterior Unio Sovitica, os primeiros
historiadores na Rssia acabaram por se deparar com a temtica escandinava ao lidar
com as prprias fontes primrias que tratavam dos primrdios da histria russa. Em
trabalhos que no consistiam em suas maiores aplicaes de esforos, as circunstncias
mais bsicas do trabalho historiogrfico o dilogo com as fontes primrias
apontavam para a presena escandinava no incio da Rus.

Veremos a seguir um breve panorama dessa primeira gerao de historiadores,


iniciando-se com Tatschev, e a seguir enfatizando os alemes Bayer, Mller e
Schltzer, passando posteriormente para o estudo da controvrsia normanista
propriamente dita, que ir permear toda a discusso de uma historiografia russo-
escandinava desde ento, e que fornece um panorama bastante adequado e sinttico das
relaes entre Escandinvia e Rssia enquanto tema historiogrfico.

O fechamento de tal discusso de dar com o estudo das modificaes ocorridas


na historiografia russa com a Revoluo de 1917 e as transformaes sofridas pela
mesma no decorrer da histria sovitica, a abertura e o os tempos contemporneos.

14
ZAKHARII, Roman. The Historiography of Normanist and Anti-Normanist theories on the origin of
Rus: modern historiography and major sources on Varangian controversy and other Scandinavian
concepts of the origins of Rus. Master dissertation. Centre for Viking and Medieval Studies, The
University of Oslo, 2002. P.22
29

1.3.1 Tatschev

Vasslii Niktitch Tatschev (1686-1750) foi inicialmente um militar, diplomata


e engenheiro russo no tempo de Pedro, o Grande. destacou-se como tenente nas batalhas
de Narva e Poltava, e, tendo passado os anos entre 1713 e 1717 no estrangeiro, coletara
considervel bibliografia de cunho geogrfico e histrico. Por tais razes, foi escolhido
por Pedro, o Grande, para levar a cabo um levantamento geogrfico de toda a Rssia15,
tarefa que, tendo sido completada em 1739, durou 20 anos.

Em 1724 Tatschev esteve em misso diplomtica na Sucia. A despeito de seus


objetivos oficiais serem assuntos ligados metalurgia, minerao, moeda e cunhagem,
tal contexto propiciou a Tatschev a oportunidade de obter contatos com acadmicos
suecos tambm no campo da Histria, contato que teve influncia em seus primeiros
estudos histricos e que pode ser notado j na primeira obra histrica na Rssia,
Histria Russa desde os tempos antigos, publicada postumamente em 176816.

Dessa forma, Tatschev no foi apenas o primeiro historiador russo, mas tambm
o iniciador dos russo-escandinavos.

1.3.2 O alemes17

a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738)18

chamado por Belaiew19 de o fundador de fato da pesquisa islandesa na


Rssia posio que, como acabamos de afirmar, parece mais adequada a Tatschev.
Tendo estudado e pesquisado diversas fontes primrias, incluindo escandinavas, gregas
e orientais, Bayer escreveu a obra De Varagis, publicada em latim em 1735 e em
russo em 1768, e que seria obra fundamental na controvrsia normanista. Bayer deu
nfase especial ao estudo das sagas escandinavas ento disponveis.

15
BELAIEW, N.T. Eymundar Saga and Icelandic Research in Russia. In: Saga Book II (1934), p.93.
16
BELAIEW, 94
17
Destaque seja dado o uso do termo alemo ou alemes est sendo efetuado em perodo prvio
unificao da Alemanha.
18
A maior parte das referncias sobre Bayer passvel de ser encontrada em bibliografias referentes sua
carreira enquanto sinlogo, dentre as quais se destaca: LUNDBK, Knud. T.S. Bayer (1694-1738):
Pioneer Sinologist. Scandinavian Institute of Asian Studies, Monograph Series No.54. Curzon Press:
London & Malm, 1986.
19
BELAIEW, 94.
30

Bayer nasceu em Knigsberg, na poca parte da Prssia, onde passou os


primeiros 32 anos de sua vida. Classicista por formao, seu tpico inicial inicial de
estudo foi a histria das Igrejas na sia antes da abertura das rotas martimas alm da
ndia. Dessa forma, estudava o etope, o siraco e a expanso do Cristianismo rumo ao
sul.

Aos 19 anos demonstrou interesse em estudar o chins, tendo a possibilidade de


faz-lo mais seriamente trs anos depois, em 1716, na biblioteca de Berlim, onde teve
contato com o pouco material ao qual tinha acesso. Coletou grande quantidade de
material, mas seu conhecimento do chins no chegou a ser completo e profundo o
suficiente para ser considerado um sinologista20.

Em 1726, mudando-se para So Petersburgo, ocupou o cargo de curador das


antiguidades greco-romanas e, posteriormente, passou a lecionar antiguidades orientais,
o que lhe permitiu ocupar-se mais a fundo com seus interesses na China. Sua biblioteca,
vendida por sua viva e posteriormente passando por mais de um proprietrio, acabaria
por formar a Bayer Collection da biblioteca da Universidade de Glasgow, contendo
por volta de 200 livros e manuscritos chineses e orientais, e incluindo sua
correspondncia com jesutas em Beijing (dada entre 1731 at a sua morte) e livros em
folhas de palmeiras21. Sua obra Museum Sinicum, in quo Sinicae Linguae et Literatura
ratio explicatur, publicada em 1730, consiste na primeira obra detalhada sobre a lngua
chinesa a ser publicada na Europa22.

peculiar que sua obra De Variagis (1735), de tamanha influncia nos estudos
russo-escandinavos, e de tamanha relevncia na criao da Controvrsia Normanista,
tenha sido fruto de parte consideravelmente marginal de seu trabalho.

20
LUNDBAEK, pp.182s.
21
The Bayer collection. In: <http://www.gla.ac.uk/services/specialcollections/collectionsa-
z/bayercollection/>
22
BOXER, C. R. Bulletin of the School of Oriental and African Studies, University of London. Vol. 51,
No. 2 (1988), p. 367.
31

b) Gerhard Friedrich Mller (1705-1783)23

Gerhard Friedrich Mller nasceu em Herford, na Westphalia em 18 de outubro


de 1705. Recebeu sua educao em Leipzig e em 1725 foi convidado para cofundar a
Academia de Cincias em So Petersburgo. Participou da segunda expedio
Kamtchatka, que relatou sobre a vida e a natureza a leste das cadeias dos Urais. Entre
1733 e 1743, dezenove cientistas e artistas viajaram atravs da Sibria para estudar
povos e culturas e coletar dados para a confeco de mapas. Mller descreveu e
categorizou vestimentas, religies e rituais dos grupos tnicos siberianos, tambm sendo
considerado pai da etnografia e do folclore.

Ao retornar da Sibria, tornou-se historigrafo do Imprio Russo. Foi um dos


primeiros historiadores a trazer um registro geral da histria Russa baseado no exame
extenso das fontes escritas. Graas nfase que deu do papel escandinavo e alemo na
histria russa um germe da teoria normanista ganhou a inimizade de Lomonssov,
que antes lhe apoiara.

Em 6 de setembro de 1749, Mller proferiu uma fala na Academia Imperial de


Cincias de So Petersburgo, intitulada Origines gentis et nominis Russorum, baseado
no De Varagis, de Byer, e a partir do qual props a teoria de que o antigo reino da
Rssia Kievana fora fundado por escandinavos24.

Mller no conseguiu sequer terminar sua fala devido ao tumulto que ela gerou,
e a questo teve de ser levada ao conde Alieksiei Grigrievitch Razumvskii e prpria
imperatriz Isabel25, que criou um comit a fim de investigar se os escritos de Mller
eram danosos aos interesses do Imprio.

A situao, particularmente o testemunho de Lomonssov, prejudicou


consideravelmente sua carreira. Aps muitos ataques por seus colegas Mller foi
proibido de dar continuidade suas pesquisas na Rssia antiga e Kievana, suas
publicaes foram confiscadas e destrudas.

23
Informaes bibliogrficas, quando no-referenciadas, obtidas na Allgemeine deutche Biographie.
STIEDA, Ludwig Von. Mller, Gerhard Friedrich. In: Allgemeine Deutsche Biographie, herausgegeben
von der Historischen Kommission bei der Bayerischen Akademie der Wissenschaften, Band 22 (1885), S.
547553.
24
PRITSAK, Omeljan. The Origin of Rus. Volume I: Old Scandinavian Sources other than the Sagas.
Cambridge, Massachusetts; Harvard Ukrainian Research Institute: Harvard University Press, 1981. P.03s.
25
Ielizavieta Pietrvna, Imperatriz entre 1741 a 1762.
32

A despeito da turbulncia dos anos entre sua fala na Academia Imperial e o


confisco de suas obras, a situao de Mller gradualmente se ameniza. Em 1754 recebe
a nomeao de secretrio conferencista da Academia de Cincias e no ano seguinte
consegue o trabalho de editor da publicao cientfica Escritos mensais, na qual
publica diversos artigos acadmicos, ainda escrevendo sobre as origens da Rssia.

Chegou a ser eleito membro estrangeiro da Academia Sueca Real de Cincias


em 1761, juntamente com Lomonssov, que permanece crtico de seu trabalho e de suas
publicaes na Escritos mensais. Este falece em 1765, ano no qual Mller se muda
para Moscou, tendo sido indicado diretor-chefe do Orfanato da cidade. Em 1766 Mller
recebe a posio de mantenedor dos arquivos do Colgio de Relaes exteriores de
Moscou.

Em 1772 Mller atingido por uma paralisia, mas continua a escrever e


produzir. Doou ao governo uma coleo dos seus tratados e morreu em Moscou, com 77
anos, em 1783.

c) August Ludwig von Schlzer (1735-1809)26

Especialista em diversas reas, suas contribuies para a humanstica no geral


foram grandes e diversas. Paralelamente a seu rival Gatterer, em Gttingen, Schltzer
definiu o escopo temporal da Mittelalter entre a queda do Imprio Romano em 476 e
a descoberta da Amrica, em 1492. O primeiro conceito de etnologia, definido por
Adam Kllar em 1783, deve muito ao seu intercmbio de ideias com Schlzer27, sendo
que o prprio conceito de ethnographie atribudo ao prprio Schlzer ou a
Gatterer28.

Schlzer foi conduzido por boa parte de sua vida em um interesse pelo Oriente e
pelas terras bblicas. Movido por necessidades materiais, financeiras e de patrocnio,
viajou para Sucia e Rssia, onde efetuou contribuies fundamentais para suas
historiografias. Contribuies, que, no obstante sua relevncia, no consistiam no

26
A maior parte das informaes bibliogrficas sobre Schlzer foram obtidas na Allgemeine Deutsche
Biographie e na Russland und die Gttingische seele 300 jahre St. Petersburg: Ausstellung in der
Paulinerkirche Gttingen unter der Schirmherrschaft von Bundesprsident Johannes Rau und dem
Prsidenten der Russischen Fderation Wladimir Putin, ambos disponveis em meios impressos e
digitais.
27
STAGL, Justin. Rationalism and Irrationalism in Early German Ethnology: The Controversy between
Schlzer and Herder, 17721773. In: Anthropos, 93. Viena: Anthropos Institut, 1998. P.524.
28
STAGL, Justin. P. 522.
33

objetivo primrio de sua vida acadmica, de forma muito semelhante ao que ocorrera
com a produo acadmica de Bayer.

Nascido em 1735 em Jaggstadt, Nrdlichen Wrttenberg, Schzer foi


historiador, jornalista, pedagogo e estatstico. Descendente de pastores protestantes,
iniciou seus estudos em Teologia em Wittenberg. Aps completar sua dissertao em
Teologia (De vita Dei) em 1754 em Witteberg, mudou-se para Gttingen, aonde
estudou com o ento eminente orientalista e especialista em Antigo Testamento Johann
David Michaelis.

Influenciado pela nsia por aventuras e viagens, por questes teolgicas e


mesmo missionrias, estudou rabe, geografia e estatstica do Oriente Mdio. No
possua o dinheiro necessrio para cumprir seus planos e, usando de bolsas e de um
pequeno capital deixado por seu pai para completar seus estudos, simultaneamente
buscava formas de se manter, principalmente como professor particular na famlia dos
Rderer.

Por meio de Michaelis conseguiu um trabalho como tutor privado de Murray,


pastor da comunidade alem em Estocolmo. Dessa forma, em 1755 mudou-se para a
Sucia, onde residiu por trs anos e meio. Estudou Gtico e Antigo Nrdico em Uppsala
entre 1756 e 1757, e devido sua vivacidade de esprito e diversas habilidades
incluindo a de aprender o sueco, conseguiu manter-se no pas, ajuntar certa quantia de
dinheiro e fazer conexes importantes, ainda mantendo em mente suas ideias de viajar
para o Oriente. Ali publicou algumas obras e conseguiu alguns trabalhos como
jornalista.

Retorna s terras germnicas entre 1758 a 1761, como tutor particular em


Lbeck, na residncia dos Kusel (175859), e em Gttingen. Esta fase marca um grande
desapontamento em sua vida: Michaelis organizara uma expedio dinamarquesa
exploratria Arbia, que partiu sem Schltzer no recomendado por Michaelis para
a mesma, alegadamente por Schltzer possuir carter obstinado e egocntrico29.

Schltzer, ainda com seus objetivos de visita ao Oriente em vista, e por meio
novamente do prprio Michaelis e de Bshing, consegue um lugar enquanto assistente
literrio e tutor privado da famlia do j referido Gerhard Friedrich Mller, em So

29
STAGL, 525.
34

Petersburgo. Ali aprende rapidamente a lngua russa, bem como tem contato com as
fontes primrias para a histria da Rssia.

Dotado de temperamento forte, Schlzer logo entra em choque com Mller,


deixando sua casa em 1762. Entra em conflito tambm com o prprio Bshing e com o
polmata Lomonssov, cujos versos critica e cuja inimizade adquire bastante danosa
face extrema importncia de Lomonssov nos meios culturais, cientficos e artsticos
da Rssia.

Consegue o suporte, entretanto, de Taubert que, por sua vez, mantinha um


escritrio de prestgio e o acesso ao conde Razumovski. Schlzer consegue, assim, a
posio assalariada de instrutor adjunto da instituio educacional que o conde fundara
para seus filhos e para os de outras famlias nobres.

A despeito das rivalidades acadmicas que Schlzer conseguira, Kozlov, pai de


um de seus alunos, intermedia contato com a imperatriz Catarina II, a grande(1762-
1796)30. Catarina interessa-se por ele, e em 1765 lhe garante a posio de membro da
Academia, e de professor em tempo integral de Histria Russa por cinco anos, com um
salrio de 850 rublos.

Registra-se que Schlzer manteria at o fim de sua vida grande apreo e crdito
dspota esclarecida da Rssia, patrocinadora das artes e do saber. O patrocnio
pretendido por Schlzer para sua viagem ao Oriente, entretanto, no era de interesse de
Catarina, ficando o projeto parado.

O ambiente da Rssia de ento foi de grande estmulo para a produo


acadmica de Schlzer, qual ele dedicou-se com particular afinco. Aplicando modelos
com os quais trabalhara na Sucia, em particular nos trabalhos de Sssmilch e
Wargentin, Schlzer trabalhou em prol do projeto de Taubert, da criao de um bureau
estatstico para a Rssia, encorajando a criao de listas e diretrios de nascimentos,
mortes e casamentos. Suas propostas, entretanto, mantiveram-se, na maior parte, no
papel.

Sua atividade acadmica no gabinete da imperatriz teve mais sucesso, ainda que
relativamente tarde. Schlzer efetuou trabalho crtico e de campo na Histria antiga da
Rssia, em particular com a crtica dos textos e manuscritos aprendida em Gttingen
Pviest vrimennikh liet, escrita em eslavnico antigo, do qual publicou uma edio

30
Iekatierina II Vielikaia, viveu de 1729 a 1796, governando a Rssia de 1762 at sua morte.
35

crtica entre 1802 e 1809 a primeira aplicao do mtodo crtico germnico a um texto
do medievo31. Tal trabalho, entretanto, no satisfazia aos maiores planos de Schlzer,
que abandona a Rssia em definitivo em 1767, aps perodos tambm de conturbaes e
rumores junto aos seus rivais na Academia.

Nesse meio tempo Schlzer recebera do governo Hannoveriano em Gttingen os


ttulos de Professor extraordinarius em 1764, em grande parte por intercesso de
Michaelis, e Doctor honoris causa em 1766 devido ao seu trabalho acadmico na
Rssia, posies que lhe auxiliaram na obteno de suas funes na Rssia aps seus
conflitos com Lomonssov.

Em 1769 consegue o cargo de professor em tempo integral na faculdade de


filosofia em Gttingen, com o salrio de 540 thalers, casando-se no mesmo ano com
Caroline Rderer, da qual fora preceptor no tempo em que ali estudara, adquirindo uma
residncia na Paulinerstrae, e ali se estabilizando para o resto de sua vida.

Em Gttingen, Schlzer deu continuidade aos seus trabalhos sobre a Rssia,


ainda que relativamente distante de l. A correspondncia com estudantes e bibliotecas
da Rssia garantiram-lhe bibliografia, e nos seus primeiros anos ali, Schlzer publicaria
diversas obras, bem como revisaria trabalhos antigos, por vezes em meio polmicas
com Bsching e Mller: "Probe russischer Annalen"32 (1768), Annales Russici"
(Gttingen 1769), Tableau de l'histoire de Russie", (Gttingen, 1769), Geschichte von
Ruland bis zur Erbauung Moskaus im J. 1147(Gttingen 1769)33, "Oskold und Dir:
erste Probe russischer Annalen" (Gttingen 1773)34.

Em 1771 Schlzer publicaria Uma histria geral dos povos do Norte, nmero
31 da coleo Histria geral do mundo. Em 1785 publicaria, ainda parte dessa mesma
coleo, sob o nmero 50, Geschichte Lithauens35.

Sua Nordische Geschichte36 encontraria boa acolhida, a despeito de crticos


severos como Thun, jovem professor em Halle, que apontou severos erros de Schlzer
em relao aos eslavos ocidentais, e a despeito de ser principalmente uma compilao e
traduo de autores escandinavos.

31
STAGL, 526.
32
Amostra dos anais russos.
33
Histria da Rssia at a edificao de Moscou no ano de 1147.
34
Askold e Dir: primeira amostra dos anais russos.
35
Histria dos lituanos.
36
Histria nrdica.
36

Nesta obra, Schlzer definiria por norte o espao desde a Islndia at a


pennsula de Kamtchatka, e do Mar de Barents aos Balkans, organizando as regies por
um Vlkersystem, sistema de povos, ao invs de unidades polticas, e classificando
tais povos por meio de suas linguagens37. Esse apoio e emprego de Leibniz na
organizao das populaes por meio dos grupos lingusticos acabou por se constituir
em um dos maiores mritos da obra.

O perodo posterior da vida de Schlzer foi devotado suas atividades de ensino


e pesquisas relativos a outros tpicos, como Histria do Mundo, Estatstica e Poltica, e
os estudos relativos Escandinvia e Rssia no foram levados adiante.

Por suas contribuies ao estudo da Histria Russa, Schlzer recebeu em 1804 o


ttulo de nobre da parte do Imperador Alexandre I (1801-1825).

1.4 A controvrsia Normanista

As ideias de Bayer, Mller e Schltzer sobre o papel Escandinavo na origem da


Rssia, como vimos, desembocaram em uma disputa acadmica acirrada de amplo
escopo que atingiria toda a historiografia pertinente, e viria a ser conhecida como
Controvrsia Normanista. Seus pontos de conflito focam-se no papel que os
escandinavos tiveram na formao da Rusde Kiev nos perodos viking e medieval,
principalmente entre os sculos XIII-XI38.

O termo Rssia, por si s, genrico e necessita de clarificao. A


controvrsia normanista trata sobre os incios da Rssia, mas a Rusde Kiev enquanto
origem do Imprio e Federao russos objeto de controvrsia; a mesma origem
alegada pelos historiadores ucranianos.

Ao falarmos de Rusde Kiev, tratamos do reino dentre os sculos X-XIII


existente em regio aproximada Ucrnia contempornea, formado majoritariamente
por populaes de etnia e linguagem eslvico-orientais, e sobre as quais a origem dos
primeiros governantes o objeto de disputa na Controvrsia Normanista. Outras
acepes que o termo Rssia adotou incluem o Gro-Ducado de Moscou, por vezes
chamado de termos similares a Moscvia, que perdurou dos sculos XIV-XVII visto
por alguns como continuador da Rus de Kiev, e por outros como entidade poltica

37
STAGL, 526.
38
Informaes bibliogrficas e narrativas baseadas em PRITSAK e BELAIEW, listados nas referncias.
37

bastante diversa , os Imprios Russos subsequentes, e a Federao Russa ps-URSS.

Dessa forma, historiografias historicistas tais quais as marxistas que lidam


com uma linha contnua e inexorvel de eventos cujo desfecho enquadra-se em uma
teoria geral explicativa, ou um desenrolar j previsto, traam a linha indelvel entre a
Rus de Kiev e as Rssias posteriores, posio que j foi e ainda objeto de muito
debate, em particular com historiadores de origem ucraniana cujo pas consiste no
herdeiro territorial do reino em questo.

Os prprios limites e abrangncia da Rus na Alta Idade Mdia encontram


controvrsia, na incluso ou no da regio das cidades do norte Novgorod, Ryazan,
Rostov, Smolensk, Polotsk e Suzdal em seu escopo poltico-geogrfico, situao que,
tendo perpassado a obra de autores como o escandinavista russo Aron Gurevitch, Dmitri
Likhatchv e Iuri Stiepanovitch, voltou pauta contempornea, entremeado de
implicaes polticas, nas aes do presidente russo Vladmir Putin.

Segundo a Pviest vrimennikh liet, os eslavos de leste e seus vizinhos fino-


gricos foram vencidos por alguns varegues, aos quais pagavam tributo, mas libertaram-
se desse jugo. Entretanto, no conseguiam manter a ordem e chamaram outros varegues
para govern-los. Os irmos Riurik, Sineus e Truvor responderam ao chamado, dando
origem ao primeiro reino unificado de Rus.

Segundo esse ponto de vista baseado principalmente nas fontes primrias


escritas, chamado normalmente de normanista, o termo Rus de origem nrdica, mais
precisamente referindo-se aos svear que, adentrando o Norte russo, foram organizadores
da vida poltica, primeiramente na regio do lago Ilmen, e posteriormente mais ao sul ao
longo do Dnieper (vide Mapas 03 e 04).

Tais afirmaes so de teor polmico em ambientes acadmicos influenciados


ou gerenciados por governos autoritrios. A primeira disputa sobre esse tema ocorreu na
Rssia Imperial, nas pocas das guerras do Norte, nas quais a Rssia combateu, dentre
outras naes, a Sucia.

Como j demonstrado, quando Mller proferiu sua conferncia sobre as fontes


escandinavas aos membros da Academia Imperial Russa em 1749, causou veemente
debate ao propor a ideia normanista. Os estudiosos russos presentes no podiam admitir
a ideia de que a origem do estado russo fosse estrangeira, ainda mais de um grupo
38

tnico com o qual travara guerras recentemente39.

O debate perdura por toda a historiografia russa, ucraniana, sovitica e mesmo


polonesa. Nos tempos da URSS desenvolveu-se a teoria que chamaremos de anti-
normanista, principalmente por meio de argumentos que empregavam a Arqueologia e
a Lingustica, segundo a qual a origem do estado russo seria autctone e devida
exclusivamente aos eslavos de leste.

Ao menos em seus primrdios, a ideia normanista revestiu-se de conotaes


polticas que, por sua vez, implicavam uma incapacidade dos povos eslvicos em
desenvolverem um processo independente de formao de estado40. A historiografia
sovitica posterior consideraria a teoria normanista politicamente prejudicial,
argumentando que ela negava a habilidade das naes eslavas de formar estados
independentes por meio de seus prprios esforos41.

Segundo os anti-normanistas, os Rus seriam eslavos, autctones na regio Sul de


Kiev desde os tempos pr-histricos, antes do aparecimento de vikings e varegues na
Europa. Esse elemento nativo, eslvico, teria tido o papel decisivo na construo de um
Estado42, em particular da Rus de Kiev.

Veremos a seguir as posies de ambas correntes.

1.4.1 A posio normanista

A historiografia contempornea possui uma posio majoritariamente


normanista, ainda que em graus variados. Tal posio encontrada tambm entre
pesquisadores russos contemporneos, de origem russa e de outros pases da antiga
Cortina de Ferro, como Dmitrii Matchinskii (Rssia), Gleb Lebedev (Rssia), Elena
Melnikova, Tatjana Jackson (Rssia)43 e Wladyslaw Duczko (Polnia-Sucia). Alguns
casos apresentam posies intermedirias, incluindo autores tradicionais e referenciais
no tpico no ocidente, como o russo-americano Vernadsky, sobre o qual falaremos mais

39
A guerra russo-sueca de 1741-1743, aps a qual o Imprio Russo incorporou a Finlndia, e a Sucia
iniciou seu declnio enquanto potncia.
40
ZAKHARII, p.18.
41
, . . 22, 1947, .
42
As acepes de estado defendidas por tal posio frequentemente enquadram-se em conceitos
marxistas, considerando uma linha contnua e inexorvel da histria a levar ao Comunismo e
considerando, dessa forma, o perodo em questo como uma etapa em tal desenvolvimento.
43
No caso de autores com produo biogrfica ampla no ocidente, como Lebedev, Melnikova e Jackson,
empregamos aa formas dos nomes prprios pelos quais so citados internacionalmente.
39

adiante.

Quanto historiografia brasileira, a discusso insuficiente sobre o assunto at


o presente para poder se falar em tendncias e posies. Eurpides Simes de Paula,
autor da nica obra especfica e mais abrangente sobre o assunto, bem como nica fonte
de consulta para diversos estudantes e pesquisadores, defende a posio normanista sem
ressalvas. Alm de seu trabalho mais amplo, que discutiremos melhor mais adiante, h
artigos esparsos, endossando a posio normanista quase que em sua totalidade.

Levando-se em considerao que as novas geraes de pesquisadores


interessados no tema tm se levantado em meio a estudos escandinavos, razovel
pressupor uma tendncia consolidao da posio normanista tambm na academia
brasileira.

Listamos a seguir alguns dos principais expositores de posio normanista desde


seu princpio, ou ao menos que se enquadrem em seu espectro de alguma maneira,
tendo-se em mente que muitos estudiosos incorporam matizes dos dois lados. Os
alemes que colaboraram para a criao de uma historiografia russa esto listados na
Rssia. A Ucrnia est considerada a parte por, a despeito de estar sob jugo do Imprio
Russo e da URSS pela maior parte de sua histria, ter produzido tradio historiogrfica
prpria, e est listada em conjunto com a Polnia pelas temticas e abordagens por
vezes similares de sua historiografia. A lista no exaustiva; a quantidade de estudiosos
no ocidente, por exemplo, que adota uma posio que pode ser considerada dentro do
espectro normanista por demais extensa.

No Imprio Russo:

August Ludwig von Schlzer (1735-1809; Wrttemberg; Imprio Russo),


Friedrich/Fiodor Aleksandrovitch Braun (1862-1920 Imprio Russo/URSS; 1920-
1942 Leipzig, Alemanha), Nikolai Mikhailovitch Karamzim (1766-1826, Imprio
Russo), Serguei Mikhailovitch Soloviv (1820-1879, Imprio russo), Mikhail
Pietrovitch Pogodin (1800-1875, Imprio russo), Aleksiei Aleksandrovitch Chakhmatov
(1864-1920, Imprio Russo)

Na Escandinvia e Alemanha:

Ernst Kunik (Prssia, 1814-1899), Vilhelm Ludwig Peter Thomsen (1842-1927,


Dinamarca), Ture Algot Johnsson Arne (1879-1965, Sucia), Herbert Jankuhn (1905-
40

1990, Alemanha), Adolf Frans Emil Stender-Petersen (1893-1963 Imprio Russo;


Dinamarca; Estnia; Dinamarca), Holger Arbman 1904-1968, (Sucia)

Russos emigrados:

Vladimir A. Mochin (1877-1921 Imprio Russo; 1921-1987 - Iugoslvia), George


Vernadsky (1887, Imprio Russo; 1927-1973, EUA).

Na Polnia e Ucrnia:

Henryk Paszkiewicz (1897-1979), Stiepan Tomachevskii (1845-1930, Ucrnia), Myron


Mikhailovitch Korduba (1876-1947, Ucrnia), Mykola Chubaty (1889-1975, Ucrnia).

A argumentao inicial defendida por tais eruditos baseava-se principalmente na


anlise das fontes primrias e em argumentos de anlise lingustica. Apontava para uma
elite escandinava fundadora da Rus Kievana, governante dos eslavos orientais e outras
etnias nativas (fino-gricos e baltos).

A posio normanista passou por modificaes e possui nuances e nveis de


aceitao diversos. As conotaes polticas iniciais foram substitudas, sendo que alguns
estudiosos, chamados por vezes neo-normanistas44, como Jankuhn, Stender-Petersen,
Arbman e Taube apresentariam ideias que envolvem uma mudana gradual no governo
estrangeiro sobre os eslavos, bem como graus mais variados de assimilao.

Alguns normanistas, participantes da historiografia ocidental ucraniana das


dcadas de 1920-30 como os referidos Stepan Tomashevsky, M. Korduba, M. Chubaty,
e B. Krupnytsky apresentaram aceitaes parciais de alguns pontos anti-normanistas.

George Vernadsky (1887-1973), autor de grande influncia no meio de lngua


anglo-sax e em nosso prprio trabalho, apesar de afirmar de forma enftica adotar
uma posio normanista45 ao ponto de qualificar como quixotescos os esforos anti-
normanistas46, no aceita ideias altamente difundidas entre os mesmos, como a
etimologia do nome Rus ligada a Roslagen e Ruotsi47 (que discutiremos logo adiante).

Vernadsky em ocasio alguma diminui a parcela de responsabilidade eslvica-

44
ZAKHARII, 18.
45
VERNADSKY. Ancient Russia. A History of Russia, Volume I. New Haven and London: Yale
University Press, 1964. 6ed [1943]. Pp.259; 261ss; 275ss.
46
VERNADSKY, 276.
47
VERNADSKY, pp. 278s.
41

oriental na formao da Rus; antes, adota tambm posio que, a despeito de


categorizvel dentre os normanistas, d grande papel s interaes mtuas
populacionais a linha, ao nosso ver, mais coerente e contempornea de pesquisa, a
despeito de j falecido h mais de 40 anos.

Da mesma forma, Thomas Noonan (1938-2001) busca uma posio mais


intermediria na questo, ainda que partindo inequivocamente de pressupostos que
sero reconhecidos por anti-normanistas como normanistas e, pelos prprios
normanistas, como moderados.

Omeljan Pritsak resume muito convenientemente os tpicos-chave dos dois


lados da questo em sua obra peculiar The origin of Rus, apanhado imenso de
erudio nos campos conectados questo, e apresenta outra proposio completamente
original de sua lavra, inserindo a participao da Rdhnya judaica.

Adentremos de forma mais aprofundada nas mincias da posio.

I. A Etimologia
O primeiro estado russo, a Rus de Kiev (ou kievana) foi fundada por
estrangeiros escandinavos. Rus era o nome dado aos vikings de Leste, oriundos da
Sucia e conhecidos como varegues. A etimologia do nome Rus derivaria do fino-
grico Ruotsi, termo cujas derivaes so empregadas at os tempos contemporneos
entre populaes de fala fino-grica (como estonianos e finlandeses) ao referirem-se aos
suecos.

Esse termo, por sua vez, viria do germnico Rr, que significa remador,
em particular derivado da regio costeira de Uppland, denominada como Roslagen,
cujos habitantes chamariam-se, portanto, Rskarlar. Ekblom e Stender-Petersen
apresentam uma variante dessa etimologia, sugerindo que rus derivaria de r(er)s-
byggjar, algo como os habitantes de estreitos entre as ilhas48.

Devemos salientar que a grande maioria das estelas rnicas com citaes a
escandinavos viajando e morrendo em Gararki encontram-se no distrito sueco atual de
Uppland. Retornaremos a tal tpico em detalhe no captulo 2 desta tese.

48
STENDER-PETERSEN, Adolf. Zur Rus'-Frage. In: Varangica. Aarhus, 1953. p.82.
42

II. As fontes

a) Pviest vrimennikh liet

Tambm chamada de Crnica primeira russa ou Crnica nestoriana, sua


autoria foi atribuda no sculo XIX ao monge Nestor, que a teria escrito nas
proximidades de um monastrio de Kiev. Mais recentemente, tm-se questionado tal
autoria, argumentando-se pela hiptese de uma compilao de diversas crnicas49.

H duas redaes conhecidas da crnica: a Laurentina, copiada pelo monge


Lavrentii em 1377, e a Ipatiana que, datada da metade do sculo XV, recebeu seu nome
do monastrio de Ipatiev, em Kostroma, onde foi descoberta, apesar de provavelmente
ter sido copiada em Pskov50. As diferenas entre ambas so poucas, principalmente nas
entradas aps o ano 1110. Em ambas as redaes, o texto que transcreveremos a seguir
referente aos Rus o mesmo.

Nela, os grupos entre os quais os Rus'i esto includos so todos germnicos de


alm-mar, chamados de varegues: shviedy ( svearsuecos), normanny
( - noruegueses), angly ( - anglos), gotlandy (
gotlandeses):

(862) (...) Estes varegues () foram chamados Rus


(), assim como outros chamavam-se shviedy, outros normanny e
angly, e ainda outros gotlandy (...)51.

b) Fontes bizantinas

Os tratados assinados entre os Rus e os bizantinos em 911 e 944 trazem os


nomes dos signatrios de rus. Estes nomes so nitidamente transcries de nomes de
origem escandinava: Karly, Inegeld (Ingeld), Farlof, Veremud.

O livro De administrando imperio (Acerca da administrao do Imprio),

49
SHERBOWITZ-WETZOR, Olgerd.P. Introduction. In: The Russian Primary Chronicle: Laurentian
Text. Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P. Sherbowitz-Wetzor. Cambridge: The
Mediaeval Academy of America, 1953. P. 03.
50
SHERBOWITZ-WETZOR, 04.
51
(862)... , , ,
() . In: . Crnica dos anos antigos, Crnica
primria Russa ou Crnica nestoriana. Edio de Likhatchov, segundo o texto Laurentino; obtida em:
<http://www.old-russian.chat.ru/01povest.htm>. ltimo acesso em 28102014. Traduo para o ingls:
CROSS, Samuel Hazzard (trad.) & SHERBOWITZ-WETZOR, Olgerd. P (ed.). The Russian Primary
Chronicle: Laurentian Text. Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P. Sherbowitz-
Wetzor. Cambridge: The Mediaeval Academy of America, 1953.
43

escrito em cerca de 948 a 952, supostamente pelo imperador bizantino Constantino


Porfirognito (905 - 959), lista os nomes das cataratas e corredeiras do Dnieper,
frequentemente em duas formas, que o autor diferencia como sklavisti e 'rosisti. As
formas chamadas de 'rosisti so evidentemente transcries de designaes
escandinavas: Essoupi (antigo nrdico vesuppi "no durma!"), Oulvorsi (antigo
nrdico holmfors, "corredeira da ilha", nome eslavnico dado Ostrovouniprach),
Gelandri (antigo nrdico gjallandi, "gritando, soando alto"), Aeifor (Antigo nrdico
eiforr, "sempre feroz"; eslavnico neasiti), Varouforos (antigo nrdico varufors,
"corredeira do penhasco" ou barufors, "corredeira da onda"; eslavnico Voulniprach),
Leanti (antigo nrdico leandi, "fervendo", ou hljandi, "rindo"; eslavnico Veroutzi),
Stroukoun (antigo nrdico strukum, "corrente rpida"; eslavnico Naprezi).

Segue uma verso nossa da passagem:

9. Sobre a vinda dos Rus em monoxylas da Rssia para


Constantinopla
As monoxylas que descem da Russia para Constantinopla so de
Nemogard, onde Sviatoslav, filho de Igor, arconte da Rssia, tem seu
trono, e outras da cidade de Miliniska, de Teliutza, de Chernigov e de
Vishegrad.
Todos estes descem o rio Dniepr, e ajuntam-se na cidade de
Kiev, tambm chamada Sambatas. Seus tributrios eslavos, os
chamados Krivichi, os Lendzaneni e o resto das regies eslavas
cortam as monoxylas em suas montanhas no tempo do inverno, e
quando eles as tm preparadas, com a chegada da primavera e o
derretimento da neve, trazem-nas para os lagos vizinhos.
E j que estes lagos desaguam no rio Dniepr, eles entram ento
no mesmo rio, e descem para Kiev, carregam os barcos adiante para
serem terminados, e vendem-nos para os Rus. Os Rus compram os
cascos apenas, equipando-os com remos, esclamo e outros
equipamentos de pesca de suas monoxylas velhas, que eles
desmontam, e assim deixam-nas preparadas. E no ms de junho eles
descem o rio Dniepr e vm a Vitichev, que uma cidade tributria dos
Rus e ali se renem por dois ou trs dias. E quando todas as
monoxylas esto reunidas eles partem, e descem o j mencionado rio
Dniepr.
E primeiramente eles vm para a primeira corredeira, chamada
Essoupi, que significa em Rus e slavnico no durma!. A barragem
por si s to estreita quanto a largura de um estdio. No meio dela
esto enraizadas altas rochas, que erguem-se como ilhas. Contra estas,
ento, vem a gua, ergue-se e cai do outro lado, com um poderoso e
amedrontador estrondo. Dessa forma os Rus no se arriscam a passar
entre elas, mas dirigem-se margem, desembarcando os homens em
terra seca e deixando o resto dos bens a bordo das monoxylas. Eles
ento despem-se e carregam-na a p para evitar bater em alguma
rocha. Isto eles fazem, alguns proa, alguns no meio do barco,
44

enquanto outros novamente, popa, navegam-na com paus; e com


este procedimento cuidadoso eles passam a primeira barragem,
contornando pela margem do rio.
Quando eles passam esta barreira, reembarcam os outros da
terra seca, navegam adiante, e descem at a segunda barreira, chamada
em Rus oulvorsi, e em eslavnico ostrovouniprach, que significa
a ilha da barragem. Esta como a primeira, desastrada e que no
pode se atravessar diretamente. Novamente eles desembarcam os
homens e passam as monoxylas, como na primeira ocasio. De forma
similar eles passam a terceira barreira, chamada Gelandri, que
significa em eslavnico barulho da barragem, e ento a quarta
barragem, a grande, chamada em Rus aeifor, e em eslavnico
neasit, porque os pelicanos descansam nas pedras da barragem.
Nesta barragem todos colocam a proa frente em terra, e aqueles
delegados para manter a vigia saem com eles. Assim vo estes
homens, e mantm viglia atenta aos Pechenegues.
Os restantes, tomando os bens que eles tm a bordo das
monoxyla, conduzem os escravos em suas cadeias por terra, seis
milhas, at atravessarem a barragem. Ento, em parte arrastando suas
monoxyla, em parte carregando-as em seus ombros, eles conduzem-
nas ao lado oposto da barragem. E ento, colocando-as no rio e
carregando-as com a bagagem, embarcam eles mesmos, e novamente
navegam nelas. Quando eles chegam quinta barragem, chamada em
Rus Varouforos, e em eslavnico voulniprach, porque ela forma
um grande lago, eles novamente conduzem suas monoxylas pelas
margens do rio, como na primeira e segunda barragens, e chegam
sexta barragem, chamada em Rus Leanti, e em eslavnico
Veroutzi, que ebulio da gua, e esta tambm eles cruzam de
forma similar.
E ento eles navegam adiante para a stima barragem, chamada
em Rus stroukoun, e em eslavnico naprezi, que significa
pequena barragem. Essa eles passam no chamado vau de Vrar, por
onde os khersonitas deixam a Rssia e os Petchenegues vo a
Kherson. Esse vau to largo quanto o Hipdromo e, medido rio
acima da base at o ponto em que as rochas atingem a superfcie, um
tiro de arco de comprimento. nesse ponto, consequentemente, que
os Petchenegues descem e atacam os Rus. Depois de atravessar este
lugar, eles alcanam a ilha chamada de So Gregrio, na qual realizam
seus sacrifcios porque um gigantesco carvalho fica ali; e eles
sacrificam galos vivos. Eles tambm penduram ao redor flechas, e
outros po e carne, ou algo de qualquer coisa de que cada um possa
ter, como seu costume. Eles tambm lanam sortes sobre os galos, se
para mata-los, ou com-los tambm, ou deix-los vivos.
Dessa ilha em diante os Rus no temem aos Petchenegues at
que eles atingem o rio Selinas. Dali ento eles comeam (a faz-
lotem-los), e navegam por quatro dias, at que chegam ao lago que
forma a foz do rio, na qual est a ilha de So Atherios. Tendo chegado
nesta ilha, eles ali descansam por dois ou trs dias. E eles reequipam
suas monoxyla com tantos apetrechos quanto seja necessrio, velas,
mastros e lemes que eles trazem consigo. J que esee lago a foz do
rio, como foi dito, e desgua no mar, e a Ilha de So Aitherios fica ao
mar, eles vm ento ao rio Dniester, e tendo chegado seguros ali,
descansam novamente. Mas quando o clima propcio, eles lanam-se
45

ao mar e chegam ao rio chamado Aspros, e depois de descansar ali de


maneira similar, eles novamente partem e vm para Selinas, como
chamado um ramal do rio Danbio.
E at eles passarem o rio Selinas, os Petchenegues mantm paz
com eles. E se acontece que o mar lana uma monoxylas na praia, eles
todos colocam-na na terra, de forma a apresentar uma oposio unida
aos Petchenegues. Depois do Selinas eles no temem a ningum mas,
entrando no territrio da Bulgria, eles vm foz do Danbio. Do
Danbio eles procedem para Konopas, de Konopas para Constantia,
de Constantia para o rio de Varna, e de Varna eles vm ao rio Ditzina,
todos eles sendo territrio blgaro. Do Ditzina eles chegam ao distrito
de Mesembria, e ali finalmente sua viagem, cheia de tanto trabalho e
terror, tamanhas dificuldades e perigos, est em seu fim. A severa
forma de vida desses mesmos Rus no inverno como se segue:
Quando comea o ms de Novembro, seus chefes junto com
todos os Rus de uma s vez deixam Kiev e vo para a poliudia, que
significa arredores (), isto , para as regies dos verviani,
drugovitchi, krivitchi, severiani e o resto dos eslavos que so
tributrios dos Rus. Ali eles so mantidos ao longo do inverno, mas
ento novamente, comeando no ms de abril, quando o gelo do rio
Dniepr derrete, eles descem de volta a Kiev. Eles ento pegam suas
monoxylas, como foi dito anteriormente, preparam-nas e descem para
a Romania. Os Ouzi podem atacar os Petchenegues.52

c) Fontes islmicas

Alguns normanistas argumentam que as fontes islmicas tambm fazem


distines entre Rs e a-aqliba (eslavos). Ahmad Ibn Rustah, explorador e viajante
persa do sculo X, viajou at Novgorod com os Rus, e sobre eles escreve o seguinte:

Os Rsya vivem em uma ilha em um lago () Eles tm um


governante chamado khqn Rs. Os Rs pilham os Saqliba,
navegando em seus barcos at virem sobre eles. Tomam-nos cativos e
vendem-nos em Khazarn e Bulkr (...) Eles no tm campos
cultivados e vivem de pilhar a terra dos Saqliba.
Quando um filho nasce, o pai lana uma espada perante ele e
diz: Eu no lhe deixo nenhuma herana. Tudo que voc possui o
que voc pode obter com esta espada (....)
Eles usam espadas Sulaymn (verso nossa)53

52
Texto grego no apndice I.
53
The Rs [Rsya] live in an island in a lake () They have a ruler called khqn Rs. The Rs raid
the Saqliba, sailing in their ships until they come upon them. They take them captive and sell them in
Khazarn and Bulkr (Bulghr). They have no cultivated fields and they live by pillaging the land of the
Saqliba. When a son is born, the father throws a naked sword before him and says: I leave you no
inheritance. All you possess is what you can gain with this sword () They use Sulaymn swords (...)
. Ibn Rustah on the Rs. 903-913. In: IBN FADLAN. STONE & LUNDE (trads.). Ibn Fadln and the
Land of Darkness: Arab Travellers in the Far North. Penguin Books, 2012.
46

Esta passagem usada com frequncia por escandinavistas, particularmente na


tentativa de reconstruo dos costumes antigos do perodo viking, incluindo funerais,
prticas de guerra e mesmo preferncia por armas. As espadas referidas podem ser
sabres obtidos no distrito de Salmn, em Khurasn54, norte da Prsia. Soldados do
distrito usavam espcies de sabres curvos no sculo IX chamados shamshir, mas o
termo pode ser aplicado tambm a espadas de lmina reta55-56.

d) Fontes latinas

Nos Annales Bertiniani encontra-se um extrato que narra sobre dois enviados
dos Rhos, vindos do imperador bizantino Theofilos (813-842) ao imperador Luis, o Pio,
(778-840) em Ingelheim, cujo lder tinha o ttulo de chacanus latinizao de
khagan. Consta que (...) o imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda,
e descobriu que estas pessoas eram suecos:

Misit etiam cum eis quosdam, qui se, id est gentem suam, Rhos
vocari dicebant, quos rex illorum chacanus vocabulo ad se amicitiae,
sicut asserebat, causa direxerat, petens per memoratam epistolam,
quatenus benignitate imperatoris redundi facultatem atque auxilium
per imperium suum toto habere possent, quoniam itinera, per quae ad
illum Constantinopolim venerant, inter barbaras et nimiae feritatis
gentes inmanissimas habuerant, quibus eos, ne forte periculum
inciderent, redire noluit. Quorum adventus causam imperator
diligentius investigans, comperit, eos gentis esse Sueonum57.
A Historia Ottonis, do bispo Liutprand (c.922-972), de Cremona, tambm traz
uma referncia aos Rus. Enviado do imperador germnico Otto I (912-973) ao
imperador bizantino Nikephoros II Phokas (c.912-969) entre 968-969, Liutprand cita o
seguinte:

54
Ibn Rustah on the Rs. 903-913. In: IBN FADLAN. STONE & LUNDE (trads.). Ibn Fadln and the
Land of Darkness: Arab Travellers in the Far North. Penguin Books, 2012. Nota 30.
55
LINDSAY, James E. Daily life in the medieval Islamic world. Greenwood Publishing Group, 2005.
p. 64
56
Consideramos possvel, entretanto, que a referncia se deva ao tipo de ao damasceno, comum no
mundo islmico do medievo, altamente valorizado pelos escandinavos, mas cuja tecnologia os europeus
no dominavam. Lingotes do material eram comercializados pelos persas; possvel que esta passagem
nos d uma pista importante sobre a fonte de material para as altamente valorizadas espadas uhfberth,
primeira opo do guerreiro viking, e cujas tcnicas de fabricao e fontes de matria-prima ainda
consistem em um problema no resolvido de todo na escandinavstica.
57
O imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda, e descobriu que estas pessoas eram
suecos. Annales Bertiniani. Hannoverae. Impensis bibliopolii Hahniani, 1883. p.21. Obtido em:
http://www.archive.org/stream/annalesbertinian00wait#page/n3/mode/2up em 22 de fevereiro de 2012.
Avalivel tambm na Monumenta Germaniae Historiae. Scriptores rerum Germanicarum in usum
scholarum separatim editi.
47

Habet quippe ab aquilone Hunagrios, Pizenacos, Chazaros,


Rusios, quos alio nos nomine Nordmannos apellamus (...).
(Liudprandi antapodosis, Lib.I. 10. Grifo nosso).58
XV. Gens quaedam est sub aquilonis parte constitua, quam a
qualitate corporis Greci vocant , Rsios, nos vero a positione
nominamus Nordmannos. Lingua quippe Teotonum nord aquilo, man
autem dicitur homo, unde et Nordmannos aquilonares homines dicere
possumus. (Lib. V.15. Grifo nosso)59.

Resumindo a argumentao, a hiptese normanista tem sua origem, portanto, nas


fontes escritas russas, em particular a Pviest vrimennikh liet, e respalda-se em uma
srie de fontes escritas de povos vizinhos. Segundo ela, nos princpios da Rusos eslavos
foram dominados pelos varegues, mas conseguiram expuls-los. Entretanto, no foram
capazes de se autogovernar, necessitando pedir a ajuda de outros varegues para faz-lo.
Desses que vieram derivou a dinastia riurikida.

Os primeiros governantes da Rus possuam, de fato, nomes escandinavos, como


Igor (Yngvarr), Oleg (Helgi), Olga (Helga), Rurik (Hrorekr), sendo que apenas a partir
de Sviatoslav os nomes eslavos passam a ser predominantes. As fontes e tratados
bizantinos trazem a maior parte dos Rus listados portando nomes escandinavos, e os
nomes dos rios percorridos pelos varegues at Bizncio tanto em suas formas
escandinavas quanto eslavas. A prpria forma comum de tratamento no russo
gospodin cavalheiro - derivaria do antigo nrdico husbond, em contrapartida s
formas pan em outras lnguas eslvicas como o ucraniano e o polons.

1.4.2 A posio anti-normanista

Quanto aos anti-normanistas, sua escola deriva diretamente de correntes


nacionalistas russas, tanto dos tempos czaristas quanto dos soviticos. Se nos primeiros
a Sucia era tradicional inimigo nas no to ultrapassadas guerras do Norte, quanto aos
segundos, a ideia de que o estado russo tivesse sua origem em populaes estrangeiras
no podia ser aceita por um governo marcado pelo autoritarismo, que apregoava possuir

58
... os russos, a quem ns chamamos de nordmanos. Liudprandi antapodosis. In: Monumenta
Germaniae Historiae. Scriptores rerum Germanicarum in usum scholarum separatim editi. Liber I. 10.
59
Liudprandi antapodosis. In: Monumenta Germaniae Historiae. Scriptores rerum Germanicarum in
usum scholarum separatim editi. Liber V. 15.
48

sistema poltica e econmico superior aos outros pases.

Pode-se dizer que seu incio deu-se com a reao de Mikhail Lomonssov
(1711-1765; Imprio Russo) fala supracitada de Mller. Dentre outros defensores
subsequentes da posio, podemos citar de incio Stepan Aleksandrovitch Gedeonov
(1815-1878, Imprio Russo), Nikolai Ivanovitch Kostomarov (1818-1885 - Imprio
Russo; origem mista russo-ucraniana), Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920;
Imprio Russo) e V. Vasilevskii, que apresentaram teorias em contrrio origem
normanista as chamadas teorias Balto-Eslvica, Lituana e Gtica60.

A despeito de certo influxo normanista na historiografia sovitica inicial,


diversos acadmicos passaram a apresentar forte criticismo mesma, encontrando
alguns seguidores em outros pases. A posio normanista encontrou pouco apoio
particularmente na historiografia ucraniana61.

Dentre seus defensores, ou simpatizantes, podemos citar Mykhailo Serhiiovitch


Hruchtchevski (1866-1934- Ucrnia-URSS), Boris Dmitrievitch Griekov (URSS; 1882-
1953), Serafim Vladimirovitch Iushkov (1888-1952, URSS), Bors Aleksandrovitch
Rybakov (1908-2001; URSS), L. Tcherepnin, Mikhail N. Tikhomirov, Vladimir T.
Pashuto, I. Chaskolskii, Nicholas Valentine Riasanovsky (1923-2011; USA), Alexander
V. Riasanovsky, o polons Henryk owmiaski (1898-1984) e historiadores ucranianos
contemporneos como Petro Petrovitch Tolochko (1938-), M.Braychevski, M. Kotlyar e
V. Baran.

A posio anti-normanista em grande parte uma resposta aos pontos


defendidos pelos normanistas. Apresenta-se como uma contra-argumentao
comprometida com a origem autctone da Rssia ou da Ucrnia, do que propriamente
num escopo terico bem-definido. Seguem suas ideias principais.

I. A questo da etimologia

Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920) articulou a ideia de que o termo Rhos


estaria conectado aos Roxolani da Antiguidade, tribos Srmatas que teriam habitado as
estepes da atual Ucrnia e migrado para a direo do Danbio no sculo I A.C. Sua
ideia, que se tornou tradicional na argumentao anti-normanista e foi chamada de

60
ZAKHARII, 20.
61
ZAKHARII, 21.
49

Teoria iraniana, perdeu peso e aceitao no incio do sculo XX.

Em 1837 o historiador, escritor e naturalista ucraniano Mikhailo


Oleksandrovitch Maksymovitch (1804-1873) desenvolveu a Teoria local, segundo a
qual o nome Rus estaria ligado rea do rio Ros, tributrio da margem direita do
Dnieper, e nascente na Vinnytsia Oblast. Outros rios citados tambm por Potebnya,
seriam o Rosava (tributrio do mencionado Ros), Rusna e Rostavitsia . Proeminente no
processo de construo de conscincia nacional ucraniano levado a cabo do sculo XIX,
Maksymovitch argumentava que a regio da Rus no teria ficado despovoada aps a
Invaso Mongol. Antes, teria sido habitada continuamente pelos remanescentes da Rus,
com os quais os ucranianos teriam uma linha de continuidade direta.

Esta ideia ser levada mais adiante a partir do perodo sovitico. Os anti-
normanistas argumentariam que o nome Rus estaria inicialmente ligado com a rea de
Kiev, ao Sul, habitada desde sculos anteriores pelos eslavos, e no com as regies de
Ladoga e Novgorod ao norte, de maior influncia escandinava e habitada anteriormente
por baltos e fino-gricos.

Iloviskii62 citaria: o Neman da Litunia como nomeado anteriormente de Ros,


contendo um tributrio chamado Rus e drenado na bacia Rusna, o Ros ou Rus na
provncia de Novgorod, Rusi (a foz do Narev), Ros (uma foz do Dniepr), Rusa (a foz do
Semi), e um Ros ou Ras no Volga. Nesta linha argumentativa estaria o uso dos termos
Ruslo, rio, em antigo eslavnico, e Rusalka - um esprito da gua nas mitologias
eslvicas.

Outra evidncia etimolgica apresentada pelos anti-normanistas seria o uso do


termo Hrs na Crnica siraca do Pseudo-Zacharias reitor, de 555 A.D., ligado a povos
de origem no cucaso vivendo no perodo em questo ao sul de Kiev trs sculos
anteriormente aos movimentos escandinavos no norte da Rssia, portanto.

II. Os argumentos de ausncia

Outro argumento levantado pelos anti-normanistas, em contraposio ideia da


derivao de Ruotsi de Roslagen, seria a inexistncia de qualquer tribo chamada de
Rus na Escandinvia, bem como a ausncia de meno a ela nas fontes nrdicas.

62
ILOVISKII: 1890, VII.
50

Afirmam tambm que h ausncia de material arqueolgico escandinavo


encontrado nas rotas de comrcio, cidades e entrepostos prximos s mesmas.

III. Os enviados

Quanto aos enviados citados nos Annales Bertiniani, a postura anti-normanista


afirma que os nomes nrdicos no provariam o componente tnico escandinavo dos
Rus. Antes, esses escandinavos seriam apenas espcies de representantes comerciais de
prncipes eslvicos Rus. Seriam diplomatas e comerciantes profissionais.

IV. Fontes islmicas

Alguns defensores anti-normanistas citam o autor Ibn Khurdadbeh que,


escrevendo entre 840 e 880, chamava aos rus uma tribo de eslavos (a-aqliba).

V. Superioridade econmica

Rybakov, (1908-2001) professor de Histria na Universidade de Moscou desde


1939, personificar em particular as ideias anti-normanistas. Em
63, de 1948, procura demonstrar que a Rus de Kiev seria superior economicamente
Europa Ocidental. Em : - , de
197964, defender que os eslavos descenderiam dos citas da Antiguidade.

Baseando-se em sua argumentao, os anti-normanistas negam a validade do


relato da Pviest vrimennikh liet, alegando que no haveria razo para que os eslavos,
culturamente avanados, convidassem os varegues para govern-los.

63
Ofcios na antiga Rus.
64
Citia de Herdoto: anlise histrico-geogrfica.
51

1.4.3 Uma avaliao crtica das duas posies

I. O problema das etimologias

As crticas dos anti-normanistas resumem alguns pontos crticos das idias


normanistas. Um dos ataques mais fundamentados seria a etimologia de Rus e a sua
suposta ligao com Rr.

Omeljan Pritsak, ainda que no totalmente contrrio posio normanista, vai


alm da crtica anti-normanista ao atacar a prpria derivao de Rus de ruotsi. Segundo
ele, ruotsi vincularia-se a um suposto *rzzi, e no Rus65.

Ele aponta, entretanto, que seria igualmente errneo o uso do pseudo-Zacharias


e o suposto Hrs pelos anti-normanistas. O termo para ele seria, na verdade, uma
corruptela na adaptao siraca do grego (heri). Na passagem em questo, o
copista teria citado um trecho referente s Amazonas citadas de uma verso do mdio
persa da saga de Alexandre. A corruptela de teria sido usada para os pares gigantes
das Amazonas, e no se trataria de uma forma tnica, de um povo ou grupo racial66.

Podemos apontar tambm que h certa circularidade no uso de hidrnimos


contendo razes similares a Rus ou ros e os termos ruslo e rusalka, por encontrarem-se
em campos semnticos adjacentes ligados gua, rios, foz de rio, divindades aquticas.

Os anti-normanistas esto corretos quando afirmam a ausncia de alguma tribo


germnica ou escandinava com tal designao. Isto no invalida, entretanto, a
argumentao acerca da provenincia de Roslagen como possvel etimologia para Rus.
A crtica anti-normanista, nesse sentido, fundamenta-se num critrio bastante restrito e
exclusivamente tnico uma acepo contempornea de identidade. A inexistncia de
uma tribo, de um grupo tnico com laos consanguneos, raciais, apresenta-se como
contra-argumento insuficiente, medida que a etimologia proposta de Roslagen
enfatiza a provenincia da regio costeira de Uppland e tem o vnculo com o ato de
remar, navegar, lanar-se ao mar. uma proposio de etimologia de carter, ao menos
em sua origem, ocupacional, que posteriormente definir o grupo em questo de forma
tnica, apenas na confrontao com outro grupo cultural distinto.

H de se notar a existncia de outras etimologias que apresentam situao

65
PRITSAK, 06.
66
PRITSAK, 06.
52

similar em contexto muito prximo, nos termos vikingr e bjarmar. Conquanto tenham
no perodo contemporneo e ps-romntico assumido um sentido marcadamente tnico
ao leitor, as etimologias mais recentes propostas derivam vikingr de vik- baa, enseada,
ligando-o no a um sentido tnico, restrito Noruega e regio de Oslo, mas sim ao
sentido ocupacional do termo, daquele que frequenta o mar67.

Bjarmar, por sua vez, a despeito das tentativas de estudiosos que tentam ligar a
designao aos Komi da regio russa de Perm, tem obtido um consenso acadmico;
termo aplicado primordialmente aos carlios, mas tem sua origem no termo fino-grico
-per(e)m. Isto implica o carter ocupacional, o modo de vida das populaes que
desenvolviam atividade econmica extratora nas proximidades do Mar Branco,
principalmente a coleta de peles, caa e comrcio68.

Enfim, um peso muito grande em etimologias demonstra ser prejudicial e


impraticvel, abrindo os flancos de ambas as posies a uma srie de ataques.

II. Interpretao arqueolgica e etnicidade

Os anti-normanistas questionam a quantidade de material escandinavo


encontrado nas principais cidades e povoamentos da Rus, como Novgorod, Kiev e
Staraia Ladoga. adequado afirmar que encontramo-nos aqui em uma forma um tanto
subjetiva e relativa de argumentao, ao quantizar por muito e pouco. Em particular
no campo da Arqueologia, a ausncia de vestgios de alguma espcie no prova ou
ponto passvel de definio terico, pela prpria natureza da evidncia arqueolgica,
que fragmentada, indiciria e incompleta.

Acerca do tpico, David M. Wilson escreve o seguinte:

In England, the only town to produce really convincing Viking


antiquities in any number is York, and this number has been rather
exaggerated. Structures of the Anglo-Danish period in York are rarely
found and even when they are, they are not specifically Viking in
character. The other Viking towns in England [known from historical
sources O.P.] have produced hardly any Viking antiquities. We know
that the Vikings were there, just as we know that there Vikings in
Novgorod and Kiev69.

67
HAYWOOD, John. The Penguin Historical Atlas of the Vikings. London: Penguin Books, 1995. Pp.
08ss; MUCENIECKS, 2010: 03-06.
68
CHESTNUT, Michael. Afterword. In: ROSS, Alan. The Terfinnas and Beormas of Othere. University
College London: Viking Society for Northern Research, 1981. p.77.
69
WILSON, David M. East and West: A Comparison of Viking Settlement. In: Varangian Problems.
53

A citao, transcrita tambm por Pritsak, pode levantar argumentos contrrios ou


questionamentos sobre o que um nmero exagerado ou convincente de artefatos.
Pode parecer tambm uma forma de se esquivar do problema de forma retrica. Ela traz
pauta, entretanto, alguns aspectos teis e pertinentes discusso.

A mais premente a questo da dificuldade de questes relativas etnicidade70


na interpretao dos vestgios arqueolgicos. Conquanto tenha sido tema de destaque na
Arqueologia Histrico-Cultural, o predomnio da Arqueologia Processualista abandonou
quase que por completo as discusses referentes etnicidade, pelas dificuldades e
impossibilidades apresentadas pela natureza da evidncia. Ou seja, a questo per si j
complexa; quando associado ao problema polmico da etnicidade dos Rus,
evidentemente assume contornos ainda mais difusos e pouco seguros.

A questo da Etnicidade um tema que ser retomado pela arqueologia ps-


processualista, em bases bastante diversas, com fundamentaes tericas diversas,
amplas e complexas, e uma compreenso diferente do problema, da existncia de
subjetividades, fluidez, mutabilidade e critrios de definio tnica muitas vezes
especficos em cada caso.

Outro aspecto levantado a questo da Arqueologia Histrica, e da relao,


muitas vezes difcil e nem sempre harmnica, entre os diferentes nveis de interpretao
que so levantados pela Arqueologia e pela Histria. Um exemplo de caso dessas
questes a escavao de Sarskoie Gorodichtche , ao sul da atual Rostov, no banco do
Sara. A despeito das grandes evidncias de habitao escandinava coexistindo com os
Meri, nativos fino-gricos, a partir do sculo IX, esta interpretao, formulada desde o
incio das escavaes em 1854, foi substituda quando as escavaes soviticas foram
reiniciadas, aps 1949. A interpretao sovitica oficial, veiculada na
71, seria a de que o stio era exclusivamente habitado pelos
Meri desde o sculo VI. Fortificaes foram construdas pelos eslavos no sculo X,
mas aps isso a cidade declinou at o sculo XIII. Sarskoie Gorodichtche passou a ser
considerada pela academia sovitica como a capital dos antigos Meri.

Scando-Slavica Supplementum 1. Copenhagen: Munksgaard, 1970. P.113.


70
Consideramos o termo na acepo de um conjunto de caratersticas que definem uma determinada
populao em relao outra. Tais atributos possuem fronteiras muito fludas, por vezes pragmticas, que
alteram-se no decorrer do tempo, sendo mais geralmente ligados lngua, vnculos sanguneos e
religiosos.
71
Grande enciclopdia sovitica.
54

Por fim, levanta-se a questo da natureza da ocupao escandinava no apenas


na Rssia, mas da prpria forma e natureza dos movimentos escandinavos pela Europa
e outras regies. Um elemento-chave no sucesso escandinavo em um espectro
geogrfico to grande deve-se em grande parte sua mobilidade e adaptabilidade
caracterstica a diversos contextos. Associada a esta adaptabilidade est uma fluidez
considervel na natureza dos processos sociais envolvidos que, em particular no caso da
Rus, parece ter sido bastante marcante, como demonstra a mudana em poucas geraes
dos nomes escandinavos da casa de Rurik para nomes eslvicos. Como bem ressalta
Logan,

The principal historical question is not whether the Rus were


Scandinavians or Slavs, but, rather, how quickly these Scandinavian
Rus became absorved into Slavic life and culture.... In 839 the rus
were swedes; in 1043 the Rus were slavs. Sometime between 839 and
1043 two changes took place: one was the absorption of the Swedish
Rus into the Slavic people among they settled, and the second was the
extension of the term Rus to apply to these Slavic peoples by whom
the Swedes were absorved72.

Sob este aspecto de mobilidade, transitoriedade e adaptabilidade, necessrio


frisar que a evidncia arqueolgica d suporte compreenso de uma ampla
movimentao escandinava pela Eursia, evidenciada no apenas no grande nmero de
tesouros de dirhams encontrados pela Rssia, Pases Blticos e Escandinvia, mas
tambm por artefatos como pentes, broches, objetos com vestgios de inscries rnicas
e fbulas encontrados em Staraia Ladoga, Timerevo (extrato mais antigo de Yaroslav),
Gorodichtche , Staraya Russa, Sarskoie Gorodichtche , Gniozdovo e nos pases vizinhos
(i.e. Daugmale e Grobia na Letnia, Iru e Proosa na Estnia).

O cemitrio de Plakun, no outro banco do Volkhov, em Ladoga, contendo


enterramentos escandinavos, no equiparado Grobia, por exemplo, porm a
evidncia existente , sob nosso ponto de vista, bastante convincente, apresentando
indcios convincentes da presena escandinava73.

72
LOGAN, F. D. The Vikings in History, Routledge, 1991[1983]. p.203.
73
NOONAN, 1998a: 339.
55

1.4.4 Outras possibilidades interpretativas

Omeljan Pritsak, ainda que inclinado para o lado anti-normanista, considera


nenhum dos extremos da querela completamente convincente, presentando uma outra
hiptese. Segundo ele, o nome Rus, uma espcie de trademark de mercadores judeus
medievais especializados em comercializar escravos da Rssia Europia, principalmente
com muulmanos, mas tambm com europeus ocidentais.

O grupo principal nesse tipo de comrcio era a corporao judaica chamada


Rdhnya, que, possuindo contatos na maior parte das colnias judaicas, incluindo o
acesso s regies controladas pelos khazares, detinha o monoplio do fornecimento de
escravos eslavos, os chamados a-aqliba pelos muulmanos.

Note-se que na lngua inglesa, bem como em diversos idiomas da Europa


Ocidental, o termo escravo deriva de variantes do eslav-, tal era o predomnio de tal
componente tnico no comrcio escravista na Eursia. O termo rabe, a-aqliba
tambm deriva de sklav* ou termos similares pelos quais os prprios eslavos se
nominavam. Na Europa Ocidental os judeus da Rdhnya baseariam-se em algumas
regies da Francia, como Marseiles e Rodez. Para Pritsak, tais mercadores, conhecidos
como Ruthenicis teriam legado o nome Rus, oriundo de sua prpria companhia. Com
o passar do tempo, o comrcio por eles dominado passaria a intermedirios varegues
que, dessa forma, adotariam o nome Rus como uma espcie de marca registrada ou
designao comercial74.

Tal idia no pode ser sustentada. De fato, o chamar tais judeus de mercadores
russos ou ruthenicis devia-se, antes de seu nome comercial, sua provenincia e
atividade nas regies j conhecidas por tal nome. O argumento de Pritsak, por mais
engenhoso que parece, acaba tornando-se uma inverso.

Quanto Thomas Noonan, apesar de dar um peso grande evidncia


arqueolgica, e em particular da Numismtica, toma uma posio mais moderada, mais
de acordo com a Arqueologia Histrica contempornea, em procurar inserir aspectos
das duas vises, levando em considerao tanto a presena escandinava quanto a
contribuio local eslvica, fino-grica e bltica, ainda que aparentemente esta posio
incline-se um pouco para o espectro normanista da questo. De fato, esta posio a

74
PRITSAK, 24s.
56

que tem alcanado a maior proximidade com um consenso, ao menos entre os


estudiosos nos pases anglo-saxes, escandinavos e blticos, sobre os incios da Rssia.

Nos ltimos anos, a temtica viking tem levantado tambm um nmero grande
de interessados na Rssia e em outras naes de origem eslvica, ao menos a nvel
popular, e o nmero de estudiosos de origem eslava a considerar a questo sem as
tradicionais restries e preconceitos soviticos tm aumentado, bem como obras que
ampliam e trazem em pauta novas questes. Podemos citar, por exemplo, Melnikova75,
Tatijana Jackson76, Fyodor Androshchuk77, Wladyslaw Duczko78.

1.4.5 O problema metodolgico

A questo do nacionalismo e da influncia do ambiente contemporneo poltico


sobre o pesquisador o principal ponto gerador de discrdia entre os diversos
envolvidos nos debates normanistas. A temtica por si s encontra-se, de certa forma,
esgotada e repetitiva no que toca argumentao e contra-argumentao dos dois lados.

H ainda outra dimenso que necessita ser acrescentada ao debate: o problema


metodolgico. De fato, boa parte da discordncia envolvida na controvrsia normanista
uma discordncia de mtodo e da forma de anlise das fontes de informaes.

O lado normanista privilegia a evidncia histrica, as fontes primrias de carter


mais tradicional, ou seja, escritas. Os anti-normanistas procuram dirigir o peso
interpretativo para a Arqueologia, como se a mesma pudesse propiciar um argumento
cientfico isento, factual e plenamente objetivo. Ambos os lados empregam evidncia
lingustica, etimolgica e toponmica nas tentativas de reforar sua argumentao, por
vezes gerando becos sem sada.

Dessa forma, parte do que ocorre na controvrsia normanista espelha um


problema de ordem mais geral, metodolgica, que objeto primrio de estudo do ramo

75
MELNIKOVA, E.A. The Eastern World of the Vikings: Eight Essays about Scandinavia and Eastern
Europe in the Early Middle Ages. Gothenburg Old Norse Studies 1. Gteborg universitet:
Litteraturvetenskapliga institutionen, 1996.
76
, . . Austr Grum: .
.: , 2001. (JACKSON, Tatiana Nikolaievna. Austr I Grum: Topnimos
russo-antigos nas fontes antigas escandinavas. Moscou: Lngua e Cultura Russos, 2001).
77
ANDROSHCHUK, Fjodor. The Vikings in the East. In: BRINK, Stefan & PRICE, Neil (eds). The
Viking World. London & New York: Routledge, 2008. pp.517-542.
78
DUCZKO, Wladyslaw. Viking Rus: Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europe. The
Northern World, v.12. Leiden, Boston & Tokyo: Brill, 2004.
57

especfico da Arqueologia Histrica e que perpassa diversos outros recortes. Um


exemplo muito marcante de similaridade metodolgica ocorre na Arqueologia Siro-
Palestina, antiga Arqueologia Bblica, que nas ltimas dcadas assistiu ao
engrandecimento de toda a evidncia arqueolgica e a propiciada pela Cultura
Material79 em conjunto a um desprezo pelas fontes escritas, das quais o texto bblico a
principal, definindo a escola chamada de Minimalista. Temos aqui as motivaes de
ordem ideolgica e a influncia da New Archaeology (ou arqueologia
Processualista), com sua nfase nas Cincias Sociais e seu cientificismo, bem como
abandono de temticas de etnicidade, religio e o uso das fontes escritas.

interessante notar a similaridade de resultados provocada por contextos sociais


diversos e especficos. A Arqueologia sovitica no bebeu das mesmas fontes tericas
que influenciaram a Arqueologia ocidental. A New Archaeology no teve acesso ao
bloco oriental; alis, o isolamento entre arquelogos e historiadores soviticos e
ocidentais provocou uma gama variada de incompreenses e gerou atraso em vrias
frentes nos estudos histricos mais amplos que envolvem a Rssia e o Ocidente.

Entretanto, a matriz marxista teve na arqueologia sovitica um papel similar ao


que as teorias sociais tiveram na New Archaeology, que foi a tentativa de explicao do
registro e da evidncia por meio de um escopo terico crtico e bem-definido.
necessrio reconhecer o benefcio e avano que as tentativas de interpretao mais
slidas trouxeram Arqueologia como um todo, fazendo-a transpor o status de cincia
auxiliar, fazendo-a abandonar uma abordagem meramente descritiva e ilustrativa e
dando a ela um escopo mais amplo e slido dentre as demais Cincias Humanas.

Entretanto, esse apego s teorias gerais explicativas muitas vezes imobilizou a


interpretao arqueolgica em quadros rgidos e pr-definidos, abandonando fontes
teis de informao, como a evidncia das fontes primrias escritas, dessa forma
limitando grandemente a abrangncia das temticas passveis de estudo arqueolgico.

O lado normanista da questo, por sua vez, desenvolveu-se de em grande parte


em uma viso histrica de carter mais tradicional, compartilhada pela Arqueologia
Histrico-Cultural. As explicaes de migraes e movimentos de povos como fatores
provocadores de mudana, to caractersticos da explicao da Arqueologia Histrico-

79
Termo usado aqui na acepo arqueolgica que considera Cultura Material toda manifestao da ao
humana, no limitada confeco de artefatos contendo a tecnologia da escrita ou no -, mas
revelando-se tambm, por exemplo, na alterao do ambiente e da paisagem.
58

Cultural, harmonizam-se bem com a explicao normanista em seu espectro mais


simplista e extremado. Um grupo estrangeiro externo mais evoludo traz tecnologia e
estruturas sociais que promovem mudana social no contexto em questo.

necessrio transpor tais linhas de explicao para uma compreenso mais


satisfatria da situao, que aplique um tratamento adequado s diversas naturezas de
evidncias e incorpore escolas de pensamento mais recentes, como a Arqueologia Ps-
Processual e a Nova Histria. No podemos simplesmente ignorar as fontes escritas,
tampouco as evidncias arqueolgicas. Concordncias entre ambas nos revelam
conhecimento sobre o passado. Porm, discordncias tambm.

A abordagem de Thomas Noonan, tentando esquivar-se das insuficincias


produzidas pelas fontes escritas, abriu generosos leques de interpretao, mas propiciou
uma estrutura explicativa de cunho mais econmico para o movimento escandinavo no
Leste. A circulao de dirhams rabes apresentou-se como atrativo e impulso aos
escandinavos.

A narrativa deixada pela Pviest vrimennikh liet pode apontar caminhos


interpretativos diversos e mais amplos de como o passado recente era visto pelo sculo
X. A reelaborao do passado lida com esse mesmo passado, estudado atravs dos
vestgios arqueolgicos e da Numismtica. Dessa forma, ainda que as interpretaes
mais bvias de ambas abordagens possam parecer exclusivas, elas propiciam um
conhecimento mais completo do quadro histrico da regio.

1.4.6 O rei-estrangeiro, a Antropologia, a mitologia e o Hieros-gamos: sugestes e


possibilidades interpretativas adicionais

H outra vertente ainda que pode ser explorada e que oferece campo promissor e
amplo no estudo da PVL e o Chamado dos Varegues. Trata-se dos estudos que
incorporam anlise do mito, conhecimento antropolgico e literrio.

Marshal Sahlins, em Ilhas da Histria, apresenta-nos um estudo de caso


antropolgico que sugere uma forma interpretativa da situao. No pretendemos expor
uma hiptese absoluta e substitutiva da controvrsia, mas apontar a existncia de formas
diversas pelas quais a situao ainda pode ser analisada com o emprego de conceitos
59

mais recentes de interpretao historiogrfica, como a Antropologia Histrica.

No estudo de caso O rei-Estrangeiro; ou Dumzil entre os Fiji, Sahlins


apresenta a desconcertante possibilidade comparativa da teoria tripartite de Dumzil
com suas prprias investigaes sobre as estruturas sociais nas Ilhas Polinsias.

A ponte que Sahlins far encontra-se no aspecto da Teoria Poltica. Aponta para
a recorrente situao do simbolismo envolvido na adoo de um governante estrangeiro
por uma sociedade especfica:

A soberania aparece como vinda do exterior da sociedade. O


rei, que de incio um estrangeiro e uma figura um tanto aterrorizante,
ser depois absorvido e domesticado pela populao nativa, em um
processo que passa por sua morte simblica e seu consequente
renascimento sob a forma de um deus local80.

Os paralelos apontados por Dumzil encontram-se mais no campo da Histria


Clssica; a vinda de Enias de Tria, a questo dos latinos e sabinos, a expulso de
Rmulo e Remo por Numitor e a posterior conquista do poder por Rmulo, como um
ser vindo de fora. Os paralelos trazidos por Sahlins tratam mais de casos da Oceania, em
particular envolvendo o Capito Cook. Poderamos acrescentar outras situaes, como a
chegada de Europeus s Amricas, em um contexto definitivamente no conexo e sem
ligaes histricas verificveis.

Porm, o contexto especfico da Histria Clssica encontra-se mais prximo, em


um mbito europeu, e podemos encontrar outros paralelos. Um de particular interesse,
por ter sido empregado pelos crticos das ideias normanistas. Trata-se da Crnica
Anglo-sax, que vai tratar de formas muito semelhantes narrativa da Pviest
vrimennikh liet a vinda dos anglos para as Ilhas Britnicas. Por sua vez, temos uma
interessante similaridade na Saga de Yngvar.81 Sueco que far uma expedio de renome
duradouro Rssia, morrendo possivelmente nas proximidades do Mar Cspio, Yngvar
enquadra-se de certas formas no esteretipo do rei estrangeiro.

Sahlins e Dumzil traro a ideia de que, num campo simblico e imaginrio, o


elemento estrangeiro simbolizar o masculino, o macho feroz, criador e procriador e,
quando mitologizado, geralmente associado ao sol e s esferas celestes. Quanto ao

80
SAHLINS Marshall. O rei-Estrangeiro; ou Dumzil entre os Fiji. In: Ilhas de Histria. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1990 [University of Chicago Press, 1987]. p.106.
81
Traduo inglesa: PALSSON, Hermann & EDWARDS, Paul (trads). Vikings in Russia: Yngvar's Saga
and Eymund's Saga. Edinburgh: Polygon, 1990 [1989].
60

elemento nativo, simbolizar num primeiro momento o feminino, a associao com o


poder da terra e do subterrneo, de crescimento, de aes pacficas e duradouras. Como
os sabinos, apresentam-se associados com a riqueza, com aquilo que nutre a semente
divina e a transforma em substncia social.

Essa forma interpretativa encontra eco tambm em estudos no apenas da


Mitologia Escandinava per se, mas tambm em trabalhos que vinculam representaes
mitolgicas prpria institucionalizao monrquica. O conceito de Hierogamia (de
, casamento sagrado) aplicado no contexto escandinavo desde estudiosos
de dcadas anteriores como Regis Boyer, Hilda Ellis-Davidson e Thomas Dubois,
quanto das novas geraes, como Christopher Abram e Gro Steinsland82. De forma
recorrente, encontram-se semelhanas em narrativas que apresentam a unio entre duas
divindades representativas da ordem e do caos.

Na narrativa escandinava, o prprio escandinavo est ligado divindade


masculina e ao princpio da ordem. A populao estrangeira, o outro frequentemente
os saami ou os finnar - associada divindade e ao princpio feminino, ligado ao caos,
falta de estruturao. A unio entre as duas entidades resultar em feitos
extraordinrios. Dessa forma, encontra-se o mito da Hierogamia strongly connected to
the legitimation of the elite, to the peoples wish for fertility as well as philosophies
around death and ressurection83.

Existem indcios tambm da existncia de mitos hierogmicos entre os fino-


gricos, em particular referente ao casamento do deus Ukko com Rani84, e entre os
povos eslvicos85. As discusses relativas mitologia eslvica, entretanto, enfatizam de

82
Destaque tese de doutoramento da norueguesa Gro Steinsland, defendida em 1989 e intitulada Det
hellige bryllup og norrn kongeideologi: en analyse av hierogami-myten i Skrnisml, Ynglingatal,
Hleygjatal og Hyndluljd (O casamento sagrado e a ideologia nrdica de realeza: uma anlise do mito
do hieros gamos no Skrnisml, Ynglingatal, Hleygjatal e Hyndlulj). Agradecimentos a Renan Birro,
que trouxe lembrana as seguintes obras que tratam da temtica em uma perspectiva mais ampla em
completa: ABRAM, Christopher. Myths of the Pagan North. New York: Continuum International
Publishing Book, 2011; STEINSLAND, Gro, BEUERMANN, Ian et alli (eds.). Ideology and Power in
the Viking and Middle Ages: Scandinavia, Iceland, Ireland, Orkney and the Faeroes. Leiden: Brill, 2011.
83
KVILHAUG, Maria. The Maiden with the Mead: A Goddess of Initiation Rituals in Old Norse
Mythology? Oslo: VDM Verlag, 2009.p. 23.
84
DUBOIS, Thomas. Nordic Religions in the Viking Age. Philadelphia: at the University Press, 1999. P.
56.
85
BELAJ, Vitomir. Uz Katiievu rekonstrukciju tekstova o baltoslavenskoj Majci bogova. In: Trava od
srca: Hrvatske Indije II. Urednici Ekrem auevi et ali. Zagreb: Hrvatsko filoloko drutvo:
Filozofski fakultet. 2000; MARJANI, Suzana. The Dyadic Goddess and Duotheism in Nodilos The
Ancient Faith of the Serbs and the Croats. In: Studia Mythologica Slavica VI. 2003. Pp. 181-204. &
NODILO, Natko. Stara vjera Srba I Hrvata. In: Religija Srb i Hrvat, na glavnoj osnovi pjesama, pria i
govora narodnog (Antiga f dos srvios e croatas. In: Religio dos srvios e croatas, nas principais bases
61

forma um tanto demasiada aspectos estruturalistas e mesmo fenomenolgicos que


desembocam em tentativas da reconstruo de um panteo bem-definido e difundido,
frequentemente desconsiderando as especificidades contextuais. Em ambos os casos, a
aplicao do hieros gamos legitimao monrquica encontra-se distante da discusso,
mas interessante notar que, ao menos funcionalmente, h similaridades entre as
divindades envolvidas (i.e. um deus celeste, muitas vezes ligado ao trovo, que une-se
deusa-terra).

Retornando a um contexto escandinavo, razovel argumentar que no campo do


imaginrio a temtica do rei estrangeiro propicia valor simblico acentuado, em
particular na confeco de narrativas de princpios de reinos e dinastias.

O historiador necessita ter saudveis ressalvas na aplicao de comparaes


entre contextos sem conexes histricas empricas eou plausveis, ainda que um
regresso ao historicismo e positivismo no sejam uma opo; porm, de forma alguma
procuramos a criao de leis antropolgicas universais.

Ora, necessrio frisar, o prprio mtodo antropolgico e etnogrfico insiste na


necessidade de que o estudo de campo preceda o estudo de caso; ele que fornecer a
teoria explicativa especfica do caso em questo, ainda que outros estudos tericos
possam propiciar escopo, fundamentao, bem como na formulao mais precisa das
questes.

Feitas tais ressalvas, julgamos plausvel que a fora simblica do governante


estrangeiro, recorrente em diversos contextos (incluindo na Europa, e dentre outras
populaes prximas aos escandinavos) tenha sido um fator que no deve ser
desconsiderado na anlise da Pviest vrimennikh liet enquanto relato histrico do
surgimento da Rssia.

O poder simblico que a temtica fornece dinastia governante no pode ser


subestimado, e mais que coerente e plausvel que a existncia de temtica mtica
recorrente em relatos de legitimao monrquica escandinavos sejam empregados numa
fonte que, ainda que eslvica, defenda a existncia e legitimao de uma dinastia de
origem escandinava em contexto eslvico.

A sugesto do uso de uma temtica especfica pelo cronista no aleatria e

de canes, estrias e ditos populares). Split: Logos, 1981.


62

desprovida de significado. As ideias circulam nos mais diversos contextos, influenciam


e sofrem influncias, mas no surgem do nada. Dessa forma, a fora simblica do rei
estrangeiro teve de ser inspirada por algum evento do passado, que no pode estar
desconexo ou incoerente com o emprego da mesma.

Tal circunstncia reforada pelo contexto de escrita da PVL, marcado pelo


esfacelamento e enfraquecimento das antigas unidades entre os prncipes russos, e
quando a Rus passa a se dividir em pequenos principados tomados de disputas e feudos
entre seus governantes. Uma histria apontando uma linhagem nica e contnua que
surgiria em meio de contexto de contendas, como a apresentada com o chamado dos
varegues, possui assim especial significado no sentido de reunir e retomar antigos laos
de unidade, legitimados pela casa ancestral riurikida.

Porm, o reduzir a situao a uma mera narrativa de legitimao pode


subestimar o poder do simblico e restringir sua circulao e perenidade, seja temporal
ou social.

O interlace entre extratos sociais clerical, aristocrtico, ou mesmo da to


buscada Cultura popular - permite uma ampliao das possibilidades de ressonncias
do mito nas sociedades eslvicas, fnicas e escandinavas do medievo e do contexto de
interao entre as mesmas.

Por fim, outro caminho tambm pelo qual no temos, no presente, condies de
nos aprofundarmos, seria o aberto por Eleazar Meletnski, ligado chamada Escola de
Tartu, e autor de obras extremamente relevantes temtica como a Potica do Mito,
Os arqutipos literrios e A Edda e as formas primitivas de Epos.

Categorias e conceitos presentes em alguns estudos medievais russos como o de


pico arcaico mitolgico ou conto-maravilhoso herico ( )
poderiam fornecer novas ferramentas interpretativas em um contexto histrico mais
plausvel e conectado, que inserisse elementos comuns aos picos russos (como a
recorrncia de trades, tambm presente no chamado dos varegues, por exemplo).
63

1.5 O sculo XX: A arqueologia e a historiografia russas nos tempos soviticos

1.5.1 O perodo revolucionrio (1917-1919) e os incios da URSS

Voltemos ao desenrolar da controvrsia normanista em solo russo, em particular


referente aos desenvolvimentos da mesma no perodo sovitico. Tal histrico mistura-se
com o prprio desenvovimento da Histria e da Arqueologia na Unio Sovitica.

Em 1919 foi criada a RAIMK: Academia Russa de histria da Cultura Material,


derivada da antiga Comisso Arqueolgica Imperial de Petrogrado. Seu primeiro diretor
foi Nikolai Marr (1865-1934). Neste perodo a arqueologia em particular foi marcada
por caractersticas relativamente progressistas, incluindo comunicao de resultados e
ideias a nvel internacional e disputas tericas86.

Personalidade polmica, Marr foi considerado por alguns como um gnio, mas
por outros, como os linguistas Trubetskoi e Jakobson, como insano87. No exatamente
um arquelogo, Marr estava mais interessado na formulao de teorias lingusticas e no
ajuste dos achados arqueolgicos a elas, sendo um amador que praticara de tal forma a
Arqueologia em seu passado, e que tampouco tinha por ela apreo88.

Dentre suas ideias bsicas como o Jafetismo e a Paleontologia da fala,


recebeu destaque a concepo de que as mudanas lingusticas, ao invs de ocorrerem
por meio de processos de diferenciao fonolgica, gramatical e lxica, dariam-se por
meio de respostas mudanas socioeconmicas nas sociedades89.

Similaridades entre lnguas indicariam similaridades em seus estgios


evolutivos. Pelo adequamento superficial de tal teoria aos referenciais marxistas de
mudana sociocultural, as ideias de Marr encontrariam acolhida e dominncia no meio
acadmico sovitico at a dcada de 195090.

Com a criao da URSS a RAIMK transformaria-se na GAIMK91 Academia


Estatal de Histria da Cultura Material, assumindo jurisdio por todas as repblicas da

86
PLATONOVA, Nadezhda Igorevna. The Phenomenon of Pre-Soviet Archaeology: Archival Studies in
the History of Russian Archaeology Methods and Results. In: SCHLANGER, Nathan &
NORDBLADH, Jarl (eds.) Archives, Ancestors, Practices: Archaeology in the Light of its History.New
York & Oxford: Brghahn Books, 2007. P.48.
87
KLEJN, Leo. Soviet Archaeology: Trends, Schools, and History. Oxford: 2013, p. 204.
88
KLEJN, 212.
89
KLEJN, 211s.
90
TRIGGER, 206.
91
TRIGGER, 206.
64

URSS. Ocorreu a criao de departamentos de arqueologia com muitos pesquisadores


em tempo integral e com facilidades de acesso a institutos de anlise geolgica,
climatolgica, da fauna e flora, dentre outros campos do conhecimento92.

No incio da dcada de 20 foi criado em Moscou o RANION, a Seo de


arqueologia da Associao russa de Instituos de Cincias Sociais. Espcie de rival do
GAIMK, o RANION estava sob superviso direta do Partido Comunista, que tambm
estimulava a criao de centros regionais de pesquisa e sociedades arqueolgicas.

O perodo imediato aps a Primeira Guerra mundial foi marcado pela NEP
nova poltica econmica (1921-1928), no qual a URSS esteve sob governo de Lnin.
Nesse perodo o governo sovitico adotou poltica de reconciliao com a intelligentsia
em sua maior parte oriunda da classe intelectual anterior revoluo, sendo que boa
parte da mesa no havia apoiado a revoluo bolshevique.

Lenin adotaria a poltica de que, ao invs de se destruir os fundamentos


cientficos e culturais atingidos pela burguesia, o partido deveria aproveit-los e edificar
novos fundamentos sobre os mesmos o governo comunista no poderia governar o
pas sem o apoio das classes educadas e detentoras de conhecimento93.

Dessa forma, ao menos nos anos da NEP, muitos intelectuais das geraes
anteriores, donos de reputaes consolidadas, exerceram cargos de chefia e influncia,
com remuneraes adequadas, possuindo relativa liberdade de pensamento94, a despeito
das ideias de Marr no GAIMK.

Esse perodo inicial da arqueologia sovitica assistiu substituio da


arqueologia prvia, amadora, por uma arqueologia profissionalizada, com a formao de
grande nmero de acadmicos e uma coordenao mais adequada de esforos por todos
os territrios da URSS. Foi tambm um perodo no qual ocorria grande colaborao
com autores do estrangeiro95.

Uma das principais publicaes na arqueologia do perodo foi o perodo Eurasia


Septentrionalis Antiqua, cujo editor, o finlands Aarne Michal Tallgreen (1885-1945),
foi relevante defensor da posio normanista. Tallgren publicaria em 1911 Die kupfer-
und bronzezeit in Nord- und Ostrussland I, no qual analisaria a cultura arqueolgica da

92
TRIGGER 207.
93
TRIGGER, 207.
94
TRIGGER, 208.
95
TRIGGER, 208.
65

Idade do bronze do Volga-Kama enquanto produto de difuso da expanso sueca na


Rssia. Tallgreen publicaria artigos de autores russos em lnguas ocidentais, como o
ingls, francs e alemo, num contexto em que a arqueologia europeia ainda
influenciava a produzida na Unio Sovitica.
A influncia difusionista da escola vienense de antropologia consistia na ideia
dominante entre os arquelogos, e propiciava um campo intelectual apropriado para
ideias de escandinavos estrangeiros portadores de cultura no territrio da Rus. Neste
contexto inicial, a circunstncia de lidar com a Cultura Material era para tais
pesquisadores ligao suficiente com uma perspectiva materialista96.
A posio da primeira gerao de historiadores ps-revolucionrios, entretanto,
no to facilmente rotulvel como normanista ou anti-normanista. O foco de
ateno dos pesquisadores passar gradualmente da etnognese para o estudo de
questes scio-econmicas, porm neste processo conceitos antigos ainda perduraro
consideravelmente. A prpria viso de uma arqueologia marxista monoltica nas
dcadas subsequentes vm sido criticada como desconhecedora das nuances, s
perceptveis com a anlise de documentao nem sempre acessvel, ou disponvel ao
pesquisador ocidental apenas muito recentemente97.
Entre 1917 e 1920 destacam-se dois trabalhos especficos referindo o problema
normando. O primeiro "Drevneyshiye Sudby Rus' skogo Plemeni" (Os antigos
destinos da tribo russa), de Aleksei Aleksandrovitch Chakhmatov (1864-1920). Sua
crtica crnica nestoriana ser fundamental para os posteriores anti-normanistas
soviticos. Entretanto Shakhmatov mantm-se em um posicionamento analtico que
insere a histria inicial da Rus em uma estrutura normana, desenvolvendo uma teoria na
qual trs estados varegues teriam se sucedido ideia que frutificaria na obra de
Platonov.
A outra obra, de P.P.Smirmov, , (Rota do
Volga e os antigos Rus), basearia-se fortemente nas obras de crnicas muulmanos
medievais, e centralizaria a influncia varegue na rea do Volga98.
Devemos ainda referir ao acadmico Brim, que tentar conciliar a ideia
normanista e a origem escandinava do termo Rus com a frequncia do termo Ros nas

96
TRIGGER, 209.
97
PLATONOVA, 48.
98
ZAKHARII, 96.
66

reas mais meridionais do Dniepr e de Kiev, argumentando que teria havia uma mistura
entre ambos componentes tnicos e sociais.
Tal estado favorvel manuteno de uma posio normanista ou, ao menos
conciliadora perdurar at o final da dcada de 20 e incio da dcada de 30. Ainda em
1931 a enciclopdia concisa sovitica veicularia que a classe dominante entre os sculos
9-11 era composta principalmente de varegues e chamada de Rus99.

1.5.2 O perodo Stalinista

A subida de Stalin ao poder alteraria drasticamente as cincias soviticas. Entre


os anos de 1928 a 1932 ocorreria a chamada Revoluo cultural, bem como a
campanha para acomodar a intelligentsia aos princpios marxistas soviticos.

Os centros de pesquisa arqueolgica regionais foram substitudos por


departamentos de estudos regionais controlados pelo governo.

A partir de 1930, os contatos entre acadmicos soviticos e estrangeiros foram


suprimidos100. Por certo tempo o GAIMK era o nico local onde podia se encontrar
exemplares de publicaes estrangeiras.

O que seria considerado manifesto da nova arqueologia sovitica, marxista,


seria publicado em 1929 por Vladislav Ravdonikas (1894-1976). O relatrio, publicado
no ano posterior como ensaio e intitulado Para uma histria sovitica da cultura
material, foi lido em sesso do GAIMK. Criticava posies da antiga intelligentsia e
defendia sua substituio por princpios marxistas101.

Nos anos seguintes ocorreu a perseguio, que passava pela demisso at


mesmo priso e exlio de arquelogos que no mudassem seus pontos de vistas,
acomodando-os s novas configuraes ideolgicas.

O prprio Tallgren, em virtude de suas crticas a tais processos, perdeu seu ttulo
de cidado honorrio sovitico, posteriormente sua visita a Leningrado, em 1935.

A RANION foi substituda em 1932 por um ramo moscovita da GAIMK,


denominado MOGAIMK. O principal pensador nesse perodo foi o prprio Ravdonikas,

99
ZAKHARII, 98.
100
TRIGGER, 210.
101
TRIGGER, 210.
67

mas a maior parte dos novos arquelogos carecia de experincia tanto no marxismo
quanto na arqueologia102 , e a ausncia de muitas diretrizes nos escritos de Marx no
tornava a tarefa da criao de uma arqueologia marxista mais fcil.

Ainda assim, a arqueologia sovitica foi pioneira no sentido de tentar explicar


mudanas sociais por meio da Cultura Material, antecedendo-se em suas formas
explicativas prpria New-Archaeology, ou Arqueologia Processualista, explicando
mudana no registro por meio de transformaes internas das sociedades, ao invs de
recorrer de imediato migrao e difuso103. Evidentemente, sob fortes restries
conceituais e sob a obrigatoriedade de enquadrar achados e teorias explicativas em
moldes marxistas e materialistas.

significativo, a nvel conceitual, que a Arqueologia tenha nesse perodo sido


rebatizada de Histria da Cultura Material104.

Um fator particularmente catastrfico para a teoria arqueolgica sovitica no


perodo em questo foi o predomnio das ideias de Marr acerca da mudana lingustica.
Elocubraes bizarras foram criadas a fim de explicar mudanas populacionais.

O prprio Ravdonikas, seguindo os passos de Marr, explicaria as modificaes


culturais e tnicas na Crimia, na qual se sucederam Citas, Godos e Eslavos, como uma
mudana de uma mesma populao, local, tendo haviado uma evoluo lingustica entre
as lnguas iranianas, sucedidas pelas germnicas e, finalmente, pela eslava. Tambm
argumentaria que, devido tal sucesso evolucionria local e a necessidade de
passagem por tais estgios, os godos da Crimia, germnicos, no teriam qualquer
relao com outros povos germnicos do oeste e norte a evoluo lingustica ocorria
independentemente105.

Tal ideia seria abandonada apenas com Stalin, em 1950, que salientaria em seu
ensaio Sobre o marxismo na lingustica que os russos falavam russo antes da
revoluo e permaneceram o falando aps a mesma.

A despeito do avano terico ao menos, nas tentativas de explicao social


com emprego da Cultura Material, tcnicas tradicionais e consolidadas na Arqueologia
no Ocidente, como construo de tipologias, classificaes e descries, foram deixadas

102
TRIGGER, 212.
103
TRIGGER, 217.
104
KLEJN, Leo. La Arqueologa Sovitica. Barcelona: Crtica, 1993. P.21.
105
TRIGGER, 218.
68

de lado, designadas como metodologias burguesas, o que gerou descompasso e atraso


considervel da arqueologia sovitica em relao praticada no restante da Europa e
Amrica.

Aps 1934 ocorreu um aumento considervel de estudos empricos mais


convencionais e profissionais na arqueologia sovitica. A prpria insistncia em
ortodoxia poltica e o risco de se ser contrrio a ela implicava que discutir teoria e
inovaes na teoria marxista era tarefa perigosa106.

Foram reinstitudos os programas de ps-graduao e defesas de teses e


dissertaes, e a Arqueologia, ainda que continuasse enquanto um ramo da Histria, foi
reconhecida enquanto disciplina, recebendo a designao especfica de Arqueologia
Sovetica para distingu-la do que era chamado de Arqueologia burguesa107.

Em adio aos projetos arqueolgicos de larga escala iniciados em 1928


difundiram projetos de arqueologia de salvamento, e iniciou-se a publicao da
(Arqueologia Sovitica).

Nos finais da dcada de 30 as discusses relativas etnognese em particular


relativas aos povos eslvicos e aos germnicos assumiram grande importncia,
discusso agravada pelo contexto circundante da 2 guerra mundial. As escavaes de
Novgorod, demonstrando elevado desenvolvimento urbano e mesmo a descoberta de
cartas escritas em cartas de btula, que demonstraram literamento em extratos sociais
fora do clero, deram nimo a explicaes nacionalistas acerca do progresso eslvico no
medievo, particularmente russo, em relao aos povos da Europa Ocidental.

Destarte, a influncia escandinava e o normanismo foram veementemente


rejeitados108, ainda que o predomnio das teorias de Marr tornasse as explicaes
referentes etnognese verdadeiros malabarismos tericos.

O ltimo pensador a advogar a ideia normanista seria Brim, que defenderia a


dualidade entre os nomes Rus, oriundo de Ruotsi e em voga no norte, e Ros, ligado ao
sul e aos rios da bacia do Dnieper. Griekov incluiria ideias do ltimo em sua obra109,
mas penderia definitivamente para o papel auto-suficiente dos eslavos e o surgimento

106
TRIGGER, 221.
107
TRIGGER, 221.
108
TRIGGER, 225.
109
ZAKHARII, p.97.
69

da Rus enquanto entidade poltica autctone110. nesse perodo que se desenvolveriam


as ideias de anti-normanistas importantes como Artamanov, Iushkhov e Trubatchv.

Stalin reassentaria populaes de todo o territrio ocupado pela URSS de forma


a diluir minorias tnicas e enfatizar uma pressuposta unidade de estado, alterando
tambm a interpretao histrica e arqueolgica de forma a enfatizar unidades e
conexes ancestrais e milenares dentre seus povos constituintes111 fossem elas reais e
embasadas ou no. Evidentemente, em tais processos antigas atitudes de Pan-eslavismo
foram retomadas, ressignificadas e empregadas de forma a legitimar a nova ordem, em
particular a partir da dcada de 1940112.

Em 3 de Novembro de 1947, Iakovlev resumiria o esprito da questo


normanista academia sovitica de ento, com sua declarao no peridico Bolshevik
de que o normanismo era politicamente danoso por negar a habilidade das naes
eslavas de formarem um estado independente por seus prprios esforos113.

1.5.3 Os tempos ps-Stalin: Kruschv (1953-1964) e os incios da escola de Klejn

Ainda que descrito por alguns como problemtico114 ou de crise115, o perodo


posterior ao governo de Stalin permitiu que a interpretao arqueolgica assumisse ares
distintos.

Mais relevante, no entanto, foi a significativa liberalizao pela qual passou a URSS,
tanto a nvel acadmico quanto na sociedade em geral, decorrente do chamado degelo
da administrao de Nikita Kruschv enquanto primeiro secretrio da URSS. A relativa
abertura da URSS ao ocidente e a pblica condenao aos desfeitos de Stlin por
Kruschtchv tiveram efeitos na academia, na histria e arqueologia.

A centralizao especfica das pesquisas arqueolgicas foi diluda com a criao


de outros centros. O acesso a peridicos estrangeiros tambm se tornou mais fcil, ainda
que sob a lente marxista-leninista que as compreendia enquanto produtos da sociedade

110
ZAKHARII, p.93.
111
BARFORD, 276.
112
BARFORD, 277.
113
, 1947.
114
apud GENING, 1982 em TRIGGER, 226.
115
apud SOFFER, 1985:8-15 em TRIGGER, 226.
70

burguesa que deviam passar sob o crivo da crtica materialista116.

As discusses dentro do marxismo tornaram-se mais complexas e multi-


facetadas, por todo o contexto cultural sovitico incluindo a historiografia117. Ainda
assim, a posio normanista permaneceu condenada pela maioria dos acadmicos
soviticos at a dcada de 1970, em particular aos ligados chamada Escola de
Moscou118.

Nesse contexto destaca-se o nome de Liev Samoilovitch Klein, mais conhecido


como Leon Klejn, e que se tornaria voz ativa e de relevncia no estabelecimento de um
reavivamento das ideias normanistas dentro da prpria URSS. Judeu oriundo da
Bielorssia, efetuaria seus estudos de ps-graduao em Leningrado aps ser forado a
abandonar a universidade de Grodno por divergncias ideolgicas119.

Tendo estudado arqueologia com Mikhail Artamonov e filologia com Vladimir


Propp, entre os anos de 1947 a 1950 Klejn criticaria as posies de Marr, ato que no
lhe trouxe consequncias mais srias pela condenao de tais ideias pelo prprio Stalin.

Trabalhando no departamento de arqueologia aps 1960, Klejn tornar-se-ia


professor assistente do mesmo em 1962, mas completaria o grau equivalente a um
doutorado (Candidato de cincias) apenas em 1968, sem conseguir defender sua tese,
entretanto.

1.5.4 Da era Brjnev ao final da URSS (1964-1991)

Com a deposio de Kruschv e a subida de Brjnev ao poder, muito de suas


medidas, incluindo a abertura da URSS ao ocidente, foram revertidas. Entretanto, foi no
perodo do longo governo de Brjnev que a URSS atingiu status de superpotncia, e no
qual sua populao desfrutaria de melhorias econmicas e sociais considerveis. A
cincia, tecnologia e a academia no geral avanariam num processo de
profissionalizao ainda maior.

Tais melhorias, no entanto, no perduraram, sendo que o final do perodo a


116
TRIGGER, 227.
117
REIS Filho, Daniel Aaro. As revolues russas e o socialismo sovitico. So Paulo: UNESP, 2003.
P.123.
118
BARFORD, 233.
119
ZAPATERO, Gonzalo Ruiz. Prefacio. In: KLEJN, Leo. La Arqueologa Sovitica. Barcelona: Crtica,
1993. P.VII.
71

URSS entraria em marcada crise, principalmente econmica.

Na metade da dcada de 1960 Leon Klejn organizaria uma srie de seminrios


sobre o normanismo, na tentativa de estabelecer uma posio normanista mais velada,
parcial, ou ao menos que sobrevivesse s restries da ideologia oficial. Tal contexto
gerou debate entre o prprio Klejn e Shaskolski. Seria o que o prprio Klejn chamaria
de terceiro pico de debate normanista na Rssia (agora URSS); os dois primeiros
seriam Mller contra Lomonssov e Pogodin contra Kostomarov120.

Klejn desmembraria o conceito normanista no que ele chamaria de sete


passos, de acordo com os quais o mesmo era discutido na historiografia sovitica: 1) a
chegada dos escandinavos na antiga rea eslava oriental; 2) Fundao de Kiev por eles;
3) a origem escandinava do termo Rus; 4) Influncias escandinavas na cultura eslava
oriental; 5) Escandinavos como criadores do primeiro estado eslavo oriental; 6)
Preferncia racial dos escandinavos como causa de seu sucesso; 7) Influncas polticas
na situao contempornea: os geniais escandinavos enquanto chefes e os eslavos
como seus subordinados121.

Klejn argumentaria que seria possvel a aceitao dos cinco primeiros passos
tranquilamente sem qualquer risco de distoro da teoria marxista. Seria perseguido
pelo regime e preso na dcada de 1980 por sua homossexualidade, conseguindo
defender sua tese de doutorado apenas em 1994.

No entanto, de seus seminrios e posicionamentos em Leningrado surgiria uma


nova vertente historiogrfica na URSS, favorvel ao normanismo e oposicionista, que
tornaria forma mais marcadamente a partir da dcada de 1980122, sendo chamada
genrica e no oficialmente de Escola de Klejn, termo desfavorecido pelo prprio
Klejn, que, atualmente, aposentado na academia aps lecionar na Universidade
Europeia de So Petersburgo, colunista na Troitski variant.

Os estudos histricos e arqueolgicos na URSS seriam mais criticados e


problematizados nas dcadas de 70 e 80, abrindo espao importante a pensamentos
divergentes. Formozv, por exemplo, criticaria amargamente o estado da Arqueologia

120
WESTRATE, Michael. The Norman Problem in Historiography: Nationalism and the Origins of
Russia. In: Vestnik, the Journal of Russian and Asian Studies. 08 de maio de 2007. Obtido em:
<http://www.sras.org/nationalism_and_the_origins_of_russia> ltimo acesso em: 03/09/2014
121
KLEJN, Leo. Normanism antinormanism: the end of the argument. In: Stratum plus. Non-Slavic
Elements in the Slavic World. 1999. N.05. Pp. 91-101.
122
Apud LEBEDEV, G.S. Epokha vikingov v Severnoi Europe. Leningrad, 1985. In: BARFORD, 233.
72

sovitica em seu artigo de 1977, Crtica das fontes em Arqueologia123.

Segundo ele, um problema generalizado na Arqueologia sovitica era o


procedimento de publicar concluses e resultados da pesquisa sem os dados da pesquisa
em si. O leitor leigo final ficaria com a impresso de que os conflitos, problemas e
dificuldades da interpretao histrico-arqueolgica estariam resolvidos, enquanto que
ao acadmico faltariam todas as premissas slidas para construo do conhecimento 124.

Klejn, referindo-se a Formozv e situao, cita a monografia de Danilenko, O


neoltico na Ucrnia. Captulos da Histria antiga do sudeste da Europa, de 1969, cuja
periodizao razoavelmente detalhada basear-se-ia apenas em materiais colhidos na
superfcie, sem sequer estudo estratigrfico ou escavaes; os prprios materiais de
superfcie foram empregados sem qualquer uso de serializao125.

O prprio Formozv viria a ser eleito membro do conselho de redao da


Sovetskaia Arkheologia, o que Klejn definiria como um bom sintoma. De fato, nesse
ambiente de retorno a um debate mais prximo de uma conjuntura acadmica e
cientfica, foi possvel o surgimento dessa nova escola normanista, em particular em
Leningrado, mantendo a polarizao acadmica Leningrado - Moscou.

Destacar-se-iam alguns pesquisadores nesse novo normanismo sovitico cujas


obras perduram contemporaneamente: A.N. Kirpichnikov, E.A. Melnikova, E.N. Nosov,
e V. Ia. Petrukhin. Dessa forma, a posio normanista assumiu uma conotao poltica
ativa, no sentido de polarizar politicamente seus participantes entre oposio (os
normanistas) e os suportadores do status quo (anti-normanistas).

invivel se empregar os termos esquerda e direita em suas acepes


polticas mais empregadas no Ocidente ao se tratar de Unio Sovitica126; destarte,
optamos por, ao invs de se usar um imprprio esquerda para caracterizar a

123
, .. . : , 1977. 01,
.05-14.
124
, .10.
125
KLEJN, 1993: 87.
126
Norberto Bobbio, resumindo e agrupamento a maior parte das definies pertinentes define como um
dos critrios de maior relevncia para distino entre Esquerda e Direita a igualdade/desigualdade,
inserindo tambm outras nuances ao debate como, por exemplo, a dade liberdade/autoridade. Segundo
tais critrios, a URSS possuiria uma poltica de esquerda que, no entanto, pelas caractersticas prprias e
especficas de um estado autoritrio, gerou outras formas de desigualdade. No obstante, a distino e sua
discusso permanecem vlidas, ainda que cinzentas; o prprio partido Rssia Unida, do qual faz parte
atualmente Vladmir Putin, por mais que consista em partido de situao, possui alas e divises internas
que refletem a prpria diviso direita-esquerda-centro. Vide BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda:
razes e significados de uma distino poltica. So Paulo: Editora UNESP, 1995[1994].
73

dissidncia, em se empregar o conceito de oposio.

1.5.5 A Rssia ps-sovitica

Na dcada de 1990, com o final da Unio Sovitica, transformaes de grande


magnitude percorreram toda a sociedade da Rssia e demais ex-repblicas soviticas.
Na tentativa de se emular os aparentes sucessos das sociedades ocidentais, instaurou-se
na Rssia a cartilha neoliberal, incluindo liberao total dos preos, combate ao dficit
pblico e inflao, cmbio flutuante e consequente sobrevalorizao do rublo e
privatizaes127.

Simplificando uma situao complexa, algumas das consequncias foram queda


relevante da produo industrial, diminuio de investimentos externos, desemprego e
subemprego, concentrao brusca de renda, surgimento de uma classe de especuladores,
queda na expectativa de vida e precariedade nos servios pblicos128.

O impacto em setores especficos, como a sade por exemplo, mensurado


estatisticamente. O mesmo mais difcil na rea de pesquisa e produo de
conhecimento. Os danos s reas ligadas aos servios pblicos evidentemente atingiram
a rea da Educao e da Pesquisa, incluindo estudantes subvencionados. Ocorreu o
desmantelamento de uma grande quantidade de institutos e de equipes de pesquisa,
construdos por meio de uma longa e difcil maturao, e dilapidados por meio de cortes
de verbas e salrios reduzidos129.

Em tal circunstncia, o meio acadmico ser atingido duramente pela migrao


de crebros, mas ao menos tempo ficar razoavelmente livre de imposies ideolgicas
e governamentais. Merece destaque nessa dcada o trabalho efetuado por Yanin relativo
aos resultados de escavao de Novgorod.

Yanin, ainda que analizando a complexidade tnica da reigo, que envolvia fino-
gricos e eslavos, argumentaria que a evidncia arqueolgica corroboraria o Chamado

127
REIS Filho, Daniel Aaro. As revolues russas e o socialismo sovitico. So Paulo: UNESP, 2003. P.
269.
128
Idem, p.270.
129
Idem, ibidem.
74

dos Varegues da Crnica Primria Russa130.

A situao perpassaria toda a dcada, e passaria a reverter-se apenas no sculo


XXI, com o incio da chamada Era Putin, que seria marcada por uma tentativa de
estabilidade econmica e retomada do crescimento131. O meio para tanto seria um papel
afirmativo, diretivo e regulatrio da parte do Estado, levando ao fortalecimento de
outras contradies, dentre as quais a mais marcada seria o recrudescimento de formas
autoritrias na infante democracia russa. Sem maiores surpresas, ser nestes anos mais
recentes que novas discusses sobre o normanismo retomariam fora na Rssia.

1.6 Desenvolvimentos contemporneos: a era Putin-Medvedev

O incio da era Putin (2000-2008) foi marcado pela nostalgia em relao aos
tempos de Stalin e o sentimento de necessidade de uma mo forte. O crescimento do
poder econmico privado associado corrupo e redirecionamento das prioridades
nacionais levou a uma consequente diminuio no estmulo pesquisa em determinados
campos da cincia. Neste perodo a Arqueologia passou a receber o menor apoio do
estado j registrado na histria russa e sovitica, menor ainda que nos anos turbulentos
de guerra civil prximos a revoluo de 1917. O contexto marcado por baixas
remuneraes e diminuio das posies acadmicas132.

No obstante, no incio de seu primeiro mandato enquanto presidente (2000-


2004), Vladimir Putin demonstrou acentuado interesse pela histria mais antiga e
recuada da Rssia, ainda que tal interesse tenha a presentado-se mais a nvel pessoal ou
na prpria construo de sua imagem. Viajou pelo norte para Novgorod em 2001,
quando o governador local tentou persuad-lo que o local fora a mais antiga capital da
Rssia. Putin discutiria a ideia com historiadores e arquelogos, mas focaria sua ateno
no papel de Kiev na histria da Rssia, bem como de que forma lidar com a situao
aps a independncia da Ucrnia. Os acadmicos foram unnimes em confirmar o papel
de relevncia de Novgorod, mas tendo ressalvas em relao ideia do uso do passado

130
YANIN, V. L. The archaeological study of Novgorod: An Historical Perspective. In: The
Archaeology of Novgorod, Russia: The society for Medieval Archaeology, 1992. Pp. 67-106.
131
REIS Filho, 275.
132
KLEJN, Leo S. Russia. In: SILBERMAN, Neil Asher & BAUER, Alexander A. (eds.) . The Oxford
Companion to Archaeology. Oxford: At the University Press, 1996. P.67.
75

mais remoto para construo de uma ideia nacional133.

Putin manteve-se com seu projeto, mas transferindo a ateno para, ainda no
norte, Staraia Ladoga, culminando na celebrao de 1250 anos da cidade em 2003, aps
decreto presidencial. Os jornais e a mdia descreveram na ocasio Staraia Ladoga como
a primeira capital da Rssia134.

Putin chegaria ao local de barco, o que evocaria concientemente, para


Shnirelman, a prpria chegada dos Varegues, reforando o simbolismo e a tentativa de
Putin de, no incio de seu mandato, associar-se ideia da prpria criao do primeiro
estado russo. Para o presidente, o nacionalismo russo tinha de basear-se em sua
prpria histria 135.

interessante, no entanto, que a iniciativa de Putin, por mais ideolgica que


tenha sido, coexiste com aparente interesse pela histria mais antiga da Rssia e com
tentativas de tomar lies do passado para o presente. Nesse sentido, antes de efetuar
malabarismos tericos e de ir contrariamente maioria dos acadmicos, Putin
demonstraria comportamento mais pragmtico, tentando empregar ideologicamente da
melhor forma possvel a evidncia aceita unanimemente.

No caso da origem russa, a nfase de Putin seria no desenvolvimento do norte,


particularmente Staraia Ladoga, e, neste sentido de tomada de lies e tentativas de
interpretao, Putin viria a sugerir que o desenvolvimento da cidade deu-se como
resultado da integrao dos povos comparao clara com seu prprio projeto de
uma Rssia novamente hegemnica. Uma posio raramente respeitosa interpretao
acadmica por parte de um estadista russo que, ao invs de tentar banir a ideia
normanista, procuraria dela aprender lies e aplicaes.

O interesse de Putin no stio diminuiria em 2004 e entraria em declnio. No


entanto, Putin providenciaria suporte financeiro para escavaes em Novgorod e Staraia
Ladoga no incio de seu segundo mandato (2004-2008).

Por sugesto de Medveded no momento em questo, chefe de sua

133
SHNIRELMAN, Victor. Archaeology and the National Idea in Eurasia. In: HARTLEY, Charles,
YAZICIOLU, Bike & SMITH, Adam (eds.). The Archaeology of Power and Politics in Eurasia:
Regimes and Revolutions. Cambridge: at the University Press, 2012. P.25.
134
BBC & Channel One TV, Moscow . Russian president discusses problems with local authority
representatives, 17/07/2003. In: <http://www.russialist.org/archives/7254-12.php> ltimo acesso em
28/10/2014.
135
SHNIRELMAN, 2012: 26.
76

administrao, porm, Putin visitaria em 2005 o centro Histrico-Arqueolgico de


Arkaim, no sul dos montes Urais. O stio de Arkaim, escavado na dcada de 1990, foi
declarado pelos arquelogos locais como a terra de origem dos Indo-Arianos. Iniciou-se
ento um novo projeto de ideia nacional, estimulado pelo prprio arquelogo que
escavara o local, Guennadi Zdanovitch, encarado com reservas por Putin136.

Num momento em que as tentativas de atribuir ascendncia eslava a Rurik


enfrentava grandes dificuldades e sua associao ideia da construo de um estado
russo trazia problema ao nacionalismo dos russos, Arkaim apresentava-se como
alternativa atraente, ampla, tanto pelas implicaes mais vastas das migraes indo-
arianas como pela questo do autoctonismo da populao ali vivendo e sua ligao
direta com os eslavos137.

1.6.1 A Comisso presidencial da Federao Russa para conter tentativas de


Falsificao da Histria em detrimento dos interesses da Rssia (15 de maio
de 2009 a 14 de fevereiro de 2012)

Com o final do segundo mandato de Putin elegeu-se Dmitri Medvedev, com


Putin como primeiro ministro. Em 15 de maio de 2009 o ento presidente Medvedev
criou, por meio de decreto presidencial, uma comisso com o intuito de defender a
Rssia contra falsificadores da Histria e contra aqueles que quiserem negar a
contribuio sovitica na Segunda Guerra Mundial138.

A comisso foi liderada pelo chefe de estado, Serguei Narichkin, e composta por
antigos membros do Duma, como Serguei Markov e Natalia Narotchnitskaia, bem como
por oficiais das foras armadas e do servio de inteligncia. De 28 membros, 5 eram
historiadores: a prpria Natalia Narotchnitskaia, Andrei Artizov (chefe da agncia de
arquivo federal), Aleksandr Chubarian (chefe do instituto de Histria Mundial da
Academia russa de Cincias), Andrei Sakharov (chefe do Instituto de Histria russa da
136
RIANOVOSTI, 16/05/2005. Putin visits Arkaim Museum-Reserve in Chelyabinsk Region. In:
<http://en.ria.ru/society/20050516/40361770.html> ltimo acesso em: 28/10/2014; SHNIRELMAN,
2012: 27; SHNIRELMAN, Victor A. Russian Response: Archaeology, Russian Nationalism, and the
Artic Homeland. In: KOHL, Philip L., KOZELSKY, Mara, BEN-YEHUDA, Nachman (eds). Selective
Remembrances: Archaeology in the Construction, Commemoration, and Consecration of National Pasts.
Chicago: At the University Press, 2008 [2007] .p.46..
137
SHNIRELMAN, 2012: 27.
138
O decreto est disponvel online nos arquivos do Kremlin: ,
:
.
<http://document.kremlin.ru/page.aspx?1128040>. ltimo acesso em 11/09/2014.
77

Academia russa de Cincias) e Nikolai Svanidze.

Narichkin acusaria Letnia e Litunia de reescrever e politizar a histria,


Estnia e Letnia de defesa do nazi-fascismo, defendendo que a tarefa da comisso
seria analisar falsificaes de fatos histricos que pudessem manchar a reputao
internacional da Rssia139. Evidentemente a comisso foi vista com maus olhos
internacionalmente, gerando atrito com os pases Blticos, em particular na Letnia140,
Gergia, Ucrnia141 e antigos pases da Cortina de Ferro como a Polnia142, que
consideram a ocupao sovitica como uma atitude hostil. Posies que negassem a
contribuio sovitica contra o nazismo foram criminalizadas143 e no caso de pases
cujas interpretaes contradissessem a histria oficial da comisso, os mesmos
deveriam sofrer sanes caso particular e especfico dos pases Blticos e as
interpretaes sobre os julgamentos de Nuremberg144.

Dentro da prpria Rssia a comisso encontrou crticas de vozes importantes


como de Mikhail Gorbatchv145. evidente o carter autoritrio e de revisionismo
histrico da comisso. De nosso interesse direto, entretanto, que a despeito do foco
principal da comisso na histria contempornea, o normanismo foi considerado como
uma das temticas perigosas pela comisso.

O responsvel por tal enquadramento foi Andrei Sakharov. Em entrevista TV1


efetuada dois meses depois, anunciaria que uma das mais ameaadoras falsificaes

139

. In: new.ru.com, 17 de junho de 2009 <http://www.newsru.com/russia/17jun2009/history.html>
ltimo acesso em 11/09/2014.
140
Por exemplo, na tentativa de reabilitao de condenados por crimes de guerra como Vassili Kononov.
. In: delfi.lv, 20 de maio de 2009.
<.http://rus.delfi.lv/news/daily/politics/kremlevskaya-komissiya-zajmetsya-delom-
kononova.d?id=24659049>. ltimo acesso em 11/09/2014.
141
Medvedev Forms a Commision to Protect Russian History. In: Jamestown Fundation, from Eurasia
Daily Monitor, V. 06, Issue 98.
<http://www.jamestown.org/single/?no_cache=1&tx_ttnews%5Btt_news%5D=35018&tx_ttnews%5Bbac
kPid%5D=13&cHash=6729b2258e#.VBH8o_ldXX4> ltimo acesso em 11/09/2014.
142
<http://online.wsj.com/news/articles/SB124277297306236553?mg=reno64-
wsj&url=http%3A%2F%2Fonline.wsj.com%2Farticle%2FSB124277297306236553.html>. ltimo
acesso em 11/09/2014.
143
Russia Moves to Ban Criticism of WWII Win. In: Time. 08 de maio de 2009.
<http://content.time.com/time/world/article/0,8599,1896927,00.html>. ltimo acesso em 11/09/2014.
144
FILATOVA, Irina. Medvedev's new Russian orthodoxy: Postwar Soviet history is to be revised, with
official sanction; and transgressions from the approved version could lead to prison. In: The guardian. 21
de maio de 2009. < http://www.theguardian.com/commentisfree/2009/may/21/russia-medvedev-history>
ltimo acesso em 02/10/2014.
145
Gorbachev blasts Kremlin 'managed' democracy in Russia. In: dnaindia.com, 22 de maio de 2009.
<http://www.dnaindia.com/world/report-gorbachev-blasts-kremlin-managed-democracy-in-russia-
1258111>. ltimo acesso em 11/09/2014.
78

da histria russa era o normanismo, que estaria se espalhando novamente. Inspirada por
organizaes e instituies estrangeiras que financiariam atividades destrutivas de
alguns acadmicos russos146. Suas iniciativas encontraram tamanha oposio que
Sakharov viu-se forado a se aposentar. Aps a circunstncia, o normanismo passou a
ser encarado como vitorioso e encontra-se em voga147, mas julgamos leviano
pressupor uma situao fechada.

Na proximidade da transio posterior do governo, com um terceiro mandato de


Putin, a comisso seria encerrada. No entanto, levando-se em considerao a situao
poltica russa no momento de escrita desta tese, o nacionalismo e expansionismo russo
agravam-se com a situao de anexao da Crimia e conflitos na Ucrnia. As
discusses envolvendo a Ucrnia, tenses com Pases Blticos e OTAN trazem a tona
novamente as antigas discusses relativas ao Ocidente e sua relao com a Rssia de
fato, o eixo mais sensvel e particularmente ligado com a situao normanista, que
evoca o papel do Ocidente nas questes internas russas ou em suas reas de influncia.

A ideia de um projeto nacional de legitimizao do estado russo com o uso das


cincias histricas permanecer em pauta. particularmente relevante, ao se efetuar tal
panorama, a percepo de que, qui as ideias histricas de Putin em relao a Kiev e o
atual territrio ucraniano no estiveram dormentes. Os efeitos da mudana de foco do
norte para o sul ainda traro desenvolvimentos posteriores discusso normanista.
Seguir adiante com mais concluses no presente momento conjectura.

1.6.2 A academia russa hoje

Por fim, em adio a autores j atuantes nos debates Moscou X Leningrado,


como Elena Melnikova, destacam-se nesta ltima dcada e meia os trabalhos de
Tatijana Jackson e de diversos pesquisadores ligados Academia Russa de Cincias
como Galina Glazyrina, Elena Gurevitch, Fiodor Uspenskii, bem como de outras
instituies russas, como Glieb Kazakov (da Russian State University), Tatiana

146
GAZEAU, Vronique & MUSIN, Alexandre. Normannism and Anti-Normannism. In: Libert pour
lHistoire. 24 de maro de 2010. <http://www.lph-
asso.fr/index.php?option=com_content&view=article&id=139%3Anormannisme-et-
antinormannisme&catid=31%3Adossier-russie&Itemid=78&lang=en>. ltimo acesso em: 21/04/2014.
147
Entrevista: , (entrevistado) & , (entrevistador). .
. <http://www.echo.msk.ru/programs/netak/799397-
echo/>
79

Cheniavskaia (Moscow State University).

A ltima gerao de acadmicos tem no apenas se enquadrado de forma


marcadamente normanista em suas posies, mas tambm tem encontrado boa insero
no meio internacional, produzindo conhecimento especfico sobre o medievo
escandinavo no necessariamente atendo-se apenas s relaes entre os mesmos e o
leste, mas adicionando estudos sobre diversas reas ligadas aos mesmos, como
epigrafia, runologia, estudo literrios, histricos e arqueolgicos das sagas.

1.7 Brasil: Eurpedes Simes de Paula

A temtica russo-escandinava em solo brasileiro praticamente indita. Em


adio a poucos artigos publicados, e a obra de Celso Taveira148, centralizada mais
especificamente nas origens e desenvolvimento da Rus e suas relaes no mundo
ortodoxo e bizantino, existe uma nica e particularmente notvel obra de maior
extenso sobre o tema: a tese de doutoramento O comrcio varegue e o gro-ducado de
Kiev, publicada em 1942 por Eurpedes Simes de Paula, e que incorpora uma
relevncia institucional para a Universidade de So Paulo por diversas razes.

O professor Eurpides Simes de Paula, catedrtico de Histria Antiga na


Universidade de So Paulo, foi pioneiro no estudo de diversas reas no Brasil, e
publicou diversos trabalhos que percorriam temticas inusitadas e pouco estudadas,
fosse no quesito de recorte ou na abordagem historiogrfica tomada.

Sua tese de doutoramento foi pioneira no apenas tematicamente: foi a primeira


tese de doutorado em histria a ser defendida na prpria Universidade de So Paulo149.
Orientada por Jean Gag, foi defendida em 13 de setembro de 1942, sendo a banca
composta pelo prprio Jean Gag (presidente), Pierre Monbeig, Conde Emanuel de
Bennigsen, Plnio Ayrosa e Alfredo Ellis Junior150.

148
TAVEIRA, Celso. Da primeira terceira Roma. A commonwealth bizantino-eslava e seu impacto na
formao da Rssia. 2008. Relatrio de Ps Doutorado Universidade Estadual Paulista/ Campus de
Assis.
149
EL MURR, Victria Namestnikov & EL MURR, Joubran. O Comrcio Varegue e o Gro-Principado
de Kiev. In: SOUZA, Antonio Candido de Mello et alii (org). In memoriam de Eurpedes Simes de
Paula: artigos, depoimentos de colegas, alunos, funcionrios e ex-companheiros de FEB; vida e obra. So
Paulo: Seo grfica da FFLCH, 1983. pp. 406 & 409.
150
EL MURR & EL MURR, 406.
80

Eurpedes foi capaz de reunir a bibliografia disponvel no Ocidente, muito dela


parte de sua prpria e vasta biblioteca pessoal, que disponibilizaria depois para os
alunos151. O acesso tese foi difcil por 30 anos pela existncia de poucos e antigos
exemplares; difundiu-se por vezes por cpias mimeografadas e datilografadas152.
Finalmente, em 1972 ela foi reimpressa, sem uma complementao, desejada pelo seu
autor. Passaram-se mais de duas dcadas sem tentativa alguma de continuidade ao
trabalho pioneiro de Eurpedes153.

Os trabalhos posteriores no estariam focados na Rus kievita ou na questo dos


varegues, referindo-as de passagem ou parcialmente.

Em relao prpria controvrsia, Eurpedes tem posio clara e definida,


exposta j em sua introduo: para ele, o principado de Rus obra dos Normandos que
se lanam sobre a Europa desde o final do sculo VIII154.

No obstante, ele a discute em razovel detalhe, ainda mais tendo-se em conta a


data de publicao e o acesso difcil biliografia no tempo em questo155. Inicia pela
etimologia dos nomes Rus e Varegue156, concluindo que os Rus eram escandinavos157 e
que o nome varegue possui a mesma origem158.

Eurpedes de Paula considera que o chamado dos varegues contido na crnica de


Nestor consistiria em uma justificativa de uma posse j efetiva das terras eslavas, da
parte dos escandinavos159.

O autor adiciona pontos interessantes e intrnsecos discusso que sustentam


um domnio j consolidado e prvio dos varegues sobre o principado russo. Conquanto
a crnica nestoriana date a chegada de Riurik em Novgorod em 862, e o domnio de
Kiev por seus descendentes em 881, consta que em 860, durante o reinado de Miguel III
ocorreu um ataque dos Rus a Bizncio, o que pressuporia uma fora j organizada e
relativamente consolidada. Os Annales Bertiniani, que j citamos a respeito da origem
escandinava dos Rus, fala sobre o reinado de Luis o Piedoso, entre 814 a 840 e cita a

151
Idem.
152
Idem, 407.
153
Idem, 408.
154
PAULA, 06.
155
PAULA, 05; & EL MURR & EL MURR, 406.
156
PAULA, 14-22.
157
Idem, 18.
158
Idem, 21s.
159
Idem, 24.
81

chegada de uma embaixada dos Rus pelo autor como suecos durante o reinado do
bizantino Tefilo entre 829 a 842, portanto160.

Dada a data de escrita e o j banimento do normanismo na URSS enquanto


possibilidade explicativa, e considerando-se que Eurpedes chegou a consultar
bibliografia de autores russos, razovel supor que o mesmo optou conscientemente
pela sua tomada de posio, seja alinhando-se politicamente com o consenso ocidental,
seja por convencimento da evidncia analisada. Parece-nos mais provvel que esta
ltima afirmativa esteja mais prxima da verdade, como se depreende de seu trabalho.

Eurpedes no chegaria a visitar a Unio Sovitica ou a consultar qualquer


bilbiografia in loco. Era conhecido por alguns acadmicos soviticos interessados em
estudos brasileiros e na Revista de Histria da USP como Lev Sliskin, com o qual
travou conhecimento em 1965 em congresso efetuado em Viena, em conversa em
francs. Quanto ao prprio domnio de Eurpedes sobre o tema de sua tese, nas palavras
de Sliskin, Eurpedes era uma pessoa de imensa erudio, certo na histria antiga da
Rssia (...)161

160
Idem, 27.
161
SLIOSKIN, Lev. Eurpedes de Paula na Unio Sovitica. In: SOUZA, Antonio Candido de Mello et
alii (org). In memoriam de Eurpedes Simes de Paula: artigos, depoimentos de colegas, alunos,
funcionrios e ex-companheiros de FEB; vida e obra. So Paulo: Seo grfica da FFLCH, 1983. P. 564.
82

Figura 01: Eurpedes em fevereiro de 1942 sua mquina de escrever ROYAL, redigindo e finalizando a
1 tese de doutoramento em histria a ser defendida na Universidade de So Paulo. Fonte: EL MURR &
EL MURR, 409.

Eurpedes orientaria trs teses de doutoramento que tocariam na questo russo-


medieval. Foram as teses de Marcos Margulies, Evoluo dos contatos intergrupais na
Europa da Idade Mdia atravs do relacionamento entre judeus e russos, defendida em
1970; de Niko Zuzek, Razes da recusa do gro principado de Moscou unio
florentina, defendida em 1972; e de Victria Namestnikov El Murr, Poema russo do
seculo xii : o dito da expedio de Igor, tambm defendida em 1972.

Os impactos e desenvolvimentos desses trabalhos, entretanto, foram pequenos,


no sentido da criao de uma tradio de estudos da Rssia medieval o que dizer,
ento, de uma historiografia mista, russo-escandinava. Alguns reflexos tardios de tais
trabalhos podem ser percebidos, por exemplo, na notvel publicao em 2000 de uma
traduo do Canto da campanha de Igor por Maria Aparecida B.P. Soares162. digno
de nota que em suas referncias, a nica obra especfica brasileira no tema seja o
162
SOARES, Maria Aparecida B.P. Prncipe Igor: ou o canto da campanha de Igor. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 2000.
83

trabalho de Victria Namestnikov El Murr, em meio a publicaes russas e algumas


obras de referncia geral em lnguas latinas ou ingls.

O comentrio de Soares traduo no faz meno alguma situao


escandinava, descrevendo rapidamente a formao da Rssia de Kiev como produto
apenas dos povos eslavos, sem sequer a meno dos varegues 163 e devendo muito mais
ao comentrio consagrado de Likhatchov, em edio de 1967164, e Historia de La
URSS165 do que diminuta produo braslica sobre o tema.

A tese de Margulies seria publicada em 1971 pela Bloch como Os Judeus na


Histria da Rssia166 nome evidentemente mais atrativo em termos de mercado.
Historiograficamente, trabalho que mais incorporaria as ideias de Eurpedes sobre o
normanismo, ainda que os varegues consistam em parte pequena da obra o primeiro
captulo, apenas.

Neste, interessante notar que o autor no se detm nas questes e implicaes


historiogrficas do normanismo na historiografia russa. O mximo que o autor prope-
se a discorrer sobre a questo um pargrafo explicativo, no prprio sumrio:

Este captulo trata de um curioso e razoavelmente


desconhecido Estado russo, criado pelos normandos nos territrios
depois transformados em Rssia, estado gerado e gerido pelos grupos
germnicos,o que at os nossos dias aborrece a oficial historiografia
sovitica,embora o fato ocorresse h mais de mil anos167.

Transparecem nesse resumo algumas ideias subjacentes ao trabalho: uma


oposio entre genricos, quase monolticos, grupos eslavos e germnicos (no
prefcio o autor ir enfatizar tal oposio enquanto um antagonismo (...) eslavo-latinos
contra os franco-germanos) e uma certeza de falta de necessidade de discusso
historiogrfica como afirmamos a pouco, Margulies se porta em relao questo
como se o normanismo seja um fato dado, consumado, comprovado e longe de qualquer
dvida.

163
SOARES, 12.
164
Listada em suas referncias como LIKHATCHOV, Dmitri S. Slovo o polku Igoreve. Guerotcheskii
prlog rsskoi literatury (O canto da campanha de Igor. Prlogo heroico da literatura russa). Leningrado,
Izdtelstvo Khudjestvennaia literatura, 1967.
165
HISTORIA DE LA URSS. Moscou: Instituto de Historia de la academia de Cincias de la URSS &
Editorial Progreso, 1977.
166
MARGULIES, Marcos. Os judeus na histria da Rssia. Rio de Janeiro: Edies Bloch, 1971.
167
MARGULIES, Sumrio.
84

Partindo da diviso norte-sul da Rus no medievo, com um ncleo ao norte em


Novgorod e outro ao sul em Kiev, ele defende novamente como fato dado e sem
maiores discusses historiogrficas - um gerenciamento estrangeiro no primeiro estado
russo e uma superioridade dos primeiros em relao aos segundos, ao menos no quesito
mercantil. Em suas prprias palavras:

Gerados pelos interesses comerciais dos povos mercantilmente


evoludos os normandos ao norte e os bizantinos no Sul (...) 168.

Margulies ir reafirmar constantemente o papel dominante dos varegues em


relao aos eslavos orientais e mesmo o domnio dos mesmos em relao a outros
mercadores a percorrer a regio, incluindo os judeus que se tratam do foco central de
seu livro169. Para ele, os escandinavos no Ocidente contruram a Inglaterra e no Oriente
a Rssia170, ainda que afirmando a rpida assimilao dos mesmos nas populaes com
as quais lidavam e a ausncia de vestgios posteriores nos prprios estados.

Dessa forma, seu trabalho endossa ponto a ponto o normanismo clssico:


desde o chamado dos varegues na crnica nestoriana, aos nomes escandinavos dos
governantes171 e os tratados bizantinos172.

1.8 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro

Designaes como Europa Oriental, pases da antiga Cortina de Ferro ou


antigo Bloco Oriental, ainda que bastante difundidas e empregadas, j no mais se
sustentam de forma cabal, em particular ao se tratar de suas historiografias locais.

As especificidades e subdivises culturais encontradas nos mesmos so


marcantes, e suas relaes institucionais com a Rssia e URSS so igualmente diversas.

Os pases blticos (Estnia, Letnia e Litunia) possuem passado de rancor e


disputa ideolgica com a Unio Sovitica, e sua historiografia medieval reflete tal
circunstncia.

168
MARGULIES, 15.
169
Idem, 18.
170
Idem, 20.
171
Idem, 23.
172
Idem, 26.
85

Concomitantemente, na Estnia e Letnia ocorreu contato intenso com a


Escandinvia em pocas j anteriores ao prprio perodo viking, e a historiografia
contempornea da regio considera a temtica normanista como ponto j resolvido,
inclusive ultrapassado, em um cenrio nacional agravado pela dificuldade de fundos e
estmulo pesquisa173.

Anti Selart chamar a questo de relevante apenas nos anos 50 a 60 e ligada


na Estnia sovitica enquanto reao ao livro Nordische Mission, Revals Grndung
und die Schwedensiendlung in Estland, de Paul Johansen, publicado em 1951 em
Estocolmo174, o que demonstra inclusive uma falta de paridade e atualizao de parte
dos acadmicos do Bltico em relao aos recentes desenvolvimentos da controvrsia
na Rssia.

Com o final da URSS, outras naes de substrato eslavo como Polnia e


Tcheco-eslovquia abandonariam as tentativas pan-eslavistas de explicar o
desenvolvimento antigo de suas sociedades como atingidos pelos eslavos isoladamente,
antes aceitando muitas vezes apressadamente quaisquer tentativas de conexo com a
Europa Ocidental, em movimento paralelo expanso da Comunidade Europeia para o
leste175. Em tal contexto de recm-aberto debate, o normanismo assume retomado vigor,
no sem embate com as velhas ideias.

A Polnia teve lugar de destaque na discusso normanista. Trs dos principais


acadmicos a discutir a questo e influenciar a situao da mesma tiveram origem
polonesa: Henryk owmiaski (1898-1984), Henryk Paszkiewicz (1897-1979) e Jzef
Skowski176.

owmiaski foi autor de obras de grande volume; destacam-se Prusy pogaskie


(1935) (Os antigos prussianos), Zagadnienie Normanow w genezie panstw
slowianskich (1957) (O problema dos normandos na gnese os estados eslavos),
Pocztki Polski (6 vol), Studia nad dziejami Sowiaszczyzny, Polski i Rusi w wiekach
rednich (1986).

173
SELART, A. Saksa doktorike. Meie Mommsen. Akadeemia, 18(8), 1836 -1849. 2006.; , .
.
. 40- XX / . - .:
- (). 2009. . 84-102; Troca de emails com profs. Drs.
Anti Selart e Dr. Heiki Valk, da Universidade de Tartu, em janeiro de 2014; Entrevista pessoal com prof.
Dr. Andrejs Vasks na Latvijas Universitate, julho de 2013.
174
Anti Selart; Email pessoal para Andr Muceniecks em 17/01/2014.
175
BARFORD, P.M. The Earl Slavs. Ithaca & New York: Cornell University Press, 2001. P. 282.
176
ZAKHARII, 76.
86

owmiaski discordava da derivao de Rus de Ruotsi, argumentando que


talvez Rus tivesse a ver com o antigo nrdico rau, vermelho. Nas lnguas eslvicas
haveria o cognato em termos derivados de rusy, que significaria avermelhado,
amarronzado, pendendo para o vermelho, significando alguma caracterstica territorial
ou, como sugeriria o noruegus Hkan Stang, pessoas com o cabelo avermelhado.

Para owmiaski, o termo Rus surgira no mdio Dnieper; aplicaria-se depois ao


estado ali e surgido e mais posteriormente, generalizado, aplicaria-se com uma
conotao mais tnica e social. Mais posteriormente, aventaria a hiptese de que
implicaria uma organizao militar originada na regio do Ladoga, consistindo de
elementos mistos eslavos, escandinavos e fino-gricos, mas com predomnio eslvico.
destarte, owmiaski enquadrou-se, ainda que de forma matizada, no espectro anti-
normanista da controvrsia.

Em breve retornaremos a Paszkiewicz.

Falta, por fim, uma anlise da historiografia da qual ns propriamente mais


bebemos em nossa pesquisa; a historiografia anglo-sax, no sentido de se expressar em
lngua inglesa. Longe de ser formada apenas de estudiosos anglo-americanos, formada
tambm em grande parte de russos, ucranianos e poloneses emigrados para Estados
Unidos, Reino Unido e Escandinvia, que produziram a maior parte da historiografia
acessvel e influente no ocidente.

Nesse grupo inserimos o j mencionado Paszkiewicz, os Riasanowsky, George


Vernadsky, Omeljan Pritsak, Wladyslaw Duczko, Simon Franklin, Jonathan Shepard e
Thomas Noonan.

Afirmamos anteriormente que Vernadsky, apesar de normanista declarado, no


aceita como corretas algumas pressuposies caras aos normanistas clssicos. Dentre
estas, destaca-se sua discordncia da etimologia do nome Rus enquanto derivao do
escandinavo Rhodslagen e fino-grico Ruotsi.

Antes, adota a ideia, de origem e matiz anti-normanista, de uma conexo


meridional do nome, oriundo de Ros. Vernadsky associa-o a diversos hidrnimos
originrios de populaes antigas das estepes como Rukh-As ou Roc-As, mais
especificamente ao nome (hros). Seu primeiro expositor foi Diakonov, que analisa
o Pseudo-Zacharias Rhetor, de 555. Tal fonte, segundo Diakonov, citaria certos Hros
87

como populaes nomdicas hnicas do norte do Cucaso.

J citamoa a pouco que essa ideia foi desacreditada e mesmo ridicularizada por
Omeljan Pritsak177, que demonstra que o relato, na verdade, uma verso oriunda do
mdio-persa da histria de Alexandre com um erro de cpia, na qual os consortes das
amazonas, gigantes, so citados como heris, empregando o termo (heros).

J Henryk Paszkiewicz (1897-1979), apesar de polons por nascimento, migrou


para a Inglaterra, onde publicou suas obras de maior relevncia, tornando-se
medievalista de renome e influncia no mundo anglo-saxo no campo dos estudos
referentes Europa Oriental.

Nos anos ps-guerra publicaria sua trilogia: The Origin of Russia (George Allen
& Unwin LTD, London 1954), The Making of the Russian Nation (Longmann & Todd,
London 1963) e The Rise of Moscow's Power (niedokoczony, wydany pomiertnie,
East European Monographs 1983). De grande interesse no Ocidente, e publicada em
ingls (apesar de Paszkiewicz t-la escrita em polons) sua trilogia enfrentou problemas
para ser divulgada na Polnia, Cortina de Ferro e URSS, por razes doutrinrias e pela
inclinao normanista de Paszkiewicz, vindo a ser publicada apenas aps a dcada de
1990 (1996, 1998 e 2000) em polons, aps esforos na recuperao de seus
manuscritos.

Os pontos de vista de Paszkiewicz e, em grande parte, a forma como os colocou,


geraram considervel polmica e resistncia da parte dos autores russos. Paszkiewicz
nunca tentou fazer concesses ou amenizar quaisquer reas mais sensveis de suas
idias; declara sem qualquer problema que os eslavos do Ilmen eram incapazes de se
organizarem e foram dominados pelos escandinavos.

Ainda mais polmicas foram suas declaraes sobre a prpria natureza dos
russos, que misturam um nacionalismo polons com razes em movimentos como o
sarmatismo e no disfaram um discurso eslavista, exclusivista e mesmo racista.
Paszkiewicz afirma que os russos foram fino-gricos que adotaram a lngua eslvica
aps a cristianizao. destarte, os varegues dominaram uma populao fino-grica que
se tornaria russa, e no um povo eslvico178. Paszkiewicz cria, dessa forma, suas

177
PRITSAK, 06.
178
PASZKIEWICZ, Henryk. Origins of Russia. London: George Allen & Unwin., 1954. pp. 155s.
88

prprias ideis de superioridade racial de eslavos e escandinavos sobre fino-gricos, no


entanto - ao mesmo tempo exaltando seu povo de origem e rebaixando os russos.

O predomnio normanista no Ocidente foi atacado sistematicamente pelos


Riasanovsky, particularmente Nicholas, o filho (1923-2011). Autor de A History of
Russia(1963), um dos livros mais influentes e mais reeditados no contexto norte-
americano179, Riasanovsky criticaria de forma mais especfica e contundente a
supremacia e parcialidade da historiografia no Ocidente que tratava da questo em
artigo publicado no Russian Review de 1947180. Riasanovsky criticava o que chamou de
standard normanist explanation181. Seu principal debatedor seria Paszkiewicz, e a
discusso entre os acadmicos foi considerada por Klejn e outros autores como a
terceira onda de debates normanistas.

Autores contemporneos e posteriores discusso, dentre os quais o prprio


Vernadsky, Omeljan Pritsak, Jonathan Sheppard, Simon Franklin, Thomas Noonan e
Wladislaw Duczko desenvolvem pontos de vistas mais amplos e matizados.

Chamar-lhes normanistas arriscado, subjetivo. Todos consideram a


existncia tanto do componente escandinavo como do eslvico fundamentais no
surgimento da Rusde Kiev. Ideias tais quais superioridade/inferioridade cultural,
evoluo cultural e similares encontram-se j bastante circunscritas e datadas.

Destarte, se por normanista correto enquadrar qualquer acadmico que


considere que tenha havido a presena escandinava nas origens da Rus de Kiev, ento
todos estes autores o so e, com exceo de um ou dois nomes, a historiografia
ocidental inteira o ser, bem como a maior parte da produo russa recente.

Se normanista implica aceitar a cartilha estabelecida, que inclui a origem do


nome, e mesmo uma situao de domnio e superioridade cultural, o leitor necessitar
vasculhar a bibliografia mais antiga a fim de satisfazer os critrios.

Por fim, retornaremos, no captulo seguinte, a discutir a presena escandinava no


territrio da antiga Rus. impossvel ao acadmico contemporneo desacreditar que

179
A ltima edio, a 8, foi atualizada por um antigo estudante seu, Mark Steinberg: RIASANOVSKY,
Nicholas & STEINBERG, Mark. A History of Russia. New York, 2010 [1963].
180
RIASANOVSKY, Nicholas. The Norman Theory of the Origin of the Russian State. In: Russian
Review. Vol. 07, n01. 1947. P.97.
181
RIASANOVSKY, 1947: 96.
89

tais movimentos existiram, ou mesmo que possuram relevncia. Argumentos relativos


escassez de material arqueolgico no mais se sustentam; o emprego de tal
informao, no entanto, estar sempre sujeito subjetividade do autor, ao contexto no
qual ele escreve, e no sero poucas as vezes que tal produo estar sujeita
legitimao de ideologias e situaes polticas.
90

Mapa 01: Austrvegr e Gararki.


Do autor. Elaborado com a ferramenta MapMaker Interactive, da National Geographic Education.
91

CAPITULO 2: A CULTURA MATERIAL

2.1 Os Escandinavos no leste O testemunho da Cultura Material

Pela escassez de fontes escritas na Alta Idade Mdia, tanto na Rus quanto
Escandinvia, a construo de uma histria do perodo viking em tais contextos
beneficia-se com o uso extenso da Cultura Material, em uma acepo arqueolgica do
termo.
Segundo tal conceito, poderamos definir Cultura Material como qualquer
criao, vestgio, alterao ou construo produzida pela ao humana. Tal definio
vlida desde construes e criaes intencionais (i.e. a construo de um edifcio ou de
um salo; uma estela rnica, com contedo escrito ou no; uma ferramenta) como a
alterao do meio-ambiente dada pela ao humana (i.e. o desmatamento de
determinadas reas; a drenagem de um pntano)182. H de se notar que tal ampliao do
conceito de fonte primria e emprego das mesmas no diferem muito das definies
propostas por Jacques LeGoff em sua Nova Histria.
Discutimos extensamente anteriormente a hiptese normalista e sua resistncia
da parte de autores principalmente na Rssia, URSS e Ucrnia. Tambm demonstramos
que parcela considervel dessa argumentao anti-normanista fundamenta-se em uma
suposta ausncia de material arqueolgico demonstrando uma expanso escandinava a
leste. No analisaremos os stios escandinavos em solo eslvico, em alguma espcie de
tentativa de argumentao normalista. Como j discutimos anteriormente, tal afirmao
e tais argumentos baseados em ausncia so questionveis e no se sustentam.
A despeito da existncia de extenso material escavado em gorodi termo usado
extensivamente na bibliografia para se referir s cidades fortificadas eslvicas, como
Novgorod e Kiev - daremos nfase a duas sries de material que, por possurem
diversos testemunhos da mesma natureza, permitem o traar de comparaes mais
seguras. Tratam-se tambm de materiais que possuem natureza dupla no sentido
interpretativo, permitindo tradicionalmente seu emprego tanto pelo campo da
arqueologia quanto da Histria. Trata-se do testemunho numismtico amparado pelos
achados arqueolgicos em solo russo e o testemunho das estelas rnicas.
Como afirmado em nossa introduo, partes considerveis desta seo apoiar-se-

182
BEZERRA DE MENESES, Ulpiano. A cultura material no estudo das sociedades antigas. In: Revista
de Histria, 115 (Nova Srie), 1983. pp.112s.
92

o em bibliografia secundria; no temos a pretenso de apresentar um trabalho


arqueolgico ou numismtico; antes, de provermos, nesta seo, um apanhado
contextual baseado nas diferentes formas da Cultura Material que embase nosso estudo
sobre o emprego do contexto viking pelos eruditos dos sculos posteriores.
No entanto, a parte final deste captulo, dedicada ao estudo das estelas rnicas,
foi efetuada com a anlise direta, de nossa parte, das prprias estelas, complementando
assim a sesso com um estudo baseado nos testemunhos primrios.

2.1.1 A numismtica

O estudo numismtico dos escandinavos em relao ao leste apresenta algumas


peculiaridades e exclusividades em relao forma como a numismtica normalmente
estudada.
No campo geral da numismtica, as moedas so estudadas em relao a diversos
fatores. Tratando-se de objetos portteis fabricados em material durvel, de produo
repetida, dimenses controladas e valor simblico reconhecido entre grupos sociais pela
representao de uma autoridade compartilhada, so muitos aspectos que podem ser
estudados por meio delas: a tecnologia, a economia, o comrcio, mesma a poltica e
sociedade.
Seu valor normalmente dado de forma simblica; sua emisso se d por uma
autoridade pblica reconhecida, sua confeco e impresso se do de formas
controlveis e fiscalizveis. Dessa forma, em diversas ocasies no tempo e espao
foram emitidas moedas cujo valor intrnseco (enquanto mercadoria) era negligencivel,
183
sem qualquer relao com o valor da mercadoria no lugar da qual deviam circular .
O material e peso no eram os responsveis diretos pelo valor da moeda, mas sim a
autoridade pblica que executou sua impresso e emisso.
No testemunho numismtico que nos interessa referente aos escandinavos em
Austrvegr e Gararki, esta caracterstica essencial das moedas no possui significado
algum. Os grandes objetos de interesse para escandinavos eram os dirhams muulmanos
moedas cunhadas em prata pelo mundo rabe. O interesse era o material e peso dos
mesmos; estas moedas eram avaliadas, portanto, pelo valor intrnseco que possuam, e
no simblico. A autoridade que as confeccionou no era (re) conhecida, o simbolismo e

183
FRRE, Hubert. Numismtica: uma introduo aos mtodos e classificao. Traduo e adaptao
de Alain Costilhes e Maria Beatriz Borba Florenzano. So Paulo: Sociedade Numismtica Brasileira &
Louvain-la-Neuve (Blgica): Sminaire de numismatique Marcel Hoc, 1984.p. 17.
93

matemtica nelas gravadas no fazia sentido ao escandinavo184.


Os escandinavos obtinham moedas de prata com comerciantes muulmanos,
trocando-as principalmente por peles obtidas no norte. Esse comrcio era efetuado
principalmente em Itil, capital dos Khazar, na embocadura do Volga, ou mesmo
posteriormente mais ao sul, nas regies dos atuais Ir e Iraque. A Rssia e a
Escandinvia tinham escassez de depsitos de prata, e moedas de prata ocidentais,
carolngias, eram raras185. Dessa forma, os dirhams muulmanos eram uma fonte de
prata que propiciava distino social, riqueza e poder186.
No obstante tais singularidades, entretanto, tais moedas ainda assim podem
indicar outra srie de informaes. O quesito de datas relativo. Pode-se obter por meio
do testemunho dado atravs de sries, mas no de moedas isoladas. Podem-se presumir
datas-limite da cunhagem e circulao das moedas, mas no dataes absolutas. Pode-se
saber com preciso os locais de origem e as casas de cunhagem. A observao das
provenincias cruzada com as dataes seria de grande utilidade para estudos histricos
polticos dos califados rabes do perodo em questo, mas foge totalmente do nosso
escopo.
A despeito do simbolismo diverso, o fato de encontrar-se grande quantidade de
depsitos de moedas podem nos trazer informaes sobre o imaginrio, crenas e
hbitos mentais dos escandinavos em questo. Ainda que os dirhams no trouxessem
efgies e rostos gravados, a atitude corrente escandinava de enterrar tesouros de prata
pode ter origem religiosa, e no meramente de entesouramento.
No h uma elaborao unvoca sobre o mundo aps a morte entre os
escandinavos, e nem se trata de nosso propsito aqui nos adentrar muito no assunto.
Dentre muitos autores que tratam de temas ligados religiosidade escandinava pr-
crist, nos chamam a ateno os conceitos organizados por Hilda Ellis:
Ellis teoriza sobre a existncia de duas concepes bsicas de vida ps-morte:
uma de outra vida aps a destruio do corpo, e a outra de uma vida na terra, ou
embaixo dela; segundo esta ltima concepo o homem falecido continuaria vivendo
em seu local de enterramento, como si ali fosse uma casa, e ainda usufruindo de suas

184
WILSON, David. The Vikings and their origins: Scandinavia in the First Millenium. London: Thames
and Hudson, 1970. P.102.
185
BARFORD, 181.
186
NOONAN. Thomas. Why the vikings came first to Russia? In: The Islamic World, Russia and the
Vikings, 750-900: The Numismatic Evidence. Variorum Collected Studies Series, 595. Ashgate, 1998.
Pp. 346-347.
94

possesses ali187.
razovel, portanto, pressupor uma conexo do entesouramento com tais
concepes religiosas, que, destarte, providenciam bens para o falecido bens em sua
vida post-mortem.

2.1.1.1 As Fontes

O acesso s colees de dirhams encontradas nas regies de Austrvegr e


Gararki dificultado pelas dcadas de isolamento entre a URSS e o Ocidente. A
principal forma de acesso a estas informaes so por meio de autores com trnsito nos
meios acadmicos do leste da Europa e do Ocidente, como Thomas Noonan188 e, mais
recentemente, Matheus Bogucki189.
necessrio, portanto, se salientar que o estudo numismtico, ao menos
enquanto parte de nosso estudo maior, um estudo baseado na interpretao acadmica
cannica, e no em uma anlise das prprias colees numismticas. Tal estudo deve
ser feito parte, de formas que no cabem no escopo deste trabalho.

187
ELLIS, Hilda Roderick. The Road to Hel: A Study of the Conception of the Dead in Old Norse
Literature. New York: Greenwood Press, 1968. 65.
188
Thomas Noonan publicou por mais de duas dcadas material e anlises da evidncia numismtica na
Rssia Europeia e Bltico. impossvel no nos referirmos a ele extensamente: NOONAN, Thomas. Pre-
970 dirham hoards from Estonia and Latvia, I: Catalog. In: Journal of Baltic Studies, 8:3, 1977(a), 238-
259; Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia, II: General considerations. In: Journal of Baltic
Studies, 8:4, 1977 (b), 312-323; Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia, III: An examination of
the ninth century hoards. In: Journal of Baltic Studies, 9:1, 1978(a), 7-19; Pre-970 dirham hoards from
Estonia and Latvia, IV: An analysis of the hoards buried between 900 and 970. In: Journal of Baltic
Studies, 9:2, 1978 (b) 99-115; Ninth-century dirham hoards from Northwestern Russia and the
Southeastern Baltic. In: Journal of Baltic Studies, 13:3, 1982, 220-244; A dirham hoard of the early
eleventh century from northern Estonia and its importance for the routes by which dirhams reached
Eastern Europe CA. 1000 A.D In: Journal of Baltic Studies, 14:3, 1983, 185-201; Dirham hoards from
medieval Lithuania. In: Journal of Baltic Studies, 23:4, 1992, 395-414; The Islamic World, Russia and the
Vikings, 750-900: The Numismatic Evidence. Variorum Collected Studies Series, 595. Ashgate, 1998 (a).;
Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia: a Preliminary Analysis. In: The Islamic World,
Russia and the Vikings, 750-900: The Numismatic Evidence . Variorum Collected Studies Series, 595.
Ashgate, 1998(b); Why the vikings came first to Russia? In: The Islamic World, Russia and the Vikings,
750-900: The Numismatic Evidence. Variorum Collected Studies Series, 595. Ashgate, 1998(c).
189
BOGUCKI, Mateusz. The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of
Early Emporia. In: LUND HANSEN, Ulla, BITNER-WRBLEWSKA, Anna (eds.). Worlds Apart?
Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age, Network Denmark-Poland 2005-2008, Det Kongelige
Nordiske Oldskriftselskab Pastwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al.), 2010), pp. 351-
361.
95

2.1.1.2 Os khazares e os rabes

O contexto de origem dos Dirhams auxilia grandemente na compreenso das


suas diversas provenincias, bem como nos possveis meios de chegada dos mesmos ao
norte, alm do estabelecimento de balizas cronolgicas. importante o destaque de que
a provenincia dos dirhams no norte o Oriente Mdio, e no a sia Central190.
destarte, -nos necessrio adentrarmos, ao menos de forma limitada, o mundo
muulmano de ento.

Entre 602 e 628 ocorre chamada guerra Bizantina-Sassnida, que marcar o


fim do imprio persa sassnida. Em seu primeiro estgio, de 602 a 622, os persas tero
sucessos constantes. Durante o governo de Herclio ao trono bizantino (610-641), a
situao muda. Em 627, auxiliados tambm pelos khazares, as foras de Herclio
invadem o prprio territrio dos sassnidas, que pagam tributo por paz.

Aps esta guerra tanto os bizantinos quanto os persas estavam exauridos. Os


islmicos saram favorecidos. Os primeiros esquadres rabes a adentrar o territrio
persa no foram vistos como uma ameaa pelo governante Yazdegerd III e pelo vice-rei
Rostam-e Farokhzad. A organizada cavalaria pesada persa, efetiva contra os regimentos
bizantinos, no o era contra os camelos leves rabes. O uso de elefantes inicialmente
teve sucesso, mas logo veteranos rabes que j haviam combatido contra os bizantinos
na Sria (que tambm os usavam) trouxeram o conhecimento de como lidar com eles.

Com a morte de Maom em 632 e a disputa subsequente pelo poder, surge o


primeiro dos quatro califados da histria muulmana o califado Rashidum - , que parte
para uma srie de campanhas militares e conquistas, sob a liderana inicial do califa
entre 632-634, Abu Bakr (Abdullah ibn Abi Quhafa), sogro de Maom, e subsequente
do califa Umar (Umar ibn al-Khab), morto em 644.

Aps uma inicial invaso da Mesopotmia em 633, em 636 deu-se um marco da


conquista rabe, com a chamada Batalha de Qadisiyyah, que foi chave para a
conquista rabe do Iraque, e que tambm viu uma aliana entre os persas com os
bizantinos, atravs do casamento da filha de Herclio com Yazdegerd. Em um processo
complexo e marcado por revzes, a Mesopotmia foi conquistada pelos rabes entre 636
190
NOONAN, Thomas. Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia: a Preliminary Analysis.
In: The Islamic World, Russia and the Vikings, 750-900: The Numismatic Evidence . Variorum Collected
Studies Series, 595. Ashgate, 1998(b).P. 51.
96

a 638. Entre 638 e 639, a Armnia ento, possesso bizantina invadida, sendo
completamente conquistada em 642191.

Entre 638 e 641 ainda ocorrero constantes reides dos persas na regio da
Mesopotmia. A provncia do Khuzisto conquistada pelos rabes em 641. Porm o
califa Umar desejava paz os rabes ainda viam os persas com temor. Aps um breve
perodo de paz, a Prsia conquistada entre 642 e 644, sendo que na segunda metade do
sculo VII j tinham assegurado controle da Transcaucasia. Os cem anos seguintes
foram palco das chamadas guerras rabe-khazar. Destacam-se duas: a primeira, em
652, quando os rabes foram derrotados pelos Khazares na cidade Khazar de Balanar,
e a segunda, entre 708 a 737192-193.

Na segunda guerra ocorreram vitrias de ambos os lados; entretanto, travavam-


se raides em ambas as vertentes do Cucaso, ocorrendo poucas batalhas decisivas. Em
730 o prncipe khazar Barjjk efetuou uma excurso at o noroeste do Ir, derrotando os
Umadas em Ardabil e matando seu governante, mas sendo morto no ano seguinte em
Mosul194.

Um ponto marcante d-se em 737, quando os rabes, liderados por Marwan ibn
Muhammad (o futuro califa umada Marwan II), efetuam uma campanha mais
significativa contra os khazares. Derrotam-nos no Cucaso do norte, chegam a ocupar a
capital khazar Atil e perseguem o Kagan at a regio de Burtas, no baixo Volga, aonde o
convencem a se render e se converter ao Islamismo. Aps isso Marwan retorna
Transcaucsia, e o Kagan recupera sua independncia 195.

Nenhum dos dois lados conseguiu, portanto, submeter o Cucaso inteiro, e a


situao no era sustentvel. Para os Khazares ficou claro o perigo que era a guerra
contnua com os rabes, tendo tido suas foras destrudas e seu governante humilhado.
Quanto aos rabes, ficou claro que no era suficiente derrotar as foras khazares: o
adequado seria ocupar seu territrio196.

A situao muda com a chamada Revoluo Abssida, quando o califa al-

191
SAUNDERS, J.J. A History of Medieval Islam. London & New York: Routledge, pp.50-53.
192
SAUNDERS, J.J, 50-58.
193
MAKO, Gerald. The possible reasons for the Arab-Khazar Wars. In: ALLSEN, Th.T., GOLDEN,
P.B., KOVALEV, R.K.. & MARTINEZ, A.P. (eds). Archivum Eurasiae Medii Aevi (17). Wiesbaden:
Harrassowitz Verlag, 2010. P.45.
194
MAKO, 47.
195
NOONAN, 1998 (b) 51.
196
MAKO, 56s.
97

Mansur inicia uma poltica de detent com os khazares em 760. A situao de


problemas econmicos, sociais, religiosos e polticos passados pelo califado favorece o
estmulo paz e comrcio em detrimento das guerras e conquistas.

A oferta de dtente aceita de imediato pelos khazares, e o governador de


Arminiyah ordenado por Mansur a casar-se com a filha do Kagan. A despeito de outra
batalha gerada pela invaso de foras khazares no Azerbaijo e Arran em 799/800, as
hostilidades do lugar ao comrcio entre 760 e 800, e a preocupao dos khazares no
campo militar se d mais em relao aos bizantinos.

O rei Joseph bem Aaron, dos khazares (khagan ou bek h disputa sobre seu
status), governando aproximadamente entre 950 e 960, escreve ao rabino judeu Abu
Yusuf (Hasbai ibn Shaprut), de Crdoba, que os Khazares protegiam o Cspio (e
consequentemente, os rabes) de ataques dos Rus197.

2.1.1.3 Rotas e cronologias

O estudo dos depsitos de dirhams, sua distribuio geogrfica e datao, tm


propiciado reconstituies plausveis do desenvolvimento das rotas comerciais
escandinavas com o Oriente Prximo. O desenvolvimento da Arqueologia e acmulo de
dados tm trazido segurana a hipteses elaboradas prximas da dcada de oitenta
acerca dos primeiros movimentos escandinavos a leste.
Thomas Noonan198 apresenta os estudos numismticos compreensivos mais
detalhados sobre tais movimentaes, fundamentado em grande parte em bibliografia
sovitica inacessvel aos pesquisadores ocidentais. Seus estudos buscam responder
pergunta de por que os escandinavos aventurarem-se no interior da Rssia, e acabaram
por tornar-se referncia para os estudos subsequentes.
Comparativamente com Inglaterra e Frana, a Rssia de norte era razoavelmente
pobre materialmente na transio entre os sculos XIII e IX. Dessa forma, a atrao que
as ilhas britnicas e o Ocidente, em particular seus monastrios desprotegidos, exerciam
sobre os vikings facilmente compreendida, mas no os porqus de escandinavos
aventurarem-se na Rssia, considerando que a Escandinvia era mais rica materialmente
do que a prpria Rssia.

197
NOONAN, 1998 (b): 51s.
198
NOONAN. 1998 (c): 346-347. Ver nota 188 e as referncias bibliogrficas para uma listagem
completa.
98

I. O Bltico: Austrvegr

O movimento escandinavo na Rssia foi de incio, um subproduto da atividade


Escandinava no Bltico Oriental, que remontava h sculos antes do incio do Perodo
Viking e inclua tanto a execuo de expedies rpidas de saque e comrcio como de
prpria habitao e construo de ocupaes. Do Bltico Oriental e da prpria Sucia, o
acesso regio do Ladoga era facilitado. A rota de leste, o caminho para leste, so
tradues possveis para o termo Austrvegr, que pode ser aplicado s prprias rotas
per si, ou prpria regio bltica-oriental.
Nos sculos V e VI as principais populaes a comerciarem com a regio de
Gararki vinham do Bltico. A quantidade de depsitos de moedas na regio da antiga
Prssia e nas regies eslvicas ocidentais mostram movimentos iniciais da parte de
blticos e eslavos ocidentais no que toca ao comrcio e circulao de dirhams.
No VI sculo um grupo escandinavo possivelmente teria residido na foz do
Daugava199, nas proximidades ou na prpria Daugmale (vide Mapa 02), fortificao no
curso do Daugava que tambm assumiu papel de entreposto comercial. Arbman efetua
descrio interessante do local. Daugmale dominava o trecho de navegao mais rdua
do Daugava e, apesar de suas fortificaes, fora queimada quatro vezes.200 Mas a
confunde com Dnaburg (atual Daugavpils), localizada aproximadamente 200 km para
o sul no curso do Daugava e construda apenas no sculo XIII. Ellis-Davidson efetua
confuso envolvendo tambm a Daugavpils, considerando que uma citao de Saxo
Grammticus trate da mesma201. Saxo, no entanto, viveu e escreveu antes da construo
de Daugavpils, o que leva a pressupor que a fortificao do Daugava a qual ela se refere
Daugmale.

199
VERNADSKY. Ancient Russia. A History of Russia, Volume I. New Haven and London: Yale
University Press, 1964. 6ed [1943].p.266.
200
ARBMAN, Holger. The Vikings. London: Frederick Praeger, 1961. p. 96.
201
ELLIS-DAVIDSON, Hilda. Commentary. In: SAXO GRAMMATICUS, The History of the Danes.
Traduo: FISCHER, Peter. II Vols. Woodbridge, Suffolk: Boydell & Brewer, 2006.[1979-80]. P.31
99

Mapa 02: Austrvegr e seus ramais

Legenda:
1 Ramo maior do Austrvegr
2 Rotas aquticas locais principais
3 Presumida fronteira tnica balto - fino-grica
4 Colinas fortificadas e centros de poder
5 Cemitrios com enterramentos escandinavos
6 Entrepostos comerciais em colinas fortificadas

Fonte: VALK, Heiki. The Vikings and the Eastern Baltic. In: BRINK & PRICE (eds.). The
Viking World. Routledge, 2008. p.486.
100

Essa circulao primitiva de Dirhams fora o impulso inicial, a atrao primeva a


dirigir escandinavos, principalmente os svear, para as regies de leste. A despeito de
vestgios no Golfo da Finlndia, a principal regio de influncia escandinava e que
exemplifica a influncia e interesse no leste nesses sculos iniciais a Krland, em
particular nas proximidades de Grobia (hoje na Letnia) e Apuole (hoje na Litunia)
(vide Mapa 02). H grande quantidade de achados de origem ou conexo escandinava
em Krland tambm em outros locais nas proximidades de Grobia: Priediens II, Porni
e Rudzukalns II, datados do perodo de Vendel, possuem conexes na regio da atual
pennsula de Kaliningrado202.
As escavaes e obras de Birger Nerman demonstraram o estabelecimento de
Svear e Gotar na regio por um perodo aproximado entre os anos de 600 e 800. O
estabelecimento dos Svear marcadamente militar. Entretanto, os vestgios de
povoamentos dos oriundos de Gotland apresentam caractersticas mais marcadamente
comerciais, apresentando inclusive a presena de mulheres, possivelmente famlias203.
O cruzamento com fontes escritas possvel. As fontes propriamente
escandinavas apresentam problemas no que tange a uma historicidade estrita, factual,
abrindo espao para as discusses referentes ao entrelaamento entre histria e misto,
fato e fico, historicidade e narrativa.
Entretanto, a Vita anskarii, de Rimbert, arcebispo de Bremen, traz uma narrativa
aparentemente mais cronstica e factual, que ao menos corrobora a presena sueca na
Kurland em tais sculos. A crnica ofereceu muito material para a formulao das
hipteses de Berman, a situao toda um exemplo feliz de Arqueologia Histrica.
Ainda por Rimbert temos a informao de que ocorrera uma rebelio da parte
dos kurs, que expulsaram os svear, seguida de um domnio mais fundamentado em
extorso de impostos da parte dos daneses. Dessa forma, plausvel a hiptese de que to
sculo VII reis suecos tenham tido uma possesso na Kurzeme.
Nesse mesmo sculo j havia contatos entre escandinavos e habitantes da regio
de Ladoga, ento majoritariamente fino-grica, mas interagindo comercialemente com
poucos mercadores escandinavos, baltos e saami, mas ainda no os povos eslvicos204.
No comeo do sculo VIII supostamente Livonia e Estonia eram parte do reino de Ivarr,

202
ANDROSHCHUK, 517s.
203
NERMAN, Birger. Funde und Ausgrabungen in Grobia, 1929. In: Congressus Secundus
Archaeologorum Balticorum Rigae, 19.-23. VIII. 1930. Riga, 1930. pp.195-206.
204
DUCZKO, 64.
101

rei da Suecia de sul e Dinamarca205. Aps a consolidao do poder no litoral,


gradativamente os escandinavos passariam a explorar mais profundamente o interior
(vide Mapa 03).
Nessas primeiras duas dcadas do sculo VIII ocorreram modificaes no
sistema comercial de longas distncias entre o Bltico e o mundo islmico, em
movimento derivado do crescimento dos mercados islmicos e khazares ao sul e
consequente aumento de demanda de produtos setentrionais, dos quais se destacavam
peles, mas tambm escravos.
Dessas dcadas datam os primeiros vestgios de um comrcio envolvendo prata,
como se depreende da datao de depsitos de dirhams encontrados no apenas na
Rssia de Noroeste, mas na prpria Sucia, Pomerania e Mecklenburgo; a concentrao
dessa prata nesse perodo inicial, entretanto, d-se principalemente nas regies dos
eslavos ocidentais206.
O caminho do Daugava provia de incio a melhor opo para a explorao das
regies de leste, consistindo na rota mais natural; provavelmente ter sido o primeiro
caminho a pavimentar o avano Escandinavo na Rssia rumo a um mercado lucrativo, a
despeito do grande nmero de portagens e cachoeiras necessrias para se transpor. Os
habitantes das margens do Daugava, Baltos e fineses, ofereciam pouca unidade e eram
esparsos. Os varegues no teriam tido problemas em primeiro comerciar e depois
dominar207.
Nas partes superiores do rio, nas proximidades da posterior Polotsk, j
encontrariam-se alojados povos eslvicos, mas aparentemente no muito organizados.
Kerner e Vernadsky defendem que nesse perodo inicial os escandinavos teriam passado
diretamente sem se deter pela regio de Novgorod, chegando regio com as nascentes
tanto do Daugava quanto do Dnieper, prximo s nascentes do Volga208(vide Mapa 03).
Em relao ao Dnieper, uma expanso inicial no teria ido de imediato muito
longe ao sul, j que a regio teria grupos de lituanos e eslavos melhor organizados e
capazes de oferecer melhor resistncia.

205
VERNADSKY. 266.
206
DUCZKO, 63.
207
Ibidem.
208
VERNADSKY, 268.
102

Golfo de Riga

Volga

Daugava
(Dna/Zapadnaya Dvina)

Dniepr

Mapa 03: Principais rios ligados Rota do Daugava.


Do autor. Feito com a ferramenta Mapmaker Interactive, da National Geographic (TM)..
103

II. A Rus de norte: Ladoga

Seja pelas dificuldades impostas pelos nativos ou por caractersticas geogrficas,


fica notrio pelo estudo da Cultura Material que as principais rotas comerciais a serem
desenvolvidas pelos escandinavos em Gararki tenderiam a dirigir-se mais para o
norte, atravessando o Golfo da Finlndia.
A despeito do grande nmero de vestgios encontrados tambm pela rota que
cruza o Daugava, clara a maior relevncia que a rota setentrional assumiria; e, de fato,
como j afirmado anteriormente, houvera j contato pr-histrico a perpassar a regio.
A prata dos Dirhams enquanto motor comercial ir contribuir na gerao de um
sistema econmico particular na futura regio de Gararki. Paulatinamente os
escandinavos vo apropriando-se das rotas e meios propcios a esse comrcio,
diminuindo cada vez mais a necessidade de intermedirios.
Dessa forma, sua penetrao na Rssia pelos rios gradual. Os primeiros
entrepostos comerciais ficam nas proximidades do Golfo da Finlndia, Lago
Peipus/Pskov e Lago Ladoga (vide Mapa 01), na cidade chamada pelos escandinavos de
Aldeigja a Staraia Ladoga dos eslvicos, na qual existem vestgios de contatos com
escandinavos, ainda que em menor grau, desde a idade do ferro209.
A populao inicial de tais regies majoritariamente fino-grica, com
componente balto relativamente alto, mas decrescente. H registro de contatos pr-
histricos com populaes da Sucia Central via ilhas land, e vestgios arqueolgicos
de objetos escandinavos nas regies alm do Volga, em Perm210.
Os eslavos orientais tambm gradualmente iro conquistando o norte,
desalojando as populaes nativas e misturando-se com elas.
Como j discutido em seo anterior, Marija Gimbutas argumenta, segundo
informao mista arqueolgica e lingustica (no campo da toponmica) que a regio de
expanso dos povos Blticos teria chegado at as proximidades da atual Moscou. Os
estudos lingusticos igualmente demonstram o grau de influncia e mistura sofrido e
exercido pelos eslavos orientais em relao aos povos fino-gricos. Igualmente, estudos
etnogrficos demonstram o grau de influncia bltica encontrado nas populaes
eslvicas da Bielorssia atual influncia que, no obstante deve muito ao perodo da
Repblica Polaco-Lituana na Idade Moderna, possui substrato pr-histrico.
Este complexo processo de controle econmico escandinavo e expanso
209
ANDROSHCHUK, 520.
210
DUCZKO, 65.
104

territorial eslvica no permite uma postura totalmente exclusivista no que toca


controvrsia normanista. adequado, entretanto, dar suporte idia que o desenvolver
inicial da Rus ocorreu em um processo no qual uma minoria escandinava passava
gradualmente a deter um monoplio econmico sobre uma populao principalmente
eslvica. Entretanto, o nvel cultural e tecnolgico de ambas no era to distinto.
As localidades mais importantes nesta fase sero Gniozdovo, prxima a
Smolensk e regio de encontro da fonte dos grandes rios (Daugava, Dniepr e Volga) e
Staraia Ladoga, ao norte (vide Mapa 04). A ltima consiste na nica cidade de alguma
significncia de fato de toda a Rssia de Noroeste no perodo medieval primitivo. De
acordo com os estudos arqueolgicos, desenvolveu-se na metade de sculo VIII211.
Os soviticos datavam os escandinavos em Ladoga entre 840 e 850, mas o
registro arqueolgico sugere uma ocupao, na verdade, no extrato mais antigo, entre
750 a 830. O achado mais pertinente a esse respeito uma coleo de 26 ferramentas de
ferreiro, de origem Escandinava ou Norte-europia (Bltica?) em uma oficina datada
pela dendrocronologia da dcada de 760212.
A probabilidade maior de que um emprio sazonal escandinavo tenha sido
fundado prximo a 750, e que a ocupao por um grupo permanente de escandinavos
tenha se dado a partir do incio do sculo IX, quando um cemitrio puramente
escandinavo passou a funcionar nos arredores de Ladoga213.
Os escandinavos foram atrados para Ladoga pelo surgimento de dirhams,
valorizados pela falta de fontes de prata tanto na Rssia quanto na Escandinvia. A
anlise dos depsitos de dirhams na Rssia e no Bltico sugere que eles, a despeito do
conhecimento prvio, pr-histrico, ali chegaram com interesses comerciais mais
amplos, e mesmo intuitos de residncia ao final do sculo VIII, logo crescendo em
nmero e regularidade; o vestgio arqueolgico atesta sua presena, seja na forma de
pentes, calados, txteis, broches, um cajado com inscries rnicas e mesmo jogos214.

211
NOONAN 1998 (c), 346.
212
Ibidem.
213
Ibidem.
214
DUCZKO, 69s.
105

Ladoga

Golfo da Finlndia

Lago
Peipus
(Pskov)

Para Kiev e Bizncio

Mapa 04: Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regio do Alto Volga.
Do autor (feito com MapMaker Interative National Geographic)
106

Parte razovel desses dirhams chegaram Rssia com propsito de pagamento


s populaes das bacias do Volga e do Dniepr por produtos locais, em particular peles.
Entretanto um percentual alto de tais moedas, talvez at da ordem de 36%, era
reexportado para o Bltico215.O trfico regular de dirhams entre Rssia e Escandinvia
via Ladoga se iniciou no princpio do sculo IX, constituindo-se em evidncia adicional
da presena escandinava em Ladoga bem antes de 840.

III. Rostov, Suzdal e Murom

Seja vindo pelo ramo do Austrvegr do Daugava ou da regio de Ladoga, a


prxima rea a ser atingida seria a de Rostov, Suzdal e Murom (vide Mapa 04), na qual
se encontra quantidade considervel de achados tipicamente escandinavo como fbulas
ovais e espadas216. O acesso inicial a esta rea deu-se, de acordo com Vernadsky217,
atravs do rio Kotorosl, tributrio do Volga que chegava at s proximidades de
Iaroslav.
A etapa seguinte fora o lago Nero, aonde se situa Rostov (vide Mapa 04). H
uma portagem ali para o rio Nerl, que um tributrio do Kliazma por sua vez
tributrio do Ok. Dessa forma os varegues teriam chegado na bacia do Ok. Tambm
para Vernadsky218, os Escandinavos devem ter chegado a exercer um domnio sobre os
fineses da regio de Rostov e Suzdal j no sculo VIII. De fato, Sarskoie Gorodichtche
contm os vestgios mais antigos da presena escandinava na regio do Volga219.

IV. Os povoamentos pareados

Existem pares de povoamentos ou entrepostos comerciais com duas camadas


distintas no prprio local, ou que demonstram ter sucedido um ao outro em uma
localidade geogrfica prxima. Esta circunstncia bastante sugestiva no sentido da
existncia de povoado autctone balto ou fino-grico com influncia escandinava
sucedido por um povoamento eslvico, enquadrando-se no processo de expanso eslava
para as terras do norte, que se deu a partir da segunda metade do sculo X220.

215
NOONAN 1998 (c), 346.
216
VERNADSKY, 268.
217
VERNADSKY, 269.
218
Ibidem.
219
DUCZKO, 190.
220
DUCZKO, 189.
107

Dentre tais povoamentos pareados destacam-se Gniozdovo/Smolensk, Timerevo


/ Iaroslav e Sarskoie Gorodichtche/Rostov (vide Mapas 03 e 04). O caso de Sarskoie
Gorodichtche/Rostov emblemtico dessa situao:
As escavaes em Sarskoie Gorodichtche iniciaram-se em 1854, sendo
conduzidas pelo conde Alieksiei Uvarov. Entre os achados encontraram-se objetos de
origem escandinava e ocidental, incluindo uma espada Carolngia com a inscrio latina
Lun fecit e dois depsitos de dirhams. Outro depsito de dirhams da vizinhana
possua inscries rnicas.

Os achados escandinavos datam do sculo IX em diante. O registro indica


tambm a coexistncia pacfica de fino-gricos (meria) e varegues nos sculos IX e X.
H um predomnio de inumaes.

O stio demonstra que a cidade entrou em declnio a partir do sculo X. Por


datao dendrocronolgica, sabe-se que o pavimento mais antigo de Rostov data de
963, sendo interessante notar a concordncia entre o declnio de Sarskoie Gorodichtche
muito prximo ao incio do florescimento de Rostov desta feita, com um carter mais
notoriamente eslvico.

No caso de Gniozdovo / Smolensk, o


declnio da primeira coincide com a
emergncia de Smolensk no incio do sculo
XI221. H nmero considervel de achados
arqueolgicos tipicamente escandinavos em
Gniozdovo, incluindo vestgios funerrios de
cremaes em barcos222.

Figura 02: Espada em estilo viking escavada em 1950


em Gniozdovo. Incio do X.
Fonte: ,
2001.

221
, .. :
1100 . , 1967. Pp. 71s.
222
ANDROSHCHUK, 526.
108

V. Rumo ao sul: Bizncio e Serkland

O desenvolvimento dessa rede econmica escandinava, ensaiado na regio


bltica e iniciado nas regies fino-gricas do norte da Rssia, vai disseminando-se para
o sul e leste. O gradual eliminamento de intermedirios leva os escandinavos a
desenvolverem uma rota comercial direta com os Khazares que, habitando a regio ao
norte do Cucaso, so os intermedirios com o mundo muulmano produtor dos
Dirhams.
O poderio dos khazares no foi passvel de ser subjugado pelo pequeno nmero
de escandinavos no incio do processo, sendo conquistado apenas em sculos
posteriores por uma Rus j de carter bastante eslvico e nativo.
Dessa forma, a principal via comercial que se estabeleceria pelos escandinavos
levava-os diretamente ao comrcio com os Khazares. Seguia a regio do Ladoga at o
Volga. Na rea de Bolghar trocavam-se peles e cra pelos dirhams.

Bolghar

Para o mundo
Khazar e rabe
(Serkland)
Volga

Mapa 05: A Regio de Bolghar e o entreposto com os Khazares


Do autor.

A obteno desses produtos nativos levou ao desenvolvimento simultneo de


outra rota comercial, dirigida ao sul desta feita, via o Dniepr e a regio das fontes dos
grandes rios (vide Mapa 04). nesta rea que a relao escandinava-eslvica ser o
impulso formador da Rus. A fim de obter matria-prima para troca por dirhams com os
109

Khazares, mais a leste, os escandinavos desenvolveram uma extensa rede de obteno


de tributo das populaes locais, fossem fino-gricas, blticas ou eslvicas.
As tribos eslvicas orientais, maioria populacional do contexto, tm papel de
destaque na situao, gradualmente substituindo as populaes nativas fino-gricas e
blticas mais setentrionais. Os extratos mais antigos escavados nos emprios comerciais
demonstram uma presena escandinava forte, bem como fino-grica. As camadas mais
superiores e recentes, por sua vez, vo demonstrar cada vez mais a presena do
elemento eslvico.
Resta ainda um aspecto relevante nesse contexto do contato com Bizncio que
os escandinavos tero em sua marcha para o sul. A riqueza e os atrativos materiais e
culturais de Bizncio formaram uma impresso duradoura e poderosa na mentalidade
escandinava. Ocorre mesmo a formao da chamada guarda varegue, um corpo de
elite de guarda-costas formada principalmente por varegues, a servio dos governantes
de Bizncio.
A participao nesta guarda de elite ser elemento de honra para diversos dos
personagens escandinavos, sejam fictcios ou reais, e encontrar eco nas fontes de
sculos posteriores, como trataremos mais detalhadamente no captulo 04.
Dessa forma, sob o ponto de vista mais estritamente econmico de anlise,
fortalecido pelo estudo numismtico, possvel delinear-se uma rede complexa de rotas
comerciais e de atrativos para os Escandinavos no leste. Um movimento modesto de
incio, entremeado de intermedirios, vai gradualmente desenvolver uma estrutura que
incorporava as rotas da Escandinvia via Golfo da Finlndia/Ladoga e Daugava, do
Volga rumo aos Khazares e do Dnieper rumo a Bizncio. Um sistema que desenvolver
uma forte estrutura social e econmica de carter tnico misto, com predominncia
inicial de gerenciamento escandinavo, e posterior eslavizao, tanto da estrutura de
poder como das populaes nativas das regies envolvidas.
Esse sistema gerar um imaginrio persistente na memria escandinava, que
atrair muitos aventureiros, guerreiros e mesmo pregadores, e fornecer temtica para
uma ampla formulao intelectual, em particular nos sculos XIII e XIV, perodo no
qual a Rus de Kiev j estar em decadncia, o poderio Khazar foi destrudo pelos Rus, e
as estepes do sul da Rssia so varridas por movimentos nmades das estepes, j no
mais bloqueados pela fora dos Khazares.
O prprio relacionamento dinstico entre as elites dirigentes escandinavas e
russas demonstrar a perenidade das relaes entre Escandinvia e Rus.
110

O incio desse sistema deu-se quando outros povos do Bltico alm dos
Escandinavos foram atrados para Ladoga e sua prata islmica. Provavelmente os
maiores responsveis por muitos depsitos de dirhams do incio do sculo IX das costas
das atuais Alemanha e Polnia foram eslavos ocidentais (ou eslavos do bltico) 223.
Mas ainda que muitos povos blticos tenham sido atrados para Ladoga,
evidncia disponvel sugere fortemente que os escandinavos foram os nicos desses a se
aventurar no interior da Rssia em busca da fonte dessa prata224.
Em 839 os varegues estavam to familiarizados com o interior da Rssia e seus
rios que chegaram por ali at Constantinopla. Isto indica que levou apenas uma gerao,
entre aproximadamente 800-840, para que os escandinavos descobrissem como viajar
para o sul atravs da Rssia usando as grandes vias aquticas da Europa Oriental225.
Dessas dcadas em diante desenvolver-se-ia uma nova fase de expanso.

2.2 As estelas rnicas

As estelas rnicas so testemunhos materiais, iconogrficos e de carter escrito,


ainda que formulaico, sobre as aes escandinavas a leste no perodo viking. Fornecem
informaes sobre a provenincia dos varegues, seus destinos, o conhecimento e
terminologia geogrficos sobre o leste, dentre muitas outras informaes sobre o
perodo viking.
Os aspectos geogrficos e etnogrficos de algumas estelas foram de certa forma
empregada nesse trabalho no captulo 3, item 3.1, Quadro etno-lingustico de
Austrvegr e Gararki entre os sculos VIII e XIII.
Apresentaremos agora, de forma mais detalhada, tal srie de fontes, portanto,
extraindo das mesmas informaes pertinentes em nossa tentativa de construo de um
quadro plausvel das relaes entre Escandinvia, Austrvegr e Gararki no perodo
viking.

223
NOONAN 1998 (c), 346.
224
Ibidem.
225
Ibidem.
111

2.2.1 Sobre as estelas rnicas

O significado de Runa nas lnguas escandinavas est ligado a mistrio,


segredo226. Possivelmente trata-se de um cognato oriundo das lnguas blticas ou
mesmo fino-gricas, nas quais os significados do termo transitam prximos a falar,
cantar227.
H mais de uma srie de agrupamento de caracteres que chamamos de rnicos,
incorporando povos germnicos da Europa continental, nas ilhas britnicas e
principalmente na Escandinvia. Todos tem em comum o fato de serem meios de
expresso prprios de populaes de lngua germnica, em suas diversas ramificaes.
Assim como a maioria dos alfabetos europeus, a origem longnqua da escrita
rnica remonta ao alfabeto fencio. Do mediterrneo, tal sistema de escrita inovador,
baseado em fonemas simples (ao invs de slabas e/ou conceitos como nas escritas
hieroglficas, ideogrficas e cuneiformes) percorreu um longo caminho por diversas
terras, tomando diversas formas e influncias, tornando-se a forma de expresso de
nmero incontvel de povos.
No caso das populaes germnicas a opinio de maior aceite, desenvolvida
simultaneamente por Marstrander e Hammarstrmm entre as dcadas de 1920 e 1930,
considera as runas como caracteres derivados de alfabetos da regio norte da Itlia e da
Etrria, implicando assim certo parentesco da escrita rnica com o prprio alfabeto
latino - do qual posteriormente sofreu influncias e incorporou alguns caracteres228.
Tal derivao teria se dado em perodo no qual as inscries do norte da
pennsula itlica no estariam ainda extintas, a despeito da existncia e predomnio do
latim, e ocorreu pelo contato de alguma tribo germnica (os Marcomanni, para
Marstrander; os Cimbri, para Altheim e Trautmann) com povos norte itlicos,
provavelmente clticos.
Tal afirmao no de difcil confirmao. Basta notar a prpria semelhana de
muitos dos caracteres rnicos com os caracteres capitais do alfabeto latino. Por exemplo
o F, U, R, o I, o M (em algumas derivaes), o S, o T, o B, e assim por
diante. Na maior parte dos casos possvel traar a conexo epigrfica, demonstrando
conexes entre caracteres que, um olhar simples, dificilmente seriam aparentados.
226
SPURKLAND, Terje. Norwegian Runes and Runic Inscriptions. Woodbridge: The Boydell Press,
2005[2001].p. 03.
227
O termo empregado para os diversos cantos do Kalevala, pico fins, por exemplo, runo. Em leto,
lngua bltica indo-europeia, o verbo runat significa falar.
228
ELLIOT, 1963: 06s.
112

Tabela 01: Runes and North Italic letters. Obtido em: ELLIOT. Runes: an introduction. Manchester:
at the University press, 1963, p.08.

Existem evidncias arqueolgicas de que a escrita rnica era conhecida j no


sculo II229. Seu uso se estendeu por toda a Idade Mdia, e em alguns casos foi paralelo
ao emprego do alfabeto latino. Na regio sueca da Dalecarlia, seu uso foi registrado
ainda na Idade Moderna.

229
SPURKLAND, 2005: 04.
113

O alfabeto rnico conhecido como fuark ou variantes deste nome (como


futhorc). Deve-se ordem mais comum em que os fonemas dessas escritas so
listados: f, u, , a, r, k, h, n, i, a, s, t, b, m, l, R.
H diversos variantes do fuark, de acordo principalmente com o nmero de
caracteres e um critrio cronolgico; tais variantes, entretanto, no consistem em
entidades fechadas. possvel se encontrar testemunhos materiais que empregam
caracteres mistos de conjuntos distintos.
Sua primeira forma chamada de antigo fuark. Esta modalidade, bem como
suas variantes, foi empregada tanto na Europa continental (entre os sculos II-IX)
quanto na Escandinvia (nos sculos VII-VIII). Possua basicamente 24 caracteres:

Figura 03: Den utnordiska runraden. Obtido em JANSSON, Sven. Runinskirfter i Sverige. Uppsala:
Esselte Herzogs, 1984. P. 13.

Entre os sculos VIII e IX as modificaes nas lnguas germnicas foram


acompanhadas por mudanas tambm nas formas de escrita, que acarretaram uma
simplificao e diminuio no nmero de caracteres, reduzidos para 16. Esta nova
forma foi chamada de Novo fuark, e foi empregada primordialmente na Escandinvia,
principalmente nas Estelas rnicas. Possui duas variantes, chamadas runas normais,
ou de ramas/pernas compridas, e Runas de ramas/pernas curtas:

Figura 04: Den 16-typiga runradens tv varianter: Normalrunor, Kortkvistrunor. Obtido em


JANSSON, Sven. Runinskirfter i Sverige. Uppsala: Esselte Herzogs, 1984. P. 28.
114

Outro grupo de variaes importante chamado de fuork anglo-saxo, ou


ingls. Continha entre 26 a 33 caracteres dependendo da regio e variante (Thames,
Vienna, Codex Othonis, Ruthwell, etc.). Foi empregado principalmente entre os sculos
V-XI na Inglaterra anglo-sax, registrando escritos em antigo ingls e antigo frsio.

Tabela 02: Old English futhorcs and the Ruthwell runes. Obtido em: ELLIOT. Runes: an introduction.
Manchester: at the University press, 1963, p.39.
115

Existem diversas outras variantes; por exemplo, as chamadas runas


marcomnicas, empregadas no continente entre os sculos VIII-IX, as medievais,
encontradas na Escandinvia dentre os sculos XII-XV, e as dalecarlianas, usadas na
Sucia to tardiamente como o perodo compreendido dentre os sculos XVI-XX. Esses
grupos possuem caractersticas dos grupos descritos acima.
E, por fim, h de-se salientar que em alguns casos, principalmente nas Ilhas
Britnicas, ocorre o emprego de caracteres de sistemas agrupados como distintos pelos
acadmicos por exemplo, mistura de runas anglo-saxs e escandinavas230.

2.2.2 A distribuio das inscries rnicas

H cerca de 6.000 inscries rnicas na Escandinvia, aproximadamente a


metade em monumentos de pedra231. O restante encontrado principalmente em objetos
de madeira, mas tambm de metal e osso, como ferramentas, armas, moedas, sinos de
igreja e pias batismais.
O uso da escrita provavelmente no foi restrito aos extratos mais elevados da
sociedade. Esta ideia de restrio passada por uma soma de fatores: o melhor estado
de conservao das inscries monumentais, registrada em pedra, e erigidas por pessoas
de recursos; relatos de origem aristocrtica, como o contido na Egils saga
Skalagrmssonar, no qual o skaldr e aristocrata Egil corrige um uso errneo da escrita
rnica, com propsitos mgicos, feito por algum de extrato social inferior uma
passagem muito rica para discusses sobre letramento, conflitos culturais e sociais, e
mesmo religiosidade. Por fim, a ideia preconcebida de que a escrita est sempre
associada a um extrato social superior.
Entretanto, h de se notar que o entalhe de uma inscrio rnica que consiste
principalmente de traos horizontais necessita apenas de uma faca ou objeto cortante e
um pedao de madeira. Foram encontrados muitos objetos contendo atividades do
cotidiano, possveis contratos de venda, objetos com o nome de seu dono, que revelam
um uso mais difundido do que se imagina.
Um paralelo interessante pode ser traado com ao achado de cartas e bilhetes
escrito por crianas em carta de btula na cidade de Novgorod, na Rus de norte. Cidade
de antigo predomnio escandinavo acrescenta elementos interessantes discusso do

230
RENTERGHEM, Aya Van. And Now for Something Completely Different? Runic Confusion Now and
Then. Comunicao apresentada na seo 823 no International Medieval Congress of Leeds, 08/07/2014.
231
ZILMER, 2005: 38.
116

letramento nas regies de contato multicultural ou ditas perifricas da Europa no


medievo.
A discusso sobre letramento no medievo assume mais de uma conotao. Em
termos mais estritos, remete ao conceito de um certo grau de conhecimento e emprego
do latim; uma pessoa letrada, litteratus, o em contraposio ao illiteratus, o
laicus, e nesse campo pode ser designada uma pessoa que, ainda que no conhcendo o
latim faa uso de outra forma de escrita por exemplo, a rnica232.
Letramento, entretanto, pode implicar no conhecimento de uma escrita seja
latina ou no233. De fato, tal conceito mais amplo apresenta-se como muito mais
adequado no caso das regies escandinavas que presenciaram o emprego de escrita por
sculos antes da insero da cultural crist e latina.
Nos sculos aps a converso Cristandade, entretanto - e nesse perodo no
qual as estelas rnicas em particular tiveram maior florescimento as duas formas de
escrita, latina e rnica, coexistiram. Entretanto, com propsitos, funes e limitaes
diversas. Os meios de escrita, por exemplo, delimitam grandemente o emprego da
mesma. O custo de pergaminhos e ferramentas envolvidas na confeco de manuscritos
torna seu uso bastante circunscrito a atividades de maior vulto, de relevncia
institucional ou religiosa em um contexto cristo-latino. Tal no se d, no entanto, com
o entalhe de runas, que pode ser efetuado em material de fcil acesso como pedaos de
madeira com o emprego de ferramentas de igualmente fcil obteno - como uma faca.
Arqueologicamente, a escrita uma tecnologia, uma tcnica. Como tal, seu
domnio apresenta vantagens a seu portador, quele que a domina. destarte, pode ser
empregada como forma de dominao e poder. Nesse sentido, o domnio da escrita, o
letramento assume um papel de atividade cultural, de uma prtica; uma habilidade, um
padro de comportamento que se apresenta associado a ideologias desenvolvidas em
resposta a esses mesmos padres de comportamento234.
O relato da Egilssaga, por exemplo, pode revelar ao estudioso nuances
interessantes das sociedades escandinavas, como a gradual concentrao de poder e

232
BAUML, Franz H. Varieties and Consequences of Medieval Literacy and Illiteracy. Speculum, 55,
1980, pp. 237-265; CLANCHY, M.T. From memory to written record: England 1066-1307. Oxford:
Blackwell, 1993. Pp.224-252.
233
STOCK, Brian. The Implications of Literacy: Written Language and Models of Interpretation in th
Eleventh Centuries. Princeton: at the University Press, 1983. P.06.
234
LERER, Seth. Literacy and Power in Anglo-Saxon Literature. Lincoln: University of Nebraska Press,
1991. P. 22.
117

terras da parte de elites, e a tentativa das mesmas de se assegurar para si o domnio de


tcnicas que garantam privilgios.
O emprego de duas escritas distintas, oriundas de contextos culturais to
diversos, apresenta ainda maior nmero de variantes e torna a questo mais complexa e
multifacetada. Terje Spurkland prefere empregar o termo runacy ao invs de
literacy; considera o uso de runic literacy uma idiossincrasia, pela referida
dualidade e complexidade cultural envolvida em seu emprego. Tal dualidade implicaria
em diversidade de expresses, de meios, de contextos comunicativos e de comunidades
textuais. Dessa forma, no haveria, em contextos normais, a interseco entre tais
formas de letramento235. Poderamos acrescentar diversos casos de anormalidade
por exemplo, o uso de formas latinas com caracteres rnicos -, mas tais circunstncias
fogem ao nosso escopo.
Por fim, possvel que o nmero de objetos com escritas rnicas tenha sido
muito maior, indicando um letramento - ou seu equivalente rnico mais amplo. A
natureza perecvel do material no qual foram confeccionadas na maior parte das
vezes, madeira restringe o acesso que temos esta informao. As variantes no
prprio meio tambm so significativas dentro da prpria Escandinvia. A Noruega
apresenta um nmero considervel de inscries em bastes e meios do cotidiano236, em
contraste com o pequeno nmero de estelas encontradas em seu territrio.
A maior parte do material que possumos consiste em estelas runcas
monumentos erigidos em pedra contendo inscries no futhark, em sua maioria no novo
futhark, de 16 caracteres. Traduzimos como estela rnica o termo sueco runstenar,
no ingls runestone. Optamos por estela ao invs de pedra ou rocha por tratar-
se de termo j de amplo uso na arqueologia ao referir-se a monumentos de pedra
contendo inscries ou representaes, considerando que pedra ou rocha no
passam uma dimenso adequada natureza de tais artefatos.
O costume de se erigir e entalh-las comeou no perodo das migraes, mas
floresceu do final do X ao incio do XII (+- 970-1170). Possui-se perto de 2.300
inscries desse perodo, distintas dos perodos anteriores e posteriores237.

235
SPURKLAND, Terje. Literacy and Runacyin Medieval Scandinavia. In: ADAMS, Jonathan &
HOLMAN, Katherine (eds.). Scandinavia and Europe 800 1350: Contact, Conflict, and Coexistence.
Turnhout, Belgium: Brepols, 2004. P. 344.
236
SPURKLAND, 2004: 334.
237
SAWYER, Birgit. 2008[2000]: 11.
118

As inscries das estelas mais antigas so contrastantes, dspares, difceis de


agrupar por generalizaes: algumas, mais longas, so obscuras, com o contedo
variando grandemente, e algumas possuem frmulas mgicas. As estelas posteriores so
mais similares entre si, tanto em forma quanto em contedo. Suas inscries so
geralmente claras e factuais, bastante similares entre si na linguagem, frmulas e
contedo.
A maior parte das estelas dos sculos X e XI foram erigidas para pessoas mortas.
Praticamente todas inscries iniciam-se com uma frmula memorial contendo quem
erigiu a estela o patrocinador - e em memria de quem foi erigida o homenageado.
Em cerca de 90 % dos casos h alguma relao de parentesco entre ambos 238.
Frequentemente as estelas providenciam informaes adicionais do patrocinador ou
homenageado: status social, ttulos, viagens no estrangeiro, feitos militares, causa e
local de morte. Algumas inscries terminam com o nome do entalhador.
Feitios, encantos e invocaes de deuses pagos so muito raros. Ocorrem na
Dinamarca mas so excepcionais na Sucia aonde, ao invs disso, cruzes e oraes
crists so muito comuns, especialmente na regio de Uppland. Apenas 10% das estelas
referem-se a movimentos vikings. Destas, mais que 3/4 fala de vikings cados nas
regies de leste. O restante das estelas trata de questes do cotidiano, herana e
memria.
Feitios, encantos e invocaes de deuses pagos so muito raros. Ocorrem na
Dinamarca mas so excepcionais na Sucia aonde, ao invs disso, cruzes e oraes
crists so muito comuns, especialmente na regio de Uppland.

238
SAWYER, Birgit. 2008[2000]: 59-68
119

Diversas estelas desapareceram, e


por vezez outras so descobertas, muitas
vezes fortuitamente, em obras ou
escavaes. Sua distribuio geral, porm,
dada a frequncia e o padro das estelas
descobertas, no deve ser diversa do que se
conhece: 50 na Noruega, 200 na Dinamarca
medieval, (incluindo Halland, Blekinge e
Skane, hoje na Sucia) e pelo menos 1.800
na Sucia medieval, sendo mais que a
metade deste nmero na regio de Uppland.

Mapa 06: Distribuio das estelas rnicas na


Sucia e Noruega por Km2
(Fonte: Sveriges nationalatlas, p.45)

A datao incerta ao tratar-se de inscries individuais. H certos consensos


aproximados quanto a dataes regionais de cunho mais genrico. Na Dinamarca (com
exceo de Bornholm) a maior parte das estelas data do final do sculo X ao incio do
XI. Em Vstergtland e stergtland as estelas so de certa forma contemporneas com
as danesas, sendo que no restante da Sucia um pouco mais recentes. Em Uppland (e
Bornholm) as estelas foram erigidas apenas j passadas algumas dcadas do sculo XI,
sendo que em alguns lugares o costume perdurou ainda no sculo seguinte. Uppland
possui a maior concentrao de estelas rnicas239.
As estelas rnicas so fontes de informao para diversas disciplinas acerca do
perodo viking. Providenciam informaes sobre linguagem e ortografia, arte e poesia,
nomes de lugares e pessoas, conhecimento geogrficoe etnolgico, artesos
especializados, disseminao do Cristianismo.

239
SAWYER & SAWYER, 10.
120

H ainda uma necessidade de estudos mais generalistas que incorporem as


especificidades regionais, que se concentram normalmente em aspectos como
linguagem, forma das runas, layout e ornamentos, deixando de notar que alguns
aspectos so caracteristicamente regionais.
As explicaes sobre a curta durao do costume de se erigir estelas rnicas,
bem como sua distribuio desigual nos territrios escandinavos no possuem um
consenso, ou uma teoria geral explicativa. No geral, as teorias explicativas defendem a
existncia de necessidades sociais s quais as Estelas rnicas respondem. Segundo tal
linha de raciocnio a distribuio desigual das estelas poderia mostrar que em algumas
regies as mesmas no eram necessrias. Apresentamos a seguir algumas linhas
explicativas que tm sido elaboradas sobre a temtica:

a) MOLTKE e JANSSON: a teoria clssica estelas rnicas enquanto


Monumentos da Era Viking.
As estelas rnicas seriam monumentos das viagens vikings: Frutos da
atividade viking, as estelas refletiam o gosto pelas expedies vikings, comemoravam a
elas e queles que nelas pereceram. Com o final do perodo viking, o costume das
estelas tambm esmoreceria240.
Ainda que grande parte das estelas sejam explicitamente comemorativas, tal
explicao insatisfatria ainda que as estelas de viagens tenham definido os
parmetros e a moda para as demais, no se explica porque no final do perodo viking
houve a exploso sbita de estelas em diversos lugares da Escandinvia e em to grande
nmero.
Os historiadores tendem a dar mais ateno s estelas que comemoram os que
morreram no estrangeiro, passando a impresso que tais estelas so tpicas, enquanto
consistem em apenas 10 por cento do nmero total de estelas rnicas241.
A maior parte das estelas fala de pessoas que viveram e morreram em casa,
consistindo um corpus de evidncia ainda muito negligenciado pelos historiadores.
Informaes pontuais sobre uma ou outra pessoa da qual no se sabe nada (exceto que
erigiu uma estela) so insignificantes a no ser que o corpus seja considerado como um
todo.

240
JANSSON, 1984: 42s.
241
SAWYER & SAWYER, 12.
121

b) Von FRIESEN (1928), LJUNGBER (1938), PALME (1958), GRSLUND


(1987), LARSSON (1990), WILLIAMS (1996) - mudana religiosa:

O processo de cristianizao um fator explicativo importante para o costume


de ereo de estelas rnicas, pois o costume reflete tambm a transio de costumes
fnebres pagos para cristos. Existem trs vertentes explicativas principais nesta linha,
no necessariamente excludentes:
b.1) O costume atendia necessidades emocionais entre os recm-conversos
que, a despeito de terem enterrado seus parentes em novos locais (adros), queriam
honr-los em lugares tradicionais, como em casa, em uma estrada, ou num local de
assembleia. Explicao de carter psicolgico, pode explicas parcialmente o fenmeno;
b.2) algumas estelas foram movidas muito cedo dos seus lugares originais para
adros, ou mesmo usadas na construo de igrejas sugere-se que foi a prpria falta de
espao nos adros para enterramentos cristos que criou a necessidade de erigir uma
estela rnica crist. Em Uppland a construo de igrejas e cemitrios cristos demorou
um longo tempo, e ali as estelas podem ter funcionado como lpides crists em
cemitrios pagos (Grslund);
b.3) As estelas rnicas provavelmente tambm compensavam o abandono de
costumes de enterramento com bens e pompa em um perodo transicional, quando o
enterro cristo seria visto como cerimnia muito simples;
Existem muitas situaes na linha da mudana religiosa que necessitam de
explicao. A explicao da converso religiosa no explica, por exemplo, a
distribuio desigual e as poucas homenagens s mulheres. 7% das estelas contm
comemoraes dirigidas mulheres, e em metade destas as mulheres so comemoradas
junto com homens. Em contrapartida, os tmulos femininos da Idade do Ferro so
mobiliados ricamente e tm proporo bem mais alta de adornos.

c) Peter e Birgit SAWYER242: as Estelas rnicas enquanto sintoma de crise


A explicao de Peter e Birgit Sawyer para o fenmeno de disseminao das
estelas rnicas as explica enquanto um sintoma de crise. Birgit Sawyer autora de
uma das obras mais completas e influentes no campo de estudo das estelas rnicas.
destarte, suas ideias merecem espao parte.

242
SAWYER & SAWYER, 14.
122

Segundo os Sawyer provavelmente o incio do costume, ao menos entre o


sculo X tardio ao XI inicial, foi lanado por Haraldr dente-azul, que erigiu largo
memorial em Jelling para seus pais. Ainda que longa e elaborada, a inscrio parece ter
determinado o padro, e dado o prestgio de Haraldr em toda a Escandinvia, no
surpreendente que seu monumento fosse to influente.
A Estela de Jelling tornou-se um smbolo tanto da transio do paganismo para
Cristianismo quanto do desenvolvimento de novas formas de governo. A maior parte
das estelas daneses espalham-se por reas sob o controle de Harald ou seu filho Sven, e
nas regies aonde o crescente poder real dans se firmava, as pessoas parecem ter
seguido o padro individual nos moldes de Jelling.
A discusso de especificidades em Gtaland, Svealand, Uppland e regio dos
lagos Malar leva os Sawyer a argumentar que, efetuando-se estudos caso a caso, as
estelas rnicas so sintomas de mudana dramtica, e que esta hiptese lanaria luz nas
condies econmicas e sociais do tempo. uma linha argumentativa que reflete parte
de suas obras, e que privilegia uma ruptura com conjunturas antigas.

d) GREN (1994), ANDRN (2000), JESCH (2001), NIELSEN (2003),


ZILMER (2005): As estelas rnicas enquanto sistemas de comunicao
Esta ideia no exclui as demais explicaes. Frequentemente mistura-se com as
outras, ou faz parte de componentes significativos das mesmas. A ideia de que as estelas
rnicas sejam meios de comunicao , de certa forma, evidente, seja na anlise de
aspectos comemorativos ou legislativos (i.e. de herana).
A proposio defendida mais especificamente por Gren sobre o aspecto
comunicativo das estelas rnicas enfatiza que as estelas consistiriam em meios
duradouros e expressivos de comunicao, em particular no sentido de que
constituiriam em respostas poderosamente materializadas a problemas e desafios
enfrentados pelas pessoas.
A ideia de Gren no exclusiva s estelas rnicas, sendo desenvolvida com a
base em exemplos da pr-histria (monumentos megalticos) at as catedrais do gtico
europeu. Gren centraliza sua explicao em uma nica estela rnica, desenvolvendo
uma explicao psicolgica. No caso de uma aplicao mais ampla de suas ideias, seria
necessrio extrapolar cada estela rnica como resposta a uma tenso social especfica, o
que aproximaria sua ideia teoria do sintoma de crise dos Sawyer.
123

A despeito da limitao da teoria de Gren, Zilmer expande sua ideia e compara


com outras proposies de Jesch, Nielsen e Andrn, que enfatizam aspectos
comunicacionais das estelas. Em suma, a nfase dada insere-se de que no apenas a
mensagem textual das estelas comunica algo. Seu tamanho, localizao, estilo artstico,
dentre outras caractersticas ligadas fisicalidade e imagtica so caractersticas que
comunicam diferentes mensagens, to significativas quanto o contedo explicitamente
textual243.

2.2.3 A Histria Social e as estelas rnicas

Em adio s informaes geogrficas, religiosas, poltcas e de carter mais


tcnico, h ainda uma vertente a ser mais explorada no campo das estelas rnicas que
trata do estudo de relaes sociais.
As estelas foram memoriais no apenas dos mortos, mas tambm dos que as
erigiram. Os patrocinadores so quase sempre mencionados em primeiro lugar e a
relao entre ele (ou ela) e o homenageado definida quase que universalmente,
demonstrando claramente sua relevncia.
Podem ser notados certos princpios em relao a quem comemora quem
(normalmente parentes mais prximos e companheiros), com algumas variaes
regionais significativas, demonstrando que os patrocinadores tinham certo interesse no
que o morto tinha tido ou teria direito244. Tais interesses eram normalmente
reinvidicaes, pessoalmente ou em nome de outros, menores, a herdar terras, bens ou
status (como o rank ou ttulo de thegn). Alguns patrocinadores tinham o direito de
dividir o que tinha sido possudo conjuntamente, como em casos de em casamento ou
parceria.
provvel que esses memoriais refletissem, ao menos parcialmente, os
costumes de herana da pessoa que os patrocinavam. As novas condies de
responsabilidade e propriedade aps a morte de um parente ou parceiro determinavam
no apenas quem comemorava, mas tambm a ordem de nomeao dos patrocinadores
nomeados, bem como o cuidado com que suas diferentes relaes com o falecido eram
especificadas.

243
ZILMER, 2005: 45s.
244
SAWYER & SAWYER, 13.
124

Birgit Sawyer245 alega a existncia de dois padres principais de herana: a)


Uppland: diversos patrocinadores so nomeados, incluindo mulheres; b) Dinamarca
(tendncia tambm em Noruega e Gtaland): patrocinadores individuais so
mencionados, h poucas mulheres. Outras regies escandinavas mostrariam traos de
ambos padres em diferentes graus.
A herana partilhvel (diversos patrocinadores, tpica de Uppland) consistiria no
costume mais comum mais tardiamente, e a no-partilhvel (um patrocinador, exemplar
na Dinamarca), primitivamente. A explicao dada por Sawyer para tais divises
encontraria amparo nas diferentes estruturas de poder organizadas nos reinos
escandinavos, que incluem a prpria estruturao monrquica e institucionalizao da
Cristandade.
Os daneses foram muito cedo governados por reis capazes de concentrar um
poder mais centralizado, que possivelmente tomavam medidas para que as terras por
eles distribudas aos seus principais homens no fossem divididas. As regies suecas
possuram processo de centralizao monrquica muito mais tardio, gradativo e multi-
facetado.
Pode-se levantar tambm uma explicao alternativa questo do poder central.
Uma alegao de herana levantada por patrocinadores mltiplos pode refletir
simplesmente uma reinvidicao que pode ser feita por todos patrocinadores. Em
contrapartida, patrocinadores individuais teriam uma reinvidicao que no podia ou
no deveria ser dividida, como uma posio enquanto agente real, ou a residncia
principal de um proprietrio de terras, normalmente reservada ao filho mais velho.
As questes ligadas heranas, propriedades, e exibio monumental de tais
reinvindicaes levantam outras questes, ligadas s explicaes dos fenmenos das
estelas rnicas. No se sabe ao certo porque, em determinado perodo, foi necessrio
que se erigissem tais memoriais e por que tornariam-se to marcadamente similares
entre si.

245
Idem, p.14.
125

2.2.4 As estelas rnicas e o leste

A terminologia geogrfica referente s populaes de Austrvegr j foi


referenciada anteriormente nesse trabalho. Como, j afirmado, a discriminao
terminolgica geogrfica bastante acurada, e emprega termos que no apenas refletem
bastante satisfatoriamente as divises tnicas e geogrficas das regies a leste como
tambm continuam em uso nos sculos posteriores, tanto em obras de cunho geogrfico
quanto narrativo.
As estelas de interesse para nossos propsitos enquadram-se na parcela das
estelas vikings, que comemoram homens mortos em expedies ao estrangeiro. Como
j citado acima, o nmero total das estelas vikings perfaz aproximadamente 10 por
cento do nmero total de estelas rnicas. Aqui, referimo-nos enquanto estelas vikings
s estelas que contm referncias a expedies de carter viking, ou navegao; as
estelas que Jansson emprega enquanto Monumentos do perodo viking. Ao referirmos
as estelas que lidam especificamente com vikings no oeste, o faremos de forma
especfica. Na ausncia, portanto, de especificao, empregamos tal conceito genrico,
apresentado na introduo deste trabalho.
A anlise e catalogao das estelas rnicas padronizada pelo sistema do
projeto Samnordisk runtextdatabas. Iniciado em 1986 na Universidade de Uppsala,
Sucia, o projeto atualmente disponibiliza a transcrio das inscries para o antigo
nrdico e verses para o sueco e o ingls de todas as inscries rnicas encontradas
no limitando-se, portanto, s estelas rnicas, e empregando um sistema de banco de
dados que pode ser baixado e instalado no computador do pesquisador, chamado de
Rundata.
Segundo o sistema do Samnordisk runtextdatabas, empregam-se abreviaturas
das provncias suecas seguido de um nmero de registro (i.e. S = Sdermanland; U =
Uppland). No caso de outros pases, as abreviaes so dos prprios pases
escandinavos (i.e. Dinamarca = DR) ou X seguido da abreviao do pas (i.e. X Ua =
Ucrnia). A discriminao acurada das provncias suecas no devida apenas criao
do projeto na Sucia, mas sim ao grande predomnio das estelas rnicas em territrio
sueco e necessidade de maior preciso.
A publicao de novos achados de estelas rnicas feita pela Fornvnnen,
publicao quadrimestral da Academia Real de Letras em Estocolmo, Sucia fundada
em 1906 e especializada no campo de Arqueologia e arte medievais.
126

Dessa forma, diferentemente dos achados numismticos, as informaes das


estelas rnicas so de fcil acesso para pesquisadores de todas as regies do mundo
desde o advento da Internet.
Numeraes alternativas esporadicamente so empregadas. Destas, destaca-se a
numerao empregada por Elena Melnikova em uma srie de publicaes referentes s
estelas rnicas de leste, iniciadas antes da organizao do Samnordisk runtextdatabas.
As publicaes a citar inscries catalogadas por Melnikova empregam a terminao
Mel seguida do nmero, mas tal procedimento tm cado em desuso com a insero das
mesmas no Samnordisk runtextdatabas. Tal desuso tambm ocorre com a listagem
prpria da obra de Blndal, publicada em 1978 e republicada em 2007246.
As estelas rnicas suecas consistem em aproximadamente 1800 exemplares. As
estelas vikings, segundo Sawyer, cerca de 10% deste total. Contando-se caso a caso das
estelas encontramos um nmero de 177. possvel dividir ainda estas estelas vikings
em subsries, de acordo com o critrio geogrfico das localidades de morte do
comemorado, ou ento de acordo com a comemorao de um mesmo indivduo (ou
indivduos ligados a ele).
Algumas estelas possuem nomes que no apresentam consenso em sua leitura,
como o caso j referido da U 439, cujo termo askalat lido como Aistland ou
Serkland. Em alguns casos nomes prprios so considerados por alguns autores como
referncia a locais, como no caso da U 1087, que Blndal lista entre as estelas varegues
pela circunstncia de que o comemorado possui o nome Garar247. Dessa forma, em
adio circunstncia da descoberta de novas estelas, todos os clculos e nmeros so
inerentemente aproximaes.

246
BLNDAL, Sigfs. The Varangians of Byzantium: An aspect of Byzantine military history translated,
revised and rewritten by Benedikt S. Benedikz. Cambridge: At the University Press, 2007 [1978].
247
BLNDAL, 2007: 225.
127

U 439:

Transcrio para o antigo nrdico do


Samnordisk runtextdatabas:
Hrlif ok orgrr letu risa stin
enna at Sbiorn, faur sinn. Es styri austr
skipi me Ingvari a
istaland(?)/Srkland[i](?).

Verso (nossa) para o portugus:


"Hrleif e orgrr tiveram esta pedra
erigida para Sbjrn, seu pai. Que guiava a
leste um barco com Yngvarr para Eistland(?)/
Serkland(?)"

Figura 05: U 439. Desenho de Johann


Bureaus em 1595. Localizada originalmente
no palcio de Steninge, perdeu-se. Em
destaque, as runas lidas como -skalat.

procedimento comum referir-se a Estelas varegues ao se falar das estelas


comemorando escandinavos viajando ou cados nas regies de leste, mas existem
subdivises em tal definio mais genrica. Em relao ao critrio geogrfico, as
subdivises das estelas varegues so as seguintes:

a) As estelas varegues per si acabam por referir-se apenas aos termos Austr,
Austrvegr, Gardar, Gararki, ou variantes dos mesmos, normalmente ligados aos
territrios da Rus, ou empregando designaes genricas de leste (austr). Dentre
estas, enumeramos as seguintes: U 153, U 154, U 209, U 283, U 366, U 504, U 636, U
687, U 898, S 33, S 34, S 92, S 121, S 126, S 130, S 148, S 171, S 216, S
308, S 338, Vs 1, Vs Fv1988;36, g 8, g 30, Vg 135, Vg 184, Vg 197, l 28(58), G
114, G 220, G 280, Dr 108, N 62, X UaFv1914;47.
Esta srie perfaz um total de 34 artefatos, consistindo em aproximadamente
29,8% do total das estelas varegues e 19,1% das estelas vikings. Inserimos em nossa
contagem a estela X UaFv1914;47, encontrada na ilha de Berezani, atual Ucrnia, por
128

conter inscries rnicas e tratar-se de artefato da mesma categoria das outras estelas
rnicas.
A U 504 fala de um homem que navegava tanto para leste quanto oeste, razo
pela qual contamo-la em ambas listagens, mas a inserimos na somatria total das estelas
enquanto apenas um artefato.
U 504:

Transcrio para o antigo


nrdico do Samnordisk
runtextdatabas:

Ktilfastr risti stin enna ftiR


Asgaut, faur sinn. SaR vas vestr ok
austr. Gu hialpi hans salu.

Verso nossa:
Ktilfastr erigiu esta rocha em
memria de Asgautr, seu pai. Ele foi
para oeste e leste. (Que) Deus ajude
sua alma.

Figura 06: U 504 Ubby, Uppland.


Foto segundo licena livre da Creative
Commons

b) Estelas da Grcia: estelas que possuem referncias Grekland, termo


escandinavo empregado para Bizncio. Dada a grande popularidade da guarda varngia
e da possibilidade de carreira, feitos militares ou comrcio com Bizncio, h um nmero
considervel de tais estelas. So elas:
U 73, U 104, U 112, U 136, U 140, U 201, U 270, U 358, U 374, U 431, U 446, U 518,
U 540, U 792, U 922, U 956, U 1016, U 1087, S Fv1954;20; S 82, S 85, S 163, S
165, S 170, S 345, g 81, g 94, Vg 178, Sm 46, G 216.
129

Perfazem um nmero de 30 artefatos, cerca de 26,3% das estelas varegues e


16,8% das estelas vikings .
U 792:

Transcrio para o antigo


nrdico do Samnordisk
runtextdatabas:

Karr let risa stin enna at


Horsa(?), faur sinn, ok
Kabbi(?)/Kampi(?)/Kappi(?)/Gapi
(?) at mag sinn. Fo[r] hfila, feaR
aflai ut i Grikkium arfa sinum.

Verso (nossa) para o portugus:


"Karr teve esta pedra erigida para
Horsa(?), seu pai, e Kapi (?) para
seu parente. Viajou de froma
competente, ganhou riqueza no
estrangeiro, na Grcia, para seu
herdeiro.
Figura 07: U 792 Ulunda

c) Estelas do Bltico: referem-se s regies blticas dos territrios das atuais


Letnia, Estnia e Finlndia. So elas: U 180, U 214, U 346, U 356, U 439, U 533, U
582, U 698, S 39, S 198, Gs 13, Vg 181, G 135, G 319.
Um total de 14 artefatos, 12,7% das estelas varegues e 7,9% das estelas vikings.
Em Grobia, atual Letnia e stio de grande importncia nos estudos
escandinavos, foi encontrada uma estela pictrica na dcada de 80. Enquanto artefato
arqueolgico, de valia na nfase nos movimentos escandinavos na rea. Entretanto,
no listamo-la entre as estelas rnicas por ser estela de outra natureza, no contendo
inscries rnicas, mas pictogramas. Estelas nesta categoria foram encontradas
principalmente em Gotland e outras reas do Bltico, aparentando tratar-se de produtos
130

especficos da arte de Gotland exportados para uma ou outra rea de influncia e/ou
colonizao.

d) Estelas da Lombardia: Quatro estelas encontradas na Lombardia so por


vezes enquadradas entre as estelas varegues por se considerar como fruto de atividades
de varegues em Bizncio. So elas: U 133, U 141, S Fv1954;22, S 65. Apenas 3,6%
das estelas varegues, e 2,2% das estelas vikings.

H duas sries de estelas mencionando indivduos especficos que a erudio


considera tratarem-se das mesmas pessoas dados principalmente os referenciais
geogrficos. So as estelas de Yngvarr e Freygeirr:

a) Estelas de Yngvarr: H um nmero considervel de estelas, ou fragmento das


mesmas (entre 26 a 28) com referncia direta ou circunstancial a Yngvarr, chefe que
liderou expedio rumo Serkland. Ainda referente a tal expedio possui-se a
Yngvarrs Saga, escrita provavelmente no sculo XIII, que reconta o evento de forma
fantstica. Tal expedio terminou em desastre, e muitos de seus participantes so
comemorados por meio de estelas rnicas. So elas:
U 439, U 644, U 654, U 661, U 778, U 837, U 1143, U Fv1992;157, S 9, S
96, S 105, S 107, S 108, S 131, S 173, S 179, S 254, S 277, S 279, S 281,
S 287, S 320, S 335, Vs 19, g 145, g 155.
Blndal considera tambm que as estelas U 785, listada por ele como estela 13,
e referindo-se a um falecido em Serkland248, bem como a estela S 131, listada por ele
como 4249, fariam parte da srie de Yngvarr. No se levando em considerao estas
estelas pela ausncia de consenso acadmico, temos 26 estelas de Yngvarr, 23,6% das
estelas varegues e 14,6% das estelas vikings.

248
BLNDAL, 2007: 225.
249
BLNDAL, 2007: 227.
131

U 778:

Transcrio para o antigo nrdico do


Samnordisk runtextdatabas:

jalfi ok Holmlaug ltu reisa steina


essa alla at Banka/Bagga, son sinn. Er tti
einn sr skip ok austr stri Ingvars li.
Gu hjalpi nd Banka/Bagga. skell reist.

Verso (nossa) para o portugus:


jalfi e Holmlaug tiveram todas
estas rochas erigidas para Banki/Baggi, seu
filho. Ele sozinho possua um barco, e
navegou para o leste com a tropa de Yngvar.
Que Deus ajude o esprito de
Banki's/Baggi's. skell entalhou.

Figura 08: U 778 - Localizada no prtico da Igreja de Svinnegarn

b) Estelas de Freygeirr: Freygeirr fora provavelmente um chefe que executou


expedies na regio bltica. Referem-se a ele as seguintes estelas:
Gs 13, Dr 216, U 518, U 611, U 698, U 1158
A estela U 698 comumente tambm listada entre as estelas do Bltico, segundo
proposio de Omeljan Pritsak250. Contm a referncia de um homem morto na Livnia.
interessante notar a existncia de uma estela danesa, a Dr 216. Tal estela em estilo
RAK, consistindo numa das mais antigas fontes a citarem a Sucia. Se a correta e tais
estelas referem-se ao mesmo indivduo, ento Freygeirr nascera na Dinamarca, e
falecera na Sucia.
As 6 estelas de Freygeirr representam aproximadamente 5,5% das estelas
varegues, e 3,4% das estelas vikings.

250
PRITSAK, 1981: 399.
132

DR 216:

Transcrio para o antigo


nrdico do Samnordisk
runtextdatabas:

Asrar ok
Hildu[ng]R/Hildv[ig]R/Hildu[lf]R
resu sten nsi ft Fraa/Fra,
frnda sin sin, n han was a
fkn(?) wRa, n han war dr
a Sweiuu ok was fyrst(?) i(?)
Friggis(?) lii(?) a alliR
wikingaR.

Verso para o portugus


(do autor):
Asrar e Hild[ung] ? erigiram
esta rocha em memria de Fra,
Figura 09: DR 216. Exposta no museu nacional seu parente [ ... ] ele morreu na
dinamarqus.
Foto de Christian Bickel, disponibilizada sob licena livre Sucia e foi primeiro (?) na tropa
(Creative Commons).
(?) de Freygeirr [.... ] de todos os
vikings.

Somando-se o total das estelas varegues, incluindo as estelas da Lombardia,


desduplicando-se a referncia a Freygeirr nas estelas do Bltico e desconsiderando-se as
duas adies de Blndal s estelas de Yngvarr, chegamos a um nmero de 114 estelas
varegues, 64% do total das estelas vikings.
Uma contagem aproximada das estelas vikings a oeste nos leva s seguintes
propores:
a) Estelas vikings de oeste: contendo referncias locais da Europa mencional,
ou simplesmente mencionando que o comemorado fora em expedio viking (
133

vkingr). Ainda apresentam uma definio terminolgica centrada em uma dualidade


exclusiva viking=oeste/ varegue=leste.
So elas: U 439, U 363, U 504, U 611, U 668, S 14, S 53, S 62, S 106, S 137, S
159, S 164, S 173, S 217, S 260, S 319, g 68, g 83, g 111, G Fv1970;310,
Vg 61, Vg 197, Sm 10, Sm 42, Sm 51, G 370, Dr 266, Dr 330, Dr 334, Dr 216.
Um total de 30 artefatos. Aqui inclui-se a Dr 216, mencionada entre as estelas de
Freygeirr. O nmero de estelas sem referncia geogrfica abre a possibilidade de que
nem todas refiram-se localidades da Europa Ocidental, havendo a possibilidade de
conter participantes de expedies a leste.
A U 504 exemplifica clara e explcitamente a participao de vikings tanto a
leste como oeste. Essa estela tambm listada entre as estelas varegues.
Contando-se o nmero de 30 estelas, entretanto, chega-se a 16,8% das estelas
vikings, e 46,9% das estelas de oeste.

S 319:

Transcrio para o
antigo nrdico do Samnordisk
runtextdatabas:

Finnvir(?) gri
kuml essi ftiR GiRbiorn,
faur sinn. Hann var daur
vestr.

Verso (nossa) para o


portugus:
Finnvir(?) fez estes
monumentos para/em
memria de Geirbjrn, seu
pai. Ele morreu no oeste.

Figura 10: S 319 - Localizada no solar de Stringe, para aonde


foi movida. Oriunda de Sannerby
134

b) Estelas da Inglaterra: U 194, U 241, U 344, U 539, U 616, U 812, U 978, U


1181, S 46, S 55, S 83, S 160, S 166, S 207, Vs 5, Vs 9, Vs 18, Gs 8, g 104,
g Fv1950;341, Sm 5, Sm 27, Sm 29, Sm 77, Sm 101, Sm 104, Vg 20, Vg 187, Dr 337,
Dr 6, N 184.
Somam 31 estelas, 17,4% das estelas vikings gerais e 48,4% das estelas vikings
de oeste .
c) Estelas de Jarl Hakon: as estelas U 16, U 617 e Sm 76 contm referncias a
Jarl Hakon. Trs artefatos, apresentam pouca relevncia estatstica, consistindo em
aproximadamente 1,7% das estelas vikings gerais e 4,7% das estelas vikings de oeste.
As estelas vikings de oeste, sem retirar-se a Dr 216, perfazem, portanto, 64
artefatos, aproximadamente 36% do total das estelas vikings, contra os 64% das estelas
varegues.
135

2.3 Anlises: a Cultura Material, o Perodo Viking e o leste

Como j afirmamos, a estatstica pertinente no pode propiciar nmeros exatos e


imutveis, mas a proporo quase que dobrada da quantidade de estelas varegues em
relao s estelas vikings de oeste evidente.
Tal dado per si, entretanto, precisa ser considerado em meio a diversos fatores.
Dentre esses, destacamos as frequncias das regies de origem das estelas rnicas (vide
Tabela 03). A maior parte das estelas vikings procedem de Uppland e Sdermanland,
seguidos de stergotland, segundo padro que combina com a provenincia geral das
estelas rnicas em sua totalidade. land, entretanto, que possui elevada quantidade de
Estelas Rnicas por rea, contm apenas uma estela viking.

Alguns tnues padres


regionais podem ser delineados,
coerentes com a interpretao
histrica tradicional. A pequena
quantidade de artefatos na
Dinamarca possuem um nmero
maior de estelas inglesas,
enquanto que Gotland possui uma
maioria absoluta de estelas
varegues, contendo tambm uma
estela da Grcia e duas do Bltico.

Mapa 07: As provncias suecas. Do


autor. Feito com a ferramenta
Mapmaker Interactive da National
Geographic.
136

Tipo/ Regio Varegues per si Grcia Bltico Lombardia Yngvarr Freygeirr Vikings de oeste Inglaterra Haakon Total
Uppland 9 18 8 2 8 4 5 8 2 64
Sdermanland 11 7 2 2 15 11 6 54
stergtland 2 2 2 4 2 12
Smland 1 3 6 1 11
Vstergtland 3 1 1 2 2 9
Gotland 3 1 2 1 8
Dinamarca 1 1* 4* 1 6*
Vstmanland 2 1 3 6
Gstrikland 1* 1* 1 2*
Noruega 1 1 2
land 1 1
Alemanha (Schleswig) 1 1
Ucrnia 1 1
Letnia Estela -
Pictrica
de
Grobia**
177
Tabela 03: Distribuio geogrfica das Estelas Vikings. As reas rachuradas indicam picos das frequncias

* A Gs 13 aparece tanto na srie de Estelas do Bltico quanto das de Freygeirr. Dessa forma, foi contada como apenas uma. Procedemos da mesma forma em relao Dr 126,
listada tanto enquanto uma estela viking de oeste quanto de Freygeirr.
** Conforme discutido no tpico das estelas do bltico, a estela pictrica de Grobia no foi inserida na contagem.
137

Tal distribuio harmoniza-se com a pressuposio tradicional de uma nfase


entre os dinamarqueses e noruegueses nas expedies vikings a oeste e Ilhas Britnicas,
e dos vikings suecos e de Gotland a leste, em particular as relaes de Gotland com o
Bltico.
Entretanto, outras distribuies fogem desse padro e sugerem outras hipteses.
A Noruega possui um exemplar varegue e um ingls. Gstrikland possui um exemplar
do Bltico/Freygeirr e uma estela da Inglaterra.
Vstergtland e stergtland apresentam uma distribuio praticamente igual
entre estelas de leste e oeste, inseridas as subdivises regionais, e Smland demonstra
uma propenso forte para oeste.
Dessa maneira, o quadro geral demonstra de fato uma forte inclinao entre os
vikings suecos para o leste, mas tal inclinao apresenta uma concentrao especfica
em Sdermanland, Uppland e Gotland. Os suecos das demais regies apresentam uma
distribuio quase que uniforme entre leste e oeste, com leve predomnio para o leste,
com exceo de Smland. Entretanto, o nmero de estelas vikings nas outras regies
suecas muito menor, e a amostragem no estatisticamente suficiente para concluses
definitivas.
Por hora, parece adequado pressupor que os vikings das demais regies suecas
encontravam-se ativos tanto a leste quanto a oeste. Possumos poucas estelas rnicas das
demais regies, mas parece razovel a proposio de que esta circunstncia possa ser
aplicada tambm aos vikings de Noruega e Inglaterra. significativo que das nicas
duas estelas vikings da Noruega, uma seja varegue.
Tal fase da anlise deixa uma aparncia inicial de que o movimento a leste foi
empreitada fortemente concentrada entre os suecos da regio dos lagos Malaren e
Gotland. No entanto, a escrita histrica posterior inserir o leste de papis significativos
que levam a repensar os quadros de exclusividade e duplicidade simples nos campos de
ao varegue e viking.
A especificidade e distribuio desigual das estelas rnicas pode induzir a
concluses no de todo seguras. No obstante, o cruzamento das informaes com os
subsdios dados pela numismtica e arqueologia parecem fortalecer e preencher o
quadro de um movimento a leste instigado pela prata muulmana e inicialmente
entremeado de intermedirios.
Gradativamente os escandinavos eliminaro as intermediaes e se aventuraro
cada vez mais a leste, com controle cada vez maior das fontes de riquezas,
138

desenvolvendo sistema complexo que afetar o prprio desenvolvimento posterior da


histria da Rus. Os suecos sero pea-chave em tais processos.
Porm, seus resultados a longo prazo sero sentidos nas mentalidades
escandinavas como um todo. Analisaremos, a seguir, as contrues escritas realizadas
pelos historiadores posteriores, todos dos locais mais ocidentais dos reinos
escandinavos, e que revestem o leste com significados arraigados nesta tradio de
sculos de relaes entre Escandinvia e Leste.
139

Capitulo 3: O LESTE ENQUANTO CONSTRUO GEOGRFICA

intil lembrar, endereando-me aos fenomenlogos, que o espao cotidiano, o espao do


primeiro estrato natural, do mundo da vida, apenas quase euclidiano, e isso localmente: ele
no certamente homogneo, nem mesmo istropo, ele tem um alto e um baixo, os trilhos da
estrada de ferro convergem na distncia, a direo de qualquer demo situado entre tica e
Atenas e nica e privilegiada pelos habitantes do demo. (...) o espao (...) s quase contnuo
no sentido de Aristteles, da divisibilidade pois esta ltima no pode ser levada longe
demais. Assim que a reflexo comea, o mundo da vida se revela problemtico
(Cornelius Castoriades)251

3.1 Preliminares: mltiplas acepes de leste

Um passo obrigatrio - qui um tanto bvio - em um estudo que pretende tratar


com um termo primariamente ligado a uma direo geogrfica uma compreenso
inicial de que forma o sistema de referenciamento geogrfico se apresenta em sua forma
mais cotidiana, pragmtica e simples; em suma, de que forma o conhecimento e a
terminologia geogrficos, ao menos no que toca s referncias e coordenadas, se
apresenta nas fontes escandinavas sem o acmulo de imaginrio, ideologia e narrativa.
perfeitamente possvel e necessrio o questionar a validade de tal proposio;
enquanto construto da imaginao humana, todo sistema de ideias deriva de categorias
mentais especficas e culturais; algumas dessas categorias por certo apresentam maiores
elaboraes que outras; por vezes certas construes encontram-se mais marcadamente
entremeadas de elementos evidentes na natureza, de forma a minimizar a ao da
elaborao humana sobre os mesmos.
Seria possvel efetuar alguma espcie de dissecao, de discriminao de
elementos simples, complexos, mais ou menos elaborados culturalmente? A
despeito da dificuldade da tarefa, do complexo problema de se abord-la de forma
objetiva e da prpria possibilidade da objetividade, conforme j discutimos no
primeiro captulo desta tese nos parece razovel efetuar uma diferenciao entre os
sistemas simples de direcionamento geogrfico e nesta categoria enquadramos o
prprio sistema cardinal, mas tambm o cabedal bsico terminolgico geogrfico

251
CASTORIADES, Cornelius. Figuras do Pensvel: as Encruzilhadas do Labirinto. Volume VI. Rio de
Janeiro: Civilizao Basileira, 2004. Pp.402s.
140

empregado para referncia e direo e elaboraes que, apesar de se basearem ou


empregarem elementos de tais sistemas, a eles adicionam dimenses que o transcendem.
Um exemplo simples de tal diferenciao pode ser observado em trs empregos
do termo austr, leste, no antigo nrdico (itlicos nossos):

(...) austr Jamtaland ok Helsingjaland ok Vestrlnd (...)


(para o ) leste, em Jamtaland e Helsingland e (para) o ocidente (...)
(Egils Saga Skallagrmsonar, Cap. 04252)

(...) um sumarit Austrveg (...)


No vero, para Austrvegr
(Egils Saga Skallagrmsonar, Cap. 46253)

En hann var farinn Austrveg at berja troll


Mas ele tinha ido para o leste/o caminho oriental para destruir trolls.
(Edda Menor, Codex uppsaliensis, Cap. 26254)

Todas as passagens so pressupostamente da autoria de um mesmo indivduo,


Snorri Sturlusson. A primeira, encontrada na Saga de Egil, indica nada alm da direo
per si; para o leste. A leste do narrador, um leste apenas posicional, localizam-se
Jamtaland e Helsingland; para oeste, esto outras regies imediatamente enumeradas.
Aqui o personagem a referncia, a direo, descritiva, apenas indicativa, e mesmo
relativa, vlida para apenas seu observador.
O segundo caso, empregado na mesma Egils saga, o uso de um composto do
termo, Austrvegr, empregado no captulo 46. Nesta ocasio Egil e seu irmo Throlfr
iniciam expedio para Krland. Nesse uso do termo, o vegr fica mais compreensvel:
pelas imediaes de Krland passa um dos grandes ramais da rota rumo a Kiev e
Bizncio; Austrvegr, o caminho de leste.
De fato, a nomenclatura ser empregada com frequncia nesse sentido, e
assumir a conotao mais ampla das regies a leste do Bltico, em particular os atuais
Pases Blticos e Finlndia. Tal uso composto no adiciona apenas o termo vegr ao
simples austr; em adio, incorpora toda uma gama de significados ao mesmo no
caso, adicionando a ele uma conotao geogrfica e mesmo etnogrfica.
Por fim, a terceira passagem encontra-se na Edda em prosa, na qual lemos
novamente o termo Austrvegr. Aqui o termo aglutinar ainda uma dimenso adicional

252
In: JNSSON, Finnur (ed). Altnordische Saga-Bibliothek 3. Halle: Niemeyer, 1924.
253
Idem.
254
In: PLSSON, Heimir (ed.). The Uppsala Edda. University College London: Viking Society for
Northern Research, 2012.
141

em seu significado. No caso em questo, o deus rr estava a leste, nas regies de leste,
no caminho de leste, a lutar contra gigantes.
Aqui evidente ou pressuposto para o leitor que a leste h gigantes; nesse
sentido, nesta direo, localiza-se Jottunheimr, a terra dos gigantes. Em adio
referncia simples de direo, em adio regio etno-geogrfica, adiciona-se um
terceiro significado. Desta feita, um construto mtico, uma localidade do imaginrio,
bem como toda uma gama de narrativas, personagens e peculiaridades que confluem ali.
O ltimo significado estar mais em voga nas fontes mais tardias, em particular
nas Fornaldarsgur, quando se tornar mais saliente nas narrativas que Austrvegr
ponto de passagem para as dimenses ainda mais a leste, bordejantes das reas mticas,
de Jottunheimr, das Plancies de Glasir, de Geirrodland.
Temos, aqui, portanto, um termo bsico ao qual se adiciona no apenas um
composto, mas gamas distintas e amplas de significados, que discriminaremos de forma
mais pontual nos captulos seguintes. Neste captulo lidaremos especificamente com a
dimenso inicial, referencial e mais simples de leste enquanto direo geogrfica. Para
tanto, traaremos um panorama genrico sobre o conhecimento e representaes
primrias geogrficas que transparece nas fontes primrias islandesas e escandinavas
que, como veremos em breve, no necessariamente so monolticos e concordantes.
Em seguida, apresentaremos um quadro detalhado dessas mesmas regies de
Austrvegr na acepo de caminho de leste discriminadas nas fontes escandinavas,
incluindo-se aqui as estelas rnicas.

3.1.1 O sistema cardinal e a terminologia

O sistema cardinal e suas derivaes se entrelaam no cotidiano e no


vocabulrio da maioria das culturas dos tempos contemporneos. De forma similar
contagem e mensuramento do tempo, ainda que no de maneira to interiorizada e
arraigada, consiste em um sistema conceitual de propsitos prticos que, principalmente
por suas implicaes cotidianas, assimilado e considerado como um fato dado, a um
ponto em que impossvel para um indivduo que se considere educado, civilizado,
enfim, devidamente aculturado, privar-se de conhec-lo, ainda que minimamente.
Como discute Norbert Elias de forma magistral, por demais estranho ao
homem moderno, e assim o foi aos primeiros etnlogos e antroplogos, encontrar
pessoas em culturas ditas primitivas ou menos avanadas que desconheam sua
142

prpria idade. Poderamos traar um paralelo, ainda que de menor peso, ao pensarmos
acerca da localizao e terminologia espacial255.
Enquanto sistema conceitual, entretanto, qualquer sistema de orientao, por
maior difuso que encontre e por mais baseado que esteja em fenmenos naturais e
dados empricos e aqui podemos incluir trajetria do Sol (leia-se: percepo de uma
trajetria do Sol nem sempre considerada como tal) e dos astros, depsitos minerais e
norte geogrfico magntico absoluto - localiza-se na esfera da Cultura, antes que da
Natureza.
Certamente que no entraremos detalhadamente aqui em tal discusso, mas fica
evidente a necessidade de se considerar o sistema de orientao geogrfico enquanto
produto de criao da razo humana e do acmulo e transformao de saber, como algo
que est sujeito aos contextos especficos temporais nos quais formulado, empregado
e reformulado.
O sistema cardinal, por mais que se baseie em e estabelea coordenadas
absolutas, passvel de relativizao ao menos, por meio da criao de variantes ou
mesmo na forma de sua utilizao. Um exemplo claro a conveno de apontamento de
direo ao norte. Por mais que tal conveno tenha se desenvolvido por conseguinte
uma determinante emprica do norte absoluto e da bssola apontando para o mesmo -
por sua vez fundamentados na existncia de concentrao de minerais em determinada
parte da crosta terrestre -, no decorrer dos tempos a percepo de tais absolutos, a
compreenso das mesmas e as representaes de tal circunstncia emprica sofrem
alteraes de matizes estritamente culturais, mais especificamente a dominncia e
hegemonia das culturas ocidentais do hemisfrio norte em mbito mundial.
Note-se, por exemplo, na representao cartogrfica dos sistemas grficos
derivados de tais coordenadas, que os mapas da Antiguidade e do Medievo no
necessariamente trazem as imagens com o norte nos quadrantes superiores como o
fazem os mapas contemporneos; de fato, como logo demonstraremos, tal circunstncia
rara.
Mapas do mundo islmico traziam o norte para baixo e o sul ou sudeste - para
cima e existiram tendncias diversas cartogrficas entre os prprios europeus ocidentais.

255
evidente que devemos muito aqui, sem possibilidade de referir apenas uma simples passagem, s
reflexes de Norbert Elias. A referncia ao homem que desconhece sua idade encontra-se, de qualquer
forma, na pgina 10 da edio que consultamos, mas devemos muito mais ao autor do que apenas a
leitura desta pgina. Vide: ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998
[1984].
143

Mesmo contemporaneamente, a representao da Amrica esquerda e Eursia e frica


direita no unnime e possui variaes nas diversas esferas culturais do globo. Em
breve retornaremos com mais detalhe na representao grfica, depico geogrfica e
confeco de mapas.

3.1.2 O Sistema de orientao geogrfica e espacial no medievo escandinavo

relevante se debruar previamente na terminologia referente aos sistemas


geogrficos e espaciais empregados pelos Escandinavos no medievo.
A nvel bibliogrfico possvel encontrar discusso e reflexo sobre os sistemas
de orientao espaciais empregados pelos escandinavos, em particular no que toca s
relaes entre Islndia e Noruega. Sobre o leste, entretanto, a situao mais exgua. O
grosso da bibliografia discute o conceito de leste, quando o discute especificamente, no
que chamamos de leste situacional, ou direcional.
Tal discusso possui um forte vis lingustico, medida que deriva de termos e
modificaes dos mesmos, sendo necessria uma discusso e explanao especfica dos
significados de direo e localizao no antigo nrdico.
O carter relativo e bastante distinto temporalmente de nosso presente de tais
formas de orientao e expresso geram estranheza ao olhar contemporneo, de forma
que autores como Tatjana N. Jackson, ao comparar tais formas de expresso com o
sistema cardinal, as divide por vezes como corretas (se equivalem s distncias
indicadas cardinalmente) e incorretas (se no se adequam ao sistema cardinal, ainda
que empreguem termos do mesmo256.
O sistema e a nomenclatura cardinais escandinavos derivam de uma tradio
germnica mais ampla. De forma geral a nomenclatura *nor-, *austr-, *sun-, *wes-
influenciou a antiga terminologia latina septentrionalis/borealis, orientalis,
australis/meridionalis, occidentalis, ainda que as formas latinas subsistam em termos
derivados257.
O sistema bsico escandinavo de quatro coordenadas cardinais (norr norte,
austr leste, sur-sul, vestr - oeste) desenvolveu-se na Noruega baseado no contorno da

256
JACKSON, T. Old Norse System of Spatial Orientation. In: Saga Book 25, 1998. Pp. 72s.
257
POKORNY. Julius. Indogermanisches etymologisches Wrterbuch, 2 Bnde. Francke Verlag: Bern
und Mnchen, 1958. Verbetes: au-3(ae); ,aes-, sel-, sul-, sel-, sl-.
144

costa norueguesa e na observao dos astros, dado o desconhecimento da bssola258.


Especula-se sobre a possibilidade de que os nomes germnicos antigos tenham sido
empregados para o que consideramos pontos intermedirios, envolvendo uma rotao
de 45259.
Entretanto, a observao das direes norueguesas baseadas no desenho costeiro
ajuda a compreender melhor a situao. possvel encontrar termos que parecem por
vezes peculiares ou estranhos mente acostumada ao sistema de coordenadas
cardinais absolutas como, por exemplo, o termo landnorr, empregado para nordeste,
mas que pode ser traduzido ao p-da-letra como para o norte via terra, enquanto que
tnorr, para o norte indo para fora, representava a direo de oeste ou noroeste
consistindo nas rotas possveis a serem tomadas se o observador tomasse em
considerao a geografia e costa norueguesas.
Tal uso de vocabulrio no est limitado aos residentes da Noruega; antes,
incorporou-se no vocabulrio do antigo nrdico. Observemos uma passagem escrita
novamente por Snorri Sturlusson, um islands, na Ynglingasaga, parte inicial da
Heimskringla:

Af hafinu gengr langr hafsbotn til landnorrs, er heitir Svarta-haf

Do mesmo mar uma longa reentrncia martima se estende em


direo ao nordeste, e chamada de Mar Negro

(Heimskringla, Ynglingasaga, 01260. Traduo e grifo nossos)

O trecho em questo encontra-se na descrio do mundo habitado, mas descreve


regio longe da costa norueguesa: o Mar Negro. O uso para nordeste, no entanto,
landnorr261.
H o sistema referencial designado por Kirsten Hastrup262 como ultimate, no
sentido de que indica o objetivo final, ltimo, a ser atingido pelo viajante. Esta forma

258
LEONARD Stephen. Language, Society and Identity in early Iceland. Wiley-Blackwell, 2012.
P. 161.
259
Ex.: o mesmo radical para austr-, leste, e australis, meridional, no latim. Vide: POKORNY,
op.cit, aes-; WEIBULL, Lauritz. De gamle nordbornas vderstrecksbegrepp. Scandia 01, 1928;
EKBLOM, R. Alfred the Great as Geographer. Studia Neophilologica 14, 1941-2; __________. Den
forntida nordiska orientering och Wulfstans resa till Truso. Frnvnnen. 33, 1938; SKLD,
Tryggve. Islndska vderstreck. Scripta Islandica. Islndska sllskapets rsbok 16, 1965.
260
JNSSON, Finnur (ed). Heimskringla: Nregs konunga sgur. Copenhagen: Gads, 1911. P.04.
261
Landnorr no genitivo, landnors.
262
HASTRUP, 55.
145

de expresso mais marcadamente lingustica, empregando expresses, advrbios e


modificadores de sentido indicativos de provenincia e destino. Tal sistema de
referncias em antigo nrdico centraliza-se em trs formas bsicas de expresso, que
denotam direo, localidades e origens que, a grosso modo, podem ser expressos
simplificadamente como (dirigindo-se) para algum lugar, em algum lugar, (vindo)
de algum lugar263.
A adio de sufixos a advrbios concede nuances especficas que se assemelham
a esse sistema tripartite: o sufixo i implica descanso em algum lugar especfico,
enquanto advrbios com sufixo an iro indicar movimento partindo de algum lugar264.
Alguns advrbios so modificados apenas de uma forma dual; norr, por
exemplo, significa norte, para o norte, enquanto noran significa (vindo do) norte,
mas a maioria dos advrbios acaba por se enquadrar no sistema ternrio de localizao.
O uso do sufixo an precedido da preposio fyrir cria uma frase preposicional
que indica uma posio relativa em relao a outra, fixa: fyrir noran heiina significa
(a) norte dos pagos.
Fyrir noran acabou tornando-se uma expresso idiomtica, significando no
265
norte . Esse tipo de construo generalizou-se tambm para as outras posies
geogrficas. Ainda no incio da Ynglingasaga, temos um exemplo simples de seu uso:

(...) heitir fyrir austan s, en fyrir vestan kalla sumir Eurp, en


sumir na.

(...) a leste chamada sia, e a oeste chamada por alguns Europa,


por alguns Enea.
(Heimskringla, Ynglingasaga, 01266. Traduo e grifo nossos)

Esse sistema conceitual muito forte nas fontes primrias, criando expresses
especficas dependendo dos sentidos e localidades, e enfatizando grandemente um
sistema de localizao geogrfica que chamamos de relativo, situacional ou
direcional, mas que com o decorrer do tempo acaba por assumir uma circunstncia
mista, na qual a relativa localizao dos pontos entre si gradualmente assume
conotaes fixas, idiomticas. A coordenada que assume maior importncia no a

263
LEONARD, 157.
264
LEONARD, 158.
265
LEONARD, 158.
266
In: JNSSON, 1911: 04.
146

localidade per si (i.e., a Noruega ou a Islndia), mas, antes, a posio relativa das
localidades em questo entre si.
As localidades fixas empregadas mais frequentemente nesse sistema so a
Islndia e a Noruega. Viajar da Noruega para a Islndia seria escrito em sua forma
completa em antigo Nrdico como a fara fr Noregi t til slands. Entretanto, seu uso
mais comum o abreviado, a fara t. Literalmente, em portugus, sair/ir/dirigir-
se/viajar para fora.
O sentido contrrio, da Islndia para Noruega, usualmente indicado como a
fara tan: vir de fora, expresso empregada largamente nas sagas e na produo
legal267.
Tal sistema possui origem bvia com os noruegueses que, tendo colonizado a
ilha da Islndia, empregaro seu ponto de partida (a Noruega) como dentro, e a
Islndia como fora. Entretanto, mais de um sculo aps a colonizao da Islndia, e
quando a mesma j se encontrava com caminhos distintos da Noruega, os prprios
islandeses continuavam a usar as mesmas formas de coordenadas. Ainda que se
dirigissem da Islndia para a Noruega, sua forma de expresso de dirigir-se do fora
para o dentro, que evidencia uma continuidade do conceito original direcional, mas
somada a uma modificao intrnseca do mesmo: a relatividade e at mesmo
etnocentridade do conceito original norreno sofrear uma sutil transformao, na qual
as expresses indicativas de pontos relativos entre si acabam por assumir conotaes
fixas, especficas e intrinsecamente ligadas a localidades especficas e imutveis.
Outro exemplo da transformao, readaptao e, de certa forma, ressignificao
da terminologia geogrfica, o caso da diviso da Islndia em quadrantes ou quartas
(fjrungar), efetuada em 965 A.D.268
Esta diviso foi efetuada num sistema de base cardinal, contendo outras
peculiaridades de referncia geogrfica. O viajante que se dirigia ao quadrante sul
(baseado em um sistema cardinal) da Islndia dirigia-se, de forma absoluta, para o
oeste. Entretanto, o uso lingustico empregado era de dirigir-se ao sul 269.
Em adio a tais nuances, h-se ainda de notar casos nos quais o autor emprega
o sistema de coordenadas cardinais de forma mais bvia, referenciando o destino
imediato para onde o personagem da narrativa dirige-se. Dessa forma, o itinerrio de

267
LEONARD, 159.
268
JACKSON, 73.
269
LEONARD 162; JACKSON, 73.
147

algum na Noruega que se dirige para a Sucia pode ser descrito como viajou para
leste.

3.1.3 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis a primazia da direo geogrfica
simples270

Esta forma de referenciamento geogrfico simples pode ser encontrada por


toda a produo escrita escandinava medieval, como se espera de uma terminologia
empregada amide. H de se destacar, no entanto, uma srie especfica de fontes na qual
as nuances do sistema podem ser percebidas com maior propriedade, tanto devido
prpria forma de linguagem e estilo mais frequente como pelas prprias caractersticas
geogrficas e de cenrio especficas modalidade; de tal gnero procedeu parcela
considervel dos extratos de fonte e exemplos lingusticos examinados at ento.
Referimo-nos s chamadas Islendigasgur, as sagas islandesas por excelncia,
muitas vezes traduzidas apenas como sagas, sagas familiares ou, em uso mais
recente iniciado por Theodore Andersson271 e difundido por Else Mundal, Torfi Tulinius
e outros acadmicos como sagas dos antigos islandeses272.
Ao lado das grandes obras histricas, as Islendigasgur tiveram papel
fundamental, provavelmente ainda maior, na forma narrativa islandesa, sobre os
acontecimentos e personagens do passado.
Saga (pl. sgur) um termo empregado muito genericamente para formas
narrativas islandesas. Provm do antigo nrdico segja, verbo que significa dizer,
falar ou, por si s, conto ou histria, e incorpora narrativas em prosa acerca de
algum personagem, famlia ou regio. Apesar do gnero per si ser composto em prosa,
h com grande frequncia contedo potico veiculado em seu meio, em particular na
poesia escldica.
Mas existem outras modalidades de saga, e a definio de distines literrias
precisas entre as diversas modalidades das mesmas pode ser tarefa complexa e nem
sempre satisfatria.
Conquanto as diferenas entre alguns tipos de saga por exemplo, entre as

270
Boa e resumida referncia ao tpico pode ser encontrada em LASON, Vsteinn. Family Sagas. In:
McTURK, Rory. (Ed.). A companion to Old Norse-Icelandic Literature and Culture. Oxford: Blackwell
Publishing, 2006 [2005]. pp. 101-118.
271
ANDERSSON, Theodore. The Growth of the Medieval Icelandic Sagas (1180-1280). Ithaca &
London: Cornell University Press, 2006.
272
MUNDAL, Else. Introduction. In: MUNDAL, Else (ed). Dating the Sagas: Reviews and Revisions.
Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2013. P.01.
148

slendingasgur e as Fornaldarsgur possam ser marcantes, h um nmero elevado


de categorias que no se enquadram nesses ou nos outros grandes grupos, ou gneros.
Certamente esta circunstncia no exclui o emprego de critrios de
categorizao, que so relevantes, teis e que provm auxlio na compreenso mais
precisa da produo escrita islandesa medieval.
As slendingasgur descrevem principalmente os eventos ocorridos no
primeiro sculo da comunidade islandesa entre 930 e 1030 (por vezes contendo partes
introdutrias que lidam com os eventos na Noruega e Islndia no perodo principal de
colonizao, entre 870 e 930). Sua datao razo de debate. Dating the Icelandic
Sagas, de Einar Svensson, escrito em 1958 e publicado pela Viking Society for
Northern Research, obra referencial nesse sentido273.
Svensson critica o procedimento de antigos editores, tradutores e estudiosos
das sagas como Gubrandur Vigfsson, marcado pela subjetividade e que atribuam
qualidades como tom e carter s narrativas, os quais empregavam como critrios
para datao e apreciao274, e discutir o emprego de evidncias histricas275, datao
dos manuscritos276, relaes entre as diversas sagas277, evidncias literrias e
lingusticas278, e mesmo o que chama de critrios artsticos279 critrios que, de certa
forma, retomam usos que o prprio Svensson criticou anteriormente, mas que admite
que podem ser teis quando adicionados aos demais.
Seus critrios para datao sero ainda empregados, resumidos e discutidos por
muitos autores. Else Mundal os resume como a) relao literria entre as prprias sagas;
b) datao pela observao de eventos e condies do prprio autor refletidos na saga;
c) qualidade artstica do texto280; Tulinius os discute em profundidade, ressaltando que
poucas adies tm sido feitas a eles281, com a exceo do trabalho j referido de
Theodore Andersson, que encaminha a situao da datao das sagas para uma

273
SVENSSON, Einar. Dating the Icelandic Sagas: an Essay in Method. Viking Society for Northern
Research: London, 1958.
274
SVENSSON, 39s.
275
Idem, 50.
276
Idem, 11.
277
Idem, 76.
278
Idem; 76s; 96s.
279
Idem. pp. 115ss; pp. 40.
280
MUNDAL, Else. The Dating of the oldest Sagas about Early Icelanders. In: MUNDAL, Else (ed).
Dating the Sagas: Reviews and Revisions. Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2013. P.41.
281
TULINIUS, Torfi. Dating Eyrbyggja Saga: The Value of Circumstancial Evidence for Determining
the Time of Composition of Sagas about Early Icelanders. In: MUNDAL, Else (ed). Dating the Sagas:
Reviews and Revisions. Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2013. P.130.
149

discusso do desenvolvimento de gnero literrio282.


Nos tempos contemporneos a tendncia acadmica tem sido a atribuio de
datas cada vez mais recentes para as slendingasgur, situando a datao de suas
primeiras formas no sculo XIII, a partir de 1230 ou 1240283.
Podemos listar entre elas, a Egils saga, a Njls saga, Kormks saga, Viga-
Glums saga, Gsla saga, Grettir saga, Eyrbyggja Saga, Laxdla Saga, Heiarvga
saga, dentre muitas outras. So por vezes divididas internamente em mais categorias,
como sagas familiares, sagas de localidades ou de cls, sagas de skaldar.
Estas sagas contm narrativas realistas, feita em tom sbrio e imparcial: o autor
d tanto a acontecimentos importantes quanto a corriqueiros o mesmo tom narrativo,
recurso que confere grande impacto medida que as consequncias das aes
importantes acontecem.
Seu heri ou personagem principal pode ser um fora da lei, um skldr, ou
alguma entidade mais genrica, como uma famlia ou mesmo uma regio da Islndia.
Seus personagens no so completamente maus ou completamente bons; por vezes, um
personagem obviamente heroico e virtuoso deve lutar com outro de igual valor a fim de
compensar alguma ofensa a sua honra.
A despeito da forma dominante em prosa, poemas so muito empregados, em
particular nas sagas cujos personagens principais so skldar, como a Egils saga e a
Kormks saga, constituindo-se em recursos importantes na apresentao de
pensamentos dos personagens.
O enredo centraliza-se em um ou mais conflitos, normalmente causados por
alguma ofensa de honra a algum. medida que a parte procura sua compensao,
partidos e alianas vo sendo formados e o conflito inicial pode crescer e gerar outras
retaliaes e ofensas secundrias. Normalmente a saga termina quando as partes so
conciliadas.
Geograficamente, circunscrevem-se prpria Islndia e regies com as quais
seus habitantes mantm contato mais direto, como a Escandinvia propriamente dita,
Irlanda, as Ilhas Britnicas e do Atlntico Norte. Referncias Bjarmaland ou
Austrvegr so pontuais e raras, como os acontecimentos narrados na Egils saga sobre
Bjarmaland e Krland.
A natureza, o tom, o uso da linguagem as caractersticas formais desse

282
ANDERSSON, 2006.
283
MUNDAL, 35.
150

gnero so razes que colaboram para um uso mais recorrente e marcado de uma
terminologia, seno desprovida de componentes ideolgicos e imaginrios extra, ao
menos mais focada na linguagem cotidiana. Tambm importante a nfase de que esta
modalidade de escrita, largamente apreciada no apenas pelos seus receptores, mas
tambm pela crtica posterior, veio a ser considerada pela historiografia como uma fase
de ouro da escrita medieval islandesa, a chamada era dos Sturlungs (da qual faz parte
tambm Snorri).
Uma larga porcentagem de autores da posteridade e no apenas de vis
historicista consideraria a produo escrita posterior a tal era como decadente, e seus
antecessores enquanto passos preparatrios para a mesma. Retornaremos tal
discusso no captulo 5.
Esta forma de expresso lingustica similar ao encontrado em outras fontes;
de nosso interesse particular ser a obra de Snorri Sturlusson, no captulo 4, que
assimilaria em grande parte tal forma literria.

3.1.4 Os mappaemundi e as formas pictogrficas da representao geogrfica

A forma narrativa ser o principal veculo de transmisso de ideias em nosso


contexto de estudo, inclusive nos aspectos referentes representao geogrfica. H
uma segunda natureza de fontes que no pode ser subestimada ou deixada de lado, e que
acrescenta dimenses no esperadas compreenso da mentalidade geogrfica no
medievo da Escandinvia.
Aqui referimo-nos confeco de mapas e outras formas de representao
pictrica do conhecimento geogrfico que, como veremos muito em breve, so
exemplos de alta relevncia na compreenso da assimilao do conhecimento
geogrfico de outros mbitos culturais no contexto da Escandinvia e Islndia,
particularmente no sculo XIII.
Por tratarmos especificamente do norte, podemos reduzir o nmero de
manifestaes pictricas ao grupo especfico dos chamado Mappaemundi, que
consistem na forma principal encontrada nos manuscritos islandeses.
Possuem-se poucos Mappaemundi no contexto escandinavo medieval. As
informaes contidas nos mesmos concordam razoavelmente com as veiculadas na
produo escrita, e permitem pressupor certo consenso, ou ao menos uma uniformidade
do conhecimento geogrfico.
151

Antes, porm, de se analisar tais fontes, precisamos traar algumas


consideraes sobre as prprias tradies cartogrficas antigas e medievais, tendo-se em
mente que no plenamente possvel tecer derivaes simplistas e inequvocas das
influncias sofridas pelos Escandinavos no quesito conhecimento geogrfico, mas que
os mesmos sofreram as mais diversas influncias, que se somaram ao prprio
conhecimento acumulado pelos prprios, desde as eras pr-histricas.
Exmios navegadores e exploradores pragmticos por muitos sculos, mais do
que qualquer outro povo europeu os escandinavos incorporaram conhecimentos e
habilidades de navegao e orientao oriundos das mais diversas provenincias. s
descobertas e criaes propriamente nativas, escandinavas, devem ser adicionadas
influncias no apenas de tradies europeias, mas tambm do mundo rabe e
muulmano.

3.1.4.1 Um breve panorama das tradies cartogrficas

Mapas da autoria dos primeiros e mais influentes gegrafos gregos como


Anaximandro (ca. 610-546 a.C.), Hecateu de Mileto (ca. 550 476 a.C.), Posidnio
(150-130 a.C.) e Ptolomeu supostamente localizam a Europa, o norte, no quadrante
superior do mapa, a frica (Lbia) esquerda e sia direita. Entretanto, o acesso
que se tem a seus mapas dado atravs apenas de reconstrues feitas principalmente
aps o sculo XIX. O enquadramento do norte no quadrante superior em boa parte de
tais mapas , provavelmente uma das muitas adaptaes e alteraes efetuadas nos
mapas da Antiguidade que inseriram conhecimento, informaes, preconceitos e mesmo
ideologias dos tempos do historicismo e positivismo284.
A influncia de tais gegrafos, suas descries e metodologias milenar e pode
ser notada tanto no desenvolvimento da posterior cartografia ocidental quanto na
equivalente do mundo islmico. Entretanto, tal influncia se deu no apenas na forma de
representao meramente espacial. Antes da mera percepo e descrio emprica, o
dado idealizado, o conceito e a representao matemtica e geomtrica constituem-se
nos elementos de maior relevncia na tradio cartogrfica helnica285.

284
BRODERSEN, Kai. Cartography. In: DUECK, Daniela & BRODERSEN, Kai. Geography in
Classical Antiquity. Cambridge: at the University Press, 2012. p.101.
285
JONES, Alexander. Ptolomys Geography: Mapmaking and the Scientific Enterprise. In: TALBERT,
Richard J. Ancient Perspectives: Maps and Their Place in Mesopotamia, Egypt, Greece, and Rome.
Chicago: At the University Press, 2012. Pp. 114, 117.
152

De fato, o homem da antiguidade preferia textos, descries e tratados


idealizados286, em detrimento de mapas, o que, por si s, possui seu peso na prpria
elaborao de mapas nas obras de tais autores e um direcionamento especfico na
confeco dos mesmos.
Uma das vertentes mais ilustres a beber de tais tradies, em particular de
Ptolomeu e do prprio Aristteles287, a cartografia antiga e medieval islmica se
fundamentar basicamente no trabalho de trs gegrafos: Ab Zayd Ahmad ibn Sahl al-
Balkh (morto 322 a.H./ 934 a.D.), Ab al-Qsim Muhammad ibn Hawqal (479
a.H./1086 a.D.) e Ab Ishq Ibrhm ibn Muhammad al-Fris al-Iakhr (957 a.D.). A
maior parte dos trabalhos de outros gegrafos deriva ou influenciada de alguma forma
principalmente pelos trabalhos de Ibn Hawqal e Al Iakhr.
A obra de Al-Balkh, intitulada uwar al-aqlm foi ampliada posteriormente
por Al Iakhr que, por sua vez, passou pelo mesmo processo sob a pena de Ibn
Hawqal, o que tem levado ao desenvolvimento da ideia de uma escola de gegrafos de
Balkh288.
Os mapas de al-Iakhr e Ibn Hawqal so bastante similares entre si, tendo que
provavelmente o segundo evidentemente sido bastante influenciado pelo primeiro. Os
demais mapas, incluindo aqui o bastante conhecido e influente mapa circular de al-Idrs
(1099-1165/66 a.D.), derivam grandemente da obra desses dois autores.
De fato, o mapa conhecido como da autoria de al-Idrs provavelmente foi uma
insero em sua obra, O livro das curiosidades, escrito por volta de 1020 a 1050 a.D.,
e extensamente copiado por ocasio de 1150, quando Roger II, da Siclia, efetuou um
compndio geogrfico.

286
BRODERSEN, 109s.
287
RAPOPORT, Yossef & SAVAGE-SMITH, Emilie. The Book of Curiosities and a Unique Map of the
World. In: TALBERT, Richard & UNGER, Richard (eds.) Cartography in Antiquity and the Middle
Ages: Fresh Perspectives, New Methods. Bril: Leiden, Netherlands, 2008 P.122.
288
TIBBETS, Gerald R. The Balkh School of Geographers. P. 108. In: HARLEY & WOODWARD
(eds.). The History of Cartography. Vol. II, Book I: Cartography in the Traditional Islamic and South
Asian Societies. Chicago: at the University Press, 1987.; STOCK, Gnter & NEUWIRTH, Angelika.
Europa im Nahen Osten Der Nahe Osten in Europa. Akademie Verlag GmbH: 2010. P.144.
153

Figura 11: Mappamundi de Al Iakhr (977 a.D.). Oxford, Bodleian Library. MS Ouseley 373 fols 3b-
4a.

Em todos esses mapas, o norte fica direcionado para o canto inferior direito,
sendo que no topo da pgina encontra-se o sudoeste. H outras caractersticas que os
diferenciam grandemente das tradies europeias; poderamos citar, por exemplo, o
centro do mundo que, ao invs de Jerusalm, encontra-se na Caaba289, bem como as
vertentes de mapas zonais que continham sete zonas climticas (as kishvarr),
explicitadas em meio de crculos pelo mapa no mapa de Al Iakhr, destacadas em
crculos vermelhos: a primeira, na India, a segunda na Arbia e Abissnia; terceira em
Egito e Sria, quarta no Ir, quinta na sia Menor e terras dos a-aqliba, sexta na
terra dos Turcos e de Gog e Magogue, e culminando com a stima, na China290.

289
BORGOLTE, Michael. Christliche und muslimische Reprsentationen der Welt. Ein Versuch in
transdisziplinrer Medivistik. Berlin-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften, Berichte und
Abhandlungen, Bd. 14.) Berlin, 2008. Pp.104s.
290
BORGOLTE, 100.
154

Figura 12: O Mappamundi circular de al-Idrs. (1099-1165/66 a.D.). Obtido em: IBN FADLAN. STONE
& LUNDE (trad.). Ibn Fadln and the Land of Darkness: Arab Travellers in the Far North. Penguin
Books, 2012.
155

3.1.4.2 Os Mappaemundi291

Os Mappaemundi formam um conjunto de mapas caractersticos do medievo


ocidental. Basearam-se nos mapas da Antiguidade, adaptando-os para a Cristandade
medieval. Antes de buscarem trazer dimenses, distncias e coordenadas especficos,
retratavam eventos significativos da Histria Crist. Seu propsito primrio, portanto,
era a instruo dos fiis, e este mesmo sentido pode ser encontrado nos mapas da
Antiguidade como, por exemplo, o mapa de Eumenius, datado de A.D. 297.
Um Mappaemundi no consiste necessariamente em uma depico grfica do
mundo; o termo pode ser empregado, por exemplo, significando uma descrio verbal
ou algum sentido metafrico.
Os mapas medievais possuiro tambm uma funo histrica e narrativa,
podendo ser vistos como anlogos s narrativas medievais que retratam eventos
separados no tempo mas dispostos na mesma cena.
Os mapas enquanto ferramenta, com a funo especfica de auxlio a navegao,
e decorrentes necessidades de preciso, sero desenvolvidos a partir do sculo XIII por
italianos e sicilianos. Recebero o nome de Portulanos.
Destarte, possvel elencar, a nvel de tcnica de composio, trs mtodos de
compilar a informao cartogrfica, coexistentes na Baixa Idade Mdia:
- Os empregados nos j citados portulanos: enquanto primeiras cartas nuticas, eram
construdas baseadas nos contornos do Mediterrneo e limitadas pelas prprias formas
do suporte (velum, etc);
- Os mappaemundi parecem ter sido baseados no conceito de que haveria uma
quantidade limitada de informao a ser inserida em uma rea circunscrita e definida,
seja oval, retangular ou redonda. Esta rea por vezes seccionada ou dividida em
sees esquemticas;

291
As informaes de cunho genrico para esta seo foram obtidas basicamente nas duas maiores obras
de referncia na temtica: a) WOODWARD, David. Medieval Mappaemundi. In: HARLEY, J.B. &
WOODWARD, David (eds.). The History of Cartography. Volume I: Cartography in Prehistoric,
Ancient, and Medieval Europe and Mediterranean. Chicago: at the University Press, 1987. & b) EDSON,
Evelyn. Maps in Context: Isidore, Orosius, and the Medieval Image of the World. In: TALBERT, Richard
& UNGER, Richard (eds.) Cartography in Antiquity and the Middle Ages: Fresh Perspectives, New
Methods. Bril: Leiden, Netherlands, 2008. pp. 219-236. Conquanto o ltimo trabalho esteja mais
atualizado e insira questes importantes discusso como, por exemplo, o prprio questionamento sobre
a validade de classificaes dos Mappaemundi segundo critrios contemporneos, o valor da obra de
Woodward perdura, consistindo o mesmo na base para o segundo. Informaes pontuais sero citadas a
parte.
156

- Um terceiro mtodo define uma rede regular de paralelos e meridianos, nos quais a
informao geogrfica seria inserida.

3.1.4.3 O desenvolvimento e histrico dos mappaemundi

Cronologicamente, possvel diferenciar trs principais perodos de tradio dos


Mappaemundi.
De Lactncio (ca.240-320) a Gregrio, o Grande (ca. 540-604), o perodo tardo-
antigo greco-romano e patrstico (ca.400 ca. 600) consistir no perodo de gestao
das principais tradies cartogrficas medievais.
Durante a Renascena carolngia (VIII-XII) ocorrer produo acelerada de
livros e manuscritos nos monastrios e consequente proliferao, bem como
aperfeioamento tcnico, dos mapas. Ser um perodo chamado por alguns autores
como the gold Age of Church cartography292.
Entre os sculos XII a XIII haver uma chamada de Renascena do sculo
XII293, quando s presentes tradies adiciona-se um influxo de conhecimento rabe e
dos clssicos gregos.
Como acabamos de afirmar, as trs tradies fundamentais, que influenciaram
toda a produo de mapas no medievo e continuaram a coexistir no restante da Idade
Mdia at o Renascimento surgiram no primeiro perodo, da Antiguidade Tardia. So as
tradies advindas de Macrobio, Orosio e Isidoro.
Na confeco dessas tradies cartogrficas ocorreu uma complexa interao de
diversas correntes de pensamento. Em particular, duas vertentes de escritos geogrficos
confluiro e influenciaro a produo de mapas no medievo: o pensamento clssico
greco-romano (Macrbio, Martianus Capella, baseados em Plnio e Pomponius Mella e
nas tradies de Pitgoras a Posidnio) e o pensamento da Igreja (reaes mistas ao
saber pago e cientfico; S. Damio no via utilidade na Cincia, mas S. Jerome 340-
420 parece ter compilado mapas da Palestina e Asia).
Conquanto haja um consenso internacional na classificao dos Mapas
medievais como um todo, definido em 1949 segundo proposio de Marcel Destombes
no XVI Congresso Internacional Geogrfico em Lisboa, os critrios de classificao

292
Apud BAGROW, History of Cartography, 42, note 55. In: WOODWARD, p. 299.
293
Apud HASKINS, Renaissance of the Twelfth Century, note 50. In: WOODWARD, p. 299.
157

especificamente relativos aos Mappaemundi variam. Simar294 (1912), Andrews295


(1926), Uhden296 (1931), Destombes297 (1964), Arentzen298 (1984), Woodward299
(1987) e Dalch (1993)300 propuseram parmetros diversos. Dalch criticaria os
sistemas de Destombes e Andrews, mas no o de Woodward, por lidar com mapas
anteriores aos estudados pelo ltimo301.
Tendo em vista os desenvolvimentos histricos descritos acima, empregamos a
classificao de Woodward, que se baseia tanto no mesmo quanto nas classificaes de
autores anteriores. De fato, a despeito da publicao em 2008 da obra monumental
Cartography in Antiquity and the Middle Ages, editada por Richard Talbert e Richard
Unger302, o trabalho de Woodward permanece referncia, inclusive para o supracitado
trabalho.
Seu sistema prope a diferenciao dos mappaemundi enquanto zonais,
esquemticos - tambm chamados de tripartites, o que inclui os difundidos mapas T-O -,
quadripartites e transicionais303, e no a nica forma passvel de ser encontrada. No
entanto, parece-nos a mais abrangente e adequada aos nossos prprios propsitos de
classificao das fontes da Escandinvia.

294
SIMAR, Theophile. La geographie de l'Afrique Centrale dans l'antiquite et~au Moyen-Age. In: Revue
Congolaise 3 (1912-13). pp. 1-23, 81-102,145-69,225-52,289-310,440-41.
295
ANDREWS, Michael Corbet. The Study and Classification of Medieval Mappae Mundi. In:
Archaeologia 75 (1925-26). pp. 61-76.
296
UHDEN, Richard. Zur Herkunft und Systematik der mittelalterlichen Weltkarten. In: Geographische
Zeitschrift 37 (1931), pp. 321-40.
297
DESTOMBES, Marcel (ed.) Mappemondes A.D. 1200-1500: Catalogue prepare par la Commission
des Cartes Anciennes der Union Geographique Internationale. Amsterdam: N. Israel, 1964.
298
ARENTZEN, Jorg-Geerd. Imago Mundi Cartographica: Studien zurBildlichkeit mittelalterlicher
Welt- und Okumenekarten unter besondererBerucksichtigung des Zusammenwirkens von Text und Bild.
Miinstersche Mittelalter-Schriften 53, Munich: Wilhelm Fink, 1984.
299
WOODWARD, David. Medieval Mappaemundi. In: HARLEY, J.B. & WOODWARD, David (eds.).
The History of Cartography. Volume I: Cartography in Prehistoric, Ancient, and Medieval Europe and
Mediterranean. Chicago: at the University Press, 1987. Pp. 286-299.
300
DALCH, Patrick Gautier. De la glose la contemplation: Place et fonction de la carte dans les
manuscrits du Haut Moyen ge. In: Testo e Immagine nell Alto Medioevo, Settimane di Studio del
Centro Italiano di Studi sullAlto Medioevo. Spoleto: Presso la Sede del Centro, 1994. XLI, pp. 700-704.
301
Idem, ibid.
302
TALBERT, Richard & UNGER, Richard (eds.) Cartography in Antiquity and the Middle Ages: Fresh
Perspectives, New Methods. Bril: Leiden, Netherlands, 2008.
303
WOODWARD, 1987: 295.
158

3.1.4.4 A tradio de Macrbio (ca. 395-436): os mapas zonais

O Mappamundi de Macrbio ser conhecido por seu nome ou como zonal.


Deriva de seu comentrio ao Sonho de Scipio, de Cicero (51 a.C.), que trabalha
conceitos e informaes de Posidnio (ca. 135 51/50 a.C.), Crates de Mallos (ca. 168
a.C.) e Erasttenes (ca. 275-194 a.c., empregando conceitos de Pitgoras.
Resumidamente, um mapa que divide o globo em zonas climticas, habitadas
ou no, por meio de latitudes. Esse mapa ir empregar o conceito grego de um
continente antpoda, localizado no hemisfrio sul, em sua zona temperada.
Cada um dos continentes inclui-se aqui Eurasia e frica enquanto um macro-
continente, sendo o antpoda o outro possuiria respectivamente, no sentido do plo
para a linha equatorial, uma zona inabitada fria, uma zona temperada e uma zona
inabitada quente. Nessa ltima zona ambos os hemisfrios encontrar-se-iam, sendo
banhadas por um oceano intermedirio.
Martianus Capella (fl 410-39) popularizaria esse tipo de mapa em seu
Casamento de Filologia e Mercrio.

Figura 13: Mappamundi de Macrobius Cpia de Johannes Eschuidus, In: Summa Anglicana,
1489. Paris, Badius, 1519. Reimpresso da edio de 1515. James Ford Bell Library, Tamanho
original: 14 x 14 cm.
159

3.1.4.5 Paulo Orsio (ca.383- post 417)

A obra de Orsio difere de Macrbio e Martianus por ser diretamente dirigida


contra os pagos. Seu texto no contm nenhum mapa, nem o menciona; as opinies
acadmicas dividem-se e h argumentos favorveis tanto no sentido de que, ao escrever
sua obra, Orosio teria em uso algum Mappamundi quanto no sentido contrrio.
clara a influncia que a obra de Aggripa teve no trabalho de Paulo Orsio.
Entretanto, a despeito de reconstrues do suposto mapa de Aggripa, a prpria natureza
pictrica de seu trabalho permanece em disputa304.
No obstante seu emprego ou no de alguma representao pictrica do mundo,
o fato inconteste a influncia que sua obra teve nas obras posteriores a referirem-se a
Geografia e histria, e na prpria confeco de mapas pelo medievo. Supostamente
foram influenciados por seu trabalho mapas famosos como o Anglo-Saxo Cotton
(sculo X), e o Mappamundi de Hereford (sculo XIII).
Na ausncia de um mapa de sua prpria lavra, toda argumentao de influncia
em outro mapa permanece em aberto.

3.1.4.6 Isidoro (ca. 560-636)305

A tradio de mapas inaugurada por Isidoro de Sevilha principalmente em suas


Etymologiae e em De natura rerum ser indubitavelmente a mais longeva e influente
por todo o medievo; em um levantamento de Destombes, mais de 660 exemplos de
mapas derivados de sua tradio foram encontrados por todo o medievo306.
No se possui um exemplar de mapa original de sua prpria lavra, mas
perfeitamente possvel compreender-se o formato do mesmo pela tradio derivada.
So os chamados mapas T-O, que dividem a terra em trs partes, com Jerusalm no
centro do mundo.
O T, no caso, formado pelas massas aquticas do mar Mediterrneo na rea
superior, o rio Nilo direita e o rio Don (Tanais, em grego) esquerda. O O a
esfera circundante dos oceanos, na qual o T est enquadrado.

304
MERRILIS, A.H. History and Geography in Late Antiquity. Cambridge, 2005. P.72.
305
Uma profuso de mapas isidorianos, com respectivas referncias, pode ser obtida no site:
<http://cartographic-images.net/Cartographic_Images/205_Isidore_of_Seville_T-O.html> ltimo acesso
em 23/10/2014.
306
WOODWARD, 301.
160

Nesta modalidade de mapa a sia colocada na parte superior, com a Europa


esquerda e a frica direita. Tal circunstncia explicada por vrias razes como, por
exemplo, a localizao do Paraso na sia, bem como a zona supostamente mais
propcia climaticamente habitao humana.
Essa diviso reflete a prpria diviso bblica descrita no captulo 10 do livro do
Gnesis e retomada por Isidoro, dos filhos de No: Shem, Kham e Jaffet. Isidoro
disporia os descendentes de Shem na sia, os de Jaffet na Europa e os de Kham, na
frica307.

Figura 14: Mapa isidoriano em T-O. In: De Natura Rerum. Florena, Biblioteca Medicaea-Laurenziana,
Plut.29.39, f.19v. Sculo XIII. Obtido em: EDSON, 2008: 225.

307
EDSON, Evelyn. Maps in Context: Isidore, Orosius, and the Medieval Image of the World. In:
TALBERT, Richard & UNGER, Richard (eds.) Cartography in Antiquity and the Middle Ages: Fresh
Perspectives, New Methods. Bril: Leiden, Netherlands, 2008. p. 226.
161

3.1.4.7 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca. 700-1100): o surgimento dos mapas


Beatos

Outra importante tradio cartogrfica a classificada por Woodward como


quadripartite, mas referida comumente como os mapas Beatos308. Tal modalidade
pode ser compreendida como uma derivao dos mapas T-O isidorianos, ou como uma
mistura dos mesmos com os zonais macrobianos.
Conteriam os 3 continentes, mais um antpoda alm mar, normalmente no
hemisfrio sul; seu formato era retangular, e possvel discernir uma marcada
influncia esttica e grfica morabe. So mapas chamados de evangelsticos,
mostrando os apstolos nos cantos da Terra309.
Tal tradio foi desenvolvida por Beatus de Libana ca. 730-800, que viveu na
regio da atual Cantabria, ento reino das Astrias, em seu Comentrio do Apocalipse
escrito por volta de 776.
No se possui uma cpia de seu suposto mapa original, mas o nmero de cpias
e desenvolvimentos do mesmo tambm permitem pressupor com preciso sua forma e
definem um grupo e tradio bem claros.
Uma das cpias mais difundidas e conhecidas dessa modalidade de mapas
encontrada na cpia do monastrio de Saint Sever. Escrito no sculo XI,
aproximadamente nas proximidades de 1040, visto que Gregori de Montaner, abade que
encomendou a obra, o foi entre 1028 a 1072.

308
RICOBOM. Introduo ao histrico da Cartografia e das concepes da forma da Terra. V.2.
Departamento de Geografia, UFPR: Curitiba, 2008. Pp.03-14.
309
WOODWARD, 304s.
162

Figura 15: Mapa do Mundo, de Beatus de Saint Sever. O mapa uma cpia do sculo XI feita na abadia
franca de Saint Sever, da obra original (o comentrio do Apocalipse) de Beato de libana, monge das Astrias
do sculo VIII.
Imagem de Patrimonio Editiones.Colagem nossa. Dados do manuscrito orginal: Bibliothque Nationale de
France. Ms. Lat.8878. Sculo 11, Ca. 1038.310

Tal classificao uma simplificao de um quadro mais complexo,


multifacetado e frequentemente marcado por tradies locais e especficas, mas resume
suficientemente as linhas gerais necessrias nossas anlises subsequentes.

310
http://patrimonio-ediciones.com/en/facsimil/the-saint-sever-beatus ltimo acesso em 26/07/2014.
163

3.1.5 A cartografia na Scandia e Islandia medievais

Feito tal apanhado geral cartogrfico, hora de voltarmos ao contexto especfico


da Escandinvia.
possvel se afirmar a existncia de uma tradio de pensamento e depico
geogrficos que datam desde os tempos pr-histricos entre os povos escandinavos e
seus ancestrais. Suas formas, entretanto, diferem grandemente do que se compreende
posteriormente por Cartografia, bem como seus objetivos.
Gudmund Schtte argumentaria em 1920, em artigo publicado na Scottish
Geographical Magazine, ter encontrado representaes de constelaes em
representaes pr-histricas na Dinamarca, mais especificamente nas estelas de
Venslev e Dalby311, mas h dificuldades em tal interpretao, principalmente porque as
supostas marcas nas pedras e nas constelaes no coincidem entre si to perfeitamente
quanto o autor argumenta312.
Um artigo igual, em francs, foi publicado no ano seguinte na La Nature, na
Frana, por certo Schnfeld313, mas Schtte provavelmente foi o autor original, no
apenas pela data anterior, mas tambm pela existncia de diversas outras publicaes de
sua lavra sobre a temtica cartogrfica, em particular sobre mapas de Ptolomeu314.
No obstante a dvida que repousa em tais modalidades de inscries, possvel
se encontrar representaes referentes prpria cosmologia, como um exemplo da
rvore da Vida (no perodo viking e medieval chamada de Yggsdrasil) encontradas
em Lkeberg315, e representaes cosmolgicas em vrios nveis, encontradas no
primeiro milnio A.D. principalmente em estelas pictricas da ilha de Gotland316.
Quanto ao perodo medieval, a Escandinvia apresenta uma notvel escassez de
mapas em meio a uma considervel quantidade de manuscritos: de aproximadamente

311
SCHTTE, Gudmund. Primaeval Astronomy in Scandinavia. In: Scottish Geographical Magazine,
n.04 (1920): 244-254.
312
SMITH, Catherine Delano. Cartography in Prehistoric Europe and the Mediterranean. In: HARLEY,
J.B. & WOODWARD, David (eds.). The History of Cartography. Volume I: Cartography in Prehistoric,
Ancient, and Medieval Europe and Mediterranean. Chicago: at the University Press, 1987. Pp.82s
313
A referncia completa: SCHNFELD, M. Lastronomie prhistorique em Scandinavie. La Nature,
no2444, 81-83. 05/02/1921
314
Destacam-se Ptolemys maps of northern Europe: a reconstruction of the prototypes, publicado pela
Royal Danish Geographical Society em 1917, e os posteriores A ptolemaic riddle solved, de 1952, e
Ptolemys maps and life, do mesmo ano.
315
SMITH, 87.
316
Idem, 91.
164

8000 manuscritos islandeses, apenas trs incluem mapas cinco mapas ao todo, mais
um mapa do sculo XII originrio provavelmente de Lund. Desses mapas, conhecem-se
quatro cpias posteriores317.
O pequeno nmero de mapas no indica um desconhecimento ou falta de
interesse geogrfico. O nmero de textos em prosa significantemente maior:
aproximadamente quatro cosmografias das quais vinte e cinco cpias foram
encontradas, diversos itinerrios, mas o mais importante, muita informao e referncia
geogrfica dispersa em toda a produo escrita, seja nas sagas, obras de cunho histrico
e de entretenimento318.
Os navegadores do norte e do Bltico no adquiriram o hbito de usar mapas na
navegao at muito tempo depois dos seus equivalentes mediterrneos no sculo
XVI, quando o uso de Portulanos j era prtica corrente no sul, tal costume ainda era
desprezado pelos mais antigos setentrionais319.
Os cartgrafos e navegadores mediterrneos, por sua vez, pragmticos, tinham
por hbito enfatizar e retratar as regies nas quais tinham contato frequente ou interesse
comercial. destarte, poucos Portulanos retratavam o Bltico e a Escandinvia at os
sculos XIV e XV, sendo que um nmero ainda menor com razovel fidelidade320.
mister ter-se em conta o contexto de tais sculos, que inclui o domnio
econmico da Liga Hansetica entre os sculos XIII-XVI, conflitos pela hegemonia
poltica entre os reinos escandinavos e as cidades germnicas (que, dentre outras
consequncias, colaborar no estabelecimento da Unio de Kalmar em 1397) e os
prprios efeitos da peste negra321 todos colaboradores no sentido de que o norte
europeu e a regio bltica manteriam posio perifrica em relao Europa do
Mediterrneo322.
Quanto prpria retratao da Islndia e das ilhas do Atlntico, a mesma
circunstncia se repete. H discusso sobre qual a primeira retratao cartogrfica da

317
SIMEK, Rudolf. Altnordische Kosmographie: Studien und Quellen zu Weltbild und Weltbeschreibung
in Norwegen und Island vom 12. bis zum 14. Jahrhundert. Berlin: Walter de Gruyter & Co, 1990. P. 60
318
SIMEK, Rudolf. Scandinavian World Maps. In: FRIEDMAN, John Block & FIGG, Kristen Mogg
(eds.). Trade, Travel and Exploration in the Middle Ages: An Encyclopedia. Rotledge, 2000.Pp. 537s.
319
CAMPBELL, Tony. Portolan Charts from the Late Thirteenth Century to 1500. In: HARLEY, J.B. &
WOODWARD, David (eds.). The History of Cartography. Volume I: Cartography in Prehistoric,
Ancient, and Medieval Europe and Mediterranean. Chicago: at the University Press, 1987. p.409.
320
CAMPBELL, 415.
321
MORTENSEN, Lars Boje & BISGAARD, Lars. Medieval Urban Civilization and its North European
Variant. In: BISGAARD, Lars, MORTENSEN, Lars Boje & PETTITT, Tom (eds.). Guilds, Towns, and
Cultural Transmission in the North, 1300-1500. Odense: University Press of Southern Denmark, 2013. P.
09.
322
MORTENSEN & BISGAARD. 08.
165

mesma em Portulanos, sendo as opinies mais correntes a carta de Bertran em 1482


(segundo Winter) ou a ligeiramente mais antiga, de Bartolomeu de Pareto, em 1455.
H um mapa retratando a Vinland, mas tal controverso e no h consenso
sobre sua datao. At o sculo XVII todos os outros mappaemundi escandinavos, bem
como os relatos e escritos em prosa, veiculam a ideia de que a Groenlndia fora um
continente, ligado a leste com a Sibria e a oeste com a Vinland.
O mapa da Vinland, no entanto, mostra-a como uma ilha, concepo bastante
recente. No h nenhum padro T-O, o norte fica na parte superior enfim, o mapa
muito provavelmente de autoria mais recente (ver Figura 16).

Figura 16: O mapa da Vinland.


Obtido em GRAHAM-CAMPBELL, James. Os Viquingues: origens da Cultura Escandinava. Vol. II.
Madrid: Edies de Prado, 1997. P.177.

O mapa mais antigo medieval propriamente escandinavo originrio de Lund,


mas atualmente est depositado em Berlin, aonde consta como Berlin MS.theol.Lat.149,
fol.27r.323
T-O, segundo a tradio salustiana, porm sem iconografia alguma. Escrito por
uma mo germnica, traz poucos nomes na Europa: apenas Roma, Bari, Achaia,
Constantinopole, Grecia, Cologne, England, Dacia e Suithia324. Indica de seu autor um

323
Informaes, mas sem a foto disponibilizada, em <http://www.manuscripta-mediaevalia.de/#|5>
324
SIMEK, 2000: 538.
166

conhecimento ou formao clssicos, e conexes entre Lund, Cologne e England, por


outro lado.
Trs dos cinco mappaemundi islandeses so zonais, climticos ou macrobianos:
dividem a regio setentrional e habitvel da Terra em trs continentes (Asia, Europa e
frica). Encontram-se depositados na Arnemagnean Collection, no manuscrito AM 736
I 4to 1v (incio do XIV). H uma cpia efetuada no sculo XVIII na Copenhagen
Kongelige Bibliotek, sob o registro Ny Kongelige Samling Nks 359, 4to, p.15, bem
como uma registrada como AM 732b, 4to, 3r, do incio do sculo XIV.
O manuscrito Gks 1812, 4to325 contm trs mapas.
O primeiro, no flio 11v, consiste em um pequeno mapa do sculo XIII,
registrado como Gamle Kongelige Samling MS Gks 1812, 4to, 11v. Depositado na
Copenhagen Kongelige Bibliotek e copiado no sculo XVII para o AM 252, fol. 59v.,
no mostra a diviso zonal. Esse mapa uma cpia de alguns mapas similares no
tratado cosmogrfico De filosofia mundi, escrito c.1130 por William de Conches. O
texto foi adaptado dele, e nele est incorretamente atribudo em alguns manuscritos a
Beda.
O mesmo manuscrito contm dois mapas T-O. O primeiro, copiado em AM 252,
fol, 58r, extremamente simples. Contm a diviso dos trs continentes com seus
nomes apenas, consistindo no centro de um diagrama maior que contm direes
cardinais, ventos, estaes, idades do homem, meses do ano e signos do zodaco
respectivos.
O outro exemplar de maior interesse aos nossos propsitos. Est copiado no
AM 252, fol, 62r. Em pgina dupla (5v-6r), contm mais de 100 nomes, cerca de 70 dos
quais so nomes de pases, quase todos em latim. Esse mapa mostra similaridade com
algumas das cosmografias e listas citadas anteriormente, mas no h uma ligao clara
de autoria entre eles.
Carl Christian Rafn datou-o por volta do ano 1150326; Kristian Klund, de ca.
1250327.

325
Descrio e informaes do manuscrito em <http://handrit.is/is/manuscript/view/GKS04-1812>.
ltimo acesso em 21/10/2014.
326
RAFN, Carl Christian (ed). Antiquits Russes d'aprs les monuments historique des anciens et des
Islandais Scandinaves. Copenhague, 1850-1852, vol. 1.
327
KLUND, Kristian (ed). Landalsingar m.fl.. In: Alfri slenzk 3. Copenhague: Mller, 1917s.
167

Figura 17: O Mappamundi islands do Gks 1812, 4to, 5v-6r.


Obtido em PRITSAK, Omeljan. The Origin of Rus.

A estruturao deste Mappamundi bastante simples. O esquema T-O


apresenta-se meramente como o parmetro geral de organizao, divindindo os
continentes em trs reas separadas pelo Mediterrneo, Egito e Don (Tanakvisl), no
havendo nenhuma tentativa de representao das localidades via um sistema de
coordenadas matemtico-geogrficas, tampouco alguma tentativa de depico grfica
dos locais. As localidades esto representadas apenas por seus nomes, inclusive os rios e
mares.
Os quatro cantos possuem as direes cardinais em antigo nrdico e latim:
austr/oriens, sur/meridies, occidens/vestr e norr/septentrio. A disposio geral do
mapa, com o sul para o alto, apresenta semelhana mais com as tradies cartogrficas
rabes do que propriamente com as do medievo ocidental, que normalmente apresentam
a sia no canto superior; aparentemente, temos um modelo T-O ocidental inserido em
uma estrutura ao menos influenciada pela cartografia islmica.
168

Entretanto, de se destacar que, nos pontos de interceco entre os dois folios,


tanto no canto superior quanto inferior, existem duas sees separadas, espcie de
tabelas, contendo informaes pouco usuais em mapas T-O:

a) Interseco entre sia e frica:


Sur
Meridies
(euro)? (dies)?
Estas calida.
Iuuenta calor (spiritus)

b) Interseco entre sia e Europa (logo abaixo de Biarmar habitavit hic.):


(Norr)?
Septentrio
Circius qui et troacias
Hiemps frigida
De crepita frigus corporis

A mesma circunstncia d-se nos outros pontos cardinais; na rea a leste, na


sia, encontram-se as seguintes inscries:

Septemtrio Aquilo qui et boreas; Vvlturnus qui et calcias. Sub solanus. qui et afeliotes. Eurus
Ver tepidu(m)
Infancia tepor sangvinis.
Asia

Enquanto que, no oposto, ao ocidente, pode-se ler o seguinte:

Auster qui et nothus. Euro nothus Affricus qui et libs. Zephirus. qui et fauonius. Corus qui et ariestes.
Autumnus humidus
Senecta humor aqua

Tal espcie de informao, em particular a de natureza climtica (ie. Autumnus


humidus, outono mido), muito mais comum nos mapas zonais, demonstrando
uma influncia dos mesmos, acentuada pela diviso circular, em particular na sia.
Todo esse esquema est inserido em uma srie de crculos concntricos. As
informaes e nomes contidos no crculo central so as localidades geogrficas; a
metade do mapa contendo a regio da sia, mais detalhada, possui ainda dois outros
nveis, nos quais regies mais amplas so descritas. Por exemplo, o nvel mais central
contm localidades como Calldea e Babilon (nome que se repete em outra rea); o
169

nvel superior contm Mesopotamia, e o nvel ainda superior a ele locais como
Parthia, Media, o que apresenta uma espcie de organizao em provncias e
localidades internas a estas em espcies de grupos contendo subgrupos, mas acaba por
no se apresentar de forma to precisa.
Nas regies da frica e Europa todos os nomes de localidades esto inseridos no
crculo central. Nos nveis superiores esto as indicaes de continente (AfRica e
EuRopa)
O flio 5v totalmente preenchido pela sia. Nessa seo, podem ser lidas
algumas breves descries e explicaes latinas acerca do clima, j citadas h pouco, e
os seguintes nomes:

Monstras328, India, Massagete, Caspies, Colci, Seres, Bactria, Hircania,


Armenia, Parthia, Media, Persidia, Carmania, Caria, Frigia, Troia, Pamphilia, Hiberia,
Tigris fluuius, Mesopotamiam, Charra ciuitas Abrahe, Asia minor, Isauria,
Cilicia ciuitas Thar(s)us, Cappadocia, Commagena, Palestina, Cesarea, Sidon, Tyrus,
Assiria, Calldea, Babilon, Evfrates, Arabia ibi est mons Syna id est, Horeb,
Ptholomais, Philistea, Libanus mons, Madianite, Iudea, Hebron ibi sepulltus est
Adam primus, Galathia, Nazareth, Hierusalem, Galilea, Hiericho, Egiptus, Babilon,
Syria, Ascalia, Iopen, Alexandria, Tanakvisl fluuius maximus, Nilus flumen Egipti.

H uma grande riqueza de tradio bblica e clssica. Os nomes listados incluem


no apenas cidades e pases, como Jerusalm, Babilnia e Tria, mas tambm elementos
topogrficos e hidrogrficos: Libanus mons Montes Lbanos, localizados ao norte da
Judia, Tanakvisl fluuius maximus o Don, incluindo aqui o nico nome em antigo
nrdico329 em tal seo do mapa.
Os comentrios, inclusive, permitem-nos ter vislumbres e suposies sobre a
natureza das discusses relativas ao conhecimento bblico e clssico dos eruditos
islandeses: a especificao de Cilicia ciuitas Thar(s)us nos demonstra a preocupao
do(s) autor(es) do mapa em especificar qual Tarss est em questo, a Trsis-Tarso,
local de nascimento do apstolo Paulo, prxima regio da Cilicia, ou a Trsis-
Tartessos dos fencios, localizada no estrito de Gibraltar, para onde supostamente
rumava o profeta Jonas.

328
Segundo Rafn nas Antiquits Russes, vol. II, p.392, Monstrosa.
329
O rio Don Tanais para os autores gregos, Tanakvisl para os escandinavos.
170

O nome Babilon encontrado duas vezes no mapa. Em uma delas, est na


regio na qual se espera encontr-lo, numa lista que inclui Assiria, Calldea, Babilon e
Evfrates. Na outra apario, no entanto, est colocado ao lado de Egiptus, abaixo de
Hierusalem e acima de Nilus flumen Egipti. Poderamos nos perguntar se porventura,
antes de um erro, no se trata de uma interpretao teolgica envolvendo o simbolismo
de Babilnia como cidade da perdio e mal, conectando o ao Egito, lugar do cativeiro
de Israel.
Quanto ao folio 6r, preenchido na parte superior pela frica e na inferior, pela
Europa. Enquanto a rea da sia, j referida, apresenta-se bastante completa com nomes
de locais retirados das tradies clssica e bblica, o mapa no to preciso nos
continentes restantes. Na Europa a nomenclatura razoavelmente precisa, refletindo
bem a diviso geogrfica dos sculos XII e XIII, mas trazendo pouco detalhe sobre a
regio Bltica e do prprio norte da Europa; o prprio Mar Bltico no citado. Quanto
ao texto na frica traz poucas localidades e preciso; os poucos nomes, com um nmero
relativamente grande de acontecimentos, derivam tambm da tradio clssica.
Segue a seguir uma transcrio do folio 6r, que contm os continentes da frica
e Europa. Encontra-se em itlico os nomes cuja direo da escrita foi alterada ou
rotacionada para possibilitar a leitura em nosso meio de transmisso. As propores e
distncias, entretanto, foram mantidas com preciso, inclusive a diviso das palavras em
linhas:
171

Occidens vestr
Auster qui et nothus. Euro nothus Affricus qui et libs. Zephirus. qui et fauonius. Corus qui et ariestes.
Autumnus humidus
Senecta humor aqua
AfRica EuRopa
Hic s(unt) Normannia Tile Island
solitu- E Brittannia
dines thi Vasconia
o Galicia
inacces pia Hispania
sibiles
(et) arene
usque, huc
Libia prouincia Garamannia Ibernia
Mediterranum Mare

Affrice que est Getulia ibi in- Anglia Scocia Norvegie Bia(r)ma(r)
circa Cirenen fantes ludunt Parmo Gautland habitavit hic.
montes330
serpentib(us) Sviio
Gallia Frisia
Gaulo insula ibi Danmorc Rvsia
Fra(n)cia] Saxonia
nec serpens nasci-
Germania
tur nec uiuit
La(n)gobardia
Numidia
Roma
Mauritanie.III. Kio
Italia
Pentapolis rgio Eronei331
Apulia
ibi sunt v urbes
Constantinopolis
Trogita prouincia Sparta
Tracia
ibi in uenitur carbu(n)- Scithia
Grecia
culus igneus (et) al- frigida
ter exacontalit(us).LX.
colorib(us) micans Misia
Bizancena fruc-
tissima terra

H poucas regies que se referem ao mundo escandinavo. No mundo atlntico,


em reas distintas encontramos Tile/Island (Islndia), Ibernia (Hibernia - Irlanda),
Anglia, Scotia (Inglaterra e Esccia). Na Escandinvia propriamente dita temos um

330
Para Klund, o correto seria Pireneus. In: Landalsingar m.fl.. In: Alfri slenzk 3. Copenhague:
Mller, 1917s.
331
Nmades.
172

agrupamento de Norvegie (Noruega), Gautland (a regio meridional da Sucia,


Gotaland), Sviio (nome para a Sucia dos Svear, a norte de Gotaland) com Rvsia
(Rus), enquanto que a Dinamarca (Danmorc) est listada entre Frisia e Saxonia.
A Biarmaland encontra-se separada, com uma pequena descrio: Bia(r)ma(r)
habitavit hic.
No mbito da Rssia, temos poucos nomes: Eronei, significando nmades,
Kio, para Kiev e, prximo a uma Sparta, temos Scithia frigida, a Ctia fria. A prpria
Constantinopla est agrupada com cidades do Mediterrneo, e no associada ao mundo
de Rus.
Esta disposio de localidades, forma de organiz-la, incluses e omisses
permitem-nos traar algumas concluses sobre as pessoas envolvidas na produo do
mapa, e mesmo em relao a sua datao.
Em primeiro lugar, o mapa evidentemente um instrumento de instruo, de
materializao de conceitos, ao invs de um meio de localizao. A instruo, no caso,
refere-se ao conhecimento das tradies bblica e clssica. A profuso de dados de
ambas as tradies bastante evidente, seja na meticulosa caracterizao da sia ou na
livresca apresentao africana.
No h uma nfase nas prprias terras de origens escandinavas. Conquanto haja
a diviso sueca entre Gotaland e Sviio, a especificidade escandinava quase se encerra
por a. E o conhecimento sobre Escandinvia e adjacncias demonstrado ali est
entremeado de interpretaes clssicas; note-se que a Islndia apresentada com o
nome de Tile (Thule), a ilha setentrional dos navegadores gregos sobre cuja natureza a
discusso perdura at os tempos contemporneos. J-se teorizou sobre uma localizao
exata, sobre um conhecimento prtico de tal ilha, identificando-a ora com a Islndia, ora
com as Ilhas Britnicas, ou como mera estria de um lugar fantstico, setentrional,
cercado de monstros e gelo. O autor do mapa, no entanto, identifica-o claramente com
sua prpria ilha.
Quanto Rssia, notvel estar listada conjuntamente com Noruega e Sucia,
em contraparte ao ajuntamento da Dinamarca com as regies germnicas continentais.
Mas aqui tambm h o influxo do saber bblico-clssico a uma tradio mais
especificamente escandinava, e a identificao de Scithia frigida remete-nos esta
mistura de tradies e regies ao lermos autores como Snorri, que chamaram a Rssia,
ou a regio a norte do Mar Negro, de Sviio, a fria, ou a grande:
173

En noran at Svarta-hafi gengr Svj in mikla ea in kalda


Ao norte do Mar Negro se encontra Sviio, a grande, ou a fria.

(Heimskringla, Ynglingasaga, 01332. Traduo e grifo nossos)

A terminologia para as regies cardinais e a insero das regies escandinavas


efetuada de forma tnue em tal mapa. Leste identificado majoritariamente com a
sia; Europa (destarte, Escandinvia) resta a insero entre oeste e norte. No se
pode encontrar nuances terminolgicas e maneirismos do antigo nrdico em tal
terminologia. Austrvegr e Gararki so sequer mencionadas; o Bltico no est
retratado, tampouco outros rios significativos da Rus, com exceo do Don que o
pela sua relevncia no costume dos mapas T-O.
Biarmaland tambm est, dessa forma, em um simples norte, sem matizao,
sem as incorporaes literrias e conceituais sobre os Bjarmar, ainda que contendo uma
inscrio. Tal, no entanto, coloca-os em patamar similar s descries de outras partes
do mundo: aqui habitavam os Bjarmar; descrio distante, do outro, de um diverso
mundo, de uma outra realidade.
Em suma, o conhecimento que se obtm da cartografia medieval escandinava
revela-nos antes o que ele nos traz sobre o aprendizado erudito escandinavo das
tradies ocidentais islmicas do que propriamente no conhecimento geogrfico
especfico escandinavo, em particular no que toca ao leste. Para discerni-lo mais
claramente, teremos de nos centrar em outras modalidades de fontes, metodologias e
recursos, que o que faremos a seguir.

332
JNSSON, Finnur (ed). Heimskringla: Nregs konunga sgur. Copenhagen: Gads, 1911. P.04.
174

3.2 Quadro etno-lingustico de Austrvegr e Gararki entre os sculos VIII e XIII

A regio da Rssia europia era habitada por diversas populaes de filiaes


tnicas e lingusticas diversas no perodo das expanses eslvicas e escandinavas no
norte da Rssia (sculos VIII-IX). Os principais grupos autctones da regio
vinculavam-se ao ramo Fino-grico da famlia lingustica Uralo-Altaica e ao subgrupo
bltico da famlia indo-europia.
Atualmente grande parte desses grupos foi extinguida e/ou absorvida, como o
antigo prussiano, ou possui idiomas em estado de extino, como o Livio, Vote, Vepse e
o antigo curnio. O nmero de referncias nas fontes escritas pequeno, e por vezes a
interpretao arqueolgica controversa.
Algumas das denominaes empregadas nas fontes escritas modificaram-se ao
longo dos tempos, assumindo conotaes diferentes e mesmo indicando populaes
diversas, como o caso do termo Eistland. Outras assumiram significados diversos de
cunho poltico e mesmo nacionalista, como no caso de Permia/Bjarmaland. Dessa
forma, faz-se necessrio um estudo mais detalhado do quadro etno-linguistico do
contexto de forma a se agregar contribuies dos estudos histricos, arqueolgicos,
antropolgicos e lingusticos.
Ao tratar do leste fsico, geogrfico, bem como os povos que nele habitavam, as
fontes escandinavas diferenciam as regies de Austrvegr e Gararki (vide Mapa 01).
Por Austrvegr, em um sentido mais estrito etno-geogrfico, ficavam
compreendidas as regies de norte e leste do Mar Bltico que atualmente incorporam a
Finlndia, os Pases Blticos (Estnia, Letnia e Litunia) e a antiga regio da Prssia,
atualmente a regio administrativa russa de Kaliningrad.
Gararki incorporava mais propriamente o territrio da atual Rssia europeia,
Bielorssia e Ucrnia. Nos sculos XIII-XIV o significado de seu nome fica associado a
Reino das cidades, devido ao grande nmero de fortificaes e paliadas com os quais
os escandinavos ali se deparavam. Entretanto, no perodo viking a quantidade de
fortificaes no era significativa, o que causa problemas interpretativos quanto
origem do nome ao deparar-se com o mesmo (ou variantes) em estelas rnicas do sculo
XI.
Bjarmaland citada parte, e incorpora muito do fantstico, do desconhecido,
do outro. citada como parte do leste, mas diferentemente das regies de Austrvegr,
no se encaixa perfeitamente na mentalidade e nos costumes escandinavos. a
175

incorporao do outro, a regio limtrofe entre o conhecido e desconhecido, o natural e


o sobrenatural, o crvel e o fantstico, o dominado e o incontrolvel. Seus habitantes so
sempre antagonistas que amide empregam magia e recursos sobrenaturais contra o
heri ou personagem principal da narrativa. Sua linguagem incompreensvel. Seus
deuses, estranhos e diferentes. Em alguns casos, particularmente na Gesta Danorum, os
finni, finlandeses, so com frequncia citados em conjunto com Bjarmaland.
H por volta de seis trabalhos em Antigo Nrdico contendo descries
geogrficas da Europa, todas derivadas de duas redaes principais de uma descrio
encontrada no captulo 4 do livro 14 das Etimologias de Isidoro. A estas descries as
fontes acrescentam as localidades do mundo setentrional.
A primeira redao encontrada na Heimslsing, encontrada no Hauksbk
(AM544) e escrita no sculo XIII, e na Upphaf. A segunda redao representada pelo
Landafraedi e o Tocius orbis brevis discriptio. No que toca Europa de Norte e Leste, a
rvar-Odds saga, no captulo 30, apresenta uma listagem muito similar da
Heimslsing e, inclusive, mais completa que ela, com a adio de nomes encontrados
apenas na Upphaf333. A listagem apresentada na rvar-Odds saga no possui pretenses
de um tratado geogrfico; antes, apresenta uma listagem de exrcitos que veio em
suporte a Kvillanus/gmundr, o adversrio de Oddr.
Todas estas redaes apresentam uma reelaborao da j reelaborada verso de
Isidoro da genealogia bblica, conectando as cidades da Rus genealogia de No, via
seu filho Yaffet, seguido de Magog.
Quanto aos nomes das cidades da Rus, a Heimslsing e a rvar-Odds saga
apresentam a mesma listagem, e apresenta similaridade grande com a descrio
apresentada na prpria Pviest vrimennikh liet.
Vejamos a listagem das localidades:

- Na Heimslsing:
Hia Garariki liggia lond essi
[a.] Kirialir, Refalir, Tafeistaland
[b.] Virland, Eistland,
[c.] Lifland, Kurl [and],
[d.]
[e.] Erml [and], Plinaland334.

333
PRITSAK, 520; 529.
334
Heimslsing. In Hauksbk. AM 544, 4, f.3v. Ed. JNSSON, Finnur. P. 155.
176

- Na rvar-Odds saga, redao A/B335:


ar var ok mikill herr af Kirjlalandi ok Rafestalandi, Refalandi,
Virlandi, Eistlandi, Lflandi, Vitlandi, Crlandi, Lnlandi, Ermlandi,
ok Plinalandi.

Havia tambm uma grande horda (vinda) de Kirjlaland e


Rafestaland, Refaland, Virland, Eistland, Lfland, Vitland, Crland,
Lnland, Ermland, e Plinaland
(rvar-Odds Saga, 30, redao A/B. Traduo nossa)336

importante ressaltar que os autores de tais fontes agrupam as localidades por


critrios quase que estritamente geogrficos. A despeito da relevncia da linguagem ao
se tratar da etnicidade no medievo, as localidades em tais listas so apresentadas em
agrupamentos regionais que por vezes contm grupos etno-lingusticos distintos, mas
habitantes de regies limtrofes como, por exemplo, os kurs e os Livnios da Letnia
atual por sua vez, compreendidos nos grupos etno-lingusticos balto-indo-europeu e
fino-grico.
Descries, sejam de cunho mais fictcio na Gesta Danorum de Saxo
Grammaticus, seja de cunho mais cronstico, como na Henrici Chronicon Livoniae,
apresentam tambm quadros interessantes das interaes entre tais populaes
novamente, de forma que no se apega a critrios etno-lingusticos. Saxo Grammaticus,
ao apresentar a lista de povos do norte que combateram na Batalha de Bravalla junto de
Dinamarqueses de um lado ou Sueco do outro, apresenta kurs e estonianos no campo
dos suecos, e livnios no campo dinamarqus. De forma bastante etnogrfica, no
entanto, Saxo cita amide os Finni em conjunto com os Biarmi, enfatizando diferenas
peculiares em relao aos escandinavos como, por exemplo, o que ele descreve de
nomadismo. A Henrici Chronicon Livoniae narra sobre as alianas entre kurs e
estonianos de Saarema.
Feitas tais consideraes, fica a lembrana de que as categorizaes etno-
lingusticas contemporneas possuem carter instrutivo e didtico, mas no devem ser
tomadas como fatores exclusivos ou dominantes na interpretao das dinmicas sociais
do medievo.

335
Acerca da rvar-Odds saga , manuscritos e redaes, vide captulo 05.
336
In: RAFN, C.C. (ed.) Fornaldarsgur Nordrlanda. Vol. II. Kaupmannahfn, 1829. 30 K; p. 294.
177

3.2.1 Fino-gricos

O termo de cunho etno-lingustico fino-grico refere-se aos grupos humanos


de uma das subdivises da grande famlia lingustica Urlica. Sua expanso geogrfica
d-se por todo o norte Eusasitico, e sua unidade com o grupo Altaico objeto de
discusso337.
O ramo fino-grico possui duas grandes subdivises, fino-permiano e grico
que, por sua vez, subdividem-se ainda mais. No recorte de interesse s relaes
escandinavas e eslavas no medievo, as populaes fino-gricas em questo pertencem
ao subgrupo fnico com suas divises entre fino-bltico, e inclui diversas populaes da:
a) regio norte da atual Rssia Europia, muitos extintos ou em perigo de, como os
Vepsi, Voti, Kareli; b) regio bltica, incluindo as diversas tribos de finlandeses e
estonianos e os livonianos da Letnia) e proto-saami (que compreendem os Saami
denominados popularmente como lapes)338.
O grupo etno-lingustico do ramo fino-grico da famlia uralo-altaica pode ser
considerado como o mais prximo que temos condio de definir enquanto
autctones da Europa setentrional e Norte-oriental. Os territrios antigamente
habitados pelos mesmos eram muito extensos, tendo sido grandemente reduzidos. Parte
considervel de regies habitadas antigamente por populaes de fala fino-grica
atualmente habitada por grupos indo-europeus (germanos, baltos e eslavos) e turcos.
No contexto do Norte da Rssia europia os grupos fino-gricos de maior
destaque so o ramo balto-fins. Desses, atualmente sobrevivem os livnios, estonianos,
finlandeses (dentro dos quais, os kareli) e lapes (saami). No perodo de escrita da
Pviest vrimennikh liet a regio entre o Golfo da Finlndia e o Mar Branco era
habitada por outros grupos aparentados entre si: Vepsi, Votes e Kareli.
Os povos fino-gricos referidos nas fontes escandinavas e estelas rnicas so:
Na Finlndia:
- Finnland, Finnmark: o nome que empregamos para a Finlndia propriamente dita,
terra dos finnar, traz uma peculiaridade com a significao atual. O termo Finnland
pode ser empregado para a atual regio sul-ocidental da Finlndia, Suomi em finlands,

337
MARCANTONIO, Angela (org). The Uralic Language Family: Facts, Myths and Statistics
(Publications of the Philological Society). Oxford: Wiley-Blackwell, 2002. pp.21ss, 35ss, 48ss.
338
DCSY, Gyula. Einfhrung in die Finnisch-Ugrische Sprachwissenschaft. Wiesbaden: Otto
Harrassowitz, 1965.
178

Sum em antigo russo. um termo encontrado nas estelas rnicas G 319 e U 582339.
Porm Finnar empregado geralmente nas sagas para os Sami, e no para
finlandeses; Samland, a Lapnia, destarte referida como Finnmark. Em Saxo
Grammaticus, Finnmarchia.
Uma exceo parece ocorrer no captulo 09 da lfs saga ins helga quando, em
um reide, lfr Haraldsson ataca Finnland, o texto em prosa cita os Finnar, mas a
poesia, os Finnlendingar340.

- Tafeistaland/ Rafestaland: terra dos preguiosos341: Regio conhecida como a


provncia da Tavastia, na Finlndia de centro-sul; Hme em finlands e Yam em antigo
russo. O termo empregado na rvar-Odds saga (como Rafestaland), na Hemslsing,
p.155, 1.21, e na estela rnica Gs 13.

- Kirjaland: Karelia. Termo atestado na Heimslsing (como Kirialir), na rvar-Odds


saga (Kirjalaland). possvel que a estela U 180 refira-se a Vyborg da Karelia (Viipuri),
ou a Viborg da Jutland.

- Blagarssa: Referncia rara, parece se referir costa sul da Finlndia, rumo ao


Golfo da Finlndia342. Aparece no captulo 09 da lfs saga ins helga, no captulo 119
da Njls Saga e no captulo 07 da Hlfdanar Saga Eysteinssonar. O que, per se,
consiste em distribuio interessante, por se tratar de trs gneros distintos de saga: uma
Knungasaga, uma slendigasaga e uma Fornaldarsaga.

Na Estnia:
A Estnia contm quatro referncias certas, mais duas dbias em inscries
rnicas varegues, bem como uma descriminao terminolgica bastante acurada. Tal
circunstncia deve-se possivelmente importncia da rota comercial passando pelo
Golfo da Finlndia e o norte da Estnia a regio estoniana de Virumaa, que inclui a
costa norte do pas, a que possui maior referenciao nas estelas rnicas (trs

339
, 1976: 201; .
340
AALTO, Sirpa & LAAKSO, Ville. Karelia, Finland and Austrvegr. In: austrvega: Saga and East
Scandinavia. Preprint papers of The 14th International Saga Conference. Uppsala, 2009. p.07.
341
PRITSAK, 359.
342
ZILMER, Kristel. Learning about Places and People: Representations of Travelling Connections and
Communication situation in the Sagas of Icelanders. In: Sagas and Societies - Conference at Borgarnes,
Iceland, 2002. P. 01.
179

ocorrncias).

- Virland: regio costeira setentrional estoniana. Em estoniano, Virumaa, a regio pode


ser satisfatoriamente equacionada com a regio de Narva citada na Pviest vrimennikh
liet. Referenciada nas estelas U 346, U 356 (contm a mesma mensagem e foram
confeccionadas pelo mesmo arteso) e U 533, bem como na Heymslsing e na rvar-
Odds saga (30). Virumaa foi a regio estoniana com maior contato escandinavo no
perodo viking, devido sua localizao prxima ao Golfo da Finlndia, que a colocava
diretamente no principal ramo do Austrvegr.

- Rifaland/ Refaland: termo que se refere regio da Revalia, sendo Reval o nome
medieval para a atual capital da Estnia, Tallinn. um termo no encontrado nas
estelas rnicas, mas nas fontes medievais, como de se esperar. Encontra-se Refalir na
Heimslsing e Rifaland na rvar-Odds saga (30).

- Eistland/Estland: Eistland um termo genrico para Estnia propriamente dita. Deve-


se atentar para a circunstncia de que termo similar fora empregado em Tcito e na
traduo de Alfredo de Orsio para a regio mais meridional e de carter etno-
lingustico muito diverso da Prssia Oriental (listadas no sculo XIII nas regies de
Samland e Ermland, e nas fontes anglo-saxnicas tambm como Witland, sero
discutidas adiante). O termo encontrado amplamente nas fontes escandinavas,
incluindo sagas, as fontes geogrficas mencionadas (rvar-Odds 30), os trabalhos de
cunho mais universal de Saxo e Snorri, e na estela Vg 181. A estela U 439 possui o
termo skalat, interpretado como Aistland ou Serkland343 interpretaes bastante
dspares, portanto344. Na Pviest vrimennikh liet os estonianos so chamados de chud.
Pritsak345 considera que as estelas U 446 e S 45 possuam referncias Eistland
por meio do nome prprio ist-fari, o que viaja para os isti, mas interpretao
dbia. Poderamos sugerir o significado o que viaja para leste, por exemplo.

343
Serkland termo que pode significar a regio alm Volga, no mundo muulmano, ou a regio os
Khazares, s margens do Mar Cspio. Como veremos no captulo 04, por vezes o nome empregado para
frica, medida em que se conecta com os islmicos.
344
A interpretao que skalat aistland endossada por Melnikova ( , 1977: 201). Tal
estela faz parte das chamadas Estelas de Yngvarr, srie de estelas que referem-se expedio de grande
alcance ao leste efetuada por Yngvarr , que terminou em desastre nas proximidades do Cspio, e que
iniciou-se no Bltico Oriental. Sua argumentao centraliza-se na interpretao de que a expedio de
Yngvarr partira da Estnia. Omeljan PRITSAK (p.362) considera tal interpretao errnea.
345
PRITSAK, 362.
180

Os estonianos possuem papel proeminente nas narrativas escandinavas,


portando-se de forma muito similar aos prprios vikings oriundos de tais regies,
travando comrcio e alianas ou lutando com os mesmos. Uma das elaboraes mais
significativas envolvendo aos estonianos est na Heimskringla (sculo XIII), que
contm a captura e escravido do ainda menino Olaf Tryggvason, posteriormente Olaf I
da Noruega, por vikings estonianos. Vendido e criado como escravo por um estoniano
chamado de Klerkon, passa nas mos de outros donos, at ser comprado por seu tio
Sigurr Eiriksson e ser levado para crescer em Gararki.

- Aalssla e Eyssla: Aalssla um termo para aregio costeira ocidental estoniana.


Eyssla refere-se a ilha estoniana de Saaremaa, no Golfo de Riga346. Pritsak e
Melnikova (1977: 201) consideram que a estela U 518 traga referncia ela por meio de
isislu. O Rundata apresenta a mesma localidade enquanto a ilha de Selan, no lago
Malaren, Sucia. Muitas das referncias literrias aos estonianos so feitas a estonianos
especficos de Saaremaa, muitas vezes em conjunto com os baltos kurs.
Saxo Grammaticus emprega o termo Rotala ao se referir costa norte-ocidental
estoniana, na altura de Haapsalu.347

- Rno: H uma possvel referncia ilha de Rno, no Golfo de Riga, na estela Vs 22,
mas a interpretao dbia e a estela, bastante danificada348.

- Lifland normalmente listada juntamente com as regies de etnicidade bltica (kurir e


semgallir), habitantes da atual Letnia. Refere-se aos Livnios, que habitavam as
regies setentrionais da Curlndia e da atual Letnia. Atualmente, consistem em minoria
tnica no norte da provncia de Kurzeme (Curlndia), na Letnia. O termo listado nas
estelas rnicas U 698, S 38 e em muitas fontes escritas tradicionais, incluindo a Gesta
Danorum de Saxo Gramaticus, a Heimslsing e a rvar-Odds saga. Na Pviest
vrimennikh liet so listados como liv. O maior conhecimento que se tem de seus
costumes se dpor meio da Chronicon Livoniae, escrita no sculo XIII por Henri da

346
MGI, 2011: 194; FINLAY, Alison & FAULKES, Anthony (trads.) Heimskringla University College
London: Viking Society for Northern Research, 2011. Pp.235 & 240.
347
FISCHER, Peter. On Translating Saxo. In: FRIIS-JENSEN, Karsten (ed.). Saxo Grammaticus: a
Medieval Author between Norse and Latin Culture. Museum Tusculanum Press: Copenhagen,1981. p.62.
CHRISTIANSEN, 1997: 111.
348
, .. : , , .;
, - . : , 1977. 206.
181

Livnia provavelmente um clrigo germnico.


- Domesnes, Domesns, Tumisnis: o cabo de Kolkasrags349, na atual Letnia, localizado
entrada do Golfo de Riga, entre a costa let e a ilha estoniana de Saaremaa, citado na
S 198. A regio de Kolka , ainda atualmente, um dos ltimos locais com residentes
livnios, tratando-se de rea protegida pelo governo leto.

3.2.2 Os Baltos

Atualmente apenas na Letnia e Litunia, bem como em colnias de tais etnias


em outros pases, existem descendentes dos antigos baltos indo-europeus. A partir do
perodo medieval os pases blticos sofreram contnua dominao de potncias
estrangeiras, em particular escandinavos, germnicos e, por fim, eslavos, possuindo seu
territrio original drasticamente reduzido.
O conhecimento de seu passado fragmentrio e ocupa pouco espao nos
estudos interessados em escandinavstica e eslavos de leste, havendo pouqussimos
trabalhos acessveis a pesquisadores ocidentais a preencher tal lacuna. Especificamente
temos apenas The Balts, de Marija Gimbutas, bem como uma parte considervel em
sua obra The Bronze Age Europe, e Foreword to the Past: A Cultural History of the
Baltic People, de Endre Bojtar, destinada ao tpico. The Balts, entretanto, apesar de
empregado por acadmicos do Ocidente como manual, considerado ligeiramente
defasado em alguns aspectos arqueolgicos por especialistas nos prprios pases
blticos, em particular na Litunia350.
Trabalhos conjuntos entre acadmicos dos Pases Blticos e da Escandinvia tm
surgido, entretanto, aos poucos clarificando melhor a situao, em particular no campo
dos estudos arqueolgicos, e h um crescimento constante na produo de peridicos
tambm acessveis via internet, providenciando melhor divulgao e compreenso de
contextos at ento no estudados pelo meio acadmico brasileiro.
As referncias nos autores clssicos aos povos blticos so muito poucas, e a
identificao tnica dos mesmos no absoluta. Gimbutas assume que os Neuri de
Herdoto seriam Baltos, em seu ramo oriental351, mas a identificao no inequvoca.
Os aesti de Tcito, entretanto, so considerados com maior consenso como

349
, 1977: 200.
350
BOJTAR, Endre. Foreword to the Past: A Cultural History of the Baltic People. Budapeste: Central
European University Press, 1999 [1997]. p.58, nota 18.
351
GIMBUTAS, Marija. The Balts. London: Thames and Hudson, 1963. pp.97-102.
182

populaes blticas ocidentais, habitando a regio circundante da atual pennsula de


Kaliningrado e os territrios da antiga Prssia Oriental e sul da Curlndia.
Os territrios habitados pelos povos blticos, em seu ramo oriental, estendiam-se
no passado at as proximidades das atuais Moscou e Yaroslav. Tal hiptese
fundamentada na comparao das culturas arqueolgicas e, em principal, na anlise de
topnimos feita por Buga (entre 1913 e 1924) nos rios da Bielo-Rssia, Vasmer (em
1932) nos distritos de Smolensk, Tver (Kalinin), Moscou e Chernigov, e de Toporov e
Trubachev (em 1962) na bacia do Dnieper.
O extenso estudo de Toporov e Trubachev demonstrar uma origem bltica para
o nome de mais de 1000 rios na bacia do Dnieper, oferecendo fortes evidncias para
uma ampla expanso dos povos na antiguidade nas regies das atuais Bielo-Rssia e
Rssia europia352. Endre Bojtar apontar crticas importantes definio territorial
com base nos hidrnimos. Dentre elas, a relatividade de um suposto conservadorismo
na manuteno dos nomes de rios353. Entretanto, mantm a ideia da regio aproximada
de expanso bltica antes da chegada de migrantes eslavos para o norte (vide Mapa 08).

Legenda:
1. Nomes
blticos
frequentes;
2. Nomes
blticos
infrequentes;
3. Nomes
blticos raros e
questionveis.

Mapa 08: Locais com toponmia bltica.

Fonte: BOJTAR, Endre. Foreword to the Past: A Cultural History of the Baltic People. Budapeste:
Central European University Press, 1999 [1997].p.54.

352
, .., , .., 1962.
353
BOJTAR, 54.
183

Barford defende a identificao dos povos baltos com uma rea aproximada das
Culturas arqueolgicas Kievana, no perodo romano e Tumshmlya-Bansherovo,
Kolochin e Balachino, na primeira metade do sculo VI A.D354.
Temos, dessa forma, uma regio hipottica (porm consensual) de habitao
bltica que coincidia com a regio de florestas do norte europeu e circundando a regio
sul e oriental do Bltico, bordejando a oeste os povos germnicos, a sul proto-eslavos e
povos das estepes e a norte e leste populaes no indo-europias de idiomas fino-
gricos.
Por conseguinte, os povos blticos foram particularmente afetados com as
expanses eslvicas, tanto dos eslavos de leste para o norte da Rssia nos sculos VIII e
IX quanto dos eslavos ocidentais que chegaram s costas blticas no sculo VI.
As fontes escritas sugerem que nesse processo de expanso eslvica o ramo
bltico oriental ficou isolado do ramo ocidental pelos eslavos de leste. A referncia
nesse sentido dada pela Pviest vrimennikh liet, ao citar a resistncia dos povos
chamados de Galindoi, que Gimbutas identifica como baltos, aparentemente separados
de outros povos e de similaridade etno-lingustica, e que iriam migrar para a regio leste
das atuais Letnia e Litunia. Nota-se que entre as tribos prussianas do sculo XIII a
regio mais limtrofe e meridional era chamada de Galinda.
A identificao entre esses galindos e os das proximidades de Moscou no
totalmente inequvoca. A prpria etimologia do termo pode apresentar concluses
diversas. Termos blticos similares (leto gals, lituano galas) possuem campo
semntico relativo a fim, trmino, e, dessa forma, razovel pressupor que regies
limtrofes, fronteirias ou distantes poderiam receber nomes com tal terminologia.
Os grupos de relevncia especfica no contexto de primrdios da Rus so
principalmente trs: diversas tribos prussianas habitando as regies da atual pennsula
de Kaliningrado, as tribos lituanas, dentre as quais incluem-se os samogcios, e as tribos
lets, das quais destacam-se kurs, zemglios e latglios.
Conquanto as fontes russas e germnicas refiram-se com frequncia s tribos
lituanas, as fontes escandinavas, sejam de forma escrita tradicional ou na forma de
estelas rnicas, no o fazem nunca, antes enfatizando os kurs (kurir) e zemglios
(semgallir), com os quais travavam maior contato.

354
BARFORD, 394s, Map I e Map II.
184

Mapa 09: Tribos blticas no sculo XIII


Fonte: GIMBUTAS, Marija. The Balts. London: thames and Hudson, 1963. P.23.

A terminologia encontrada nas fontes escandinavas e estelas rnicas para populaes


baltas so a seguinte:

Na Letnia:
Os povos habitantes no territrio da atual Letnia so referenciados em sete
inscries rnicas dos varegues, em adio s fontes escritas. Duas referncias aos
livnios (descritos juntamente aos povos fino-gricos acima), quatro aos semgallir, uma
regio do Venta, na Kurzeme, e uma entrada do Daugava. o maior nmero de
185

referncias em inscries rnicas aos povos do bltico, principalmente aos semgallir.


Vernadsky endossa a ideia de que a Rota comercial escandinava passando pelo
Daugava teria sido anterior Rota pelo Golfo da Finlndia. De fato, os contatos
escandinavos, em particular com a Krland, so atestados primeiramente na Vita
Anskarii, escrita no sculo IX, mas datam de sculos antes. Entretanto, os contatos com
as prprias regies estonianas aparentam ser igualmente antigos, ainda que no to
intensos.
De qualquer forma, as terras baltas e livnias foram as primeiras reas de
interesse sueco no leste, e propulsoras para os movimentos posteriores mais amplos. Tal
circunstncia justifica o relativamente grande nmero de referncias regio da atual
Letnia. Posteriormente, a rota que passava o Daugava tornaria-se um ramo secundrio
do Austrvegr, em comparao com rota mais setentrional que cruzava o Golfo da
Finlndia, mas sem perder de todo sua relevncia.

Semgallir: o povo da provncia de Zemgale dos letes, chamada Semigalia nas


fontes latinas, Semgola na Pviest vrimennikh liet. Os semgallir habitavam os
territrios ao sul do Daugava, etnograficamente categorizados dentre os baltos
orientais. Seu idioma um dos principais constituintes do leto atual. A
composio de seu etnimo, Zemgale, indica a localizao de uma terra de
fronteira zeme, terra, gals limite, fim, fronteira, e pode sugerir tal
localizao tanto como a regio fronteiria aos lvios do norte como a tribo let
mais meridional, ainda que tais afirmativas sejam especulativas.
A Chronicon Heinrici Livoniae, escrita no sculo XIII por um
eclesistico germnico, narra os eventos do sculo XII, por ocasio da conquista
germnica da regio da Livnia. Ali os semgallir aparecem como as ltimas
populaes a serem conquistadas e cristianizadas. Alguns de seus costumes
(como a decapitao de inimigos no campo de batalha) parecem impactar ao
cronista, que dedica bastante espao aos mesmos, mas as alianas e
identificaes tnicas dos mesmos no ficam claras. Aparentemente, pela
crnica, as relaes com os kurs eram amigveis, diferentemente da situao
com estonianos e lituanos, mas o carter pontual de tais alianas no nos permite
consideraes absolutas que elucidem em definitivo a etimologia.
So citados nas estelas S 198, S 327, possuem uma referncia dbia
(proposta por Brate) na S 110, bem como em uma caixa de cobre encontrada
186

em Sigtuna (R 173)355. Apesar das referncias relativamente frequentes nas


inscries rnicas, as referncias escritas aos semgallir nas fontes tradicionais
so mais raras. So listados na Heimslsing e na rvar-Odds saga (30), e apenas
citados duas vezes na Gesta Danorum, nos livros 5 e 7. No ltimo caso, ambas
as referncias so de passagem e ligadas histria de Starkatherus, sendo os
semglios citados em conjunto com outros povos do Bltico (kurs e sembi na
primeira, kurs e eesti na segunda); na primeira referncia os mesmos se revoltam
contra o domnio dans e so conquistados por Starkatherus. A segunda o
poema final do heri, no qual cita suas conquistas, listando ali o episdio
narrado anteriormente.

Krland: a regio de Kurzeme, na atual Letnia, e o ducado histrico da


Curlndia, possesso nos tempos da Repblica Polaca-Lituana que chegou a
obter possesses coloniais na Gmbia e Caribe na Idade Moderna. No perodo
viking as regies dos kurs possuam cinco divises centralizadas em
fortificaes (Pilsats, Megova, Duvzare, Ceklis e Piemare), chegando at a costa
norte da atual Litunia.
Os Kurs (kurir nas fontes escandinavas, kors na Pviest vrimennikh liet)
so as populaes - juntamente com os estonianos e bjarmar - mais citadas nas
fontes escritas escandinavas. Suas referncias so as mais longas e mesmo
factveis, algumas delas memorveis, como a descrio do cativeiro do skaldr
Egill Skalagrmsson na Egils saga, escrita no sculo XIII provavelmente por
Snorri Sturlusson. Tambm emblemtica a referncia j citada, bastante antiga,
da Vita Anskarii de Rimbert, escrita no sculo IX, que conta sobre um suposto
perodo de domnio dos suecos sobre os kurs.
A Chronicon Henrici Livoniae traz informaes sobre os kurs no sculo
XII, principalmente tticas militares e costumes funerrios dos mesmos por
ocasio de expedies de ataques martimos aos cruzados e no cerco efetuado
por eles a Riga, interrompido para o cumprimento da cremao de seus mortos.
Nos sculos XII e XIII os kurs estavam frequentemente associados
estonianos de Saaremaa, executando expedies vikings pelo bltico, capturando
escravos e bens (incluindo sinos de igrejas, principalmente na Sucia).

355
, 1977: 208; PRITSAK, 364.
187

Aparentemente at ento, a julgar pelas referncias textuais, possuram diversos


perodos de domnio ou pagamento de tributo da parte de Escandinavos
entremeados por revoltas e momentos de liberdade. Em algumas ocasies
aparentam ser parceiros de escandinavos, seja em contatos comerciais ou
expedies vikings.
A categorizao tnica dos kurs do perodo viking enquanto baltos no
foi feita sem disputa. De fato, foi razoavelmente comum classific-los enquanto
uma tribo fino-grica, ideia que esporadicamente volta tona, principalmente da
parte de autores finlandeses e estonianos.
Um dos argumentos mais fortes nesse sentido o nmero considervel
de termos de origem fino-grica que transparecem nos tratados do sculo XIII
no idioma dos kurs, como sua prpria denominao, kur, que pode significar
grou nos idiomas fino-gricos, kiligunden (regio administrativa), maleva
(unidade do exrcito). Esse nvel de argumento usual em obras de
popularizao cientfica, como do historiador amador Edgar Valter Saks356.
H argumentos considerados a nvel mais acadmico. Um deles a
denominao at o sculo XIX da ilha estoniana de Saaremaa como Kurasaar,
Ilha dos Kurs. Marika Mgi efetua um paralelo com a situao na Estnia de
Saarema, chamada de Eyssla, em contrapartida costa Ocidental, como
Adalssla.357
Esta identificao aceita por poucos, e deve ser considerada como uma
idiossincrasia a mais em categorizaes e divises tnicas das populaes (no
apenas) do medievo. De fato, os kurs sero uma das tribos constituintes dos
letes da Idade Moderna e Contempornea; o substrato e os cognatos fino-
gricos na lngua let advm do idioma dos livnios, no da lngua dos kurs. Em
adio, o istmo da Curnia, entre a Prssia Oriental e a Litunia, foi habitado at
o sculo XIX pelos Kursenieki, descendentes dos antigos kurs, e seu idioma era
claramente balto, sendo que a discusso mais sria academicamente dividiu-se
no sentido de classific-lo enquanto idioma balto oriental, ligado ao leto e ao
lituano, ou ocidental, ligado ao prussiano antigo358.
Os stios arqueolgicos de Grobia (atual Letnia) e Apuole (atual

356
SAAKS, Edgar. Eesti viikingid. 2005, pp. 31-34.
357
VUORELA, 206; MGI, 2011: 194.
358
STONKUT, Loreta. Kurinink tarms lituanizmai. In: Studentu zintnisks Konferences Aktuli
baltistikas jautjumi tzes. Latvijas Universittes Filoloijas fakulttes, 2002. Pp.43s.
188

Litunia), escavados por Birger Nerman na dcada de 1920, do suporte


relaes antigas dos mesmos com a Escandinvia, principalmente os Svear e a
ilha de Gotland, desde o sculo VII359.
Na Gesta Danorum de saxo Gramamaticus os kurs (curetes) so
citados nos livros 1,2,3,5,6,8,9,11 e 14, incluindo episdios relevantes como o
cativeiro de Hadingus, no livro I, e a batalha de Bravalla, no livro 8.
interessante notar que, de forma contrastante com a relativa
abundncia de referncias nas fontes de ordem mais tradicional, a nica possvel
referncia terra dos kurs em estelas rnicas encontra-se na G 135, e fala sobre
um homem morto em Vindau Vendava. No perodo em questo os kurs se
encontravam em processo de expanso ao norte, habitado por livnios, e no
possvel saber com exatido se a referncia ao Venta implicaria em alguma
relao com os kurs ou com os livnios da Kurzeme.

Na Antiga Prssia:
Smland/Lanland, Ermland, Vitland: regies da Prssia Oriental, tribos baltas
indo-europias. A esta regio foi aplicado o termo Aistland por historiadores
da antiguidade (em particular na Germania de Tcito) e a verso anglo-saxnica
de Orsio feita por Alfredo, bem como a viagem de Othere, relatado tambm por
Alfredo, o que gera confuso com a Eistland Estnia, de carter diverso,
entretanto. Quando as sagas e Snorri Sturlusson referem-se a esti,
normalmente o fazem tendo em mente estonianos.
As correspondncias com topnimos blticos so Smland Semba;
Ermland Varme (Warmia). Marika Mgi argumenta por uma possvel mistura
de terminologias tnicas, defendendo a possibilidade de que o uso de Samland
possa, por vezes, implicar na Kurzeme360, mas trata-se de uma posio bastante
isolada.
A regio da Prssia oriental continha algumas das maiores
concentraes de depsitos de dirheims do mundo islmico. Noonan e Bogucki
defendem que habitantes das costas eslavas do bltico, bem como antigos
prussianos, tenham sido os primeiros intermedirios no comrcio de dirheims

359
NERMAN, Birger. Funde und Ausgrabungen in Grobia, 1929. In: Congressus Secundus
Archaeologorum Balticorum Rigae, 19.-23. VIII. 1930. Riga, 1930. pp.195-206.
360
MGI, 2011: 194.
189

entre os mundos islmico e escandinavo361.


A regio abrigou um dos primeiros entrepostos comerciais do perodo
viking, a cidade de Truso. Localizada no lago Druzno, atualmente no local
encontra-se a cidade de Elbing/Elblag. O local foi ativo como parte da rota do
mbar e, no perodo viking, como localidade-chave na redistribuio dos
dirhams vindos das regies de leste, tendo despertado o interesse escandinavo de
descobrir as regies de provenincia de tal prata e precipitado a prpria
expanso escandinava na regio da posterior Rus.
H uma referncia Samland em caracteres rnicos na j citada caixa
de cobre encontrada em Sigtuna (R 173)362. Witland empregado na rvar-
Odds saga e na viagem de Othere relatada pela crnica de Alfredo (em ingls
antigo). As demais regies so citadas tambm na Heimslsing e na rvar-Odds
saga.
Saxo Grammaticus cita-os como sembi, nos livros 6,8,9,10 e 11. Em
um dos poucos casos de constncia em sua narrativa, em praticamente todas as
citaes os sembi esto em conjunto com os Kurs (em 4 das 5 citaes,
normalmente rebelando-se contra daneses) e em oposio aos sclavi.

Litunia?

A ausncia de referncias aos lituanos no ter passado desapercebida ao leitor


mais atento e informado. De fato, as fontes escandinavas no se referem aos mesmos.
Esta ocorrncia explica-se pela ausncia de costa martima ocupada pelos kurs,
prussianos, zemglios, lvios e estonianos mas tambm pela natureza diversa de
contatos entre lituanos e seus povos vizinhos no perodo viking.
Diferentemente de seus vizinhos costeiros, as diversas tribos lituanas tiveram
menor contato com a Escandinvia e maior com Polnia, as demais tribos blticas e os
eslavos de leste. Os contatos com o mundo escandinavo foram, dessa forma,
intermediados por seus vizinhos. Os prprios territrios lituanos ficavam margem das
grandes rotas comerciais que ligavam a Escandinvia Eursia, e sua geografia,

361
BOGUCKI, Mateusz. The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of
Early Emporia. In: LUND HANSEN, Ulla, BITNER-WRBLEWSKA, Anna (eds.). Worlds Apart?
Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age, Network Denmark-Poland 2005-2008, Det Kongelige
Nordiske Oldskriftselskab Pastwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al.), 2010), pp. 351-
361.
362
, 1977: 208; PRITSAK, 364.
190

abundante em florestas e pntanos, certamente no colaborou para a diminuio de seu


isolamento.
A despeito desse isolamento, por ocasio das cruzadas setentrionais e a expanso
germnica para o leste os lituanos foram capazes de se organizar em uma monarquia
forte e expansionista, com a originalidade de manterem com suas crenas pags
ancestrais.
O paganismo oficial lituano apenas perderia seu lugar por ocasio da unificao
das coroas polaca e lituana, e na idade moderna a Polnia-Litunia consistir no estado
territorial mais extenso e mltiplo da Europa.

3.2.3 Baltos e Fino-gricos

A relao entre baltos e fino-gricos parece ter sido de particular influncia


mtua. No campo da lingustica os emprstimos e influncias so extensos, desde o
campo de terminologia de ferramentas e tecnologias at de relaes familiares363.
Estudos dos Haplogrupos de DNA demonstram tambm uma relao particular
de miscigenao de entre os habitantes da Letnia e Litunia com os povos fino-gricos
da Estnia e Finlndia, em particular no predomnio demonstrado do haplogrupo N do
cromossomo Y, dominante entre as populaes de etnicidade fino-grica, ao lado do
haplogrupo R1a, comum entre populaes da Europa Setentrional (em particular na
Noruega), Oriental (com frequncias variando por volta de 50% de predomnio entre
poloneses, ucranianos, bielorussos e russos) e das estepes364.
razovel a suposio de um ncleo original populacional provavelmente
pequeno de fala indo-europia, com afinidade gentica com outras populaes de
falares da mesma famlia, como eslavos e germanos, que se difundiu rumo ao norte,
interagindo e miscigenando-se com as populaes locais.

363
GIMBUTAS, 33-36.
364
LAITINEN, Virpi, LAHERMO, Pivi, SISTONEN, Pertti, SAVONTAUS, Marja-Liisa. Y-
Chromosomal Diversity Suggests that Baltic Males Share Common Finno-Ugric-Speaking Forefathers.
In: Human Heredity. 2002. 53: 68ss.
191

3.2.4 Bjrmaland

Figura 18: Biarmia, na Carta Marina de Olaus Magnus (1539)

Traduzida frequentemente por Prmia ou Perm, esta regio apresenta problemas


e discusses por dcadas no que tange sua localizao e composio tnica. As fontes
escandinavas de forma mais genrica colocam-na na foz do Vna (o Dvina setentrional),
ou seja, nas margens do Mar Branco.
Olaus Magnus em sua Descrio dos povos Setentrionais, j no sculo XVI,
afirma, baseando-se explicitamente em Saxo, a existncia de duas reas em Bjarmaland,
Biarmia ulterior e Biarmia citerior. Em seu mapa, a Carta Marina (ver Mapa 4),
localiza uma s Biarmia ao norte do que descreve como Lacus Alba, em regio que
192

pode ser identificada claramente com a Pennsula de Kola.


Nota-se a compreenso do Mar Branco como um lago, acerca da qual
interessante a observao da regio em um mapa contemporneo:

Mapa 10: Mar Branco, Pennsula de Kola e Oceano rtico. Do autor.

A causa de dissenso nesta identificao a circunstncia de que a regio no


coincide com a Grande Prmia da Rssia, mais ao leste e sul. E em algumas das
Fornaldarsgur o caminho para Bjarmaland feito dirigindo-se para Austrvegr, ou seja,
pelo Bltico Oriental.
As colocaes de Alan S. C. Ross em 1930, com adies em 1940, 1978 e
1981365 (nesta ltima data, de Michael Chesnutt) permanecem ainda norteando a
abordagem da questo. O outro estudo mais amplo feito sobre a questo da pena de
Mervi Koskela Vasaru, em 2009, e, apesar de no se referir ao ltimo, chega a
concluses similares366. O debate assume ainda contornos mais complexos e apresenta
maiores discordncias com a entrada do quesito de etnia na discusso.

365
ROSS, 1981.
366
KOSKELA VASARU, Mervi. Bjarmaland. Phd thesis, University of Oulu, 2009; ___________.
Bjarmaland and Interaction in the North of Europe from the Viking Age until the Early Middle Ages. In:
Journal of Northern Studies. Vol 06, N.02, 2012. Ume.
193

A viagem de Othere a fonte mais antiga a referir-se aos Bjarmar. So ali


chamados de Beormas, e a descrio da viagem parece aplicar-se bem a populaes que
residiam s margens do Mar Branco, e como tais so localizados na Carta magna de
Olaus Magnus.
Uma srie de sagas e fontes escandinavas vai referir-se a jornadas Bjarmaland.
Normalmente os seus habitantes so antagonistas dos escandinavos, e recorrem ao uso
de magia em suas batalhas. Em particular Saxo Grammaticus e as fornaldarsgur
colocam nfase nos bjarmar enquanto antagonistas, bem como na sua habilidade em
manipular o sobrenatural.
Com sua nfase especial no aspecto de narrativa de entretenimento e
incorporao do fantstico, o aspecto mgico dos bjarmar sempre salientado nestas
narrativas. Um tipo especial de referncia aquela na qual um personagem dos bjarmar
descende de um humano e de um ser sobrenatural (normalmente um/a gigante/a).
dessa maneira que explicada a concepo de Ogmund, nmesis de rvar-Oddsem sua
saga.
Os bjarmar so bons e gerais exemplos do outro na narrativa escandinava. A
rvar-Odds saga, em sua forma longa, traz como primeiro grande feito de Odd sua
viagem Bjarmaland. Alis, Odd sempre ser lembrado em ocasies posteriores da
narrativa como Odd, o que foi at Bjarmaland. Ali ele demonstra a dificuldade de
compreenso no campo lingustico e de costumes. Necessita de intrprete da lngua dos
bjarmar, que colocada por meio da frmula semelhante ao barulho dos pssaros, e
necessita de intrprete dos prprios costumes e hbitos dos homens ali.
Sua divindade chamada de Jomali, que cognato com o termo fino-grico
para deus, Jumal, e no encontra ressonncia ou equivalncia no panteo
escandinavo.

H duas formas de abordagem empregadas na definio de quem so os bjarmar.


A mais comum procura sua identidade etno-linguistica. Os indicativos para esta
definio se baseiam nos parmetros geogrficos dados pelas fontes, algumas
descries pontuais e esparsas de costumes e a referncia ao deus Jomali.
Esta referncia em particular, feita duas vezes apenas, d o argumento da filiao
lingustica fino-grica dos Bjarmar, em conjunto com a evidncia mais tnue e
disputada da etimologia do prprio nome *perm.
Segundo esta primeira abordagem, existem quatro possibilidades tnicas para os
194

Bjarmar:
Lapes (saami) so os Finnar das fontes escandinavas, citados h pouco.
Segundo os argumentos de Vasmer (que se fundamentam basicamente no
campo da lingustica e anlise de topnimos, importante salientar), a
distribuio antiga dos saami incluiria reas ao sul do Mar Branco (incluindo a
foz do Dvina setentrional) e a rea a nordeste do lago Onega. Entretanto, como
Ross salienta, Othere descreve os Saami em sua viagem como os Terfinnas, a
seguir passando para os Beormas, os quais descreve como outras populaes.
pouco provvel que o autor fosse descrever duas a mesma populao
seguidamente por duas nomenclaturas diferentes, e poderamos fazer facilmente
uso do mesmo argumento para a descrio dos saami como finnar nas fontes
escandinavas, ou mesmo de frequentes ocasies aonde finnar e bjarmar so
citados um prximo ao outro. Via de regra as fontes que descrevem a viagem
Bjarmaland via o norte da Noruega descrevem primeiramente encontros com os
Finnar, e posteriormente com os Bjarmar. Um exemplo claro disto d-se na
prpria rvar-Odds saga, e circunstncia lgica ao considerar os habitantes de
norte da Noruega e pennsula de Kola os lapes, pelos quais os viajantes
precisam passar antes de chegar ao Mar Branco.
Outro argumento contra a identificao de Bjarmar com Saami a
referncia, ainda de Othere, que os Beormas praticam agricultura e possuem
modo sedentrio de vida. Ainda que pontual, referncia significativa, ao ser
feita em contraposio a um modo nmade atribudo aos Terfinnas / Finnar.
Fica excluda, portanto, a identificao de Bjarmar com Saami.

Komi
Os Komi so os habitantes dos distritos russos aos quais se aplica o termo
Grande Prmia, e aonde a prpria cidade de Perm encontra-se. Atualmente
distribuem nos governos de Vyatka, Vologda, Perm' e Arkhangelsk'. Os Komi so as
prprias populaes as quais o termo Perm aplicado; constituem com os Udmurt o
ramo Komi-Permyak da famlia lingustica fino-grica. Vasmer o nico
proponente de peso para esta identificao. Para ele, os Bjarmar/Beormas seriam
Antigos Permianos (Zyrian-Komi). Ele apresenta evidncia toponmica de uma
distribuio mais ampla rumo a oeste e norte em tempos anteriores, incluindo
territrios que no influem em nossa discusso como Olonets, Novgorod, Vologda,
195

Vyatka, Perm', Kazan e Kostroma. O material dado referente regio de


Arkhangelsk, que engloba os distritos de Arkhangel, Kholmogory, Onega,
Shenkursk, Pinega, Mezen e Pechora, entretanto, so de interesse nossa discusso.
O argumento principal colocado por Ross367 contrrio identificao de
Bjarmaland com os Perm, entretanto, que sua expanso rumo ao norte seria
posterior ao sculo XI. No sculo em questo os Komi ainda estariam unidos com
os Udmurt sob domnio Blgaro-Turco, no perodo chamado Permiano primitivo.
Alguns argumentos secundrios (e questionveis) apresentados em conjunto so: a
ausncia de material arqueolgico de origem escandinava, ou de imitao
escandinava entre os Komi (argumento de Tallgren), a despeito da existncia de
coleo ampla e bem-catalogada de antiguidades permianas; a natureza de cognatos
entre as lnguas komi e balto-fnicas (particularmente carlio e vepse) sugere que
um possvel contato entre as mesmas teria dado-se apenas em regio bem mais ao
sul do Mar Branco (argumento de Uotila); Othere descreve as lnguas dos Terfinnas
e Beormas como mutuamente inteligvel, ou muito semelhante.
Por certo esse critrio bastante subjetivo; o grau de semelhana entre duas
lnguas fino-gricas a um observador de fala germnica- indo-europia dificilmente
pode ser mensurvel. Entretanto, relevante destacar que, dentre os subgrupos da
famlia lingustica fino-grica, a distncia entre o ramo komi-permiak e o saami
significativa. J o saami e o ramo balto-fnico so notoriamente prximos, e tal
distncia era consideravelmente menor h um milnio atrs. Ao argumento soma-se
ainda a referncia ao deus Jomali termo evidentemente Balto-fnico e, por fim, o
argumento de que os Komi nunca habitaram a pennsula de Kola, aps o que Ross
chega concluso de que os Komi no podem ser os Bjarmar das fontes
escandinavas.
O decorrer da histria russa assistiu o desenvolvimento de um principado de
Perm que, nos sculos X-XI pagaria tributos a Novgorod, mas que no decorrer dos
sculos XV-XVI e sua cristianizao, tornar-se-ia vassalo de Moscou, tendo
desfrutado de relativa independncia at o sculo XV. Movimentos nacionais
posteriores aos sculos XIX incorporariam o imaginrio de sua histria, incluindo a
homnima Bjarmaland, em construes de identidades, nacionalismos, justificativas
e ideologias, frente a um Imprio Russo unificador e totalitrio.

367
ROSS, 1981: 54.
196

Vots (ou vatja)


Sugesto apresentada por Jaakola e desconsiderada de imediato por Ross368 j
em 1940. Referidos na PVL como chudi, no sculo XIII habitavam as proximidades
de Novgorod e do Ladoga369. No perodo entre-guerras sua populao era prxima
apenas a um milhar de pessoas, de distribuio limitada aos arredores de So
Petersburgo (ento, Leningrado). Em 1956, contavam apenas com 25 pessoas370. No
censo de 2010 o nmero de falantes aumentara para 68 indivduos371.

Kareli: o aspecto ocupacional


Esta a opo de maior peso ao tentar se enquadrar os bjarmar em uma etnia
especfica. Entretanto, esta hiptese est ligada a uma interpretao mais ampla do
significado de etnicidade.
A evidncia lingustica e toponmica, incluindo discusses que incluem as fontes
primrias russas, aponta uma ocupao de reas da pennsula de Archangelsk e das
margens do Mar Branco at o Dvina Setentrional pelos kareli372. De fato, toda a
monografia, j citada acima, The Terfinnas and Beormas of Othere de Alan Ross, tem
como objetivo principal o demonstrar a identificao dos Terfinnas com os Sami
(lapes) e os Beormas/Bjarmar com os kareli. A identificao, entretanto, foi colocada
em questionamento principalmente pela historiografia sovitica, pelas razes j
apontadas acima da regio russa de Perm, localizada mais a leste e sul do Mar Branco e
habitada pelos Komi.
A soluo desse impasse requer uma anlise mais cuidadosa associada a um
conceito de etnicidade mais amplo. Esta abordagem da questo relativamente mais
recente, mas tem conseguido um maior consenso.
A identificao dos Kareli do norte enquanto os Bjarmar associada com a
existncia posterior da regio de Perm dentre os Komi s pode ser conciliada
considerando o aspecto ocupacional do termo *perem; aspecto que Chestut373 designaria
como um modo de vida.
Perem deriva de uma raiz fino-grica, e aplicar-se-a a mercadores peripatticos e
368
ROSS, 1981: 55.
369
VUORELA, 146s.
370
VUORELA, 145.
371
Ethnologue. Obtido em: < http://www.ethnologue.com/language/vot> ltimo acesso em 11/11/2014.
372
ROSS, 1981: 56s.
373
CHESTNUT, 75.
197

caadores, estabelecidos mais ao sul e habituados a explorar os recursos das regies


setentrionais que bordejavam o Mar Branco (em particular a obteno de peles), bem
como seus moradores nmades e que no apresentavam defesa organizada efetiva.
Tal ideia, que recebeu maior ateno e divulgao com a republicao da
monografia de Ross com as atualizaes de Chesnut, baseia-se principalmente no
estudo de 1956 do finlands Kustaa Vilkuna, que analisou o uso do termo Permi,
empregado por carlios operando em grupo de mercadores atravs da Finlndia, Sucia
do norte e Finmark. Tal designao de grupo seria atestada ainda no sculo XVI, por
ocasio de problemas gerados por tais Permi ao governo sueco. Encontraria um
exemplo paralelo de uso misturado de ocupao tnica com atividade profissional pela
acepo que o termo Saksa assumiu no finlands, de Germnia para mercador374.
Uma questo inatacvel: o contexto do norte da Rssia foi povoado por muitas
populaes de fala fino-grica, de grau maior ou menor de semelhana mtua, e que
deixaram substratos considerveis no prprio idioma e dialetos russos setentrionais375.
Igualmente, o campo de argumentos muito precisos com bases lingusticas abre espao
para historicismo e cientificismo, e deve ser utilizado com cuidado.
Parece-nos mais adequada a suposio mais largamente aceita
contemporaneamente de que as populaes com as quais os escandinavos travavam
contato e que chamavam de bjarmar eram kareli em sua grande maioria, e que a
denominao derivou de fato de um aspecto ocupacional. Isto no gera uma contradio
com a circunstncia de que os carlios, em uma acepo que nos soa mais
marcadamente tnica, so referidos como tais nas fontes escandinavas.
Entretanto, a natureza exclusiva desta etnicidade kareliana deve ser relativizada,
e aberta num sentido de que certo amlgama de populaes fino-gricas certamente
ocorreu na regio, fechando a porta para especulaes nacionalistas modernas.

374
apud VILKUNA, 649ss. In: CHESTNUT, 78.
375
SAARIKIVI, Janne. Substrata Uralica: Studies on Finno-Ugrian Substrate in Northern Russian
Dialects. Tartu: Tartu University Press, 2006.
198

CAPITULO 4: O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXO HISTRICA

At o presente ponto de nossa discusso esperamos ter deixado claro que, a


despeito da discusso inflamada que esporadicamente ressurge na Rssia e Ucrnia
contemporneas sobre o papel Escandinavo em seus primrdios, esta mesma presena
confirmada por uma mirade de fontes de diversas naturezas, incluindo fontes escritas
de crater tradicional e a Cultura Material, esta ltima por meio da anlise numismtica
e arqueolgica, incluindo aqui o fenmeno de disseminao das estelas rnicas pelo
territrio do que hoje entendido como Sucia.
Tambm demonstramos que a teoria normanista ou algum de seus espectros
consiste na posio acadmica preponderante no Ocidente, exemplificando tambm tal
circunstncia por meio da anlise de Cultura Material, mas esperamos no ter incorrido
de forma radical em suas pressuposies, salientando que, a despeito do papel exercido
por escandinavos nos primeiros passos da Rus, no possvel se diminuir a criatividade
e influxo dos eslavos orientais em sua formao.
Dando prosseguimento a nossos propsitos iniciais mister analisarmos daqui
em diante de que formas tais movimentos ao leste produziram marcas na historiografia e
produo escrita escandinava no medievo, nos sculos imediatamente posteriores a tal
expanso.
esse objetivo que cumpriremos na seo a seguir. Neste captulo discutiremos
de incio autores que se propuseram a escrever histrias de grande escopo, tentando
inserir suas naes e povos em um contexto mais amplo, mundial. Para os mesmos, o
leste assumir nuances especficas e ideolgicas, que pretendemos demonstrar aqui. Os
autores que se prestam a tal propsito so o islands Snorri Sturlusson e o dans Saxo
Grammaticus.
Em seguida, observaremos uma manifestao diversa da produo escrita que,
ainda que se sirva das mesmas matrias-primas - relatos orais, tradies folclricas e
conhecimento livresco - molda tais elementos com propsitos e resultados distintos.
Falamos aqui das Fornaldarsgur, em especial a rvar-Odds Saga.
Iniciaremos esta seo com uma apresentao breve do contexto de produo
intelectual desenvolvido na Escandinvia e Islndia do sculo XIII, procedendo de
imediato anlise das fontes primrias.
199

4.1 A produo escrita na Escandinvia e Islndia no medievo

As dcadas de 1170 a 1230 concentram um perodo de marcante aumento na


produo escrita na Escandinvia continental e Islndia. A despeito do aumento
considervel de contatos com outras naes europeias, incluindo as ilhas britnicas e o
continente, que propiciaram modelos literrios e a influncia do Cristianismo,
necessria a nfase de que o aumento exponencial literrio foi precedido por uma
tradio oral fortemente consolidada, acompanhada de aspectos culturais circundantes
que garantiam aos mantenedores de tal tradio prestgio e privilgios sociais376-377.
Aos principais responsveis por esta transmisso de conhecimento e poesia
chamou-se de skaldar, escaldos378, indivduos que improvisavam e compunham
poemas segundo intrincadas mtricas pr-estabelecidas e empregos de motivos
mitolgicos. Tais homens foram amide personagens principais ou de destaque em
muitas slendingasgur, algumas das quais receberam seus nomes, como a Saga de
Kormak e a Saga de Egil.
Como j afirmado, indivduos com tais habilidades dispunham de meios
suficientemente garantidos de prestgio nos sales de jarls e reis, encontrando honra e
suporte de seus lderes enquanto simultaneamente revestiam-se de importncia
fundamental na transmisso do conhecimento sobre o passado. A historiografia recente
tm demonstrado, por meio de abordagens ligadas outras cincias sociais, diversas
facetas de tal sistema, que inclua uma cultura de ddivas e trocas os sales de chefes
e lderes que proviam bons presentes eram frequentados por melhores escaldos379, e
complexas formas de acmulo e troca de capitais380.
Tal produo intelectual e literria possui forma e objetivo diversificados,
incluindo obras de menor porte como sagas de scaldos, heris e famlias, sagas de
tempos legendrios, obras escritas no vernculo, lidando com assuntos laicos e
regionais, at histrias com maiores pretenses e trabalhos em molde cristo, incluindo

376
SAWYER &SAWYER, 2003; pp. 219-224; 230-238.
377
WANNER, Kevin. Snorri Sturlusson and the Edda: The Conversion of Cultural Capital in Medieval
Scandinavia. University of Toronto Press, 2008.
378
Skldr significa poeta em antigo nrdico. O termo de incio genrico para qualquer tipo de
poeta, mas tornou-se de adoo especfica para os que tratavam com a poesia escldica encontrada nas
sagas e fontes islandesas antigas, regida por regras e parmetros especficos. SKLD. WHALEY, Diana
Edwards. In: PULSIANO, Phillip et al. (Eds.). Medieval Scandinavia: An Encyclopedia (Garland
Encyclopedias of the Middle Ages). New York: 1993.
379
WINROTH, Anders. The Conversion of Scandinavia: Vikings, Merchants, and Missionaries in the
Remaking of Northern Europe. Yale University Press: New Haven & London, 2012. pp.42s.
380
WANNER, Op. cit.
200

um espelho de prncipes (o Konungs skuggsj, composto na Noruega, em antigo


nrdico), as obras histricas de Snorri Sturlusson e Saxo Grammaticus esta ltima,
escrita em latim.
Na regio da Sucia tal processo deu-se de forma diversa. A despeito de no ter
passado por tal florescimento literrio nos sculos XII e XIII, os suecos produziram
um nmero maior de crnicas e obras escritas na Idade Mdia tardia, bem como em sua
transio para o perodo moderno. Soma-se a sua situao peculiar a j discutida
disseminao das estelas rnicas, em grau no equiparado na Dinamarca e Noruega.
Nesses sculos Escandinvia e Islndia possuem consolidados ou em processo
avanado de consolidao um nmero considervel de centros de produo intelectual e
erudita, providos de livros, capital humano frequentemente provido de formao em
centros no exterior, principalmente Paris e Inglaterra -, em adio a formas ideolgicas
crists razoavelmente enraizadas.
Lund, na Dinamarca atualmente, na Sucia -, aglutinou erudio em torno de
si, primordialmente da parte de seus eclesisticos. Alguns dos eruditos daneses de maior
destaque foram autores como Saxo Grammaticus (ca.1150-1220), Sven Aggesen
(1140/50? - ?), o prprio arcebispo Absalo (ca. 1128-1202) e Anders (1167-1228), seu
sucessor no arcebispado de Lund. O ltimo, citado por Saxo Grammaticus no Prefacio
da Gesta Danorum, descrito como algum que estudara em Frana, Itlia e
Bretanha. Gunnar de Viborg (1152-1251), autor do Cdigo Legal da Jutndia, primeira
legislao escrita da Dinamarca nome tambm merecedor de destaque381 dentre outros
referidos por Arnold de Lbeck (morto 1211/1214), autor da Chronica Slavorum382.

Rei Arcebispo
Eskil (ca.1100-1181)
Valdemar I (1157-1182)
Absalo (ca. 1128-1202):
Bispo em Roskilde: 1158-1192
Arcebispo em Lund: 1178-1202
Knut IV (1182-1202)
Valdemar II (1202-1241) Anders Sunesson (1167-1228)
Arcebispo em Lund: 1202-1228

Tabela 04: Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do sculo XIII. Do autor.

381
JANSEN & HANSEN 02ss.
382
DAVIDSON, Commentary, 11.
201

Na Islndia destacavam-se no apenas um, mas diversos centros de saber; as


escolas nas catedrais de Haukadalr, Hlar e Sklholt merecem meno, mas
principalmente Oddi, o centro de erudio mais consolidado no territrio islands e de
onde sairiam diversos bispos para Sklholt.
Dentre os oriundos de l podemos citar Saemundr Fri (1056-1133), o
estudado, o prprio Jn Loftsson (1124-1197), que adotou Snorri, como discutiremos
mais adiante, seu filho Pl Jonsson (1155-1211), bispo em Sklholt, anteriormente
estudante em Londres, aonde adquirira grande saber, segundo a Byskupa sgur383,
So Thorlkr (1133-1193), tambm bispo em Sklholt, estudara em Paris e Londres,
dentre outros eruditos.
Foi o ambiente de Oddi que propiciou a Snorri Sturlusson o conhecimento e
meios necessrios para sua grande produo escrita, ainda que e debata sobre a natureza
do que exatamente era ensinado ali.
Em Haukadalr estudara Ari orgilsson inn Fri (1067-1148), autor do
slendigabk, que narra a colonizao da Islndia, e provavelmente do Primeiro tratado
Gramtico (ca. 1160). Houve uma atribuio de sua autoria prpria Heimskringla, que
no aceite pelos acadmicos, e que ser comentada mais adiante.
O processo de adequao e insero da erudio escandinava no meio europeu
ocidental foi marcado pela produo de considervel quantidade de material a lidar com
perodos recuados nos tempos pagos da Escandinvia. As formas de se lidar com tal
passado pago foram mltiplas e variadas.
Na Islndia as sagas apresentam-no de maneira sbria, cronstica,
desapaixonada e bastante pessoal. Saxo Grammaticus e Snorri Sturlusson, ao
escreverem obras de maior abrangncia, inseriram tal passado em uma linha mais
ampla, conectiva dos tempos pagos ancestrais ao presente cristo.
Tradicionalmente, e mesmo dentre muitos autores contemporneos, considera-
se tal contexto como um momento de estmulo ao antiquarismo, de tentativa de resgate
de tradies e imaginrios, que corriam o risco de serem suplantados e esquecidos
frente ao fortalecimento da tradio crist.
Esta interpretao vem sido problematizada de forma diversa em tempos mais
recentes em obras como Snorri Sturluson and the Edda, de Kevin Wanner. O autor
apresenta o emprego do passado, das formas poticas e dos mitos antigos como formas

383
Byskupa sgur 1948: I 263.
202

de ganho e preservao de capital cultural assumindo por completo as acepes de


Bordieu - diante de um contexto cada vez mais internacionalizado, no qual os sales e
cortes enchiam-se de formas poticas estrangeiras.
Nesse contexto a compreenso e apreciao dos versos escldicos era limitada
a poucas pessoas e, consequentemente, o prestgio, influncia e alcance do prprio
Snorri era diminudo, em medida proporcional grande capacidade e conhecimento
demonstrados pelo mesmo nas formas de composio antigas384.
A despeito da maior relevncia e significado das obras de Saxo Grammaticus e
Snorri Sturlusson, tais autores no foram os nicos, tampouco primeiros a escreverem
histrias (ou tentativas de) de suas naes.
Na Dinamarca foram escritas histrias, crnicas ou obras de tal carter antes de
Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum. Por exemplo, a Gesta Suenomagni regis et
filiorum eius et passio gloriosissimi Canuti regis et martyris que, apesar de ter sido
escrita pelo monge ingls lnoth em 1120, tratava da vida de S. Knut e seus irmos.
Se tomarmos em considerao um escopo e interesses mais amplos, a
Chronicon Roskildense consiste na primeira obra que pode receber a nomenclatura de
uma histria danesa, tendo sido escrita nas proximidades de 1140.
Entre 1170 a 1220, encontramos no apenas a Gesta Danorum de Saxo
Grammaticus, mas tambm trs obras da autoria de Sven Aggesen385: um tratado legal,
uma histria poltica e uma linhagem rgia386.
De forma similar s circunstncias envolvendo a Gesta Danorum de Saxo
Grammaticus, no se sabe o nome exato da histria escrita por Sven Aggesen. O ttulo
Compendiosa regum daniae historiae, Histria resumida dos reis da Dinamarca,
encontrado no texto editado por Stephanius em 1642.
Christensen, em sua traduo de 1992 para a Viking Society foi Northern
Research adota-o e o traduz como A short history of the kings of Denmark. Como tais
ttulos evocam, trata-se de uma histria bastante breve, ainda mais se comparada
extenso da Gesta Danorum na qual provavelmente se baseou em algumas de suas
partes iniciais387.
O casal Sawyer apresenta uma diviso didtica das obras escandinavas,
agrupando autores segundo ideologias polticas. Sven Aggesen (na Dinamarca) e a

384
WANNER, 2008.
385
SAWYER & SAWYER, 2003: 221.
386
CHRISTIANSEN, 1992: 04.
387
CHRISTIANSEN, 1992: 22
203

Sverris saga (na Noruega) defenderiam ideais polticos teocrticos, de forma contrria
Gesta de Saxo Grammaticus (Dinamarca) e Theodoricus, na Noruega, que defenderiam
ideais da prpria Reforma gregoriana e em suporte primazia da Igreja. Por sua vez, o
islands Snorri traduziria bem a voz da aristocracia.
Estas diferenas de concepes polticas estariam ligadas s provenincias dos
autores, ou aos ncleos de poder aos quais os mesmos estariam ligados. Snorri advm
de um contexto islands no qual o conflito entre a tentativa do rei da Noruega em
concentrar poder e restringir a autonomia dos islandeses bate de frente com as prprias
tentativas de maior autonomia dos chefes locais da Islndia. Na Dinamarca, Saxo
Grammaticus estava diretamente sob comisso dos arcebispos de tradio reformada na
igreja danesa: Absalo e Anders Sunesson; j Sven Aggesen fora oriundo da famlia
Thurgot da Jutlndia, tradicional defensora dos privilgios do rei em relao Igreja.
Ora, necessrio cuidado na confeco de correspondncias unvocas to
claras e simples. Tomemos o caso especfico de Sven Aggesen. Querelas familiares no
consistem, em contexto algum, em processos simples e unvocos. O simples
pertencimento famlia dos Thrugut no define necessariamente a posio poltica de
Sven.
Destaquemos o bvio: a defesa de uma concepo teocrtica, medida em que
defende o rei enquanto enviado Terra, refora o seu poder e autonomia em relao a
Igreja e o coloca em posio igual ou superior ela, consistindo em contradio com as
ideias da reforma e os preceitos resumidos no Dictatus papae, que defendem
exatamente inverso, e um poder mais concentrado na mo dos religiosos.
Os Thugut e Sven Aggesen supostamente comungam de tal posio teocrtica.
Ora, da mesma famlia sara anteriormente Eskil. O arcebispo reformador
escandinavo. Devemos salientar que as memrias do arcebispo, escritas em seu exlio
em Clairvaux, sugerem que ele no se encontrava exatamente em bons termos com seu
irmo Aggi (pai de Sven), e suas posies polticas e religiosas podem explicar parte
considervel de tal mal-estar.
Em suma, correspondncias simples so teis, mas perigosas. Podem explicar,
mas podem esconder, e necessrio um olhar mais cuidados e aprofundado caso a caso.
Retornemos difuso de obras escritas. Ainda Peter e Birgit Sawyer388
explicam esta concentrao de escritos como reflexo da consolidao do poder real

388
SAWYER & SAWYER, 2003: 230.
204

noruegus e dans; a escrita histrica consistiria, nesses casos, de um sintoma de crise


das antigas estruturas e uma necessidade de fixao escrita do que se perdia. O estmulo
inicial fora a necessidade de legitimao do poder real aps perodos longos e
turbulentos de guerra civil.
Tal descrio tambm contm um elemento simplificante da situao, ainda
que razoavelmente fundamento, e a questionaremos adiante. Em suas linhas gerais, no
entanto, esta estrutura explicativa prov razes compreensveis para a diminuio da
escrita de cunho histrico na Dinamarca aps a dcada de 1230. No contexto
subsequente j ter ocorrido uma consolidao mais efetiva do poder real associado a
consequentes mudanas nas estruturas sociais e de poder, que incluram fortalecimento
da Igreja e da aristocracia, em conjunto com a realexa.
Destarte tambm possvel encarar a exploso de manifestaes escritas
enquanto respostas distintas e de matizes diversas apresentadas por igualmente diversos
extratos e grupos sociais s demandas das mudanas scio-polticas ocorridas em seu
tempo.

4.2 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradio islandesa

4.2.1 Histrico389

Snorri indubitavelmente o autor mais prolfico e influente do qual se possui


autoria confirmada no contexto escandinavo. A Sturlunga Saga detalha boa parte de sua
vida, passando um retrato de uma existncia rica, atribulada, ambgua e
interessantemente similar s narrativas que ele prprio escreveu.

Sturla oarsson ------ Gun Bvardttir


or Sighvtr Snorri
Bvar Sturla rkja
Tabela 05: Genealogia de Sturla oarsson. Do autor.

389
As informaes acerca de Snorri Sturlusson podem ser encontradas na Sturlunga Saga, uma coleo
de vrias sagas de autorias diversas efetuada no sculo XIII. A ttulo de praticidade empregaremos aqui
MAGNUSSON, Magnus & PLSSON, Hermann (trads). King Haralds saga: Harald Hardradi of
Norway from Snorri Sturluson. Translated with an introduction by Magnus Magnusson and Hermann
Plsson. New York : Dorset Press, 1986.Pp. 15-19.
205

Snorri nasceu em Hvamm, localizada no oeste da Islndia, em 1179, da famlia


dos Sturlungar, filho de Sturla oarsson e Gun Bvardttir. Dentre seus ancestrais,
tanto da linhagem paterna quanto materna, constam nomes proeminentes da histria
islandesa, como Snorri, o sacerdote, sobre o qual se pode ler na Harald Saga,
Gudmund o poderoso, personagem de destaque na Njals saga, Egil Skalagrimsson,
escaldo de grande fama que daria seu nome Egils saga e Markus Skeggjason, poeta e
legislador do Alingr390 (morto em 1107).
Snorri foi criado pelo aristocrata Jn Loftsson (1124-1197), na escola de
Saemundr Fri (Saemundr, o estudado) em Oddi como demonstrado pouco acima,
centro de maior destaque intelectual na Islndia de ento e local que propiciaria a ele
acesso a toda tradio histrica e literria disponvel a um islands do sculo XIII.
Jn Loftsson foi neto do rei Magnus III, o descalo (berftt) da Noruega, por
parte de sua me Thora, filha ilegtima do mesmo, e foi criado na Noruega. Os homens
de Oddi orgulhavam-se de seus vnculos com as dinastias reais norueguesas a ponto de,
em 1190, uma eulogia ser composta em homenagem a Jn, ligando sua linhagem casa
real norueguesa desde Halfdan, o negro.
Em suma, Snorri cresceu em um ambiente de simpatia ao rei da Noruega e que
lhe provia grandes estmulos e possibilidades intelectuais.
Sua adoo deu-se como forma de resolver um feudo entre seu pai Sturla e Jn,
consistindo em acordo particularmente vantajoso para Sturla, que possua menor
influncia e poder. Sem tal situao dificilmente Snorri teria tido acesso ao saber que
acumulou e sistematizou no decorrer dos anos.
Entre 1197 e 1215, Snorri acumulou terras, riquezas e influncia em diversas
regies da Islndia. Em 1215, aos 36 anos de idade, foi eleito legislador do Alingr, em
grande parte devido sua j desenvolvida fama como poeta. At ento Snorri
desenvolve particularmente a chamada poesia de corte, cultivada pelos islandeses nas
cortes reais escandinavas, com mtricas intrincadas, porm, j em seu perodo final.
Passa trs anos nesta posio e nesse perodo que sua trajetria poltica ser
intensificada e entrelaada com as disputas de poder, no processo centralizador real na
Noruega e Islndia.

390
Espcies de reunies, ajuntamentos ou assembleias formadas por homens livres, de carter
principalmente jurdico e legislativo, e comuns entre os povos de origem germana. Os ingi definiam a
aplicao das leis, banimento de criminosos, mas foi, por exemplo, um ingr que votou a adoo do
Cristianismo na Islndia, quando se reuniu (circunstncia no to comum) um ingr geral, ou Alingr.
ALINGI. BYOCK, Jesse. In: PULSIANO, Phillip et al. (Eds.). Medieval Scandinavia: An Encyclopedia
(Garland Encyclopedias of the Middle Ages). New York: 1993, p.10.
206

Em 1218 viaja para a Noruega a convite do rei Hkon Hkonarsson (ento com
10 anos de idade) e seu regente, Jarl Skuli. No ano seguinte viaja Sucia, sendo bem
recebido na corte de outro Jarl; desta feita, Jarl Hakon, o louco - para o qual Snorri j
compusera anteriormente um poema que lhe rendeu generosos presentes. Nesta ocasio
Snorri compor outro poema, nomead Andvaka, em honra viva do mesmo.
Estabelecer tambm contato com o legislador Eskil Magnusson e sua esposa Kristina
Nilsdottir Blake, circunstncias provveis nas quais Snorri tenha informado-se mais
detalhadamente sobre a histria sueca.
Os regentes noruegueses intitulam Snorri como skutilsvein, um ttulo similar ao
de cavaleiro. Tal movimento tem carter poltico, bem inserido nas estratgias de
extenso da autoridade real norueguesa Islndia, aproveitando-se da posio-chave de
Snorri junto ao Alngr.
Snorri retorna Islndia em 1220. Em agradecimento aos seus patronos
noruegueses, compe o poema Httatal (lista de mtricas), composto de 102 estrofes,
nas quais ele ilustra as diversas mtricas da poesia escldica, e com o qual encerra a
Edda menor. Em 1222 novamente feito legislador do Alngr, posio na qual
permanece at 1231.
significativo notar que, at ento, Snorri visto por seus prprios familiares
como defensor e simpatizante da monarquia, posio que lhe rendeu uma srie de
conflitos. Esta posio deve ser levada em considerao na leitura de anlise que, como
referimo-nos anteriormente, classificam simplisticamente Snorri como um porta-voz da
aristocracia islandesa.
As disputas polticas entre alguns goar na Islndia e entre os prprios
Sturlungar acentuam-se entre os anos de 1222 a 1231. Ocorre uma ciso entre os
Sturlungar; de um lado cooca-se Sighvatr, irmo de Snorri, com seu filho Sturla, em
oposio a Snorri com seu sobrinho da parte de or, Bvar.
Supe-se que Snorri tenha escrito a Heimskringla nos anos prximos a 1230.
Em 1232 ele no mais legislador do Alngr. O rei Hkon da Noruega convida os
goar da Islndia a irem para a Noruega, para, supostamente, mediar suas disputas.
Snorri retorna Noruega em 1237, mas comete um erro poltico e, ao invs de
apoiar ao rei Hkon, julga que seria mais proveitosa uma aliana com jarl Skuli. Nos
anos seguintes, Snorri retorna Islndia (1239), em meio a uma intensificao de
conflitos, principalmente com Gissur orvaldsson, enquanto na Noruega o rei Hkon
ocupa-se em seus prprios conflitos com jarl Skuli.
207

Skuli morto em 1240. Quanto a Snorri, seria morto em sua prpria residncia
em Reykholt por Arni Beiskur, em 1241. A unio da Islndia com a Noruega ser
ratifica pelo Alngr apenas em 1262, aps a continuidade de disputas, tanto interinas
quanto com a Noruega.
As obras de Snorri consistem na Edda menor, talvez a Egil saga391 e a
Heimskringla. de nosso interesse a anlise de partes especficas da Edda menor e da
Heimskringla, que o que faremos a seguir.

4.2.2 A Heimskringla

Trata-se de uma coletnea de sagas que apresentam os reis da Noruega,


precedidas por um incio evemerista; se inicia com a dinastia mtico-fundadora dos
Ynglingar, traando uma linha contnua de inn at Magnus Erligsson, morto em
1184. Possui carter eminentemente histrico e narrativo, numa busca de harmonizar as
tradies mticas com a sequncia cronstica de reis, histrica propriamente dita.
O nome significa, literalmente, crculo do mundo. So as duas primeiras
palavras do texto, Kringla heimsins, e passaram a ser usadas como ttulo da obra a
partir do sculo XVII. A principal caracterstica da Heimskringla o sequenciamento de
uma srie de sagas em uma nica obra, coerente, linear e, podemos acrescentar,
ambiciosa.
O manuscrito mais antigo da obra chamado de Kringla (Lbs fragm 82), que
data de ca. 1258-1264. Restou apenas uma folha, mas o mesmo foi copiado por sgeir
Jnsson no sculo XVII. Trata-se do manuscrito no qual a maior parte das edies se
baseiam. Outros manuscritos incompletos so o AM 39 fol (ca. 1300) e o Codex
Frisianus (AM 45 fol ca. 1300-1325) tambm chamado de Frssbk. Ambos bastante
similares ao Kringla392.
Em relao sua autoria, no h referncia explcita no texto ou nos
manuscritos existentes. A autoria de Snorri foi creditada em 1551, na traduo para o
dinamarqus feita por Peder Claussn Friis e Laurents Hanssn, e tm-se aceito a ideia

391
A atribuio da autoria da Egils Saga Skalagrmssonar Snorri Sturlusson foi proposta por Gruntvig
primeiramente em 1818 em sua traduo da Heimskringla, mas ganhou fora aps a traduo de Sigurur
Nordal em 1933. No aceite de forma plena e consensual. Diversos autores, dentre eles CORMACK
(2001) e BOULHOSA (2005) questionam-na, em discusso similar prpria discusso sobre a atoria da
Heimskringla.
392
FINLAY & FAULKES. 2011: xiii.
208

de que os mesmos tinham acesso a manuscritos agora perdidos que continham a autoria
expressa, com poucas excees.
Jon Gunnar Jrgensen v tal crena num manuscrito predido como pouco
convincente, sugerindo que a alegao da autoria de Snorri da parte de Friis e Hanssn
fundamamentam-se menos na tradio datada dos tempos medievais do que na
discusso acadmica do prprio sculo XVI. Salienta que um dos manuscritos da obra,
o Codex Frisianus (F), atribui a autoria a Ari orgilsson inn Fri, e que Friis e
Hanssn deliberadamente teriam desconsiderado tal atribuio393.
Jonna Louis-Jensen (1997)394, Alan Berger (1999)395, Margaret Cormack
(2001)396 e Patrcia Pires Boulhosa (2005)397 tambm questionam a autoria de Snorri.
Em adio aos problemas levantados por Jrgensen, adicionam questes envolvendo a
autoria individual e coletiva no medievo.
So, no entanto, poucas vozes dissonantes em meio a uma tradio bem
estabelecida que aceita de bom grado a autoria de Snorri Sturlusson, nem que por
convenincia398.

4.2.3 A Edda menor

A Edda menor, tambm chamada de Edda em prosa, ou Edda de Snorri, uma


obra que no pode ser classificada em gneros conhecidos. Ela contm uma coletnea
significativa de mitologia escandinava (Gylfaginning o engano de Gylfi), uma
espcie de ars potica scldica (Skldskaparml), e um poema em homenagem ao rei
noruegus (Httatal), precedidos por prlogo que obra prima de evemerismo.
No existe um manuscrito que contenha a Edda de Snorri completa. Os
principais manuscritos so o Codex Regius (GKS 2367 4to; 1 metade do XIV, tambm
chamado de Konungsbk), o Codex Uppsaliensis (DG 11 4to; 1 quarto do sculo XIV),
o Codex Wormianus (AM 242 fol, metade do XIV) e o Codex Trajectinus (MSS 1374,

393
JRGENSEN, Jon Gunnar. Snorre Sturlesns Fortale paa sin Chrnicke: Om kildene til
opplysningen om Heimskringlas forfatter. Gripla 9, 1995. Pp.4562.
394
LOUIS-JENSEN, Jonna. Heimskringla: Et vrk af Snorri Sturluson?. In: Nordica Bergensia, 14, 1997.
Pp. 230-245.
395
BERGER, Alan J. Heimskringla and the Compilations. In: Arkiv fr nordisk filologi, 114, 1999.
Pp.05-15.
396
CORMACK, Margaret. Egils saga, Heimskringla and the Daughter of Eirkr blx. In: Alvssml,
10, 2001. pp.66s.
397
BOULHOSA, Patricia Pires. Icelanders and the Kings of Norway: Mediaeval Sagas and Legal Texts.
Leiden and Boston: Brill, 2005. Pp.08-10.
398
JNSSON, 1911; WANNER, 2008: 26ss; FINLAY & FAULKES, 2011: vii s.
209

cpia feita no sculo XVI de um manuscrito do sculo XIII, conhecido tambm como
Trektarbk) 399.
Os manuscritos no concordam totalmente entre si, sua relao complexa e
alguns tambm trazem outras obras. Dentre os principais se destacam o Codex Regius e
o Codex Uppsaliensis. O Codex Regius o mais completo, e normalmente utilizado
para as edies da Edda. O Codex Uppsaliensis, no entanto, mais antigo, contm
menos inseres e mais condensado que o Codex Regius. O Codex Wormiamus possui
uma verso bastante extendida do Prlogo, contendo inseres com referncias bblicas
e a deuses gregos, mas tambm contm outros materiais relativos poesia, incluindo o
Primeiro Tratado Gramatical.
Uma das primeiras Stemma foi proposta por Van Eeden no final do sculo XIX,
com acrscimos de Finnur Jnsson na dcada de 1930:

Figura 19: Van EEDEN, Stemma. In: JNSSON, Finnur (ed.). Edda Snorra
Sturlusona: Udgivet efter hndskrifterne. Nordisk Forlag: Kbenhavn, 1931 P.
XXXVII.

Segundo tal interpretao, uma verso original P teria dado origem a duas
outras redaes, respectivamente x e z. Enquanto x originaria o Codex Wormianus (W)
em um ramo e o Regius (R) e o Trajectinus (T) em outro, a redao z daria origem ao
Codex Uppsaliensis (U).
Muitas outras proposies foram colocadas ao longo dos tempos sobre a
situao, mas no cabe aqui discutirmos uma a uma. Uma tese geralmente aceita de
que todos os manuscritos baseiam-se em um exemplar perdido, e duas posies
contraditrias so dominantes: ou Codex Uppsaliensis foi uma verso encurtada do
Codex Regius, ou este foi uma verso ampliada daquele400.
Plsson partidrio de uma terceira opo, baseada na tese de doutoramento de
Friedrich Mller, defendida em 1941 e intitulada Untersuchungen zur Uppsala-Edda.

399
ROSS, Margaret Clunies. A History of Old Norse Poetry and Poetics. Woodbridge: Boydell &
Brewer, 2012[2005]. P.151.
400
PLSSON, 2012: xlii.
210

Segunda esta teoria, o prprio Snorri escrevera duas verses da Edda, que teriam dado
origem s duas principais redaes conhecidas atravs de U e R401.
A edio de Finnur Jnsson, baseada primariamente no Codex Regius , antes
de uma edio de um dos cdices, um reflexo da tentativa do mesmo de se chegar a uma
forma arquetpica ou original, objetivo que tem sido considerado impossvel402.
Em relao autoria, a Edda atribuda a Snorri no Codex Uppsaliensis, no
qual se l em sua pgina inicial:

Este livro se chama Edda. Ele foi compilado (seiti saman) por Snorri
Sturlusson da maneira que est ordenado aqui.

(Codex Uppsaliensis, Cabealho do f.2r, p.1. Traduo e itlico


nossos) 403

No prprio DG 11 4to, um cabealho no Httatal nomeia novamente Snorri


enquanto seu autor. O tratado gramatical contido no W cita o Httatal, tambm
afirmando a autoria de Snorri. H outras referncias medievais a sua autoria; a Hkonar
Saga e o Terceiro tratado gramatical citam o Httatal, afirmando a autoria de Snorri
Sturlusson, e o manuscrito AM 748 I b 4to, fragmentrio, atribui a autoria de Snorri ao
Skldskaparml404.
Arngrmur Jnsson (1568-1648) foi o primeiro a propr de forma consistente a
autoria de Snorri na Edda, e esta viria a ser bem aceita pelas geraes subsequentes405. A
existncia de interpolaes, mistura de textos antigos e de outros autores, no entanto,
tema que frequentemente volta pauta, dadas diferenas considerveis dentro do
prprio texto e em alguns manuscritos.
O trecho que nos interessa em particular, o Prlogo, de longe a parte da Edda
com maiores discordncias entre os diferentes cdices, e que mais viria a levantar
hipteses sobre autorias diversas. Em breve voltaremos a discut-lo em detalhes.
Quanto aos propsitos de Snorri em escrever a Edda, h dois postulados que
so veiculados pela grande maioria dos acadmicos que j os estudaram; o primeiro a
afirmao de que Snorri organizou a Edda fazendo um trabalho de antiquarista,

401
PLSSON, 2012: xliii.
402
FAULKES,Anthony (ed.) Edda: Prologue and Gylfaginning. University College London: Viking
Society for Northern Research, 2005. P. xxx.
403
Bk essi heitir Edda. Hana hefir saman setta Snorri Sturluson eptir eim htti sem hr er skipat..
In: PLSSON, 2012:.06.
404
FAULKES. 2005: xiv.
405
Idem, xiv.
211

construindo uma coletnea de mitos e formas poticas efetuadas por um indivduo


interessado na preservao do passado islands.
O segundo associa a vida de Snorri com a Era dos Sturlungs e enfatiza as
dualidades e contradies entre um homem avarento, ambicioso, poltico astuto e com
sede de poder, em contrapartida ao homem das letras, do saber, interessado na escrita
potica e histrica.
Estas ideias podem ser encontradas desde os autores do sculo XIX, passando
por tradues mais voltadas a um pblico geral como a de Brodeur em 1916, at autores
contemporneos como Anthony Faulkes406.
Kevin Wanner voz dissidente. Em seu livro407, estuda a Edda de Snorri luz
das ideias de Bordieu, interpretando a mesma enquanto uma tentativa da parte de Snorri
de preservar suas prprias formas de capitais; seu conhecimento do passado e das
formas poticas e sua habilidade em empreg-las paulatinamente perdiam espao em
razo das modificaes sofridas pelas sociedades da Islndia e da Escandinvia.
Sua poesia no era mais compreendida; os mitos nos quais suas figuras de
linguagem baseavam-se no eram mais conhecidos. Dessa forma, sua prpria habilidade
e, podemos dizer, arte, no eram reconhecidos, tampouco lhe traziam retorno em termos
de prestgio, poder e influncia.
A composio da Edda fora, antes de uma obra de objetivo antiqurio, um
modo de tentar reverter a situao. Provavelmente o poema Httatal fora composto
primeiramente; as sees explicativas, contendo a coletnea de formas poticas e os
mitos que as sustentavam provavelmente foram compostas depois. O prolgo seria
adicionado ainda posteriormente, consistindo em uma explicao racionalizada e
evemerista do autor sobre os mitos ali inseridos.

406
FAULKES, 2005: xvi.
407
WANNER, 2008.
212

4.2.4 As interpretaes histrico-geogrficas da Heimskringla e da Edda Menor

O incio da Ynglingasaga, na Heimskringla, nos apresenta a compreenso de


mundo de seu autor que, conforme discutimos acima, no temos certeza se foi Snorri -
e o conhecimento geogrfico acumulado pelo mesmo:

Diz-se que o crculo da terra no qual a raa humana habita est


dividido/cortado por muitas reentrncias; dessa forma grandes mares
correm adentrando a terra, (vindos do) oceano. Assim sabido que h
um grande mar que vai Narvesund (Gibraltar), e at Jerusalm.

Do mesmo mar uma longa reentrncia martima se estende em direo


ao nordeste, e chamado de Mar Negro (Svartahaf); divide as trs
partes da terra: a leste chamada sia, e a oeste chamada por alguns
Europa, por alguns Enea. Ao norte do Mar Negro se encontra Svj,
a Grande, ou a fria; a Grande Svj chamada por alguns homens
de no menor que a Grande Serkland; outros a comparam Grande
Blland.

A parte norte de Svj fica desabitada em virtude da geada e do frio,


assim como a parte sul de Blland devido ao calor do sol.

Em Svj existem muitos grandes domnios, e muitas raas de


homens, e muitas lnguas: ali h gigantes, e ali h anes, e ali h
homens azuis, e h todo tipo de criaturas estranhas, ali h imensas
bestas selvagens, e temveis drages.

No lado sul das montanhas que ficam na orla externa de todas as terras
habitadas corre um rio chamado Svj, que corretamente chamado
pelo nome de Tanais; mas foi anteriormente chamado de Tanakvsl,
ou Vanakvsl, e que desgua no Mar Negro.

(as terras/o pas) no Vanakvsl foi chamado de Vanaland, ou


Vanaheimr; e o rio separa as trs partes do mundo: a parte oriental
chamada de sia, e a ocidental Europa.

(Heimskringla, Ynglingasaga, 01. Verso nossa) 408

408
Kringla heimsins, s er mannflkit byggvir, er mjk vgskorin; ganga hf str r tsjnum inn
jrina. Er at kunnigt, at haf gengr fr Nrvasundum ok alt t til Jrsalalandz; af hafinu gengr langr
hafsbotn til landnorrs, er heitir Svarta-haf.
skilr heimsrijungana: heitir fyrir austan s, en fyrir vestan kalla sumir Eurp, en sumir ne. En
noran at Svarta-hafi gengr Svj in mikla ea in kalda; Svj ina miklu kalla sumir menn eigi minni
en Serkland it mikla; sumir jafna henni vi Blland it mikla; inn nrri hlutr Svjar liggr byggr af
frosti ok kula, sv sem inn syri hlutr Bllandz er aur af slarbruna. Svj eru strheru mrg; ar
eru ok margs konar jir ok margar tungr: ar eru risar ok ar eru dvergar, ar eru ok blmenn, ok ar
eru margs konar undarligar jir, ar eru ok dr ok drekar furuliga strir. r norri fr fjllum eim, er
fyrir tan eru bygg alla, fellr um Svj, s er at rttu heitir Tanais, hon var forum kllu Tanakvsl
ea Vanakvsl; hon kmr til sjvar inn Svarta-haf. Vanakvislum var kallat Vanaland ea
Vanaheimr. S skilr heimsrijungana: heitir fyrir austan s, en fyrir vestan Eurp. In: JNSSON,
1911: 04.
213

A passagem nos revela a incorporao de um saber geogrfico medieval amplo,


veiculado no apenas no Mappamundi islands e nos itinerrios, mas nos tratados
geogrficos medievais e demais mappaemundi da Europa Ocidental.
Snorri, Ari, ou quem quer que tenha sido seu autor assimila e reproduz
textualmente as concepes de mundo e terminologias macrobianas de zonas climticas
habitadas e desabitadas, especificamente a diferenciao especfica de uma zona fria e
uma desabitada quente:

A parte norte de Svj fica desabitada em virtude da geada e do frio,


assim como a parte sul de Blland devido ao calor do sol.

A terra por ele descrita como tripartite:


(...) divide as trs partes da terra (...).

Tal concepo evoca de imediato a tripartio to frequente no medievo,


derivada de Isidoro de Sevilha e espelhada inclusive na confeco dos mapas T-O,
segundo qual a Terra seria habitada pelos filhos de No: Shem, Kham e Yaffet que
povoariam, respectivamente, sia, frica e Europa. Esta diviso o parmetro
organizacional empregado no Mappamundi islands por ns analisado no capitulo
anterior.
No entanto, a forma como o autor prossegue na narrativa da Ynglingasaga no
espelha esta diviso ou, ao menos a adapta:

(...) a leste chamada sia, e a oeste chamada por alguns


Europa, por alguns Enea. Ao norte do Mar Negro se encontra Svj,
a Grande, ou a fria; a Grande Svj chamada por alguns homens
de no menor que a Grande Serkland; outros a comparam Grande
Blland.

A diviso em sia e Europa refletida nas direes cardinais de leste e oeste.


Entretanto, ao invs de prosseguir para sul, o texto continua descrevendo o norte: Ao
norte do Mar Negro se encontra Svj, a Grande, ou a fria.
Para complicar a situao, a frica e a diviso das guas presentes nas
concepes isidorianas so transformadas em produtos especficos dessa obra: se na
primeira tradio os braos divisrios das guas so o Mediterrneo e o Tanais/Don,
214

aqui o Mar Negro assume o papel do Mediterrneo, enquanto o Tanais/Don permanece


em sua funo.
A frica citada, porm comparativamente, e assumindo um sentido diverso;
ao comparar a grande Svj, em termos de tamanho Grande Blland,
particularmente citando-a tambm como a fria, o autor est adaptando a ideia
macrobiana e grega do continente Antpoda em uma zona climtica diversa.
Blland o termo empregado para a frica, significando terra azul.
Serkland, como j visto nos Capitulos 02 e 03, pode se referir s terras alm do Mar
Cspio ou o mundo Islmico. Dessa forma, a diviso tripartite da terra e a diviso em
zonas climticas macrobianas apresentam-se enquanto ideias externas ao conhecimento
do autor, possivelmente conceitos no de todo dominados por ele.
possvel tambm que o autor da Heimskringla, tendo conhecimento das
tradies geogrficas ocidentais e islmicas tendo-se em mente que os mapas
islmicos tambm empregaro, ainda que de forma muito distinta, conceitos de zonas
climticas, delas discorde e simplesmente prefira expor a sua viso de como mundo se
organiza.
No de todo surpreendente que a regio circunscrita a Bizncio e Rus
tomem maior importncia em sua histria do que o Mediterrneo, dados os eventos que
posteriormente ele narrar, envolvendo a migrao dos ancestrais dos Escandinavos,
ponto ao qual retornaremos brevemente, bem como o histrico escandinavo na Rus.

4.2.5 O prlogo da Edda Menor

Se recuarmos temporalmente na produo cuja autoria esta mais claramente


associada a Snorri Sturlusson e atentarmos para o prlogo da Edda, encontraremos uma
diviso do mundo organizada de forma muito mais livresca, mas uma situao
infinitamente mais complexa. Cada um dos principais manuscritos da Edda traz o
Prologo de forma diversa e muito j se discutiu sobre o trecho. A verso mais longa a
contiga no Codex Wormianus. O trecho a seguir o contido no Codex Regius, que
contm menos interpolaes que W, mas no est to condensado como U:

O mundo foi dividido em trs partes. Do sul em direo a


oeste pelo Mar Mediterrneo est a parte chamada frica. Sua regio
meridional quente e castigada pelo sol. A segunda regio comea no
oeste e continua a norte pelo mar; chamada de Europa ou Enea. Sua
215

regio norte to fria que nenhuma grama cresce e ningum pode


sobreviver ali. Do norte e (indo) para a parte oriental at o sul, ali
chamada de sia409.

(Edda menor, Codex Regius. Prlogo; seo 2.Verso nossa)

A passagem est plenamente de acordo com as tradies geogrficas medievais


ocidentais e a concepo tripartite de mundo; chega preciso de delinear subdirees;
do sul em direo a oeste, comea no oeste e continua a norte, do norte / para o
continente oriental (...). Esto discriminados frica, Europa - cujo prprio nome da
tradio greco-romana, Enea, dado, e a sia.
A concepo zonal e de regies desabitadas tambm est inserida no trecho,
incorporada na frica e ao norte da Europa. Em suma, uma descrio que cabe
perfeitamente tradio de Isidoro e que insere satisfatoriamente concepes
macrobianas.
No Codex Wormiamus h uma grande insero entre a primeira parte do
Prlogo, que contm uma breve descrio da criao do mundo e da queda do homem, e
a parte concernente diviso da Terra em trs partes. O princpio de tal insero d-se
da seguinte forma:

Em sua velhice No dividiu o mundo com seus filhos. Planejou para


Kham a parte oeste, para Yaphett a parte norte, e para Shem a parte
sul410

(Edda Menor, Codex Wormianus. Prlogo. Verso Nossa)

De incio, a passagem parece um contrasenso, visto que coloca Kham a


ocidente e Shem para sul. Pelo contrrio, o decorrer do trecho trar uma reflexo e
elaborao considerveis sobre o texto bblico; a continuidade da narrativa dissertar

409
Verldin var greind rjr hlfur. Fr suri vestr ok inn at Mijararsj, s hlutr var kallar Affrca.
Hinn syri hlutr eirar deilar er heitr ok brunninn af dlu. Annarr hlutr fr vestri ok til norrs ok inn til
hafsins, er s kallar Evrop ea Enea. Hinn nyrri hlutr er ar kaldr sv at eigi vex gras ok eigi m
byggja. Fr norri ok um austrhlfur allt til surs, at er kallat As. In: FAULKES, 2011: 04.
410
elli sinni skiptir Ni heiminum me sonum snum. tlai hann Cham vestrhlfu, en Japheth
norrhlfu, en Sem surhlfu.
In: The extended Prologue to Gylfaginning from Codex Wormianus [W] with the extended portions
highlighted in red. Obtido em:
<http://www.germanicmythology.com/ProseEdda/AndersonPrologue.html>
Edio crtica e anlise contidas na tese de doutoramento de Tarin Willis:
< http://homepages.abdn.ac.uk/cgi-bin/cgiwrap/wag017/mg-
new.cgi?t=1&idl=1&nf=1&w=go&w=sm.1>. ltimo acesso e 12/11/2004.
216

sobre o desenvolvimento dos homens, o crescimento de seu conhecimento e soberba, e


de que forma os descendentes de Kham habitariam a parte destinada a seu irmo, Shem.
A incluso posterior da referncia construo de Sinnear pelos mesmos demonstra
reflexo sobre o captulo 10 do Gnesis, particularmente o verso 10, quando se afirma
que os descendentes de Kham teriam construdo Sinnear, na Mesopotmia.
difcil harmonizar os textos, adies e discordncias. A depreender-se pelas
inseres do Codex Wormianus, seu autor possui concepes cosmolgicas prprias,
no necessariamente equivalentes s veiculadas nas outras partes do Prlogo. De fato,
esta mo demonstra uma elaborao bblica a nvel de algum letrado teologicamente,
diversamente do leigo Snorri.
Mais adiante, no prprio W, a genealogia apresentada ser consideravelmente
extendida. Nos outros cdices ela vai dos reis de Tria aos deuses escandinavos
evemerizados enquanto humanos de grandes feitos. Aqui, ela se extende rumo ao
passado, de Pramo at Saturno, de forma encontrada em outras fontes e autores do
medievo ocidental como Honorius Augustodunensis, De imagine mundi III e o chamado
Primeiro mitgrafo411, demonstrando conhecimento adicional da tradio letrada.
Se nos parece bastante evidente que as inseres feitos no Prlogo em W no
devem ter sua origem em Snorri, no nos parece to clara a mesma situao no que se
refere ao Prlogo em suas verses menores.
A questo da autoria de Snorri no prlogo da Edda e na Heimskringla
influencia decisivamente na interpretao dos extratos de fonte analisados at ento.
Caso considere-se Snorri o autor tanto da Heimskringla quanto do Prlogo da
Edda, como compreender tal diferena de concepo em duas obras escritas em
perodos razoavelmente prximos pelo mesmo indivduo?
Podemos levantar a hiptese de uma maturao e desenvolvimento de uma
viso cosmolgica da parte do prprio Snorri, que pode ter se modificado e incorporado
outras vises do mundo desde sua viagem a Escandinvia at seu retorno Islndia.
Poderamos alegar, de forma diametralmente oposta, que ou Snorri, ao criar sua
cosmologia, partiu do conhecimento livresco disponvel ao erudito comum do medievo
ocidental, dirigindo-se a uma adaptao prpria sua do mesmo, ou que, partindo de um
conhecimento circunscrito geogrfico do meio islands, gradualmente tomou
conhecimento e domnio da tradio geogrfica europeia mais ampla.

411
FAULKES, Anthony. Descent from the Gods. In: Mediaeval Scandinavia 11, 1978-89. P.12.
217

Outra explicao, de longe favorita para os mitlogos, a que foram feitos


adendos e interpolaes por outrem no Prlogo. Assim a passagem no seria
inteiramente da pena de Snorri e conteria elementos de outros autores, principalmente
no que toca ao emprego da tradio crist e greco-romana. Tal explicao se insere na
discusso no resolvida sobre o nvel do conhecimento de latim e da tradio clssica da
parte de Snorri e, como demonstramos acima, vlida ao menos em alguns
manuscritos, como o Codex Wormianus.
Julgamos conveniente pressupor a autoria de Snorri tambm no Prlogo da
Edda, ainda que no estejamos to certo quanto mesma na Heimskringla. J
afirmamos que as inseres do Codex Wormianus devem ser de outra mo; certamente
destoam grandemente do texto como um todo. Quanto ao ncleo do Prlogo, no
problema pressupormos que, a despeito de um tratamento diferente da tradio como
em breve discutiremos, no h um impedimento que Snorri tenha tomado uma atitude
dupla de contar os mitos nrdicos em uma seo e analis-los no prlogo da obra.
A despeito das divergncias e mudanas entre os cdices, a primeira passagem
transcrita comum a todas as verses. A concepo livresca tripartite do mundo
afirmada. As interpolaes do Wormianus omitem o leste na diviso do mundo. As
outras passagens, comuns aos demais cdices, entretanto, associam-no sia e
caracterizam-no da seguinte forma - citamos aqui techo do Codex Regius, ao falar da
sia:
Tudo nesta parte do mundo belo e excelente, e a terra produz
ouro e pedras preciosas. Ali tambm o meio do mundo; e assim
como a terra nesta regio mais bela e melhor de todas as maneiras
que os outros lugares, assim tambm as pessoas ali so abenoadas
com todas as ddivas: sabedoria e fora, beleza e toda forma de
habilidade.412

(Edda menor, Codex Regius. Prlogo; seo 2.Verso nossa)

Uma concepo ligada tradio clssica e, particularmente, crist. O texto


contm uma clara emulao do simbolismo que gira em torno do den no Gnesis, e na
Cidade Celestial do Apocalipse, como por exemplo nas referncias da produo de

412
eim hlut veraldar er ll fegr ok pri ok eign jarar vaxtar, gull ok gimsteinar. ar er ok mi
verldin; ok sv sem ar er jrin fegri ok betri llum kostum en rum stum, sv var ok mannflkit
ar mest tignat af llum giptum, spekinni ok aflinu, fegrinni ok alls kostar kunnustu. In: FAULKES,
2011: 04.
218

ouro e pedras preciosas. H uma srie de versos bblicos que podem ser origem de
alguns termos como (...) todas as bnos: sabedoria e fora, beleza, e toda forma de
habilidade, tornando difcil uma associao nica.
As ideias expressas no versculo de Gnesis 02:08 e no captulo 21 do
Apocalipse que trata da Jerusalm celestial - so fundamentais nas associaes e
criao de tradies que ligam o leste ao paraso, a utopias e similares, de forma
demasiadamente ampla e disseminada na Cristandade Medieval413 para ser discutida
aqui. A localizao do den claramente referida no texto bblico como no Oriente:

E plantou o SENHOR Deus um jardim no den, na direo do


Oriente, e ps nele o homem que havia formado.

(Gn. 02:08; Bblia Sagrada; Verso Almeida Revista e atualizada)

Esse sentido, dotado de matiz religiosa, pode encontrar alguma contraparte ou


eco distante em tradies nativas escandinavas, mas por meio de significativa
ressignificao.
Citamos no captulo anterior uma referncia da Edda, no do Prlogo, mas do
Gylfaginning. Nessa seo Snorri conta diversos mitos escandinavos. Em um deles, rr
est ausente de sgarr, pois (...) ele tinha ido para o leste/o caminho oriental para
destruir trolls414.
Atkinson defende a ideia de que na cosmologia escandinava antiga haveria uma
associao do leste com o reino dos mortos, de Austrvegr como regio similar a Hell.
Para tanto, alm da passagem supracitada e de estudos de Turville-Petrie que associam
criaturas mticas a Austrvegr, ele emprega diversas das inscries nas estelas rnicas
referindo-se aos mortos no leste415.
No se trata de uma ocorrncia isolada, ainda que a conexo no seja totalmente
clara e necessite de intermediaes. Algumas das narrativas de viagem terra dos
mortos tratam da ida aos domnios de Geirrr416. Em algumas partes das
Fornaldarsgur, como no captulo 23 da rvar-Odds Saga e nos captulos 5 e 11 da
orsteins saga Vkingssonar, os domnios de Geirrr esto localizados

413
RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros Ribeiro. O Inferno e o Paraso: Cartografia e Paisagem (Scs.
XII-XV). In: Histria Revista. Dossi: Idade Mdia. 5(1/2); jan./dez., 2000. P.25.
414
() en hann var farinn Austrveg at berja troll. In: PLSSON, 2012: 60.
415
ATKINSON, Hugh. Upp ek r verp ok Austrvega: death overseas and the dead in the East.
Comunicao apresentada na XIV Saga Conference, Austrvega, 2008.
416
ELLIS, 1968: 171.
219

inequivocamente no leste um leste materializado, enunciado aps a enumerao de


outros domnios conhecidos de Austrvegr e Gararki.
Adicionano-se tambm as discusses pertinentes s estelas rnicas apresentadas
no captulo 02 desta tese, a hiptese de Atkinson parece-nos plausvel, ainda que em
necessidade de maior verificao. Conforme j discutido, h uma pequena porcentagem
do total das estelas que lida com expedies vikings. Dessa, uma parcela considervel
trata do leste; igualmente, tomando-se a amostra como um todo, porcentagem razovel
contm referncias a mortos.
Destarte, abre-se o espao para a discusso sobre a funo memorial em relao
aos mortos, inserindo-se uma dimenso religiosa alm; porm perdura a necessidade de
se analisar de forma balanceada toda a evidncia das estelas, incluindo os percentuais de
outras sries que lidem com temticas similares. A questo permanece em aberto.
Retornando Edda, fica evidenciada a associao do leste a um imaginrio
geogrfico advindo da tradio crist, com nuances no campo do religioso, e que pode
ser entrelaado com conceituaes cosmolgicas de tradies mais antigas da
Escandinvia.
A contraparte clssica fornecida pela passagem dar-se- na continuidade do
texto, ao traar a genealogia dos deuses no paganismo escandinavo com o emprego do
conceito evemerista.

4.2.6 O Evemerismo

Por evemerismo compreende-se uma forma hermenutica desenvolvida desde o


helenismo segundo a qual os deuses seriam homens cujos feitos foram amplificados
pela passagem do tempo e a tradio mtica. Recebeu seu nome do helnico Euhemeros,
do sculo III a.C., mas formas similares de interpretao foram usadas por autores
anteriores a ele como o prprio Herdoto, e continuariam sendo empregadas por autores
dos mais distantes contextos na antiguidade e do medievo, incluindo Clemente de
Alexandria, Isidoro de Sevilha e Roger Bacon. Pode tambm ser chamado de uma
interpretao histrica, ou mesmo hitoricizante, da mitologia.
Na introduo da Heimskringla, em conjunto com o prlogo da Edda menor e
sua primeira parte (Gylfaginning), temos uma elaborao erudita e coerente da parte de
Snorri - e de quaisquer outros autores que tenham feito ao texto - que liga as divindades
escandinavas dos tempos pagos aos reis dos sculos XII e XIII, numa linha
220

genealgica contnua e, podemos at mesmo dizer, racional.


Os deuses do paganismo escandinavo so descritos como homens notveis,
heris e reis da antiguidade que adquiriram proeminncia no norte devido s suas
caractersticas excelentes.
Na Ynglingasaga a narrativa se sucede h pouco apresentada descrio do
mundo. Aps afirmar a diviso tripartite do mesmo e citar o rio Tanais/Don
(Tanakvisl/Tanaquisl), o autor continua:

(o pas) para leste do Tanaquisl na sia foi chamado saland ou


saheimr, e a cidade capital daquela terra foi chamada sgarr.
Naquela cidade houvera um chefe que era chamado inn; ali foi um
grande lugar para sacrifcio. Foi costume ali que doze sacerdotes do
templo deviam tanto dirigir os sacrifcios como tambm julgar as
pessoas. Eles foram chamados de dar, ou drttnar; a eles servia e
obedecia todo o povo.
inn foi um grande e bem-viajado guerreiro, que conquistou muitos
reinos. Ele era to bem-sucedido em cada batalha que a vitria estava
do seu lado; era a crena de seu povo que a vitria pertencia a ele em
cada batalha (...)
Seu povo tambm estava habituado, estivessem em perigo em terra ou
mar, a chamar o seu nome, e pensavam que sempre eles teriam
conforto e auxlio por meio dele, pois pensavam que aonde ele
estivesse a ajuda estaria por perto.
Ele geralmente viajava to longe que passava muitas temporadas em
suas jornadas417.

(Heimskringla, Ynglingasaga, seo 2. Verso nossa)

Aqui o uso do leste, da sia, associado primariamente tradio mtica


nrdica, e ao lugar de maior ressonncia da mitologia escandinava: sgarr, a cidade
dos deuses.
Snorri esvazia o contedo mtico de tal faceta, racionalizando-o e definido-o
geograficamente. Os prprios nomes das divindades e do continente facilitam sua
transposio: a famlia principal dos deuses, da qual inn o lder inconteste, a
famlia dos sir. Nada mais natural que seja feita a associao entre saland/

417
Fyrir austan Tanakvsl s var kallat saland ea saheimr, en hfuborgin, er var landinu,
klluu eir sgar. En borginni var hfingi s, er inn var kallar; ar var bltstar mikill. at var
ar sir, at xii. hofgoar vru ztir; skyldu eir ra fyrir bltum ok dmum manna milli; at eru dar
kallair ea drttnar; eim skyldi jnostu veita ok lotning alt flk.
inn var hermar mikill ok mjk vfrull ok eignaist mrg rki; hann var sv sigrsll, att hverri
orrostu fekk hann gagn; ok sv kom, at hans menn tru v, at hann tti heimilan sigr hverri orrostu(...)
Sv var ok um hans men, hvar sem eir uru nauum staddir sj ea landi, klluu eir eiga nafn
hans, ok tti jafnan f af v fr; ar ttusk eir eiga alt traust, er hann var. Hann fr opt sv langt
brott, at hann dvalisk ferinni mrg misseri. In: JNSSON, 1911: 04s.
221

saheimr, terra dos aesir com a sia.


O discurso evemerista mais completo e elaborado de Snorri, entretanto, se d
na Edda, em seu prlogo. Seu incio d-se com a prpria parfrase do texto bblico:

O Deus todo poderoso criou no princpio os cus e a terra e tudo


o que neles h, e no fim criou duas pessoas, Ado e Eva, e deles
vieram cls, cujos descendentes multiplicaram-se e espalharam-se
pelo mundo todo (...) mas a grande maioria voltou-se para os desejos
deste mundo e negligenciou os mandamentos de Deus418.

(Edda menor, Codex Regius. Prlogo. Verso nossa)

Prossegue dando continuidade narrativa do dilvio, ao repovoamento da


Terra e repetio da desobedincia a Deus. O que se passa a seguir uma reflexo
extremamente racional das explicaes mticas. Posteriormente, na Gylfaggining, Snorri
mostrar como as narrativas cosmolgicas escandinavas pags descrevero a formao
do mundo atravs do cadver do gigante Hmir; de seus ossos vieram as montanhas, de
seu crebro as nuvens, de sua carne a terra e assim por diante.
Aqui, no prlogo, Snorri busca compreender como se desenvolvera tal forma
de explicao natural. Tal discurso dado aps a narrativa do dilvio e da repetio dos
erros dos homens que, no obstante, teriam sido agraciados por Deus com a sabedoria.
por meio do uso dessa sabedoria que Snorri faz a ponte para a descrio a seguir:

Ele tambm lhes deu a sabedoria para compreender todas coisas


terrenas e todas as partes separadas que pudessem ser vistas no cu e
na Terra.
As pessoas pensaram sobre estas coisas, imaginando o que
poderia significar que a terra e os animais e os pssaros eram de
alguma forma similares, ainda que suas naturezas fossem diferentes.
Uma das caractersticas da Terra que, quando as altas montanhas so
cavadas, jorra gua, e mesmo em vales profundos no necessrio
cavar muito fundo em busca de gua. O mesmo verdade nos animais
e nos pssaros, cujo sangue est igualmente perto da superfcie na
cabea e nos ps. Uma segunda caracterstica da terra que grama e
flores florescem todo ano, mas no mesmo ano tudo esvanesce e cai.
Assim com os animais e os pssaros: cabelo e penas crescem neles,
mas cada ano caem. A terceira caracterstica da Terra que quando
418
Almttigr gu skapai upphafi himin ok jr ok alla hluti, er eim fylgja, og sarst menn tv, er
ttir eru fr komnar, Adam ok Evu, ok fjlgaist eira kynsl ok dreifist um heim allan. (...) en myklu
fleiri snerusk eptir girndum heimsins ok rktu gus boor (...). In: FAULKES, 2005: 03.
222

ela aberta ou cavada, a grama cresce sobre o solo que est mais
prximo superfcie. As pessoas pensam nas rochas e pedras como
comparveis aos dentes e ossos das criaturas vivas. Assim eles
entendem que a Terra viva e tem vida prpria. Eles tambm sabem
que, em termos de anos, a Terra maravilhosamente velha e poderosa
por sua prpria natureza. Ela d nascimento a todas as coisas vivas e
declara propriedade sobre tudo o que morre. Por esta razo, eles
deram a ela um nome e traaram suas origens a ela419.
(Edda menor, Codex Regius. Prlogo.Verso nossa)

por meio do desenvolvimento de raciocnios similares que Snorri partir


explicao da origem dos deuses. Seu raciocnio bastante analtico, preciso, nem um
pouco dado alegorias ou misticismo. O mximo de concesso que Snorri se permite
no campo da teologia, sempre em volta de questes bem-estabelecidas como a criao
do mundo por Deus e o desvio dos homens em relao ao seu criador.
A mesma forma de arrazoamento aplicada explicao do surgimento de
inn, rr, Sif e outras divindades nrdicas. Descendentes dos homens de Troia que,
segundo o Prlogo, est localizada no centro do mundo, esses homens espelham as
qualidades que foram atribudas de incio ao continente da sia, posteriormente
cidade de Tria, culminando em si mesmos. Releiamos passagem j citada:

Tudo nesta parte do mundo belo e excelente, e a terra produz


ouro e pedras preciosas. Ali tambm o meio do mundo; e assim
como a terra nesta regio mais bela e melhor de todas as maneiras
que os outros lugares, assim tambm as pessoas ali so abenoadas
com todas as ddivas: sabedoria e fora, beleza e toda forma de
habilidade.420

(Edda menor, Codex Regius. Prlogo; seo 2.Verso nossa)

419
Milai hann ok spekina sv at eir skilu alla jarliga hluti ok allar greinir r er sj mtti loptsins
ok jararinnar.
at hugsuu eir ok undruusk hverju at mundi gegna, er jrin ok drin ok fuglarnir hfu saman eli
sumum hlutum ok var lk at htti. at var eitt eli a jrin var grafin hm fjalltindum ok spratt
ar vatn upp ok urfti ar eigi lengra at grafa til vaz en djpum dlum. Sv eru ok dr ok fuglar, at
jafnlangt er til bls hfi ok ftum.
nnur nttra er s jarar, at hverju ri vex jrinni gras ok blm ok sama ri fellr at allt ok flnar.
Sv eru ok dr ok fuglar, at eim vex hr ok fjarar ok fellr af hverju ri.
at er hin rija nttra jarar er hon er opnu ok grafin grr gras eiri moldu er efst er
jrunni. Bjrg ok steina ddu eir mti tnnum ok beinum kvikenda. Af essu skilu eir sv at
jrin vri kyk ok hefi lf me nokkurum htti, ok at vissu eir at hon var furuliga gmul at aldartali
ok mttug eli. Hon fddi ll kvikvendi ok hon eignaisk allt at er d. Fyrir sk gfu eir henni
nafn ok tlu ttir snar til hennar. In: FAULKES, 2011: 03.
420
eim hlut veraldar er ll fegr ok pri ok eign jarar vaxtar, gull ok gimsteinar. ar er ok mi
verldin; ok sv sem ar er jrin fegri ok betri llum kostum en rum stum, sv var ok mannflkit
ar mest tignat af llum giptum, spekinni ok aflinu, fegrinni ok alls kostar kunnustu. In: FAULKES,
2011: 04.
223

A descrio no Prlogo no coincide em todos os pontos com outras estrias do


restante da obra, ou mesmo em outras obras. Aqui, rr neto do rei Pramo de Tria -
associada ao nome Tyrkland, terras dos Tyrks, mas foi levado para a Trcia, Trak - que
o Prlogo associa ao nome nrdico rheim.
Da sua descendncia viria inn que, por sua vez, se assentaria na Sucia e
daria origem aos governantes das outras naes do norte. Um de seus descendentes seria
Gylfi, rei dos suecos que assumir papel proeminente na prxima parte da Edda, a
Gylfaginning.
No Gylfaginning a situao diversa. Gylfi interroga aos deuses, que lhe
contam a origem e o fim de tudo; aqui, os mitos e tradies, racionalizados e explicados
anteriormente no Prlogo, so narrados em uma forma mais prxima tradio
escandinava pr-crist.
No apenas o tom narrativo passa por modificaes significativas. As relaes
entre os personagens tambm sofrem alteraes. No mito veiculado pelo Gylfaginning
inn reina em sgarr, apresentado como Allfr (pai de todos), e pai, no
descendente de rr. Snorri apresenta-o dando continuidade a um relato que descreve
detalhadamente a cosmologia e cosmogonias antigas escandinavas, incluindo a criao
do mundo a partir do corpo morto do gigante Ymir.
Existem trs correntes tericas principais que ganharam destaque na
interpretao desses textos. A escola historicizante, inaugurada pelos arquelogos
Petersen (1849-1896) e Salin (1861-1931) e adotada largamente pelos germanistas
posteriores421, viria a defender que as narrativas de Snorri refletiram a memria de
eventos que de fato teriam ocorrido. No caso em questo, movimentos germnicos do
perodo das migraes a partir do sculo IV das regies do Don e do Mar Negro atravs
da Germnia e Escandinvia.
Die gelehrte Urgeschichte im altislndischen Schrifttum de Andreas Heusler
(1908)422, que estudaria os eventos ligados aos troianos e Tyrkland nos escritos de
Snorri e Ari, daria origem escola da Gelehrte Urgeschicht.423. A grosso modo esta
escola - muito influente por dcadas posteriores - procura traar os passos da construo
de uma pr-histria germnica por um pensamento erudito islands dos sculos XII-

421
Obras emblemticas: PETERSEN, Karl Nikolai Henry. Om Nordboernes Gudedyrkelse og Guderto i
Hedenold: Em antikvarisk Undersgelse. Kbnhavn: C.A. Reitzels Forlag, 1876 & SALIN, Bernhard.
Studier tillgnade Oscar Montelius. Stockholm: Norstedt, 1903.
422
HEUSLER, Andreas. Die gelehrte Urgeschichte im altislndischen Schrifttum. Verlag der
Kniglich Preuischen Akademie der Wissenschaften: Berlin, 1908.
423
Pr-histria ensinada.
224

XIII que bebe de outros historiadores europeus, como Fredegarius Scholasticus (ca.658-
661), Pseudo-Fredegarius (da Gesta Francorum, ca.727), Isidoro de Sevilha e Geoffrey
de Monmouth424-425.
Por fim, outra corrente interpretativa de relevncia a escola da mitologia
comparativa, ou estruturalista, representada por Georges Dumzil, que incorpora a
mitologia escandinava ao esquema tripartite indo-europeu. Dumzil (1992)[1970]
defendia uma posio diametralmente oposta ao historicismo de, entre outros autores,
Paul Hermann. Alguns pontos significativos em sua trajetria, com impacto em sua
aplicao no estudo de Snorri, so as publicaes de Mythes et dieux des Germains -
Essai d'interprtation comparative (1939), Loki (1948), Les Dieux des Germains, essai
sur la formation de la religion scandinave (1959), Du mythe au roman, la Saga de
Hadingus et autres essais (1970)426.

4.2.7 Snorri e a Matria de Roma

Jean Bodel (1165-1210) classificou os ciclos literrios medievais nas chamadas


matrias: a Matria da Bretanha, concernente ao Rei Artur, a Matria de Roma, que
incorporaria temas da Antiguidade Clssica, e a Matria de Frana, centralizada em
Carlos Magno.
Dentro da Matria de Roma desenvolveu-se uma linha peculiar interpretativa
ligada Guerra de Tria. As conexes e genealogias entre os autores e obras no
totalmente clara. No entanto, duas obras, supostamente tradues para o latim de
antigos originais gregos, foram fundamentais para o desenvolvimento de tais formas
escritas. So elas a Dictys Cretensis Ephemeridos belli Trojani (sculo IV) e Daretis
Phrygii de excidio Trojae historia (sculo V-VI) 427.
Ambas so bastante semelhantes, contando a destruio de Troia. Um exemplo
de trabalho que as empregou enquanto fontes ou inspirao o Le Roman de Troie de
Benot de Sainte-Maure.
Porm a influncia de tais obras no medievo no est limitada Matria de
424
PRITSAK, 227-237.
425
SEE, Klaus von. Europa und der Norden in Mittelalter. Universittsverlag C. Winter: Heidelberg,
1999. P.276.
426
Indicamos BOULHOSA, Patrcia Pires. A mitologia escandinava de Georges Dumzil: uma reflexo
sobre mtodo e improbabilidade. Revista Brathair, 6(2), p. 3-31, 2006 como boa sntese das crticas
dirigidas a Dumzil no campo da escandinavstica.
427
DARCIER, Louis Faivre. Histoire et gographie dun mythe. La circulation des manuscrits du De
excidio Troiae de Dars le Phrygien (VIIIe-XVe s.). Paris: cole nationale des Chartes, 2006. P.03.
225

Roma. De fato, ela perpassa a Antiguidade Tardia e a Alta Idade Mdia. H relatos
histricos escritos tanto sculos antes do desenvolvimento dos ciclos literrios em
Francia quanto contemporneos a eles.
Torna-se um expediente frequente ligar o destino de refugiados de Troia ou
seus descendentes ao passado das naes europeias; DArcier afirma que as nicas
excees ao uso de tal expediente so os autores espanhis e irlandeses,428 afirmao
com a qual discordamos - em breve mostraremos, por exemplo, que ela no se aplica a
Saxo. Ao Dictis Cretensis e o Daretis Phrygii, devemos adicionar a prpria Eneida de
Virglio enquanto fonte de inspirao para uma srie de autores europeus429.
O primeiro emprego das origens troianas para um povo europeu efetuado
pelo Pseudo-Fredegrio (c. 727), que o aplica aos francos 430. Um caso relevante para a
historiografia escandinava a obra Historia Regum Britaniae de Geoffrey of Monmouth
(ca.1100-1155) esta ltima, note-se, mais ligada Matria da Bretanha do que
Matria de Roma, mas que bebe igualmente da histria de Troia.
No livro I de sua Historia Regum Britanniae, Geoffrey of Monmouth conta que
aps a guerra de Tria, Eneas refugiou-se na Itlia. Seu bisneto Brutus seria banido, mas
algum tempo depois fora conduzido pela deusa Diana para uma ilha no ocidente, que ele
nomeia Britannia, segundo o seu prprio nome. s margens do Thames fundaria a
cidade de Troia Nova, posteriormente renomeada para Londinium a London atual. H
indcios fortes de que em vrios momentos Geoffrey of Monmouth tenha empregado a
Eneida de Virgilio431.
Esta digresso literria e histrica nos necessria porque toca diretamente na
questo da transmisso da temtica para a Escandinvia. Geoffrey de Monmouth
considerado uma das fontes e modelos principais para a Gesta Danorum de Saxo
Grammaticus432, cujo prprio domnio do latim nos d mostras de conhecimento de
Virglio433.
Entretanto h na Islndia uma traduo de provavelmente da metade do sculo

428
DARCIER, 14.
429
MOLCHAN, George Gregory. Translating Arthur: The Historia Regum Britaniae of Geoffrey of
Monmouth and Roman de Brut of Wace. Doctorals dissertation: Louisiana State University, December
2013. P.76.
430
DARCIER, 14.
431
MOLCHAN, 76.
432
ELLIS-DAVIDSON, 2006: 09, 53, 56, 72, 92, 160.
433
Idem, pp.01, 05-08, 142.
226

XIII434 para o vernculo, da Daretis Phrygii de excidio Trojae historia. A obra veio a ser
chamada de Trjumanna Saga Saga dos homens de Troia. Ela se enquadra no
gnero conhecido como Riddarrasgur, ou Sagas cavalheirescas, que normalmente
consistem em tradues de Chansons-de-Geste e literatura cortes para o antigo
nrdico.
Esta obra possui ao menos trs redaes. A primeira, mais antiga, presente no
Hauksbk, recebeu por tal razo o seu nome; as outras duas, provavelmente mais
tardias, qui do sculo XIV435, foram chamadas de alfa e beta. Enquanto a verso
do Hauksbk bastante prxima Daretis Phrygii, encontram-se nas outras redaes
influncias de autores latinos, provavelmente a Ilias latina e a Heroides de Ovdio436.
Em vista de tal variedade de redaes e origens, no h possibilidade segura de
se conhecer quais foram as fontes exatas de Snorri Sturlusson, tampouco as obras que o
mesmo possua a sua disposio; sequer se sabe com certeza qual fora o seu
conhecimento de latim437.
possvel que tivesse acesso s tradues efetuadas dos gregos, qui da
Eneida. igualmente possvel que tenha se valido de alguma traduo das mesmas para
o antigo nrdico, tendo esta traduo conexo ou no com a Trjumanna saga.
Quanto s diferenas de paternidade ou descendncia entre inn e rr
encontradas no Prlogo e na Gylfaginning, julgamo-las poucas para atestar uma
paternidade diversa ao Prlogo ao menos em uma suposta redao arquetpica, do
qual provavelmente a contida no Codex Uppsaliensis seja a mais prxima.
O projeto da Edda como um todo similar construo de camadas
sucessivas; seu ncleo, seu centro, o Hattatl. Para compreend-lo, o leitor precisa de
dois campos do conhecimento bastante diversos: o conhecimento das mtricas, frmulas
e mtodos de composio potica e o conhecimento dos mitos que provm temas e toda
a base para este cabedal lingustico.
Por fim, o Prlogo um complemento perfeito para o trabalho, explicando os
mitos que, por sua vez, auxiliavam na compreenso dos recursos lingusticos e poticos
e do prprio Hatattl.

434
LOUIS-JENSEN, Jonna (ed.). Trjumanna saga: the Dares Phrygius version. Copenhagen: C.A.
Reitzel, 1981. Pp. LLVI.
435
LOUIS_JENSEN, Idem.
436
ELDEVIK, Randi Claire. The Dares Phrygius Version of Trjumanna saga: A Case Study in the
Cross-cultural Mutation of Narrative. Doctoral dissertation. Harvard University, 1987-88. pp. 06s.
437
WANNER, 2008; PLSSON, Heimr (ed). Introduction. In: The Uppsala Edda. University College
London: Viking Society for northern Research, 2012, p. xiv.
227

Dadas as tradies europeias que ligam origens das naes a imigrantes de


Tria, e dadas as prprias semelhanas fortuitas, na maior parte das vezes superficiais,
entre nomes como Tria e rr, Sibila e Sif, Trcia e rheim, sia e sgarr, as
tradies medievais, crists e, principalmente, clssicas, fornecero os parmetros
atravs dos quais os mitos sero explicados e racionalizados. Desta feita, o
procedimento de trocar as relaes familiares entre inn e rr apresenta-se como
plenamente aceitvel e compreensvel.

4.2.8 Austrvegr e Gararki na Heimskringla: o ciclo de lfr Tryggvason, S.lfr,


Magnus o bom e Haraldr Harrai

Nas fontes discutidas at ento h predominncia de reelaborao clssica e


bblica das vises de leste, em detrimento do conhecimento geogrfico e formulaes
mais propriamente escandinavas.
Austrvegr e Gararki esto ausentes em tais fontes e em nossa discusso at o
momento, com a pequena excesso discutida a pouco sobre a possvel associao de
Austrvegr terra dos mortos.
Alguns autores alegaro um desconhecimento e ignorncia sobre o leste da parte
dos autores islandeses, e mesmo noruegueses438. No podemos concordar de todo com a
afirmao, mas em comparao com o conhecimento dos daneses e, principalmente
suecos, a afirmao possui certo fundamento.
A Heimskringla apresenta informao relevante sobre o leste, que iremos
analisar agora. Desta feita, no o leste extremamento reelaborado e ressignificado dos
Prlogos, mas o leste de Austrvegr e Gararki.
Categorizamos esta informao em duas categorias principais: a) informaes
dinsticas, contextuais, tnicas e geogrficas; b) o ciclo dos noruegueses refugiados em
Gararki.

a) informaes dinsticas, contextuais, tnicas e geogrficas:


A Heimskringla nos traz nomes de reis, relaes dinsticas e de parentesco,
locais de governo, informaes sobre comrcio e economia, informaes geogrficas.

438
AALTO & LAAKSO, 2009: 06.
228

Temos nomes de governantes de Gararki: Valdimarr/Valdamarr, Allogia e Jarisleifr,


Vissavaldr, bem como informaes de parentesco dos mesmos como nomes de esposas
e filhos: Ingigerd, Ellisif, Valdemar, Vissivaldr, Holte e Boldr.
Encontramos nomes de localidades bastante especficos Austrvegr: Aalssla,
Eyssla, Blagarssa, o rio Vna, bem como informaes sobre as rotas comerciais
com Gararki e os Finnar, alm dos produtos trocados em tais rotas e a maneira com
que tal comrcio se dava.
Entremeados na narrativa, h ainda marcados esteretipos tnicos sobre os fino-
gricos, e uma descrio de costumes religiosos dos Bjarmar.

b) o ciclo dos noruegueses refugiados em Gararki.


lfr Tryggvason, lfr Magnusson, Magnus o bom e Haraldr Harri tm a
caracterstica em comm de terem obtido exlio e refgio em Gararki. Com exceo de
lfr Magnusson, todos passaram a infncia e/ou parte da juventude ali.

4.2.9 Gararki como local de refgio

Na lafs saga Tryggvasonar439 impossvel desvincular seu protagonista da


regio de leste. O incio de sua histria contado nos captulos 05 a 07. Capturado por
vikings estonianos aos trs anos de idade, lfr passou seis anos como escravo na
Eistland440. Seu tio Sigurdr Eiriksson, a servio de Valdimarr (Wladmir) de Holmgard
(Novgorod), vem Eistland coletar impostos, descobre-o, compra-o e o leva consigo
para Novgorod, ocultando seu parentesco com o menino441.
Algum tempo depois no mercado em Novgorod lfr reconhece Klerkon, o
viking estoniano que o comprara e matara seu pai adotivo. Mata-o com um machado e
pede ajuda a Sigurr, que o leva para abrigo com a rainha Allogia442.
Sigurr revela rainha a genealogia e sangue real de lfr e a necessidade que o
mesmo tem de proteo, visto a existncia de inimigos na Escandinvia. A rainha pede
ao rei que o acolha, e lfr passa nove anos com o Rei Valdimarr443.
O autor volta lfr apenas no captulo 21. Estimado pela rainha e pelo rei,

439
Saga de lfr Tryggvason.
440
lafs saga Tryggvasonar, Captulo 05. OT, nas citaes subsequentes.
441
OT, 06.
442
OT, 07.
443
OT, 07..
229

adquire fama e torna-se chefe e guerreiro. Certos homens invejosos fizeram a cabea do
rei contra lfr, e Valdimarr no o trata to bem quanto antes. lfr decide partir para a
Escandinvia, fazendo-o com a beno da rainha.
No captulo 31 lfr converte-se ao Cristianismo e batizado em Syllingar
Siclia, aps previses de um vidente e sua cura milagrosa aps uma batalha.
O captulo 90 nos prov de mais alguns nomes. Jarl Eirikr faz uma expedio em
Austrvegr. Atinge os domnios do rei Valdamarr e toma Aldeigjuborg (Ladoga).
Passaria cinco anos nesta expedio e, segundo a saga, quando deixou Gararki efetuou
reides em Aalssla e Eyssla.
Os nomes da saga tanto pessoais como topnimos - so bem conhecidos em
outras fontes. Sua elaborao na Heimskringla transparece a existncia de contatos
ntimos entre as aristocracias da Rus e da Escandinvia, incluindo Noruega.
O autor, no entanto, possui conhecimento limitado dos eventos; Allogia,
evidentemente recordao do nome Olga, aparentemente na saga consorte do Rei
Valdimarr escrito posteriormente na mesma saga como Valdamarr.
Valdimarr Vladmir I, prncipe de Novgorod entre 970-978 e gro-prncipe de
Kiev de 978 a 1015. Porm, filho de Olga. Seu prprio local de governo no citado
pelo autor.
H de se notar, entretanto, uma preciso nos nomes ligados Austrvegr:
Aalssla e Eyssla so nomes bastante especficos respectivamente da costa ocidental
estoniana e da ilha de Saaremaa.
A partir da lfs saga ins Helga444 a informao do autor torna-se mais
verossmil e acurada. Nesta saga e nas seguintes de Magnus, o bom, e de Haraldr
Harri, o governante da Rus Iaroslav Jarisleifr, no antigo nrdico. Ele casa-se, no
captulo 95, com Ingigerd, filha do rei sueco lfr evento que se deu, de fato, em
1019.
A saga lista os filhos do casal: Valdemar, Vissivald, Holte e Bold, sendo que o
captulo 17 da Haralds saga Harra acrescenta lista Ellisif, que, como adiciona o
autor, era conhecida como Elizabeth.
Iaroslav I, o sbio, teve com Ingigerd da Sucia os seguintes filhos, por ordem
de nascimento: Vladimir, Iziaslav I, Anastasia, Sviatoslav II, Vsevolod I, Elizabeth,
Anne, Viatcheslav e Igor445.

444
Saga lfr, o santo.
445
PVL, 299s.
230

Iaroslav foi filho de Vladimir. Por ocasio da morte de seu pai, em 1015, tornou-
se co-regente em Novgorod, enquanto seu irmo Sviatopolk tomava o poder em Kiev,
aps diversas disputas nas quais os outros irmos foram mortos dentre os quais, Boris
e Glieb, primeiros santos da Rssia446. Com a ajuda de varegues Iaroslav venceu
Sviatopolk em 1019, tomando o poder tanto de Novgorod quanto de Kiev447. Iaroslav
iniciou tambm a codificao legal na Rus, a chamada Russkaia pravda448.
Em 1030 Iaroslav construiu na Estnia o forte de Iuriev na antiga vila de
Tarbatu, que viria a ser conhecida posteriormente como Tartu, coletando a partir de l
tributos das tribos estonianas vizinhas449.
Retornando saga, no captulo 191 o rei lfr vai para a Rus com seu filho
Magnus aps revoltas na Noruega contra ele. Ali recebido por Jarisleif e sua esposa
Ingegerd. O rei lhe oferece o reino da Bulgaria450, mas lfr decide retornar
Noruega451, aps um sonho premonitrio452. Magnus fica com Jarisleifr e Ingegerd, que
providenciam cavalos e outros recursos necessrios. De fato, sabe-se que Iaroslav
proveu refgio para lfr no ano de 1028453.
A saga encerrada aps a morte de lfr. Einar Tambaskelfer e Kalf Arnalson
mandam mensagens para Jarisleifr, pedindo que Magnus v para a Noruega assumir o
trono. Jarisleifr os convida a busc-lo na prpria Novgorod454.
Aps isto a Saga de Magnus, o bom, narra brevemente em seu primeiro captulo
o seu retorno para a Noruega, saindo de Novgorod via Ladoga; o exlio de Magnus na
Rus fora contado antes, na saga de seu pai.
O ciclo encerrado com a Haralds saga Harra. Meio irmo de St. lfr,
Haraldr escapou da batalha de Stiklestad, na qual aquele morrera. Tinha 15 anos, tendo
encontrado refgio na Rus, novamente sob a proteo de Jarisleifr455. Harald passa
vrios anos ali, viaja e faz expedies nas regies circundantes, e vai para
Constantinopla456.

446
MARTIN, Janet. Medieval Russia: 980-1584. Cambridge: at the University Press, 1996[1995]. Pp.22-
26.
447
Idem, 44.
448
Idem, 71.
449
Idem, 43s.
450
lfs saga ins Helga, 198. OS nas prximas citaes.
451
OS, 202.
452
OS, 199.
453
MARTIN, 44.
454
OS, 265.
455
Haralds saga Harra, captulo 01. Citada como HH.
456
HH, 02.
231

A saga nos d o nome de mais de um imperador, iniciando por Michael


Catalactus e a imperatriz, Zoe. O contexto complexo, chamado por Vryonis de
interldio burocrtico do sculo XI457 e h uma sucesso de governantes.
Miguel IV, o Paflagnio, foi casado, de fato, com Zoe Porfirognita, e governou
Bizncio de 1034 a 1041458. O apelido dado pela saga, no entanto, provavelmente
refere-se a Miguel V, Kalaphates, sobrinho de Miguel IV e filho adotivo de Zoe, que
governou apenas quatro meses entre os anos de 1041 a 1042459. O governo deu-se aps
isto com a coregncia de Zoe e seu novo marido, Constantino IX, Monomachos
tambm citado na saga, no captulo 13.
A saga nos diz que Harald participou trs vezes do costume de poluta-svarf,
que permitia que a guarda varegue tomasse parte do tesouro do imperador quando este
morresse460 o que implica numa troca de trs imperadores, e recuaria a chegada de
Harald a Bizncio ao imperador Romano III, morto em 1034, j que Constantino IX
morreria apenas em 1055461.
Harald juntou-se Guarda dos Varegues, da qual foi feito chefe462. Efetua
expedies em Serkland, que a Saga equaliza com frica aqui, enfatizando
Serkland enquanto terra Sarracena. Passou anos ali, e enviava a riqueza que adquiria
para Jarisleifr463. Harald efetua muitos ataques a castelos na Siclia464, informao
coerente com o perodo, no qual os governantes de Bizncio tentavam retomar o
controle da ilha, tomada pelos islmicos465.
O captulo 09 cita dois islandeses que estavam com Haraldr na guarda varegue.
Um deles, Haldor, foi ancestral de Snorri Sturluson. Haraldr retorna com eles e com os
demais varegues para Constantinopla e depois ruma para Jerusalm466.
Ouvindo que seu sobrinho Magnus tornou-se rei na Noruega, deseja retornar.
Aps intrigas em Constantinopla, preso pelo Imperador.467 Tem uma viso de St.

457
VRYONIS, Spero. Bizncio e Europa. Lisboa: Editorial Verbo, s/d. [London, 1967].
458
VRYONIS, 08.
459
Idem.
460
HH, 13.
461
VRYONIS, 08.
462
HH, 03.
463
HH, 05.
464
HH, 06.
465
ANGOLD, Michael. Bizncio: a ponte da Antiguidade para a Idade Mdia. Rio de Janeiro: Imago,
2002 [2001]. p. 125.
466
HH, Caps. 11 & 12
467
HH, 13.
232

lfr, e foge com a ajuda de milagres468.


Por fim, volta para Novgorod com Jarisleifr469, casando-se com sua filha Ellisif
(Elisabeth)470.
Em todas estas passagens relacionadas poca de Iaroslav h lugares comuns
como vises, sonhos e artifcios. Os nomes no geral esto de acordo com outras fontes
conhecidos, havendo poucas discrepncias no narrado at agora, a nica dificuldade
Jarisleifr em Novgorod. Na altura do retorno de Haraldr para a Rus, Iaroslav j
governava em Kiev.
Em todas estas sagas h a repetio do tema de um noruegus de sangue real que
foge, ou levado por seu pai ou protetor para Gararki e l encontra abrigo, proteo e
mesmo oportunidades.
A atitude do autor em relao Gararki benevolente no geral. Arriscamos a
sugerir que Gararki assumir um papel de extenso da Escandinvia propriamente
dita. A extenso em que h identificao ou reconhecimento de diferenas dbia.
Na lfs saga Tryggvasonar, o distanciamento parece maior: Sigurr, ao
encontrar lfr no mercado de escravos, percebe que ele devia ser estrangeiro471. No
captulo 21, tendo ele crescido e adquirido respeito e comando, temos o seguinte
comentrio:

Mas aconteceu, como geralmente pode acontecer, que quando


estrangeiros chegam ao poder ou em grande fama que ultrapassam os
nativos, que muitos eram invejosos de quo querido ele era para o rei,
e no menos para a rainha472.

O prprio lfr, no entanto, em suas viagens aps sair de Gararki, usa o nome
li, Ali ou Ole, e afirma ser russo (gerzkr473). Encontramos esse artifcio em
parte justificado devido ao desejo do mesmo de se ocultar dos seus inimigos e comum
em vrias sagas nos captulos 31, 32, 46 e 47.
Nas sagas seguintes, no entanto, no h referncias similares. Antes, o que
encontramos tambm presente na lfs saga Tryggvasonar, so esteretipos em
relao aos povos fino-gricos.
468
HH, Caps. 14 & 15.
469
HH, 16
470
HH, 17.
471
(...) at s myndi ar tlendr. lafs saga Tryggvasonar, Captulo 07.
472
En var at, sem optliga kann vera, ar er tlendir menn hefjask til rkis ea til sv mikillar frgar,
at at veri umfram innlenzka menn, at margir funduu at, hversu krr hann var konungi ok eigi sr
drtningu (...). lfs saga Tryggvasonar In: JNSSON, 1911: 21K., 119.
473
(... ) la ok kvazk vera gerzkr.. lfs saga Tryggvasonar In: JNSSON, 1911: 31 K., 125.
233

Na batalha final de lafr Trygvassonar h um arqueiro cujo nome Finnr, ou


que saami (finnar): Ento o jarl falou para o homem que alguns chamavam Finnr,
apesar que alguns diziam que ele era Finskr ele era o melhor arqueiro.474
A vinculao das duas ideias (bom arqueiro e finskr) poderia ser casual, no
fosse sua repetio na lfs saga ins Helga, no captulo 82:

Havia um homem das terras altas chamado Finn, o pequeno, e


alguns diziam que ele era da raa (tt) dos finnar; ele era um homem
muito pequeno, e de ps to rpidos que nenhum cavalo podia
ultrapass-lo; ele era um corredor muito bem exercitado
especialmente com sapatos de neve, e atirador com o arco475.

Outras citaes associam os finnar com prtica de mgica e artes sorrateiras,


como comum em outras sagas e outras sries de fontes escandinavas. No captulo 07,
os finnar conjuram espritos contra os noruegueses; no captulo 83, o h pouco
mencionado Finn, o pequeno, insere ervas na bebida dos homens do rei, aumentando
exponencialmente seu efeito. Por fim, na prpria batalha na qual S. lfr morto476, o
skaldr Sigvatr cantaria que o rei provara da habilidade mgica dos finnar477.
4.2.10 Concluses parciais

Nas obras islandesas do sculo XIII de cunho histrico possvel se delinear


duas fontes principais de conhecimento referente ao leste: a tradio escandinava de
conhecimento do Bltico e adjacncias e a tradio medieval ocidental formada a partir
de erudio grego-romana e bblica.
As partes das obras citadas dotadas de cunho de instruo, apresentao ou
explicaes genricas possuem uma elaborao mais marcada pela tradio bblica e
clssica. Nesse caso situam-se o Prlogo da Edda e Ynglingasaga, e a referncia a
Austrvegr e Gararki praticamente nula.
Em relao s narrativas e sagas dos islandeses a situao diverge, havendo o
predomnio da tradio de natureza mais notadamente escandinava. Nesta situao
enquadram-se as sagas que compem a Heimskringla e trechos da Edda em prosa.

474
mlti jarl vi ann mann, er suimr nefna Finn, em sumir segja, at hann vri finzkr s var inn
mesti bogmar. lfs saga Tryggvasonar In: JNSSON, 1911: 108 K., 179.
475
Mar er nefndr Fir ltli, uplenzkr mar, em sumir sehja, at hann vri finzkr at tt; hann var allra
manna minztr ok allra manna fthvatastr, sv at engi hestr tk hann rs; hann kunni manna bezt vi ski
ok boga (...).lfs saga ins Helga. In: JNSSON, 1911: 82 K., 244.
476
OH, 228.
477
fjlkunnigra Finna.
234

O leste um instrumento poderoso na tentativa de conexo das duas tradies ao


fornecer uma localizao geogrfica para o centro do mundo e as regies de origens.
Nesta reelaborao, feita de forma evemerista, a tradio bblica ganha mais fora do
que as demais.
Passaremos a seguir a observar a situao apresentada na obra de Saxo
Gramamticus, na Dinamarca.
235

4.3 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum

Ao nosso conhecimento, Saxo Grammaticus autor de apenas uma obra, a


Gesta Danorum. Esta verdadeira Histria foi composta no perodo da forte dinastia dos
Valdemares, sob encomenda e patronato do arcebispo Absalo, sucessor de Eskill em
Lund e, possivelmente depois, sob seu sucessor e sobrinho, Anders Sunesson.
Diferentemente de Snorri, sabe-se pouco acerca de Saxo, e o que se sabe em
grande parte conjectural. Praticamente toda a informao relevante acerca de Saxo, seja
informao de fato ou trate-se de conjunturas, foi enumerada por Paul Johansen de
forma hipercrtica, e resumida de formas mais convenientes e moderadas nos prefcios
s tradues de inglesa de Elton e Zeeberg, sendo que pouco podemos acrescentar de
novo nesse sentido e incorremos no risco de repetio, tanto dos citados autores quanto
de ns mesmos.
No prefcio da Gesta Saxo afirma que seu pai e av teriam servido a Valdemar
I. improvvel, portanto, que ele mesmo tenha nascido antes de 1150. O argumento
sobre a datao de sua morte nas proximidades de 1220478 frgil. Tem por base
principal de que foi por razo de sua morte que Saxo no teria narrado os eventos da
vida de Valdemar II, principalmente sua conquista da Estnia. As proximidades de 1185
so mais aceites de forma geral como o incio da escrita da obra, e os ltimos eventos
nela narrados ocorreram em 1187479.
Acerca da origem de Saxo, h a possibilidade de que seja proveniente da
Zelndia. O incio do argumento relativamente fraco, tendo recebido mais peso pela
tradio de seus editores dos tempos de Ps-Renascimento e Reforma Protestante: o
discurso de Saxo, e, supostamente, seu tom, no poupariam elogios aos Zeelandeses,
sendo a regio por vezes referenciada enquanto o centro da Dinamarca, mas a citao
a esta referncia a nica evidncia contempornea, do prprio texto de Saxo.

A tradio renascentista dar continuidade a esta ideia. A crnica da Jutlndia,


escrita em 1431, atribui sua origem Zelndia, assim como seu ttulo Grammaticus480.
A primeira edio da Gesta de 1514, pelo bispo Urnes, o cita como zeelands, de forma
que pode implicar um conhecimento geral e banal de tal provenincia. O nome Gesta

478
ELLIS-DAVIDSON, 2006, p. 12
479
Idem, p.10.
480
ELTON: Preface; ELLIS-DAVIDSON, 2006:10s.
236

Danorum empregado pela primeira vez na Crnica da Zelndia, que tambm refere-
se a Saxo como Cognomine Longus (apelidado o comprido, o alto).

Da relao entre Sven Aggesen e Saxo Grammaticus sabe-se igualmente pouco.

O av de Saxo Grammaticus teria servido a Valdemar I (provavelmente,


portanto, aps 1157), mas o pai de Sven foi morto em guerra em 1132. Dessa forma,
Saxo provavelmente era bem mais jovem que Sven.

Ainda assim citado pelo mesmo como seu associado (contubernalis).


Contubernalis traduzido ao p-da-letra como companheiro de tenda, e tal citao da
parte de Sven levantou a hiptese de que Saxo fora um guerreiro ou um soldado.

Porm contubernalis pode ser traduzido de inmeras formas, como, por


exemplo, colega ou companheiro481, tornando bem mais provvel, que Sven e Saxo
tenham sido eclesisticos.

Karsten Friis-Jensen482 identifica Saxo como um cnon de Lund que


testemunhou alguns ttulos/decretos em 1180/3 e 1197/1201. Esta hiptese mais aceita
do que a que considera Saxo como um deo de Roskilde. Segundo idia difundida pelo
bispo Lave Urne, da prpria Roskilde, Saxo seria certo provoste que teria viajado a
Paris em 1165. Tal data encontraria um Saxo Grammaticus demasiadamente idoso483 e
trata-se, portanto, de m compreenso do bispo Lave Urne ou mesmo m f, no sentido
de trazer ateno ao seu prprio bispado, mas no nossa tarefa julgar o mesmo.

No Praefatio da Gesta Saxo descreve a si mesmo como algum a servio de


Absalo, como o ltimo de seus seguidores484. de fato possvel encontrar o nome
Saxo em uma lista de clrigos na catedral de Lund. No caso, o dito cujo seria um
aclito, o grau mais baixo entre os cnons. No podemos ter certeza da identificao, no
entanto. De fato, comitum suorum extremo uma mera e comum frmula de
submisso, no implicando, de fato, em uma pista segura485.

H ainda no monastrio de Sro uma nota deixada pela vontade de Absalo.


Segundo ela, ele enviara a quantia de dois marcos e meio de prata, emprestada ao seu
clericus Saxo. Saxo tambm deveria devolver ao monastrio de Sro os dois livros que
481
CHRISTIANSEN, 1992: 2s.
482
FRIIS-JENSEN, K. Was Saxo a Canon of Lund? In: Cahiers de lInstitut du Moyen-ge Grec et Latin,
lix, 1989, pp.331-357.
483
ELTON, Preface.
484
Comitum suorum extremo. In: GESTA DANORUM. Praefatio.
485
FRIIS-JENSEN, 1989: 332.
237

o arcebispo emprestara a ele. Possivelmente eram dois cdices de Valrio Maximo e


Justino, que foram presenteados biblioteca em Sro por Absalo, e que foram autores
cuja influncia claramente perceptvel na Gesta Danorum486.

Tambm no se sabe com exatido aonde Saxo teria estudado. A opo pelo
modelo de obra e o costume dans eclesistico poca levantam a possibilidade de um
tempo no exterior, qui Paris ou alguma outra localidade franca. O prprio Saxo afirma
no Praefatio que o arcebispo em sua poca, Anders, teria estudado em Paris, Bologna e
Oxford.

Em suma, em meio a uma profuso de referncias a eclesisticos chamados Saxo


em dcadas distintas, possvel criar a imagem de um Saxo nascido ou proveniente da
Zeelndia, descendente de uma famlia aristocrtica ou de guerreiros. Possivelmente
estudara no exterior, o que reforaria uma origem de uma famlia com alguns recursos,
ou ao menos, oriunda do extrato dos pequenos proprietrios livres.

Seria, no entanto, um clrigo, possivelmente cnon em Lund, e, a despeito de


sua autoreferida posio, falsa modstia ou mero topos, de consistir em um dos
menores, tratava-se um indivduo de reconhecida capacidade literria e domnio da
produo escrita clssica, a ponto de ter para si o encargo de tarefa importante das mos
de um dos maiores lderes de seu sculo.

Quanto sua obra, o nome dado pelo prprio autor desconhecido. Gesta
Danorum denominao posterior. Sua primeira impresso deu-se em 1514 por
Jodocus Badius Ascensius em Paris, da edio de Christiern Pedersen, trazendo o ttulo
Danorum Regum heroumque Historiae. Esta edio tornou-se a base para todas as
verses e edies posteriores.
Existem alguns fragmentos mais antigos, dos quais o mais extenso o
fragmento de Angers (Ny kgl. Saml. 4to, 869 g.), que contm anotaes atribudas ao
prprio Saxo e contm parte do livro I. Outros fragmentos datam de 1275 e so
menores. Tratam-se dos fragmentos de Lassen, contendo o livro VI, de Kall-Rasmussen,
contendo o livro VII - ambos so agrupados como BD - e de Plesner (E; contm o
livro XIV). Com exceo do manuscrito de Angers, todos os fragmentos encontram-se
depositados na Biblioteca Real da Dinamarca, em Copenhague, sob registro Ny kgl.
Saml. Fol. 570.

486
ELTON: Preface; ELLIS-DAVIDSON, 2006:10s.
238

Legenda:
________________________ Relao modelo-cpia (texto completo, ou excertos)

-------------------------------------- Transformao deliberada (eptome,reviso, traduo )


.. Contaminao ocasional, variaes de leitura relatadas

A Fragmento de Angers - Ny kgl. Saml. 4to, 869 g.


a Edio de Paris, 1514
BD Frags. de Lassen (Ny kgl. Saml. Fol. 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl. Saml. Fol. 570.)
b Codex de Caspar Barth (perdido)
C Fragmento de Laverentzen
c Colao de C
E Fragmento de Plesner - Ny kgl. Saml. Fol. 570.
F Chronicon Sialandiae
f Codex usado por F (perdido)
g Codex de Birger Gunnersen (perdido)
j Compendium Saxonis - Add. 49 2o
K Albert Kranz
k Codex usado por K (perdido)
O Peder Olsen
o Codex usado por Peder Olsen (perdido)
p Cpia de g usada para impresso de a (perdida)
s Edio e comentrio de Stephanius, de 1645
t Traduo de Christiern Pedersen (perdida)
v Traduo de A.S. Vedel, 1575
x Arqutipo medieval (perdido)

Figura 20: Stemma Gesta Danorum. In: BOSERUP, Ivan. The Angers Fragment and the Archetype of
Gesta Danorum. In: FRIIS-JENSEN, 1981. P. 10
239

O texto de 1514, chamado de Edio de Paris (a) , no entanto, o nico


testemunho completo que temos do trabalho de Saxo. Muito de discutiu se o suposto
arqutipo (X) foi escrito totalmente pelo prprio Saxo, ou se houve interpolao de
algum editor do sculo XIII487.
Boserup da posio de que o testemunho do manuscrito de Angers d
suficientes indcios de que o prprio Saxo foi responsvel pela escrita de sua obra como
um todo, na forma em que foi reproduzida posteriormente488. Esta posio tem, at o
presente momento, encontrado boa acolhida no meio acadmico. A figura 20 contm
Stemma que representa bem o consenso acadmico sobre a questo.
O nome Gesta Danorum data de 1342. Foi encontrado na Chronica Jutensis,
tambm conhecida como Compendium Saxonis, que consistiu em uma verso resumida
da Gesta Danorum, constando aproximadamente de um quarto de seu tamanho. As
verses e edies posteriores da Gesta empregavam nomes diversos; o ttulo passou a
ser empregado mais genericamente a partir do sculo XIX. Quanto edio de
Pedersen, foi feita com uma cpia antiga do texto encontrada com o arcebispo de Lund
Birger Gunnerssen.
A identificao imediata do gnero literrio precisa ser feita tendo em vista
outras caractersticas que no apenas o ttulo. O nome, concedido no sculo XIV e
difundido contemporaneamente, associa seu contedo com as Chansons-de-Geste,
datadas do sculo XII e que fazem parte de um escopo literrio mais amplo, que inclui
temticas relativas cavalaria e sociedade cortes, mas que possuem caractersticas
formais distintas e esto particularmente circunscritas regio da Francia.
Certamente tal difuso de idias fez-se tambm na Dinamarca, em particular
devido ao nmero de clrigos que estudava em Francia e no estrangeiro, oferecendo um
modelo literrio adequado aos propsitos de Saxo. Como j afirmamos, influncia
similar ocorreu na prpria Islndia, ainda que posteriormente, com as Riddarasgur.
Porm no adequado classificar a Gesta Danorum como uma Chanson-de-
Geste, apesar do nome atribudo a ela como j vimos, por sua posteridade. Ainda
assim, no descartamos a possibilidade de que Saxo tenha se inspirado, ao menos
parcialmente, em obras do gnero, ou influenciadas por ele.
Alguns dos elementos caratersticos dessa modalidade so encontrados na

487
BOSERUP, Ivan. The Angers Fragment and the Archetype of Gesta Danorum. In: FRIIS-JENSEN,
1981. P. 09.
488
BOSERUP, 25.
240

Gesta Danorum. Primeiramente, a temtica pica e os feitos de um povo e de heris. O


povo o dans. Os heris so vrios, normalmente reis e heris em sentido blico, mas
que via de regra espelham o principal heri da Gesta, que o arcebispo Absalo. A
exaltao de ambos - tanto o povo dans quanto o arcebispo-heri - encontra-se
explcita no Praefatio.
Em relao linguagem, no se pode afirmar da mesma forma. A Gesta
Danorum escrita em latim, no em vernculo, contrariamente s Chansons-de-Geste.
O ato de cantar os feitos dos heris por meio de formas poticas comum s
Chansons-de-Geste - comum em toda a Gesta Danorum, mas no se presta para
classific-la no gnero, visto espelhar tradies escandinavas antigas como a
escldica. Saxo reivindica para si o papel de tradutor, de algum transmite que os
cantares e tradies de seu povo.
Acerca da sacralizao dos guerreiros e da viso da aristocracia por um vis
clerical, a Gesta Danorum apresenta material exemplar, tanto por conter narrativas de
Cruzadas propriamente ditas quanto por deriv-las do passado mtico. A temtica das
Cruzadas contra os eslavos ocidentais permeia toda a Gesta Danorum: de forma
explcita entre os livros X-XIV, e de forma esquemtica, ideolgica e velada nos livros
de I a IX489.
A Gesta Danorum apresenta um constante agrupamento de feitos histricos e
narrao cronstica com tradies mticas na tentativa de alinh-las de forma
razoavelmente lgica em uma linha genealgica pr-estabelecida.
possvel que tanto Saxo quanto Sven tenham se baseado em alguma
genealogia na qual foram acrescentando material externo. Nesse agrupamento e
ordenao de fontes, o material oriundo das memrias dos arcebispos seria colocado de
maneira semelhante ao originrio de tradies mticas.
Quando o material oriundo de outras tradies no se ajusta harmonicamente
aos relatos de testemunhas oculares ou aos quais Saxo atribua maior valor, como os de
Absalo, os por ele prprio vividos, ou ao prprio material considerado como
pertencente ao campo da histria avalizada, como por exemplo Beda, Saxo
racionaliza os mitos antigos, procurando torn-los plausveis aos seus olhos e aos de seu
leitor. A exemplo de Snorri e a tradio islandesa, Saxo recorre ao evemerismo.
Saxo, a despeito de ser um escritor comissionado, no apenas transcreve o que

489
MUCENIECKS, 2008: 51; 57-61; 102-104.
241

lhe dito, nem reproduz simplesmente certa posio poltica. Com frequncia profere
juzos claros de valor sobre uma histria que acabou de narrar. Entretanto, ao se
observar a forma como ele a narra, ou os episdios posteriores a ela, o leitor percebe
claramente que sua idia exatamente oposta.
Na prpria narrativa da trajetria de seu patrono Absalo alguns entrevem a
possibilidade de que, para Saxo, o arcebispo se ocupasse demasiadamente com os
assuntos mundanos e laicos490.
A escolha dos personagens-fonte para as narrativas tambm revela parmetros
prprios, individuais. A grande maioria dos heris, viles e demais personagens da
Gesta possuem paralelos em sagas, poemas e narrativas.
Raramente, porm, Saxo conta uma tradio de forma similar s outras fontes
escandinavas. Em algumas circunstncias nas quais se possui narrativas mais completas
como a Edda de Snorri - Saxo por vezes inverte o papel entre protagonista e
antagonista.
Temos um exemplo claro no mito de Balderus/Balr, do qual temos outra
verso em Snorri. Saxo inverte o papel de Balr, transformando-o em vilo e
transferindo suas caractersticas boas para o adversrio Hotherus/Hr que, por sua
vez, apenas um joguete nas mos de Loki na narrativa da Edda de Snorri. A prpria
planificao entre mau e bom, evidente em Saxo, no possui tal dimenso de certo
e errado nas narrativas da Edda.
Alguns dos episdios aos quais Saxo apresenta maior cuidado de elaborao
por muitas vezes no centralizam sua ateno nos reis, mas, em algum heri paralelo
narrativa do rei; este, dessa forma, ainda que o suposto protagonista, oferece interesse
secundrio para o leitor frente ao heri.
O arcebispo Absalo faleceu em 1202. Saxo provavelmente concluiu a escrita da
Gesta entre 1215 a 1219491; ano no qual foi construdo por Valdemar o forte de Tallinn,
na Estnia492. O Praefatio cita a campanha de Valdemar no Elba, mas cala sobre a na
Estnia. Eric Christiansen assume uma data limite de 1215, e argumenta que aps a
expedio de 1206 de Valdemar Estnia Saxo, que ainda escrevia sua Gesta nesta

490
SAWYER & SAWYER, 2003: 225; CHRISTIANSEN, 1997: 60s.
491
CHRISTIANSEN, 1997: 110.
492
URBAN, William. The Baltic Crusade. Chicago: Lithuanian Research and Studies Centre, 1994. Pp.
124s.
242

poca, foi avivando sua narrativa com fbulas de como os ancestrais do rei tinham
povoado a Rssia e conquistado o Daugava, os Estonianos e os fineses493.
Aps o falecimento do arcebispo o curso do trabalho parece ter mudado. uma
ideia bem aceita de que Saxo escreveu primeiramente os ltimos livros (X-XVI) da
Gesta, tendo iniciado posteriormente a escrita dos primeiros (I-IX), que veiculam as
origens dos daneses e os tempos de paganismo494. H considervel contraste entre as
duas partes da obra, e o procedimento de praxe tm sido dividi-las como parte mtica (I-
IX) e histrica (X-XVI), a ltima baseada nas memrias de Absalo (ver Tabela 06).

Arcebispo Rei Livros escritos Aspecto geral


Absalo Valdemar I X-XVI Crnica da Dinamarca; Feitos de Absalo;
& Knut IV as cruzadas na Slavia
Anders Sunesson Valdemar II I-IX Pr-Histria da Dinamarca; evemerismo
dos mitos do norte
Anders Sunesson Valdemar II Prefcio Descrio geral do trabalho e do mundo;
agradecimentos e homenagens
Tabela 06: A Gesta Danorum: a ordem dos livros em contexto (do autor)

A despeito dessa diviso possvel encontrar unidade em ideologias e


propsitos em ambas as partes, por mais diferentes que paream entre si. Nesse sentido
diversos autores identificaram esquemas e ordenaes especficas na Gesta: Inge
Skovgaard-Pedersen (1975)495 defende uma diviso quadripartite na obra: os livros I-IV,
contm o mundo antes do nascimento de Cristo; os V-VIII, o perodo anterior
converso da Dinamarca; os livros IX-XII narram o crescimento na igreja danesa e XIII
a XVI, o estabelecimento dos arcebispados; Kurt Johannesson (1978-1981) identificou
uma elaborao crescente na gesta Danorum que apresenta as Quatro Virtudes
Cardinais496 e Sigurd Kvrndrup defendeu (2004) a existncia de doze princpios e uma
emulao de Feitos e ditos memorveis, de Valrio Mximo497.

493
CHRISTIANSEN, 1997: 110s
494
ELLIS-DAVIDSON, 2006: 11.
495
SKOVGAARD-PEDERSEN, I. Gesta Danorums genremssige placering. In: BOSERUP, Ivan (ed).
Saxostudier. Copenhagen: Museum Tusculanum, 1975. Pp. 20-29.
496
JOHANNESSON, 1981: 121.
497
KVRNDRUP, 2004: 28.
243

4.3.1 O Evemerismo de Saxo

O evemerismo na Gesta Danorum de longe recebe a ateno dos estudiosos de


sua contraparte na Edda e na Ynglingasaga. Sob consideraes meramente estilsticas,
seu texto apresenta uma elaborao muito distinta da dos autores islandeses e pode, por
vezes, ser de difcil compreenso e interpretao.
Em contraposio ao predomnio da escola da Gelehrte Urgeschichte na
Heimskringla e Edda em Prosa, a forma interpretativa mais difundida sobre o tema em
Saxo foi feita por Georges Dumzil em Du mythe au roman, de 1970, que analisa-o sob
a tica dos estudos mitolgicos, mais especificamente o material contido no livro I,
referente a Hadingus.
Existem dois episdios especficos no livro I nos quais Saxo Grammaticus
apresenta explicaes evemeristas. Dumzil chama-os de Digresses mitolgicas. O
primeiro dos episdios disserta sobre trs raas de feiticeiros (mathematici): gigantes,
magos e o cruzamento de ambos. Os gigantes possuam grande tamanho, mas os
poderes dos mgicos eram superiores. O resultado do cruzamento entre as duas raas
produziu descendentes que no possuam nem o tamanho dos gigantes, nem as artes dos
mgicos. Todos vieram a ser chamados de deuses.
O episdio est inserido aps a abertura da narrativa sobre Hadingus e a
descrio de como o mesmo foi adotado por gigantes aps a morte de seu pai [1.5.1].
Dumzil procura explicar a passagem estruturalmente, com base em comparaes entre
gigantes e homens e os ases e vanes da mitologia escandinava498.
A interpretao nos parece razovel, a despeito das ressalvas de Boulhosa 499, e
pode ser pensada paralelamente com os mitos de criao escandinavos aos quais temos
acesso por meio de Snorri, nos quais gigantes e deuses esto presentes.
O que nos parece, entretanto, como Dumzil tambm nota500, que o episdio
do cruzamento das raas possa conter alguma reminiscncia do captulo 06 do livro do
Gnesis, que narra o cruzamento das filhas dos homens com seres sobrenaturais;
algumas tradues inclusive enfatizam a existncia de gigantes.
No nos deteremos nesse episdio, que aos nossos propsitos serve apenas de
forma acessria, no sentido de explicar parcialemente a metodologia hermenutica de

498
DUMZIL. Do mito ao romance: a Saga de Hadingus. So Paulo: Martins fontes, 1992. pp.101s.
499
BOULHOSA, 2006.
500
DUMZIL, 1992: 103.
244

Saxo. Seu evemerismo assimila tradies distintas e procura coadun-las em uma


narrativa explicativa, tambm racionalizada. No caso, os objetivos do adendo mtico se
prestam para explicar o emprego de gigantes na narrativa posterior, bem como os
poderes apresentados pelos mesmos. Tambm til na narrativa para demonstrar como
seres habilidosos receberam adorao da parte dos homens como deuses.
A segunda digresso mitolgica, no entanto, merece mais de nossa ateno.
Leia-mo-la com cuidado:

1. Nesta poca, um tal de Othinus recebia atravs de toda a


Europa a qualificao mentirosa de deus; mas era em Uppsala que ele
residia a maior parte do tempo e honrava muito especialmente esta
cidade como sua residncia ordinria, seja por causa da apatia de seus
habitantes, seja por causa da aprazvel localizao. Desejosos de
prestar uma homenagem sua majestade divina, os reis do Norte
mandaram reproduzir a imagem dele numa esttua de ouro que
enviaram a Bizncio como expresso de seu respeito nas mais
caracterizadas formas de religio. Alm disso, enfiaram densos e
pesados braceletes nos braos da esttua.
Exultante com to considervel homenagem, ele foi
extremamente sensvel afeio dos expedidores. Mas sua mulher
Frigga, para poder mostrar-se em seus mais belos adornos, convocou
ferreiros e fez retirar todo o ouro da esttua. Othinus mandou enforc-
los, colocou a esttua sobre um pedestal e, pelo arttifcio de um
espantoso sortilgio, deu-lhe o poder de falar quando algum tocasse
nela. Mas Frigga no se deu por vencida: colocando a elegncia de
seus enfeites acima da dignidade de seu marido, ela prostituiu-se com
um de seus servidores. Graas a ele, Frigga conseguiu derrubar a
esttua e aproveitou para o seu luxo pessoal o ouro que tinha sido
supersticiosamente dedicado a um culto pblico. Ela no teve o menor
escrpulo em abandonar-se ao seu impudor para melhor satisfazer sua
avidez, essa mulher indigna de ser esposa de um deus. O que poderei
acrescentar aqui, seno que um tal deus era, no fundo, bem digno de
tal esposa? To grande era nesse tempo o erro do qual os mortais eram
meros joguetes!
Assim, Othinus, sob o impacto da injria que a esposa lhe
infligira, no sentiu menos o dano sobre sua imagem do que sobre o
seu leito. Profundamente ferido por essas duas irritantes vergonhas e
obedecendo a um nobre sentimento de honra, decidiu exilar-se,
pensando que assim apagaria a mcula da afronta sofrida.
2. Com a partida de Othinus, um certo Mithotyn, clebre por
seus sortilgios, que faziam crer que sua fora lhe era insuflada por
um dom celeste, aproveitou a ocasio para outorgar-se tambm uma
pretensa divindade e, envolvendo os espritos brbaros nas trevas de
um novo erro, induziu-os, pela fama de seus sortilgios, a celebrarem
cerimnias em sua homenagem. Dizia ele que no se podia apaziguar
a clera dos deuses e redimir as faltas cometidas contra a majestade
deles atravs de sacrifcios globais e confusos; por conseguinte,
proibiu que se lhes dirigissem pedidos coletivamente e estabeleceu,
para cada uma das divindades, oferendas distintas.
245

Com o regresso de Othinus, Mithotyn renunciou ao socorro de


seus sortilgios e foi esconder-se em Finia501, mas os habitantes
lanaram-se sobre ele e mataram-no. Mesmo depois de morto, suas
vergonhosas prticas continuaram se manifestando, pois todos aqueles
que se aproximavam de seu tmulo, ele os matava de morte sbita, e
causou tantas calamidades aps seu desaparecimento que parecia que
a morte de Mithotyn tinha de deixar lembranas quase mais pavorosas
do que a vida dele, como se quisesse encontrar culpados para faz-los
expiar seu assassinato. Em meio a esses infortnios, os habitantes
retiraram o cadver dele da tumba, decapitaram-no e furaram-lhe o
peito com uma estaca: foi a salvao deles.
3. Depois disto, Othinus, a quem a morte de sua mulher
restitura sua antiga glria, redimindo, de certa maneira, a mcula
causada em sua divindade, retornou do exlio, e todos aqueles que, em
sua ausncia, tinham ostentado ttulos e recebido honras de deuses,
foram obrigados a renunciar a estes, dizendo que nada disso lhes
pertencia; e, pelo fulgor reparado de sua majestade, dispersou como
trevas os grupos de mgicos que se haviam formado e forou-os por
uma ordem no s a deporem suas qualificaes divinas, mas ainda a
abandonarem a ptria, avaliando corretamente que era preciso
expulsar da terra aqueles que tinham to escandalosamente usurpado o
cu502.
(SAXO GRAMMATICUS. Gesta Danorum, Livro I. Traduo de
lvaro Cabral, In: DUMZIL, 1992. Pp.117s).

501
A ilha dinamarquesa de Fyen. Para Henrik Schck, seria no pas dos Finni.
502
Dan 1.7.1 (p. 25,1 ) [1] Ea tempestate cum Othinus quidam Europa tota falso divinitatis titulo
censeretur, apud Upsalam tamen crebriorem deversandi usum habebat eamque sive ob incolarum inertiam
sive locorum amoenitatem singulari quadam habitationis consuetudine dignabatur. [2] Cuius numen
Septentrionis reges propensiore cultu prosequi cupientes effigiem ipsius aureo complexi simulacro
statuam suae dignationis indicem maxima cum religionis simulatione Byzantium transmiserunt, cuius
etiam brachiorum lineamenta consertissimo armillarum pondere perstringebant. [3] Ille tanta sui
celebritate gavisus mittentium caritatem cupide exosculatus est. [4] Cuius coniunx Frigga, quo cultior
progredi posset, accitis fabris aurum statuae detrahendum curavit. [5] Quibus Othinus suspendio
consumptis statuam in crepidine collocavit, quam etiam mira artis industria ad humanos tactus vocalem
reddidit. [6] At nihilominus Frigga, cultus sui nitorem divinis mariti honoribus anteponens, uni
familiarium se stupro subiecit; cuius ingenio simulacrum demolita aurum publicae superstitioni
consecratum ad privati luxus instrumentum convertit. [7] Nec pensi duxit impudicitiam sectari, quo
promptius avaritia frueretur, indigna femina, quae numinis coniugio potiretur. [8] Hoc loci quid aliud
adiecerim quam tale numen hac coniuge dignum exstitisse? [9] Tanto quondam errore mortalium
ludificabantur ingenia. [10] Igitur Othinus, gemina uxoris iniuria lacessitus, haud levius imaginis suae
quam tori laesione dolebat. [11] Duplici itaque ruboris irritamento perstrictus plenum ingenui pudoris
exsilium carpsit eoque se contracti dedecoris sordes aboliturum putavit. Dan 1.7.2 (p. 25,23 ) [1] Cuius
secessu Mithothyn quidam praestigiis celeber, perinde ac caelesti beneficio vegetatus, occasionem et ipse
fingendae divinitatis arripuit barbarasque mentes novis erroris tenebris circumfusas praestigiarum fama
ad caerimonias suo nomini persolvendas adduxit. [2] Hic deorum iram aut numinum violationem confusis
permixtisque sacrificiis expiari negabat ideoque iis vota communiter nuncupari prohibebat, discreta
superum cuique libamenta constituens. [3] Qui cum Othino redeunte, relicta praestigiarum ope, latendi
gratia Pheoniam accessisset, concursu incolarum occiditur. [4] Cuius exstincti quoque flagitia patuere,
siquidem busto suo propinquantes repentino mortis genere consumebat tantasque post fata pestes edidit,
ut paene taetriora mortis quam vitae monumenta dedisse videretur, perinde ac necis suae poenas a noxiis
exacturus. [5] Quo malo offusi incolae egestum tumulo corpus capite spoliant, acuto pectus stipite
transfigentes; id genti remedio fuit. Dan 1.7.3 (p. 25,36 ) [1] Post haec Othinus, coniugis fato pristinae
claritatis opinione recuperata ac veluti expiata divinitatis infamia, ab exsilio regressus cunctos, qui per
absentiam suam caelestium honorum titulos gesserant, tamquam alienos deponere coegit subortosque
magorum coetus veluti tenebras quasdam superveniente numinis sui fulgore discussit. [2] Nec solum eos
deponendae divinitatis, verum etiam deserendae patriae imperio constrinxit, merito terris extrudendos
ratus, qui se caelis tam nequiter ingerebant.
246

Detter e Dumzil explicam o episdio em termos mitolgicos, demonstrando os


componentes ali assimilados: a Guerra dos sir e Vanir, que contm o episdio da
cabea de Mmir, o colar de Brsingamen, o mito de Njrr e Ski503.
De fato, perfeitamente possvel encontr-los na digresso; Hadingus, elaborado
conforme o deus Njrr o personagem principal do livro; na mitologia de Snorri,
Njrr adentra a famlia dos sir atravs de uma guerra que se d entre as duas famlias
de deuses.
O ponto que nos interessa, no entanto, o que a passagem nos demonstra sobre a
elaborao de leste na Gesta Danorum. Para isso, precisamos recorrer comparao
com as fontes islandesas.
Em ambos possumos uma temtica similar e uma hermenutica evemerista no
lidar com os mitos e na criao de histrias de origem. A Heimskringla e o Prlogo da
Edda Menor vinculam as origens de seus povos ao Oriente, mais especificamente sia
Menor, Tria. inn est presente nas narrativas, e residir posteriormente em
Uppsala.
O que o relato de Saxo nos traz nesse sentido, per se? Os personagens Othinus
(evidentemente uma transcrio ou adaptao do nome inn), Mythothyn
falso/mtico inn e Frigga. Othinus reverenciado em Uppsala e governa em
Bizncio.
O paralelo geogrfico e temtico com os Prlogos islandeses bvio. Porm, ele
se encerra nesses nveis.
No h uma narrativa da guerra de Tria, sequer uma Tria Saxo fala em
Bizncio; no h uma narrativa de migrao. Em seu lugar, temos uma intriga palaciana
entre um ser ambiguamente tratado na primeira sentena como falso deus (...) falso
divinitatis titulo censeretur (...), mas ao mesmo tempo um falso deus mais digno, ou
merecedor de honrarias, do que o outro que usurpa sua posio, e que ao final da
situao recupera o fulgor de sua antiga majestade divina (numen, -inis).
H dados acessrios, como os preconceitos de Saxo que sero mostrados e
repetidos exaustivamente em livros posteriores sobre o sexo feminino so
incorporados em Frigga, apresentada como uma adltera que cede luxria do ouro.
Ora, a explicao da provenincia dos daneses colocada por Saxo
anteriormente, na primeria linha da Gesta:

503
DUMZIL, 1992: 121s.
247

Os daneses traam seus incios a Dan e Angul, filhos de


Humblus, que foram no meramente os fundadores de nossa raa, mas
tambm seus guias. Dudo, entretanto, que escreveu uma historia da
Francia, acredita que os daneses fluram dos danais e foram nomeados
segundo eles504

(SAXO GRAMMATICUS. Gesta Danorum, Livro I. Verso nossa).

Saxo liga conscientemente a histria de origem dos daneses a Dudo de S.


Quentin, autor da Historia Normannorum, associando dans aos danais, nome dado
aos helnicos na Ilada. Pouco depois na passagem cita Beda, autor da Historia
ecclesiastica gentis Anglorum, ao refletir sobre o destino de Angul e a origem dos
ingleses.
Esta passagem explica a genealogia, mas no o porqu do esvaziamento do
sentido mais comum ao medievo Ocidental da Matria de Roma. Tampouco explica
porque Saxo, tendo j recorrido a outra fonte explicativa, insere a narrativa que contm
verso diferente, e de forma to transfigurada.
H diversos problemas nesta situao, bem como na nossa interpretao. O
principal que no podemos definir um arqutipo exato, escandinavo, que trace a
origem de inn Tria. Possumos uma longa tradio de escrita histrica Medieval
Ocidental e uma derivao da mesma em solo Islands que o fazem, mas a existncia de
tal tradio no obriga Saxo a empreg-la, especialmente se no incio do livro empregou
outra histria de origem, ainda que mais simples.
A formao de Saxo Grammaticus e alguns dos elementos da narrativa, no
entanto, so por demais similares tradio da Matria de Roma para pressupormos
que Saxo no a conhecia. Ele simplesmente optou por empregar apenas elementos
acessrios da mesma. Em outros tpicos da mitologia ele o faz semelhantemente;
citamos a pouco o mito de Balr como exemplo.
Cremos, no entanto, poder sugerir ao menos duas hipteses razoveis,
conectadas nossa temtica, que ajudam a compreender as selees efetuadas por Saxo
nesse episdio.

504
1.1.1: [1] Dan igitur et Angul, a quibus Danorum coepit origo, patre Humblo procreati non solum
conditores gentis nostrae, verum etiam rectores fuere. [2] Quamquam Dudo, rerum Aquitanicarum
scriptor, Danos a Danais ortos nuncupatosque recenseat.
248

4.3.2 O leste na Gesta Danorum

A primeira hiptese que a Matria de Tria no oferece sentido para o leste


em Saxo Grammaticus, e o Oriente no incorpora, dessa forma, signicados de origem no
mesmo sentido que nos Prlogos islandeses, incluindo os imaginrios sacros referentes
ao Paraso e Nova Jerusalm.
H pouco espao para interpretao bblica no apenas no livro I, mas por toda
a Gesta. de certa forma surpreendente encontrar um nmero maior de referncias
teolgicas e derivaes de interpretaes bblicas nas obras histricas dos autores
islandeses, supostamente leigos, do que na obra de um eclesistico dans que escreve
comissionado por um arcebispo.
Eric Christiansen expe pensamento similar quanto s inclinaes espirituais ou
polticas de Saxo:
He was interested in the spiritual regeneration of the heathen
Slavs, but much more interested in the political regeneration of
Denmark, and he seems to have believed that both aims were equally
acceptable to God. He was writing at a time when Denmark was a
powerful and prosperous kingdom, and his concern was to give this
kingdom a past as glorious as the present505.

Destarte, se desejamos entender os sentidos que o leste pode assumer na Gesta


Danorum, devemos faz-lo de forma coadunada com a ideologia poltica defendida por
Saxo. No momento, pertinente retornarmos fonte e observar em maior detalhe como
Saxo se refere regio, no seu Prlogo, ao discriminar os povos da Escandinvia:

Aps o que, para o nascente tambm se encontra um ajuntamento de


mltipla diversidade de barbrie506-507

Para Saxo, em sua linguagem rebuscada e carregada de sinnimos e


qualificantes, o leste um ajuntamento de mltipla diversidade de barbrie.
A descrio da regio de tal forma no Praefatio significativa, em particular se
levarmos em considerao a ideia de sua composio posterior aos demais livros da
Gesta. Nesse caso, a considerao ponderada, fruto de anos de trabalho e escrita e da
criao de conceitos e preconceitos bastante solidificados na mente do autor. fruto das

505
CHRISTIANSEN, 1997: 65s.
506
Post quam ab ortu quoque multiplex diversitatis barbaricae consertio reperitur (0.2.10)
507
Ou de povos brbaros.
249

prprias experincias ouvidas e vividas pelo mesmo com seus sucessivos patronos,
Absalo e Anders, ambos viajantes para o leste. O primeiro entre os Sclavi, o segundo
nas regies do Bltico Oriental, incluindo Riga no Daugava, a regio do norte da
Estnia e a expedio de Valdemar na mesma.
Na circunstncia pouco provvel de a escrita do prefcio ter-se dado
anteriormente composio dos demais livros da Gesta, a descrio vaga e depreciativa
no necessariamente implica em desconhecimento da regio descrita. Por certo uma
datao muito antiga para o prefcio excluiria os tempos experimentados pelo arcebispo
Anders Sunesson no Bltico Oriental, fonte certa de informaes de primeira mo para
Saxo, mas tambm tal arrazoamento baseado em conjectura.
De fato, Saxo revela maior conhecimento das regies do Bltico do que os
autores islandeses. As regies e povos que so citados no transcorrer da Gesta Danorum
e que podem ser enquadradas no leste, nesta regio de diversa barbrie, so:
Em Austrvegr: Curetes (kurs livros 1,2,3,5,6,8,9,11 e 14), Eesti (estonianos
livros 6,8,14 e 16), Rotala (Haapsalu, Estnia 2.1.7), Livi (livnios livros 8 e 14
no ultimo caso, o nome Livonem aparece juntamente com o nome de um indivduo,
como um apelido), Sembi (prussianos livros 6,8,9,10 e 11); semgali (zemglios
livros 6 e 8).
Em Gararki: Holmgardia (Holmgard/Novgorod livro 5) e Cnogardia
(Konungard/Kiev livro 5) Paltisca (Palteskja/Polotsk, livro 2.1.7 ) 37, 42; Ruscia
(Rus - livros 2,3,5,6,7,8,9,11,12 e 14).
Na Regio rtica: Skritfinnia (Saami, Praefatio), Finmarchia, Finni (Saami -
livros 1,3,5,7,9,10); Biarmi (Bjarmar livros 5, 6, 8 e 9).
Os Sclavi fogem de nosso recorte. Aparecem em todos os livros, com exceo
do 1 e 4, e so objeto constante das atenes dos daneses, principalmente nos livros
finais da obra.
H algumas referncias ao Helesponto (livros 1, 8 e 9); so ligadas eventos no
Bltico Oriental, Kurland e aos Semgallir, aos livnios, Scithia, Rutenia e at
mesmo Biarmia, bem como temtica de Ermanaric que, como veremos em breve,
foi transferida para o rei Frotho III. A regio apresenta-se ressignificada enquanto a rota
dos Varegues aos Gregos, que passava pelos Rios Daugava, Dnieper, o Mar Negro e,
finalmente, ao Hellesponto de fato.
250

4.3.3 A Temtica do Conselheiro

Num estudo que se iniciou com a observao do leste das passagens da Gesta
Danorum, defendemos em 2008 a existncia de um motivo narrativo que repetir-se-ia
com frequncia na Gesta Danorum, e que nomeamos como A Temtica do
Conselheiro508.
Esta temtica propicia uma estrutura terica que suporta ideologias teocrticas
mesmo em livros que supostamente sequer mencionam o Cristianismo. O esquema das
Virtudes Cardinais, defendido por Johannesson 509, essencial para compreend-la.
Entre os livros I a IV Saxo apresenta gradualmente quadros de virtudes. Usando
diversos exempla, ele mostra personagens que possuem uma ou duas virtudes, mas que
so deficitrias das demais. Somos apresentados aos feitos de Gram e Hadingus,
homens cheios de Fortitudo, porm carentes de Prudentia; somos entretidos com os
artifcios de Amlethus, supremo no uso da Prudentia, mas severamente desprovido de
Temperantia e, dessa forma, incapaz de manter suas conquistas alcanadas por meio de
sua astcia.

Livro Virtude enfatizada Personagem exemplificador


I Fortitudo (fora, resistncia tanto fsica quanto Gram, Hadingus
moral)
II Iustitia, munificiencia (justia encaminhando-se para Frotho, many others
munificncia, liberalidade)
III Prudentia (sabedoria, conhecimento, inteligncia, Amlethus (cheio de Prudentia)
astcia)
IV Temperantia/Constantia (temperana, resistncia, Amlethus (deficient em
perseverana, estabilidade) Constantia)

Tabela 07: O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais (Do autor. Baseado em Johanesson,
Kurt: Komposition och vrdsbild i Gesta Danorum, 1978 & Kvrndrup, Sigurd: The composition of
Gesta Danorum and the place of geographical relations in its worldview, 2004)

A partir do Livro V h uma clara modificao na narrativa. O leitor subitamente


encontra personagens mais complexos que os reis e heris vistos at ento. Os reis so
fracos, falhos, tolos. Contudo, diferentemente da maior parte de indivduos apresentados
nos primeiros livros, esses novos demonstram mudana e desenvolvimento.

508
MUCENIECKS, 2008: 62-64; ________________. The Thematic of the Counselor in the Gesta
Danorum and the Strengthening of the Danish Hegemony in the Medieval Baltic Area. Paper apresentado
no International Medieval Congress of Leeds. Leeds, 2014.
509
JOHANNESSON, 1978 & 1981.
251

Algumas vezes esse crescimento um bocado cru, carente de polimento. O mau


rei confrontado, geralmente com um estrangeiro. Seus conselheiros anteriores so a
principal razo de suas fraquezas e comportamento inadequado. O estrangeiro enfrenta-
os, toma seus lugares e vem a ser o verdadeiramente sbio conselheiro que o rei
necessita. Aps tais altercaes, o rei abandona seus enganos do passado e conduz a
Dinamarca em caminhos gloriosos e prsperos.
Os livros nos quais encontramos tal estrutura mais desenvolvida so os livros V,
com o rei Frotho III e o conselheiro Ericus Dissertus, bem como os desenvolvimentos
posteriores encontrados nos livros VI a VIII, que se focam na histria do heri
Starcatherus que, tendo vivendo o equivalente temporal de diversas vidas, capaz de
retificar os caminhos do rei Frotho IV, bem como atuar nas vidas de diversos reis aps
isto, dentre muitos feitos e desfeitos.

Rei Conselheiro Livro


Gram Bessus I
Hadingus Homem caolho (lembra inn) I
Frotho III Ericus Dissertus (Erik, o eloquente) V
Frotho IV e outros reis Starcatherus VI-VIII
Knut Lavard Temtica em desenvolvimento XIII
Valdemar I Absalo (prottipo do conselheiro) XIV-XVI

Tabela 08: o desenvolvimento da Temtica do Conselheiro na Gesta Danorum. Do autor.

Ainda que esses dois personagens consistam no pice da ideia do conselheiro,


podemos identificar o desenvolvimento do tema em outros livros. De fato, esta temtica
no nova de todo no mundo setentrional. possvel encontrar narrativas similares na
Hrolf Kraki saga e na Historia apollonii Regis Tyri, por exemplo, e seus elementos se
prestam a anlises estruturalistas tais quais as desenvolvidas por Vladimir Propp em
seus trabalhos acerca dos contos folclricos510.
Outras partes da Gesta Danorum, em particular seus livros I e XIII, trazem-nos
ecos da temtica do conselheiro. No livro I lemos sobre primeiros reis da Dinamarca,
Gram e Hadingus. O primeiro envolve-se em uma disputa potica com uma dama a
quem ele deseja. Ele totalmente incapaz, entretanto, de enfrentar a situao. Incapaz
de falar corretamente, incapaz de argumentar. Sua salvao apresentada nas palavras
de seu amigo Bessus, que tambm o auxilia em outras situaes, mas particularmente na
disputa potica.

510
PROPP, Wladmir Yakovlevitch. Morfologia do Conto Maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense
Universitria, 2006. [Moscou, 1976].
252

No mesmo livro o leitor deleita-se com a narrativa de Hadingus. De longe mais


elaborada que a histria de Gram, a de Hadingus passa por desenvolvimentos
interessantes como, por exemplo, uma grande similaridade com o mito do deus
Njrr, visto h pouco. Em seus incios, ele mentoreado por uma gigante, Harthgrepa.
Nesta fase de sua vida, Hadingus no apresentado enquanto um bom exemplo. Ele
seduzido por uma gigante que, como se no fosse o suficiente, pratica magia negra para
antever o futuro.
Esta fase encerrada com a morte de Harthgrepa e a captura de Hadingus na
Kurland. Em seu cativeiro, ele recebe conselho de um velho homem, claramente
representando a inn disfarado. Nesse ponto, Hadingus personifica a fortitudo,
iniciando uma vida de vitrias, frequentemente ajudado pelo velho homem.
Em ambos os casos o rei claramente apresentado como deficiente e at mesmo
fraco e pattico, enganado por seus inimigos e pelas circunstncias. A situao
desesperada somente pode ser transposta com a ajuda de um sbio, um conselheiro. No
caso de Hadingus h ainda a comparao das duas fases de sua vida, que aponta
inequivocamente para a necessidade de um conselheiro verdadeiro e sbio.
O livro XIII, j na parte histrica da Gesta Danorum, apresenta a histria de
Knut Lavard, enganado e capturado por seus inimigos. O incio do livro conta a
historieta de um jovem que, a despeito do aviso de seu instrutor, foi morto por um
cavalo.
O fechamento da ideia apresentado no livro XIV em diante, que contm o
ncleo da vida do arcebispo Absalo. No h qualquer mnima possibilidade de dvida
sobre quem seja o heri nesses livros. De forma alguma o rei Valdemar, mas sim o
bispo, posteriormente arcebispo, Absalo.
Dessa forma, o que parece a princpio uma referncia pontual, uma narrativa
isolada da vida de um arcebispo, evolui para um tema principal. Esta ideia, entretanto,
no uma simples glorificao de seu patrono e suportador Absalo; antes disso, uma
forte defesa das instituies representadas pelos homens na narrativa.
O que Saxo mostra ao leitor que no suficiente ao rei ser forte. Ele necessita
de ser sbio, e de ter homens ainda mais sbios a aconselh-lo. Certamente a nica
instituio que pode prover toda esta quantia de sapincia, sob o ponto de vista de um
clrigo do sculo XIII, a Igreja Romana.
H anda uma nuance importante a ser apresentada. No h uma dominncia
total, clara, de uma instituio sobre a outra. No esse o intuito das narrativas de Saxo.
253

possvel inclusive se destacar o perigo de uma posio aberta e marcadamente


gregoriana; o manuscrito de Angers que, de acordo com a crtica gentica possivelmente
trata-se de um autgrafo do prprio Saxo, nos prov incmoda informao: em meio ao
texto que conhecemos como a Gesta Danorum oficial, aparentemente h modificaes
e adies com o intuito de espelhar feitos dos Valdemares, indicativos da
vulnerabilidade do prprio Saxo.
A supremacia dos homens sbios, os eclesisticos, sobre os lutadores e polticos
clara na mente de Saxo, mas parece ser igualmente claro para ele que h a necessidade
de cooperao. No possvel separar a monarquia e o arcebispado; em uma verso
dualstica das Ordens feudais, oratores e belatores precisam cooperar a fim de alcanar
uma nao forte, sob a direo divina.

4.3.4 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares

O livro V um ponto focal e de particular relevncia na Gesta Danorum como


um todo. Em uma das pouqussimas ocasies nas quais Saxo prov datas ou
periodizaes mais especficas, nesse caso a narrativa ocorre nas proximidades
temporais do prprio nascimento de Cristo, o que vai se revestir de importncia especial
no enredo.
Quanto aos esquemas discutidos a pouco das Virtudes Cardinais e da Temtica
do Conselheiro, o livro V o primeiro no qual um conselheiro no caso, Ericus
Dissertus apresentado revestido de todas as Virtudes Cardinais. O rei em questo,
Frotho III, ser lembrado em sua morte como o mais ilustre de todos os reis do
mundo511.
por meio dos conselhos de Ericus que o rei Frotho III, at ento imerso em
uma vida cheia de vcios e falhas, transformado no governante que alm de pacificar a
Dinamarca constri um Imperium no norte. Os territrios conquistados pelos daneses
incluem a Noruega, Sclavia, rcades, Estnia, Curlndia, Aland, Rutenia (so citadas
Holmgardia e Conungardia Novgorod e Kiev), Saxonia, Jmtland e Hlsingland512,
A narrativa similar Hervara Saga, principalmente a Batalha entre Godos e
Hunos, e contm elementos da Res Gestae de Amiano Marcelino, da Getica de

511
(...) toto orbe clarissimi regis (...).
512
Provncias do norte e centro da Sucia, respectivamente.
254

Jordanes, e da Historiarum adversum paganos de Paulo Orsio. Os daneses e seus


aliados assumem o papel dos Godos, enfrentando os hunos aliados aos Ruteni. O papel
do rei godo, Ermanaric, transferido para Frotho III.

Segundo Saxo, o reino de Frotho inclua a Rssia ao nascente e fazia fronteira


com o rio Reno ao poente513. O rei ser um pacificador, governando em paz por trinta
anos ininterruptos, e a justificativa para tanto a coincidncia com o nascimento de
Cristo:

Nesta mesma poca, o autor da Salvao, dedicadamente e


pela graa, suportou a condio humana, vindo ao mundo
publicamente e vista dos mortais, enquanto os fogos de guerra eram
apagados e a terra gozava um perodo da mais calma tranquilidade.
Considerou-se que a extensa magnitude dessa paz, a mesma e
ininterrupta em todas as partes do mundo, atendeu antes ao divino
nascimento que a um prncipe terrestre, e que por um ato celestial esta
rara ddiva de tempo significou que o criador do tempo estava entre
ns.514

A ideia da coincidncia da paz mundial com um Imperium de alcance


igualmente mundial e o nascimento Cristo no nova. Em adio citao bblica de
que Cristo viera na plenitude dos tempos515, temos uma construo histrica que,
como j discutimos em captulo anterior, foi bastante duradoura no medievo da pena
de Paulo Orsio. Encontramos termos muito semelhantes no livro VII, captulo XX de
sua Historiarum adversum paganos:

1
Assim, no ano 752 da fundao de Roma, pela 3 vez, Csar
Augusto encerrou pessoalmente as portas do Templo de Jano. Sem
dvida, do Oriente ao Ocidente, do Norte ao Sul e ao longo de todo o
litoral banhado pelo Oceano, todas as naes tinham se harmonizado e
alcanado a paz universal (...)
5
Ora, Cristo nasceu nesse ano, i.e., no ano em que Csar
Augusto consertou uma paz muito slida e autntica em ordem ao
plano estabelecido por Deus. Essa paz serviu como escrava o advento
de Cristo. E no nascimento de Cristo, os Anjos exultando cantaram
para os homens que os ouviam: Glria a Deus nas alturas e paz na

513
Frothonis regnum, Rusciam ab ortu complectens, ad occasum Rheno flumine limitatum erat
514
(5.15.3) [1] Per idem tempus publicae salutis auctor mundum petendo servandorum mortalium gratia
mortalitatis habitum amplecti sustinuit, cum iam terrae, sopitis bellorum incendiis, serenissimo
tranquillitatis otio fruerentur. [2] Creditum est tam profusae pacis amplitudinem, ubique aequalem nec
ullis orbis partibus interruptam, non adeo terreno principatui quam divino ortui famulatam fuisse,
caelitusque gestum, ut inusitatum temporis beneficium praesentem temporum testaretur auctorem
515
Glatas 04:04:V indo, pois, a plenitude do tempo, Deus enviou seu filho (...). In: Bblia Sagrada.
Traduo: Almeida revista e atualizada.
255

terra aos homens de boa vontade...


Neste mesmo tempo, Augusto, a quem se concedera o supremo
mando de todas as coisas, no tolerou que lhe chamassem senhor dos
homens (sendo ele um dos mortais). Mais ainda: no lhe sofru o
nimo que lhe chamassem SENHOR nos dias em que, entre os
homens, nasceu o verdadeiro Senhor de todo o gnero humano.
Tambm neste mesmo ano de 752ab.U.c, o mesmo Csar
Augusto, a quem Deus predestinara para este to grande mistrio, foi
o primeiro que mandou fazer o recenseamento de cada uma das
provncias do seu Imprio e registrar o nmero de todos os que o
povoavam. E isto precisamente quando Deus se dignou no s ser
visto como Homem mas tambm assumir a natureza humana.

(Paulo ORSIO, Histria Contra os pagos. Livro VI, captulo 22


Traduo: CARDOSO, Jos)516.

H outros elementos menores que tambm podem indicar uma relao entre os
textos, como certa emulao da cardinalidade na delimitao de limites, mas que podem
igualmente ser fortuitos517.

O episdio nos fornece um conceito mais apurado de qual significao e


relevncia o leste pode se revestir na ideologia de Saxo Grammaticus: trata-se
claramente da construo de uma hegemonia danesa no Bltico.

4.3.5 O leste e as cruzadas setentrionais

O contexto dans do sculo XIII fornece a Saxo um cenrio perfeito, que


providencia lugares e funes para todos os poderes envolvidos na situao: as
Cruzadas Setentrionais. Os inimigos, os agentes: todas as peas esto providenciadas
nestas expedies, todos os conflitos, refletidos. Tambm o acordo entre Igreja e Estado
encontra seu lugar em tais empreendimentos.
516
1 Itaque anno ab urbe condita DCCLII Caesar Augustus ab oriente in occidentem, a septentrione in
meridiem ac per totum Oceani circulum cunctis gentibus una pace conpositis, Iani portas tertio ipse tunc
clausit. (...) 5 Igitur eo tempore, id est eo anno quo firmissimam uerissimamque pacem ordinatione Dei
Caesar conposuit, natus est Christus, cuius aduentui pax ista famulata est, in cuius ortu audientibus
hominibus exultantes angeli cecinerunt Gloria in excelsis Deo, et in terra pax hominibus bonae uoluntatis.
eodemque tempore hic, ad quem rerum omnium summa concesserat, dominum se hominum appellari non
passus est, immo non ausus, quo uerus dominus totius generis humani inter homines natus est. 6 eodem
quoque anno tunc primum idem Caesar, quem his tantis mysteriis praedestinauerat Deus, censum agi
singularum ubique prouinciarum et censeri omnes homines iussit, quando et Deus homo uideri et esse
dignatus est. tunc igitur natus est Christus, Romano censui statim adscriptus ut natus est (Paulus Orosius,
historiarum adversum paganos libri vii)
517
Discutimos a questo e tais passagens mais profundamente e em conjunto com a Temtica do
conselheiro em MUCENIECKS, 2009. Captulo 05, pp.123-142..
256

A primeira fase de tais cruzadas deu-se nas proximidades de casa, nas terras
eslvicas; sua maior preocupao foi a segurana da vizinhana e a consolidao das
instituies. Nesse estgio a cooperao com os saxes e o Imprio necessria. O
heri Absalo, lutador contra os eslavos. A aliana com os germnicos pesadamente
criticada pelo Grammaticus.
Os livros XIV a XVI descrevero de forma bastante detalhada os
acontecimentos da ocasio. O registro feito quase que ao p da letra, em uma esttica
e forma cronstica e clara. Ainda que cheia de sententia e julgamentos. Pode-se
encontrar tambm nos livros mticos, entretanto, ecos desse contexto.
Qui algumas das passagens mais dramticas do livro V, e particularmente VI,
so dedicadas a denegrir os saxes; a aliana de Frotho IV com esta gente e a adoo de
alguns de seus usos , para Saxo, falando pela boca do heri Starcatherus, um dos piores
feitos j perpetrados pelo rei. O cerimonial da corte, infiltrado nos sales daneses,
demonstrao para Saxo de como os saxes seriam (em suas prprias palavras)
efeminados, viciados, entre outras qualificaes denegridoras, refletindo claramente
as tenses ocorrendo dentro da igreja danesa contra a dominao dos costumes
imperiais.
A segunda fase das Cruzadas Setentrionais deu-se nas praias orientais do
Bltico. Neste ponto, a poltica danesa enfrenta situaes diferentes. Os personagens so
outros. O rei agora Valdemar II; o arcebispo, Anders Sunesson. Os eslavos foram
pacificados e agora fazem parte do reino dans, que busca expanso e hegemonia sobre
o Bltico, principalmente na Estnia e em partes da Kurland.
O relacionamento com os nativos diverso, cheio de contrastes. Ainda que Saxo
apresente a rea no prefcio como uma regio de disseminada barbrie, esses brbaros
no parecem consistir em viles do mesmo grau de vilania dos saxes. O livro VIII
apresenta a batalha de Bravalla, que afetou, segundo o autor, todos os povos e raas do
norte. Nesta batalha as alianas descritas por Saxo refletem relacionamentos complexos
entre os povos setentrionais e o claro desconforto relativo aos seus vizinhos
meridionais, germnicos.
Em uma passagem que reconta uma amplamente difundida tradio sobre a
batalha, Saxo apresenta os daneses em decadncia. Seu rei cego, literalmente. Seus
aliados so saxes, eslavos e livnios. O inimigo encabeado pelos suecos, seguidos
por campees da Noruega, Islndia e mesmo da Rutenia, mas com o exrcito fortalecido
por flancos de curlandeses e estonianos. O julgamento de Saxo positivo em relao
257

aos suecos e seus aliados; para ele, eles mostravam a superioridade dos homens do
norte em relao a saxes e eslavos.
O prprio livro V, h pouco observado, mostra como facilmente elementos dessa
barbrie tornam-se teis sob a gide danesa. Os elementos constitutivos do cenrio esto
presentes na maioria dos livros da parte mtica. A narrativa de Hadingus no livro I, na
qual o mesmo necessita da ajuda do conselheiro, acontece na Kurland. A segunda vida,
regenerada, de Frotho III, depois do aconselhamento bem sucedido de Ericus Dissertus,
marcada pelo paralelo com as conquistas de Ermanaric, o godo, e est fortemente
fundamentada nos domnios orientais, assim como a trajetria de seu sucessor518.
A circunstncia dos daneses lutando na Estnia e mesmo o tempo passado por
Anders Sunesson em Riga, na Livnia, refletida principalmente nos livros mticos. Se
eles foram de fato escritos aps a parte dedicada a Absalo, faz perfeito sentido o
nmero de ocorrncias relacionadas ao Bltico Oriental, ainda mais ao se notar a
conexo do cenrio com a Temtica do Conselheiro.
Nesta fase da poltica danesa a consolidao interna foi efetuada com sucesso e
os principais objetivos dos daneses esto focados na hegemonia sobre o Bltico,
conquistando os povos nativos e entrando em conflito com os germnicos, no mais
aliados, mas os principais opositores naquele campo.
Concluindo, devemos salientar a coerncia e harmonia encontrada na Gesta
Danorum quando a mesma lida observando-se os principais padres nela instilados
por seu autor. Um projeto que inicialmente fora uma crnica, biogrfica e simples,
assumiu o papel de Histria de uma nao e, como tal, viria a refletira as condies de
um pas buscando a hegemonia em todo o Bltico, qui a prpria tentativa de criao
de uma nova forma de Imprio.

518
Note-se que nos contos relativos a Dietrich de Bern que contm material sobre Ermanaric, este sofre
nas mos de um mau conselheiro.
258

4.4 Algumas concluses prvias; Saxo, Snorri, o autor da Heimskringla e o leste:


educar e instruir

J enfatizamos a limitao das informaes sobre Saxo Grammaticus; o que se


sabe discutimos logo acima. Tambm demonstramos que a codicologia tem provido
razoveis referncias na determinao da fidelidade e da existncia de poucas alteraes
no texto latino da Biblioteca real da Dinamarca em relao sua prpria escrita.
O achado do manuscrito de Angers, datado do incio do sculo XIII, com
espaos para inseres e testes com as formas poticas considerado unanimemente
da prpria pena de Saxo ou algum de quem o mesmo se valia evidentemente,
circunstncia bastante rara e surpreendente. A comparao com os demais manuscritos
tem demonstrado a fidelidade das edies modernas ao suposto original.
Destarte, na Gesta Danorum podemos encontrar um tratado bem atribudo a uma
mente individual, a quase que uma mente artstica - em suma, podemos ter a ousadia de
pensar em questes como a individualidade e autoria, em uma obra do medievo.
Se corretas as pressuposies endossadas por tantos acadmicos, incluindo Elton
e Fischer, sobre a ordem de composio dos livros da Gesta e a "mudana de ideia" de
Saxo aps a morte de seu primeiro patrono, temos ento o vislumbre de um historiador,
de um aspirante a poeta, de um clrigo que, no obstante comissionado com
possivelmente pesadas restries, foi capaz de imprimir uma genialidade e originalidade
toda prprias em sua obra, originalidade esta que no se desfigurou em uma disforme
"mentalidade" ou "autoria" comum, em um simplista reflexo de seus tempos.
Em contrapartida, sabemos muito sobre a vida de Snorri - ainda que por meio de
uma nica fonte, a Sturlunga Saga, que evidentemente passa uma verso unvoca de sua
vida. No entanto, os manuscritos da Edda so diversos, possuem diferenas
considerveis entre si, provavelmente possuem a adio de muitas mos e cabeas. Em
relao prpria Heimskringla, demonstramos os questionamentos existentes em
relao a sua autoria da parte de Snorri. O sabor de tais obras, sua prpria originalidade,
no entanto, perdura.
Porm, dessa originalidade depreende-se uma cautela para o estudioso, ao
menos no quesito autoria. Tratamos com um autor inigualvel e genial, dotado de
incongruncias e disparidades, mas ao mesmo tempo o quanto dessas mesmas
incongruncias e disparidades se devem a interpolaes incerto e permanecer objeto
de discusso indefinida.
259

Por certo que estas diferenas e tal incerteza sobre a autoria no desabonam o
valor da fonte primria. De fato, a existncia de mais de uma mente por traz da Edda
e/ou da Heimskringla nos fornece a preciosa qualidade de uma obra que pode, a
despeito da originalidade, singularidade e genialidade de seu autor primrio, conter mais
marcadamente elementos que podem ser atribudos com menor medo a uma espcie de
mentalidade coletiva, refletindo mais de um sentimento e identificao cultural - ainda
que de extratos especficos da sociedade na qual foi escrita - do que se poderia pensar
ao lidar-se com uma obra de autoria nica em toda a sua extenso.
Saxo Grammaticus, Snorri Sturlusson e o autor da Heimskringla efetuaram
esforos considerveis na construo de suas obras histricas, no sentido de traar
linhas histricas contnuas do passado mtico ao presente em que escrevem. Snorri
Sturlusson em particular vai desenvolver uma linha interpretativa elaborada, segundo a
qual a primeira dinastia de reis escandinavos, dos Ynglingar, descenderia de nn.
Inicialmente um personagem de vulto da antiguidade, originrio de Tria (assim como
rr), viria a ser adorado pelas populaes setentrionais como deus.
Nesta interpretao, o leste assume papel das origens, e veicula as tradies
clssica grego-romana, Medieval Ocidental e Bblica, mas faz pouco uso da cosmologia
escandinava e conhecimento emprico sobre o Oriente.
O autor da Heimskringla capaz de inserir ainda em sua obra o conhecimento
emprico de noruegueses e islandeses sobre o Bltico Rus e adjacncias.
Saxo Grammaticus escrever de forma mais ideolgica de forma a sustentar uma
posio favorvel supremacia do arcebispado em seu contexto, mas tambm traz
traos claros de elaborao e assimilao de diversas tradies, dentre as quais a
escandinava, a greco-romana e, em menor grau, a crist.
Nesse caso, os deuses tambm so apresentados como homens que receberam
adorao indevida, e as localidades desse mundo mtico so assimiladas s locaes
conhecidas, seja via conhecimento geogrfico emprico ou baseado em fontes greco-
romanas e crists, ou na prpria tradio literria escandinava. Como exemplo desse
uso, temos o uso freqente da localidade do Hellesponto, que Saxo associa diretamente
rota dos varegues aos gregos.
O leste, para Saxo Grammaticus, campo de expanso para os daneses, sua
rea hegemnica, e sua histria imprimir tal ideologia nos passados mais distantes.
Ambos os autores procuraram construir cenrios verossmeis, nos quais
260

pudessem inserir todas as tradies das quais beberam fossem tradies nativas,
bblicas, da Europa Ocidental ou Clssicas. Atravs do crivo de suas prprias razes,
empregaram os elementos que mais se apresentassem como convenientes, qui
coerentes, na escrita de suas prprias histrias.
O uso e acesso a tais tradies e a existncia de modelos de histrias universais
no podem esconder, entretanto, uma circunstncia pouco comum no meio medieval,
mas que gradativamente tomar maior flego nos sculos vindouros: a autoria
individual.
Encerramos tal seo salientando que em todas essas obras possvel se delinear
uma carcaterstica marcante em comum, que ser contraposta na seo a seguir; tratam-
se de obras com objetivos de instruir, de educar, de transmitir conhecimento avalizado.
Ao adentrarmos o mundo das Fornaldarsgur e da rvar-Odds Saga nos
depararemos com um uso bastante diverso do passado e de tal conhecimento geogrfico.
No mais fatores da instruo e piedade, tais obras tero como objetivo primrio o
distrair, o entreter. E em tal objetivo, o leste possuir papel de destaque.
261

CAPTULO 5: A RVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSGUR - O LESTE E A


NARRATIVA DE ENTRETENIMENTO

5.1 As Fornaldarsgur

A produo declaradamente histrica no esgota o material escrito lidando


com o leste. De fato, o maior conjunto de fontes a lidar com tal rea formado por uma
srie bastante distinta de produo literria, uma srie na qual elementos como
entretenimento, performance e o ldico assumem papel to ou mais importante em
alguns casos do que a prpria narrativa histrica.
Em tais obras o passado prov, antes de tudo, o contexto narrativo, o cenrio, a
ambientao propcios a tal gnero. De certa forma desenvolve-se uma associao entre
maior plausibilidade de execuo de feitos fantsticos com a maior antiguidade ou
distanciamento temporal em relao ao seu autor.
O propsito especfico de escrita no caso, o entreter no exclui o
entrelaamento dessa produo com aquela destinada instruo. Como veremos em
breve, h uma conexo orgnica entre agrupamentos de fontes que primeira vista no
possuem nada em comum parte de serem produes escritas do medievo escandinavo.
O gnero que enquadra fontes as sagas a lidar com o fantstico e o maravilhoso
foi chamado de Fornaldarsgur norurlanda, o que significa literalmente sagas
antigas das terras do norte. Normalmente citadas apenas como Fornaldarsgur, so
traduzidas com frequncia como sagas legendrias ou Sagas dos tempos antigos.
Essa caracterizao posterior escrita das mesmas, datando do sculo XIX, e no
fecha de forma absoluta a srie.
Carl Christian Rafn, em sua coletnea Fornaldar Sgur Nordrlanda,
publicada em trs volumes em Copenhaguen, em 1829 e 1830, efetuou a seleo de
trinta e uma sagas que considerava enquadrarem-se no critrio recm-criado.
Posteriormente mais cinco foram adicionadas lista, mas h uma srie de manuscritos
que ainda carecem de maior anlise e que poderiam ser enquadradas em tal categoria.
Tulinius, por sua vez, considera uma lista de vinte e cinco Fornaldarsgur, o que j
262

deixa claro que h dissenso e o critrio de gnero no to fechado519.


Alm da narrativa de eventos anteriores colonizao da Islndia (com
algumas excees, das quais a principal a Yngvar Saga viforla), as Fornaldarsgur
so caracterizadas por uma forma narrativa centralizada no fantstico, na aventura e no
extico, com um grande uso de temticas mticas e lendrias. O cenrio bsico dos
acontecimentos a Escandinvia, e no a Islndia.
No h consenso em relao sua datao; a Yngvar Saga viforla, datada do
sculo XIII, a mais antiga da srie, que, em sua maior parte, situa-se entre os sculos
XIV-XV520 o que faz as Fornaldarsgur formas de saga bastante recentes.
Dessa forma, apesar de narrarem eventos anteriores colonizao da Islndia,
possuem uma distncia temporal mais significativa dos eventos que narram e consistem
em fontes tardias.
J tratamos das slendigasgur em outro captulo; de tom mais sbrio e
comedido, narradas de forma marcadamente realstica, com poucas intervenes do
sobrenatural e com muitas informaes de cunho histrico e mesmo cronstico, so
consideradas pela tradio historicista como o pice da produo literria islandesa
medieval, e como tal serviram de parmetro de comparao para outras sries de saga.
Nesta breve caracterizao j fica evidente ao leitor a preferncia e valorizao
que foi dada no decorrer dos estudos sobre Escandinvia medieval s slendigasgur e a
depreciao a que as Fornaldarsgur foram submetidas. Como parte desse fenmeno
podemos citar no apenas propenses historicistas, uma diviso estrita entre histria e
mito, mas tambm a criao de uma tradio que definiu que o tom narrativo
escandinavo, em sua forma mais pura, em seu perodo mais clssico e notvel, seria
aquele passado pela narrativa das slendigasaga; enfim, um critrio acerca da prpria
qualidade artstica das sagas, tambm empregado em outras situaes dspares como,
por exemplo, a datao das mesmas521.
Um dos argumentos mais predominante e recorrente na justificativa de tais
critrios de valor construdo baseado no contexto de escrita das Fornaldarsgur,
alegando que as mesmas teriam sido produzidas em perodo de decadncia literria, por

519
DRISCOLL, Mathews James. A new edition of the Fornaldarsgur Norurlanda: Some basic
question. In: BAMPI & FERRARI (eds.) Editing Old Scandinavian texts: Problems and perspectives.
Trento, 2009. p.01.
520
PALSSON, Hermann & EDWARDS, Paul (trads). Vikings in Russia: Yngvar's Saga and Eymund's
Saga. Edinburgh: Polygon, 1990 [1989].p. 02.
521
MUNDAL, Else. The dating of the oldest sagas about early icelanders. In: MUNDAL, Else (ed.).
Dating the Sagas: Reviews and Revisions. Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2013. p.46.
263

sua vez causado pelos processos polticos envolvendo a Islndia e a Noruega522. Em


contrapartida as slendigasgur, escritas em sua maior parte at o sculo XIII,
refletiriam ainda o perodo ureo literrio islands medieval, em conjunto com as obras
de Snorri Sturlusson.
O fortalecimento da monarquia norueguesa e a subsequente submisso da
Islndia, em 1262, ao monarca da Noruega, foi situao traumtica e verdadeira ruptura
em uma sociedade desde o seu incio fundamentada, ainda que de forma relativa, na
igualdade entre seus pares523.
Tais argumentos so datados, coerentes com o historicismo, suas questes e
questionamentos metodolgicos, estticos e formais. As geraes mais recentes de
acadmicos, dentre os quais se pode citar Mathew Driscoll, Torfi Tulinius, Margaret
Ross, tm levantado novas questes relativas pertinncia do estudo das
Fornaldarsgur. No enquanto produto de decadncia literria antes, enquanto
respostas artsticas, literrias e histricas especficas de uma sociedade em processo de
profunda transformao524.
H linhas diversas de argumentao a se empregar ao se levar em considerao o
valor intrnseco das Fornaldarsgur enquanto vislumbres de uma poca. A prpria
linguagem de escrita das mesmas, constrastante com as Islendigasgur, em tom mais
leve e muitas vezes bem-humorado, fez com que as Fornaldarsgur se tornassem
populares na Islndia, desde a data de sua escrita at o prprio sculo XIX; o nmero de
cpias e manuscritos efetuados nesses quatro sculos atesta particularmente bem a
situao525. destarte, as Fornaldarsgur consistem tambm formas especficas literrias
voltadas para o prprio entretenimento.
Em adio, as Fornaldarsgur preservam, a despeito de sua estrutura em prosa,
grande quantidade de inseres poticas. Uma das mtricas mais frequentemente
empregadas a fornyrislag, mais ligada tradio dica do que escldica, como no
caso das Islendigasgur.526 O gnero veicula, dessa forma, conhecimento e fontes

522
DRISCOLL, Matheus. Late Prose Fiction (lygisgur). In: McTURK, Rory (ed.). A companion to Old-
Norse Icelandic Literature and Culture. Oxford: Blackwell Publishing, 2007. P. 196.
523
BYOCK, Jesse. Viking Age Iceland. London: Penguim books, 2001. Captulo 04.
524
ROSS, Margaret Clunie. Introduction. In: ____________ (ed). Old Icelandic Literature and Society.
Cambridge: at the University Press, 2000. P. 03
525
LESLIE, Helen. The death songs of rvar-Odds Saga. Tese de doutorado. Bergen University, 2012.
P. 232.
526
TULINIUS, T. Sagas of Icelandic Prehistory (Fornaldarsgur). In: McTURK, Rory (ed.) A
companion to Old-Norse Icelandic Literature and Culture. Oxford: Blackwell Publishing, 2007. P. 448.
264

primrias sobre os tempos antigos de forma mais abundante e qualificada do que as


prprias Islendigasgur.
O cenrio e o mbito geogrfico bsico das Fornaldarsgur so a Escandinvia
antes da colonizao da Islndia. Porm, seu escopo muito mais amplo. Em conjunto
com tais regies factuais do mundo nrdico, a narrativa se d em localidades do
fantstico escandinavo, como Jotunheimr (a terra dos gigantes), as Plancies de Glasir,
Geirrodland e mesmo regies das tradies greco-romana e crist resignificadas, como
a Palestina e o Rio Jordo. Parte dessas localizaes e definies geogrficas se
sustentam em conhecimento acumulado e pensado por autores anteriores.

5.1.1 Dataes e subdivises

Torfi Tulinius defende em diversas obras uma datao mais recuada para as
Fornaldarsgur, como a primeira metade do sculo XIII. Argumenta que h temticas
tratadas em comum com as slendigasgur, como preocupaes com herana e
linhagem, porm em forma deliberadamente ficcionalizada. Ele as chama de primeira
manifestao de fico consciente na prosa islandesa527.
Lnnroth528 considera o grupo das Fornaldarsgur um gnero hbrido de
tradio heroica, mito, folclore e romance do continente, e que no seria recomendvel
se efetuar distines de categoria dentro das mesmas.
A linha interpretativa de Plsson e Tulinius529 diferencia dois polos temticos
nas Fornaldarsgur: o primeiro, de temtica trgico-herica, includiria dentre outras a
Ragnars saga lobroka, a Volsunga Saga e a Hervarar saga ok Heireks530. Esse grupo
se vincularia antiga tradio heroica transmitida principalmente em forma potica, e
tende a apresentar um final trgico, com uma narrativa que extende-se frequentemente
por vrias geraes531. Um ponto de transio da temtica para uma aventureira seria

527
TULINIUS, T. The Matter of North: The Rise of Literary Fiction in Thirteenth-Century Iceland.
Odense: at the University Press, 2002 [1995]. pp.48-55.
528
LNNROTH, Lars. Fornaldarsagans genremssiga metamorfoser: Mellan Edda-mytoch
riddarroman. In: LASSEN, Annette & JAKOBSSON, Jakobsson & NEY, Agneta (eda.).
Fornaldarsagornas struktur och ideologi : Handlingar frn ett symposium i Uppsala 31.8-2.9 2001.
Publicado em 2003. p.44.
529
TULINIUS, 2007: 448s.
530
PLSSON, Hermann & EDWARDS, Paul. Legendary Fiction in Medieval Iceland. Reykjavk:
University of Iceland, 1970. Pp.36ss.
531
TULINIUS, 2007: 448s.
265

exemplificado pela rvar-Odds Saga e a Hrlfs saga Gautrekssonar, as quais data nos
finais do sculo XIII.
Por fim, o perodo final das Fornaldarsgur caracterizar-se-ia por uma temtica
aventureira-cmica, exemplificado pela Bosa Saga e a Gongu-Hrolf saga532. Nesse
grupo, chamado genrica e mesmo coloquialmente por Plsson como viking
romances533, a ao toma parte no mundo do perodo viking, seus heris no so
necessariamente de linhagem real ou aristocrtica, e a histria normalmente possui um
final feliz534.
Ainda conforme Tulinius535, o ponto de transio de temticas coincidiria com o
surgimento das riddarasgur e com a transformao da Islndia de regio livre para
subordinada. Um sintoma dessa transio seria o interesse mostrado nas narrativas na
questo referente ao poder real e sua expanso conceito remodelado em um contexto
pseudo-cavaleiresco nas riddarasgur, para os recm-vassalos islandeses da Noruega.
importante notar que as opinies de Tulinius, em particular a questo da
datao, esto longe de obter um consenso, no obstante sua qualidade. Entretanto, seja
sua datao aceita ou no, pode se citar um consenso, exemplificado por Mitchell536,
entre a erudio mais recente acerca da caracterstica das Fornaldarsgur enquanto
formas narrativas de revitalizao cultural do norte legendrio. Tal circunstncia
vlida tenham sido as Fornaldarsgur escritas seja no pice do perodo de perda de
independncia islandesa, como argumenta Tulinius, seja nos sculos XIV e XV, como
defende a opinio mais corrente em ambas as circunstncias, ocorrem adaptaes
nova situao poltica, que insere a Islndia num quadro mais amplo europeu.
Um ponto da argumentao de Tulinius de particular interesse ao se considerar
o prprio valor esttico e literrio das Fornaldarsgur: como Tulinius demonstra, elas
contm quantidade consideravl de poesia tradicional, dica e caracterstica da
literalidade oral, pr escrita e crist. Ele considera que, de acordo com sua
argumentao para uma data mais recuada para as mesmas, as Fornaldarsgur
provavelmente consistiriam em uma forma de continuidade dessa mesma tradio.
Se mantivermo-nos firmes ao critrio mais difundido para a datao posterior

532
PLSSON & EDWARDS, 1970: 69ss.
533
PLSSON, Hermann & EDWARDS, Paul. Seven Viking Romances. London: Penguin Books, 1985.
P.14.
534
TULINIUS, 2007: 449.
535
TULINIUS, 2002[1995]: 44-65.
536
MITCHELL, Stephen. Heroic Sagas and Ballads. London: Ithaca, 1991. Pp.132-136.
266

das Fornaldarsgur, entretanto, esta quantidade de poesia dica que as mesmas


veiculam deve ser considerada sob outro prisma. Certamente uma linha contnua de
permanncia, uma continuidade inalterada entre as duas tradies literrias, no pode
ser sustentada. Entretanto, esse uso de tal poesia implica em um resgate nesta
modalidade de saga de uma tradio literria mais antiga, falando contrariamente aos
critrios que denigrem tal tradio mais recente.
Tal resgate de tradies antigas bastante coerente com a argumentao de Ross
e Driscoll, e demonstra um intuito consciente de preservao da tradio dica.
Podemos argumentar mais alm: o uso da poesia dica nas Fornaldarsgur um uso
muito coerente de fontes literrias para uma modalidade que pretende escrever sobre os
tempos recuados, pois emprega e readapta a forma literria em voga nesses tempos
passados.
Como j afirmamos no incio desta tese, a slendigasgur e as Fornaldarsgur,
possuidoras de formas e estticas muito diversas, lidam com a mesma matria-prima, o
passado, em contextos diferentes e subsequentes. Ambos os usos so igualmente
vlidos, e a menor factualidade das Fornaldarsgur no deprecia o seu valor enquanto
fonte histrica, sendo anacrnico depreci-las em relao s slendigasgur.

5.2 A rvar-Odds Saga

5.2.1 Manuscritos e redaes

Diferentemente de outras obras analisadas aqui at ento, as Fornaldarsgur, e a


rvar-Odds Saga especificamente, na qual centralizaremos nossa ateno, possuem um
nmero muito grande de cpias e manuscritos que atestam sua popularidade e difuso.
Dado o descrdito que receberam no sculo XIX, h, em contraste, uma pequena
quantia de edies e tradues, nmero que vem aumentando nas ltimas dcadas.
Segue uma lista dos manuscritos que contm o texto completo, ou partes da
rvar-Odds Saga, com seus respectivos locais de depsito:
267

* Advocates Library, Edinburgh: MS 21.5.2 (1755-1758, Dinamarca;


contm extratos);
* Stofnun rna Magnssonar slenskum frum, Reykjavk: AM 172
b fol.; AM 173 fol.; AM 340 4to; AM 342 I-II 4to; AM 343 a 4to; AM
344 a 4to; AM 344 b 4to; AM 471 4to; AM 552 q 4to; AM 567 IV 4to;
AM 591 i 4to; AM 738 4to; AM 109 a 8vo; AM 109 a 8vo;
* Bibliothque Sainte-Genevive, Paris: MS. 3713; MS. 3724;
* British Library, London: BL Add. 11108; BL Add. 11161; BL Add.
11174; BL Add. 11174; BL Add. 11174; BL Add. 6121; BL Add. 6121;
BL Add. 6121;
* Bodleian Library, Oxford: Ms Boreal 116;
* Det Kongelige Bibliotek, Copenhagen: GKS 1006 fol.; Kall 243 fol.;
Kall 611 4to; NKS 1689 4to; NKS 1707 4to; NKS 1709 4to; NKS
1791 4to; NKS 1792 4to; NKS 1793 4to; NKS 1793 4to;
* Kungliga biblioteket, Stockholm: Papp. 4to nr 32; Papp. 4to nr 56;
Papp. 4to nr 80; Papp. fol. nr 102; Papp. fol. nr 103; Papp. fol. nr 17;
Papp. fol. nr 73; Papp. fol. nr 89; Papp. fol. nr 98; Perg. 4to nr 7;
* Landsbkasafn slands, Reykjavk: B 51 fol.; B 384 4to; BR 58
4to; JS 627 4to; JS 634 4to; JS 635 4to; Lbs 221 fol.; Lbs 221 fol.;
Lbs 325 fol.; Lbs 381 fol.; Lbs 633 fol.; Lbs 152 4to; Lbs 677 4to; Lbs
942 4to; Lbs 999 4to; Lbs 1172 4to; Lbs 1492 4to; Lbs 1540 4to; Lbs
1582 4to; Lbs 1626 4to; Lbs 1971 4to; Lbs 5158 4to; Lbs 893 8vo;
Lbs 1010 8vo; Lbs 1366 8vo; Lbs 2146 8vo; Lbs 4460 8vo;
* Riksantikvariembetet, Stockholm: Forn Sagor om Ketill Hng,
Grim Ludenkind och Pile Odder;
* Riksarkivet, Stockholm: Sfstaholmssamlingen I Papp. 11;
* Hrasskjalasafn Skagfiringa, Akureyri: HSk 2 4to;
* Trinity College Library and Royal Irish Academy, Dublin: MS 994;
* Universitetsbiblioteket, Oslo: UB 255 fol.; UB 303 4to;
* Universitetsbibliotek, Uppsala: Westin 86;
* The Icelandic Collection, Elizabeth Dafoe Library, Winnipeg,
Canada: Winnipeg MS 8vo.537

Tal lista, compilada pelo projeto Stories for all time: The Icelandic
Fornaldarsgur, mantido pela Velux foundation e coordenado por Mathew Driscoll,
exemplifica bem a complexidade da situao. A rvar-Odds Saga possui um nmero
grande de manuscritos, 81 conhecidos at o momento; copiados em um perodo de
quatro sculos, possuem redaes diferentes.
A erudio do sculo XIX separa trs grupos de redaes principais, a curta, a
intermediria e a longa.538 Em termos de manuscritos, existem quatro mais
relevantes e representativos, que contm tais redaes: redao S (de short; Perg. 4tpo

537
Lista obtida no projeto Stories for all time: The Icelandic Fornaldarsgur
<http://fasnl.ku.dk/bibl/bibl.aspx?sid=oeos&view=manuscript> ltimo acesso em 11/11/2014.
538
FERRARI, Fulvio: gmundr: The Elusive Monster and Medieval 'Fantastic' Literature. In:
RUGGERINI, Maria E. (ed.): Studi anglo-norreni in onore di John S. McKinnell. 'He hafa
sundorgecynd', Cagliari 2009.p368.
268

nr 7; 43v-57r:20; 1300-1324539) mais antiga redao e manuscrito; redao M (de


middle; AM 344 a, 4to; 1r-24v; 1350-1400540); redao A (AM 343, 4 membr;
59v-81v; 1450-1475541) e redao B (AM 471, 4 membr.; 61r-96v; 1450-1500542).
Entre S e A/B h uma distncia temporal de mais de um sculo no qual a saga
sofreu considerveis alteraes543. As edies so escassas; h duas edies crticas
principais: de Boer, de S, datada de 1892544, e Guni Jnsson, de A/B, de 1943545. A
traduo de Plsson foi feita com base em A/B. H ainda a chamada verso E (AM
173 fol.546), considerada uma variante de A/B, mas no editada, e que tem sido
negligenciada pelos eruditos547.
A edies da Fornaldarsgur Norrlanda de Rafn, de 1829, utiliza como
manuscrito primrio o GKS 2845 4to., e variantes dos manuscritos GKS 1005 fol., AM
309 4to, AM 62 fol. e AM 202 i fol.
Ao citarmos trechos da saga, empregaremos trechos de S, da edio de Boer, de
A/B de Guni Jnsson, e da traduo de Plsson e Edwards548.

5.2.2 A profecia e as conexes da rvar-Odds Saga com a produo histrico-


geogrfica

O autor da redao S baseou-se em alguma tradio pr-existente; Saxo


Grammaticus j escreveria anteriormente sobre um Arvaraddus no incio do sculo
XIII. possvel que esta primeira redao tenha sido escrita sob a influncia de
narrativas hagiogrficas, incluindo a Saga de St. Olaf.
O personagem principal, rvar-Oddr (Odd das flechas), possui uma atitude
539
http://fasnl.ku.dk/browse-
manuscripts/manuscript.aspx?sid=UABlAHIAZwAuACAANAB0AG8AIABuAHIAIAA3AA2
540
http://fasnl.ku.dk/browse-
manuscripts/manuscript.aspx?sid=QQBNACAAMwA0ADQAIABhACAANAB0AG8A0
541
http://fasnl.ku.dk/browse-
manuscripts/manuscript.aspx?sid=QQBNACAAMwA0ADMAIABhACAANAB0AG8A0
542
http://fasnl.ku.dk/browse-
manuscripts/manuscript.aspx?sid=QQBNACAANAA3ADEAIAA0AHQAbwA1
543
BANDLE, 1990: 60.
544
BOER, R.C.(ed.). rvar-Odds Saga. Altnordische Saga-Bibliothek 2. Halle: Niemeyer, 1892.
545
VILHILMSSON, Bjarni & JNSSON, Guni (eds). Fornaldarsgur Norurlanda. Reykjavk,
1943-1944, vol. 1, 165-187.
546
http://fasnl.ku.dk/browse-
manuscripts/manuscript.aspx?sid=QQBNACAAMQA3ADMAIABmAG8AbAAuAA2
547
FERRARI, 2009: 368.
548
PLSSON, Hermann & EDWARDS, Paul (trads). Seven Viking Romances. London: Penguin Books,
1985. Traduo para o ingls.
269

negativa em relao religio pag. Recebe, em sua juventude, a profecia de uma


adivinhadora (vlva) sobre o seu futuro, segundo a qual viveria uma vida extremamente
longa, mas seria morto por seu cavalo na casa onde passara sua juventude.
Oddr mata seu cavalo, enterra-o profundamente e abandona o lugar, tendo uma
vida de viagens e lutas em meio qual se converte ao Cristianismo e torna-se rei de
Hnaland, na redao S, e de Gararki, nas redaes A/B/E. Nostlgico, retorna ao seu
antigo lar para descobrir, surpreso, que as modificaes no solo trouxeram caveira do
cavalo superfcie. Uma serpente sai de dentro dela e pica Odd, que morre.
Taylor (1921s549), Stender-Petersen (1934)550, Nora Chadwick (1946)551 e Fulvio
Ferrari (2009)552 enfatizaram a similaridade de enredos encontrados na rvar-Odds
Saga e a histria de Oleg, encontrada na Povest vremenikh lt nas entradas concernentes
aos anos 911-912.
Segundo a PVL, Oleg foi filho de Rurik, tendo subido ao governo de Kiev entre
os anos de 870 a 879. Em 912, aps ter unificado e tomado tributo de diversas tribos
eslavas e fino-gricas e finalmente atacado Constantinopla, bem como obtido um
tratado com os Bizantinos, a crnica conta o seguinte:

Assim Oleg governou em Kiev, e viveu em paz com todas as


naes.
Veio o outono, e Oleg pensava sobre seu cavalo, que ele fez
com que fosse bem alimentado, ainda que nunca tivesse sido montado
at o momento. Pois em certa ocasio ele inquiriu aos mgicos e
adivinhos sobre qual seria a causa de sua morte. Um dos mgicos
respondeu: Oh, prncipe, por meio de seu garanho que voc ama e
cavalga que voc encontrar sua morte.
Oleg ento refletiu e decidiu que nunca mais montaria seu
cavalo ou mesmo olharia para ele novamente. Dessa forma, ele deu
ordens que o cavalo deveria ser alimentado apropriadamente, mas
nunca levado em sua presena.
Assim, ele permitiu que se passassem anos at que atacasse os
gregos. Depois que ele retornou Kiev se passaram quatro anos, mas
no quinto ele pensou sobre seu cavalo, atravs do qual os mgicos
haviam antevisto que ele encontraria sua morte.
Convocou, assim, seu escudeiro snior e perguntou sobre o
destino do cavalo sobre o qual ele ordenara que fosse bem alimentado
e cuidado. O escudeiro respondeu que ele estava morto.
Oleg riu e escarneceu do mgico, exclamando: Adivinhadores
cnam inverdades, e suas palavras so desprezveis e falsas. Este cavalo

549
FERRARI, 2009: 368.
550
CHADWICK, Nora. The begginnings of Russian History: An Enquiry into Sources. Cambridge: at the
University Press, 1946. P. 206; FERRARI, 2009: 368.
551
CHADWICK, 146; 157.
552
FERRARI, 2009: 368.
270

est morto, mas eu ainda estou vivo.


Assim ele ordenou que um cavalo fosse selado. Deixe-me ver
seus ossos, disse. Ele cavalgou at o local aonde os ossos
descarnados e a caveira estavam. Desmontando de seu cavalo, ele riu e
enfatizou: Ento, eu supostamente deveria receber minha morte dessa
caveira?. E ele pisou a caveira com seu p. Mas uma serpente
rastejou dela e mordeu-o no p, e em consequncia disto ele adoeceu e
morreu. 553

(Crnica Primria russa; 911: Captulos 38 e 39. Verso nossa)

De fato, a semelhana por demais forte para ser casual. Como lidar com a
mesma, no entanto, tem dividido os supracitados pesquisadores. Ferrari alega que o
autor empregou um motivo difundido no caso, o da profecia impossvel, que acaba
se cumprindo - adaptando-o aos seus prpositos e revestindo-o de significados
especficos554.
Um mero reemprego de motivo folclrico nos parece por demais tnue nesta
circunstncia, especialmente se levarmos em conta as proximidades contextuais. A PVL
fala nesta passagem de um governante varegue, ou seja, de um viking no leste. Oddr
um viking que ter parte relevante de sua carreira no leste, a ponto de um de seus
eptetos voc o Oddr que foi para Bjarmaland? e o seu governo de Hnaland darem-
se no contexto.
Consista em um motivo folclrico ou no, um motivo que est ligado em pelo
menos trs narrativas no mesmo contexto: a PVL, a rvar-Odds Saga e a Gesta
Danorum.

5.2.3 Bjarmaland e o leste enquanto espao liminar

Um nmero considervel das Fornaldarsgur tem parcela elevada de seu enredo


ocorrendo em Austrvegr, Gararki e Bjarmaland. comum a ao dar-se nos trs
locais, conterem estruturas narrativas esquemticas, prprias de contos folclricos,
incluindo sistemas de iniciao de seus personagens. Dentre algumas sagas que
incorporam estas caractersticas, destacamos a Bsa saga og Herraus, a Egils saga
einhenda og smundar berserkjabana, a Hlfdanar saga Eysteinssonar, a orsteins
saga Vkingssonar, a Yngvars saga vfrla e a rvar-Odds Saga, que nos prover o
553
CROSS, S. & SHERBOWITZ-WETZOR, O.P (eds). The Russian Primary Chronicle: Laurentian
Text. Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P. Sherbowitz-Wetzor. Cambridge: The
Mediaeval Academy of America, 1953p.69.
554
FERRARI, 2009: 368.
271

estudo de caso especfico em nossas anlises subsequentes.


H um uso disseminado de recursos humorsticos e do que chamamos de
fantstico e maravilhoso, transpondo os limites afixados por Jacques LeGoff no
Ocidente Medieval. No nos possvel compreender de todo o efeito que estas sagas
produziam em suas audincias. Ao leitor contemporneo, elas provocam, muitas vezes,
estranheza, distanciamento e estupefao.
Diante de tais caractersticas, afigura-nos como recurso necessrio para anlise
dessa srie de fontes, e da rvar-Odds Saga (A/B) especificamente enquanto
representativa do gnero, o cabedal de ferramentas fornecido pela Antropologia, mais
especificamente o que podemos depreender de sistemas e ritos de passagem.
Nesse aspecto, as ideias de Von Gennep sobre ritos de passagem tiveram
influncia duradoura no apenas na Antropologia, mas tambm nas interpretaes
histricas e inclusive de outras formas de sagas escandinavas, seja diretamente ou
atravs dos desenvolvimentos pelos quais passaram atravs dos trabalhos de Vitor
Turner.
Arnold Van Gennep explica os processos envolvidos em ritos de passagem com
o desenvolvimento da ideia de liminaridade e de estados liminais, nos quais o indivduo
que passa pelo rito de iniciao sai de uma situao anterior, mas ainda no se encontra
na situao na qual se dar sua reinsero social.
As dimenses iniciais de tais ideias foram ampliadas, e vm sido aplicadas em
reas diversas que incluem campos tradicionais da etnologia, como o estudo de povos
ditos primitivos, mas tambm tm sido teis na explicao de fenmenos da
Antiguidade Oriental, Antiguidade Clssica e at mesmo o Ocidente Medieval e a
Escandinvia Medieval555, como as situaes de peregrinao556 e nos
desenvolvimentos da Ordem Franciscana.
Detectamos na rvar-Odds Saga uma infinidade de situaes que podem ser
descritas e interpretadas como liminares, e as discutiremos mais profundamente a
seguir. Podemos centraliz-las em torno do personagem principal, Oddr.
De incio, pretendemos refletir sobre o sistema que Van Gennep chama de
Passagem Material. Determinados espaos prestam-se bem para situao liminares,

555
Destacamos o estudo de Anna Heiniger sobre o Dyradmr na Eyrbyggja saga, com a qual trocamos
informaes valiosas acerca da liminaridade e espaos liminares nas Sagas escandinavas. HEINIGER,
Anna Katharina. Liminal Spaces and places in the Sagas. Comunicao apresentada no International
Medieval Congress of Leeds. Leeds, 2014.
556
TURNER, Victor & TURNER, Edith L.B. Image and Pilgrimage in Christian Culture. New York:
Columbia University Press, 1978.
272

consistindo em limites, delimitaes e demarcaes557.


Portas, soleiras e prticos so elementos recorrentes na delimitao de espaos
distintos e constituem-se em elementos limiares por excelncia. Da mesma forma se d
com as fronteiras.
No ltimo caso, pode haver objetos que especifiquem a interdio e a proibio
de passagem. Em outros casos, fronteiras naturais representam os limites que no
devem ser transpostos, sob pena de sanes no campo do sobrenatural558.
Em alguns casos, como na Europa Medieval, onde haviam zonas cristianizadas
separadas por vezes por faixas inabitadas, ou habitadas por povos de outros grupos
religiosos, determinados espaos como mercados, campos de batalha, florestas e
pntanos podiam assumir o papel de espaos liminares559.
Observando-se a forma que Bjarmaland retratada nas Fornaldarsgur em
geral, e na rvar-Odds Saga em particular, propomos aqui que a regio assume um
papel especfico de espao liminar e transitrio. No caso em questo, no entre regies
materializadas no sentido habitual; antes, entre o mundo conhecido, natural e explorado,
e as regies marcadas pelo fantstico, pelos fenmenos mtico-religiosos e pelo
inexplicado.
Na rvar-Odds Saga, Bjarmaland assume o papel de zona liminar no processo
de iniciao do prprio Oddr, por imprimir em sua trajetria caractersticas que o
acompanharo por toda a saga, at que ocorra outro processo liminar, em um outro
espao especfico.
A jornada de Oddr Bjarmaland possui contrapartes em outras fontes j
estudadas at agora: a lfs saga ins Helga e a Gesta Danorum. Em algumas
circunstncias especficas, difcil de discernir se a jornada para Bjarmaland consiste
em simplesmente um tema ou motivo, ou se os relatos que a contm possuem conexes
entre si.
O captulo 133 da lfs saga ins Helga conta sobre uma expedio efetuada por
Karli, que representaria o rei lfr, e certo rir Hundr. Fica acertado que cada um
levar consigo 25 homens, mas rir leva 80, o que gera constante tenso entre Karli e
os seus homens, sempre no receio de que venham a sofrer por causa de seu menor
nmero como de fato, acontece posteriormente.

557
Van GENNEP, Arnold. Os ritos de passagem. Petrpolis: Editora Vozes, 2013[1977]. P.33.
558
Van GENNEP, 34.
559
Idem, 35.
273

A descrio da jornada toda bastante grfica e precisa, explicitando elementos


prticos sobre a navegao, natureza das mercadorias e procedimentos. Aps o perodo
de mercado, quando o acordo de paz com os nativos encerrado, Karli e rir partem
para saquear a rea com seus homens. rir fala um pouco sobre os costumes locais:

(...) quando um homem rico morria, todos os seus bens mveis


eram divididos entre o homem morto e seus herdeiros. Ele pegava a
metade, ou a tera parte, ou as vezes menos, e esta parte era carregada
para as florestas e enterrada, algumas vezes sob um montculo, s
vezes na terra, e s vezes at uma casa era construda sobre ela560.

(Heimskringla, lfs saga ins Helga, 133. Verso nossa).

Os vikings chegam a um lugar cercado e com guardas. Matam-nos, atravessam a


cerca e chegam a um montculo no qual h terra, prata e ouro misturados, mas tambm
uma imagem do deus Jmli. rir ordena que ningum roube ao dolo, mas ele mesmo
acaba por faz-lo.
Karli far o mesmo e tenta retirar um ornamento de ouro do pescoo do dolo.
Bate muito forte com o machado e acaba decapitando a imagem. O barulho atrai aos
Bjarmar, que partem em perseguio. No final, os vikings retornam aos seus barcos e,
na viagem de retorno, rir acaba por matar Karli e atacar os seus homens.
Parece-nos clara alguma ligao do relato apresentado, no apenas com a rvar-
Odds Saga, mas com outras Fornaldarsgur. Se o relato era conhecido oralmente, ou se
a rvar-Odds saga inspirou-se em certo grau na lafs saga helga, como j foi sugerido,
permanece questo no resolvida, mas pela extenso em que viagens a Bjarmaland
sero empregadas por outras Fornaldarsgur, e pelo nmero de elementos encontrados
nelas que se concentram na lfs saga ins Helga, bastante razovel que esta tenha
provido uma base narrativa e informativa para muitas composies posteriores.
Vejamos como se d o mesmo relato na rvar-Odds saga:
Oddr nunca esteve em alguma expedio viking antes. Aps sair de Berurjod,
aonde crescera e enterrara seu cavalo Faxi a fim de enganar as profecias, parte para
Hrafnista, aonde reside sua famlia de sangue. Seu irmo Gudmunr e seu primo
Sigurr esto de partida para Bjarmaland no dia seguinte e, como os preparativos esto

560
(...) a annug vri htta er augir menn nduust a lausaf skyldi skipta me hinum daua og
rfum hans. Skyldi hann hafa hlft ea rijung en stundum minna. a f skyldi bera t skga,
stundum hauga og ausa vi moldu. Stundum voru hs a ger. lfs saga ins Helga. In: JNSSON,
1911: 133 K., 312
274

feitos, no permitem que Oddr os acompanhe. Aps sonhos premonitrios, concordam


com que Oddr v.
Oddr recebe de seu pai as Gusisnautar dvidas de Gusir, flechas mgicas
feitas por Sami que acompanharo Oddr at sua prxima iniciao, e que sero vitais
em muitas de suas batalhas.
Os parentes viajam, passam por Finnmark o tom da narrativa cmico por
vezes, e os vikings divertem-se ao verem as mulheres saami gritarem aps serem
roubadas.
Todos chegam Bjarmaland. O primeiro acontecimento est delimitado em um
espao liminal: os Bjarmar esto dentro de um salo, perfeitamente iluminado em todos
os seus cantos. Os vikings, fora dele, na escurido da noite. Para acentuar a distncia
que os separa, tanto espacialmente como em outras categorias, a narrativa enfatiza a
alteridade, a principiar pela lngua:

Voc sabe algo da linguagem dessas pessoas? perguntou Oddr; no


mais que o barulho dos pssaros, disse Asmund; voc consegue
entender algo dela?561.

(rvar-Odds saga, Captulo 04. Verso nossa)

uma circunstncia singular que em uma mirade de narrativas e sagas, a nfase


da diferena lingustica seja to pouco explorada. Mas o . A prpria saga de Oddr,
posteriormente, trar eventos que ocorrem nas mais distantes partes do mundo, que
incluem a Terra Santa, Francia, Gararki e terras do sobrenatural. Em nenhuma
situao h constrangimento lingustico562. Parece um consenso entre os autores de saga
que o mundo inteiro fala antigo nrdico.
A referncia linguagem dos pssaros no isolada. Ela aparece tambm na
Heimskringla, no captulo 10 da Saga de lfr Kyrre, e tambm na lenda sobre Sigurr
e o drago Fafnir. Em ambas evoca situaes de mistrio e do sobrenatural.
Oddr, olhando pelas janelas, v um homem servindo aos demais, que imagina
que fale o nrdico. Transpassa o espao liminal, e entra em uma rea escura do salo,
prxima ao prtico. Quando o homem passa por ele, Oddr agarra-o pela cabea e foge
com o restante dos vikings.

561
"Skilr hr nokkut ml manna? sagi Oddr; eigi heldr en fuglakli, sagi smundr; ea ikist
nokkut af skilja?" rvar-Odds Saga, redao S. In: RAFN, C. Fornaldar sgur Norrlanda.
Kaupmannahfn: Popp, 1829-1830, vol. I. 4 K., 175.
562
PLSSON & EDWARDS, 1970: 31s.
275

Oddr est correto em sua suposio, e d-se o seguinte dilogo:


O que voc pode me dizer que seria a pior pea que ns
podemos pregar nos bjarmar? disse Oddr.
Esta uma boa questo, ele disse. H um montculo mais
adiante nos bancos do Vna, feito de duas partes, prata e terra. Um
punhado de prata tem que ser deixado ali por cada homem que deixa
este mundo, e a mesma quantia de terra para cada um que vem a ele.
Voc no pode pregar nos bjarmar um truque mais sujo do que ir at o
montculo e carregar toda a prata563.

(rvar Odds saga, captulo 04. Verso nossa)

A passagem outra marca de alteridade, de desconhecimento e de falta de


compreenso. Oddr faz perguntas sobre os nativos e seus costumes, ainda que com
intenes negativas; tenta entend-los e, de sua forma prpria, obter informaes sobre
um grupo que se lhe afigura totalmente desconhecido. Em todos os sentidos, o narrador
enfatiza como o bjarmar o outro.
O montculo com terra e metais misturados de imediato evoca a narrativa da
lsf saga Helga. Ambas explicaes so feitas em detalhe, com cuidado, apesar de
divergirem grandemente. Pela tradio que se conhece de montculos funerrios e
paralelos na regio, parece mais plausvel que a explicao da rvar Odds Saga
consista numa inveno do seu autor.
O restante da expedio resume-se em altercaes e lutas com os nativos, nas
quais estes sempre empregam recursos mgicos e, posteriormente, associar-se-o aos
Sami. O nico outro detalhe digno de maior nota, alm dos recursos ao mgico, uma
referncia fortuita a armas de prata. Somada ao montculo, somos tentados a sugerir
que os ecos das antigas rotas comerciais em busca de prata islmica faam-se se sentir
tardia e desfiguradamente nestas narrativas, mas trata-se de uma conjectura de nossa
lavra.
Algumas caractersticas de Oddr so definidas nesta expedio Bjarmaland:
- A clava: Oddr esquece as Gusisnautar no barco e necessita improvisar uma
arma. Usa um machado para fazer uma clava; juntamente com as Gusisnautar, a clava

563
"Hvat segir til," sagi Oddr, "hvat vr munum ess gera, at Bjrmum ykki verst?" "ess er vel
spurt, " sagi hann. "Haugr stendr upp me nni Vnu. Hann er gerr af tveim hlutum, silfri ok moldu.
angat skal bera gaupnir silfrs eptir hvern mann ann, sem ferr af heiminum, ok sv, er hann kemr
heiminn, ok jafnmikla mold. at munu r sv gera, at Bjrmum mun verst ykkja, ef r fari til
haugsins ok beri fit burt aan." rvar-Odds Saga, redao A/B. Captulo 04. In:
VILHILMSSON, Bjarni & JNSSON, Guni (eds). Fornaldarsgur
Norurlanda. Reykjavk, 1943-1944, vol I. Citaes subsequentes como OS, seguidas de nmero
de captulo.
276

ser uma caracterstica marcante de Oddr. Por ocasio de sua segunda iniciao, as
Gusisnautar perdero seu poder e sero substitudas por outro jogo de flechas mgicas,
mas a clava perdurar como sua arma contra seu ltimo inimigo em Bjalkaland.
- Seu nome, fama e profisso: a partir da expedio dela que Oddr ser
conhecido como um viking e que adquir fama que perpassar a de outro vikings. O
qualificador dessa fama Bjarmaland, e Oddr ser conhecido como Oddr, que foi para
Bjarmaland um longo tempo atrs.
Os indivduos de maior significado para Oddr empregaro o epteto.
A comear por gmundr , seu inimigo mortal:

s tu Oddr, disse gmundr, que viajou para Bjarmaland um longo


tempo atrs?564

Srnir, nico indivduo que sobreviver s lutas com gmundr, e com quem
Oddr fez pacto de irmandade de sangue:

Srnir perguntou: este Oddr que foi para Bjarmaland?565

Vignir, seu filho com a gigante Hildigunn:

Ele disse que se chamava Vignir, - mas voc Oddr, que foi para
Bjarmaland?566

O rei Herraur, de Gardarki, a quem Oddr substituir como rei:

No s tu Oddr, que foi para Bjarmaland um longo tempo atrs?567

- Seu nmesis, gmundr Eyjfsbani ou gmundr flki (gmundr


matador de Eyjfr ou gmundr tufo de cabelo/plo emaranhado).
Em S e M, gmundr Eyjfsbani um dos muitos seres sobrenaturais com os
quais Oddr se depara. Aps uma violenta batalha, na qual Oddr e gmundr concordam
em deixar de lutar, gmundr mata traioeiramente a rr, irmo de sangue de Oddr, e

564
"Ertu s Oddr," sagi gmundr, "at fr til Bjarmalands fyrir lngu?" (OS, 13).
565
Srnir svarar: "Er etta Oddr s, sem fr til Bjarmalands?" (OS, 19)
566
Hann kvest Vignir heita, - "ea ertu Oddr s, er fr til Bjarmalands?" (OS, 21)
567
"Ertu eigi s Oddr, er fr til Bjarmalands fyrir lngu?" (OS, 27)
277

os restantes da irmandade, Oddr e Hjlmarr, no conseguem encontr-lo mais. Para


Ferrari, a funo de gmundr nestas redaes efetuar um contraponto
invencibilidade de Oddr, mostrando algum que pde derrota-lo568.
Em A/B/E, no entanto, gmundr assume uma dimenso totalmente nova,
tornando-se no maior antagonista de Oddr e transformando o enredo da saga, medida
em que a maior parte de seus eventos acaba se entrelaando entre a luta infindvel entre
os dois.
H um personagem novo inserido em A/B/E, que est conectado com o aumento
do papel de gmundr, e quem traz informaes precisas sobre quem ele : Raugrani,
Barba-vermelha. Um tipo de figura comum nas sagas, um homem que aparece e
aconselha ao heri nas batalhas, evoca ao leitor as inmeras aparies de inn
disfarado, sendo de fato associado com ele no captulo 23, ao no mais retornar. H um
Barba-Vermelha na Brar saga Snfelsss, tambm associado com inn, mas de
construo mais malfica, algo entre uma divindade pag e um ser mal que procura
desviar aos cristos da saga.
O Barba-Vermelha da rvar-Odds Saga benevolente; misto de sbio e
covarde, d conselhos e muita informao til para Oddr sobre gmundr.
Aparentemente, esta sua nica funo, pois sempre desaparece em batalha - fato que o
narrador no deixa de notar, e que confere tom de comicidade em alguns pontos da
saga569. ele quem prov a seguinte explicao:

Voc quer que eu lhe diga, disse Barba-Vermelha, como


gmundr veio a nascer, e eu espero que voc perceba que no h
forma de que ele seja vencido por homens mortais, se voc se
envereda por sua origem.
Mas primeiro eu devo lhe explicar que houve um rei chamado
Harek, que governava Bjarmaland na poca que voc esteve ali em
sua expedio, depois do que, como voc se lembra, voc fez um
grande mal aos Bjarmar. Mal voc tinha ido embora, os bjarmar
pensaram ter sofrido as piores coisas, e quiseram, se possvel, se
vingar, e dessa forma que eles agiram:
Eles pegaram uma gigante que vivia debaixo de uma grande
queda dgua, encheram-na de mgica e feitiaria e colocaram-na na
cama ao lado do rei Harek, de modo que ele teve um filho por meio
dela; ele foi borrifado com gua e chamado gmundr. Ainda criana
pequena, ele no era como os mortais ordinrios, como voc pode
esperar do tipo de me que teve - e, de qualquer forma, seu pai era
um grande feiticeiro (bltmar) tambm.

568
FERRARI, 372.
569
FERRARI, 373.
278

Quando gmundr era da idade de trs anos ele foi enviado para
Finnmark, onde aprendeu toda sorte de mgica e feitiaria, e to logo
ele dominou estas artes, retornou para Bjarmaland. Nesta poca ele
tinha sete anos e j estava to grande quanto um homem adulto,
imensamente forte e muito difcil de se lidar.
Sua aparncia no melhorara durante sua estadia com os finnar.
Ele era tanto preto quanto azul, com longo cabelo preto, e tinha uns
toscos tufos de pelo pendurados sobre os olhos, no lugar aonde sua
testa devia estar. por isto que ele se chama gmundr Flki.
Os bjarmar mandaram-no para matar voc, ainda que eles
tenham percebido que precisavam preparar o terreno com cuidado
antes de lhe mandar para hell. O prximo passo que eles tomaram fora
fortalec-lo com bruxaria, de forma que ferro no possa mord-lo,
ento levaram a cabo seus rituais e transformaram-no em um
verdadeiro Troll, no havendo nenhum mortal parecido com ele570.

(rvar-Odds Saga, Captulo 19. Verso nossa)

A narrao segue por algum tempo ainda, contando sobre como gmundr
ganhara seu outro apelido, mas o trecho nos suficiente. Em A/B/E, Bjarmaland
central para todo o desenrolar do enredo da rvar-Odds Saga, medida em que o
conflito que central por toda a saga, isto , as lutas entre Oddr e gmundr, so
consequncias diretas da expedio feita por Oddr ali.
gmundr, ainda que tenha ganhado destaque tardiamente, harmoniza alguns
elementos da saga: a profecia em relao a Oddr, que no permita que ele morra mas
que implica em que ele perder os seus queridos, encontra um bom balanceamento com
a figura de gmundr que, alm de ser instrumental na morte dos queridos de Oddr, o
lembrete de que ele no e totalmente invulnervel.
A nfase de A/B/E na disputa entre os dois substitui aspectos de inspirao
possivelmente hagiogrficas de S por um enredo aparentemente mais banal e simples;
menos instrutivo, mas altamente entretenedor, o desenrolar da saga narra uma luta entre

570
"Viltu, at ek segi r," kva Raugrani, "hversu gmundr er til kominn, ok get ek, at r ykki engi
vn, at hann veri unninn af mennskum mnnum, ef veizt allan hans uppruna.
En at er ar fyrst af at segja, at Hrekr ht konungr, er r fyrir Bjarmalandi, er fort angat
herfer, eptir v sem veizt, hvern skaa er gerir Bjrmum. En er vart burtu farinn, ttust
Bjarmar hafa raunillt af fengit ok vildu gjarna hefna, ef eir gti. Var at tiltekja eira, at eir fengu
eina ggi undan forsi strum, galdra fulla ok gerninga, ok lgu sng hj Hreki konungi, ok vi henni
tti hann son; s var vatni ausinn ok nafn gefit ok kallar gmundr. Flestum mennskum mnnum var
hann lkr egar unga aldri, sem vn var sakir mernis hans, en fair hans var inn mesti bltmar.
egar er gmundr var rvetr, var hann sendr Finnmrk, ok nam hann ar alls kyns galdra ok gerninga,
ok er hann var v fullnuma, fr hann heim til Bjarmalands. Hann var sjau vetra ok sv strr sem
fullrosknir menn, rammr at afli ok illr viskiptis. Ekki hafi hann batnat yfirlits hj Finnunum, v at
hann var bi svartr ok blr, en hrit stt ok svart, ok hekk flki ofan fyrir augun, at er topprinn
skyldi heita. Var hann kallar gmundr flki. tluu Bjarmar at senda hann til mts vi ik ok at
drepa ik; ttust eir vita, at mikils mundi vi urfa, r en r yri hel komit. Var at enn
tiltki eira, at eir ltu seia at gmundi, sv at hann skyldi engi jrn bta atkvalaus. v nst
bltuu eir hann ok trylldu hann sv, at hann var engum mennskum manni lkr. (OS, 19)
279

dois seres que, por si s, encontram-se em situao liminares entre a mortalidade e o


banal e o maravilhoso e sobrenatural. A mudana de nfase entre as redaes incorporou
outro sistema de significaes, que do aspecto central Bjarmaland.
Destarte, a expedio de Oddr Bjarmaland marca a primeira fase de sua vida,
quando ele torna-se viking de renome. um espao liminal ampliado entre o mundo
conhecido e as terras do imaginrio, e por esse espao que Oddr sofrer sua primeira
iniciao.

5.2.4 O Homem-Casca

H ainda outro ponto na redao A/B da rvar-Odds Saga em que


reconhecemos um momento especfico de transio, acompanhado por sinais e
elementos que o diferenciam de outros momentos da narrativa.
Aps a iniciao de Oddr em Bjarmaland perfeitamente possvel resumir a
saga enquanto alteraes sucessivas entre estados de luta e paz, distrbio e descanso.
Nestas lutas Oddr perdeu amigos e familiares combatendo vrios vikings, combatendo
Angantyr e seus irmos, mas principalmente lutando contra gmundr. Nos momentos
de descanso ele adquire novos aliados, passa por aventuras distintas, ganha
equipamentos e at gera Vignir com uma gigante.
Aps a perda de seu filho no captulo 22 e a morte de Gardar, no captulo 23,
Oddr volta para Gotaland com seu irmo de sangue Sirnir. Barba-Vermelha/inn
desaparecera, e Oddr entra em um perodo totalmente distinto em sua vida:

Assim que o inverno passou, Oddr ficou muito desgostoso


pelas misrias que Ogmunr flki trouxera sobre ele. Ele estava
determinado a nunca mais arriscar a vida de seu irmo de sangue em
luta com Ogmunr, pois as perdas que ele sofrera j eram amargas
demais, ento ele decidiu-se e partiu por conta prpria certa noite.
Conseguiu arrumar transporte para onde precisava, viajando
pelas florestas e regies selvagens e errando por longas trilhas de
montanhas, com sua aljava de flechas nas costas, atravessando um
pas aps outro. Chegou o tempo em que ele foi forado a atirar em
pssaros para sobreviver.
Ele prendeu casca de btula em volta de seu corpo e em seus
ps, e fez para si um grande chapu com a casca. Ele se destacava
bastante dos outros homens pois, alm de ser muito maior que todos
os demais, estava todo coberto de casca.
No h nada para se contar sobre ele at que emergiu da
floresta, e encontrou povoados vista. Viu uma grande fazenda ali, e
outra menor, no muito longe. Veio sua mente de ir fazenda menor,
280

ainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antes, e assim ele
foi para a porta.
Do lado de fora um homem estava cortando lenha, um pequeno
homem de cabelo branco. O velho homem comprimentou
amigavelmente o estrangeiro e perguntou seu nome.
Eu me chamo Homem-Casca, disse ele 571

(rvar-Odds Saga, captulo 24. Verso nossa)

Victor Turner analisa uma forma especfica de liminaridade enquanto fase e


estado. Nesse sentido, podem ser distintas duas modalidades de ritos: ritos de elevao
de status e ritos de reverso de status.
Nos ritos de elevao de status o novio atingir um status que definitiva e
irreversivelmente superior ao anterior572. Para chegar ao status superior, entretanto, o
aspirante precisa antes se humilhar e ser generalizado; ele separa-se da vida comum e
submete-se a ritos liminares que o rebaixam rudemente antes de, aps cerimnias de
readmisso, ser instalado em sua posio de glria aumentada573.
Quanto aos ritos de reverso de status, so ritos que normalmente seguem
prescries temporais, ligadas ao calendrio. Uma caracterstica comumente encontrada
em ritos desse tipo o mascaramento574. Aquele que se rebaixa feito estruturalmente
inferior; a mscara, que pode representar seres ctnicos, demnios ou outras entidades e
foras, oculta sua fraqueza e o protege enquanto smbolo de fora contra aqueles que
esto estruturalmente superiores575.
Discernimos nesse episdio da rvar-Odds Saga basicamente um rito de
elevao de status, havendo algumas caractersticas secundrias similares s

571
En er Oddr kom heim til Gautlands me fstbrur snum, bau Srnir honum ar at sitja um vetrinn.
at ekktist Oddr. Ok er lei vetrinn, gladdist hann fast. Kmu honum hug harmar snir, eir er
hann hafi fengit af gmundi flka. hugsast honum sv til, at hann mun eigi htta lengr fstbrur
snum til at berjast vi gmund, v at hann ttist ar stra skaa hafa af fengit. Verr at hans r at
leynast burt einn nttareli. Ferr hann at flutningum, ar sem eira arf vi, en stundum ferr hann
um merkr ok skga, ok ratar hann harla stra fjallvegu. Hann hefir rvamli sinn baki sr. Ferr
hann n va um lnd, ok kemr sv ri hans, at hann hafi at eitt til atvinnu sr, er hann skaut fugla
fyrir sik. Hann spennir at sr um bol ok ftr nfrum. San gerir hann sr nfrahtt mikinn hfu
sr. Er hann ekki rum mnnum lkr, meiri miklu en allir menn arir, er hann er allr akinn nfrum. N
er ekki sagt fr honum fyrr en hann kemr r mrkum fram, ok sr hann, at heru hefjast upp fyrir honum.
Hann sr, at ar stendr einn br mikill, en ar var annarr br skammt fr. at kom honum hug, at hann
mundi sna inn minna binn; at hafi hann aldri fyrr freistat. Hann gengr ar at dyrum. ar var mar
fyrir dyrum ok klauf sk. S var ltill vexti ok hvtr fyrir hrum.
Hann heilsar eim vel, er kominn var, ok spuri karl hann at nafni.
"Nframar heiti ek," sagi hann () (OS, 24).
572
TURNER, Victor W. O processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrpolis: Editora Vozes,
2013[1974]. P.156.
573
TURNER, 158.
574
TURNER, 160.
575
TURNER, 162.
281

encontradas em ritos de reverso.


O ciclo guerra e paz caracterstico da vida de Oddr aps sua primeira iniciao
em Bjarmaland passa por um momento de interrupo. Esta pausa deve ser distinguida
dos outros momentos de descanso aps a guerra como o tempo com os gigantes, e
mesmo o tempo de sua converso - exatamente pelos elementos que associam os
acontecimentos posteriores a formas rituais.
H elementos textuais claros nesse sentido, que lidam com declaraes
absolutas; primeiramente, Oddr decide nunca mais arriscar a vida dos que ele ama, de
forma contrria ao seu discurso anterior de obstinada procura e perseguio a gmundr,
no importasse o que custasse. Ao escolher entrar na pequena fazenda, Oddr decide
faz-lo ainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antes; contraste a sua
atitude altiva de at ento.
Mais caracterstico, no entanto, que Oddr muda de aparncia e, principalmente,
de nome. Ele cobre-se de cascas de btula em narrativa na qual impossvel no notar
a comicidade da situao, tenta ocultar sua aparncia anterior, mascara-se e muda de
nome. Ele agora o Homem-casca.
parte novamente o fator comicidade e entretenimento da saga nesse ponto, o
prprio narrador continua a chamar Oddr no mais de Oddr, mas de Homem-Casca.
Ele recebido pelo fazendeiro Jlfr, que o recebe bem e indicar quais os
caminhos a serem seguidos por Oddr nesta nova fase. Simbolicamente, mas de forma
que afetar a narrativa posterior de forma prtica, ele d ao Homem-casca trs novas
flechas. Desta feita, flechas de pedra. Jlfr revela que conhece a identidade de Oddr,
bem como que ele possui as ddivas de Gusir, e que elas sero insuficientes em certo
momento.
A comparao das flechas representativa dessa nova fase da vida de Oddr;
aps Bjarmaland e at ento, as ddivas de Gusir salvaram-no nas situaes de maior
perigo. No seu status posterior, sero insuficientes, e substitutas mais apropriadas
devem ser providenciadas.
O outro passo informao: Jlfr fala a Oddr sobrea localidade, o rei Herraur,
pessoas do salo, e sobre quem ser o alvo de Oddr: Silkisif, filha do rei, sobre a qual
Jlfr fala que no h moa mais bela em toda a Gararki e alm576.
Nesse ponto da narrao, h um entrelaamento de temticas prprias das

576
(...) engi er nnur jafnfri Gararki ok viar annarstaar. (OS, 24)
282

narrativas folclricas, nas quais expediente comum que um rapaz, normalmente pobre,
irmo mais novo e de menos oportunidades procure conquistar a mo de uma princesa
inatingvel.
Esta temtica no o ncleo da narrativa, e a saga no pode ser reduzida a uma
forma to simples e estruturalizada, ainda mais levando-se em conta as reestruturaes e
elaboraes pelas quais passou em suas diferentes redaes. O tema da princesa ajudar
na composio do quadro narrativo, fornecer elementos teis ao contar da histria, mas
no seu objetivo. Ele colabora na construo dos eventos de passagem.
Tambm pela referncia aos atributos da beldade somos informados da terra
aonde Oddr se encontra, que Gararki em S, o reino Hnaland.
Jlfr leva o Homem-Casca ao salo do rei Herraur, e d-se incio o processo de
rebaixamento de Oddr:

- Eu me chamo o Homem-Casca, disse Oddr


- Quem voc, companheiro? Disse o rei.
- Isto eu sei, disse ele, Eu sou mais velho que qualquer coisa
que voc possa pensar, mas no tenho esperteza nem memria em
minha cabea. O que pede sempre quer escolher. Eu te peo, rei,
abrigo pelo inverno.
O rei respondeu: Voc hbil em algo?
- Longe disso, ele respondeu, eu sou mais atrapalhado que
qualquer outro homem.
- Voc disposto a fazer qualquer coisa? Disse o rei.
- Eu no sei como trabalhar, e sou muito preguioso para
trabalhar, ele disse.
- Isto no parece promissor, disse o rei, pois eu fiz um voto
de s pegar homens hbeis.
- Nada que eu fizer ser do menor uso para qualquer um,
disse o Homem-casca.
- Voc deve saber como coletar a caa, se outros atirarem,
disse o rei. Talvez eu v [caar] alguma vez.
- Onde devo me assentar? Disse o Homem-casca.
- Deves se assentar no banco baixo perto da porta, entre os
escravos e os homens livres.577

577
Trecho de difcil verso por conter ditados e expresses idiomticas. Segue a redao A/B, ed. Guni
Jnsson / Carl Rafn:
"Ek heiti Nframar," sagi hann. "
Hverr ertu, flagi?" sagi konungr.
"at veit ek," sagi hann, "at ek em hvvetna eldri, ok er hvrki vitit n minnit heima hj mr, ok hefik
lengi legit ti mrkum nr alla vi mna. En br eru brautingja erendi, konungr, ek vil bija ik
vetrvistar."
Konungr svarar: "Ertu at nokkuru rttamar?"
"at ferr fjarri," sagi hann, "v at ek em liprari en arir menn."
"Nennir nokkuru?" sagi konungr.
"Ek kann ekki at vinna, enda nenni ek ekki at vinna," sagi Nframar.
283

No h razo aparente para Oddr responder como responde s questes; pede


abrigo, mas a cada questo efetuada pelo rei, responde de forma negativa. O ato possui
caractersticas de rito, de interpretao - um esvaziamento total. Ele velho, mas no
sabe de nada; pede ajuda, mas no sabe fazer nada; quer trabalho, mas tem preguia de
trabalhar.
Por fim, o rei coloca-o em uma posio liminar em todos os aspectos; Oddr deve
assentar-se entre os escravos e os homens livres, no sendo enquadrado em nenhuma
categoria, e perto da porta. Ora, como j discutido a pouco, portas, assim como
fronteiras, so espaos liminares por excelncia.
Oddr convidado pelos irmos ttar e Ingjaldr a sentar-se entre eles.
Perguntam-lhe sobre outros pases, reclamam de sua bolsa (que contm a aljava das
flechas); por fim, oferecem dinheiro e roupas novas para que ele tire a casca. Sua
resposta sugestiva e simblica: eu no posso faz-lo, ele disse. eu nunca vesti
outras roupas, e enquanto viver, nunca o farei.
O Homem-casca nunca o fez e nunca o far. Assim que troc-las, ele deixar de
s-lo.
Atravs dos dois irmos, desajeitados e desprovidos de habilidades, Oddr
passar por vrias provas: de caada (25), de arco-e-flecha (26), de natao sempre
coberto de casca - e, finalmente, de bebida este ltimo, entremeado com o compor
poemas (27) o competidor esvazia um chifre cheio de bebida e profere um poema.
Supera aos dois melhores homens do rei, Sigurr e Sjolfr, que tambm aspiram pela
mo de Silkisif.
Aps cada prova, h uma breve troca de perguntas com o rei, por meio das quais
o Homem-casca vai cedendo seu lugar a Oddr, aquele que esteve em Bjarmaland:
Aps a caa:
O rei olhou para ele e disse: s um grande arqueiro.
Sim, senhor, disse ele. Porque estou acostumado a atirar em
pssaros e animais para me alimentar578

" horfir allvnt" sagi konungr, "fyrir v at ek hefi ess heit strengt at taka vi eim einum mnnum,
at eir s at nokkuru rttamenn."
"Aldri kann ek einn hlut at gera," sagi Nframar, "ann rum s gagn at."
"Kunna muntu at draga saman dr, ef menn skjta," sagi konungr. " m vera, at ek fara til ess
eitthvert sinn."
"Hvar vsar mr til stis?" sagi Nframar.
" skalt sitja utar inum ra megin, ar sem mtast rlar ok frelsingjar." (OS, 24)
578
Konungr leit vi honum ok mlti: "Bogmar ertu mikill."
"J, herra," sagi hann, "v hefi ek helzt vanizt at skjta dr ok fugla til matar mr." (OS, 25).
284

Aps as flechas:
O primeiro tiro pode ter sido bom, disse o rei, mas este muito
melhor. Eu lhes digo, nunca vi um tiro como este.579

Aps a natao (Oddr nada com as cascas, mas prevalece sobre os demais):
E agora o rei inquiriu: E no que no h outro esportista igual em
tiro e natao?
Viste todas as habilidades que tenho, disse o Homem-casca. Me
chamo Oddr, se voc quiser saber, mas eu no posso lhe falar nada
sobre a minha famlia580.

Finalmente, na competio de poemas Oddr conta todas suas aventuras at


ento. Na manh seguinte est a lavar-se, e a casca em suas mangas apresenta-se gasta,
deixando antever uma veste vermelha por baixo. Os irmos tiram-na, mas Oddr no
reclama, e levam a Oddr at o assento do rei, dizendo: Parece que ns no temos
apreciado totalmente quem ns entretemos neste inverno581.

Assim me parece, disse o rei. Mas quem este homem que tem
escondido sua identidade de ns?
Eu ainda me chamo Oddr, como lhe disse um tempo atrs, filho de
Grim Bochechas-Peludas de Hrafnista, no norte da Noruega.
voc o Oddr que foi para Bjarmaland tempo atrs?
Sou eu o homem que foi para l582 (itlico nosso)

A prova e as recompensas finais de concluso desse processo ritual dar-se-o


nos captulos seguintes, 28 e 29, nos quais Oddr parte para Bjalkaland, coletar impostos.
Em caso de vitria, receberia a mo de Silkifif.
A narrativa que se segue retoma temas elaborados na viagem Bjarmaland e
por vezes reproduzidos em pontos isolados da narrao. Bjalkaland significa terra das
peles. Seu governante, lfr Bjlki, segundo S pagava tributo ao rei de Hnaland.
Poderoso feiticeiro, lfr Bjlki s pde ser vencido com as flechas de pedra de

579
"Sv vel sem skotit var it fyrra sinn," segir konungr, " er n miklu betr skotit, ok at m ek segja, at
aldrigi hefi ek st jafnvel skotit." (OS, 26).
580
Ok n spyrr konungr: "Hvrt ertu ekki rum mnnum lkr um rttir, bi um skot ok sund?"
"Snar eru n allar mnar rttir, er essar eru," sagi Nframar; "ek heiti Oddr, ef vilt at vita, en
ek kann eigi greina fyrir r um kyn mitt." (OS, 26).
581
at tlum vr, at vr vitum eigi allgerla, hvern vr hfum hr fstri haft (OS, 27)
582
"Sv m vera," sagi konungr, "ea hverr er essi mar, er sv hefir dulizt fyrir oss?"
"N heiti ek Oddr, sem ek saga yr fyrir lngu, sonr Grms loinkinna noran r Noregi."
"Ertu eigi s Oddr, er fr til Bjarmalands fyrir lngu?"
"S er marinn, er ar hefir komit." (OS, 27)
285

Jlfr, que desaparecem aps serem usadas. As ddivas de Gusir no foram capazes de
venc-lo, e desaparecem igualmente.
Resta a Oddr derrotar a feiticeira que, de forma semelhante a Ogmunr no
captulo seguinte atira flechas por todos os seus dedos. Seu templo queimado e ela
morta com uma clava por Oddr.
Oddr retorna para Grikkjarki claramente, um erro do redator, j que
anteriormente citada Gararki, assim como no captulo 32, por ocasio da morte de
Oddr. Em S, como j afirmamos, em ambas ocasies o reino Hnaland. Finalmente,
ele ascende a uma posio maior do que a que possua anteriormente: o rei Herraur
falece e que sobe ao trono em seu lugar o prprio Oddr.
J falamos sobre Ogmunr nas sees anteriores, e aqui cabe o encerramento de
sua participao no enredo. No captulo conseguinte subida de Oddr ao trono, ambos
travam sua ltima batalha. Ogmunr agora chamado Kvillanus, e governante em
Novgorod, rene todos os reis de Austrvegr, em uma lista muito detalhada que inclui
Kirjlalandi, Rafestalandi, Refalandi, Virlandi, Eistlandi, Lflandi, Vitlandi, Crlandi,
Lnlandi, Ermlandi, e Plinalandi583.
Aps grande mortandade ambos sobrevivem, e Ogmunr foge. No se passa
muito tempo, no entanto, antes de que ambos sejam reconciliados:

Algum tempo depois Kvillanus mandou presentes caros para


Odd, ouro e prata e muitos tesouros; e junto com tudo isto, palavras de
amizade e ofertas de reconciliao. Ento Oddr aceitou os presentes,
pois ele era esperto o suficiente para perceber que Ogmunr Matador-
de-Eyjof, ou Kvillanus, como ele se chamava agora, nunca poderia
ser derrotado, sendo, como voc pode dizer, tanto um fantasma quanto
um homem. No se sabe se eles tiveram quaisquer outros negcios
futuros, ento este o fim de sua briga584.

(rvar Odds Saga, Captulo 30.Verso nossa)

O episdio de Homem-casca, encerrado com Bjalkaland espelha, portanto, o


ocorrido na primeira iniciao de Oddr em Bjarmaland; todo o processo da narrativa
aponta para um inequvoco rito de passagem de elevao de status, que completa a
trajetria de Oddr e que resumimos na seguinte tabela:

583
Ver captulo 03, pginas 173s.
584
Nokkurum tma sar sendir Kvillnus Oddi gjafir miklar bi gulli ok silfri ok marga ga gripi ok
ar me vinttuml ok sttarbo. Oddr essar gjafir, v at hann fyrirst af sinni vizku, at gmundr
Eyjfsbani, sem nefndist Kvillnus, var sigranligr, v at hann mtti eigi sr kallast andi en mar.
Ok er eigi getit, at eir hafi san nokkura hluti vi tzt, ok lauk sv eira skiptum. (OS, 30).
286

Bjarmaland O Homem-Casca/ Bjalkaland


Tipo de rito Iniciao/ maturidade Aumento de status
Flechas Ddivas de Gusir Flechas de pedra de Jlfr
Status alcanado Viking Rei em Gararki
Marcas posteriores Apelido; camisa
Consortes Olvor, da Irlanda (12); Silkisif
Hildigunn, a giganta.
Papel de Ogmunr Criado como nmesis; ltima batalha e desistncia /
(Apenas em A/B) precipitador da segunda apaziguamento
iniciao
Tabela 09: Paralelos das duas iniciaes de rvar-Oddr

5.3 As iniciaes e o leste

Da anlise dos episdios de iniciaes e ritos de passagem pelos quais Oddr


passa, chegamos concluso que o leste assume, em adio ao sentido de provedor de
cenrio e ambiente, a conotao de regio limtrofe, liminar.
De fato, o papel de Bjarmaland nesse sentido foi bem discutido e argumentado;
a regio incorpora uma gama considervel de imaginrios que perpassa a mera
dimenso das Fornaldarsgur, assumindo conotaes limtrofes como religioso, o
fantstico, o mtico e o desconhecido. Bjarmaland torna-se uma materializao, um
lugar atingvel do que se discute no campo do mito.
O acrscimo inovador das Fornaldarsgur, das quais empregamos a rvar-Odds
Saga enquanto recorte exemplar, a assimilao de tal sentido de Bjarmaland ao leste
enquanto um todo, particularmente a Austrvegr e Gararki.
Antevem-se elementos dessa derivao e conotao em passagens como as
discutidas na Gylfaginning, mas em contraposio a esta referncia isolada em meio a
um meio acadmico evemerizado e ocidentalizado, as Fornaldarsgur nos oferecem
este imaginrio constante, reapropriado e amplificado.
Esta reapropriao do material mtico no feita com intuitos de instruo, ou
da elaborao acadmica geogrfica das regies de alm. um emprego de simbolismo
e de conceitos presentes no imaginrio coletivo empregados agora enquanto elementos
de uma narratica cujo o propsito primrio o entreter ao invs do educar.
287

Conclumos nossos panoramas, portanto, com esta nova dimenso do qual o


leste se reveste e que espelha uma situao que revela o prprio movimento intelectual e
mental dos sculos XIII e XIV na Escandinvia, num sentido de bifurcao das formas
literrias entre o factio e o fictio, entre o educativo e instruidor, e o fantstico,
maravilhoso e voltado ao entretenimento e diverso.
288

6. CONCLUSES

O leste apropriado de forma especfica pelos historiadores e autores


escandinavos dos sculos XIII e XIV. O modo de abordagem a ele condicionado no
tanto pela tradio e acmulo de conhecimento propriamento escandinavos quanto pelo
emprego de um conhecimento cristianizado e livresco mais geral ao Ocidente Medieval.
Snorri ou a tradio histrica islandesa que est por trs da Heimskringla e da
Edda Menor - e Saxo Grammaticus divergem em suas formas de emprego do leste. So
similares no uso de explicaes evemeristas com intuito de conectar o passado mais
antigo aos tempos prximos de si mesmo, mas diferem no conhecimento e contedos
especficos veiculados em suas obras.
Nesse aspecto, ambos tm em comum o expediente de dar primazia ao
conhecimento bblico e clssico. Snorri (ou seus interpoladores), a despeito de to
purista e nativo na forma que veicula informao da mitologia escandinava e das
formas poticas antigas, ao tratar do leste emprega uma tradio bastante alheia ao
conhecimento escandinavo de leste. Se o tenta faz-lo, o faz de forma tmida na
Heimskringla se que foi o seu autor.
O prlogo da Edda ou os prlogos da Edda, dadas as diferenas dos
manuscritos - adotam de forma muito completa as elaboraes histrico-geogrficas de
autores do Ocidente Medieval como a viso tripartida, por vezes zonal, de mundo, a
genealogia e diviso das terras segundo os filhos de No e uma linhagem descendente
dos reis de Troia.
O conhecimento especfico e altamente detalhado das terras de leste que
transparece nas estelas rnicas, nas Fornaldarsgur, na Gesta Danorum e parcialmente
na Heimskringla no tem lugar nesta elaborao histrica da Edda. Podemos associar o
Mappamundi islands a esta corrente de formulao ideolgica, por carecer igualmente
da especificidade das terras do Bltico, e abundar na transcrio de informao bblica e
greco-romana.
Diferentemente, Saxo Grammaticus, apesar de recorrer interpretao
evemerista, muito mais preciso na veiculao de informao do leste. Essa
compatvel com localidades descritas na Fornaldarsgur e nas estelas Rnicas.
Apesar da suposta deturpao que Saxo Grammaticus efetua dos mitos
escandinavos, ao tratar de geografia sua preciso e podemos acrescentar, fidelidade ao
seu tempo notria.
289

As descries e narrativas das populaes de leste so com frequncia precisas;


com maior regularidade ainda, fantasiosas e propagadoras de esteretipos encontrados
na literatura de entretenimento, mas, ainda assim, precisas.
A diferenas de contexto poltico na Islndia e Dinamarca so elucidativas para
a compreenso do uso do leste. No caso Islands, Austrvegr e Gararki so locais por
demais distantes para serem inseridos na literatura sria ou mesmo na produo
histrica. Pode-se dizer que so relativamente desconhecidos, qui insignificantes. Em
particular, em uma Islndia sem projetos de expanso territorial ou centralizao de
poder.
A ideologia islandesa sobre o leste vai conectar seu passado distante
temporalidade greco-romana. A distncia temporal parece refletir a distncia geogrfica;
o passado , de certa forma, antiqurio, e o mximo ao que o mesmo pode se prestar
na criao de histrias de origem vinculadas realeza norueguesa - tpico inflamado na
Islndia de ento.
O caso dans totalmente distinto. O Bltico o seu mar, o seu mundo. O leste,
sua principal rea de expanso e hegemonia. Seus povos, bastante conhecidos; as
interaes com os mesmos, frequentes.
Os projetos ideolgicos aqui so claros, e advogam a hegemonia da Dinamarca
pelo Bltico. Os adversrios dos daneses nesta empreitada, os germnicos em Saxo,
saxes, no so por acaso os antagonistas pela maior parte da obra.
Destarte, o conhecimento de leste aqui transparece uma ideologia hegemnica e
mesmo de criao nacional. A comparao com o imprio de Hermanarico, governante
sobre mirades de povos do leste, no fortuita.
O leste, na contruo histrica islandesa e danesa, possui dimenso
eminentemente ideolgica, mas reflete as peculiaridades locais e o prprio nvel do
conhecimento regional sobre as regies de oriente. Em alguns casos, efetuada a
substituio do conhecimento emprico e de primeira mo por um saber do medievo
ocidental, calcado nas tradies bblicas e greco-romanas.
Tal circunstncia no surpreendente per si. Os moldes de construo histrica
veiculados por Snorri e Saxo pouco tm de nativos. So formas importadas de um
Ocidente Medieval genrico, carregando consigo contedo especfico em adio
simples ideologias.
Em relao s Fornaldarsgur, mais especificamente a rvar-Odds Saga,
demonstramos que o leste apresenta-se como regio liminar, alm de propiciar o
290

ambiente da narrativa. A terra de Bjarmaland incorpora imaginrio difundido que a liga


ao fantstico e o desconhecido, e as Fornaldarsgur transferem parte dessa construo
para o leste como um todo, mais especificamente Austrvegr e Gararki. As regies de
leste adquirem o aspecto de materializao das regies do imaginrio.
H interseces na veiculao de informao a leste entre os grupos de fontes
estudados, principalmente entre a Gesta Danorum e as Fornaldarsgur. O que difere em
ambas so os propsitos de seus autores, que gradualmente bifurcam-se entre a
instruo e o entreter.
Nota-se tambm que na produo escrita cujos propsitos so mais
declaradamente de instruo o emprego de conceitos de leste da tradio Medieval
Ocidental, Bblica e Clssica ultrapassam as elaboraes de cunho mais nativo,
diferentemente do que se d nas Fornaldarsgur que, se por um lado inserem muitas
construes do medievo ocidental, o fazem dentro de um quadro e de vises de mundo
claramente nrdicas.
Demonstramos no decorrer desta tese que as elaboraes de leste refletem o
prprio movimento intelectual ocorrido na Baixa Idade Mdia Escandinava, que passa
por uma gradual e irreversvel separao entre o conhecimento de natureza instrutiva,
educacional, informativa, e a produo criada com o intuito de entreter e divertir.
Iniciamos este trabalho, porm, demonstrando as implicaes polticas e sociais
que uma temtica do medievo pode assumir nos perodos moderno e contemporneo ao
determo-nos na Controvrsia Normanista e seus desenvolvimentos em vrias
historiografias, mas em particular na russa e sovitica.
Destarte, esperamos ter contribudo escandinavstica e eslavstica, bem como
aos estudos medievais, com uma anlise fundamentada em um espectro amplo e
completo de fontes primrias. Entretanto, esperamos ter demonstrado tambm que o
trabalho do historiador no neutro, por mais distante temporal e geograficamente que
esteja seu objeto. A histria lida com o passado, mas parte do presente, atende aos
anseios do presente e a ele influencia.
291

7. BIBLIOGRAFIA

7.1 Fontes primrias

7.1.1 Fontes escritas tradicionais

a) Coltaneas
BECKMAN, Natanel & KLUND, Kristian (eds). Alfri slenzk II: Rmtl. Copenhague:
Mller, 1914-1916.
KLUND, Kristian (ed). Cod. Mbr. AM 194, 8vo. In: Alfri slenzk I. Copenhague:
Mller, 1908.
____________________. Landalsingar m.fl.. In: Alfri slenzk III. Copenhague: Mller,
1917s.
JNSSON, Finnur (ed.). Hauksbk. 3 vols. Copenhagen: Thieles bogtrykkeri, 1892-6.
RAFN, Carl Christian (ed). Antiquits Russes d'aprs les monuments historique des anciens
et des Islandais Scandinaves. Copenhague, 1850-1852, vol. 1.

b) Por autor ou ttulo


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Travellers in the Far North. Penguin Books, 2012.
NATIONAL GEOGRAPHIC. v.167, n03. March 1985.
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Disponvel tambm em:
http://www.archive.org/stream/annalesbertinian00wait#page/n3/mode/2up em 22 de
fevereiro de 2012.
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Obtido em:
<http://khazarzar.skeptik.net/pgm/PG_Migne/Constantinus%20Porphyrogenitus_PG%2
0112-113/De%20administrando%20imperio.pdf>. ltimo acesso em 10102012.
Tradues inglesas:
DMYTRYSHYN, Basil (ed). Medieval Russia: A source book, 900-1700. The Dryden
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STEPHENSON, Paul. <http://homepage.mac.com/paulstephenson/trans/dai2.html>
Daretis Phrygii De excidio Trioae historia
MEISTER, Ferdinand (ed). Daretis Phrygii De excidio Trioae historia. Leipzig: Teubner,
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EEDEN, Willem van, Jr (ed). De Codex Trajectinus van de Snorra Edda. Diss. Leiden
University 1913. Leiden: Eduard Ijdo, 1913.
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Viking Society for Northern Research, 2005.
JNSSON, Finnur (ed.). Edda Snorra Sturlusona: Udgivet efter hndskrifterne. Nordisk
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Codex Wormianus:
a) In: The extended Prologue to Gylfaginning from Codex Wormianus [W] with the
extended portions highlighted in red. Obtido em:
<http://www.germanicmythology.com/ProseEdda/AndersonPrologue.html>

b) Edio crtica e anlise contidas na tese de doutoramento de Tarin Willis:


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7.1.2 Cultura material estelas rnicas


a) Varegues: U 153, U 154, U 209, U 283, U 366, U 504, U 636, U 687, U 898, S
33, S 34, S 92, S 121, S 126, S 130, S 148, S 171, S 216, S 308, S
338, Vs 1, Vs Fv1988;36, g 8, g 30, Vg 135, Vg 184, Vg 197, l 28(58), G
114, G 220, G 280, Dr 108, N 62, X UaFv1914;47

b) Gregas: U 73, U 104, U 112, U 136, U 140, U 201, U 270, U 358, U 374, U 431,
U 446, U 518, U 540, U 792, U 922, U 956, U 1016, U 1087, S Fv1954;20; S
82, S 85, S 163, S 165, S 170, S 345, g 81, g 94, Vg 178, Sm 46, G
216.
c) Blticas:
U 180, U 214, U 346, U 356, U 439, U 533, U 582, U 698, S 39, S 198, Gs
13, Vg 181, G 135, G 319.
d) Lombardas: U 133, U 141, S Fv1954;22, S 65.
e) Yngvarr: U 439, U 644, U 654, U 661, U 778, U 837, U 1143, U Fv1992;157,
S 9, S 96, S 105, S 107, S 108, S 131, S 173, S 179, S 254, S 277,
294

S 279, S 281, S 287, S 320, S 335, Vs 19, g 145, g 155.


f) Freygeirr: Gs 13, Dr 216, U 518, U 611, U 698, U 1158
g) Oeste: U 439, U 363, U 504, U 611, U 668, S 14, S 53, S 62, S 106, S
137, S 159, S 164, S 173, S 217, S 260, S 319, g 68, g 83, g 111,
G Fv1970;310, Vg 61, Vg 197, Sm 10, Sm 42, Sm 51, G 370, Dr 266, Dr 330,
Dr 334, Dr 216.
h) Inglesas: U 194, U 241, U 344, U 539, U 616, U 812, U 978, U 1181, S 46, S
55, S 83, S 160, S 166, S 207, Vs 5, Vs 9, Vs 18, Gs 8, g 104, g
Fv1950;341, Sm 5, Sm 27, Sm 29, Sm 77, Sm 101, Sm 104, Vg 20, Vg 187, Dr
337, Dr 6, N 184.
i) Jarl Haakon: U 16, U 617 e Sm 76

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8. APNDICES

Apndice I: Constantino Porfirognito, De administrando Imperio.

9 .

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313

Apndice II:
Tabela de transliterao do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras
Orientais) da Universidade de So Paulo:

Alfabeto Transcrio para Registro Adaptao Fontica


Cirlico Catalogrfico ou Lingustico para Nomes Prprios
A A
B B
V V
G G, Gu antes de e, i
D D
E E, I
Io Io
J J
Z Z
I I
I I
K K
L L
M M
N N
O O
P P
R R
S S, SS (intervoclico)
T T
U U
F F
Kh Kh
Ts Ts
Tch Tch
Ch Ch
Chtch Chtch, sch (como em
Tatschev)
Y (omitido)
Y
(omitido)
Iu
Ia Iu
Ia

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