Trans - v40 - n1 - 2017 - 00 - Completo
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Carlos Frederico de Oliveira Graeff
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Chefe
Ricardo Monteagudo
Vice-Chefe
Marcos Antonio Alves
ISSN 0101-3173
TFACDH
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Av. Hygino Muzzi Filho, 737
17525-900 Marlia SP
Editor Responsvel
Paulo Csar Rodrigues; Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquista Filho; Marlia/SP, Brasil.
Comisso Editorial
Andrey Ivanov; Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquista Filho; Marlia/SP, Brasil.
Lcio Loureno Prado; Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquista Filho; Marlia/SP, Brasil.
Kleber Cecon, Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquista Filho; Marlia/SP, Brasil.
Mrcio Benchimol Barros; Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquista Filho; Marlia/SP, Brasil.
Reinaldo Sampaio Pereira; Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquista Filho; Marlia/SP, Brasil.
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Conselho Consultivo
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Antnio Carlos dos Santos; Universidade Federal de Sergipe; So Cristvo/SE, Brasil.
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Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento; Unicamp; Campinas/SP, Brasil.
Catherine Larrce; Universit de Sorbonne-Paris I; Paris, Frana.
Gregorio Piaia, Universit di Padova, Pdua, Itlia.
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Marco Aurlio Werle; USP; So Paulo/SP, Brasil.
Marcos Barbosa de Oliveira; USP; So Paulo/SP, Brasil.
Maria das Graas de Souza; USP; So Paulo/SP, Brasil.
Marilena de Souza Chau; USP; So Paulo/SP, Brasil.
Michael Lwy; Centre National de Recherche Scientifique CNRS; Paris, Frana.
Oswaldo Giacia Junior; Unicamp; Campinas/SP, Brasil.
Oswaldo Porchat de A. Pereira da Silva; USP; So Paulo/SP, Brasil.
Paulo Eduardo Arantes; USP; So Paulo/SP, Brasil.
Willem F.G. Haselager; University of Nijimegen; Nijimegen, Holanda.
Wolfgang Leo Maar; UFSCar; So Carlos/SP, Brasil.
1. Filosofia - Peridicos. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Filosofia e Cincias - Campus de Marlia.
CDD 105
Palavra do Editor................................................................................................... 7
Artigos / Articles
As muitas Faces do Realismo Interno de Hilary Putnam: Um Tributo
The many faces of Putnams internal realism: a tribute
Lo Peruzzo Jnior................................................................................................. 9
Zizek com lacan em: kant sem Sade. Liberdade como Reapropriao do Gozo
Zizek with Lacan in Kant without Sade: freedom as the reappropriation of pleasure
Fernando Fac de Assis Fonseca; Hildemar Luiz Rech............................................... 165
O Contrato de Glucon
Glaucons contract
Luiz Maurcio Bentim da Rocha Menezes................................................................ 235
Palavra do Editor
1
Docente do Departamento de Filosofia da UNESP Campus de Marlia SP Brasil paulo.
rodrigues@marilia.unesp.br
Lo Peruzzo Jnior1
Resumo: Este artigo pretende analisar, a partir da obra de Hilary Putnam (1926-2016), algumas das
muitas faces de seu realismo interno. Embora seu pensamento seja marcado pelo funcionalismo (posio
parcialmente abandonada), so no externalismo e holismo semnticos que repousam suas afirmaes-
chave. Desse modo, inicialmente, reconstrumos como Putnam salvaguarda o realismo interno e sua
posio pragmatista a respeito de Wittgenstein. Em seguida, mostramos como o autor sugere que o
debate psicofsico entra em colapso, com base na aceitao do valor das propriedades semnticas para
a instanciao do contedo mental.
Palavras-Chave: Realismo interno. Externalismo semntico. Holismo semntico. Funcionalismo.
Hilary Putnam.
Introduo
A questo como que a linguagem se encaixa no mundo , no fundo,
uma repetio da antiga questo como que a percepo se encaixa no
mundo?(PUTNAM, 2002, p. 35).
2 No artigo The analytic and the synthetic, Putnam rejeita a ideia de que definies estabelecem
referncias. Segundo ele, a referncia de um termo cientfico no dada por uma definio, mas
por uma combinao de teorias e experimentos. Como as teorias e os experimentos dependem do
ambiente externo, a referncia tambm depende do ambiente.
3 Putnam (2005, p. 292), numa entrevista concedida a Julian Baggini e Jeremy Stangroom, publicada
na obra What Philosophers Think, parece atacar, implicitamente, alguns argumentos do naturalismo de
Searle: Digo que para conhecer o significado de uma palavra voc tem de ver o contecto em que ela
usada, e no tanto o crebro ou as imagens mentais de quem fala. Esse um tipo de contextualidade. O
holismo de significado diz que quanto mais o contexto puder reagir, melhor ser a hiptese sobre o que
uma palavra significa. Portanto, eles esto interligados por sua conexo mtua com a contextualidade,
ao fato de que o significado de uma palava algo que ela possui, como diz Frege, no contexto de
uma sentena, ou, como diz Wittgenstein em dois lugares, na corrente da vida, que meu favorito
princpio do contexto. Eu o chamo de princpio do contexto de Wittgenstein.
5 David Anderson (1992), em What is Realistic about Putnams Internal Realism, um excelente
ensaio que demonstra os antaganonismos do realismo de Putnam, afirma que o mesmo poderia ser
mais bem descrito como defensor de um realismo pragmtico, atribuindo a definio herana
conceitual recebida da tradio filosfica americana.
6 Putnam respondeu-me, para minha surpresa, da seguinte forma: Caro Senhor Peruzzo, obrigado
por sua mensagem. Estou enviando em anexo um artigo reconsiderando alguns aspectos de meu ponto
de vista sobre Wittgenstein (este apareceu num livro publicado em 2012 chamado Philosophy in an
editado por Mario De Caro e David Macarthur, que tem como ttulo
Wittgenstein: a reappraisal.7 No referido captulo, Putnam considera ser
relevante a influncia de Wittgenstein sobre seu pensamento, mas confessa
que algumas sees da obra, especialmente os trabalhos sobre o ceticismo,
foram escritas num perodo em que ele era menos crtico de algumas vises
do filsofo vienense. As passagens que lhe so mais caras so aquelas nas quais
Wittgenstein chama a ateno para a pluralidade dos jogos de linguagem e a
pluralidade de formas de vida que se entrelaam com esses jogos.
Embora Putnam no tenha respondido explicitamente a minha
pergunta, se Wittgenstein era ou no um pragmatista, no ensaio afirma
concordar com Wittgenstein, ao rejeitar a ideia de que somente a linguagem
cientfica realmente uma linguagem de primeira classe para a descrio do
mundo. Alm disso, tambm aceitaria a ideia de que seguir uma regra no pode
ser um processo fisicalisticamente ou, ento, platonisticamente, uma vez que
no teramos trilhos mentais para nos assegurar claramente quando seguimos
seguramente a regra em questo.
A discordncia em relao a Wittgenstein residiria, segundo o prprio
Putnam, na ideia de que a metafsica como um todo, iniciando-se com
Scrates, sem valor. As interpretaes do Tractatus e das Investigaes so
colocadas com o mesmo pano de fundo, o que acarretaria, por sua vez, uma
srie de digresses conceituais (PUTNAM, 2003, p. 39-45). Na verdade, de
acordo com Wittgenstein, a gramtica metafsica uma espcie de doena
que, para ser curada, deveramos ser submetidos a um tipo misterioso de
terapia lingustica. contra esse tipo de concluso que Putnam se manifesta
absolutamente contrrio e considera ser um equvoco. Assim, a viso
pragmatista de Putnam claramente observa que, para Wittgenstein, a ideia
segundo a qual uma palavra tem um significado que a circunda, como uma
aura que acompanha todos os seus contextos de uso, determinando o modo
em que a usamos em todos os contextos, uma iluso (PUTNAM, 2003,
p.38).
Voltando-nos ao conceito de filosofia e abandonando suas motivaes
pragmatistas, na obra Reason, Truth and History, publicada em 1981, que o
autor enfrenta os problemas mais perseverantes da filosofia a natureza da
Age of Science, com outros sete captulos sobre Wittgenstein) que poderiam ser interessantes para voc.
Cordialmente, Hilary Putnam.
7Outros apontamentos sobre essa questo podem ser encontrados em Naturalism in Question (2004) e
Naturalism and Normativity (2010), organizados por Mario De Caro e David Macarthur.
que dizemos sobre esses objetos algumas vezes capta bem os fatos. (PUTNAM,
2008, p. 135-136).
mundo exterior. ( Como que voc sabe que no est nesta difcil situao?)
Mas esta situao difcil tambm um dispositivo til para levantar questes
sobre a relao mente/mundo.
Em vez de ter apenas um crebro na cuba, podamos imaginar que todos
os seres humanos (talvez todos os seres sencientes) so crebros numa cuba
(ou sistemas nervosos numa cuba no caso de alguns seres apenas com um
sistema nervoso mnimo considerado j como senciente). Naturalmente,
o cientista perverso teria que estar de fora estaria? Talvez no haja nenhum
cientista perverso, talvez (embora isto seja absurdo) acontea simplesmente
que o universo consista num mecanismo automtico cuidando de uma cuba
cheia de crebros e sistemas nervosos.
Agora suponhamos que o mecanismo automtico est programado para nos
transmitir uma alucinao colectiva, em vez de uma quantidade de alucinaes
individuais no relacionadas. Assim, quando me parece estar a falar consigo,
a si parece-rque voc no tem ouvidos (reais), nem eu tenho uma boca e
lngua reais. Antes, quando eu produzo as minhas palavras, o que acontece
que os impulsos eferentes deslocam-se do meu crebro para o computador,
que ocasiona que eu oua a minha prpria voz pronunciando essas palavras
e sinta a minha lngua mover-se, etc., e que voc oua as minhas palavras,
me veja a falar, etc. Neste caso, estamos, num certo sentido, realmente em
comunicao. No estou enganado sobre a sua existncia real (apenas sobre
a existncia do seu corpo e do mundo externo fora dos crebros). De um
certo ponto de vista, nem sequer importa que o mundo inteiro seja uma
alucinao colectiva; porque, afinal, voc ouve realmente as minhas palavras
quando eu falo consigo, mesmo que o mecanismo no seja o que supomos
que ele . (Evidentemente, se fssemos dois amantes fazendo amor, em vez
de apenas duas pessoas levando a cabo uma conversa, ento a sugesto de
que se tratava apenas de dois crebros numa cuba podia ser perturbadora.)
Quero agora pr uma questo que parecer muito tola e bvia (pelo menos
para algumas pessoas, incluindo alguns filsofos muito sofisticados), mas
que nos levar a autnticas profundezas filosficas bastante rapidamente.
Suponha-se que toda esta histria era de facto verdadeira. Poderamos ns,
se fssemos assim crebros numa cuba, dizer ou pensar que o ramos?
Consideraes Finais
Do externalismo semntico ao realismo interno, Putnam compreende
que a verdade, diferentemente do modo como foi tratada pela epistemologia
tradicional, est estreitamente ligada racionalidade e histria. Como
consequncia desse argumento se pode derivar que a racionalidade se associa
diretamente com as concepes e mtodos histricos que se desenvolvem ao
longo da histria. Nesse sentido, Putnam afirma que a [...] aceitabilidade e
a relevncia so interdependentes em qualquer contexto. O uso de qualquer
palavra seja esta bom, consciente, vermelho ou magntico supem
uma histria, uma tradio de observao, generalizao, prtica e teoria.
(PUTNAM, 1988, p. 200). dentro dos prprios limites da racionalidade
que se pode afirmar que os critrios racionais so opostos existncia de
normas imutveis e eternas.
Conforme Putnam, especialmente em Reason, Truth and History, h
sempre relaes subjacentes que devem ser consideradas, quando tratamos
a resposta para a pergunta O que a verdade? Com isso, ao formular um
ambiente filosfico que reconcilie aspectos da teoria da correspondncia
e do realismo metafsico, Putnam no pensa o mundo como a totalidade
permanente de objetos independentes da mente. Ao contrrio, o que existe
somente uma descrio completa do modo como o mundo , no qual o
conceito de verdade envolve uma relao no-dicotmica entre as palavras e
as coisas externas. nesse universo epistemolgico que Putnam sugere que se
deve aceitar como racional a possibilidade de existncia de diversas descries
de verdade, uma vez que a linguagem no permite apenas descrever o mundo,
mas question-lo e complet-lo com nossas percepes, concepes e opinies.
Fundamentalmente, o que Putnam procura mostrar que, do mesmo
JNIOR, Lo Peruzzo. The many faces of Putnams internal realism: a tribute. Tans/form/
ao, Marlia, v. 40, n. 1, p. 9-24, Jan./Mar., 2017.
Abstract: This article analyzes the many faces of Hilary Putnams (1926-2016) internal realism.
Although his thinking is marked by functionalism (a position he partially abandoned), it is in
externalism and semantic holism that his key statements rest. Initially, we reconstruct how Putnams
thinking safeguards internal realism and a pragmatic position with respect to Wittgenstein. We then
show how the author suggests that the psychophysical debate collapses after the acceptance of the value
of semantic proprieties for the instantiation of mental content.
Keywords: Internal Realism; Semantic Externalism; Semantic Holism; Functionalism; Hilary Putnam.
Referncias
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______. Mind, Body and World in the Philosophy of Hilary Putnam [Interview]. Trans/
Recebido em 10/11/2016
Aceito em 15/01/2017
Resumo: Eu mostro neste artigo que Schopenhauer e Bergson, mesmo abordando o problema da ao
livre a partir de pontos de vista filosficos opostos, concordam em caracterizar as aes humanas de um
modo que no nem determinista, nem compatvel com a tese do liberum arbitrium. Schopenhauer,
embora equivocadamente tente demonstrar a necessidade de tais aes, obrigado a reconhec-las
como grundlos e imprevisveis, enquanto Bergson, embora pretenda mostr-las como sendo livres, ao
final admite que elas no so objeto de uma escolha atravs da razo. Essa coincidncia inesperada entre
ambos os filsofos, a respeito do problema da liberdade da ao humana, ser explorada neste texto.
Palavras-Chave: Schopenhauer. Bergson. Liberdade. Determinismo. Escolha. Previso.
I Introduo
fcil constatar que Schopenhauer e Bergson2 abordam o problema
do livre-arbtrio a partir de perspectivas filosficas diferentes e mesmo opostas
para Schopenhauer, esse problema oferece uma oportunidade de mostrar
como a sua Vontade metafsica, a qual infundada, inexplicvel e atemporal,
tem todas as suas manifestaes fenomenais estritamente submetidas ao
e, portanto, tornadas necessrias pelo Princpio de Razo Suficiente. E,
particularmente em seu ensaio premiado Sobre a Liberdade da Vontade, ele,
executando esse programa, estar principalmente ocupado em rejeitar as
pretenses dos adeptos do livre-arbtrio, em demonstrar como cada ao
particular do homem o resultado necessrio da incidncia de um motivo
sobre um determinado carter. Para Bergson, ao contrrio, o problema do
livre-arbtrio oferece a oportunidade de evidenciar como a temporalidade ou
durao pura da vida da conscincia o lugar onde se pode encontrar uma
verdadeira criao, a criao de algo realmente novo, de algo que ultrapassa e
1 Hlio Lopes da Silva Doutor em Filosofia (USP/1998), Mestre em Lgica e Filosofia da Cincia
(UNICAMP/1991), Licenciado em Psicologia e Psiclogo (UNESP/1985), e Professor Associado da
Universidade Federal de Ouro Preto/UFOP/MG, desde 1999, tendo recentemente (2013) concludo
o Estgio ps-Doutoral na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: heliolopsil@bol.
com.br
2 Para as referncias s obras de Schopenhauer, utilizaremos as seguintes abreviaes: WWV- Die Welt
als Wille und Vorstellung. WWR- The World as Will and Representation. LV On the Freedom of the Will.
II - Schopenhauer
Schopenhauer caracteriza sua prpria filosofia como um prolongamento
da teoria de Kant a respeito da coexistncia da liberdade com a necessidade,
tal como resultante da soluo da terceira das Antinomias kantianas da Razo
Pura. Kant teria, nessa teoria, mostrado como nossas valoraes morais das
aes humanas so feitas independentemente do fato de que essas mesmssimas
aes, enquanto fenmenos temporalmente particularizados, so inteiramente
explicadas como necessariamente resultantes de outras ocorrncias anteriores,
isto , ele teria, segundo Schopenhauer, tornado compreensvel como a
liberdade inteligvel, pressuposta por aquelas avaliaes, coexiste com a, mas
no afetada, diminuda ou anulada pela necessidade com que todas as aes
particulares resultam de condies antecedentes. E, assevera Schopenhauer, o
que a sua prpria filosofia teria procurado fazer estender esse resultado da
filosofia kantiana, estender aquilo que essa teoria diz a respeito dos fenmenos
humanos para todo tipo de fenmeno (WWV, I, 672; WWR, I, 501) Mas
no nos interessa discutir a Metafsica da Natureza que Schopenhauer
acredita ser possvel, atravs dessa extenso. Em outro lugar, cremos, poderia
ser mostrado que tal metafsica foi equivocadamente pensada pelo prprio
Schopenhauer como acalentando as mesmas pretenses das metafsicas
tradicionais, mas no podemos examinar esse ponto aqui. O que nos interessa
notar, de incio, que Schopenhauer pretende, a respeito das aes humanas,
estar aderindo completamente quela teoria kantiana da coexistncia da
liberdade com a necessidade e, embora tambm no nos interesse discutir
o quanto tal pretenso de Schopenhauer legtima, ao menos um aspecto
daquela teoria merece destaque: trata-se da diferenciao que Kant faz entre o
carter inteligvel e o carter emprico do homem (KANT, KrV, A-546s;
B-574s]) tal como todos os outros fenmenos, o homem tem, no que diz
respeito ao seu carter emprico, suas aes inteiramente explicadas, e tornadas
necessrias, por leis empricas que as mostram como resultantes de outros
fenmenos, ao passo que, quanto ao seu carter inteligvel, poder-se-ia, diante
do outro tipo de necessidade com que o dever moral se lhe impe, admitir
um outro tipo de causalidade, uma causalidade mediante liberdade atravs da
Razo. No vamos, claro, discutir os desenvolvimentos posteriores que Kant
d a esta ideia na Crtica da Razo Prtica, nem vamos, tambm, examinar a
radical rejeio por parte de Schopenhauer, tal como formulada em seu Sobre
o Fundamento da Moral, dessa fundamentao kantiana da moral. O que
queremos notar especialmente em conexo com a teoria kantiana a respeito
do carter emprico do homem que, segundo Kant, se pudssemos investigar
exaustivamente todas as manifestaes fenomenais da vontade do homem (alle
Erscheinungensiener Willkr), [...] no haveria ao humana alguma que no
pudesse ser predita com certeza, e reconhecida como resultante necessrio de
suas condies antecedentes. (KANT, KrV, A-550; B-578 [500]). Para Kant,
o rigor com que aqui afirmada a necessidade das manifestaes fenomenais
do carter apenas um meio de tornar mais saliente aquilo que, segundo
ele, escapa a essa necessidade, isto , a liberdade implicada na ideia do dever
moral; mas, conforme frisamos, no podemos aqui investigar at que ponto
a antropologia, ou psicologia, cientfica poderia, segundo Kant, avanar. O
que queremos notar que inspirado inicialmente nesse determinismo das
aes particulares do homem, tal como admitido pela teoria kantiana da
coexistncia da liberdade com a necessidade, a respeito da qual Schopenhauer
escreve seu Sobre a Liberdade da Vontade.
Segundo Schopenhauer, o conceito de liberdade um conceito
negativo, pois denota apenas a ausncia de obstculos (estes, sim, positivos)
ao, e originalmente diz respeito a uma liberdade meramente fsica, isto ,
denota a ausncia de obstculos materiais (correntes, prises, doenas) ao
de um ser dotado de vontade, o qual agiria, ento, apenas em conformidade
com sua prpria vontade. Contudo, salienta Schopenhauer, tal liberdade fsica,
tendo querido realmente fazer uma coisa, poderia igual e indiferentemente ter
querido fazer outra coisa.
Essa concluso de Schopenhauer parece atingir realmente alguns
aspectos da tese defendida pelos adeptos do livre-arbtrio, pois j no faz
mais sentido dizer que uma pessoa, tendo querido fazer uma coisa, poderia
igual e indiferentemente ter querido ter feito outra coisa. Mas, ao contrrio
do que pensa Schopenhauer, ela no inteiramente conforme s expectativas
dos adeptos do determinismo. Que a vontade, a cada momento, no possa
querer diferentemente do que ela efetivamente quer, isso, essa espcie de
coero da vontade, que a faz s querer o que efetivamente quer, se por um
lado invalida algumas das pretenses dos adeptos do livre-arbtrio, invalida
tambm as pretenses dos deterministas, j que estes gostariam de ver esse querer
como determinado, ou tornado necessrio, por alguma condio que lhe fosse
antecedente. Ora, ao excluir as faculdades intelectuais da deciso da vontade,
Schopenhauer no se cansa de caracterizar essa vontade como absolutamente
sem-fundamento, como sem-razo (grundlos). Por exemplo, no livro II de O
Mundo como Vontade e Representao, Schopenhauer, procurando determinar
a essncia ntima (innersten Wesen) da vontade humana que est prestes a ser
estendida para a compreenso da essncia ntima de todos os outros corpos,
afirma:
Estes atos da vontade (Aktdes Willens) tm sempre um fundamento, fora
deles, em seus motivos. No entanto, estes motivos determinam sempre
apenas o que eu quero em tal momento, em tal lugar, em tal circunstncia;
mas no determinam que, em geral, eu queira, nem o que, em geral, eu
quero, isto , a mxima que caracteriza o todo de meu querer. Da que o
meu querer, segundo sua essncia integral, no pode ser explicado (erklren)
pelos motivos [...] pois apenas os fenmenos da Vontade esto submetidos
ao Princpio da Razo (Satz von Grund), mas no a Vontade mesma que,
deste modo, deve ser designada como sem-Razo (ou sem fundamento
grundlos). (WWV, I, 165-6; WWR, I, 106, grifo nosso).
possudo uma outra vontade, um outro carter, que ela, enfim, houvesse
sido outra pessoa. E, com efeito, Schopenhauer constantemente afirma que,
embora as aes de uma pessoa sejam o resultado necessrio da incidncia de
motivos sobre seu carter, esse carter mesmo bem poderia ser outro, isto
, no h razo ou fundamento algum para que a pessoa seja a pessoa que
, para que possua o carter ou a vontade que possui, ao invs de possuir
outro carter e vontade, ao invs de ser outra pessoa. por isso que, como
exemplifica magistralmente Schopenhauer, no remorso ou dor de conscincia
moral, o que se lamenta no a efetivao da ao como tal (pois o indivduo
sabe que, sendo quem ele , e estando naquela situao, aquilo que foi feito
precisava ser feito, ou no podia deixar de ser feito), mas sim o aspecto do
carter tornado manifesto por aquela ao o que a pessoa lamenta ser
quem , querer da maneira que quer, e a ao s condenada na medida em
que patenteia e torna manifesta essa maneira de ser e de querer. nessa no-
fundamentabilidade (Grundlosigkeit) da vontade ou do carter da pessoa que
Schopenhauer v o nico sentido aceitvel de liberdade, de uma liberdade
que, enquanto mera ausncia de razes necessitantes, est efetivamente na base
dos fenmenos morais. Contudo, imediatamente aps descobri-la, ele comete
a seu respeito dois equvocos primeiro, exagerando na separao kantiana
entre os domnios fenomnico e inteligvel, ele empurra tal liberdade para
o domnio metafsico da Vontade em si e do carter inteligvel, ao mesmo
tempo em que, insistindo na defesa da tese da necessidade das aes enquanto
fenmenos, ele no a reconhece no querer particular de sorte que os motivos
passam a ser vistos por ele como determinando de maneira irresistvel a
vontade, passam quase a figurar como causas, razes ou fundamentos do
querer particular da vontade. E, no entanto, ele mesmo quem reconhece
que nenhum motivo, nem mesmo aquele que costumeiramente considerado
como sendo o mais forte, a saber, o da preservao da vida prpria, tem
poder absoluto sobre a vontade, j que ele recusado nas experincias do
suicdio e do sacrifcio pelos outros (LV, 37). verdade que ele reconhece, nos
fenmenos morais em que a vontade se nega a si mesma, uma irrupo dessa
liberdade, ou no-fundamentabilidade, da vontade no prprio domnio dos
fenmenos (WWV, I, 397; WWR, I, 288), porm, isso faz dessa irrupo algo
especial e raro, e o faz deixar de notar que essa liberdade, essa Grundlosigkeit,
da vontade a acompanha em cada querer, por mais insignificante e particular
que seja porque, se no h razo pela qual uma pessoa seja quem , e se no
h razo ou fundamento pela qual ela possua a vontade que possui, ento
tambm no h razo ou fundamento, seja para aquilo que essa pessoa quer em
geral, seja para aquilo que ela quer em particular. Como pde Schopenhauer no
extrair essa consequncia, evidente, de sua teoria e, ao contrrio, ter insistido
na tese de que o carter de uma pessoa est, em cada situao, determinado
de uma maneira ou outra, ou determinado pelos motivos que se apresentam?
Um segundo equvoco acerca dessa liberdade se acrescenta a este:
vimos que essa liberdade e Grundlosigkeit da vontade eram imediatamente
afirmadas a partir da constatao do papel subalterno das faculdades
intelectuais, conscientes e racionais, relativamente deciso da vontade,
faculdades intelectuais que, com efeito, se dedicam tarefa de fornecer
razes ou fundamentos, em particular, razes e fundamentos para a escolha
e deciso sobre um curso de ao a ser seguido. Ora, aps constatar que essa
ponderao racional (vernnftige berlegung) no interfere nas decises da
vontade, Schopenhauer deixa de notar que o que essa ponderao racional
procura excluir justamente a liberdade de indiferena, o querer por
querer, o querer sem-razo ou sem-fundamento ele chega, ao contrrio, a
inexplicavelmente atrelar a afirmao da liberdade de indiferena concepo
intelectualista, a qual v na capacidade ou faculdade de fornecer razes a
essncia do homem:
A defesa da (tese) da liberdade emprica da vontade, do liberum arbitrium
indifferentiae, est estreitamente conectada concepo que coloca a essncia
do homem numa alma que originalmente um ser que conhece, de fato, um
ser que pensa abstratamente, e apenas em consequncia disto, um ser que
quer. (WWV, I, 403; WWR, I, 292).
III Bergson
Embora Bergson esteja empenhado, em sua primeira obra filosfica
significativa, o Essai sur les donnes de la conscience, de 1888, em demonstrar que,
tanto deterministas como adeptos do livre-arbtrio compartilham uma mesma
pressuposio equivocada, a saber, a transposio ou traduo da temporalidade
da vida consciente, em termos espaciais, sua principal inteno nessa obra ,
no entanto, contrapor-se s tendncias deterministas prevalecentes, tais como
o determinismo dos motivos defendida h pouco por Schopenhauer, na
cincia, principalmente na psicofisiologia e na psicologia associacionista de sua
poca. Para isso, ele analisa, de forma bastante minuciosa e sofisticada, alguns
conceitos mobilizados por tais cincias, como os conceitos de quantidade
intensiva e de estados psicolgicos, com o objetivo de mostrar que tais
conceitos, ao invs de refletirem e captarem a temporalidade verdadeira da vida
da conscincia, na realidade, so construdos sobre a intuio de um espao
homogneo, de um espao no qual aquilo que caracterstico e essencial a essa
vida no pode se acomodar. A partir dessa anlise Bergson procurar chegar
a concluses inovadoras a respeito do problema da liberdade, concluses
que, como veremos, estaro muito prximas quelas que Schopenhauer teria
chegado, no fosse, como vimos, sua equivocada defesa de um determinismo
dos motivos. Para que possamos apreciar o valor dessas concluses de Bergson
utilidade prtica, concebem a pessoa que est deliberando como se ela estivesse
oscilando, como um pndulo, entre duas direes artificialmente solidificadas,
por exemplo, as direes (A) e (B). Contudo, frisa Bergson, o que realmente
ocorre que essa pessoa, aps considerar sucessivamente as direes (A) e (B),
ir, quando voltar a reconsiderar a direo (A), encontrar-se numa situao
diferente daquela em que se encontrava quando, pela primeira vez, considerou
a direo (A). J no se trata da mesma direo (A), pois, no entretempo, a
pessoa adquiriu a experincia da considerao da direo (B). Assim, conclui
Bergson, quando se levam em conta as caractersticas da temporalidade pura da
vida consciente, que exclui a possibilidade de uma exterioridade recproca e
de uma reprodutibilidade de seus momentos, a posio do determinista se v
reduzida afirmao, banal, de que o desenrolar dessa vida at esse momento
foi esse, de que o que foi feito at agora, foi feito, ao passo que a posio do
adepto do livre-arbtrio se v reduzida afirmao, igualmente banal, de que o
desenrolar dessa vida, que ainda no foi feito, no foi feito.
Essa concluso de Bergson parece atingir, efetivamente, algumas
das pretenses dos deterministas e, embora Bergson pretenda que ela seja
igualmente desfavorvel s pretenses dos adeptos do livre-arbtrio, todo o
seu empenho nesse Essai direcionado ao aprimoramento do argumento
desses ltimos, isto , defesa da tese da liberdade. E justamente nessa
defesa da tese da liberdade que encontraremos Bergson como se aproximando,
inesperadamente, do determinista Schopenhauer. Se, conforme vimos, a
defesa que Schopenhauer promove da tese do determinismo dos motivos
equivocada, a ponto de contrariar as pretenses deterministas, veremos que a
defesa da tese da liberdade que Bergson promove tampouco satisfaz aos adeptos
do livre-arbtrio. Ser nesse ponto, conforme anunciamos no incio deste texto
que encontraremos ambos os filsofos apreendendo as aes humanas de uma
maneira que no se adequa s concepes, nem deterministas, nem libertistas,
e que aponta para um ganho efetivo na soluo do problema da liberdade.
Continuemos acompanhando a anlise de Bergson.
Quanto previsibilidade das aes humanas, Bergson, como vimos,
nega que ela seja possvel. Ele chega mesmo a forjar a imagem, que lembra o
exemplo anterior dado por Schopenhauer, de um filsofo, chamado Paulo, que
est tentando predizer o resultado da deliberao que est em curso na cabea
de outra pessoa, chamada Pedro. Paulo, frisa Bergson, pode tentar basear sua
predio nas representaes simblicas que Pedro tem de seus prprios estados
psicolgicos prvios, mas, nesse caso, a intensidade peculiar a cada estado,
tambm Bergson, apenas no momento em que essa deciso est sendo tomada,
ou j foi mesmo concluda. No caso de decises importantes, de decises
que representam, como se diz, encruzilhadas vitais, o nosso Eu profundo,
completa Bergson, pode irromper no, e romper os automatismos do, Eu
superficial j no se trata da, mais ou menos previsvel e automtica,
escolha de, por exemplo, uma ou outra marca de refrigerante, mas sim de uma
alternativa entre aes que mudaro todo o curso futuro da vida da pessoa.
Nesses casos importantes, assinala Bergson (1967, p. 111):
Quando escrupulosamente investigamos dentro de ns mesmos, vemos
que acontece de pesarmos razes, deliberarmos, ao mesmo tempo em que a
deciso parece j ter sido tomada [...] A interveno repentina da vontade
como um golpe de estado de que nossa conscincia tinha um pressentimento,
e que ela procura antecipadamente justificar atravs de uma legislao oficial.
verdade que podemos perguntar se a vontade, quando ela quer porque
quer, no estaria ainda obedecendo a alguma razo decisiva, ou se o querer
por querer realmente um querer livre.
IV - Concluso
Vimos que Schopenhauer estava correto ao sustentar, contra as pretenses
dos adeptos do livre-arbtrio, que, tendo a vontade chegado a querer fazer
uma coisa, no faz sentido dizer que ela poderia ter igualmente querido fazer
outra coisa. Essa ao deve ser reconhecida como necessria, mas, isso, apenas
no sentido de que no poderia ter sido outra. Entretanto, Schopenhauer, por
entender que a necessidade inclui principalmente a caracterstica de seguir-se
a uma razo suficiente, acaba indevidamente atribuindo vontade emprica
a mesma determinao incognoscvel da vontade inteligvel, e passa a encarar
os motivos como razo ou fundamento de cada querer particular da vontade,
obscurecendo sua prpria descoberta a respeito do carter absolutamente sem-
razo (grundlos) e livre daquele processo atravs do qual a vontade chega a
querer fazer alguma coisa. E Bergson tem razo contra o determinista, quando
salienta o carter orgnico da temporalidade da vida da conscincia, de uma
organicidade que, no limite, inviabiliza a aplicao do prprio princpio de
causalidade aos momentos da conscincia pois causa e efeito precisam
ser definidos independentemente um do outro, isto , preciso que ambos
sejam reciprocamente exteriores um ao outro, algo que, como apontou Bergson,
impossvel na temporalidade da vida da conscincia. Da mesma maneira, sua
demonstrao a respeito do carter nico e irrepetvel de cada um dos momentos
dessa conscincia um duro golpe para as pretenses deterministas. Mas,
se, como pretende Bergson, cada momento da conscincia absolutamente
novo, como acomodar a ideia de uma liberdade de escolha? Se, como resulta
da anlise de Bergson, em cada um dos momentos da durao no se pode,
SILVA, Hlio Lopes da. Freedom of choice in Bergson and Schopenhauer. Tans/form/ao,
Marlia, v. 40, n. 1, p. 25-50, Jan./Mar., 2017.
Abstract: I show in this paper that Schopenhauer and Bergson, although approaching the problem
of free action from opposed philosophical standpoints, agree in characterizing human actions in a
way which is neither determinist nor compatible with the liberum arbitrium thesis. Schopenhauer,
although mistakenly trying to demonstrate the necessity of such actions, is obliged to recognize then
as grundlos and unpredictable. Bergson, although intending to show such actions as free, in the end
admits that they are not a matter of a reasonable choice. It is this unexpected agreement between both
philosophers on the problem of the freedom of human action that will be explored in this paper.
Keywords: Schopenhauer. Bergson. Freedom. Determinism. Choice. Prediction.
Referncias
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FRANOIS, A. La volont chez Bergson et Schopenhauer. Methodos, 14 abr. 2004. DOI:
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problems of ethics. Traduo de D. Cartwright e. E. Erdman. Oxford: Oxford University
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Recebido em 08/09/2016
Aceito em 15/12/2016
Cesar Kiraly1
Resumo: No presente ensaio, procuro estabelecer afinidade de leitura entre a tradio ctica e a
dialtica, por intermdio do conceito de crtica.
Palavras-Chave: Lukcs. Ceticismo. Dialtica.
I
Se tudo for muito rpido, aceitarmos a diferena entre o ceticismo e a
dialtica seria comum e imperioso, mais ainda, haveria inultrapassvel abismo
entre essas duas formas de pensar. As relaes seriam instrumentais, quase
diplomticas, o ctico teria apenas tratamento, a oferecer ao adoecido dialtico,
e esse to somente uma relao instrumental com aquele, como passo anterior,
ou renovador, da sua prpria trajetria. Os rebatimentos histricos seriam,
grosso modo, a recepo mais intensa do ceticismo pela filosofia analtica, e
sua suposta conciso vocabular, e a dialtica pela filosofia continental, e sua
pacincia com o conceito, aprofundando a distncia. Mas parece que no
nada disso. Se atentssemos um pouco mais, no demoraramos por admitir a
pouca credibilidade de uma separao verdadeira. No mais das vezes, trata-se
de uma forma de escolher, por espelhamento, como queremos nos expressar e
o tipo de leitura que apreciamos fazer, ou de antecipar os livros de filosofia que
detestamos, sem ler. No ensaio, como gnero da escrita filosfica, a conversa
completamente outra. Ele uma terra pertencente a cticos e dialticos e
que precisa ser compartilhada. A hiptese de dois estados aqui parece absurda
de todo. Trata-se de um lugar que precisa ser compartilhado de sorte a no
sabermos mais quem quem. O remetimento s origens precisaria ser feito de
modo delicado, para no se tornar um ardil para impedir tal forma misturada.
Parece que essa habitao inaugura formas inesperadas de descrever, de
1 Professor de Esttica e Teoria Poltica no Departamento de Cincia Poltica da UFF. Autor, dentre
outros, do livro Ceticismo e Poltica. E-mail: ckiraly@id.uff.br
II
Existe um largo acordo moral acerca da necessidade do vnculo do
pensamento com o exerccio da crtica. Um pouco independente da posio
conceitual do pensamento, sabemos que ser melhor se for crtico. Assim,
a despeito das discordncias, a crtica que mantm dutos de conversao
entre discursos diferentes, entre tempos distintos. E a capacidade de um
pensamento ser crtico que permite mudar suas caractersticas, sem perder a
identidade. Ou, em casos mais extremos, o exerccio crtico que torna vivel
o abandono de um nome para a aquisio de um outro, novo. Nem sempre a
crtica aparece por suas razes intrnsecas, por vezes, ela despertada. Porm,
a crise existencial, a experincia negativa, sem um territrio crtico, torna-se
destrutividade ou humor; mas no necessariamente troca de identidade ou
mudana.
Ainda que o pensamento, do ponto de vista moral, seja melhor quando
crtico, existe aquele que se afirma na completa averso a tal ambiente. A
crtica no faz falta ao mundo grego. Anselmo, Hegel e Heidegger so geniais
monstruosos, cada um de seu prprio jeito na proporo em que no so
crticos. Mesmo no sendo crtico, um pensador pode ser fundamental para
uma tradio crtica. Mesmo sendo pouco crtico, um autor pode fazer da
crtica o seu objeto.
Acredito que trs sejam as mais importantes tradies crticas: (i) a
ctica, (ii) a kantiana e (iii) a marxista. A crtica ctica a mais tradicional
das trs, pois se inicia com Montaigne, La Botie e Pierre Bayle, e, apesar de
sua difusa circunscrio, tem como elemento a busca de composio com a
reticncia dos cticos gregos e helnicos com o tema da essncia, agregando
figuras enigmticas, como Pirro, Enesidemo e Carnades, e sistematizadores
rigorosos, como Sexto Emprico. A crtica ctica flutua sobre essa herana e
se adensa por causa da volta do parafuso, noutras palavras, na redescoberta
das escrituras cticas do sculo XVI; nela que a vocao da ataraxia se
transfigura em vnculo filosfico de perscrutao e imerso na diaphonia. A
crtica ctica, por si s, a mais tradicional das crticas, mas o seu cancioneiro
se d, dentre outras razes, no conforto que possui com a tradio antiga que
abriga como sua, tradio que a inventa e que incorporada de um modo
que s tem existncia na deglutio; nesse sentido, a sua falta de limites bem
postos a sua maior virtude. A virada moderna do ceticismo altera o sentido
da epoch. O ceticismo crtico a continuao, buscada, do ceticismo antigo,
que uma coisa outra. Se antes a epoch significara a suspenso do juzo, uma
alternativa isostheneia, no sculo XVI, seguindo e adquirindo seu sentido
completo no XVIII, ela se torna um operador de pictorialidade. A ataraxia
do ctico moderno tem em comum, com a do filsofo antigo, a aquisio de
uma capacidade de vislumbramento, mais especificamente, da composio da
experincia.
A crtica kantiana surge do ambiente ctico; no o caso de inflacionar
a influncia de Hume sobre Kant, mas de admitir que a agenda crtica
ultrapassa em muito o kantismo, antes mesmo que ele tenha comeado. Num
certo sentido, a crtica kantiana pode ser dita menos crtica do que a ctica,
dentre outras razes, porque ela se organiza para desenvolver apenas um dos
problemas crticos da crtica ctica. Kant toma o problema ctico do limite,
e o investiga numa srie de fenmenos distintos. A provncia ctica do limite
recebe, de Kant, o nome de transcendental, e o extravasamento do campo
da crtica, o nome de transcendncia. A liberdade humana atual se torna um
problema transcendental, logo, objeto de crtica, e a virtualidade da finalidade
humana se torna um problema de transcendncia, logo, a cargo da metafsica.
Existe uma extensa histria das ramificaes do kantismo, seja pelo logicismo
de Marburgo, seja pelo espiritualismo pr-hermenutico e axiolgico da escola
de Baden, todavia, o pertencimento ao reduto do transcendental no emprico
uma caracterstica ampla dessa tradio crtica.
A crtica marxista, a qual ser lida sob uma perspectiva ctica, muito
bem representada pela obra de juventude e tardia de Lukcs, surge do
ambiente de releitura do transcendental empreendido por Hegel. No deixa
de ser paradoxal o fato do surgimento da crtica marxista sob os auspcios de
um dos pensadores mais reativos crtica, e no crtico, da histria da filosofia.
Contudo, a incorporao de Hegel por Marx e pelos autores crtico-marxistas,
como Lukcs, e frankfurtianos, como Adorno e Benjamin, d-se de modo
especial. Antes de tudo, Hegel um pretexto para uma imanncia dialtica. Se
o transcendental em Kant d vez provncia crtica do limite da Razo, do
entendimento e da imaginao, vendo no desnvel das faculdades a origem da
norma, e de sua finalidade na histria para liberdade , Hegel o pensa como
um limite, ilimitado. Essa aparente ilogicidade por ele resolvida com uma
nova lgica, segundo a qual as provncias da conscincia e da histria no so
apartadas, porque constitudas. A sofisticao dos processos de conhecimento,
bem descrita por Kant pela Aufklrung com relao essncia do objeto,
substitui-se pela evidncia da constituio da histria, enquanto fenmeno
de inteligibilidade da conscincia. Assim, aquilo que s poderia ser visto no
conflito entre instncias adquire a natureza de um conflito constitutivo.
Mas, como frisamos, o hegelianismo, puro e simples, no participa
da histria da crtica, quando muito, marca um captulo no crtico dos
momentos da Aufklrung, pois uma lgica integralista no permite o equvoco
ou a sua reviso. A natureza do vcio a negao que constitui a virtude, no
tempo. A imanncia de Spinoza, para citarmos um outro exemplo, igualmente
no admite a crtica. Assim, se Hegel importante para certa tradio crtica,
enquanto elaborador de um artifcio de imanncia, algum ardil intelectual
teve que ser produzido para inocular o raciocnio sobre o limite e a distino
no corao do esprito. Para tanto, e Lukcs o inaugurador dessa linhagem,
tendo como seguidores Adorno e, de um modo estranho, Benjamin, houve a
identificao da histria com o transcendental, fazendo com que a dialtica
deixasse de ser to somente uma filosofia da natureza para apontar os primeiros
traos de uma crtica do constitudo na constituio. Nisso foi aberta a
possibilidade de uma crtica dialtica da sociedade, porque, muito embora
desprovida a histria de equivocidade, passa a caber ao crtico o esclarecimento
acerca da instncia possvel da verdade no tempo, e neg-la.
Lukcs no tira a crtica dialtica da cartola, seus fragmentos estavam
l no jovem Marx. Como tambm seus fragmentos estavam no dilogo do
jovem Hegel com o ceticismo. Lukcs era especialmente atento juventude
dos seus autores. Ele traz essas filosofias de juventude para o primeiro plano,
e nelas planta o seu criticismo acerca dos modos de desintegrao do tempo,
pelo que se convencionou chamar de modernidade. A crtica dialtica
aponta a equivocidade atual da verdade presente, uma vez que enuncia
desde o virtual histrico. Se Hegel foi capaz de dissolver o transcendental
numa imanncia-conscincia-histria, fazendo das pennsulas de faculdades
um grande campo devastado e frtil, Lukcs revitaliza pela instituio da
provncia crtica, nesse mesmo campo devastado, e o espelha. A crtica de
Lukcs olha nos olhos do campo devastado e diz: - Campo, ests devastado,
mas a devastao uma das suas naturezas; se houve ordem e perda de
III
Antes de podermos avanar, precisamos estabelecer um sentido
relativamente unificado para a crtica. Estamos menos interessados no radical
grego da crtica, e sua acepo jurdica, do que no remetimento a uma ideia
prtica de julgamento. Nesse sentido, frente a dois objetos indistintos, o
crtico kritiks aquele que, de modo experimentado, cria uma ordem.
Perceba-se que o crtico s cria uma ordem, porque se dedicou a ver o que
a poucos interessa: ele carrega uma espcie de fardo e, no momento em que
a distino, e no a deciso, necessria, ele conhece por convvio. Numa
acepo ampla, pode-se dizer que a crtica se inicia numa jurisprudncia, mas
no como uma jurisdio.
Koselleck nos lembra do radical de crtica e crise, remetendo-o ao grego
KRI. E tambm nos ensina sobre a essencializao da crise, correlacionada
intensa captura mdica, principalmente pela noo de organismo, mas
tambm nos faz ver que a perda do sentido de um mundo fechado afasta a
crtica da crise. Ainda que a crise seja um dos momentos em que se precisa da
crtica, apenas a crtica continuada, como um gosto institudo no tempo,
que possibilita exercer a distino na crise. A crtica no surge em momento de
crise, ela apenas chamada a falar e, se inexistente no momento anterior, no
ter nada a dizer (KOSELLECK, 1999, p. 203). Todavia, no que concerne
relao com o poder e com os homens comuns, fora do momento crtico, de
crise, os crticos so odiados e suas mortes desejadas3, na melhor das hipteses.4
O mais vulgar de crtica surge na Inglaterra do sculo XVII como
criticism, e a partir desse momento o crtico tido, prevalentemente, um
crtico de arte que, para tanto, um lgico e um gramtico com profundas
preocupaes morais e polticas. Nesse sentido, da natureza da crtica lidar
3 [...] sobre os criticks presunosos que haviam se tornado igualmente suspeitos aos olhos de
prncipes, eruditos, protestantes e catlicos; como castigo, a maioria deles teria sido acometida de
morte violenta ou maligna. Depois da publicao do Tratado Teolgico-Poltico, existem referncias a
Spinoza como um certo crtico judeu. (KOSELLECK, 1999, p. 203).
4 Deleuze e Foucault viram bem o problema da dissociao entre crtica e crise e a sucessiva captura da
crise pelo campo da clnica. O primeiro o faz em alguns ensaios agrupados no sentido geral do volume
Crtica e Clnica, enquanto o segundo, numa monografia de ttulo O Nascimento da Clnica.
5 A crtica uma arte de julgar. Sua atividade consiste em interrogar a autenticidade, a verdade, a
correo ou a beleza de um fato para, a partir do conhecimento adquirido, emitir um juzo [...].
(KOSELLECK, 1999, p. 93).
6 A crtica um trabalho perigoso, pois, quando ignorados alguns fatos particulares, todos os outros
conhecimentos so incapazes de impedir que julguemos mal as coisas. (BAYLE, 1740, p. 128). Se,
no comeo, a crtica era apenas um sintoma da diferena, cada vez mais aguda, entre razo e revelao,
com Pierre Bayle, ela se torna atividade que separa os dois domnios.
7 [] esse fervor da liberdade que reina na repblica das letras. Essa repblica um estado
extremamente livre. Nele s se reconhece o imprio da verdade e da razo; e, sob os auspcios delas,
trava-se guerra inocentemente contra quem quer que seja. Os amigos tm que se proteger dos amigos,
os pais dos filhos, os sogros dos genros: como um sculo de ferro. Ali, todos so soberanos e podem
ser julgados por todos. (BAYLE, 1740, p. 102).
8 Koselleck, (1999, p. 97) [...] em Bayle, o crtico s tem uma obrigao: a obrigao com relao
ao futuro. Pelo exerccio da crtica encontra-se a verdade. A pretenso de alar-se acima dos partidos
impulsionava o processo para frente na mesma medida em que seu fim no estaria vista. Na vinculao
do crtico com a verdade a ser descoberta residia a autogarantia da crtica.
IV
Duas so as obras de Lukcs que abordaremos: Alma e Forma e
Prolegmenos para uma Ontologia do Ser Social. Trata-se, respectivamente,
do seu primeiro trabalho e do ltimo. Parece que existe uma temporalidade
comum ao estilo tardio e forma de juventude. coerente defender que o
estilo tardio uma forma de juventude, o que nos leva a um dilogo direto
entre esses momentos enunciativos. Lukcs bastante paradigmtico do
nosso argumento, pois essa ambincia enunciativa no de nenhuma maneira
necessria. H autores que no tm uma forma de juventude e h aqueles que,
mesmo lutando contra a morte para terminar uma escritura, no manifestam
9 Ainda sobre a ideia de estilo tardio, um trecho do poema em prosa The Monument de Mark Strand
(2010, p. 131): Se eu fosse morrer agora, Eu mudaria o meu nome para que parecesse que o autor
da minha obra ainda fora vivo. No, no faria. Se eu fosse morrer agora, Eu seria apenas uma piada,
uma cruel piada da fortuna. Se eu fosse morrer agora, seu maior trabalho permaneceria para sempre
incompleto. Minhas ltimas palavras seriam No o termine.
ensaio crtico, por sua angstia, aborda a poltica sempre de modo incidental,
por seus efeitos colaterais em obras de arte, ou temas que se apresentam
como artefato; desse modo, a lgica da vitria se mantm distante do ensaio.
Montaigne foi o primeiro a perceber a frivolidade presente na tentativa de
encontrar unidade nos ensaios. Parte da vitria lgica da vitria retrica
se deve ao fato de que o ensaio uma forma de fcil adeso, mas de fraca
fidelidade aos usos do hermeneuta.
A forma de juventude precisa muito dizer, mas escritura analtica
parece fazer faltar sentido. Por essa razo, o ensaio a forma de uma angstia
que se faz expressiva. O ensaio fala pela anlise da colateralidade de seu
objeto e torna a enunciao ainda mais alta pela expresso. Pela forma de
juventude, existem mltiplas inovaes formais sob a formalidade criada pela
angstia enunciativa. Em funo do tempo sem tempo, pela angstia, o ensaio
rotaciona numa espcie de pequenas suspenses do tempo, de sorte que a
leitura do ensaio necessita no s de preparo filosfico, mas gosto para ver a
sua durao.
Por outro lado, o estilo de maturidade no precisa se esforar para
encontrar expresso, pois a sua angstia se acende diante da morte. Porm,
no um medo convencional diante da morte, pois esse abandonado
desde a infncia do ensaio basta percebermos o humor diante da morte
de Montaigne e de Hume , mas uma angstia de quem no teme a morte,
mas ainda tem o que dizer. O medo se d apenas pela projeo de no poder
escrever a ltima frase. O estilo de maturidade evita o excesso de inovao
formal praticado pela juventude e no se preocupa com a expresso, porque
essa lhe evidente. A angstia se d em ser interrompido pelo tempo. Nesse
sentido que o estilo de maturidade saborosamente repetitivo. Nele, o corpo
autoral se faz fraco e, por isso mesmo, sua beleza se impe. O autor parece
ceder espao experincia que o inventou enquanto enunciador. O estilo de
maturidade o mais importante, pois, antes de ser uma fala-conceito, concerne
a uma palavra-experincia a deixar de ser conceito. Mesmo que o escrito de
maturidade no tenha a ontologia como objeto, se o autor possui um estilo de
maturidade, sua fala ser ontolgica por necessidade, visto que, no momento
em que sair do ser para voltar ao tempo, estar morto.
Podemos afirmar que o estilo de maturidade precisa da forma de
juventude para distrair a sua angstia. Antes de tudo, porque a segurana
da forma que permitir ao estilo de maturidade manejar com naturalidade
a expresso ontolgica. Depois, a angstia em no terminar o escrito, em ser
levado pelo tempo, aplacada pelas angstias sobre o conseguir dizer e sobre
o tempo para o mundo. Mas so apenas distraes, simulacros de angstia,
porque o estilo de maturidade forte pelo desabamento do autor e pelo fato de
que, quanto mais experincia ele mostra, menos mundo tem. A morte seria a
vida sem crenas, digamos que o estilo de maturidade o que de mais prximo
disso pode a natureza humana chegar. Ora, o estilo de maturidade se associa
forma ensastica da juventude por compartilhamento de angstias inerentes
ao tempo sem tempo e, se no nos dado viver sem julgar e sem respirar,
parece bvio que a proximidade da morte d alguma clareza metafsica ao
crtico. Seu discurso permanece colateral, porque segue a mesma estrutura da
experincia o ente se confunde com seus traumas , todavia, ao invs de se
centralizar por sobre obras de arte, ou artefatos para atingir a poltica de modo
incidental, anulando a dinmica da negao da lgica da vitria, centra-se na
pictorialidade mesma do ser.
Na obra de Montaigne, o ensaio que, como destacamos, assume
a pictorialidade descritiva da paisagem de crenas, com pequenos retratos
de homens comuns , ao mesmo tempo, forma de juventude e estilo de
maturidade. Na obra de Bayle, a pictorialidade do retrato e o compromisso com
a verdade crtica o fazem assumir um estilo entre a juventude e a maturidade,
digamos que seja a maturidade mitigada de todo aquele que possui um projeto
ilimitado. A morte no encarada, e tambm no serve como expresso, pois
espantada pela disciplina e pelo dever. Hume, tal como Lukcs, apresenta
uma diferena marcada entre a forma de juventude e o estilo de maturidade,
inclusive suas obras de transio servem de contraste para a estrutura; o
Tratado da Natureza Humana uma vertiginosa obra de juventude, de escrita
angustiada e expressiva (ainda mais se comparada ao estilo um pouco frio de
suas investigaes mesmo que o humor esteja sempre presente), ao passo que
corrige seus ensaios at o momento da morte, fazendo anedotas sobre como
conseguiria mais tempo com o barqueiro do esquecimento.
Adorno percebe que a pictorialidade do ensaio dependente da
capacidade que possui de autorreflexo. A crtica por ele conduzida depende
da modificao formal, no momento da enunciao do contedo. A forma do
ensaio demanda um meio que se metamorfoseia enquanto fala. A percepo
de si realiza a nova voz expressiva da forma de juventude, mas tambm serve
como antdoto ao julgamento biografista contra o ensaio, pois existe uma
densidade de acumulao histrica entre os ensastas. Ao se perguntar pelo
sujeito do ensaio, tem-se como resposta uma bela polifonia despertencida,
13
Apenas a infrao ortodoxia do pensamento torna visvel, na coisa, aquilo que a finalidade objetiva
da ortodoxia procura, secretamente, manter invisvel.(ADORNO, 2003, p. 45).
15
Nada se deixa extrair pela interpretao que j no tenha sido, ao mesmo
tempo, introduzido pela interpretao. (ADORNO, 2003, p. 18).
nos modos de dizer, o ensasta no sabe dizer sem certa prosa potica, mas s
pode ser lido na qualidade de objeto artstico. Em funo de lhe ser vedada,
por moralidade, o imediatismo moral, apenas a leitura artstica permite os
efeitos de moralidade difusa, estratgia essencial do gnero no evitamento
da lgica da vitria. Por no ver a natureza imagtica do conceito, Adorno
restou preso dialtica na natureza. Ele cr que a conceitualidade do ensaio
afirma a dialeticidade essencial da experincia. Ele julga que a dialtica o
que une o conceito imagem. Todavia, a experincia no dialtica, mas
pictrica. A dialtica um operador da pictorialidade, uma tesoura que auxilia
a desencobrir a crueldade.
V
Pensemos, pois, que o percurso do ensaio faz movimento de realizao
de objetos, os quais, contrapostos, juntos, mostram o sentido amplo do
gnero. Dessa maneira, ver o ensaio de Lukcs uma visada que se faz olhando
para Adorno. Trata-se da capacidade de rigor descritivo de Bayle, portanto,
olhamos Montaigne ao lado de Lukcs e Adorno, to solenes quanto um
verbete, hesitando ao conferir as ligaes estritas, para no matar as mostraes
realizadas pelo amparo de um autor sobre o outro. Nos ombros dos gigantes
restada, essa transfigurao do retratismo composto com o paisagismo e
a objetalidade abstrata, pois os autores passam a funcionar como objetos
abstratos a serem compostos por montagem e o sentido geral da mostrao
obtido por uma costura de sentido que penetra nos objetos ao mesmo
tempo em que os une. D-se, nessa medida, uma dupla articulao de sentido,
aquele interno da obra dos autores e a conjugalidade de uma ponte entre
eles. Nesse caso, Adorno precisar restar nos ombros de Montaigne, Lukcs etc.
para elaborar o seu sentido, enquanto objeto da montagem, ao mesmo tempo
em que revela a sua infidelidade. Essa a evidncia da natureza tipogrfica e
objetal da verdade do ensaio crtico.
No ensaio Da Natureza e Forma do Ensaio, o aspecto da inovao
formal, uma vez partcipe da necessidade enunciativa, coloca-se desde pronto
por se tratar de uma carta. Escrita a Leo Popper, no nem uma carta de
verdade, nem uma carta entre intelectuais e nem a recomposio da carta,
como se pode ver em Goethe ou Hoffmann. Trata-se, pois, de uma carta-
ensaio. Lukcs revela bem o problema do ensaio: ele concerne a uma verdade
tipogrfica diretamente ligada liberdade da enunciao necessria, ele
Eu quero tentar definir o ensaio do modo mais estrito possvel, precisamente o descrevendo como
16
19
[...] mesmo Scrates deve falar em imagens sobre seu mundo sem forma, seu mundo no lado
avesso da forma, at mesmo a germnica desimagem uma metfora. (LUKCS, 2009a, p. 20-21),
20
Forma sua grande experincia, forma como realidade mimetizada a imagem-elemento, o
verdadeiro contedo vivo de seus ensaios. (LUKACS, 2009a, p. 23).
21
Mais tarde, a crtica se tornou o seu prprio contedo, a crtica passou a falar somente de poesia e
arte, porque no teve a sorte de conhecer Scrates [...]. (LUKACS, 2009a, p. 31). Lukcs percebe que
o ensaio pode no aludir a obras, mas se faz da enunciao algo de no necessrio, torna-se apenas um
livro sobre livros. A principal razo para no escrever uma crtica para tornar um livro mais fcil de
ser lido. Um ensaio no suplncia.
22
Alm disso dois ensaios no podem se contradizer: cada um cria um mundo diferente, e mesmo
quando, a ttulo de atingir uma maior universalidade, isso vai alm do mundo criado, isso ainda se
mantm dentro do seu tom, cor e acento; tal para dizer, isso deixa o mundo apenas em seu sentido
inessencial. [...] Por isso, o ensasta que realmente capaz de olhar a verdade, vai encontrar no fim de
sua jornada o que ele estava buscando: vida. [...] O ensasta precisa se tornar consciente de seu prprio
ser, deve achar a si mesmo e construir algo de prprio para fora de si mesmo. (LUKACS, 2009a, p.
27). Dentro, o ensaio est todo fora de si.
potica, uma vez que a verdade tipogrfica diz e mostra. Parece sbio notar
que as descobertas e demonstraes do ensaio se aplicam poesia, e tambm
o caminho inverso. Se o ensaio gradativamente revela a indistino entre a
imagem e o pensamento na paisagem, no retrato e na abstrao levando a
afirmao do carter tipogrfico da verdade, nos momentos em que a poesia
evidencia a amplitude da imagem com relao escrita, ou melhor, a mostrao
contida no dizer, como no lance de dados de Mallarm, ou nos gafanhotos de
Cummings , esta deve ser imediatamente incorporada ao corpo conceitual
do ensaio e explorada. Lukcs o faz, danando entre a dissertao, a epstola
e o dilogo. A crtica defende uma imanncia imagtica a unidade dos
mundos se d sobre o branco , apesar da modalidade na homologia entre
o pensamento, a imagem e a escritura, dentro da qual cabe objetividade do
gosto perceber as distines. Lukcs salienta que a diferena entre o ensaio
e a poesia persiste no fato de que a poesia retira motivos da vida (e da arte),
enquanto o ensaio os retira da arte (e da vida).
A fina relao a ser compreendida aquela entre a alma e a forma.
A alma, dentro, est toda fora e a forma, fora, est toda dentro. Imagem-
vida e significao-vivncia nomeiam a experincia. Ou seja, nomeiam tanto
a alma quanto a forma. A alma dependente da forma, para ter vida e
vivncia, e a forma o da alma, para ter instituies e aprofundamento.
Aquilo que a alma faz para instituir forma exercer a expresso, a qual
consiste numa procura das formas existentes da provocao da necessidade
e do gosto, que so as respostas autnticas e espontneas da necessidade
poltica. Nesse sentido que a alma busca sempre um gesto que esteja
altura da vida, para que nela possa se reconhecer. Como a vida que
leva expresso, certo que o gesto quer estar altura, ou suspender, da
experincia que lhe deu origem. No se trata de um desvio da obra, mas
do elastecimento da vida pelo gosto. Para isso, como destacamos, o crtico
assume o mundo dos fatos com o rigor de um esteta, de modo a evidenciar
o tnue limite insatisfatrio da cincia, mergulhando no objeto em busca da
sua composio. O ensaio a instituio do crtico, pois nele realiza a marca
no tempo histrico, cuja gestualidade depende de sentir as representaes.
Lukcs v nisso o paradoxo do retrato, ao que poderamos acrescentar que a
verdade, porque tipogrfica, padece do paradoxo do retrato: ela mostra, na
formalidade, os elementos ausentes na vida, para que a forma sobre a vida
permita o reconhecimento. O retrato mostra a verdade ausente na imagem,
para que a imagem finalmente se reconhea. Eis o aspecto inultrapassvel do
gosto, para ir composio da imagem (LUKACS, 2009a, p. 26).
23
[...] os escritos dos grandes ensastas, aos quais pertencem a categoria: os dilogos de Plato [...], os
ensaios de Montaigne [...]. (LUKACS, 2009a, p. 18).
(i)
Quo mais obtusa a imagem de vida prpria, mais resistente o
seu tempo com relao vida. Pode-se dizer que so imagens nas quais o
gosto tem mais dificuldade para se aprofundar, visto que so mais abissais,
mas tambm so as mais belas e as mais virtuosas. Deve-se perceber que o
ponto de instituio se inscreve por crueldade da forma contra a imagem-
vida, ainda que seja para apresentar revivescncia imprevista. Tal crueldade,
(ii)
caracterstico da instituio conservadora, mas tambm da imagem
de vida prpria, atinente ao aprofundamento do gosto. Pode-se dizer que esta
a imagem mais cruel em sua instituio e mais ligada beleza e a virtude.
Quo mais o gosto nela se aprofunda, mais relevantes so as distines que
capaz de fazer. O apagamento do rosto humano, nesse caso, quase sempre
identificado com o fetichismo. Como o vcio nasce da mesma matria da
virtude, o fetichismo surge no encantamento com a distino pela distino.
Ainda que no exista a interrupo da rtmica do tempo da imagem-vida,
estar nos dois pontos da imagem gera a sensao de tempo que passa mais
devagar. No de todo incorreto associar esse segundo modelo com a ideia
de durao, porque justamente o tempo do gosto a ser mais relevante para
o objeto do que a prpria rtmica da vida. Alm disso, nesse modelo que se
pode compreender a transfigurao da instituio em obra.
(iii)
Responde por uma imagem de vida prpria que artificialmente se
adianta ao tempo da vida. Ela se faz por uma autntica urgncia de mudana
de rumo, no caso da revoluo, pelo esforo de falseabilidade, no caso da
tentativa de alterao dos esteios da verdade, ou ainda de suspenso das
imagens pela demonstrao de que o adiantamento a evidncia da essncia
do tempo. Quo mais agudo o ngulo, mais destrutiva a instituio, uma
vez que sua rtmica perecer muito mais rpido do que a vida. No s filosofias
da histria so abrigadas nesse modelo, mas filosofias da natureza. Se o ngulo
VI
Diante do encobrimento da composio da imagem, efetivado pela
crueldade, o que leva ao apagamento da alma humana nas coisas, a falta de
compromisso do poeta com o crtico, no mais das vezes, ajuda crtica. Se a
crtica realiza uma crueldade instituinte, para promover o gosto na imagem,
de modo a se contrapor crueldade de apagamento do rosto, a poesia uma
atividade sem crueldade e sem crudelis. poesia no cabe o mergulho na
composio da imagem consolidada, mas o trabalho no colorido da vida. Se
a crtica explora a variabilidade rtmica, at mesmo pela inovao formal, a
poesia cria, entre as cores da imagem-vida, dissonncias, e para isso no pode
hesitar como o crtico. Lukcs v, no mbito moral, a poesia como preparao
crtica e a crtica como preparao potica.24 A poesia fala sobre si, mas no
se confessa. Se repete o mesmo percurso, a crtica passa a falaciosamente dar
ares de confisso objetividade. A poesia tambm vive o dentro, fora; ao se
aprofundar na dissonncia, no se ocupa com instituir objetos, mas em ser
um objeto a dissonar ambivalentemente. Por essa razo, Lukcs assevera que o
poeta enuncia a verdade sobre a imagem, e o crtico, a verdade sobre a imagem
pela poesia (LUKACS, 2009b, p. 37). Se a poesia est no plano da dissonncia
da vida, a crtica se estabelece na resoluo da imagem pelo reconhecimento
da alma na forma (LUKACS, 2009b, p. 38). H mais realidade para o poeta
e mais irrealidade para o crtico. O poeta o homem do mundo e o crtico,
dos mundos.25
As asas que Deus lhe deu/Ruflaram de par em par [...] dito pelo
poeta no significa adeso transcendncia, pode, inclusive, significar outra
coisa bem diferente, tal como um vnculo imanente ao Deus na linguagem.
Todavia, para o crtico, tal dissonncia, de falar de Deus para explicar o quo
24
Talvez a vida exista como uma realidade apenas para o homem cujos sentimentos possuem tal
dissonncia [hesitao entre forma e cor]. Talvez vida seja justamente a palavra que significa, para
o platonista [o crtico], a possibilidade de ser poeta, e para o poeta a possibilidade de ser platonista
[crtico] em sua alma. (LUKACS, 2009b, p. 40). O poeta precisa do crtico para ter mundos e viver a
transversalidade do seu prprio, e o crtico precisa do poeta para ter vida.
25
Ibid., p. 37. O poeta sempre fala sobre si mesmo, no importando o que significa; o platonista no
se atreve a pensar alto sobre si mesmo, ele apenas experiencia a sua prpria vida pela obras dos outros,
e entendendo os outros, ele se torna mais prximo de si mesmo.(LUKACS, 2009b, p. 37. Todo
platonista fala suas mais importantes palavras sobre o poeta. (LUKACS, 2009b, p. 42).
faltantes so as asas, esconde uma verdade a ser mostrada e, para isso, o crtico,
por um momento, pode pensar como quem cr, depois como quem no cr
e ainda se interessar pela crena, crendo. O crtico percorrer uma cadeia
de possibilidades da vida potica, e nos mostrar, no tipo, pela instituio
de uma forma, o modo pelo qual podemos reconhecer na vida, em suas
posies mais variegadas. Ou, se for o caso, mostrar os momentos em que, por
moralidade, no podemos nos reconhecer. A vontade de sistema do ensaio
factual, contudo, no serve ao sistema; um ensasta pode mostrar ter muitos
sistemas e no ter nenhum. Porque todos os sistemas se submetem teoria da
imagem intrnseca a necessidade moral do ensaio, desencobrir a crueldade.
Por esse motivo que a forma concerne a fazer uma expresso maior do que
as circunstncias biogrficas, seja a forma potica, seja a ensastica. O poeta
maior do que si ao falar. Nos demais momentos, deve ser bem pequeno. O
tamanho exato do poeta indeterminvel. Isto , muito menor do que pensa
e muito maior do que se imagina. No se deve confundir as instncias. No
porque imagem e forma seja distintas, mas porque precisam do desnvel para
encontrar expresso. A imagem-vida prepara o salto da forma, por ser menor e
monumental. Sem a constatao da menoridade estratgica da imagem diante
da forma no se pode compreender o modo pelo qual a vida se agiganta diante
da forma instituda. Do contrrio, a vida se espiralaria fenecente e, com ela, a
forma levaria. Ao se desejar a vida menor do que a forma, o nico resultado
possvel o constrangimento enunciativo, ao perceb-la monumental
(LUKACS, 2009c, p. 48). Para evit-lo, poesia e ensaio partem de um mesmo
estado de economia performativa. O gesto no a vida toda, ele preparado
pelo gosto na vida, e se manifesta para a ultrapassar, ao que surpreendido pelo
estabelecimento da vida e uma nova necessidade de preparo. O aplacamento
da frugalidade do gesto a instituio da forma no tempo, fazendo notcia da
dissonncia, no caso da poesia, e da interpretao, no caso do ensaio. Um gesto
ultrapassa o jogo de linguagem para rep-lo mais abrangente, elastecendo o
mundo (LUKACS, 2009c, p. 45-47).
O gesto: quebra a ambiguidade do inexplicvel. (LUKACS, 2009c,
p. 46). No obstante, nele a ambivalncia no negada ou resolvida. Se a
crueldade apaga o rosto humano, e o vislumbramento da ambivalncia da
crueldade em ns, o faz pela vocao de negar a ambivalncia. A ambiguidade
o falso problema que afasta a ambivalncia, o ensaio quebra a ambiguidade
para recolar a ambivalncia. O ambguo encobre a crueldade, ao passo que
a ambivalncia a expe. A poesia vive a ambivalncia dissonantemente em
primeira pessoa, enquanto o ensaio busca desencobrir a ambivalncia, ao
26
Um personagem dramtico impensvel sem a permanncia de caractersticas; na perspectiva do
drama, simplesmente no vemos sem essas caractersticas; as momentneas so esquecidas em um
instante. A repetio de um trao no mais do que um equivalente tcnico de um destino profundo
na constncia das caractersticas, do personagem. (LUKACS, 2009b, p. 41). Lukcs salienta que o
crtico no cr em repeties que no as afetivas, levando condio da inventividade de personagens,
em detrimento da estabilizao dos velhos, e seus velhos casacos. Um velho personagem um velho
casaco.
KIRALY, Csar. The essay in Lukcs: the later style and the youthful form. Tans/form/ao,
Marlia, v. 40, n. 1, p. 51-86, Jan./Mar., 2017.
Abstract In this article I look to establish affinities between the skeptical tradition and
the dialectic, by means of the concept of criticism.
Keywords: Lukcs. Skepticism. Dialectic.
Referncias
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2010.
Recebido em 10/06/2016
Aceito em 12/11/2016
2 Sobre a distino entre os mtodos dialcticos de Benjamin e Adorno, cf. Agamben, O Prncipe
e o Sapo. O problema do mtodo em Adorno e Benjamin (AGAMBEN, 2014, p. 127-147).
Agamben ressalta, com razo, a importncia da noo de mnada. Sobre a influncia de Goethe, seria
necessrio explorar todas as implicaes da entrada [N2a, 4] de Das Passagen-Werk (BENJAMIN,
1991, V.1, p. 577), referente equivalncia entre o Urphnomen (fenmeno originrio) goethiano e o
conceito de Ursprung (origem) benjaminiano, tal como aparece inicialmente tematizado no Prlogo
Epistemolgico-Crtico de A origem do drama barroco alemo, equivalncia que implica, todavia, uma
transposio dos domnios da natureza para os domnios da histria.
3 Num dos fragmentos recolhidos no sexto volume de Gesammelte Schriften, Walter Benjamin escreve
algo que vai ao encontro dessas constataes: O questionamento sobre a tcnica liquida a infrutfera
alternativa entre forma e contedo. (BENJAMIN, 1991, VI, p. 183). Essa mesma ideia aparece no
texto O Autor como Produtor, no quadro de uma reflexo sobre a relao que o escritor mantm
2 O privilgio da fotografia
Se nos concentrarmos na tcnica fotogrfica, obteremos um ponto de
vista privilegiado para a observao da relao entre arte, tcnica e histria,
observao que implica, por sua vez, uma ponderao da transformao dos
valores estticos na modernidade. Por via da fotografia, essa transformao
constitui, antes de mais, um alargamento dos meios tcnicos que, directa ou
indirectamente, interferem nas prticas artsticas, mas pressupe tambm a
propagao de novos conceitos e de novas formas de conceber a imagem.
Para Benjamin, a relevncia da fotografia para a arte tem pouco a ver com
a questo: quando que uma fotografia uma obra de arte? Trata-se, mais
essencialmente, de ir ao encontro de outra questo: o que que a fotografia
faz arte? E isso envolve um elemento da fotografia que resiste s intenes
artsticas e esteticizantes, [...] qualquer coisa [...] que continua a ser real
hoje e nunca querer ser reduzida a arte. (BENJAMIN, 2006c, p. 246).
Como destaca Sigrid Weigel, no entender esse princpio metodolgico
passar completamente ao lado da originalidade e fertilidade do pensamento
de Benjamin acerca da fotografia e da imagem (WEIGEL, 2013, p. 240).
As respostas questo o que que a fotografia faz arte? prolongam-se em
pelo menos dois sentidos. O primeiro, o qual Benjamin entreviu de forma
lapidar e que constitui uma das mais exploradas e talvez das mais exguas
portas de entradas do seu pensamento, relaciona-se com a reprodutibilidade
com a sua tcnica, a qual constitui o elemento preponderante, quer da inscrio na ordem social que
lhe contempornea, quer da dimenso poltica da sua produo.
para qualquer arte, mas que nem sempre recebe a devida ateno: aquilo que
decisivo para a fotografia sempre a relao dos fotgrafos com a sua tcnica
(BENJAMIN, 2010b, p. 252-253). Quer nos primrdios da fotografia,
quer no seu perodo de decadncia (segundo a designao de Benjamin), as
caractersticas fundamentais da fotografia so sempre vistas em funo de uma
relao com a tcnica. Por exemplo, a aura das primeiras fotografias tinha
como equivalente tcnico a fraca qualidade das objectivas, que assim criavam
zonas de sombra. A fraca sensibilidade das primeiras chapas e o consequente
longo tempo de exposio conduziam os retratados a uma sntese de expresso
que to caracterstica dos primeiros retratos. Por outro lado, no perodo de
decadncia, surge uma tentativa de criar uma aura artificial, por intermdio do
retoque (BENJAMIN, 2006c, p. 248-252).
Um ltimo aspecto a marcar a importncia da fotografia no
pensamento de Benjamin prende-se com a hiptese, algo especulativa, de que
esse mesmo pensamento tem uma dimenso fotogrfica. Essa constatao
tornar-se- porventura menos estranha, se lanarmos um olhar sobre o texto
O autor como produtor e exigncia, de teor revolucionrio, que a feita
aos escritores e fotgrafos do seu tempo: que ambos superem as barreiras
entre texto e imagem as barreiras das competncias levantadas pelo prprio
sistema de produo , que os fotgrafos sejam capazes de dar uma legenda s
suas fotografias, resgatando-as do desgaste pela moda, e que os escritores sejam
capazes de fazer fotografia (BENJAMIN, 2006b, p. 284). Portanto, no s
Benjamin foi um atento observador da fotografia, mergulhando nos problemas
tericos por ela levantados e convivendo de perto com imagens e fotgrafos,
como tambm o seu prprio pensamento ter-se- impregnado de mecanismos
fotogrficos numa espcie de contaminao que se expande desde as tcnicas
at aos modos de pensamento, passando pelo prprio exerccio da escrita. Dito
de outra forma: h elementos de fundo do seu pensamento, nomeadamente
a noo de imagem dialctica, que podem ser aproximados de mecanismos
fotogrficos. Essa aproximao manifesta-se, desde logo, pelo elemento da
descontinuidade, da interrupo do contnuo temporal, que to importante
no contexto de Das Passagen-Werk e que aparece condensada, de um ponto
de vista mais programtico, nas teses de Sobre o Conceito de Histria. Este
um dos aspectos decisivos para a aproximao entre fotografia e histria
desenvolvida por Eduardo Cadava (1997, p. 60):
Benjamin descreve a sua posio relativamente histria e historiografia
contra as posies predominantes, e f-lo afirmando um movimento de
interrupo que suspende o continuum do tempo. Ao reter os vestgios do
4 Talvez aquilo que cada tcnica nova introduz na nossa experincia possa ser interpretado segundo o
conceito de origem, tal como desenvolvido por Benjamin, no Prlogo a Origem do drama barroco
alemo: uma reconstituio incompleta, o surgimento de algo novo que conserva sempre os vestgios
das coisas passadas. Portanto, num domnio mais amplo, essa mnemotcnica instaurada pela tcnica
fotogrfica, com modos muito especficos de sentir e viver o tempo e a realidade, desempenha um
papel singular na histria das tcnicas (de reproduo), sem, contudo, deixar de fazer ressoar os
vestgios do passado.
5 O termo Versuchsanordnung, que tambm poderia ser traduzido por ensaio, encontra-se em pelo
menos mais dois textos de Benjamin: em O que o teatro pico? e na segunda verso do ensaio A
obra de arte... Neste ltimo ensaio, o termo serve para caracterizar a segunda tcnica, aproximando-a
do jogo. Sigo aqui a traduo proposta por Luciano Gatti (2009, p. 174), cujo livro Constelaes.
Crtica e verdade em Benjamin e Adorno desenvolve um exame detalhado da questo do gesto (nas suas
articulaes com as temticas do corpo e do materialismo), nas interpretaes que Benjamin faz de
Brecht e Kafka.
as aces, facto que, por sua vez, promove uma nova articulao entre arte e
cincia. No fundo, e regressando ao texto de Kafka, pode asseverar-se que o
cinema constitui ento um espao de anlise, de ordenaes experimentais, de
estudo, de performance, de exerccio sensorial e perceptivo sobre a forma
como o homem se apresenta cmara, mas tambm sobre o modo como,
atravs da cmara, o homem representa o mundo circundante. E aquilo que
Benjamin tinha esperana de ver consumar-se, por meio do cinema, fora
progressivamente antecipado pela fotografia, medida que esta foi povoando
o nosso mundo perceptivo com imagens inconscientes, construindo memria.
CONCEIO, Nlio Rodrigues. From the genius to the game: the role of technology in
the transformation of aesthetic values in Walter Benjamin. Tans/form/ao, Marlia, v. 40,
n. 1, p. 87-108, Jan./Mar., 2017.
Abstract: Analyzing the role played by the question of technology in Walter Benjamins thought, this
article delves into the transformation of aesthetic values in modernity. The technologies of reproduction
and recording invented during the 19th and 20th centuries, such as photography and cinema, led to
a reformulation of the relationship between art, technology, and history, which Benjamin examined
in various ways. However, we do not find in his texts a philosophy of technology with well-defined
principles. Therefore, this article aims at establishing a constellation of themes emerging from his texts,
that allows us to clarify the way technology promotes the transformation and creation of aesthetic
values. These values are here understood as axes around which the production and the critique of
aesthetic phenomena occur. Photography, as a turning point that was incisively studied by the author,
is the leading thread in the different readings of his work. The historicity of perception; the political
dimension of art; its relation with memory; the element of play: these are the four axes around which
a clarification and, whenever possible, an expansion, of Benjamins ideas are discussed.
Keywords: Technology. History. Politics. Memory. Play
Referncias
AGAMBEN, G. Infncia e histria: destruio da experincia e origem da histria. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2014.
BARTHES, R. La Chambre Claire: note sur la photographie. Paris: Cahiers du Cinma;
Gallimard/Seuil, 1980.
BENJAMIN, W. Das passagen-Werk. In: Gesammelte schriften. Band V. Frankfurt am
Main: Suhrkamp, 1991a.
______. Franz Kafka: zur zehnten Wiederkehr seines Todestages. In: Gesammelte schriften.
Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991b [1934], p. 409-438. II.2.
Recebido em 02/08/2016
Aceito em 19/12/2016
Cristiano Perius1
Resumo: O presente ensaio visa a interpretar o Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de An-
drade. O exerccio de reduo fenomenolgica, a ambiguidade, a percepo e o corpo prprio, entre
outros conceitos da Fenomenologia da percepo, de Merleau-Ponty, orientam o trabalho de leitura, es-
truturado a partir dos seguintes temas: o lado gauche, a correlao eu-mundo (que apenas se completa
na poesia meridiana) e a primazia do olhar. Tal procedimento de leitura rene o poema hepta-partido
em trs faces ou tenses fundamentais, levando em conta os efeitos das imagens.
* *
*
1 Cristiano Perius professor de Filosofia da Universidade Estadual de Maring (UEM) e atua nas reas
de esttica e fenomenologia. E-mail: cristianoperius@hotmail.com
que se poderia explicar. Por isso, melhor do que a exibio cronolgica da obra,
examinaremos suas tenses internas. Aqui encontramos razes para o Poema de
Sete Faces ser fundamental e ter, mais que a anuncia de ser o primeiro, outro
propsito: constituir uma potica do olhar.
E ainda h outra razo, diacrnica, evocada pelo poema. Como diz Nova-
lis, [...] o comeo efetivo um segundo momento. A reflexo a volta sobre si
mesma, que acaba tornando efetivo sincrnico um elemento diacrnico, cha-
mado por Novalis de segundo momento. O Poema de Sete Faces seminal, visto
anunciar algo que o crtico v e espera explicitar. Porm, o que v est, por ora,
sub-reptcio, pois, onde l Vai, Carlos!, ser gauche na vida, identifica a obra intei-
ra. retrospectivo, porque se d na pertinncia entre o vai (Carlos) ser, e o que
ser. O vai ser de Drummond j contm, aos olhos do crtico, algo que foi. Eis
o carter performtico da arte, a propriedade de ser a realizao de uma imagem
reflexiva. Realizaes pensadas, sim, mas, antes de tudo, germinaes, fios do te-
cido que vai ser. Explicaramos melhor esse paradoxo se nos fixssemos menos no
Vai a que toda crtica vem e sempre volta para tratar do Carlos, j que
um passo se sobrepe a outro, exige um novo, s possvel pelo prvio. Onde quer
que v, do ponto final ao passo inicial que abriu caminho, no foi seno marcha
sua, palmo a palmo progredindo. Todavia, se o crtico tem um olhar retrospectivo,
certo que o poeta vai, sem fixar destino. Vamos ao Poema de Sete Faces, o
qual, apesar de hepta-partido, ser dividido em trs temas principais.
Face 1. O gauche
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
dos padres clssicos de criao,2 uma vez que visa ao entorpecimento da razo
fora de mecanismos de controle ostensivos, evocado claramente pela ltima estro-
fe do poema:
Eu no devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
2 Para a meno das fontes tericas dos padres clssicos da arte, pensamos em Plato, cujo princpio
de simetria, harmonia e regras ureas de composio estabelecem o conceito de imitao da natureza,
a partir da beleza formal do objeto esttico. Princpios apolneos, diria Nietzsche, contrapondo a
iluso onrica embriaguez dionisaca. Observe-se, nesse sentido, a seguinte frase de Nietzsche: Apolo,
como divindade, exige a medida [...]. Nada em demasia, ao passo que a auto exaltao e o desmedido
eram considerados como demnios propriamente hostis esfera no-apolnea, portanto, propriedades
da poca pr-apolnea, da era dos Tits e do mundo extra-apolneo, ou seja, do mundo dos brbaros.
(NIETZSCHE,1992, p. 40.) Evidencia-se aqui a contraposio entre a ordem, a medida, como
princpio racional e apolneo, e o caos, a desmesura, como princpio irracional e dionisaco.
3 Por esttica clssica entende-se, aqui, a ideia vaga, sem meno explcita, das correntes artsticas
que racionalizam a experincia esttica. o caso do conceito de imitao, pois mesmo Aristteles, para
quem a causa final do poema trgico emocional e catrtico, as pretenses morais e cognitivas da arte,
ainda que veladas, identificam o belo ao ideal.
que a literatura pesa. Irnico sinal de mais, visto que mancar , no final das contas,
andar por si mesmo, sem o socorro de apoios.
Face 2: Eumundo
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, no seria uma soluo.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto meu corao.
4 Afonso R. de SantAnna trata especialmente desse tema em seu estudo: Drummond: o gauche no
tempo (1992).
5 Cf.: Meu primeiro livro, Alguma poesia (1930), traduz uma grande inexperincia do sofrimento
e uma deleitao ingnua com o prprio indivduo. J em Brejo das almas (1934), alguma coisa se
comps, se organizou; o individualismo ser mais exacerbado, mas h tambm uma conscincia
crescente da sua precariedade e uma desaprovao tcita da conduta (ou falta de conduta) espiritual
do autor. Penso ter resolvido as contradies elementares da minha poesia num terceiro volume,
Sentimento do mundo (1940). Autobiografia para uma revista. In: Confisso de Minas. So Paulo:
Cosac e Naify, 2011, p.68.
solo,/ se vos matardes afim,/ serei ar de respirao,/ serei tiro de pistola/ veneno, corda,
Adalgisa, Adalgisa eterna (v. 37-43); Eu mesma no me limito:/ se viro o rosto me
encontro,/ quatro pernas, quatro braos,/ duas cinturas e um/ s desejo de amar./ Sou
a qudrupla Adalgisa,/ sou a mltipla, sou a nica/ e analgsica Adalgisa. (v. 51-58)
Primeiro dupla, depois qudrupla, Adalgisa desdobra-se em progresso aritmtica,
ilimitada, para no dizer infinita, deixando onde passa e atrs de si apenas o rastro
de seu olhar metanoico. O final do poema, para onde quer que vades,/ o mundo
s Adalgisa(v. 60-61), o resultado final da atividade paradigmtica do eu, cujo
olhar paralisante igual os olhos de Medusa.
No entanto, a Adalgisa hiperblica, metamrfica, s podia acabar no mais
puro receio do seu desdobramento aritmtico. Sobrevindo a desconfiana, cisma,
expondo os perigos da poesia em disposio contrria. o perodo no qual a pe-
quenez humana se faz mais patente e o mundo, um ser enorme, distante, inatin-
gvel. nesse momento que se opera a inverso cabal da disposio do Poema de
Sete Faces, ao revelar-se o eu < mundo [eu menor do que o mundo]:
No, meu corao no maior que o mundo.
muito menor.
.......................................................
Sim, meu corao muito pequeno.
S agora vejo que nele no cabem os homens.
Os homens esto c fora, esto na rua.
A rua enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas tambm a rua no cabe todos os homens.
A rua menor que o mundo.
O mundo grande.
O verso final do poema: Triste farol da ilha Rasa, preserva a inverso das
grandezas; o eu: pequeno farol insular; o mundo: todos continentes e oceanos
terrestres, onde uma ilha perece.
A circunscrio do eu (num nfimo canto do mundo) vem associada a
diferentes imagens em sintonia com o novo dispositivo: eu < Mundo. Privao
do que est no mundo ausente no eu: a hora em que o sino toca,/ mas aqui
no h sinos; a hora em que o pssaro voa, no h pssaros.(DRUMMOND,
2002, p. 122). Medo, pela insuficincia das foras de que dispe: em verdade
temos medo./ Nascemos escuro./ As existncias so poucas:/ Carteiro, ditador,
soldado./ Nosso destino incompleto (DRUMMOND, 2002, p. 122). Solido
e alteridade perdida frente extenso hiperblica do mundo: Nesta cidade do
Rio,/ de dois milhes de habitantes,/ estou sozinho no quarto,/ estou sozinho na
Amrica (DRUMMOND, 2002, p. 93); solido do boi no campo,/ solido
do homem na rua! (DRUMMOND, 2002, p. 94); No cimento, nem trao/ da
pena dos homens./ As famlias se fecham/ em clulas estanques (DRUMMOND,
2002, p. 96). O ser privilegiado, que em parte alguma deveria ser nfimo, desva-
lorizado: O elevador sem ternura/ expele, absorve/ num ranger montono/ subs-
tncia humana (DRUMMOND, 2002, p. 96). O riso, to prprio do humour
drummondiano, fica garganta, uma expectativa dramtica toma conta da fala,
quando a graa baixa o tom: a palavra Encanto/ recolhe-se ao livro,/ entre mil
palavras/ inertes espera (DRUMMOND, 2002p. 96). H uma tnica desse
sentimento que no , salvo por breves interrupes, absorvido. O movimento do
eu permanece aquietado a uma sorte de paralisia que, em memria ao vitalismo
antigo [eu > mundo], confrange-se.
A constante desolao do eu frente impossibilidade de suportar o dina-
mismo do mundo, a qual se d no confronto entre grandezas desiguais, eu peque-
no, mundo grande, sofrer uma ltima transformao na sequncia das imagens.
Apresentaremos esse novo momento, eu = mundo [eu igual ao mundo], a partir
da fenomenologia de M. Merleau-Ponty.
Na Fenomenologia da Percepo, Merleau-Ponty enderea a conceitos da
epistemologia moderna o rtulo de prejuzos clssicos. O alvo da crtica se
constitui, em linhas gerais, pelo pensamento reflexivo, vtima da operao inte-
lectualista, e pelo associacionismo, vtima da operao empirista. Trata-se de duas
abordagens antitticas e incompatveis, uma vez que tomam parti pris opostos, ou
seja, o partido materialista ou objetivista, de um lado, e o partido espiritualista
ou subjetivista, de outro. Ora, a soluo para o problema est, segundo Merleau-
-Ponty, em estabelecer uma nova teoria da percepo, apta a escapar das antteses
dos modernos. Trata-se de remeter a ambas as operaes a mesma crtica, a saber,
o ensinamento ambguo e exemplar contido no conceito de corpo prprio, nem
subjetivo, nem objetivo. Resulta disso a iniciativa de superar os prejuzos clssicos
atravs de uma arqueologia do sentido, segundo a expresso de Renaud Barba-
ras, em Do ser do fenmeno (BARBARAS, 1991), isto , a descrio da experincia
que desvela, a partir do teor da percepo, o sentido originrio de conceitos chaves
como a ateno e o juzo, interpretados unilateralmente pelas tradies subjetivis-
tas e objetivistas.
Ora, mundo, mundo vasto mundo,/ mais vasto meu corao, do Poema
de Sete Faces, tanto quanto estpido, ridculo e frgil meu corao, do poema
Mundo Grande, so antteses semelhantes s que Merleau-Ponty menciona. De
fato, desde que entendemos o mundo por totalidade de fenmenos autnomos e
independentes conscincia, o eu por um princpio formal, fonte de represen-
taes, j estamos na direo de um dualismo antittico. Chamamos de subje-
tivo o lugar transcendental, com base no qual as representaes nos aparecem;
chamamos de objetivo os entes intramundanos, contedos representacionais da
conscincia. Este o partido intelectualista, segundo o qual os objetos do mundo
dependem das representaes da conscincia.6 O partido inverso empirista re-
nuncia fonte mgica das representaes, colocando no prprio mundo a chave
de suas relaes internas. Resulta disso o eu > mundo, poderoso e absoluto, apto
a entender as leis do mundo, ou, na via inversa, o eu < mundo, predisposto a
desconfiar da faculdade de vidncia, isto , do enigmtico dom da constituio. O
encaminhamento potico a essa anttese a percepo de que no se trata de medir
foras entre o eu e o mundo, mas, ao contrrio, de equilibr-las entre si.
No poema intitulado Caso do Vestido, de A Rosa do Povo, encontramos
o seguinte verso: O mundo grande e pequeno. (DRUMMOND, 2002, p.163).
6 Esta a prerrogativa kantiana, segundo a qual o eu deve acompanhar todas as minhas representaes,
isto , ser o avalista lgico e formal de ajuizamento sobre o mundo.
7 Para as fontes tericas deste tema, segundo o aporte da fenomenologia, cf. o ensaio: A dobra do
corpo e a questo do dualismo (PERIUS, 2006).
8 Que se veja, nesse sentido, a expresso sentimento do mundo, ttulo da coletnea de 1940.
e que, ao invs de nos livrar da opacidade das coisas, trazem-nas com mais con-
fiana para aqueles que os usam. O esprito, que assume o vis de pensamento e de
conscincia soberana, no exterior a esse instrumento convexo e binocular que,
mais que interromper a vista direta, entrega-nos a vista direita, mesmo porque no
temos contato puro com a essncia, ideal de conhecimento que se realize a partir
da contemplao de objetos isolveis de intercmbio com o corpo. Dito de outro
modo, o pensamento puro, sem a crosta sensvel, exclui o papel vital do corpo,
onde est o homem de bigodes. E, se no h contato de esprito a esprito, viso
sem profundidade, sem carne que habite e encarne as coisas em suas lacunas e
obscuridades, porque a clareza pertence s ideias, no aos olhos. No entanto, isto
que a encarnao dos olhos perde (a evidncia) nada mais seno um recobrimen-
to metafrico da luz. Entre o pensamento (inteligvel) e a viso (sensvel) no h
hiato. De fato, no h viso espontnea que extraia, de imediato, os significados da
cultura, maneira de olhar e compreender o que visto. Assim como aprendemos a
falar, a destacar as coisas, dando nomes, vemos, no visto, seu sentido, e possvel
que, em poucos anos nesse exerccio de aprendizado, pouco reste de desconhecido.
A matria visvel dos culos e do bigode no diferente dos traos do carter, os
quais falam em nome da natureza interior. Desse modo, no sintico quadro de
cinco versos h, em alegoria, uma descrio dos olhos, mas tambm do esprito,
e, se levarmos s ltimas consequncias o que os versos significam, est implcito:
transcendncia sobre o visto que sugere, no fim das contas, um enigma do olhar
imperceptvel a Descartes. Atrs dos culos e dos bigodes est o esprito, por
certo, mas este o significado metafsico do olhar.
Como aponta Merleau-Ponty, em A Dvida de Czanne: Tudo indica
que os animais no sabem olhar, penetrar nas coisas sem nada esperar delas seno
a verdade. (MERLEAU-PONTY: 1988, p.120). Segundo Descartes, as informa-
es trocadas entre o esprito e os rgos sensoriais servem para corrigir a percep-
o. O pensamento de ver, conforme Descartes, uma representao bem mais
segura que as intempries da coisa vista, porque vai essncia sem permanecer no
domnio corporal e sensvel. A respeito dessa expectativa, h motivos de sobra para
crermos que, no corpo, as pulses tm parte, e a julgar pelo Poema de Sete Faces,
desviam-se do puro pensamento:
As casas espiam os homens
que correm atrs de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
no houvesse tantos desejos.
PERIUS, Cristiano. Three faces of a poem: a reading of the Poema de Sete Faces by Carlos
Drummond de Andrade. Tans/form/ao, Marlia, v. 40, n. 1, p. 109-126, Jan./Mar., 2017.
Abstract: The purpose of this essay is to interpret Carlos Drummond de Andrades Poema de Sete Faces
(Poem of Seven Faces). Phenomenological reduction, ambiguity, and corporeality, among other con-
cepts in the Phenomenology of Perception by Merleau-Ponty, lead and structure a reading based on the
following themes: the left side, the correlation between self and world, and the primacy of perception.
Such a reading brings together the seven part poem and dwivides it into three aspects or fundamental
tensions, taking into consideration the effects of metaphor.
10
Lembremo-nos de que a fala, segundo a tradio da filosofia, traduzida por lgos, razo discursiva,
e, por isso mesmo, articulada, no sentido de fnica, falada.
Referncias
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RICOEUR, P. A metfora viva. Traduo de Dion Davi Macedo. So Paulo: Loyola, 2000.
Recebido em 27/07/2016
Aceito em 18/11/2016
Resumen: El presente artculo propone que la 31 Bienal de Sao Paulo entraa un afn emancipador
para los sin tierra errantes, migrantes y viajeros. Para ello se conforma como un cuerpo sin
rganos (CsO), que despliega estrategias liberadoras promoviendo: desarticulacin, experimentacin,
vagabundeo y trnsito de sujetos y pueblos. Esta Bienal, en tanto CsO, mueve intensidades como flujos
sensibles por los intersticios de los proyectos artsticos dispuestos en organismo. Ac el CsO es un
conjunto de prcticas reservadas a desterritorializar los estratos del organismo social y hacer estallar
los rganos estructurados en dichos sistemas.
Palabras Clave: Territorio. Emancipacin. Trnsito. Cuerpo. rgano.
can cruzar las barreras fsicas, sociales y culturales que los constrie, en la
imagen de un cuerpo orgnico; pero a su vez los moviliz a un extracuerpo
imaginario, inexistente, deseado, incognoscible y liberador. En esta oposicin
este proyecto tiende a un Cuerpo sin rganos (CsO)3, que en tanto proceso
abierto de emancipacin, despliega estrategias liberadoras que consisten en: la
desarticulacin, la experimentacin, el nomadismo, la fuga y los flujos a travs
de vectores y lneas divergentes. Si se han organizado territorios y sus imagi-
narios, su verdadero afn ha sido desterritorializar, esto es, estallar mltiples
posibilidades de experimentacin, participacin e intervencin artstica, social
y poltica. Entonces esta Bienal deviene en un CsO, instalndose e instalan-
do proyectos como rganos detonados (en un organismo dem), buscando
aquella nueva tierra siempre pendiente, abriendo a su vez, zonas de ruptura
y tensin en los estratos mimados (como dira Deleuze), para desvencijar su
poder estructurante y controlador.
En este artculo se pondr a prueba la nocin de CsO, considerando
tres dimensiones de la Bienal de Sao Paulo: la de mapa (imagen e imgenes);
la de una imagen-bienal (imagen global), y la de imgenes-obra (proyectos
artsticos representativos). Por otra parte, en pos de acercarnos al carcter a
la vez problemtico y liberador de este proceso, se establecern dilogos entre
un marco filosfico (la idea de organismo en Bergson y, principalmente, el
CsO planteado por Deleuze), y el marco curatorial: la idea de lo trans con
sus cuatro conceptos eje: conflicto, colectividad-comunidad, imaginacin y
transformacin.
Deleuze retoma de Bergson una operacin metodolgica que resulta
fundamental en la articulacin de su pensamiento y que nos hace sentido
en esta exploracin: para conquistar su forma propiamente ontolgica, la
filosofa ha de abrirse a la experiencia inmediata de lo real, dejando de lado
toda mediacin esquemtica o conceptual. Asimismo, ha de realizar una toma
de contacto con lo real que se aparece de manera directa a la conciencia no
como concepto o esquema, sino como duracin, intensidad y potencia a la
vez una y mltiple que nutre al pensamiento con su propia forma dinmica.
3 La visin de un CsO fue expresada originalmente por el poeta y dramaturgo francs Antonin Artaud
(1896-1948) y luego tomada por Deleuze para indagar filosficamente en sus implicancias desde
la redaccin de su libro Lgica del sentido (1969), y luego en El Anti Edipo (1972) y Mil Mesetas,
Capitalismo y Ezquizofrenia, junto a Flix Guattari (1988). Desde Bergson hasta Deleuze, estas
medidas prcticas del CsO valoran el movimiento (en lneas de fuga), y por lo tanto, el cambio y la
multiplicidad (de lenguajes, de culturas, de miradas). As se busca abrir lneas de tensin y ruptura en
los estratos, siendo cuidadosos al ubicar un Lugar para hacerlo. Tal como lo advirtiera Deleuze, este
Lugar es el de investigador-pasajero clandestino, el cual subyace tanto en la experiencia como a la
reflexin que sustenta este texto.
4 Hay una dermis que contiene y ordena la Bienal como un organismo; empero, es preciso fugarse de
este campo organizado para llegar a una nueva tierra, libre de los puntos de subjetivacin que fijan
a un estrato. Esta tierra prometida para los exiliados, los nmades, los fuera de deber conformarse
en alteracin y transitividad, necesitando de la errancia, la migracin y la huida permanente.
5 El ttulo ha sido establecido por el equipo de curadores Charles Esche, Galit Eliat, Nuria Enguita
Mayo, Pablo Lafuente y Oren Sagiv, y por los curadores asociados Benjamin Seroussi y Luiza Proenca
y se trata de una llamada potica que coloca la potencia del arte en el centro del proyecto.
6 La dinmica que generan estos conflictos apunta a la necesidad de pensar y actuar de manera
colectiva, ms potente y enriquecedora que la lgica individualista que se impone. Con un 70% de
trabajos producidos para la ocasin, la Bienal se hace eco del desmoronamiento de las estructuras
piramidales y de la consiguiente voz renovada de las antiguas minoras, cuya forma de ver el mundo no
solo se legitima sino que se torna predominante.
7 En Primeras lneas de orientacin curatorial se plantea un escenario de incertezas del cual[] proviene
el inters de la curatora por el concepto de vuelta (*en el sentido de dar vuelta) como fenmeno
y de trans- como concepto. Ambos sugieren que hay un cambio ocurriendo en el nivel social, sin
objetivos de mayor alcance todava. Esas transformaciones probablemente son irreversibles [...] pero
suceden sin una direccin clara. Son desordenadas, o incluso deshonestas y estratgicas. No operan va
Figura 1: Vista de Mapa, del artista Qiu Zhijie, en la apertura de la 31a Bienal de Arte de Sao Paulo.
Fuente: http://www.notitarde.com/Cultura/Bienal-de-Arte-de-Sao-Paulo-abre-en-medio-de-
polemica-por-conflicto-palestino-FOTOS/2014/09/05/351329.
intensidades (no a organizaciones ni a lneas estables y definidas como lo molar); considera el detalle
en las vicisitudes de pequeos grupos (sectas, bandas, pueblos, barrios, familias). En el captulo
Micropoltica y Segmentariedad, de Mil Mesetas, se distingue lo molar de lo molecular, lo cual no
resta que se potencien incluso que coincidan (DELEUZE; GUATTARI, 2008).
10
El trabajo de Zhijie ensambla con un entramado cartogrfico de lneas de fuga expuesto por Deleuze
en Mil Mesetas: Individuos o grupos, estamos atravesados por lneas, meridianos, geodsicas, trpicos,
husos que no marcan el mismo ritmo y que no tienen la misma naturaleza. Lneas que nos componen,
nosotros hablamos de tres tipos de lneas. O ms bien paquetes de lneas, puesto que cada tipo es
mltiple. Lneas de fuga de animales diferentes [] tambin hay mapas de percepciones, mapas de
gestos [], con gestos habituales y gestos de errancia (DELEUZE; GUATTARI, 2008, p. 206- 207).
Figuras 2 y 3: Vistas de la obra Wall work workshop, del artista Dan Perjovschi.
Fuente: http://www.31bienal.org.br/en/post/1365.
11
Se han tratado de talleres culturales y educativos entre septiembre y noviembre de 2014, cuyos
productos han quedado adheridos a la piel del Pabelln.
Trax - corazn. Trans Amricas del artista chileno Juan Downey (1940-
1993) es el articulador de la muestra. El trabajo de Downey instala la posibilidad
y el sentido de los trnsitos dentro de la exposicin. El artista realiz muchos viajes
por Amrica Latina en busca de una arquitectura invisible. Busc el sentido del
viaje ritual, las espirales, el reencuentro o desencuentro entre personas y entre
culturas, el ms all de las migraciones y las buenas o malas experiencias de no ser
de aqu ni de all; todo esto se convirti en la reflexin visual y audiovisual de la
jornada misma. Desterritorializacin de un organismo geopoltico, de esa regin
cultural llamada Latinoamrica? 12
12
De acuerdo con Deleuze, tanto los individuos como los grupos estn constituidos por lneas de diversa
naturalezatal como se menciona en la bajada, citando a Mil Mesetas; se distinguen tres que nos atraviesan
y componen: dos lneas de segmentariedad : molar (rgida) y molecular (flexible), y las lneas de fuga
o de desterritorializacin. Estas ltimas no son segmentarias; caracterizan a las sociedades pues en ellas
prima la intencionalidady la huda, es decir, impredeciblemente se trazan, componen, cruzan y mueven
afectndolas (DELEUZE; GUATTARI, 2008).
Figura 5: Invention, del artista Mark Lewis. Fuente: Invention, del artista Mark Lewis
Fuente: http://www.art-agenda.com/reviews/%E2%80%9Chow-to-talk-about-things-that-
don%E2%80%99t-exist%E2%80%9D/.
Esa investigacin se hace presencia visible de un mundo otro: el
mundo de la imagen inventada para hacernos pensar el lmite entre la ficcin
dominante y consensuada de la realidad (segmentarizadas), y las opiniones y
utopas, que engaa y seduce a su vez a un espectador en vas de emancipacin.
Aquellos lugares quedan suspendidos en el tiempo y en el espacio, y son
reinventados, reterritorializados y desterritorializados permitiendo el flujo
intenso de la inmanencia de lo trascendental, pues [] cuando se
abre el mundo hormigueante de las singularidades annimas y nmadas,
impersonales, preindividuales, asaltamos por fin el campo de lo trascendental.
(DELEUZE, 1989, p. 124-125). Un CsO que estira sus vectores, experimenta
con las sensaciones de realidad y rompe las lgicas del espacio-tiempo.
Extremidades. Obras que por su ubicacin y naturaleza (en tensin y
relacin con Downey como centro), nos remiten a un movimiento centrfugo
y divergente. Vectores de problemas y referentes que, tal como pies y manos,
brazos y piernas, actan o instan a actuar; se hacen cargo de una contingencia
o testimonian una emergencia. Estas extremidades ponen en evidencia huidas,
gritos, protestas, o migraciones individuales y sociales, en el sentido de que
[] en las lneas de fuga se inventan armas nuevas, para oponerlas a las
pesadas armas de Estado. (DELEUZE; GUATTARI, 2008, p. 208).
Brazos y manos. Loomshuttles, Warpaths de Ins Doujak y John Barker
reflexiona sobre el lugar que ocupamos en el mundo, cuando nuestra cultura
entra en tensin con el entorno internacional. Lo hace por medio de un video,
una instalacin y una coleccin de afiches, que refieren a la manufactura
textil y a la confeccin de la moda, con un llamado a descubrir la propia
identidad, como un acto social y de posicionamiento poltico, desmantelando
y desterritorializando las expectativas de los dems.
Ins Doujak y John Barker exploran la dimensin problemtica del
comercio cultural: efectos polticos, derechos econmicos, sociales y culturales
de los procesos de colonizacin y poscolonizacin entre otros.
Manos. En la obra Historias de Aprendizaje la artista chilena Voluspa
Jarpa expuso la tachadura y desclasificacin de diversos documentos secretos
vinculados a la represin en Latinoamrica: los de la Central Intelligence
Agency (CIA) de la ltima dictadura en Brasil (1964-1985), desclasificados
hace unos aos por el gobierno de Estados Unidos; y los documentos del
servicio secreto brasileo producidos durante los mandatos de Getlio Vargas
(1951-1954) y Joo Goulart (1961-1964).
Figura 6: Panormica de la obra Worlds That Are on This One del artista Tony Chakar.
Fuente: http://www.leedor.com/contenidos/especiales/gestion/bienales/tony-chakar-en-la-31bienal-
of-other-worlds-that-are-on-this-one.
visibilizacin.
Of Other Worlds That Are on This One del artista, arquitecto y escritor
libans Tony Chakar nos lleva a una extraeza de naturaleza metafsica y
mstica para que nos cuestionamos la realidad de ese otro mundo en este, y
el sentido de lo que somos en tanto individuos y colectivos. Nuestro contexto
es el de un devenir histrico en el seducen promesas y bsquedas superiores,
las que se cruzan con discursos y tecnologa. En esta obra examina imgenes
observadas a travs de las redes sociales, siendo su trasfondo las revoluciones
rabes y los diferentes movimientos de ocupacin en el mundo entero.
En Of Other Worlds That Are on This One hay una estratgica violencia
contra elorganismo conformada de dos mundos: uno se compone de las
imgenes que por lo general incluyen personas, tomadas por Chakar con
su telfono mvil; el otro mundo surge del ordenador y un programa de
reconocimiento facial, el cual distingue entidades objetuales y no las personas
registradas. Cuando se le pregunta al artista qu mundo muestra, responde:
el trabajo no muestra otro mundo, pero apunta a la posibilidad de encontrar
otro mundo en l.
Figura 8: The Incidental Insurgents, de los artistas Basel Abbas y Ruanne Abou-Rahme.
Fuente: http://www.ibraaz.org/projects/52.
Figura 9: The Incidental Insurgents, de los artistas Basel Abbas y Ruanne Abou-Rahme.
Fuente: http://www.ibraaz.org/projects/52.
Esta historia de ficcin del video puede llegar a ser la del pasajero
clandestino, segn sea contada y recibida: la narrativa puede entrelazarse con
nosotros, activar recuerdos y experiencias que cuestionan la subjetivacin de
la cual pendemos, hacindose patente la necesidad o la imposibilidad de la
utopa. Se abre la posibilidad de actuar, narrar, rehacer la historia que nos da
la espalda o a la cual nosotros como ellos le damos la espalda.
La bsqueda comienza con tres coordenadas con las cuales se hace,
cual montaje desarticulado de sentido, una nueva historia, comprometida
de forma vital y poltica. Esta es la vida anarquista del precoz Victor Serge y
sus bandidos contemporneos en el Pars de la dcada de 1910; Abu Jilda y
la pandilla de Armeet, formada por malhechores de una rebelin contra los
britnicos en Palestina de 1930; y el artista como bandido por excelencia,
segn la novela de Roberto Bolao Los detectives salvajes, ambientada en
Mxico de 1970. Desde este espacio micropoltico se rompe el estrato y
se pone en jaque el orden establecido; ya que las referencias utilizadas en
la composicin de la obra evocan el carcter del proscrito: un individuo
13
Es preciso completar la cita, con la voz de Deleuze:Como consecuencia, los dos grandes conjuntos
molares, al Este y al Oeste, estn constantemente trabajados por una segmentacin molecular, con fisura
en zig-zag, que hace que tengan dificultad para retener sus propios segmentos. Como si constantemente
una lnea de fuga [] fluyese entre los segmentos y escapase a su centralizacin, eludiese su totalizacin.
(DELEUZE; GUATTARI, 2008, p. 220).
Figuras 10 y 11: The Incidental Insurgents, de los artistas Basel Abbas y Ruanne Abou-Rahme.
Fuente: http://www.ibraaz.org/projects/52.
ABARCA, Rosa Mara Droguett. The emancipation of a body without organs put to the
test: the 31st Sao Paulo Biennial. Tans/form/ao, Marlia, v. 40, n. 1, p. 127-150 , Jan./
Mar., 2017.
Abstract: This article shows that the 31st Sao Paulo Biennial has an emancipatory affinity for the
landless wanderers, migrants, and travelers. As such it becomes aBody without Organs(BwO) that
displays liberating strategies, promoting disarticulation, experimentation, wandering, and the transit
of subjects and peoples. This Biennial, as a BwO, moves intensities as sensible flows through the
interstices of the artistic projects inside the organism. Here, theBwObecomes a set of practices that
deterritorialize the strata of the social organism, making the structured organs in these systems
explode.
Referncias
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Recebido em 23/04/2016
Aceito em 11/08/2016
Diferentes Diferencias1
Resumen: El artculo realiza una precisin conceptual respecto a la idea de diferencia trabajada por
algunos autores ligados al pensamiento de la diferencia. Estas diferentes diferencias constituirn una
trama en donde cada una se mostrar en su irreductibilidad y constitutiva vinculacin a las otras; unas
diferencias convergern con otras o simplemente las desplazarn. La hiptesis es que la diferencia
ontolgica, la diferrance, la diferencia pura, la diferencia de los cuerpos y la diferencia colonial
muestran que el problema de la diferencia, llevado a mbitos concretos como diferencias de gnero,
diferencias tnicas, etc., ha de ser siempre trabajado desde el carcter irreductiblemente plural de la
diferencia.
Palabras Clave: Diferencia. Heidegger. Derrida. Nancy. Deleuze. Fanon.
1 Este escrito forma parte del proyecto de investigacinMaterialidad del cuerpo y la diferencia en
la ontologa de Jean-Luc Nancy (Fondecyt n1150266) del que Valentina Bulo es Investigadora
responsable.
2 Doctora en Filosofa por la Universidad Complutense de Madrid, autora de El temblor del ser. Cuerpo
y afectividad en el pensamiento tardo de Martin Heidegger (Biblos, 2012) y Tonos de realidad. Pensar
el sentimiento en la filosofa de Xavier Zubiri. Actualmente se desempea como acadmica en el
Instituto de Estudios Avanzados de la Universidad de Santiago de Chile. E-mail: valenbulo@hotmail.
com
3 Doctor en Estudios Americanos por la Universidad de Santiago de Chile. Actualmente se desempea
como acadmico de la Universidad Alberto Hurtado. E-mail: merino.rodolfo@gmail.com
Derrida operar con la sustraccin del carcter principial que pueda pretender
cualquier diferencia. En ambos est, pensamos, el intento de ir contra esa fuerza
que tiende a la cristalizacin de las diferencias hacindolas identidades, pero
su estrategia es distinta: Deleuze activa, por decirlo as, todas las diferencias
juntas y Derrida desactiva cualquier principio diferencial (es la operacin
deconstructiva).
Nancy (2008, p. 250) afirma respecto a Deleuze y Derrida que:
Compartieron el tiempo filosfico de la diferencia. El tiempo del
pensamiento de la diferencia. El tiempo de un pensamiento diferente de la
diferencia. El tiempo de un pensamiento que deba diferir de aquellos que
lo haban precedido. El tiempo de un estremecimiento de la identidad: el
tiempo, el momento, de un reparto[] La frmula de Deleuze se enuncia:
diferir consigo mismo. La de Derrida: s mismo difirindose. Deleuze
dice diferir consigo mismo: la diferencia y el s son dados juntos, el uno
con el otro; ni identificados formalmente como si uno fuese otro, ni separados
uno del otro como si uno excluyese el otro. Derrida tiene delante de l al
diferir de la presencia misma. Ella no se presenta sino por adelantado o con
retraso respecto de sEn cierto modo, aqu y all se trata del sentido. De
aquello que constituye el sentido del sentido. De aquello que del sentido, en
el sentido, difiere de una identidad significada, de una verdad dada. Pero uno
lo ve diferir abrindose, el otro lo ve ser abierto difirindose. Uno est en el
surgimiento del sentido, el otro en su promesa que promete no ser cumplida.
4 Para Nancy (2006, p. 90) inmundo es aquello que no es absorbible, sublimable o reciclable por el
mundo, son los restos del mundo que escapan a todo ciclo.
Abstract: This article presents the idea of difference as discussed by some authors linked difference
thinking. These different differences constitute a drama where each one will be displayed in its
irreducibility and its constitutive relationship to the others; some differences will converge with others
or simply displace them. Ontological difference, difference, pure difference, the difference of bodies,
and colonial difference, show that the problem of difference, when brought into specific areas such
as gender, ethnicity, etc., must always be approached from the irreducibly plural nature of difference.
Keywords: Difference. Heidegger. Derrida. Nancy. Deleuze. Fanon.
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Recebido em 07/09/2016
Aceito em 11/12/2016
Resumo: Neste artigo, pretendemos trabalhar, a partir de uma leitura de Zizek e Lacan, a perspectiva
radical de liberdade como superao da dialtica entre a Lei moral kantiana e o gozo sdico. Para
isso, procuramos primeiramente mostrar como Lacan articula a relao de Kant com Sade, para, em
seguida, pensar como, segundo Zizek, o psicanalista encontra uma sada para o princpio de liberdade
kantiana, a partir da tica do desejo puro, o que nos permitir pensar um Kant sem Sade.
Introduo
Em 1963, Lacan publica um texto considerado por muitos como um dos
mais hermticos de seus Escritos, e cuja dificuldade se expressa j no ttulo: Kant
com Sade. A impressionante combinao desses dois autores nos leva diretamente
questo de como possvel o arauto da moralidade, na era moderna, para quem
a liberdade est incondicionalmente ligada ao dever moral, intransigncia do
imperativo categrico, formar par com o seu extremo oposto, a maior expresso
literria da perverso e da libertinagem incontida. Por isso, Zizek (1998) assinala
que essa dupla, de todas que j se formaram, ao longo dos ltimos anos (como
Freud e Lacan, Marx e Lenin etc.), , com efeito, a mais problemtica do pensa-
mento moderno. Mas, longe de essa estranha associao ser um mero devaneio do
psicanalista, devemos louvar aqui seu gnio: Lacan pde extrair do seio do rigor
moral kantiano o seu ncleo obsceno, excessivo e perverso, que permanecia oculto
para a tradio, e cuja melhor representao no outra seno a figura libertina
de Sade. Zizek (1998) tem, portanto, plena razo ao afirmar que essa dupla Kant-
uma injuno radicalmente egosta. Por isso, Lacan (1959-60/1988) est correto
em afirmar, no seu Seminrio sobre a tica na psicanlise, que [...] meu egosmo
se satisfaz extremamente bem com um certo altrusmo, com aquele que se situa
no nvel do til, e precisamente o pretexto por meio do qual evito abordar o
problema do mal que desejo, e que deseja o meu prximo. (LACAN, 1959-
60/1988, p. 228). No haveria, nesse sentido, um prazer excessivamente egosta
em toda ao altrusta? como se o que eu estabeleo como fim moral universal
fosse apenas uma projeo pessoal pautada no sentimentalismo idiossincrtico.
Assim, o desafio propriamente tico que se coloca aqui : como sair desse ciclo, ou
seja, como alcanar um nvel ideal de ao universal e impessoal, desvinculada de
toda e qualquer inclinao patolgica? Ou, ainda: como estabelecer um tribunal
idneo, justo e universal, que possa ser capaz de julgar uma ao verdadeiramente
tica? Somente no imperativo moral que atingimos a verdadeira universalidade,
haja vista que seu imperativo formal pautado unicamente no dever imposto pela
razo universal. Trata-se de uma proposta de uma moral deontolgica, cujo prefixo
grego deon, que significa dever, obrigao, sugere uma ao fundada basicamente
no dever Lei universal. Dessa forma, Kant (2011b, p. 62) enfatiza que [...] o
imperativo categrico portanto s um nico, que este: Age apenas segundo uma
mxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.
(de objeto), mas sim um novo desejo cujo objeto fosse a prpria forma da Lei?
Dito de outra forma, quando Kant purifica o dever moral de todo contedo pa-
tolgico, ou seja, dos desejos empricos que corrompem a universalidade da Lei
moral com inclinaes idiossincrticas e utilitaristas, o resultado o surgimento
de uma vontade livre, totalmente desprovida de objeto, vinculada unicamente
pura forma da Lei. Porm, segundo Lacan (1963/1998), o que Kant no percebe
que, nesse momento, quando se elimina do campo da universalidade moral todo
objeto patolgico em funo de uma vontade livre que quer simplesmente a pura
forma da Lei, ele automaticamente eleva essa prpria forma da Lei moral condi-
o de um objeto inalcanvel, impossvel. Ou seja, ele no v que a prpria forma
da Lei o objeto par excellence do desejo, o qual impele uma depurao furiosa e
compulsiva de todo contedo emprico que macula seu a priori transcendental.
E exatamente aqui que Kant trai a si mesmo: ele no assume a possibilidade
de que a pura forma da Lei possa ainda servir de objeto para o desejo. Em ou-
tras palavras, Kant no reconhece (ou melhor, recalca) que o prprio estatuto da
Lei moral, sua condio puramente formal, se apresenta de maneira essencial-
mente ambgua em relao ao desejo: no momento em que a pura forma da Lei
impele duramente rejeio de todo desejo patolgico, a dimenso formal da
Lei continua a servir como objeto primordial do desejo humano. Dessa forma,
Kant recua diante de sua prpria injuno moral. Ou seja, uma vez que a forma
da Lei ainda serve como objeto de desejo, significa ento que Kant no alcana
uma radicalizao rigorosa de seu prprio imperativo categrico, qual seja, o de
garantir uma autonomia moral para alm de toda e qualquer dependncia do
objeto (ainda que este seja identificado como a pura forma da Lei).
pista de Heidegger, para quem, na sua atenta leitura da Crtica da Razo Prtica,
a dor consistiria na nica emoo transcendental, a priori, [...] a emoo do meu
eu patolgico sendo humilhado pela injuno da lei moral. (ZIZEK, 2012a, p.
562). Assim, para Kant (2007), o significado de perfectibilidade da esfera tica
implica uma rigorosa disciplina e submisso dos sentidos razo universal. Isto
, o homem conquista a sua liberdade lutando contra si mesmo, ou melhor, se
educando e impondo a si um regime disciplinar ininterrupto. por essa razo
que educao um termo que tem sentido somente para seres humanos, j que,
na base de sua dita natureza, lidamos com um descarrilamento estrutural ou,
melhor dizendo, no natural.
Em seus escritos antropolgicos, Kant sublinha que o animal humano
precisa de uma fora disciplinar para domar essa insubordinao constitutiva
de sua natureza. Como atesta, nesta passagem: [...] o ser humano a nica
criatura que deve ser educada. Por educao queremos dizer especificamente
cuidado (manuteno, suporte), disciplina (treinamento) e instruo, juntamente
com formao. (KANT, 2007, p. 437). E, aqui, Kant mais rousseauniano do
que nunca. Foi Rousseau quem primeiro estabeleceu essa relao indissocivel
entre liberdade e perfectibilidade moral. Para ele, a liberdade uma condio
estritamente humana, pois somente o homem possui a capacidade intrnseca de se
aperfeioar, ao longo de sua existncia, ao passo que o animal, guiado desde a ori-
gem de modo instintivo pela natureza, , digamos, perfeito desde sempre (FERRY,
2012. p. 74). Isso testemunha o fato de que o elo perdido entre natureza e cultura
um elo perdido desde sempre. No h base natural do homem; h, nele, uma
vocao antinatural, manifestada por um excesso disjuntivo, inquietante e violen-
to, e que est ausente nos animais. Eis o principal motivo da distino freudiana
entre instinto e pulso: enquanto o instinto possui um tlos prprio, incutido
na biologia do animal, a pulso , pelo contrrio, completamente desprovida de
horizonte, uma espcie de propulso libidinal cuja nica meta a pura e eterna
repetio cclica. H, portanto, uma disfuno constitutiva inerente ao prprio
homem, que desregula e pe abaixo todo o trabalho edificante e harmonioso da
natureza. E, por essa razo, a liberdade s possvel a partir de uma fora discipli-
nar implacvel sobre o homem.
No entanto, Lacan identifica com muita perspiccia a fina correlao entre
a universalidade da lei moral e esse excesso insubordinvel do homem. A proble-
mtica que ele levanta concerne, ento, ao fato de que a lei moral kantiana no
atua de sorte a abrandar esse excesso, como se tratasse de duas foras antagnicas.
Pelo contrrio, a lei moral pressuposta por esse excesso, ela s se torna possvel
contra o pano de fundo de um descarrilamento constitutivo, de uma compulso
Gute, que o faz continuar a obedecer ao imperativo da lei sem o ganho de qualquer
benefcio calculvel para o sujeito, a jouissance.
Para melhor compreender essa complicada relao entre jouissance e princ-
pio de prazer, tomemos a anlise que Lacan faz de uma famosa passagem da Crtica
da razo prtica. A fim de demonstrar a autonomia da liberdade em seguir o dever
moral, em detrimento das inclinaes patolgicas do sujeito, Kant (2011a, p. 50-
51) apresenta o seguinte desafio:
Supondo que algum alegue que sua voluptuosa inclinao seja-lhe
totalmente irresistvel no momento em que o objeto querido e a ocasio
correspondente lhe ocorram, pergunta-lhe se, no caso em que se erguesse
perante a casa em que ele encontra essa ocasio uma forca para suspend-lo
logo aps a gozada volpia, ele ento no dominaria sua inclinao. No se
precisa de muito tempo para adivinhar o que ele responderia.
Ou seja, para Kant (2011a), entre ser enforcado aps ter tido a chance
de fazer sexo com a mulher de seus sonhos e no faz-lo, obviamente que o ho-
mem escolheria suspender suas inclinaes patolgicas em favor da vida. claro
que essa representao no corresponde ao que Kant toma como uma atitude
verdadeiramente moral, pois est em jogo um clculo bem-sucedido sobre as
consequncias empricas de sua escolha. E Lacan est totalmente ciente disso:
[...] isso no nada, e no a que est o fundamento da moralidade em Kant.
(LACAN, 1959-60/1988, p. 136). Contudo, outra coisa que lhe chama a
ateno. No fundo, para Lacan, fazer ou no sexo com a mulher no significa
respectivamente satisfao ou abstinncia dos prazeres. No est em jogo aqui uma
escolha simples que acarreta diretamente em prazer ou desprazer. Pelo contrrio,
do ponto de vista da psicanlise, a nica forma de o sujeito obter prazer renun-
ciando ou protelando a prpria satisfao imediata. Isto , a escolha do sujeito
no se baseia somente nas consequncias empricas de seu ato: o sujeito escolhe
a abstinncia do sexo, no por temer diretamente a forca, mas porque talvez essa
seja a nica condio de ele continuar gozando. Essa lgica paradoxal certamente
a principal contribuio da teoria psicanaltica: o que, at Freud, nunca se tinha
levado em considerao o fato de que h uma assimetria profunda entre prazer e
gozo. Gozo e princpio de prazer so no princpios antagnicos, mas antinmicos
par excellence. Ou seja, eles no esto situados no mesmo plano linear, mas se-
parados por uma lacuna paralctica irredutvel. E, para que continue havendo
desejo, preciso que haja sempre uma distncia mnima entre princpio de prazer
(satisfao) e gozo. Assinala Miller (2011, p. 204):
Quer dizer, o verme dentro do fruto significa a prpria lacuna que impede
um acesso direto ao gozo pela via do prazer.
Segundo Johnston (2005), podemos apontar dois fatores que, do ponto de
vista da psicanlise, solapam a tese do filsofo. Primeiramente, Johnston declara
que, segundo Lacan, essa escolha no to bvia assim, ou seja, no h na verdade
nenhuma necessidade lgica e/ou transcendental para o homem deixar de dormir
com a mulher de seus sonhos a fim de evitar o enforcamento. No fundo, est to-
talmente no seu campo de possibilidade decidir se sacrificar para ter uma noite de
extraordinria de prazer. Em segundo lugar, para Lacan (1963/1998), a forca no
representa absolutamente um empecilho para o exerccio do desejo do homem;
com efeito, consiste na prpria condio positiva para seu desejo. Ou seja, o objeto
de desejo e a forca no so duas categorias disponibilizadas num mesmo plano
simtrico, onde a possibilidade de ser enforcado aps consumar o ato anularia o
desejo pela mulher. Na verdade, h aqui uma assimetria radical entre eles, cujo
efeito revelador apresenta um como sendo a condio positiva do outro. Dito
sem rodeios: do ponto de vista da psicanlise, o que sustenta o vnculo do sujeito
pela mulher justamente a possibilidade de ser enforcado logo aps a to sonhada
gozada volpia. Como explica Zizek (1999, p. 289):
O contra-argumento de Lacan aqui que ns certamente temos de adivinhar
o que sua resposta pode ser: e se ns encontrssemos um sujeito (como
constata regularmente a psicanlise) que s pode desfrutar plenamente
de uma noite de paixo se alguma forma de forca amea-lo isto , se,
fazendo isso, ele violasse alguma proibio... se a gratificao da paixo sexual
envolvesse a prpria suspenso dos mais elementares interesses egostas [...]
esta gratificao claramente localizada no alm do princpio do prazer.
de seu gozo literal, de sucumbir ao pathos de sua inclinao sexual. Todavia, isso
s se torna inteligvel, se tivermos em mente de que se trata insisto de uma re-
lao radicalmente assimtrica entre a donzela e a forca, ou melhor, entre desejo e
proibio. Dessa maneira, enquanto, numa dimenso, o sujeito impedido de en-
tregar-se s suas inclinaes patolgicas imediatas, na outra, ele goza lascivamente
desse mesmo impedimento. Eis o segredo de Kant que Sade nos revela: enquanto,
por um lado, seguimos obstinadamente o rigor da lei moral, por outro, gozamos
compulsivamente.
Este o paradoxo bsico da jouissance: o fato de ela ser tanto impossvel
quanto inevitvel. Como nos mostra Zizek, por um lado, ela nunca atingida,
sempre perdida, mas, por outro, nunca nos livramos dela. Ou seja, cada vez que
renunciamos ao gozo, gera-se um gozo na renncia. Com cada empecilho que
obstrui o acesso ao desejo, gera-se um desejo por esse mesmo obstculo [...]
o excesso do gozo no um resto do gozo que resiste, no importa com que
intensidade o sujeito lute para se livrar dele, mas sim um gozo que surge da prpria
renncia. (ZIZEK; MILBANK, 2014, p. 310). Por isso, a dialtica entre desejo e
proibio no significa simplesmente elevar o valor do objeto, tornando seu acesso
mais difcil, porm, de maneira propriamente paradoxal, tomar esse mesmo objeto
como uma fora autocontraditria, de atrao e repulso simultnea, gerando,
assim, um vazio estrutural por cujo eixo gravita nosso desejo (ZIZEK, 2006b, p.
25).
Assinala claramente Zizek (2008a, p. 89):
assim tambm que deveramos ler a tese de Lacan sobre a satisfao das
pulses: a pulso traz satisfao porque [...] transforma fracasso em triunfo
nela, o prprio fracasso de atingir a meta, a repetio desse fracasso, a
circulao sem fim em torno do objeto, gera uma satisfao prpria. Como
explica Lacan, o verdadeiro alvo da pulso no atingir a meta, mas sim
circular interminavelmente em torno dela.
O objeto a
Desse modo, v-se que desejo e gozo so categorias radicalmente antagni-
cas e at exclusivas, uma em relao outra. No entanto, diante disso, surge uma
outra questo pertinente: [...] como ser ento possvel acoplar desejo e gozo
para garantir um mnimo de gozo no interior do espao do desejo? (ZIZEK,
2004, p. 52). Ou seja, qual seria o elemento mediador dos domnios incompat-
veis entre gozo e desejo? A resposta s pode ser uma: o famoso objeto a de Lacan.
, portanto, o objeto a que, por assim dizer, d as coordenadas elementares que
estruturam o quadro de nossa dimenso fenomnica. E, como tal, ele cumpre uma
dupla designao: ele tanto o objeto-causa do desejo como tambm o objeto-
-mais gozar. Jacques Alain-Miller (2010, p. 195) eloquentemente preciso, quan-
do destaca que [...] o objeto a um amboceptor entre o desejo e o gozo. Para
mostrar isso, nada melhor do que estas duas definies trazidas por Lacan ao longo
de sua obra: ele o define tanto como mais gozar quanto como causa do desejo.
Portanto, no nos deixemos enganar: o objeto a no (somente) o objeto
faltante, que sempre escapa ao meu alcance, apto a driblar astuciosamente o meu
desejo. Mais que isso, o objeto a propriamente a falta encarnada que inaugura a
prpria dimenso do desejo. Assim, ressalta Zizek (2004, p.52): O objeto peque-
no a no aquilo que desejamos, aquilo que procuramos, mas antes o que pe o
nosso desejo em movimento, o quadro formal que lhe d consistncia. Em outras
palavras, o objeto a o objeto-causa da falta ou causa-do-desejo (uma vez que o
desejo corresponde a esse processo metonmico) e, como tal, ele no (somente)
um processo dinmico e fugaz, contudo, constitui a prpria presena inerte da
falta que nos pe em um pseudomovimento de busca eterna o eixo fixo que nos
faz estupidamente mover em crculo, em torno dele. Zizek (2012, p. 384) afirma,
em seu Menos que Nada: [...] o objeto-causa do desejo no seno a encarnao
da falta, seu lugar-tenente. Aqui, a relao entre objeto e falta invertida: a falta
no redutvel falta de um objeto, ao contrrio: o prprio objeto que a positi-
vao espectral de uma falta.
E, medida que o objeto a o objeto que encarna a prpria falta em
torno da qual circula o nosso desejo, esse objeto estrutural deve ento produzir
um excesso de gozo, um mais-gozar, que impede o arremate final entre desejo e
gozo. Isto , ele a distncia mnima que articula essas duas dimenses. Isso se
torna menos enigmtico, se levarmos em conta a ambiguidade que comporta a
expresso francesa plus-de-jouir. O plus aqui pode significar tanto mais, exces-
so, como tambm no mais, nenhum (dependendo apenas da forma como
pronunciado). Isso significa que o mais-gozar tanto aquilo que produz gozo, mas
tambm aquilo que impede o acesso ao gozo. Nesse sentido, o excesso de gozo
sobre o mero prazer gerado pela presena do exato oposto do prazer, ou seja, a
dor. (ZIZEK, 2012a, p. 164).
O mais-gozar , por conseguinte, o prprio gozo na dor, ou seja, quando
almejamos obter um excesso de prazer, o resultado que j no temos mais nenhum
prazer, pelo simples motivo de que s podemos experiment-lo como dor. Em
suma: temos ento uma relao antinmica entre gozo e desejo, cujo mediador
justamente o objeto a. Dessa maneira, correto afirmar que o desejo constitui a di-
mesmo) o sacrifcio do gozo. Uma vez que a frmula bsica da agncia do supereu
maligno o sacrifcio de todo contedo emprico, em nome da pura forma da
Lei, o passo seguinte para radicalizar o princpio absoluto do sacrifcio, imposto
pela Lei moral, seria, ento, sacrificar a prpria forma da Lei, ou seja, sacrificar o
prprio sacrifcio. Num primeiro momento, o sujeito sacrifica tudo em nome da
exigncia do prprio sacrifcio, restando disso um gozo inaudito articulado pelo
prprio ato de sacrificar. Mas, num segundo momento, como consequncia lgica
do primeiro ato, o sujeito deve sacrificar o prprio sacrifcio, ou seja, o prprio
gozo incutido na compulso da injuno ao sacrifcio.
Nesse sentido, imprescindvel remover o mbito da tica para alm da
tenso entre Lei e gozo. Cabe, pois, opor o que Lacan considera como a tica
do desejo, na psicanlise, cuja mxima no cedas no teu desejo, injuno
ao gozo exercida pelo supereu. primeira vista, parece haver uma contradio
nessa mxima lacaniana, uma vez que o desejo, como foi tratado ao longo deste
captulo, a condio de possibilidade (negativa) do gozo. No entanto, devemos
considerar que o gesto conclusivo do desejo, seu acabamento final, no o encon-
tro satisfatrio com o objeto (uma vez que isso impossvel), mas o sacrifcio de
si, ou seja, o desejo deve sacrificar a prpria causa que pe em atividade o circuito
metonmico atravs da qual ele busca satisfao. Em outras palavras, embora o de-
sejo seja caracterizado por uma perda constitutiva a priori, isto , por uma eterna e
incessante procura por seu objeto perdido, a sua tica mais fundamental no pode
consistir na manuteno desse movimento incessante em torno desse vazio. A tica
do desejo consiste, ao contrrio, na perda da prpria perda, ou seja, na negao da
negao, a via atravs da qual se nega a prpria causa-da-negao que d origem
ao desejo. Isso nos leva ao conceito lacaniano de travessia da fantasia. Para enten-
d-lo, temos que justapor dois tipos de negatividade: a primeira delas ocasiona-
da pelo engodo da posio subjetiva que incorpora a negatividade/finitude como
dimenso metonmica do desejo. Mediante essa postura, surge inevitavelmente o
sentimento de uma perda originria e constitutiva, uma falta jamais suprida. A
segunda negatividade, todavia, uma inverso dialtica da prpria perda, isto ,
perda dessa perda originria: no que o sujeito perca algo positivo, um objeto
determinado cuja falta determinar o sentido de sua existncia; mas o que ele per-
de exatamente o que nunca possuiu, ou seja, ele perde a iluso subjetiva de que
antigamente possua algo. E o sentimento de culpa, que acompanha o supereu, a
confirmao inequvoca de que essa travessia (da fantasia) ainda no foi definitiva,
e que o desejo ainda comprometido de alguma forma.
Qual, ento, a relao disso com a moral kantiana? Ora, o ponto falho da
moral transcendental de Kant justamente quando ele no tematiza essa inverso
Por isso que somente assumindo a jouissance oculta por trs da forma
pura da Lei moral que podemos pensar um Kant desprovido de seu excesso
obscuro e, assim, finalmente, quebrar o crculo vicioso entre Kant e Sade. E
somente ao sobrepor a crtica do desejo puro de Lacan Crtica da Razo Prtica
de Kant que podemos radicalizar o princpio da liberdade humana. E, como
ficou claro, esse desejo puro s pode ser efetivado com a identificao plena do
sujeito transcendental com o seu resto excrementcio enquanto mais-gozar. Ou
seja, somos livres apenas quando nos identificamos com o complemento objetal
da falta, isto , o objeto a como o fundamento da pura formalizao do sujeito
transcendental.
FONSECA, Fernando Fac de Assis; RECH, Hildemar Luiz. Zizek with Lacan in Kant
without Sade: freedom as the reappropriation of pleasure. Tans/form/ao, Marlia, v. 40, n.
1, p. 165-186, Jan./Mar., 2017.
Abstract: In this article, based on a reading of Zizek and Lacan, we discuss the radical perspective of
freedom as an overcoming of the dialectic between the Kantian moral law and sadistic joy. We first
try to show how Lacan articulates Kants relationship with Sade, and then consider how, according to
Zizek, the psychoanalyst finds an outlet for the Kantian principle of freedom based the ethics of pure
desire, which allows us to think of a Kant without Sade.
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Recebido em 20/07/2016
Aceito em 21/10/2016
Resumen: El siguiente trabajo tiene por objetivo examinar la Nueva fenomenologa en Francia, a travs
de las obras de Marion, Romano y Barbaras. Nuestra hiptesis de lectura es que estas fenomenologas,
por un lado la de Marion y Romano, y por el otro la de Barbaras, coinciden en dos cuestiones: 1)
el privilegio que otorgan a la donacin y, 2) la necesidad de pensar la subjetividad abandonando el
paradigma de la subjetividad trascendental husserliano. Ambas propuestas requieren de un examen
de las intenciones metdicas de la fenomenologa husserliana y es, en dicha discusin, que ganan, al
mismo tiempo, la originalidad de su marcha fenomenolgica.
Palabras Claves: Subjetividad. Donacin. Deseo. Acontecimiento. Fenmeno.
1 Este artculo ha sido escrito en el marco del proyecto Fondecyt Regular N 1140997 (2014-2016),
del que el autor es el Investigador Responsable.
2 Departamento de Ciencias Sociales. Universidad de La Frontera. Temuco, Chile. E-mail: patricio.
mena.m@ufrontera.cl
3 A pesar de que adhiero a la tesis de Isabel Thomas-Fogiel respecto del predominio de la cuestin de
la donacin en la nueva fenomenologa en Francia, no comparto, sin embargo, la tesis general de su
ltimo libro, Le lieu de luniversel (2015), segn la cual la actual fenomenologa francesa habra dado
un giro hacia una fenomenologa realista. Cf. Mena (2015, p. 107-137).
Volver a las cosas mismas significa dejar que los fenmenos se den, esto
es que se muestren en su aparecer por s mismos y, por tanto, dejar al s del
fenmeno manifestarse; entonces, lo que se conoce como el idealismo de la
fenomenologa trascendental se vuelve, ciertamente, problemtico. Es, claramente,
las Meditaciones cartesianas el lugar donde mejor se deja expresar esta tesis. En el
pargrafo 33, Husserl (1985b, p. 123) realiza la siguiente declaracin:
Como el ego concreto que es la mnada comprende la vida entera, real
y potencial, de la conciencia, es claro que el problema de la exhibicin
fenomenolgica de este ego-mnada (el problema de su constitucin para s
mismo) ha de abarcar todos los problemas de constitucin. Otra consecuencia
es la identidad de la fenomenologa de esta autoconstitucin con la
fenomenologa en general.
Y si los acontecimientos, en tanto que nos afectan, nos tocan y nos son
contingentes, suponen de parte del advenant la capacidad de recibirlos, sta consiste
en un poder qua pasividad: su poder es dado por los acontecimientos y no por el
sujeto: se trata, por tanto, de la pasibilidad. Pasible significa capaz de padecer,
de sufrir; y esta capacidad implica una actividad, inmanente a la experiencia, que
consiste en abrir su propio campo de receptividad (MALDINEY, 2007, p. 265).
Una recepcin antes de toda recepcin? S, pues no hay posibilidad de ninguna
hospitalidad sin haber recibido, incluso a nuestra pesar. El camino de la recepcin
de los acontecimientos es trazado por ellos mismos; y el sujeto que los padece, solo
puede responderles despus de haberlos recibido.
En suma, el sujeto -que ya no puede ser pensado en tanto subjectum o
hypokeimenon- es pensado en su capacidad para acoger y recibir el fenmeno -el
acontecimiento, la llamada- y dejarse constituir por su arribo. Se trata de un
sujeto que, sin haber perdido su cualificacin de agente, se recibe a s mismo por
la novedad que portan los acontecimientos. An est en juego un sujeto libre
y responsable, pero entendiendo que tal responsabilidad no queda limitada a la
imputacin de nuestras acciones y sus efectos que yo mismo y otros me pueden
dirigir: hay aqu otro tipo de imputabilidad que es ms bien sealada a partir
del sentimiento de incumbencia. En efecto, los acontecimientos en cuanto traen
consigo un sentido nuevo capaz de reconfigurar el todo de nuestra orientacin,
nos ponen en situacin de responder de aquellos posibles a los que quedamos
abiertos; la ipseidad, afirmar Romano, es precisamente aquella capacidad de
responder de los acontecimientos; pero, es claro que no se responde de ellos, sino
en cuanto que el sentido que nos propone, por el cual se reconfigura nuestro
mundo, nos incumbe, sentimos o creemos que nos incumbe. De este modo, el
sujeto, pasible ante los acontecimientos, responde de ellos en la medida que se
reconoce incumbido por su sentido.
Es por tanto porque Husserl presupone que toda esencia es una plenitud
de ser, dicho de otro modo un en s segn un modelo implcito que no es
otro importa notarlo que el de la objetividad, que no puede pensar la
intencionalidad de otro modo que como un mentar todo tendido hacia el
ideal de intuitividad: a la esencia en tanto que plenitud de ser corresponde
en la correlacin una conciencia que tiende tambin a la plenitud por su
exigencia de intuicin.
Si este texto nos permite agregar razones para comprender por qu algunos
de las fenomenologas actuales son contra-intencionales, otorgando un certificado
de defuncin a la subjetividad trascendental, en pos de un sujeto en segunda
instancia que se recibe de lo que se dona, es preciso destacar que la fenomenologa
de Renaud Barbaras no deja de privilegiar el a priori universal de correlacin,
sin que ello signifique una vuelta atrs hacia un ideal de intuitividad ni hacia una
reificacin de la conciencia (BARBARAS, 2012). El nfasis que pone Barbaras en
el a priori correlacional tiene por funcin salvar al aparecer de la reduccin a un
tipo particular de apareciente, tal como son las vivencias. Porque, reconociendo
el aparecer a las vivencias hylticas y noticas en el cuadro de una constitucin
trascendental, se subordina el aparecer a un cierto apareciente, a esta categora
singular de entes que son las vivencias, dndose as el aparecer de antemano en el
momento en que se pretende dar cuenta de l. (BARBARAS, 2012, p. 51). De
este modo, a diferencia de las fenomenologas de Marion y Romano, Barbaras
no requiere postular una contra-intencionalidad para describir la donacin de
los fenmenos en su ms amplio espectro, como lo querra Jean-Yves Lacoste--,
sino que le parece que, adems de mantener y pensar el a priori correlacional,
incluso llegando a aquellas consecuencias como las de renunciar a la reificacin
de la conciencia y la del ideal de intuitividad y que el propio Husserl no habra
sabido vislumbrar, es lo que permite pensar verdaderamente la autonoma de
la manifestacin, lo que significa que [] ella es independiente frente a todo
apareciente, que no es de ningn modo tributaria de lo manifestado. Pues, lo
propio de eso que se manifiesta en la manifestacin es que su modo de ser es el de
la cosa o, ms precisamente, del ente. (BARBARAS, 2011a, p. 333).
La autonoma de la manifestacin conlleva, por consiguiente, una crtica
a las pretensiones de fundar el aparecer en la subjetividad, pues ms que ser sta
constitutiva del aparecer de los entes, si tenemos en cuenta el a priori correlacional,
habra que decir que la subjetividad es una dimensin constitutiva del aparecer,
y que ste mismo la hace posible [] como surgimiento de este ente singular
que es la vivencia. (BARBARAS, 2011a, p. 334). Ms que decir que el aparecer
El deseo tiene en efecto esto de propio que si algo puede satisfacerle nada
puedo colmarlo, de modo que renace en lo que lo apacigua, como lo deseado
exacerba en la medida que lo satisface. Todo pasa como si [] la vida se
confundiese con una aspiracin a la venida del mundo. El sujeto existe como
deseo del mundo, es decir como una aspiracin que, a la vez, es susceptible
de realizarse, precisamente, bajo la forma de la aparicin de los entes finitos,
pero no puede por principio ser colmada en tanto que el mundo se retira
siempre de las apariciones en las que se presenta. (BARBARAS, 2012, p. 58).
El deseo es, bajo este respecto, movimiento hacia lo que el sujeto no es;
movimiento que es principio de manifestacin de las cosas. La negatividad propia
de la manifestacin, que no es sino la de la vida, tiene su fundamento en el deseo
de ser ms, de ser otro.
Para concluir, quisiera tan solo realizar una breve nota. Hasta aqu
hemos intentado mostrar que la fenomenologa de Barbaras toma lugar en
la fenomenologa actual desarrollada en Francia, renunciando por un lado al
subjetivismo trascendental y, por otro lado, proponiendo una descripcin del
aparecer, tal como a su modo lo han hecho Marion y Romano. Pero quisiera,
tambin, subrayar brevemente una cierta comunidad de pensamiento o, al menos
un aire de familia, entre la propuesta de la fenomenologa de la manifestacin, de
la dinmica de la manifestacin, de Barbaras y la fenomenologa hermenutica
de Paul Ricur. Ciertamente, reconozco el abismo que separa ambas propuestas
filosficas, pero al mismo tiempo no se puede negar el inters comn entre los dos
filsofos por cuestiones como el deseo, el esfuerzo y el movimiento. Si para Barbaras
el deseo muestra porque mueve, manifiesta porque es negatividad, para Ricur
el deseo tambin conlleva un movimiento y una negatividad, pues es deseo de ser
y de persistir en la existencia (VALL, 2013). Al respecto, Ricur (1969, p. 95)
afirma que: La existencia [...] es deseo y esfuerzo. Nosotros la llamamos esfuerzo
para sealar su energa positiva y dinamismo, la llamamos deseo para designar
su carencia e indigencia. Incluso si el deseo es deseo de s, incluso en dicho caso
siempre se trata de un movimiento hacia una alteridad, movimiento mismo que
manifiesta la relacin estricta entre el sujeto y lo otro, y por tanto aquella distancia
que, insalvable, no deja de ser al mismo tiempo un modo de proximidad. Pero
decir proximidad es subrayar la distancia insalvable que no se deja suprimir jams.
La proximidad es distancia y, en ese sentido, el deseo es negatividad pues jams se
colma, jams se detiene siendo movimiento, el movimiento del deseo, una suerte
de perennidad insalvable.
MALET, Patricio Mena. Donation and subjectivity in the new French phenomenology:
Marion, Romano and Barbaras. Tans/form/ao, Marlia, v. 40, n. 1, p. 187-210, Jan./Mar.,
2017.
Abstract: The aim of this paper is to examine the new phenomenological tendencies in France
through the works of Marion, Roman, and Barbaras. Our hypothesis is that these phenomenologies,
on the one hand those of Marion and Romano, and on the other hand that of Barbaras, agree on two
main points: 1) the priority given to donation and 2) the need to think about subjectivity by putting
aside Husserls paradigm of transcendental subjectivity. We suggest that both philosophical approaches
require an examination of Husserls methodological pretensions, because it is in this context that the
originality of their own phenomenological ideas can be noticed.
Keywords: Subjectivity. Donation. Desire. Event. Phenomenon.
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Recebido em 29/08/2016
Aceito em 23/12/2016
1 Introduccin
Recientemente, Helen Beebee y Nigel Sabbarton-Leary (2010, p. 159 -
179) han cuestionado lo que ellos denominan un abuso de lo necesario a posteriori.
Tal abuso consiste en que no se tienen argumentos para explicar porqu ciertos
enunciados verdaderos, conocidos a posteriori, son tambin necesarios. Es lo que
Albert Casullo (2003, p. 191) denomina estatus modal especfico (specifical modal
status). La idea intuitiva de esta nocin es que la justificacin del conocimiento
de la verdad de cierto enunciado E es distinta de la justificacin del conocimiento
del estatus modal del mismo enunciado E. As, el abuso consistira en sostener
que Abuso de lo necesario a posteriori: La justificacin del conocimiento de la
verdad de ciertos enunciados de identidad terica fundamenta la justificacin del
conocimiento de que tales enunciados son necesarios.
Segn los autores, este paso exigira un compromiso con un tipo de
esencialismo no trivial, el denominado esencialismo cientfico (Scientific
Essentialism) (ELLIS, 2001)3. Siendo el esencialismo cientfico un caso de
esencialismo no trivial, se propone en este escrito que lo necesario a posteriori
no depende de alguna tesis esencialista de este tipo, sino slo de un esencialismo
trivial que permita afirmar la necesidad del principio de identidad y de diferencia
(MIRANDA, por venir).
El desarrollo de este escrito es el siguiente: La seccin 2 analiza la tesis
implcita que permite afirmar el denominado abuso de lo necesario a posteriori.
Ulteriormente, se enuncia y fundamenta la tesis gua de este escrito, a saber: Lo
necesario a posteriori no depende de una tesis esencialista no trivial. La ventaja de
esta tesis es que no exige un compromiso esencialista especfico. Del mismo modo,
se analiza la denominada primera ruta kripkeana y la importancia de que la co
referencialidad rgida no sea comprendida como mera cuestin de hecho. Para
evitar esto, se enuncian las condiciones que debe cumplir la co referencialidad
rgida. La seccin 3 especifica las razones de porqu fracasa la denominada segunda
ruta kripkeana propuesta por Beebee y Nigel Sabbarton-Leary (2010), siendo la
ms importante la comprensin del rol que le corresponde al experimento mental.
Se critica el rol evidencial, y se propone el rol heurstico. Siguiendo a Roca Royes
(2011), se enfatiza la importancia del criterio de carencia de conocimiento (lack of
knowledge) y el error que constituye el comprenderlo como un caso de simulacin
(pretense). La principal consecuencia es que se evita un compromiso ontolgico
con el nexo concebible posible. Posteriormente, se discute el experimento mental
3 La tesis central de ste esencialismo es que las leyes naturales son metafsicamente necesarias, pero
cognoscibles slo a posteriori. Este escrito no discute esta tesis metafsica.
4 Ver Kant (1965, p. 43-44): Experience teaches us that a thing is so and so, but not that it cannot be
otherwise. First, then, if we have a proposition which in being thought is thought as necessary, it is an
a priori judgement [] Necessity and strict universality are thus sure criteria of a priori knowledge.
Kripke (1980, p. 159) observa cmo este modo de entender el nexo a priori necesario, impide
proponer enunciados necesarios a posteriori. Destaca Kripke la importancia de la distincin puede
debe (esto es discutido en MIRANDA, por venir): Kant thus appears to hold that if a proposition is
known to be necessary, the mode of knowledge not only can be a priori but must be. (ibid. nfasis
de quin escribe) Las consecuencias de este anlisis, para la viabilidad de enunciados a posteriori es
central. No se trata de que Kripke confunda el acceso a posteriori con la justificacin a posteriori:
se trata de que los enunciados necesarios a posteriori son un caso anlogo al de los enunciados
matemticos, de modo tal que si un sujeto S conoce a posteriori que un enunciado E es verdadero,
por tratarse de un tipo especial de enunciado, ese sujeto S conoce a posteriori que E es necesariamente
verdadero. As lo sostiene lneas despus Kripke: [] one can learn a mathematical truth a posteriori
by consulting a computing machine, or even by asking a mathematician. Nor can Kant argue that
experience can tell us that a mathematical proposition is true, but not that it is necessary ; for the
peculiar character of mathematical propositions (like Goldbachs conjecture) is that one knows (a
priori) that they cannot be contingently true; a mathematical statement, if true, is necessary. All
the cases of the necessary a posteriori advocated in the text have the special character attributed to
mathematical statements: Philosophical analysis tells us that they cannot be contingently true, so
any empirical knowledge of their truth is automatically empirical knowledge that they are necessary.
This characterization applies, in particular, to the cases of identity statements and of essence. It may
es la necesidad de re, necesidad metafsica sobre los objetos que son designados.
Beebee y Sabbarton Leary observan que los trminos que se encuentran en la
derecha de los enunciados de identidad terica pueden ser comprendidos como
descripciones de la naturaleza subyacente (underlying nature) de la clase natural,
pero al costo de que la determinacin de esta naturaleza subyacente como la
esencia de dicha clase natural dependa de un experimento mental similar al de
la tierra gemela (PUTNAM (1975). Sin este experimento mental, se carecera de
la fundamentacin para comprender la naturaleza subyacente como esencia de la
clase natural: [] what is discovered a posteriori is merely the underlying nature
of the kind in question, rather than its essence; and this possibility will in turn
need to be removed using a Twin Earthstyle thought experiment. (BEEBEE;
SABBARTON-LEARY, 2010, p. 161).
La implausibilidad de sostener que el experimento mental de la tierra
gemela sea la fundamentacin de lo necesario a posteriori, permite observar el
avance que supone distinguir dos nociones centrales en la postura kripkeana, a
saber: esencialismo/necesario a posteriori. Una gua de esta distincin es enunciada
give a clue to a general characterization of a posteriori knowledge of necessary truths. Cabe notar
que, distinto al modo cmo lo entienden Gendler & Hawthorne (2002, p. 30), estos enunciados
de identidad si requieren de informacin emprica que establezca que son enunciados de identidad
verdaderos y, por esto, necesarios. Los autores sostienen explcitamente que: Whether a proposition
is necessary or contingent is a metaphysical question: it turns on whether its truth is independent of
what the world is like. (GENDLER; HAWTHORNE, 2002, p. 30). Estrictamente, los enunciados
de identidad considerados en la defensa de lo necesario a posteriori, no son independientes del modo
cmo es el mundo. Esta lectura, en rigor anti kripkeana, contina lneas despus, al sostener de los
casos Hspero es Fsforo y Agua es H2O que: They are necessary because the rigid designators
on each side of the copula co refer in the actual world, in hence in all possible worlds; but they
are knowable only a posteriori because the co reference of the terms is itself contingent
(GENDLER; HAWTHORNE, 2002, p. 31) La co referencia rgida no es del caso de que slo ocurre
(happen) qu es co referencial. Es un error que esto sea comprendido de ese modo, si se considera lo
explcitamente sostenido por Kripke (1971, p.136):
(2) (x)b(x = x)
But
(3) (x) (y) (x = y) Y [b(x = x) Y b(x = y)]
From (2) and (3), we can conclude that, for every x and y, if x equals y, then, it is necessary that x
equals y:
(4) (x) (y) (x = y) Y b(x = y)
Lo anterior se enmarca en la discusin sobre la ley de sustitucin de la identidad (law of the substitutivity
of identity). Es correcto sostener que la postura kripkeana no acepta como tesis subsidiaria que la co
referencia de los trminos rgidos sea contingente, pese a que lo enunciado en la primera parte del
prrafo citado de Gendler & Hawthorne (2002) pueda ser entendido como una postura actualista que
soluciona lo afirmado lneas despus (MIRANDA, 2011).
por Kripke5: Its certainly a philosophical thesis, and not a matter of obvious
definitional equivalence, either that everything a priori is necessary or that
everything necessary is a priori. (KRIPKE, 1980, p. 35).
Este escrito propone, anlogamente, que i) Es una tesis filosfica (y no un
asunto de equivalencia de definicin) que lo necesario a posteriori exige una tesis
esencialista no trivial.
Esta tesis es desde ya plausible al considerar el caso de los enunciados de
identidad en trminos singulares, al no exigir tesis esencialista subsidiaria para
afirmar la necesidad de casos como Hspero es Fsforo. Sin embargo, los
enunciados de identidad terica exigen una distincin de jure/de facto, debido a
que aceptar una doble estipulacin exige que ambos trminos rgidos sean de jure
y, de este modo, cognoscibles a priori. La co referencialidad rgida de jure de
facto es una va de solucin a este problema. Si esto es correcto, se puede afirmar
que lo necesario a posteriori se establece va co referencialidad rgida de jure de
facto, independiente de algn compromiso esencialista ulterior. Un antecedente
del nexo esencialista necesario a posteriori se observa en el siguiente anlisis que
Casullo (2003) realiza de la postura enunciada en Kripke (1980 y 1971):
(Tl) The concepts of a priori truth and necessary truth are different; they are
not interchangeable.
(T2) It is a substantive philosophical thesis, one that requires philosophical
argument to establish, that everything necessary is a priori or that everything
a priori is necessary.
(T3) The a priori and the necessary are not coextensive; there are examples
of necessary a posteriori truths and probably contingent a priori truths.
(CASULLO, 2003, p. 181).
este tipo de esencialismo7. Proponer esta distincin tiene una ventaja epistmica
y metafsica:
b) No exige al defensor de lo necesario a posteriori un compromiso
especfico con algn tipo de esencialismo.
c) Impide que la postura anti esencialista ataque la nocin de necesario a
posteriori, al derrotar (defeat) cualquier tipo de esencialismo no trivial.
Algunos autores han propuesto que este debate necesario a posteriori/
esencial podra evitarse si, de modo similar al caso de los enunciados de identidad
para singulares, los trminos que determinan como necesario un enunciado de
identidad terica8 fuesen ambos nombres propios, como es en efecto en Pablo
Neruda es Neftal Reyes, sin que ello derive en sostener que, si bien necesarios,
enunciados de este tipo no seran a posteriori. Beebee y Nigel Sabbarton-Leary
(2010, p. 160) observan no obstante una distincin entre ambos trminos, en el
caso de los enunciados de identidad terica. Los de la izquierda son:
7 Por ejemplo, Della Rocca (2002, p. 226, n. 4) no distingue entre necesario esencial. No obstante,
ulteriormente Della Rocca sostendr que el esencialismo que critica acepta la siguiente tesis:
(b) The modal properties of an individual (properties such as being essentially F or possibly G) are had
independently of the way in which the individual is referred to. (DELLA ROCCA, 2002, p. 226).
Y no (a), a saber:
(a) Individuals have some properties essentially or necessarily (DELLA ROCCA, 2002, p. 226.)
La razn principal por la que la autora centra su crtica en (b) y no en (a), es debido a que le parece
que el rechazo de (a) exige un anti esencialismo absoluto, tal que ninguna propiedad de un objeto o es
necesaria a tal objeto o. Este anti esencialismo absoluto descarta, por lo tanto, un esencialismo trivial.
Respecto a (b), la razn principal por la que la autora la rechaza es debido a que le parece, en ltima
instancia, errado sostener que las propiedades modales son independientes del modo cmo es referido
el objeto o. Si bien Della Rocca atribuye esta tesis a Kripke, cabe destacar que la nocin de rigidez
es precisamente un modo en que el objeto es referido, y la necesidad de los enunciados de identidad
terica, y de los enunciados necesarios a posteriori, descansa en la rigidez de los trminos que refiere
dicho objeto (o clase). Ms importante para el objetivo de este escrito, la autora relaciona esta tesis
(b) con la necesidad de la identidad: Let us say that a is a name for a particular object [] a has
the property of being necessarily self identical. To deny this would be to hold that a could fail to be
identical with itself, an absurd claim. (DELLA ROCCA, 2002, p. 227) Es correcto, como se observa
en la nota 1 de este escrito, que la sustitucin de los idnticos le permite a Kripke afirmar no slo un
esencialismo trivial (que descanse en esta propiedad de auto identidad) sino tambin la exigencia de
que toda propiedad que le corresponda a x, le corresponda a y (ntese que esto no ha de ser entendido
como un caso de hiper- esencialismo, pues no exige que toda propiedad de x ni de y, que son el mismo
objeto, sea necesaria).
8 En tanto casos de enunciados de identidad, es una tesis subsidiaria de este escrito (defendida en
MIRANDA, por venir) que los enunciados de identidad terica son necesariamente verdaderos (si
son verdaderos) en base al principio de identidad y, por lo tanto, de un principio a priori. Esto es
particularmente importante, considerando lo afirmado en la tesis a), pues permite sostener cmo estos
enunciados no requieren de un compromiso esencialista no trivial, al sostener la necesidad a posteriori.
3 La segunda ruta
Beebee y Nigel Sabbarton-Leary plantean que el problema de la falta de
argumentos de porqu los enunciados de identidad terica son necesarios, si son
11
Brown (2011) distingue entre experimento mental y razonamiento contrafctico, pues observa
que el segundo requiere por regla general experimentacin: They should also be distinguished (N.A:
los experimentos mentales) from counterfactual reasoning in general, as they seem to require an
experimental element). Para que la distincin sea importante, se asume que esta experimentacin es
de carcter fctica.
12
Siguiendo la taxonoma propuesta por Popper (1959), este tipo de experimento mental corresponde
a un caso de experimento apologtico, que tiene por finalidad dar razones a favor de una teora. Los
otros dos son heurstico, cuyo objetivo es ilustrar una teora, y crtico que tiene por objetivo dar razones
contra una teora. Este escrito sostiene que el caso de la tierra gemela cumple un rol heurstico.
could be a fools water (ibid.). Given that water is H2O, nothing lacking
that atomic structure could be water.
13
Ver Bealer (2002, p. 82). El conflicto entre intuiciones, sostiene el autor, se debe a que al menos
una de ellas est mal informada (misreported). Esto, como se discutir, es un caso de lack of knowledge.
14
Ver Roca-Royes (2011). La autora atribuye una comprensin de lo concebible, que explicita una
consecuencia de este tipo, a Yablo (1993, p. 29). Observa la autora en Yablo un caso de lo que ella
denomina (siguiendo a Worley 2003, p. 17). epistemic conceivability-based account (lo concebible
fundado epistmicamente), en contraste con casos del tipo no epistmico (non epistemic conceivability-
based account). La diferencia central es que, en el caso fundado epistmicamente, lo que un sujeto
S conoce o cree determina lo que es concebible. El caso del tipo no epistmico, comprende como
concebible lo que es verdadero en al menos un mundo posible. De lo concebible al Yablo afirma la
autora: The Greeks, according to Yablo, could conceiveY (N.A: Y indica que es lo concebible tal y
como lo comprende Yablo) of water being other than H2O (due to their lack of chemical concepts
and their lack of knowledge that water is H2O). However, water is not H2O is not conceivableY for
a contemporary subject who knows that water is H2O (the idea is that that would require conceiving
of a contradiction: H2O not being H2O). (ROCA-ROYES, 2011, p. 24).
15
El objetivo central de la autora es cuestionar que lo concebible sea una va para establecer qu es
posible. Esto sigue la lnea enunciada por Gendler & Hawthorne (2002, p. 33): [] the necessary a
posteriori seems to guarantee that there will be cases of conceivability without possibility.
16
Sostiene el autor que una equivalencia absoluta entre concebibilidad y posibilidad es implausible,
pues exige comprometerse con la siguiente tesis: it is posible that p iff it is conceivable that p Es
implausible, pues las intuiciones que fundamentan lo que un sujeto S entiende por concebible, son
falibles. Ms importante para este escrito, casos como el de la tierra gemela exigen que, an si p es
concebible, p sea estrictamente imposible. Ulteriormente, Bealer (2002, p. 80) destaca la distincin
entre posibilidad epistmica y metafsica, tal que an si el caso de la tierra gemela se comprende
como posible, esta posibilidad es de carcter epistmico, no metafsico. Es lo que el autor denomina
could of-qualitative-evidential-neutrality. Ulteriormente, Bealer (2002, p. 107) defiende que el vaco
modal (modal gap) que se presenta en los casos de enunciados de identidad terica es solucionado va
intuiciones que no presenten el problema de estar mal informadas (misreported). El caso de agua es
paradigmtico, y si bien el autor observa una dependencia evidencial en el experimento mental, es
correcto sostener que ese rol es dependiente de la informacin emprica que permite afirmar como mal
informados casos como el de la tierra gemela. Finalmente, Bealer defiende un tipo de confiabilismo
modal (modal reliabilism), que depende en gran medida de una estabilidad semntica fundada en la
extensin de los trminos de clase: [] if a simple of a given purely compositional stuff has such
and- such composition, then, necessarily, all other samples of that purely compositional stuff also have
that composition. (BEALER, 2002, p. 107.).
18
Ver Besson (2012, p. 403 404): Externalists and internalists disagree about whether the meanings
of natural kind terms are partly individuated by what exists in the external physical environment of
the speakers using these terms. El experimento mental de la tierra seca tiene por objetivo cuestionar
la tesis externalista. Pero si se sostiene, como se intenta en este escrito, que el experimento mental no
cumple sino un rol heurstico, no es viable establecer una crtica a la tesis externalista bajo el supuesto
de que el experimento mental justifica esta tesis inicial.
22
Ver Beebee; Sabbarton-Leary (2010, p. 171). Los autores sostienen que para Ellis (2001, p. 248):
[] natural necessities are grounded in the world. Ver tambin LE GALL (2013, p. 137), quien
defiende un nexo entre disposicionalismo microestructuralismo: [] podemos identificar la
propiedad disposicional (ser venenoso) con la micro-estructura (bioqumica) correspondiente. Solo
necesitamos saber que existe una frmula qumica dada para traducir en qu consiste lo venenoso.
Una tesis de este tipo exige un compromiso con propiedades que supervienen (supervene).
los objetivos de este escrito. Para efectos de este escrito basta considerar en qu
medida el esencialismo propuesto por Ellis descansa en condiciones de carcter a
priori (ELLIS, 2001, p.19-21).23 De este modo, no afecta la comprensin de lo
necesario a posteriori, pero s permite su defensa ulterior. Como se ha dicho, Brian
Ellis (2001) defiende un esencialismo disposicional, esto es una consecuencia
de su propuesta de clases naturales disposicionales (dynamics kinds). Aqu
se rescata otro aspecto del esencialismo cientfico propuesto por Ellis: El nexo
entre clase sustancial clase propiedad. Independiente de la plausibilidad del
disposicionalismo, la distincin clase sustancial clase propiedad permite sostener
que los enunciados de identidad terica son la expresin de la relacin entre estas
dos clases:
Clase sustancial trmino rgido de jure
Clase propiedad trmino rgido de facto.
Como observa acertadamente Bealer (2002, p. 108), se requiere el criterio
de unicidad entre estas dos clases para descartar identidades contingentes, o co
referencialidad simpliciter, a diferencia de co-referencialidad rgida. Esto permite
sostener, como ha intentado este escrito, que las condiciones esencialistas no
triviales no fundamentan los enunciados necesarios a posteriori.
5 Conclusin
Los enunciados de identidad terica son un caso de enunciados de
identidad. La exigencia de self identity parece ser la condicin que estos enunciados
deben cumplir. Del mismo modo, la co referencialidad rgida permite sostener
las condiciones semnticas que estos enunciados deben cumplir. Por otra parte,
el experimento mental de la tierra gemela no exige un compromiso ontolgico
con el nexo concebible posible, motivo por el que se sostiene el rol heurstico
responde de mejor modo al objetivo central de dicho experimento mental. De
este modo, se evita la crtica que fundamenta el abuso enunciado por Beebee
y Nigel Sabbarton-Leary (2010). Finalmente, se sostuvo como el esencialismo
23
All, el autor enuncia las condiciones para ser una clase natural K, a saber: (1) be objective (i.e.
mind-independent); (2) be categorically distinct, having no ontologically vague boundaries ; (3) be
demarcated from all other kinds via its intrinsic properties; (4) allow for species variation, where,
for instance, two isotopes are members of the same element-kind in virtue of possessing the relevant
essence (atomic number), while nevertheless differing from one another intrinsically by having a
distinct atomic mass.; (5) form a species-to-genus hierarchy in cases where a particular is a member
of two (or more) natural kinds; (6) have an (intrinsic) essence that is both necessary and sufficient for
kind membership.
ROJAS, Rafael Miranda. On the abuse of the necessary a posteriori. Tans/form/ao, Marlia,
v. 40, n. 1, p. 211-234, Jan./Mar., 2017.
Abstract: This paper discusses how the so-called abuse of the necessary a posteriori, proposed by
Beebee and Sabbarton-Leary (2010), erroneously assumes that: a) necessary a posteriori statements
require a metaphysical commitment to a non-trivial essentialism, and b) the thought experiment of
the twin earth fulfills an evidential role in determining the necessary a posteriori. Against a), it is argued
that the necessary a posteriori does not require a non-trivial essentialist commitment; at most, non-
trivial essentialism is a consequence of the necessary a posteriori. Contra b), it is stated how the thought
experiment of the twin earth fulfills a subsidiary, explanatory, and non-evidential role. This prevents an
ontological commitment to the conceivable-possible connection. It is then discussed how the notion
of rigid coreferentiality (de jure-de facto) is a way of solving the non-trivial essentialism requirement.
Finally, we consider how Brian Ellis scientific essentialism, in stating a priori conditions of satisfaction,
does not affect the necessary a posteriori justification.
Referncias
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Recebido em 13/09/2016
Aceito em 21/12/2016
O Contrato de Glucon
Resumo: O Livro II da Repblica de Plato se inicia com um desafio de Glucon para Scrates, onde
este deve provar que o homem justo , de toda maneira, melhor do que o injusto. Para isso, pedir
que Scrates defenda a justia por si mesma e censure a injustia. O discurso de Glucon pode ser
dividido em trs partes, sendo a primeira dedicada origem e natureza da justia; a segunda ir
indicar a justia como algo necessrio, mas no como um bem; e a terceira, na qual ele ir tentar provar
que a vida do injusto melhor do que a do justo. Neste trabalho, iremos nos centrar em seu primeiro
argumento e de que maneira Glucon defende a justia atravs de um contrato.
Palavras-Chave: Repblica de Plato. Desafio de Glucon. Justia. Contratualismo. Filosofia Poltica.
Filosofia Antiga.
I
Dizem os pollo que por natureza cometer injustia um bem, e sofrer
injustia um mal [ ,
]. Logo no comeo do argumento, podemos notar uma
primeira dificuldade, que nos impede de prosseguir. A que tipo de bem estaria
Glucon aqui se referindo? Depois, ele usa o termo kakn (mal) por oposio a
agathn (bem). Que tipo de relao esse novo termo estabelece com a classificao
dos bens? Se tomarmos o ato de se cometer injustia como um bem de primeiro
tipo, teramos que admitir que o prprio ato transmite prazer, ao ser feito. Todavia,
se interpretarmos dessa maneira, tal ato injusto estaria ligado perversidade,
gerando prazer em se praticar injustias apenas pelo ato em si, o que no parece
ser o caso, j que a aquisio de algo posterior ao ato est em vista, ao se praticar
injustia. Ao analisarmos a classificao dos bens, poderemos concluir que o bem
de terceiro tipo aquele que se pratica por causa da aparncia (dxa), se este assim
a tiver, e em vista das recompensas e/ou da reputao, mas que por si mesmo
se deve evitar, como sendo dificultoso. Normalmente, assume-se que a injustia
possui uma aparncia, e esta ruim.2
No entanto, a aparncia de injustia s ser julgada ruim depois da
formao das leis e do nascimento da justia, pois sero estas que daro as penas
daquela. Na natureza, o homem que age pela injustia no age pela dxa, mas por
considerar a injustia til para atingir os bens que tem em vista. nesse sentido
que Trasmaco parece colocar a injustia como qualquer coisa de proveitoso e
conveniente a si prprio [ ]
(Rep., 344c). Entretanto, apesar de lhe ser til agir dessa maneira, tambm
penoso, porque trabalhoso conseguir seu objetivo. Pensando assim, colocaramos
o ato de cometer injustia como, por natureza, um bem de terceiro tipo, sendo
por si mesmo penoso para se praticar, mas til, pois permite que se consigam as
recompensas que tem em vista.
Quanto ao termo kakn, podemos justificar seu uso referente pena sofrida
pelo paciente da ao de se sofrer injustia, que nada mais do que algo prejudicial
e no til, por oposio a qualquer um dos bens. Dessa forma, o que se chama de
mal aqui no escolhido em hiptese alguma, no sendo desejado pelos homens.
Sofrer injustia ultrapassa como um mal maior o bem que h em cometer
injustia [ ]
2 Os exemplos de punio devido dxa da injustia podem ser vistos nas passagens 361e-362a; e
363d-e, onde se alude a com relao injustia.
, .
, ,
;
.
- [...] parece-te que uma plis ou um exrcito, piratas, ladres ou qualquer outra
classe, poderiam executar o plano injusto que empreenderam em comum, se no
observassem a justia uns com os outros?
- Certamente que no respondeu.
- E se a observassem? No seria melhor?
- Absolutamente.
- Decerto, Trasmaco, porque a injustia produz nuns e noutros as revoltas, os
dios, as contendas; ao passo que a justia gera a concrdia e a amizade. No
assim?
- Seja respondeu , s para no discutir contigo.
- Fazes bem, meu excelente amigo. Mas diz-me o seguinte: se, portanto, este
o resultado da injustia causar o dio onde quer que surja quando ela se
formar entre homens livres e escravos, no far tambm com que se odeiem uns
aos outros, com que se revoltem e fiquem incapazes de empreender qualquer coisa
em comum?
- Precisamente. (Rep., 351c7-e3).
Trasmaco julga que a injustia por sua prpria fora desptica pode
tomar todos os bens que deseja e fazer seu possuidor feliz. No entanto, Scrates
demonstra que, se o rgon da injustia causar o dio onde quer que surja, fazendo
com que aqueles que a possuem fiquem incapazes de empreender qualquer coisa
em comum [ ] (Rep., 351d-e),
ento a injustia no pode ser boa para aquele que a possui. Se considerarmos
somente a injustia entre os homens, estes viveriam em lutas e desavenas, sem
nunca chegarem a um acordo. Tal efeito impossibilita qualquer tentativa de se
estabelecer uma plis. O que Glucon pretende retomar Trasmaco, seguindo
outro caminho, j que o apresentado por este foi refutado por Scrates. Ir, pois,
supor uma natureza humana que busca cometer injustia como um bem, por
oposio formao da lei e da justia, que so a medida encontrada para evitar
que o homem cometa injustia, o que faz com que estas se originem junto ao
contrato, nascendo, assim, a plis. Logo, Glucon narra a gnese da justia como
II
A teoria do contrato supe uma noo de natureza humana, entendida
como um princpio de insegurana em que os homens no esto livres de sofrerem
os males da injustia, e este princpio s resolvido pela instaurao de um governo
que tem seu poder legitimado no contrato. A proposta de Glucon dialoga com a
sofstica do sc. V a.C., que investigava se a moralidade seria matria da conveno
(nmos) ou da natureza (phsis), o que levanta questes sobre o indivduo e a
plis. Essa oposio entre a lei e a natureza foi reforada pelos ensinamentos
daquele sculo (ROMILLY, 2002, p. 97-111), no que se refere ao entendimento
que se faz sobre a natureza humana e as convenes da lei, o que aumentou a
ocorrncia da terminologia empregada pela sofstica para caracterizar uma crise
da lei (ROMILLY, 2002, p. 95). De acordo com Kerferd, a anttese nmos e phsis
[...] sempre envolveu um reconhecimento da phsis como uma fonte de valores
e, portanto, em si mesma, de alguma maneira prescritiva. (KERFERD, 2003, p.
194). No perodo sofista, o apelo no para qualquer tipo de natureza, mas para
a natureza do homem, em vista das demandas que brotam da prpria natureza
reforando seu carter prescritivo.
Seguindo as teses de Charles Kahn, as teorias do contrato foram
primeiramente formuladas por volta da segunda metade do sculo V, como uma
variante das primeiras declaraes sobre a origem da vida civilizada em sociedade,
fontes estas que apresentam uma teoria geral de como o cosmos, as coisas vivas e os
seres humanos originalmente vieram a existir (KAHN, 1981, p. 92). No entanto,
os textos da primeira metade do sculo V no tratam claramente sobre um contrato
ou acordo. Nesse ponto, o sofista Antifonte parece ter sido o precursor da questo,
argumentando que nmos e phsis so opostos um ao outro, e que seguir o que
determinado pelo nmos entraria em conflito com a phsis, prejudicando, com
isso, o indivduo (CURD, 2001, p. 150), como podemos ver em seu fragmento:
[...] [] <> [] []
[]
[] []
[] ,
[], [] []
[] [], [ ], [ ]
[, ] ,
, ,
,
, ,
, ,
. ,
[] [][]
[] [] [] []
, ,
,
,
.
[], [][],
[]. ,
,
.
, .
[] ,
[].
A justia consiste em no violar as leis da plis constituda de cidados. Um
homem poderia empregar a justia, sobretudo, para sua prpria convenincia,
se, diante de testemunhas, aplicasse as leis em profuso, mas, na ausncia de
testemunhas, seguisse as prescries da natureza. Pois as prescries das leis so
institudas, enquanto as da natureza so necessrias; o acordo das leis no
natural, ao passo que as prescries da natureza so naturais, no acordadas.
Assim, quando algum transgredir as leis, a vergonha e a punio no o
acometero, se ele escapar aos olhos dos partcipes daquele acordo; mas no se no
estiver oculto. Mas se, contrrio ao possvel, algum violasse alguma das coisas
que so prprias por natureza, o mal no ser menor se ningum perceb-lo e
nem maior se todos o observassem, pois no prejudicado pela aparncia, mas
pela verdade. Este todo o propsito de se considerar estas coisas que so justas por
causa da lei de uma maneira e que so contrrias natureza; pois so dispostas
por lei aos olhos as coisas que devem ver e as que no devem; e aos ouvidos, as
que devem ouvir e as que no devem; e lngua, as que ela deve dizer e as que
no deve; e s mos, as que devem fazer e as que no devem, e aos ps para onde
devem ir e para onde no devem, e ao esprito, as coisas que deve desejar e as
que no deve. Com efeito, no so para a natureza em nada mais afins nem
mais prprias as coisas das quais as leis dissuadem os homens do que aquelas dos
quais persuade. Por outro lado, o viver e o morrer so da natureza e, para eles,
o viver uma das coisas convenientes e o morrer uma das no-convenientes. As
coisas convenientes fixadas pelas leis, por seu turno, so grilhes da natureza, as
fixadas pela natureza, livres. De fato, as coisas que produzem sofrimento, por
uma correta razo, no so proveitosas natureza mais do que as agradveis;
no seriam, portanto, em nada mais convenientes as coisas dolorosas do que as
prazerosas. Pois as coisas convenientes, segundo a verdade, no devem prejudicar,
mas serem teis.4
4 ANTIFONTE. I. Oxyrh. Pap. XI n. 1364, ed. Grenfell and Hunt, linhas 6-121. A
nossa traduo baseada na traduo de Grenfell e Hunt. Tambm consultamos a traduo de Lus
Felipe Bellintani Ribeiro, Antifonte. So Paulo: Loyola, 2008, p. 72-75.
5 Trocamos aqui benefcio, utilizado por Kerferd, por utilidade, para que o termo entre de acordo
com a nossa traduo para a palavra grega .
6 Principalmente em 52d2 (Ed. Burnet), onde podemos perceber que, logo aps a palavra ,
inserida a palavra , sendo uma semelhana com o fragmento citado de Antifonte, alm de
reforar a ideia de conveno.
formao do contrato, o risco est num tipo especfico: o dynmenos, pois este,
e somente este, que consegue recusar o contrato, por ter fora suficiente para
continuar a fazer injustias, sem ser punido por isso. Se tomarmos o sentido de
como sendo um princpio de ao que tem como consequncia imediata
a produo de um rgon (AUGUSTO, 1996, p. 32-33), poderemos entender que
dynmenos, de acordo com o contexto estabelecido por Glucon, todo aquele
que consegue, mesmo que por uma s vez, cometer injustia. Feito isso, temos
ainda duas observaes a serem feitas.
Primeiramente, dito por Glucon que todos os homens experimentam
tanto cometer como sofrer injustias, o que nos parece mais do que suficiente
para entender que nenhum homem pode ser sempre dynmenos, pois no h
homem, por mais forte que seja, capaz de cometer injustia, numa situao
pr-contratual, que no seja tambm alvo da injustia. Seguindo essa linha de
pensamento, poderamos considerar que os homens podem ser ora dynmenoi,
ora m dynmenoi, ou seja, conseguem algumas vezes cometer injustia e outras
no, sofrendo desta tambm. Desse modo, no existiria dynmenos de maneira
duradoura, mas somente circunstancial.
Para esclarecer o segundo motivo, vamos supor que, entre os homens,
um deles fosse maior em dnamis do que os outros, e que este, com sua fora,
conseguisse cometer injustia livremente, sem sofrer desta. Se os homens, ao
criarem o contrato para evitar sofrerem injustias, conseguissem tambm evitar
que esse homem atuasse injustamente, ento ele no seria, estritamente falando,
sempre dynmenos; caso contrrio, se ele continuasse a cometer injustia, sem
ser punido pelo contrato que instituiu a justia, o contrato seria intil em seu
fim, porque a injustia continuaria a ser cometida por ele. Dessa maneira, ou
o dynmenos se demonstra como insuficiente para no aceitar o contrato, ou o
contrato se demonstra insuficiente para evitar que injustias sejam cometidas e
sofridas. O verdadeiro dynmenos aquele que pode burlar o contrato, no o
aceitando de forma alguma, pois a ele este no pode afetar. Mas um homem assim,
que fosse sempre dynmenos em suas aes, no pode existir antes do contrato,
porque a formao deste em nada evitaria a ao daquele.
Por isso, a hiptese da existncia do dynmenos contnuo antes do contrato,
aquele que nunca falha em suas aes injustas e tambm no afetado pela
injustia, no nos parece consistente com a razo de o contrato existir, isto , evitar
injustias. Poder-se-ia ainda levantar a hiptese de que o contrato s foi institudo
para evitar a injustia entre os m dynmenoi, mas isso s levaria concluso de
que o contrato j nasce fraco por princpio, e no parece este, a nosso ver, uma
boa noo contratual. O contrato surge, porque mais forte do que qualquer
homem, uma vez que, atravs da instituio das leis e da justia, capaz de evitar
que homens cometam e sofram injustias uns com os outros. Por outro lado,
justamente depois de consumada tal estrutura contratual que o verdadeiro homem
[ ] (Rep., 359b3) aparece como sendo algum capaz de burlar
tal estrutura, pois, para se consagrar como aquele que sempre consegue cometer a
injustia, sem ser alvo da mesma, precisa do contrato. Sendo assim, o contrato
uma fora dbia que tanto impede os homens de cometerem e sofrerem injustia,
como tambm permite ao verdadeiro dynmenos cometer injustia, porque o
contrato, atravs da sua fora, que possibilita a impunidade daquele. Poderemos,
assim, distinguir terminologicamente o dynmenos, aquele que consegue por vezes
cometer uma ao injusta, do verdadeiro dynmenos, que aquele que sempre
consegue cometer uma ao injusta, atravs do uso do contrato a seu favor. E esse
caminho s ser possvel para aquele que, de alguma forma, consiga se assenhorear
do governo e usar o contrato a seu favor. Ser esse caminho que Glucon parece
expor, com seu argumento para se atingir a tirania.
A retomada do lgos de Trasmaco por Glucon (Rep., 358b8-c1)
no poderia deixar de passar pela tirania. Apesar de esta no ser mencionada
textualmente por Glucon, ela est implicitamente colocada no seu discurso. O
verdadeiro governante [ ] (Rep., 343b5) seria aquele em
que a pleonexa o leva a ser um grande dynmenos (Rep., 344a1), sendo este o
verdadeiro homem [ ] (Rep., 359b3), capaz de negar o contrato
para si e, assim, arrebatar os bens dos governados e faz-los escravos de seu
governo. A colocao de Glucon do contrato para marcar o surgimento das leis
e da justia, com o intuito de impedir que se possa cometer injustia, permite
que, da mesma maneira que o pastor e a ovelha de Trasmaco, o governante, que
deveria preservar o contrato para proteger seus governados, na verdade se utilize
deste para tirar proveito prprio, fazendo com que as leis, determinadas pelo
contrato, o beneficiem acima dos demais. A diferena consiste em que Glucon,
ao supor uma dxa que possibilita ao governante agir injustamente, demonstra
como o injusto poderia agir pela injustia, ao se passar por justo, ao contrrio de
Trasmaco, o qual no capaz de dar essa resposta a Scrates (Rep., 351c7-e3).
Ao que parece, o tipo de governo que caberia dentro do quadro pintado pelo
lgos dos pollo seria a tirania, que seria a mais completa injustia (Rep., 344a4) e
que por eles tida como aquela que conduz melhor forma de vida, devido aos
bens que proporciona ao indivduo e, por isso, consideram o tirano feliz e bem-
aventurado [ ] (Rep., 344b7-c1). O mito do anel de
Gyges (Rep., 359d-360b) parece apontar para o grande desafio existente dentro
do campo tico-poltico. Irwin nos chama ateno para o problema que Glucon
coloca, logo no comeo do Livro II, onde ele diz querer ver demonstrado que
de qualquer maneira [ ] melhor ser justo do que injusto (IRWIN,
1999, p. 174-175).7 Se tomarmos isto como parte do desafio de Glucon imposto
a Scrates, teremos que admitir que at mesmo em situaes contrafactuais, nas
quais a injustia parece ser extremamente vantajosa, como o exemplo de Gyges, a
justia deve ser escolhida por ser superior injustia.
Pois este desafio , no limite, um desafio ao filsofo, convidado a refazer,
de um certo modo, o percurso de Gyges. Porque a questo da tirania e a
questo da justia no se colocam apenas no mbito das relaes entre os
homens na sua melhor ordenao, mas tambm no mbito das relaes da
alma consigo mesma e na harmonia desejvel entre suas partes. Poltica e
filosofia se entrelaam, reproduzindo na tenso entre o saber e a cidade, a
tenso entre o inteligvel e o sensvel. (SCHALCHER, 1988, p. 108).
Abstract: Book II of Platos Republic opens with Glaucons challenge to Socrates, where the latter
must prove that the just man is in all ways possible better than the unjust one. Glaucon asks Socrates
to advocate justice for its own sake and to censor injustice. Glaucons discourse can be divided into
three parts. The first is dedicated to the origin and nature of justice; the second argues that justice is
something necessary, but is not a good. In the third part, he tries to prove that the unjust life is better
than the just one. This work focuses on the first speech and on how Glaucon defends justice by means
of a contract.
Keywords: Platos Republic. Glaucons challenge. Justice. Contractualism. Political philosophy.
Ancient philosophy.
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Recebido em 02/03/2016
Aceito em 21/06/2016
Resumo: Traduo anotada do tratado annimo sofstico datado do comeo do sc. IV a.C., Dissoi
Logoi, ou Discursos Duplos. A apresentao do texto traz informaes bsicas sobre transmisso
do texto, autoria, datao e uma pequena discusso sobre a caracterizao das teses nele presentes. As
notas da traduo analisam passagens e conceitos importantes, sugerem questes e inter-relaes com
outras obras, buscando traar um panorama possvel de interpretao do texto. O tratado, incompleto,
compe-se de nove pequenos captulos que versam sobre temas importantes durante o perodo de
atuao do movimento sofista e pode ser considerado um exemplar das tcnicas retricas ensinadas
por esses pensadores.
Palavras-chave: Discursos Duplos. Sofstica. Retrica. Antilogia. Relativismo.
Introduo
O Dissoi Logoi (doravante DL) um tratado annimo cujos
manuscritos foram transmitidos com obras de Sexto Emprico.2 Foi publicado
pela primeira vez por Stephanus, em 1570, com o ttulo Dialexeis (discusses,
conversas)3, como apndice a sua edio de Digenes Larcio.4 A edio-
1 Doutora em Letras pela Universidade Federal do Paran com a tese (indita)Sexto Emprico: Contra
os Gramticos. Traduo, introduo e notas. Foi professora de Lngua e Literatura Grega nessa
mesma instituio (2014-2016).Recentemente, participou das tradues deAristteles ou o vampiro
do teatro ocidental, de Florence Dupont, eAntstenes: o discurso prprio, de Aldo Brancacci, ambos no
prelo.E-mail: joseane.prezotto@gmail.com
2 No se sabe por que o texto foi atribudo a Sexto Emprico. Fabricius, em sua edio do tratado, em
1724, afirma que isso ocorreu devido a uma confuso, e o autor seria, na verdade, Sexto de Queronea,
um antictico. A hiptese, contudo, no foi aceita. Na opinio de Dueso (1996), [...] a associao
do tratado com Sexto Emprico deve-se a motivaes tericas: com efeito, os Dissoi Logoi seriam uma
boa confirmao do princpio (arkhe) do sistema ctico, a saber, que a cada proposio se ope uma
proposio equivalente (S.E. P. 1. 12). Vale lembrar que o DL no necessariamente se compromete
com a afirmao de que os dois discursos apresentados sejam equivalentes. Segundo Floridi (2002), o
DL est presente em vinte e dois dos cinquenta e quatro manuscritos gregos de Sexto Emprico.
3 O ttulo pelo qual conhecido atualmente, Dissoi Logoi, so as palavras inicias do texto. Robinson
(1979, p. 78) observa que esse ttulo pode ser infeliz, j que meramente uma frase de efeito baseada
nas palavras iniciais do texto que chegou at ns, refletindo apenas a estrutura dos cinco primeiros
captulos, e no do texto como um todo.
4 Isso leva a crer que no considerasse Sexto Emprico o autor do texto, mas tambm no o atribui a
Digenes Larcio.
6 Para um estudo completo (at sua poca) acerca das tentativas de atribuir autoria ao tratado e
estabelecer suas influncias filosficas, incluindo as de seus editores dos scs. XVII, XVIII e XIX, ver
Robinson, (1979, p. 41-73).
7 As formas do particpio dativo plural, tais como poleunti (os que vendem), astheneunti (os
que adoecem, mistharneonti (os que obtm lucro), por exemplo, no so reconhecidas como
caractersticas de nenhuma cidade. Para Robinson (1979), elas so um erro: [...] a troca eo > eu
comum a muitos dialetos dricos, e teriam assumido erroneamente que, porque a terceira pessoa
plural do presente em drico termina em onti, o dativo masculino plural do presente particpio teria
(como em tico e jnico) um final idntico.
8 Trieber (1892 apud DUESO, 1996) afirma que [...] j na Antiguidade se acreditava que somente os
pitagricos haviam escrito em drico e que, sem este erro, os DL teriam compartilhado o triste destino
de outros textos sofsticos. A preferncia da Idade Mdia por textos pitagricos e msticos justificaria
sua transmisso. Contra a leitura de Rostagni, ver tambm Aguiar (2006, p. 40-46).
9 A relao do tratado com Hpias foi apontada j em 1889 por Dmmler. Trieber (1892) sugeriu
que o autor seria o prprio Hpias ou um de seus seguidores, o mesmo pensou Pohlenz (1913)
(ROBINSON, 1979).
10
XENOFONTE, Smp. 4. 62; PLATO, Hp.Ma. 285e, Hp.Mi. 368d.
(5. 6 e 11). Tal situao levou alguns comentadores a considerar o autor sem
talento (DIELS; KRANZ, 1960, p. 405; BARNES, 1979, p. 215), incapaz de
perceber a diferena entre as teses,11 o que , talvez, a principal responsvel pela
disparidade de opinies acerca da(s) doutrina(s) filosfica(s) que influencia(m)
o autor.
importante observar como as teses so formuladas e apresentar a
problemtica que envolve sua compreenso. A caracterizao de tese e anttese
beneficia-se da seguinte anlise:
- no enunciado geral, os pares de conceitos em questo so apresentados
com artigo:
peri to agatho kai to kako; peri to kalo kai to aiskhro; peri to dikaio kai
to adiko;
- no resumo da tese, esses termos aparecem sempre sem artigo:
to auto esti [agathon kai kakon]12; touto kalon kai aiskhron; touto
dikaion kai adikon;
- e, no resumo da anttese, sempre com artigo:
allo to agathon, allo to kakon; allo to kalon, allo to aiskhron; allo to
dikaion, allo to adikon.
15
Mas 2.20: panta kairoi men kala enti, en akairia daiskhra todas as coisas so bonitas no momento
certo, mas so feias no momento errado; e: tauta aiskhra kai kala eonta as mesmas coisas so feias
e bonitas, em que os adjetivos esto concordando em gnero e nmero (neutro plural) com o sujeito.
Traduo
Discursos Duplos1, 2
pais coisas ruins, muitas, se o bom e o ruim so o mesmo.27 (13) E para os seus parentes,
voc j fez alguma coisa boa? Logo, o que voc fazia para eles era algo ruim. E para os seus
inimigos, voc j fez alguma coisa ruim? Ento voc fez muitas coisas boas para eles, as
maiores. (14) Vamos l, responda-me tambm isso: se a mesma coisa boa e ruim, voc
lamenta os pobres por terem muitas coisas ruins e, ao mesmo tempo, considera-os felizes
por desfrutarem de tantas coisas boas? (15) E nada impede que o grande rei persa esteja
em situao semelhante aos pobres. Pois as inmeras e valiosas coisas boas que possui so
todas ruins, se a mesma coisa boa e ruim. E o mesmo deve ser dito sobre tudo. (16)
Considerarei, no entanto, cada caso, comeando pelo beber, pelo comer e pelo sexo. Pois
a mesma coisa para os que esto doentes, fazer essas coisas bom para eles, se a mesma
coisa boa e ruim. E para os que adoecem, adoecer bom e tambm ruim, se o bom a
mesma coisa que o ruim. (17) E assim com todas as outras coisas que esto ditas no discurso
anterior. E no digo o que o bom28, mas tento explicar que a mesma coisa no seria boa e
ruim, mas que um diferente do outro.29, 30
o escalpo diante de seu cavalo e que, aps ter recoberto de ouro ou prata o crnio da vtima,
beba nele e faa libaes aos deuses; entre os gregos, ningum iria querer ficar sob o mesmo
teto que uma pessoa que tivesse cometido tais atos.39 (14) Os massagetas cortam seus pais
em pedaos e comem-nos, e ser enterrado em seus filhos parece-lhes a mais bela sepultura;
entre os gregos, se algum fizesse isso, morreria miseravelmente, expulso da Grcia, por
ter cometido coisas to feias e terrveis.40 (15) Os persas acham bonito que os homens se
maquiem como as mulheres, e que tenham relaes sexuais com as filhas, mes e irms;
para os gregos, isso feio e contrrio lei.41 (16) J os ldios consideram bonito que as
jovens se prostituam, faam dinheiro e assim se casem; entre os gregos, ningum desejaria
desposar tal mulher.42 (17) Os egpcios tambm no consideram bonitas as mesmas coisas
que os outros. Pois aqui bonito que as mulheres team e faam trabalhos manuais, mas l,
que os homens o faam, e que as mulheres faam aquelas coisas que aqui so para homens.
Amassar a argila com as mos e o trigo com os ps para eles bonito, mas para ns, o certo
o contrrio. (18) Penso que, se algum mandar todos os homens reunirem em um s lugar
as coisas que cada um considera feias e, ento, pegarem dentre estas coisas a juntadas as
que cada um tem por bonitas, nada seria deixado para trs, mas tudo seria levado por eles.43
Pois no tm todos as mesmas opinies. (19) Apresentarei tambm um poema: Encontrars
outra lei entre os mortais, se distinguires44 desta maneira: nada definitivamente bonito nem
feio, mas o momento45 que torna as mesmas coisas feias e bonitas, transformando-as.46
(20) Diz-se, em geral, que todas as coisas so bonitas no momento certo, e feias no
momento errado. O que obtive, ento? Disse que demonstraria que as mesmas coisas so
feias e bonitas, e demonstrei em todos esses casos.
(21) Sobre o bonito e o feio tambm se diz que seriam um diferente do outro. Pois,
se algum perguntasse queles que sustentam que a mesma coisa47 bonita e feia se eles
alguma vez fizeram algo bonito, eles tero de admitir que o que fizeram foi feio, se o
bonito e o feio forem o mesmo. 48 (22) E, se conhecem um homem bonito, esse mesmo
homem feio; se for branco, tambm negro. Se for bonito honrar os deuses, ento
feio honrar os deuses, se a mesma coisa bonita e feia. (23) E o mesmo deve ser dito por
mim em todos os casos; torno, porm, ao que eles dizem. (24) Se a mesma coisa bonita
e feia e bonito que a mulher se enfeite, ento tambm feio que a mulher se enfeite. E
isso se aplica nos demais casos. (25) Na Lacedemnia, bonito que as meninas pratiquem
ginstica; na Lacedemnia, feio que as meninas pratiquem ginstica; e assim por diante.
(26) Dizem que, se reunissem tudo que considerado feio pelos povos de todas as partes e,
em seguida, eles fossem chamados para levar dali o que consideram bonito, todas as coisas
seriam levadas embora como bonitas. Eu me espanto que, reunidas as coisas feias, elas
venham a ser bonitas, uma vez que no chegaram assim. (27) Ao menos se tivessem trazido
cavalos, bois, ovelhas ou homens, com certeza no tirariam algo diferente; nem trazendo
ouro, levariam ferro; e nem se trouxessem prata, teriam levado chumbo. (28) Levariam
realmente coisas bonitas no lugar das feias? Vejamos: se algum trouxesse um homem feio,
poderia lev-lo de volta bonito? Tomam por testemunhas os poetas, mas o propsito de suas
obras o prazer e no a verdade.
falam as mesmas coisas, porm, os sbios quando convm, e os loucos quando no convm.
(10) Dizendo isso, pensam que acrescentar quando convm e quando no convm
irrelevante para, desse modo, no ser mais a mesma coisa. (11) Mas eu penso que as coisas
mudam no s com tais acrscimos, mas tambm quando os acentos so alterados68: como
Glaukos (Glauco) e glaukos (branco); Ksantos (Xanto) e ksantos (amarelo); Ksuthos (Xuto) e
ksuthos (dourado)69. (12) Essas so diferentes em relao mudana no acento, as seguintes
por serem pronunciadas com a vogal longa ou breve: Turos (Tiro) e turos (queijo); sakos
(escudo) e sakos (estbulo)70; e h as que diferem por deslocamento de letras: kartos (fora)
e kratos (da cabea); onos (asno) e noos (intelecto). (13) Portanto, havendo tal diferena sem
retirarmos nada, o que diremos se algum acrescenta ou tira algo? Mostrarei como isso se
d. (14) Se algum tirasse um de dez, j no seria mais nem dez e nem um; e com as outras
coisas tambm assim.71,72 (15) E, sobre o mesmo homem ser e no ser, pergunto: Ele em
algum aspecto ou em sentido absoluto? Certamente, se algum afirma que no , mente ao
responder em sentido absoluto. Logo, essas coisas so tudo [apenas] em sentido relativo.73
insuficientes.
7. (1) Alguns oradores dizem que os cargos pblicos devem ser atribudos por sorteio, mas
essa no a melhor maneira de ver as coisas. (2) Deveramos perguntar a quem fala isso:
Por que voc no distribui as tarefas de seus criados por sorteio - de forma que o condutor
de bois, caso seja sorteado cozinheiro, cozinhar; enquanto o cozinheiro conduzir os bois;
e assim por diante? (3) E por que no reunimos os ferreiros, os carpinteiros e os ourives e
decidimos, por sorteio, o que devem fazer, obrigando-os a cumprir o ofcio sorteado e no
aquele que conhecem? (4) Podemos fazer o mesmo tambm nas competies musicais -
decidimos por sorteio tanto os competidores quanto a modalidade em que cada um ir
competir - o flautista talvez toque ctara, e o citarista, flauta. Na guerra, arqueiros e hoplitas
cavalgaro, cavaleiros tornar-se-o arqueiros; assim, todos faro aquilo que no sabem nem
so capazes de fazer. (5) Dizem tambm que isso seria bom e inteiramente democrtico. J
eu penso que no nada democrtico. Pois, nas cidades, h homens inimigos da populao
que, caso a fava80 por sorte os designasse, arruinariam o povo. (6) necessrio, pelo
contrrio, que o prprio povo observe e escolha todos aqueles que lhe so favorveis: os que
so aptos para comandar o exrcito, outros para guardar as leis e os demais.
8. (1) Considero ser prprio do <mesmo> homem e da mesma arte81 ser capaz de tratar
um assunto com brevidade82, conhecer a verdade das coisas83, advogar corretamente, ser
capaz de falar em pblico, conhecer as tcnicas dos discursos, e, sobre a natureza de todas as
coisas84, sem exceo, ensinar como e como veio a ser.85,86 (2) Em primeiro lugar, quem tem
conhecimento acerca da natureza de todas as coisas, como no ser capaz tambm de agir
corretamente em todas as situaes? (3) Alm disso, quem tem conhecimento das tcnicas
dos discursos saber tambm falar corretamente87 sobre tudo. (4) Pois quem pretende falar
corretamente precisa88 falar sobre o que conhece. Portanto, conhecer89 todas as coisas. (5)
Pois conhece as tcnicas de todos os discursos, e todos os discursos so sobre todas as coisas
<existentes>. (6) Quem pretende falar corretamente precisa conhecer aquilo sobre o que
falaria <...>90, e ensinar a cidade, corretamente, a realizar coisas boas e evitar as ruins. (7)
Tendo o conhecimento dessas coisas, conhecer tambm as coisas diferentes dessas, pois ir
conhecer tudo. Porque essas coisas fazem parte de todas as coisas e, em vista do mesmo,
aquilo que preciso ser feito, se necessrio.91 (8) Caso no92 saiba tocar flauta, sempre ter
a capacidade de tocar, se for preciso fazer isso. (9) Quem hbil nas contendas judiciais
precisa ter conhecimento correto do justo, pois as causas tratam disso.93 Conhecendo isso,
conhecer tambm seu contrrio e as coisas que lhe so diferentes. (10) Precisa tambm
conhecer todas as leis; claro que se no vier a conhecer as coisas94, no conhecer suas
leis. (11) Pois, quem conhece a lei95 da msica? Justamente o que conhece msica. Quem
no conhece msica, tampouco conhece sua lei. (12) Sem dvida, quem conhece a verdade
das coisas conhece todas as coisas; o argumento simples. (13) Este <capaz de tratar uma
questo> com brevidade deve, quando perguntado, dar respostas96 sobre qualquer assunto.
Portanto, precisa conhecer todas as coisas.
9. (1) A maior e melhor descoberta j feita a memria97, til para a vida e para todas as
coisas, tanto para a busca intelectual98 quanto para a sabedoria.99,100, 101 (2) Isso possvel, se
voc prestar ateno, <pois>, seguindo esse caminho102, a mente ir perceber mais como um
todo o que voc aprendeu.103 (3) Segundo, preciso praticar toda vez que ouvir algo. Pois,
ao ouvir e repetir muitas vezes as mesmas coisas, elas ficam na memria. (4) Em terceiro
lugar, relacionar104 o que se escuta com o que j se sabe, como no seguinte exemplo: se
preciso memorizar Crisipo, relaciona-o com khrusos (ouro) e hippos (cavalo). (5) Outro
exemplo: relacionar Pirilampo com pur (fogo) e lampein (brilhar). Procede-se assim em
relao a nomes. (6) J com as coisas105, faz-se desta forma: o que diz respeito coragem,
relaciona-se a Ares e Aquiles; a arte do ferreiro, com Hefesto; a covardia, com Epeios...106
Notas da Traduo
(Endnotes)
1
Tomo por base o texto grego proposto por Robinson (1979). Possveis divergncias esto
indicadas em nota.
2
Opto pela traduo cannica, para facilitar o reconhecimento do texto; creio que o
entendimento de dissoi deva ser invertido, inverso, ainda assim complementar. Entre
outras ocorrncias, cf. Eurpides, Hiplito, v. 385 e ss.: [...] e mesmo coisas vergonhosas,
que apresentam duas facetas (dissai deisin): uma delas no m, a outra o aniquilamento
das famlias, (se a diferena se tornasse clara a tempo, coisas opostas no teriam um s
nome). (grifo meu) (Trad. Kury, 2001); Eurpides, Fr. 189: Em todos os casos, se a pessoa
for inteligente no falar, poderia estabelecer um debate de argumentos duplos (disson logon)
(Trad. Kerferd, 1990); e Protgoras DK80 A1: Sobre todas as coisas h dois discursos
opostos um ao outro. Nos cinco primeiros captulos, a estrutura mais claramente
antilgica.
3
Os estudiosos divergem acerca de como interpretar e traduzir o adjetivo neutro singular
substantivado: neste captulo, to agathon e to kakon. Para Dueso (1996, p. 179), essa forma
expressa o valor abstrato de uma propriedade, o no-aplicado; todavia, sua traduo lo
bueno y lo malo, e no el bien y el mal, embora deixe claro que a interpretao deva ser
esta ltima. Esse autor acrescenta que, para aplicaes concretas dessa propriedade, para
se referir ao conjunto, a forma seria o neutro plural: ta agatha, as coisas boas. Assim, a
afirmao allo to agathon, allo to kakon (na anttese), mais frente, realmente referir-se-ia
propriedade abstrata, ao bem e ao mal: [...] o bem diferente do mal. Essa afirmao
deve-se, de acordo com esse autor, ao fato de a anttese acreditar que, na tese, os termos so
usados tambm dessa forma, tendo afirmado assim que o bem e o mal so idnticos; ou,
ao menos, por supor que essa seria uma operao efetuvel, uma consequncia do que a tese
prope. Porm, o discurso da tese to auto estin [kakon kai agathon], no h substantivao
(substantificao) dos termos, seu uso parece ser em sentido aplicado, como adjetivos, e,
portanto, estaria assim constatando a possibilidade de se atribuir diferentes predicados a
uma mesma coisa: a mesma coisa boa e ruim. De fato, a tese em momento algum
usa os termos substantivados, apenas a anttese que a retoma dessa forma. Os contra-
argumentos da anttese, nesse caso, reduzem ao absurdo uma tese que no foi proposta,
logo, segundo Dueso, os discursos, graas ao equvoco dos defensores da anttese, no
compartilham da mesma linguagem, e a tese no refutada. Robinson (1979, p. 151), por
sua vez, acredita que o adjetivo neutro singular substantivado se refira tanto ao universal
quanto ao particular; essa ambiguidade seria, ento, responsvel pelo dissdio. A anttese
atribui (propositalmente ou equivocadamente?) tese a afirmao to agathon kai to kakon
to auto esti, em sentido universal: tudo que bom e tudo que ruim igual, o que a
tornaria, no limite, identitria. No entanto, caso a tese tivesse proposto esse enunciado, s
poderia, conforme os exemplos apresentados por ela, t-lo afirmado em sentido particular:
o que bom e o que ruim idntico <em relao a certos aspectos>. Segundo essa
interpretao, as duas posies estariam falando sobre a coisa, sobre algo concreto a que se
aplica uma dada propriedade, e o conflito dar-se-ia entre atribuio particular (individual)
e universal (em conjunto). Enquanto a tese estaria propondo que, em alguns casos, uma
coisa pode ser boa e ruim, a anttese estaria interpretando isso como: as coisas boas e as
coisas ruins so todas iguais, logo, d tudo na mesma. Por isso, a anttese investe contra
as consequncias, que julga absurdas, dessa suposio, procurando salvaguardar a diferena:
as coisas so ou isso ou aquilo. De minha parte, concordo com Dueso (op. cit., p. 179), a
opo de Robinson, conquanto possvel, mascara a questo da possvel transformao da
propriedade em conceito. O uso dos adjetivos neutros substantivados marca, justamente,
a possibilidade de se alar a discusso da realidade concreta para a abstrata: [...] temos a
abstrao quando o elemento universal, por meio do artigo e de sua fora indicativa e
demonstrativa, colocado como algo determinado, tornando-se, assim, portador de um
nome [...] e, portanto, objeto do pensamento (SNELL, 2001, p. 234). Tal processo, que
permite [...] ver a realidade distncia e de cima (SOLMSEN, 1975, p. 124), comum
em Tucdides e outros pensadores, durante a segunda metade do sc. V a.C. (cf. SNELL,
op. cit., p. 229 e ss. e SOLMSEN, op. cit., p. 83 e ss.). Soma-se a essa a questo de a sintaxe
grega ser ambgua entre x e y o mesmo e a mesma coisa x e y, que d margem
interpretao equvoca da tese pela anttese, como mencionei na apresentao do texto.
Tendo em vista os exemplos expostos, Robinson (op. cit., p. 162) observa que a tese pode
ser chamada contextualista: [...] um e o mesmo evento/ao/estado de coisas ir variar de
colorao moral de acordo com o contexto. Assim, os proponentes da suposta contra-tese
[] parecem estar atacando um boneco de palha [strawman], j que eles (deliberadamente
ou no) interpretam a proposio touton kalon kai aiskhron como identitria quando ambas
as evidncias, a prpria sintaxe da sentena e os argumentos de 2. 2-20, deixam claro que
ela meramente predicativa. Dueso, e tambm Robinson, como eu, diferenciam o sujeito
pelo uso do artigo: termos substantivados = sujeitos, o que evidencia a leitura da tese como
predicativa. Robinson (op. cit., p. 163) possivelmente est correto, ao afirmar que o leitor
ou ouvinte perspicaz repararia facilmente que as duas posies no se contradizem. H,
contudo, tradutores, como expomos antes, que acreditam que tese e anttese versem ambas
sobre a qualidade abstrata: to auto estin [_ kakon kai _ agathon] = o bem e o mal so o
mesmo; allo to agathon, allo to kakon = o bem e o mal so diferentes, de forma que,
desse ponto de vista, a tese realmente proporia a identificao dos conceitos e a anttese
seria de fato uma contra-tese. O mais provvel, no entanto, que, em maior ou menor
medida, os gregos convivessem com as ambiguidades mencionadas, com a possibilidade
delas consciente ou inconscientemente. Por isso, minha opo foi procurar artimanhas
para manter, sempre que possvel e quando for o caso, a questo em aberto; tentei produzir
um texto em portugus que apresentasse um nvel de complexidade parecido com o do
texto grego, isto , que permitisse que os mesmos questionamentos fossem levantados.
Obviamente, a inteno no assegura que o objetivo tenha sido atingido. Um exemplo:
em portugus, o adjetivo bom e o substantivo bem so diferentes (em ingls, ambos
podem ser good), isso significa que traduzir por o bem e o mal ou por o que bom e o
que ruim privaria o leitor da ambiguidade, direcionando a forma para o uso ou abstrato
ou aplicado. Por isso, tomei a liberdade de usar o adjetivo bom substantivado, tentando
com isso sugerir as duas acepes: o bom, a qualidade abstrata, e o que bom, a coisa.
Tambm levei em considerao a traduo corrente de to kalon por o belo, e no a
beleza, embora esse termo tenha uma longa histria interpretativa e possa soar j terico.
Outra informao interessante que Plato parece ter sentido a necessidade de criar uma
expresso para se referir forma (Forma) e no ao concreto, e evitar a ambiguidade: auto to
kalon, o belo mesmo, o belo em si.
4
A meno Grcia pode ser um indcio da magnitude da polmica. Alm disso, o fato de,
nesse caso, no serem mencionados argumentos da Academia ou do Liceu refora a datao
do tratado para a passagem do sc. V para o IV a.C.
5
Literalmente, pelos que filosofam; embora a questo seja incerta, tem-se preferido a
acepo ampla: o termo (e apenas ele, no necessariamente a prtica), a essa poca, ainda
no teria adquirido o sentido tcnico que foi institudo mais tarde, a partir das discusses
propostas por Plato. Em favor da acepo ampla, tambm se diz que vises semelhantes
s encontradas no DL esto presentes nas obras de homens como Eurpides e Herdoto,
entre outros no-filsofos.
6
Provavelmente, entre esses poderia estar Scrates, por preocupar-se com a definio
individual de conceitos morais, como o bem e o mal, apesar de talvez a prtica socrtica ter
efetuado ainda uma outra operao possvel, mas no necessariamente manifesta, no DL.
7
Dada a sentena anterior, poder-se-ia supor que a frase completa aqui seria: toi de legousin
hos <to agathon kai to kakon> to auto estin dizem que o bom e o ruim so a mesma
coisa. No entanto, a frase seguinte e os exemplos de 1.2-10 comprovam que essa posio
se compromete apenas com os termos como adjetivos: to auto estin <_ agathon kai _ kakon>.
Como sugere Robinson (op. cit., p. 150), poderia haver interesse no efeito paradoxal da
ambiguidade acima mencionada entre x e y so o mesmo e a mesma coisa x e y.
Conquanto seus argumentos deixem claro a proposio predicativa, a tese ainda permitiria,
sintaticamente, a possibilidade da ambiguidade. Cf. Aristteles, Metaph., 1062b 15, em
que a sentena predicativa (to auto... kakon kai agathon) se refere consequncia relativista
da doutrina do homem medida de Protgoras, que resultaria, para o estagirita, na negao
do princpio de no-contradio. Mais frente, Aristteles dir (1063a 10): [...] devemos
questionar a verdade com base nas coisas que sempre se conservam do mesmo modo e no
que sofrem alguma mudana. (grifo meu) Como se posicionou Aguiar (2006): [...] os DL
no querem solucionar a confuso entre o que essencial e acidental. O caminho tomado
pela argumentao do texto annimo o do muitas vezes e no o caminho do sempre. Ao
se enveredar por uma senda que no busca chegar essncia das coisas, mas ao melhor
uso argumentativo, pragmtico, do logos, ele opta por trabalhar acidentalmente, o que
primordial para que possa relativizar suas asseres. E isso feito sem um juzo de valor
ontolgico ou normativo.
8
O uso do optativo frequente em lugares onde poderamos esperar um indicativo
depois do verbo principal, cf. 1.11; 1.17; 2. 21; 4.6. Robinson (1979, p. 154) observa
que a inteno do autor pode ser aparentar neutralidade. Poderia ainda ser a de atenuar
a afirmao, colocando-a no nvel do potencial. Porm, devido constncia do uso, isso
tambm pode simplesmente indicar um vcio de linguagem, por parte do autor.
9
Essa afirmao confirma que a tese est usando os termos kalon e aiskhron de forma
predicativa. Assim, o argumento seria que, baseando-se na experincia, diferentes valoraes
podem ser dadas para a mesma coisa, de acordo com diferentes situaes e perspectivas,
em diferentes tempos e lugares.
10
Acerca dos enunciados em primeira pessoa, Dueso (1996, p. 136) acredita que tese e
anttese reflitam as posies de dois oradores rivais, como numa disputa oratria. Nesse
caso, a forma antilgica de influncia protgorica estaria refletida apenas na construo a
mesma coisa x e o contrrio de x, presente na tese. Robinson (1979, p. 74) sugere que as
afirmaes em primeira pessoa poderiam ser um elemento retrico caracterstico deste tipo
de escrito antilgico. Dessa forma, ento, a antilogia seria o princpio norteador do texto
como um todo e se provaria pela complementaridade das posies.
11
potitithemai: associar-se com, estar a favor de, estar ao lado de, tomar partido de,
contrasta com a construo mais branda usada em 2.2 e 3.1: peiraomai, tentar.
12
Os adjetivos esto, em geral, no neutro singular, de sorte que eles no mudam a forma,
concordando com o sujeito: uma traduo literal seria, portanto, x uma coisa boa ou
x um bem, mas optei por x bom, e por sempre concordar adjetivo com sujeito.
Alm disso, importante destacar que optei por traduzir os adjetivos repetidos sempre
que possvel pela mesma palavra, isto , agathon, por exemplo, sempre bom; quando,
na verdade, eu teria disposio outras vrias acepes possveis. Usar uma palavra para
cada contexto comprometeria o carter reiterativo do texto, que joga, justamente, com os
diversos sentidos, com as diferentes aplicaes de um mesmo termo. A opo por manter
essa caracterstica do texto produz por vezes passagens canhestras em portugus, porque
dificilmente o termo escolhido d conta de todos os usos do termo grego.
13
Cf. Protgoras, 334a-c: algo variado e multiforme o bem. Depois da fala de Protgoras,
o pblico aplaude, como se tivesse sido exposta uma doutrina original e importante.
(DUESO, 1996). Uma interpretao dessa passagem pode ser: A doutrina de Protgoras
que o bem no um objeto nem uma qualidade, mas uma relao. [...] As condutas boas
e ms no formam para todos e para sempre classes necessariamente disjuntas. (ibidem).
metros.
15
Essa a passagem que sugere a datao do texto ou, ao menos, seu terminus a quo.
16
A derrota dos atenienses e aliados deu-se na batalha de Egosptamos, em 405/404 a.C.
17
As Guerras Persas ocorreram entre 490-479 a.C. Duas batalhas importantes deram a
vitria aos gregos, no ano de 479 a.C. a de Plateia e a de Mcale.
18
Talvez uma referncia expedio mtica conhecida como os Sete contra Tebas.
19
Os centauros, convidados do casamento do rei dos Lpitas, Peirtoos, tentaram raptar
a noiva, Hipodmia, e outras mulheres de seus anfitries. Na batalha que se seguiu, os
concepo materialista que foi ligada figura de Demcrito. Demcrito teria considerado
a linguagem arbitrria e fruto de conveno ou instituio. Posies assim influenciaram
alguns pensadores a desvicularem-na da realidade, atendo-se, portanto, a questes e
potencialidades meramente lingusticas (discursivas, sonoras), movimento que acaba,
porm, por evidenciar ainda mais problemas epistemolgicos. A questo da orthotes
onomaton (correo dos nomes) , nos sofistas, ao que tudo indica, uma discusso acerca
da definio para a correta aplicao pragmtica das palavras comparao, distino e
escolha do vocbulo mais apropriado ao uso pretendido, orientando a melhor escolha, a
mais adequada situao (ainda que possa ter sido, em Prdico, por exemplo, a procura do
logos de cada onoma). Mas parece tornar-se, novamente, em Plato, uma indagao acerca
da adequao da linguagem realidade, de como a primeira pode representar verdadeiramente
a segunda. Em vista de tantos desajustes manifestos, Plato teria acabado desqualificando a
linguagem comum como caminho seguro para se conhecer o real.
23
O verbo diaireuomai, cf. Herclito, B 1 DK (diaireon) e Prdico, A 14, A 16, A 17
DK. Prdico era conhecido por sua insistncia em distinguir os nomes (diairein ton
onomaton), analisando matizes semnticos dos vocbulos aparentemente sinnimos.
Alguns viram nesse procedimento um antecedente do mtodo de diviso socrtico, que tem
papel decisivo na dialtica platnica. Contudo, ao que tudo indica, o interesse de Prdico
estava relacionado ao uso correto da linguagem, tal como expresso em nota anterior, e no
visava a inquirir a essncia correspondente a um determinado nome e dividir cada noo,
dicotomicamente, em subespcies, mas demonstrar que no eram sinnimos os termos
vulgarmente considerados como tal (cf. SOUSA; PINTO, 2005, p. 155-156). De qualquer
forma, bastante provvel que seu mtodo tenha exercido grande influncia sobre Scrates.
Voltando ao nosso texto, a anttese afirma que h dois nomes distintos, to agathon e to
kakon, e que h duas coisas distintas todavia, no o que especfico de ser to agathon ou
to kakon (a essncia, ou seja, uma definio do conceito) que se busca, no ser dito o que
to agathon e o que to kakon, mas que so diferentes (1.17). O argumento seguinte, no
entanto, sugere que a diferena entre to agathon e to kakon necessria, para que uma coisa
seja entendida como agathon ou kakon.
24
Na traduo de Dueso (op. cit., p. 153), hekateron, nessa frase, se refere no a agathon
e kakon da frase anterior, mas sim a tagathon e to kakon do incio de 1.11: Me parece, en
efecto, que no sera evidente cules son las cosas buenas y cules las malas, sino uno y otro
(el bien y el mal) fueran lo mismo y no distintos. O mesmo para Robinson (op. cit., p.
161): [...] pois hekateron (um e outro) mais naturalmente cada um dos dois componentes
da identidade to agathon e to kakon(cf. 2.21), enquanto a frase imediatamente anterior ,
claro, meramente predicativa. A suposta contradio no de fato uma contradio. Uma
coisa a igualdade entre ekeino ho esti kalon e ekeino ho esti aiskhron (aquilo que bom e
aquilo que ruim) (mesma coisa, e julgamentos opostos, dependendo de quem (e quando
e como)); outra, a diferena entre to agathon e to kakon. Se se tratam de duas coisas, dois
assuntos, no h contradio o conflito seria aparente, parece sugerir Robinson, as vises
so complementares no entanto, a tenso permanece como efeito da manipulao da
linguagem.
25
Dillon e Gergel (2003, p. 405) afirmam que [...] este argumento revela um descuido
primitivo com a diferena entre absoluto e relativo, e lembra o tipo de argumento retratado
por Plato como tendo sido alardeado por uma figura tal como Eutidemo. (grifo meu)
Acredito que seja isso mesmo, revelar, demonstrar possibilidades argumentativas, porm, de
como o descuido pode ser utilizado: a suposta falta de cuidado, apenas, no nos comprova
que os sofistas no percebiam a diferena, ao contrrio, pode indicar que a valorizaram
somente no que tinha de mais palpvel: como uma diferena nas maneiras de dizer.
26
O texto apresentado por Diels : , ;
- [...] diga-me, seus pais j lhe fizeram alguma coisa boa?. Robinson (1979), que seguimos,
diz manter a verso dos Mss., onde o sentido seria: [...] ilgico restringir as atitudes para
com os pais a atitudes boas, j que atitudes de natureza contrria, isto , ruins, seriam
igualmente boas.
27
Para Kranz (1937) e Ramage (1961, apud ROBINSON, op. cit., p. 156), de 1.12 a 1.17
teramos o fragmento de um dilogo genuinamente socrtico, ainda que primitivo e mal
elaborado.
28
Uma tpica preocupao socrtica era a busca pela definio dos termos, principalmente
morais, cf. Aristteles, Metaph., 987b 1-5. Como j mencionado anteriormente, esse
interesse socrtico foi inclusive suposto como um desdobramento do mtodo de distino
de sinnimos aparentes de Prdico.
29
A anttese no chega a defender sua posio, explicando por que, ou como, o bom
diferente do ruim (o bem do mal), apenas produz uma rplica posio anterior,
evidenciando problemas a implicados. Essa uma ttica comum tambm aos dilogos
socrticos de Plato: as asseres refutadas so concluses do prprio Scrates acerca de
doutrinas de seus adversrios.
30
Percebam-se os movimentos da anttese, vejam-se1.16 e 2.1 e se comparem com o modo
como a anttese passa de uma sentena de identidade (1.12) a uma sentena predicativa
(1.14), usa os dois tipos na mesma seo (1.16) e termina com uma sentena predicativa
explcita e uma de identidade encoberta (1.17). O mesmo em 2. 20, 21, 22 e 24, como se
no houvesse diferena entre os dois tipos de sentena. Poderia ser ingenuidade do autor,
mas, como supomos, um propsito propedutico no deve ser descartado. A inteno
poderia ser evidenciar aos alunos os problemas envolvidos numa argumentao desse tipo:
em que operaes ela se apoia. Mais que supor que essa argumentao realmente refute a
tese, instruir na deteco de raciocnios falaciosos (ROBINSON, op. cit., p. 77, 150, 151).
Isso reforaria a afirmao tantas vezes feita em defesa dos sofistas, contra Plato, de que eles
estavam conscientes dos limites (do alcance) das estratgias discursivas que propunham.
31
O sentido, de acordo com os contextos apresentados, seria: decente e vergonhoso
ou adequado e inconveniente, isto , moral e/ou socialmente aceito e no. Peri kalou
significa, letra, sobre o belo, mas o vocbulo grego kalos tem tambm a conotao
valorativa, no plano moral, do que bom, e aiskhros tem o significado pejorativo de vil,
indecoroso. Tambm se usa, na linguagem vulgar, a oposio bonito/feio, num sentido
50
A correspondncia, inclusive literal, entre passagens deste captulo e o dilogo de Scrates
e Eutidemo, retratado por Xenofonte, Memorab. 4. 2. 14 ss., tem instigado a busca de sua
fonte primeira: Scrates; o prprio autor do DL; ou outro pensador mais antigo. A questo
incerta, cf. Robinson, op. cit., nota ad. loc. com bibliografia mencionada.
51
Ambos mataram a prpria me para vingar o pai.
52
antios logos.
61
Tambm os juzes reconheceriam que so dois discursos diferentes. Isso, alm de reforar
a anttese, poderia ter sido dito no intuito de salvaguardar a prtica jurdica (cf. nota
anterior).
62
Cf. Plato, Alc. i, 109b; Leg. 944c.
63
Com base nesse captulo, e como leitura do tratado mesmo, apresento duas posies: 1)
Kneale e Kneale, acerca da reflexo sobre problemas de lgica formal antes de Aristteles:
[O DL] obviamente parte de um prolongado debate sobre a possibilidade de falsidade e
contradio. Como o fragmento est mutilado impossvel saber bem de que se trata, mas
parece que o autor defende que possvel no s fazer afirmaes contraditrias (antilegein)
mas mesmo sustentar em diversos contextos, duas teses plausveis que se contradizem uma
outra. Para provar desenvolve uma srie de antinomias, cada uma com uma tese e uma
anttese. De interesse especial a quarta antinomia na qual o autor mostra que possvel
sustentar ambos os lados de uma contradio sobre verdade e falsidade. Na tese ele tenta
mostrar que a verdade e a falsidade so idnticas [sic] citando o exemplo de uma forma
verbal, e.g., Sou um iniciado que verdadeira quando dita por A e falsa, quando dita
por B. Deste argumento , no entanto, possvel tirar a concluso de que no a expresso
verbal (a frase) que pode ser verdadeira ou falsa. Esses predicados tm que ser aplicados
quilo que expresso pela frase, i. ., a afirmao ou a proposio. Podemos ter aqui a
origem da distino estoica entre phone e lekton. Esse argumento estabelece o mesmo
princpio acerca das noes de verdadeiro e de falso que o argumento do Eutidemo acerca
de validade, nomeadamente que essas noes no podem ser ligadas a simples esquemas
verbais. (KNEALE; KNEALE, 1972). 2) E Rossetti, abordando o que chama de relativismo
fenomenolgico de Protgoras, do DL e de outros textos sofsticos, diferenciando esse
relativismo de um pessimismo epistemolgico, por evidenciar-lhe o desacordo respeitoso,
o qual reconhece a dignidade das opinies que no partilhamos, sobretudo a dignidade dos
julgamentos descritivos e das opinies que se apoiam sobre experincias pessoais diretas e
imediatas, e que no se estende a opinies que no se sustentam - por exemplo, opinies
intencionalmente caluniosas que inventam e falsificam dados existentes, considerar
o DL exemplar da souplesse desse relativismo: [...] a anlise [no DL] enriquecida pela
possibilidade de se estabelecer a falsidade de um julgamento descritivo quando o fato a
descrever , em geral, inequvoco. Mas o autor do DL contempla outros recursos tambm,
e, se nos trs primeiros captulos ele adere manifestamente [sic] ao relativismo da verdade,
em outro, no quinto, ele nos assegurar que h casos em que o julgamento bem pode ser
manifestamente falso: por exemplo, no podemos reivindicar que o homem normalmente
(convencionalmente) sentado est de p, ou que onos seja a mesma coisa que noos. A
flexibilidade deste relativismo me parece ento notvel. (ROSSETTI, 1986).
64
O enunciado explicto: to auto pragma.
65
A julgar pelos exemplos dados, essa afirmao resumiria as possibilidades de se atribuir
diferentes predicados a uma mesma coisa, isto , todos eles seriam possveis: essa coisa
potencialmente qualquer coisa. O enunciado, no entanto, contm a j mencionada
ambiguidade entre x y e y x, tendo sido, por conta disso, traduzido muitas vezes por
tudo o mesmo que, na verdade, a consequncia inversa que a anttese imputa tese
para assim poder refut-la.
66
Ser, estar, existir e haver pode ser dito com o mesmo verbo em grego, por isso, esse
exemplo serve para confirmar a afirmao imediatamente anterior.
67
As coisas (fsicas) = ta pragmata so/esto/existem e no so/no esto/no existem (em
algum lugar ou de alguma forma). A confuso provm da ambiguidade gerada pelo duplo
sentido do verbo ser: ser-existencial e ser-predicativo, entre ser absolutamente e ser em algum
aspecto. A considerar os exemplos, a afirmao se daria em sentido relativo, no entanto, sua
forma ambgua e d margem falcia conhecida como a dicto secundum quid ad dictum
simpliciter, que assim explicada por Aristteles: [...] ocorre quando o que se predica em
parte tomado como se fosse predicado de forma absoluta, [...] pois no o mesmo ser
alguma coisa (ti) e ser absolutamente [ou simplesmente] (aplos). (Soph. El. 166b 38-167a
3). Cf. nota 27.
68
Temos, no mnimo, duas leituras interessantes para a conexo entre as passagens 5.10
e 5.11, com diferentes resultados: Sousa e Pinto (op. cit., p. 295), Robinson (op. cit.,
129 e notas ad loc.) e Sprague (1968, p. 163) apresentam, aproximadamente, a seguinte
interpretao: eles acrescentam quando convm e quando no convm, mas as coisas
no se alteram com isso; as coisas se alteram quando se muda o acento, se trocam as letras
(etc.). Robinson (idem) acredita num equvoco: para a tese, o quando convm e quando
no convm (o contexto: ex. falar vaca para vaca - convm, e vaca para cavalo no
convm) indicaria se quem fala (a mesma coisa: vaca) louco ou sensato. Porm, a anttese
supe que o acrscimo estaria pressupondo uma mudana no significado, por isso, sustentar
que somente uma modificao na palavra poderia alter-lo, somente outra palavra indica
outra coisa (vaca dito quando no convm no significa cavalo). Tambm Desbordes
(1987, p. 40-42) apoia sua argumentao em interpretao semelhante a essa, com uma
diferena no tom: o contexto poderia fazer crer que no mais a mesma coisa (a mesma
palavra), mas, em matria de linguagem, a mudana tem que se dar na palavra: [...] duas
palavras so diferentes no porque se referem a coisas diferentes, mas porque possuem
sentidos diferentes, e essa diferena est marcada na matria mesma das palavras por uma
diferena concreta, quo pequena for. [...] Tratando-se de linguagem, a resposta questo
o mesmo ou o outro inteiramente interna e desligada de toda relao com o mundo
exterior. (ibidem, p. 41, grifos meus). Semelhante s leituras de Mittman, Ribeiro e Targa
(2008, p. 28) e Gagarin e Woodruff (1995, p. 305), eu sugiro a seguinte interpretao:
eles acrescentam quando convm e quando no convm e isso muda a coisa; as coisas
se alteram, sim, no s assim, mas tambm quando se muda o acento, se trocam as letras
(etc.); logo, os loucos e os sensatos no falam a mesma coisa. Na minha opinio, essa
leitura est de acordo com a argumentao da anttese em 4.6, 4.7 e 4.9, quando conclui,
utilizando as prprias colocaes da tese, que o enunciado verdadeiro diferente do falso, e
tambm est de acordo com a colocao da anttese, em 5.13: acrescer ou retirar algo muda
a coisa. Parece-me o mesmo argumento de 4.9, algo como: de acordo com sua tese, eles
dizem que os sensatos falam quando convm, e os loucos quando no convm; portanto,
h diferena. Em 2.23, a anttese sustentou que [...] se a mesma coisa bonita e feia,
manter a ligao com aristos (o melhor, superlativo de agathos) e a relao com o domnio de
uma tekhne, um saber fazer, e segue Cassin (2005, p. 336).
75
O ttulo aparece em Diels e Kranz.
76
Nesta seo (6.9), sigo o texto de Diels e Kranz. A proposta de Diels e Kranz simplifica
a colocao do autor e parece estar de acordo com construes presentes em 6.10 e 6.12.
De qualquer forma, tal como a de Robinson, uma conjectura no totalmente corroborada
pelos Mss. e pode ser criticada. Tambm Dueso (1996), aqui, segue Diels e Kranz, sem,
contudo, mencionar que o faz.
77
Ta onumata (lit. os nomes, as palavras). Duas ocorrncias na seo seguinte: 6.12.
78
Cf. Plato, Protagoras, 327e - 328a: Agora, voc age com desdm, caro Scrates, porque
todos, cada qual na medida dos seus prprios meios, so professores de excelncia, embora
ningum, a seus olhos, se encontre em condies de ensin-la. Ou ainda, como se voc
procurasse por algum capaz de ensinar a falar o grego, pois tambm no lhe pareceria que
s existe um mestre [...]. (Trad. Cassin, 2005, p. 345)
79
Desbordes (op. cit., p. 36) assim interpreta esta passagem: Reconhece-se uma prova banal
da conveno que rege a linguagem [...]. Mas nosso autor faz melhor [...]: a linguagem no
uma emanao das coisas, mas [tambm] no mais uma propriedade da raa e do sangue
- no se fala espontaneamente [...], mas por imitao do entorno, qual for. A linguagem
uma propriedade difundida por toda uma comunidade, ela a mesma para todos e no
se pode atribui-la a ningum. um fenmeno autnomo, independente das coisas, mas
independente tambm da pessoa que a emite, que no mais que um suporte temporrio.
80
O sorteio era feito usando-se favas.
81
Dueso (1996) prope: Siguiendo el critrio de las propias tcnicas, considero que un
hombre experto se define por su capacidade para... Segundo esse autor (1996, p. 196),
kata tas autas tekhnas est presente em todos os Mss., tendo sido alterado por Blass. A
traduo que ele fornece, no entanto, me parece inapropriada. Mesmo assim, o texto
original permanece incerto e parece pouco adequado concluir, com base apenas nessa
passagem, algo definitivo sobre o captulo, tal como sustentar que se defenda a a polimatia.
Creio que da interpretao dessa frase, at o momento insatisfatria, dependeria um melhor
entendimento do propsito deste captulo.
82
No original: dialegesthai kata brakhu - fica a dvida acerca da necessidade de aproximar
essa habilidade com o procedimento geralmente adotado por Scrates, nos chamados
dilogos socrticos de Plato. Dueso (op. cit., p. 197): [...] dialogar con preguntas y respuestas
breves; e Robinson (op. cit., p. 137): [...] to converse in brief questions and answers. Numa
breve consulta traduo do Protgoras de Plato, feita por Lombardo e Bell (1997, p. 746-
790), dilogo em que o modo de tratar um assunto se torna motivo de debate, percebe-se
que as ocorrncias dos compostos do verbo dialegomai so preferivelmente traduzidas por
compostos do verbo to discuss, sem qualificao (assim, em 337a, 335d, 347e, 348b, por
es preciso hacer aquello que es conveniente en relacin com un mismo acto.; Robinson (op. cit.,
p. 138-139): , ,
. - For these <objects of knowledge> are part of all <objects of knowledge>, and the
exigency of the situation will, if need be, provide him with those <other objects>, so as to achieve
the same end; Diels e Kranz (1960, p. 416): , <>
, - Estas coisas so as mesmas em todos os casos. E
ele far o que deve, diante do mesmo caso, se for preciso. (Trad. MITTMAN; RIBEIRO;
TARGA, 2008). Eu sigo o texto proposto por Robinson, porm, mantenho ,
presente nos Mss. (conforme informao constante nas trs edies mencionadas). Uma
traduo semelhante minha dada por Gagarin e Woodruff (1995, p. 308): For these
things belong to all things and, if necessary, he will accomplish the other things that need to be
done. Para a interpretao dada pelos autores citados, ver notas ad loc.
92
A negao est presente em todos os Mss., porm, foi eliminada na edio de Diels
(DUESO, op. cit., p. 198).
93
Dueso substitui por pues con esto tienen que ver las acciones
justas. que, segundo ele, est em todos os manuscritos. Sua leitura que o conhecimento
da justia (to dikaion) a condio para conhecer as aes justas (ta dikaia): O duplo
nvel justia-aes justas ou beleza-coisas belas uma exigncia tipicamente platnica.
(DUESO, op. cit., p. 176).
94
pragmata.
95
nomos pode significar tambm melodia.
96
Cf. Plato, Gorg. 449b: Sc. Grgias, estarias disposto a continuar conversando como
estamos fazendo agora, perguntando umas vezes e respondendo outras? [...] queira responder
com brevidade s perguntas. Grg. [...] tentarei responder com a mxima brevidade. [...]
ningum seria capaz de dizer as mesmas coisas em menos palavras que eu. (Trad. minha,
com base em CALONGE, 1999).
97
O autor parece se referir, de acordo com as sees seguintes, mais propriamente arte da
memria (mnemotcnica ou mnemnica) que faculdade de memorizao. Uma memria
treinada era de vital importncia para os oradores na antiguidade e tornou-se parte do
estudo formal de retrica: cf. Ad Herennium (tratado annimo composto em I a.C.), III,
28-40, inclusive esta passagem, dedicada memria, inicia-se com um elogio parecido
quele do DL: Passemos agora ao tesouro das coisas inventadas e guardi de todas as
partes da retrica: a memria. (Trad. FARIA; SEABRA, 2005, p. 181). Esta obra, descrita
por Yates (1984, p. 5) como a principal e nica fonte completa para o estudo da arte da
memria, tanto no mundo grego quanto latino, voltar a ser citada, pois sua discusso
sobre memria de coisas e memria de palavras, papis dados a lugares e imagens, esclarece
detalhes deste pequeno captulo do DL.
98
es philosophan, cf. nota 6. A traduo de Robinson (1979, p. 141) para a frase : for
both general education and practical wisdom. Cf. lio Aristides (DK 79 1): [...] filosofia
designava uma espcie de amor pelo belo e um estudo relativo aos discursos, no nesta
orientao atual, mas como uma educao em geral. (grifo meu) (Trad. SOUSA; PINTO,
2005, p. 52).
99
A meno sabedoria , para Dueso (op. cit., p. 199), prova de que este captulo faa
parte da estrutura conceitual dos quatro ltimos, que, segundo ele, tratam do conceito
de cincia, sendo, em conjunto, a parte positiva do que chama tese B, a anttese, cuja
influncia seria nomeadamente Scrates.
100
Este o captulo que se pode mais facilmente relacionar com Hpias, a quem foi atribuda
uma memria invulgar, entre muitas outras habilidades, bem como o desenvolvimento
de tcnicas mnemnicas especficas que constituam matria de ensino, cf. Plato (Hipp.
Min. 368d 6-7 e Hipp. Mai. 285e), Filostrato (V. Soph. 1.11.1) e Xenofonte (Symp. 4.62).
Contudo, no mnimo questionvel que ele fosse o nico a possuir e ensinar essas tcnicas.
Para uma leitura que v neste captulo uma abordagem inovadora da memria no ambiente
tico-poltico, traando seu caminho desde a obra dos antigos poetas sua valorao
dentro da paideia sofstica, ver AGUIAR, 2006, p. 87-93 e DETIENNE, 1988, passim.
oportuno lembrar que Ccero (I a.C.), no seu De oratore, apresenta um relato de como o
poeta Simnides (sc. VI-V a.C.) teria inventado a arte da memria.
101
Desbordes (1998) cita este captulo como um exemplo do interesse do autor do DL
pela linguagem: [...] trata-se de tornar consciente o processo da memria que est na
base mesmo da competncia lingustica: a linguagem no uma justaposio ao infinito
de palavras isoladas, irredutveis umas s outras; pode-se estabelecer entre elas relaes,
comear a esboar uma rede, um sistema. E um sistema baseado nas propriedades materiais
das palavras, aquelas que se pode manipular vontade. (ibidem, p. 36).
Robinson (1979, p. 141 e 239) traduz por following this course, i.., o curso de
102
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Recebido em 10/06/2016
Aceito em 17/12/2016
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of philosophy or present a philosophical appro- tnotes and the bibliographical references (Bi-
ach. They may derive from research work or be bliography) at the end ofthe main text.
informative in nature. Translations must be of The manuscripts already in blind mode will
philosophical classical texts. Reviews, only of be evaluated by a peer of equal to or higher
books published for less than two years. academic level than that of the author. The
evaluator may or may not be a referee.
Reviews from Referees
Referees are preferably professors of Postgra- Manuscript Preparation
duate Programs of Philosophy. Modifications References: They must beorganized in alpha-
and/or corrections suggested by the referees betical order of the first authors last name
regarding the manuscript (concerning the com- and follow the ABNT (number 6023/2002)
prehension of the text or grammar issues) or the guidelines. The titles of periodicals must be
content of its contributions shall be forwarded written in full.
to the respective authors, who will be allowed a
short period of time to make the proposed mo- Books and other monographs
difications. CHAUI, Marilena. A nervura do real. So
Paulo:Companhia das Letras, 1999.
General information
Works submitted for publication must be sent Book chapters
on-line using the homepage of Trans/Form/ - When authorship of the chapter is the same
Ao, preferably in blind mode (lacking any of the whole book:
data which could identify the author, these in- MOURA, Carlos A. R. de. Hobbes, Locke e a
formation should be available in the system in medida do direito. In: ______.Racionalidade
order to submit the article, but not in the text), e crise. So Paulo: Discurso Editorial, 2001.p.
and as Word (.doc) or RTF (.rtf ) files. Papers 43-61.
are accepted in Portuguese, Spanish, French, En-
glish or Italian. The text must be in font Times - When the authorship of the chapter is differ-
New Roman 12 - points size, with 1.5 spacing, ent of the whole book:
and average length of 20 pages. ARRUDA, Antonio T. M. Determinismo,
The following sequence should be observed: Ti- responsabilidade e sentimentos morais. In:
tle, abstract (minimum of 100 and maximum of GONZALEZ, Maria E. Q.; BROENS, Ma-
250 words), keywords (maximum of five terms), riana C.; MARTINS, Cllia A. (Org.). In-
main text, acknowledgements (whenever desi- formao, conhecimento e ao tica. Marlia:
red), abstract translated into English, keywords Oficina Universitria; So Paulo: Cultura Aca-
translated into English, and bibliography (refe- dmica, 2012. p. 21-36.
rence papers cited in the main text and, optio-
Authorship
The data and concepts presented in the works
as well as the preciseness of bibliographical cita-
tions are the entire responsibility of the authors.
Manuscripts that do not follow to the previou-
sly mentioned guidelines will return to the
authors with comments on the required alte-
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Sending of manuscripts
The proposals of essays, translations and reviews
for publication must be sent on-line using the
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