Anais I Cong Intern Pessoa Comunidade 2014 PDF
Anais I Cong Intern Pessoa Comunidade 2014 PDF
Anais I Cong Intern Pessoa Comunidade 2014 PDF
HUMANIZAO EM SADE
Gilberto Safra
(Organizadores)
So Paulo - 2014
Catalogao na publicao
Publicao digital.
ISBN: 978-85-86736-60-5
RC467
2
I CONGRESSO INTERNACIONAL PESSOA E COMUNIDADE:
UNIFESP So Paulo
ORGANIZAO GERAL
COMISSO ORGANIZADORA
COMISSO CIENTFICA
3
Profa. Dra. Florinda Martins UCP, Porto
COMISSO DE APOIO
4
Isabelle Gayon - Tradutora de francs
APOIO
PARCERIAS
Graduao - ANPEPP
individualmente por seus contedos ou por eventuais impugnaes de direito por parte
de terceiros.
5
SUMRIO
APRESENTAO
TRABALHOS COMPLETOS
CONFERNCIAS
no Brasil colonial
Marina Massimi...............................................................................................................72
Em que solo se nutre a cincia? Michel Henry: para uma cultura interdisciplinar
Florinda Martins.............................................................................................................93
Jean-Marie Barthlmy.................................................................................................121
6
Maristela Vendramel Ferreira.....................................................................................165
Gilberto Safra................................................................................................................197
MESAS REDONDAS
Cllia Peretti..................................................................................................................222
de pacientes graves
7
Danilo Salles Faizibaioff...............................................................................................330
COMUNICAES ORAIS
8
Renata Ferreira Munhoz................................................................................................502
tnico-raciais
9
Notas sobre a ontologia freudiana articulaes entre ontologia, tica e esttica
PSTERES
Thiago de Almeida.........................................................................................................762
RESUMOS
Ileno Costa.....................................................................................................................791
10
Roberta Vasconcelos Leite ............................................................................................798
Canastra
Rudimar Barea...........803
O cuidado como uma tica: um dilogo entre Edith Stein e Donald Winnicott
11
Liberdade e noo de pessoa no Isl: categorias de entendimento interdisciplinar
Adorno
Gabriela Balaguer.........................................................................................................817
contempornea
12
Sofrimento psquico na adolescncia: AT, universidade e comunidade
psquico
Yolanda Forghieri..........................................................................................................831
13
Edith Stein e a formao humana: fundamentos para uma educao integral
Marciana G. Farinha....................................................................................................844
primria?
Marciana G. Farinha....................................................................................................845
ANEXO I Programao do Congresso......................................................................846
14
APRESENTAO
15
NCLEO DE PESQUISA E LABORATRIO PROSOPON
Universidade de So Paulo
Instituto de Psicologia
compreenso da Pessoa Humana, por meio de seu ethos, abordada no vrtice ontolgico.
trabalho do Prof. Dr. Gilberto Safra1 - acompanhado posteriormente pelo Prof. Dr. Andrs
Eduardo Aguirre Antnez, que tambm o acompanhava no LET e com o qual compartilha
Dentre eles destacamos: Profa. Angela Ales Bello e Prof. Lubomir Zak da
Savoie, Chambry.
1
Iniciado na Pontifcia Universidade Catlica com o Laboratrio de Estudos da Transicionalidade (LET).
16
Prosopon ou Pessoa
cristianismo na teologia dos capadcios. Nela a pessoa entendida como ser de liberdade
e relacional, apresentando-se de modo singular, sem que seja possvel sua objetificao
sua dignidade, pois como ser de ao constitui sentidos, funda mundos, encontrando sua
complexidade, sem ser reduzida a coisa ou a um conceito, de modo que seu gesto possa
emergir em meio vida privada e pblica como ao pessoal e poltica. Esta noo torna-
humana posta em questo por meio da hipertrofia do horizonte tecnolgico que ameaa
pacientes que preservem a comunicao do sofrimento vivido por eles, sem reduzi-lo ou
transform-lo em uma abstrao terica. A partir desse autor e em dilogo com a filosofia
17
consultas teraputicas do psicanalista ingls Donald Winnicott, se oferece a oportunidade
compartilhada com a Profa. Angela Ales Bello, Irm Jacinta Turolo Garcia, Prof. Mrcio
2
O primeiro evento do Ncleo de Pesquisa e Laboratrio Prosopon foi o seminrio internacional Interface
entre Psicanlise e Literatura: visitando lmre Kertsz, organizado pelos Profs. Gilberto Safra e Jos Alberto
Moreira Cotta, realizado no IPUSP em abril de 2014. Disponvel em: http://www.youtube.com
18
Fernandes e Profa. Clelia Peretti em reunio realizada na casa do Prof. Safra em setembro
de 2013. Incluir o Ncleo em primeiro lugar visa mostrar as pesquisas a serem realizadas
e colocadas em prtica no Laboratrio, por sugesto da Profa. Ales Bello, bem acolhida
interesse das pessoas e a delicada situao que ocorria na universidade devido greve, os
Filosofia das Cincias da Sade da UNIFESP, por ele coordenado, na Vila Clementino
O Congresso
19
O evento, apoiado pela FAPESP3, CAPES4 e CNPq5, foi um sucesso. Contou com
desse evento. Agradecemos aos colaboradores que enviaram seus textos e esperamos que
interdisciplinar.
Comisso Organizadora
3
Processo FAPESP n.2014/10.498-9
4
Processo CAPES/PAEP n.4949/2014-61
5
Processo CNPq /APV n.453.550/2014-2
20
O INCONDICIONAL DA CONDIO HUMANA
Florinda Martins
Em 1963 Michel Henry publica uma extensa obra sob o ttulo A Essncia da
Manifestao6. Uma obra cuja tese consiste em mostrar que o invisvel revela o que o
visvel elimina e oculta. Tese essa que se desenvolve como que em anttese7 ao conceito
suposto ser o visvel a revelar o invisvel, embora tendo este como fundamento daquele.
necessariamente pela questo do acesso Vida. Uma Vida que faz prova de si, revelando-
se no processo constitutivo do nosso prprio ser, no qual nos sentimos viver. Um processo
somos revelados a ns prprios no advir da Vida mesma. Assim a intriga vivo/vida mais
6
Michel Henry, LEssence de la Manifestation, Paris, PUF, 1963. [EM].
7
Michel Henry, Narrer le pathos in Phnomnologie de la vie, T. III. Paris, PUF, 2004, pp. 310-311.
8
EM, p. 557 A determinao ontolgica positiva da Noite constitui, no seu ser idntico vida, a
efetividade originria da fenomenalidade pura e da sua essncia.
21
da fenomenologia teologia9. E isso porque, se em verdade podemos ver na
invisvel em cada vivo, aparecer sempre novo como sempre nova a nossa histria
pessoal e comunitria.
enquanto uma cristologia fenomenolgica foi feita em 1998. Nesse ano, M. Henry
sou a Verdade, a primeira das obras de M. Henry a ser traduzida para Portugus10.
na cultura. Como o texto do convite para o lanamento da obra, a tinha apresentado como
desenvolvesse um pouco mais a ideia expressa no convite. Cabe aqui dizer que por
nesse vnculo com ela, a sua mais originria verdade. Uma verdade que, porquanto
publicadas num artigo sob o ttulo Cest moi la Vrit: Para uma cristologia
9
D. Janicaud, Le tournant thologique de la phnomnologie franaise, Paris, Combas, 1991.
10
Michel Henry, Cest moi la Vrit: pour une philosophie du christianisme, Paris, ed. Du Seuil, 1996.
Traduo Portuguesa de Florinda Martins Eu sou a Verdade: para uma filosofia do cristinaismo, Lisboa,
Vega, 1998.
11
Florinda Martins, Cest moi la Vrit: para uma cristologia fenomenolgica, in Itinerarium, Ano XLII, n
155, Maio-Agosto, 1996, pp. 475-480.
22
considerao, de M. Henry, no apenas a obra Eu sou a Verdade, mas ainda o texto Difcil
democracia12. Alm disso, altura, estava ainda bem presente, em todos os participantes,
estes textos, apresentados pelo prprio M. Henry foram alvo de um intenso debate em
especificamente, com o texto Difcil liberdade. Todavia, mais do que o confronto entre
vida invisvel, no limite de toda a reduo13. Hoje, ainda que diferenciemos ecumenismo
centra-se, a nosso ver, na constituio da fenomenologia da vida poder ser uma cristologia
vivos na Vida. Sendo luz dessa condio que tanto Democracia como liberdade; tanto
complexidade do debate religio, filosofia e sociedade, orientaremos este texto por uma
questo ainda mais abrangente do que a de 1998, atrs referida. Comearemos por
para de seguida avaliarmos a atualidade das questes, no que vida social e comunitria
12
Michel Henry, Difficile Dmocratie, in Michel Henry: lpreuve de la vie, Paris, Seuil, 2001, pp 39-54.
Tive acesso a este texto de MH e a outras obras suas antes da sua publicao.
13
Para a fenomenalidade da prova do limite ver de Franois-David Sebbah, Lpreuve de la limite:
Derrida, Henry, Levina set la phnomnologie, Paris, PUF, 2001.
14
Jos Borges de Pinho, Ecumenismo: situaes e perspectivas, Lisboa, UCP Editora, 2011, p. 18.
15
Rudolf von Sinner, Confiana e convivncia: reflexes ticas e ecumnicas, So Leopoldo, Sinodal/EST,
2007, pp. 43-67.
23
dizem respeito. Tal significa que, em vez de optarmos por prosseguir o caminho trilhado,
desde ento por M. Henry caminho que vai de uma cristologia fenomenolgica para
completam as teses ento enunciadas -, recuaremos ao incio do seu debate com a prpria
manifestao o efetivo processo da vida; ela a Palavra em que tudo est contido, o
nome e a apelao, o que designa e o que mostra (1963)18; religio este vnculo interior
do vivo vida (1996)19. Uma mesma ideia une estas definies: a manifestao
compreende quer uma cristologia fenomenolgica quer uma qualquer outra forma de
pertence ao homem como uma experincia singular, mas como sua essncia. Ela designa
o vnculo interior do vivente vida, da qual aufere a sua condio de vivente, na qual ela
prova tudo o que ele prova20. Do animismo e do politesmo ltima sociedade religiosa
16
Michel Henry, Encarnao: uma filosofia da carne, Lisboa, Crculo de Leitores, 2001.
17
Michel Henry, Palavras de Cristo, Lisboa, Ed. Colibri, 2003.
18
EM, pp. 571 e 351, respetivamente.
19
Michel Henry, Difficile dmocratie, in Michel Henry: lpreuve de la vie, Paris, Cerf, 2001, p. 53.
20
Difficile dmocratie, in Michel Henry: lpreuve de la vie, Paris, Cerf, 2001, p. 40.
21
Michel Henry, Difficile dmocratie, in Michel Henry: lpreuve de la vie, Paris, Cerf, 2001, p. 40.
24
ingnuas de atesmo22 (1963), as expresses religiosas so inteligveis apenas luz do
uma vez por todas, delimitado; se ela pode encontrar intuies fundamentais na poesia
nosso viver. Pelo que Toda a crena, por muito estranho ou absurdo que parea ser,
uma crena da vida em si mesma e, no limite, -lhe idntica25. da crena da vida que
as outras crenas vividas em contextos singulares ou outros procedem ainda que no raro
provamos. Seria assim interessante, neste contexto, ver por que que a filosofia de M.
Henry se afasta de qualquer tipo de gnose26. Todavia deixamos apenas a referncia, para
filosfico, na prtica de uma imensa anttese que ele trabalha. E vejamos agora por que
22
EM, p. 509 e 510.
23
Michel Henry, Eux en moi: une phnomnologie, in Phnomnologie de la vie, T I, Paris, PUF, 2004,
pp. 208 e 209.
24
CMV, pp. 7-19.
25
Michel Henry, La question de la vie et de la culture in Phnomnologie de la vie, T. IV, Paris, PUF,
2004, p. 24.
26
Michel Henry, La vrit de la gnose in Phnomnologie de la vie, T.IV, Paris, PUF, 2004, pp. 131-143.
25
que esta afirmao se adequa na perfeio fenomenologia, nomeadamente ao conceito
de manifestao.
Num pequeno texto intitulado O que uma revelao27, M. Henry deixa claro
a ela dado revelar-se. Pelo que o que os fenomenlogos entendem por manifestao
862 pginas que compem a obra. Esta antecedida por uma introduo, publicada depois
sendo ainda seguida de um Apndice cujo ttulo e extenso poderia bem figurar tambm
ele como uma obra. O ttulo do Apndice Pr a claro o conceito originrio da revelao
27
Michel Henry, Quest-ce quune revelation? in Archivio di Filosofia, n 1-3, vol.LXII, 1994, reeditado
in Michel Henry: vie et revelation, Publications de LUniversit de Saint-Joseph, Beyrouth, 1996, pp. 87-
93.
28
Michel Henry, Phnomnologie Matrielle, Paris, PUF, 1990, p. 25. Neste texto Michel Henry chega
mesmo a afirmar a no fenomenalidade do conceito de manifestao e, por conseguinte, uma no
fenomenologia.
29
Michel Henry, Philosophie et phnomnologie du corps, Paris, PUF, 1965.
30
EM, pp. 863-906.
31
Para esta questo ver de Marc Herceg Michel Henry lecteur de Hegel in Dossier Michel Henry, Paria,
LAge dHomme, 2009, pp. 269-280.
26
caracteriza-os o monismo ontolgico seco I -, isto caracteriza-os uma forma de
monismo: tudo o que ainda no visvel pode vir a s-lo. A seco III A estrutura
central a de que o invisvel revela o que o visvel ofusca e elimina32. Tese que se faz eco
determina-a constituindo-a (EM 553); toda a vida por essncia invisvel; invisvel
modo como cada um de ns a usufruiu foi certamente diferente: para uns foi um prazer
levantar-se, para outros foi com algum desconforto que o fizeramOra o que aqui esteve
em causa, e o que est em causa na seco III da obra EM, a inteira confiana na
manifestao dos poderes da vida em ns. Poderes que a seco IV desenvolve no sentido
32
EM, 552.
27
Estes so os dois sentidos da imanncia da vida: enquanto na seco III a vida
o afeto revela-se como fora e poder. Nesta ltima, o poder do sentimento vivido como
sentimento de poder: poder exercer os poderes nos quais somos inteiramente constitudos
e assim participar do enredo da vida: o enredo do real. Diz M. Henry: a relao entre
sagrados pois todos eles nos vinculam vida sendo o nosso viver nela julgado e
manifesto. No explico a minha vida a minha vida explica-me. Vejamos como. Ao ligar
do poder da finitude ser razo ou fundamento de si. O poder apenas mostra que um
poder, dado que nos encontramos de imediato em sua posse, na imanncia radical do
tradicionais poderes do cogito sei que sou uma coisa que pensa, isto , que duvida, que
afirma, que nega, que conhece poucas coisas, que desconhece muitas, que quer e que no
quer, que tambm imagina e que sente37, nem depois dos acrescentos do duque de Lynes
- que ama, que odeia nem mesmo dos acrescentos que hoje, sabiamente, a cincia e a
33
EM, 552.
34
EM, p. 811.
35
Husserl, Meditaes Cartesianas, Trad. de Maria Gorete Lopes e Sousa, Lisboa, Rs-Editora, 44. p
124..
36
Michel Henry, Signification du concept dinconscient pour la connaissance de lhomme, in Michel
Henry: auto-donation, Paris, Beauschesne, 2004, p.100-101.
37
Descartes (AT VII, 25)
28
arte lhe apem38. Fenomenologicamente o desespero um poder tal como o querer39. O
que ser mais tarde confirmado por M. Henry ao falar do poder do temor: o poder est
em relao consigo mesmo, prova-se imediatamente, da mesma forma que o temor est
ele tambm prova da nossa originria relao com outrem. O Outro est sempre
a primordial verdade de ns mesmos. Uma verdade que apenas na relao com outrem
conhecemos.
presente nos encontros tidos com ele em Portugal. Lembramos apenas e para terminar a
sua passagem pela Porto 2001, Capital europeia da cultura. O ttulo da sua conferncia
eles em mim: uma fenomenologia41 expresso da leitura que MH fez do tema para o
pertencem a um corpo cannico dito filosfico nem a ele delimitado uma vez por todas;
38 No em uma, nem duas, nem trs passagens que esta dimenso do afeto referida em Descartes. Michel
Henry consagra um captulo ao afeto da viso, na obra a Genealogia da Psicanlise, a partir da expresso
de Descartes, at certe videre videor (AT, VII, 29) certo que me vejo verque me sinto verAt porque
essa a definio de ns mesmos, seres humanos: A questo que esta definio foi parcialmente
aplicada ao conhecimento dos objetos. O curioso que isso esteve presente no curso da histria da
filosofia de Descartes aos nossos dias. Ora como um pretenso jogo de palavras - Escolho /logo existo
acrescenta Amit Goswami definio de Descartes38, Diogo Infante, preocupo-me, logo existo, ou ento
jogo, logo existo in A Filosofia do futebol (2012).
39
EM, p. 852.
40
Michel Henry, Auto-donation, Paris Beauchesne, 2004, p. 217.
41
Michel Henry, eux en moi: une phnomnologie in Phnomnologie de la vie, T.I, pp. 208 e 209.
Reedio.
29
pois tambm se encontram intuies fundamentais algures, na poesia, literatura, textos
ns?
Como restituir vida o seu poder e a sua felicidade de viver a no ser uns com os
filosofia e sociedade.
42
Michel Henry, Eux en moi: une phnomnologie in Phnomnologie de la vie, T.I, pp. 208 e 209.
Reedio.
30
TRABALHOS COMPLETOS
31
CONFERNCIAS
32
COMPRENDERE LE PSICOPATOLOGIE
E-mail: alesbello@tiscali.it
Riassunto: Per comprendere un caso clinico e per orientarsi sulla diagnosi e sulla terapia
non basta riferirsi al DSM, cio al Manuale Diagnostico e Statistico dei Disturbi Mentali,
di cui stata pubblicata nel 2014 la quinta edizione, perch si tratta della proposta di
schemi che intendono includere tutti i casi e pretendono di dare indicazioni generali. Al
contrario, qui si si vuole mostrare che solo unindagine sulla singolarit pu consentire di
PHENOMENOLOGICAL APPROACH
Abstract: On occasion of the issue of DSM 2014 the author of the paper intends to show
that the schemes contained in it are not sufficient to understand the meaning of the mental
33
diseases. On the contrary only a research about our singularity can make possible a
diagnosis and a therapy. In any case to proceed in understanding we need some criteria
human being. From the philosophical point of view the analyses performed by Husserl
and Edith Stein are very useful and Ludwig Binswangers and Bruno Callieris proposals
are very important from a psycho-pathological point of view. Their idea of a global
approach to the human existence and their digging in the human interiority can be threads
for a therapy which must be based on the deep encounter of therapist and suffering person.
conosce tali disturbi e che indica le modalit della loro cura, svolgendo, quindi, una
modo molto ampio, proprio quelle patologie definite psichiche, che non appaino
immediatamente legate alla corporeit. Si pu subito notare che luso del vocabolo psico
due aspetti dellessere umano, quello corporeo e quello psichico, che saranno oggetto di
enigmatico territorio, che si definisce psiche e che si ritiene che possa essere affetto da
patologie.
A proposito del termine psiche, interessante risalire alla lingua greca, dalla quale
esso tratto. Scrive Eraclito (sec. VI a.C.): I confini (peirata) dellanima (psych) per
quanto tu ne vada in cerca non li trovi, anche se percorri tutte le strade, cos profondo
34
(bathon) il senso (logon) che essa ha43 dove laggettivo bathus (profondo) stato anche
inteso, ad esempio da Edmund Husserl nella Crisi delle scienze europee, alla quale in
seguito far riferimento, come labisso di cui non si conosce il fondo. Ma qual il
Psiche era un termine attribuito nella lingua greca a ci che nella lingua latina
indicato con anima; entrambe le parole hanno origine nellantica lingua indoeuropea,
significando soffio, alito, ma soffio e alito cosmico. Infatti, pur derivando da due
radici diverse, anima da n, donde anemos, vento in greco, e psiche da apsu, radice
testimoniata nel sanscrito per indicare ci che si origina dallacqua primordiale, mostrano
entrambe che lessere umano proviene proprio dallenergia vitale primordiale. Come
noto, nelle culture arcaiche tutto era legato ad una visione metafisico - religiosa della
Nelle due lingue si era ben compreso il senso di questa dimensione insondabile,
eppure presente, intuitivamente colta come presente, accanto ed oltre al corpo. Ma perch
accanto ed oltre? A quale esperienza ci si rif per costatare questa presenza? Credo che
tale esperienza abbia due fonti: una sulla linea di ci che Eraclito mostrava con la sua
traumatica visione del cadavere, al quale manca qualcosa, un principio vitale, che non si
43
Eraclito, Frammento 45 nella numerazione di Diels e Kranz, tradotto da me liberamente.
35
Per rimanere nella cultura greca, psiche era intesa come ci che rende umano
lumano e che sopravvive ad esso, quindi, come qualcosa di pi valido rispetto alla vita
Platone divina.
Non possibile in questa sede ripercorrere le vicende dei due termini: psiche /
nozione di anima, perch troppo legata ad una visione spirituale e metafisica dellessere
umano, si tornati allantico vocabolo psiche nella speranza che si fosse dimenticato il
suo significato originario e che si trattasse di un termine neutro, asettico, che potesse
qualcosa di antico espresso con parole nuove; alcuni aspetti prima solo accennati sono
scienze le hanno per un verso semplificate, per un altro complicate, ma non eliminate, e
bisogna riconoscere tale situazione se non si vuole rimanere abbagliati da ci che riluce
etimologia rimanda alla radice indoeuropea pat, la quale nel verbo greco pasco, che da
essa deriva, indica essere soggiogati e, quindi, sopportare; il sostantivo pathos si riferisce
alla sofferenza come effetto di ci che si subisce e questo pu essere la malattia. Bisogna
chiarire, perci, il rapporto fra malattia e sanit, anzi, al fondo, - so di dire qualcosa di
36
impopolare - fra normalit e anormalit. E tutto ci molto pi complicato nel caso
delle malattie mentali, nelle quali non sembra implicata direttamente la corporeit.
mentali? Per sanare che cosa? Per ridare equilibrio? Un ritmo di vita normale? Normale
dilemma, appare subito che lobiezione posta dallaltro non sia facilmente superabile.
Daltra parte, non si pu rimanere nel dilemma. Come risolvere la cosa? Si inseguono qui
spesso qualcuno chiede aiuto in quanto si rende conto di vivere un disagio. Qual il
psichico possa costituire una modalit dellesistenza e, in quanto tale, si presenta come
Quali sono, per, i limiti soggettivi ed oggettivi del disagio, che non si possono superare,
si presenta subito una diversit e, forse, una contrapposizione di punti di vista rispetto a
quellindagine attenta ai disturbi psichici, cio, usando il termine nel senso tradizionale
37
per indicare la disciplina, alla psico-patologia, proprio perch pathos sofferenza
prodotta da qualcosa. Dove risiede la differenza fra i due approcci? Il punto di vista
delluniversalit sono inevitabilmente messe in crisi nel caso della psicopatologia? E non
iniziare.
delle strutture, ci non significa che non ci si renda conto della loro insufficienza a
cogliere la singolarit.
viceversa, tra i quali si genera una tensione non facilmente eliminabile, mi sembra
presente fin dalle origini della speculazione greca. Riprendo la lettura di alcuni frammenti
di Eraclito, il pensatore presocratico che, a mio avviso, affronta nel modo pi stimolante
le tematiche antropologiche. Come noto, egli distingue gli esseri umani in desti e
dormienti, perch i primi pensano e, quindi, mettono in evidenza che il mondo uno
indubbiamente, svalutativa della condizione del dormire, perch indicativa del non
44
Frammento 89 (Diels Kranz).
38
pensare, ma sulla quale ritengo che si debba riflettere: si tratta del ruolo dei dormienti:
mondo46, quindi la loro posizione nel mondo, tuttaltro che evasiva, , al contrario,
produttiva. Forse non sono speculativi, ma sono attivi ed operosi, si direbbe, gente
intellettuale e vita pratica, il ruolo imprescindibile della singolarit. Certo vedere solo il
proprio mondo (idios kosmos, dice Eraclito) pu indicare una chiusura egoistica seguita
della difficolt di una vita in comune (koinos kosmos), in questo senso latteggiamento
vedr in seguito -, ma ci sono anche le istanze del singolo, che necessario prendere in
forte da poter assumere corpi diversi, ma rimanere sempre se stessa, essendo immortale.
singolarit e la comunit.
Credo, allora, che la chiave per affrontare le questioni sopra proposte stia nel
chiasmo fra universalit delle strutture/singolarit della persona. I disturbi mentali, nella
45
Ibid. ( sempre il frammento 89)
46
Frammento 75 (Diehls-Kranz).
39
Sono sempre pi grata al destino? Alla provvidenza? In ogni caso, a ci che ha
sarebbe molto lunga, ne nomino uno che non essendo pi fra noi, li racchiude tutti anche
perch, se non tutti si identificano con le sue posizioni, tutti colgono che aveva indicato
una strada che non si pu ignorare mi riferisco a Bruno Callieri. E stata proprio la
frequentazione con lui che ha allargato lorizzonte delle mie riflessioni, non soltanto
perch coltivava una disciplina diversa dalla mia, che mi incuriosiva, ma perch loggetto
Sono sempre di pi consapevole del fatto che la cultura occidentale, in cui siamo
costituisce unassurdit, al contrario, sostengo che sia necessario per orientarci: abbiamo
umano.
linguaggio universale, perfino il nome proprio, che non si riesce a personalizzare fino
in basso, per tornare poi verso lalto; utilizzo in questo caso il suggerimento di Husserl,
il quale, per, al contrario di ci che sto facendo, raccomandava di muovere von unten,
dal basso, per andare in alto (oben), tuttavia si rendeva conto come, qualche volta, fosse
40
processo genetico che ha condotto fin l. Seguo, allora, una via filosofica, quella che
vantaggio di cogliere lessere umano movendo da uno scavo interiore; in tal modo, sar
possibile anche rispondere alle questioni sopra poste: che cosa la psiche? E che cosa
che sia capace di riflettere su se stesso; per lo meno questo il risultato di unanalisi
comparativa condotta dal fenomenologo soprattutto con il mondo animale. Dal secondo
volume delle Idee per una fenomenologia pura e una filosofia fenomenologica47
primo passo da compiere per avviare una riflessione che colga radicalmente, cio
interpretazione gi data ed anche di ogni posizione dessere che potrebbe essere messa
in dubbio per far emergere lesperienza vissuta della cosa con il suo correlato, cio il
fenomeno della cosa stessa. Ci consente di entrare nella dimensione dei vissuti
47
E. Husserl, Idee per una fenomenologia pura e una filosofia fenomenologica, vol.II, tr. it. di V. Costa,
Einaudi, Torino 2002.
41
tra parentesi. Lattenzione si sposta sulla complessit del mondo interiore, un mondo
non caotico, ma ordinato, in quanto sottoposto a regole, in cui sono presenti momenti e
Husserl sottolineer negli anni Trenta, quasi alla fine del suo percorso
intellettuale, che la messa fra parentesi, o epoch, che lascia come residuo la
di Eraclito con questa soggettivit, varrebbero per essa le sue parole Qualsiasi strada
tu percorra non arriverai mai a trovare i confini dellanima, tanto profondo il suo
qualsiasi orizzonte si dischiuda esso ridesta altri orizzonti; tuttavia il tutto infinito,
nellinfinit del suo movimento fluente, orientato verso lunit di un senso, ma non
Questa la ragione per cui lanalisi non pu essere fatta una volta per tutte; siamo
destinato a fallire, di dare una lettura definitiva. Si tratta, piuttosto, di approcci, che ora
Da ci sorge anche la difficolt di comprendere gli stessi risultati a cui giunge Husserl,
perch non possibile delineare una mappa completa di questo territorio accidentato.
48
E. Husserl, La crisi delle scienze europee e la fenomenologia trascendentale, tr. it. di E. Filippini, Il
Saggiatore, Milano 1961, p. 196. Qui Husserl sta citando il Frammento 45 di Eraclito da me sopra
commentato (cfr.nota 1).
42
Si parla dellio, dellio puro, della coscienza, dellanima, della psiche, dello spirito, ma
Abbiamo iniziato dallepoch e dalla messa in evidenza degli atti del soggetto, atti
che nella lingua tedesca sono indicati come Erlebnisse, espressione intraducibile nella
lingua italiana se non con una frase: ci che da me vissuto, ridotta brevemente a
vissuto; ma che cosa da me, da noi vissuto? Ci che viviamo si scinde nellatto,
latto del percepire, del ricordare, dellimmaginare e del pensare e cos via, e nei
contenuti di tali atti, il percepito, il ricordato, e cos via che a sua volta rimanda alla
e ci sostenuto sia da Husserl sia dalla Stein -, dobbiamo prescindere per il momento
percepire-percepito come presente allinterno del soggetto, quindi, sullatto vissuto dal
soggetto, ad esempio quello del percepire, come possibilit del percepire stesso.
rimandano luno allaltro e che costituiscono la struttura essenziale del soggetto, inteso
come ego, io in quanto soggetto, ma anche degli altri soggetti, scoprendo, in tal modo,
come si detto sopra, colui che fa lanalisi, manifestando la propria attivit in altre
parole colui, ad esempio, che procede nella ricerca filosofica , ma anche colui che
Nel tentativo di delineare una mappa relativa allessere umano preso nella
dalla coscienza, da intendersi non come un luogo, ma come una nuova regione
43
Erlebnisse che sono correlati alla coscienza pura finora non delimitata nella sua
peculiarit , allora lessere da mostrare egli continua- non altro se non ci che
per motivi essenziali pu essere indicato come puri Erlebnisse, pura coscienza con i
Sulla scia del maestro, Edith Stein scrive nel suo libro Introduzione alla filosofia:
la coscienza non una scatola che raccoglie in s i vissuti, ma questi stessi vissuti
Lessere cosciente non deve essere inteso solo e immediatamente come un atto della
interiore che illumina il flusso del vivere e nel defluire stesso lo rischiara per lio vivente
Si pu notare che sia per Husserl sia per la Stein fondamentale la correlazione
fra la coscienza e lio e a questo proposito importante indicare che si delineano diversi
aspetti dellio. In primo luogo, lio puro, io definito da Husserl come quella capacit di
correlazione con i suoi atti vissuti, quali il percepire, il ricordare, il giudicare, il sentire,
il volere, in riferimento agli oggetti in modi diversi secondo gli atti che compie ed
questo tempo immanente52 scrive Husserl, intendendo che lio permane in questo o in
49
E. Husserl, Idee per una fenomenologia pura e una filosofia fenomenologica I, cit., p. 75.
50
E. Stein, Introduzione alla filosofia tr. it. di A. M. Pezzella, a cura di A. Ales Bello, Citt Nuova Roma
1998, p. 131.
51
Ivi, p. 152.
52
E. Husserl, Idee II, cit., p. 107.
44
quellatto di coscienza pur non essendo un momento reale o una parte costitutiva di
esso.
da Husserl ed quella che consente di cogliere lidentit dellio, la sua non dispersione,
perch, lio o il soggetto puro non si genera e non trapassa, al contrario allora, lio puro
entra ed esce di scena, possibile anche che lio puro non si ritrovi affatto, quando non
trascurato: si pu dire che lio puro e la coscienza sono lo specchio sul quale si riflettono
i vissuti che provengono dalle realt della psiche e dello spirito, perch se lavvio
della ricerca si ha dalla parte della regione dessere della coscienza e dellio puro, in
trascendentale, lessere umano nella sua struttura reale ha dimensione reali che debbono
Nel suo lavoro di scavo all'interno della soggettivit Husserl analizza proprio quel
detto gli atti che noi viviamo e che caratterizzano la nostra interiorit; questa
espressione non husserliana, ma la utilizzo solo per far comprendere quale sia la sfera
che presa in esame. I vissuti, o atti, sono elementi strutturali, che noi tutti possediamo,
45
Se analizziamo ci che accade in noi stessi ci rendiamo conto che non solo
presente l'atto del percepire, ma anche quelli del ricordare, dell'immaginare, del
atti o vissuti, compito che ha accompagnato Husserl lungo l'arco di tutta la sua ricerca.
La nostra coscienza, inoltre, registra atti relativi agli impulsi, agli istinti, alle tensioni,
quelli cio propri della sfera psichica, e ancora quelli della decisione, della volont delle
rispondere a quella domanda che stata posta allinizio di queste riflessioni: che cosa
Il tema dellentropatia
nella sfera del soggetto, imprescindibile punto di partenza per la comprensione della
realt. Fra gli atti individuabili allinterno del soggetto ce n' uno in particolare che
53
Uso il termine entropatia, presente nella traduzione italiana del termine tedesco Einfhlung nelle opere
di Husserl, perch esprime meglio ci che i fenomenologi intendono dire. Il termine empatia stato, in
verit usato da me nella traduzione delle opere della Stein, perch foneticamente pi accettabile, negli
anni Novanta, in unepoca in cui ancora non si parlava di empatia nellambito della psicologia e nel senso
in cui diventato di moda. Il senso corrente in cui si adopera empatia rischia di non far capire che
lesperienza vissuta dellaltro per i fenomenologi non ha niente a che vedere con la simpatia, con la
vicinanza, con linteressamento, che sono esperienze del tutto diverse, come si vuole mostrare nel
presente testo. Si ha empatia o entropatia sempre quando si riconosce che laltro un essere umano
come siamo noi e che sta vivendo esperienze simili alle nostre.
46
Esaminando, allora, questo peculiare atto nel quale consiste la conoscenza
dell'altro come conoscenza entropatica, Edith Stein si chiede che cosa si colga dell'altro
e attraverso quale strumento ci sia colto; il risultato dell'analisi rispetto a queste due
quale abbiamo accennato sopra. Se Husserl aveva condotto la sua indagine movendo
dell'entropatia.
coinvolta la corporeit come tramite necessario della conoscenza stessa, d'altro lato, la
tre sfere del corpo, della psiche e dello spirito reso necessario dal fatto che i rispettivi
atti si manifestano qualitativamente uguali, possono essere posti senza distinzione sullo
stesso piano o rimandano a gradualit diverse, implicanti anche valori diversi come
accade per la psiche e lo spirito, in quanto diversi dal corpo e unificabili sotto il titolo
senso l'essere umano non riducibile tutto alla corporeit, pur essendo questa la
E' sul terreno dei vissuti, cio degli atti della coscienza, che si individuano, come
anche se in forme diverse in tutte le culture, indicate, appunto, con i termini corpo e
anima. Il dolore o la gioia che l'altro vive deve essere colto, in primo luogo, attraverso
47
una percezione legata agli organi della sensibilit, ma ci che si scorge sul suo volto
rimanda ad una profondit di vita tale che impossibile assimilarlo a qualsiasi oggetto
fisico, visto e toccato. La dimensione che viene cos scoperta il luogo degli affetti,
delle pulsioni, delle emozioni, quella che indichiamo con il termine psiche (psich).
Ci si potrebbe chiedere - e Edith Stein pone tale questione nel secondo decennio
del Novecento - se non si sia trovata finalmente una disciplina, la psicologia, che
alla sua struttura che di tipo meccanicistico: azione e reazione, associazione e cos via,
scienze della natura. Da questa domanda nasce il lungo e articolato saggio - pubblicato
nel 1922 sullo Jahrbuch diretto da Husserl - relativo a Psicologia e scienze dello spirito.
filosofica, ma, piuttosto, di mostrare l'insufficienza del punto di vista della psicologia e
di quello delle nuove scienze umane, costituitesi nella seconda met dell'Ottocento, sia
riguardo alla comprensione approfondita dell'essere umano sia, anche, riguardo alla
giustificazione della loro stessa costituzione; esse, infatti, hanno bisogno di un'indagine
psicologia non pu fare a meno di chiedersi che cosa sia la psiche e deve anche
nella sua interezza, se non sia necessario ammettere anche la dimensione dello spirito e
Attraverso l'analisi dei vissuti si mette in risalto l'esistenza di una sfera psichica
48
s strutturata secondo una sorta di causalit, in quanto sede di legami che, in una certa
come l'unica fonte di direzione dell'essere umano stesso? Freschezza o stanchezza della
psiche, ad esempio, sono sempre ed esclusivamente alla base delle nostre azioni e,
quindi, delle nostre decisioni oppure le scelte ci rimandano a motivazioni che rivelano
che si muove nella vita dell'altro, e non solo relativamente ai suoi sentimenti o alle sue
mondo della sua creativit. Se ci sono le scienze dello spirito, esse riguardano,
appunto, ci che connesso con questa sfera che quella della produzione culturale,
umano della dimensione dello spirito consente di affermare che superata la realt
materiale; per , nello stesso tempo, anche un organismo che prende forma e agisce
Il sentire la singolarit
49
Tutto ci che stato detto riguarda lessere umano preso nella sua universalit,
Stein a riflettere in modo pi diretto e convincente sul tema della duplicit femminile-
maschile e su quello della singolarit. Non questa la sede per sviluppare il tema
questione dei generi54. Tuttavia, sia luomo che la donna presi nella loro universalit
Nessun essere umano uguale allaltro, neppure i gemelli, perch non si tratta di
A questo proposito dobbiamo dire che per sentimento non intendiamo soltanto un
semplice stato danimo, che non ha un ulteriore significato. Il sentire di cui stiamo
intellettuale chiara ed evidente; essa ha, piuttosto, in comune con la percezione sensibile
il fatto che si coglie un elemento unico e reale. Tuttavia, i sensi non giocano alcun ruolo,
ogni conoscenza umana. Consiste in un sentire la nostra essenza e quella degli altri
54
Per lo sviluppo del tema relativo allantropologia duale rimando al mio Sul femminile. Scritti di
antropologia e religione, a cura di M.DAmbra, Citt Aperta, Troina ( EN), 2004.
55
E. Stein, Essere finito e Essere eterno Per unelevazione al senso dellessere, tr. it. di L. Vigone, revisione
e presentazione di A. Ales Bello, Citt Nuova, Roma 1999, p.512.
56
Ivi, p. 513
50
come determinata, unica, e autogiustificantesi. Siamo, allora, ritornati ad una definizione
universale? No, perch rientra nellessenza di questo percepire che il suo modo sia
unico: lio cosciente comprende la sua specificazione essenziale come sua particolare
unico e reale, e tale riconoscimento si muove sul piano delluniversalit, ma tale elemento
affermare che tale singolarit, la propria e laltrui, sia conosciuta nella sua pienezza.
non c neppure una piena conoscenza dellaltro, ma questo non ci esime dal sentire che
della comprensione delle psico - patologie e come possa giocare in tale ambito il rapporto
trova di fronte ad una singolarit. Se nei casi non patologici pu sembrare pi facile
inserire il singolo nella generalit, perch prevalgono alcuni tratti comuni ricorrenti - in
fondo questo un primo senso che giustifica la nozione di normalit chiaro che di
51
la singolarit emerge prepotentemente, con manifestazioni di varia intensit che possono
nella paura e, infine, determinare lisolamento di chi vive quella situazione spesso
tali fenomeni e nella delineazione degli interventi terapeutici, ma questo non esclude che
altre impostazioni, in particolare quelle legate alla psicologia del profondo di origine
fenomenologico.
Binswanger che per primo ha saputo cogliere le potenzialit implicite nella descrizione
chiesto se tali disturbi siano propriamente disturbi della psiche e che cosa sia la
psiche.
complessa struttura umana, che deve essere considerata nella sua completezza e non
rende conto che solo alcune modalit della soggettivit analizzate da Husserl sono
alle esperienze vissute e alle loro combinazioni e organizzazione. Tuttavia, si tratta anche
52
E chiaro che Binswanger d per scontato che sia necessaria una terapia, quindi,
limpostazione positivistica della malattia mentale, intesa come malattia del cervello, ma
anche della stessa psicoanalisi, alla scuola della quale egli proveniva. Ci che contesta in
questo caso lastrattezza che, secondo alcuni, sarebbe garanzia di scientificit, il fatto,
cio, che si parli della psiche come di un campo avulso dallesistenza presa nella sua
globalit e del terapeuta come colui che sparisce in quanto essere umano dietro la sua
Qui si denuncia, in primo luogo, il venir meno di un rapporto umano, che non pu
produrre qualcosa di nuovo, ma, nel caso della medicina si tratta di isolare,
quello della psicoterapia di dirigere tali forze verso unazione che coinvolga lessere-per-
si visto attraverso lanalisi dellentropatia che il rapporto intersoggettivo uno dei centri
Binswanger intende tale rapporto. Queste indagini che sembrano confinate nellambito
filosofico, in realt, non possono essere estranee a chi vuole analizzare il rapporto medico-
paziente.
57
L. Binswanger, Sulla psicoterapia, in Per unantropologia fenomenologica Saggi e conferenze
psichiatriche, tr. it di E. Filippini, 2007, p. 126.
58
Ibid.
53
Ci pu domandare, in primo luogo, quale antropologia sia alla base della posizione
umano. Egli riscontra che i risultati delle analisi fenomenologiche sono convincenti per
la chiarificazione proprio di quei disturbi di fronte ai quali egli si trova come terapeuta.
Tali risultati gli consentono, da un lato, di allargare la nozione di psiche, di poter parlare
di funzioni vitali di ordine psichico, di non dimenticare il corpo, come si vedr in seguito,
interpersonale.
parte, lobiettivo di Husserl e della Stein nei confronti della psicologia era proprio di
offrire un solido terreno per indagini specifiche, in particolare per quelle psicologiche,
meccanicamente schemi teorici, come mostrato dal suo allontanamento dalla prassi
rischiare anche di andare fuori dagli schemi. Per questo definirei questo approccio
artistico59.
59
Ho riflettuto sul contributo di L. Binswanger in alcune occasioni, cito in particolare il mio articolo:
Binswanger erede di Husserl, in Ludwig Binswanger Esperienza della soggettivit e trascendenza
dellaltro I margini di unesplorazione fenomenologico psichiatrica, a cura di Stefano Besoli, Quolibet
Studio Rom 2006.
54
Particolarmente significativa in questa direzione la descrizione del caso clinico
di una giovane afflitta da singhiozzo e da afonia, curata con una manovra di quasi
soffocamento, che contraddice tutti gli schemi della psicoanalisi, contenuto nel suo noto
lautore, a due fattori che riguardano la qualit del rapporto che si stabilito con la
paziente: la fiducia che ella aveva nel medico e il desiderio di guarigione che era in lei. Il
terapeuta stato capace di destare in lei la volont di vivere e di amare ed ella aveva
trovato le forze per uscire la situazione di grave disagio psicofisico nella quale si trovava.
Questo un caso straordinario di guarigione che dimostra che il corpo non estraneo
allattivit psichica, che non si tratta di due parti giustapposte, ma delle due facce del
A proposito del rapporto fra psichico e fisico, che non sono negati nella loro
della costituzione del Leib. Nelle poche righe sopra riportate condensato tutto il
evidenza sul piano delluniversalit, ma che si calano nella storia di vita, quindi,
nellesistenza peculiare.
60
Ivi, p.138.
55
Daltra parte, che cosa il caso clinico per chi si occupa della diagnosi e della
terapia? A livello teorico tutti sono daccordo che, in ultima istanza, il banco di prova sia
si crede che sia pi semplice comprenderli e forse anche pi rassicurante rispetto alla
possibilit di errore. In realt, non esistono tali rapporti, sostengono Binswanger e, sulle
sue orme, Callieri, ma anche tutti coloro che lavorano con un atteggiamento libero e
attento nel campo delle psicopatologie; bisogna, piuttosto, esaminare la storia di vita nella
Scrive Callieri: Poich il singolo inseparabile dal suo mondo di vita (la
vita di quella presenza e del suo perenne farsi mondano: essere in situazione. La
la mia concretezza, la mia configurazione, la mia incarnazione (G. Marcel). Qui lanalisi
quella esistenza umana concreta, focalizzando in modo particolare gli ambiti della
In questo testo tutto declinato al singolare: il mondo della - vita come nozione
generale diventa il suo mondo della vita, un mondo della vita personale, in cui si manifesta
quella presenza. Husserl e Heidegger, i quali da un punto di vista teoretico e umano, dopo
Heidegger derivi dalla fenomenologia di Husserl sono qui genialmente riavvicinati per
61
B. Callieri, Esistenza: tra mente e cervello, in Corpo Esistenze Mondi Per una psicopatologia
antropologica, Presentazione di M. Maj, Saggio critico-introduttivo di G. Di Petta, p.137.
56
quegli aspetti che li rendono compatibili. Inoltre, la concretizzazione corporeo - storica
del singolo letta attraverso la nozione di incarnazione, presente in Marcel, che rivela
lattenzione deve essere rivolta al singolo, ci non vuol dire che si sia in balia di una
Ma qual la qualit di tali teorie? Come sono state elaborate? Con quali metodi e
percorsi?
Secondo noi (e dobbiamo dirlo qui a gran voce) nessuno ha il permesso epistemologico
qui in mente, oltre ai DSM, o agli ICD, la Ars Magna di Raimondo Lullo)62.
Come sempre, i testi di Callieri ci lasciano stupefatti per gli accostamenti a prima
vista strani o audaci, ma che, ben analizzati, rivelano un profondo legame. Quale pu
essere il nesso fra lArs Magna di Lullo e il DSM? Quali sono i principi teorici che legano
che, a causa della loro fissit, non riescono ad adattarsi alla duttilit della vita. Si tratta di
ottime elaborazioni teoriche che indicano la grande capacit della mente umana di creare
costrutti, governati da procedimenti logici che si configurano sul piano dell universalit.
risiedono nel tentativo di far rientrare tutto in uno schema gi pronto che non ammette
62
Ivi, p.637.
57
eccezioni, se queste ci sono, tanto peggio per loro, esse perdono di validit. La
fondamentali della realt, per cui possibile procede al calcolo di tutti i discorsi che gli
esseri umani fanno sulla realt. Se dietro questa teorizzazione si scorge la presenza della
geometria, la scienza greca per eccellenza che continua ad essere valida per tutto il Medio
Evo (Lullo vive fra il XIII e XIV secolo), il DSM in gran parte il frutto di una mentalit
positivista che si sviluppa a distanza di due secoli sulla scia della cosiddetta Rivoluzione
scientifica, quando, cio, elaborata la scienza fisica sulla base di una lettura
combinatoria di Lullo c una sua visione ricevuta sul Monte Randa, se questa Ars gli
serve per dimostrare anche le verit della fede, la mentalit positivista non solo
consumata sul piano di unassoluta naturalizzazione. Con questo non si vuole sostenere
che bisogna arrivare immediatamente alle questioni ultime di fondo, ma che si persa la
sensibilit per riconoscere spessori della realt che non siano classificabili in un modo
di tipo qualitativo. Nel DSM, ad esempio, ci che prevale la classificazione dei casi in
caselle che li determinano in astratto, senza tener conto che la situazione esistenziale non
63
Ho trattato questo tema in Edith Stein. Il singolo e il suo volto, in D. Vinci (ed.), Il volto nel pensiero
contemporaneo, Il Pozzo di Giacobbe, Trapani 2010.
58
E chiaro che sono necessari criteri orientativi per realizzare tale comprensione,
mania e, poi, li esemplifica attraverso casi, ma questi approcci teorici sono di tipo
adattarli. Si deve prevedere che la singola storia di vita non rientri perfettamente nello
schema e che abbia bisogno di essere compresa nella sua peculiarit ed eccezionalit,
senza forzature, e rappresenti una sfida per chi voglia scoprire quale sia la particolare
vissuto con gli altri in modo che possano stabilire rapporti equilibrati.
esemplificando in modo certamente riduttivo: quella che sta dietro al DSM e quella di
riguarda alcune tendenze prevalenti nella cultura occidentale, che investono tutti gli
ambiti del sapere. La resistenza nei confronti delle proposte cosiddette scientifiche,
le quali, spesso, non sono altro che comodi schemi, non significa ancoramento a
un ripensamento continuo, condotto con libert e consapevolezza, che tiene conto delle
59
60
EDITH STEIN COMUNIDADE E MUNDO DA VIDA
E-mail: irjacinta@gmail.com
Resumo: A relao entre pessoa e comunidade em Edith Stein tem sido objeto de estudo
Husserl e, apesar de no aparecer dessa forma nos escritos de Stein, est em perfeita
mas ele sempre se encontra numa dimenso intersubjetiva. Husserl e Stein afirmam que
Abstract: The relationship between individual and community in Edith Stein has been
studied in various fields of knowledge. The term life-world was introduced by Husserl
and although this does not appear in the writings of Stein, is in perfect harmony with the
thought of the philosopher: the human being is not only object in the world of life, but is
also a subject of this world. We can consider its singularity, but he always finds an
intersubjective dimension. Husserl and Stein argue that the organization that respects the
61
Nas ltimas dcadas, a relao entre pessoa e comunidade em Edith Stein, tem
Sociologia, Pedagogia, entre outros. Nas pesquisas interdisciplinares, que tratam desse
assunto, constatamos que a filsofa antecipa os tempos por sua competncia, viso ampla,
Stein Dalla Vita di una famiglia ebrea, os organizadores Angela Ales Bello e Mario
Entre esses mltiplos enfoques, podemos v-la como filsofa capaz de unir
genialidade que a caracteriza, ela ensina no s em sua pesquisa teortica profunda, mas
pessoa.
dimenso espiritual da prpria pesquisa. Ao mesmo tempo, este encontro com a verdade
da f alarga o seu pensamento filosfico em direo a novos horizontes, que lhe abrem
ou indireta, em todas as obras de Edith Stein e se atualiza em sua intensa vida, desde o
nascimento no seio de uma famlia que traz na prpria origem um forte sentimento de
64
Stein, E. (2007). Dalla Vita di una famiglia ebrea e altri scritti autobiografici. Tr. It. di B. Ventura, rev. di
M. DAmbra , a cura di Ales Bello e Paolinelli, Roma, Citta Nuova Edizione OCD, p. 14.
62
povo, at a ltima frase que as Irms do Carmelo de Echt ouvem-na dizer para sua irm
Rosa, no momento em que partiam para o campo de concentrao - Vamos, pelo nosso
povo!65
somente o resultado daquilo que me faz pensar na vida porque eu sou feita assim, devo
refletir..66
problemticas, que dela derivam, permitem evidenciar que a sua posio filosfica no
pode ser separada radicalmente dos temas que motivavam os professores e colegas do
a sua discpula, mas tambm o ter introduzido uma expresso muito importante, do ponto
de vista interpretativo, utilizada nas mais diferentes lnguas, isto , o Mundo da Vida. Nos
escritos de E. Stein no se encontra a expresso como tal, mas ela est em perfeita sintonia
65
Congregatio pro Causis Sanctorum Colonien (1986). Canonizationis Servae Dei Teresiae Benedictae a
Cruce. Roma: Proc. Ord. 25a/7.
66
Stein, E. (2001). Lettere a Roman Ingarden, 1917-1939. (Elio Constantini e Erika Schulze Trad. It., rev.
di A. M. Pezzella). Libreria Editrice Vaticana, p. 188.
63
Universidade Lateranense67, a Profa. Ales Bello apresenta Mundo da Vida como o
no mundo cotidiano que nos circunda e que inclui a ns mesmos como objetos: somos
cientfica, fisiolgica, psicolgica, sociolgica, etc., assim escreve Husserl na Crise das
(...) somos sujeitos para este mundo, sujeitos egolgicos que o experienciam, que o
consideram, que o avaliam, que a ele se referem atravs de uma atividade, conforme
os escopos, sujeitos para os quais o mundo que est ao redor tem o sentido do que
lhe foi atribudo pelas nossas experincias, pelos nossos pensamentos, pelas nossas
avaliaes, etc.69
que nos acompanha passivamente. Ns nos damos conta disso atravs de uma atitude
reflexiva que podemos assumir porque estamos conscientes. este olhar reflexivo que
nos faz ser sujeitos e no objetos, que nos faz compreender, julgar e avaliar, que nos
permite aquela atitude que ultrapassa todas as formaes culturais, isto , a filosofia.
67
Ales Bello, A; Pezzella, A. M. (edd.) (2008). Edith Stein Comunit e mondo della Vita. Societ Diritto
Religione. Citt del Vaticano: Lateran University Press.
68
Husserl, E. La crisi delle Scienze europee e la fenomenologia trascendentale. Tr. It.Enrico Filippini, Il
Saggiatore, Milano, p. 134. Apud Ales Bello, A; Pezzella, A. M. (edd.) (2008). Edith Stein comunit e
mondo della Vita. Societ Diritto Religione. Citt del Vaticano: Lateran University Press, p. 6.
69
Idem.
64
O mundo dentro do qual estamos se mostra a ns, unitrio e mltiplo, numa
A ateno de Edith Stein est sempre voltada para os temas que estamos
brevemente enfocando. Na estrada aberta por Husserl, ela consegue captar que a chave
para interpretar o mundo da vida em sua complexidade estava na anlise do sentido das
experincias vividas, isto , das vivncias (Erlebnisse), atravs das quais se constitui o
mundo para mim, mas tambm o mundo para ns, naquilo que nos pe em comum e na
tomadas de posies ticas. Entre essas vivencias se destaca uma que particular, a da
A empatia a vivncia que nos faz sair de ns mesmos e que nos permite captar
pela psique, mas tambm possumos uma atividade espiritual, as associaes humanas
70
Nesta parte foi utilizado um resumo de parte do prefcio de Ales Bello da obra Ales Bello, A; Pezzella,
A. M. (edd.) (2008). Edith Stein Comunit e mondo della Vita. Societ Diritto Religione. Citt del
Vaticano: Lateran University Press.-
65
uma Massa. Se as relaes se efetuam no nvel espiritual, isto , intelectual e voluntrio,
comunidade.
responsabilidades recprocas. Cada membro mantm a sua prpria liberdade, mas aceita
de tal forma que ele seja til para cada membro para que se tenha verdadeiramente
Comunidade.
O Mundo da Vida, como mundo das associaes humanas deveria ser configurado
nos diferentes graus das Comunidades. Nenhum aspecto da vida humana pode prescindir
jurdicas e polticas.
Quando falamos de pessoa humana, que se abre ao mundo humano e natural que
a circunda, nos referimos quele ou quela que partindo do ncleo profundo que a
caracteriza e que est incrustado na sua singularidade psicofsica, numa atitude que E.
71
Cf. Stein, E. (1999). Psicologia e Scienze dello Spirito. (Pezzella, Anna Maria, Trad. It.). Roma: Citt
Nuova, 1999, seconda parte.
Cf. Husserl, E. (1997). Meditzione Cartesiane. (Costa, F., Trad. It.). Milano: Bompiani.
72
Cf. Stein, E. (1999). Psicologia e Scienze dello Spirito. (Pezzella, Anna Maria, Trad. It.). Roma: Citt
Nuova, seconda parte. Em linhas gerais, seguimos aqui as anlises de Stein.
66
(...) atitude que ns assumimos sempre, quando vivemos juntos, quando falamos,
meditao e na ao, quando nos referimos uns aos outros, nos discursos e nas
circundam73.
responsabilidade.
em conexo com aquilo que favorece a vida. Como indivduo em grau, pelo menos de
uma certa forma, o prprio patro da sua vida, no sentido de aceit-la, neg-la, promov-
compem abrem-se uns aos outros ou se fecham rompendo os laos que os uniam. Se no
formar uma comunidade est presente ento, segundo a convincente definio de Stein,
quando os indivduos esto abertos uns para com os outros, quando as colocaes de um
no so rejeitadas pelo outro, mas fazem parte dele favorecendo completamente a sua
73
Husserl, E. (1965). Ideen zu einer reinen Phnomenologie und phnomenologichen Philosophie, Bd. IV,
51. Trad. It. Enrico Filipini. Idee per una fenomenologia pura e una filosofia fenomenologica). Torino:
Einaudi, 1965.
74
Stein, E. (1999). Psicologia e Scienze dello Spirito. (Pezzella, Anna Maria, Trad. It.). Roma: Citt Nuova,
seconda parte, p.192.
67
comunidade, mas a sua ntima estrutura, se esta realmente uma comunidade, - ser
para com os outros, mas de admitir, como nos sugere Husserl, a necessidade de um amor
tico. Com esta expresso queremos indicar que se assume em si a vida do outro e isto
atravs da qual no se vive somente ao lado do outro ou com o outro, mas um no outro
cuidados e de afeto, mas a autntica comunidade de amor aquela que descobre em cada
alma humana a vocao para o bem, um eu ideal, o verdadeiro eu da pessoa que se realiza
filosfico sobre a natureza humana, a qual nos leva a concluir que necessrio fugir
daquilo que no realiza o prprio ser humano e se no chegamos a tal concluso, porque
existe uma gama de distoro, de camuflagem que impede de ver o que o bem.
dois termos devem ser cuidadosamente examinados, porque conservar a vida pode
75
Husserl, E. Zur Phnomenologie der Intersubjectivitat. Husserliana. Bd. III, Nr. 9.
68
fundamental impede ou deveria impedir o isolamento e o fechamento, ento promover
comunidade humana? A indicao nos vem do amor tico do qual nos falava Husserl,
daquela comunidade mais ampla possvel, que nasce da dimenso religiosa. Nesta no
existem confins nem limites ao amor, amor no qual se potencializa a prpria vocao para
escolha e realizao daquilo que serve sua manuteno numa direo positiva,
limitado num mbito restrito ou que se estenda a uma dimenso mais ampla, cada um
deveria sentir a responsabilidade do seu viver, do viver dos outros e da vida da prpria
natureza.
necessria uma sria reflexo, a mais ampla possvel, que enquadre filosoficamente o
Mas, tudo isto deve ser comunicado atravs de uma obra de educao recproca.
aqueles que esto ligados no estejam eticamente atentos, ou que um seja eticamente
atento e ou outro no, ou que ambos sejam atentos. Ser atento significa colocar
69
intencionalmente a si mesmo o eu ideal como dever infinito e levar a responsabilidade
recproca na realizao deste dever. Mas, sobretudo, viver tal responsabilidade atravs
comportamentos nos quais se manifeste o amor tico. esta a fonte primria de uma
Referncias
Ales Bello, A; Pezzella, A. M. (edd.) (2008). Edith Stein Comunit e mondo della Vita.
Congregatio pro Causis Sanctorum Colonien (1986). Canonizationis Servae Dei Teresiae
(edd.) (2008). Edith Stein comunit e mondo della Vita. Societ Diritto Religione.
______ (1997). Meditzione Cartesiane. (Costa, F., Trad. It.). Milano: Bompiani.
Philosophie, Bd. IV, 51. Trad. It. Enrico Filipini. Idee per una fenomenologia pura
Stein, E. (2007). Dalla Vita di una famiglia ebrea e altri scritti autobiografici. Tr. It. di
B. Ventura, rev. di M. DAmbra , a cura di Ales Belllo e Paolinelli, Roma, Citta Nuova
70
_____ (2001). Lettere a Roman Ingarden, 1917-1939. (Elio Constantini e Erika Schulze
_____ (1999). Psicologia e Scienze dello Spirito. (Pezzella, Anna Maria, Trad. It.).
71
SABERES SOBRE PESSOA E COMUNIDADE TRANSMITIDOS E
Marina Massimi
Universidade So Paulo
E-mail: mmassimi3@yahoo.com
O trabalho busca primeiro lugar compreender o perfil do que chamamos mdicos da alma
conhecimento.
IN COLONIAL BRAZIL
Abstract: The paper discusses the process of transmission and elaboration of the concepts
of person and community in the context of Brazilian culture from the colonial period.
Actors in this process were primarily preachers who defined themselves as physicians of
72
the soul. Are specifically analyzed the sermons of Antonio Vieira and other preachers.
The work will seek first to understand the profile of what we call the physician of the
soul; and secondly, focus on the ways that notions of person and community were
Keywords: Knowledge about the person and the community; history of Brazilian culture;
transmission.
Introduo
que, na tradio Ocidental, constituram-se nos alicerces destes dois conceitos. Dentre
eles, destacam-se autores como Plato, Aristteles, Agostinho, Duns Scoto, Tomas de
76
Vejam-se a respeito os trabalhos de Alfieri, F. La presenza di Duns Scoto nel pensiero di E. Stein (2014);
Massimi, M. Compreender a estrutura da pessoa: dilogo entre fenomenologia e filosofia aristotlico-
tomista por Edith Stein.(2013)
73
(Coelho Junior& Mahfoud, 2006, p. 8). Nestes resultados, Stein encontra coincidncias e
no meio de uma populao caracterizada em grande parte pela cultura oral, sobretudo pela
atuao dos pregadores. Estes se autodefiniram como mdicos da alma, retomando uma
categoria usada por Agostinho de Hipona (397/1988) para indicar o ministrio da oratria
sagrada. Por intermdio deles, foram introduzidos no Brasil seja o conceito de pessoa
Agostinho e Toms (Massimi, 2005a), dentre outros. O elo entre os dois conceitos
trinitrio que diz respeito relao de comunho entre as pessoas divinas, da qual decorre
pessoa humana. Em nosso percurso de hoje iremos: em primeiro lugar entender o perfil
dos que chamamos de mdicos da alma; e em segundo lugar, focar de que modos e em
que termos as noes de pessoa e comunidade foram por esses transmitidos no Brasil
colonial.
Os mdicos da alma
74
medieval e renascentista ocidental, visava promover a mudana dos hbitos e da
mentalidade dos indivduos e dos grupos sociais pela fora da palavra e o apelo razo e
liberdade dos destinatrios. Esta capacidade de suscitar mudanas, por analogia com a
primeira Idade Moderna. Esta confiana foi reforada tambm pela importncia assumida
pela palavra e pelo discurso na tradio cultural dos ndios brasileiros, documentada por
diversas fontes.
mdicos do corpo: este entrelaamento tem suas razes na longa tradio chamada de
longo da Idade Mdia por Agostinho de Hipona (Massimi, 2005b), sendo retomada e
mdica por tratar-se de doena - e ao mesmo tempo filosfica - sendo a alma o objeto
acometido pela molstia. Por sua vez, a possibilidade de se estabelecer a analogia entre
seja no corpo seja no esprito, causa de doena. assim que, por exemplo, um
75
desequilbrio no sentido de um excesso ou defeito nos movimentos do apetite sensorial
individuo: sua condio orgnica bem como seus estados psquicos (Massimi, 2010 a).
Alm disto, esta teoria proporciona conhecimentos acerca das relaes existentes entre
dentre eles, Sneca e Ccero (por exemplo em Tusculanas77). Agostinho que se utiliza da
denominao de mdico da alma para referir-se a Cristo, como tambm aos seus
Foi justamente Agostinho quem iniciara a tradio da oratria sagrada na medida em que
realizou a apropriao da arte retrica clssica em chave crist, por ele sistematizada no
77
Em outra obra (Tusculanas), Ccero afirma que tal como a corrupo da sangue, o excesso de humor
ou de bilis fazem nascer no corpo as doenas e mal-estares: a perturbao que acompanha as opinies
incorretas e a contradio de opinies, despojam a alma de sua sade e a perturbam por meio de
enfermidades. (1997, ed. italiana, Livro III, p.221, trad. nossa).
76
assim que este domnio vem abarcar um conjunto de conhecimentos de vria natureza,
desde as teorias mdicas acerca dos cuidados com o corpo at aos conselhos sugeridos
da arte do viver78. O mdico espanhol Huarte de San Juan, formado pela Universidade de
Alcal e autor do Examen de Ingenios para las Sciencias (1574/1989) estabelece estreita
prtica social apoia-se na filosofia natural, sendo o corpo social estruturado em analogia
com o microcosmo que o homem. Assim, a Medicina da Alma passa a cuidar no apenas
Companhia, no texto (Industriae ad curandos animi morbos) Normas para a cura das
78
Entre outros, o humanista dlmata Marculus Marulus escreve o tratado De Bene beateque vivendi e seu
mestre italiano Tideu Acciarini compe, em 1489, o De Animorum Medicamentis (Massimi, 1983).
79
Por exemplo, em carta escrita ao Padre Antnio Brando em junho de 1551, Loyola frisa a importncia
de que o mestre espiritual conhea o temperamento daquele que se entrega aos seus cuidados,
afirmando a necessidade de acomodar-se complexo daquele com quem se conversa, a saber, se
fleumtico ou colrico, etc., e isto com moderaoLoyola, 1993, vol. 2, p. 89.
77
e patrstica. Acquaviva insiste tambm na prtica do exame de conscincia, tendo funo
religioso deve desvelar integralmente a sua alma para o diretor espiritual. Alm disso,
Vieira, definem-se a si mesmos como os mdicos da alma e propem sua pregao como
o verdadeiro remdio no apenas para a salvao das pessoas como tambm para o bem
discusso, na forma do dilogo modelo retrico este muito utilizado no sculo XVI ,
80
Dentre estes, destacam-se os tratados assim chamados de Conimbricences redigidos pelos professores
do Colgio das Artes da Companhia em Coimbra: o comentrio ao tratado De Anima (Sobre a Alma, Gois,
1602), o comentrio ao tratado Parva Naturalia (Pequenas coisas naturais, Gois, 1593a), o comentrio ao
tratado tica a Nicmaco (Gois, 1593b), o comentrio ao De Generatione et Corruptione (Sobre a gerao
e a corrupo, Gois, 1607). No mbito dos referidos textos - todos redigidos em idioma latino -
evidenciaram-se os principais conceitos referentes ao conhecimento antropolgico psicolgico.
81
O texto encontra-se em Nbrega, M., (1989). Cartas do Brasil, Belo Horizonte, Editoras Itatiaia-Editora
Universidade de So Paulo (Coleo "Reconquista do Brasil": n. 147) (Original, 1551).
78
entre duas posies difundidas entre os jesutas em misso no Brasil: uma, afirmando a
convertibilidade dos ndios, com base em sua comprovada posse de todos os elementos
prprios da natureza humana, especialmente no que diz respeito sua vida anmica; outra,
questionando esta certeza a partir das grandes dificuldades e impedimentos opostos pelos
representam estas duas vises. Num dos pontos altos da conversao, Nogueira
Companhia junto aos ndios, a afirmao de que estes so a pleno direito, pessoas
humanas, e afirma: Estou eu imaginando todas as almas dos homens uma, nos serem
gloria e criadas para ella, e tanto valem diante de Deus por natureza a alma do Papa,
como a alma do vosso escravo Papana. (Nbrega, 1989, p. 237). O fato de que os ndios
tm alma igual a dos homens europeus comprovado pela evidncia das potncias
psquicas atuantes no ndio: est claro, pois a alma tem trs potncias, entendimento,
memria e vontade, que todos tm (idem). Esta definio operativa de alma (a partir de
Trindade82. Ali Agostinho define a pessoa a partir da atuao destas trs potncias
82
O conceito de pessoa como o ncleo unitrio e nico do ser humano e a evidncia de que a pessoa
uma substncia, so descobertos por Agostinho atravs da experincia refletida do conhecimento de si
mesmo e so depois tematizados numa linguagem filosfica (que emprega termos tcnicos da filosofia
como substncia) nestes termos: Estas trs coisas, memria, inteligncia, vontade, como no so trs
vidas, mas apenas uma s, nem trs mentes, mas uma s mente, no so, por conseguinte, trs
substncias, mas uma s substncia (...) Pois me lembro de que tenho memria e inteligncia e vontade,
e entendo, quero e lembro; e quero querer e lembrar e entender; e lembro, ao mesmo tempo, toda minha
memria e minha inteligncia e minha vontade, toda inteira. (idem, pp.331-332). E finaliza o captulo
reiterando: As trs formam uma s unidade: uma s vida, uma s alma e uma s substncia (p. 333).
Uma vez estabelecida esta unidade trinitria que a alma humana, Agostinho observa que quando estas
potncias se encontram reunidas num nico sujeito que pode dizer de si mesmo: essas trs faculdades:
memria, inteligncia e amor so minhas, no pertencem, porm a elas mesmas; pois no operam em
seu prprio favor, mas sim em meu proveito. Sou eu que atuo servindo-me delas. Sou eu que recordo
pela minha memria, compreendo pela minha inteligncia e amo pelo meu amor. E quando volto o olhar
do pensamento para a minha memria, e assim digo no meu corao o que sei e gerado um verbo por
meio do meu conhecimento, ambas as coisas so minhas. Ou seja: o conhecimento e o verbo. Pois sou eu
79
anmicas: Eu recordo, eu entendo, eu amo, servindo-me destas trs faculdades. Eu que
no sou memria, nem inteligncia, nem amor, mas que os possuo. Portanto, pode-se
dizer que so de uma s pessoa, que ela possui as trs faculdades, mas ela mesma no
afirmara que todo ndio homem e, por consequncia, capaz de salvar-se e condenar-
se. E sendo que todo homem pessoa e dono de seu corpo e de suas coisas deriva que
por ser pessoa, o ndio tem direito ao livre arbtrio e dono de seus atos. (1989, p.
117)
para desenvolver neste uma conscincia adequada de seu ser e uma conduta condigna.
romanos e outros gentios mais policia, que estes, no lhes veio de terem naturalmente
significativo ttulo - Arte de criar bem os filhos na idade da puercia (1685) -, dedicada
a pais e mestres, declara que nam h condio de minino tam ruim, que nam possa ser
domada pela boa educaam (1685, p. 4). Em outra obra (Gusmo, 1720), esse mesmo
que sei, e eu digo em que corao que sei (p. 539-540). Com base nisto, Agostinho formula a definio
filosfica de pessoa: Eu recordo, eu entendo, eu amo, servindo-me destas trs faculdades. Eu que no
sou memria, nem inteligncia, nem amor, mas que os possuo. Portanto, pode-se dizer que so de uma
s pessoa, que ela possui as trs faculdades, mas ela mesma no essas trs faculdades. (1995, p. 540).
80
autor recomenda a importncia do cuidado para com a alma: trata-se de um cuidado que
no bvio, pois sendo a alma uma realidade invisvel e que nos pede para ir alm da
aparncia, mesmo quando cremos que as almas existam como as no vemos, com os
olhos, por isso as no amamos. (1720, p. 341). Este saber importante, pois do
conhecimento que tivermos das nossas almas depende o amor, que lhe devemos, e desse
camos.
seu modelo num conjunto de Sermes de Antnio Vieira (1993), que ir se constituir num
conhecimento de si mesmo, pois afirma que neste mundo racional do homem, o primeiro
mesmo. O conhecimento de si mesmo, e o conceito que cada um faz de si, uma fora
maneira ainda mais especial e perfeita nas substncias racionais que tm o domnio de
seus atos e no so apenas movidas na ao, como as outras, mas agem por si mesmas.
Ora, as aes esto nos singulares. Por isso, entre as outras substncias, os indivduos
83
Alexandre de Gusmo, 1720, p. 341.
81
de natureza racional tm o nome de pessoa. Pessoa significa substncia individual de
ao que ele tem de peculiar com relao aos outros seres. No caso do ser humano, a alma
o que o distingue e enobrece sobre todas as criaturas da Terra (Vieira, 1993, vol. V,
cada um, que ele a sua alma85 (idem). A alma corresponde substncia imutvel do ser
humano: "rsou alma, porque o fui, porque o hei-de-ser, porque sou. (Vieira, 1993,
vol.V, p. 607). Por isto, ela o melhor espelho de si mesmo, o centro de sua vida pessoal:
afirma Vieira: eu sou a minha alma. pela alma que o ser humano pode realizar sua
unio amorosa com Deus, como ele afirma na esteira da tradio mstica, num sermo
dedicado a Teresa de vila: a unio entre Jesus e Teresa foi to intima que passando de
(Vieira, 1993, vol. 3, p. 356). O mesmo processo Vieira descreve em sermes dedicados
a outros santos: afirma acerca de So Francisco que era pela identidade, identificado
com Deus e pela deificao ficando endeusado todo, ou ficando todo um Deus (vol. 3,
p. 761). Esta divinizao da pessoa humana demanda a presena de dois atores: a vontade
divina que escolhe o ser humano e a vontade deste de corresponder a esta escolha. Vieira
retoma uma concepo da tradio mstica e monstica e afirma que para esta unio das
84
Idem, 2001, I, Q.29, Art.1, p. 523.
85
Ibidem.
82
duas vontades, o homem precisa sair de si mesmo, ou melhor abstrair da corporeidade,
quando sai dele se conhece. Os santos dizem, que para que o homem se conhea, h-de
entrar em si mesmo; e este sair de si entrar em si; porque sair do exterior do homem,
que o corpo, e entrar e penetrar o interior dele, que a alma. (idem p. 614).
unio com o divino (1992, p. 81). A via principal desta unio no tanto a via mstica
quanto a via sacramental e a mediao da Igreja, como corpo mstico. O fato que Cristo
escolheu doar sua presena ao homem por meio do sacramento da Eucaristia e da Igreja
funda para sempre a possibilidade desta unio. deste lugar que inclusive a palavra do
pregador adquire sua potencia. Pedro a quarta pessoa da santssima Trindade enquanto
identificar com ele. Assim sua vida enxertada na relao trinitria. Em Pedro,
institucional da Igreja, tem efeitos tambm no plano das relaes sociais e no plano
poltico. Nela, funda-se a ligao incindvel entre a comunidade como lugar sacramental,
e a constituio da pessoa.
83
jesuta Eusbio de Mattos: aqui o conhecimento verdadeiro de si mesmo corresponde ao
si mesmo proporcionada por este objeto, de modo que a alma, pela contemplao, se torna
imagem do objeto contemplado, numa singular troca das potncias da alma (1694, p.
articular o movimento que leva a unio de vontade entre Deus e a pessoa bem como a
unio das vontades individuais no corpo eclesial e social. Ao atuar para promover a
mdicos do corpo por seguir assim o modelo oferecido pelo prprio Criador divino: com
86
O estabelecimento de uma relao precisa entre a arte de pregar e o conhecimento do corpo humano
proporcionado pela medicina e pela cincia moderna, encontra-se nas obras teolgicas do pregador
espanhol Lus de Granada. Na obra Del simbolo de la f, chamado de Prlogo sobre la fbrica y partes
principales del mundo menor, que es el hombre, h uma exposio muito interessante da concepo
antropolgica do grande mestre da oratria sagrada. O homem definido como mundo menor porque
tudo o que tem no mundo maior, encontra-se nele, mesmo que de forma mais sinttica. Com efeito, no
corpo humano, encontra-se o ser em forma de elementos, a vida vegetal - como nas plantas; a vida dos
sentidos - como nos animais, e o entendimento e o livre arbtrio - como nos anjos, resumindo-se no
homem a natureza e as propriedades de todas as criaturas. Por este motivo, atravs do homem
conhecemos melhor a perfeio de Seu Criador. De alguma forma, ento, o corpo constitui-se em modelo
vivente daquela unidade que atravs da palavra ele pretende recompor nas almas individuais e na
comunidade social e poltica. Este modelo perfeito, dado ao homem, o pregador pode constantemente
observ-lo em seu prprio corpo, derivando desta observao as regras e os remdios para sua cura e
para o restabelecimento e conservao de sua sade.
84
No pensamento da Companhia de Jesus, a noo do corpo mstico, ou seja, do
corpo social permeado pelo esprito divino, expressa uma profunda analogia entre a ao
espirituais, herdadas por esta tradio, evidencia-se nos sermes gratulatrios pela
corpo fsico do rei e o corpo social e poltico, ou o corpo mstico de Cristo e da Igreja.
enfermidade de seu corpo poltico, o Reino. A doutrina dos dois corpos do rei, o corpo
natural, visvel e mortal e o corpo mstico, invisvel e imortal, humano por natureza e
divino por graa, era difundida no Ocidente, desde a Alta Idade Mdia (Kantorowicz,
1998), sendo que o soberano, imitador de Cristo, era considerado como mediador entre
Segundo o pregador, o rei e seu povo formam um corpo mystico, do qual so os vassallos
as partes inferiores, e a cabea El Rey, de modo que com a leso desta parte, principal
Providncia divina permitiu que atravs daquela paralisia, padecesse a cabea, e o corpo
do Soberano, para que se visse, que no corpo, que so os vassallos, havia o mesmo
sentimento que na cabea, que he o Prncipe (S, 1750, p. 20). Este padecimento
conjunto do corpo e da cabea seria ento exemplo para o mundo, de modo que
85
Portugal cumpriria mais uma vez sua funo de nao eleita pela divina vontade para uma
poltico da nao tal que esta experimenta em si mesma, atravs do movimento do afeto,
as dores do prncipe.
1663 (S, 1750, p. 145), S compara a relao entre o rei e o reino relao da presena
nenhuma no Reino que no seja acudida pelo seu governo. Neste ponto, o brasileiro
colnias distantes e especialmente o Brasil: como pode ser que hum Principe assista a
partes to distantes como so as que compoem o todo de huma Monarquia? (p. 145). E
a resposta a de que existe um modo poltico definitivo que o modo em que Cristo
se faz presente no sacramento eucarstico: assim como Christo est em qualquer parte
no todo de seus estados, e logo assistir nas mais remotas partes do Reyno. Em suma,
uma pertena comum a um todo (o reino), que nas suas remotas partes contm a
uma pertena comum a um todo (o reino), que nas suas remotas partes contm a
Rei de cuidar com justia de cada parte dessa comunidade, conforme suas necessidades.
Mais uma vez: a comunidade origina-se na vontade divina, mas se mantm viva na
86
medida em que h posicionamento ativo e passivo do entendimento e da vontade de cada
pessoa.
Concluso
tomada como o corpo animado e espiritual e a sade da comunidade tomada como corpo
mstico, poltico e social. Vimos como os pregadores utilizam-se dos conceitos de pessoa
e de comunidade como critrios para orientar as vivncias das pessoas como tambm para
A palavra do pregador vem a ter, nesta perspectiva, uma funo teraputica, no que diz
respeito ao indivduo e sociedade: mdico das almas, ele ministra remdios para os
espritos sem descuidar dos corpos, tanto o corpo individual, quanto o corpo social.
Promove assim uma forma de identificao do sujeito, que propriamente o do ser pessoa
em comunidade.
Neste sentido, levar em conta este substrato cultural que caracteriza a histria
cultural brasileira e especialmente a histria dos saberes sobre pessoa e comunidade, pode
interesse e as fecundas pesquisas que esto sendo realizadas pela comunidade cientfica
brasileira quanto s posies de Edith Stein a respeito destes temas, compreendemos que
se inserem num percurso histrico que tornou estes mesmos temas particularmente
87
fenomenologia e da teologia, e em alguns casos suas interseces, podemos reconhecer
pela leitura histrica, que tambm no passado, a interseco entre reas de conhecimento
brasileira.
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http://www.cliopsyche.cjb.net/mnemo/index.php/mnemo/article/viewFile/123/36
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89
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90
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91
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Vitoria, Fr. (1989). Relectio de Indis. Edio espanhola organizada por L. Parea e C.
92
EM QUE SOLO SE NUTRE A CINCIA? MICHEL HENRY: PARA UMA
CULTURA INTERDISCIPLINAR
Florinda Martins
E-mail: flmartins@porto.ucp.pt
Henry, em relao a essa tradio. Mostro que, neste filsofo, a interdisciplinaridade mais
do que uma questo terica, responde a uma exigncia da nossa cultura exigncia de
uma cultura interdisciplinar pelo que, em Michel Henry esta questo se abre para l do
tambm atravs das questes empricas aportadas, sobretudo, pelas cincias da sade.
vida autoafetiva. Ser por dentro da fenomenalidade dessa vida absoluta que se recortam
ou se emolduram os saberes prprios de uma cultura. De entre esses saberes, irei dar
ateno aos saberes implicados na prxis clnica: vida afetiva e inconsciente; anonimato
viver, mesmo quando este dado a sentir como puro sofrer. Um insuportvel puro sofrer
que originariamente se revela relacional e livre. desse puro sofrer que, a partir de Michel
93
saberes, pois todos eles brotam do mesmo solo: da incondicional afetividade do ser e da
Abstract: In this article I restore the issue of interdisciplinarity inherited from the biblical
in relation to that tradition. I show that with this philosopher, interdisciplinarity, more
culture - so in Michel Henry this issue is beyond the peer dialogue, art - literature,
painting, music - to the clinic, the economy and politics. Dialogue practiced through texts
- philosophical, biblical, poetic or other - but also through the empirical issues reported
mainly by the health sciences. Issues that require clarification of the phenomenality about
the source from which they feed and that is, to Michel Henry, the self-affective life, and
it will be inside the phenomenality of this life that is cut or framed the specific knowledge
of a culture. Within this knowledge, I will pay attention to the knowledge in clinical
practice: affective and unconscious life; anonymity and selfhood of the future of the
patient's life, transcendental affection and its empirical expressions, which means, I will
focus on the phenomena that affect us unconditionally and make us move. The
enchantment of the unconditional giving of life in us, is rooted in our lives, even when it
is felt as pure suffer. A pure unbearable suffering that is originally revealed as relational
and free. It is starting from this pure suffering that, to Michel Henry, barbarism will open
his way to the interdisciplinary culture. This fits all the knowledge, for they all grow from
the same soil: the unconditional affection of being and life, emerge all forms of culture.
94
Keywords: tradition, phenomenology, health sciences, interdisciplinary culture.
prova que cada um de ns faz dela. Pelo que, neste filsofo, a prova de si - lpreuve de
soi a prova do enredo pelo qual, na vida, nos provamos estruturalmente como advir
em relao. A vida vivida como afeto que, originariamente, nos (co)move em uma
pelo que a sua fenomenalidade no poder passar ao lado da fenomenalidade desse solo
que as nutre. Nesse sentido no apenas possvel, mas at desejvel retomar, em termos
vida; a filosofia remete, com Descartes, a mesma questo rvore do saber; com Husserl
Michel Henry, instigado em Portugal pela fenomenalidade da prxis clnica, trata estas
e, em comunidade, os destina.
95
Deste modo, esta investigao prossegue no sentido de ir alm da irredutibilidade
modalidades do ser do ego ou da atividade humana da qual a prxis clnica faz parte. E
de Espinosa, com a possibilidade do enredo do humano nessa mesma imanncia, tal como
ele vem indiciado em Descartes. Um enredo que me permite repensar a tradio da rvore
do saber: a rvore do saber nutre-se da vida que vivemos. Um enredo que enuncio assim:
a arquipassibilidade da vida vivida pelo humano como sentir-se sentir, por isso,
enquanto sentir-se sentir que a vida se potencia, ao mesmo tempo que nos torna partcipes
do seu devir que se confunde com o devir das nossas vidas ou com as nossas histrias. Os
nossos agir e existncia, qualquer que seja a sua expresso cultural, procedem do
de se sentir sentir. nessa moldura relacional da vida que, enquanto moldura comunitria
um de ns, ento no de estranhar o impacto que essa fenomenologia tem tido em vrios
87
A questo da irredutibilidade do pensamento aos fenmenos da evidncia aparece tratada na primeira
parte da obra Fenomenologia da Vida de Michel Henry: interlocues entre filosofia e psicologia,
organizada por Antnez, A.E.A, Martins, F. & Ferreira M.V., So Paulo: Escuta, 2014.
96
estranhar que o prprio Michel Henry tenha recorrido a essas reas do saber para
textos de psicologia92; textos de esttica93. Mas alm do recurso a textos de vrias reas
sacerdotes, bem como com todos os que, ditos ou no intelectuais se interessam pela
Retomo esse dilogo, mostrando como que a literatura e a clnica esto no centro
Sorte a minha que o solo em que me ergo no seja maior que os meus dois ps
que o cobrem95. Este pensamento de Kafka recorrentemente citado por Michel Henry,
e no decurso de toda a sua obra, para dar contas da estrutura interna da vida que,
Ajustada a si! Accule soi96: chance! Mas que sorte ser essa de que falam Kafka
e Michel Henry, quando a prova deste ajustamento a si da vida tanto pode ser uma prova
88
Embora as suas trs ltimas obras sejam tomadas, pelos seus crticos e estudiosos, como o exemplo
mais incontestvel e controverso do que acabo de dizer, a verdade que, toda a obra de Michel Henry
testemunha a sua liberdade na busca de fontes que elucidem a sua intuio mais profunda: a revelao
da vida pela afetividade.
89
Refiro, a ttulo de exemplo, Mandelstam, E. Bront, Kafka, Rimbaud, Proust.
90
Marx o mais conhecido, at pela obra que lhe dedica.
91
O exemplo de G. Tarde o mais visvel, na sua obra.
92
Incontestavelmente Freud, mas tambm P. Janet.
93
A obra de Kandinsky a referncia mais imediata.
94
O colquio internacional de Cerisy, em 1996, acolheu participantes de vrias reas do saber. A
passagem de Michel Henry, por Portugal tambm confirma o que acabo de dizer.
95
Michel Henry, Phnomnologie matrielle, Paris, PUF, 1990, p. 162. [Referncia a ttulo de exemplo]
96
Ibid.
97
jubilosa como um fardo, ou at mesmo a prova de um vazio que nos submerge e aniquila?
Ajustada a si, em excesso de si, que identidade essa que, no ajuste consigo, nos provoca
e inquieta, porquanto tecida em afeto gerado no enredo com os outros - sejam eles este o
solo no qual assentam os meus ps ou o olhar do outro no qual pousa o meu olhar e o dele
sentir-se sentir em jbilo, em dor, em vazio! Uma identidade que se prova como relao
de si com o que em si est implicado: o outro que, pelo afeto, em jbilo, dor, vazio, tdio,
volpia e incmodo, vivenciamos. E assim que, quaisquer que sejam os afetos pelos
quais provamos a nossa identidade, sorte a minha que o solo em que me ergo no seja
maior que os meus dois ps que o cobrem, pois ainda quando esse solo me parece fugir
mesma: em afeto de outrem sou, existo. Afeto de outrem que me permite ser eu prpria.
um fluxo incontido de vida que tudo anula em sua passagem! Em afeto se recorta, em
97
Martins F. (2014) A volpia e o incmodo na configurao da certeza. In Antnez, A.E.A, Martins, F. &
Ferreira, M. (Orgs.) Fenomenologia da Vida de Michel Henry: interlocues entre filosofia e psicologia,
(pp. 47-80), So Paulo: Escuta.
98
Michel Henry, Dbat autour de loeuvre de Michel Henry, in Phnomnologie de la vie, T.IV, Paris,
PUF, 2004, p.224 no h si numericamente dissocivel da vida.
98
Mas a par da literatura, o dilogo de Michel Henry com a clnica elucidativo do
prtica clnica e para o sentido da investigao laboratorial, uma vez que o histrico do
dilogo de Michel Henry com a clnica foi j objeto de um estudo feito por Andrs
objetividade e evidncia dos fenmenos que se prendem com o ato mdico. Insuficincia
para que chama tambm a ateno o psiquiatra argentino Carlos Hernandez, com o seu
texto Biologia da ressurreio, apresentado no Congresso da EST, 2014. Texto que tive
chamada de ateno para a presena, no ato mdico, de uma realidade que a clnica no
contempla diretamente, mas que nem por isso deixa de a influenciar profundamente.
apenas aos cuidados de enfermagem. Mas quer o mdico de famlia quer o psiquiatra,
99
Antnez, A. Histrico das relaes entre filosofia e medicina no curso de Michel Henry em Portugal e
as relaes com a psicologia clnica. Dossi A Fenomenologia da Vida de Michel Henry e a Psicologia
Clnica. Psicologia USP (no prelo)
100
Texto elaborado a partir dos seminrios de estudos avanados do grupo de investigao Corpo e
Afetividade: Michel Henry e o pensamento lusfono, coordenao cientfica de Florinda Martins - CEPP,
Porto, em parceria com Andrs Antnez, USP. Texto publicado in Atas dos encontros, CEPP-Porto, 2014,
edio de grupo.
99
mais do que denunciarem a insuficincia de um mtodo, apelam compreenso da
realidade em questo no ato teraputico. Uma questo que se estende muito para l do
estrito lao intersubjetivo clnico-paciente; uma questo que percorre toda a cadeia do ato
isso que no posso deixar de agradecer, aqui, investigadora Ctia Teixeira101 o dilogo
paciente e generoso que tem tido no apenas comigo, mas com os outros grupos,
deste, pelo contrrio, integra-o em si mesma. Por isso, deter-me-ei, agora nas questes
clnica. Foi na fenomenalidade de uma vida gerada em reciprocidade com a prova que o
humano faz de si que propus a compreenso interdisciplinar das vrias molduras culturais,
101
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=57019&op=all; www.pubmed.com.
100
Destaco agora, o lugar da fenomenologia da vida nas fenomenologias
possveis as vrias abordagens trazidas a este congresso. Abordagens feitas por aqueles
cincias religiosas; expresses e credos vrios). Pois clnica alguma, nenhuma filosofia,
nenhuma religio esgota aquilo que aqui hoje nos rene: ns mesmos, o nosso tempo, a
vida de todos e de cada um que, com suas sortes e fardos, com seus emolduramentos
especficos, nos convoca ao cuidado do que em excesso vivemos. Da vida, cada um to-
finita, os seus contornos apenas realam o excesso que a habita, em interior comoo de
seus afetos. Afirmamos a moldura, mas compreendemos que o que ela encerra a excede,
reduziria a uma abstrao e, no limite, a algo inerte e estril: na sua nulidade, horrendo
das vrias molduras do saber. Para este filsofo, a fenomenologia procura aceder ao modo
constitutivo do ser humano, ou seja, originaridade do seu ser, pois apenas nesta pode o
humano encontrar sada para as questes que o assolam, e que no nosso caso,
conceitos e das evidncias, lhes resiste, aspirando a uma nova emoldura da prxis.
101
conceptual, pois ser no prprio processo do seu advir imanente que ela se alicera, se
na sua imanncia, com a prova nela do pensamento da vida nas formas da filosofia,
cincia, poltica, arte, clnica? Ou, de outro modo: como se d a passagem da vida que
cada vivo, Michel Henry faz recuar a Descartes a possibilidade de renovao da filosofia.
vivencial em evidncia ou em outra forma de cultura que possa ser uma cultura da vida.
do mesmo enquanto uma eventual modalidade de pensar sobre afeto, que iremos
Husserl e Heidegger.
Em Meditaes Metafsicas, Descartes diz o seguinte: por ser evidente que sou
eu quem duvido, escuto, desejo, nada mais necessrio para o explicar. E continua:
102
Permito-me remeter o leitor para os meus trabalhos La phnomnologie de Michel Henry et les
questions du neurologue Damasio in Michel Henry, Paris, LAge dHomme, pp. 424-431 e Matter and
material phenomenology, In La vie et les vivantes, Louvain, Press Universitaires, p. 571. Permito-me
ainda dizer que, no primeiro artigo, a introduo de datas nos trabalhos de MH e Damsio, se deveu a
uma iniciativa do revisor do texto em francs. Assim e para que no restassem dvidas quanto ao que
queria ressaltar de Damasio e de MH, voltei mesma questo no artigo Matter and material
phenomenology acima referido, p. 572.
102
Mas tambm estou certo da capacidade de imaginar; e ainda que acontea que no sejam
verdadeiras as coisas que imagino, todavia essa capacidade de imaginar no deixa de estar
em mim nem de fazer parte do meu pensamento. Para concluir: Enfim, eu sou o mesmo
quem sente, isto, que recebo e conheo as coisas como que pelos rgos dos sentidos,
visto que com efeito vejo a luz, oio o barulho, sinto o calor. Mas dir-me-o que estas
aparncias so falsas e que durmo. Todavia, ainda que assim seja, pelo menos, muito
certo que me parece que vejo, que oio e me aqueo; e propriamente o que em mim se
chama sentir, e isso, tomado precisamente assim to-s pensar. Pelo que comeo a
Ainda que esta seja uma citao um pouco longa, no hesitei em transcrev-la,
pois apenas o seu todo revela que, Descartes, a par de uma ilegtima redutibilidade do
humana, a saber: querer, imaginar, odiar, amar, imaginar, jogar, andar, ver, ouvir, agarrar,
conhecer algumas coisas desconhecer muitas104. E mais ainda todas estas modalidades de
como sentir.
de aporias que convidam a pensar o que nelas impensado. o que faz Michel Henry.
Para este fenomenlogo a fenomenalidade do sentir remete vida autoafetiva. Uma vida
103
AT, VII, 28-29.
104
AT, VII, 34. Descartes no descartaria as possibilidades de outros acrescentos s modalidades do ser
do cogito, desde, na sua fenomenalidade, fossem provadas.
103
que, para se provar, est apenas condicionada sua prpria autoafeo. no sentimento
revelao de si: um poder que se d a conhecer pela fenomenalidade do afeto que tanto
desenvolvimento humano.
A obra que o grupo de pesquisa O que pode um corpo? acaba de editar e que est
Foi sob o tema o que pode um sentimento108 que essa investigao se iniciou. Sob o tema
o poder do sentimento, mostrei como que o eu se reconhece no poder que o afeta ou,
105
Jean-Luc Marion in Descartes, Paris, Bayard, 2007, p. 21. [] o corpo particular e nico de um ego, o
seu corpo que ele, a sua carne onde se prova a si mesmo [] Michel Henry aqui determinante
106
Ainda que M. Henry sublinhe o desejo de acrscimo de si da vida no posso dissociar dele aquilo que
o impede, aniquila: o fracasso. Tema que tratei no artigo O corpo e o esprito por entre A Essncia da
Manifestao, de Michel Henry in Humanstica, Porto, 2014, pp. 163-190.
107
Antnez, A.E.A., Martins, F. & Ferreira, M. (2014) Fenomenologia da Vida de Michel Henry:
interlocues entre filosofia e psicologia. So Paulo: Escuta. p. 312.
108
Martins, F. (2014) Fenomenologia da Vida: o que pode um sentimento? In Antnez, A.E.A., Martins, F.
& Ferreira, M. (2014) Fenomenologia da Vida de Michel Henry: interlocues entre filosofia e psicologia
(pp. 15-31) So Paulo: Escuta.
104
constitudo como arquipassibilidade e nessa arquipassibilidade se sente sentir dor,
mas revela tambm o inevitvel envolvimento do eu nesse sentir. Michel Henry, em vrias
existncia, que so to-s todas elas pensar. Duas das expresses que, a este respeito, ele
mais cita de Descartes so, das Meditaes Metafsicas, a expresso at certe videre videor
sentimus nos videre. Isto aquele se sente ou se prova instalado na vida afetiva, sente-se
a si mesmo na vida instalado e, enquanto tal, enquanto sentir-se que ele prova a
interdisciplinar.
Perguntamos ento:
interdisciplinaridade?
humana: perguntar, querer, amar, imaginar, certificar-se. Mas relembro ainda que a
105
fenomenalidade do pensar como sentir-se pensar nos implica na atividade em questo. E
tendo em considerao que a raiz da palavra pensar cogitre significa ainda cuidar,
nelas, como uma forma de cuidado. Ser ento pelo pensar, ou pelo cuidar, que o humano
Recusar tomar a seu cuidado a vida tal como ela se manifesta ser querer fugir da vida
no tendo como se desfazer de si, faz o que preciso fazer: agir! Mas age de qualquer
forma; efetiva um qualquer ato que, por isso mesmo, por ser um qualquer ato, e no um
vida para o insuportvel de si mesma, para o insuportvel do seu modo de ser que a
livremente fazer algo, que para Michel Henry, h um prazer na angstia [].pois a
Liberdade de agir, sentimento de poder ainda que atravs de um ato que pretende
ressentimento que um perigo para vida: a vida ressentida pode originar a barbrie. A
vida volta-se contra si prpria. Na obra A barbrie, assim como outros artigos110, Michel
Henry desenvolve estas teses, inequivocamente tomadas de Nietzsche, ainda que com o
cunho pessoal. Um cunho cuja multiplicidade de formas Michel Henry vai expressando
109
Michel Henry, Incarnation: une philosophie de la chair, Paris, Seuil, 2000. p. 176.
110
Michel Henry Sur la parole de Nietzsche: nous les bons, les heureux, in Phnomnologie de la vie,
T. II, p. 151. E ainda in Phnomnologie matrielle, Paris, PUF, 1990, p. 157.
106
ao longo de toda a sua obra, mas todas elas unidas pela falta de investimento e de cuidado
Por entre a obra de Michel Henry, colho alguns desses exemplos. Nos pargrafos
angstia de duas pessoas uma em presena da outra: no caso dois amantes. Uma angstia
que redobra pois cada uma das pessoas incorpora em si a angstia da outra. Sem atender
a angstia que os assola, mas querendo libertar-se dela, os amantes devoram-se, tendo o
fracasso como resultado de uma tal relao. No romance O Filho do Rei, a tese s na
aparncia oposta a esta. O que em O Filho do Rei torna os dias penosos e intolerveis
unio de suas angstias. Em O Filho do Rei antes a indiferena dos terapeutas perante
tdio. Sem o investimento do terapeuta o tdio, o verdadeiro tdio fazia nos levantar a
cada instante errando sem fim pelos corredores, como fantasmas111. E se passarmos das
assassinato poltico que recorre media como meio de aparecer aos olhos do pblico
cultura valida a tese da definio da barbrie como revolta da vida contra si mesma, agora,
desespero so, em Michel Henry, um mal cujo pior dos males seria no a ter tido113.
111
Michel Henry, Le fils du roi, Paris, Gallimard, 1981, p. 35.
112
Michel Henry, Le cadavre indiscret, Paris, Albin Michel, 1996. Chamo a ateno para a trgica
atualidade deste romance. S ela encheria os dias deste Congresso!
113
Michel Henry, LEssence de la manifestation, Paris, PUF, 1963, p. 857.
107
Mas ento s temos possibilidade de viver entre um mal e o pior dos males? Entre uma
A intensificao das formas da barbrie por uma qualquer passagem ao ato, com
o mero intuito de se libertar do peso da vida, merece a nossa ateno. A temtica ecoa em
modelo parataxe que acabe com o inimigo. O que inquieta o jovem filsofo a
dependncia da razo daquilo que a supera e perturba bem como a ineficcia dos
construtos tcnicos perante foras instintivas que tomam conta da razo e da vontade de
cada um. Um mal simbolizado nos ratos que empestavam um navio e cuja tarefa de
erradicao fora atribuda a um jovem oficial, uma vez que, todos os outros
nova tcnica deixar os ratos com fome, mas com fora suficiente para abandonarem o
S que estes voltaram de sbito num saco de farinha branca e imaculada114. O romance
racionalidade que toma o dado como um objeto que a razo pode controlar.
114
Michel Henry, Le jeune officier, Paris, Gallimard, 1954, p. 195.
108
Um tipo de racionalidade cuja ineficcia claramente denunciada em O cadver
indiscreto: No leste isso na Crtica da Razo pura? Ests a ver, as grandes obras
apresentam lacunas115.
modelo que inscreva o item da objetividade naquilo que a suporta vai emergindo da obra
de Michel Henry.
Michel Henry busca ainda na arte outra sada para o insuportvel do sofrimento e
da angstia. A obra literria de Michel Henry faz prova disso. Atravs do romance, o
filsofo expressa o modo como se sente afetado na vida e, nela, por tudo o que o circunda
e em excesso o habita. Uma tese que Michel Henry estende a outras formas de arte:
Mas em relao s cincias que as ambiguidades inerentes tese da arte como expresso
vida? 118 No me parece, pois o jovem oficial tinha j considerado ineficaz as propostas
115
Michel Henry, Le cadavre indiscret, Paris, Albin Michel, 1966, p. 77.
116
Michel Henry, La barbrie, o.c. pp. 43-70.
117
MH. B, p. 40.
118
Paul Audi in Supriorit de lthique: de Schopenhauer a Wittgenstein, Paris, PUF, 1999, faz uma
surpreendente aproximao deste conceito henriano ao conceito wittgensteiniano de superioridade da
tica in Tratactus; corroboro essa aproximao no trabalho O outro e o limite na propriedade de si/
Michel Henry: a fecundao da imanncia in Painomenon, n 13, Outono, 2006, p. 103.
109
fornecidas pelos modelos de racionalidade em vigor, da qual a cincia faz parte. A
maestria cientfica que ele investira na erradicao das foras perturbadoras das
Michel Henry proponha uma outra forma de maestria - j no a expulso das foras
maestria?
A anlise da obra mostra que a cincia enquanto tal no chega a ser considerada
com a violncia da vida em relao a si mesma, nos processos do adoecer fsico, pois
ficamos sem saber como se processa a surdez da vida a si mesma, a onde ela se torna
violenta, doente? 119 Mas mais ainda: a onde a vida se no faz ouvir como pode ela voltar-
se contra si? Revoltar-se contra as superiores formas de vida que uma cultura ou
em paradoxos, pois deixa ao abandono o que, nos interstcios de toda a sua obra, ele
pretende compreender: encontrar uma forma de cuidado da vida que no deixe nada fora
119
Florinda Martins, O impossvel do sofrimento: indecises fenomenolgicas no romance O Filho do Rei,
in Revista da Faculdade de Letras, Universidade do Porto, XIX, serie II, 2002, pp. 141-155.
120
Relembro que a crtica de MH ao inconsciente, em Freud, passa pela fenomenalidade desta tese,
sobretudo nas obras Genealogia da psicanlise e Fenomenologia material.
110
mas mais ainda, mostrar como que o corpo um corpo vivo, pois todo ele atravessado
poder do sentimento.
que nos envolve pessoalmente em si. nesta passagem da vida absoluta, como sentir,
fenomenolgicas.
superiores formas de vida. Ela direciona-se para a afeo das inferiores formas de
no acontecem.
111
Michel Henry, na obra Eu sou verdade, parece propor uma soluo a esta questo
primeira afeo diz respeito doao absoluta da vida em ns, vida que Michel Henry
diz estar presente na mais simples sensao na brisa da tarde, no cansao da subida, na
acabamento sistemtico122.
resposta a esta questo vejamos o seguinte texto de Michel Henry Difficile Dmocratie123.
Diz ele: Os ritos, os sacrifcios, o conjunto das prticas religiosas eram vividos por cada
vivente como outras tantas formas de experienciar a sua relao com o absoluto, de a
atualizar e, desse modo, a ela se conformar. A religio era uma tica. E na medida em que
evitar equvocos a partir de identificaes fceis com esta ou com aquela expresso
apresentar-se como detentora desta doao absoluta da afeo da vida em ns, como ns:
impregnar todas as formas culturais de que a cincia no est, por essncia, excluda. Por
121
Michel Henry, Cest moi la vrit: pour une phnomnologie du christianisme, Paris, Seuil, 2996, p. 135.
122
Uma abordagem que, embora de forma menos sistemtica, percorre toda a obra de Michel Henry.
123
Michel Henry Difficile Dmocratie in Michel Henry, lpreuve de la vie, org. dAlain David et de Jean
Greisch, Paris, Cerf, 2001, pp. 39-54.
124
Ibid, p. 42.
112
isso vejo ainda a possibilidade de referir as inferiores formas de vida; as simples
sensaes, toda a vida do corpo biolgica ou outra vida que as atravessa. Isto , a
quando, de forma acrtica, , nos vrios saberes, votada ao esquecimento. neste contexto
que Michel Henry inscreve a sua crtica ao que denomina de fenomenologia tradicional.
Uma crtica que no deve ser abusivamente estendida prxis cientfica. Embora no
raro, Michel Henry possa a isso induzir. Todavia, nos interstcios de toda a sua obra,
Michel Henry pretende apenas mostrar que a vida no tem como romper o vnculo que a
une a si mesma, pois a vida no tem como fugir de si; no tem como romper com a sua
ipseidade! E esta uma questo que querida filosofia da medicina que encontra em
Tomo este texto de Merleau- Ponty, como elucidativo desta questo. Ouamos
anterior a toda a objetivao, denominao, para ser o Operador ou aquele a quem tudo
aquele a objetivao o incgnito a quem tudo dado a ver ou a pensar, a quem tudo
faz apelo, diante de quemh qualquer coisa. ento a negatividade inacessvel, bem
entendido em pessoa, dado que no nada (rien). Mas est a aquele que pensa, raciocina,
fala, argumenta, sofre, frui, etc.? Evidentemente no, visto que no nada Aquele que
pensa, percebe etc. esta negatividade como abertura, pelo corpo ao mundo preciso
compreender a reflexividade pelo corpo, pela relao do corpo consigo, da palavra 125.
Vejamos, por exemplo agora, este texto de Michel Henry: o conhecimento do corpo o
125
Merleau-Ponty, Le visible et linvisible, Paris, Gallimard, 1964, p. 299.
113
afetividade reina sobre todos os seus modos, determinando-os secretamente. E isso de
tal forma que s acede ao conhecimento de uma dor se esta for sentida como minha
dor126; e enquanto tal que a dor em mim um poder como em mim um poder o
sobretudo o eu que sofre, expressa em termos acuado a si; arrimado a si, como sentido
despropsito129. E ainda que eu esteja em total acordo com a aproximao que Raphal
Gly faz entre Merleau-Ponty e Michel Henry, irei mostrar, antes, as hesitaes no
caminho que Michel Henry percorre, em direo uma completa oposio em relao ao
citado texto de Merleau-Ponty, pois elas permitem ver os amplos campos de investigao
Michel Henry distinguiu, como j foi visto atrs, de autoafeo em sentido forte e
autoafeo em sentido fraco. Foi na afetividade desse enlaamento ou enredo da vida que
126
Michel Henry, Gnalogie de la psychanalyse, Paris, PUF, 1985, pp. 34; 39 e 38 (respetivamente).
127
Michel Henry, Auto-donation, Paris, Beauchesne, 2004, p.217.
128
Michel Henry, EM, pp. 421, 830, 857; Phnomnologie Matrielle, Paris, PUF, 1990, p. 162.
129
Raphal Gly, Imaginaire, perception, Incarnatio: exercice phnomnologique partir de Merleau-
Ponty, Henry e Sartre, Bruxelles, Peter Lang, 2012.
114
Michel Henry resolveu a aporia latente clebre controversa Husserl/Heidegger, no que
diz respeito presena ou no do eu nas afees por ele vividas, de que o texto de
Merleau-Ponty se faz eco. E foi pela anlise fenomenolgica das expresses tomadas de
Descartes, Sentimus nos videre e suas equivalentes - videre videor a mais conhecida -
que Michel Henry aponta a sada da aporia. Todavia se a partir destas expresses a tica
sofrimento no deixa de nos instigar. Se por um lado, Michel Henry mostra, sem margem
sentimento no pode nunca ser sentido130 - por outro o incmodo que provocam algumas
para essa determinao, pois ele nada acrescenta ao conhecimento imediato da prova em
si da afeo da vida. Ento, a fenomenalidade do vnculo do vivo vida passa por uma
vnculo se admita a possibilidade de fugir dele? Como nos mobilizamos para a fuga? Ou
que nos incomoda ou o que nos envolve, sem a certeza de que algo no est incorporado
130
Reitera Michel Henry desde a obra Lessence de la manifestation, Paris, PUF, 1963, p. 579.
115
fenomenalidade da adeso do humano aos processos arqui-impressivos da vida, que em
adeso vida no significa que, nela, vivenciamos momentos em que a vida se manifesta
Para isso chamo a ateno para dois termos usados por Michel Henry que se
corpopropriao.
Atravessando assim a obra de Michel Henry, podemos dizer que este conceito , pelo
menos intuitivamente, estruturante do seu pensamento, ainda que, nele, ocorra como que
antagnico, pelo que a sua elucidao nos vrios contextos em que ela aparece, ser
fecunda at mesmo para uma compreenso do que, em Michel Henry, nos foi transmitido
131
Michel Henry, La Barbarie, Paris, Grasset, 1987, p. 82.
132
Michel Henry, Philosophie et Phnomnologie du corps, Paris, PUF, 1965, p. 259.
116
acuado a si na aderncia perfeita da identidade consigo e, nesta perfeita aderncia a si, a
fruio, alegria133, legtimo perguntar que sentido tem ento uma fruio do desespero
que, por ser desespero, se quer libertar de si mesmo ou dessa sua fruio?134 A
uma vida acuada a si at nos processos da vida em comunidade, processos pticos que
Mas ento, e de acordo com Michel Henry, se o sentimento no pode ser sentido,
si, tal como ele admite ser possvel?136 Como conciliar a revelao da afetividade
fenomenalidade do cogito, tal como Descartes a a expe, que julgamos poder aceder,
Nesse texto, o que define o prprio Descartes e no apenas a sua filosofia - sou eu
mesmo quem sente, diz ele o que ele recebe como que pelos rgos dos sentidos luz,
barulho, calor. Um receber que um conhecimento que classifica como muito certo. E
133
EM, p. 831.
134
EM, pp. 851-854.
135
Michel Henry, Phnomnologie Matrielle, Paris, PUF, 1990, pp.171-177.
136
Michel Henry, Philosophie et Phnomnologie du corps, Paris, PUF, 1965, p. 259 Deste contedo
originrio transcendental, podemos dizer que ele o que faz precisamente a densidade da vida, uma
densidade ontolgica primeira e irredutvel, que subsiste mesmo quando esta vida se adelgaa no
desespero
117
esse muito certo que, essa certeza de uma relao imediata com o que o circunda, que
se lhe revela como sentindo-se ver, sentindo-se ouvir, sentindo-se aquecer: em uma
palavra, sentindo-se pensar. Sendo esse o pensar pelo qual comea a conhecer quem ,
Mas, quem Descartes? aquele que de nada mais precisa que duvidar, escutar,
desejar, para se tornar, a si mesmo, evidente - por ser evidente que sou eu quem duvido,
137
escuto, desejo, nada mais necessrio acrescentar para o explicar - todavia, para se
certificar de si, precisa sempre da referncia ao sentir, inerente a cada uma das suas
sentir e ao sentido do que sente, como se v pela resposta do prprio Descartes objeo
que ele mesmo se pe, h um texto de As paixes da alma, tambm ele muito citado por
Michel Henry, que esclarece algumas dvidas que podem emanar do primeiro texto
barulho. Diz Descartes: assim no raro quando se dorme, e mesmo algumas vezes
quando se est acordado, imagina-se to fortemente certas coisas que se pensa ver diante
de si ou sentir em seu corpo, embora elas no estejam presentes de modo algum; mas
com uma qualquer outra paixo sem que fosse muito verdade que a alma tem em si esta
algum sente uma dor intensa, o conhecimento que tem da dor, claro para si. Mas
ento se sentir sentir as afees da vida processadas no corpo no ser esse sentir-se
137
AT, VII, 29.
138
AT, XI, 349.
139
AT, IX-2, 46.
118
uma forma de corpopropriao, de que a terapia bem como as investigaes laboratoriais
so modalidades?
se estar por dentro do sentir, e que o autor expressa como possibilidade de se sentir sentir:
sentir-se sentir no apela a uma diferena ontolgica no sentir, mas antes mobilidade do
sujeito por dentro do prprio sentir. E isso faz toda a diferena das terapias de inspirao
relao do sujeito consigo mesmo uma relao no com um objeto (algo exterior ou
dado num horizonte de transcendncia), mas com o afeto que, ainda que advindo a si sem
haveria como sermos assolados pela angstia, pelo temor, pelo desespero.
d) Questes em aberto
corpo. Este, mais do que um objeto, uma expresso de vida. pela sua irredutibilidade
A transposio para a tela, a msica, o palco, a escrita, dessa vivncia disso prova.
140
Termos que atravessam a obra de MH, desde do romance Le jeune officier ao ensaio Paroles du Christ.
A ttulo de exemplo ver da EM, p. 853 e da Incarnation 37-40.
119
Quanto cincia, j em Afeio e filosofia primeira: relaes entre fenomenologia
e cincias da vida141 quis mostrar que a cincia tambm ela uma forma de transposio
corpo142.
provenha do meio que nos circunda quer da vida que habita cada sensao ou transio
que, da vida, brotam todas as formas do nosso enredo com ela143. Assim, da rvore da
saberes a um solo comum. Em Michel Henry, a vida autoafetiva esse solo comum que
141
Martins, F. Afeio e filosofia primeira: relaes entre fenomenologia e cincias da vida in Dossi A
Fenomenologia da Vida de Michel Henry e a Psicologia Clnica. Psicologia USP (no prelo)
142
Florinda Martins e Maristela Vendramel Ferreira, em dilogo com o trabalho de Ctia Teixeira,
Dopamine and serotonina signaling two sensitive developmental periods differentially impact adult
agressive and affective behaviors in mice, in Molecular Psychiatry (2014) 19, 688-698, iniciaram j o
estudo dessa possibilidade.
143
Posso concluir ento, agora, que a barbrie a recusa do enredo com a vida.
120
LA PSYCHOPATHOLOGIE COMME INDICATEUR DCISIF DE LA
Jean-Marie Barthlmy
E-mail: jean-marie.barthelemy@univ-savoie.fr
Rsum - Labord singulier de la personne vise travers des caractristiques qui lui
sont propres, cest--dire par dfinition non banales, dont le trouble psychique ne
intrieures ou extrieures de son appartenance humaine, y compris chez celui qui a pour
mission ou vocation den dfinir et suivre les particularits. Il savre ainsi indispensable
dalerter sur les dangers considrer les troubles psychiques selon des catgories part
au lieu de les incorporer des formes plus larges et donc communautaires dune large
la mise lcart qui en dcoule, mais aussi provoque lclatement de toute la famille
dappartenance et des liens qui rattachent les Hommes les uns aux autres.Ce nest quen
respectant la personne dans ses dclinaisons indites et non en les stigmatisant par instinct
de scession ou de sauvegarde goste que lon peut esprer participer non seulement au
121
Mots-cls : Karl Jaspers, Eugne Minkowski, processus, psychopathologie phnomno-
structurale, situations-limite.
COMMUNITY BELONGING
Abstract -The specificities of a person aim though their own characteristics, which by
definition are not ordinary, and for which psychiatric disorder only represents a limited
part to also approach other components, interior or exterior of its human being,
including for those who have the mission or vocation to define and follow its
psychiatric disorders as being apart instead of incorporating them into wider and
individual and collective. A semiological reduction not only represents a danger in the
objectification of a person and the sidelining that may result from it, but also splinters the
relationships and links connecting people to others. It is merely by respecting the person
in its unrivaled declensions and never stigmatizing them under the influence of some
instinct of secession or selfish protection that we may hope to contribute not only to the
preservation of this communautary link but also to the rise of its capacities of evolution
and enrichment. The comprehensive analysis of psychological troubles can be used at the
same time as a model, an indicator, a witness and a symbol for the in-depth study of such
psychopathology, process.
122
Lhomme ne prend conscience de son tre que dans les situations limites. Cest
pourquoi, ds ma jeunesse, jai cherch ne pas me dissimuler le pire. Ce fut lune des
philosophique 144 crite la fin de sa carrire et de sa vie. Ailleurs, il assure aussi quil
ne serait jamais devenu professeur de philosophie sil navait pas connu la maladie. Plutt
mdicale qui lui prvoyait au mieux vingt annes dexistence avec sa mucoviscidose
invalidante, ou pour conjurer ce pronostic tnbreux, Jaspers sen extrait en devenant lui-
mme mdecin. Par la suite, mieux labri des alarmes antrieures, il prouvera moins
de cette communaut.
144
Karl Jaspers, Philosophische Autobiographie, in : Schilpp, P. A. : Karl Jaspers, II, 1957 / Werk und
Wirkung, pp. 19-129, Piper Mnchen 1963, traduction franaise, Autobiographie philosophique, Aubier,
Paris, 1963.
123
Psychopathologie Gnrale comme sil restait ncessaire sa propre volution
intellectuelle et personnelle.
chaire de philosophie Heidelberg, devait orienter sa pense de plus en plus vers les
vivre au contact journalier des malades, poursuivait ses recherches de front dans les deux
sens. 145
Husserl est convoqu dans cette perspective, mme si ce sera son corps
psychiatrie. Cest un fait historique indniable et reconnu par tous que Jaspers a fait uvre
Jaspers, part de la prise en considration des propos et des prouvs directs des
patients, tels quils snoncent ici et maintenant , sur un mode synchronique et non pas
Lors de la troisime dition de son premier livre, sans quon lon puisse encore
suspecter que cette attitude prcautionneuse serait celle dun homme qui cherche encore
ses marques pour prsenter sa matire, non seulement il ne renie en rien ses positions
145
E. Minkowski : Phnomnologie et analyse existentielle en psychopathologie , deux leons au
Collge philosophique, janvier 1948, publies dans Lvolution psychiatrique, fasc. 4, pp. 137-185.
124
antrieures mais il enfonce plutt le clou sans complaisance, en affirmant aprs avoir
caractre mthodologique du livre qui est rest dominant. Dans tout le verbiage
faut savoir comment, dans quel sens et dans quelles limites on sait quelque chose ; il faut
connatre les moyens qui ont permis dacqurir et de fonder ce savoir. Car la science
nest pas un ensemble uniforme de donnes de mme mesure et de mme valeur, mais
une classification ordonne de valeurs tout fait diffrentes, quant leur importance et
nosographie, cest--dire une classification des maladies mentales, Jaspers propose aussi
un classement mais fond sur un autre ordre prioritaire, celui de la mthode ou plus
mentionner un ensemble de prjugs qui menacent de faire driver la cette dernire vers
des contresens ou des impasses. Parmi eux, il en distingue une catgorie qui rsulte de
spciales qui, comme telles, mritent une place (Introduction de la troisime dition
125
pratiques ayant fourni la preuve de leur efficacit dans un contexte limit et particulier
sunissent volontiers aux prjugs provenant des sciences naturelles pour affirmer que
des constatations quantitatives seules ont valeur scientifique et que lexamen qualitatif
pur reste toujours subjectivit et arbitraire. Les mthodes statistiques exprimentales, qui
en certains cas donnent des mesures, des chiffres, des courbes deviennent de ce point de
vue le seul moyen de faire une tude scientifique. L o cette tude directe est
impossible, on travaille avec des concepts quantitatifs lors mme quils ne reprsentent
plus rien du tout (id. P. 21). Ses avertissements, on le voit, portent sur plusieurs points
ou la courbe ne sont pas quune voie parmi dautres pour effectuer des travaux
indiffremment les mmes pratiques quelles que soient les circonstances ou les contextes
Retournant vers son domaine, Jaspers en arrive une distinction et mme une
opposition, qui nous semblent aujourdhui plus difficiles maintenir, entre une sorte dart
seul travaillerait dans lunivers des concepts et des gnralisations. Le psychiatre, dans
126
son travail, a affaire des questions tout fait individuelles ; il cherche comme
psychopathologue des rgles et des concepts gnraux pour satisfaire aux exigences qui
simposent lui dans les cas particuliers. Pour le psychiatre, homme vivant, comprhensif
et actif, la science nest quun des moyens auxiliaires, pour le psychopathologue elle est
gnral (id. p. 1). Par-del cette diffrenciation contestable entre des exercices alterns
sur lindividualit ou sur la gnralit qui est pose ; elle continue, comme on ne le sait
que trop, dalimenter bien des conflits et des dchirements au sein de notre discipline plus
divorce, implicite ou explicite, voqu par Jaspers entre laction et la rflexion, le vivant
et labstrait, la comprhension et lexplication. Aucun doute pour lui dans ses priorits et
que de la seconde dans un effort actif et intense pour sapprocher, travers une attitude
concrtement vcue et partage. Toute autre entreprise sexposerait des prils ainsi
formel, et finalement dgnrer en un verbiage de concepts. Cet art arithmtique qui reste
connaissance rsident toujours dans lexprience concrte (id. P. 16). On peut retenir
cette dernire phrase comme une vritable clef, un prcepte dterminant pour lattitude
127
scientifiquement acceptable et valide, puisquils ne trouvent pas leur origine, leur
quoi surprendre que ceux qui la confondraient avec une simple nonciation ou
juxtaposition de faits sans choix ni option, ce quoi se refuse bien entendu Jaspers. Il
comprendre ce qui compte, cest--dire, pourquoi pas partir des chiffres mais jamais
attribue un phnomne.
seul cas nous permet souvent phnomnologiquement une application gnrale des cas
innombrables. Souvent ce quon a saisi une fois se retrouve bientt. Ce qui importe en
Ce que Minkowski reprendra pleinement son compte plus tard dans son Trait
essentiels, ne dpend nullement du nombre des cas examins. Par l il se spare de toute
statistique de mme que de la mthode inductive qui, elle, pour faire ressortir le gnral
et liminer le contingent, doit passer en revue le plus de cas possibles. Pour la mthode
Cette initiative dune coute attentive des propos des malades, qui vient la
place de lnumration simple, froide et schmatique des symptmes dont ils sont
porteurs, est considre par Minkowski comme capitale car elle met sur la voie dune
128
comprhension du trouble et du malade. Elle amnera dailleurs de la part de Jaspers
ensemble ordonn de symptmes, afin dlargir une description lmentaire qui rend
difficile sinon impossible leur insertion lintrieur dun ensemble plus large o ils
un sens.
Nous sommes ici parvenu un point de bascule dans lattitude du praticien, qui
unitaire rvlatrice, depuis une position lente, patiente et laborieuse, purement rceptrice
et descriptive de ce que lui apporte son patient, jusqu une convergence comprhensive
phnomnes psychiques. Cest ce passage, cette transition qui fera voluer Minkowski
patient que dans leffort pour rassembler et circonscrire les lignes de forces qui
une belle homologie avec ce que Jaspers appelle un processus durant le cours dune
psychique tout fait nouveau, il se peut que lon ait affaire une phase. Mais si le
changement est durable, le phnomne est appel processus. [Ces processus] forment
129
un groupe qui, pour lobservateur impartial, soppose par un caractre gnral aux
lment une foule de relations comprhensibles. Nous ne connaissons pas les causes dun
semblable processus. Alors que, dans les processus organiques, les phnomnes mentaux
sont au point de vue psychologique dans une confusion complte, ici, au contraire, plus
on approfondit le cas tudi, et plus on trouve de relations conscientes. [...] Dans les
formes les moins graves, lvolution du sujet se poursuit comme si un moment donn
contraire, la ligne est rgulire, et dans le cas dun processus organique, on a, non pas
une simple discontinuit, mais une confusion complte. Nous avons appel ces
prendre ces notions que pour des limites, et non comme dfinissant des espces
mot que ces processus nous sont accessibles du point de vue psychologique
seulement 146 .
passage de la nouvelle anne me parat illustrer tout cela via les deux bouts de la
relation transfrentielle : alors que, dans un entretien, elle se rfrait un moment o elle
avait tromp son compagnon, elle me certifiait quelle men avait dj parl dans un
crit quelle mavait envoy. Je lui dis que jai d mal lire ou quelle a cru men parler
dans ce texte, mais quen tout cas cest la premire fois que je prends conscience de cet
146
ibid. pp 437-439
130
effectivement un passage o elle dit laconiquement : je suis alle voir ailleurs . Je lui
mme : cest parce que votre expression je suis alle voir ailleurs me lavait rendu
plus banal et moins clair que ce que vous mavez dit par la suiteUne sorte de pudeur
partage entre nous en quelque sorte, qui vous a rendue plus allusive quexplicite et a fait
bien ce passage de cap, (NB : elle parle en mme temps du changement danne
Vos comptences en (sic) sont pour beaucoup, je suis persuade que vous mavez
aid (sic) ne pas me perdre trs rcemment. Je mets en place dautres choses
grce peut-tre aussi une bonne toile que je veux bien laisser briller, des
djinns que je veux bien reconnatre quand je les croise, vous tes toujours le
culturelles dorigine, mais, par plaisanterie jai souvent mis sur le compte de
linfluence des bons djinns tout ce qui commenait lui arriver de mieux
rencontres ). Il est vident que vous tes un pro dans votre mtier sous ces airs
trs dcontracts mais au-del de a votre aide est bonifie par votre grande
gnrosit et le partage de votre temps mes yeux. Cest important pour moi de
131
Ce quoi je lui ai rpondu par un bref SMS (puisquelle arrivait dcliner son
(NB Saha est le mot en dialecte algrien pour dire la fois merci, sant, salut
pour dire seulement merci ! Elle est bien sr capable de saisir toutes ces
coutons encore cet autre change de courrier tout aussi difiant, et encore plus
ordinaire en apparence, avec une autre patiente qui reprend contact plusieurs annes aprs
Bonsoir !!
Je me permets de vous crire car chaque fois que je russi (sic) quelque chose
je ne peux mempcher de penser que quelque part cest grce vous!!! alors
merci, de mavoir aider (sic) remonter la pente , merci de mavoir aider (sic)
reprendre un peu confiance en moi, et surtout merci de mavoir aider (sic) grer
mes angoisses, et grce tout cela jai ENFIN eu mon permis de conduire :) !!!
Je sais pour la plupart des gens ce nest quune formalit mais pour moi a a t
un long et dur parcours pour russir a grer mon stress! je lai pass 2 fois et je
perdais tellement mes moyens en me sentant juger (sic) que je ne savais plus rien
faire ! et la 3me fois fut la bonne !!!! Voil ...!! Enfin ne vous inquitez pas je
lAtarax de temps en temps, je dors pas trs bien et je me dis aussi que lorsque
tout se passe bien cest que ca cache forcment quelque chose de louche !!!
132
En tous cas jespre que vous allez bien et que tout se passe comme vous le
souhaitez.
- Chre C... ,
Nhsitez pas vous permettre. Je suis toujours heureux davoir de vos nouvelles
ainsi que la description de ces passages symboliques par lesquels vous passez et
prioritaire ou exclusive dtre juge par autrui, tout le reste nest plus que
piment, sinon tout cela restera terne et monotone. Pas facile de shabituer au
Jean-Marie BARTHELEMY
ces deux contextes particuliers afin den mieux dgager la proximit dorientation. De
lalliance souterraine entre une singularit dvnement qui, bien que somme toute
Jaspers nomme un processus , un trajet personnel par son incidence imprvue et ses
effets inattendus. Quils soient douloureusement ou radieusement prouvs, elle les relie
aux fils tnus et mystrieux dune destine partage car inscrite dans une communaut
133
dappartenance ou de rfrence dont le psychologue savre la fois partie prenante,
mane nest aucunement enregistrer ni accueillir en tant que simple gratitude notre
gard mais plutt comme lattestation dune authentique renaissance insolite au sein dun
sens et par-dessus tout une intentionnalit balbutiante qui se risque enfin un projet
cours des dlires mgalomaniaques, je nai jamais entendu aucun de mes patients aspirer
devenir suprieur aux autres ; par contre ce quils rclament avec plus ou moins de
forces vitales persistantes cest dtre comme les autres ou comme tout le monde
comme ils le disent souvent avec des mots simples, cest--dire lgal dun autrui reconnu
comme tel quils croient entrevoir autour deux et parfois se surprennent idaliser ou
honteusement envier.
transition avec deux autres livres de Jaspers se rfrant encore la psychologie, soit dans
147
Karl Jaspers, Strindberg und van Gogh. Versuch einer pathographischen Analyse unter vergleichender
Heranziehung von Swedenborg und Hlderlin. E. Bircher, Leipzig 1922, traduction franaise Strindberg et
Van Gogh, Swedenborg Hlderlin, ditions de Minuit1953, Collection Arguments , 1970.
134
plus quil se prsente avec lambition extensive et gnralisatrice denvergure dun
questionnement sur lHomme, portant sur lessentiel de ltre partir de cette notion de
situation-limite qui aurait pu souvrir et sappliquer aux deux contextes dans une
entreprise de nature anthropologique. Dans une tude sur Hraclite, Binswanger crit
ce propos : Cette ide est dune importance capitale pour toute anthropologie et
des limites et des normes pralables dans lesquelles vit le malade individuellement et dont
il subit latmosphre mais, bien plus encore, tout cela est-il valable pour les rves, pour
tout sentiment et, en somme, pour tout mode dexprience vcue des malades et des
bien portants148 . Plus tard, dans ses entretiens radiophoniques publis ensuite sous le
des enfants et des malades mentaux, dclare : Un signe admirable du fait que ltre
humain trouve en soi la source de sa rflexion philosophique, ce sont les questions des
enfants. On entend souvent de leur bouche des paroles dont le sens plonge directement
dans les profondeurs philosophiques. En voici quelques exemples : lun dit avec
tonnement ; jessaie toujours de penser que je suis un autre, et je suis quand mme
toujours moi. Et encore, par un rapprochement avec les malades psychiatriques : Une
recherche philosophique jaillie de lorigine ne se manifeste pas seulement chez les petits
mais chez les malades mentaux. Il semble parfois rarement que chez eux le billon
148
Ludwig Binswanger, Lapprhension hraclitenne de lhomme in : Ludwig Binswanger, Introduction
lanalyse existentielle, Paris, Minuit, 2008, pp. 181-182, rfrence cite par Gbor Tverdota
in : Existence et normativit. Lapport de la Daseinsanalyse pour llaboration dune nouvelle critique
sociale , Les Carnets du Centre de Philosophie du Droit, n 153, 2011, Universit Catholique de
Louvain, consultable ladresse web suivante : http://sites-
final.uclouvain.be/cpdr/docTravail/153TverdotaG.pdf
135
des rvlations mtaphysiques saisissantes. Leur forme et leur langage, il est vrai, ne sont
pas tels que, publies, elles puissent prendre une signification objective, moins de cas
exceptionnels comme celui du pote Hlderlin ou du peintre Van Gogh. Mais lorsquon
assiste ce processus, on a malgr soi limpression quun voile se dchire, celui sous
est un des premiers sinon le premier a avoir prospect la voie pathographique : il sagissait
smiologique. Cette recherche, mene partir non pas de patients psychiatriques prsents
ou actuels mais de crateurs illustres, quand bien mme certains auraient d recourir
rapport entre cration et altration mentale dans un cadre large intgrant les supports
diversifis tels que peinture ou production littraire. ce titre elle reprsente un moment-
envisag et entrepris, car on ne voit pas comment ces crateurs dsesprs pourraient tre
en dsaccord avec cette remarque de Jaspers qui semble issue de leur propre ballottage et
drame dexistence et en parfaite rsonance avec leur souffrance mais aussi les
extraordinaires capacits dexpression dans leur uvre : Considrons un peu quelle est
notre condition nous, Hommes. Nous nous trouvons toujours dans des situations
manque, elles ne reviennent plus. Je peux travailler moi-mme changer une situation.
Mais il en est qui subsistent dans leur essence, mme si leur apparence momentane et si
136
leur toute-puissance se dissimule sous un voile : il me faut mourir, il me faut souffrir, il
me faut lutter ; je suis soumis au hasard, je me trouve pris dans les lacets de la
culpabilit. Ces situations fondamentales de notre vie, nous les appelons situations-
limites 149 .
Minkowski a contribu dgager une voie originale pour inventer une psychopathologie
indniable dans une part de ltude et de lorganisation des dsordres psychiques, elle ne
peut en constituer lessentiel ni prtendre une approche intgrale pas plus quintgrative
norme ou une moyenne, si lon veut, au regard de laquelle, aprs une confrontation avec
rangs de cette manire en bon ordre, en si bon ordre que celui-ci en demeure
151
suspect , observe judicieusement Minkowski, qui prfre revenir toujours la
149
Karl Jaspers, Introduction la philosophie, p.18.
150
Eugne Minkowski, Aperu sur lvolution des notions en psychopathologie , confrence prononce
la Socit de Neurologie et de Psychiatrie de Toulouse le 16 avril 1961, publie dans Toulouse
Mdical, 63me anne, n 4, avril 1962, reprise dans louvrage Au-del du rationalisme morbide (ce titre
nest pas et naurait pas pu tre de Minkowski !), Paris, LHarmattan, 1997, p. 154.
151
ibid.
137
complexit clinique, pour en diffrencier le fond et aussi respecter sa nature. Ce qui
manquera toujours cette taxonomie cest le sens unitaire des symptmes quelle
rpertorie, la cohrence de leur organisation interne issue du dynamisme vital qui les
la vie, mme ordinaire, normale ou saine, comme ou voudra bien la qualifier, dans son
dynamisme foncier, nest ni quilibre ni adaptation, elle nest point une surface lisse sans
asprits ni failles ; cela limmobiliserait entirement et ce nest point ce que, dans notre
effort, dans notre lan personnel, nous recherchons. Elle est bien davantage quilibre-
de ces deux antithses apparentes, et cest travers elles prcisment quen peinant, en
butte des difficults et des failles, des dceptions, des rats invitables, que nous
nous efforons davancer et de nous raliser de notre mieux, comme le veut notre vocation
faire devenir autre lui-mme aussi bien qu son semblable, se prsente nous avec
la mme ambigut de prsence : tranger autrui en raison de cette rupture vitale avec
sa propre existence, mais, parce quelle demeure la ntre tout en rsistant son
que Minkowki rsume ainsi : Lalin nest pas simplement un individu qui scarte de
la norme ou dune moyenne. Il sort du cadre de la vie, rompt ainsi les amarres, ne sintgre
plus au flux de cette vie et sans que nous ayons le confronter avec dautres individus
dits plus ou moins normaux, le mesurer une moyenne tablie par ailleurs, se prsente
152
ibid. p. 155.
138
que, mus par ce besoin irrsistible de comprendre chacun de nos semblables, nous nous
efforcerons de pntrer de notre mieux dans ces mondes ferms premire vue. Cest le
de celui qui les tudie par une discrimination pralable et fondamentale entre une
personne affecte par ces phnomnes inhabituels et une autre qui les envisagerait depuis
ce que nous avons pu dire dans nos crits antrieurs, nous conservons aujourdhui le
pathos en le prenant seulement au sens large du terme, la maladie nen tant quune des
varits. Cest que les diffrentes formes de ce tre autrement se placent, dune manire
intrinsque, comme nous avons vu, sous le signe de en souffrance , dans la mesure
mme o elle se prsentent comme atteinte profonde porte la destine humaine. Par l
nous revenons ce que nous disions dans le chapitre prcdent, savoir que la
psychopathologie est par endroits davantage une psychologie du pathologique ou, dans
lordinaire 154 .
153
ibid.
154
Eugne Minkowski, Trait de Psychopathologie, Paris, P.U.F. 1966, pp. 41-42.
139
lordinaire : une source de bien des malentendus, voulus ou pas, et de drives plus ou
lorsquil viendra affecter non plus un seul mais une tendance gnrale, rvlatrice du
renfermement sur elle-mme dune socit, dune poque ou des deux la fois. LHistoire
a montr aussi les monstrueux dgts dun collectivisme ou dun communisme qui, au
prtexte louable et bien intentionn dune mise en commun solidaire des ressources
dun soi-disant bien commun cens les transcender. Des formes attnues, mais
impasse.
sont propres, cest--dire par dfinition non banales, dont le trouble psychique ne
intrieures ou extrieures de son appartenance humaine, y compris chez celui qui a pour
mission ou vocation den dfinir et suivre les particularits. Il savre ainsi indispensable
dalerter sur les dangers considrer les troubles psychiques selon des catgories part
au lieu de les incorporer des formes plus larges et donc communautaires dune large
140
la mise lcart qui en dcoule, mais aussi provoque lclatement de toute la famille
dappartenance et des liens qui rattachent les Hommes les uns aux autres. Ce nest quen
respectant la personne dans ses dclinaisons indites et non en les stigmatisant par instinct
spcifiques donc, que lon peut esprer participer non seulement au maintien de ce lien
exclusion dautrui et du mpris dltre quil est toujours partie prenante du plus intime
141
CONFIANA E CONVIVNCIA: PESSOA E COMUNIDADE NA
E-mail: r.vonsinner@est.edu.br
Procura responder pergunta em que uma teologia trinitria poderia ajudar rumo a tal
sobre a relao to fundamental quanto ameaada entre confiana e convivncia (1). Num
inspirados pela teologia trinitria anteriormente desenvolvida (3). Para a teologia crist,
Deus no est alheio a este mundo, afastado e intocvel, mas ele interage de forma
apaixonada com este mundo. Apesar de ser um mundo que, em muito, se afastou daquilo
Boff.
*
De origem sua, doutor e livre-docente em Teologia, professor de Teologia Sistemtica, Ecumenismo
e Dilogo Inter-religioso na Faculdades EST, So Leopoldo, Rio Grande do Sul. , ainda, professor
extraordinrio na Universidade de Stellenbosch, frica do Sul, pesquisador experiente CAPES/Humboldt
e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.
142
TRUST AND CONVIVIALITY: PERSON AND COMMUNITY IN THE
by human dignity and freedom, in the perspective of a public theology. It seeks to answer
the question as to what extent a Trinitarian theology could help fostering such conviviality
and trust. The argument is developed in three steps: first, reflecting on the equally
fundamental and threatened relationship between trust and conviviality (1). In a second
step, it focuses on the doctrine of the Trinity, in relation to the concept of person and
community (2). Finally, four fundamental aspects are presented alterity, participation,
trust and coherence for conviviality in todays public sphere, inspired by the Trinitarian
theology developed earlier (3). For Christian theology, God is not alien to this world,
remote and untouchable, but God interacts with this world in a passionate manner. Despite
being a world that has gone afar from what God had in mind for it, the love of the triune
veem-se (plural) arder as fogueiras com os chamados hereges, que seriam os inimigos
da verdadeira f. Neste inferno de chamas, Jesus volta terra e anda entre o povo. Todo
mortos, chega o grande inquisidor. Imediatamente, manda prender Jesus. noite, visita-
anuncia que, no prximo dia, Jesus iria morrer na fogueira como um dos piores hereges.
155
Aproveito-me, ao longo do texto, livremente de elementos j apresentados em SINNER, Rudolf von.
Confiana e convivncia. Reflexes ticas e ecumnicas. So Leopoldo: Sinodal, 2007, captulos 1 e 2.
143
Num grande sermo, o inquisidor explica, essencialmente, o fracasso da mensagem
evanglica. Jesus teria proclamado a liberdade, mas o povo no soube lidar com ela. Era
preciso que a Igreja o conduzisse. O povo queria a paz, a segurana, a felicidade, mesmo
que submisso autoridade da Igreja. No queria nem suportaria a liberdade, pois esta traz
insegurana e risco. Por que vieste agora nos estorvar? Jesus no diz nada. Fica calado
at o fim. Percebe que j no era Deus que habitava no corao do inquisidor, mesmo que
Esta narrativa nos conta o escritor russo Fiodor Dostoievski (1821-1881), em seu
clssico Os Irmos Karamazov. uma narrativa muito rica, tocando nos aspectos mais
profundos da vida humana e da f. Assim o livro todo, do qual este conto tirado. Das
suas muitas facetas, destaco apenas uma: a liberdade, a caracterstica mais profunda do
No conto, Jesus mostra que confia nesta qualidade humana, mais ainda: faz dela um
aspecto central de sua proclamao do Reino de Deus. Enquanto isso, a igreja do grande
pessoas como se fossem infantes que precisam de tutela. Como outrora o imperador
contrrio, confia nos seres humanos e sua liberdade, conforme bem mostra Dostoievski.
ambiguidades da atuao humana esta que tambm fez com que Jesus fosse crucificado.
Lembremos tambm que grandes figuras de exemplo da Bblia, como os reis David e
Salomo, foram nada perfeitos. Meteram-se nos abusos de poder como quase todo regente
156
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os irmos Karamazov. Trad. Boris Solomov. So Paulo: Martin Claret, 2004, p.
252-270.
144
da histria. E, no entanto, o Messias viria da linhagem deles. Na mensagem do Evangelho,
os seres humanos, ainda que falhos, so considerados seres livres, capazes, e dignos.
na perspectiva de uma teologia pblica. Vale, inicialmente, esclarecer o que seria uma
teologia pblica. A reflexo e a literatura sobre tal teologia esto crescentes no Brasil e
em outros pases.157 Aqui posso dar apenas uma rpida viso desta teologia que procura
analisar a presena das religies, em especial das igrejas crists, na esfera pblica
abordagens, de outras reas do saber. Por outro lado, a teologia contribui com aquilo que
lhe prprio neste dilogo interdisciplinar: uma reflexiva fala de Deus pertinente
teloga. A esfera pblica, por sua vez, mudou neste pas, de uma situao autoritria para
157
Como exemplo veja a seguinte srie: CAVALCANTE, Ronaldo; SINNER, Rudolf von (Orgs.). Teologia
pblica em debate. Teologia pblica vol. 1. So Leopoldo: Sinodal, 2011; JACOBSEN, Eneida; SINNER,
Rudolf von; ZWETSCH, Roberto E. (Orgs.). Teologia pblica: desafios sociais e culturais. Teologia pblica
vol. 2. So Leopoldo: Sinodal, 2012; JACOBSEN, Eneida; SINNER, Rudolf von; ZWETSCH, Roberto E. (Orgs.).
Teologia pblica: desafios ticos e teolgicos. Teologia pblica vol. 3. So Leopoldo: Sinodal, 2012;
BUTTELLI, Felipe G. K.; LE BRUYNS, Clint; SINNER, Rudolf von (Orgs.). Teologia pblica no Brasil e na frica
do Sul: Cidadania, interculturalidade, HIV/AIDS. Teologia pblica vol. 4. So Leopoldo: Sinodal, 2014.
158
Cf. TRACY, David. A imaginao analgica: a teologia crist e a cultura do pluralismo [1981]. Trad.
Nlio Schneider. So Leopoldo: Editora Unisinos, 2006.
145
uma democracia em consolidao que conta com uma sociedade civil viva e atuante. Nela,
pblico no novidade no cristianismo, mas est presente desde seus primrdios. Afinal,
Jesus Cristo, sua principal referncia, foi crucificado publicamente como ameaa ordem
pblica.
Aps esta mui breve introduo, levanto a pergunta: neste contexto de uma esfera
pblica democrtica, em que uma teologia trinitria poderia ajudar rumo a uma
convivncia (1). Num segundo passo, enfocarei uma das doutrinas mais centrais e
desenvolvida (3).
Confiana e convivncia
procedimentos, sem nos darmos conta disto. No seria possvel viver nossa vida se no
pudssemos confiar sem nos preocupar, sempre e especificamente, com cada aspecto
dela. Sem confiana no existe vida. No entanto, pesquisas parecem sugerir que no existe
confiana entre pessoas neste pas. Dentre 18 pases da Amrica Latina, periodicamente
ltimo lugar. Indagadas sobre "falando em geral, voc diria que se pode confiar na maioria
159
Cf. a articulao de um coletivo inter-religioso em relao ao novo marco regulatrio das organizaes
da sociedade civil: http://www.conic.org.br/cms/noticias/858-coletivo-inter-religioso-promove-o-3o-
seminario-relacao-estado-e-sociedade, acesso em 24 set. 2014.
146
das pessoas ou que nunca se suficientemente cuidadoso no trato dos demais", apenas
10% dos entrevistados no Brasil (2010) afirmaram que pode, sim, confiar. A mdia no
alta de confiana (31%).160 Noto que isto j significa um aumento, dado que na publicao
de 2003, a taxa no Brasil foi de apenas 4%.161 Nos pases escandinavos, estes nmeros
esto por volta de 75%. O relatrio de Latinobarmetro vislumbra uma possvel razo
pelos nmeros constantemente baixos: confiar em algo [ou algum] que no se conhece
no est de acordo com essa estrutura social parcializada que tm nossas sociedades.162
de reconhecida habilidade - nos bombeiros (64% em toda a Amrica Latina), nos colegas
desconhecidas.163
ver, um dos fatores mais importantes que impede a convivncia mais ampla, mais
democrtica. No Brasil, uma raiz do problema parece-me estar bem identificado nas
pessoa enquanto pertence a uma famlia encabeada por um patro, seja este o pai, o
160
CORPORACIN LATINOBARMETRO. Informe 2010. Santiago de Chile: Latinobarmetro, 2010. p. 72.
Disponvel em http://www.latinobarometro.org. Acesso em 27 jan. 2015.
161
LATINOBARMETRO. Informe Resumen. La Democracia y la Economa. Santiago de Chile :
Latinobarmetro 2003, p. 26. Disponvel em: http://www.latinobarometro.org. Acesso em 27 jan. 2015.
162
Confiar en algo que no se conoce no est de acuerdo con esta estructura social parcializada que tienen
nuestras sociedades; LATINOBAROMETRO 2010, p. 71.
163
LATINOBAROMETRO 2003, p. 27. Existen confianzas al interior de los grupos, segmentos de la
sociedad mientras que no existe confianza entre los grupos, segmentos / redes, ibid., p. 23.
164
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heris. Para uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed.
Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 187-248; A Casa e a Rua. Espao, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5.
ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 65-95.
147
igualdade de todas e todos. Por sinal, ao pesquisar o que mais importa para ter confiana
nas instituies, surge com clareza nas respostas: que tratem todos por igual (50%).165
Para DaMatta, esses sujeitos da lei no seriam culturalmente pessoas, mas indivduos,
mas a partir dos seus direitos e deveres diante da lei - portanto, como cidads e cidados.
As pessoas, por sua vez, vo dizer como Getlio Vargas: Aos meus amigos, tudo; aos
meus inimigos, a lei!. Aplicando esta distino de DaMatta para nosso tema, podemos
concluir que confiana existiria apenas dentro da famlia de pessoas e no fora dela,
onde o ser humano seria abandonado frieza da letra jurdica. O patro chefe numa
hierarquia, ele manda e pode dar e retirar privilgios como quiser. Mas ele tambm o
pai que cuida e protege, portanto, merecedor de confiana. Aqui, a confiana tem um
objeto claro, muito mais ntido do que quando preciso confiar numa massa de
h confiana, falta o fio para costurar a sociedade e dar coeso a ela. Mas o que , afinal,
a confiana?
Confiana uma atitude que se mostra na prpria ao. Apenas ao atuarmos com
confiana quando posso esperar, com certa probabilidade, que o outro ir honr-la. Ao
como posso confiar em pessoas que no conheo? Confiana sempre implica um risco.
Minha experincia e meu saber podem ajudar-me a julgar se uma pessoa desconhecida
165
LATINOBARMETRO 2003, p. 27.
148
confivel ou no. Mais complicada ainda a confiana em pessoas que nunca encontrarei.
pessoas que no sabem mais uma da outra do que serem cidads do mesmo Estado. Neste
caso, muito depende da confiana que tenho no sistema poltico e jurdico do pas para
fazer minha aposta. Confiar sempre significa apostar no outro, pois nunca posso ter
reao e o resultado. Com isto, torno-me vulnervel. Porm, confiana pode gerar
uma obrigao moral no outro para honr-la, pois decepcionar a confiana que algum
investe em mim a pior decepo imaginvel. Faz parte da confiana nos valores aceitos
na sociedade poder contar, sempre e com rapidez, com o primeiro socorro prestado por
outras situaes que implicam certo perigo, adianta-se confiana. A expectativa que
algum me socorra caso eu precisar, e no me deixe sofrer ou at morrer sem fazer tudo
do bom samaritano, no Evangelho de Lucas, que isto nem sempre acontece, e que quem
presta socorro pode ser a pessoa de quem menos se espera esta reao (Lc 10.30-35). Por
outro lado, um velho truque fingir um acidente para aproveitar-se do impulso humano
do passante que corre para ajudar, e roub-lo. Quando isto acontece com frequncia,
diminui drasticamente a disposio das pessoas em ajudar. Desta forma, os ladres que
perigo. Isto, por sua vez, reduz a vontade das pessoas em investirem confiana nas outras.
149
O exemplo do pronto socorro em caso de perigo mostra que as expectativas que
temos das aes de outras pessoas dependem de princpios ticos e regras morais
amplamente aceitos. Invisto confiana porque pressuponho que o outro partilhe comigo
regra de ouro, que diz, na sua formulao bblica no Evangelho de Mateus: Tudo
quanto, pois, quereis que os homens vos faam, assim fazei-o vs tambm a eles; porque
esta a Lei e os Profetas. (Mt 7.12). Este princpio achou respaldo no imperativo
tica mnima, temos exigncias maiores, como indica o prprio Sermo da Montanha
do qual extra a citao da regra de ouro. Aqui temos uma tica maior a ser seguida. Este
um terceiro aspecto da confiana, especfico para quem adere a uma crena ou ideologia
que contenha exigncias ticas. Ao encontrar uma pessoa que segue uma tica maior, essa
tem direito a maior confiana, mas tambm sujeita a maior cobrana. Pessoas exercendo
de alta confiana pela sua funo e proposta de vida que implica uma tica profissional
obrigao. Por isso mesmo, pode ser dada apenas por pessoas que o fazem com
convico. Leva muito tempo para estabelecer um clima de confiana, mas pode ser
destrudo num instante. Uma vez destrudo, muito difcil para ser restabelecido.
Permitam-me citar um exemplo de outro contexto que pode elucidar bem este aspecto. A
166
Uma forma do imperativo kantiano l-se assim: aja segundo uma mxima [regra ou preceito] tal que
possas querer ao mesmo tempo que ela se torne uma lei universal, no original: Handle nur nach
derjenigen Maxime, durch die du zugleich wollen kannst, da sie ein allgemeines Gesetz werde. KANT,
Immanuel. Grundlegung zur Metaphysik der Sitten [1785]. Werke. v. IV, p. 51, trad. minha; cf. KNG, Hans.
Uma tica global para a poltica e a economia mundiais. Trad. Carlos Almeida Pereira. Petrpolis: Vozes,
1999, p. 178s.
150
Comisso de Verdade e Reconciliao, instalada na frica do Sul aps o fim do
apartheid, tentou comear este processo de volta confiana. Ela o fez tornando pblica
conseguir a anistia prevista para quem revelasse a verdade sobre crimes polticos. Mas
Pode ser restabelecida apenas se, pelo menos, um dos atores, por livre vontade, resolver
consequncias desastrosas. Portanto, preciso ler os sinais que possam indicar um perigo.
Obviamente, nem sempre possvel detectar a m inteno da pessoa que requer nossa
confiana. com experincia e um olho atento realidade que nos cerca que aprendemos
a lidar, at certo ponto, com este problema, mas no possvel evit-lo por completo.
Confiana permanece como risco, investimento unilateral, ddiva livre. Concedamos que
drogas e outros criminosos. Muito provavelmente, esta confiana regida mais pela lei
ferrenha que o crime imps do que pela livre vontade dos participantes, mas ainda assim
Evidentemente, visto numa perspectiva mais ampla, esta confiana serve para um fim que
destri em vez de construir sociedade. Portanto, repito, no basta a confiana em si, mas
151
esta confiana precisa ser inserida num sistema maior de valores e princpios ticos que
reconhecidos pela sociedade para que se possa garantir a confiabilidade das pessoas. Na
medida em que posso esperar os outros honrarem minha confiana, estou mais disposto a
sozinho com todo prejuzo. No entanto, se posso pressupor que, a princpio, todos iro
cumprir o necessrio para honrar a confiana, tenho boas razes para confiar nos outros.
Convm encerrar esta parte com uma breve reflexo sobre convivncia. Num nvel
primrio, ela significa simplesmente o fato de que, como seres humanos, no vivemos
sozinhos. Faz parte do nosso ser coexistirmos com outros homens e outras mulheres.
inclusive, um dos aspectos mais prazerosos da condio humana: viver relaes. Portanto,
alm do simples fato de coexistir, preciso buscar moldar e orientar esta coexistncia
que prosperam, especialmente nas periferias das cidades, no fomentam, via de regra, a
de sair da restrio da confiana para com meus familiares, amigos e irmos de igreja
para ser estendida a todas e todos com quem coexisto em determinado contexto, visando
convivncia. Na medida em que esta confiana possa estar baseada em regras e valores
aceitos por todos, sejam estes escritos - na constituio e nas leis - ou de costume geral,
torna-se mais seguro confiar. Mas se a lei vista como a-pessoal, cabendo apenas aos
indivduos perdidos, como nos apresenta Roberto DaMatta, ento no possvel criar esta
confiana sistmica. claro que tal desconfiana tambm est baseada em experincias
152
ruins de geraes para com o poder pblico ausente ou, ele mesmo, repressor e
desconfia sempre do ser humano. Apesar de justificado pelo Cristo diante de Deus, ele
continua pecador, na famosa frmula simul iustus et peccator, ao mesmo tempo justo e
para Deus, e pecador in re, de fato, na realidade, olhando para a humanidade. Esta
postura fez com que muitos acusassem o luteranismo como sendo pessimista. Contudo,
antes de pessimista, realista: vivemos numa situao onde no h como afastar o mal, o
ambiguidade. Ningum aqui puro, anjo ou demnio canta Sandra de S em Bye, bye,
tristeza. H igrejas que tentam fugir disto dizendo que apenas a volta do Cristo trar
algum benefcio para este mundo, e que at l tudo estaria perdido. Outras igrejas fazem
luterana vai num outro caminho. Reconhece a existncia do sofrimento e quer cuidar das
pessoas que sofrem. Com toda desconfiana diante dos seres humanos pecadores, baseia-
palavra que conhecemos de cada culto cristo: Amm! Firme!. O verbo significa
destaque muito grande na Bblia, sendo ligadas prpria f. Sobre ela, Martinho Lutero
167
WILDBERGER, Hans. 'mn, in: JENNI, Ernst; WESTERMANN, Claus. Theologisches Handwrterbuch zum
Alten Testament. 4. ed. Mnchen, Zrich: Chr. Kaiser, Theologischer Verlag, 1984. v. 1, p. 178. Nesta
famlia de palavras tambm se encontram a emuna (fidelidade, sinceridade) e a emet (verdade).
153
Deus designa aquilo de que se deve esperar todo o bem e em que devemos
pois, a que prendes o corao e te confias, isso, digo, propriamente o teu Deus.168
criao apenas abstrata, de longa data, genrica. Faz crer o crente que Deus o criou,
Apostlico:
Creio que Deus me criou junto com todas as criaturas, e me deu corpo e alma,
conserva; alm disto, me d roupa, calado, comida e bebida, casa e lar, famlia,
terra, trabalho e todos os bens. Concede cada dia tudo de que preciso para o corpo
isso unicamente por ser meu Deus e Pai bondoso e misericordioso, sem que eu
merea ou seja digno. Por tudo isso devo dar-lhe graas e louvor, servi-lo e
A f insere a pessoa humana na comunho com Deus, e a partir dela, com outros
nem judeu nem grego; j no h mais nem escravo nem homem livre, j no h mais o
homem e a mulher; pois todos vs sois um s em Jesus Cristo (Gl 3.28). Portanto, a
168
LUTERO, Martinho. Catecismo Maior. In: Livro de Concrdia. Trad. e notas de Arnaldo Schler. 5. ed.
So Leopoldo : Sinodal; Porto Alegre: Concrdia, 1997, p. 394s.
169
http://www.luteranos.com.br/textos/catecismo-menor-martim-lutero, acesso em 23 set. 2014.
154
desigualdades, criando uma nova convivncia entre iguais. notrio que as igrejas, ao
super-las. Isto ficou evidente no conto do grande inquisidor. Mas, pelo menos, elas
convivem com o desafio constante de Deus que chama a uma tica da confiana mtua
(...) vivei a vossa vida de acordo com o chamamento que recebestes; em toda
que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos. (Ef 4.1-4)
Alm de esboar virtudes ticas dignas de nota, o autor desta carta menciona,
Cristo, e um s Deus e Pai de todos. Aproveito para passar, assim, para meu segundo
ponto.
uma das mais ricas. Como toda teologia, uma tentativa de dizer o no dizvel, o divino,
e outras menos. H, inclusive, imagens que se autodeclaram como tal, apontando para o
170
Refiro-me ao quadro de Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669): A sagrada famlia atrs da
cortina que se encontra nas Staatliche Kunstsammlungen em Kassel/Alemanha; cf. BAHR, Petra. Von der
Befreiung der Bilder. In; CAMPI, Emidio; OPITZ, Peter; SCHMID, Konrad (Hg.). Johannes Calvin und die
kulturelle Prgekraft des Protestantismus, Zrich 2012, 45-55, s p. 52-54.
155
conhecida a chamada analogia psicolgica de Aurlio Agostinho: como o ser
humano criado imagem e semelhana do trino Deus, ele refletiria em si esta trindade
compatvel com a posterior definio de Bocio (ca. 480-524): persona est individua
franciscano Ricardo de So Vtor que utiliza como analogia da Trindade a relao entre
quem ama, quem amado e o prprio amor entre eles. Surge aqui uma analogia social,
argumentao na teologia da Trindade elaborada por Leonardo Boff. Ele herdeiro, entre
pensamento, Boff se ope claramente a uma imagem de Deus que denota um monarca
Imprio, Um s Rei. Esta oposio provm das experincias negativas que ele teve com
Retoma Erik Peterson, que concluiu que a implementao plena da teologia trinitria
pelos padres capadcios, no sculo IV, teria rompido radicalmente com qualquer
171
Cf. HILBERATH, 60.
172
FEODOROV, Nikolai F. The Restoration of Kinship Among Mankind. In: SCHMEMANN, Alexander (ed.).
Ultimate Questions: An Anthology of Modern Russian Religious Thought. London and Oxford, 1977, p.
175-223; cf. MOLTMANN, Jrgen. Trindade e Reino de Deus. Petrpolis: Vozes, 2000.
156
reflexos da Trindade) na sociedade humana. Embora tenha sido formulada como uma tese
1935, Peterson de fato quis atingir a teologia poltica de suporte ao Terceiro Reich,
promovida entre outros por Carl Schmitt. Importa acrescentar que aquilo para o qual tanto
Peterson quanto seus seguidores apontam , de fato, menos uma crtica ao monotesmo
do que de uma imagem monrquica de Deus, na medida em que uma crtica teolgica
das constantes crticas dos profetas contra seus reis. O que eles querem enfatizar que
identifica uma religio s do Pai centralizada no patro que detm poder absoluto. Em
plano, onde Jesus seria visto como nosso irmo ou nosso chefe e mestre, constituindo
sublinha que todos os trs aspectos so importantes, sendo vistos como referncias para
conjunto.
s Bispo, Uma s Igreja Local est, pois, errada. A igreja, como sacramento da Santssima
173
BOFF, 1986, 26-29.
157
Trindade, deve ser vista como communio (comunho) e no como potestas sacra (poder
Peterson, Boff afirma que h, sim, vestigia trinitatis que se encontram neste mundo. A
possvel que os seres humanos possam (e, de fato, deveriam) refletir a comunho trina
entre si, numa comunho que respeite diferenas e promova relaes comunitrias: A
humana sonhada pelos que querem melhorar a sociedade e assim constru-la para que seja
descreve como as trs pessoas da Trindade, Pai, Filho e Esprito Santo, ao mesmo tempo
que isso imediatamente abre o acalorado debate sobre o significado concreto de pessoa
facilmente a forma da sociedade humana descrevendo Deus como sociedade, nem induzir
o ser de Deus a partir da sociedade humana. Pessoas humanas esto em relao, mas so
174
Cf. BOFF, Leonardo. Eclesiognese: as Comunidades Eclesiais de Base reinventam a Igreja. Petrpolis:
Vozes, 1977; E a Igreja se fez povo: eclesiognese: a Igreja que nasce da f do povo. Petrpolis: Vozes,
1986; Novas fronteiras da Igreja: o futuro de um povo a caminho. Campinas: Verus, 2004.
175
BOFF, 1986, p. 17.
158
qualidades e, por assim dizer, tarefas, mas sempre como um s Deus, sem
mas analgicas. necessrio enfatizar isso para os dois lados, para preservar Deus como
Deus e os seres humanos como seres humanos. Portanto, se, como Peterson e seus
seguidores afirmam, Deus no deve ser usado para legitimar um governo monrquico, ele
tampouco pode conceder carter divino aos trs poderes da democracia representativa,
como foi sugerido por alguns autores na dcada de 1950, na base dos arqutipos da
enquanto executivo, legislativo e judicirio. Outro exemplo, bem mais velho, mostra a
Constantino IV co-imperadores.177
Deus. O mundo possui uma destinao eterna: ele que ser o corpo da Trindade, em
, portanto, no somente uma relao analgica, no sentido de que o Deus trinitrio seja
um modelo para a sociedade humana e para a igreja, mas tambm uma relao ontolgica.
176
A ponte terica para essa interpretao foi a teoria dos arqutipos de Carl Gustav Jung, que Boff
tambm usa com frequncia; veja MARTI, Hans. Urbild und Verfassung: Eine Studie zum hintergrndigen
Gehalt einer Verfassung. Bern/Stuttgart, 1958; IMBODEN, Max. Die Staatsformen: Versuch einer
psychologischen Deutung staatsrechtlicher Dogmen. Basel, 1959.
177
Traduo prpria: An die Dreieinigkeit glauben wir, drei Kaiser krnen wir, citado em GRESHAKE,
Gisbert. Der dreieine Gott: Eine trinitarische Theologie. Freiburg: Herder, 1997, p. 470, nota 95.
178
BOFF, Leonardo. Nova evangelizao: perspectiva dos oprimidos [1990]. 4. ed. Fortaleza: Vozes, 1991.
p. 63.
159
Filho o universo chega, finalmente, ao Pai.179 J na criao, podemos acrescentar, a
Trindade assume um carter pblico: tudo que existe visto como feito por ela. 180 No
Esprito Santo est presente nos momentos pblicos da igreja: 19 E, quando vos
entregarem, no cuideis em como ou o que haveis de falar, porque, naquela hora, vos ser
concedido o que haveis de dizer, 20 visto que no sois vs os que falais, mas o Esprito de
vosso Pai quem fala em vs (Mt 10.19-20). Em perspectiva escatolgica, tudo vir a
pblico: Portanto, nada julgueis antes do tempo (kairos), at que venha o Senhor, o qual
no somente trar plena luz (photizo) as coisas ocultas das trevas, mas tambm
sua pertena a ele em pblico (homologeo, confessar, assumir), e que nada h encoberto
que no venha a ser revelado (apokalypto); e oculto que no venha a ser conhecido
Vamos agora ver o que isto pode significar para uma esfera pblica contempornea.
179
BOFF, 1986, p. 278.
180
Cf. WELKER, Michael. O Esprito de Deus: Teologia do Esprito Santo [1992]. Trad. Uwe Wegner. So
Leopoldo: Sinodal, 2010. p. 232-279 (A pessoa pblica do Esprito: Deus em meio criao).
181
Aus der ffentlichkeit des Gottesgerichtes ergibt sich auch die Notwendigkeit, jetzt mit dem Glauben
in die ffentlichkeit zu gehen; SCHOTTROFF, Luise. Unsichtbarer Alltag und Gottes Offenbarung. In:
Jahrbuch fr Biblische Theologie, vol. 11, p. 123-133, 1996, p. 131.
160
Um primeiro aspecto central a alteridade. A pluralidade implica diversidade, e a
cada pessoa e seu direito diferena, incluindo a diferena religiosa. Ela preserva o
mesmo tempo, respeitar o mistrio de Deus como trino, unidade na diferena. Desde os
ausente. No revela seu nome, para que ningum possa ter poder sobre ele. Revela-se, na
sara ardente diante de Moiss, como verbo: Eu sou aquele que ser, ou Eu sou aquele
enquanto qual me revelarei (Ex 3.14). um Deus que se mostra presente na histria, o
Deus que libertou seu povo do Egito, mas que no se esgota em sua revelao. Como diria
revelatus, do Deus revelado. Para nossa confiana, importa o Deus revelado, Deus que se
nossas palavras. Do mesmo jeito, a pessoa humana no deve ser objeto de posse de
outrem, nem que seja por parte dos pais, do parceiro, da parceira, da ou do terapeuta. E
por mais que busquemos compreender a pessoa humana, ela sempre permanece como
sociedade civil. No Brasil, ele est implcito na luta por cidadania. Cidadania , em
161
primeiro lugar, o direito de ter direitos em uma situao de apartheid social.182 Em
um sentido mais amplo, como a maioria dos autores o usam, este conceito inclui a real
atitude diante do Estado constitucional como tal, bem como a constante configurao e
extenso da participao dos cidados na vida social e poltica de seu pas. Aspectos da
participao efetiva do cidado esto, pois, se tornando centrais, assim como a cultura
inclusive com um nmero de membros e uma efetiva participao muito maiores do que
qualquer outro tipo de organizao voluntria. Em termos ideais, elas funcionam como
escolas para a democracia, pois formam pessoas dentro de suas prprias estruturas. aqui
que a pessoa humana pode, alm de encontrar ouvidos atentos, afeto e cuidado, tambm
ser includa na comunidade com seus dons e desenvolv-los, aprimorando sua autoestima
transformao aqui.
pensam. Trata-se, tambm, de uma sria falta de confiana na democracia como sistema,
bem como nas pessoas que so portadoras dela, a saber, o conjunto da sociedade. claro
que a experincia histrica no contribuiu muito para dar a impresso de que as coisas
182
DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergncia de uma nova noo de cidadania. In: (ed.).
Anos 90: poltica e sociedade no Brasil. So Paulo, 1994, p. 108, 105.
162
confiana. A confiana, porm, algo que tem que ser investido antes de se saber qual
ser o resultado. Em uma sociedade democrtica, torna-se necessrio confiar nas pessoas
de uma forma bastante abstrata, pois jamais conhecerei a maioria de meus concidados.
Para que a democracia funcione, tenho que pressupor que as outras pessoas tenham um
detm mais poder do que eu, no se mostram dignos de confiana, faz-se necessria uma
razo mais profunda para ainda estar disposto a investir confiana. Esta razo pode ser
Deus visto como trino pode dar boas razes para investir confiana na democracia,
mesmo onde ela for ameaada: Deus mesmo preserva a continuidade em meio a situaes
histricas diferentes, altamente ambguas onde ele se manifesta da forma mais central na
cruz de Glgota, e empodera pessoas para viver suas vidas procurando ser justas, embora
Por fim, um quarto elemento necessrio a coerncia: ter um projeto para o todo
Esprito Santo e no tambm Filho, encarnado em Jesus Cristo, e Pai, como criador. Este
183
Cf. TILLARD, Jean-Marie R. Koinonia. In: LOSSKY, Nicholas et al. (eds.). Dicionrio do movimento
ecumnico. Petrpolis: Vozes, 2005, p. 691-695.
163
e diversidade poderia, se bem-sucedida, representar uma importante contribuio das
igrejas para uma sociedade pluralista. Isto pressupe que os cristos e as igrejas no
primordialmente obter vantagens para suas respectivas igrejas, mas vejam sua misso
metfora da perichoresis, que aponta para um Deus amoroso, dinmico e coerente, pode
essa a dimenso pblica da f trinitria: para a teologia crist, Deus no est alheio
a este mundo, afastado e intocvel, mas ele interage de forma apaixonada com este
mundo. Apesar de ser um mundo que, em muito, se afastou daquilo que Deus pretendeu
para ele, o amor do Deus trino no o abandona. Para tanto, enviou seu filho, Jesus o Cristo,
para revelar este seu amor, torn-lo pblico. O prprio Cristo esvaziou-se do seu ser
obediente at a morte na cruz. Assim, ele revela o amor de Deus: A kenosis de Deus na
cruz do Cristo revela Deus [...] como evento trinitrio, cuja essncia consiste no amor que
184
Apud DABNEY, Lyle. Die Kenosis des Geistes: Kontinutt zwischen Schpfung und Erlsung im Werk
des Heiligen Geistes. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener, 1997. p. 61: Die Kenosis Gottes am Kreuz Christi
offenbart Gott [] als trinitarisches Geschehen, dessen Wesen in der leidenden Liebe besteht.
164
CORPOPROPRIAO EM MICHEL HENRY: O TRABALHO CLNICO
Laboratrio Prosopon
E-mail: maristelavf@hotmail.com
referir-se ao corpo prprio que, em uma relao encarnada e sensvel com a natureza e o
Abstract: The french philosopher Michel Henry has created the concept of
relationship with the nature and with the world transform them and, in this process, in
action, appropriates and transforms himself. The objective of this work is to discuss the
185
Ps- doutoranda no Departamento de Psicologia Clnica, Instituto de Psicologia da USP (CAPES/PNPD).
186
The original term, created by Michel Henry in french, is corpspropriation or corps-propriation
(Henry, 1987).
165
that happens to the therapist who develops his clinical work in the therapeutical
Introduo
como gesto pessoal deliberado, poder de se exercer e de criar, na relao encarnada com
com o prprio Henry (2002, p. 9), em prefcio ao livro de Florinda Martins Recuperar o
rede internacional O que pode um corpo?, entre 2011 e 2013, e Corpo e afetividade:
166
Psicologia USP187. Desse modo, este trabalho, do ponto de vista filosfico, alinha-se
criado por Florinda Martins, nas investigaes acima mencionadas e em suas inmeras
publicaes.
sua obra em dilogo com Winnicott e autores russos, como Dostoivsky, Berdayev e
(2006), posiciona que o atendimento ao paciente, para ser efetivo - preservar ou resgatar
Tomar essa posio e abordar a pessoa em sua condio originria e no apenas como
subjetividade, pois inegvel sua relevncia para clnica, tanto no que se refere
187
Agradeo a superviso de ps-doutorado do Prof. Dr. Andrs Eduardo Aguirre Antnez, que possibilitou
a pesquisa em trabalho conjunto com a Profa. Dra. Florinda Martins.
167
Portanto, o objetivo desse trabalho discutir o conceito de corpopropirao em
Corpo
1985)188.
cartesiano em releituras realizadas por Michel Henry e Jean Luc Marion - o anncio de
Descartes, investigada por Jean Luc Marion: estarei eu de tal forma unido a um corpo
188
Afetaram e limitaram a obra de Freud a influncia dos pressupostos do paradigma hegemnico na
modernidade a ciso entre corpo e psique, a reduo do psiquismo racionalidade e o corpo concebido
metaforicamente como mquina. Embora nos textos da virada ele traga o Id como enraizado no corpo e
reconhea o afeto como central constituio psquica, estes conceitos foram pouco articulados com o
restante do corpo terico, que permaneceu enraizado na perspectiva hegemnica moderna. (Plastino,
2007, citado em Ferreira & Antnez, 2014).
168
Christophe Dejours, em entrevista realizada por Benot Kanabus (no prelo), como
parte das atividades do nosso grupo de investigao coordenado por Florinda Martins a
que quanto mais graves as patologias psquicas, mais a questo do corpo torna-se
indispensvel. Bebendo da fonte do filsofo Michel Henry, afirma que nas neuroses mais
graves e nas psicoses189, o fato de sermos um corpo, de termos um corpo que se prova a
A partir de inmeros casos clnicos, Cotta (2010), em sua tese de doutorado, discute
Donald Winnicott, da perspectiva terica desenvolvida por Gilberto Safra, e de sua grande
Gilberto Safra (no prelo), discute essa contribuio de Henry para a prtica clnica na
189
A esse respeito ver Dejours, C. (2014).O corpo entre psicanlise e fenomenologia da vida. In: Antnez,
Andrs Eduardo Aguirre; Martins, Florinda & Ferreira, Maristela Vendramel (Orgs) Fenomenologia da Vida
de Michel Henry: interlocuo entre filosofia e psicologia, pp. 197-224. So Paulo: Escuta.
190
Neste congresso apresentei em mesa redonda parte de minha pesquisa de ps-doutorado no trabalho
intitulado O corpo em Michel Henry: passagem da afeco para corpopropriao, no qual discuto o
processo de passagem da autoafeco para a corpopropriao. Todos os trabalhos apresentados nesta
mesa sobre Michel Henry sero publicados em conjunto posteriormente.
169
fenomenologia da vida de Michel Henry e a psicologia clnica. Afirma a relevncia de
considerarmos a questo do corpo nesta perspectiva, tanto para compreenso dos quadros
denomina-o carne. A carne que sempre carne de algum. Lida com o corpo da
poderamos considerar, de certo modo, neutro do ponto de vista espiritual, ela se oferece
Desse modo a corporeidade para Michel Henry no diz respeito uma imagem
corporal projetada, nem uma ideia para ser pensada. O corpo no sua representao,
o ego (Henry, 2012, p.21). Ego que se desenvolve a partir do Eu, ipseidade originria
doada na Vida (Henry, 1963). A partir de Biran, Michel Henry nos mostra que a revelao
170
totalmente interior, do meu corpo prprio. O sentimento de esforo acontece quando
corps, 1965, Michel Henry postula que somos seres do movimento subjetivo e em
corpopropriados.
da vida: nossa essncia se manifesta como afetividade em nosso corpo. Nas afeces e
que atravessa os processos bioqumicos constitutivos do nosso viver. A autora tece uma
referente aos processos bioqumicos, ficando suas leis sujeitas ao domnio das cincias
Corpopropriao
apropriao que o corpo, por meio do trabalho vivo, faz do mundo, transformando-o.
mas a si mesmo.
171
Nesse sentido, o saber-fazer (tekhne), a possibilidade, em princpio, da ao, e
desse modo, de toda ao concebvel, reside na prxis, encontrando sua essncia na vida
prxis teraputica que se efetiva na relao entre terapeuta e paciente - funda-se na vida
e realiza-se por intermdio de uma relao corpopropriada com o outro e com a natureza.
mutuamente.
Michel Henry, assumindo um papel cada vez mais determinante. Ele responde
aparecer no mundo (p. 101). A partir do pensamento de Henry e fiel a ele, Christophe
trabalho.
Dejours (2012a), afirma que este corpo subjetivo, constitudo a partir do biolgico,
no qual est engajada tambm a relao com o outro: gestos, mmicas, suores,
sensibilidade do outro [...] E bem este mesmo corpo da experincia a mais ntima
172
a partir do instante em que ela se dissocia aparece o espectro da doena mental. A
dificuldade reside no fato de que, para haver corpopropriao, necessrio que a pessoa
possa ser habitada pelo sofrimento do trabalhar, da resistncia e das evases do mundo
ao seu poder e ao seu domnio. Longe de simplesmente ser limitado ao tempo dispensado
trazer realizao. Ela ocorre por meio do corpo, do sentir, em todos os tipos de trabalho,
desde o funcionrio da fbrica, que desenvolve intimidade com a mquina que opera e a
por intermdio da corpopriao, ocorre no labor desse profissional. Ela diz respeito uma
mas quando se acolhe as afeces que ocorrem em seu prprio corpo no encontro com
191
No contexto desse artigo terepeuta refere-se ao profissional que faz atendimento clnico, ou seja, o
psiclogo, psicanalista ou psicoterapeuta.
173
um vnculo e o estabelecimento de um ambiente teraputico suficientemente bom para
relacionava-se melhor com as outras crianas e com a famlia (Ferreira e Antnez, 2014a).
movendo-me com ele, dar sustentao e condies para a modalizao de seus afetos, de
sofrimento pudesse ser modalizado em fruio de si. Neste processo, difcil, vivido na
e Antnez, 2014a).
A atitude teraputica de ser presena real para o paciente, como discute em seu
trabalho Vera Marinho Carvalho (2001), s possvel de ser colocada em prtica de forma
pertence-me porque me aproprio de mim no trabalho que fao; o que no trabalho lhe
implica-me nele!
174
Portanto, o terapeuta que trabalha de modo sensvel o faz por meio de seu corpo
acolher os sentimentos e as sensaes em seu corpo e pode agir e criar a partir deles na
relao teraputica. O paciente, por sua vez, apresenta suas paixes, seu sofrimento e sua
alegria tambm em seu corpo, um corpo com poder de sentir, de se exercer e de criar, ou
corpo, que subjetivo, carne, que eu sou, e na relao intercorprea com a alteridade e
2013).
seguidas por Dejours (2012), poderamos dizer que o trabalho realizado pelo terapeuta,
na relao com seu paciente, pode ser considerado como uma prxis corpopropriada, que
trabalho (p.27).
produo de conhecimento.
corpo e diz respeito s condies e maneiras como nos apropriamos do mundo como
175
particular de comunicao que no passa pelas palavras, nem por discursos constitudos,
mas por uma simbiose com o mundo e com a resistncia que este ltimo ope aos poderes
que passa primeiro por uma corpopropriao do mundo a condio sine qua
Decartes e prevalece at os dias de hoje. Florinda Martins (2014a) reitera que o resultado
apenas exclui o sensvel da racionalidade cientfica, com ainda a institui como nica
cientfica nas reas da psicologia e psicanlise. Vamos tomar, como exemplo, o trabalho
de Gilberto Safra, que embasa este artigo. Safra parte de Winnicott - mantendo
176
vida, no sofrimento e fruio, nas vivncias clnicas coms seus pacientes, na sensibilidade
Gilberto Safra, a partir de seu trabalho clnico e cientfico, demonstra que a cincia
Portanto, no mera reproduo mas criao, um saber fazer e um saber como fazer que
constitudas no afeto193.
relao com o mundo, a natureza, o trabalho. No somente controle e poder. Diz respeito
Para finalizar, ressalto a relevncia das noes de corpo postuladas por Michel Henry
sentidos como esforo, e que nos possibilitam a percepo de nossa existncia em nosso
Referncias
192
Como podemos verificar em seus livros A po-tica na clnica contempornea, A face esttica do self e
A hermenutica na situao clnica (Safra, 2004; 2005 e 2006).
193
Termo cunhado por Florinda Martins e discutido no Colquio Internacional Michel Henry na
Universidade Catlica Portuguesa em Lisboa, 2012.
177
Carvalho, Vera Lcia C. Marinho (2001). Atitude teraputica: a pessoa real do analista
Andrs Eduardo Aguirre; Martins, Florinda & Ferreira, Maristela Vendramel (Orgs)
sentimento como os outros? In: Antnez, Andrs Eduardo Aguirre; Martins, Florinda &
Ferreira, M.V. & Antnez, A.E.A. (2013). Intersubjetividade em Michel Henry: relao
teraputica. Revista da Abordagem Gestltica Phenomenological Studies, XIX(1), 92-
96.
Ferreira, M.V. & Antnez, A.E.A. (2014). O corpo na clnica da modalizao do afeto.
178
Aguirre; Martins, Florinda & Ferreira, Maristela Vendramel (Orgs) Fenomenologia da
pp.273-290.
Henry, M. (2001). Encarnao: por uma filosofia da carne. Lisboa: Crculo da Leitores.
Henry, M. (2002). Prefcio. In. Florinda Martins, Recuperar o humanismo para uma
Andrs Eduardo Aguirre; Martins, Florinda & Ferreira, Maristela Vendramel (Orgs)
Andrs Eduardo Aguirre; Martins, Florinda & Ferreira, Maristela Vendramel (Orgs)
179
Fenomenologia da Vida de Michel Henry: interlocuo entre filosofia e psicologia. So
Plastino, C.A. (2007). Winnicott a fidelidade da heteredoxia. In: Bezerra, Jr., Ortega, F.
& Plastino, C.A. (orgs) Winnicott e seus interlocutores. Rio de Janeiro: Relume Dumar.
Safra, G. (2004). A po-tica na clnica contempornea. Aparecida, SP: Ideias & Letras.
Safra, G. (2005). A face esttica do self: teoria e clnica. Aparecida, SP: Ideias & Letras:
Safra, G. (no prelo). A Contribuio de Michel Henry para a prtica clnica na atualidade.
Psicologia da USP.
180
PSICANLISE E LITERATURA: VISITANDO IMRE KERTSZ
E-mail: josecotta@usp.br
Mia Couto
Resumo - Neste trabalho abordarei uma questo que identifico estar presente
(por desterro humano refiro-me, no ao exlio provocado por situaes polticas, nem por
Prmio Nobel de Literatura de 2002. Mencionarei que a questo do desterro humano est
diretamente relacionada busca sem fim pela identidade, e irei expor minha hiptese de
194
Ps-Doutorando do Departamento de Psicologia Clnica do Instituto de Psicologia Clnica da USP, sob
superviso do Prof. Titular Gilberto Safra. Doutor em Psicologia Clnica USP, Bolsista da FAPESP e
membro do Ncleo de Pesquisa e Laboratrio Prosopon do Departamento de Psicologia Clinica do
Instituto de Psicologia da USP, coordenado pelo Prof. Titular Gilberto Safra. Tem artigos publicados em
livros e revistas nacionais e estrangeiras, conferencista em seminrios e congressos no Brasil e no
exterior.
181
que o desterro humano no da ordem da psicopatolgica, mas, isto sim, uma questo
Abstract: In this work, I shall bring up a question that I identify to be massively present
at our contemporary clinical experience: the human exile (as human exile I am referring
not to the exile provoked by political situations, nor to migrations derived from wars or
individual, originated by sensations of not belonging to the human race as well as not
being bounded to: oneself, his body, his family, his community, his country and to
the word in general), through a dialog between the clinical experience and the literature
of Imre Kertsz, a Hungarian author and the 2002 Literature Nobel Prize. I shall mention
that the issue of the human exile is directly related to the endless quest for identity, and I
shall expose my hypothesis that the human exile does not belong to the psychopathology
field, but is inherent to the human nature, to the human condition as well as to the ontology
Introduo
mencionar a relao entre a literatura e a psicanlise, bem como dizer algumas palavras
182
Literatura e Psicanlise
Psicanlise. Haveria muito o que se dizer sobre esse tema, mas restringindo-me aos
objetivos desse trabalho, ressalto o fato de que Freud se utilizou de diversos textos
literrios para desenvolver e, mesmo, legitimar muitos dos conceitos que criou, inclusive
a parte metafsica de sua obra, como nos demonstram Pontalis & Mango (2012/2013, p.
Freud reconheceu que muito dos fenmenos que observava na clnica j tinham
sido anteriormente descritos por escritores. Em alguns casos, dcadas e mesmo sculos
parricdio,196 teve seu desenvolvimento tambm apoiado em uma obra literria, Os irmos
Karamazov, de Dostoievski. Nesse texto de 1928, ele, inclusive, aborda as diferenas que
entende existir sobre a noo do parricdio nessas trs citadas obras desses autores.
Fica evidente o grande valor que Freud (1976 b) dava aos escritores quando
formula
levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas
entre o cu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda no nos deixou sonhar.
195
Cf. Freud, 1976 a; 1987.
196
Cf. Freud, 1961.
183
O que a Literatura? Qual sua funo?
Caberia, agora, perguntar: mas, o que a literatura, qual sua funo? Para
Zaffari & Bourbon de Literatura de 2009; o segundo, Jos Castello, laureado com o
Prmio Jabuti de 2011, pelo seu livro Ribamar, uma espcie de Carta ao pai, de Kafka,
do sculo XXI. Professor de literatura, crtico literrio e articulista do caderno Prosa &
Verso do jornal O Globo, dele, citarei excertos retirados de algumas de suas colunas
Nasci no exlio, e por isso sou assim, sem ptria, sem nome. Por isso sou slida,
spera, bruta. Nasci longe de mim, fora da minha terra mas, afinal, quem sou
quando caminha em outra. Tateia [...] em busca de algo que no consegue pegar.
184
A partir dessa ignorncia de si, o escritor [...] segue em busca de uma identidade
que teima em lhe escapar e, por fim, se d conta de que um dndi um lorde-
uma prosa que o preencha. Tudo o que lhe resta seguir em frente. A criao se
(p.5).
O que a poesia? Como defini-la? De onde, afinal, ela vem? O verso um doido
cantando sozinho./ Seu assunto o caminho. E nada mais!/ O caminho que ele
O poeta arremeda [...] a sina de Arthur Bispo do Rosrio, o artista que se sentia
obrigado a colecionar uma pea de cada coisa existente para que elas
memria em farelos, com mais coisas trancadas do que abertas. (p. 5).
de Eliane Brum, Castello (2014) destaca a seguinte frase da autora: A palavra escrita me
encaixou em um corpo onde eu podia viver. O corpo-letra. Sobre essa obra, comenta:
Toda histria contada um corpo que pode existir. uma apropriao de si pela
remendar aquilo que no tem conserto. {...] funciona como uma cola que vem
185
Em outro artigo em que reflete sobre a poesia, Castello (2013 a) nos diz:
um deserto imenso que ele, enfim, [...] torna-se dono de si, mesmo sabendo que
este si, na verdade, no lhe pertence. Ele s uma pequena rolha com a qual ele
agasalha. Mas preciso no esquecer: por mais vasta que seja a rede, ela sempre feita
de furos.
Nos furos, o vazio. Nos furos, o lugar em que o poeta se posta e se apresenta [...]
O vazio, o poeta nos diz, s uma construo que nos agarramos. s uma
186
O desterro na clnica
[...] comunicado pelos pacientes das mais variadas formas: em suas vivncias
de se perceberem como que falando de fora do corpo - como uma outra pessoa
-, bem como quando diante de situaes em que se sentem ameaados, nos dizem
Ainda nesse trabalho, digo que como se me deparasse com casas vazias, onde
o morador evadiu-se. Sumiu e ningum sabe para onde. De vez em quando, ele volta,
habita a casa e depois se vai, de novo. So como corpos sem alma, sem mente, sem
psique.
o corpo que se esvai, se vai. S h o morador de uma casa inexistente, que perambula
por ruas vazias, algumas vezes sombrias e ftidas, outras vezes, ele nos surpreende com
est sempre a se viver como um homeless. No tem para onde ir, no tem para onde
voltar. Estou deriva, conta-me um paciente. O que est deriva a identidade pessoal,
o sentido e o destino da existncia, assim como bem o explicitou uma paciente: No sei
197
A questo do desterro humano e sua relao com a corporeidade na clnica contempornea foi por
mim desenvolvida extensamente em minha tese de doutorado. Cf. Cotta, 2010.
187
quem eu sou, no sei o que fazer, no sei para onde vou.
literatura especializada que abordam esse tema, ainda que assim no o denominem, como
uma questo da ordem da psicopatologia, mas, sim, inerente mesmo condio humana,
198
Nancy J. Bothne e Rebecca Rojas apresentaram, respectivamente, os trabalhos Immigration to the
United States: Experiences of Survivors of State-Sponsored Torture e Immigration Psychology: Anti-
immigrant Attitudes in the United States and the Impact on Latino/a Families, em Abril passado, no
Seminrio Psicanlise e Literatura: Visitando Imre Kertsz, realizado no Instituto de Psicologia da
Universidade de So Paulo USP, organizado por mim e pelo Prof. Titular Gilberto Safra. Seus trabalhos,
bem como os demais apresentados no referido seminrio, esto sendo por ns organizados, visando sua
publicao em e-book.
199
Cf. Lacade, 2011.
188
incessante pela identidade e da importncia fundamental do outro para a constituio do
literatura psicanaltica.
humano est poeticamente explicitada, com o objetivo de poder demonstrar que a leitura
Heureca o ttulo que Imre Kertsz deu a seu pronunciamento por ocasio do
recebimento do Prmio Nobel de Literatura de 2002, publicado em seu livro que tem o
sugestivo ttulo de A lngua exilada (Kertsz, 2004). Ele, assim, inicia seu discurso:
Devo comear com uma confisso, talvez estranha, mas sincera. Desde que
minhas costas; e mesmo neste momento solene, quando me vejo como foco das
atenes, eu me sinto mais prximo desse observador frio que do escritor cujo
trabalho, de sbito, lido em todo o mundo. S posso esperar que a fala que terei
Em suma, eu morri uma vez, para que pudesse viver e talvez seja essa a minha
verdadeira histria. Se assim for, dedico meu trabalho, nascido da morte de uma
criana, aos milhes que morreram e a todos os que ainda se lembram deles.
189
entender da Academia, tambm testemunho, ela ainda pode ter utilidade no
futuro, e e este meu desejo poder mesmo servir ao futuro. Porque sinto que,
Kertsz dedica seu ofcio a desvelar a condio humana. Esse escritor Hngaro
faz de sua obra uma reflexo sobre a existncia, a morte, a identidade e a escrita. Diz ele
(Kertsz, 1979/2007):
Embora tenha me criado no nada e tenha aprendido desde pequeno com a pura
razo, ou antes, com o meu senso comum a adaptar-me ao nada, mover-me e achar
meu caminho dentro dele, pois ele representava para mim a vida, na qual eu
deveria saber me virar, coisa que, sendo um menino, no foi mais difcil do que
Birkenau, Buchenwald e Zeitz, para onde fora deportado aos quinze anos; no ps-Guerra,
novamente a experincia de ser tratado como coisa, desta feita, sob a ditadura comunista
da Hungria; no mbito das relaes objetais, viveu sob o domnio de um pai autoritrio e
de uma famlia cnica. Em Liquidao (Kertsz, 2005), outro ttulo tambm muito
190
Vivemos na era das catstrofes, todo homem portador da catstrofe, e para a
meio social terrvel o Estado, a ditadura, chame-o como quiser o seduz com a
nele exploda o caos como um giser fervente e a partir de ento o caos se torna
sua morada. Para ele, j no existe retorno a um ponto de equilbrio do Eu, a uma
notvel a semelhana entre tudo isso e a resposta que Silenos foi obrigado a dar
ao rei Midas: ... A melhor coisa para voc seria no ter nascido, no ser nada. A
segunda melhor coisa, porm, seria morrer o quanto antes. (p. 139).
livro com um retumbante No!. Nessa obra, ele explica suas razes para negar-se a ser
pai, ainda que ao preo da enorme dor de separar-se de A., sua mulher amada. Nesse
texto, ele expe sua viso de que Auschwitz, a ditadura comunista hngara e sua famlia
de judeus ortodoxos se igualam no que diz respeito a tratar o outro como nada, como
191
J em Eu, um outro (Kertsz, 1979/2007),200 uma espcie de autobiografia em que
relata suas muitas viagens, mas no como um mero turista, e, sim, num certo sentido,
como um pesquisador da condio humana, diz ser um eterno exilado, more onde morar,
esteja onde estiver. Fala-nos que no tem ninho; que tem ptria, mas no a tem:
diferente ser sem ptria em seu prprio pas e s-lo no estrangeiro, onde
justamente essa falta de ptria pode nos levar a encontrar um novo lar. (p.88)
Vivo como um exilado. Nesse nico aspecto vivo corretamente: sou um exilado.
(p. 75)
Kertsz sabe que tem lngua materna, mas sua lngua estrangeira:
A lngua sim, ela a nica coisa que me mantm ligado a ele. Como estranho.
Essa lngua estrangeira, minha lngua materna. Minha lngua materna, que me
Ele se pergunta quem sou eu?, mas sabe que no possvel responder tal
pergunta:
Que tipo de judeu sou afinal? Nenhum. H muito tempo no estou mais procura
de minha ptria, nem de minha identidade. Sou diferente deles, sou diferente dos
200
A respeito desse livro, h uma excelente critica elaborada por Tatiana Salem Lev. Cf. Lev, 2008.
192
s vezes, quase tenho que me arrancar do refgio sossegado do meu anonimato,
quando ouo falar ou vejo escrito o nome I. K., mas sei que nunca vou me
Ento, vou contar para vocs: tenho uma nica identidade, a identidade do
Ele termina seu anteriormente citado livro Eu, um outro, assim explicitando o
algum que perdeu seu caminho e, entre passado e futuro, escapuliu do tempo.
Mais tarde, vou me reerguer penosamente dessa queda e seguir a voz persistente,
a palavra que, por detrs dessa neblina cinzenta que me circunda agora, me chama
para viver de novo. Neste momento, porm, no sei de nada, no entendo nada,
estou, por assim dizer, no limiar da vida e da morte, com o corpo inclinado para a
frente, em direo morte, com a cabea ainda voltada para trs, em direo
vida, com o p que se levanta, hesitante, para dar um passo. Em que direo ir?
No importa, porque aquele que dar o passo, no ser mais eu, ser um outro....
(p. 173)
193
Concluso
principais hipteses:
Safra (2014);201
desenraizamento humano.
um dos maiores compositores do sculo XX, cuja trajetria de vida tem semelhanas com
a de Kertsz: filho de uma famlia judia, sua me escapou de Auschwitz, mas nem seu
pai, nem seu irmo tiveram a mesma sorte. Perseguido e proibido de executar suas
intitulado Luz eterna, cantada a 16 vozes, por A Capella Amsterdam, Daniel Reuss e
201
Informao verbal fornecida por Safra, em So Paulo, em 2014.
194
Referncias
Arendt, H. (1963/1994). Eichman in Jerusalen: aspects on the banality of evil. New York:
Penguin Books.
complete psychological works of Sigmund Freud (J. Strachey, trad., Vol. XXI, pp. 177-
196). London: Hogarth Press and the Institute of Psycho-Analysis. (Trabalho original
publicado em 1928).
Sigmund Freud (J. Salomo, trad., Vol. XVI, pp. 375-395). Rio de Janeiro: Imago.
brasileira das obras psicolgicas completas de Sigmund Freud (J. Salomo, trad., Vol.
IX, pp. 19-85). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1907).
195
______. (1987). A interpretao dos sonhos (Parte I). In S. Freud, Edio standard
brasileira das obras psicolgicas completas de Sigmund Freud (J. Salomo, trad., Vol.
IV, pp. 15- 363). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1900).
______. (1990/2002). Kaddish, por uma criana no nascida. (Paulo Schiller, trad.). Rio
de Janeiro: Imago.
Letras.
das Letras.
Pontalis, J.-B. & Mango, E. G. (2012/2013). Freud com os escritores. (Andr Telles,
196
A CONTRIBUIO DE PAVEL FLORENSKY PARA A SITUAO CLNICA.
Gilberto Safra
E:mail: iamsafra@usp.br
fenomenolgico, que busca colher as experiencias que aparecem no espao clnico sem o
antropolgico utilizado o do homem que tem o seu fundamento no gesto criativo, que
enraizado na liberdade que acontece como desamparo diante de sua existencia. O texto
197
PAVEL FLORENSKY CONTRIBUITION TO THE CLINIC SITUATION
Abstract: This work approaches the clinical situation, without using metapsychology as
seeks to collect the experiences that appear in the clinical situation without excessive
theorizing, with the aim of assisting the establishment of the patients sense of self. The
anthropological model used is the conception where man has its foundation in the creative
gesture that opens the possibilities of being and existence. Man is rooted in the freedom
that happens as helplessness in the face of his existence. The text discusses the
Florenskys contribution presented in his book entitled The Reverse Perspective, using it
unveiling of different aspects of reality, giving access to depths that are not always the
linear perspective allows observing. As regarding the reverse perspective in the clinical
situation, the paper presents the following aspects: the existence of multiple centers,
coexistences of different plans, and the organization of the composition organized to the
O setting compreendido como espao no qual o cuidado torna-se elemento que orienta
o trabalho a ser realizado, para que experincias constitutivas possam acontecer. Claro
202
Winnicott, W. D. Playing and Reality. London, Tavistock, 1971.
198
est que, nesse vrtice, no se est privilegiando o insight, mas sim o acontecimento que
A fim de que esse trabalho possa ser realizado, temos um modo de abordar a
paciente.
criativo, que ao abrir possibilidades existencias para a pessoa, tambm forma a sua
possibilidade de ser. Homem enraizado na liberdade que se oferta a ele como desamparo
diante de seu existir e de seu destino. A pessoa aqui habitante da fronteira entre mundos,
cu e a terra, etc.
meio de seu gesto criativo, que o coloca em direo ao futuro. A pessoa tem suas raizes
no passado e busca alcanar o futuro, onde situa o sonho ltimo que acalenta a sua morte.
O nosso modo de ser se caracteriza por um contnuo devir. Somos seres que
aspiram o absoluto e que ao longo do caminho sonham com a realizao do que dormita
cada pessoa existem as facetas de si mesma que se constituram por meio do encontro
199
e a evoluo das facetas de seu modo de ser, que no chegaram a acontecer por meio de
um encontro com outro ser humano, condio necessria para que se coloque em marcha
A cada vez que um determinado aspecto emerge e que, potencialmente poderia vir
a ser constitudo na relao com o outro, a pessoa como que experimenta, novamente,
s de seu estilo de ser, mas fundamentalmente da vocao que o constitui. A sua vocao
nasce dos atravessamentos que foram vividos pela pessoa, que aconteceram como aflio
que singulariza o paciente e que lhe d o saber singular sobre a condio humana. Pavel
Pavel Florensky foi fsico, matemtico, poeta, pintor, telogo. Para ele, haveria
viviente. As diferentes ciencias seriam para ele diferentes linguagens para abordar a
203
Florensky, P. A perspectiva inversa, So Paulo, Editora 34, 2012.
200
Nesse texto, quero abordar a contribuio que Florensky apresentou como a
situao clnica. Para apresentar e discutir essa modalidade de perspectiva, ele se utiliza
da iconografia crist ortodoxa, a qual composta por meio da perspectiva inversa, que
sobre uma superficie plana. Toda arte no pode, para ele, ser considerada naturalista, ela
sempre simblica. Isso significa que sendo a arte um smbolo aponta para um mais alm.
Para ele, a tarefa da pintura no seria duplicar a realidade, mas desvelar um significado.
Florensky afirma que a perspectiva linear cria, de fato, uma obra ilusionista, que
cria um cenrio sem que um significado transcendente pudesse se mostrar atravs dela.
Segundo esse autor, a obra de arte tem a possibilidade de nos unir com realidades que so
inacessveis aos nossos sentidos. Florensky acredita que a persperctiva inversa permite o
diferentes planos, a organizao do desenho que converge para o olhar das pessoas que
contemplam a obra.
converge para o olhar do observador. Isso ocorre, pelo fato de que a realidade vista
201
fundamental ser necessrio abrir o espao para a perspectiva dialgica. Essa faceta da
realidade, fundamental para a situao clnica, pois tudo o que acontece no espao
ser implicitos nos entes representados. Na perspectiva inversa cada um desses elementos
so como que vistos em todas as suas dimenses, por todos os lados. Esse modo de
cosmoviso.
Claro que esse modo de olhar a obra ou uma sesso nos oferta possibilidades de
atentos ao discurso, ao conjunto da sesso como evento apresentativo, mas cada pequeno
gesto, evento, ou coisa abre dimenses do ser do paciente que, uma vez acolhidos permite
por meio dela percebemos diferentes facetas, que compe a realidade. Ao longo de meus
evento. No entanto, Florensky nos alerta que cada registro de realidade tem subjacente
202
outros registros de realidade diferentes do primeiro, de modo tal, que cada registro mais
profundo de realidade, acolhe o registro anterior e ao mesmo tempo o supera. Esse aspecto
realizar abstraes, mas tambm o posicionar-se diante do self potencial do paciente que
de algum. Esse ltimo aspecto tenho abordado em meus textos quando afirmo que cada
singularidade.
A escrita de um cone compreende esses diferentes principios, pois por meio deles,
o icongrafo busca por meio de seu trabalho assinalar o ser daquele que ele procura
representar. Por essa razo, o cone nunca um retrato, mas sim desvelamento do mistrio
que a pessoa. O trabalho clnico procura realizar a mesma tarefa, ou seja, acompanhar
o paciente, com a esperana de que o seu ser possa se atualizar, no seu caminho pela
existncia.
pessoa!
203
PAVEL FLORENSKIJ: O PENSAMENTO COMPLEXO E A PSICOLOGIA
E-mail: marciovisconde@yahoo.com.br
tornam-se ocasio para que ele pudesse refletir pela ltima vez sobre aquelas intuies
originais que estavam na base do seu projeto sobre o pensamento integral. O artigo
carcerria. O objetivo principal ser apresentar as cartas do gulag como uma obra que
PSYCHOLOGY
204
Professor Adjunto no Programa de Ps-Graduao em Teologia da PUCPR.
204
Abstract: P. A. Florensky (1882-1937), Russian scientist and thinker, recognized for his
multifaceted interest in the field of knowledge, was one of the defenders of the need for
a thinking able to approach and describe reality in its multiform complexity. The eloquent
decides to arrest Florensky and take him to a concentration camp, the letters written to
his relatives become an occasion when he could reflect for the last time about those
original intuitions that were at the basis of its project on "integral thought". The article
aims to show how this particular intention is present in the prison correspondence. The
main objective will be to present the letters of the Gulag as a work that manages to achieve
the ambitious and always current Florensky's project in a lucid and exemplary manner,
demonstrating its functionality even in dramatic and prohibitive conditions of life and
work.
Introduo
da tradio ortodoxa russa e, por outro, a uma determinada sensibilidade cientfica que
205
S. N. Bulgakov; N. A. Berdjaev; L. P. Karsavin; P. A. Florenskij, Frank e V. Losskij
procuraram uma fundamentao ontolgica para pensar a experincia humana. Para eles
repensadas. Para aqueles que elaboravam uma teologia e filosofia dentro da tradio
eslavfila os motivos de tal interesse devem ser procurados na tendncia destes autores
alma russa.
econmica e ecolgica. Para Safra o estudo das intuies destes autores principalmente
os russos fornece os elementos para a realizao de uma clnica na qual o analista possa
vida, de vazio existencial, de morte em vida (SAFRA, 2005, p. 13). A reflexo sobre o
206
1. A originalidade de Pavel Florenskij: o modelo de um pensamento
complexo
pensamento de Florenskij como parte de um projeto de pesquisa que vem sendo realizado
tais como a antropologia, a teologia, a filosofia, para que o clnico investigador possa
abarcar a complexidade do fenmeno (SAFRA, 2012, p. 289). Desse modo, Safra tem
sculo vinte, como tambm, em tom proftico, os problemas de nosso tempo, em que
humana, explicitando o ethos. Para realizar esta tarefa criam uma obra resistente
vrtices literrio, filosfico, poltico e religioso. (...) Esses autores escreveram obras
207
em que o ethos humano se explicita em seu registro ontolgico. (SAFRA, 2004, p.
33).
maiores pensadores russos do sculo XX, chamado de Pascal ou Leonardo da Vinci russo
(ZAK, 2002; 1998). O pensamento e a obra deste matemtico, filsofo, critico de arte e
telogo ainda pouco conhecido no ambiente acadmico brasileiro. A sua obra reflete
tanto a experincia feita como cientista quanto telogo ao buscar a verdade e a beleza a
partir das fontes, sobretudo no tesouro de sabedoria da Sagrada Escritura e dos padres da
Igreja. De fato, para Florenskij nenhuma frmula, definio racional ou sistema fruto da
1998, p. 67). Logo depois de terminar com grande sucesso seus estudos na prestigiosa
me dizendo que ele e seus amigos queriam se empenhar em encontrar as bases para
realizar o dilogo entre a f e a razo, entre a teologia e a cincia: Vou chegar sntese
entre a cultura eclesial e a cultura leiga e estar plenamente unido a Igreja, eis um dos mais
ambiente intelectual da russa da poca. Uma figura que, por sua vez, mostra-se aberto
208
Se uma das finalidades da concepo filosfico-cientfica do mundo a contabilidade
cada uma das suas partes, ento o objetivo da experincia cientfica (entendendo esta
realidade, de coloc-los em destaque e delimitar os seus confins. Mas para fazer este
trabalho de separao, a conscincia deve poder dispor de algo sobre o qual poder
operar e este algo que j est presente no esprito. Este algo no dado
teolgica radicada no terreno da gnosiologia. Para ele a amizade no sentido cristo mais
indispensvel da vida:
recproca, vital das pessoas que se amam. A comunho da amizade a fonte de sua
cristos recebem da vida comum, escrevia aos Efsios: estejam atentos a se reunir
209
mais frequentemente para agradecer e louvar a Deus porque quando vocs esto
Aqui ele nos est dizendo que a comunidade do amor no deve limitar-se a uma ideia
Pode-se, portanto, dizer que a concepo que tem o pensador russo sobre a
cientficas esto permeadas pela sensao do mistrio presente na realidade que, por sua
vez, e, portanto, nos fazem pensar na experincia de correspondncia vivenciada pelo ser
humano entre ele e a natureza porque natureza e homem podem ser partes de si mesmos
percepo do real deve ser compreendida luz da teoria do smbolo que Florenskij (2007;
2003) elabora e considera fundamental para o seu pensamento. Segundo nos diz o
estudioso Zak (2014, p. 27) tal teoria diz que tudo o que aparece, isto , o fenmeno, no
outra coisa seno a porta na direo de algo ainda maior, que est alm, o noumeno.
Algo que realmente presente no fenmeno, fundando o seu ser (enquanto fenmeno) e
dando-se a conhecer por meio dele. Tal teoria v no real um conjunto de inumerveis
tem o seu fundamento naquele escondido que est alm deste e do qual aquele mais na
210
concepo que exige a ateno no exame da realidade. Em outros termos, necessria
uma atitude de empatia gnosiolgica para saber escutar os sons da profundidade de tudo
o que existe. Assim, para Florenskij ter a capacidade de aproximar-se do ritmo da vida
relao vital.
2. As cartas da priso
luz das recentes pesquisas em arquivos aparece evidente que o elenco dos
Pavel A. Florenskij205, fuzilado pelo regime em 1937 com a acusao injusta de ser um
foi j traduzido em lingua espanhola206 e, antes ainda, apareceu na Itlia207, onde encontra
um enorme sucesso editorial e est sendo buscado por leitores de todas as idades, credos
sntese de toda obra de Florenskij. Trata-se de uma espcie de canto do cisne, nas quais
205
As cartas foram publicadas em P.A. FLORENSKIJ, Soinenija v etyrech tomach (Obra em quatro volumes),
Mys, Moskva 1998.
206
P.A. FLORENSKIJ, Cartas de la prision y de los campos, EUNSA, Navarra 2005.
207
A traduo italiana de uma parte das cartas encontra-se em P.A. FLORENSKIJ, Non dimenticatemi. Le
lettere dal gulag del grande matematico, filosofo e sacerdote russo, publicada por Oscar Mondadori,
Milano, e em 2013 chegou a stima edio.
211
da primeira metade do sculo XX, empenhando-se na busca por um remdio para a fora
manter-se fiel aos laos mais originais das relaes afetivas com os seus amados
do homem moderno que estava como que entregue ao seu prprio sentir e querer, enfim,
Faz tanto tempo que no tenho tuas notcias...Aqui, ainda que possa parecer
estranho, tenho uma srie de imagens impressas ligadas ao Caucaso: aquelas dos
rostos, das linguas e da natureza (...). A minha memria visiva, ainda que dbil
com relao a infncia, ainda muito forte, de forma que vejo claramente dentro
de mim o teu rosto. (...) somente por meio de vocs passa o fio que me liga vida,
tudo o resto me interessa somente com relao a vocs. E isto pode parecer
poder estar com vocs. (....) Talvez eu erre, mas eu fao este trabalho sempre em
referncia aos filhos, na esperana que o meu material possa ser instrutivo para
enquanto aquilo que recolhido por outros com uma certa perspectiva,
dos esforos mas se espera sempre... Talvez o sentido deste trabalho s aquele
de fazer saber aos filhos que penso sempre neles e que procuro ajudar-lhes como
212
Pode-se dizer que as cartas constituem uma herana humana e cultural de grande
humano provocado pelas ideologias totalitrias que se apresentam com novos rtulos
olhar para o sofrimento contemporneo sob uma nova luz. Basta pensar, por exemplo,
para a clnica psicolgica. Nas cartas Florenskij insiste em mostrar tal abertura a
totalidade dos fatores, tal como se v nas linhas da missiva sua filha Olga:
na alma, mas uma linha auxiliar da nossa relao vital com o mundo, do nosso
contato com o mundo. Isto que eu disso do conhecimento tem um significado geral
e se refere seja arte, seja filosofia, seja vida cotidiana. (FLORENSKIJ, 2006,
p. 325).
Certo que, nos escritos da priso, Florenskij reflete sobre a pessoa humana a
principal tambm desta comunicao, pois se deseja oferecer uma pequena introduo
daquilo que o autor conseguiu nos transmitir nas difceis condies do gulag das ilhas
Solovki. Convm, todavia, ter presente que, embora a palavra Gulag j tenha se
ilhas Solovki foi transformado pelos bolchevistas no lugar dos maiores sofrimentos para
213
No epistolrio, escrito desde esta ilha do martrio, no aparecem as elaboradas
caracterizavam grande parte das obras de Florenskij antes de sua priso. Convm ter
presente que ele foi obrigado a viver em um ambiente infernal e, assim, o tempo para a
tempo, em razo desta penosa situao, Florenskij conseguiu propor reflexes com tons
so os diversos relatos que Florenskij faz a respeito dos sonhos com seus familiares e,
alm disso, os relatos das recordaes de infncia a respeito dos seus pais: (em carta a sua
Me recordo muito frequentemente da morte de meu pai. Ele tinha alguns sonhos
(ou tambm eram vises) de viagens, ou de migraes nomades nos espaos sem
normalmente se pensa que a humanidade vai morrer pela carncia de algo. Para
mim, ao contrrio, claro que ir morrer pela abundncia. Tambm para mim o
muito causa sempre medo, desde a minha infncia, porque com a abundncia
parece que irrompe o caos sem forma, que voc no est em condies de governar
e que sai do controle. Onde no existe uma composio, no pode existir nem
(FLORENSKIJ, 2006).
214
Mas, enquanto o regime totalitrio procurava meios para censurar qualquer
mistrio que habita o mundo, por meio de cartas que testemunham o valor da memria e
humana. So cartas escritas nos raros fragmentos de tempo livre, depois de vencido o
cansao de dias massacrantes de trabalhos forados. Estas missivas so, portanto, uma
apaixonada confisso de quem consegue ser fiel s prprias convices nas condies
mais dramticas, de quem sabe colher a verdade profunda de tal vivncia e mantm a
maior parte das cartas so endereadas sua me Olga, mulher Anna e aos cinco filhos.
A filha menor, por exemplo, Maria-Tinatin tinha apenas nove anos quando o pai foi preso
pelo regime. O nosso autor preocupou-se em numer-las para, desse modo, poder ter um
mnimo de controle da trajetria e destino uma vez que elas eram submetidas severa
inoportunas para expedir ao mundo externo. Em tantas ocasies aparece nas cartas a
recordao das fadigas encontradas pelos prisioneiros para redig-las porque era
extremamente dificil encontrar o papel e a tinta para escrever. Em geral, cada texto era
partes distintas e, em seguida, cada parte era destinada a um membro da famlia: me,
mulher, aos filhos e filhas. Cada membro da famlia podia ler separadamente a sua carta
pessoal na qual, todavia, no faltava uma referncia e uma saudao a todos os outros
ambiente de intercmbio entre todos aqueles aos quais se dirigia. Desse modo, ao escrever
filha menor Maria pede no final para que ela deixe uma saudao para a me e que cuide
215
do irmo e, do mesmo modo, faz apelo aos outros filhos para compartilharem as
descobertas realizadas. Com efeito, o que est presente aqui, sublinhe-se de novo, a
Ele desejava introduz-los nos segredos tanto da compreenso das obras de arte
colocada sobre o fato de que tudo o que existe contm em si uma estrutura interna. E
esta, mesmo na diversidade dos fenmenos sejam eles naturais, conectados com a vida
e a existncia enquanto tal, sejam eles de tipo cultural -, tem caractersticas universais.
esta estrutura interna que deve ser buscada quando se observa a natureza, como tambm
esta estrutura que Florenskij se detm na carta escrita a Olga em 22 de fevereiro de 1935.
Ele deseja ensin-la a reconhecer o que tpico da estrutura das melhoras obras literrias
que, por sua vez, porm, trazem as marcas caractersticas da estrutura interna de cada
fenmeno do mundo real. Ou seja: elas possuem uma constituio marcada pelas
Quando voc l uma obra, procure entender como ela foi construda do ponto de
216
certo tema da trama, mas por qual razo, por qual motivo ele foi mantido pelo
se examina bem, v-se que tal contradio serve para intensificar o efeito esttico
da obra. De tal forma que a contradio agua a ateno do leitor. Pode-se dizer
que quanto mais grandiosa uma obra, tanto maior so as contradies que
da estrutura interna dos fenmenos do real e de tudo aquilo que existe. Ela no seno
uma prova do fato de que a interioridade dos fenmenos de uma grande complexidade.
secreta que ressoa do interior deles. De fato, quanto mais se penetra no microcosmo de
qualquer um dos particulares fenmenos, percebe-se ainda com maior clareza neles a
todas estas coisas em uma carta endereada ao filho Kirill, no perodo em que este j
filho para prestar ateno e dar-se conta de que quando na pesquisa temos a impresso de
saber que tal impresso no corresponde quase nunca realidade. Entretanto, ela acontece
2006, p. 358, Carta de 23-24 de dezembro de 1936). Contudo, a impresso uma coisa e
a verdade outra e esta ltima comea a emergir quando a pesquisa cientfica renuncia a
que nasce e se desenvolve a partir de uma experincia concreta. Por sua vez, as
217
dimenses e de certas complicaes, porque no lugar delas aparecem outros
componentes inusitados.
Concluso
infundir no prisioneiro a esperana, novo vigor e razes para viver e pensar. isto que se
conclui das palavras escritas a poucos meses antes do fuzilamento que nem sequer havia
sido anunciado: Tenho a sensao que a este ponto no existe nada que por si mesmo
aprender a arte de viver que, segundo relata, consiste em preencher cada instante da vida
com um contedo substancial. Em julho de 1936 escreve a Annulja recordando que a luta
de sua vida era com o desejo ilimitado de sua alma, mas reconhecia que a sabedoria
existir uma verdadeira compreenso, mas qualquer composio artstica, por exemplo,
As cartas, portanto, segundo nos afirma Zak contm a doutrina de Florenskij sobre o
pensar. Trata-se de um verdadeiro e prprio testamento que o pensador russo deixa aos
familiares e, por meio deles, para toda a humanidade. Assim, as cartas da priso so um
218
complexo. A sua atualidade , sem dvida a mesma, seno maior, com relao ao tempo
na qual foram elaboradas. So cartas redigidas com as mos algemadas pelo sofrimento
ltimos anos da vida em um dos mais cruis e infernais gulag do sculo XX.
Referncias
Mondadori, 2006.
Mondadori, 2000.
2004.
219
_________.A questo da depresso: horizontes antropolgicos In: REBLIN, I. A.; VON
ZAK, L. Pavel A. Florenskij: invito alla lettura. Torino: San Paolo, 2002.
Nuova, 1998.
Editora, 2014.
220
MESAS REDONDAS
221
PESSOA-COMUNIDADE E INTER-RELAES NA OBRA DE EDITH STEIN
Cllia Peretti208
E-mails:cpkperetti@gmail.com
Resumo: O presente artigo toma como texto base o captulo oitavo da obra a Estrutura
della persona umana. Corso de antropologia filosofica de Edith Stein intitulado O ser
humana e suas relaes sociais o que possui relaes diretas com a empatia e com a tica.
A sociabilidade humana discutida a partir dos quatro aspectos apresentados por Edtih
Stein: atos sociais, relaes sociais, formaes sociais e tipos sociais. Com o objetivo de
apresentar as contribuies de Edith Stein a anlise do texto consiste nos seguintes passos:
Abstract: This article is based on the eighth chapter of Edith Steins text The structure of
the human person: lectures on philosophical anthropology, entitled The social being of
the person. We choose to focus this particular chapter because it puts emphasis on
theconcept of human person and his social relations, which directly concerns a reflection
208
Doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia de So Leopoldo, RS. Membro da Academia
Internacional de Teologia Prtica (IAPT). Professora Adjunta do Programa de Ps-Graduao e
Bacharelado em Teologia da PUCPR. E-mail: clelia.peretti@pucpr.br.
222
on empathy and ethics. The human sociability is discussed based on four aspects,
according to Edith Stein: social acts, social relations, social formations and
social types. In order to present the contributions of Edith Stein, our analysis of her
text follows these steps: introduction of the contents; analysis of the person as a social
Introduo
Edith Stein, ainda jovem estudante, se interessa pelo tema da pessoa humana e,
produo intelectual. A compreenso da empatia, qual a essncia desse ato, como ele
possvel e o que nele est implcito, leva a uma profunda anlise antropolgica, fazendo
interdependentes.
223
essencialmente uma relao de interdependncia constitutiva, onde os aspectos - ativo e
mesmas, o que s pode acontecer a partir de uma abertura recproca (STEIN, 1996).
comunidade observada no seu aspecto objetivo como forma social, mas olhada por
dentro a partir dos seus aspectos constitutivos formados pelas experincias dos seus
membros. Edith Stein sustenta que a fundamento de todas as comunidades, da mais ampla
at a mais restrita, existe uma comunidade universal por ela denominada de humanidade.
sociais e tipos sociais. Ningum nega que, do ponto de vista biolgico, todos os seres
se possa admitir que exista um gnero ou um tipo natural que definimos humano. Mas,
afirmar que existe uma comunidade humana problemtico porque essa implica
necessariamente uma particular relao entre os seres humanos. Contudo, sabemos que
direitos humanos que giram ao redor das questes dos direitos inalienveis, da violncia,
uma comunidade humana como tambm a inviolabilidade das pessoas humanas. Num
224
mundo globalizado marcado pela lgica do individualismo e da indiferena qual o
existir como o meu, um ato que funda o agir solidrio, educa para os valores ticos e
2014, p. 11).
performatividade dos atos sociais. Edith Stein inicia o captulo de forma dramtica com
a seguinte afirmao:
225
inserido como membro em uma totalidade mais ampla j faz parte da estrutura do
de suas obras filosficas. Desde o incio de sua investigao a pessoa humana possui uma
que faz progredir as cincias, tanto para aprender a se conhecer quanto para aprender a
conhecer a realidade em que vive. Edith Stein nos fornece neste captulo uma imagem
do ser social do humano como um ser que realiza atos sociais; vive relaes sociais;
reflexo de Edith Stein. Neste captulo Edith Stein apresenta a ideia embrionria de
comunidade no se encontra, nem no seu tratado sobre a empatia, nem nos escritos de
mais amplo de comunidade encontram-se na obra Una ricerca sullo Stato (1993), onde a
filsofa afirma que o estado um tipo de comunidade que se coloca entre as formas mais
Mnster, um conceito que Edith Stein desenvolver na sua obra magna, Ser finito e Ser
eterno (1988).
2013, p. 185-199).
226
Edith Stein, entende por atos sociais, os atos do eu, ou seja, os atos que se
entrelaam com a competncia performativa do humano. Trata-se dos atos pelos quais
uma pessoa se dirige a outra pessoa por meio de perguntas, pedidos e ordens. Todos esses
axiolgico, que inclui o amor, o respeito e a admirao. Edith Stein considera que no caso
reconhecidos, possvel ainda reconhecer estes atos como sociais, porque envolvem mais
de uma pessoa, embora esta ltima possa no estar envolvida diretamente na ao. De
acordo com Edith Stein existe uma terceira categoria de atos sociais constituda por
aqueles que possuem a fora de produzir ou anular uma determinada realidade objetiva
no mundo social:
(...) assim, uma promessa produz o direito de exigir sua realizao: este direito
renncia a sua satisfao pela pessoa a quem a compromisso foi realizado. . Todo
existente um consenso acerca dos acordos entre as pessoas (STEIN, 2013, p. 187).
Para as relaes sociais, Edith Stein sustenta que essas pressupem um contexto
do eu-tu: as relaes sociais no so somente aes de, mas aes entre pessoas. Trata-
tenha conscincia e lhes retribua, no existe ainda amizade entre ns. Somente
227
quando dois seres humanos expressam reciprocamente seus sentimentos, apenas
relao faz parte do seu ser pessoal e contribui para determinar sua vida [/136].
solidariedade que caracteriza as relaes sociais pode ser alcanada somente quando as
na experincia do outro.
A pessoa membro da estrutura social. Edith Stein ressalta neste terceiro aspecto
que a comunidade a mais alta forma de sociabilidade e revela uma estrutura unitria
onde convergem tanto as relaes quanto os atos. Enfatiza a relao entre as partes e o
so pessoas, mas so semelhantes a estas. Edith Stein diz que possvel falar de
comunidade num sentido mais amplo no somente onde existem relaes recprocas
entre as pessoas, mas onde as pessoas se apresentam tambm como unidades, no interior
das quais essas se ligam a um ns (STEIN, 2013, p. 188). Os temas que emergem aqui
base de cada comunidade humana, tanto daquelas efmeras como daquelas de natureza
o homem desde sempre um ser social inserido numa comunidade, mesmo que no esteja
instncia, o fato de ela ser partcipe da vida do homem-Deus, ou seja, sua unidade
228
Mas qual a relao entre a constituio essencial do ser humano e os laos
Comunidade e Sociedade (1887). Stein tambm fez referncia a esta ltima no ensaio de
1922, Psicologia e cincias do esprito. Contribuies para uma base filosfica, mais
para Edith Stein fundado teologicamente; e, em nota, faz referncia ao Corpus Christi
Mysticum. L-se:
como unidade, dentro da qual esto ligadas a um ns. Essas estruturas podem ser
transitrias e temporrias; podem, contudo, ter uma consistncia que vai alm do
funda somente sobre relaes passageiras ligadas ao presente, mas tambm sobre
laos objetivos supraindividuais, que possui sua prpria lei de formao segundo
ser humano compreendido como membro de uma comunidade tambm um tipo. Edith
Stein observa que um indivduo pode possuir no seu ser algo em comum com os outros
no interior de uma comunidade, mas existem tambm diferenas que o distingue dos
outros. Ela exemplifica com dois distintos tipos de alemes: Subia e Bavarian. Uma
229
pessoa pode pertencer a diferentes comunidades e podem existir numerosos tipos que
convivem em uma comunidade particular. Edith Stein quer mostrar, dessa forma que
Analisa a etimologia grega da palavra tipo, fazendo notar que nos encontramos
diante de um territrio ontolgico, porque typos significa aquilo que formado como
um todo configurado:
Typos em grego significa, em primeiro lugar, golpe, coliso, e depois aquilo que
o que indicado pelo significado da palavra de acordo com o uso lingustico atual
nem se justape, mas gera o novo. Mas, na formao da pessoa necessrio considerar
algo para alm do contexto social em que est inserido e do qual assume inmeras
Comunidade povo
230
Quanto ao conceito de Povo, Stein (2013, p. 199-218) aponta que este formado
por indivduos, tem uma histria e um local geogrfico, e suas aes so determinadas
pelos seus membros, dos quais h aqueles que possuem a mentalidade ou conscincia do
todo e se dedicam a ele. Tambm o povo tem relaes internas e externas, a segunda se
linguagem, ou seja, em sua cultura. Assim, um povo possui laos de sangue (mas no
Para Stein, nascer em um povo, mais do que receber dimenses deste e assumi-las
povo est afinado a sua cultura e ao seu sentido, que mesmo que o povo desaparea pode
permanecer, com isso se encontra uma realidade para alm do tempo. E a grande
importncia para toda a humanidade por ser o redentor, o qual fez parte de um
determinado povo e a partir dele agiu para a humanidade (STEIN, 2013, p. 207-210).
Contudo, a relevncia da vida est para alm da ao para o povo, ela est dada
por ser vida humana e relacional e, portanto, amorosa, uma vez que o amor embasa a
existncia da comunidade, assim a vida movida por um valor e com isso est
participando do eterno. Pois, amar uma pessoa implica dar uma resposta ao seu valor
pessoal e participar deste valor; ainda mais: preciso proteg-lo e conserv-lo (Stein,
2013, p. 212). Assim, o valor de uma comunidade se mede pela densidade de seus valores.
Do bom e do belo que circundam o humano provm a noo de um ser supremo o qual o
homem quer servir, pois nele se encontra no eterno, e a vida valiosa possui sentido. E a,
para a perdio, um novo povo pode surgir. E todo aquele que est consciente de pertencer
231
a um povo possui responsabilidades para com ele, o que pressupe uma determinada
estatura espiritual. Enfim, a formao do ser humano tem muito a ver com seu povo, mas
se deve, em ltima instncia a Deus, a quem deve seu ser diretamente e indiretamente
por meio de seu povo e da humanidade. Assim, Deus quem determina a importncia das
comunidades e as funes do homem dentro delas, e o cumprimento das mesmas est sob
a sua transitoriedade e que responde somente a Deus. Deste modo, o valor do homem est
Edith Stein demonstra que tanto a pessoa humana quanto o povo possuem
relaes sociais, as quais em ltima anlise sempre ocorrem entre indivduos, contudo so
indivduos culturalmente marcados por determinado povo, e com isso sempre as relaes
pessoa humana quanto o povo em algo para alm das pessoas, do tempo, e da histria
percebe que tambm o povo possui uma esfera espiritual e que a histria do mesmo feita
fundamento e sentido ltimo de toda e qualquer relao social, seja ela do indivduo ou
do povo. Dessa forma, Stein fala de um sentido que ultrapassa as ltimas realidades da
finde nele mesmo enquanto finito, mas abre-o ao infinito. O que, automaticamente, gera
uma implicao tica, a de reconhecer o infinito no outro, seja o outro indivduo ou povo.
209
A esta formulao fica o interesse de relacionar a concepo de corpo-anmico de Stein ao conceito de
soma-pneumatikon de Paulo. Teria ela se baseado no autor da Carta aos Corntios?
232
e em relao com o infinito do eu, traa por si s um caminho comunitrio em que o eu e
o outro se encontram no outro fundante que eterno. Assim, o ser social da pessoa
um determinado povo para agir de forma redentora. Ao dizer isso, acende a possibilidade
de uma outra questo tica, abrindo o ser humano ao referencial ltimo da existncia.
Sabendo de sua converso ao catolicismo se pode afirmar que este homem-Deus Jesus
Cristo, o qual serve de referencial tico de duas formas totalmente homem e totalmente
Deus. Assim, alm de fundar a vida, Deus tambm aquele que a realiza e a vive
humanamente, podendo mover todos os seres por meio da relao com Ele. Apesar de
no estar explcito neste texto, tambm necessrio lembrar que o Deus cristo
Consideraes finais
de Edith Stein possui conotaes ticas, uma vez que se entende a tica como base da
tratar do ser humano e dessas relaes, faz com que se pense na perspectiva no somente
meio desta sntese filosfico-teolgica que reconhece a dignidade humana a partir de sua
humanidade, sendo que sua humanidade j em si digna por estar fundada em Deus.
grande importncia dada por Edith Stein a empatia. Com a empatia conhecemos ns
233
mesmos e re-conhecemos os outros como semelhantes a ns, outros eus, em reciproca
doao de sentido. A empatia nos leva a reconhecer que o outro no o diferente. O ato
emptico cura qualquer tipo de indiferena. As relaes sociais devem se dar a partir da
empatia, pois este o mecanismo que permite uma relao social tica. A empatia,
elemento basilar para se pensar e fazer tica. Assim, empatia e mstica so duas dimenses
das relaes ticas do homem, pois dizem respeito ao relacionamento com o outro e com
Deus. Para Edith Stein empatia diz relao intra e interpessoal, manifesta a relao entre
o prprio e o estranho, entre aquilo que me envolve em primeira pessoa e aquilo que se
tica enquanto relao mstica seria aniquilada, e a pessoa humana estaria condenada a
no desenvolver sua vida e suas relaes ao nvel mais alto da existncia humana, que
a relao com Deus. No importa se somos chamados a agir numa comunidade mais
restrita ou mais ampla, mas sim, importa a conscincia de que o nosso agir numa
de Edith Stein e tendo em considerao o conjunto de suas obras, podemos dizer que a
234
personalidade de ordem superior, que no elimina a singularidade, mas a potencializa ao
Referncias
STEIN, E. Essere finito e Essere eterno. Per una elevazione al senso dellessere. Roma:
STEIN, E. Psicologia e scienze dello spirito. Contributi per una fondazione filosofica.
235
EDITH STEIN E O CONCEITO DE PESSOA
E-mail: jsfilho@usp.br
Resumo: Este artigo interroga por que Edith Stein, numa primeira fase de sua obra,
associa o conceito de pessoa apenas ao carter espiritual do ser humano e, numa segunda
elementos da releitura steiniana da definio dada por Bocio e termina pela anlise do
mistrio cristo da Trindade: em vez de falar do ser trinitrio divino com base em trades
observadas no ser humano, Edith Stein descreve o ser humano uno com base nos dados
Abstract: This paper asks why Edith Stein, in the first phase of her work, associates the
concept of person only to the spiritual nature of human beings and, subsequently, based
and ends by examining how the philosopher reverses the traditional relation between the
concept of person and Christian mystery of Trinity: instead of relying on human triads to
*
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de So Paulo.
236
speak about God, Edith Stein is based on Trinitys biblical revelation to describe the
human being.
Edith Stein emprega o termo pessoa, ao longo de sua obra, para referir-se ao
indivduo humano como ser que se destaca no conjunto da Natureza por sua capacidade
espiritualidade.
causalmente condicionados e aos quais esto sujeitos os indivduos por seus corpos, o
fenmeno que se doa sua conscincia, o que faz Edith Stein dizer: a conscincia como
humana e ser sintetizada em Ser finito e ser eterno pela definio tomada de Bocio de
210
Cf. O problema da empatia IV, 7, a (p. 131). Indicaremos aqui, entre parnteses, a pgina
correspondente nos respectivos volumes da edio crtica (ver bibliografia).
211
Ibidem IV, 1 (p. 108).
237
Roma: pessoa a essncia individual de natureza racional (Einzelwesen von vernnftiger
Natur)212.
Entre o primeiro uso de pessoa e a definio boeciana retomada por Edith Stein na
fase madura de seu pensamento no h diferenas radicais, mas apenas esta: a noo de
mente o que realizaria em Ser finito e ser eterno, ou seja, um projeto filosfico de
Santo Agostinho, Santo Toms e Duns Escoto. Por isso, enfatizar a individualidade no
era uma preocupao central da primeira fase de seu trabalho, como ser no meio e no
fim dele (por exemplo, na Estrutura da pessoa humana e no Ser finito e ser eterno ou na
Cincia da cruz). Entender sua definio de pessoa, ou ainda, investigar o sentido de ela
ter assumido a definio boeciana de pessoa requer, portanto, entender sua necessidade
de enfatizar a individualidade.
Uma primeira resposta, alis bvia, consiste em dizer que Edith enfatizar a
individualidade porque assim o fizeram os autores que ela toma como referncias na
metade e no final de sua vida. Porm, dizer apenas isso no significa explicitar o sentido
de seu trabalho intelectual. preciso manter a pergunta pelo porqu de sua nfase na
conceitual construda por Edith Stein; mas, preciso reconhecer que ela mesma se
conecta com uma tradio que remonta a diferentes filosofias da Antiguidade e da Idade
212
Cf. Ser finito e ser eterno VII, 1 (p. 304).
238
Mdia, de modo que recuperar os elementos centrais dessa tradio pode oferecer
justifica uma conexo entre o uso que faz Edith Stein do termo pessoa com a histria
desse termo. Isso quer dizer que preciso localizar, no prprio texto steiniano, referncias
que mostrem o quanto Edith Stein tinha conscincia dessa histria. Do contrrio, corre-
se o risco de reconstruir arbitrariamente um percurso histrico sem que nada garanta que
ele pode iluminar o sentido do uso do termo em Edith Stein. Agrava essa dificuldade o
fato de que Edith Stein, na nica ocasio em que d uma definio direta de pessoa, cita
afirmar com segurana que Edith Stein dedicou-se ao estudo detalhado da histria do uso
do termo pessoa, mas, ao mesmo tempo, garante que ao menos um momento dessa
histria foi por ela investigado, qual seja, o da interpretao do termo feita por Toms de
Aquino. Esse momento, porm, remete necessria e explicitamente a outros dois, de modo
que se pode pretender que Edith Stein os conheceu. So eles a definio de pessoa dada
por Bocio e a redefinio elaborada por Ricardo de So Vtor, fundamentais para Toms
de Aquino, que as analisa no conjunto das questes 27-29 da Prima Pars da Suma de
teologia, tomada por sua vez como base por Edith Stein.
213
Cf. Ser finito e ser eterno VII, 1 (p. 304).
239
No presente texto, no percorreremos a linha conceitual que certamente Edith Stein
Ater-nos-emos ao que nos parecem ser duas fases em continuidade direta no emprego
Edith Stein no d uma definio direta do termo; alis, algo notvel que, ao longo das
conhecidas como cincias humanas), Person aparece amplamente. Isso confirma que, na
humano psicofsico e espiritual, quer dizer, ao ente que, em meio Natureza, destaca-se
por ter, alm de um corpo e uma alma, tambm um esprito. Estas so as caractersticas
que constaro do conceito de pessoa com que lida Edith Stein em sua tese de doutorado215:
Essas notas so confirmadas pela obra Introduo filosofia, em que Edith fala
claramente de pessoa como ser vivente dotado de uma vida de conscincia216. Nessa obra,
entretanto, h, por assim dizer, uma evoluo com respeito ao conceito de pessoa presente
214
Esse caminho conceitual e a sua explorao por Edith Stein so por ns apresentados em detalhe no
artigo O conceito de pessoa e sua histria em Edith Stein, que ser publicado em 2015 na coletnea
organizada pelo Prof. Dr. Tommy A. Goto, da Universidade Federal de Uberlndia.
215
Cf., por exemplo, ibidem, IV, 3 (pp. 116-126). curioso notar que esses dados so explorados numa
passagem em que Edith Stein se vale de uma obra de Wilhelm Dilthey, para critic-la, intitulada
Contribuio para o estudo da individualidade (Beitrge zum Studium der Individualitt), mas, em vez de
falar de individualidade, Edith Stein prefere falar de personalidade. No h dvida de que, nesse uso, ela
sofreu influncias no s de seu orientador, Edmund Husserl, mas tambm e sobretudo de Max Scheler,
a cujas conferncias Edith assistiu em Gotinga e que foram depois publicadas na forma de livro, com o
ttulo O formalismo na tica e a tica material (Der formalismus in der Ethik und die materiale Wortethik).
Edith, alis, toma essa obra como base de sua investigao do sentimento, da emoo e do valor.
216
Cf. Introduo filosofia II, II, 4 (p. 142).
240
em O problema da empatia, pois Edith Stein explora dois elementos que s apareciam
irradiao de onde brota o modo de o indivduo realizar aquilo que tem de comum com
sua espcie.
elaborada por Edith graas a uma experincia inegvel: embora as sensaes possuam
algo de inteiramente subjetivo, elas tambm possuem algo de objetivo, observvel pela
coincidncia do contedo percebido por diferentes sujeitos. Em outras palavras, ainda que
a sensao se realize em primeira pessoa, seu contedo mostra ser o mesmo percebido
por outros indivduos, o que mostra haver uma independncia da coisa percebida em
existncia individual mesma haveria uma orientao para a alteridade, sem a qual cada
incompartilhvel.
Essa ser a base para Edith Stein exprimir a experincia individual como
experincia nascida de uma fonte de irradiao ou ncleo prprio de cada sujeito. Ela
observa que cada indivduo no reproduz simplesmente aquilo que tem de comum com
sua espcie, quer dizer, seus condicionamentos, mas imprime-lhes sempre uma feio
217
Cf. ibidem, Introduo, 7 (pp. 93-98).
241
essncia da pessoa218. Deve-se cuidar, aqui, para no associar tal cerne com um ponto,
Isso bastante visvel na anlise do carter, pois, como diz Edith Stein, pode-se estar de
acordo com os outros sobre as qualidades de carter de algum e de seus valores, e pode-
se mesmo exigir de mim ateno a seus valores, mas que eu deva amar esse algum em
funo desses valores, isso no se pode requerer de mim; afinal, se e como amo algum
algo que se funda sobre o modo como as suas peculiaridades vm ao encontro das
Raciocinando pelo absurdo, podemos dizer que, se cada indivduo no vivesse de modo
inteiramente prprio e singular aquilo que tem de comum com outros indivduos, ento a
obrigaria a todos os que tm essa apercepo a amar esse algum. Quer dizer, para todo
indivduo cujas qualidades fossem percebidas por um grupo de sujeitos, haveria um amor
automtico da parte desse mesmo grupo. Ora, o absurdo dessa proposio confirma que,
am-lo depender do modo individual de esse algum viver a apercepo. A esse modo
individual, essncia da pessoa, centro e fonte de irradiao, Edith Stein tambm chama
Pode-se dizer, portanto, que o conceito de pessoa com que Edith Stein opera j na
relacional. curioso, porm, que ela no oferea uma definio direta de pessoa. Ela no
218
O uso da palavra essncia, aqui, no remete ao sentido metafsico ou como se entendia no pensamento
antigo, medieval ou neoescolstico. O leitor convidado a pensar na noo de essncia tal usada
especificamente pela fenomenologia de matriz husserliana. Ver nota 15, adiante.
219
Ibidem, II, II, B, 3, c, a (p. 158).
220
Cf. idem, ibidem.
242
o faz nem em sua maior obra de antropologia, a Estrutura da pessoa humana, mas apenas
descreve o que ser pessoa ou o que a pessoalidade. Nessa ltima obra, Edith fala
de sua anlise. Num desses momentos, ela esclarece com termos eloquentes o que
pessoa:
(...) o ser humano pode e deve formar-se a si mesmo; (...) ele um ser que diz
eu; nenhum animal pode faz-lo; olho nos olhos de um animal e vejo algo
que me olha; vejo um interior na sua alma, uma alma que d ateno ao meu
mesma e unir-se a mim; olho nos olhos de um ser humano e o seu olhar me
meu existir e do meu viver; e tudo isso em um nico ato; (...) a vida espiritual
tambm um saber originrio a respeito do outro, ser nas outras coisas, ver
221
Estrutura da pessoa humana VI, II, 1 (p. 106).
243
era Patrstica. Mas Edith Stein desenvolve virtualidades nelas contidas, explorando a
funo do que comum espcie humana). Podemos dizer que esses dois elementos,
espiritualidade de cada ser humano (tal como fazia Edith em O problema da empatia),
mas agora articula tal espiritualidade com a radical individualidade de cada ser humano
Filosofia).
O pice da segunda fase talvez seja obtido em seu final, no por ser final, mas
por lanar mo de recurso que traz clareza sem igual compreenso da noo de pessoa.
A preparao desse clmax faz-se desde a A estrutura da pessoa humana, mas eclode em
Ser finito e ser eterno, quando Edith Stein toma o modelo teolgico cristo da Trindade
Toms de Aquino e Duns Escoto oferecero a Edith Stein, na fase madura de seu
222
O leitor sem intimidade com a fenomenologia de Husserl poder introduzir-se nessa filosofia pela
leitura da Introduo filosofia, de Edith Stein, e pela leitura do prprio Husserl (os textos talvez mais
acessveis so as Meditaes cartesianas e A crise das cincias europeias e a fenomenologia
244
com o conceito de pessoa, pois Ser finito e ser eterno ser a nica obra em que Edith o
Edith tem o cuidado de, ao traduzir em alemo, no utilizar o termo Substanz, mas
transcendental). Enquanto no adentra na obra mesma dos dois filsofos, pode ser-lhe til a leitura do
captulo Fenomenologia metdica: Edmund Husserl, no livro A filosofia contempornea, de Wolfgang
Stegmller (Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Vol. 1. So Paulo: EPU, 2002, pp. 58-91), do livro
Husserl, de Jean-Michel Salanskis (Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. So Paulo: Estao Liberdade,
2006), e do livro Pessoa humana e singularidade em Edith Stein, de Francesco Alfieri (Org. e trad. Clio
Francesca Tricarico. So Paulo: Perspectiva, 2014). Sem pretender definir em poucas linhas o sentido da
fenomenologia, damos aqui um breve exemplo, tomado de Edith Stein. Em sua tese de doutorado, sobre
O problema da empatia, ela pretende descrever o que so os atos empticos e explica que eles so atos
nos quais uma pessoa pode entender o que outra pessoa vivencia. Todo um campo de questes desenha-
se em torno dessa explicao. Por exemplo, como sei que o que eu vejo no outro corresponde realmente
ao que ele vivencia? Se a vivncia do outro, como posso dizer que tenho a mesma vivncia ou que capto
exatamente o sentido da vivncia alheia? Ao tratar dessas questes, Edith Stein diz que uma
fenomenologia da empatia descreve o que a empatia ; identifica a essncia da empatia. Isso no significa
explicar como surge a empatia; explicar como surge o trabalho da psicologia. A psicologia, por sua vez,
no pergunta pelo que o ato emptico, mas j lida com uma definio dele e procura explicar sua origem
em cada indivduo. Cabe fenomenologia clarear a essncia disso que pressuposto pela psicologia. Esse
exemplo permite entender um pouco melhor a concepo da fenomenologia como cincia das essncias.
Ela clareia as essncias que so pressupostas por todos os tipos de saber e mesmo da experincia
cotidiana. Com efeito, a fenomenologia no considera nada como pressuposto (no s os objetos dos
saberes, mas tambm o prprio mundo, as experincias psquicas, o senso comum, tudo enfim); ela busca
cavar o sentido desses pressupostos, as essncias de tudo aquilo que parece natural em nossos atos de
conscincia. O leitor no pode, porm, ter em mente uma concepo de conscincia ao modo moderno
do empirismo ou do idealismo (a conscincia como tabula rasa na qual se inscrevem dados vindos da
sensao ou como instncia habitada por ideias que seriam projetadas na sensao, a fim de ilumin-la).
Na fenomenologia, a conscincia o modo de ser do ser humano, sua relao com o mundo e com si
mesmo, donde Husserl falar de fluxo de atos em que a ateno est sempre voltada para algum objeto
(conscincia conscincia de alguma coisa). Ao investigar a conscincia, Husserl se d conta de que a
atividade consciente opera com formas universais (essncias) reveladas pelo modo como as coisas
aparecem (fenmeno) para a conscincia. Desse modo de apario ou fenmeno vem o termo
fenomenologia. No se trata, porm, do fenmeno em sentido kantiano, como se por trs da apario
das coisas houvesse aquilo que as coisas so em si mesmas. Para Husserl, no h coisa em si diferente de
fenmeno, pois o que as coisas so o que elas mostram de si. Esse mostrar-se ou doar-se das coisas
mesmas revela a essncia delas, o que elas so. Por exemplo, uma cor sempre ligada a uma superfcie;
um tringulo sempre convexo etc. Estar ligada a uma superfcie uma caracterstica da essncia da cor;
ser convexo da essncia do tringulo; e assim por diante. As formas universais ou essncias no so,
portanto, formas unidas a matrias, como se fossem partes de um todo. O leitor deve ficar atento para
no associar a palavra essncia, da fenomenologia, com a maneira geral de as pessoas falarem de essncia
em sentido escolstico ou platnico-aristotlico. Mesmo Plato, Aristteles e os Escolsticos no viam as
essncias como coisas que entram na composio de cada ente. A respeito de Toms de Aquino, autor
caro a Edith Stein, vale a leitura do captulo sobre sua filosofia no livro A filosofia na Idade Mdia, de
tienne Gilson (Trad. Eduardo Brando. So Paulo: Martins Fontes, 1996). Na continuao deste artigo, o
termo essncia adquirir carter central, de modo que o leitor convidado a redobrar sua ateno, a fim
de no o confundir com o que as vulgatas filosficas dizem a respeito desse termo.
223
Cf. Ser finito e ser eterno VII, 1 (p. 304).
245
quando lana mo de elaboraes medievais ou escolsticas. Mas o sentido o mesmo:
essncia (Wesen) indica uma unidade de sentido tanto quanto substncia (Substanz). Sua
tira o foco de ateno da existncia como suporte (substncia) e transfere-o para a unidade
de sentido (essncia). No entanto, ao citar a definio em latim, ela explica que se fala de
substncia individual porque a pessoa contm em seu qu (isto , em sua identidade) algo
feito por Edith Stein na Introduo filosofia e na Estrutura da pessoa humana, pois
indivduo no seja concebido apenas em funo do que tem em comum com outros
indivduos. Poder-se-ia, por exemplo, dizer que o que uma pessoa tem de incomunicvel
outra pessoa. Por essa razo, Edith Stein, algumas pginas adiante, enfrenta
explicitamente a tarefa de elucidar o que entende por pessoa e sua estratgia ser
pessoa humana.
No seu dizer, s se chama de pessoa aquilo que manifesta uma essncia espiritual;
224
Cf. idem, ibidem.
246
sentido obviamente no espacial e que permanece em si, saindo de si mesmo225. Na
e sada de si. O desafio entender o que Edith Stein entendia por permanecer em si,
saindo de si.
Sua base a constatao de que todo ser que diz eu um ser consciente de seu
existir. Ora, sendo consciente de seu existir, este ser permanece em si, mas no apenas
permanece, como tambm v que sua vida brota de seu interior. Vendo que sua vida brota
de seu interior, d-se conta de que pode compreender sua vida e inform-la com
pessoa o ser que capaz de ter conscincia em geral e conscincia de si e que orientado,
liberdade.
de si) o ncleo da alma. Edith consagrar vrias pginas ao tema em Ser finito e ser
225
Ibidem VII, 2 (pp. 307-308).
226
Aqui no se deve pensar em liberdade como liberdade de escolha de arbtrio, pois escolher entre x, y
ou z s um modo e o menos intenso de praticar a liberdade. Por outro lado, a liberdade no uma
indeterminao pela qual se poderia fazer o que se quer, pois essa possibilidade no dada a nenhum
ser humano e, mesmo que fosse dada, seria autodestrutiva. Ao contrrio, a liberdade consistir na
possibilidade de cada indivduo jogar com as determinaes s quais est submetido (fsicas e psquicas)
e produzir o seu modo singular e consciente de viver. Dessa perspectiva, a materialidade e o psiquismo
so espiritualizados, quer dizer, so assumidos pela dimenso consciente, numa experincia unitria, e
deixam de ser vistos como meros condicionamentos. nessa experincia unitria que, como diz Edith
Stein em vrias obras, mas principalmente na Cincia da cruz, a pessoa pode perceber a presena divina
em si e praticar o seu maior gesto de liberdade: no sendo constrangida a crer em Deus por nenhum
elemento fsico ou psquico, a pessoa pode dizer sim a ele numa afirmao radical de sua prpria
autonomia.
227
Cf. ibidem VII, 2 (p. 309).
247
eterno, esclarecendo que esse ncleo deve ser entendido ao modo de forma vazia228. Ela
chega a dizer que todo ser vivo tem um ncleo, que sua prpria alma e de onde brota o
modo de ser de cada indivduo de uma espcie229; no caso do ser humano, porm, esse
irrepetvel pelo qual cada pessoa vive sua existncia, efetivando tudo o que tem de comum
do trabalho filosfico realizado por Edith Stein em Ser finito e ser eterno. A novidade
inegvel est no mtodo adotado por Edith Stein para aprofundar a compreenso de
detalhes ainda no explorados; na realidade, ela sequer parte do uso que se faz da noo
de pessoa no mundo natural. Ao contrrio, Edith Stein parte do modelo teolgico cristo
definio boeciana para falar diretamente do ser humano. Ela a assume ao falar das
explcito do 2 da parte VII de Ser finito e ser eterno, que Edith inicia dizendo:
por pessoa, a fim de obter uma nova compreenso do ser finito partindo do
primeiro Ser. Mas o ser pessoal como tal e, por conseguinte, o Ser primeiro
228
Para o sentido propriamente dito da expresso forma vazia (Leerform), ver: ibidem, IV, 3, 17-18.
229
Cf. ibidem, VII, 3, 2 (pp. 314-315).
230
A anlise steiniana do ser, que conduz ao Ser primeiro, bem como sua interpretao da revelao
bblica do nome de Deus como Aquele que ou Eu Sou, encontram-se precisamente na parte VI e no 1
da mesma parte VII.
248
mesmo permanecem muito obscuros para ns se no conseguimos esclarecer
Isso quer dizer que Edith partiu da concepo de pessoa como suporte (substncia)
de uma natureza racional e deu-se conta de que, sendo o primeiro Ser uma natureza
racional, ento h algo como uma pessoalidade do primeiro Ser; na verdade, por ser ele
quem , ou seja, o ser primeiro, absoluto, ele o Ser em pessoa. Assim, se a noo de
pessoa em seu uso adequado ao ser humano permitiu chegar a dizer que o Ser primeiro
pessoalidade do Ser primeiro elementos que clareiem a pessoalidade do ser humano. Isso
equivale a reconhecer que certos dados s podem ser conhecidos quando a reflexo
debrua-se sobre o Ser primeiro, mas, uma vez conhecidos, eles podem iluminar a
compreenso do ser criado. Trata-se de tomar o Ser primeiro como arqutipo do ser
criado.
memriavontade uma base para falar da Trindade, Edith Stein tomar a Trindade (tal
que, segundo Edith Stein, possvel ver que, assim como o Pai aquele de quem
procedem todas as coisas, mas que no procede ele mesmo de nada, assim a alma
231
Ser finito e ser eterno VII, 2 (p. 307).
232
Desenvolvemos mais longamente o trabalho trinitrio-antropolgico de Edith Stein no artigo
mencionado na nota 5.
249
humana; por outro lado, assim como o Filho gerado ou forma essencial nascida do Pai,
assim o corpo humano; por fim, assim como o Esprito Santo o que circula de modo
livre e gratuito entre o Pai e o Filho, assim o esprito233. Por conseguinte, se Pai, Filho
sem produzir trs deuses, assim tambm alma, corpo e esprito so trs dimenses unidas
pela singularidade da pessoa, sem produzir um aglomerado de trs partes, mas um ser
cada indivduo recebe de fora de si; a alma imagem do Pai, porque a fonte interior de
onde brota a vida de cada indivduo; e o esprito imagem do Esprito Santo, pois
As notas da pessoalidade aparecero, ento, nos trs mbitos: o corpo no pode ser
visto como matria inerte animada por uma alma, pois isso no respeitaria a inhabitao
entre corpo, alma e esprito. O nico corpo inerte no cosmo o mineral; e mesmo ele,
possuindo uma forma, no deixa de ser enformado pelo esprito do criador de todas as
coisas. Quanto ao corpo de uma pessoa (portanto, corpo humano) ele j, de certa forma,
alma e esprito, assim como a alma j, de certa forma, corpo e esprito, e assim como
esprito j, de certa forma, corpo e alma. Por essa razo, o corpo j dotado, a seu modo,
233
Cf. ibidem (p. 308). Aqui preciso ter em vista que a posio relativa das pessoas divinas no interior da
Trindade no termina numa afirmao de cada pessoa divina como dotada de uma especificidade ou
exclusividade. Quando Toms de Aquino fala do princpio eterno (Pai) e dos principiados eternos (Filho e
Esprito Santo), pretende, em continuidade com Agostinho, apontar para o fato de que a nica diferena
entre as pessoas divinas est nas relaes eternas de origem, no na essncia ou natureza. Ento,
comparar as dimenses da trindade humana com as pessoas da Trindade, como faz Edith Stein, requer
que no se isolem nem as pessoas divinas nem as dimenses humanas, mas que elas sejam todas vistas
em sua recproca inhabitao, como procuraremos mostrar na sequncia. Ver a nota 22 do presente
estudo.
250
conjunto de caractersticas fsicas e capaz de racionalidade e sentimento), assim como
O modelo da Trindade impede que entendamos o corpo humano como mera parte
fsica animada por uma alma e movida por um esprito, pois isso no respeitaria a unidade
trinitria ou o modelo da inhabitao das trs pessoas divinas. Isso quer dizer que, na
pessoa humana, o corpo tambm no uma simples dimenso animal, mas uma
Em outras palavras, nosso corpo corpo de seres espirituais, corpo humano, ao mesmo
tempo em que nosso esprito esprito de seres corporais, esprito humano. O modelo da
mesmos como junes de partes, mas como seres unitrios em que os componentes
distintos esto implicados radicalmente entre si. Dessa perspectiva, nem o corpo ser um
mero aglomerado, pois ele estruturado por uma alma. Se o modelo da Trindade o da
por suas relaes de origem; nenhum deles tem alguma caracterstica especfica que
unidade de essncia dos trs. Do mesmo modo, a pessoa humana, trinitria por essncia,
Trindade, Edith Stein no se restringe ao campo espiritual (falando apenas, por exemplo,
de inteligncia, memria e vontade, como fez Santo Agostinho), mas inclui o corpo na
analogia. Alm disso, a inhabitao das pessoas trinitrias (o que os telogos, a partir do
251
sculo VI, chamaro tecnicamente de pericorese) torna-se modelo para a compreenso
como modelo do ser humano, Edith Stein exige que se abandone toda concepo tripartite
que tome o corpo, a alma e o esprito como realidades independentes ou marcadas por
pericortico. No toa que Franz Brentano e Edmund Husserl, quando definiram aquilo
que faz a especificidade do mental ou do psquico em distino com o fsico (quer dizer,
sequer uma expresso to usada como indivduo psicofsico suficiente para indicar a
circumincesso entre corpo e alma, pois psicofsico conserva ainda uma conotao de
aglomerado. Mesmo quando dir que a energia vital espiritual consome a energia vital
fsica, Edith no pretender que isso deva ser entendido como duas energias vitais. So
duas da perspectiva de nosso discurso, assim como corpo e alma so dois do ponto de
vista de nossa anlise e expresso, mas, em si mesmas, essas realidades, embora distintas,
compem uma unidade. Esse parece ser o esforo que Edith Stein exige do leitor de Ser
finito e ser eterno: no se trata de projetar na divindade a tripartio que vemos nas
252
A EMPATIA NO CORPO A CORPO DE COMUNIDADES DE COMBATE: O
ABERTURA CLNICA
E-mail: crisroba@gmail.com
daquilo que pode ser chamado propriamente arte marcial. Os fins prticos de uma arte
arte marcial um adgio chins milenar, segundo o qual necessrio conhecer ao oponente
engendrar uma cumplicidade capaz de partilhar e antecipar os atos alheios graas a uma
artes marciais cultivam tcnicas corporais pelo exerccio recproco da luta. Este exerccio
materializa o sentido comunitrio, evocado por Stein, pelo qual um sujeito aceita o outro
234
Psiclogo, Doutor em Psicologia Professor Associado da Universidade de So Paulo na Escola de
Educao Fsica e Esporte de Ribeiro Preto.
253
como sujeito e no lhe tem adiante, mas vive com ele e se determina por seus motivos
Abstract: A phenomenology of the combat shows how, due to its intentional structure,
when the systematic fighting practices cannot be reduced to strictly pragmatic purposes
of self-defense or sporting victory, there is the development of what can properly be called
martial art. The practical purpose of a martial art do not end in themselves. Assuming the
be applied an ancient Chinese martial art adage, whereby it is necessary to know the
opponent and yourself. Since it is not primarily a discursive and reflective knowledge of
themselves and the other, is in the body to body of fighting that the coming and going of
intentional disposals and efetivations wins efficacy and reveals the development of an
development depends on a silencing of will and memory that favors the present time. This
is engendering a complicity able to share and anticipate the actions of others through a
254
cultivate body techniques by mutual exercise of the fight. This exercise embodies the
sense of community, evoked by Stein, in which "a subject accepts the other as subject and
you have him no in front of, but lives with him and is determined by its vital reasons" .In
parallel with the clinical thinking of Gilberto Safra, the encounter that is potentially
a strictly practical purposes - self-defense and sport - the development in a martial art
becomes dependent of opening and careful about other intimately linked to the aesthetic
mestre que celebrado como o pai do karate moderno, abre um livro sobre sua arte
marcial com um devaneio:A imagem que eu conservava na mente enquanto escrevia (...)
ambiente acolhedor, a deferncia dos mais jovens sabedoria. Mais de duas dcadas
haviam se passado desde que Funakoshi deixara sua cidade na pequena Okinawa, onde
fora professor, migrando para Tquio decidido a enfrentar o desafio de difundir uma arte
que apenas h pouco tempo vinha deixando de ser praticada restrita e secretamente,
sempre s escondidas. por sua autobiografia que sabemos que seu objetivo era
1868, a era Meiji impunha a um pas que se abria modernizao e, portanto, ao Ocidente.
255
Passos bem mais largos j vinham sendo dados h tempos por um mestre de outra
Efetivando um dos dois princpios de sua arte suave, a ideia debem-estar mtuo, em
japons jita kyoei, Jigoro Kano tivera formao universitria ocidentalizada e dominava
difundir o Jud pela Europa e Estados Unidos. Diz ele:O Japo j aprendeu muitas coisas
com outras naes do mundo. Em troca, ele deve ensinar algo ao mundo. No futuro, se o
Japo ensinar o jud que eu apoio, (...) contribuir pela primeira vez para a cultura
comparao aos feitos de Kano, se dilui quando se consideram suas origens. Para difundir
sua arte e torn-la aceita no restante do Japo, a exemplo do ingls dominado por Kano,
empreitadas, mais uma vez a suposta modstia dos feitos de Funakoshi se dilui em relao
abrindo espao ao interesse pblico por diferentes artes marciais de variados pases do
mundo, da Coria Tailndia, da Europa ao Brasil, para no dizer do apelo esttico que
256
Para a temtica ora abordada, interessa bem menos umacaracterizao histrica e
sistemtica,que especifique e diferencie estas e outras artes marciais, do que frisar alguns
pontos comuns que, nesta pequena introduo, se sobressaem junto inteno destes dois
prticas de combate. Situando seu valor num momento histrico significativo para o
guerras do sculo XX, para aqueles mestres, o Jud e o Karate tm contribuies a dar
formao das novas geraes e cultura mundial. Os mestres parecem ver em suas artes
ver essa vocao em prticas de combate, tantas vezes associadas a sectarismos familiares
livro. Ali se imprimem elementos culturais j indicados. notrio que, de certo modo, a
lado, desfazer mitos e exageros sobre a arte, por outro, apresent-la sob o vigor sereno
que, segundo a tradio defendida pelo mestre, rege a atitude do praticante, se faz melhor,
sem dvida, quando se tem diante de si no meras palavras, mas a prpria modulao
afetiva da atitude que acompanha o autor de uma narrativa. Isso tanto mais vlido por
257
O combate ocorre corpo a corpo. em relaes intersubjetivas corporalmente
direcionamento no pode ser arbitrrio sob o risco de se esfacelar. Escavar sob as muitas
formas culturais que as comunidades de combate assumem como artes marciais, no sem
fontes vivenciais para o projeto educativo de ordem universal a que no apenas Kano e
culturais de combate acorrem para atualizar seu sentido. Por isso, daqui em diante,
que uma dupla de praticantes realiza intersubjetivamente. Para tanto, no pouco o que
precisa ser posto em suspenso a fim de dar evidncia estrutura essencial dos fenmenos
em questo.
Nas pegadas destas pistas somos favorecidos pelo caminho anteriormente aberto
por alguns fenomenlogos. No que tange ao face a face, isto , no que diz respeito ao
reconhecimento do outro, o estudo da empatia, finamente realizado por Edith Stein, que
das culturas, desenvolvida por Angela Ales Bello com fidelidade fenomenologia
258
Se em A bela adormecida e outras vinhetas (Barreira, 2014), publicado no livro
que se confrontam fisicamente. Assim, perguntar-nos sobre a reduo a algumas das mais
Mestre Funakoshi dizia que a prtica verdadeira feita no com palavras, mas
com o corpo todo (1994, p. 114), enquanto mestre Kano alertava que as lies de moral
instrutivas](Kano, 2008, p. 90). a experincia prpria que faz Tanaka, um dos mestres
msculo que aprende depois vem cabea(Barreira, 2013, p. 179). Outra assertiva de
Funakoshi Treine com o corao e com a alma, sem se preocupar com a teoria (1994,
p.114) encontrar, numa ampla anlise que apresentamos em O sentido karate-do: faces
resposta corporal que faz do karate uma prtica existencial ocupada por gestos pouco
a espessura tica da corporeidade que ainda no comparece a uma experincia que cobra
anos de dedicao para elevar-se a caminho, tradio existencial. O que nestes relatos e
259
citaes pode soar um dualismo com os valores s avessas, o corpo priorizado em relao
mente, mais fiel ao que eles expressam se vistos, antes, como uma nfase na
experincia vivida com base na intuio perceptiva, cujo ancoramento na carne o ponto
Ainda Funakoshi que adverte: O que voc aprender ouvindo as palavras dos outros
ser esquecido rapidamente; o que voc aprender com seu corpo todo ser lembrado pelo
ento h poucas atividades que sejam mais prticas que o boxe. De fato, as
260
contextos prprios a cada prtica. Filosofia de vida, incluso social, cidadania, formao
vem ensinando atravs das cantigas, das experincias de mestres antigos, como se portar
na prpria vida. Como saber entrar e sair de qualquer lugar. no olhar do parceiro, nos
trejeitos do parceiro, no jogo de corpo do parceiro que vou vivenciar essa filosofia. Seja
mora um aspecto decisivo do aprimoramento nas artes marciais. Trata-se de uma sensvel
uma professora de Capoeira que nos dir que se voc no tiver respeito, voc
acaba machucando, (...) deixando um parceiro pra l, que poderia estar junto. Ento
235
As entrevistas com capoeiristas aqui citadas foram concedidas a Thiago Ono da Silva, membro do
Grupo de Pesquisa Fenomenologia e Prticas Corporais.
261
Ecoando o milenar Sun Tzu, Funakoshi recomenda: conhea ao inimigo e
conhea a si prprio; em cem batalhas voc nunca estar em perigo (idem, p. 248).
mas tambm o prprio carter que deve ser polido, sem enrijecer-se no orgulho.
enaltecido pela prpria experincia da confiana ali promovida. s vezes esta lealdade se
encadeia entre diferentes geraes de uma escola ou estilo, ao modo de uma reverncia
trabalhar hoje para quebrar a resistncia com relao cultura negra , ao seu modo,
manter vivo aquilo em que os mestres de antigamente acreditaram e pelo que lutaram.A
luta fsica contra a opresso se atualiza como luta pela cidadania, como luta contra a
caracteriza como luta corporal propriamente dita (Barreira, 2013a, 2013b). No fcil
descrever a prpria experincia de lutar. Muito rapidamente o relato cede o passo para o
critrio moral que o reveste. Mas tambm possvel extrair a percepo que modula o
senso moral. Um jovem de 18 anos, faixa preta de karate, nos diz236: ali eu coloco acima
de tudo o respeito com o meu adversrio, (...) ele no meu inimigo (...), ele meu
adversrio e merece respeito. Durante a luta (...) eu percebo (...) se o cara uma pessoa
que (...) pede uma luta (...) mais forte [ou] uma luta mais fraca. (...) Eu no tento impor a
ele o jeito que eu quero lutar. De maneira muito semelhante, um jovem professor de
Capoeira nos informa que ao compartilhar (...) o jogo (...), a capoeira em si, na forma
236
As entrevistas com caratecas aqui citadas foram concedidas a Mrio Lcio da Silva Jnior, membro do
Grupo de Pesquisa Fenomenologia e Prticas Corporais.
262
tradicional, (...) o respeito entra (...)na questo de eu esperar, (...) de saber onde o outro
capaz de chegar (...) e respeitar isso dele, no impedi-lo de realizar o que (...) capaz.
adversrio. Trata-se aqui da mais plena expresso da empatia nas prticas de combate: a
luta o desafio recproco do combate pelo combate, isto , do combate que no encontra
sua motivao essencial noutro lugar que no em si mesmo (Barreira, 2013a, 2013b).
entrevistado tem 30 anos e conta a situao mais desnorteanteque viveu num treino de
karate:
eu no sabia lutar direito, era faixa vermelha, (...) comeando a aprender, tinha
13 anos. Ele j era um cara experiente, j tinha seus 20 (...) anos, faixa preta. E
durante esse treino (...) ele me dava um tapa, (...) segurava a minha mo, foi me
provocando. Eu tava tranquilo lutando, ele me dava tapa na cara, eu tentava manter
o controle, (...) cada tapa que ele me dava ia me irritando (...). Ao invs dele me
dar um soco, ao invs dele me falar, dele me ensinar, ele ameaava e, antes que
eu pudesse defender, dava tapa na minha cara Aquilo foi metirando o controle,
ele, [dei um golpe baixo] (...)e ele j caiu no cho.O sensei j parou o treino ali na
hora e me advertiu. (...) Mas eu me senti ofendido, (...) por ele estar me batendo,
263
de forma voluntria, (...) ele tava me provocando, no sei porque. (...) Ento foi
aquela em que a relao intersubjetiva, em certo momento, cede lugar a uma relao de
sujeito a coisa. certo que no deixa de haver um grau mnimo de empatia, aquela que
obscurecida por uma hostilidade que vai da raiva ao dio, subtraindo qualquer valor do
oponente, tendo-o, ao contrrio, como uma motivao ameaadora que deve ser
eliminada. Constituda numa vivncia unilateral e hostil esta forma de viver o combate
Como nos conta um mestre de capoeira: Se voc usa a tcnica em mim, eu vou
usar a tcnica. Se voc usar a maldade, eu vou usar a perversidade. Para ele, trata-se de
estar atento ao fato de que ...todos somos iguais, o homem um bicho igual, s que o
Eu estava (...) lutando com um rapaz e (...) estava difcil encaixar um golpe nele
(...). Ele comeou a esnobar, abaixar a guarda de propsito, fazer cara de cnico
(...). Fiquei meio jururu com ele. Foi uma nica vez at hoje que eu dei um golpe
mesmo com inteno de acertar mais forte. (...)Eu fiquei pronto (...) para o contra-
ataque e, na hora que ele veio, acertei de propsito a boca dele. (...) Vi ele
264
colocando a lngua assim que ele sentiu. E eu me senti bem com aquilo. (...)
No foi uma coisa boa que eu fiz, mas teve aquela sensao de satisfao, de ter
acertado ele do jeito que queria ali, para descontar o esnobe (...) que ele estava
sendo.
Num caso como esse, constata-se que o desafio, ao modo do duelo, torna-se uma
imposio ostensiva.
A briga, como um descontrole que coisifica o outro; o duelo como um desafio que
obedece a exigncia de no ser rebaixado, de no ser tratado como mera coisa, querendo
das formas de combate e, como tal, como a empatia participa do desafio visceral que as
numa cultura comunitria que quer emular o auto-controle: a luta o desafio tico de se
tcnicas corporais pelo exerccio recproco da luta. Este exerccio materializa o sentido
comunitrio, evocado por Stein, pelo qual um sujeito aceita o outro como sujeito e no
lhe tem adiante, mas vive com ele e se determina por seus motivos vitais (Stein, 1999,
p.159).
a clareza existencial dessa experincia, em sua espessura mais estrita, que fez
com que, aps dcadas de prtica, brigas e desafios ao longo da vida, um mestre como
265
A essncia da arte a mtua cooperao. Esta a finalidade do karate-do. (...)
realidade, meios para buscar e explorar a essncia do ser humano. (...) Conhecer
estar aqui e agora no ter conscincia mais do que reteno e protenso. Na situao
constitutivo da empatia.
266
A possibilidade de acompanhar a expresso descritiva plstica ou o modo como a
corporeidade do outro aparece permite que realizemos com o nosso prprio corpo
As insuspeitas relaes entre clnica e luta fazem-se ver num processo dialgico,
luta coloca em destaque a face esttica da experincia emptica. Pode-se pensar que a
mais sua interpretao vem tona, o que arrisca a objetiv-lo enquanto sujeito da
experincia. Por outro lado, as expectativas de que a prtica clnica seja uma abordagem
tcnico-instrumental, que intervm e transforma seu usurio naquilo que lhe faz sofrer,
na clnica, com suas vrias formas de desencontro, como a reificao terica do paciente
combativa, no possuda pela hostilidade, faz da luta a experincia tica por excelncia
de qualquer arte marcial. a modulao inter-afetiva que torna lutar e clinicar uma
caminhada sobre o fio da navalha em que, para um lado ou outro, deslizar fechar ou ser
267
Referncias
So Paulo, p. 53-93.
des arts martiaux et sports de combat dans as dimension thique. In: HEUSER,
F., TOUBOUL, A., TERRISSE, A. (Org.). thique, Sport de Combat & Arts
EGAMI, S. (2000). The heart of karate-do. Tokyo, New York, London : Kodansha
FUNAKOSHI, G. (1997). Karate-do Kyohan: the master text. (T. Oshima, Trad.).
publicado em 1973).
268
KANO, J. (2008). Energia Mental e Fsica: escritos do fundador do jud. (W. Bull,
MELO, F. & BARREIRA (no prelo). As fronteiras psicolgicas entre violncia, luta e
STEIN, E. (1999). Psicologia e Scienze dello Spirito. (A.M. Pezzela, Trad.).2. ed. Roma:
STEVENS, J. (1997). Les trois maitres du budo. (P. Reymond, V Melin, T. Ple, Trad).
TZU, S. (1997). A arte da guerra: adaptao e prefcio de James Cavell. (J. Sanz, Trad.).
269
O QUE PODE O CORPO DE UMA CRIANA AUTISTA?
E-mail: izabeltafuri@gmail.com
Resumo: A clnica psicanaltica com crianas autistas, revisitada por uma anlise crtica
Henry nos permite questionar a interpretao verbal como ferramenta indispensvel para
ethics of meeting, which occurred in one setting. Taking into consideration, Michel
indispensable tool for the creation of the transference relationship in the psychoanalytic
270
clinic with the autistic child. According to M. Henry, the principles and guarantors of
intentionality while reassuring donors sense that protect the subject in relation to another.
Introduo
O encontro com uma criana que no estabelece contato afetivo com o outro, que
vez, na clnica psicanaltica, por Melanie Klein (1930), com o caso do Pequeno Dick.
Segundo a autora, o psicanalista necessita fazer interpretaes verbais, mesmo que sejam
pode ser revelado pela criana inibida por detalhes do seu comportamento permitindo
que o analista faa uma interpretao para, nesse caso, criar a relao transferencial que
interpretar ganhou uma nova vertente, extrair e conferir sentido aos comportamentos e
sons emitidos por uma criana que no cria fantasias. Dessa forma, Klein promoveu uma
271
A palavra germnica utilizada por Freud (1900/1980) deutung foi traduzida por
sentido oculto dos sonhos a partir dos smbolos e associaes livres. Segundo Mezan
(1986), deuten tornar ntido o que parece confuso ou embaraado e, ao mesmo tempo,
revelar a lgica, mostrar as conexes daquilo que se est interpretando como o conjunto
a um detetive.
associaes livres) trazido pelo paciente. Como Dick no desenvolvia qualquer tipo de
Dick eram relativamente vagas, Klein passou a escutar a si mesma e interpretar a partir
representativo do paciente.
pelo paciente, como tambm ser aquele que extrai sentido de comportamentos no
simblicos de uma criana. Uma proposio que fere a tica do encontro por trazer uma
272
significao oriunda de um saber apriorstico.
interpretao do jogo (Klein, 1932), interpretao das figuras e objetos autistas (Tustin,
1972; Meltzer, 1975; Haag, 1985; Ogden, 1989), interpretao ou traduo dos
nos permite concluir a presena de princpios oriundos de uma clnica em que o paciente
A clnica lacaniana atual determina o lugar do psicanalista como aquele que junto
criana autista, antecipa um sujeito a advir por meio de uma aposta de interpretao
(...) o trabalho psicanaltico com uma criana autista se faz ao avesso da cura analtica
advir, ou seja, ser falante. Esse recorte se faz indispensvel para repensar a tica do
encontro com uma criana que no fala. Colocada no lugar de um sujeito a advir, toda a
273
clnica est centralizada em fazer falar. Nesse cenrio, o sujeito nasce, pelo menos, duas
vezes: uma vez como organismo vivo e, outra vez, como sujeito falante. O humano
pensado como qualquer coisa pr-ontolgica, que precisa encontrar a sua finitude
Partindo da noo de Michel Henry (1985, 1990, 2001, 2003) sobre os princpios
mesma crtica dirigida s cincias naturais pode ser tambm refletida no campo
possvel abertura ao outro. E o primeiro momento de uma relao de mim para o outro
Michel Henry, pode ser reconhecida na clnica psicanaltica com uma criana autista, a
sentido de uma atenuao do rigor tcnico habitual (p. 70). Da mesma forma, para tratar
274
Segundo Ferenczi, essencial que o analista funcione de forma plstica e se
que iniciam o sujeito na experincia de ser, para ento poder existir como ser humano.
Repetir o perfil sonoro que ele emitia era ecoar a singularidade de sua existncia. O
terrvel emitir um som sem que ele jamais seja ecoado por outro ser humano, o que
podem existir para alm dos princpios asseguradores de uma interpretao verbal,
afeto pode aparecer e anunciar-se. Nessa mesma abordagem, o caso de Maria foi
apresentado por Tafuri (2003) na Tese de Doutorado denominada Dos sons palavra:
exploraes sobre o tratamento psicanaltico com a criana autista. Foi um caso clnico
275
Revisitando o caso de Maria
O primeiro encontro com Maria, uma criana autista de trs anos, foi marcado por
um fenmeno sensvel: a criana emitia sons fortes e estridentes que tinham uma
criana comeava a girar as mos em frente ao seu rosto com muita velocidade e leveza,
parecia hipnotizada consigo mesma. Nesses momentos, sua voz era mais melodiosa e
acompanhava o ritmo do seu corpo: sentada no cho, balanava o corpo para frente e para
invisvel. O estado de prazer demonstrado por Maria era visvel e atraente. Havia ritmo,
Em outros momentos, Maria corria na ponta dos ps, de um lado para outro, sem
nenhuma explorao dos objetos da sala de consulta. Essas corridas, sem olhar para os
forma repentina, entrava em um estado de agonia, se mordia, batia a cabea nas paredes
e no aceitava consolo por parte de qualquer outro, at mesmo dos pais que l estavam.
flor. Ela pulava na ponta dos ps de forma gil e muito rpida, em um mesmo lugar, na
estridentes e, de vez em quando, encostava as pontas dos dedos, de forma rpida e fugaz,
no objeto fitado por ela. Maria no encostava o corpo dela em nenhum objeto. Parecia
276
um beija-flor que toca a flor apenas com o bico, mantendo o seu corpo suspenso no ar
objetos da realidade. Ela tocava os objetos com a ponta dos dedos, de forma fugaz e,
objetos. A maneira dela de entrar em contato com a realidade foi trazida mente da
analista por meio de uma imagem, a do beija-flor criada de forma totalmente inesperada.
Uma imagem bela e determinante para a analista repensar o lugar ocupado por ela na
advir. Maria estava presente enquanto sons, maneirismos e toques sensveis nos objetos.
Uma presena de ser no passvel de ser nomeada, porm, acolhida terapeuticamente por
relao ao outro. Uma abertura ao outro, qualquer que seja esse outro, falante ou no
277
falante. Nesse sentido, a clnica psicanaltica nos remete natureza de um encontro para
algumas questes se fazem necessrias: o que pode o corpo de uma criana autista para
luz das noes de Michel Henry, trazidas por Florinda Martins (2010, 2014)
para mim mesma, as reaes de Maria, eu entrava em contato com um saber que
Desde o primeiro encontro, a analista passou a ecoar os sons de Maria, sem olhar
diretamente para ela, como se no a estivesse procurando. Ela se fazia existir nos sons
(1999), nos sons de Maria estava a criatividade primria de uma criana ensimesmada
278
materialidade do fenmeno, os sons ecoados pela analista, que o afeto pde enunciar-se.
Ao longo das sesses, Maria passou a encostar as costas das mos na boca da terapeuta.
E, aos poucos, passou a olhar e a colocar o dedo indicador dentro da boca da analista. Era
como se procurasse os sons na boca do outro. Para a terapeuta, a criana parecia to frgil
e sensvel ao outro, que mesmo as palavras poderiam ser invasivas e duras demais para
ela. Falar com ela seria o mesmo que toc-la com palavras. E ela era frgil demais para
ser tocada. O que Maria precisava era encontrar o outro sem ser invadida por uma
presena excessiva desse outro. Ou seja, o terapeuta precisaria estar l para ser encontrado
O jogo dos sons foi se tronando cada vez mais elaborado, o sofrimento relacionado
espera foi sendo substitudo por um brincar sensvel. Ou seja, a pequena passou a brincar
de se esconder para esperar a imitao dos sons por parte da terapeuta. Ela se escondia
Maria a terapeuta emitia os sons procurando por ela em lugares distintos da sala, atrs da
porta, no banheiro, etc. Em seguida, olhava debaixo da mesa e demonstrava imenso prazer
279
Nesse contexto do jogo dos sons, Maria passou a olhar para a analista, a se deixar ser
22 anos.
Consideraes Finais
O corpo de uma criana autista pode permitir a abertura ao outro se for vivenciado
como fenomenalidade pura do afeto. Por outro lado, a criana examinada, interpretada ou
se em relao ao outro, qualquer que seja esse outro, escapar do domnio das intenes,
como foi visto nos casos de Ricardo (Safra, 1999) e Maria (Tafuri, 2003). medida que
o corpo de uma criana autista s pode ser lido como cifra efetuada pela criana e ser
engajada pelo analista numa rede significante, cuja consistncia dada pelo imaginrio,
o psicanalista se fecha em uma rede de significados. Nesse caso, nada mais faz do que se
linguagem. O psicanalista que aposta uma interpretao insere a criana em redes diversas
estar l para ser encontrado (Tafuri e Safra, 2012). Maria, desde o primeiro encontro,
mostrava-se presente por meio de gestos e sons que expressavam a criatividade primria
280
(Winnicott, 1951). Cabe ao terapeuta seguir a tica de um encontro sensvel, o de
a ser encontrado.
Referncias
Obras Completas. Psicanlise III. Traduo de lvaro Cabral. SP: Martins Fontes,
1992, p. 109-25.
Completas, Psicanlise III. Traduo de lvaro Cabral. SP: Martins Fontes, 1992,
p.25-36.
281
Klein, M. (1930/1996). A importncia da formao do smbolo no desenvolvimento do
RJ:Imago, 249-264.
Laznik-Penot, M.-C. (1995) Rumo palavra: trs crianas autistas em psicanlise. Trad.
Martins, F. (2010) O que pode um corpo? In F.Martins & A. Pereira (Orgs) Michel
Meltzer, D. (1975) Org. Explorations dans le monde de lautisme. Trad. G. Haag et al.,
Paris:Payot, 1980.
Safra, G. (1999) A face esttica do self: teoria e clnica. Tese (Livre Docncia). Instituto
de Psicologia. USP.
282
Tafuri, M.I e Safra, G. (2012) O lugar do psicanalista com uma criana autista: estar l
Camargos Viana (Org) e cols., Braslia: Liber Livro Editora Ltda, 323-340.
283
PSICOLOGIA, TEOLOGIA E FENOMENOLOGIA: EM BUSCA DE MTUO
(RE)CONHECIMENTO
E-mail: karinkw@gmail.com
relaes encontradas entre as diferentes reas nos 30 anos de clnica e docncia. Parte-se
da escala de atitudes de Wulff para com a religio, e analisa-se o impacto das mesmas
clnica.
Begining with Wulff's scale of attitudes toward religion, we analyse their impact on
237
Psicanalista com atividade em Porto Alegre; coordenadora do Grupo de Pesquisa em Fenomenologia
da Vida, Membro pleno da Sigmund Freud Associao Psicanaltica de Porto Alegre e do Corpo de
Psiclogos e Psiquiatras Cristos.
284
patients and therapists. In a second moment we bring the need for mutual recognition of
Winnicott), in the relational paradigm for interdisciplinary dialogue (James Loder), and
complementarity and offers us a paradigm for the clinic of the unapparent (Carlos
Hernndez), which favors the clinical work that considers the different dimensions of
practice.
(Michel Henry) e meu comeo como terapeuta tambm se d no acolhimento do que est
vivo no paciente e ressoa em mim. Logo, atender a esse convite faz-lo a partir do
prprio percurso na clnica, iniciada em 1982. Por isso, essa fala apenas se torna possvel
se for testemunhal, e a partir disso contar dos encontros, dos autores e dos estudos que
humano. Nesse sentido, sou muito grata aos professores Gilberto Safra e Andrs Eduardo
A. Antnez que acolheram essas questes nesse ambiente universitrio to seleto, e que
atravs dos seus percursos tm convidado a psicologia brasileira a se tornar mais aberta
qual a religiosidade permeava todos os aspectos da vida. Foi traumtico ouvir docentes
285
espiritualidade, apresentando-os como a verdade. Tentei falar com um dos professores
e contar da minha experincia positiva na minha pequena comunidade, e ouvi dele que
em breve eu teria de optar entre a psicologia e a religio, que no seria possvel manter
nessa questo. Muitas vezes, desde pequena, os livros foram refgio, consolo e abertura.
Algo que tambm minha educao crist me ensinou a buscar, nas leituras dirias daquele
continuava amando a espiritualidade. Mais tarde aprendi num livro, organizado a partir
dos Congressos de Psicologia e Senso Religioso da ANPEPP, que aprendi com Marilia
Ancona-Lopez (1999) que esse professor, como muitos outros nos cursos de psicologia,
adotara uma atitude reducionista do fenmeno religioso, na qual a chave a palavra ou:
cientificamente correta.
Mas somente livros no bastam! preciso que a teoria seja encarnada nos
286
investiga a relao entre psicoterapias e espiritualidade.238 Nesse ambiente conheci
restringindo em muito a relao cincia-f. L aprendi que em outros pases esse dilogo
acontecia e de forma muito fecunda, que era possvel conversar, investigar, sem excluir
nenhuma das dimenses, mostrando que a pessoa no se define apenas por um dos
SEPTT239 que inclusive mantm uma formao psicanaltica e uma parceria para
em relao religio. Seu quadro de atitudes perante o religioso nos auxilia a perceber as
238
O Corpo de Psiclogos e Psiquiatras Cristos www.cppc.org.br - mostra em sua histria esse percurso
apoiado por terapeutas e pensadores de vrios continentes e formaes
http://www.cppc.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=28&Itemid=27
239
Society for exploration of psychoanalytical therapies and theology SEPTT. Do site www.septt.org :
As academics and clinicians, we are committed to the dialogue of Christian theology and the
psychoanalytic therapies. We believe that such a conversation is both consonant with historic Christianity
and supportive of its redemptive telos. As a community united by shared psychoanalytic interests and
faith, we seek to enact the relationality that is intrinsic to both, through the collegial and scholarly bonds
nurtured in this forum. Moreover, we believe that the synergistic effect of our interdisciplinary dialogue
combined with a rich sense of community, will engender scholarly writing that will be generative to both
psychoanalysis and Christianity. It is our hope that applications of theologically grounded psychoanalytic
theory will ultimately serve to enlighten the broader cultural horizon.Acesso em 31 out. 2014.
240
Nossa primeira abordagem desse modelo foi no texto preparado para a discusso da religiosidade do
psiclogo, no XVIII Congresso Nacional do Corpo de Psiclogos e Psiquiatras Cristos, em Florianpolis,
2013. Publicado na Revista Teologia Wondracek, 2013.
287
sentimentos religiosos dos pacientes como as posturas de profissionais psi. Nesses
ltimos, inclui a anlise do contedo acadmico acerca da religio. Os dois eixos de Wulff
(horizontal), e formam quatro quadrantes, a partir dos quais o indivduo se relaciona com
p. 78)
formao dos psiclogos para lidar com a religiosidade: o psiclogo clnico enfrenta a
religiosas quando elas aparecem na clnica psicolgica (1999, p. 77). A autora expressa
que nem todas as linhas de psicoterapia incluem a religiosidade no seu escopo, o que
deixa o clnico perdido (1999, p. 79), necessitando buscar referentes em outras reas
288
ou em sua prpria experincia. Pelos depoimentos de colegas, expresso que as vivncias
emptica.
trabalho clnico:
com afirmao literal): estas pessoas assumem que a linguagem religiosa deve ser
entendida de forma literal, mas rejeitam por princpio tudo o que nela apresentado. Elas
pior efeito recai sobre aqueles que defendem a negao literal, pois bloqueiam a si
religiosos, que apenas aceitam as contribuies das cincias quando estas esto em total
Caractersticas dos profissionais psi que habitam este quadrante: Agem a partir da
289
idealizadas e regras de comportamento. O comportamento profissional que aparece como
o mais adequado para aqueles psiclogos clnicos que se sentem numa posio prxima
que defendem, de modo a possibilitar a seus clientes a escolha, ou no, pela orientao
espao do consultrio. Tudo deve ser enquadrado no esquema referencial defendido pelo
terapeuta.
sentem que seus valores mais sublimes so sistematicamente reduzidos ao infantil, e com
isso a clnica no permite que sejam retrabalhados alm desse mbito. Isto , a
290
Freud, deixa de contemplar algumas dimenses essenciais da vida e com isso reduz a
reduzindo-o a outras reas (1999, p. 80). Ancona-Lopez agrega que grande parte dos
com que uma pessoa religiosa vivencia sua f, o que obstaculiza o dilogo e o avano nos
pontos de vista debatidos; tenta achatar a vida para apenas um plano, excluindo a riqueza
2007). Voltando linguagem testemunhal e a meu dilogo com meu professor, penso que
sentimentos, valores e esperanas que organizam e regulam o fluxo das interaes dos
sujeitos.
241
A mesma preocupao explicitada em Faria, 2003; Safra, G. 2006; Rizzuto, 2006; bem como nosso
captulo Freud, Pfister e suas iluses: Que cincia? Que religio? Wondracek, 2003.
291
a idolatria e iluso e ao mesmo tempo restaurar e retomar os smbolos, para que se tornem
novamente uma fonte de significados e de f. (1999, p. 81) Esta dupla tarefa permeia a
atividade clnica e acadmica dos profissionais psi abertos aos contedos religiosos.
Esta busca por integrar as diferentes dimenses tambm se apresentava nos meus
sonhos: Durante uma de minhas anlises, sonhei que habitava uma casa de dois andares,
sendo um trreo e outro poro: no andar trreo, de cima, estava a sala com pessoas
espiritualidade, num ambiente mais ntimo, mais obscurecido, com menos presenas, mas
igualmente significativo. Analisei que sou uma pessoa que habita dois andares, e meu
vida, como aprendi com Michel Henry na elaborao da tese de doutorado (2010).
292
Esse sonho representa o modo como me sentia na vida habitada por diversas
dimenses, que convidam a viv-las simultaneamente, tal qual uma casa da vrios
diferentes mbitos que me compe. Afinal, sou uma pessoa habitada por no mnimo dois
andares!
Dentro dessa atitude de abertura do quarto quadrante de Wulff, uma das tarefas
epistemolgica decorrente do paradigma moderno e fisicalista que ela obteve por nascer
no sculo XIX. O esquecimento do religioso j fora afirmado pelo prprio Freud a seu
242
Mantivemos entre 2000 e 2010, junto com o psicanalista Srgio de Gouva Franco, o Grupo
Independente de Estudos de Psicanlise e Religio. Atualmente coordenamos o Grupo de Pesquisa em
Aconselhamento e Psicologia Pastoral e o Grupo de Pesquisa de Fenomenologia da Vida, na Faculdades
EST, registrados no Diretrio de Grupos do CNPQ.
243
O psiquiatra argentino Carlos Hernndez nos presenteou em 1998 um guia de leitura bblica para o
desenvolvimento da alma, Leamos la Bblia, que tem ajudado muitos profissionais da rea psi a
vivenciarem as riquezas do cristianismo. Essa incurso est auxiliando um grupo de psiclogos e
psiquiatras vinculados ao CPPC a redigirem comentrios da Bblia de Estudo Conselheira (2011, SBB),
editada pelo psiclogo e telogo Karl Kepler. Em 2015 seu Novo Testamento ser lanado em ingls e
espanhol.
244
Mestre Eckhart, Hildegard von Bingen, Teresa de vila, So Joo da Cruz, Nicolau de Cusa, Incio de
Loyola, Jacob Boeme, Tersteegen, Edith Stein, Henry Nouwen, alm dos poemas de Adlia Prado, Armindo
Trevisan, Roberto Zwetsch, entre outros.
293
amigo Oskar Pfister245 e depois trabalhado pelo psicanalista-pastor (Wondracek, 2003,
2005). A participao na traduo das Cartas entre Freud e Pfister (Freud & Meng, 1998)
termo, mas constitui o eixo da intersubjetividade, uma das bases hegelianas da postura
clnica de Jessica Benjamin assumida por Hoffman(2011). Se cada vez mais se reconhece
o paradigma relacional nas teorias do conhecimento (Polany, 1964, Loder & Neidhardt,
1992, Hernndez, 2008), este tema se torna relevante para a clnica, especialmente para a
conservam entre si alguns aspectos que as aparentam, e essas razes comuns devem ser
trazidas luz.
245
Freud, carta de 9.2.1909: Estou muito admirado de que mesmo no tenha me lembrado de quo
grande auxlio o mtodo psicanaltico pode fornecer cura de almas, porm isto deve ter acontecido
porque um mau herege como eu est distante dessa esfera de ideias (1998, p. 25)
294
Para comear, falemos de Freud...
em 1935, quando inseriu a seguinte frase na sua autobiografia: Meu profundo interesse
pela histria da Bblia (quase logo depois de ter aprendido a arte da leitura) teve, conforme
reconheci muito mais tarde, efeito duradouro sobre a orientao do meu interesse. (1925,
p. 18)
A Bblia tambm o segundo livro mais citado por Freud entre Goethe e
Shakespeare... Ele prprio escreveu vrias obras sobre personagens e temas religiosos.
por isso perdem a riqueza desse tesouro simblico para a vida consciente e inconsciente
1. A histria do povo hebreu marcada pelo exlio, pelo deserto, pelo nomadismo
e pelo contato pemanente com o estrangeiro. Isso faz com que em todo tempo se
do psiquismo.
(2000, p. 108)
295
3. A escrita hebraica comporta uma polissemia de interpretaes, sem que uma
sempre diferente do j sabido, tal como seu Deus. Quando se imprime alma s
letras, como diziam os antigos escribas, o sentido de uma palavra pode revelar
imagem e semelhana desse Deus que no admite imagem. A partir disso, Fuks
recobrem, seja com figuras, seja com definies, este conceito, cujos
dos conceitos psicanalticos, torna-os alicerados em uma tradio milenar, fonte na qual
296
concede pulso a errncia, tal qual a do seu povo que vagueou por desertos e segue
de Freud com sua herana. Aproximou Freud dos antigos profetas hebreus, e via na
1918) Numa carta a Freud comenta que prtica analtica se assemelha acolhida graciosa
perdido (Lucas 15), acontece evidentemente uma regresso para aquela fase
mas simplesmente servida com amor e bondade. [...] por acaso no reside em
toda graa e perdo uma prtica analtica? (Pfister, carta de 31.7.1930, 1998, p.
273)
Evangelho quer dizer com graa e verdade. Nesse sentido, as terapias preservam para
nossos dias o que genuno no modo cristo de considerar o ser humano. E, como j
lamentava Pfister, o ambiente analtico reflete mais esse amor do que os prprios espaos
297
Mtuo reconhecimento nos pioneiros: razes crists em Klein e Winnicott
Hoffman (2010, 2011) pode ser considerada ousada ao expressar que assim como
reconhecimento do bom que recebido da me, sem merec-lo. Melanie Klein foi
criada na tradio catlica, e seu conceito de gratido recebe essa influncia: gratido a
resposta aos atos graciosos ofertados pela me, depois do beb expressar as pulses
agressivas a ela.
crist, que aos poucos comea a ser conhecida (Hoffman, 2011; Parker, 2012, Wondracek,
2012). Winnicott nasceu num lar metodista, e acompanhava o pai igreja todos os
domingos para estudar a Bblia desde sua tenra infncia. Segundo Hoffman, o psicanalista
ambos os pais e pelo analista evolvem para algo muito alm de justia, e requerem e
grega para o latim gratus charis, que significa graa e forma a base da
298
sobrevivncia. Estes conceitos permeiam a compreenso da relao me-beb e da
relao analista-paciente.
e semelhana de um outro, no caso, de Deus (Gen. 1.26). A riqueza desse texto fundante
comea a ser explorada: escritos conjuntos entre psicanalistas e exegetas bblicos (Lebrun
Bblia (Balmary, 1993, 1997, 1999, Wondracek, 2014) Apenas uma meno: Balmary
(1993) chama a ateno que o Gnesis traz o verbo plural quando o divino cria o humano:
primeira pessoa do singular: Eu vos dou todo alimento. Se iniciamos a vida nutridos
pela nossa me, tambm aqui do Deus pessoal que os humanos recebem o alimento. A
primeira pessoa no usada para se enaltecer (por exemplo Eu fao a luz) mas para
se doar. Um critrio pode ser criado aqui, para distinguir religies amorosas de religies
mgicas e alienantes.246
246
Este comentrio foi preparado para constar na Bblia de Estudo Conselheira, cujo livro de Gnesis est
sendo lanado no ambiente virtual da Sociedade Bblica do Brasil. www.sbb.org.br
299
James Loder247, telogo do Seminrio de Princeton, expressa que o Gnesis nos
aponta que somos exocntricos, nosso centro est na relao com um outro. O ser humano
inicia a sua vida se apoiando numa imagem de algum fora dele mesmo, conceito bblico
que ser trabalhado por Freud, Lacan e Winnicott. Loder expressa que esta relao Eu-
mistura dos diferentes saberes. Curiosamente, a prpria teologia que traz um modelo
e ao mesmo tempo propiciar a sua participao. Para Loder (1998), o grande debate
campos diferentes de saberes, e para nosso estudo, sobre como relacionar o fato de ser
psiclogo e cristo.
247
JAMES E. LODER (1931-2002) foi professor no Seminrio de Princeton, com formao teolgica,
filosfica, psicanaltica, educacional e em fsica. Foi um dos pioneiros na abordagem interdisciplinar dos
fenmenos humanos, tendo participado de grupos de investigao j na dcada de 60.
300
Loder (1998) explicita que esta unidade aparece na epistemologia, como a
Na fsica, esta mesma estrutura embasa a teoria quntica de Niels Bohr para explicar a
validade.
Aos poucos o Brasil toma contato com a nova filosofia francesa, na qual h um
fenomenologia da Vida, com Michel Henry, Jean-Luc Marion e Jean Louis Chrtien
conhecimento do humano.
Michel Henry em seu livro Eu sou a verdade (1998) bebe em fontes profundas:
nos msticos como Meister Eckhart e no Evangelho de Joo: no logos joanino est o
afetividade como condio fundante e encarnada desafia nossa clnica para acolher o
248
Para maior aprofundamento consultar o captulo 3 da nossa tese (2010), bem como o Glossrio ao final
da mesma.
301
(1987) e Franoise Dolto (1997), que expressam que o Ocidente precisa reconhecer de
Somos filhos nascidos na Vida absoluta, essa nossa condio. Florinda Martins
a esse reconhecimento:
vivos, agir!
tomar o pensamento como ato primeiro, indicando que necessrio religar a capacidade
de pensar com sua doao na vida. Reconectando o pensamento com sua doao
verbo se torna carne (Joo 1.1). Essa conexo reordena, entre outros, a relao entre
corpo, pensamento e linguagem: essa ltima conectada com corpo e carne. Aqui se
302
efetua para ele a subordinao dos fenmenos da linguagem fenomenalidade pura, mas
isso no apaga as especificidades dos fenmenos da linguagem, antes conecta-os com sua
No seu ltimo livro Palavras de Cristo (2004)250 Henry desenvolve este tema,
como nica realidade (p. 73). Assim oculta uma palavra mais original, a Palavra da Vida,
capaz de criar o que enuncia, que diz respeito relao que a vida faz com os seres vivos.
Essa a palavra cuja possibilidade a prpria Vida e na qual a vida fala de si, revelando-
se a si mesma na qual a nossa prpria vida se nos diz e constantemente. (p. 74),
dessa outra Palavra. Desta forma, muitas experincias crticas se tornam fonte de
aguada para compreender a pessoa humana, tema desse Congresso, de uma forma muito
mais complexa e profunda. Segundo Loder (1998), o ser humano est igualmente
249
Para aprofundamento cf. o captulo 4 de nossa tese (2010).
250
Para maior compreenso cf. captulo 5 da nossa tese (2010).
251
Alm desse artigo, a psicanalista Marina Lcia Tambelli Bangel est concluindo sua dissertao na
Faculdades EST a respeito do sofrimento infantil que se apresenta na contemporaneidade, e que na
interlocuo entre teologia, fenomenologia da Vida e psicanlise pode ser trabalhado auxiliando a criana
a sentir-se. Estar disponvel em 2015 no site www.est.edu.br
303
Michel Henry, no paradigma do duplo aparecer temos acesso s verdades do mundo e s
Diante desse fenmeno, temos um processo pelo qual o self da pessoa como que se
profundamente amorosa.
passvel de ser testemunhada (Safra, 2006). necessria uma postura de respeito e espera
presentes por sonhos, atos falhos, associaes livres, transferncia. Tento acolh-los e
discernir o que deve ser interpretado e o que deve ser testemunhado. Aos poucos, ganham
confiana para contar suas experincias com o sagrado atravs de sonhos, vises, oraes,
leituras, falar em lnguas, encontros nos quais, tal como aos discpulos de Emas, ardia
Nesse ponto, a pessoa se apropria dos princpios que compe sua utopia, seu sonho
direo maneira como realiza a sua concepo pessoal sobre o absoluto ou sobre
o divino. Quando ela se apercebe desse processo e se apropria dele, tem acesso
304
sua espiritualidade: a maneira peculiar como ela se abre para o mais alm, para
(2008, p. 142).
Voltando a meu sonho, se espera que ambos os andares revelem seus habitantes,
suas luzes e suas sombras. Nem sempre estas devem ser escancaradas com a luz da
interpretao, mas apenas contempladas com a luz de uma pequena lmpada, de uma
No paradigma do duplo aparecer, ou dos dois andares, podemos ampliar a questo que
pergunta acrescida da questo Que poder doa a vida? (Wondracek, 2010) Henry
expressa que temos duplo nascimento dos nossos pais, com nossa biografia ancorada
na relao com nossa famlia. Mas tambm temos nosso nascimento na vida absoluta,
doadora de toda a vida, inclusive da dos nossos pais. Esse processo pode ser reconhecido
especialmente para aqueles que no foram afortunados na relao com os pais visveis.
305
Elogio
Minha me:
poeta algum
o caminho do corao,
carruagens reais
S me resta extrair
da memria
Depois falar-te,
com a limpidez
da gua
306
que veio de um Seio
Ser que nossa clnica se abre para essas questes de duplo nascimento, sem
quarta atitude de Wulff, no devemos reduzir nossa vida a uma s dimenso, mas senti-
... todo ser humano busca a Vida, antes que a Morte, mas a vida no precisa ser
podemos ser na Vida, somos Vida, estamos nela, seja com amor ou dio, alegria
ns mesmos.
complexidade humana.
abraam e o abarcam.
307
Com Loder - considerar simultaneamente os diferentes saberes reunidos na lgica da
nem substitui-los.
que, tal como expressa o Evangelho, nos traz coisas novas e velhas (Mt 13.44). As
sabedoria contida nos textos sagrados e no reconhecimento de sua presena nas teorias
psicolgicas.
Com Henry considerar a vida doada na imanncia, que nos abre clnica do
em mim.
trabalho desenvolvido no IPUSP e neste Congresso indica que j temos esses espaos de
308
formao em constituio. Que se continue a trabalhar integrando as diferentes
dimenses!
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WONDRACEK, K.; HEIMANN, T.; HOCH, L. (org.) Um olhar nos espelhos da culpa.
313
ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O PERDO E O NO-PERDO NA
CLNICA DO ENVELHECIMENTO.
E-mail: fernando.genaro@gmail.com
pacientes idosos atendidos num Centro de Referncia do Idoso ligado ao Sistema nico
de Sade o SUS. H algum tempo (Genaro Junior, 2012; 2013) tenho me detido na
identificado que uma das vrias necessidades prprias do processo de envelhecer esta
facetas do perdo, como oportunidade de abrir novos espaos a fim de sonhar um fim
ltimo possvel e destinar a continuidade da vida para as futuras geraes. Assim como,
recorro a prpria prtica clnica por meio de vinhetas e teo algumas compreenses sobre
314
Abstract -This work is part of a clinic-institutional experience with elderly patients
treated at a Reference Elderly connected to Sistema nico de Sade - SUS. Some time
ago (Genaro Junior, 2012, 2013a, 2013b) have held me in investigating the specificity of
clinical practice with this population, identified a number of specific needs of aging is
linked to the urgency of reviewing the meanings of life process. Soon, the need to live the
many facets of forgiveness, as opening up new spaces to dream a final end possible and
allocate the continuity of life for future generations. Just as, in some clinical situations,
the need to live without the non-forgiveness and resentment that means stoppage of
becoming. However, such considerations to weave, turn to their own clinical practice
through vignettes and weave some insights about forgiveness and no forgiveness as a
Introduo
2005), o Brasil ser o sexto pas com o maior nmero de pessoas idosas no mundo at
2025.
realizado em 2010, apontou que 7,4% da populao tm mais de 65 anos, contra apenas
315
o Brasil ter aproximadamente 216 milhes de habitantes em 2025, dos quais 31,3
milhes, isto , 14% dessa populao sero idosos. Em 2040, quando a expectativa de
sistemas de sade atuais no esto preparados para atender tal demanda, havendo pouco
investimento nessa rea, incluindo aqui a prpria atuao da Psicologia (Genaro Junior,
de Conselhos Nacionais dos Direitos dos Idosos e suas delegacias regionais e municipais
Paulo, local em que idealizei e implantei o servio de psicologia clnica para pacientes
idosos252.
psicologia clnica a pacientes idosos no Sistema nico de Sade, o SUS, sobre o processo
eixos clnicos dessa prtica (Genaro Junior, 2013a). Dentre os vrios eixos um deles se
refere a necessidade de se viver diferentes facetas do perdo. Outro, surgido aps a defesa
perdo e o no-perdo numa tentativa reflexiva clnica e terica sob a perspectiva tica
252 Para maiores informaes e desenvolvimentos sobre o assunto favor consultar: Genaro Junior, F.
(2013b). Clnica do envelhecimento: concepes e casos clnicos. So Bernardo do Campo-SP: Editora
Todas as Musas.
316
proposta por Safra (2004), considerando a importncia do ambiente humano como
ressentimento. A fim de discutir tais aspectos utilizo-me de duas vinhetas clnicas como
ponto de partida para tecer algumas consideraes sobre o tema em destaque nesse
trabalho.
Vinheta clnica 1
O sr. Rafael253, 78 anos, cardaco, vivo, pai de cinco filhos, vive sozinho. Chegou
relatou:
deixava faltar nada em casa, mas judiei muito da patroa e dos filhos!
Bebia, ficava nervoso, cego e quebrava tudo! Bati muito nos meus filhos,
na minha falecida, era de ir pro hospital! Meus filhos me querem bem hoje,
Nesse breve contato, o sr. Rafael j nos anunciava o que lhe era necessrio: a
necessidade de perdo parecia ser a nica sada. No entanto, para isso era necessrio
253Nome fictcio a fim de preservar a identidade do atendido, cabe salientar que houve consentimento
para fins de pesquisa conforme as prerrogativas ticas em voga.
317
desvencilhar-se de si mesmo, aspecto complexo e difcil durante toda a sua vida. A
Vinheta clnica 2
A sra. Teresa foi encaminhada ao servio por sua mdica geriatra, tendo em vista seu
com uma senhora corporalmente oprimida, com significativas rugas por todo seu corpo,
aparentando ser muito mais velha e logo de incio nos comunica: . . . Sabe que ? Eu
nunca tive amor de me, s maus tratos, tento ser calma, mas muitas vezes nem consigo
dormir!. . . [sic]. A sra. Teresa comeou ento a me relatar o quanto havia sido torturada
por sua me ao longo de toda vida, a comear do seu nascimento; era a filha caula de
uma prole de quatro mulheres, sua me esperava um filho homem. Eis sua primeira
experincia de violncia: ao nascer, sua me constatando ser mais uma menina, colocou-
a num formigueiro. Uma tia que acompanhava o parto na casa, pois vivia na roa, foi
quem a retirou do formigueiro e cuidou dela nos seus primeiros dias; suas irms mais
meu pai, antes de morrer, eu era menina, pediu que eu cuidasse da minha
254
Nome fictcio a fim de preservar a identidade do atendido, cabe salientar que houve consentimento
para fins de pesquisa conforme as prerrogativas ticas em voga.
318
pragas do tipo voc vai ter doena ruim. . . marido ruim. . . no vai servir
A sra. Teresa havia se casado com um homem que reproduzia a violncia vivida
com sua me (ele a agredia fisicamente e a controlava pelo medo); a profecia da sua me
parecia se cumprir, teve trs abortos naturais e, h cinco anos atrs, um cncer de mama.
Sra. Teresa no se mostrava ressentida pelo vivido, mas perdoar sua me no lhe era
continuamente, a cada sesso que se inicia e termina como o movimento natural da vida.
Entretanto, com a chegada da velhice, tal necessidade surge de maneira mais urgente. A
partir de um balano existencial como nos aponta Safra (2006a) e Genaro Junior (2013b),
alm dos aspectos fsicos e psquicos, a pessoa idosa vive inevitavelmente, consciente ou
inconscientemente, um balano da sua vida em seu sentido maior, para assim poder vir a
formular um fim possvel ao qual possa destinar a sua existncia experincia fecunda
desenvolvido por Safra (2006b) como teleologia referente ao Telos. Para Safra (2006b),
conscincia dela do que em outras etapas da vida. Para Safra (2007), o gesto humano
sempre se origina e caminha em direo a um fim e essa situao o faz um ente sempre
255 Safra recorre Filosofia para contemplar aspectos essenciais da existncia humana e seus
desdobramentos na clnica atual. Assim, ao se referir a Arch, o autor define como sendo uma faceta da
existncia aonde tudo se inicia: a origem do gesto, o originrio. O mesmo acontece com o termo Telos, o
qual se refere ao fim, finalidade, concluso do gesto humano, assim como o findar do prprio ser humano.
319
ser humano que se relaciona ao anseio do fim (p. 84). Sendo assim, todo gesto humano
busca, por meio de uma ao, um fim em si, bem como realiza concepes sobre ele a
partir da sua prpria biografia e ontologia. Cabe reconhecer que esses movimentos entre
Arch e Telos acontecem o tempo todo, mas na velhice isso ganha maior dimenso, com
observamos, por exemplo, que comum na clnica com idosos a presena de certa
preocupao para que a morte no ocorra no momento que estejam a ss. Como nos
que o Outro esteja presente em todo o seu percurso de vida. (p. 90-91)
h a presena do outro, a solido vivida como absoluta, sem rosto humano (Safra,
2006b).
realizao, que Safra (2006a) assinala uma das necessidades fundamentais na velhice:
previsto, em outras palavras, perdoar a prpria vida. Contudo, importante ressaltar que
o perdo surge como uma necessidade humana, sem qualquer relao externa, religiosa,
abrir um novo espao para se viver o no vivido, assim como recolocar aquilo que no
320
pde acontecer e/ou aquilo que ficou impedido por diversos motivos. Isto necessrio
para que o idoso possa destinar-se a algo e no perder de vista o horizonte de futuro, ainda
que esse seja a prpria morte. Assim conjugado, obtm-se a preservao da memria, da
histria gesto reparador a toda uma vida, como podemos observar na situao clnica da
vinheta 1, sr. Rafael anseia tal reparao, sente-se impedido para prosseguir.
(1958/2011) sobre a condio humana nos auxilia para uma compreenso mais apurado
sobre o assunto. A autora reitera e acrescenta as concepes descritas por Safra (2006b)
Arendt (1958/2011) em sua clebre obra A condio humana, aponta que o poder
de perdoar no est posto num nvel superior, mas sim na potencialidade do prprio gesto
pblico. A redeno apresentada por ela s seria vivel pela via do perdo. Assim, sob a
perspectiva da ao, somente o perdo poderia desfazer os atos passados, ainda que
e promessa enfatiza:
ningum pode perdoar a si mesmo e ningum pode se sentir obrigado por uma
como presena humana que outorga a ao como gesto. Sem essa possibilidade de
alteridade pblica, aquilo que seria genuno e libertador torna-se sem abertura ontolgica
de self, ao contrrio, pura paralisao. Sob essa dialtica, a do perdo e promessa, ela
321
enfatiza a dialtica simblica do desligar-ligar no registro humano, um que nos ligaria
(memria) e desligaria do passado (via perdo) e a outra que nos ligaria a um futuro (via
promessa). A autora aborda tais necessidades em razo daquilo que, em sua obra,
perspectiva que se tornar impossvel institucionalizar o perdo, cuja relao com o amor
Sendo assim, observamos que o perdo traz consigo uma qualidade temporal, de
como resposta vida, bem como sua finitude marcada pela morte.
impedido de acontecer como experincia legtima. Ademais, torna-se uma falcia externa
(1958/2011) torna-se cada vez mais onipotente, sem perspectiva para o novo. Dito de
velhice ele alcana uma maior noo na velhice que se necessita perdoar um percurso,
no raras vezes, todo o percurso (Safra, 2006b). Nesse sentido, percebemos que o perdo,
do self. Assim, podemos pensar: o que dificultaria o perdo? Observamos que as situaes
2013b; Khel, 2004) sendo esta uma problemtica da esfera narcsica, impossvel de
esquecer pois tal posio sentida como danosa a si mesmo. Verificamos que a pessoa
322
consciente ou inconscientemente, ficando detida numa experincia passada, seja por
culpa ou por necessidade de vingana, como, por exemplo, a dificuldade do Sr. Rafael
responsvel por seu gesto e por seu prprio destino o perdo ficaria impedido.
ressentida, mas ainda assim o mal se fazia presente: perdoar parecia no ser possvel...
Aqui verificamos uma situao clnica em que o no-perdo surge como necessidade
sobre o alm, com aquilo que a informao pode significar na vida do homem. O autor
destaca:
Perdo, a menos que, antes de mais nada, ele tenha apaziguado o outro
Maimnides, que tudo o que se diz de Deus no judasmo significa, pela prxis, humano!
Assim, Deus qualquer que seja o significado final e, de todo modo, sem disfarces
assinalando que perdoar o mesmo que liberar o outro (ofensor) da sua responsabilidade
323
sem que isso seja um ressentimento como comumente a psicanlise e a psicologia
preconizam. Eis algumas das dificuldades para se perdoar que ele nos aponta: Como saber
e contar com as boas intenes do ofendido? O ofensor pode medir por si s a extenso
dos seus erros/falhas? Sabemos at que ponto vai a nossa m vontade? Temos
na rota das ofensas, entramos talvez, numa via sem sada. Enfatizando h duas condies
Diante das ideias do autor, observamos que ele no parte de uma perspectiva
ontolgica do perdo, mas sim, de uma viso a partir do registro filosfico, e, sobretudo,
tico.
Nesse ponto da sua aula Levinas (1968/2003) apresenta uma dimenso radical a
experincia religiosa no pode pelo menos para o Talmud, deixar de ser antes uma
experincia moral. Dito de outra forma, no possvel avistar o rosto divino, seno antes
ter podido se haver com as questes morais do rosto puramente humano. Nesse sentido,
Levinas apresenta o judasmo como uma religio de adultos, em que o teolgico recebe
perdo: e se o outro se recusar a perdoar? Acrescenta que alm do outro poder recusar e
324
O autor discorre sobre a distino das faltas com relao a Deus e daquelas faltas
que dizem respeito aos homens. Refere que toda ofensa verbal ou que no cause prejuzo
moral ou material ao prximo, constituem faltas. Com relao a Deus, toda transgresso
faltas cometidas em relao ao Eterno, a Deus. Levinas (1968/2003) sublinha que tais
faltas destroem do Dia do Perdo (data judaica), vivenciado como mera contrio e
por um ritual num calendrio vivido em comunidade em meios aos outros homens. Assim,
mais do que um mero auto perdo seguro de si (onipotente) ou um perdo divido, mgico,
o judasmo como religio de adultos, ele esta nos mostrando que o perdo no fundo um
assumir a responsabilidade pela ofensa, uma espcie de se apropriar dela na maioria das
vezes, pois no h o que se resolver.... O mal, como doena da alma, carece de uma
paradoxalmente coletiva. Como vimos com a vinheta clnica do Sr. Rafael em que
buscava apaziguar seus ofendidos digamos assim. Sra. Teresa no se tornou ressentida,
mas carecia se apropriar da possibilidade de no perdoar sua me diante das suas faltas,
de si mesmo. Levinas (1968/2003) nos diz que para que a conscincia moral danificada
possa atingir a sua intimidade e reconquistar a integridade ningum pode reconquistar por
325
si mesmo. Em outras palavras, um trabalho que equivale ao perdo de Deus. Eis aqui a
necessidade de uma data no calendrio para o Dia do Perdo, como data que se origina
(Safra, 2004).
Consideraes finais
viver o perdo e o no-perdo. Assim, percebemos que as noes sobre velhice, perdo e
de vida, podem fazer com que a velhice seja mais bem acolhida, assim como tambm
pode auxiliar a pessoa idosa na reviso do sentido da vida vivida (passado); a partir dessa
que o ser humano, em seu ciclo vital, um ser de passagem, carente de outrem; do nascer
humano, em que se possa favorecer o sonho do fim ltimo, como tambm ser espao de
interlocuo aos balanos existenciais, a atualizao daquilo que no foi, para que se
possa vir a ser (Safra, 2006a). Retomando Safra (2004), o ser humano, como ser de
326
passagem, est assentado entre a origem (Arch) e o fim (Telos). Tal condio existencial
de incio e fim evidencia que somos seres precrios, mesmo porque sabemos que no h
nenhuma garantia da permanncia daquilo que criamos. Nesse mbito, o ser humano
um ente peregrino, num constante vir a ser, que deve realizar-se no seu dia-a-dia, que
demanda, o idoso em sua reviso do sentido da vida, como experincia fundamental para
envelhecer e morrer, necessita viver vrias facetas do perdo, bem como o no-perdo,
sendo este apresentado como uma das necessidades elementares nesse momento da vida,
na premissa de que todo fim uma oportunidade para recomear. Desta forma, penso ser
processo de desconstruo e de vrios lutos. Seja pela via do perdo, quanto do no-
perdo a vida carece ser recomeada, sonhada e findada. Desta forma, tal clnica visa
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329
CONTRIBUIES DE EUGNE MINKOWSKI NO CAMPO DO
Prosopon
E-mail: danilo.faizibaioff@usp.br
330
EUGNE MINKOWSKI'S CONTRIBUTIONS TO THE THERAPEUTIC
despite was born as a complementary device at the Mental Health field, presently has
of others approaches than classical psychoanalysis have proved essential, such as the
three aspects: nosological, philosophical and clinical. Clinical vignettes of cases attended
presented here. In conclusion, we found that these have non-negligible relevance to the
Introduo
256
Ao longo deste projeto, adotaremos a abreviatura proposta por Barretto (2012a): AT para
Acompanhamento Teraputico e at para acompanhante teraputico(a).
331
Estes profissionais comearam a acompanhar pacientes com graves questes
ontolgica sobre a qual possa assentar-se eticamente (Safra, 2006, 2008), isto , acolher
atuais (Safra, 2009, 2014). Afinal, como afirma Cruz (2012), a despeito da revoluo
Safra (Barretto, 2012b) e de autores do campo da Fenomenologia, tais quais Edith Stein
(Possani, 2012), Michel Henry (Antnez, 2014; Antnez & Martins, 2013) e Eugne
Minkowski (Antnez, Barretto, & Safra, 2011; Faizibaioff & Antnez, 2014; Faizibaioff,
(Antnez, Barretto, & Safra, 2011) bastante similares aos quais, 40 anos depois, fundar-
332
Objetivo e Mtodo
Para o tal, foram recortados trs mbitos de sua obra: o carter teraputico da
com vinhetas clnicas de casos de AT atendidos, em sua maioria, pelo presente autor257.
partiu para Munique concluir seu curso de medicina, finalizando-o em 1908. Em 1911,
clnica de Bleuler, por onde passaram, tambm, nomes como Jung, Lacan e Rorschach
(Antnez, 2012).
257
Todos os nomes dos pacientes referidos so fictcios.
258
Neste movimento, a psicopatologia tanto de Minkowski como de Bleuer, "diferentemente da nfase
descritiva e classificatria de Kraepelin, fundava-se na busca da delimitao precisa do 'transtorno
gerador' do distrbio mental" (Pereira, 2004, p. 126). Contudo, Minkowski diferenciou-se de Bleuler ao
considerar a essncia da afeco esquizofrnica na perda do contato vital com a realidade, e no na
clivagem da personalidade (esquize do eu), como este propusera atravs do conceito de Spaltung
333
ento, com a loucura manaco-depressiva, tidas como as duas grandes entidades
(Minkowski, 1927/2000).
demncia: uma vez que ela implica a ideia de uma "perda irreparvel das funes
psquicas, est feita para paralisar toda tentativa de tratamento" (p. 216, traduo
essncia de dita afeco reside na perda do contato vital do sujeito com a realidade. Ele
concebeu esta realidade como um ambiente comunitrio, coabitado por clnico, paciente
pensar nesta perda do contato vital com a realidade implica considerar que, na patologia,
demncia, tambm "implica a ideia da possibilidade de restabelecer dito contato, seja por
pela noo de Esquizofrenia, j que "o fato mesmo de abordar o paciente como indivduo
que pode se curar260 influi, sem que nos demos conta, em toda nossa atitude frente a ele",
(Barthlmy, 2012). Ademais, assim como Binswanger, Minkowski utilizava-se do mtodo husserliano na
abordagem dos fenmenos psicopatolgicos (Minkowski, 2000).
259
Todas as citaes do referido autor foram por mim traduzidas nesta apresentao. Assim, dispensarei
o termo "traduo nossa" nas prximas.
260
Ressaltando que, como pontua o prprio autor, esta "cura" compreende os avanos parciais, o que
implica, sobretudo no campo do AT, pequenos progressos que tendem a ser vividos como grandes
334
isto , to somente deixando de considerarmos nossos pacientes incurveis, argumenta o
autor, diminui-se o peso desta "fora hostil que para o enfermo a realidade, da qual ele
gravemente adoecidos261, uma vez que lhes vale mais um "lao frgil e pouco profundo"
do que "o vazio absoluto" (Minkowski, 1927/2000, p. 193). Ele cita o exemplo de uma
perguntas bem formuladas, sequer entravam por um ouvido e saam pelo outro; antes,
elas nem chegavam a penetrar no psiquismo da paciente. Houve um dia, contudo, em que
rompeu-se o seu mutismo autstico, conseguindo a paciente com ele travar uma precria,
apresentados por Minkowski (1927/2000) nos traz Barretto (2012a), em uma vinheta
estado autstico. Era comum a ecolalia, aquela repetio de frases e palavras. Para
335
ele, esta se transformou em um jogo. Ele sempre emitia sons, os quais o analista
tinha de repetir. Aps alguns anos de trabalho, o analista se deu conta de que o
analista foi capaz de repetir exatamente a melodia proposta pelo paciente, este
entrou em estado de jbilo. Ele (paciente) viveu uma experincia esttica na qual
pde ser compreendido por um outro, houve uma comunicao verdadeira, ao ter
sido encontrado onde seu ser se ancora: a musicalidade. A partir desta experincia,
p.12).
uma persistente alterao na maneira como o sujeito experimenta o tempo: de uma forma
devir em aberto (Tatossian, 2012), sem excesso de sensorializao psquica (Safra, 2013).
temporal restrita ao agora, com uma importante dificuldade de suportar e lidar com
336
contedos ideacionais e afetivos de seu passado, os quais insistem em penetrar no
2006). "Eu estou sempre nascendo", afirma-me em determinado encontro, aps (mais)
uma recada de lcool, cocana e crack, a qual a deixara desaparecida por 4 dias. Quanto
prpria fenomenalidade da vida, o que leva o at, por exemplo, a tentar resgatar, ainda que
uma ligao de Aline em pleno estado de agonia, fui-lhe buscar no trabalho sem aviso
que estava eu fazendo ali. "Surpresa, Aline! Vim te buscar", afirmei em tom sintnico.
Ela entrou no carro um tanto sem graa e, no caminho de volta para sua casa, desdobrou-
agradeceu.
fenmeno temporal em sua totalidade, e, assim, supera a mera considerao de sua faceta
337
que em suas modernas teorias da relatividade), da avaliao mdica a respeito da
grandioso e poderoso que vejo em torno de mim, em mim, em todas as partes, em uma
palavra, quando medito sobre o tempo. o devir", que implica a marcha existencial
22).
mensurvel (t). No primeiro caso, trata-se de fenmenos que penetram no fluxo vivente
experimentado como "uma srie de instantes que se sucedem" (p. 28), como "pontos
fluxo temporal.
espcie alguma, e apenas consegue sair de casa com seu relgio de pulso. Atravessado
por uma histria marcada por violentas fraturas ticas, vive num estado de sofrimento e
todos os encontros interpela-me com sua inquietao essencial: "Quanto tempo vai
Neste caso, nota-se que a estrutura vivencial temporal de Marcos est restrita
338
acontecimentos de sua vida, a qualidade da durao vivida que, segundo Barthelmy
eventos vitais. Cada episdio da vida de Marcos, inclusive nossos encontros, por ele
frente a estes, mostrando-lhe, como diz Minkowski (1933/1973), que "ir rapidamente no
esvaziamento de si quando do encontro com o outro, de tal forma que, assim como quando
convidamos algum a entrar e ficar vontade em nossas casas, esta pessoa que passa a
nos habitar tende a perturbar a organizao de nosso lar em maior ou menor grau262.
262
Pensemos num convidado que, ao adentrar nossa casa, no repara que seus sapatos esto cheios de
barro e suja nosso cho; que, eventualmente, acende um cigarro, sendo que no gostamos muito da
fumaa por ele produzida, ou mesmo quebra, sem querer, nossa taa de cristal favorita. Suportar e
conviver com estes desarranjos que o outro provoca em nosso lar - em maior ou menor grau - a metfora
que Safra (2009) utiliza para pensar a Hospitalidade no encontro clnico. A convivncia prolongada, fora
do consultrio, com pacientes extremamente adoecidos, tende a provocar desorganizaes,
perturbaes e rupturas dilacerantes no psiquismo do at, frente s quais este deve buscar seus espaos
339
Minkowski (1927/2000), "em perfeita comunho de ideias com Binswanger" (p.
82), tocou neste ponto ao retomar a relevncia do "diagnstico por compenetrao" (p.
do outro em sua totalidade como tal e que a percebe, em um s ato, por sentimento, em
tudo o que h de morto e vivo nela" (p. 82). Ao mesmo nvel do diagnstico por razo -
das funes psquicas -, o autor eleva o da compenetrao, afirmando, inclusive, que esta
faceta diagnstica ainda mais importante do que aquela num grande nmero de casos.
paciente est sentindo; antes, em harmonia com o princpio da Sintonia - cuja uma das
durante quase 2 meses, 24h por dia, em seu ambiente cotidiano, Minkowski (1923/1970)
descreve os "inconvenientes que pode apresentar uma simbiose deste tipo" (p. 15):
340
outorgada uma mortal punio, no mais consegue dormir; sente-se extremamente
poca o visitaram e acabaram por conhecer o enfermo, em seu delrio persecutrio, nesta
"maquinao to desumana" que o constitua (p. 22). O fato de poder observar, in loco, a
quantidade de dinheiro que o paciente gastava atuando seu delrio, deixa-o espantado,
uma vez que, na poca, Minkowski passava por importantes dificuldades financeiras
(Antnez, 2012). O clima entre ele e seu paciente tornava-se, muitas vezes,
adoecidas, sintetiza:
No podemos conservar uma atitude mdica 24 horas por dia; terminamos por
cada instante, sua vida psquica sobre nosso prprio psiquismo. como se duas
isso nos permite adentrar um pouco mais que o habitual no psiquismo do enfermo.
(p. 17-18)
desenraizamento das relaes interpessoais era tamanho que todo o nosso trabalho de AT
341
atender s suas necessidades mais primitivas. Os impactos vivenciais que experimentei
de trabalho. Subo correndo para averiguar o que acontece com Raul. Encontra-se
destrutivo. Sua voz se altera, pronuncia palavras num misterioso idioma, sua
como seria til contratarmos John Constantine para nossa equipe. Acompanhante
(FAIZIBAIOFF, 2013, p. 4)
lo, sem necessidade de procedimentos extremos, tal qual a remoo psiquitrica. No dia
seguinte, fui a uma viagem pr-agendada praia com uma turma de amigos, mas algo
acolhimento radical de sua alteridade, enlouqueci: coloquei-me, sem dar-me muita conta,
342
a "apanhar" das ondas do mar, s quais me expunha sem qualquer reao, levando vrios
caldos e rasteiras na areia grossa (eu me encontrava numa praia de tombo, num dia de
do preciso termo de que Cauchick (2001) lana mo em seu trabalho sobre AT e Esquizo-
horripilantes fenmenos subjetivos, os quais haviam tomado total conta do meu ser desde
aquela ltima noite com Raul. Para o tal, utilizei-me intensamente dos meus espaos de
o quanto aquela experincia havia sido disruptiva para mim, e que eu comeava a entender
que o seu sofrimento era de uma ordem tal que em muito ultrapassava a questo do abuso
fundantes, as quais antecediam, em muitos anos, seu primeiro trago num cachimbo de
crack.
264
A autora o faz, por exemplo, retomando o conceito do corpo sem rgos (CsO), que vai ao encontro da
questo da hospitalidade e da compenetrao no sentido do esvaziamento de si frente ao outro,
respeitadas, naturalmente, as devidas ressalvas epistemolgicas entre esquizo-anlise e psicopatologia
fenmeno-estrutural.
343
destas vivncias demonacas em prol do paciente, que pude compreender mais
profundamente sua agonia e, ento, reposicionar minha conduta interventiva. De tal forma
ainda que aos trancos e barrancos, uma virada diagnstica e teraputica no referido caso,
Consideraes finais
mbito das manifestaes mrbidas mais desafiadoras poca. Devemos, enquanto ats,
acompanhados que, ao se apresentarem num encontro inicial de AT, nos digam, antes de
265
Bem como questionar a prpria estrutura de concepo psicopatolgica que voltou a ganhar fora
global a partir dos anos 1980, quando, cada vez mais, as (des)consideraes dos fenmenos mrbidos
passam a ser descritas em termos eminentemente fenomnicos, sem qualquer preocupao com uma
compreenso fenomenolgica e antropolgica dos mesmos. A este respeito, Cf. Faizibaioff e Antnez,
2014.
344
E, em se falando de esperana, compreendida por Minkowski (1933/1973) como
(Faizibaioff, Antnez, & Gonzlez, no prelo). Isto amplia nossa compreenso clnica nos
(Dartigues, 1973).
Hospitalidade no encontro com nossos acompanhados. Finalizo, assim, com uma frase de
John Rickman, citada por seu amigo Winnicott (1961/1989, p. 102): "Insanidade no
Referncias
Henry - interlocues entre filosofia e psicologia (pp. 239-251). So Paulo, SP: Editora
Escuta.
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So Paulo, So Paulo). Recuperado de
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http://issuu.com/associacaopaulistamedicina/docs/suplemento_maio_2013
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47132/tde-29072010-092352/pt-br.php
Psiclogo.
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2(2), 125-129.
10(18), 13-20.
348
Winnicott, D.W. (1989). Tipos de psicoterapia. In D.W. Winnicott. Tudo comea em casa
349
O HOMEM DO SUBSOLO ENCONTRA A CLNICA
Email: renan002@gmail.com
feito por meio dos autores Gilberto Safra e Jimmy Cabral. O primeiro nos auxilia a
autor.
contemporneo.
Abstract - This communication aims to investigate how the character in the novel Notes
clinic. It is not take him to the couch, but put it next to the theoretical apparatus of the
analyst as an auxiliary detector in the phenomena of modernity. This path will be made
350
by the authors Gilberto Safra and Jimmy Cabral. The first helps us to approach the
character of the clinic with his book The po-ethics in contemporary clinical practice,
while the second shows us the contributions of theological reflections that Dostoevsky
gives to modernity through his doctoral thesis Dostoevsky - Tragic Consciousness and
We verified so, how the Russian novelist is still current and how can have a linkage
Introduo
O livro foi escrito em 1864, perodo em que a Rssia vivia um debate intenso entre quais
os caminhos deveria tomar para progredir nas mudanas que estavam acontecendo, e
divido em duas partes. Na primeira, a qual foi mais utilizada neste trabalho, o autor
polarizao de posies na Rssia do sculo XIX era que uns acreditavam que a deciso
cotidiano russo. Outros, como Dostoivski, acreditavam que a mudana devia ser
a importao destes princpios. neste contexto que nasce a obra. Antes de seu incio, o
autor alerta que a personagem fictcia, mas homens como ele podero ser facilmente
tinha como caracterstica propor modos de vida ideais para os seres humanos em sistemas
351
baseados na razo. Pensadores como Tchernichvski defendiam uma destas teorias, a qual
homem um ser utilitarista e que busca cada vez mais o melhor para si. E assim, cada um
buscando o melhor para si, culminaria-se em uma sociedade melhor (Frank, 2013).
Concordavam que a Rssia estava num momento de mudana e que era necessrio
valorizar este momento, mas discordavam em como implement-las. Alm disso, frisava
no posso acreditar que o homem seja somente um tubo de ensaio (Dostoivski apud
Frank, 2013, p. 153), ou seja, ele no negava certo racionalismo, mas no podia deixar
que somente ele justificasse uma srie de atitudes. E a, surge o homem do subsolo. Uma
personagem que emerge das contradies humanas para gritar que no ceder aos clculos
da razo. No porque os negue, mas porque acredita que se o homem agir conforme uma
que talvez o melhor seja no fazer nada (Dostoivski, 2000). Nesta dissonncia, entre
aquilo que ele busca e aquilo que pode ser, e desiludido ao final com o mar de dvidas
em que se mergulhou, a personagem exprime seu carter trgico notado por Cabral
(2012).
Em seu estudo, Cabral (2012) mostra como a obra de Dostoivski marcada por
questes como Deus, o sofrimento e o mal. Para nenhum destes trs tpicos h respostas
352
definitivas e a partir da que se constitui o carter trgico do pensamento de Dostoivski.
como aquilo que define o homem , justamente, sua fuga constante s tentativas de
coisificao por meio de definies. Quando ele pensa ser algo ou algum o diz, no
instante seguinte, ele j est se questionando sobre aquilo que no segundo anterior ele
acreditou ser.
atuais na clnica psicolgica e quem nos auxilia nesta tarefa Safra (2004). Por meio de
sua obra A po-tica na clnica contempornea verificaremos como uma clnica com estes
traos do pensamento de Dostoivski pode ser pensada para nossos tempos. Evidenciando
ainda que mais de cem anos nos separem do perodo em questo, alguns temas mostram-
se relevantes ainda hoje. Como, por exemplo, a discusso sobre a finalidade da arte. Para
alm do fato da arte ser um artificio de grande valia na clnica, discutir sobre sua
353
vida, como um morador da cidade que faz poemas para o campo e ao mudar-se para o
rejeita esta ideia de que a arte serve unicamente como compensador de frustraes
(...) a arte para o homem como uma necessidade tanto quanto a de comer e de
homem tem sede de [beleza...] e nisso talvez que reside o maior mistrio da
Portanto, a arte seria um ato que toca os traos irracionais do homem, uma vez
que aquilo que sai de suas mos no cabe em qualquer categorizao ou noo
vive mais intensamente quando est em desarmonia com a realidade. Nestes casos, onde
a necessidade de beleza se mostra mais intensamente, pois ela traz serenidade e harmonia
354
concordam que a arte surge de desarmonia com a realidade. Podemos chamar de uma
ausncia ou privao de algo. Entretanto, a partir deste ponto, cada um segue por um
caminho diferente.
Tchernichvski acredita que uma satisfao plena do homem seja possvel e arte
satisfao completa dos desejos, se possvel, atingiria ao homem como uma forma de
tdio que levaria a buscar os desejos mais levianos para livrar-se desta sensao. Nas
culminar numa crtica a uma esttica utilitarista que prescrevia a ideia de que a arte deve
266
Dizem que Clepatra (desculpai-me este exemplo da histria romana) gostava de cravar alfinetes de
ouro nos seios de suas cativas, deleitando-se com seus gritos e convulses. (Dostoivski, 2000, p. 37)
267
Podemos hoje, localizar esta posio na expresso arte engajada socialmente.
355
Apesar destas querelas conceituais, Dostoivski, tal como Tchernichvski,
Ktkov, o qual escrevia para a revista de Dostoivski chamada O Tempo e era um grande
Ktkov escreve que quem v o homem como apenas sais, cidos e lcalis qumicos, com
o mesmo sentido e fora que esses compostos tm para ns num tubo de ensaio, no tem
direito de falar dos direitos do homem, de seu bem-estar e da melhoria de sua condio.
apontando que sua perspectiva sobre o homem defende sua impossibilidade em resumi-
Posso assegurar-lhe que eu que escrevo estas linhas no acho nem acredito que
entanto, mesmo que eu tivesse essa convico, por que isso me impediria de falar
um tubo de ensaio. Entretanto, aquele que assim encara a gnese do homem, no deve ser
privado de dizer sobre sua situao. Esta impossibilidade que Dostoivski encontra ao
afirmar a origem do homem a partir de bases estritamente racionais pode estar relacionada
ao cristianismo ortodoxo dos camponeses com quem conviveu durante o perodo em que
356
esteve na priso na Sibria. Esta sua apologia ao cristianismo melhor exemplificada
imutvel neles, e alm disso, o homem, pelo fato de ser homem, sentiria a
ser destrudo. O homem teria ento de odiar o que constitui a sua prpria natureza.
Para Frank (2013), esse dio contra sua prpria natureza descrito no homem do
subsolo, que se conflita por buscar anular de toda forma sua conscincia moral.
Entretanto, o efeito parece ser inverso, quanto mais ele se esfora para anular qualquer
sentimento amigvel ou de simpatia que ele tenha por algum, mais ele sofre para manter
resposta a um livro lanado por Tchernichvski denominado Que Fazer?. Este ltimo
necessidades por meio da realizao da utopia socialista. E era esta completa satisfao
prometida por um projeto utpico que Dostoivski no aceitava e que ir desfi-la e faz-
a esta satisfao completa dos desejos humanos. Todo este contexto em que a obra foi
357
pensada culmina em um esgaramento do homem moderno que se debate contra sua
prpria condio, buscando absolutizar a razo para que ela o liberte de qualquer
emergir a dissonncia entre o homem e a realidade, entre ele e sua prpria condio,
Na obra, esta situao expressa pelo muro de pedra que a personagem diversas
vezes se refere na parte I. Para ele: O impossvel quer dizer um muro de pedra? Mas que
naturais, a matemtica. (Dostoivski, 2000, p. 24). Este muro que tranquiliza os homens
de ao, como citado no livro, o conforto encontrado nos sistemas racionais e que
buscam apaziguar qualquer tipo de desconforto que possa advir com estas respostas.
descende do macaco e nada se pode fazer contra este fato. Assim como se convencerem
racionalmente de que uma gotcula de gordura valer mais do que cem mil seres humanos,
nada se pode fazer contra isto. neste ritmo que o homem do subsolo argumenta mais
tranquilizador e que de fato contm alguma palavra para o mundo, s porque constitui o
dois e dois so quatro. Oh, absurdo os absurdos (Dostoivski, 2000, p. 25). Neste trecho,
Dostoivski mostra como este muro muitas vezes no algo que nos traz tranquilidade e
que justamente a existncia dele, por mais aceitvel e racional que seja, pode muito nos
atormentar.
este tormento que ele v que no pode cessar, pois anul-lo levaria a corrupo
moral j citada anteriormente. Tambm a religio pode ser capaz de levar a essa
tranquilidade em demasia e fazer-nos crer que se dois e dois so quatro, como o homem
do subsolo diz, ento tudo est resolvido. Dentro desta crtica harmonia, a proposta do
358
pensamento de Dostoivski no escamotear ou tentar negar esta angstia com artifcios,
sejam religiosos, ou racionais, mas fazer expurgar este desalinhamento que existe entre o
desejo humano e aquilo que se oferece a ele. Com isso, o intuito extrair do cristianismo
Este cristianismo trgico esteve distante em sua acepo europeia. Como nota
experincia trgica. (Cabral, 2012, p. 37). Para Camus, o modo de vida cristo endossado
humana e a ordem sagrada, resumida na passagem do monte Glgota em: meu Deus,
este trecho meu Deus, porque me abandonaste? que indica o caminho para a
intepretao feita por Cabral (2012), pois, ela mostra que a ordem divina no est
humana que para Dostoivski impossvel de ser vencida, e se caso for, levar a
soluo. Assim como afirmado em uma carta a Appolon Maikov, Dostoivski afirma que
a principal questo de sua vida foi a existncia ou no de Deus (Dostoivski apud Cabral,
2012). Ainda que ele mesmo sustente a existncia aps os anos de sua priso na Sibria
(Cabral, 2012)268.
268
Sabemos que Dostoivski opta pela religio, mas deixa claro em suas anotaes que foi aps debater-
se contra os ns da razo e sua f atravessar o crisol da dvida. (Dostoivski apud Frank, 2010) Ou seja,
359
Portanto, esta tentativa de anular o que nos desconhecido e esta inquietao
ocorrido que se passa na modernidade: Neste sentido, toda a sntese moderna apresenta-
(Cabral, 2012, p. 31) Esta sntese justamente esta empreitada tanto feita pela religio
quanto pela razo em minar este vis trgico que pudesse aparecer na modernidade.
Esta absolutizao da vida pela razo foi chamada por Lev Chestov, filsofo russo
apud Cabral, 2012, p. 37). a este imprio, que pode tambm ser representado pela
medicina ou mesmo pela psicologia, que o homem do subsolo resiste. No incio ele diz
ser supersticioso o suficiente para acreditar na medicina aps a digresso: Creio que
sofro do fgado. Alis, no entendo nquel da minha doena e no sei, ao certo, do que
estou sofrendo. (Dostoivski, 2000, p.15). Apesar de dizer que acredita sofrer no fgado,
no instante seguinte, diz que no entende sobre sua doena e depois, no sabe o que est
sofrendo. Este um ritmo presente muitas vezes nesta primeira parte do livro. A
personagem apresenta uma afirmao, em seguida, a questiona e depois acaba por negar
linguagem e da razo pode ser chamada de subjetividade inquieta (Chipraz apud Cabral,
2012).
Somemos aqui as contribuies de Bahktin, utilizadas por Cabral (2012), que frisa
no se trata de uma opo religiosa para apaziguamento dos desafios da racionalidade, mas uma f que
se construiu em meio a estes desafios.
360
dissoluo subjetiva dos personagens de Dostoivski que Bahktin argumenta em sua obra
fato de que nenhum saber capaz de dizer ao humano que ele, realmente, . Pond (2013)
Como bem salientado por ele, esta caracterstica percebida incialmente por
Bahktin tem sua origem na teologia ortodoxa. Pond (2013) afirma que para Dostoivski
o ser humano aspira uma condio absoluta, mas mantm-se apenas na condio
relativista. Ou seja, aspira um saber absoluto, mas depara-se o tempo inteiro com a dvida
e com seus questionamentos sobre sua prpria condio. Esta ansiedade em saber quem
coisificao, ele irrompe com sua liberdade a cada vez que no se satisfaz com uma
definio.
Quem ilustra muito bem esta crtica a razo aliada defesa da liberdade radical
do ser humano o crtico Joseph Frank. Vejamos como ele contribui diretamente para
Est claro que muito atraente viver em bases puramente racionais, mesmo que
no seja de fraternidade, quer dizer bom quando garantem a voc tudo, exigindo
fato apenas uma partcula, uma insignificante partcula. Mas no, o homem no
quer viver segundo estes clculos, di-lhe ceder mesmo esta partcula.
361
Neste trecho, a crtica racionalidade apresenta-se acompanhado da defesa da
liberdade humana que, para Frank (2013), um dos motes principais de Memrias do
Subsolo. Liberdade esta que luta constantemente para no ser submetida a nenhuma
ordem estrita, seja ela a priso, o trabalho, ou a razo. Se fosse necessrio encontrar um
(ainda que isto seria irmos contra nossos prprios argumentos), seria de que o homem
aquele que luta at o ltimo segundo por um gro de liberdade, pela possibilidade mnima
de escapar a qualquer momento de uma ordem exterior que busque sistematizar seus atos.
O homem ainda hoje se debate com a absolutizao da razo, talvez ainda mais
intensamente nos tempos atuais. Com o avano do racionalismo, ele se debate hoje com
trechos deste trabalho. Vejamos como eles se unem a alguns fragmentos clnicos e
Dostoivski em seu debate com Tchernichvski mostra que apesar deste tomar a
posio de que o homem tem sua origem apenas por bases estritamente racionais, isso
realizados pela psiquiatria. Alguns psiclogos tomam a posio de Ktkov e optam por
perspectiva defendida por Dostoivski, a psicopatologia deve ter o direito de opinar sobre
como buscar melhorias para o ser humano, mas, no poderia estagnar nesta posio, j
que o homem no pode ser somente isso. E, neste momento, a clnica se abre para este
362
homem que no cabe em um tubo de ensaio. Notamos afirmao semelhante no trecho
de Memrias do Subsolo:
Pensai no seguinte: a razo, meus senhores, coisa boa, no h dvida, mas razo
querer constitui a manifestao de toda a vida, isto , de toda a vida humana, com
sobre este coar-se que a clnica se debrua, sobre este ato que s vezes caminha
para distante da razo e atravessa um sem fim de contradies. Esta coceira expressada
na fala de um paciente que diz devia seguir mais a razo que o corao, n?. Ela constata
que a vida formada pela razo e pelo corao, mas que titubeia entre essas duas posies.
Podemos pensar aqui o corao como esse coar-se j que ela o ope ao ato racional,
Encontram o muro citado pelo homem do subsolo em todas as direes que tentam
apontado por Safra (2004). Esta imerso em um mundo de definies que no encontra
lugar para este processo de rompimento com a coisificao. No ser uma possibilidade
de ao da clnica inquiet-los diante deste muro? Como um lugar que esta coisificao
se dissolva?
363
A discusso sobre a finalidade da arte contribui para pensarmos a utopia da
felicidade atual. Esta que expressada em frases no consultrio como quero ter paz
interior e outras declaraes que revelam uma busca por um cessar de conflitos.
realidade para que assim possa viver mais intensamente. Ora, a clnica nos prope este
desafio de acolher este pedido de paz interior, mas, seu objetivo tambm uma ausncia
de conflitos?
est lutando contra sua prpria natureza coaduna com a perspectiva de Safra (2004). Ele
afirma que uma pessoa pode estar em um estado de sofrimento tamanho que no se
encontra capaz de viver. Estas pessoas sofreram tanto, que vivem em um estado de
congelamento, refreando constantemente qualquer sentimento amistoso que possa ter, por
Contribui para essa reflexo sobre o amor, a intepretao de Joseph Frank (2013)
sobre Memrias do Subsolo. Ele nos traz a interpretao do homem do subsolo por meio
fenmeno atual das selfies sem maquiagem segue o mesmo tom, em um fingimento que
terico poderia ter, ou diante de qualquer teoria que poderia aplacar seu sofrimento.
Deixam-se de lado os dizeres dos psiclogos para se construir algo novo. Em um relato
de paciente, ela diversas vezes diz que uma psicloga havia dito a ela que ela no lidava
bem com perdas. A paciente volta nesta caracterstica que acredita defini-la, um sem
364
nmero de vezes. Ou seja, cristaliza-se na posio de saber este lugar de que uma razo
moderna, um psiclogo ou mdico, sabe me dizer quem eu sou. Mas, ela se coa diante
disso, ou seja, inmeras vezes volta a esta afirmao e busco provocar esta retomada.
A isso se refere tambm Safra (2004) quando fala do idioma pessoal do paciente.
No se pode provocar a coceira na razo sem antes conhecer como este muro foi
construdo. Adentrar aos poucos no universo singular de uma pessoa, ir aprendendo seu
idioma, como ela se define, seus trejeitos ao falar, um termo diferente que pode usar para
definir algo usual, adjetivos e apelidos que se vale para falar de algum.
perguntam sobre o sentido de suas vidas, mas querem falar de seus sofrimentos. Tal qual
o homem do subsolo, o que move a vida no o seu sentido, mas sim, o sofrimento de
letrados em seus livros e o que o homem do subsolo no faz em seu discurso. A obra
no versa sobre a vida e seu sentido, mas sobre um homem que sofre na relao com
aqueles que o circundam. Como salienta Safra (2004), a clnica se d sobre os eventos do
cotidiano, sobre a narrao dos fatos que acometem aqueles que decidem ir a um
consultrio.
Por fim, defender uma clnica para alm deste humano que cabe em um tubo de
ensaio afirmar sua liberdade e criatividade. Ou seja, a pessoa humana seria, a seu ver,
apud Safra, 2004, p. 59). Esta perspectiva de liberdade radical est aliada ao que o autor
defende sobre o ser humano como indito, como misterioso, como ser criativo (Safra,
se do fato de que uma imensurvel justamente pela existncia da outra. Safra (2004)
365
salienta que a liberdade, juntamente com a necessidade so as duas contrapartidas para
Concluso
escrita de Memrias do Subsolo, pode ser facilmente transferido para nosso tempo com
meio delas que ele traa sua teologia trgica. Deixar-se de perguntar sobre elas pode ser
tentativa de dar conta da frustrao moderna de o mdico disse que tenho isso, mas...,
experincia clnica abre-se como uma oportunidade para falar sobre isso. Resta-nos este
Bibliografia
366
de Doutorado, Departamento de Teologia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de
Frank. J. (2010) Dostoevsky: a writer in his time. Princeton: Princeton University Press.
Editora Leya.
367
A LITERATURA NA CLNICA FENOMENOLGICA: PESSOA, VIVNCIAS
E LEITURA
E-mail: jean.marlos@ufma.br
Afinal, nossa vida , para ns, transparente, mas o que transparente o mais difcil
Resumo: Este artigo tem como objetivo descrever e apresentar a vivncia de associao
prtica do psiclogo atuante tanto na clnica como na rea social permite ver e
deve atuar de modo a (des)velar os sentidos encobertos nas vivncias das pessoas
y Gasset so trazidos, brevemente, ao dilogo neste trabalho, que tem como a inteno de
seja, como recurso facilitador do acesso as vivncias das pessoas atendidas. Tendo
368
atendidas na clnica que fizeram a leitura dos livros A metamorfose de Franz Kafka e
Imanuel Kant. Por fim, apresento os resultados que ratificam a viabilidade que a
literatura oferece ao psiclogo como uma possibilidade de estender a terapia para alm
Abstract: This article aims to describe and present the experience of association between
the practice of both clinical psychologist and the social area allows you to see and
understand very clearly how the phenomenon presented by the people attending are
directly related to the lifeworld, as well as the interactions, fantasies and what mobilized
or paralyzed. In the clinical space, the psychologist must act in order to unveil the hidden
detach world and consciousness, nor the place of intersubjectivity. Husserl, Sartre and
Ortega y Gasset are brought into the dialogue in this work, which aims to exemplify and
freedom, and other literature. The literature is presented as an extended clinic, that is, as
"resource" facilitator of the acess of experiences of the people assisted. Based on the
phenomenological attitude are presented brief examples of three people attending the
clinic who read the books A metamorfose de Franz Kafka e Solido and Liberdade de
Jadir Machado Lessa and the trial O que o Esclarecimento de Imanuel Kant. Finally, I
369
present the "results" that confirm the viability that literature offers the psychologist as a
possibility to extend the therapy beyond the walls of the therapeutic space.
Introduo
fenomenologia e clnica.
Edmund Husserl e as filosofias de Jean-Paul Sartre e Jos Ortega y Gasset, mas sim
prtica clnica com pessoas de baixa renda em uma comunidade da periferia de So Lus.
permitir a ampliao da conscincia via acesso s vivncias por elas recordadas. Tanto
269
Ver Sartre (2003)
370
para Wilhelm Dilthey (1984/2008) quanto para Edmund Husserl o ato de compreender o
sentido e o significado das vivncias para aquele que as vivencia o que permite acessar
o mundo vivido. Nesse perodo, por meio dos relatos das vivencias recordadas e
anos, estas pessoas em questo optaram por mentir para si mesmas (agindo de m-f),
suas vivncias e, a partir disso, exera a reflexo sobre seu mundo vivido. Tomar
las em sua mostrao imediata uma das caractersticas do modo como o psiclogo que
atua com base nos fundamentos husserlianos e/ou sartreanos atua. Conscincia sempre
projeta para si mesma. Como nos lembra mxima husserliana Toda conscincia
conscincia de algo, contudo ter conscincia de algo no suficiente, preciso que esse
possibilita a antes de qualquer outra atitude, a reflexo com ateno sobre o que objeto
contato com o sentido que deram a estas vivncias, principalmente quando as vivncias
tentem explicar os modos de ser e estar no mundo, para adotar a atitude de compreenso
371
fenomenolgica. Assim como afirmou Dilthey (1894/2008): Explicamos a natureza,
compreensiva, ponto que considero ser comum entre o olhar fenomenolgico e o olhar
diltheyano.
Para promover esta reflexo o artigo est estruturado da seguinte forma: aps
A atuao clnica no foi sua preocupao, pois esta no era sua formao, todavia o seu
lgico, deixaram inmeras contribuies para que hoje os psiclogos das abordagens
terapia e centrada na pessoa possam ampliar o alcance de suas intervenes, por fim
pensar a clnica como mtodo e no apenas como um espao. Apesar de conhecer o que
372
Sua crtica ao psicologismo imprescindvel para aqueles que pretendem
foi seguida por seus predecessores tais como: Martin Heidegger, Maurice Mearleau-
Ponty e Jean- Paul Sartre, principalmente, bem como por outros grandes nomes da
1900/2014; 1911/1965)
(2013) apresenta o manifesto escrito pelos filsofos alemes em 1913 contra a ocupao
trouxe como mais relevante o carter pragmtico e prtico, bem caractersticos do mtodo
editorial.
b) o mtodo fenomenolgico;
objeto; e,
373
no prprio Husserl (1907/2008, p. 44) que est a definio: Fenomenologia -
designa uma cincia, uma conexo de disciplinas cientficas; mas, ao mesmpo tempo e
porque exige uma mudana de postura diante do modo como nos dirigimos aos mundos
O que se chama de clnica merece ser (des) coberto. De acordo com Agras
(1986) o uso do termo clnica deriva da psicopatologia mdica e est diretamente ligado
aos cuidados que o mdico tinha com o doente que estava acamado, logo a psicologia
e terapia de quem est em situao de doena, precisamos usar o termo com muito
cuidado, pois conforme lembra a autora a prpria psicanlise teve dominncia durante
associa quem busca apoio do psiclogo estar doente, estar acometido de alguma
psicopatologia.
Todas essas ideias corroboram para que uma nomenclatura no seja superior
2006).
374
Nesta discusso foram escolhidas as contribuies de Holanda (1997), Pereira
Junior (2011), Aviz (2013), Gomes e de Castro (2010), Franco (2012) e Rodrigues (2008)
fenomenolgica.
premissas.
vista e contribuies que, podem, se necessrio for, ser utilizado no trabalho do psiclogo
em atividade clnica.
Psiclogo passa a ser, diante dos fenmenos apresentados pela pessoa atendida, o auxilio
para que esta possa acessar de forma mais clara e objetiva os fenmenos vivenciados, mas
que por algum motivo no consegue perceber as intenes e pr-conceitos que tem em
relao a eles mesmos. muito comum nos casos que sero aqui discutidos que o
que v de modo racional. No sabe ele muitas vezes que usa da razo de modo irracional,
270
A perspectiva clnica de base husserliana resultado de reflexes nas obras de Husserl e em seus
comentadores, assim como tambm com as reflexes e contribuies de Gomes e de Castro (2010),
Moreira (2010), Pereira Junior (2011), Aviz (2013) sobre a fenomenologia na clnica.
375
ou seja, cria intencionalmente argumentos para no entrar em contato puro com os
atendido entre em contato com as questes que ele mesmo apresenta, mais ainda no
consegue, pode utilizar a literatura como um recurso para facilitar o encontro consigo
mesmo.
psicologia ento se opta pelo dilogo com as contribuies de Husserl e Sartre, ele tem
frequentemente aparecem nos relatos das pessoas atendidas, tais como: o medo, a
tempo necessita do outro para captar plenamente todas as estruturas do meu ser; o Para-
si remete ao Para-outro.
encontro da conscincia com o mundo mediada pelo outro. Reconheo que sou como o
intenes ele nega a si mesmo, nega a constituio da sua histria de vida, da trajetria
que o fez chegar at onde ele se encontra no presente, e foca sua justificativa no objeto
376
que entende ser a causa da sua angstia. Este o uso da racionalidade para tentar
coisas;
acima, no ser colocado acento sobre elas, mas sim nos pontos de convergncia. Destaco
Por literatura utilizada em situao clnica designo todo livro ou parte de uma
obra, que no seja livro de autoajuda, capaz de promover uma reflexo pessoa
atendida. E para poder sugerir a leitura o psiclogo deve ter o conhecimento da obra, dos
recursos cognitivos e afetivos da pessoa atendida, para que diante desta avaliao
377
parecer, mas de sugesto. Caso a pessoa atendida aceita ela dever ler a obra e se assim
desejar relatar como foi o contato com a obra e o que ela lhe possibilitou. preciso desde
recurso auxiliar da interveno clnica. Este uso depender daquilo que a pessoa em
para entrar em contato com o tipo de leitura sugerida. O Psiclogo precisa conhecer
previamente o autor e o enredo do livro que possa vir a sugerir, assim como as
caractersticas da pessoa atendida para avaliar com muita clareza se ela tem condies
de se apropriar da leitura no momento sugerido. Caso aceite, ela recebe cpia do material
textos fossem lidos, o atendido poderia ter o contato com um texto que tivesse um enredo
si mesmas um contedo existencial e levam reflexo quase que imediata daquele que a
l.
Com 3 (trs) pessoas atendidas foram sugeridas a leitura das seguintes obras:
Chamarei aqui por questes de sigilo as pessoas atendidas por pa1, pa2 e pa3. So os
de suas caractersticas. Tratarei ento de situaes por ela vivenciadas e, a partir disso,
378
PA1 Homem Leu parcialmente Solido e Liberdade (parou por 3
Kant
atendida 3
disponvel gratuitamente em sites de domnio pblico. E porqu esta leitura foi sugerida?
Os casos atendidos so semelhantes quanto ao modo como Pa1, Pa2 e Pa3 conduziam sua
existncia e suas escolhas. Eles se referiam a si mesmos e evidenciavam sua a estima por
importante destacar que duas das trs pessoas, afirmam sem pestanejar
logo no encontro subseqente a indicao da leitura, a seguinte frase: _ Esse livro foi
escrito para mim? E, a partir da comeavam a fazer referncia ao modo como elas
mesmas estavam encobrindo suas responsabilidades e fazendo uso da sua relao consigo
mesmo e com o outro, ou seja, seu modo de ser e estar no mundo. Coube ao psiclogo
379
instigar a reflexo e o retorno ao mundo vivido, como forma de compreender o significado
Como acessar o mundo vivido? Como fazer com que o mundo da vida no
seja apenas tematizado, mas seja percebido pelo atendido como o centro onde suas
homem, no sendo possvel deslig-lo de sua relao coma prpria vida. O mundo para a
fenomenologia no pode ser separado, pois ele movimento, fluxo de vividos estando
psicologia clnica e confirma ser ela uma alternativa para compreender as formas que o
investigao do vivido.
que tomou ao longo de anos. Ter conscincia da sua circunstncia de certo modo causa
possibilita encontro do homem com ele mesmo, num primeiro momento pela
380
identificao, num segundo pela reflexo sobre a aproximao da estria escrita com a
sentido que cada um atribui a sua vida, o que j um ato de liberdade (p. 89).
liberdade e entrar em contato com a liberdade viver a prpria vida em sua mais pura
manifestao. Disso o atendido no pode se desviar, pois a vida sua, quer queira ou no.
com seu modo de ser e existir e, nesse sentido o psiclogo clnico vai se utilizar do
aparecimento dela como estratgia para promover o acesso s vivncias. Nesse sentido,
Feijoo (2008) argumenta: Para atuar clinicamente, o psiclogo deve ater-se ao estudo da
condio prpria do existir humano: a angstia, atravs da qual o homem pode emergir
Consideraes finais
mesma o contedo necessrio para a sua compreenso e anlise, por isso em clnica
fenomenolgica no se faz uso de qualquer que seja o a priori ou de teorias, elas ficam
temporariamente suspensas para que a anlise transcorra apenas com a aquilo que a
381
Utilizar literatura na situao de terapia no algo comum, o relato deste
trabalho tem como objetivo compartilhar a sntese de algumas situaes percebidas, assim
suas vivncias de leitura. As trs pessoas tm em comum uma certa identificao com as
Referncias
382
PEREIRA, D. Q (2008). Sartre Fenomenlogo. Estudos e Pesquisas em Psicologia,
<http://www.revispsi.uerj.br/v8n2/artigos/pdf/v8n2a12.pdf>.
SARTRE, J-P (2006). Esboo para uma teoria das emoes. So Paulo: LP&M.
RJ: Vozes.
http://www.polbr.med.br/ano09/pcl0809.php.
383
LINGUAGEM E FENOMENOLOGIA: ESTUDOS SOBRE A PALAVRA NO
ACONTECER DA PSICOTERAPIA
sentido originrio, como caminho possvel para a apario do que est oculto, ou seja, um
caminho definitivo a ser seguido como na tcnica, nem tampouco um objetivo a ser
e a conversa - para a aproximao de cada si mesmo com seu prprio modo de ser, e de
sua histria. Nesse trabalho ser trazido principalmente as contribuies de Paul Ricoeur
Linguagem; Metfora.
its original meaning, as a possible way for the emergence of what is hidden, that is a
271
Bolsista CAPES.
384
process of revealing itself to its own understanding. In this mode, one does not operate a
- and conversation - for approaching each itself with its own way of being, and with their
history. This work has mainly brought the contributions of Paul Ricoeur for the
Language; Metaphor.
385
Introduo
psicoterapia272. A experincia clnica nos mostra, sob uma tica privilegiada, um leque
exclusivamente por cada pessoa. de comum acordo entre os psiclogos que cada pessoa
possa investir num processo psicoterpico ela mesma, e viver essa experincia da forma
autoral e nica, fazendo do seu processo to singular quanto si mesma, quanto suas
que explicam a dinmica metapsicolgica. Talvez esse trabalho nos fosse facilitado se
inconsciente um mtodo cientfico com heranas das cincias empricas, e que sem
de um exerccio fenomenolgico.
uma grande complicao se o nosso intuito fosse tentar provar sua eficcia, ou chegar a
272
Ao falarmos de psicoterapia ou processo psicoterpico estaremos nos referindo especificamente ao
modelo tradicional inaugurado por Freud (e no teoria psicanaltica), sendo um processo caracterizado
pela fala e a conversa, embora tenhamos conhecimento de outras terapias que se utilizam de diferentes
recursos centrais tais como o corpo, ou a msica etc.
386
questionamento da dissoluo da filosofia no modo cientfico de pensar, como crtica
conhecimento tudo aquilo que no possa estar subordinado estrita noo de verdade
estrutura encerrada e rgida, de uma perspectiva que o captura num modo de ser
universal, como ocorre numa teoria definitiva donde se observam processos de causa e
no podemos nos ater premissa de verdade como devemos question-la. Assim, invoca-
metafsica - pois isso incorreria em cometer aquilo que se critica - mas de mostrar o quo
como um meio para atingir um fim, e assim consider-la como algo definitivo,
estabelece com o mundo, ele, cientista, acaba por esquecer-se da essncia das coisas
esperados, uma vez que se defende que cada ser no se no uma possibilidade na sua
387
abertura e imprevisibilidade. No se pode controlar nem tampouco prever o que cada
pessoa se tornar. Com isso queremos dizer que no h o que defina o ser do ser humano,
existncia. Ou seja, o ser-a ek-siste, que significa estar originalmente aberto e lanado
para fora de si, num mundo conjuntural situado numa poca e numa cultura vigente.
O procedimento da psicoterapia
fenomenolgica?
responder a essa pergunta tendo em vista um objetivo claro e definido, algo que pudesse
trazer um referencial especfico como meta a ser alcanada. Dessa forma, privilegiaria-se
este modelo atende aos procedimentos da tcnica, necessrio para algumas cincias
especficas que se efetuam na rigidez de procedimentos que assegurem o estado das coisas
controlado e bem definidos. o campo das cincias que atuam, por exemplo, na
segurana das edificaes de construes, e proteger o bem estar social enquanto espao
fsico.
388
O conceito da tcnica trazida pela autora em seu artigo A psicologia clnica:
construes civis trabalham com concreto, areia, pedra, a psicologia se dedica a questes
ocasionando a sobreposio do olhar s coisas ao olhar o humano. sobre isso que Feijoo
se ocupa em seu texto ao expor que a tcnica tem um significado caracterstico dos modos
Safra (2005, p. 124) aponta que uma grave dificuldade do homem contemporneo
no abrir espao para o mistrio, para o incerto (que a prpria condio ontolgica do
homem), sendo o psiclogo tambm capturado e obturado por esta tendncia no momento
algum conhecimento sobre a situao humana, vemos muitas vezes que a teoria do
analista lhe rouba a possibilidade de viver o mistrio com o seu paciente. Isto trgico!.
389
() implica que o homem nasce de um gesto, de uma ao que acontece na
instabilidade, entre o ser e o no-ser. O ser humano jamais est encerrado no mundo,
por isso no pode ser nomeado, nem capturado por nenhum esquema. Viver
Esta a poca em que tudo pode ser produzido, em que tudo factvel, de maneira cada
vez melhor e mais rpida (Pompia & Sapienza, 2011, p. 124). a tcnica que permite
tcnica como se tudo pudesse ser dominado e reproduzido. Sua eficincia medida a
inesperados. O perigo est na perda da liberdade frente aos dispositivos tcnicos, criao
do prprio homem, cuja essncia pode se sobrepor essncia do homem, e deste modo,
tornar esse homem escravo de sua prpria criatura. (Feijoo, 2004, p. 90). V-se a o
da tcnica. Ou como diria Galimerti (citado por Safra, 2006, p. 32) assistimos uma
reviravolta pela qual o sujeito da histria no mais o homem, e sim a tcnica que,
390
ainda que, atravs de seus clculos, pode prever e controlar tudo a sua volta. Quando
esta forma de pensar predomina, do-se as objees com relao ao meditar, que
que, alm disso, no tem nenhuma utilidade de carter prtico. Acredita o homem
da cincia que, por se tratar de uma meditao, este modo de pensar faz-se pequeno
onde se exercia, no sem esforos, o pensar dedicado sobre algo que podia ser trazido
luz depois de empenhar-se na reflexo sobre a coisa. Segundo Pompia (2011) a tchne
o procedimento que permite que alguma coisa que ainda no era passava a ser. A isso
aquilo que est encoberto, ao seu modo, respeitando seus limites e possibilidades. Ela
O acontecer da psicoterapia
teraputico, de inicio e na maioria das vezes relatam estar vivendo momentos de muita
angstia. Muitas delas chegam com uma problemtica existencial que gera sofrimento, e
que tem a necessidade de ser resolvida. Mas h tambm aquelas que chegam terapia
391
sem nenhuma queixa especfica, seno com uma sofrvel sensao de estranheza de si
mesmas e de suas vidas. Ou ainda, as que no conseguem dizer exatamente o que est
lhes passando porque elas mesmas no entendem o prprio incmodo. Algumas pessoas
dizem estar observando suas vidas lhes escapando das mos, como se estivessem
percorrendo um caminho desconhecido e alheio, sem mais saber o porqu e nem se esse
trilhar no qual esto (ainda) faz algum sentido. Como se precisassem resgatar o
tempo. Sabemos que os seus problemas esto ancorados em tantos outros aspectos ainda
oferecendo o
aproximaro da histria vivida por ele, dos seus modos de ser consigo mesmo e
com os outros, dos seus planos de futuro, do que tem constitudo a sua vida,
incluindo a aquilo pelo que ele procurou a terapia. (Pompia & Sapienza, 2011, p.
131)
modo da tchne, permitindo que o ser venha presena tal como se constitui no seu
deixando apreender por nenhum sistema e teoria, vai atuar pela tchne, deixando
392
caminho para tal homem: este que, no seu desvelar, vai deixando-se vir presena,
cliente uma parceria para se meditar sobre a verdade de sua histria. Essa disposio da
modo de ser, e de como se do suas relaes com os outros e com o mundo. No importa
os resultados a que se chegaro, uma vez que a aposta est no processo de desvelamento
O que permite que isso acontea, defende Pompia (2011, p. 138) o fato de, como
pode morar. Ele refere palavra como o caminho possvel para o aparecer do homem, e
A palavra e a linguagem
coisas que lhe aconteceram durante a semana, conta alguma situao complicada e
desagradvel que teve no trabalho, descreve sonhos que o inquietaram de alguma maneira
sem saber seu significado, retoma a reflexo de algum ponto especfico das conversas de
393
A partir da minha prpria experincia na psicoterapia como paciente pude273
queria comunicar. No sabia se o repertrio que tinha era suficiente para me fazer
me faltar palavras para me sentir representada em minha prpria fala, em referncia a uma
tambm escrita. Pude observar, ao longo da minha experincia como psicloga clnica
conseguir localizar aonde exatamente ela diz aquilo que nos diz. Com maestria
serem absorvidas pelos poros, ou por um processo de osmose, como se algumas coisas s
pudesse ser ditas por metforas. Tal era o impacto de sua leitura que a compreenso de
seus livros me parecia ser vivida no corpo. No toa, Clarice Lispector dedicou boa parte
pensamento quilo que se intencionava revelar. A linguagem era vista como algo exterior,
que era utilizada como mera expresso e s vezes at entendida como barreira
manifestao das ideias. (Carmo, 2004, p. 95). Nesse sentido, as palavras eram signos
que designavam alguma outra coisa, como se um valor ou significado lhes fosse atribudo.
Ento, seria como dizer que as palavras eram pensadas como recurso ou ferramenta para
273
A primeira autora do trabalho
394
exprimir uma experincia interna, supondo-se assim, uma distino marcada entre
O filsofo Paul Ricoeur se ocupou dessas questes, e fez um percurso que passa
faz uma descrio compreensiva da linguagem tanto em termos estruturais (no resgate s
ideia dos linguistas) quando do seu significado. A sua leitura de Saussure uma retomada
conceitual dessa ideia primeira na proposta de superar tal sistema binrio (objetivo-
subjetivo). O ponto de incio desta obra marcar a distino trazida por Saussure entre a
linguagem como langue e como parole. Segundo Ricoeur (2006, p. 14) se o discurso
respeito lngua enquanto estrutura e sistema e no enquanto usada. A nossa tarefa ser,
274
Nesta pesquisa compreendemos conscincia diferentemente da psicanlise. Conforme Ales Bello
(2006, p 45) a conscincia no um lugar fsico, nem um lugar especfico, nem de carter espiritual ou
psquico. como um ponto de convergncia das operaes humanas, que nos permite dizer o que
estamos dizendo ou fazer o que fazemos como seres humanos. Para mais detalhes ver Introduo
Fenomenologia (2006): Bauru, EDUSC.
395
Ricoeur vai oferecer uma novo modo de pensar a diferena dicotmica da
linguagem, trazida por Saussure. O autor prope abandonar a oposio daquilo que seria
objeto de uma nica cincia, a descrio dos sistemas sincrnicos da linguagem. Ela
por algum e por isso localizada no contexto e no tempo (tanto no momento da prpria
Por outro lado, "o cdigo annimo e no intentado, colocando-se como teoria geral dos
signos, a semitica. "Em tais sistemas finitos diz ele, todas as relaes so imanentes
leitura fenomenolgica essa ltima frase parece nos to estranha quanto a suposta
Nosso esforo ser no sentido de no fixarmos nessa estrutura objetiva, pois, assim
ser, pois atravs dela que se poder elucidar uma semntica do conceito de
momento da compreenso de si, por isso, ele defende que o elemento comum a toda
396
sentido, que tem como funo, de uma maneira geral, mostrar escondendo. (Paula,
2012, p. 243).
tambm o evento do discurso, contribuio essa que nos ajudar na investigao deste
propriamente dito, h uma lacuna entre o que foi dito, e o que o leitor l. Nos texto e em
outros tipos de compreenso indireta, que tem o carter do evento impessoal ou indireto
do autor, nesse caso, fica aqum do alcance. Na conversa entre duas pessoas o discurso
84). Nesse cenrio entre locutor e ouvinte, diz ele que o que dito um tipo "imediato de
expresso, onde se localiza o sujeito que fala, e o sujeito que escuta, sendo ambos
outras mentes (diferente dos texto e outros tipos de compreenso indireta, que tem o
397
Conforme manifestamos, o principal elemento da contribuio de Ricoeur para este
principais de sua obra citada que nos auxiliar no entendimento da palavra como
metfora como pedra angular para a compreenso daquilo que se fala como discurso
de termos usuais, sendo imprescindvel que ela seja compreendida numa e por uma
interpretao literal que se autodestri numa contradio significante (p. 62). Sua
particulares. Para que se mantenha esse status, necessrio preserva-la como metfora
viva (Ricoeur, 1976, p. 64), livre dos vcios de linguagem cujos significados tangenciaram
275
Segundo Heidegger, o falatrio um dos modos do ser-a cair na impropriedade, ou seja, um modo
pelo qual o ser foge de si mesmo, e adota a forma dos outros, ou o do todo mundo para cuidar de si
mesmo. o dizer cotidiano que todo mundo diz, verbalizar a impessoalidade daquilo que se est
acostumado. Essa ideia bem esmiuada em sua obra Ser e Tempo.
398
Sobre isso, ilustramos com uma passagem de Safra (2006, p. 32) que nos diz algo
A fala do ser humano tanto pode ser tamponamento como pode ser acolhimento
daquilo que se revela. A fala pode estar a servio de uma tentativa de construir um
humano, ou ela pode ser acolhimento do que existe, do que se revela. Nesse sentido,
Ou seja, o autor refere que a fala tanto pode se dar enquanto voz prpria a convocar
a sonoridade que reverbera de si, quanto a fala da palavra pode ser o retirar-se ou aquilo
expresso clara de tornar os sentidos das palavras em inveno prpria para o significado
traduzveis, porque criam o seu sentido () e que sua parfrase infinita, incapaz de
exaurir o sentido inovador.. (Ricoeur, 1976, p. 64). A segunda concluso do autor que
uma metfora no um ornamento no discurso pois est alm do seu valor emotivo, ela
Sobre os smbolos
399
Ricoeur descreve o smbolo como "elemento polissmico, jamais preso a uma nica
primrio que nos encaminha para um sentido doravante, onde s possvel chegar no
p. 67):
literal e outra simblica, mas antes um nico movimento que o traslada de um nvel
significao literal.
psicanlise), isso seria o pobre smbolo. J para Florensky, o smbolo evento potico
outro. O smbolo sempre a membrana com a dimenso infinita. (G. Safra, comunicao
pessoal, outubro, 2014)277. Da mesma forma Ricoeur (1976, p. 68) nos diz que "o smbolo
no passvel de ser tratado pela linguagem conceptual por existir muito mais num
276
Relato pessoal do Seminrio Internacional e Disciplina de ps-graduao PSC5902 "A Psicopatologia
Fenmeno-Estrutural: Aproximao Terica, Clnica, Psicopatolgica e Teraputica", oferecida pelo
Programa de Ps-graduao em Psicologia Clnica do IPUSP. Data: 25 e 26 de setembro de 2014.
277 Relato pessoal em aula da disciplina PSC5963-1 Dilogos Clnicos: a Contribuio de Pavel Florensky,
oferecida pelo Programa de Ps-graduao em Psicologia Clnica do IPUSP. Data: 22 e 29 de outubro de
2014.
400
Para o filsofo, o smbolo a consistncia da imagem, h uma relao de
sensvel, como a rvore, o cu e muitas vezes nos apresenta sua dimenso com o sagrado
(ex. o cu abre um sentido que ultrapassa o homem). nesse sentido que os smbolos
Isso marca toda a diferena do smbolo com a metfora est uma criao livre do
1976, p. 73). Todo o smbolo depende de sua narrao a partir do discurso, caso contrrio,
Concluso
A situao clnica pode ser um espao privilegiado que acontece atravs das
apreender o infinito do ser humano, e ao entender a palavra como evento do ser humano
que cria o homem e a apario do seu mundo, ento compreende-se que a palavra, na
401
palavra no um instrumento, ou um smbolo opaco desprovido de autenticidade (embora
possa ser, a depender de seu uso), embora estejamos, conforme diz Safra (2004, p. 46),
e a palavra, que como vimos, aponta a infinitude da experincia. (G. Safra, comunicao
pessoal, outubro, 2014)278. Entendemos que a palavra e a linguagem devem ser superada
Compreendemos haver o discurso objetificado que distancia o locutor daquilo que fala,
mas em oposio a isso, a palavra tambm carrega sua dimenso criativa, capaz de trazer
deveria ser aquele que permite a abertura de um espao em si para caber e acolher
278 Relato pessoal em aula da disciplina PSC5963-1 Dilogos Clnicos: a Contribuio de Pavel Florensky,
oferecida pelo Programa de Ps-graduao em Psicologia Clnica do IPUSP. Data: 22 e 29 de outubro de
2014.
402
abismo, a contemplar o prprio mistrio para suportar o aparecer do mistrio do existir e
o mistrio do outro.
(...) a histria das palavras e da cultura parece indicar que, se a linguagem nunca
um nvel lingustico e literrio, uma vez que as metforas mais insistentes se pegam
Referncias
SP: EDUSC.
Editora Planeta.
403
FEIJOO, A. M. L. C. de. (2011). A crise da subjetividade e o despontar das psicologias
jul./set.
So Francisco.
1999.
POMPIA, J. A. & SAPIENZA B. T. (2011). Terapia e a era da tcnica. In: Pompia J.A.
404
VIVNCIAS PSQUICAS FACE VIOLNCIA NA PERSPECTIVA DA
E-mail: sf.carneiro@uol.com.br
fenomenologia de Edith Stein. Refletimos aqui sobre a vivncia de dois estrangeiros face
investigaes de Stein a respeito das dimenses psquica e espiritual do ser humano nos
conscincia
Abstract: This work is part of a doctoral research whose goal is to understand the lived
experiences of people who live in the outskirts of the city of Salvador in light of Edith
279
Bolsista doutorado FAPESP.
405
Steins phenomenology. Here we reflect on the experience lived by two foreigners facing
investigations of Stein about the psychological and spiritual dimensions of the human
being help us to understand the experience described not only in the narrow context of an
involuntary reaction of a "victim subject", but also as part of an adaptation process that
violence; consciousness
Introduo
hospedou no local por 10 dias e realizou entrevistas com 7 moradores idosos (3 homens
vivncias no bairro. No presente trabalho descreveremos duas situaes relatadas que nos
406
Contexto de pesquisa
regio sudoeste da cidade de Salvador, na rea denominada cidade baixa. Nos anos 50,
esta regio, onde se encontra a Pennsula de Itapagipe, foi nomeada polo industrial de
atraiu famlias vindas principalmente do interior da Bahia, que se mudaram para a regio
outras regies da cidade. Posteriormente, parte da regio foi aterrada com auxlio do
governo local280.
Em 1980, o Papa Joo Paulo II visitou o bairro e inaugurou a Igreja Nossa Senhora
dos Alagados, construda em funo de sua visita. De acordo com os moradores, o bairro
se desenvolveu muito nesta poca por interesse do governo que sabia que a visita de Joo
Paulo II atrairia os olhos do mundo para eles. A Igreja foi construda no alto de uma
colina que, por ser uma regio geogrfica estratgica, era cobiada pelas duas faces do
trfico presentes no bairro. A mesma colina tambm era conhecida como local onde a
contra os jovens envolvidos ou no com o trfico. Por este motivo, o bairro do Uruguai
280
Informaes colhidas de relatos dos moradores.
407
A presena da Igreja Nossa Senhora dos Alagados atraiu a vinda de missionrios,
que morou no Uruguai como proco da Igreja Nossa Senhora dos Alagados durante 9
anos. O segundo relato de uma jovem francesa com a qual a pesquisadora conversou
aps um ano em que ela estava no local. Apresentaremos a seguir os relatos de Daniel e
Joana, nomes fictcios com os quais nos referiremos a estes dois participantes da pesquisa.
Daniel
Em 1994 foi morar no bairro do Uruguai, passando a ser proco da Igreja Nossa Senhora
dos Alagados. Assumiu esta funo a pedido do ento Arcebispo de Salvador, D. Lucas
Moreira Neves devido situao difcil em que a Igreja se encontrava. Como vimos, por
ser a colina onde a Igreja se encontra, um local cobiado pelo trfico de drogas, os padres
que ali se instalavam sofriam ataques frequentes como roubos e ameaas de morte. Com
isto, nos primeiros anos, j haviam passado 6 padres, que aps algum tempo enfrentando
esta situao, acabavam indo embora. Ao assumir a parquia, Daniel passou a oferecer
atividades de cunho social para os moradores com o apoio de um jovem casal francs que
281
O contrato Fidei Donum um contrato de cooperao estabelecido entre duas Dioceses. Atravs dele,
o sacerdote de uma das Dioceses enviado por seu Bispo para servir Diocese parceira por um perodo
determinado. Este modelo de colaborao foi proposto pelo Papa Pio XII na Carta Encclica Fidei Donum
de 1957 em que se tratou da necessidade de ajudar sobretudo as misses da frica (Carta Encclia Fidei
Donum - Retirado do site em 21/09/2014
http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_21041957_fidei-
donum_po.html).
408
De acordo com depoimento de Daniel, aps algum tempo de projeto, fomos
descobrindo o inferno da realidade. Isto porque muitas meninas que vinham participar
eram meninas dos chefes do trfico e tinham uma postura bastante arrogante em
relao ao padre, aos colaboradores e s outras jovens. Com o tempo, Daniel percebeu
que elas no estavam interessada no que eles ofereciam (formao humana, curso
Conta que chegaram a ser assaltados no projeto por cumplicidade de algumas alunas.
Alm disso, houve casos em que algumas jovens pararam de frequentar o projeto sem
lhes dar satisfao. Posteriormente, descobriram que o motivo do sumio havia sido o
Ao relatar esta situao Daniel afirma: Tivemos uma Graa de cegueira que nos
das dificuldades no desencorajaram Daniel e sua equipe. Daniel se deu conta de que o
projeto era muito idealista e que havia sido concebido por trs cabeas francesas, ou
prepararem melhor para esta misso e por isso, decidiram interromper o projeto por um
ano para se formarem. Cada um dos colaboradores buscou uma formao: uma na rea
Joana
Reforo Escolar que funciona no salo da Igreja Nossa Senhora dos Alagados e atende
crianas de 7 a 10 anos no contra turno escolar. Em seu pas ela havia trabalhado com
moradores de rua e tambm com crianas com deficincia mental. Alm disso, tinha
409
vivido por alguns meses na frica em uma misso com Irm Emmanuelle do Cairo282.
Joana afirmou que durante os primeiros meses no Uruguai, achou que o local no fosse
to pobre e violento como as pessoas haviam dito. Comparava a pobreza material ao que
tinha visto na frica e achava as pessoas ricas ali, pois tinham geladeira e at mesmo
televiso.
De acordo com Joana, esta viso inicial do bairro mudou radicalmente aps alguns
meses e o divisor de guas para esta mudana foi um sonho. Contou que uma noite sonhou
com tudo o que tinha vivido nos primeiros meses no Uruguai. Disse que as cenas
passavam como um filme em que ela viu tudo o que no queria ver. Afirmou que era
como se o meu consciente no visse a violncia, mas tudo estava sendo guardado no
inconsciente.
Contou por exemplo, que na noite em que chegou em Salvador havia uma festa
na sua rua e ela no conseguiu chegar em casa. Havia muitas pessoas bbadas e drogadas,
algumas cadas no cho. Disse que este foi o primeiro choque e que naquele momento
compreendeu o que devia esperar do local. Joana afirmou que foi o primeiro quadro que
viu e que, como em uma exposio, este quadro apontava para os prximos que ela veria.
Viu uma mulher na rua carregando um beb de colo, que por estar bbada deixava o beb
cair no cho a todo momento. Viu muitas outras coisas das quais ela realmente se deu
De fato, de acordo com Joana, os trs primeiros meses no bairro foram muito
intensos e ela afirma que teve que descobrir quase tudo sozinha. Fazia visita s casas
282
Irm Emmanuelle de Cairo era uma religiosa de origem belga. Pertencia Congregao de Nossa
Senhora do Sion e trabalhou durante muitos anos na favela de Ezbet-Nakhl no Cairo (Egito), motivo pelo
qual ficou conhecida como a irmzinha dos mendigos. Morreu em 2008 na Frana, aos 99 anos
(informaes retiradas do web site no dia 21/9/2014
http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/vaticano/faleceu-em-franca-a-irmazinha-dos-mendigos/).
410
acompanhada pelas crianas do reforo escolar e se esforava muito para aprender o
portugus. Afirma que esteve to ocupada neste incio, que no teve tempo de refletir a
respeito de tudo o que estava vivendo e fazendo. Foi neste contexto que Joana sonhou.
Descreve o sonho como um filme onde ela reconhecia cada imagem: a festa na
sua rua no dia da chegada, o movimento do trfico, a mulher bbada com o beb. Os
Conta que aps esta experincia, ficou com uma sensao de estar paralisada. Disse que
antes do sonho no percebia nada. Via o movimento de carros, mas no percebia que eram
traficantes. Fazia visitas na invaso (parte menos urbanizada do bairro e dominada por
uma das faces do trfico) e no achava perigoso. Mas afirma que depois do sonho toda
essa viso mudou. Afirma que seus olhos se abriram e ela viu uma pobreza to profunda
como nunca tinha visto. Disse ter se dado conta da pobreza em relao violncia,
protegidos, inclusive contra a polcia. Para Joana, o sonho foi, portanto, um divisor de
guas que mudou sua viso e tambm os sentimentos. Aps esta experincia, ficou muito
tempo sem sair de casa porque tinha medo. S queria ficar em seu quarto lendo.
Ao ser questionada sobre o que ela lia, Joana conta que leu livros sobre a vida de
Dom Bosco, irm Emmanuelle do Cairo, padre Guy Gilbert, Abb Pierre, Charles de
Foucauld, entre outros. Disse que hoje percebe que lia a vida de pessoas que acreditavam
no amor, que buscou livros que contavam a histria de pessoas que ajudaram outras
pessoas em dificuldade. Joana afirmou que estas leituras foram importantes porque
comeou a encontrar semelhanas entre a vida daquelas pessoas e a sua, e com isso
411
comeou a achar foras para continuar a misso sem medo. Conta que tinha f, mas que
os livros lhe deram esperana. Relata que precisava deste tipo de leitura.
Aps dois meses Joana conseguiu retomar suas atividades sem medo. Disse que
com o tempo encontrou um modo de se colocar, uma postura que tem funcionado: quando
percebe algum perigo, olha as pessoas com amor e ao mesmo tempo com um olhar muito
firme. No momento do perigo, sente seu estmago contrair e diz para si mesma: - Nada
Joana afirma que essa experincia mudou sua vida. Hoje se sente forte, como se
pudesse enfrentar qualquer coisa. Sente tambm que aumentou a sua compaixo em
relao s pessoas. Quando v uma criana na rua ou uma pessoa deitada na calada tem
vontade de ajoelhar diante dela. Contou que sempre fez trabalho voluntrio, sempre quis
ajudar o prximo, mas h uma diferena agora, pois nunca tinha tido este desejo de se
ajoelhar diante da pessoa. Conta que agora v Deus atravs destas pessoas.
Ao ser questionada a respeito do que havia feito com que ela continuasse a misso
mesmo com todas essas dificuldades, Joana respondeu que havia sido o amor dela pelas
crianas e o amor que recebe das crianas. Contou que o amor das crianas pouco a pouco
a abriu para algumas pessoas adultas, principalmente para as mulheres. Algo muito difcil
para ela nesta misso foi o fato de se deparar com homens terrveis no bairro: bbados,
traficantes, homens que abusam das mulheres e crianas, e que no cuidam de ningum.
Disse que isto a ajudou a pensar que a mulher precisa de ajuda. Contou que antes de vir
para o Brasil tinha em mente um projeto de abrir uma casa de acolhida para mulheres e
que aps esta experincia no bairro, a vontade de colocar este projeto em prtica
aumentou. Est decidida a trabalhar com isto quando sua misso no Brasil acabar. Em
relao continuidade da misso no Uruguai, Joana afirma que quer morar na invaso
412
e este seu desejo se expressa pela seguinte afirmao: - Quero mostrar o meu amor pelo
semelhante vivida pela pesquisadora na sua primeira estadia no Uruguai para coleta de
varanda que fica no segundo andar de um sobrado de 3 andares. A varanda cercada por
um muro baixo, o que permitiu o contato com um vizinho que trabalhava ao lado.
gravador ligado em cima da mesa e Ester foi relatando sua vida no Uruguai. A certa altura,
ouvimos um barulho muito forte e percebi que Ester ficou assustada. Ela colocou a mo
no peito e disse: - Meu Deus o que isso? Em seguida gritou com uma voz nervosa ao
vizinho para saber do que se tratava. Sem resposta, me disse que eram fogos e
continuamos a entrevista.
assustado com o barulho, mas de ter continuado a entrevista sem prestar mais ateno a
este fato aps ter sido assegurada por Ester de que eram fogos. Passados alguns meses,
primeira vez que o estivesse ouvindo. Desta vez me dei conta de que era barulho de arma
de fogo e senti medo por ter estado to prxima de tiros. Foi como se a fora da realidade
283
Nome fictcio escolhido para esta senhora que morou durante 34 anos no bairro do Uruguai. Ester
faleceu 8 meses aps a entrevista.
413
violenta que eu tentava amenizar deixando-me assegurar pela fala de Ester de que eram
fogos, tivesse rompido um vu protetor que me havia permitido caminhar pelo bairro em
cegueira protetora.
Stein (2000), que apesar das diferenas culturais, sociais, circunstanciais, estas pessoas
tiveram vivncias semelhantes no contato com o bairro. Tal semelhana se faz possvel
pela estrutura comum que as irmana enquanto membros da grande comunidade humana.
semelhantes a sua nos relatos de outros pela capacidade emptica. De fato, Edith Stein
termos uma estrutura comum. Ales Bello (1998) escreve a respeito da empatia:
pessoas estrangeiras no contato com o bairro do Uruguai. Neste sentido, a empatia nos
414
auxiliou no processo de reduo fenomenolgica onde selecionamos do material
vivncia comum aponta para sua relevncia no estudo e nos motiva ao esforo de
dimenses e tambm do entrelaamento entre elas. Stein (1999) deixa claro que no h
uma relao causal linear entre as vivncias, no sendo possvel, portanto, identificar um
elemento particular ou uma vivncia particular que cause outra, como poderamos ser
tentados a buscar.
identifica como a causa que media a passagem de uma qualidade psquica a outra. Trata-
O processo causal desencadeado pela fora vital pode ser melhor compreendido se
Segundo a autora (Stein, 1999) toda vivncia composta por trs componentes: o
qual a conscincia se volta, o contedo que ela recebe e que pode ser externo (como um
dado de cor) ou interno pessoa (um estado de bem estar, por exemplo) (Stein, 1999). O
viver o contedo refere-se ao modo como ele apreendido pela conscincia. Diz respeito
415
O viver por sua vez influenciar o terceiro componente citado por Stein (1999)
que a conscincia deste viver. Tal conscincia pode ser traduzida como o dar-se conta
do que se est vivendo e no deve ser confundida com a conscincia que fruto da
vivencia espiritual da reflexo. Edith Stein (1999) ilustra a influncia que o viver tem
sobre a conscincia deste viver (o dar-se conta dele) ao afirmar que quanto mais intenso
respeito das vivncias e da relao entre elas, passaremos anlise dos relatos de Daniel
primeiro diz respeito a uma viso aberta e ampla que busca captar o que comum aos
psquicas individuais. O percurso comum ser o fio condutor de nossa anlise e inserido
ouvir falar sobre a violncia do bairro; 2) o contato direto com o bairro onde prevalece a
O primeiro contato com o bairro do Uruguai tanto para Joana como para Daniel
foi a partir de relatos de terceiros, o que significa na viso de Edith Stein (1998), que seu
acesso ao bairro se deu primeiramente por vivncias no originrias, ou seja, pela escuta
das vivncias de terceiros em relao ao Uruguai e no pelo seu contato direto com o
local (Stein, 1998, p.73). No podemos afirmar com segurana, mas provavelmente tais
416
relatos permitiram a Daniel e Joana formular, pela vivncia da imaginao, uma viso
aparea no relato de Daniel, este contou-nos que o Uruguai tinha uma fama terrvel no
bairro onde morava e que isto o deixava temeroso. Tambm Joana havia escutado falar
do Uruguai como um local onde a pobreza e a violncia eram grandes, o que pode ser
ilustrado pela afirmao de que no incio no achava o bairro assim to pobre e violento
Esta afirmao de Joana nos remete ao segundo momento descrito como o contato
direto com o bairro e a cegueira protetora. Apesar de ter presenciado cenas difceis
como a festa em frente a sua casa no dia da chegada, Joana relata que no percebia a
violncia, que via por exemplo o movimento de carros, mas no enxergava que esta
cegueira protetora e cuja natureza Ales Bello (2006) nos ajuda a compreender ao
identificamos nesta anlise a cegueira protetora como uma vivncia psquica reativa de
Esta anlise da cegueira protetora como uma vivncia psquica comum a Joana
e Daniel. Entretanto, a forma como cada um descreveu esta vivncia e o sentido pessoal
417
conferido a ela nos permite adentrar nas suas singularidades. Joana, por exemplo,
descreve a vivncia dizendo: Era como se o meu consciente no visse a violncia, mas
tudo estava sendo guardado no inconsciente. Joana no nega o contato com a violncia,
la de modo consciente e de refletir a respeito desta realidade. Esta possibilidade pode ser
formando o que Stein chama de fluxo de vivncias (Stein, 1999). A autora compara
este fluxo a um rio284 que flui de modo contnuo. A cada momento novas vivncias vo
sendo agregadas de modo que haja uma sucesso, mas tambm uma coexistncia de
vivncias que se organizam por camadas neste fluxo. Nesta dinmica, podemos pensar
que a percepo da violncia ocorreu, mas pode ter sido registrada em uma camada mais
profunda do fluxo onde ela permaneceu viva, embora no consciente. Stein considera
uma vivncia viva, aquela que atua na pessoa no sentido de produzir novas fases no
fluxo, novas vivncias, como por exemplo, o sonho (Stein, 1999, p. 46).
Outro aspecto do relato de Joana que nos chama a ateno e permite compreender
a vivncia da cegueira protetora, foi o fato dela expressar que isto aconteceu nos trs
primeiros meses aps sua chegada. Joana francesa, vem de outra cultura e estava
284
A imagem do fluxo como um rio foi trazida pela Profa. Dra. Angela Ales Bello em referncia a Edith
Stein, durante Seminrio aberto no Instituto de Psicologia da USP/SP entre os dias 15 a 18 de setembro
de 2014, intitulado A Experincia Religiosa entre Psicologia e Fenomenologia (Disciplina PSC59621).
Contedo retirado das anotaes pessoais da pesquisadora.
418
dispndio de fora vital e toda a ateno voltada para este processo. De fato, de acordo
com Stein (1999), a capacidade de receber os dados sensveis e a intensidade com que
eles se apresentam depende do estado de nossa fora vital naquele determinado momento
(Stein, 1999, p.66). Portanto, a diminuio da quantidade de fora vital provocada pelo
Pelo seu relato, percebemos que Joana esteve concentrada no processo adaptativo
e suas famlias. Estava, como ela afirma, em um esforo to grande que no tinha tempo
de refletir sobre tudo o que vivia. A fora vital de Joana era utilizada na realizao das
crianas. A falta de tempo neste caso associa-se ao grande esforo que tomava todo o seu
dia, inclusive as noites onde ela refletia sim, mas a respeito do trabalho no reforo escolar
e das expresses que ouvia as crianas falar e que procurava compreender. Joana estava
imersa em uma atividade adaptativa bastante exigente e a cegueira protetora neste caso,
pode ser compreendida como uma impossibilidade psquica de dar conta de certos
aspectos da realidade pela falta de fora vital, pela falta de disponibilidade interior e pela
relao cegueira protetora, que pode ser compreendido a partir da afirmao que fez
ao relatar a descoberta de que as jovens que participavam dos projetos sociais podiam ser
realidade que descobrimos s gradativamente, com uma Graa de cegueira que nos
419
Providncia Divina que os poupou de um medo que poderia t-los paralisado ou
atividades implicadas com a misso assumida por cada um: o trabalho com as crianas e
com as adolescentes.
amenizou uma forte reao psquica pela qual poderia ter sido tomado caso a violncia
demonstra certa anestesia, ou seja, no sentia medo, tinha uma reao psquica de recusa
(no aceitao) dos aspectos negativos da realidade, que buscava justificar pela
racionalizao cujo discurso pautava-se em uma comparao com o que havia vivido na
frica.
humano, descrita por Ales Bello como referente s vivncias da reflexo, avaliao,
compreenso, pensamento e deciso (Ales Bello, 2006, p. 39). De acordo com Ales
encontra justificativas tericas para afirmar esta recusa. Inserida nesta dinmica,
discurso racional espiritual que justifica a ausncia da violncia, negada nos primeiros
285
Seminrio aberto no Instituto de Psicologia da USP/SP entre os dias 15 a 18 de setembro de 2014,
intitulado A Experincia Religiosa entre Psicologia e Fenomenologia (Disciplina PSC59621). Contedo
retirado das anotaes pessoais da pesquisadora.
420
Passado este momento inicial, entramos na vivncia relacionada ao dar-se conta
da realidade e reao que esta conscincia causou: o recolhimento. Como vimos, para
aconteceu de forma gradual a partir da sua experincia nos projetos sociais, que
o acesso pessoas e realidades menos evidentes, ligadas por exemplo ao trfico de drogas.
Foi, portanto, um desvelar-se gradual da violncia pelo contato com as pessoas, a partir
do projeto.
fez com que Daniel e sua equipe decidissem fazer uma pausa neste servio, da o
Perceberam que eram muito idealistas e que o projeto no poderia funcionar porque
tinha sido pensado por trs cabeas francesas. Diante desta tomada de conscincia e
reflexo a respeito do vivido, Daniel e sua equipe recolheram-se por um perodo e cada
de um sonho. Joana relatou que viu no sonho cenas familiares, reconhecendo que j as
havia presenciado. Realmente Joana j tinha entrado em contato com a violncia, mas a
demonstra que aquelas no eram vivncias inconscientes, mas sim, vivncias para as
quais ela procurava no se voltar. Com o sonho, entretanto, Joana foi colocada frente a
421
frente com estas vivncias, que emergiram de uma camada mais profunda do fluxo,
despontando na conscincia.
Sobre este aspecto, afirma Stein: Aquilo que passou, mas que ainda vive, se une
no viver com algo que nasce naquele momento, formando as unidades do fluxo (Stein,
1999, p. 46). Neste sentido, h uma sucesso, mas tambm uma coexistncia de vivncias.
Por esta descrio, podemos compreender que as cenas vividas no sonho de Joana diziam
respeito a vivncias passadas ainda ativas no fluxo, que surgiram novamente no sonho
fluxo de vivncias, a autora (Stein, 1999) afirma que a unidade do fluxo dada pelo eu,
que uno e que une em si passado, presente e futuro; que sente sair de si vida nova a
cada momento e leva consigo todo o trao (rastro) do passado (Stein, 1999, p.49).
profundamente. Joana ficou paralisada. Conta que foi invadida por sentimentos de
angustia e medo, e que por algum tempo no conseguia sair de casa. Assim como Daniel,
se impunha.
ela permaneceu em dilogo com pessoas que intua que pudessem lhe ajudar. Pessoas
286
O termo presentificao citado por Edith Stein ao tratar da diferena entre atos originrios e
no originrios. Nos atos no originrios como a recordao, por exemplo, o objeto recordado no est
presente em carne e osso, mas se torna presente pela presentificao. A presentificao, portanto, no
est ligada ao objeto, mas prpria do ato, no caso, o ato da recordao (Stein, 1998, p. 74).
422
cujo exemplo de vida lhe serviam de alimento espiritual, iluminando sua experincia e
dando sentido ao sofrimento vivido. Tal dilogo se deu justamente pela leitura sobre a
vida de pessoas identificadas por ela como pessoas que acreditavam no amor, que
de serem religiosos franceses ou europeus: Dom Bosco, irm Emmanuelle do Cairo, padre
Joana relatou que encontrava semelhanas entre a vida destas pessoas e a sua, e
que com isto comeou a achar foras para continuar a misso sem medo. Conta que os
livros lhe deram esperana. Podemos compreender esta vivncia pela descrio de Stein
a respeito das fontes de fora vital. De acordo com a autora (Stein, 1999) nossa fora vital
pode ser acrescida a partir do contato com outras pessoas ou com objetos que so fonte
de valor para ns. No caso de Joana, houve uma atrao pelos livros que tratavam da
foram uma fonte de fora vital para Joana, pois lhe trouxeram novo vigor para continuar
a misso.
vivencias difceis ligada a violncia, ambos retornaram atividade com uma nova viso
formao de seus colaboradores e pela abertura e escuta da realidade das jovens com as
do inicial, onde ele buscou responder de forma consciente e no mais reativa ao apelo da
realidade.
423
No caso de Joana, o recolhimento e a leitura a fortaleceram e ela encontrou sentido
para sua misso, dando um sim pessoal continuidade da mesma. Este sim descrito
por Edith Stein como o fiat que ela caracteriza como o incio de um ato voluntrio, de
uma tomada de posio que brota do eu. Trata-se no do ato em si, mas da passagem de
tudo o que vivia, agora ela se coloca de modo bastante consciente e atenta. O discurso
Eu vi uma pobreza to profunda como nunca tinha visto. O novo olhar tambm diz
experincia religiosa que trouxe novo sentido ao seu trabalho. De acordo com Ales
Bello287, a vivncia religiosa no se coloca ao lado das vivncias de outras naturezas como
uma vivncia a mais, mas uma vivncia de fundo que d sentido a todas as outras,
perpassando o dia a dia da pessoa. Joana conta que passou a sentir compaixo pelas
Alm disso, Joana descobriu um modo prprio de lidar com as situaes de perigo,
em que ela busca integrar amor e firmeza. Relata: - No momento do perigo, sinto meu
estmago contrair e digo para mim mesma que nada pode ser pior do que eu j vivi.
Ento, olha a pessoa nos olhos com amor e firmeza. Esta descrio de Joana demonstra a
seu ser, incluindo a percepo do corpo vivido: sinto meu estmago contrair. Percebe
287
Seminrio aberto no Instituto de Psicologia da USP/SP entre os dias 15 a 18 de setembro de 2014,
intitulado A Experincia Religiosa entre Psicologia e Fenomenologia (Disciplina PSC59621). Contedo
retirado das anotaes pessoais da pesquisadora.
424
no apenas a contrao involuntria, mas tambm utiliza o corpo de forma consciente,
ao mesmo tempo. Esta vivncia ilustra a afirmao de Stein (2000) de que a percepo
do nosso corpo no acontece de fora para dentro, mas pela percepo interior,
corpo vivente e me sinto nele. Isto implica que eu seja consciente do meu eu, no
Consideraes finais
cruzamento intencional visa tomar o conjunto dos relatos como variaes da experincia
425
vivida a fim de identificar os elementos comuns que determinam o sentido prprio do
filosfica de Edith Stein, em que ela individua e ao mesmo tempo demonstra a unidade
entre as trs dimenses constitutivas do ser humano: corpo, psique (impulsos, tendncias,
contato direto com o bairro onde prevalece a cegueira protetora em relao violncia;
olhar e de um modo novo. Pela anlise realizada, estes momentos podem ser traduzidos
como um percurso pessoal que parte de um contato indireto com o bairro, ou seja, de uma
abrupto no caso de Joana); uma fase de distanciamento da realidade e o retorno com uma
consciente.
Por este novo modo de ver e se posicionar diante dos desafios da realidade do
integrar as diversas facetas da realidade. O amor das crianas e a dignidade das meninas
426
responder de modo livre e consciente ao apelo pessoal que os havia levado at o Uruguai.
primeiro contato com mar. Atrada pela beleza e pelo movimento que convida interao,
a pessoa se atira na gua sem medo. Sente-se segura e confiante at ser pega desprevenida
por uma onda que lhe d um grande caldo e lhe leva para areia. Assustada, sai da gua
traioeiro. Volta a entrar na gua, agora com mais ateno e cautela. O mar j no
vivida. Esta experincia trouxe pessoa um novo olhar e um novo modo de se relacionar.
cada vez que nos posicionamos diante da realidade que nos toca.
Referncias
acesso s vivncias. In Mahfoud, M., & Massimi, M. (orgs.). Edith Stein e a Psicologia:
427
Stein, E. (1998). Il problema dellempatia. Roma: Edizioni Studium.
Stein, E. (1999). Psicologia e scienze dello spirito: contributi per una fondazione
428
COMUNICAES ORAIS
429
PLANTO PSICOLGICO DE GESTANTES HIPERTENSAS ATENDIDAS NO
crebro.
Arendt, H.
430
compreenso psicolgica acerca das vivncias das pacientes nas suas relaes com
Abstract - This study aimed to discuss how psychological aspects are experienced in the
psychological duty service in the Hypertension Clinic and Kidney Diseases in Pregnancy
EPM - UNIFESP. Data were collected from the narrative of 19 hypertensive pregnant
interview. The text of the narrative was divided into meaning units, allowing the
Introduo
no conhecimento sobre planto psicolgico, que surgiu pela primeira vez no Brasil na
431
como o Servio de Aconselhamento Psicolgico, interessados em discutir e aprofundar
(Rosemberg, RL, 1987). Nessa poca a Dra Rosemberg prope a criao do Planto
Psicolgico inspirado nas walk-in clinics, surgidas nos Estados Unidos, para prestar um
que necessita de ajuda psicolgica e nem sempre conta com ela no momento da
permitindo uma clarificao do seu pedido de ajuda, no sentido de facilitar uma viso
sofrimento.
eficiente em um curto espao de tempo, em uma instituio pblica com populao com
histria de hipertenso arterial e doena renal crnica. Esse servio no pretende substituir
432
a psicoterapia, nem tem a finalidade de triagem, embora ainda que seja possvel realizar
encaminhamentos.
Morato (1999) relata que nessa atividade de campo duas atitudes constituem-se
fundamentais: ver e ouvir. Porm, sublinha que essas atitudes no se expressam em juzos,
Universidade de So Paulo.
nos conflitos gerados pela situao de risco enfrentada pelas gestantes hipertensas como
433
insuficincia de mltiplos rgos, tais como alteraes cardiocirculatrias, pulmonares,
Daher, Mattar & Sass (2006) revelam que a pr-eclmpsia incide em cerca de 5 a
proteinria. Ela costuma instalar-se aps a 20 semana de gestao, podendo evoluir para
que aceita outros parmetros para orientar o seu desenvolvimento, estando o psiclogo
Nefropatias na Gestao, Dr. Nelson Sass, para fazer a pesquisa com essas pacientes, ele
Objetivo
434
Mtodo
habilidade do pesquisador para manusear tcnicas e recursos para tratar o fenmeno, pois
investigar o ser e os modos desse ser expressar a sua verdade. A perspectiva em que se
coloca a fenomenologia est em aceitar que a verdade relativa e tem carter provisrio
especfico para abordar a conscincia e a experincia humana imediata. Pode ser definido
de um grupo de mes, esses grupos acontecem todas as teras-feiras, das 9hs s 10hs. As
exceo de uma que foi encaminhada pela assistente social. O nmero de atendimentos
435
literalmente. Optamos por no gravar as entrevistas, devido ao receio da populao sobre
5 vezes. Foram utilizados como critrio para escolha dos relatos, os relativos aos aspectos
gestao do quarto filho. Na primeira gravidez teve aborto espontneo com 11 semanas
de gestao, na segunda gravidez teve a segunda filha que tem atualmente quatro anos de
idade. Perdeu o terceiro filho devido a um surto psiquitrico do marido que foi
esse terceiro beb e a partir da desenvolveu depresso reativa. Afirma que teve
dois afastamentos do trabalho por causa da depresso e foi medicada com fluoxetina.
Como ficou grvida pela quarta vez, sem que desejasse, precisou parar de tomar a
436
irritao com a filha e no ter pacincia com ela. Outra preocupao apresentada era
qual estava passando, nas perdas dos bebs anteriores e na falta de apoio do marido, que
apresentou surto psiquitrico, no momento em que ela precisava de uma figura forte ao
seu lado. Alm disso, tinha conhecimento de que a ansiedade e preocupao com a
hipertenso arterial na gravidez eram fatores de risco para a gestante. E, por fim, a
que exigia ateno constante. De forma que a paciente sentia uma sobrecarga psquica,
que afetava a compreenso do momento vivido. Tivemos cinco encontros durante o pr-
A cada encontro era perguntado como estava se sentindo, e, ela dizia que se sentia
melhor e que sabia que podia tirar suas dvidas e dividir suas ansiedades no planto
psicolgico. Afirmou: ... bom a gente poder tirar as dvidas e falar com algum que
explica as coisas para gente (sic). Orientamos tambm que buscasse ajuda com algum
familiar ou parente prximo que pudesse apoia-la nesse momento mais frgil e auxiliasse
automveis, 44 anos, desde os quinze apresentava hipertenso arterial crnica. Teve cinco
abortos e fez tratamento antes de engravidar por sete anos antes do primeiro filho, que
naquele momento estava com 20 anos. Aps esta gestao no tomou nenhum
437
pois estava angustiada porque h um ms o filho mais velho foi preso. Ele envolveu-se
com colegas vizinhos do bairro onde mora, que fizeram um assalto. Deu carona
(ingenuamente) para os colegas, que foram abordados pela polcia que fez o flagrante.
automveis que ela e tinha bons antecedentes, sempre foi trabalhador, nunca me deu
problemas (sic). Suelen visitava o filho na priso junto com o marido toda semana e
somando-se a isso, passavam por crise financeira e dificuldades para pagar um bom
advogado (sic). Preocupava-se com a sade do rapaz e sua condio fsica na priso.
este filho, que parecia ser o foco de sua ateno. O jovem acabou sendo condenado a seis
anos e meio de priso em regime fechado. Ela sentia que o filho preso estava sendo
injustiado, pois no tinha cometido crime algum (sic). Sentia-se culpada e impotente
gestante era com a idade avanada para engravidar. Essa gravidez no era esperada, veio
sem a gente planejar e eu j sou de idade para engravidar.....tenho presso alta (sic).
Pedia para ser atendida pela psicloga todas as vezes que vinha para a consulta do pr-
questionar sua realidade e a necessidade de procurar ajuda para o filho, sem esquecer o
beb que estava para nascer e tomar os devidos cuidados para controlar a presso arterial.
feitos, que mostravam que o beb estava bem. O planto mostrou-se um lugar de escuta
mostrando a necessidade de abrir um espao psquico para o novo beb que ia nascer.
438
O terceiro relato narra a histria de Helena, 27 anos, trabalhava em empresa de
nibus, grvida de 35 semanas de gestao do segundo filho. O primeiro filho tem sete
ele bebia e ameaava espanc-la. Procurou o planto psicolgico com queixa de muito
medo de problemas de parto e m-formao do beb. Conta que aos treze anos ela e a
irm mais velha sofreram abuso sexual do padrasto. A me pediu que a irm fosse morar
com uma tia. Tinha muito medo de contar me que ela tambm sofrera abuso, e, que a
a genitora de Helena descobriu que estava com a Doena de Chagas ao mesmo tempo em
elevada. Quando engravidou desse beb (do segundo marido), comeou a apresentar
planto, refletimos sobre sua histria de vida e ela concluiu que sua gravidez a fazia
me. Percebeu que associava sua gravidez gravidez da me e ao abuso sexual sofrido
relao me e da culpa que tinha por sua irm ter sado de casa e ela no. At aquela
data nenhuma das trs, paciente, irm e me tinham conversado sobre o ocorrido.
Resultados
439
O planto psicolgico mostrou-se um espao de cuidado para um momento de
criao de novos sentidos. Alm disso, propiciou pessoa uma abertura de si mesma e
arterial na gestao
anteriores gestao
(padrasto)
Total 19 100%
440
Tivemos por objetivo identificar e discutir como os aspectos psicolgicos so
de hipertenso arterial da Unifesp e destacar o planto psicolgico como mais uma opo
O primeiro relato traz a histria de Lara que viveu perdas gestacionais anteriores
impactantes para ela. Faz uma associao da perda do terceiro filho com o desencadear
de um surto psiquitrico no marido e nela depresso, tendo que ser medicada com
fluoxetina. A gravidez do quarto filho, no desejada, o luto pelas perdas anteriores, o surto
do marido, tornaram-na frgil e com pouca disponibilidade psquica para cuidar da filha
de quatro anos. A solido sentida estava sendo vivida como absoluta e seria preciso a
experincia do encontro com algum para dividir suas angstias e sofrimentos (Safra,
2006). Alm do atendimento em planto foi feito um trabalho de apoio com exerccios de
No segundo relato, Suelen uma mulher mais velha, traz uma gravidez indesejada
com maiores riscos na gestao, agravada pela hipertenso arterial crnica. Adicionando-
se a isso o fato de que o filho mais velho preso, vtima de uma cilada dos amigos.
Suelen vive a experincia de agonia impensvel, ou seja, uma aflio sem fim, vivida do
ocorre uma experincia sem devir ou construo de sentido (Safra, 2006, p. 93). Na viso
no planejada, a idade avanada (44 anos) e a dor de imaginar o sofrimento do filho preso,
441
ameaas fsicas do ex-marido. Durante a entrevista conta do abuso-sexual sofrido por ela
e a irm mais velha pelo padrasto. A me que deveria ser uma figura de proteo e
confiana no a protege, nem a ela, nem a irm. Agravado pelo fato da notcia da doena
o abuso a que foi submetida. Sente-se culpada pela sada da irm de casa. Conscientizou-
por no ter defendido as filhas e culpada pelo abandono da irm e pelo abuso sofrido
pelo padrasto.
de desenvolver uma depresso. Sem ter plena conscincia desses conflitos engravida
O segundo relato traz a histria de uma mulher com vida conjugal estvel e um casamento
de vinte anos. De repente sua vida sacudida por uma gravidez no planejada, com 44
anos de idade e hipertenso arterial, somado ao fato do filho mais velho ser preso
primeiro marido h trs anos. A separao ocorreu por agresses psquicas e ameaas
fsicas desse marido. Narra tambm o abuso sexual sofrido por ela e a irm mais velha
pelo padrasto quando ainda era adolescente. Casada pela segunda vez e grvida do
segundo filho chega ao Ambulatrio com queixa de pesadelos e medo da morte. Atravs
relao irm.
442
atual gestao, abuso sexual na adolescncia e a busca de novas perspectivas de vida
Consideraes finais
de hipertenso arterial da Unifesp e destacar o planto psicolgico como mais uma opo
2006, p.30).
443
O planto psicolgico destacou-se como mais uma opo de prtica no
e suas famlias.
Referncias
Paulo, SP.
Ilimitada.
Histrico de sua Criao e Mudanas Ocorridas na Dcada de 90. In: Morato HTP (org).
444
Aconselhamento Psicolgico Centrado na Pessoa: Novos Desafios So Paulo: Casa do
Psiclogo, p.136-143.
Oliveira L.G, Silva F. & Mesquita MRS (2006). Fisiopatologia da Doena Hipertensiva
na Gravidez: Aspectos Gerais. In: Camano L, Moron AF, Sass N. Hipertenso Arterial e
445
EDITH STEIN L HANS ULRICH GUMBRECHT: UMA ANLISE DO
SCULO XX
E-mail: danilosf1901@hotmail.com
Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz) para a definio sobre o papel intelectual,
prpria autora um exemplo desta definio como podemos analisar atravs da sua
biografia, que foi demonstrado por Joo Paulo II: A f e a razo so como duas asas que
fenomenologia.
Abstract: The paper analyzes the contribution of the philosopher, Carmelite and martyr
of Nazism, Edith Stein (St. Teresa Benedicta of the Cross) for the definition of the
intellectual role, present in her communication Intellect and Intellectuals written in 1930,
with the author herself being an example of this definition, as we can see in her biography,
which was demonstrated by John Paul II: "Faith and reason are like two wings that lift to
phenomenology.
288
Graduando em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP .
446
A ps-modernidade e o conceito de Observador de Segunda Ordem
O sculo XX pode ser definido como um perodo de grandes traumas, entre eles
pergunta de Alice A.R.Eckahrdt: Como se pode falar daquilo que indizvel ? E, ainda
segundo Hayden White, esta experincia apresenta um peso tico extraordinrio, o qual
em geral a dificuldade para tematiz-la, para descrev-la . Este momento de crise permitiu
sentimento de que o sujeito estranho ao mundo que o cerca, sendo necessrio ao homem
observar o mundo e ao mesmo tempo se perceber como agente neste mesmo mundo. A
observao de segunda ordem, e isto porque a autora teve o cuidado de evidenciar sua
447
chegando mesmo a escrever uma carta ao papa Pio XI a fim de denunciar esta ideologia.
alis, como definiu o papa Joo Paulo II na encclica de 1 de maio de 1985, Edith Stein
, apresenta como tese central o que legitimou a sua posio ao presente foi segundo as
() sino tambiem porque Ella misma se identifico com El discurrir de los eventos
vivida desde dentro por una alemana , y que no siempre aparece em los libros
alem. Infelizmente este artigo assim como a compreenso de uma biografia uma forma
autobiografia. Esse ato narrativo seria, na viso do autor uma iluso retrica ,como
289
ROJO, Ezequiel Garcia. El Siglo XX a luz de Edith Stein, 1991. P. 1.
448
razo e fora de propsito, imprevisto e cheio de razes justapostas.(BOURDIEU,
1996, p. 185).
figura steniana como uma mulher que possui um esprito para descrever e aprender o real.
Este esprito caracterizado pelo autor, por sua habilidade de descrever aquilo que
experimentava a vida, mas tambm, as relaes polticos e sociais que estavam inseridas
nestes espaos.
Neste sentido, podemos perceber que ao buscar esta verdade como dita
anteriormente, a meta da jovem Edith Stein, em 28 de abril de 1911, inicia a sua carreira
do mundo, e pela primeira vez uma possibilidade de dilogo que possibilita a maior
reflexo de sua verdade interior, o que ela descrever como o momento mais feliz de sua
vida.
No campo da histria, Edith Stein teve como professor o historiador Max Lehann
na universidade de Gottingen, onde este apresentava a sua turma uma viso positivista,
polticas europias, sobre este conhecimento a autora descreve: A este amor por La
449
estrechamente a uma participao apaixonada em los sucessos polticos Del presente,
Esta comunicao tem como objetivo, apresentar a filsofa Carmelita Edith Stein
por Edith Stein, e atravs desta reconstituio, descrever o papel do intelectual e como
esta categoria social se manifesta sobre o real destacando a dimenso tica deste grupo e
experincia religiosa atravs de uma analise para se vivenciar a crise do sculo XX.
transcritas na obra Estrelas Amarillas291, escritas por Edith Stein a Emil Vierneisel e
que nasce de uma busca em pensar o presente da prpria autora e como Edith Stein se
relaciona com a sociedade que a cerca, do que a prpria Stein chamar de A busca pela
verdade 292.
ligada com a realidade ou a apreenso sobre o real que o cerca durante os eventos
segundo Hans Ulrich Gumbrech uma nova forma do homem se relacionar com o tempo
290
GUMBRECHT, Has Ulrich. Depois de Depois de aprender cm a histria, o que fazer com o pasado
agora?. p. 33.
291
STEIN, Edith Estrellas Amarillas. 2 edio. Madri: Editorial de Espiritualidad, 1992.
292
TERUEL, Pedro Jess. El camino de Edith Stein. Universidad Catlica de Murcia, 2006.
450
Tal movimento denominado no texto Cascatas de modernidade como a
neste mesmo mundo, a descrio desta experincia de tempo, e denominada por Hans
intelectual mais tambm no campo social, como podemos citar como exemplo uma carta
Carta em que Edith Stein, escreve para Korand Haenisch ministro de Cincia, arte
Como resposta de Edith para esta situao tem: La senora em cueston estaria por
encima de La media de los professores ordinrios; de ahi que El caso no podri servir de
ministro respondia atravs de uma carta , que compartilhava do mesmo ponto de vista da
impedimento para assumir uma ctedra, e se props a corrigir a injustia cometida contra
293
GUMBRECHT, Has Ulrich. Cascatas de Modernidade. p. 12.
451
Roman Ingarden escreveu que Edith Stein, nunca tinha escrito uma s palavra que
no acreditasse este ato de crer se torna uma importante chave para entender a trajetria
Algumas contribuies de Edith Stein para uma justa Hermenutica do Humano, nos
apresenta como uma conseqncia de sua razo rigorosa sendo esta aprendida com
Edmund Hurssel sendo a fenomenologia descrita pela autora de sua ptria filosfica na
obra Ser finito e Ser Eterno e de uma f radical e lcida temperada por uma mstica
profunda.
deciso de pedir o batismo foi descrita por Elisabetth de Miribel em seu livro Edith Stein:
No dia primeiro de janeiro do ano do senhor de 1922, foi batizada Edith Stein,
nomes de Teresa, Hedwige. Sua madrinha foi senhora Hedwige Corand (de
A partir do primeiro dia Edith Stein descrevera a sua vivencia espiritual para
primeiro satisfazer o seu desejo por encontrar a verdade e poder significar a sua
experincia e atravs desta analise dialogar com o prximo e mesmo se deixar ser afetado
por ele como o seu estudo sobre a empatia onde pretende compreender o outro.
294
BARCELOS, DArtagnan de Almeida. ALGUMAS CONTRIBUIES DE EDITH STEIN PARA UMA JUSTA
HERMENUTICA DO HUMANO, 2011.
295
MIRIBEL, Elisabeth de. Edith Stein:como ouro purificado pelo fogo. 3 edio. Aparecida, SP: Santurio,
2006. P. 67.
452
Para confirmar esta hiptese analisaremos a conferencia feita a pedido do
Stein,atravs de uma carta escrita no dia 30 de setembro de 1930, que ela ministrasse uma
palestra , sendo que Stein prope como tema de sua palestra o Intelecto e os intelectuais
onde pretendia demonstrar a importncia do papel dos intelectual com a sociedade , tendo
porque como dito anteriormente Edith Stein deve outras conferncias internacionais como
formao da mulher.
Pode disser, por favor, ao professor Lossen que falei com a Madre do internado e
que esta disposta a cumprir seu desejo, se bem esta Pscoa dificilmente ser
296
Pax !Muy estimado senordoctorVierneisel :Mucho me alegro de que santo Toms haya despertado
tanta satisfaccin em usted. Regresamosmuy contentas a casa, y depus de media hora desembarcamos
delante de La puerta Del convento. Gracias, de corazn, tambin a su querida esposa, por todas
amabilidades y cuidados? Quieresdecirle, por favor, al professor Lossen que hehablado com laPrefectadel
internado y que est dispuesta a cumplirsudeseo, si bien esta Pascuadifcilmente ser posible? La respueta
453
Infelizmente o manuscrito original da conferncia no foi conservado apenas uma
folha com o ndice, como nos aponta a bigrafa Elizabeth de Miribel em seu trabalho
sobre Edith Stein. A maioria das cartas escritas pela filsofa carmelita foram destrudas
daqueles que conviveram com Edith, da perseguio anti-semita:As poucas cartas que
Biberstein deixam transparecer uma humanidade to rica, uma inteligncia to rara que
Fazendo uma anlise do ndice desta conferncia podemos perceber que a maior
preocupao de Edith Stein no o papel do intelectual, mas sim o ser humano, tal como
pode ser vista em toda a sua obra, por exemplo, em Sobre o Problema da Empatia, no
qual a preocupao de Stein a relao do indivduo com o outro e como este afetado
atravs do dilogo, tese defendida em 1916, e A Pesquisa sobre o Estado escrita em 1925
onde a preocupao de Stein sobre como os seres humanos so afetados em seu dilogo
com o outro:
pessoa est acima de todos os valores objetivos. Toda verdade precisa ser
reconhecida. Toda verdade precisa ser reconhecida por pessoas, toda beleza
precisa ser vista e avaliada por pessoas, Nesse sentido, todos os valores objetivos
esto ai para as pessoas. Atrs de tudo o que h de valioso no mundo est a pessoa
excede. Entre as criaturas, o mais elevado aquele que foi criado sua imagem
definitiva La dar cuandohayahablado com La reverenda Madre, que em estos momentos est de
viaje.(STEIN ,1930,p 885-886).
297
MIRIBEL, Elisabeth de. Edith Stein:como ouro purificado pelo fogo. 3 edio. Aparecida, SP: Santurio,
2006. P. 27.
454
exatamente na personalidade, ou seja, no mbito de nossa experincia o ser
Edith Stein possui uma grande reflexo sobre o seu tempo, vendo o presente como
uma experincia que possibilita uma viso histrica. Atravs de uma anlise do seu tempo
onde esta comea com um alerta sobre o papel dos intelectuais quando estes se vem
enquanto guias.
liberdade dos indivduos que vivem nesta sociedade. Em geral este lder no se sente
afetado pelo outro porque se considera maior que a sociedade, portanto o lder intelectual
no se deixa afetar pelo mesmo, que afeta os homens de vontade, pois no vivencia os
seus reais problemas, sendo o campo do intelectual apenas uma vivncia dos problemas
no mbito Terico.
Sob tal perspectiva Edith Stein faz uma crtica contundente aos prprios lideres
Isso explica a influncia dos lideres Socialistas que vieram de baixo. Aquele
que, com mos suaves e bem cuidadas, com movimentos ligeiros e flexveis, se
revela como algum que no conhece o trabalho corporal duro, aquele que fala ao
as duras realidades da luta diria pela vida, e de antemo suspeito. (Stein, 1930, p
11)
Para a autora o que definiria o papel de guia seriam os homens de vontade e ao,
455
um carter apenas terico, mas sim a sua aplicabilidade no mundo material, conseguiriam
cuja maior preocupao no o campo material, mas sim o campo terico: os intelectuais.
est presente atravs da ao da graa divina e por isso deve ser revelado ao homem, para
Stein nos esclarece que existem diferentes tipos te intelectuais, como o intelecto
agens, sendo estes aqueles que, por dom da graa, criam invenes para um maior auxlio
feitas pelo que Edith Stein denomina como espritos sintticos, para maior compreenso
destaque dois tipos de pensadores que trabalham de maneira diferente daqueles descritos
sensibilidade.
456
O papel da Comunidade na obra O Intelecto e os Intelectuais por Edith Stein
carmelita, todos estes apresentam como objetivo de maior formao e vivncia o servio
pessoa humana, como um arteso, com suas reflexes sobre o real, devem ajudar na
construo da comunidade:
Devemos ter claro que essa atitude nos aparta da grande massa. Fora da
Basta sairmos das nossas atividades reflexivas para nos depararmos com elas,
nelas nos encontramos situados entre pessoas a quem devemos ajuda. Portanto,
no devemos nos sentir como seres estranhos que vivem em um mundo inacessvel
Edith Stein percebe que o servio ao outro a misso dos intelectuais, mas
A escolha que Stein faz para representar a comunidade, o deixar-se afetar pelo outro,
primeira uma fabula escrita por Mennio Agripa298, chamada Os membros e do estmago,
Nas duas representaes, a sociedade vista como hierarquizada, mas cada grupo
depende da organizao das outras classes; o que Stein prope uma analise no apenas
superficial, mas sim uma anlise da essncia desta sociedade, na qual cada ser humano
298
MennioAgripa ( AgrippaMeneniusLanatus ) cnsul Romano , morto em 493 a.C.
457
possui a mesma capacidade, mas a utiliza de maneira diferente o que justifica a sua
299
As trs dimenses do ser humano (corpo, alma e esprito) , que para a filsofa
microcosmo no qual ela demonstra que somos formados primeiramente por uma
dimenso fsica, pela qual nos permitimos aes e processos mecnicos, uma dimenso
espiritual, que forma o ser humano e que nos permite a experincia com o sagrado, esta
terceira dimenso era a sensibilidade que nos permite ser afetado pelo outro e onde se
A inteligncia e a vontade permitem que sejamos a auxiliados por aquilo que nos
revelado: o outro, a partir do momento em que somos afetados por ele e, por outro lado,
299
KUSANO, Marina Bar. A Antropologia de Edith Stein: Entre Deus e a Filosofia. 2009.
458
Para Edith Stein o intelectual, no pode ser visto como guia mais sim como um
arteso que com as suas reflexes sobre o real, deve ajudar na construo de uma
sociedade. Sendo que para tanto de reconhecer os seus limites como definiu a autora:
Devemos ter claro que essa atitude nos aparta da grande massa. Fora da
Basta sairmos das nossas atividades reflexivas para nos depararmos com elas,
nelas, nos encontramos situados entre pessoas a quem devemos ajuda. Portanto,
no devemos nos sentir como seres estranhos que vivem em um mundo inacessvel
vida, um homem simples com uma luz de origem superior pode superar o maior
Referncias
Sentidos,1988.
2009.
459
MIRIBEL, Elisabeth de. Edith Stein:como ouro purificado pelo fogo. 3 edio.
STEIN, Edith. Ser finito y ser eterno: Ensayo de una ascensin al sentido del ser. Mxico:
Carmelo, 2003.
TERUEL, Pedro Jess. El camino de Edith Stein. Universidad Catlica de Murcia, 2006.
http://www.everyoneweb.es/WA/DataFilesholocaust/EdithSteinBriefPiusXI.pdf
460
A PESSOA ESPIRITUAL E SUA CONSCINCIA MORAL
E-mail: mfilo09@gmail.com
do ser humano na conscincia moral tendo como aporte terico Viktor Frankl. O vienense
concebe a pessoa como integralidade articulada, passando a v-la como ser bio-psico-
espiritual. Esta ltima dimenso, tambm chamada de notica, agrupa as outras duas e se
dimenso do ser humano, que se encontra em parte imersa no inconsciente, tem a tarefa
espiritual busca no o ser que , mas um ser que ainda no , ou que deveria ser. Ela busca
essencial no pensamento frankliano, pois a vida questiona a cada um sobre o seu sentido,
portanto, necessria uma resposta pessoal, que se concretiza com o desvelamento dos
sentidos escondidos nas situaes. O ser humano no onisciente ao ponto de saber todas
as verdades, muito menos portador de poder para fazer tudo que lhe apraz. Por outro lado,
capacitado pela conscincia moral a se lanar singularmente na busca das verdades que
lhe conferem sentido. Por essa razo, a conscincia dirige-se para algo pessoal,
a conscincia prov, mas uma prescrio da lei individual. o que Frankl define como
um instinto tico que se contrapor razo prtica. Desta forma, viver uma vida
300
Mestrando no departamento de Cincia da Religio
461
conscienciosa , de fato, estar intimamente ligado, ainda que inconscientemente,
espiritualidade.
Viktor Frankl.
Abstract: This article proposes to discuss the manifestation of deep-spiritual person the
human being into moral consciousness having as the theoretical Viktor Frankl. The
Viennese sees the person as a articulated integrity, going see her as being bio-psycho-
spiritual. This last dimension, also called noetical, the other two groups together and
manifests itself through them, as in the case of the moral conscience (Gewissen). Such
dimension the human being into, which is immersed into the unconscious part, has the
task of bringing the anticipation of deep-spiritual person. In another terms, the spiritual
dimension search not the be which is, but a being who is not yet, or should that be. She
seeks the chances of achieving a genuine and ethical person. Such a manifestation is
essential in frankliano thought, for life to each one question about your meaning, therefore
a personal answer, which is concretized with the unveiling of the hidden meanings in the
situations is required. The human being is not omniscient to the point of knowing all
truths, much less the bearer of power to do everything he pleases. On the other hand, is
trained pela moral consciousness to throw the singularly search of truths that give it
meaning . For this reason, consciousness heads off to something personal, with a "should-
be" individual. It is not a dictate encompassed by the "general law" that provides
instinct" that contrasting practical reason. In this way, live a conscientious life is, in fact,
462
Keywords: moral consciousness; spiritual dimension; seep-spiritual person; Viktor
Frankl.
Introduo
moral, baseia-se na obra A presena ignorada de Deus de Viktor Frankl. Este nasceu em
Califrnia, Harvard, Stanford, Dallas e Pittsburgh. Filho de uma famlia judia, em 1942,
foi deportado, com sua esposa e pais para os campos de concentrao. Em 1944, Frankl
vai para Auschwitz e somente em 1945 libertado do holocausto pelo exrcito norte-
americano, porm sua esposa, pais e irmos morreram nos campos de concentrao.
estimula a uma vivncia prpria de si. Noutro termos, seu empenho filosfico se
caracteriza, pelo esforo de compilar e transmitir uma viso mais digna e integral do ser
humano com todas as suas dimenses. O ser humano passa a ser concebido como pessoa
que transcende o nvel psicofsico e puramente imanente e ala voo para a dimenso
301
A logoterapia ou terceira via de psicoterapia de Viena busca uma anlise existencial, e por sua vez, uma
abordagem antropolgica centrada no princpio motivacional da vontade de sentido. um mtodo
teraputico especfico para o tratamento do vazio existencial e das neuroses noognicas.
463
espiritual, encontrando na sua dimenso existencial, que profunda e autntica, o seu
elementar do ser humano pelo sentido da vida. Sentido este, que tem carter motivacional
para lanar o ser humano em uma busca que o torne singular. Para Frankl, os sentidos
esto presentes nas situaes concretas e cotidianas da vida. O ser humano est colocado
diante delas e deve decidir pessoalmente sobre eles. Tal deciso implica num modo
outros mandam escolher - autoritarismo, mas sim uma escolha de carter singular, pois o
sentido nico e exclusivo a cada pessoa, sendo ela capaz de desvelar o sentido oculto
em cada situao, ou seja, suas caractersticas muito pessoais, em maior ou menor grau,
revelam grande capacidade de perscrutar sentido profundo nas mais variadas situaes.
espiritual. Tais realidades presentes no ser humano podem ser compreendidas em esfera
primazia da dimenso espiritual. Para desvelar os sentidos ocultos nas situaes, o ser
humano deve estar em sintonia com sua dimenso espiritual. Esta dimenso de
464
Ao conceber o conceito de inconsciente espiritual, Viktor Frankl est superando
uma tradio vigente no sculo XX, advinda de um avano cientfico que preconiza a
pessoa dentro dos moldes positivistas e materialistas, sendo esta concebida impulsionada
e determinada pelo seu aparelho psquico. Tal viso objetiva, tira da pessoa seus aspectos
mente, cuja realidade inconsciente pertencente aos instintos e represses, sendo a pessoa
Ser responsvel responder pergunta que a vida lhe faz sobre a existncia e que
carece ser com sentido. O ser humano responde, pois no ele que inquire sobre o sentido
da vida, mas o prprio interrogado e quem deve responder. Resposta esta que no tem
caracterstica retrica, mas de concretude. O ser humano atravs dos atos responde sobre
possibilidades, mas nico a cada pessoa, apenas ela prpria pode assumir uma atitude
302
Entendido como condio de possibilidade, fundamento de possibilitao.
465
perante algo ou algum. As respostas so as atitudes dadas, isto , a responsabilidade
tem a si, ele si mesmo. O psicofsico parte de sua constituio, mas no de sua
determinao; o que define o ser humano como pessoa uma vivncia calcada na
possuem relao com o fato e no com a existncia propriamente. Isso faz com que se
possa concluir que as atitudes responsveis brotam do espiritual, pois a verdadeira pessoa,
Como tal, porm, est sempre centrado, centrado em torno do meio, em torno de
seu prprio centro. O que, porm, se encontra neste centro? O que preenche este
Sendo, porm, a pessoa aquela da qual se originam os atos espirituais, ela tambm
p. 20).
Tal centro por ser uma realidade de possibilidades e que ainda no se concretizou
uma realidade de execuo, pois s pode ser adimplida como resposta s necessidades
da vida, sendo tambm irracional por sua caracterstica inconsciente e pr-lgica, pois s
466
posteriormente a intendemos. Tal realidade de execuo manifesta-se atravs da
existencial. Realidades que sempre estiveram contidas no ser humano, mas que
O ser humano tem a tarefa de desvelar o sentido presente nas situaes, pois a
Sentido s precisa, mas tambm pode ser encontrado, e na busca pelo mesmo a
Ela poderia ser definida como a capacidade de procurar e descobrir o sentido nico
consciente.
303
Bewusstsein Em alemo significa conhecimento do que se passa em ns. (Nota de rodap presente
em Frankl, 1997, p.23).
304
Gewissen Em alemo significa a faculdade de estabelecer julgamentos dos atos morais realizados.
(Nota de rodap presente em Frankl, 1997, p.23).
467
existncia humana ocorrem sempre de maneira irrefletida e, portanto inconsciente.
existencial, a moral, lhe antecipado um ser que deveria ser, ou seja, a possibilidade de
concretude deste ser moral. Aqui necessrio realar a distino entre pessoa espiritual e
contido neste ncleo pessoal, possibilitando uma vivencia espiritual pela pessoa.
A conscincia moral
conscincia moral (Gewessin), ao contrrio, no um ser que , mas ser que ainda
468
no , ou seja, um ser que deveria ser (Sein-sollendes). Este ser que deveria ser
no , portanto, real, mas algo que ainda precisa tornar-se real; no real, mas
indica uma necessidade de realizao para que a vida seja vivida com sentido,
pois o ser humano incondicionalmente um ser que decide e cuja fora de deciso
conter um projeto, a possibilidade do existir, que pode se tornar real pela atitude assumida,
mas que anteriormente lhe antecipada pela conscincia moral. Tal antecipao no
469
por estar imersa no espiritual que tal conscincia apresenta-se como a voz da
profundeza que diz singularidade. Como num ato de viso, a conscincia percebe na
realidade em que a pessoa est inserida o sentido existencial que necessita ser desvelado
posteriormente racionalizvel.
percebe um ser que no , mas que poderia ser onde com isso se descobre valores na
pessoa que se ama. Somente o amor, somente ele, capaz de ver a pessoa na sua
singularidade, como indivduo absoluto que . Neste sentido, o amor possui importante
percebido pela conscincia moral como um ser possvel, o qual anseia sua
considerada por Frankl como irracional, por no ser completamente racionalizvel em sua
compreenso do ser e pr-moral por ser anterior a qualquer moral explcita, sendo a
externo ao ser humano, mas intrnseco a ele, sendo a conscincia moral responsvel por
intuir este modo de ser, estando ela inserida nesta realidade inconsciente.
A vivncia espiritual
470
A conscincia Gewessin conduz o ser humano a uma vivncia existencialmente
moral. Tal vivncia surge por meio da antecipao espiritual da pessoa profunda-
responsvel escolha. O ser humano livre para trabalhar a favor ou contra suas intuies
compreenso pr-moral dos valores humanos, anterior conduta e ao ato moral que ser
experienciado.
como um ser moral, mas exatamente o oposto: uma exigncia proveniente de sua
interioridade espiritual orientada para fora, para alm de sua existncia, para uma
espiritual, que segundo Frankl, levando-a as ltimas consequncias, culminar com o que
ele define como transcendncia da conscincia. Esta no tem uma voz que diz na
humano, pois a conscincia como um fato psicolgico imanente remete por si mesma a
conscincia moral se dirige, mas possvel afirmar que de carter pessoal levando cada
471
justamente tarefa da conscincia revelar ao ser humano aquele nico
pode ser abarcado por nenhuma lei geral (Frankl, 1997, p. 27).
qual Frankl (1992) diz ter origem no inconsciente. A moral est entretecida a uma
profundeza espiritual e se expressa como resposta atitude diante das situaes. uma
moral que no deve ser entendida no molde pragmtico kantiano, pois como j dito, no
uma lei universal que rege em carter genrico e esquemtico como nos animais, por meio
do seu instinto vital, o ser humano guiado por um instinto tico, cuja eficcia deste
garantida por dirigir o ser humano na singularidade que lhe prpria e concreta.
Assim uma vida a partir da conscincia sempre uma vida absolutamente pessoal
pelo seu aparelho psquico, ao contrrio, um ser incondicionado e por isso um ser
tico, pois suas atitudes no esto pautadas em obrigaes externas, mas em uma
necessidade que lhe interna. A transcendncia faz parte da constituio do ser pessoa e
desta forma o ser humano est sempre se orientando para qualquer coisa diversa dele
prprio, seja um sentido que se possa realizar, seja outro ser humano que venha a
472
encontrar e amar, seja ainda uma causa qual se consagre ou, finalmente, um Totalmente
sendo esta, no um fim em si mesmo, mas orientada vivncia alteritria, pois o homem
Concluso
fala ao ser humano em vista de realizar uma vivncia singular no mundo. Na sua funo
A dimenso distintiva do ser humano aponta para uma direo que ultrapassa o
conscincia prov, mas uma prescrio da lei individual. Logo, a moral no algo externo
ao ser humano, mas intrnseco a ele, mais ainda, uma capacidade que lhe possibilita
tornar-se autntico.
existncia. Ao aceitar as intuies, o ser humano pode elaborar com sua conscincia um
473
dilogo, podendo atribuir a este dilogo uma caracterstica de experincia religiosa. No
procuramos desenvolver este ponto nesta comunicao, mas fazemos questo de apontar
ser humano perceber, aceitar e viver essa dimenso, como uma manifestao espontnea,
que faz no amor ou na dor, a conscincia encontrar novas formas de ser, criar e conviver
Referncias
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Zahar.
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Idias e Letras.
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PETER, R. (2005) Viktor Frankl: A antropologia como terapia. 2. ed. So Paulo: Paulus.
475
EMOO EM CONTEXTO DA PSICOTERAPIA FENOMENOLGICA
EXISTENCIAL
E-mail: joseto.ossa@gmail.com
Resumo: Este estudo teve como objetivo fazer uma reflexo sobre as emoes em
contexto psicoteraputico. Comeando por uma breve compreenso histrica, para logo
passar ao entendimento das emoes nas cincias naturais e diferentes modelos tericos
forma de entender como funcionam as emoes nos distintos modelos cientficos. A partir
daqui, foi trabalhado com maior mincia a viso fenomenolgica existencial das emoes
especfica com o mundo, influenciando a nossa forma de estar com nos prprios e com
determinado momento. Alm disso, foi explorada a ideia da intencionalidade dos atos da
conscincia, entendendo-se como sendo o fato de que cada emoo possui um significado
CONTEXT
476
Abstract:This study aimed to make a reflection on the emotions in psychotherapeutic
context. It starts with a brief historical understanding, and then move to the understanding
understanding. At this point we found strong similarities in the way of how emotions are
understood in different models. From here, it was studied with more details the
influencing our way of being with ourselves and others, the choices we make and the
bodily sensations that we feel at any time. Moreover, it explored the idea of intentionality
of acts of consciousness, understood as being the fact that every emotion has a meaning
Introduo
psicologia, tais como a psicologia cognitiva, com o seu principal autor sendo Greenberg
bastante bibliografia neste tema. Nas neurocincias podemos destacar Damsio que vem
h alguns anos. Devido a esta diversidade de abordagens que estudam a mesma temtica,
da emoo e como as emoes diferem de outros tipos de estados mentais, tais como
estado de humor e sentimento. Neste sentido, o objetivo deste estudo ser apresentar
477
diferentes autores que tm investido na compreenso das emoes nos seus respetivos
modelos e abordagens tericas, para assim chegar a uma viso global da temtica.
Por outra parte, em psicoterapias a explorao das emoes foi inicialmente exposta
por Frank (1963) no texto sobre a persuaso e cura. Desde ento, ficou claro para muitos
terica, como sendo fulcral para a mudana teraputica em vrias modelos teraputicos
(Greenberg, 2003, p.1). Vai ser no contexto psicoteraputico, e com base no modelo
fenomenolgico existencial, que ser explorado de forma mais exaustiva a funo das
(2008, p.1) diz que hoje em dia assume-se que as experincias de estados corporais so
so estados intencionais que no tm o corpo como sendo seu objeto primrio. Desta
forma, este estudo procurar explicar os temas at agora apresentados, tentando ser o mais
claro e conciso, para assim levantar dvidas e discusses sobre esta rica e pertinente
Na metfora expressada no master and slave da teoria aristotlica, ele refere que as
controlo e os impulsos perigosos devem ser suprimidos. Esta noo de emoes perigosas
478
tem tido uma influncia resistente na civilizao ocidental (Strasser, 2005, p.23). Durante
a idade mdia, a filosofia crist estava preocupada com a noo de pecado causada pelas
emoes. David Hume foi um dos primeiros filsofos a confrontar o lugar inferior das
emoes, ao dizer a razo est longe de ser escrava da paixo, em ltima instncia, at
ele voltou ao modelo Aristotlico do master and slave (Solomon, 1993, p.3). Mais tarde,
surge o nascimento da cincia afetiva com Charles Darwin (1998) no sculo XIX, na obra
intitulada The Expression of Emotions in Man and Animals, sendo a sua primeira edio
vivncia holstica da existncia humana. Mas antes, William James em 1884 apresenta
um entendimento bastante diferente do que era comum para a sua poca. Para Damsio
Deixava de haver um estado mental chamado emoo que dava origem aos efeitos do
corpo. Agora havia, isso sim, a perceo de um estmulo que causava certos efeitos no
pessoas sobre o significado dos eventos para o seu bem-estar, e tambm organiza as
pessoas para uma rpida ao adaptada a situao. Segundo Fitzpatrick e Stalikas (2008,
p.158) existe uma falta de curiosidade sobre as emoes positivas em psicoterapias que
uma limpa identificao com a moral de deus, dos seus desejos e sade. Devido a isto
Fitzpatrick e Stalikas (2008, p.158) argumentam que em razo deste contexto histrico
v-se refletido como est influenciada a experimentao de emoes positiva nas teorias
479
clssicas da psicologia humanista. Neste trabalho no ser feita a diferenciao entre
Diferentes perspetivas
emoes sendo explicado por diferentes modelos cientficos. Ser de total pertinncia
identificar no que difere o entendimento das emoes, como tambm, as semelhanas que
possam existir entre as diferentes explicaes que as diversas perspetivas encontram para
composta por diferentes dimenses (Mennin e Farach, 2007, Sloan e Kring, 2007, Suveg,
Adrian, 2007, citado em Burum e Goldfried, 2007, p.407). Uma das elaboraes mais
citado em Burum e Goldfried, 2007, p.407), sendo uma estrutura holstica que consiste
significado emocional de um estmulo antes que ele seja totalmente processado pelo
sistema percetivo. Ele sugere que existem dois tipos de caminhos para a produo de
emoes. Aquilo que ele chamou de low road, que por exemplo, quando a amgdala
outro tipo de manifestao da emoo o high road, que quando a mesma informao
480
precognitiva, que processada pela low road, fundamentalmente adaptativa, j que ela
permite que a pessoa responda rapidamente a um acontecimento antes que outros tipos de
Tranel e Cacioppo (2007, p.123) ficou em evidncia que, quando o sujeito era exposto a
fotos, contexto ou estados de perceo com contedo emocional existia uma ativao da
amgdala, sendo esta medida pelo mtodo funcional de imagens cerebrais. Nos resultados,
concluem que a amgdala acionada durante uma emoo, mas no necessria para a
da conscincia. Magnativa (2006, p.517) refere que a maioria das doenas mentais
(Magnativa, 2006, p.520). Por sua vez, Barish (2009, p.8) refere que as emoes no so
imaginao, surgimento de memrias e preparao para a ao. Ainda diz que, toda
emoo serve uma funo adaptativa desenvolvida atravs da evoluo humana. Desta
influenciam a reflexo e a ao. Em seu estudo, Leahy (2007, p.353) descreve como as
481
teorias de aprendizagem, modelos de processamento emocional, tratamentos expostos e
cognio numa terapia de esquema emocional. Leahy (2007, p.356) conclui o estudo
comportamental. No entanto, ele diz que, a cognio pode ter um papel essencial na ajuda
forma, existe um veredicto nas diferentes formas de trabalhar as emoes neste modelo
psicoteraputico que a melhoria do cliente, mas que se chega a este destino atravs de
diferentes significados.
funcionamento, podendo afetar a cognio. Desta forma Greenberg explica que existem
respostas emocionais que a pessoa tem sobre a sua prpria resposta emocional sobre o
estmulo, em vez de ser uma resposta apenas prpria situao. Greenberg e Pascuale-
Leone (2006, p.612) dizem que para trabalhar com as emoes primeiramente tem que se
482
cria-se um novo significado. As emoes secundrias precisam de ser ultrapassadas para
Para Gross e Rottenberg (2007, p.324) emoo um caso especial de afeto, sendo
relativamente breve, mas mantendo a forma referencial do afeto. Isto , a emoo surge
quando um evento externo ou interno sinaliza ao indivduo, que algo importante pode
estar prestes a acontecer. Para Gross e Rottenberg (2007, p.324) a forma como as
comeando a ser entendido, mas esta ideia tem importantes implicaes para as pesquisas
sua experincia com os seus clientes tem-lhe demonstrado que as emoes expressam-se
surpreso, pr-reflexivo, como uma expresso primria. Isto deveria ser seguido por uma
emoo. A primeira destas experincias emocionais Strasser vai chama-la como pr-
terminologia derivando a Jean-Paul Sartre (1972, p.79), quem define as emoes pelo seu
estado pr-reflexivo. Sartre acredita que as emoes pr-reflexivas s podem ser ditas
emoes como tal, quando elas acontecem no momento imediato em que acontecem. Em
sequncia disto, logo que contemplamos e avaliamos este sentimento interno, ele deixa
de ser uma emoo. Mas Sartre (1972, p.96) vai alm disso, j que diz que as emoes
483
transformam o mundo num lugar mgico. O exemplo que ele descreve de uma situao
um tipo de feitio sobre a minha pessoa que vai perder o controlo e acabar por desmaiar.
atravs da mgica num lugar seguro. Para Strasser (2005, p.25) este argumento trabalha
bem para as emoes negativas como o medo, a raiva, a repugnai, entre outros, mas
estado pr-reflexivo espontneo. Por exemplo, a alegria iria aparecer para conotar um
das emoes no crebro, ou como o modelo cognitivo fala das emoes primrias e
fenmeno, revela duas fases ou etapas. Assim sendo, a identificao destas etapas, ser
Durante a leitura desta temtica muitas vezes fica pouco claro quando se est falando
das emoes ou dos sentimentos, por est razo vou procurar desenvolver esta
484
aes so completadas por um programa cognitivo que inclui certos conceitos e modos
de cognio, mas o mundo das emoes , sobretudo, um mundo de aes levadas a cabo
Greenberg e Paivio (2003, p.7) referem que o afeto uma resposta biolgica no
sentimento eles dizem que envolvem uma consciencializao das sensaes bsicas de
afetos. Isto envolve experincias de sensaes corporais, como por exemplo, sentir-se
envolvem significado, como sentir-se decado ou desanimado, sentir que alguma coisa
no est bem, ou sentir que algum no se interessa por ns, eles chamam de sentimentos
complexos, envolvendo afetos para a forma como os vemos. Para as emoes eles
emocionais so sobretudo percees daquilo que o nosso corpo faz durante a emoo, a
parte das percees do estado da nossa mente durante o mesmo perodo de tempo. Em
485
estados de sentimento emocional. As emoes funcionam quando as imagens processadas
pelo menos no caso dos seres humanos, tambm o de virem mente certas ideias e
as aes, as ideias, o estilo com que as ideias fluem lenta ou rpida, fixa numa imagem,
ou trocando rapidamente uma imagem por outra (Damsio, 2010, p.144). Fica claro que
deste estudo, mas pelo contrrio, ser nesta estreita relao entre estes dois fenmenos
contexto psicoteraputico. Assim, Strasser (2005, p.24) refere que o papel das emoes
em contexto teraputico no pode ser desvalorizado. Toda emoo est conectada com o
que se d, que ilumina o nosso worldview. Assim, cada emoo uma manifestao de
aspetos do seu worldview e com a ambivalncia que os trouxe terapia num primeiro
lugar. Greenberg (2003, p.4) diz que o aspeto crucial do desenvolvimento da terapia
um entendimento de quais emoes nos indicam qual a forma que estamos a conduzir as
486
nossas vidas. Greenberg e Paivio (2003, p.4) sugerem que somente atravs do acesso s
nos organizem para a ao e constroem novas estruturas adaptativas, elas tambm esto
normal. Ao sustentar uma sintonia emptica com as emoes dos clientes, como das suas
experincias, converte-se numa tarefa teraputica crucial para ajudar as pessoas a tornar-
Segundo Burum e Goldfried (2007, p.408) determinar a estrutura exata das emoes
essencial no apenas para interpretar medidas contraditrias, mas tambm para aceder
consciencializao emocional que, como vai ser discutido, to central para muitos
como medimos e definimos as emoes depende do nosso propsito. Por outro lado,
falhar no reconhecimento das emoes no s vai minar o seu potencial produtivo, mas
487
limitaes na consciencializao emocional pode levar a patologia. O estudo de Sloan e
Kring (2007, p.318) demonstra que uma melhor consciencializao das emoes prediz
melhores resultados no tratamento, mas por outra parte, uma menor consciencializao
temas emocionais que esto nas entrelinhas, como tambm assimilao de nova
psicoteraputico. Para Strasser (2005, p.8), a conscincia humana est sempre direcionada
para o mundo que lhe d significado. Isto quer dizer, que se eu tomo conscincia sobre a
raiva que estou sentindo, ento a minha ateno estar direcionado para alguma coisa ou
algum. Isto tambm quer dizer que estou atribuindo significado esta coisa ou algum
(Husserl, 1975, p.10). Merleau-Ponty prope que a fenomenologia uma filosofia, onde
todo o seu esforo est em descobrir o contacto nave com o mundo (1962, p.226). Isto
alcanado pela tentativa de colocar a um lado, ou por fazer aquilo que chamado de
investigador est a dar um passo atrs, para observar o fenmeno tal como ele .
488
fenomenolgico de investigao mais efetivo para examinar os fenmenos humanos do
que o mtodo cientfico. Ento, fazer a quebra fenomenolgica entende-se como sendo a
suspenso das nossas expectativas que nos prejudicam em focar-nos na perceo imediata
dela. Tendo o papel de estruturar o mundo experiencial, que forma o plano de fundo para
simplesmente com as nossas emoes e escolher em que acreditar ou como agir apesar
das evidncias. Os sentimentos relevantes aparecem somente em relao com aquilo que
entre aquilo que acreditamos e as nossas aes, que j esto intelectualmente julgadas,
para aquilo que j estamos predispostos a fazer. Portanto as emoes no so a nica base
Abertura ao worldview
Para Strasser (2005, p.10) criamos a nossa construo de self para existir num
mundo cheio de facticidades e limitaes. Isto manifesta-se de infinitas formas, como nas
nossas relaes interpessoais, nas nossas escolhas, nas aspiraes e emoes. A soma de
489
todas estas facticidades expressa a nossa construo de self. A nossa autoestima depende
facticidades universais, sendo o facto de estarmos vivos, que nascemos e que a nossa
existncia finita, estas condies da existncia por si s impe a estrutura do ser. Esta
ambiente onde os clientes possam explorar e revelar o seu worldview. Os clientes sero
so revelaes estrondosas, so meramente revelaes sobre algo que eles j sabiam. Este
reconhecimento, pode produzir insights que, pela sua vez, produzem ainda mais insights,
clientes e para ser terapeutas em vez de estar a fazer terapia. nesse processo que as
emoes jogam um papel vital, j que as emoes esto presentes em todas as nossas
aes e elas divulgam o worldview do cliente. Estes aspetos emocionais causam, nos
A relao teraputica
490
somente atravs do desenvolvimento de uma relao bem estabelecida entre o
facilitar a vontade de processar emoes pelo cliente. Vrias pesquisas tm indicado que
a aliana teraputica est relacionada com resultados positivos no cliente (Stringer, J.,
Levitt, H., Berman, J., & Mathews S., 2010, p.496) e crucial para um processamento
de confiana pode reduzir a resistncia do cliente com o terapeuta e com as suas prprias
em Bennett, 2009, p.245) relacionar-se, significa que meus sentimentos no podem ser
simplesmente explicados atravs de mim, mas atravs da minha relao com outros onde
o contexto da nossa interao tambm significativo. Isto quer dizer entrar num aspeto
existe uma forte nfase na construo duma relao de igual para igual entre o terapeuta
e o cliente. Mas o terapeuta tem que estar consciente da sua abertura ao outro, sendo isto
apreenso da presena do outro tal como ele se manifesta diante de ns. Assim,
relao teraputica um encontro, encontro enquanto tal: uma relao existencial cujo
491
significado essencial o estar-com. Antes de mais, a relao terapeuta-paciente um
encontro entre uma existncia e outra existncia implicando: a presena (de estar-por-si),
sua esfera vital) e, ainda, o lao emocional entre um Eu e um Tu que criam um Ns numa
encontro teraputico na medida em que acontece uma relao de ajuda que tem um devir
no encontro consigo mesmo, com o seu projeto. Desta forma pode-se conjugar com o que
Spinelli (2006a, p.180) diz sobre o modelo fenomenolgico existencial, sendo que este
argumentado que tudo o que somos, ou podemos ser, conhecimento de tudo o que
fundamental nesta entrada ao mundo do cliente, j que, como diz Strasser (2005, p.31) as
experienciamos e reagimos a elas. Spinelli (2006b, p.5) explica que esta explorao no
tenta alterar ou prevenir a deciso do cliente, ou impor a moral do terapeuta sobre ele, ou
para expor os pontos de vista atuais destes outros do mundo do cliente, em vez disso, este
492
enfoque sobre as dimenses do mundo focalizado (world-focused dimensions) servem
para implicar a sua deciso, as suas novas escolhas de forma de ser, de tal maneira a que
inclua as suas experincias vivenciais do mundo e os outros que existem nela, com toda
fundo da sua mente e muitas vezes emergem na terapia. Por exemplo com a raiva, na
contrariados com algo ou algum, mas no momento em que apreciamos e avaliamos estas
emoes, conseguimos falar sobre elas e explorar como foi a experincia (Strasser, 2005,
p.24).
regular com clientes que pedem para ser ajudados com as suas exploses de raiva, culpa
ou emoes semelhantes a estas. O que estes clientes aparentemente esto pedindo que
capacidade no apenas de avalia-las, mas tambm de parar de rumina-las uma vez que
dizer que, enquanto os clientes ficam cientes das suas emoes elas j esto num modo
493
reflexivo, claramente no podemos explorar algo do qual no sejamos cientes de. O
emoes reflexivas. O que realmente interessa como levamos os clientes, da forma mais
consciencializao das emoes pr-reflexivas atravs das quais eles possam explorar o
seu worldview.
Strasser (2005, p.28) nos diz que as emoes esto sempre presentes em todas as
engajadas na conscincia humana. Desde o ponto de vista terico, para Sartre (1972,
exemplo, Carroll Izard (1991, p.80) que um cientista da biologia evolutiva, chegou a
concluso desde um ponto de vista terico diferente. A sua tese que as emoes esto
constantemente connosco, sendo que elas jogam um papel muito significativo em como
algum. Segundo Strasser (2005, p.30) quando o cliente expressa emoo, ela est sempre
direcionada para alguma coisa. Alm disso, as emoes sempre revelam a autoestima do
as suas emoes, vo poder ajudar os clientes a revelar alguns aspetos do seu worldview
e desafia-los, desta forma podendo trabalhar em conjunto aquilo que surgir, estando com
494
a pessoa neste momento que muitas vezes suscita sofrimento devido a experincias do
passado.
na nossa conscincia e que elas sempre tm algum significado. Sartre agarrou a ltima
noo de Husserl, quem avanou com a noo de intencionalidade, referindo que a nossa
desenvolveu a doutrina em que as emoes, como todo ato mental, esto direcionadas
que significa diretamente em frente. Husserl (1997, p. 217) diz que a conscincia sempre
intencionalidade nem estados que podem ter somente o corpo ou uma parte dele como
precisa ser, primeiro e principalmente, uma experincia de alguma parte do corpo onde
tenha acontecido. O sentimento pode ser a forma como algo diferente do corpo
corpo ou somente da relao com o mundo. Em vez disso, os dois aspetos da experincia
experienciar o self, o mundo e tambm a relao self-mundo, sendo que os trs aspetos
495
so inseparveis. Eles so orientaes existenciais, pensamento e atividade. Desta forma
encontramos no mundo, tambm utilizado para descrever como estar em uma dada
situao. Mas Ratcliffe (2008, p.38) sugere que certas formas de usar o termo
para um objeto ou situao especfica, mas so no fundo, orientaes atravs das quais as
sustentar sobre as coisas funcionando como um contexto com pressupostos para todas as
sendo os sentimentos existenciais. Heidegger (1984, p.151) refere que aquilo que
apenas diz que o ser-a em cada caso, sempre num estado de esprito.
Discusso
No existimos nem estamos em quanto seres vivos sem emoes, atravs e com
elas que nos relacionamos com todo o nosso mundo. Ter conscincia sobre o significado
decises sobre determinados momentos das nossas vidas. Assim, o papel das emoes
496
entregar e divulgar muitos aspetos sobre o sistema de valores e comportamentos de um
estado emocional, divulgamo-nos atravs das emoes. Warnock (1962, p.25) refere-se
sobre aquilo que Heidegger escreveu para as emoes podemos redescobrir o todo da
emoo um ato dela, estamos constantemente a revelar-nos, sendo que esta forma
determinada opes de vida. Para Heidegger (2001), o sentido que desvela o atravs do
desvela no seu horizonte histrico. Isto, porque o que caracteriza o modelo de ser do
homem, a existncia, precisamente o fator de que seu sentido est sempre em jogo,
somente podendo ser compreendido a partir das suas prprias vivncias ligadas ao seu
contexto histrico-cultural.
existencial, podemos sugerir que, o fenmeno da emoo quando surge durante uma
a explorao destas emoes, atravs da descrio das sensaes corporais e das vivncias
497
respeito e cuidado sobre a compreenso do outro, acompanhando a pessoa nessa
experincia, estando junto dela em tudo o que possa surgir, tentando clarear o caminho
em vez de obstaculiza-lo com contedos que no respeitem quela pessoa. Este momento
worldview do cliente. Assim, abre-se um caminho de reflexo sobre estes fenmenos que
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Routledge.
501
O REBAIXAMENTO COMO FATOR DE PRESTGIO SOCIAL NO
E-mail: renatamunhoz2000@yahoo.com.br
Paulo, no perodo de 1765 a 1775, por meio de seu discurso oficial. So analisados
sujeito em seu meio social. A anlise do discurso veiculado no corpus ser embasada na
conceberem as marcas textuais que exemplificam a ideologia coeva, bem como as esferas
repercusso atual.
Avaliatividade.
502
THE DOWNGRADE AS A SOCIAL PRESTIGE FACTOR IN THE
Abstract: This paper is based on the thesis, provisionally called "The Appraisal speech
in the official correspondence from the government of the Morgado of Mateus". It intends
to analyse the construction and maintenance of the ethos of the Morgado of Mateus, who
was the governor and captain general of So Paulo, in the period of 1765-1775. Textual
fragments from the public letters sent to the Conde of Oeiras (better known as the Marquis
of Pombal) in Portugal, the main ruler of the captaincy of So Paulo. Among several
features of the discourse of the period, the aspect of the "allegiance" will be studied. The
author used to reduce himself in order to extol his reader. This practice was used in the
monarchical system and, on the other hand, to build their ethos. The discourse analysis of
the letters will be based on the Appraisal System Theory, by Martin and White (2005), in
order to better understand the coeval ideology as well as the social prestige. Therefore,
this paper intends to check how the intersubjectivity legitimized the monarchical power
Appraisal.
Introduo
503
pelo Morgado de Mateus (Dom Lus Antnio de Sousa Botelho Mouro) em seu perodo
seu discurso para exercer uma influncia em seu interlocutor. Em anlise do discurso,
esse termo emprestado da retrica antiga foi retomado por Kerbrat-Orecchioni (1980)
perodo contenha marcas pessoais do escriba e seja mantida de forma genuna pela edio
trechos citados.
504
A ttulo de ilustrao, ser apresentada a carta III como modelo em sua imagem fac-
texto, uma vez que apresenta, por exemplo, o desenvolvimento das abreviaturas.
com base na estrutura formal da espcie textual. Apesar disso, o aspecto da submisso
As cartas
catalogados em Arruda (2000), para comporem a anlise deste estudo. Todos so datados
dos dez anos que compem o perodo de governo do Morgado de Mateus (de 1765 a
com exceo da carta I, produzida na Vila de Santos, onde o governador iniciou sua
estadia no Brasil, antes de tomar posse efetivamente em So Paulo. As quatro cartas foram
Melo.
Convm retomar que a carta uma espcie documental no-diplomtica, uma vez
que no conta com uma frmula padronizada de redao. No entanto, pode ser estudada
505
como um diploma, devido aos padres formais do perodo e ao objetivo que atende de
onde o trecho foi retirado. Por exemplo (C. I), quando se tratar da carta I. Por no serem
I. Datada de 28 de maio de 1765, informa ao rei Dom Jos I das primeiras ideias do
que tem sido alvo por meio de cartazes annimos, expostos porta das igrejas, nos quais
vila de Paranagu, fato a que se referiu em carta de 16 de janeiro de 1767. Expe a forma
honesta como executa sempre as reais ordens, e pede que lhe faa justia no caso dos seus
inimigos conseguirem que chegue ao Reino as calnias com que pretendem dep-lo.
IV. Datada de 18 de junho de 1774, afirma a sua amizade e informa ter entregue ao
Bispo de So Paulo, Dom Frei Manuel da Ressurreio, o colgio onde estava morando.
Pede que lhe envie o que achar mais justo sobre as questes de seu governo, a fim de
506
Metodologia de anlise
Parte-se do conceito de que uma teoria deve ser geral, no sentido em que ela deve
Essa teoria define que a valorao pela linguagem cumpre trs funes principais:
que o cerca. Essa funo subdividida em afeto (que expressa estados emocionais), em
A partir das funes elencadas, a anlise ser construda com base no escopo das
507
autores constroem sua identidade para si mesmos; b) como os autores posicionam-se
diante dos potenciais destinatrios; c) como os autores constroem a audincia ideal para
discurso poltico (Charaudeau, 2013, 2014) e manuteno do poder (Dijk, 2012), a fim
mediao reflexiva sobre a posio imediata do sujeito, tal qual se exprime na primeira
ou implcita. Por meio do detalhamento do sistema com o aporte das ferramentas tericas
manuscritos setecentistas.
Esfera do laudatrio
produo escrita era associada ao que se entendia por poder oficial, aquele diretamente
ligado ao Rei e aos ocupantes dos demais cargos por ele institudos.
508
homens, a quem Morgado de Mateus espera poder ter a satisfao e o gosto de aparecer
todas as vezes que lhe for possvel aos ps de Vossa Excelncia (C. I). O rebaixamento
Vossa Excelncia muitos anos de vida para amparo de ns todos, pois s em Vossa
Excelncia esperamos todo o nosso bem e toda a nossa felicidade. (C. IV). Eleva-se ainda
mais o ethos do interlocutor ao se atribuir a dependncia de seu amparo para que se tenha
seu governo: foram pregar na porta [da igreja] uma vergonhosa stira (C. II). A
traz em si tambm a marca do afeto negativo. Descreve com detalhes os seus planos
destruidor do povo (C. II). Ao ser considerado destruidor do povo, pelo fato de impor
o alistamento militar dos moradores da capitania de So Paulo formao das tropas, usa
instituindo como base de seu governo e criticam as a criao das vilas, chamando-me
509
de Vossa Excelncia (C. II). Todas as ofensas remetem s suas medidas de governo e,
por isso, ofendem seu ethos pblico, colocada por ele acima da esfera pessoal. Mas o que
mais o preocupa o fato de terem concludo a stira com muitas ameaas de darem de
mim conta a Vossa Excelncia para que me desse carreira e me pusesse no menos que
Por se tratar de algo que o incomodou demais, a carta narra com detalhes o ocorrido:
tirou logo o vigrio capitular a dita stira e a consumiu, de sorte que se no soube nada
nesse dia e nos seguintes. Porm, no contentes com este excesso, passaram a fazer outro
maior, pondo-me a mesma stira dentro de uma carta fechada diante do bofete em que eu
costumo despachar, e ento que a vi, e pouco depois me disseram o que j tinha sucedido
de aparecer outra pregada na porta da Igreja do Recolhimento de Santa Tereza. (C. II).
Dos muitos detalhes, destacam-se os de ordem religiosa, pois a igreja era o lugar pblico
onde se afixara a stira e, sobretudo, revela-se a atitude de proteo do vigrio, que retirou
a stira antes que outros a vissem, evitando aborrecimentos no dia festivo. Alm disso, a
esfera da gradao permite que a passagem narrativa ganhe cores, com a intensificao
no contentes com este excesso, passaram a fazer outro maior, o que tangencia a
afetividade.
forma velada: tenho dissimulado at agora e vou fazendo toda a diligncia para descobrir
os cmplices desta obra, o que at agora no tem sido possvel. Se eu os puder conhecer,
lhes darei o castigo merecido (C. II). Para descobrir os responsveis, empenha toda a
diligncia, em que a gradao de fora indica sua resoluo em resolver o caso pessoal,
elevado esfera do pblico. Com isso, o princpio da justia entra em voga por meio do
merecido castigo, em que o culpado seria punido de acordo com o julgamento de sano
510
social em voga, em que uma stira seria (como posteriormente de fato o foi) considerada
um crime grave.
O poder de mando dos interlocutores deve-se ao fato de serem pessoas com poderes
delegados pelo soberano pelo critrio do merecimento. O Conde de Oeiras ganhou esse
ttulo nobilitrio por sua eficiente atuao na reconstruo de Lisboa aps o terremoto de
1755. J Morgado de Mateus tem o seu cargo de governado por conta de sua experincia
militar de vitria no episdio Defesa da Passagem do Rio Tua (Bellotto, 1979, p. 14),
pblica. (C. II). Alm das medidas em si, seu empenho comprovado pelas afirmativas
reiteradas de que eu sirvo com zelo e amor a Sua Majestade (C. II) e, sobretudo da
rendas, sem cultura e sem sujeitos de que me possam ajudar. Quase tudo me necessrio
inmeros problemas a serem vencidos, o que faz com que suas execues ganhem aura
511
As relaes de poder
ascendentes, como as cartas, outros, sempre descendentes, como a carta rgia. (Bellotto,
2014, p. 398). Ao se observar que as cartas so trocadas entre as mais altas esferas do
pblica, dos quais transmite apenas o necessrio: por me parecer desnecessrio cansar
Desculpe-me Vossa Excelncia ter lhe embaraado tanto tempo (C. II). Retoma-se, com
(Dijk, 2012, p. 9). Em termos sociolgicos, pode-se definir o poder como um conceito
normativo que, segundo Duverger (1983, p. 152) define a situao daqueles que tm o
direito de exigir que os outros se verguem s suas diretivas numa relao social, porque
estabelece este direito. O poder por excelncia pertencente ao Rei, por ser o portador
de uma voz cuja onipotncia resulta de ela no se encontrar aqui, mas em um alm
qualidades pessoais.
poder social geralmente indireto e age por meio da mente das pessoas, por exemplo,
512
aes. (Dijk, 2012, p. 42). Da a extrema necessidade de relatar todas as aes de seu
ocasio que me permite a frota e a obrigao de dar conta a Sua Majestade, que Deus
guarde, das primeiras ideias do meu governo (C. I). O princpio de reportar aes ao
superior refora a teno constante de demonstrao de poderes, em que aquele que detm
menos serve-se de estratagemas que sirvam de ponto de contato e validem a relao com
a continuao de uma sade muito feliz, com que nos seguremos /mediante o vigilante
consolao e amparo dos que, como eu, tm em Vossa Excelncia sua fortuna e toda a
sua esperana (C. III), de modo a personificar nele suas realizaes. Na mesma diretriz,
de modo muito mais amplo, atribui a ele a manuteno do prprio sistema monrquico.
Charaudeau (2013, p. 10) estabelece que o espao pblico seja o lugar propcio para
forma de confisso o desejo de acertar: Confesso, Senhor, que desejara ter presa a meu
arbtrio a fortuna: para poder ter prstimo e adquirir os maiores acertos neste meu
emprego (C. I). Esse desejo, no entanto, est restrito a uma hiptese, o que o invalida e,
sempre repleta de significado, o que pode ser ainda mais representativo se as entrelinhas
forem consideradas. Por exemplo, a afirmao de que em toda a parte possa eu ter o
513
meu cuidado e da minha grande saudade e desempenho dos meus votos e dos meus
importncia que se atribui ao recebimento de notcias pode ser entendida como a busca
do poder. Uma vez que a comunicao com o Reino ocorria unicamente por via das
intermdio dos papis. Afinal, o poder tanto exercido quanto reproduzido no e pelo
discurso. Sem comunicao escrita (e falada), o poder na sociedade no pode ser exercido
oficiais, o reconhecimento social, que seria dado distncia, por meio das
268).
suas aes. Por exemplo ao agir sem a validao prvia, justifica-se: em muitas coisas
me tenho visto duvidoso do que ser mais conforme as intenes de Vossa Excelncia e
me resolvi segundo o que eu quisera que se me fizesse a mim em semelhante caso (C. I).
O fato de agir de acordo com o que queria receber retoma os preceitos cristos, detentores
de prestgio social, o que justificaria o fato de porventura no ter agido de acordo com as
Acima do que se pode ser feito contra a pessoa, est a preocupao do que pode ser
feito com seu ethos: Mas eu no temo o que c me podem fazer, temo que na presena
de Vossa Excelncia representem de mim algumas queixas com que Vossa Excelncia
venha a pr em dvida o meu procedimento, por isso quero prevenir a Vossa Excelncia
dando-lhe esta notcia para que Vossa Excelncia me faa a justia de me ouvir, sendo
514
servido, sobre as culpas que quiserem acumular-me os meus inimigos (C. II) Pode-se
afirmar, diante dessa assero, que o ethos enquanto sua representao social mais
Linguagem formulaica
Embora tenham sido selecionadas apenas cartas, cuja espcie textual de cunho
endereamento, com Ilustrssimo e Excelentssimo Senhor (C. I, II, III e IV). Essa
frmula retomada ao final das cartas, antes do fecho de cortesia, a anteceder o ttulo do
pronomes de tratamento, abreviados nas epstolas contm em si, alm do padro da mais
destinatrio da mensagem. Inclui-se a esta a meno e casa de Vossa Excelncia (C. I),
Mateus), grafada como Dom Lus Antnio de Sousa, recebe o acrscimo, na carta I do
termo Meu Senhor, situando altura a persona do Conde de Oeiras. A escolha dos
515
o comportamento do autor. Apesar da semntica de rebaixamento que acarretam, geram
como a gradao de fora, que visa (mesmo que paradoxalmente) a intensificar o escopo
deste artigo, vale mencionar que o emprego dessa frmula para se manter o contato com
longo das trs pginas da carta I, tanto como pronome de tratamento quanto como
possessivo de Vossa Excelncia. Do mesmo modo, aparece 16 vezes na carta II; 11, na
carta IV; e 6 vezes na carta III, que est redigida em apenas uma pgina, diferente das
ser difcil separar o brasileiro do catlico: o catolicismo foi realmente o cimento de nossa
unidade (Freyre, 2007: 92). A mesma formulao usada quando se menciona o Rei:
Sua Majestade, que Deus guarde (C. II). De to usual, essa colocao de termos
516
discurso poltico, pois fornecem uma analogia condensada e um julgamento de valor
introjetadas no imaginrio catlico, o que lhes confere ainda mais fora e destaque: Sabe
Vossa Excelncia tambm que aos tiros da inveja, da calnia e da arrogncia, nem a
inocncia de Cristo, nem a iminncia do respeito pode ser isenta. (C. II). As investidas
dos que se opem a seus planos de governo so nomeadas tiros, como elementos
direcionados contra algum na inteno de ferir ou matar. Contra tais investidas, nem
idealizada do Esprito Santo, para comparar acertada medida proposta pelo conde de
(C. II)
designao de um objeto pelo nome de outro, [por conta de semelhanas], seja sua
existncia, seja sua maneira de ser (Charaudeau e Maingueneau, 2008, p. 332) e promove
de Vossa Excelncia (C. III) que apresenta a esfera do fsico. A imagem do ato de
submisso ao outro ganha a imagem do ato fsico, de baixar-se aos ps do outro. Conta,
portanto, com a escala da gradao, em que o ato de rebaixamento do outro frente a seu
517
A imagem dos ps recorrente, como a nica parte do corpo em que se pode
merecer o acesso, por ser a mais rente ao cho: Beijo reverente os ps de Vossa
Excelncia (C. III); Busco os ps de Vossa Excelncia (C. IV). A construo discursiva
de reverenciar-se aos ps do outro e levar os lbios a esses ps para lhes beijar pressuporia
constitui um recurso discursivo, e (se possvel fosse) at mesmo atitudinal, para elevar a
Alm dos ps, como a imagem do mais baixo na estrutura do corpo humano,
apresenta-se a metonmia das mos, como a parte que representaria a pessoa do Conde de
mesmo, a meus filhos e a toda a minha casa (C. I); Por isso me valho da poderosa mo
de Vossa Excelncia (C. II). O epteto poderosa mo contm a carga semntica do afeto
social, por se tratar da mo daquele que pode cuidar da famlia e das propriedades,
ascenciona-se esfera da sano social. Diante disso, o Conde seria, a exemplo do Rei, o
(Des)construo do ethos
adote a atitude oposta: a de exaltar as qualidades negadas por esse autor. Nessa medida,
518
superior. O fragmento o grande dito com que o mesmo Senhor e Vossa Excelncia me
honraram em se fiar de mim, sem eu ter merecimentos (C. I) aponta essa estratgia, uma
vez que o autor nega o seu merecimento. Essa negativa contradiz o universo da verdade,
haja vista os mritos pessoais que conduziram a sua nomeao, na tentativa de manipular
a reao do interlocutor.
servido dar nestas matrias as providncias que lhe parecem mais justas, ilustrando com
as suas sbias instrues o meu entendimento (C. IV), em que sua inteligncia
negao anterior.
Morgado de Mateus afirma que ningum melhor do que Vossa Excelncia sabe, que eu,
que me posso enganar com as paixes e com o amor prprio (C. II). Ao se preocupar
com o fato de poder exaltar suas qualidades, reitera a ideia de que sua postura de
sem realmente afirm-las e, portanto, com pouca chance de serem questionadas. (Dijk,
2012, p. 123)
desejo outra ventura, nem outro despacho mais do que alcanar que os meus cuidados, as
minhas diligncias, e os meus desvelos em que no descanso, possam vir a servir de algum
aumento a estes Estados. (C. I). Mostra-se sempre desinteressado do que possa lhe ser
519
desacertado; porque asseguro muito muito a Vossa Excelncia que me parece no ter
sido nem com dolo, nem por interesse. (C. I). O fato de poder errar fica diludo pela
justificativa de no se ter errado por querer prejudicar, nem por interesses pessoais. A
humildade usada como recurso para justificar e, sobretudo, para redimir os erros. De
inteno de errar.
conclua por si a falta de consistncia da assertiva, afirma que tem vcios: atacando no
os meus vcios /que era o que deveriam fazer/ mas as disposies principais do meu
governo, em que executo as reais ordens de Sua Majestade (C. II). Assegura, dessa
maneira, que se sentiria menos ofendido se suas falhas de conduta fossem criticadas ao
nem a reta administrao da justia se pode praticar, sem levantar o dio dos maus: estes
so os que ofendem, que os bons no obram desta sorte, seno o bem e a caridade (C.
II). Por meio desse postulado, implicitamente situa a si mesmo no grupo dos bons e, por
conseguinte, divulga a proposta de que seus atos estariam ligados ao bem e caridade.
indefectvel clemncia de Sua Majestade, que Deus guarde, para que me no falte a graa
do mesmo Senhor porque sem ela nem as grandezas, quanto mais a minha humildade,
pode conservar-se, e melhor me fora no viver. (C. II). Apresenta a hiptese de que nem
520
Verbaliza, em acrscimo, deter a caracterstica da humildade, como um julgamento de
com direitos e obrigaes dos vassalos em relao a seus senhorios no perodo feudal e
estendeu-se ao longo dos sculos aos moradores de algumas colnias. Mesmo sem a
ordens reais, responsveis por sua nomeao, baseada nos critrios pessoais de confiana
constante realce de seu ethos: e do modo possvel rendo a Vossa Excelncia as graas
considerados o bastante para o emprego vocabular de itens como criados, sditos, que
obrigado a Vossa Excelncia como eu sou (C. I), ou at mesmo de maneira implcita,
por meio da prtica do enaltecimento pessoal: Desejo muito que a preciosssima sade
de Vossa Excelncia se conserve sempre feliz para meu amparo. Que a amabilssima
521
O reconhecimento da valorao social do conde ganha instncia mxima no
seguinte trecho: a todos Vossa Excelncia como pai e autor que de tudo o que somos,
nos ampare e sustente e favorea como pode (C. I). A construo do imaginrio de
A postura para se protestar a minha fiel obedincia e reverente escravido (C. III)
mos juntas dentro das mos do senhor como forma de simbolizar a submisso ao controle
meio das cartas: o meu reverente obsquio, a suma venerao com que de toda a parte
adoto o respeito de Vossa Excelncia e a viva memria que sempre tenho das
mercs com que Vossa Excelncia me tem engrandecido (C. I). Sentindo-se agraciado
deseja que Deus, Nosso Senhor, guarde a Vossa Excelncia para meu amparo (C. II),
Consideraes finais
pelo governador Morgado de Mateus em cartas enviadas a Portugal, no que diz respeito
522
produo de imagens construdas pelo universo ideolgico da vassalagem. Em acrscimo,
vassalagem.
No conjunto das quatro cartas apresentadas por meio de fragmentos, dessa maneira,
fim de que o outro, de forma solidria, fizesse o mesmo. Ao ter aes e comportamento
elogiados pelo interlocutor, sobretudo por se tratar do grande detentor de poder, o Conde
metade do sculo XVIII, nota-se que o discurso setecentista grafado nas cartas ultrapassa
discurso pressupunha o cuidado com a manuteno de seu ethos por parte do autor e, em
Brasil colonial. Observa-se, com isso, que o poder social no apenas aparece nos ou
por meio dos discursos, mas tambm que relevante como fora societal por detrs
discursivamente (Dijk, 2012, p. 33), objetivou-se analisar o discurso veiculado nas cartas
visou, portanto, retratar, mesmo que sucintamente, como se davam a construo das
523
Referncias
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Martin, James, & White, Peter. (2005). The language of evaluation: Appraisal in English.
Meyer, M. (2003). Mtodos de Anlisis Crtico del Discurso. Barcelona, ES: Gedisa.
525
Anexo Carta III
526
Illustrssimo e Excelentssimo Senhor
DomLuis AntoniodeSouza
527
AS EXIGNCIAS E PRESSES DA VIDA CONTEMPORNEA
patologias mentais, tanto assim que foi chamada de resfriado da psicopatologia. Essa
sua assiduidade faz com que se imponha como uma das situaes mais desafiadoras na
em que o ser humano est inserido e que iro nele se refletir. Conclui-se,
dar atravs da leitura teolgica que faz da realidade; bem como propondo caminhos de
*
Mestrando Ps-graduado Bacharel em teologia Faculdades EST So Leopoldo, RS, Brasil. Bolsista
CAPES.
**
Mestranda e Bacharel em Teologia Faculdades EST So Leopoldo, RS, Brasil. Bolsista Cnpq.
528
Palavras-chave: Depresso, exigncias, presses, aconselhamento pastoral.
Abstract: Depression is one of the most frequent contemporary disorders among mental
imposes itself as one of the most challenging situations in today's society, thus revealing
the need for alternatives that are methodologically reflected and deepened by most diverse
bibliographical exploration, to pointing out some hypotheses regarding the demands and
pressures of contemporary life that contribute to this process of social and community
disease in which the human being is inserted and that will be reflected on him.
Preeminently, its concluded that the basis on which the Pastoral Counseling has its
community. Thus, the Pastoral Counseling has its contribution to offer through the
theological reading from the reality; well as proposing ways of liberation and
empowerment of those who feel overwhelmed by the demands and pressures of the
current model of life. The Christian faith is the basis of Pastoral Counseling, whose
Consideraes iniciais
em relao ao ser humano e as suas mais diversas formas relacionamentos com o mundo
que est em sua volta. (Malta, 2010, p. 100). Esse novo quadro complexo em que o ser
humano contemporneo est inserido pode ser ou tornar-se doentio e adoecedor. Afinal
529
de contas, a sade e o bem-estar no dependem exclusivamente do bom funcionamento
dos rgos, mas de muitas outras variveis em que o indivduo est inserido em sua
O peso que o ser humano, nosso contemporneo, tenta carregar sobre os ombros
impressionantemente maior do que as foras que ele tem a disposio. Anda encurvado,
cabisbaixo. Enfrenta uma situao parecida com aquela descrita na mitologia grega, ao
tratar sobre o castigo de Atlas. O ser humano tenta, e s vezes acha que conseguir,
carregar e sustentar o peso do mundo e do firmamento sobre suas costas, o que se torna
sentir-se isoladamente responsvel por carregar todo o peso do mundo ou sobre si. Seria
Competio desmedida
vida. Vivemos uma espcie de darwinismo social onde reina uma espcie de competio
sendo assim devoradas por um sistema cruelmente capitalista. (Brakemeier, 2002, p. 12).
Segundo Kehl (2009, p. 22), um povo que valoriza a competitividade e a conquista, mesmo
que se limite lgica do mercado capital, no capaz de amar e cuidar de seus deprimidos,
530
pois, a ttulo do discurso capitalista, ela mesma responsvel pelo desenvolvimento e
o/a melhor, de estar sempre em evidncia, em primeiro plano, um modelo social adoecido.
sou mais forte que voc, enquanto que nas sociedades humanas , num grau muito maior,
eu sou incrivelmente bom, melhor que voc. Frente a essa realidade se revela o seguinte
fato, assim como um animal pode ficar deprimido por ser espancado pelo seu grupo, o ser
humano pode ficar doente e deprimido por no estar em alto conceito ou por no ser digno
superexpectativas irreais e irrealizveis que foram projetados sobre si ou que ele mesmo
projetou sobre si (Solomon, 2010, p. 577). necessrio atentar ao seguinte fato, como
vivemos num mundo que falho e vulnervel, pessoas perfeccionistas tendem ser deprimidas
e, ao mesmo tempo, pessoas das quais se exige constante perfeio tornam-se mais
descartadas, para o bem do ser humano. Aquelas coisas que se enquadram na categoria do
dever, do ter que fazer. O livre prazer deveria ocupar o lugar do patolgico e irrealizvel
dever. Tenho que ser o mais rpido, o melhor e realizar tudo com perfeio e sem erros.
Tenho que ser uma boa me e um bom pai, sempre disponvel; tenho que ser um bom filho,
uma boa filha. Tenho que alcanar a perfeio em tudo. A quebra das minhas iluses
tambm rompe a couraa que eu constru minha volta. E assim sou aberto ao meu verdadeiro
Eu, para a imagem original e verdadeira que Deus fez de mim. (Grn, 2011, p. 55).
531
p. 17), os modelos sociais contemporneos so extremamente lquidos, metamrficos e
inconstantes. Querer estar sempre em alto e admirvel conceito parece ser algo irreal, e
doentio. Sendo assim, para a humanidade a lei da selva se mostra como mortal. Alm do
mais, lembra-nos bem Solomon (2010), os animais selvagens esto livres de alguns fardos
que pesam sobre o ser humano. Animais selvagens, por exemplo, no precisam assumir
calmamente, ano aps ano, com aqueles de quem no gostam; no brigam pela custdia
pelo espao do exerccio profissional exige cada vez mais conhecimentos tcnicos e
especficos das pessoas que querem se candidatar a tal vaga. H pouco mais de uma dcada
atrs, sculo XX, ter um diploma de datilografia era uma vantagem para ingressar no
mercado de trabalho, era motivo de orgulho, tanto assim que o diploma ia parar numa
moldura da parede da casa. Poderamos nos perguntar o que vale hoje um diploma de
para instrumentalizar o ser humano para que assim se torne uma boa ferramenta no atual
procura e oferta no mercado de trabalho de cursos que ofeream formao ligada, por
exemplo, poesia, filosofia e a tudo aquilo que envolve mtodos de profunda reflexo
humana. Para o nosso modelo de mercado atual, isso parece desperdcio e perda de tempo.
532
O que se quer uma formao tcnica, instrumental que, apesar de limitada, no deixa a
mquina capital parar. Mas justamente a reside uma grande armadilha, pois as tcnicas
exigidos a cada novo dia. O que faz com que novas tcnicas e invenes logo, logo se
humano est cercado de uma parafernlia tecnolgica da qual no domina e no sabe bem
como usar, e isso se reflete em todas as reas. At mesmo na rea da sade tem-se a
uma criana podia caminhar por sua aldeia e ver os adultos trabalhando. Escolhia
(onde a escolha era possvel) seu prprio trabalho com base em uma compreenso
bastante completa do que acarretava cada uma das ocupaes disponveis o que
533
exatamente um gerente de fundos ou um administrador de cuidados de sade ou
adoeam. Algumas categorias de profisses sobrecarregam a pessoa e isso faz com que a
sua vida psquica fique vulnervel. Uma pesquisa realizada pelo Kings College de
Londres revelou que profisses que exigem ateno constante e respostas velozes
durante muitas horas por dia provocam depresso (e estresse) entre os que se dedicam
a elas. (Kehl, 2009, p. 148). Os sintomas depressivos mais relatados entre o grupo de
de inutilidade.
que o sujeito se torne objeto desfigurado, sem identidade e fique, paulatinamente, sem
dignidade a ser considerada. Esse processo degradador culmina na ideia de que a pessoa
somente tem um valor sob o aspecto dos valores comerciais. Ou seja, importa o que ela
mercadoria que se compra ou se despreza, fora que se impe ou sucumbe, mquina que
vira sucata to logo deixa de funcionar ou assim que no tenha nada a oferecer.
534
As pessoas so destitudas de seus nomes e passam a ser conhecidas por nmeros
estatisticamente, contadas como animais, sendo tido em menor apreo do que esses (Henry
e disputas desumanas por poder (Brakemeier, 2002, p. 12, 13). Com isso, constitui-se no
apenas um modelo de vida injusto e doentio, mas especialmente desumano, pois o ser
desumanizao est relacionado cegueira causada pela ganncia capital. Nessa cegueira,
H algo nos seres humanos que no se encontra nas mquinas, [...] o sentimento,
Para Boff (2008), o sentimento e atitude que pode mudar esse quadro, o
cuidado. O ser humano que no sente mais, no se deixa tocar pela dor do outro, que no
se emociona, no se envolve, que frio e calculista, est mais para mquina, que para
humano. Boff segue a sua reflexo e relata que o cuidado essencial capaz de transformar
em sujeitos aquilo que a fria razo coisificou e tornou objeto de descuido, de uso e de
explorao. O cuidado o sentimento e atitude que torna pessoas, coisas, situaes e toda
535
a criao divina, em algo extremamente importante; e aquilo que importante para ns
se torna alvo do cuidado mais profundo e indelvel que est na essncia do ser humano.
O cuidado est mais para a emoo e para o corao do que para a fria e calculista razo
do uso utilitrio das coisas, criaturas e pessoas. Essa parece ser a forma de resgatar
humanidade mais essencial, fontal e ontolgica do ser humano. (Boff, 2008, p. 100-103).
na esfera das relaes. As pessoas, com poucas excees, nasciam, cresciam, casavam e
baseiam na lgica do descartvel. Tudo se tornou descartvel, inclusive o ser humano foi
coisificado e tambm se tornou descartvel. (Malta, 2010, p. 101, 102). Esse fator revela
que a vida humana e os laos relacionais j no possuem muito valor, pois a pessoa que
foi coisificada pode ser usada, manobrada, manipulada, explorada e desprezada, assim
como se faz com os objetos descartveis, que comeou com um simples guardanapo de
As figuras que assumiam papel central no processo de cuidado e conduo familiar vivem
atualmente sem tempo para exercer a sua vocao especfica no seio familiar.
No existe lugar para o dilogo entre pais e filhos; as pessoas esto sempre
filhos, que vm experienciando cada vez mais vivncias de abandono; afinal, seus
536
pais no brincam mais com eles, no os pem para dormir. Outro ponto a refletir
Kehl (2009) chama a ateno para o perigo dessa falta de tempo, das correrias
tempo em que o tempo seja menos importante. Um tempo onde as coisas podiam ser
vividas e saboreadas na lentido e sem as amarras do tempo atual, que parece encurtar a
cada dia.
mundo contemporneo relata que o modelo de vida atual no reflete mais a medida
decorrida da excluso social e do sentimento de ser visto pelas outras pessoas como
elementos sensoriais e culturais que conectam as pessoas com memria de sua origem
corpo irreal, falta de descanso e falta de sensibilidade com os ritmos do prprio corpo) e
vivemos); c) no caso da invisibilidade a pessoa ignorada, deixou de ser vista como ser
537
agenda semanal superlotada das mais variadas atividades, dentro de uma abundncia de
para fora desse mundo desumano em que vivem, por carecerem de gestos simples
Cortella (2013, p. 93) relata que uma pesquisa realizada em nos centros econmicos
mundiais revela que o convvio entre pais executivos junto a seus filhos e filhas no passava
de cinco minutos dirios, inclusive no Brasil. Encontro entre pais e filhos se tornou coisa rara
em nossos dias, mesmo para aqueles e aquelas que moram sobre o mesmo teto. Segundo o
autor, somos a primeira gerao em que os pais saem de casa, quando l esto, mais tarde que
os filhos.
Por muitos e muitos anos, sculos at, os adultos acordamos as crianas (filho,
vai para a escola, toma caf, toma...); hoje o filho levanta sozinho e sai s 6h30 ou
6h45 na van ou no nibus, e o pai e a me, acordando mais tarde, saem para
nomadismo. O sculo XXI tornou-se um desterrador de razes. As bases que nos eram
tornaram-se inconsistentes, fluidas, lquidas. O que era inteiro, o que era uma unidade, se
538
famlia se mudou pelo menos cinco vezes num curto perodo e que se enforcou em um
grande carvalho no quintal de sua ltima casa. Esse rapaz deixou na rvore um bilhete
espetado que dizia o seguinte: isto a nica coisa por aqui que tem razes. (Solomon,
2010, p. 580).
fluida, que radicalmente o oposto daquilo que anteriormente ele denomina de modernidade
slida:
duradouras. A imagem de algo slido que, aos poucos, vai derretendo compatvel com o
desenvolvimento da histria das relaes, da tradio, das estruturas, dos valores, dos
costumes, em todos os seus nveis entre o ser humano, nosso contemporneo. o mundo da
2001, p. 184).
demais que confundem e puxam para baixo. Muitas das certezas bsicas e slidas se foram
e muitas pessoas no sabem mais bem o que fazer, o que querer ou o que ser.
539
A nossa poca marcada pelo seu carter fast e pelo vazio utpico. Tudo precisa
ser realizado com pressa, com rapidez. Cortella fala da tacocracia para nomear a supremacia
velocidade o principal critrio de qualidade para avaliarmos uma coisa como positiva ou
negativa. Vai demorar para ficar pronto? Vou demorar para aprender isso? A conexo
demorado? Aprender a tocar este instrumento demorado? Demora para fazer essa comida?
Ento, no posso querer. (Cortella, 2013, p. 20). A pergunta crucial a se fazer , se tudo
precisa ser feito com tanta rapidez para que eu ganhe mais tempo, o que fao com o tempo
que ganho?
preciso, aqueles que contam os dcimos de segundos, afinal temos pressa e tempo
instantnea. A pulsao prpria do corpo, que rege o ritmo do nosso jeito de ser,
violentamente apressada pelos milsimos de segundos que aprendemos a contar. Ora, isso
no natural do ser humano e no h medicao que possam nos ajudar a estar regulados
importante destacar que apenas no fim do sculo XIII, nas torres das igrejas da
Europa, os relgios mecnicos comearam a marcar uma nova temporalidade para o ser
humano. Antes disso, a passagem do tempo era regulada pelos ciclos da natureza,
fundamental para o trabalho no campo bem como pelos horrios dos ritos religiosos. O
tempo do trabalho era definido pelo percurso do sol. O tempo social, do cio, meditao
e partilha era indicado pela Igreja, atravs de seus sinos que convidavam o povo para
540
oraes em diferentes horas do dia e para as celebraes que aconteciam no templo,
seguiam uma linha de produo diferente da realidade agrria, marcada pela produo e
nova relao do ser humano com o tempo. O tempo no seria mais regido pela ordem
natural e pelos ritmos naturais. No mais o sol que dita o horrio de comear e de parar
ritmo de vida das pessoas, mas o tempo passa a ser contado de hora em hora. No sculo
XIV e XV, sem ainda existir os ponteiros dos minutos (que so maiores que o das horas),
surgem novos relgios para serem instalados nas prefeituras das cidades e no mais nas
torres da Igreja, onde se queria dizer, entre outras coisas, que o tempo tambm pertence a
Igreja. De l para c, o tempo humano nunca mais deixaria de ser contado em dinheiro,
Para Fdida (2009, p. 15), a acelerao em que vivemos atualmente faz com que
frente a essa realidade que a pessoa depressiva resiste com sua lentido, seu
mergulho angustiado e angustiante. Ainda que eles no saibam disso, a inadaptao dos
541
tempo no contava. (Kehl, 2009, p. 122, 123). Foi-se o tempo do cio e sobrou apenas
Tudo exige pressa, agilidade, domnio. necessrio saber muitas coisas em menos tempo
contato, e s vezes de intimidade, entre mes que trabalham e seus filhos outra.
Levar uma vida de trabalho que no inclui nenhuma atividade fsica ou exerccio
outra. Viver sob uma luz artificial outra. A perda do conforto da religio
outra. A lista pode ser expandida quase indefinidamente. Como podem os nossos
crebros estar preparados para processar e tolerar tudo isso? Por que isso no seria
e, sim, de orientao; no somos ignorantes, estamos confusos. fato, hoje temos acesso
a informaes sobre o ser humano e o meio em que vive que outras geraes jamais
estar saudvel.
542
Diante de um estilo de vida fragilizado, muitos citam a influncia de se ter um
sentido maior para a vida. Temos acesso a tantas coisas atualmente, muito mais que aqueles
e aquelas que nos antecederam, mas parece faltar um sentido maior, uma razo de estar a no
mundo. Uma gerao desmotivada, aptica, tediosa e com medo do futuro, uma gerao
adoecida, fragilizada. A vida precisa ser vivida como algo que vale a pena, como algo com
um sentido de ser. Uma vida com sentido uma vida dinmica, ativa, produtiva. (Brakemeier,
2014, p. 8-10) Um universo privado de sentido, inanimado, isto , sem alma, mata tambm
Viktor Frankl (2008) percebeu que pessoas que tem ou encontram uma razo
para viver se tornam mais resistentes frente s intempries da vida, pois so capazes de
mostraram que 89% das pessoas consultadas admitiram que o indivduo precisa de
algo em funo do qual viver. E 61% admitiram haver algo ou algum em suas
prprias vidas pelo qual estariam dispostas at prontas a morrer. [...] Outra pesquisa
o que consideravam muito importante para eles naquele momento, 16% dos
estudantes responderam ganhar muito dinheiro, 78% afirmaram que seu principal
543
objetivo era encontrar um propsito e sentido para minha vida. (Frankl, 2008, p.
125).
usurpa, exauri e mina as foras e energias vitais do ser humano. necessrio que se
p. 97, 98). Segundo Malta (2010, p. 99), consultrios teraputicos esto lotados de pessoas
que buscam um sentido para a sua vida e que buscam entender as suas angstias.
Mesmo com toda a cincia e tecnologia ao nosso dispor, o ser humano sente-se
vida pode se tornar uma fora vital e propulsora para um existir e estar a no mundo de
forma dinmica, interativa e viva (Malta, 2010, p. 113). justamente isso que parece
pessoa para pessoa em diversos momentos de sua existncia, mas que jamais deveriam
determinada causa ou objeto, esportes, msica, arte, literatura, botnica, etc. que motivem
necessria a busca por um sentido duradouro, eterno, pois somente um sentindo eterno e
544
transitrios. Tambm verdade que um sentido duradouro capaz de evitar a runa da
passageiro; por outro lado sem um sentido maior, inerente vida humana em especial e
13).
nossa confusa sociedade funcionava como uma base slida e como um princpio
unificador do ser humano sua essncia e elemento central da vida (Malta, 2010, p. 102).
correria cotidiana que lhe traz a falta de tempo (Malta em Gomes, 2010, p. 102) e a
Segundo Frankl (2008) faz-se necessrio estar atento a esse sentido maior e
unificador que est ligado essncia e fonte da vida, ou ento no lugar onde antes existia
545
Aconselhamento Pastoral
ideia de dar conselhos e gerar dependncia. No se trata de uma relao de poder, mas de
uma relao dialogal entre parceiros. Essa relao tem como objetivo descobrir junto s
e pecadoras que so aceitos pela graa de Deus, para que, assim, possam restabelecer uma
relao saudvel e libertadora com o Deus de sua f, consigo mesmas e com o prximo
e o falar, pois estes do voz ao sofrimento para articular o protesto e partir para a ao. O
p. 97).
Psicologia, podemos citar: Jung, Rogers, Frankl, Skiner, Perls, entre outros. No Brasil, em
546
Brasileira de Aconselhamento. (Schneider-Harpprecht, 1998, p. 79). Iniciativas
e reforam a proximidade entre os dois saberes que prezam pelo cuidado do ser humano em
Assim sendo, possvel dizer que o Aconselhamento Pastoral uma vocao pela
qual a Igreja como um todo foi e chamada para cuidar das pessoas, atravs das pessoas e
do convvio fraterno e solidrio entre as diferentes pessoas como fruto da f. Sendo uma
Ward (2001) ressalta que apesar de essa tarefa ser funo da Igreja, e no apenas de
ministros e ministras, impossvel negar que o ministro e ministra so smbolos que apontam
representam o Deus da vida e tambm uma comunidade de f que est na base de sua ao
paciente que est sozinho no hospital. Por meio das visitas do visitador pastoral o
parte.
547
Quando surge uma crise na vida de um indivduo, a pessoa do visitador pastoral pode
mais uma vez representar um corpo de pessoas que est oferecendo oraes, apoio,
conceito de cura dalmas, ao qual se entende que a salvao da alma imortal mediada
pela figura pastoral, mediante a confisso e a absolvio. Uma vez que esse dualismo foi
superado e o ser humano voltou a ser compreendido como um ser integral, podemos ir
Hoch (2003, p. 98) chama ateno para o fato de que a prtica do Aconselhamento
culto, mas tambm. Ela vai um pouco alm e extrapola os limites da vida cltica e
realidade das pessoas. A comunidade crist como um todo, como agente do cuidado
548
fragilizadas no se limitam ao discurso verbal, a verdades dogmticas ou a ensinamentos
prontos e fechados em si. Para Ward, a presena, o estar junto em silncio, o escutar com
ativa e profunda, vai alm do racional, do ouvir as palavras ditas pela pessoa que sofre. Este
tom da sua voz, a expresses faciais, os gestos, a postura e a linguagem corporal. Ou seja,
a palavra aconselhamento que aqui usamos vai muito alm da concepo de dar conselhos,
prprio Jesus Cristo diante do ser humano fragilizado. A sua vida foi marcada por
seu ministrio foi constitudo e vivido numa rica, dinmica e complexa interao com o
prximo que estava diante de si. Esta a boa nova do Evangelho: Deus, na pessoa de
Jesus Cristo, vem para se relacionar com seu povo em meio ao sofrimento e o faz de
mais humilde das pessoas seja capaz de entend-la. E, mais do que entend-la,
292). Com isso, exerce formas de cuidado e de recomposio quando a vida e as relaes
549
humanas esto ofuscadas, comprometidas ou quebrantadas por situaes de crise.
Aconselhamento Pastoral pode propor iniciativas que funcionam como contraponto das
e motivar as pessoas a falarem sobre suas dores); Cultos simblicos e meditativos como,
por exemplo, o Culto de Tom; Grupos de visitao (a Igreja indo ao encontro das pessoas
feridas e no apenas esperando elas virem ao seu encontro); Grupo de estudos temticos;
Encontros e palestras com profissionais da rea da sade que compreendem o ser humano
de anuncio da graa e do perdo incondicional de Deus; etc. Essas seriam algumas das
individualismo. um corpo com muitas partes (1Co 12. 12ss; Rm 12.4-5) que no exclui
Concluses
generalizado, ou, nas palavras de Kehl (2009, p. 32), sintoma de uma sociedade adoecida.
Para Kehl (2009, p. 103), a depresso como sintoma social, aquilo que resiste ao
550
imperativo do gozo, f na felicidade consumista, prpria oferta de possibilidades de traio
da via desejante. Com isso possvel dizer que os prprios sintomas depressivos so, em
ltima anlise, a possibilidade de sobrevivncia atravs de uma espcie neurose glacial que
tenta proteger a vida contra o que ela tem de vivo, como se atuasse atravs de um sono de
hibernao; ou ainda como uma tentativa de cura, frente a uma realidade humanamente
insuportvel (FDIDA, 2009, p. 34). Para Grn (2011, p. 8), a depresso um grito de
socorro da alma contra o desarraigamento e a sobrecarga decorrentes das mudanas cada vez
mais rpidas.
descrita aqui, parece se mostrar de fato incompatvel com as limitaes humanas e isso
causa estresses crnicos, fragilizando e adoecendo o ser humano em vrios nveis de sua
fsicos, emocionais, relacionais e existenciais que, por sua vez, podem causar transtornos
fracasso da medicina em nossos dias. A psiquiatria, por exemplo, no tem mais tempo
para se dedicar observao e escuta dos doentes. (Fdida, 2009, p. 10). Os mdicos se
conta os dramas e dilemas da vida psquica e das dores da alma. Na psiquiatria houve um
aniquilamento da concepo de vida psquica, o que sugere que a depresso seria uma
551
ser tratada e corrigida apenas com recursos medicamentosos, alcanados atravs do uso
Quando no se abre possibilidades para o dilogo interior e exterior, para a catarse, para
de Fdida (2009, p. 15), quando se trata de vida psquica, no se pode poupar tempo de
espiritualidade na qual nossas emoes sejam reconhecidas como mais do que paixes
privadas que devem ser silenciadas por remdios particulares. (Whitehead e Whitehead,
1997, p. 58).
Referncias
Boff, L. (2008). Saber cuidar: tica do humano compaixo pela terra. Petrpolis, RJ:
Vozes.
552
Brakemeier, G. (2002). O ser humano em busca de identidade: contribuies para uma
Vozes.
primria sade (APS). In.: RODRIGUES, Margaret (Org.). Cuidado integral: aes
553
Malta, D. C. de A. (2010). Angstia, f e sentido da vida na ps-modernidade. In.: Gomes,
14.
ASTE. p. 79-86.
554
CICLOTURISMO, CORPO, SADE E QUALIDADE DE VIDA
E-mail: leandro_dri@hotmail.com
uma ao que pode ser incorporada como hbito para a promoo da sade, visualizada
a partir dos aspectos fsicos, psicolgicos e sociais que so fatores envolvidos nesta
ter participado de, pelo menos uma vez, a viagem Jacarezinho-Aparecida de bike. Para
anlise de contedo temtico. Emergiram trs categorias para discusso: aspectos fsicos
e de estilo de vida, motivao pessoal e interao social, sendo que o tema qualidade de
vida permeou os discursos das trs categorias. As informaes obtidas colaboraram para
amplo.
555
Abstract: Pedaling, movement technique inserted into the daily lives of many people, it
is an action that can be incorporated into a habit for health promotion, viewed from the
physical, psychological and social aspects that are factors involved in this activity.
Focusing on expanding the possibilities of living in a social environment, the aim of this
work was to study and record the relationship between cycling and quality of life, from
the perspective of practitioners. Choosing the study subjects was intentional way,
approaching 32 people, 30 men and 2 women, aged between 20 and 60 years. As inclusion
criteria, necessary and vital to the wealth of information linked to the theme, all persons
should have attended at least once, a trip 'Jacarzinho Aparecida-bike'. The techniques of
participant observation and semi-structured interviews were used to collect data. For the
treatment and interpretation of the data, we used the technique of content analysis. Three
categories emerged for discussion: physical aspects and lifestyle, personal motivation and
social interaction, and the quality of life theme permeated the speeches of the three
1. Introduo
o objetivo deste trabalho conhecer e registrar a interface das relaes entre cicloturismo
sociedade, a proposta do estudo ser de contribuir para uma reflexo sobre o corpo que
556
pedala no contexto da motricidade humana, compreendendo o ciclista como membro
O ato de pedalar faz parte do cotidiano de muitas pessoas e pode ser incorporado
fsicos, psicolgicos e sociais envolvidos nesta atividade. Isto faz com que andar de
destreza que exige do ciclista interao corpo-bicicleta, o que se d por meio de uma
agradvel. Trata-se de uma tcnica corporal, isto , uma maneira pela qual os indivduos
utilizam seus corpos, cuja habilidade apreendida conforme os padres culturais de cada
Percebe-se que o homem (ser humano) faz uso da bicicleta para diversas
finalidades. Pode ser utilizada como transporte no espao urbano; para fins desportivos
Spinning e, entre outras modalidades, alm do simples pedalar no domingo, pode servir
com o intuito de realizar viagens entre cidades, estados ou pases, atividade denominada
cicloturismo.
Para Roldan (2000) o cicloturismo uma prtica de exerccio fsico onde a questo
idade podendo ser praticado sozinho ou em grupo, pedalar no meio urbano ou rural, em
305
H duas modalidades de cicloturismo: de forma autnoma e com suporte. Viajar com autonomia, o
cicloturista leva consigo tudo o que precisa na viagem, normalmente nas bolsas especficas para bicicleta
chamadas alforjes. Na modalidade com suporte, geralmente contratado o servio de apoio motorizado
para levar as bagagens, fazendo com que no seja necessrio leva-las na bicicleta (ROLDAN, 2000).
557
objetivo da atividade de conhecer lugares utilizando a bicicleta como meio de
porm, tem ocorrido um aumento no nmero de informaes nos ltimos anos. A guisa
Fsica na UEL com o estudo das AFAN (Atividades Fsicas de Aventura na Natureza),
atividade. Foi nesse contexto que realizei a primeira viagem de bicicleta. Sa de Londrina
PR no dia 18 de dezembro de 2008, com um amigo, mas como ele teve de parar no
primeiro dia, cheguei sozinho Piracicaba - SP cinco dias depois. Perpassando as cidades
dos dois estados, fiquei trs dias pedalando durante a noite, um dia de descanso e, no
ltimo dia, pedalando com a luz do sol cheguei ao destino dando-se por concludo o meu
pneu furou duas vezes ao longo da viagem, mas tive a absoluta certeza de que outras
Utilizo como retrato o interesse na poca pelo cicloturismo que foi quando realizei
Salto do Rio do Tigre na cidade de So Jernimo da Serra - PR. O curioso desta viagem
se deu na volta quando nos deparamos com um ciclista pedalando numa bicicleta toda
colorida. Tratava-se de Lavoisier Richard, que, naquele momento treinava para seu
558
desafio e nos contou sobre o Break on Through Project - Hard Bike Tour306. No mesmo
ano, ao finalizar a graduao retornei novamente para Piracicaba de bicicleta, mas agora,
diferena em relao ao meu corpo, pois enquanto na primeira vez foi um sofrimento
pedalar, desta vez percebi melhor os lugares por onde passei, creio eu, por estar melhor
preparado dado o tempo disponvel para percorrer distncias maiores com maior
frequncia.
os Ciclistas de Maria a qual se seguiu outra viagem no ano seguinte, em 2013. Foi
discusso sobre a condio do ciclista relativa aos aspectos fsicos e estilo de vida,
motivao pessoal e interao social. Para a rea de Educao Fsica, tal interesse se
justifica pelo ciclismo ser uma atividade que pode ser incorporada como prtica de
atividade fsica e, ao mesmo tempo, como estilo de vida para o praticante, tamanho o
potencial desta prtica corporal como alternativa s atividades fsicas habituais. Para
306
MANFIOLETE, L. D.; AGUIAR, C. M. Break onThrough Project: Relato de Experincia sobre a Viagem
Hard Bike Tour no Contexto do Cicloturismo. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Argentina,
Ao 16, N 162, Noviembre de 2011.
307
MANFIOLETE, L. D.; AGUIAR, C. M. Sentidos da Aderncia ao Mountain Bike na Relao Ser-Humano-
Natureza. Revista ALESDE, Curitiba-PR; v. 2, n. 1, 2012.
559
descrio sobre os Ciclistas de Maria, grupo ao qual foram coletadas as informaes da
2. Ciclistas de maria
O grupo Ciclistas de Maria rene ciclistas que praticam cicloturismo nas rodovias
na regio do Vale do Rio Paranapanema, divisor natural dos territrios dos Estados de So
Paulo e Paran. O grupo tem sede na cidade de Jacarezinho, no estado do Paran mais
um dos membros lder do grupo Claudio Henrique Cavazzani que, com mais dois amigos,
(Figura 15).
560
Com um percurso de aproximadamente 680 quilmetros, o evento ocorre h treze
anos sempre durante o feriado de Corpus Christi. At a nona edio da viagem, devido
ao menor nmero de pessoas e maior experincia dos envolvidos, a viagem era realizada
em trs dias, porm, com o aumento no nmero de novos praticantes, o trajeto comeou
a ser realizado em quatro dias. No trajeto, os ciclistas pedalam por rodovias asfaltadas
Cruz do Rio Pardo, para chegar at a Castelo Branco (SP-280), parando, no primeiro dia,
tarde, pedalam sentido rodovia do Acar (SP-308) e rodovia Santos Dummond (SP-75),
561
Figura 17: mapa da trajetria do segundo dia de viagem
Campinas, o grupo passa rapidamente pela rodovia Anhanguera (SP-330) e atravessa uma
rotatria, seguindo pela rodovia Dom Pedro (SP-65) at a cidade de Jacare, onde param.
No segundo ano que viajei a parada se deu 20 quilmetros antes, na cidade de Igarat, em
No quarto e ltimo dia, depois de pedalar certa distncia pela rodovia Carvalho
Pinto (SP-070), o grupo passa a percorrer a ltima e mais perigosa rodovia do trajeto, a
Dutra (BR-116), na cidade de Taubat (Figura 19). Antes de pedalar o trecho final, o
562
grupo faz uma parada ao lado da tradicional placa (Figura 20) que indica a distncia de
46 quilmetros at Aparecida.
563
Figura 21: momento de orao no encontro de recepo com os familiares
entrega, cada um tem o seu momento para discursar sobre a trajetria percorrida. No
domingo pela manh, o grupo assiste a missa de Corpus Christi na baslica; logo aps
com veculos motorizados, o trajeto foi modificado passando agora pelo interior do
estado. O segundo detalhe derivado desta mudana. Quando a viagem era realizada em
santurios espalhados pelo mundo, sendo 22 no Brasil e, dentre estes, est o de Atibaia,
564
Figura 22: missa de agradecimento no Santurio Me Rainha Schoenstatt
porm, em 2010 subiu para treze e, em 2011, vinte e dois ciclistas participaram da viagem.
(Figura 23).
Aps esta alterao, em 2012, o nmero saltou para vinte e nove ciclistas e, em
2013, trinta e quatro pessoas participaram da viagem. Para cada vez que o ciclista
participou da viagem, ganha uma camiseta personalizada com o logo dos Ciclistas de
565
Figura 24: uniforme dos Ciclistas de Maria
Um membro lder do grupo comenta sobre o aumento na procura pela viagem quando
Nas primeiras viagens, a organizao era limitada ao ponto dos ciclistas terem de
lugar para discusso sobre a viagem e, percebendo a demanda, o lder do grupo e dono da
bicicletaria comeou a pensar numa logstica apropriada para a viagem. A partir disso,
566
ofertado para cada ciclista um pacote de servios que, dentre os custos, consta de hotel,
das bicicletas. Este formato fez com que a pessoa se preocupe apenas em pedalar, detalhe
que na viso dele, mudou a forma da viagem trazendo mais segurana para o grupo:
Nesses doze anos mudou muito. Por exemplo, saamos daqui e no sabia onde ia
parar, pedalava 230 km a 280 km, variando o ano e local de parada, at chegar
prxima cidade, que a gente prezava em no andar a noite, como prezamos hoje
em relao segurana, no tinha local definido para parar e com isso, criaram-se
diversas situaes que a gente chegava cidade e no tinha lugar para dormir, no
achava hotel, encontrava local tarde da noite, no achava lugar para jantar e a
viagem, nesses doze anos foi cada vez mais se organizando. Comeamos em trs
ciclistas e nessa ltima viagem em 2013, estvamos com trinta e quatro ciclistas,
reserva de hotis, o meio de locomoo no retorno como o nibus ser locado para
o retorno nosso, a reserva de restaurantes, tudo isso teve de ser criado, como
tambm o carro e moto de apoio. Teve de ser criada esta segurana porque se
percebia que o grupo no era mais homogneo que era no comeo, que eram
pessoas bem treinadas com o objetivo de fazer toda a viagem juntos no mesmo
ritmo, do primeiro ao ltimo integrante que chegava. Hoje, percebe no grupo que
destino chega muitas vezes duas a quatro horas antes do ltimo ciclista chegar. S
que para isso, o aparato de segurana tem de ser feito do primeiro ao ltimo
ciclista, ento por isso contamos com carro e moto de apoio, reservas pr-
definidas. Vimos que nesses doze anos, muita coisa mudou, ou se torna um grupo
567
mais organizado com os equipamentos de segurana melhor, todo mundo
grupo homogneo como era antes, mas foi desmembrada em vrios pequenos grupos e,
para garantir que todos estaro sendo acompanhados foi implantado o apoio motorizado
apoio escolhido um dos integrantes do grupo que participava da viagem quando era
realizada sem o carro de apoio. Um desses apoios comenta sobre a diferena entre ir
Pela experincia de eu j ter ido, uma pessoa no apoio que nunca foi pedalando,
talvez no tenha a mesma viso que eu tenho, eu consigo visualizar o estado fsico
durante a viagem, eu sei os pontos onde as pessoas iro precisar do apoio, consigo
ciclistas saber como eles esto se vai precisar j ou daqui a pouco. Por exemplo,
quando estou atrs, paro e vejo o ltimo, pela fisionomia dele, eu sei se posso
porque daqui a pouco ele vai precisar de mim e os pontos da viagem, o trecho que
com o transito.
precisar, foi uma medida primordial para que aumentasse o nmero de adeptos. Isto
porque deste modo ningum fica para trs, pois todos devem chegar ao final do dia no
destino proposto.
568
Em relao s atividades, como o feriado geralmente ocorre no ms do junho, trs
meses antes o grupo comea a se reunir duas vezes durante a semana para pedalar, com
sada prxima das 17h30min em frente mesma igreja de partida da viagem. A distncia
dos trajetos varia em aproximadamente 60 quilmetros com durao de trs horas, o que
facilita a insero dos iniciantes que almejam um dia chegar a Aparecida de bicicleta. Aos
finais de semana so realizados os pedais longos, que variam de 100 a 150 quilmetros
de distncia com durao mdia de sete horas, conforme o trajeto escolhido. Com sada
pedaladas so, geralmente, praticadas pelos mais experientes, mas algumas vezes, os
preparado para fazer a viagem. Na maioria das vezes, o destino das pedaladas so as
estradas de asfalto, porm, algumas vezes, saem para pedalar por caminhos de terra. Esta
caracterstica se deve muito pela viagem ser percorrida na estrada de asfalto, mas tambm
o grupo comea a se encontrar para pedalar, uma vez por ms eles se renem para assistir
s vezes, alguns dos integrantes do grupo tambm realizam encontros, com churrasco,
em suas prprias casas para conversarem mais e se conhecerem melhor, depois do pedal
longo.
3. Procedimentos metodolgicos
569
crenas, das percepes e das opinies, produtos das interpretaes que os humanos
pensam. A escolha pelos sujeitos fez-se de maneira intencional, porm, de acordo com o
trinta homens e duas mulheres, na faixa etria entre vinte e sessenta anos. O critrio de
incluso foi ter realizado, pelo menos uma vez, a viagem Jacarezinho-Aparecida de
bike.
Na volta da segunda viagem que participei no ano de 2013, por estar praticamente
todo o grupo reunido, decidi como momento oportuno para conscientiz-los sobre a
investigao e que, necessitava fazer uma entrevista gravada com aqueles que estivessem
participantes das entrevistas foram os ciclistas que o pesquisador teve contato nas duas
Sports, foi solicitado para cada sujeito assinar o TCLE Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido, aprovado pelo CEP - Comit de tica e Pesquisa com Seres Humanos, do
IB - Instituto de Biocincias, da UNESP campus Rio Claro. Aos que moravam nas cidades
questo, mas sem se prender indagao formulada. Este tipo de abordagem permite
maior liberdade aos entrevistados para seguirem a linha de seus prprios pensamentos e
experincias, orientados por questes-chave, tendo por objetivo captar informaes sobre
570
atrelado prtica (MYNAIO, 2010). Nesse tipo de pesquisa, segundo Trivios (2007), o
uma conversao com um propsito definido, ou seja, deve-se tornar a conversa como
uma forma de interao social mais prxima da realidade valorizando o uso da palavra,
smbolo ou signo por meio da qual os atores sociais constroem procurando dar sentido a
viagem que participei, seja no espao de encontros dos ciclistas na Vidativa Sports,
como tambm pedalando todo final de semana e, rotineiramente, uma vez durante a
contato com o grupo foi o cicloturismo pelo Caminho da F, que resultou em um relato
de experincia308.
anlise dos dados obtidos, utilizamos a Anlise de Contedo, definida como um conjunto
Dentre as modalidades dessa anlise, o estudo optou pela temtica, por ser segundo
Emergiram trs categorias para anlise: aspectos fsicos e estilo de vida, motivao
308
MANFIOLETE, L. D.; AGUIAR, C. M. Os Ciclistas de Maria e o Caminho da F. EFDeportes.com, Revista
Digital. Buenos Aires, Argentina - Ao 18, N 181, Junio de 2013.
571
4. A qualidade de vida e o corpo que pedala
partir dos discursos, a fim de aprofundar o conhecimento sobre o tema. Porm, antes de
contextualizao sobre a qualidade de vida e o corpo que pedala, visto que estes dois
De acordo com Minayo et. al. (2000), qualidade de vida uma noo
amorosa, social e ambiental, que pressupe a capacidade de efetuar uma sntese cultural
forma pela qual cada pessoa vive seu dia-a-dia. Para Nahas (2001) qualidade de vida a
caracterizam a forma como vive o ser humano. No existe um nico conceito sobre
qualidade de vida, mas se podem estabelecer elementos para pensar nessa noo enquanto
filosfico, refere-se a um carter do objeto, que a princpio nada diz sobre ele, suas
propriedades ou possibilidades sendo que caracterizar algo pela sua qualidade estipular
um nvel bom ou ruim a ele, porm, essa atribuio subjetiva, de acordo com o
suas necessidades fundamentais, ou seja, uma boa ou m percepo sobre a vida relativa
572
qualidade do ambiente em que se encontra o sujeito, ao oferecimento de condies de
realizao e de satisfao das necessidades bsicas que a prpria sociedade estipula como
essenciais, e que o interessado toma e deseja, ou no, como verdade para sua prpria vida
campo se do em alteraes e melhorias do estilo de vida das pessoas (MINAYO et. al.,
2000). O esporte ligado qualidade de vida considerado um dos grandes desafios atuais
dos programas de promoo sade, cabendo ao educador fsico o encargo de que essa
proposio alcance sua finalidade (KREBS, 2002). Para Czeresnia e Freitas (2009), o que
da vida, ambiente fsico limpo, apoio social para famlias e indivduos e um estilo de vida
pedalar como promoo da sade uma forma de movimento do corpo que gera
Muito se tem vinculado na mdia sobre a relao da bicicleta com a sade. O tema
Ki-moon, considerado o advogado da bicicleta, espera que esta cultura continue crescendo
nas cidades. A entidade entende que a mobilidade uma questo central da agenda atual
e que, j traou o uso da bicicleta como promoo sade no mundo, tanto pela
573
motorizao, como tambm pela reduo de indivduos portadores de doenas crnico-
degenerativas que a sua utilizao como meio de transporte pode representar a mdio e
A qualidade de vida est ligada a noo de corpo. Por isso, no campo da educao
fsica d-se certa nfase a esta discusso. Acompanhando este substantivo, imprime-se
uma srie de adjetivos como saudvel, natural, holstico, moderno, consciente, inteiro,
prazeroso, gordo, magro, entre outros (GREINER, 2005). Para aqueles que trabalham
com o corpo humano no contexto do exerccio fsico e lidam com os adjetivos incutidos
designava o corpo morto, o cadver, em oposio alma ou anima. Assim, nasceu uma
diviso que atravessou sculos e culturas, separando o material do mental, o corpo morto
do corpo vivo. Nesse caso, a noo de corpo teria a ver com o que slido, tangvel,
sensvel e, sobretudo banhado pela luz, portanto visvel e com forma. Como o corpo
abrangeria muitos elementos acabou designando, ainda, tudo que est reunido, uma
corporao. Assim, o corpo poderia ser entendido tambm como corpo de uma doutrina
ou corpo da lgica. J a carne ou o carnal (em grego sarx e em latim caro) implicaria em
keiro, da palavra grega que significa cortar, destacar (GREINER, 2005, p. 17).
Idade Mdia para a Moderna e que, ainda influncia a atuao do profissional de educao
cartesiano, cuja premissa a separao entre corpo e alma. Este pensador que viveu no
574
Esta dualidade histrica reflete na relao corpo/bicicleta, no campo da Educao
parte de uma cultura de movimento. Para Velozo (2010) grande parte das pesquisas sobre
ciclista. Segundo Kunz e Trebels (2006), as pesquisas na rea, geralmente esto baseadas
situao: a relao do corpo que pedala. O corpo da bicicleta se unifica com o corpo
permitem pedalar com segurana, dispondo no momento que est em cima da bicicleta,
do clima, o som ambiente que se torna importante recurso para o indivduo conduzir a
bicicleta, como alguns que pedalam ouvindo msica e outros o utilizam como espelho
aquele lado, e, para recuperar o equilbrio, novo passo dado com a outra perna e assim
sucessivamente, andar de bicicleta parece o oposto disto, pois enquanto a pessoa est em
575
cima da bicicleta e seu corpo desequilibra para um lado, o movimento necessrio para
quando a pessoa comea a perder o equilbrio, preciso acelerar as pedaladas para obter
bicicleta para o lado que est inclinado ou para recuperar o equilbrio ao aumentar a
mas o fato que o ato parece fcil tanto que, a maioria das pessoas comea a andar de
Com a exposio cada vez maior na mdia sobre os usos da bicicleta pela
309
Sobre o movimento giroscpico, este caracterizado pelo equilbrio do condutor em cima da bicicleta
quando a velocidade de movimento mantm uma relao linear do guido com as rodas, ou seja, quando
o ciclista aumenta a cadncia da pedalada, ele se movimenta numa direo retilnea ao passo que se ele
quiser realizar uma curva, ele precisa diminuir a velocidade para depois realiza-la, haja vista os
veldromos serem inclinados para que os ciclistas no precisarem diminuir a velocidade. Como exemplo,
podemos observar que, em boa parte das quedas de um ciclista iniciante, se do no instante de frear e
mudar a trajetria, tamanha a adaptao do corpo que pedala para adequar a este movimento.
576
corpo, incluindo os seus significados biolgicos e culturais, desencadeadora de
histrico, relacionada aos receios e sonhos de cada poca, cultura e grupo social
decorrer dos ltimos quarenta anos do sculo XX que elas ganharam uma importncia
inusitada. Aps os movimentos sociais da dcada de 60, o corpo foi redescoberto na arte,
prega a autonomia como norma e a conquista de novos recordes como meta. Para a autora,
nos anos 90 novas redescobertas e crticas so formuladas. Nos grandes centros urbanos,
sade, sendo assim redescobrir o corpo comeava a soar muito menos como moda ou um
signo da modernidade, e muito mais como necessidade bsica e opo para garantia de
577
trabalho, como meio de locomoo das grandes metrpoles s pequenas vilas ou como
esporte praticado por um grande nmero de adeptos amadores, andar de bicicleta evoluiu
versatilidade na qual a bicicleta pode se encaixar na vida das pessoas, at mesmo como
lazer para viajar. O cicloturismo no Brasil se apresenta como um fenmeno com enorme
potencial de crescimento seja para as localidades que ganham com mais turistas como
5. Consideraes finais
trabalho, possibilitou que fossem elencadas trs categorias de anlise, que, apesar de
perspectiva dos praticantes. As principais contribuies para uma reflexo sobre o corpo
Maria possibilitou que aspectos fsicos e estilo de vida, motivao pessoal e interao
social fossem discutidos. Apesar das pessoas falarem sobre conscincia ambiental em
andar de bicicleta, nos discursos no foi notado este fator. Um fato que contribuiu para
essa discusso foi que o grupo interessante do ponto de vista sociocultural, por fazer um
nosso pas e, alm disso, ao longo dos anos o nmero de praticantes aumentou de forma
significativa.
578
Com relao aos aspectos fsicos e estilo de vida, a prtica do cicloturismo esteve
ligada, entre outras coisas, sade e lazer. A educao para um estilo de vida ativo uma
das tarefas fundamentais que o profissional de Educao Fsica deve cumprir, pois se o
objetivo fazer com que o indivduo venha a incluir o hbito de atividade fsica em sua
vida, fundamental fazer com que estas pessoas sintam prazer em se movimentar e que,
ao longo do tempo, desenvolvam certo grau de habilidade motora, o que lhes dar a
emoes distintas, que pode gerar um significado para aqueles que pedalam e se renem
grupo por meio de ideais, atitudes e comportamentos distintos criados a partir de uma
srie de cdigos e valores que os caracterizam enquanto grupo. Esses aspectos aparecem
de distanciamento dos problemas cotidianos, pois ele tem que se concentrar naquele
momento no ato de pedalar e no trnsito da via. notrio que esse gesto um tipo de
nosso pas. O primeiro passo para uma possvel mudana a incluso da disciplina de
para os municpios com alta densidade populacional, o que acarretar mais pessoas
579
Em relao interveno profissional, o cicloturismo se estende para uma gama
A bicicleta chega ao sculo XXI como uma resposta aos pedidos de mudana, pois
atende ao chamado de uma vida mais saudvel porque antes de tudo, ela nos ensina a
que talvez possa reconciliar a sociedade consigo mesma (AUG, 2009). A bicicleta se
tornou um significante cultural que comea a unir pessoas de diferentes estratos, pois
sinaliza uma sensibilidade que representa uma interao mais humana e um ambiente
essa, fazendo com isso nos faz questionar sobre o mundo em que vivemos. Portanto, a
e dos discursos dos sujeitos, o objetivo foi entrelaar estas trs formas de conhecimento,
580
Referncias
Prefcio do professor Luiz Gonzaga Godoi Trigo. So Paulo: Escola de Artes, Cincias
AUG, M. Elogio de la Bicicleta. Traduo: Alcira Bixio. Editorial Gedisa S.A. Primeiro
http://www.detran.rs.gov.br/uploads/1402062951Ciclistas_2013__atualizado.pdf.
581
GONALVES, A. Em busca do dilogo do controle social sobre o estilo de vida. In:
debate necessrio. Cincia & Sade Coletiva. Rio de Janeiro, v. 5, n.1, p. 7-18, 2000.
582
SANTANNA, D. B. As Infinitas Descobertas do Corpo. Cadernos Pagu (14) pp.235-
249, 2000.
sculo XIX para o sculo XX. 1. ed. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.
583
THOMAS BERNHARD: LUCIDEZ E TESTEMUNHO EM TEMPOS
PSICANALTICA CONTEMPORNEA
E-mail: danielfrancaostanchi@hotmail.com
Bernhard (1931-1989), importante escritor e poeta austraco que viveu no sculo XX.
humana na sua dimenso tica e poltica. Neste sentido, a leitura atenta das palavras de
Bernhard muito nos ensina sobre as condies de vida e as relaes humanas que so
debruamos sobre o fazer clnico, este que, assim como a leitura da obra de um artista,
relava os impasses vividos pela pessoa em seu percurso e ao mesmo tempo deflagram as
310
Daniel Frano Stanchi Psiclogo e Psicanalista, Mestre em Psicologia Clnica pela Universidade de
So Paulo. Professor do curso de Graduao em Psicologia da Universidade Paulista UNIP. Coordenador,
em So Paulo, do Espao Ethos e Polifonia: Arte, Literatura e Psicanlise.
584
possibilita tambm uma reflexo sobre a literatura, a escrita e a leitura como
Abstract: This paper intends to establish a conversation with Thomas Bernhard (1931-
1989)s autobiographical work, an important writer and poet of Austria, who lived in the
XX century. We do have in mind the understanding that his texts reveal not only his
personal experiences in the Austria of the post-war but also gives a very lucid witness
about the degradation of human relations and life conditions in the modern and
contemporary world, an aspect which puts in risk the preservation of the ethic and
political dimension of human condition. In this sense, reading with attention what
Bernhard taught us about the life conditions and the breaking of the relations by
the ways of suffering people have nowadays, in special when we focus the clinical
situation which show us, as the reading of artists books also does, that the difficulties a
person lives in his or her way through life is a window to the life condition of the historical
moment he or she is in too. Bernhards works give the chance to think about the literature,
writing and reading as a possibility of ethical recover of the human condition in dark
times.
585
Thomas Bernhard em 1988.311
Paulo fazendo parecer que estou no vero embora eu saiba que a primavera que
comear em poucos dias, ouso pela primeira vez dizer algo sobre Thomas Bernhard.
a primeira vez que ouso tentar traduzir em palavras o que venho sentindo e descobrindo
nas leituras de seus textos. Meu encontro com a obra deste artista e poeta austraco que
viveu no pedao de tempo que separa os anos de 1931 e 1989 se deu a partir de meu
apreo pela boa literatura e pela procura por escritores que narram de modo encarnado
estavam e onde nasceram como tambm as experincias mais intimas que brotam da
311
Fonte: http://miltonribeiro.sul21.com.br/wp-content/uploads/2012/10/Thomas-Bernhard-1988.jpg
Consultado em 30 de agosto de 2013.
586
Mais do que um autor de seu tempo, a ustria do sculo XX, atravessada no
corao pelas farpas ensanguentadas das Guerras Mundiais, Bernhard um artista que se
manteve lcido em seu tempo e por meio dessa lucidez luminosa (e por vezes impiedosa)
ele nos presenteia com uma obra que desvela aspectos da vida humana que esto para
considerando que este autor pode nos ajudar na compreenso da realidade e da clnica
desenrolar da Histria com seus eventos deslizando no eixo temporal de Chronos, mas,
mais do que isso, Bernhard nos oferta o testemunho de seu sofrimento em um mundo que
j vinha sendo congelado sculo aps sculo pelo projeto moderno enraizado na frieza
lgica e no racionalismo como verdade suprema sobre o humano, questo que desemboca
nas diversas formas totalitrias e chega at ns dos modos mais irreconhecveis, inclusive
nas Cincias Humanas. Talvez seja possvel dizer que um dos aspectos do que Bernhard
O Mal um problema tico, uma experincia que pe em risco a condio humana, como
nos mostrou Paul Ricoeur (1998) no seu estudo sobre O Mal312. E surge, na atualidade,
Tenho lido e relido os textos de Bernhard como algum que aceita ser guiado pelo
autor a uma espcie de passeio que tem me permitido uma experincia contundente,
312
RICOEUR, P. (1998) O Mal. Um desafio filosofia e teologia. So Paulo: Papirus.
587
literatura e vida no se separarem levada s ltimas consequncias, no como uma
questo de mais um falar bem entre os tantos disponveis na atualidade, mas como uma
apuradamente a condio em que vivemos hoje. Para mim, a leitura dos textos de Thomas
Bernhard tem sido curativa, possibilitando uma compreenso mais apurada e mais
aprofundada do meu prprio viver e das experincias dos pacientes que tm me dado
textos foram publicados separadamente, em cinco volumes, entre os anos de 1975 e 1982.
Neles, encontramos os relatos de Bernhard de sua infncia at a fase adulta quando esteve
tecerei algumas reflexes tendo como foco alguns aspectos que tenho observado no fazer
clnico com pacientes de diferentes idades. Tenho encontrado sintonia entre o que
Bernhard nos mostra por meio de sua arte e aquilo que alguns pacientes tm relatado na
de Psicanlise (Middle Group), entre eles esto Donald Winnicott, Marion Milner, Masud
referencial terico e potico que tem permitido minha construo como psicanalista de
um modo pessoal e rigoroso. Neste tipo de perspectiva, o dilogo com artistas e poetas
bastante valorizado no tanto no sentido de tentar colocar as obras dos artistas no div,
da biografia dos seus autores, mas de nos deixarmos ser afetados pelo texto e pela
sabedoria que transpira nas e entre as palavras do texto. Trata-se de uma compreenso,
588
de um caminhar junto em que um poema ou uma obra de arte nos ensina
exemplo, em seu poema intitulado Biografia da dor Bernhard (2000, p. 119) nos diz o
seguinte: Onde eu ontem dormi hoje dia de descanso. Em frente da porta/ esto
empilhadas as cadeiras e nenhuma pessoa a quem/ Pergunto por mim me viu. Este um
tipo de fala que por vezes ouvimos na atualidade de alguns pacientes que relatam suas
pacientes apresentam-se na situao clnica com um tipo de fala que no mais faz
referncia a um outro humano. So falas que apresentam um viver por vezes esvaziado
de sentidos e de presenas. A situao clnica nesse sentido, afinada com o que nos mostra
Safra (2005), pode vir a ser a possibilidade do encontro com um outro humano que guarde
mas de uma clnica da experincia e do encontro que abre e funda possibilidades de ser
Bernhard, quando menino, teve a sorte de ter encontrado uma presena humana
viva que, segundo seu relato, foi fundamental em todo seu percurso de vida: seu av.
Pelos relatos que acompanhamos, este parecia tambm reconhecer as fraturas presentes
589
por discursos religiosos dogmticos e valorizava o viver simples e as pessoas simples.
escancaram as cortinas que os outros vivem fechando. Quando estamos com eles,
vemos o que real, no vemos apenas a plateia, mas o palco tambm, e vemos
tudo que se passa nos bastidores. H milnios, os avs criam o demnio onde, sem
eles, s haveria o bom Deus. Graas a eles, ficamos conhecendo o drama por
sustentao e rosto, fundando no jovem poeta um olhar crtico e sensvel sobre o mundo
ao redor, aspecto que ele foi apurando ao longo da vida. Podemos ir reconhecendo, ao
longo de seus textos, como essa relao com o av parece ter sido fundamental para ele,
no apenas na infncia, mas ao longo de toda sua vida. Em outro trecho, ele nos conta:
Ouvir uma pessoa simples falar um prazer. Ela fala, em vez de tagarelar. Quanto
mais instrudas as pessoas ficam, mais insuportvel se torna sua tagarelice. Tambm
sempre a tagarelice dos tagarelas, os outros se calam, porque sabem bem que no
590
possvel encontramos inmeros trechos nos escritos de Bernhard onde ele
afetando e por vezes destruindo o ambiente e as relaes dentro das famlias, na educao
e na cultura. Ele nos chama a ateno para a perda da poesia que nos visita no cotidiano
e no encontro com o outro, quando o surpreendente vai sendo substitudo pelo repetitivo.
A natureza e a cultura, por exemplo, deixam de ser usadas pelo humano a fim de que um
caminhar pela vida seja possvel com sentidos que vo se renovando e que contemplem
o vir a ser da pessoa humana em sua complexidade, sem reduzi-la a modelos abstratos.
Neste tipo de perspectiva, tanto a natureza e o trabalho assim como o outro humano vo
que se desdobra ao longo do tempo e que comparece com grande frequncia na clnica na
barbrie era mais do que evidente. Este aspecto visceral de sua obra pode soar um tanto
O percurso de vida de Bernhard no foi nada fcil. Ainda muito jovem, um amigo
especial morre e ele se depara, pela primeira vez, com a dura experincia de perder
algum. A morte ser para o ento jovem menino uma companheira de viagem. Em uma
313
O breve trecho da entrevista de Thomas Bernhard, realizada por Krista Freischmann em 1978, est
disponvel no seguinte link: http://www.youtube.com/watch?v=PrHVNNCpvVs
591
A morte foi-me colocada no bero e persegue-me, no tenho nada contra a morte,
simplesmente levo-a comigo e ando com a morte atravs da vida, por assim dizer.
(...) Nunca tive medo, sempre me defendi disso, pelo contrrio a morte me tornou
seria uma estupidez, no se pode rejeitar a morte porque ela vir, na verdade est
sempre aqui e s se pode: ir com ela ou defender-se dela e por isso preciso dela
Ainda menino, Bernhard vai morar com a me e o tutor em uma casa que pertencia
a uma velha senhora, sendo que no andar trreo funcionava nada menos que uma
funerria. O tutor e a me encontram uma casa para o av morar no campo. Neste lugar,
o av, que apreciava profundamente os livros, organiza um espao para sua biblioteca e
apresenta algo de Hegel, Kant, Schopenhauer e Shakespeare para o jovem neto que ouvia
aqueles nomes com respeito e sensao de mistrio, transmitidos pelo seu verdadeiro
professor. Neste perodo, Bernhard passa a frequentar a escola, onde encontra graves
Para mim, a felicidade suprema era poder pernoitar na montanha sagrada. Tinha
592
cumprimentavam com um Grssgott, e sim com um Heil Hitler, e aos domingos
onde ele passa a viver e a estudar, lugar em que, segundo ele, tudo contrariava a
a cidade e, por vezes, o nico recurso dos que tinham sorte era se esconder em tneis onde
nem uma nica pessoa, ningum se deu conta de que se tratava de um estado
doentio, de uma doena fatal, contra o qual e contra a qual nada foi feito. (Idem,
p. 155)
desaparece.
Donald Winnicott (1971) assinalava que, em seu ponto de vista, a pessoa mais adoecida
funcionamento, mas a pessoa mais adoecida seria aquela que teria perdido a esperana,
ou seja, o sentido de si mesmo. Esperana sinal de sade para este autor, que considera
o viver mesmo importante como um campo dinmico onde o ser humano, a partir de sua
593
criatividade primria e da experincia compartilhada, cria o mundo e a si mesmo com
sentidos.
Neste tipo de condio que Bernhard nos d notcia, estamos diante de uma
observava este fenmeno ocorrendo a sua volta e inclusive nele mesmo, o que por vezes
lhe dava vontade de desistir de tudo e da prpria vida. Trata-se de um tipo de adoecimento
que atinge o ethos humano, como nos mostra Safra (2004), ou seja, so organizaes de
mundo que ferem os aspectos que possibilitam o viver e o acontecer da vida humana.
muito interessante como Bernhard parece manter-se lcido e esperanoso em meio aos
escombros de sua cultura. A esperana, em Bernhard, parece manter-se viva pelo avesso!
Quando tudo parece destrudo e no mais contemplar a medida humana, eis que algo
surge que desvela e que preserva algum caminho. No sofrimento, s avessas, o contorno
de um rosto se desvela.
traos humanos, de tal modo que s por essa poca, nem antes nem depois,
consegui amar de fato minha cidade natal, e amei de todo o corao. (Bernhard,
2006, p. 161)
mas passa a frequentar outra escola, de orientao catlica. Sobre elas, ele observa que a
viso de homem que impera nos dois lugares era a mesma que devastava espritos e
personalidades, somente os hinos e o discurso dos colgios eram diferentes, mas a lgica
594
era a mesma. Imperava neste ambiente a simulao, a dissimulao e a imbecilizao das
(...) de incio (na escola bsica), eu havia sido submetido a uma histria mentirosa
nazista, dominado, pois pela mentira nazista, agora (no ginsio) era a vez da viso
catlica. (...) No fui infectado por nenhuma das duas porque a precauo do meu
av me imunizara, mas sofri com elas, como s uma criana na minha idade podia
Mais uma vez, vemos a presena do av como algum que oferta sustentao,
Fala-se muito sobre educao, mas alguma memria sagrada e bela, preservada
memrias consigo, elas o salvam para o resto de seus dias. Mesmo se somente
uma boa memria vive em nosso corao, ela ser o instrumento de nossa salvao
quando caminhavam juntos durante horas. Bernhard assinala tambm que o av possua
um saber dos costumes e condies de vida do povo. Temos aqui bastante sublinhada a
aspecto fundamental na atualidade, quando por vezes encontramos pessoas que perderam,
595
Pensando a situao clnica tendo em vista algum que perdeu ou que nunca
encontrou a experincia de conviver com um outro humano, considero que o modo como
o analista ou terapeuta trabalha precisa ser revisto. Sobre essas questes, encontrei
dilogo com alguns autores que discutem essa necessidade de o analista rever seus
pressupostos tcnicos e tericos (ver, por exemplo, Khan (1971), Milner (1969),
Winnicott (1954) e Safra (2005, 2004 e 2006a). So autores que, cada qual com seu estilo
clnica e de o clnico poder tornar elstica a sua tcnica, algo j apontado h tempos por
Ferenczi (1928), o que implica em reorganizar a situao clnica tendo em vista qual a
falatrio. interessante este tipo de fala, pois desvela o encontro clnico tambm como
Lembro neste momento de um paciente, rapaz de uns 40 anos que em uma sesso
na sesso, parecia sempre muito agitado e mexia o corpo sem parar na poltrona. Fomos
trabalhando essas questes e, em uma sesso, ele narrou que havia viajado e que durante
a viagem teve vontade de acordar cedo para ver o nascer do sol pela primeira vez. Dizia-
experincia, para ele muito encantadora, ele dizia que havia sonhado acordado, e que
tinha se sentido quieto pela primeira vez na vida. Disse ainda que tinha pensado em talvez
596
deitar no div e simplesmente estar quieto, do mesmo modo que experimentava diante do
convivncia se inaugurava!
Por meio da singularidade de sua obra, Bernhard nos aponta essas rupturas que se
regido pelo totalitarismo e pela hegemonia da tcnica crescente. Sobre este momento
foi, ento, como hoje pode parecer, um evento errante ou atpico para a nossa
poca e para o nosso modo de sentir; antes, foi um evento paradigmtico, capas
ainda hoje de assinalar que, se no formos capazes de nos colocar altura do agir
Foi neste ambiente que aos quinze anos de idade, em um dos dias de aula, sem
avisar nada aos familiares, ao invs de rumar para o colgio, Bernhard rumou para a
alimentcios, chamado Podlaha. Neste trabalho, Bernhard passaria trs anos. A este lugar
597
Ao ir para o poro, Bernhard nos conta que se sentia indo para o aprendizado
ginsio. De repente, senti: minha existncia de novo uma existncia til. Tinha
Scherzhauserfeld. Era um lugar onde as pessoas no s iam para comprar coisas, mas se
Thomas. Ele nos conta que se com o av tinha aprendido a arte de observar as pessoas,
com os seres humanos, alis, com muitos deles e dos mais variados tipos. Com
meu av, eu frequentara a escola filosfica de maneira ideal, porque desde cedo
Ter frequentado logo cedo essas duas escolas, uma complementando a outra, foi
comercio de alimentos que era um poro e aquele mesmo poro que abrigava o
Indo com Bernhard ao poro, podemos reconhecer que ele nos fala de um aspecto
fundamental da vida humana: o convvio. E ao mesmo tempo, ele faz uma denncia de
aspecto que ele experimentou em sua prpria pele tanto nas relaes familiares como nos
esquemas educacionais nos quais foi inserido. interessante o escritor sublinhar que o
598
lugar era para ele o seu alimento primordial. Bernhard d um estatuto profundo e valioso
consigo mesmo, aspecto que funda o gnero da autoajuda. Este tipo de lgica
denunciado por Bernhard, perspectiva onde a vida secundria a um script de como viver
convivncia.
Bernhard assinala que no poro ele podia encontrar um tipo de convvio com as
pessoas que lhe trazia o sentimento de que a sua vida tinha sentidos. Se antes acreditara
no ter futuro nenhum, agora eu o tinha, sim, e cada momento possua de repente aquilo
que desaparecera de minha vida fazia tempo: fascinao. (Idem, p. 226). Bernhard
momento histrico onde sonhar um futuro possvel algo muito complexo diante da
devastao e da desesperana que estava presente nas pessoas e no campo social, algo
racionalidade iluminista que vinha sendo aclamando ao longo dos sculos como um modo
H ainda dois aspectos muito importantes que Bernhard encontra no poro. Ele
nos diz que l podia surpreender-se com seu fazer e com as pessoas que encontrava. Na
599
atualidade, em um mundo globalizado, onde impera a hegemonia do Mesmo, a
fenmeno quando recebemos pacientes que chegam j com um suposto diagnstico sobre
experincia faz com que a pessoa por vezes se confunda com um nome ou com um tipo
convivia. Indo ao poro, Bernhard nos diz que sentia estar indo cada dia mais ao seu
prprio encontro, e enquanto ia ao ginsio se sentia cada vez mais indo embora de si.
Em seu trabalho, Bernhard mantinha-se lcido, o que lhe permitia perceber que
vida. As mulheres, diz ele, vinham ao poro para fugir do terrvel cotidiano domstico.
Como haviam voltado para casa aps o trmino da guerra e que houvessem
voltado disso falavam sem cessar, provavelmente sonhavam com isso quando
acabado na superfcie; nas cabeas das pessoas ela seguia enfurecida. Todos
sabiam como a derrota poderia ter sido evitada e todos tinham previsto o
600
excees eram os silentes j sem um brao, com uma placa de metal na cabea ou
guerra era sempre o assunto nmero um das conversas. Ela a poesia do homem,
a obra pela qual ele demanda ateno e consolo vitalcios. Cada um sua maneira,
apatia total, indigna do ser humano. Tinham aprendido desde cedo a odiar, e
tudo e contra todos. dio gera dio, odiavam-se uns aos outros como a tudo o
Como nos mostra Bernhard no trecho acima, esses homens viviam o que Simone
demais destituindo a condio humana em suas razes, como quando o escritor nos diz
que o dio gerava dio. H tambm a importncia deste lugar que Bernhard reconhecia
como um espao de convvio onde algumas pessoas podiam, quando tinham condies,
narrar o vivido, como no caso dos homens que recontavam a experincia horrvel que
viveram na guerra, sendo esta narrativa a sua nica poesia possvel. Narrar experincias
implica em alcanar algum domnio diante do que foi vivido, aspecto tambm abordado
por Walter Benjamin315 quando ele discute a importncia do narrar na vida humana em
seu belssimo texto O Narrador, escrito na dcada de 1930. Benjamin e tambm Bernhard
pessoa perder a possibilidades de narrar experincias de onde alguma poesia ainda possa
314
WEIL, S. (1943). O Enraizamento. Bauru, SP: EDUSC, 2001
315
BENJAMIN, W. (1936). O Narrador. Consideraes sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Obras
Escolhidas. Magia e tcnica, arte e poltica: Ensaios sobre literatura e histria da cultura. So Paulo:
Brasiliense, 1994.
601
brotar. importante ressaltarmos que Bernhard est nos apresentando um mundo onde o
adoecimento humano surge como perda da poesia, ou seja, como perda do sentido de
Outro aspecto que quero ressaltar ao lado de Bernhard no poro o fato de ele
de alegria o lugar que ela merece. Encontrar e viver alegria fundamental para a vida
humana no cotidiano. Bernhard assinala que era necessrio que o ambiente do poro
contemplasse a ordem e a limpeza, aspecto que, tambm como nos mostra Weil so
necessidades da alma humana. o que nos mostra Bernhard neste belssimo trecho:
o caixa tinha de bater. Para meu espanto, o de meus colegas e para espanto
alguma em fazer as coisas de modo correto ou em fazer tudo que era exigido de
mim. Alm disso, estava sempre aberto a todos, e a alegria que levava comigo
para o poro era contagiante; de onde vinha aquela sbita capacidade de ser alegre
agora voltava a ter vazo, no havia sido sufocada. Muitas pessoas iam
602
Lembro-me aqui do belssimo verso do poeta ingls William Blake316 que diz:
Em toda essa apresentao que Bernhard faz do poro onde trabalhou podemos
reconhecer aspectos que so fundantes da condio humana. Segundo ele nos conta, l
era possvel encontrar um lugar onde viver em um ambiente humano. No poro, Bernhard
ele chamava o seu chefe, e onde as suas qualidades tambm podiam encontrar lugar no
encontro com os outros. Era possvel um intercambio de experincias humanas que dava
linguagem de Winnicott. No campo da Psicanlise, este foi um autor que muito valorizou
significativas que esta pessoas encontrou ou no e o ambiente cultural onde ela nasceu e
onde vive. Em sua obra, Winnicott destaca o momento primordial da relao da me com
316
Marion Milner, poeta e psicanalista importante do Grupo Independente de Psicanlise (Middle Group)
citava esse e outros versos de Blake com frequncia. Milner foi uma das poucas ou talvez a nica que deu
um estatuto digno e profundo experincia de alegria na condio humana.
603
o beb que chega ao mundo e que recebido pelos cuidados maternos, familiares e
culturais. Ao lermos os textos de Bernhard podemos reconhecer alguns dos aspectos que
Winnicott ressaltou em suas discusses tericas e clnicas (com grande nfase na relao
apresenta-se como uma experincia curativa em seu processo de vida. L, ele nos conta,
foi possvel a ele fazer-se aprendiz e seguir um novo caminho. neste ambiente, no
convvio com o chefe e com os outro, que Bernhard tambm descobre um dos gostos que
Passei a ir mercearia ainda com mais gosto do que antes. Meu amor pela msica,
que sempre foi e permaneceu o amor da minha vida, logo se ancorava tambm
num estudo formal (...). o que nunca me fora possvel no meu tempo de ginsio
os fundamentos com base nos quais podia avanar em minha formao musica.
(Idem, p. 298-299)
necessria ateno todos os eventos que ele nos apresenta ao longo das 500 pginas que
compem seu relato autobiogrfico. Porm, h ainda algumas palavras que eu gostaria de
Ainda no poro, Bernhard adoece. Um resfriado que ele ignorava acabou por
transformar-se em um derrame pleural grave, evento que fez com que ele fosse internado
experincias contundentes, entre elas, ele acompanha pela primeira vez uma pessoa
604
morrer diante dele. Na longa temporada na clnica, Bernhard reconhece a mesma
impessoalidade e distanciamento que ele vinha nos apresentando, por exemplo, na famlia
e na escola. Vemos, ento, que aqueles mesmos aspectos presentes em sua cultura e que
tambm que Bernhard perde o to querido av, que no pode ser enterrado em nenhum
dos cemitrios do bairro, embora a famlia houvesse tentado durante dez dias, pois o padre
A escola do meu av, que, posso dizer, frequentei desde o meu nascimento, se
fechara com sua morte. Com sua morte repentina, ele me dispensara de suas aulas.
Tinha sido uma escola primria e, por fim, tambm uma escola superior. Agora,
minha impresso era de que eu tinha uma base sobre a qual construir meu futuro.
(Idem, p. 379)
por contrair tuberculose, passando antes pela clnica de Grossgmain, gostaria de destacar
Bernhard nos conta que foi ali em Grossgmain, como bem me lembro, que me
nos conta a importncia que a leitura exerceu em sua vida, em especial neste momento.
Ele nos conta que pediu aos familiares que lhe trouxessem livros. Leu Shakespeare,
Bernhard a dialogar com um companheiro seu de quarto. Bernhard lutava contra a doena
605
e, por meio da leitura, foi possvel reunir foras. Alm disso, ele nos conta que nesse
momento a presena da me foi fundamental para ele. Entre as leituras, eles conversavam
e sua me lhe contava momentos de sua prpria infncia. As visitas mais deliciosas,
segundo ele, foram aquelas nas quais a me lia para ele e eles conversavam. Depois de
algum tempo, a me de Bernhard morre e seus parentes deixam de escrever para ele.
um livro to instigante e radical eu nunca tinha lido antes na vida, assim como
nunca tinha lido um livro to grosso: anestesiei-me, dissolvi-me por algum tempo
nos Demnios. Quando voltei, no quis ler mais nada por algum tempo, porque
certo: para fora. Tinha sido afetado por uma literatura selvagem e grande, e dela
emergi eu prprio como heri. Poucas vezes na minha vida posterior a literatura
quem escreve um poema salva um afogado! Um bom encontro com um texto pode auxiliar
este aspecto fica bem presente. A literatura surge a como um lugar que sustenta e
606
possibilita a continuidade de si e o dilogo com os outros humanos, tanto aqueles que
esto presentes ao redor da pessoa, como tambm com a Humanidade que permanecesse
viva nas obras. A obra de arte oferta rosto e presena e nela a humanidade se
desaparecem.
Surge neste tipo de experincia que Bernhard nos conta a possibilidade de se abrir
ter surgindo fundamentalmente entre317 Bernhard e sua me. Este interessante aspecto da
de risco social e de sofrimento, tem sido estudado com profunda maestria e sensibilidade
pela antroploga francesa Michle Petit (ver Petit (2009 e 2013). Em seus textos, Petit
nos mostra como o encontro com um texto pode ser de grande ajuda na superao de
com a obra de Thomas Bernhard tem sido para mim um encontro curativo tambm, ao
fundamental na atualidade, tanto na vida cotidiana como tambm no trabalho clnico com
auxlio em nossa formao como pessoas, ao apontar alguns desses importantes aspectos
317
Winnicott (1971) nos ensina que no que ele denomina de a terceira rea da experincia, que no se
encontra nem no campo subjetivo nem no objetivo, que surge o que ele denomina de rea transicional.
nesta rea que o intercambio de experincias humanas se funda na relao com o outro, com as coisas e
com a cultura.
607
que procurei explicitar neste artigo, entre outros. Por vezes, uma das caractersticas da
arte que ela preserva! Trata-se, em meu ponto de vista, de um encontro que pode ser
necessrio em um mundo onde a formao est cada vez mais deformada, reduzida s
questes tecnicistas e mercadolgicas. Para finalizar, deixo ao leitor com alguns trechos
deste que foi um modo bastante contundente de Bernhard fazer um discurso a propsito
de um prmio que ele havia recebido. possvel reconhecermos nele alguns dos aspectos
centrais do testemunho que o autor nos d a partir de sua viva lucidez em tempos
sombrios.
de Bremen
uma lenda; Europa, a mais bela de todas, est morta; essa a verdade e a realidade.
Assim como a verdade, a realidade no uma lenda, e a verdade nunca foi lenda
nenhuma.
H apenas cinquenta anos, a Europa ainda era s uma lenda, o mundo todo era um
mundo lendrio. Hoje, so muitos os que vivem neste mundo lendrio, mas o
mundo em que vivem est morto, e mortos eles tambm. Quem no est morto
608
Eu prprio tambm no sou lenda nenhuma, no venho de um mundo lendrio;
seguirem adiante, por cima dos mortos; na realidade, tudo seguiu em frente; na
verdade, tudo se modificou; ao longo de cinco dcadas, nas quais tudo foi revolta,
tudo mudou, nas quais, de uma lenda milenar, fizeram-se a realidade e a verdade,
tendo sentido um frio cada vez maior, enquanto um mundo novo surgia do velho,
Viver sem lendas mais difcil, e por isso que to difcil viver no sculo XX;
seguimos existindo apenas; no vivemos, ningum mais vive; mas bom existir
no sculo XX; seguir adiante; para onde? Sei que no sa de nenhuma lenda e que
antes e hoje.
Ns nos encontramos agora num territrio que o mais terrvel de toda a histria.
natureza; no ltimo meio sculo, temos sido, todos ns, juntos, nada mais que uma
nica dor; essa dor que somos ns hoje; essa dor agora nosso estado de esprito.
do mundo, assim como temos uma moral inteiramente nova, e cincias e artes
609
Tudo mudou porque ns mudamos tudo, a geografia exterior modificou-se tanto
quanto a interior.
Agora, exigimos muito, no nos cansamos de exigir cada vez mais; nenhuma outra
como sabemos que no podemos cair nem congelar, ousamos fazer o que fazemos.
A vida tornou-se cincia apenas, cincia das cincias. Agora, de repente, nos
morte, no em consonncia com sua prpria vontade ou com se prprio gosto, mas
segundo a lei da natureza, e escrevemos esse capitulo pelas costas de nossos pais
mundo cientfico; congelamos nessa claridade; mas quisemos t-la, fomos ns que
a evocamos e, portanto, no nos lcito reclamar do frio que agora impera. Com
agora em diante. A cincia da natureza vai nos proporcionar uma claridade maior
610
Tudo se tornar claro, de uma claridade cada vez maior e mais profunda, e tudo
se tornar glido, de uma frieza cada vez mais pavorosa. No futuro, teremos a
Agradeo aos senhores pela ateno. E agradeo tambm pela honra que hoje me
Referncias
In: Obras Escolhidas. Magia e tcnica, arte e poltica: Ensaios sobre literatura e histria
das Letras.
611
HONEGGER, G. (2001). Thomas Bernhard: the making of an Australian. Yale
University, USA.
Psicanlise: teoria, tcnica e casos clnicos. Traduo de Glria Vaz. Rio de Janeiro, F.
Alvs, 1977.
MILNER, M. (1969). The hands of the living God. Londres, Hogarth, New York: Int.
Press.
SAFRA, G. (2005). A Face Esttica do Self: teoria e clnica. 4 ed. Aparecida, Ideias e
Letras.
612
WINNICOTT, D. W. (1954). Aspectos clnicos e metapsicolgicos da regressao no
Masud Khan. Traduo de Davy Bogomoletz. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2000.
613
A RELAO SUBJETIVA COMO LUGAR DE MEMRIA: ENCONTRO EM
CLNICA ANALTICO-EXISTENCIAL
Soren Kierkegaard.
Kierkegaard.
Abstract: This study aims to show how the relationship between psychotherapist and
client constitute itself as a singular event of each subjectivity and its place of memory
when they meet each other at the psychology clinic. For that, we present the fundamentals
318
Psicloga. Mestranda do programa de Ps-graduao em Memria: Linguagem e Sociedade da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), bolsista da CAPES, integrante do grupo de pesquisa
Memria, Subjetividade e Subjetivao no pensamento contemporneo.
319
Professor titular do Departamento de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (DFCH--UESB). Professor permanente do programa de Ps-graduao (doutorado e
mestrado) em Memria: Linguagem e Sociedade da UESB. Professor convidado do Programa de Ps-
graduao em Lingustica da UESB.
614
demonstrate the contributions of Paul Ricoeur on memory understanding and the
Kierkegaard;
relao entre psicoterapeuta-cliente, uma vez que, sendo apenas tcnica, no realiza o
encontro e nem considera o ser humano como presena. O aspecto relacional to caro
para o fazer da psicoterapia sinaliza que o acontecer humano est ancorado na existncia
Kierkegaard (1974) ao estabelecer que o homem uma relao que se relaciona consigo
mesmo e que reduplica a relao com o outro que ele denomina como prximo.
pois do contrrio, nos mostra Gilberto Safra (2004, p.27), joga o paciente em direo ao
novos sentidos sociais, um lugar que as pessoas buscam para narrar-se, encontrar um
lugar em que faa sentido para a subjetividade em situao. Especialmente num contexto
como o moderno, marcado pela superficialidade, pela descartabilidade e pelo tdio, que
615
Neste trabalho, pretendemos evidenciar numa perspectiva existencial
psicolgica. Para fundamentar este trabalho estaremos dialogando com os tericos Paul
Luis Cludio Figueiredo (2004) considera que a tica o que define a clnica
psicolgica como clnica, uma vez que est comprometida com a escuta atenta e
sustentao dos conflitos e tenses da pessoa ali presente. Assim, clinicar inclinar-se
diante de, dispor-se a aprender com (p.166), estar aberto ao outro, cuidar, estar
disponvel. Para o autor, o clnico seria a escuta de que nosso tempo necessita para ouvir
perspectiva desenvolvida por Lvinas, Kierkegaard e Hans Jonas, denominada como tica
a ao tica.
realidade existencial que se constri como relao, pois o ser singular implica a existncia
616
que a singularidade se manifeste nas nossas lembranas e na memria, uma urgncia
para a clnica atual. tambm urgente compreender que este outro, ainda que singular e
individual, por existir em comunidade, se apresenta na clnica com tudo que ele , carrega
trabalhada considera a vivncia social e cultural deste outro como fundamental para a
clnica que se prope a compreender a existncia. Como afirma Safra (2004, p. 25), a
travessia pela vida feita por uma linha estreita somente possvel pela presena do outro
Existencialismo, o qual segundo Rollo May (1988), foi fortemente marcado pelo protesto
conceito, mas como movimento existencial, pois afirma Kierkegaard (2010), em sua obra
e, como tal, ao mesmo tempo ele mesmo e todo o gnero humano, de maneira que a
617
humanidade participa toda inteira do indivduo, e o indivduo participa de todo gnero
sem reserva dos dramas e mistrios que constituem a existncia, pois para Kierkegaard
totalidade.
anlise psicolgica cujo objetivo segundo Villegas (citado por Teixeira 2006, p. 289)
suficiente para que ele possa assumir livremente a sua existncia. Busca ainda,
compreender o modo como cada pessoa se relaciona como o mundo, como se percebe em
suas relaes com o mundo, com as pessoas e possibilitar por meio do processo
um.
responsvel pelas escolhas e caminhos a trilhar nas esferas individuais, coletivas e sociais.
618
O psiclogo como psicoterapeuta pode ser denominado ainda, na clnica
existencial com bases Kierkegaardianas, segundo Feijoo et al. (2013) como ajudante.
Aquele que de forma comprometida ajuda o outro a encontrar-se em sua solido, que pela
Um nvel aquele das pessoas reais: alegro-me de ver meu paciente (minha reao
que dormi na noite anterior). Nosso encontro suaviza a solido fsica, da qual
ertico320 que deve ser aceito pelo terapeuta se ele pretende ouvir
Emprega-se ertico aqui no sentido geral, em que todos os tipos de relacionamento e coisas possuem
320
uma tnica sexual cinema, livros, e assim por diante. Naturalmente, no tem efeito na terapia, mas
mantido como parte da transferncia. (nota do autor da obra citada)
619
May (1976) enfatiza que o encontro permeado pela integralidade da relao entre
cliente se apresenta, expressa seus sentidos e significados, narra sua histria, mas a
somente possibilidade no presente. Deste modo, a relao por ser viva, sustenta
para o encontro, para o apropriar-se de si mesmo e para o cuidado. Onde a dor, a alegria,
A memria
620
Estabelecendo relao com os estudos da Filosofia, destacamos o filsofo Paul
compreende a memria como funo especfica de acesso ao passado, dessa forma, ela
Memria, na qual sua relao com a imaginao e sua existncia no tempo so pontos
voltada para a realidade anterior, a anterioridade que constitui a marca temporal por
fragmentria, e por isso seu estudo no pode eximir-se de perguntar: o que, quem e o
como se lembra. Mas para manter certa coerncia sobre a polissemia que o termo
objetal da memria: lembramo-nos de alguma coisa (p. 41). Atenta para a questo da
tambm situar sua relao com as lembranas, em seu trao mais relevante: ele diz
coisas de que nos lembramos (p. 41). Para o filsofo, os acontecimentos que
621
Os encontros memorveis prestam-se a ser rememorados, menos de acordo com
das matrizes da histria e est intrinsecamente relacionada com a narrativa como forma
desinteressada, mas muito mais uma relao de intensidade ao passado que possibilite
uma atitude e uma ao mais justas no presente (p.156). Assim, a memria apresenta-se
como um trabalho que envolve questes subjetivas, polticas que dizem da forma como
622
este passado perdura em nosso presente, em nossas aes em relao memria e a
pela experincia do ter vivido, ou seja, de um passado que ocorreu e que por isto, deixa
recordaes e pode evidenciar uma presena, algo que perdura de si no tempo. A tais
recordaes,
por meio dela podemos afirmar a presena no tempo do passado, do presente e do futuro
como localizador existencial. No temos nada melhor que a memria para significar que
algo aconteceu, ocorreu, se passou antes que declarssemos nos lembrar dela (Ricoeur,
2007, p. 40).
ao outro. Numa perspectiva clnica, Safra (2002) afirma que a memria possibilidade
mundo com outros, numa dinmica relacional pessoal e coletiva. Logo, afirma, h uma
busca no fundo de cada ser humano que o leva a buscar em um outro, o encontro que lhe
d acesso memria que desconhece. Esse acesso lhe garantiria a participao no mundo
623
Afirma Ricoeur (2007, p. 57), mas o pequeno milagre do reconhecimento de
memria corporal no est no passado, mas apresenta-se no presente, nos modos, nos
relao que se estabelece entre o psicoterapeuta e cliente. Como nos mostra Ricoeur
decorrido pode ser percebida, sentida, na forma da saudade, da nostalgia (Ricoeur, 2007,
aqui em relao ao qual todos os outros lugares so de l (Ricoeur, 2007, p. 59). Vimos
mais uma vez, que o lembrar-se de alguma coisa lembrar de si, no apenas enquanto
624
Subjetividade e memria
retomada que ocorre no presente, mediante repetio. Mas a repetio para o filsofo,
A memria em Kierkegaard como repetio ainda precisa ser melhor investigada, mas
est claro desde as primeiras pginas da obra A Repetio (2009), a distino que ele
estabelece entre a recordao para os gregos e a nova categoria a ser descoberta pela
filosofia moderna.
recuperar esse si mesmo e, na retomada de si, tornar-se si mesmo, l onde a cada instante
mesmo, uma recuperao no sentido de escolher a determinao existencial pela qual vale
a pena viver e morrer e que lhe permite tornar-se um homem novo. Poder-se-ia entender
indivduo singular da preocupao para que ele possa ousar inventar-se a si mesmo,
deciso por aquilo que realizado na temporalidade, mas que tem efeito por toda a
625
indivduo singular em si mesmo e o esquadrinha at o limite para que a educao
edificante seja capaz de propiciar a escolha do decisivo. por isso que podemos afirmar
(...) no se esquece, nem por um instante, que o sujeito existente, e que o existir
agindo, ele se reelabore a si mesmo em seu pensar sobre sua prpria existncia, e,
Concluso:
humana, encontramos na leitura de Paul Ricoeur elementos que contribuem para pensar
com bases existenciais como foco de estudo, pois estabelece como fundamental para o
626
processo psicoteraputico a relao entre psicoterapeuta e cliente. Vislumbramos numa
leitura filosfica existencial como a memria se constitui como elemento primordial para
como elemento que permite que a pessoa possa organizar uma identidade, ou seja,
elemento que possibilita que o sujeito se reconhea situado num contexto, numa histria
com outros, contribuindo para a constituio do sentido de si. Podemos compreender que
este sentido de si construdo por meio das relaes consigo mesmo e com os outros, nas
Referncias
Feijoo, A.M.L.C., Mattar, C. M., Feijoo, E. L., Lessa, M. B.M.F, Protasio, M. M. (2013).
Gabnebin de Bons, J-M. (2011). A memria, a histria, o esquecimento. In: Paula, A. &
627
Kierkegaard, S. (2009). A Repetio. Lisboa: Relgio Dgua.
Kierkegaard, S. (2013). Ps- escrito s Migalhas Filosficas (A. Valls. & M. Almeida
Janeiro: Rocco.
628
BARBRIE NA PSICANLISE, CINCIA E CULTURA. UMA INTERSECO
CONCEITUAL
E-mail: masilveira@sinos.net
barbrie em relao cultura remete ao sujeito desta cultura sendo este transformado por
aquela e a transformando.
CONCEPTUAL INTERSECTION
Abstract: The ideologies of barbarism and the relationship with the sciences and the
considering the findings on the dramatic destruction of human culture and knowledge.
Annihilation is an act resulting from a process developed when the life energy remains
321
Psicloga. Psicanalista e Membro Pleno da Sigmund Freud Associao Psicanaltica (Porto Alegre,
Brasil). Mestre em Psicologia Clnica pelo Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra, Portugal.
629
unused in human. The destructive drive is opposed to the civilizing process. Fighting
between the drive of life and the death drive triggers the evolution of culture considering
the Freudian theory. Existing aggressiveness in humans provides the need to set limits,
laws or the targeting for production in culture. Barbarism in relation to culture refers to
the subject of this culture, being transformed by this one and transforming it.
Introduo
Psicologia, despertou o interesse em abrir espao para escrever sobre a barbrie fazendo
1920 e 1930. A barbrie, enquanto uma ao que premedita da mente destrutiva, ocorreu
Internacional da Faculdades EST, Carla Canullo (2014) faz uma assinalamento sobre a
deveriam falar para que pudessem ser compreendidos. A palavra no tinha, portanto, o
630
A autora fazendo a ligao com os escritos do filsofo Michel Henry assinala que
que o filsofo nunca escondeu sua crtica frente ideia de verdade e manifestao,
ou a estigmatizao da barbrie na cultura moderna feita por Michel Henry, e este vis
Lima (2005) escreve sobre o tema barbrie e assinala que a primeira e segunda
poltica imperialista de massacre e de agresso em uma escala imensa no sculo XX, teve,
crianas e idosos so eliminados, com o menor contato pessoal possvel entre quem toma
Como toda outra ao conduzida de maneira moderna, o Holocausto, por exemplo, deixou
631
Henry (2012) abrindo espao para a compreenso das ideologias da barbrie,
galileana entende que os humanos esto separados da natureza, pois apesar de toda a
possvel observao e viso, por exemplo, dos rios, das pedras, das cores, da luz que
brilha, dos verdes e azuis, ela est separada do humano. Esta separao, de acordo com o
prprio objeto definido priori para que dele possa ser retido o dado a ser pesquisado
(Henry, 2012).
pulsional que um processo dinmico, uma carga energtica oriunda das excitaes
desfuso do componente das pulses de vida e de morte e neste processo psquico todas
632
se da prpria pessoa, a pulso de morte que psquica, dirige-se para o mundo exterior
transformando-se em atos.
Laplanche e Pontalis (2001). Os autores afirmam que ela utilizada para designar as
caracteriza a pulso de morte, por causa disto que ela reconhecida nas manifestaes e
forma pode-se entender que a angstia sempre est presente em algum espao psquico e
por trs dos sintomas manifestados. Entende-se que sentimentos, afetos so energias
que um afeto, circula pelos diferentes espaos psquicos. Existe, portanto uma
A violncia e a relao com a civilizao levou Endo (2005) a opinar que no texto
distendidos na cultura que certos processos subjetivos podem ser observados... (p.201)
633
e acrescenta que na cultura onde a pulso de morte assume formas devastadoras e onde
tambm regulada.
Observa-se que muitas das culpas nos sujeitos se apresentam de forma secundria,
tambm se desloca de forma a boicotar os disfarces da libido, num jogo contnuo e eterno.
evidenciando a ambivalncia.
Assim Freud destacou Aqui, talvez, nos possamos alegrar por termos assinalado
populao, pois esta uma forma de conter os impulsos destrutivos naturais do ser
e a relao com o superego, pois sendo este um poder externo, uma autoridade parental
que entra no circuito psquico da perda de amor, castigo e renncia. Para entrar no mundo
634
da cultura e no convvio com os demais necessrio aceitar que nem tudo possvel e
ao longo dos milnios preservam o que existe e esperam ocasio para no saber adquirido
A vida segundo a qual Henry apoia sua tese, no se confunde com um saber
o saber da conscincia nem o da cincia, ela a vida. Para o filsofo a essncia humana
ser humano como tal, o humano no valorizado enquanto um ser que tem vida. A vida
a capacidade de se sentir, ser afetado em si prprio e ser percebido nesta afetao. Esta
635
barbrie. O autor escreve sobre o progresso selvagem da cincia quando no h vnculos
que possam remeter ao que ele chama de vida, pois esta no a realidade objetiva e
apresenta hoje com finalidades abstratas, como um estranho destino no qual produzida
econmico resultante da aplicao da cincia que pode ser traduzida por barbrie (Henry,
2012).
complexo trabalho sobre a afetividade e tem suas prprias leis. Estas, entretanto, no so
redutveis s leis racionalistas das cincias naturais da cultura ocidental cujo pensamento
Consideraes Finais
constatar nestas investigaes freudianas quando ele afirma que o sentimento de culpa
uma variedade topogrfica da angstia. Desta forma pode-se entender que a angstia
sempre est presente em algum espao psquico e por trs dos sintomas manifestados.
revelao da vida e a forma de expresso desta vida. Sentir que tem sentimento, ter
apontam como forma de no aderir aos atos de barbrie. Antnez (2014), ao referir-se
636
humanas passarem pela via afetiva. Sendo somente desta forma que os seres humanos
A barbrie afeta o ser humano, pois destri sua dimenso tica e esttica. Mas a
preservar.
tem em sua essncia uma organizao com leis que tornam possveis a existncia e
sobrevivncia do grupo. As atividades humanas desde a vida mais remota na terra, como
homem construiu a partir de si. A constatao que na atualidade o homem tem sido
barbrie, Henry (2012) entende que a cincia se move inteira e exclusivamente no interior
da relao com o mundo e, portanto, com seus objetos. O mundo apenas exterioridade
e coisas com um surgimento a cada momento de novas faces sem perceber ou se importar
com aquilo que o ser humano . Enquanto filsofo da Fenomenologia da Vida acredita
que a cultura repousa sobre o saber da prpria vida que consiste no autoconhecimento das
interessante assinalar que para o autor, a arte, a tica e a religio so relativas essncia
da vida humana e fazem parte de sua raiz. A crtica mais contundente que Henry (2012)
637
faz em relao s cincias que o ser humano no reconhecido em seu saber essencial,
A cincia surgiu pela necessidade do ser humano. O que se constata que a cincia
utilizada para fins destrutivos denota o uso perverso daqueles que no suportam o
ideias, movimentos ou qualquer coisa que possa ser diferente. Atos de barbrie objetivam
aniquilar aquele que pensa e age diferente ou que se diferencia culturalmente. Desta
aes humanas praticadas e exercidas com fins destrutivos de si e/ou de outro semelhante.
A barbrie pode ser entendida como pulso de morte em sua mais pura
humano e a cultura. Conte (2014) deixa em seu texto sobre as questes de violncia de
estado que atravs da escuta dos psicanalistas abrem-se espaos que possibilitam a
Referncias
638
Brgido, M. A. S. (2014) A passibilidade do corpo decorrente do sofrimento psquico. .
Sinodal/EST.
Escuta/Fapesp, 2005.
Freud, S. ([1912-13]1913) Totem e tabu. In: J. Strachey (Ed. & Trad.) Edio Standard
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Freud, S. (1920) Alm do Princpio do Prazer. In: J. Strachey (Ed. & Trad.), Edio
standard brasileira das obras psicolgicas completas de Sigmund Freud (vol. 18,
Freud, S. ([1929]1930) O Mal- estar da civilizao. In: J. Strachey (Ed. & Trad.)
Fontes.
639
Lima, R. (2005) barbrie, genocdio, holocausto, ou massacre? (60 depois de
640
SADE E VIDA DE QUALIDADE NA EDUCAO FSICA ESCOLAR:
PERCEPES DISCENTES
das aulas foi sade, qualidade de vida e vida de qualidade. Como procedimentos
em Dirios de Campo, realizados aps cada encontro aps autorizao expressa dos
322
Licencianda em Educao Fsica pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar). Bolsista de
Iniciao Cientfica PIBIC/CNPq. Membro do Ncleo de Estudos de Fenomenologia em Educao Fsica
(NEFEF/UFSCar).
323
Professor Associado do Departamento de Educao Fsica e Motricidade Humana e do Programa de
Ps-Graduao em Educao (DEFMH-PPGE/UFSCar). Membro da Diretoria da Sociedade de Pesquisa
Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH). Coordenador do Ncleo de Estudos de Fenomenologia em
Educao Fsica (NEFEF/UFSCar). Coordenador Adjunto da Ctedra Joel Martins.
641
aps a apresentao dos riscos relacionados ao consumo exacerbado, citando que
de Qualidade. Sade.
Abstract: This study aimed to understand the processes arising from educational
intervention done together with students of the 5th year of elementary school a Public
School located in the city of So Carlos whose practical and theoretical content of the
lessons was health, quality of life and life quality . The methodological procedures of
systematic data collection of field observations in diaries, performed after each meeting
after permission from parents / guardians in the Instrument of Consent records were used.
A total of 19 diaries were analyzed, covering the period from August 2013 to June 2014
Knowing and embracing healthy habits; B - Living and respecting each other; C -
consider that the contents worked led students to reflect on the proposed issues, especially
the issues related to sedentary lifestyle, overconsumption of processed foods, sugar, salt
and fat, for example, after the presentation of the risks related to excessive consumption,
642
Introduo
A Educao Fsica, como rea de conhecimento das Cincias da Sade, pode ser
compreendida por meio de sua histria. Nesta, observa-se tendncias e concepes que
esportiva.
presentes at a atualidade, porm, em que medida o enfoque trabalhado nas aulas avana
a uma concepo de sade abrangente, que no se limita ao carter higienista, que trata o
Tais informaes eram correntes nas aulas e nas leituras complementares que ia
questionamentos sobre a educao para a sade voltada para as aulas de Educao Fsica
escolar. Pois, para alm da formao em curso na Educao Fsica, minha experincia
anterior, como aluna da educao bsica, tive aulas voltadas a contedos prtico-
Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) ao indicar tal como um dos temas transversais
(BRASIL, 1997).
1997, p.31).
643
Os PCN temas transversais ainda reforam que um tema que pode e deve ser
tratado por todas as reas, ocorrendo tambm de forma indisciplinar, ou seja, cada
componente curricular aborda esse tema, assumindo uma perspectiva prpria de seus
contedos:
razo, a educao para a Sade ser tratada como tema transversal, permeando
Paulo, inicialmente denominada como Cadernos do Estado (SO PAULO, 2009a; 2009b;
2009c; 2009d), reforam o contedo sade nas aulas de Educao Fsica, incluindo-o
junto a diversos temas, tais como: corpo, sade e beleza: fatores de risco sade e
movimento e sade (5a. srie do ensino fundamental vol. 2); corpo, sade e beleza (1a.
srie do ensino mdio - vol. 1); exerccios resistidos (musculao): benefcios e riscos
sade nas vrias faixas etrias (2a. srie do ensino mdio vol. 2).
644
tem reforado esse interesse e tem me proporcionado experincias significativas que
podem ser levadas ao ambiente escolar, bem como, trazido significantes descobertas
acerca dos temas sade, qualidade de vida e vida de qualidade, por meio de estudos e
vida e vida de qualidade e as concepes de educao popular e sade. Aps tal reviso
pedaggica e a esportiva.
645
Para Ghiraldelli (1997):
qual interfere diretamente no objeto de estudo em pauta, alm de exercer forte influncia
Para Ghiraldelli Junior (1997) entre fins do sculo XIX e incio do sculo XX,
higienista. Nesta o enfoque central era em relao sade, do ponto de vista biolgico,
sadios, fortes, com padres de conduta higinicos, visando supostamente formar uma
sociedade livre de doenas infecciosas e dos vcios que poderiam deteriorar a sade, tal
b) Compreenso de Sade
646
A Organizao Mundial de Sade (OMS) define sade como: estado de
1948). Assumindo tal conceito, nenhum ser humano ser totalmente saudvel ou
totalmente doente.
Tem sade quem tem condies de optar na vida. A sade est diretamente
prximos, mas tambm conseguir viver dignamente com base em valores que no
profissional.
de sade do Sistema nico de Sade (SUS), o qual asumimos nesse estudo. Tal
Nacional de Sade de 1986, a qual incorpora o saber popular alm do acadmico. Desta
(BRASIL,1986).
647
Percebemos que tal compreenso considera o ser humano de modo integral e
exclusivamente biolgico.
possvel perceber que os autores, ao tentar realizar tal tarefa, assemelham a conceituao
indivduo (p.247).
648
variadas pocas, espaos e histrias diferentes, sendo, portanto, uma construo
valores nos quais ele vive e em relao aos seus objetivos, expectativas, padres e
preocupaes.
qualidade. [...] essa qualidade reside no crescendo das interaes de dons naturais,
se vive e de uma vida que se , pois num momento onde consumir bens associado
a qualidade e felicidade na vida se faz necessrio dar um significado mais humano como
dos objetos de posse para o crculo dos dons de troca e de partilha. E, por esse
capital, impe a tudo e a todos os seus termos incluindo tambm o mundo do lazer, do
esporte, dos exerccios e da sade, que so reduzidos aos padres de compra e venda que
so determinados pelos interesses dos que ocupam posies sociais que permitem
649
manipular pessoas e desejos como mais um produto controlvel. Pois, de acordo com
Brando (2005):
nos sugerir grandes vos de mentira, ao mesmo tempo em que nos puxa sempre
pode ser comprado, em vez da ousadia de criarmos por conta prpria o que deve
encontraremos padres humanos de qualidade de vida. J que, para que poucas pessoas
tenham suas vidas de qualidade, outras, fora deste rol, permanecem em condies de vida
desqualificada. Vidas cada vez mais medidas, como sugerido pelo autor, por tabelas de
ranking, onde uns so classificados acima e outros abaixo. A qualidade de vida aparece
condomnios e prdios fechados nos jornais, ou separam o mundo exterior, com a falsa
propaganda de melhora na qualidade de vida. Seguindo esta linha, para se sentir algum
de qualidade deve-se vencer na vida. Por isso, a insistncia com que os verbos
Este mesmo autor ainda aponta que qualidade de vida no uma conquista
aprender e apreender com; viver atravs do com-saber experincias cada vez mais densas
e mais fecundas de dilogo consigo mesmo, com o outro e com a vida. Com o aprender
650
Brando (2005) sugere que devemos nos descobrir, seres do esprito aberto ao
de conexo do mistrio da Vida. Dessa forma, ela torna-se o primeiro critrio de valor de
qualidade, envolvendo outros como segurana, paz e conforto, indicando uma vida de
qualidade.
mais justo. A autora nos alerta tambm que educao, se faz na prxis, na reflexo e na
ao.
do subalterno. neste sentido, tambm, que a cultura popular deve ser pensada
651
de diversos conceitos, como por exemplo, na questo de qualidade de vida versus a vida
Metodologia
a) Procedimentos da Interveno
Este estudo foi aprovado pela Comisso de tica em Pesquisa com Seres
na interveno ocorreram uma vez por semana durante as aulas de educao fsica de um
quinto ano. A turma escolhida foi sugerida pelo professor de educao fsica da escola
9h30min.
de 11 salas de aulas, tambm possui sala de vdeo, sala de informtica, cantina, refeitrio,
uma quadra descoberta e um ptio coberto. Principalmente nestes dois ltimos espaos
652
de Educao Fsica: bolas, cones, jogos de tabuleiro, bastes, colchonetes, cordas,
nos dirios de campo. Registra-se ainda que durante o perodo da realizao desta
sistemtico de notas em Dirios de Campo (DC), tanto das observaes diretas como das
quais foram transcritas e incorporadas aos DC, mantendo-se a escrita original dos
participantes mesmo quando com eventuais erros do ponto de vista da lngua portuguesa
padro.
educadoras foram mantidos, a partir de autorizao. Contudo, os nomes dos alunos foram
alterados, sendo que os mesmos foram convidados a sugerir nomes fictcios, com total
liberdade de escolha.
retratos dos sujeitos (incluindo sua aparncia, roupas, falas, aes); reconstrues do
dilogo (as conversas e os gestos, expresses faciais); descrio do espao fsico (atravs
653
de desenhos ou mesmo descries das moblias, piso, paredes, pintura); relatos de
se a si prprio, suas atitudes, suas suposies e tudo que possa afetar a coleta dos dados).
J a parte reflexiva envolve: reflexes sobre o mtodo; reflexes sobre conflitos e dilemas
Significado (US) colhidas diretamente dos relatos registrados aps cada aula, utilizando
divergentes (d).
apresentadas por letras maisculas (A, B, C,...), alm de nomeadas com ttulo que
identificados em ordem cronolgica crescente por algarismos romanos (I, II, III...).
Assim, na anlise de dados a seguir, quando surgir a sigla DC-II-1, por exemplo, refere-
a anlise nomottica pautada nos registros dos dirios de campo. Tal anlise foi [...] feita
654
com base na observao das divergncias e convergncias expressas pelas unidades de
Dirios de
Campo
DC-I 1, 2d
DC-II 1
DC-III 1, 2
DC-IV 1, 2
DC-V 1, 2 3
DC-VI 1
DC-VII 1d
DC-VIII 1, 2
DC-IX 1d, 2, 3
DC-X 1, 2, 3d, 4d
DC-XI 1, 2d,
DC-XII 2, 3, 4, 5, 6d, 7, 1d 9
655
DC-XIII 1, 2, 3, 4, 5, 6, 16 8, 9, 10, 11, 14,
29, 30
11, 13d,
15
10, 11d,
DC-XVIII 1d, 2d, 3d, 4d, 6, 10, 11, 14, 15, 16, 17
5, 7, 8, 9, 12, 13
DC-XIX 2, 3, 6, 1, 5d, 8 4, 7
com ele e todos concordaram (DC XIII; 1). Tambm possvel perceber criticidade
diante de informaes transmitidas pela mdia: Helo disse que sua me sempre faz suco
de laranja e que ela j havia percebido que o sabor do suco de caixinha era muito diferente
656
do que o que sua me fazia, se eles eram iguais como mostra na TV, porque o gosto era
praticamente metade dela acar e que ele tambm contribui para obesidade. Ao
SosLel disse que j que tem tanto acar era melhor tomarmos suco. Perguntei
qual tipo de suco era melhor, o natural da fruta ou o de caixinha, ela disse que eles
eram a mesma coisa, pois ela sempre v os comerciais na TV mostrando que eles
tambm so feitos da fruta. Ento eu lhes disse que eles no eram 100% suco de
fruta, que metade de uma caixinha era gua com acar e outra metade era o suco
da fruta em si. Giga ento ressaltou que na TV eles no mostram isso, e falam que
saudvel. SosLel disse que ia falar isso para os pais dela e pedir que no lugar
desses sucos eles prprios fizessem o suco com frutas (DC XIII; 4).
mas pode trazes mal a saude. E as frutas so alimentos que nos faz bem e so
saudaveis. Tem alimentos que agente quer muito mas no sabemos o que tem por
GaGames ressaltou que muitas vezes ele e sua famlia consomem esses tipos de
alimentos, pois todos trabalham e esses alimentos facilitam a vida das pessoas, mas que
657
A prtica de exerccios tambm apareceu nas anotaes do caderno de Educao
Fsica dos participantes GaGames como um hbito saudvel: Eu entendi que no vale a
pena ficar na frente da teve jogando, porque poderemos ficar obeso igual o monstro. O
melhor no ficar jogando muito, mais sim ter um limite e fazer mais atividades fsicas
(DC XVI; 18). Eu entendi que deis de ficar centado jogando vdeo game podemos fazer
Na fala de Giga tambm possvel observar que ter lazer considerado como
um hbito saudvel Giga respondeu que lazer era um momento para relaxar e fazer algo
que gosta no seu tempo livre e ressaltou que se voc tem tempo para relaxar voc tem
tpicos que foram muito importantes para o direcionamento das aulas, tais respostas
Na coluna Qualidade de Vida os alunos falaram: Vida boa, vida suave, vida com
escola, ser solidrio, ter manso e ter carro. J na coluna Vida de qualidade
que vida de qualidade se tratava de uma alimentao balanceada (DC XII; 4).
esta trabalhando sobre qualidade de vida ter e vida de qualidade ser... (DC XIII; 17).
E em uma atitude em sala de aula: Imagens como carros e manses tambm apareceram
658
Na fala de Minnie tambm foi possvel identificar que vida de qualidade pode
para hidratao dos cabelos. Perguntei quem havia colocado essas duas imagens,
e elas haviam sido colocadas pela mesma pessoa (Minnie), ento perguntei por
que ela considerava que tais imagens representavam vida de qualidade e ela
respondeu que para ela vida de qualidade era andar com roupas limpas e cabelos
assuntos tratados: Pirulita disse que bulimia era uma doena que fazia com que as pessoas
ficassem loucas por exerccio para emagrecer e Helo concordou com as duas e
acrescentou que na anorexia alm das pessoas vomitarem o ingeriram elas comiam pouco
para no engordar (XVIII; 2d). Ao perguntar sobre a vigorexia Juju perguntou se tinha
a ver com marca de iogurte e Kak respondeu que achava que sim e que devia se tratar
Kak perguntou se bulimia tinha alguma coisa a ver com bullying, nesse primeiro
momento no respondi nada e disse que queria que eles me respondessem, pois
trataria dos trs assuntos na sala de vdeo. AzGames concordou com Kak e disse
dos sujeitos com a educadora destacamos o trecho a seguir Cuca me deu um abrao e
659
comentou que gostava muito das minhas aulas e pediu para carregar os materiais, pois
Um pouco antes do incio da aula, Helo veio correndo em minha direo e me deu
Kak perguntou se seria possvel fazermos mais aulas assim, ento respondi que
infelizmente essa era a ltima aula que eu teria com eles, Kak fez uma cara de
chateado e disse que tinha gostado muito das minhas aulas e perguntou se eu
todos nas minhas aulas e disse que tinha sido uma grande oportunidade ministrar
aulas para eles, pois eu havia aprendido muito. Ento todas as meninas se
meninos vieram se despedir de mim e foram para a sala (DC XIX; 8).
si e chegaram concluso de que se seria interessante que todos jogassem sentados, pois
seria mais justo para todos (DC VI; 1). Momentos de respeito e honestidade para com o
Nessa fase eles deveriam passar por cima do banco de costas com os olhos
fechados. Felcia ficou com medo de andar de costas com os olhos fechados e no
realizou a etapa de forma efetiva, ento eles foram para a prxima etapa e eu havia
660
EvilGame disse que era pra ele ficar quieto, ele respondeu que no era certo ficar
quieto, pois seria desonesto comigo e com o jogo (DC XVI; 2).
Juju relatou que um aluno da equipe adversaria tinha acertado a bola em seu rosto
e estava mandando todos os alunos fazerem a mesma coisa, ressaltou que estava
cansada dizendo que participava de um projeto social com ele aos finais de semana
levantar sugestes para que ela retornasse ao jogo, como por exemplo, manter os
dois na mesma equipe ou 10 minutos de jogo para cada um. A aluna disse que no
voltaria para a aula de jeito nenhum e que estava muito chateada com a atitude de
da aula, pois ningum deixava ela participar. Pouco tempo depois uma outra veio
chorando tambm dizendo que os meninos ficavam zombando da cara dela pelo
661
Neymar umas trs vezes. Aps alguns minutos consegui acalm-los para poder
Nos dirigimos para a sala de Educao Fsica, onde gravei um vdeo dos alunos
que j entregaram o TCLE deles falando o nome deles, a idade e o nome fictcio
que eles gostariam que fosse utilizado no estudo. Tal estratgia foi utilizada para
facilitar a confeco dos dirios de campo e para que caso eu esquea do rosto de
Neymar: Fui at a sala buscar os alunos e logo fui surpreendida por Neymar que me
perguntou se poderamos jogar futevlei. Disse a ele que no seria possvel, pois
A princpio a aula seria realizada na sala de vdeo, porm estava chovendo e uma
outra professora j estava realizando suas atividades l. Educador Edson disse que
poderamos trocar com ela, mas isso faria com que perdssemos um certo tempo,
ento optei por no passar o vdeo e ficar na sala da Educao Fsica (DC XII;
1d).
662
A ideia inicial era que os alunos trouxessem figuras de pessoas que achassem
bonitas, porm por uma falha minha e por mudana repentina na data da aula no
consegui avis-los sobre tal tarefa. Para no prejudicar o que eu havia planejado
para a aula deste dia, cheguei mais cedo na escola e com a ajuda de duas alunas
do 5C recortei figuras de pessoas das mais variadas idades, sexo, raa etc. (DC
XV; 1d).
das aulas, algumas atividades no puderam ser realizadas, mas nessas ocasies foi
possvel reorganizar os planejamentos dos respectivos dias sem trazer qualquer prejuzo
anotaes dos alunos no que diz respeito a manifestaes de alegria e prazer destes no
momento da realizao das atividades, como na fala de Tat que aponta ter aprendido
coisas que no sabia Qualidade de vida e vida de qualidade foi o primeiro assunto das
aulas com a Suzana foi muito legal, coisas que eu no sabia eu aprendi. E as crianas
poderam dar as suas opinies sobre conversa (DC XII; 9); Cacau respondeu que gostou
muito, pois adora brincar de pega-pega, que podamos jogar esse jogo mais vezes, pois
ela gostou de um pega-pega com personagens (DC XIII; 11). Na frase escrita no caderno
de Juju tambm foi possvel observar tal elemento: Eu amei por que divertido passar
aula os alunos ficaram muito eufricos, comearam a gritar eba! (DC XVII; 2).
663
Diversos alunos escreveram em seus cadernos terem gostado das atividades (DC
DC XIV 11; DC XIV 14) outros destacaram que adoraram (DC XIII-23; DC XIV
7) e alguns destacaram que a aula foi legal (DC XIII-29; DC XIII-30; DC XIV 7;).
Cacau disse que ficou chateada por no ter participado. Comentei que infelizmente
o tempo de aula era curto e no deu para todos participarem. Cuca reclamou que
que tiravam notas altas na sala de aula. Comentei com eles que o critrio que eles
usaram para escolher os colegas no serviu nessa atividade, pois as respostas eram
aula porque fiquei parada (DC XV; 17d). Algumas falas durante as aulas tambm foram
identificadas: Felcia disse que no gostou da atividade porque foi muito desorganizada
(XVII; 7d).
Consideraes
contedo prtico-terico das aulas foi sade, qualidade de vida e vida de qualidade.
664
Os contratempos encontrados apontavam o possuir, ter e consumir, como podem
ser vistos nos Dirios de Campo (Apndice 2). A tarefa de desconstruo desta ideia que
que tal viso consumista estava presente nos colaboradores, a fala de FunkBlackKate
representa tal viso: FunkBlackKate pegou uma imagem de um vdeo game e disse que
ter qualidade de vida era ter esse objeto, pois era de qualidade e trazia muita felicidade
sujeitos que levam as compreenses sobre uma vida de qualidade e preocupao com seus
O sinal tocou e os alunos foram para a sala, logo em seguida Helo voltou com um
pacote de salgadinho e disse que esse era o lanche que havia trazido, mas que
depois da aula de hoje ela ia procurar evitar comer essas coisas, pois fazem muito
realidade que os cercam: Aps a apresentao da inverso dos termos Giga comentou
que a mdia impe o que devemos fazer, comprar e gostar atravs dos comerciais (DC
XIII; 5).
gosto pelo que foi trabalhado em aula citado por Baixinha: Eu adorei essa brincadeira
porque divertida e eu adorei esse tema que a Suzana escolheu eu adoro ela (DC XIII;
23)
665
Durante a interveno foi identificada a realizao de um trabalho colaborativo,
a uma apropriao crtica das crianas participantes sobre sade, hbitos alimentares,
estticos falseados como sade e qualidade de vida veiculados pela mdia, conforme
Todos so iguais
Todo mundo juga as pessoas bonitas. S se for magra, loira, olhos azuis. E uma
A anos pessoas gordas eram bonitas, e as magras feias. E a gente ve que isso foi
Tudo isso porque a mdia foi colocando na nossa cabea que esta pessoa bonita, e
a outra feia.
Acho que isso e crime apesar de no existir lei canto mas e um caso de
666
Fig. 1: Desenho realizado por Tat no caderno de Educao Fsica
Referncias
Paulo: UNIMEP.
In:______. A cano das sete cores: educando para a paz. So Paulo: Contexto. p. 27-
72.
SEF.
667
FREIRE, P. (2003) Pedagogia do oprimido. 36ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
122.
Loyola.
Universidade/UFRGS/Sulinas, p. 61-93.
668
SO PAULO (ESTADO). (2009). Secretaria da Educao. Caderno do Professor:
Associados.
669
INTERCULTURALIDADE E EDUCAO FSICA ESCOLAR:
Humana.
E-mail: luanazanotto@yahoo.com.br
fenomenolgica. A partir da interveno foram tomadas notas nos dirios de classe. Para
anlise dos dados foram realizadas fases de identificao das unidades de significado e
Com base nas compreenses aos estudos da temtica, consideramos que as prticas
posturas, com vistas a favorecer a formao positiva de uma identidade negra, bem como
670
Palavras-chaves: Processos Educativos, Educao das relaes tnico-raciais, Educao
Abstract: Faced with such huge social inequalities in Brazil, especially in the intramural
school, we decided to study the existing racial discrimination at school, as a place to re-
think some practices and attitudes towards the folklorization of African culture and
teaching practices. Thus, we present some proposals for interventions with children and
3 4 year a public school. As the study methodology appropriated from the perspective
notes were taken daily in class. For data analysis phases of identifying units of meaning
and organization categories were performed. Dialogued with the prospects of Philosophy
of Africa and some possibilities for their recognition and appreciation in educational
affairs. Based on the understandings of thematic studies, we consider the practical to the
postures, in order to favor the formation of a positive black identity, as well as collaborate
671
Introduo
colonial, levado a cabo especialmente a partir do sculo XVI, quando foram iniciadas as
invases territoriais pelos povos europeus, tal qual foi submetido o territrio brasileiro.
Sobre esse perodo, Boff (2003) aponta a ruptura de um processo autnomo dos
dominao poltica fez uso do poder da violncia fsica sobre a populao que aqui vivia,
Nossa histria ptria vem marcada por uma herana de excluso que estruturou
qual:
tal modo que, nesta ltima, j no fica da cultura superior nada a no ser, talvez,
672
discriminados e o medo da liberdade. Trata-se de uma contestao do mundo real, de
A imposio opressiva de que eram sujeitos sem direitos deu origem ao que
brasileiro, assim como os outros territrios colonizados, tenha lutado pela emancipao
histria e tom-la em suas mos, para que possa re- produzir-se, produzindo seu mundo
crucial para a transformao da realidade, pois somos e nos conhecemos seres capazes de
fazer isso.
Contudo, lamentvel ter de reconhecer que entre ns, no Brasil, este pensamento
deparamo-nos com frases do tipo: h uma nuvem negra em minha vida ou isto poder
denegrir a minha imagem, quando se quer expressar que determinado sujeito vivencia
673
As questes referentes ao reconhecimento da sociedade intercultural esto na
Brasileira e Africana, via o projeto de Lei n 10.639/2003 que altera o texto da Lei as
Brasileira e Africana a serem observadas pelas instituies de ensino, que atuam nos
674
o que em muito corrobora para os modelos de aulas pautadas em prticas
segregacionistas.
deve:
[...] tratar da cultura do corpo que se expressa de diversas formas, variado pelo
Para alm das aulas de Educao Fsica, almejamos uma escola pautada no
modelo de interculturalidade, para tanto se faz necessrio desfazer alguns equvocos, tal
defender que uma cultura seja melhor que a outra, mas sim ensinar a pesquisar ou procurar
das produes do sul-africano Desmont Tutu (2012), da etope Elleni Tedla (1995) e do
moambicano Jos P. Castiano (2010) que muito colaboraram para a discusso dos
675
Objetivo
adoo de uma filosofia que corrobore para uma construo identitria negra positiva em
Percurso metodolgico
324
Sustentado numa perspectiva freireana, o termo sulear que no consta dos dicionrios da lngua
portuguesa, utilizado neste estudo para chamar ateno dos(as) leitores(as) para a conotao ideolgica
das expresses norteadoras, nortear-se. Norte primeiro mundo. Norte est em cima, na parte
superior dos mapas alocados nas paredes de diversas salas de aula de escolas do Brasil, assim Norte
transmite os conhecimentos que ns do hemisfrio Sul adotamos sem reflexo ao contexto local (FREIRE,
1992, p. 48).
676
professoras faziam uso dos recursos disponveis na caixa de africanidades325 da escola.
Sobretudo, algumas atividades eram ofertadas via uma pedagogia descontextualizada dos
nas aulas de Educao Fsica, no perodo de agosto e setembro de 2013, junto as turmas
Os recursos materiais utilizados foram os mesmos utilizados nas aulas que j esto
previstas no incio do semestre, por exemplo: bolas, arcos, cordas, livros, aparelho de
som, entre outros. Visando a emerso no objetivo proposto, adicionamos outros materiais,
segundo Bogdan e Biklen (1994), so como um relato escrito daquilo que o investigador
325
Proposta pela Secretria Municipal de Educao da cidade de So Carlos-SP que busca realizar algumas
aes para a implementao das Diretrizes Curriculares Municipais para a Educao das Relaes tnico-Raciais
(SO CARLOS, 2009). Nesta caixa contm material pedaggico para o ensino das relaes tnico-raciais nas
escolas, composta por 64 livros de literatura infantil, instrumentos musicais, vdeos e CDs
326
As intervenes corresponderam adoo de novos procedimentos, permeados pelas perspectivas da
filosofia africana, em atividades previstas para o bimestre, bem como a proposies de novas atividades
que buscassem construir saberes sobre frica.
677
Com uma perspectiva de pesquisa qualitativa, ancoramo-nos em metodologia de
inspiraes fenomenolgica. Desta forma, aps cuidadoso trabalho de leitura dos dirios
de classe e rememorao das experincias vivncias no momento das aulas, foi realizada
pedaggicos.
678
No h como negar que a colonizao imps paradigmas educacionais que sempre
negaram, aos conquistados, conhecimentos teis sobre o seu mundo e sobre sua origem.
A histria que nos foi contada traz o ponto de vista do narrador, desta forma, o colonizado
o condenado. Assim, comum negar o que somos e tentarmos buscar o que no somos.
lanamos o nosso olhar para os livros didticos. Estes materiais tendem a omitir a histria
crianas manifestassem como elas se viam entre seus pares, na famlia, e nos distintos
espaos sociais. Observamos, no entanto, que a maior parte delas construiu autoimagens
inferioridade e segregao.
Sankofa. O termo representa por um pssaro africano, um adinkra, que est voltado com
a cabea para trs. Nesse movimento ele se alimenta das sementes distribudas em suas
asas; essa representao tem como significado a volta ao passado para atribuir
significaes das aes do presente. A palavra, ainda, entendida por voltar para a fonte
e buscar (TEDLA, 1995, p. 46). Fazamos referncia sobre o poder que cada sujeito
679
possui perante a prpria trajetria de vida, construdo junto ao convvio e ancestralidade
de sua comunidade.
animais. O modelo de compreenso de mundo africano nos apresenta outro sentido sobre
reconhecer o outro como outro, dotados de potencialidades latentes para o seu vir-a-ser.
(TEDLA, 1995).
Nesta obra, a autora revela do pensamento africano sobre a vida no ter sentido se
for vivida fora de uma comunidade, pois o elo humano cultivado e preservado na
dilogo com Desmond Tutu (2012) tem-se um dos grandes prestgios da cultura africana,
cultura africana, a harmonia com a comunidade. Para o autor, o povo africano Ubuntu.
ubuntu [...]. Uma pessoa uma pessoa por intermdio de outras pessoas.
680
Precisamos de outros seres para aprendermos a ser humanos, pois ningum vem
como seres humanos a no ser que aprendssemos como fazer essas coisas com
Nesse sentido, entendemos que ter Ubuntu saber viver em unio um com os(as)
estarem juntos, por formarem uma famlia, implicados por uma condio de ser se
somente o semelhante tambm for. Esse conceito ainda expressa [...] de como as pessoas
so mais importantes que os objetos, os lucros, as posses materiais. Ele fala sobre o valor
intrnseco das pessoas como no dependentes de coisas alheias, como condio social,
afazeres pedaggicos
Os resultados e reflexes obtidos com as intervenes foram positivos, uma vez que
681
questionamentos sobre o qu vem na cabea das crianas quando pensam sobre o
continente africano, somada aos saberes que elas possuem sobre localizao geogrfica.
Para emergir luz esses conhecimentos, elaboramos um jogo no qual cada criana
histria do Brasil, duas prticas culturais de frica e, por fim trs nomes de pases
intrnseco ao ser humano, os quais assumem formas e modos concretos de existncia num
confortvel que as crianas expressavam por saber que elas sero quando todos forem
327
Abayomi uma boneca de pele negra e esttica afro, feita com materiais reaproveitados, retalhos de
pano e malhas. Em sua confeco so se usa cola ou costura, ou qualquer suporte interno (madeira,
arame, grampos, etc) somente retalhos superpostos e ns. Fitas, bordados, miangas e miudezas definem
o acabamento.
682
africana Eu sou porque tu s, que sublinha que a nossa existncia como indivduos s se
Sob essa tica, torna-se possvel compartilhar diferentes saberes com e entre as
crianas, descontruindo formas preconceituosas e de negao dos modos de ser dos afro-
ter contato com outras matrizes participe na formao de nossa cultura, para alm da
europeia.
entendimentos sobre frica, como por exemplo, imagin-la como territrio de pura
pobreza, cheio de doenas, que pode oferecer pouco ou quase nada ao mundo. Se
Consideraes
683
sociais existentes em nosso meio e, especialmente, perceber o quo esta filosofa diverge
silenciar diante delas, exige desconstruir distores e construir novos significados. Exige
humanizadora.
brasileira como 52% da populao nacional e destacar que esse dado torna o Brasil um
684
modificar as identidades dos/as participantes no curto perodo, apenas corroboramos para
pedaggicas dirias, pois, como afirma Tutu (2012) o que positivo em frica tambm
positivo humanidade.
Referncias
BOFF, L. (2003). Depois de 500 anos: que Brasil queremos? (3 ed., pp. 273). Petrpolis:
Vozes.
Brasiliense.
685
BRASIL, Ministrio da Educao. (2003). Diretrizes Curriculares Nacionais para a
protesto de rua a proposta e polticas. Educao e Pesquisa. (Vol. 29 (1), pp. 109-123)
em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=1517-
e brincadeiras africanos nas aulas de educao fsica: construindo uma identidade cultural
686
negra positivas em crianas negras e no negras. Anais da XV Jornada de Jvenes
TEDLA, E. (1999). Sankofa: African thought and education. New York: Peter Lang.
Nelson Brasil.
687
O MUNDO DA VIDA NA PERSPECTIVA DO USURIO DE DROGAS
Resumo: este trabalho fruto de uma pesquisa bibliogrfica cujo objetivo foi refletir
drogas, a cientificidade acaba por encobrir o fenmeno tal como este se mostra, reduzindo
Abstract: this work is the result of a bibliographic research which sought to reflect on
the lifeworld (Lesbenwelt) of drug user from the reference of Husserl's phenomenology.
German philosopher Edmund Husserl (1859-1938). To understand the life world of the
*
Mestranda no Programa de Ps-graduao em Psicologia da Universidade Federal do Maranho -
UFMA
**
Doutor em Psicologia Social.
688
drug users is necessary a rescue of human subjectivity in a return to original experience.
The Husserl's critique of scientism part of this distance with the issues related to the life
world, to their daily lives, resulting in the modern scientific rationality as a parameter for
analysis of all issues pertaining to life, to man. In relation to the drug phenomenon, the
Introduo
o trfico de drogas causam graves danos ao pas, gerando custos na esfera social e
econmica que afetam diversas pessoas de modo direto e indireto (Brasil, 2009).
entre 2001 e 2005. A partir deste ltimo ano, sobretudo, observou-se um crescimento
identificou-se que quase a metade dos pesquisados (48.7%) afirmou ter feito uso de algum
689
tipo de droga na vida. Entre estes, a maior parte afirmou abusado de lcool (86.2%),
ecstasy (7.5%).
brasileiro, no corresponde aos resultados das pesquisas mais recentes realizadas. O que
familiar, social, bem como contribuindo para as mortes no trnsito, homicdios, dentre
outras consequncias graves a sociedade. Mas, por ser se tratar de uma droga
mundial, que acarreta impacto na esfera econmica dos pases, profundos danos sociais,
reduzem as drogas a nmeros, fazendo com que os sujeitos que vem estes dados
690
substncias psicoativas, as repercurses no mundo da vida do dependente qumico. H
O tema das drogas tem sido discutido por especialistas (Baistrocchi & Yara, 2014;
Frankl, 2005) que relacionam esta problemtica a questes relativas aos modos de
qual se caracteriza por tdio, ausncia de projetos existenciais e a prpria falta de sentido
na vida.
Alm destes estudos, o interesse pelo tema foi tambm despertado pela
proximidade profissional com dependentes qumicos, que se iniciou no ano 2004, quando
se integrou uma das equipes dos ambulatrios de lcool e drogas da Secretaria de Sade
Centro de Ateno Psicossocial lcool e Drogas (CAPS AD), j em 2009. O objetivo das
pacientes.
o mundo, alm dos anseios e dificuldades em relao ao seu projeto existencial. Algumas
situaes foram marcantes e recorrentes nas nossas observaes e escuta dos pacientes: o
planificao para o futuro, com uma perspectiva voltada para o momento presente.
691
Era perceptvel, em nossos contatos com os usurios de drogas em tratamento, a
ambivalncia vivenciada por estes em relao seduo pelo mundo das drogas, do
trfico, bem como as diferentes sensaes adquiridas com o uso de substncias, a fuga da
realidade e a vontade de retomar projetos existenciais, tais como trabalhar, constituir uma
favoreceu vivncias que nos aproximaram ao mundo vivido dos dependentes de drogas.
diversos momentos, pacientes que estavam em abstinncia do uso de drogas por meses e
trabalho, tinham recadas que os levavam novamente ao mundo das drogas. Nesses
questionamento nos era recorrente: como pensar sobre o mundo da vida do usurio de
drogas?
mundo vivido do usurio de substncias psicoativas, o ponto de partida deste trabalho foi
fenomenolgica husserliana.
Marco terico
692
No mundo atual, tem-se falado em modificaes nas diversas esferas da
sociedade, seja numa perspectiva tica, moral e dos valores, o que reflete na concepo
cenrio de crise no contexto europeu, na primeira metade do sculo XX. Nesta poca,
Husserl (1839-1938) inquietou-se diante da busca por fundamentos para a cincia. Nesse
os que defendiam a articulao das leis da natureza com a razo; do outro lado, os que
distinguiam as leis da natureza das leis do esprito, e afirmavam que o fato psicolgico, a
Mais do que uma escolha entre matrizes divergentes, a questo que se apresentava
no contexto europeo era bem mais complexa. Tratava-se de entender o sentido do mundo
como por exemplo, o sentido na vida, na histria, na liberdade; ou como ele melhor
693
definiu o impacto do racionalismo cientfico sobre a subjetividade humana ao afirmar que
a filosofia (1936) que ele destaca a origem da crise da cincia. Para o filsofo, o
bem como no que se refere s questes relativas ao seu cotidiano, aos seus modos de viver
dependentes qumicos, o modo como esto estruturados em sua maioria, vale evidenciar
694
A preocupao de Husserl com a tematizao sobre o mundo da vida era de buscar
uma fundamentao para a fenomenologia, para uma tica da cincia, dando fim aos
anseios do mundo cientfico por um saber universal, apodtico (Silva, 2012). Ou, como
Para Husserl (2009, p.8), a cincia trata do ser, ou do valor da verdade, que tem a
pretenso de ser supratemporal. Alm disso, estas verdades devem ser vlidas para todos
questiona sobre o modo de funcionamento do mundo da vida, ou, como ele destaca, "todas
essas cincias so, enquanto produes do conhecimento para o mundo, uma pretenso
incompreensvel.
tem sido relacionado a uma falta de sentido na vida, de planificao do futuro, de valores
Husserl (2012) iniciou uma forte discusso sobre o tema do mundo da vida, propondo
695
Em termos de mundo da vida, somos nele objetos entre objetos, como estando
sejam elas fisiolgicas, psicolgicas, sociolgicas etc. Somos por outro lado, sujeitos para
este mundo, a saber, como os eus-sujeitos a ele referidos de modo teolgicamente ativo,
que o experenciam, consideram, valorizam, para quem este mundo circundante tem
valorizaes etc., em cada caso lhe conferiram (Husserl, 2012, [1936], p.84).
temas como o sentido da vida individual e coletiva, os valores, a cultura, seriam abordados
subjetividade, e, sendo assim, tem quase nada ou pouco a dizer sobre as necessidades
reais do homem.
realidade. Um movimento pretencioso, uma vez que ela coloca em segundo plano os
696
Seguindo este entendimento, o resgate do mundo da vida no se restringiria
conceito de mundo da vida se contrape ao de mundo da cincia, uma vez que se trata de
uma crise tica e de sentido, questo central na crise da cincia moderna. O mundo da
Para Silva (2012) a soluo para a crise vivida pela cincia moderna em relao a
mundo da vida enquanto esfera de onde a cincia advm; alm disso, situando a relao
entre mundo da vida e cincia, em que se estabelece o devido valor e alcance da cincia.
com nosso mundo privado, com sentimentos primitivos, originrios, que surgem de nossa
experincia imediata, e so reveladas pela intuio. Toda esta dinmica passa pela
697
nessa perspectiva que se compreende que o sujeito que vivencia o mundo da
carcter prioritrio do mundo da vida se situa nas mltiplas relaes em que os objetos se
Restrepo, 2012).
importantes para se desvelar o sentido das prticas concretas, e mesmo que seja num
pequeno contexto, existe uma relevncia dos fenmenos para aqueles que os vivenciam.
Percebe-se que, para o dependente qumico em tratamento, essa relao com o cotidiano
bem marcada, pois a rotina de abuso de drogas acarreta uma modificao brusca na vida
diria, fazendo com que hbitos adquiridos no decorrer da vida de cada sujeito, sejam
os inmeros sentidos que estes atribuem vida, ao mundo vivido, s suas experincias
698
Pizzi (2010) enfatiza que preciso identificar um conhecimento pr-terico, e que
projetos pessoais do lugar a uma busca incessante pelo abuso de drogas. como se
ocorresse uma modificao dos projetos anteriormente estabelecidos, tais como constituir
famlia, investir numa carreira profissional, adquirir a casa prpria, dentre outros. Todos
estes planos so abandonados e que o resta o abuso de drogas, passando a ser este vivido
Desta forma, o usurio de drogas, uma vez que abandona seus projetos de vida,
atribudo vida por ele mesmo. Este afastamento das questes subjetivas que d lugar
a uma crise de sentido. muito importante para o dependente de drogas resgatar o mundo
da vida como um espao de atuao das diversas experincias humanas, do contato com
cada indivduo tem uma capacidade de percepo para descobrir novos horizontes na
possibilidades que o mundo possui, atribuir-lhe sentido e orden-lo de acordo com estes
699
Para o psiquiatra e doutor em filosofa Viktor Frankl (1932-2002), vrios de seus
estudos indicam uma relao entre o abuso de substncias e questes relativas ao projeto
de vida. Uma pesquisa realizada por este (Frankl, 2005) identificou, entre os usurios de
maior dependncia entre os estudantes com uma vida sem sentido, vazia, em comparao
realizado com estudantes de ensino mdio no ano de 2007, identificou-se que as baixas
consumo de drogas e que o projeto de vida se consolida como um fator protetor contra o
entendidos como estmulos que, quando presentes na vida do sujeito, reduzem sua
vulnerabilidade
processo, uma construo, uma vez que o homem no nasce fabricado, mas se constitue
ao longo de sua existncia, fazendo uso de sua capacidade de escolha, de sua liberdade.
relao do homem com o mundo, colocando no sujeito a responsabilidade por seu projeto
comprovada est destinada ao fracasso (Sartre, 2009, p.3). Ou seja, o projeto existencial
700
se faz na prtica, no contato com o mundo da vida. No se trata de vontade ou aspirao
humana.
Sartre (2009) ainda ressalta que o homem no somente o que ele mostra em
determinado momento, mas o que ele concebe depois de sua existncia, o que projeta ser.
Porque queremos dizer que o homem comea por existir, o que quer dizer que
comea por ser algo que se lana a um porvir, e que consciente de projetar-se a um
porvir. O homem ante tudo um projeto que se vive subjetivamente (Sartre, 2009, p.29-
traduo nossa).
Considerando-se que "o homem no nada mais que seu projeto" (Sartre, 2009,
p.53), no h nada para alm de suas aes, de suas realizaes, de sua vida. O projeto
o que se revela na experincia de cada sujeito, no que este faz e no em suas aspiraes e
projeto existencial.
questes de sua existncia, de suas relaes no contexto do mundo da vida, liberdade esta
que se estende ao uso de substncias psicoativas, da escolha de cada sujeito diante de cada
planificado, e, alm disso, sua vida universal, representada por sua conscincia. Este
701
ltimo tem infinitas possibilidades, mas tambm um mundo de indeterminaes (Husserl,
2009).
Todo propsito, toda ao, dirigidos a este mundo circundante um agir at-o-
sem dvida, uma vez mais, indeterminado, da espera e das possibilidades reais. O
isso vai estabelecendo uma insegurana geral sobre a vida, sentida como expectativa e
drogas.
processo dinmico que se d no decorrer da vida de uma pessoa e que expressa o sentido
da vivncia do individuo.
O sentido se constri a partir de uma estreita relao com as demais pessoas, com
as organizaes e contextos em que se vai forjando uma concepo sobre quem somos,
702
como o mundo que habitamos e qual pode ser nosso lugar e papel nele (Juregui, 2009,
p.39-traduo nossa).
No contexto dos usurios de drogas, pode-se identificar uma estreita relao entre
abandono dos projetos de vida, ou estes so modificados? Nesse sentido, o modo como
cada sujeito dependente de drogas se relaciona consigo mesmo e com o mundo revela o
indivduo.
Consideraes finais
com reflexos profundos sobre a relao dos sujeitos consigo mesmos, com o mundo e
as questes relativas a subjetividade humana ficam esquecidas, uma vez que o mtodo
vivo uma deduo montona, um movimento retilneo; ela ignora a rigidez geomtrica,
703
ela debate ou explicao com um meio em que h fugas, vazios, esquivamentos e
resistncias inesperadas.
Referncias
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Idias e Letras.
Petrpolis: Vozes.
704
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http://www.lusosofia.net/textos/husserl_edmund_crise_da_humanidade_europeia_filoso
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821_Husserl(Valor-de-la-vida).pdf
Centauro.
Perez, A.I.R.; Lafuente, M.E.R. (2008). Proyectos de vida, calidad de vida y bienestar
Prez Juregui, I. (2009). Proyectos de Vida. La pregunta por el sentido en nuestro mundo
705
Pizzi, J. (2010). Aspectos hermenutico-fenomenolgicos do mundo da vida: releituras
Puentes, M. (2008). Tu droga, mi droga, nuestra droga: como entender y que hacer frente
http://revistas.usbbog.edu.co/index.php/Franciscanum/article/view/93
Janeiro: Vozes.
Papiro.
706
Struchiner, C. D. (2007). Fenomenologia: estudo da vida. Revista abordagem
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S18098672007000200009&script=sci_arttext
707
INSTITUCIONALIZAO, LUZ DA TEORIA BOWLBYANA DO APEGO
E-mail: mauroposest@yahoo.com.br
uma criana desfrutar de sade psquica sem manter proximidade com sua me ou com
Como o comportamento desses indivduos poderia ser afetado na prpria infncia e nas
ingls, John Bowlby. Apesar de sua longa e pormenorizada investigao, aqui sero
materna.
THEORY
708
Abstract: Hundreds of children held in institutions throughout Brazil... A serious social
phenomenon, which requires a sensitive and grounded look. One of these basics is
child enjoy mental health without maintaining proximity with their mother or someone
who holds a maternal function, ie, a surrogate mother? What are the primary needs of
bonding of children up to the age of eight? How could the behavior of these individuals
be affected in childhood itself and in the other stages of life? What are the effects of non-
binding, in the case of institutionalized children? To guide this analysis of the child
psyche, we will make use of the Attachment Theory, enunciated by the noted psychiatrist,
psychologist and British psychoanalyst John Bowlby. Despite his long and detailed
research, only the main arguments of his theory will be highlighted here, progressing to
how the child itself perceives the attachment. Following we will treat the equivalence
between natural and substitute attachments, and conclude with six consequences of
institutionalization.
attachment.
Consideraes Iniciais
oitenta, intitulada Punk, a Levada da Breca328, conta a histria de uma garota traquinas
e carismtica, de oito anos de idade. A menina, abandonada por sua me num shopping
center em Chicago, passa a viver num apartamento vazio, e encontrada pelo sndico do
328
Punky encontra uma lar (parte 1 / 6) Punky a levada da breca 1 episdio. [sic]. (2011). Recuperado de:
http://www.youtube.com/watch?v=P3qq37IG_vo. Os episdios de Punk, a levada da breca podem ser
encontrados em sites da internet.
709
edifcio. Ambos se apegam, e o velho e vivo Artur Bicudo, aos sessenta anos, vai lutar
separados pelo juizado de menores, que acaba colocando Punk num orfanato, Artur e a
garotinha constituem tal vnculo que, no terceiro dia, diante do juiz de famlia declaram
se tem, diante de uma cena to sensvel, a de que os autores da srie querem afirmar
que, mesmo o lar mais simples ou inusitado capaz de fazer uma criana feliz de um
modo que qualquer instituio jamais poder. Uma garotinha e seu velhote podem formar
uma dade saudvel, um par melhor que uma garotinha e sua instituio.
adoo; um grave fenmeno social vivido por centenas de crianas Brasil afora, que exige
primrias de vnculo apresentadas por crianas at os oito anos de idade? Quais danos a
falta de vnculo poderia causar ao seu psiquismo? Quais os efeitos da no vinculao, nos
casos de crianas institucionalizadas? Pode uma criana desfrutar de sade psquica sem
manter proximidade com sua me ou com algum que desempenhe a funo materna, isto
enunciada pelo notvel psiquiatra, psiclogo e psicanalista ingls, John Bowlby. Apesar
de sua longa e pormenorizada investigao, aqui sero destacados apenas alguns de seus
compreenso dos principais argumentos de sua teoria, evoluindo para o modo como a
710
prpria criana percebe o apego. Em seguida, trataremos da equivalncia entre apegos
coraes humanos: voc tem uma coisa que eu no tenho: uma famlia. De algum modo,
Pede-se vnia para uma citao biogrfica que, apesar de cirurgicamente reduzida,
Cambridge. No terceiro ano da sua licenciatura, interessou-se pelo que mais tarde
das relaes de apego. O contacto com uma obra de Konrad Lorenz desperta em
Bowlby o interesse pela etologia, onde vai procurar novas pistas e explicaes para
711
Humanas de Tavistock, onde trabalhou a tempo inteiro como clnico, professor e
clnicos, Bowlby em 1980 desenvolveu uma teoria sobre perda e luto, sendo
considerada uma das mais compreensivas sobre a resposta perda. (Oliveira &
Marques, n.d., p. 2)
Bowlby nos conta que, em 1950, fora convidado pela Organizao Mundial de Sade
para assessor-la na rea de sade mental de crianas sem lar (Bowlby, 1990, p. IX).
psiquiatria infantil e puericultura de seu tempo; uma de suas principais impresses foi o
alto grau de concordncia dos estudos, quanto aos princpios que regem a sade mental
das crianas, bem como quanto aos modos de salvaguard-la. Em seu relatrio OMS,
Bowlby formulou sua tese nos seguintes termos: O que se acredita ser essencial para a
Alm disso, nesse mesmo relatrio foi ainda mais especfico ao descrever as medidas
para a proteo da sade mental de crianas separadas de suas famlias (Bowlby, 1990,
aspectos que nos cabe analisar resumidamente so, doravante, no que consiste o apego
figura materna, e o conjunto dos males psquicos causados pela privao desta.
Quando da elaborao de seu estudo, John Bowlby constatou que seu colega James
712
prospectivo a partir de crianas. Robertson fizera uma investigao sistemtica do
estudo sobre esta e as demais relaes comuns do lar329, e sobre a complexidade dos
efeitos de todas essas privaes, certo que a psicopatologia considera a perda da figura
1990, p. XI).
como, sobretudo, suas paixes, isto , para que se delineie uma espcie de etologia330
humana, tem-se como cerne o estudo dos vnculos. luz da Teoria do Apego, diz-nos
formam entre si e com o 'mundo das coisas' de modo geral, , sem dvida nenhuma, o
329
Chamaram-se relaes comuns do lar quelas que o senso comum julga ocorrerem mais
frequentemente, a saber: fraternal, filial-paterna e filial-materna, conjugal.
330
O uso do termo Etologia, emprestado da zoologia, onde amplamente utilizado, deve-se a que inmeros
estudos analisem o comportamento humano tomando como uma das ferramentas de anlise o
comportamento de aves, mamferos e primatas. E a Teoria do Apego um desses estudos. Para mais
detalhes, sugere-se a leitura de: Bowlby, John. Ontognese do comportamento instintivo. In: Bowlby, 1990,
157-188.
713
A constituio dos elos afetivos essencial ao ser humano, particularmente nos
primeiros anos de vida (Berthoud, 1997, p. 27), pois a partir deles, sobretudo, que o
e interao social da me. Quanto aos bebs, to precoce o desvelar de seu impulso de
tpico de apego332 (Berthoud, 1997, p. 29), pelo qual buscam manter a proximidade com
perceptvel desde a gestao, pode ser rechaado, gerando afastamento constante, mesmo
averso a seus bebs, o que seria, segundo Berthoud, uma anomalia resultante de
preciso uma ressalva: ainda que somente na segunda metade do primeiro ano de
surgem as percepes fundantes vitais do vnculo. John Bowlby nos conta, por exemplo,
1990, p. 292). A psicloga e pesquisadora Ana Celina Albornoz cita uma percepo ainda
331
A noo de pessoa aqui corresponde a: o homem em suas relaes com o mundo ou consigo
mesmo (Abbagnano, 2007, p. 761). Isto , sendo a pessoa o humano em relaes, sem a integral
constituio dessas relaes no h pessoa humana, mas um ser despersonalizado, brutalizado.
332
Discorrer-se- mais satisfatoriamente sobre comportamento de apego em Autoadaptabilidade do
Comportamento de Apego.
714
pela me logo aps o nascimento, o beb sofre uma perda sbita de todas as suas
30).
Para Bowlby, essa tendncia formao de uma ligao social ntima necessidade
espcie. Deste modo, poderamos afirmar que somos, ou tendemos a ser, em considervel
de que o vnculo inicial possui grande poder psquico. Referindo-se a esses primeiros
715
atravs dessa relao cria estruturas internas que emergem do caos e o capacitam a atender
orientado ordem: o impulso vital para constituio de vnculo afetivo com uma figura
O beb vai sendo gerado por meio do vnculo gestacional; formado para o vnculo,
afirmado a si mesmo como humano, em seus primeiros meses de nascido, sob o vnculo.
O ato de nascer uma batalha entre vida e morte, uma experincia profunda na
por uma deciso do prprio feto, que determina a hora, no em que ser dado luz, e sim
Paulo (UNIFESP), ele (o feto) quem decide se est pronto ou no para nascer
De qualquer modo, mesmo nos casos em que se desconhea o elemento que d incio
ao trabalho de parto,
333
Segundo a pesquisadora Sonia Nunes, Apesar da existncia de vrias teorias explicativas sobre o
que d incio ao trabalho de parto, nenhuma delas foi comprovada cientificamente (Nunes, 2012, p. 17).
716
tempo bom no ventre materno. Ao nascer, de uma forma primitiva, a criana vive
uma ameaa de no-ser, que segundo o psicanalista Ren Spitz, se mostra como uma
Freud afirmou que o instinto de morte tem seu primeiro registro nesse momento
ao beb, pode mant-lo vivo, infere-se que aquele instante seja norteador para o recm-
nascido, no sentido de prov-lo, ao longo de toda a infncia, e para alm desta, de uma
O beb no s naturalmente dotado do impulso vital para o vnculo, mas ele assim
entende a experincia de vinculao: ela que a tudo d sentido, sentida e percebida vital.
afirmar-se que, para ele, desde sempre viver satisfatoriamente e ser ter as necessidades
continuamente supridas, o que consiste primariamente em ser mantido prximo de, e ser
estimado por outro vivo. Para Bowlby, so justamente esses os componentes da dade
saudvel me-filho:
(...) essencial para a sade mental que o beb e a criana pequena experimentem
qual ambos encontrem satisfao e prazer. Uma criana precisa sentir que objeto
parto como o grande sustentador da vida, esto entre as mais urgentes necessidades dos
334
O hipotlamo consiste em pequena regio enceflica, e est relacionado com a expresso de raiva,
comportamento sexual, prazer e medo (Kay & Tasman, 2002, p. 102).
717
bebs, bem como das crianas at oito anos de idade. A falta de cuidados maternos sujeita
(...) o risco ainda srio entre os trs e cinco anos de idade.... Aps os cinco anos, o
risco diminui ainda mais, embora no se possa duvidar de que um bom nmero de
pseudnimo C:
hospital onde nasceu com sua irm gmea. Ambas foram adotadas pelo mesmo casal,
mas aos 28 dias de idade, ainda hospitalizadas, C. perde a irm. Apesar de ser menor
Apesar da falta de qualquer registro oficial sobre a sua vida pr-natal, pelas
Eu tentava ajudar! Toda vez que ia at l, tentava ajudar! Levava roupas, mas
lavava. A casa era um lixo! No meio da cama tinha de tudo e ainda um cachorro
335
Eis o motivo pelo qual enfocamos em nossa pesquisa crianas at oito anos de idade.
718
em cima da criana... Quando ele saiu de l, ficou a marca dele na parede! A
marcazinha de suor na parede, porque o nenm ficou ali 6 meses, sem sair, sem
nada..
Eu acho que ele sofreu maus-tratos, porque umas pessoas que bebem, podem tratar
bem uma criana?... Os vizinhos diziam que a criana berrava de fome. Uma vez
disse: 'No' Pode ficar quieto, porque agora voc vai mamar s de noite!
saudvel, a me precisa sentir que pertence a seu filho (Bowlby, 1988, p. 73); isto : h
familiar sempre relatado como muito carinhoso e harmonioso (Berthoud, 1997, p. 113).
A., com dois anos e meio, uma criana extremamente risonha, alegre e bem
humorada... desde o incio da vida na famlia adotiva, A. foi muito bem aceito pelos
irmos adolescentes que, como diz a me, 'se sentem um pouco seus paizinhos
719
tivessem sido remetidas ao ambiente institucional? Alm das crises comuns s crianas
acolhidas em suas famlias, naturais ou adotivas, que outras mais as crianas em casas de
a essas perguntas, cremos seja preciso averiguar a equivalncia entre vnculo adotivo e
institucionalizao.
adotivo?
720
desenvolvimento do apego: suco, agarramento, acompanhar o outro com os olhos,
pessoas, mas responde amistosamente a qualquer pessoa que interaja com ele (Berthoud,
correspondncia ao sorriso:
para outro corpo carente.... Se lhe mostrado (ao beb) uma figura com a face
humana, ele tende a acompanhar com os olhos e sorri. Se for uma face real que sorri
para o beb, ele responder com um sorriso (Wondracek, Rehbein, & Cartell, 2012,
p. 52 [itlico nosso]).
quem seja sua me. Me aquela que se comporta como tal (Berthoud, 1997, p. 72).
parecem uma busca, uma tentativa, uma investigao que, por si s, deixa clara a no
presena de sua me biolgica, procura uma figura qual se apegar, evidencia-se que as
questes existenciais (O que sou? Para onde337 vou? Etc.) no lhe vm completamente
336
To regular esse fenmeno que ele foi chamado... de imprinting [gravao] do que significa ser
humano. Imprinting o processo pelo qual filhotes, logo que nascem, tm a prontido para seguir a me ou
at uma falsa me, identificando-se como membros daquela espcie (Wondracek, Rehbein, & Cartell,
2012, p. 53).
337
Esse onde no corresponde a uma localizao geogrfica, mas a um lugar de afeto, um quem.
721
respondidas de antemo; certas respostas lhe sero dadas por quem o adotar como filho
e a qualidade de seu vnculo. Para isto contam as fantasias e atitudes profundas dos
pais, e nos primeiros tempos sobretudo as da me, o que se verifica em todos os casos,
722
adotivos ou no. Como em qualquer relao entre pais e filhos, se os pais adotivos
Tanto quanto infundado o temor que ronda o imaginrio de pais adotivos, de que a
afetivo, ou apego.
dinamarqueses, conduziram em 1977 estudo que revelou que, no caso de homens adultos
adotados na dcada de 50, quando ainda eram crianas, comparando-se suas fichas
policiais com as de seus pais adotivos, e com as dos pais biolgicos, a maior taxa de
o eram, contra 12% quando os pais violentos eram os adotivos. Isto , 78% dos filhos de
pais biolgicos violentos no seguiram o histrico policial de seus pais, e 88% dos filhos
de pais adotivos violentos no o fizeram. Isto revela ser a herana gentica contribuinte
indivduo construda nos meandros de seu psiquismo, tudo isto tem seu lugar de influncia
na vida de filhos adotados. Contudo, dos fatores mencionados, a deciso individual parece
723
Uma questo primria quanto averiguao da equivalncia entre apegos natural e
adotivo: tanto mais cedo se estabelea o vnculo com a me adotiva, tanto menos se daro
(...) todos aqueles que tm experincias concordam com o fato de que um beb deve
um beb, que ele seja adotado logo aps o nascimento. (Bowlby, 1988, p. 116
[itlico nosso])
Esses distrbios, como veremos, podem-se originar muito prematuramente, o que poderia
fazer o beb parecer inadequado para adoo, por parte de alguns, isto : em tais
sero seus efeitos, pode-se inferir que, quanto mais cedo se apresentar ao beb a figura
qual ele possa se apegar satisfatoriamente, tanto mais estvel ser seu psiquismo.
Apesar dos dilemas implicados na adoo prematura, ela ainda , para bebs e pais
adotivos, uma via melhor que a institucionalizao. Ambos os grupos tero maior
338
Em seu relatrio OMS, Bowlby polemiza ao afirmar que as crianas se desenvolvem melhor em maus
lares do que em boas instituies.... Os responsveis por instituies s vezes no querem reconhecer que
as crianas estariam muito melhor mesmo em lares desfavorveis, quando esta a concluso dos assistentes
sociais mais experientes, com treinamento em sade mental, e fato j comprovado pelas evidncias.. O
724
porm, ao se falar de institucionalizao, esta equivalncia desce, como veremos, ao nvel
da privao radical.
Consequncias da Institucionalizao
modo pessoal, e com quem se sinta segura. Essa privao, especialmente danosa nos
primeiros oito anos da vida, equivale, segundo Bowlby, a um tipo de privao quase total
(Bowlby, 1988, p. 14). Apesar de haver outros diferentes tipos de privao materna339,
(...) entre as vrias formas de distrbio esto, por um lado, a tendncia para
mais sintomas, em diferentes graus e associaes, podem se manifestar. luz dos escritos
conceito de lar desfavorvel, para aquele pesquisador, consistia num tal em que, mesmo os pais
negligenciando seus filhos, ainda assim lhes proporcionariam precariamente: alimentao (talvez pssima),
abrigo, conforto na angstia, ensino de pequenas coisas. (Bowlby, 1988, p. 74)
339
Mesmo ciente da gama muito ampla de situaes em que a criana possa viver sob privao
materna, Bowlby cita trs grandes grupos: privao parcial suave, quando, mesmo vivendo em casa com
sua me, esta no lhe proporciona os cuidados amorosos suficientes ao seu bem-estar, ou quando, no
vivendo com sua me, a criana cuidada por uma me substituta na qual confia; privao parcial
acentuada, quando a me substituta estranha para a criana; e privao quase total, quando, em creches,
hospitais, instituies, a criana no dispe de uma pessoa determinada, que dela cuide de modo pessoal, e
com quem se sinta segura. (Bowlby, 1988, p. 14)
725
de Bowlby, este pesquisador percebeu a recorrncia de seis deles, isto , os que mais
avultaram durante a pesquisa, e que atingem ora bebs, ora crianas a partir dos dois anos,
desenvolvimento de qualquer deles nos primeiros oito anos da vida, perodo em que o
Incapacidade de Reao
renome,
desde a mais tenra idade... o beb que sofre privao pode deixar de sorrir para um
rosto humano ou deixar de reagir quando algum brinca com ele, pode ficar
fenmeno de autoidentificao por meio da face do outro, (neste caso, da figura de apego)
encontra no abrao e no olhar de sua me a prpria ordem csmica, na qual ele se sente
inserido e tem sua identificao confirmada (Wondracek, Rehbein, & Cartell, 2012, p.
53).
726
Se, como visto anteriormente, para o beb o vnculo que o mantm vivo, a no
vinculao se faria perceber como antecipao da morte, uma negao do seu prprio ser.
querer comer, tem sido tratada como um tipo de linguagem exclusiva dos humanos.
humano.
(...) do choro e do balbucio dos bebs mostrou que os que se achavam num orfanato,
que viviam com famlias, podendo-se notar claramente a diferena j antes dos dois
tanto em nvel motor quanto em nvel lgico. A pesquisadora portuguesa Ana Manuela
727
combinao de palavras e um menor nvel de linguagem espontnea, em comparao com
com sessenta e cinco crianas com cinco anos de idade, crianas seguramente apegadas
capacidade de comunicao (neste caso, a fala), e sua capacidade de aprender (QI) sejam
prejudicados.
peculiares, como, por exemplo, pouco contato com o mundo vasto e externo casa de
abrigo e, quando lhes permitido, tal acontece, geralmente, sob superviso e com vrias
limitaes sua liberdade de interao e contactos com outras pessoas (Pinheiro, 2011,
p. 11).
notvel que, quando a criana, beb ou no, deixa a instituio para ser inserida
materna por parte de bebs: O beb imediatamente fica mais animado e ativo; se
728
apresentava febre..., esta desaparece num perodo de vinte e quatro a setenta e duas horas;
uma casa de abrigo, mas num hospital, creio seja adequado mencion-lo; o problema-
superficial.... Quando foi examinado, vinte e quatro horas aps voltar para casa,
estava vocalizando e sorrindo. Embora sua dieta no tivesse sido alterada, comeou
imediatamente a engordar, e, no final do primeiro ano, seu peso estava bem dentro
impulso para o apego ser motivado pela necessidade de satisfao de uma pulso
libidinosa, ou, ainda, pela necessidade de nutrio, como o diriam certas correntes
mal-estar existencial.
340
No artigo Psicanlise e teoria da vinculao, os pesquisadores portugueses Ferreira e Pinho, referindo-
se a uma das divergncias entre a Teoria do Apego e certas correntes psicanalticas, citam Charman:
Contrariamente TV [teoria da vinculao, ou apego], que apresenta a vinculao como a necessidade
fundamental dos humanos, a base fundamental da teoria psicanaltica o determinismo psquico que
acredita que a gnese de todos os problemas psquicos determinada por processos inconscientes. Para esta
teoria a criana se vincula com a me para que esta o alimente. No entanto, para a TV, uma criana bem
nutrida que seja privada do afecto dos cuidadores no tem sucesso no seu desenvolvimento e pode mesmo
morrer (Charman. In Ferreira & Pinho, 2009, p. 9).
729
vital o sentimento de pertena mtua entre me e filho(a), para que a criana se
sinta dirigindo-se a algum que de igual modo a deseja. A criana institucionalizada, por
mais que procure a figura especfica que lhe proporcione ateno e proximidade pessoais
A criana desapegada, vivendo sem a relao prazerosa constante com uma figura
no lhe ter sido dado o suporte de segurana para que ela se lanasse descoberta do
mundo sua volta, nem apenas porque no houve ao participativa da figura de apego
730
criana busca no ser inteligente, evita pensar, para no conhecer contedos dolorosos e
pensar sua prpria histria no estar aberta a investigar as verdades da vida (Albornoz,
2006, p. 36).
que a criana institucionalizada frequentemente ter, de no ser bom pai ou boa me.
como se sente um garoto de seis anos que fica confinado num hospital por trs anos.
nenhuma segunda figura materna cruzou o meu caminho e, de fato, eu no era, ento,
731
fato de tornar-me excessivamente intolerante diante de minhas prprias falhas em
outras pessoas, e , portanto, uma ameaa minha relao com meus prprios filhos
Um garoto de seis anos que fica confinado num hospital por trs anos, ao entrar
na fase adulta ainda percebe que sua vida est sob constante ameaa: a interdio de sua
Consideraes Finais
institucionalizao, elas tenderiam a assumir com erro: Se eu estou aqui, sem me,
porque no mereo!
Se, como visto, por exemplo, no efeito ora elencado, trs anos de
satisfatrio, seja ele natural ou substituto? A questo da infncia abrigada merece lugar
732
No dizer de Bowlby, toda criana precisaria ser recebida, sentir que desejada por
Referncias
Arajo, Paulo Afonso. (2007). Nada, angstia e morte em Ser E Tempo, De Martin
Editora Universitria.
Bowlby, John. (1988). Cuidados maternos e sade mental. So Paulo, SP: Martins
Fontes.
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Levinzon, Gina K. (2004). Adoo (Coleo Clnica Psicanaltica). So Paulo, SP: Casa
do Psiclogo.
733
Narloch, Leandro. (2002). Tal pai, tal filho? Recuperado de:
http://super.abril.com.br/ciencia/tal-pai-tal-filho-443509.shtml
http://gaius.fpce.uc.pt/pessoais/mccanavarro/pdf/trabalhos/principais_autores/John%20
Bowlby%20sd.pdf
Wondracek, Karin H. K., Rehbein, Mattew L., & Cartell, Letcia N. (2012).
734
NOTAS SOBRE A ONTOLOGIA FREUDIANA
E-mail. ligiadurski@usp.br
quais seriam as caractersticas bsicas que tornam possvel dizer que algo, algum ou
evento, . Tambm, considerando que uma ontologia do ser humano designa uma
concepo daquilo que comum a todos os homens, que define o ser do homem,
hipteses deveriam demonstrar concordncia com seus achados clnicos e, pela profunda
coerncia dessas hipteses, ainda hoje a ontologia do homem contida na obra freudiana
no foi refutada. Assim, este trabalho pretende apontar algumas referncias que auxiliem
341Psicloga, bacharel em Psicologia pela Universidade Federal do Paran (UFPR), mestre em Psicanlise pela
Universidade Federal do Paran (UFPR) e doutoranda em Psicanlise pela Universidade de So Paulo (USP), sob a
orientao do Prof. Dr. Gilberto Safra.
735
da especificidade de alguns apontamentos acerca das dimenses tica e esttica contidas
nesta obra.
Abstract: Considering that, in short, an ontology is the attempt to answer what are the
basic features that make possible say something, someone or event is. Also, considering
that an ontology of the human being means a conception of what is common to all men,
that defines the being of man, throwing him to certain outcomes destination. Then
subtended to the constructions, deductions, inferences and assertions about the Freudian
sought resolutely avoid hypotheses and assumptions, clearly pursuing the recognition of
reality. However, inevitably, Freud also had to establish hypotheses concerning the man`s
peculiar characteristics that justified the evidences of man`s mental organization. Such
assumptions should demonstrate compliance with the clinical findings and, for the
inherent consistency of these hypotheses, still the ontology of man contained in Freud's
work was not refuted. Therefore, this paper intends to point out some references that help
us to limit the ontology of man subtended in Freud's work, especially from the specificity
of some notes about the ethical and aesthetic dimensions contained in this work.
736
Introduo
teorizaes acerca do fazer clnico. Freud ser, pois, um dos interlocutores de minhas
etapa.
Para situar o leitor, vale uma breve descrio de meu percurso. Ao longo de minha
trajetria clnica e acadmica, ficou claro para mim que a direo do tratamento subtende
um posicionamento tico do analista, quer ele tenha ou no clareza desse fato. Neste
sentido, a busca da clareza sobre meu prprio posicionamento tico na clnica tornou-se
progressivamente premente, pois notei que isso significava a base que sustentava minha
exemplo, mais material de articulao surgia para pensar a prtica. Quanto mais eu me
debruava sobre dado caso clnico, mais associaes com a teoria se abriam e assim
342
Para saber mais, ver em: DURSKI, L. M. (2011) Entre o Psquico e o Somtico Um estudo, a partir
das obras de Freud e Winnicott, sobre os limites e as possibilidades da clnica psicanaltica.
Dissertao de Mestrado, orientada pela Prof. Dra. Nadja Nara Barbosa Pinheiro. Universidade Federal do
Paran (UFPR).
737
hospital geral, eu indagara, na poca, especificamente acerca das relaes entre corpo
orgnico e aparelho psquico. Tal seleo de indagao, por assim dizer, se impusera a
mim pela especificidade dos casos que eu atendia e tambm pelo fato de que para avanar
conseguia organizar minha compreenso das relaes entre tpica, dinmica e economia
psquica.
clnica, que inevitavelmente eu supunha uma ideia de sade psquica que no me era clara,
prpria existncia, de viverem uma vida sem sentido, mortificada, por assim dizer.
Ficava a cada atendimento cada vez mais evidente para mim uma dor existencial
especifica que aponta, numa perspectiva mais ampliada, para fatores que prejudicam o
devir humano e que pode ser descrita de uma forma mais ou menos organizada da seguinte
Parecia que a clnica comeava a deixar mais evidente para mim um tipo de sofrimento
subjetivo que pode assolar o humano na sua possibilidade de experinciar a prpria vida,
738
de sentir-se existindo, de sentir que se . Tal sofrimento marcava uma confuso e um
dilema entre, por um lado, existir significar pertencer e, por outro, significar diferenciar-
se.
Mas, afinal, o que esse ser do humano que o circunscreve numa comunidade
de destino comum a todos os humanos? Ora, essa uma pergunta sobre a ontologia do
a prtica pressupe uma concepo de sade que, por sua vez, pressupe uma tica que,
por sua vez, pressupe uma ontologia. E, para complicar um pouco mais esse quadro, esse
necessria do como organizar essa direo no caso a caso. Seria o mesmo que o analista
fazer uma interpretao correta, na hora errada ou fazer uma interpretao errada e no
denunciavam a partir da sensao de no sentir que viviam a prpria vida, estava algum
trata-se, pois, de uma questo crucial no sentido de refletir sobre alguns determinantes
que prejudicam (ou mesmo impedem) o devir humano. Assim corroborando com alguns
ditos de Winnicott, da sua concepo de sade estar sustentada no que ele refere sobre a
relaes entre criatividade e ontologia do devir humano, uma vez que a clnica e os
739
autores/interlocutores aos quais me referencio a saber, Freud, Ferenczi e Winnicott
de processos criativos?
Pois bem, com tais indagaes em mente, um percurso de estudo entre estes
quais seriam as caractersticas bsicas que tornam possvel dizer que algo, algum ou
evento, . Uma ontologia do ser humano designa, neste sentido, uma concepo daquilo
que comum a todos os homens, que define o ser do homem, lanando-o a determinados
desfechos de destino.
740
com seus achados clnicos e, pela notvel coerncia dessas hipteses, ainda hoje a
pelo autor. Ou seja, priorizarei a articulao desenvolvida por Freud acerca da teoria
pulsional por acreditar que esta evidencia algumas importantes peculiaridades de sua
Pois bem, Freud realiza ao longo de sua obra o exerccio rduo de identificar em
quais categorias gerais poderamos localizar as foras que subjazem ao organismo vivo.
No incio de sua clnica com pacientes histricos, fazendo uso da tcnica de hipnose e
poderia ser nomeado de economia psquica, que tinha por base buscar prazer e evitar o
desprazer. Assim, Freud notou uma tendncia do ser humano, desde tenra idade, a
diferenciar estas premncias entre internas e externas. Com relao s foras internas,
trabalho [feita] ao psquico em consequncia de sua relao com o corpo (Freud, 2004a,
no que tange questo da economia psquica, Freud demonstra claramente em seu texto
a base de reaes presso pulsional. Ou seja, isso indicaria que a formao do aparelho
741
para Freud o devir humano, subtendido na constituio psquica do homem, sustenta-se
por volta de 1915 que a primeira teoria pulsional freudiana fica estabelecida.
Neste momento da obra, podemos ver Freud concluir que as foras no mais divisveis
que impelem a existncia so Fome e Amor, Ananke e Eros. Freud caracteriza assim a
diferena basal entre pulses do Eu e pulses sexuais, sendo que as primeiras pulses
No entanto, Freud ponderou que o prprio Eu pode ser tambm objeto de investimento
clnica, Freud comeou a verificar uma dualidade ainda mais original das foras operantes
Em 1920, Freud ento escreve que (...) h duas espcies de processos opostos
dupla tendncia entre destruio e construo, entre unir e separar, levou Freud a propor
sua segunda teoria pulsional: a dualidade entre pulso de vida e pulso de morte. Deste
modo, fica estabelecida na obra freudiana o fato de que subjaz a toda manifestao
humana uma dupla tendncia entre pulso de vida e de morte, estando estas fusionadas
343
Em suma: A psicanlise, que no tinha como trabalhar sem formular alguma hiptese inicial sobre as pulses,
ateve-se inicialmente popular diferenciao das pulses que responde pela frmula emblemtica de fome e amor.
Ao faz-lo, estvamos ao menos evitando enveredar por mais uma definio arbitrria qualquer; ademais, esta distino
teve flego para nos servir por um bom tempo e permitiu um avano significativo na anlise das psiconeuroses. Claro
que o conceito de sexualidade e, por consequncia, o de pulso precisaram ser ampliados e acabaram incluindo
muitos aspectos que no se limitam funo de reproduo. (...) Ademais, nossa concepo desde o incio sempre foi
dualista, e hoje, quando os termos opostos no so mais designados como pulses do Eu e pulses sexuais, mas como
pulses de vida e pulses de morte, ela ainda mais rigorosamente dualista do que antes. (Freud, 2006a, p. 174).
742
(...) no mbito psicanaltico, temos de supor que, de algum modo, os dois tipos de
Especialmente entre 1920 e 1924, quando da escrita dos textos Alm do Princpio
de morte.
tenso, Freud demonstra certa dvida sobre situar o princpio de prazer s pulses de vida
ou s pulses de morte. Alm disso, outro ponto que deixava a contextualizao freudiana
ainda mais contraditria era o fato de haver aumentos de tenso sentidos como prazerosos
e redues de tenso sentidas como desprazerosas. Pois bem, com estas contrariedades
em mente, em 1924, Freud nos oferece o seguinte resumo sobre esta perspectiva
outro do poder. Alis, em geral, eles sabem conviver bem uns com os outros,
qualquer modo, penso que fica claro que o princpio de prazer indubitavelmente
p.107).
743
Freud ento diferencia princpio de Nirvana e princpio de prazer pela diferena
necessariamente havendo a uma relao direta entre prazer ser sinnimo de reduo
tensional. A pulso de morte, com sua tendncia a separar, destruir e buscar a inrcia,
estaria ento expressa no princpio de Nirvana, enquanto que a pulso de vida, com sua
prazer.
(...) tivemos de nos dar conta de que, no curso do desenvolvimento dos seres vivos,
retorno morte, morte muitas vezes igualada, por Freud, a um estado inorgnico ou a um
estado de inrcia. A est uma clara hiptese de Freud - diferente de uma deduo ou
inferncia, note-se - pois suposies sobre o que ocorre antes do nascimento e aps a
morte justamente o estado entre enigmas no qual todo ser humano est fadado.
744
A questo central aqui a suposio de uma ontologia do ser humano baseada
num funcionamento reativo que evidencia uma constante luta e anseio de fuga do prprio
constante e ao mesmo tempo objetivar a cessao dessa presso, Freud declara algo como:
freudiana, uma pergunta especfica desponta: subentender o homem como um ser de ao,
um ser de reao ou de ambos ao mesmo tempo tem quais consequncias? Uma hiptese
construo, desconstruo e/ou manuteno das bases que sustentam o ser do homem.
Ora, se uma hiptese ontolgica repercute no campo da tica preciso avaliar, pois, no
na direo do tratamento.
relaciona com modos de ser ou carter. Tal palavra significava para os gregos a
morada do homem, a especificidade de sua natureza. Ora, se a tica diz sobre os modos
que deflagram o ser, tais campos fazem interseces. Hipotetizar uma ontologia do
homem incidir no campo da tica na medida em que se cria a partir de tal hiptese um
ideal e uma visada que perpassa a distino do normal e o patolgico e do bem e do mal,
745
na existncia humana. Desta forma, uma ontologia significa a base que sustenta um
posicionamento tico.
ressaltar que enquanto o campo da moral composto pela estipulao das regras vigentes
pressupostos morais. Assim, possvel ser tico e moral ao mesmo tempo, embora no
definia como a visada da clnica psicanaltica. Com isso, buscando clareza na exposio
da questo, podemos destacar duas proposies freudianas que circunscrevem o que visa
Eu advir. Vejamos ento alguns apontamentos sobre esse objetivo clnico do tornar
atravs de suas palavras e seus atos conscientes. (...) Ao serem identificadas suas
746
Contudo, nesta data, sete anos aps a publicao da Interpretao dos Sonhos, a
clnica de Freud comeava a indicar de uma maneira mais clara e consistente que o
perspectivas seus dilemas e conflitos psquicos e, assim, galgar alguma abertura um pouco
mais livre de seu circuito sintomtico para estabelecer o desfecho, novo ou no, que daria
Portanto, no mesmo texto acima citado, Freud avana e pondera que [O mtodo
psicanaltico] no se limita a esses dois aspectos tornar consciente o que foi reprimido
tipo; que constituem um substituto para aquelas coisas que [o paciente] esqueceu.
Que tipo de material pe ele nossa disposio, de que possamos fazer uso para
si mesmos, mas via de regra seriamente deformados por todos os fatores relacionados
formao dos sonhos. Se ele se entrega associao livre, produz ainda ideias em
afetivos recalcados, bem como das reaes contra eles. (...) Nossa experincia
747
dessa matria-prima se assim podemos descrev-la - que temos de reunir aquilo
Espacialmente na prxima citao fica ainda mais claro que a revelao dos
esquecidas. Estes trechos foram extrados do texto Recordar, Repetir e Elaborar (1914)
inconsciente, mas avana no sentido de propiciar ao paciente a questo sobre o que fazer
com Isso344.
nome poderia no resultar em sua cessao imediata. Deve-se dar ao paciente tempo
para conhecer melhor esta resistncia com a qual acabou de se familiarizar, para
mdico nada mais tem a fazer seno esperar e deixar as coisas seguirem seu curso,
est conduzindo o tratamento segundo as linhas corretas. (...) Esta elaborao das
resistncias pode, na prtica, revelar-se uma tarefa rdua para o sujeito da anlise e
uma prova de pacincia para o analista. Todavia, trata-se da parte do trabalho que
344No subitem 2.1.2, quando trabalhar-se- a questo da direo do tratamento a partir da perspectiva freudiana do Wo
Es war soll Ich werden [Onde o Id estava, deve o Eu advir] (Freud, 1933 [1932]), ser esclarecido o porqu de termos
colocado a palavra isso, com i maisculo. Mas j podemos adiantar que trata-se do Id da segunda tpica freudiana.
748
efetua maiores mudanas no paciente e que distingue o tratamento analtico de
tratamento proposta por Freud. A simples revelao do contedo recalcado - ou, como
clnico para que o paciente, em seu ritmo, se convena do poder dos impulsos
inconscientes e recalcados. preciso esperar para que o paciente, em seu prprio tempo,
elabore e conquiste a capacidade de criar novos desfechos para seus dilemas psquicos
decorrente deste.
de sua compulso repetio. H, porm, outro fator em jogo numa anlise alm desse
dar-se conta de que repito ativamente justamente aquilo que resulta em meu sofrimento
que : o que fao com isso? Deste modo, a anlise desafia as antigas solues sintomticas
outro, suspende a muleta do sintoma e desafia o paciente a criar novas formas de caminhar
sem precisar estar necessariamente preso a tal muleta. Assim, a tica freudiana parece
um descobrir-se.
749
A outra proposio freudiana destacada o Wo Es war soll Ich werden [Onde o
Id estava (era), deve o Eu advir (ser/estar)] (Freud, 1933 [1932]). Especialmente no que
se refere ao dever [soll] contido na frase destacada, podemos inferir uma premissa tica
da clnica para Freud. Aqui, preciso relembrarmos a descrio de Freud acerca de sua
tpica347. Vale ressaltar que a primeira tpica (sistema Ics, Pcs e Cs) no fora totalmente
Pois bem, quando da passagem da primeira para a segunda tpica, uma questo
e da formao do Eu: afinal, se o Eu no uma instncia dada a priori, se ele precisa ser
formado, o que h antes da formao do Eu? A est a abertura para o que fora nomeado
por Freud de Id. preciso ateno cuidadosa sobre este ponto, pois se a direo da
clnica est no Wo Es was soll Ich Werden, podemos afirmar que a esse Id que existe
obviamente no pode ser desconsiderado para pensarmos a clnica. Mas o que o Id? Ora,
h um ncleo indiferencivel, por assim dizer, que implica que o beb tudo e nada
ao mesmo tempo temos aqui o que Freud nomeou de identificao primria, uma
345 A ttulo de curiosidade: o pronome Id, em alemo (Das Es), designa sujeito oculto ou indeterminado. Esse
pronome geralmente usado em frases como: Es blht (floresce). J o pronome alemo Eu (Das Ich) tem a mesma
forma da primeira pessoa do singular do portugus, ou seja, sujeito determinado. O Id seria, portanto, como que o
beb que no sabe que um beb. Esse beb j sujeito, j algum, mas algum oculto a ele mesmo (ele algum
para a me, por exemplo). Alm disso, veremos que para que haja um sujeito definido (o Eu), invariavelmente esse Eu
precisar do pano de fundo do sujeito indefinido (o Id). Em outras palavras, o Eu o outro do Id e o Id o outro do
Eu. (Comentrios do editor. In: Obras Psicolgicas de Sigmund Freud. Editora: IMAGO, So Paulo-SP, 2007, p.20 e
segs.).
346 Optamos aqui pela nova traduo do antigo Superego , por Supra-Eu (ber-Ich), porque em alemo essa palavra
conota uma idia de "estar acima", "sobreposto", do que de um super Eu, como um "Eu mais poderoso". O Supra-Eu
guarda a conotao em alemo de "um Eu que paira acima de outro Eu". Estando tambm de acordo com a traduo
francesa do Surmoi (Sobre-Eu). (Comentrios do Editor. In: Obras Psicolgicas de Sigmund Freud. Editora: IMAGO,
So Paulo-SP, 2007, p.20 e segs.).
347 Neste ponto preciso considerar que o leitor j tenha alguma familiaridade com a teorizao das tpicas freudianas.
750
identificao direta e absoluta entre o beb e o mundo que o cerca (Freud, 2004b). Mas
ento como seria possvel ao Eu advir no Id, o Eu que delimita, separa, diferencia,
categoriza, etc. e que tem como ncleo de sua formao justamente o corpo, o qual
indiferenciao?
Realidade.
comum (Freud, 1895), conquistar certo grau de capacidade de trabalho e amor (1912)
ou atingir algo como uma liberdade possvel nas relaes entre Eu, Id e Supra-Eu e
diante das exigncias dos trs princpios implicados no funcionamento psquico (de
visada clnica.
no. Estar convicto de que algo opera dentro de ns, s expensas de nossa conscincia e
saber-se incompleto nesse lugar que opera a conscincia de qualquer saber, havendo a
751
De qualquer maneira, um ponto fica um pouco mais claro a partir do
correlaciona-se diretamente uma eterna abertura ao devir, abertura essa deflagrada com
prprio circuito pulsional no paradoxo entre exercer presso constante (abrir) e objetivar
a cessao da presso (fechar). O sintoma significa ento uma priso, uma paralisia
se ele tivesse disposio infinitas cores de tinta para pintar a vida, porm s lhe
parecesse acessvel uma nica cor. Embora seja bastante claro que a realidade muitas
vezes impede o acesso a certas cores de tinta, os impedimentos internos exercem uma
paralisia frequentemente mais drstica que a prpria realidade pode vir a infringir.
abertura ao devir? ela uma forma de referenciar a caracterstica bsica, ou uma das
caractersticas bsicas, que tornam possvel dizer que o homem . nessa abertura para
o devir que sustenta-se a ontologia humana? De fato, se sim, seria mesmo lgico que
mortifica/paralisa, assim, a prpria vida. Faria, pois, parte da ideia de sade, para a
A partir do exposto, tudo indica que podemos inferir no ser do homem um lado de
reao, mas, tambm, um lado de criao, um campo aberto para tal. Campo que parece
gerar desamparo, pois, por ser aberto, no propicia ancoragens a priori, mas uma
752
Parece que o ser do homem refere-se a uma liberdade que se sustenta, paradoxalmente,
depor a favor de uma anterioridade da inrcia, muitas vezes gerando dvidas sobre se o
tempo. Atentemos, pois, dimenso esttica da clnica, para continuarmos esta tentativa
manejo da transferncia.
caractersticas tais como: som, luz, tempo, cinestesia, espao, ritmo, afetos, sentimentos
esttica da clnica, nos preocupamos, portanto, com o que sente o paciente, alm do que
evitados. Seria mais correto dizer que a represso age sobre sentimentos, mas s
753
nos apercebemos destes atravs de sua associao com ideias. (Freud, 1976b,
p.55).
Pois bem, tal preocupao com a dimenso esttica da clnica no sem sentido,
inconsciente pelo paciente. Freud, no seu conhecido texto sobre os chistes, faz a seguinte
Alguns pontos importantes podem ser destacados: a) uma relao entre liberdade
esttica e contemplao ldica; b) uma relao com o objeto pautada na satisfao por
sua simples contemplao; c) uma relao especifica entre atitude esttica, ldico e
Seria preciso, pois, verificarmos melhor essa correlao entre a dimenso esttica
e o campo ldico348. Freud, ainda neste mesmo texto, aponta que a habilidade dos chistes
348Certamente, quando chegar a etapa de estudo da obra de Winnicott, prevista para a elaborao da minha tese de
doutorado, a reflexo sobre a dimenso esttica e o brincar ser significativamente enriquecida.
754
em brincar com diferenciaes e indiferenciaes entre coisas a princpio semelhantes ou
aos homens ocorra a ideia de exercerem essa capacidade por ela mesma isto ,
possua a abrangente importncia que lhe foi atribuda por Aristteles. (Freud,
1976a, p. 144).
Alm disso, Freud revela que (...) os sonhos servem predominantemente para
evitar o desprazer, os chistes para a consecuo do prazer; mas para as duas finalidades
convergem todas as nossas atividades mentais. (Freud, 1976a, p.205). Podemos ento
perceber que, enquanto que no chiste h uma ao positivada que leva a um prazer
Notamos que Freud demonstra certa diferena entre uma tendncia psquica de
psquico exclusivamente pela via de formaes reativas como parecia ser sua tendncia
em outros textos.
Podemos concluir que a questo do prazer esttico incide em algo como sentir
ludicamente a vida. Essa referncia direta que Freud faz entre a dimenso esttica e o
755
ldico aparece, alis, em vrios momentos de sua obra. Eis outro trecho com esta
referncia:
Existe uma outra circunstncia que nos leva a examinar por mais alguns instantes
brincar, aps forar-se por algumas dcadas para encarar as realidades da vida
com a devida seriedade, pode colocar-se certo dia numa situao mental em que
mais uma vez desaparece essa oposio entre o brincar e a realidade. Como adulto,
pode refletir sobre a intensa seriedade com que realizava seus jogos na infncia;
de criana, pode livrar-se da pesada carga imposta pela vida e conquistar o intenso
Seguindo esta ltima citao, podemos asseverar que a dimenso esttica que
estamos circunscrevendo aqui diz ento de uma perspectiva qualitativa da vida e das
vivencias de dado indivduo, de um como se pode viver a vida. Esse como se vive a
vida revela uma manipulao, por assim dizer, da forma pela qual um indivduo pode
experienciar sua relao com a realidade exterior. Ou seja, diz de uma plasticidade de
No texto O Humor (1927), Freud deixa claro que esse como se vive a vida, a
atitude esttica para com ela, se pauta especialmente nas relaes entre o Eu e o Supra-
Eu, na especificidade daquilo que o Supra-Eu construiu acerca do Ideal-de-Eu, das regras
compreender melhor a atitude esttica de dado indivduo para consigo e com o mundo.
756
Assim, no que se refere dimenso esttica da atitude humorstica e o campo de
apresentado num estado de esprito afvel. (Nota do Editor, 1950 [1927]). Assim sendo,
o que podemos notar de maneira bastante clara neste texto certa liberdade desse
que para alm dos fatores da realidade, h, em maior ou menor grau, um campo de
Pois bem, como podemos ento pensar a articulao dessa dimenso esttica no
manejo da transferncia? Uma vez que pudemos observar que esta dimenso est
claramente subtendida nas relaes que qualquer indivduo vivencia - pois o carter de
vivncia das relaes (nas tenses e distenses entre as instncias psquicas e entre o
de maneira tangvel numa anlise. nesse espao entre analista-analisante que o como
preocupao com a sensibilidade do analista para julgar suas aes. No entanto, fato
que Freud no discorreu ao longo de sua obra de uma maneira muito esquemtica sobre
com o que o analista no deve fazer numa anlise (haja vista os textos da tcnica) e
sua prtica. Apesar disso, muito se pode inferir a respeito dessa questo da implicao da
757
dimenso esttica na direo do tratamento. Freud, nesse sentido, ao apoiar-se no
questo.
estar convicto do inconsciente seria como que a certeza de uma eterna incerteza. Deste
aberto ao devir que, por mais que os sintomas objetivem certo fechamento/estancamento
Podemos notar que com relao dimenso esttica e a obra freudiana, pouco
foi assinalado. No entanto, importante sublinhar que essa dimenso diz desse como
subtendido ao fazer clnico e a uma margem de manobra, por assim dizer, e num sentido
prpria vida. Sendo que essa margem de manobra existe na exata medida dessa eterna
podemos circunscrever que Freud pressupe ento uma ontologia dupla do devir humano,
por assim dizer. Essa ontologia dupla presume o homem como se constituindo
entanto, Freud demonstra, tambm e paradoxalmente, o ser humano com uma eterna
abertura ao devir, evidenciando, assim, o homem como um ser que afetado e constitudo
pelo meio, mas que tambm afeta e constitui esse mesmo meio. Um ser, pois, reativo e
criativo ao mesmo tempo e em maior ou menor grau pendendo para um destes lados,
758
dependendo do caso a caso. Sendo que, no mbito da clnica, Freud aponta uma
concepo de sade e de direo do tratamento que prev como que um equilbrio entre
excessivamente paralisado.
Referncias
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Completas de Sigmund Freud, vol. XXIII. Editora; IMAGO, Rio de Janeiro, pp.198-
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PSTERES
761
O AMOR SOB A TICA FENOMENOLGICA-EXISTENCIAL
Thiago de Almeida
Desenvolvimento da Personalidade
E-mail: thalmeida@usp.br
percebido como um mero acaso. Para alguns autores fenomenolgicos, observa-se que
pessoa que amada estar o tempo todo em contato com elementos atrativos do outro, e
isso poder fortalecer, ou no, o amor que experincia. E, ao ter uma vida a dois, o casal
passar a ser uma s unidade, ou seja, um ser-junto em essncia. Dessa forma, pode-se
passar a enxergar o ser amado de uma maneira mais completa ao respeitar os seus aspectos
subjetivos e os tornar tambm partes integrante de si. Nesse sentido, alguns autores da
relao com o seu amado, agindo com liberdade e com todo nosso potencial criativo.
Neste sentido, este trabalho buscar mostrar a aplicao da viso fenomenolgica acerca
Sartre e Lvinas.
inter-relao Eu-Tu.
762
THE LOVE ACCORDING
Abstract: The phenomenology has an understanding that love is something built in the
and looking for some elements to understand the loved one. The meeting between lovers
is not perceived as a mere chance. Some phenomenologists observed that both partners
made dyad suffer influences this loving bond. The person who is loved is all the time in
contact with attractive elements of the other, and this can strengthen or not the love
experience. And to have a life together, the couple become a single unit, that is, a being-
together in essence. So, you can go to see the loved one of a more fully to respect their
subjective aspects and make also integral parts of each other. Thus, some authors of
phenomenology, understand that when one loves, this person is in constant seek for
meanings in the relationship with his loved one, acting freely and with all our creative
potential. In this sense, this study will show the application of the phenomenological view
about romantic love based on conceptions of authors such as Husserl, Scheler, Sartre and
Lvinas.
relation.
Consideraes iniciais349
O amor precisa ser entendido como vontade, como a vontade que quer que o amado
349
Agradeo ao Prof. Dr. Renato Nunes Bittencourt (Departamento de Filosofia - Universidade do Estado
do Rio de Janeiro UERJ) pela a leitura do manuscrito e por suas contribuies nele contidas.
763
O termo "amor" utilizado livremente no cotidiano. H muitos sculos, diferentes
ainda, um consenso e, talvez, nunca haja uma definio do fenmeno amoroso capaz de
captar sua essncia, dadas sua diversidade e subjetividade. Logo, o amor, enquanto um
fenmeno passvel de ser estudado, no se permite esquadrinhar por quaisquer que sejam
induz a nos aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente amor,
(...) o amor uma tentativa de penetrar em outro ser, mas s pode ser realizado
sob a condio de que a entrega seja mtua. Em todos os lugares, difcil este
vnculo afetivo-sexual com algum, sendo tida, por muitos, como um objetivo a ser
perseguido, ou como a nica forma de alcanar a felicidade. Nesta acepo, o amor leva
(Hintz, 2008). Ademais, tanto Almeida e Oliveira (2007) como Braz (2006) defendem
que o amor a condio fundamental para que a pessoa se realize plenamente enquanto
desenvolvimento de relaes sociais. Mas que fenmeno esse que possibilita a pessoas,
764
at ento desconhecidas uma da outra, se aproximarem e expressarem o desejo de
Certa vez, Hunt (1974) afirmou: amor , sem dvida, palavra mercurial; embora
vejamos claramente onde ele se encontra, basta encostar o dedo nele para descobrir que
(2007) considera que o termo amor tem uma elasticidade impressionante (p. 7), e
mais justo (p.11), de modo que seu uso acontece segundo as possibilidades mais
idiossincrticas.
amor uma das mais complexas e desafiantes tarefas da Psicologia, dada a abrangncia
de sua dimenso na vida das pessoas e uma vez que compreende uma vasta gama de
humano.
ou atitude que reformula o entendimento a respeito dos fenmenos humanos, tais como a
inter-relao entre eles. A fenomenologia prope a compreenso do mundo tal como ele
aparece para nossa conscincia, sem que faamos juzos de valor acerca do mesmo, isto
, o retorno s coisas mesmas, tal como proposto por Husserl (1973), seu criador. Por
avaliao humana, pretende observar os fatos em sua pureza original, tal como pode ser
ao final de sua obra, Husserl (2012) passa a questionar os limites desta pretenso,
765
O conceito de Lebenswelt, tambm conhecido como mundo da vida ou mundo
constituindo-se como um fio condutor de suas ideias. Segundo o criador desse conceito,
originrias, para o qual o cientista deveria se voltar para verificar a validade de suas
idealizaes, de suas teorias, posto que a cincia interpreta e explica o que dado
imediatamente neste mundo da vida (Husserl, 2012). De acordo com Messas (2014), o
e que nos constitui e nos circunda, ou seja, o mundo pr-reflexivo dos fenmenos
subjetivos, antes de serem pensados pelo pensamento discursivo. Neste sentido, de acordo
Almeida e Oliveira (2007) apontam que, embora pairem muitas dvidas a respeito
do que seja o amor, nunca se deixou de falar dele. Atualmente, nos mais diferentes
aos indivduos que as formulam, mas, tambm, a muitos psiclogos, mesmo queles
interpessoais amorosos (Almeida & Vanni, 2013). Uma das dificuldades neste mbito de
766
ignora as penalidades e vicissitudes pelas quais passamos quando os experimentamos.
Portanto, pensar a respeito do amor e da paixo nos coloca frente a esses fenmenos que
conhecemos desde a mais tenra idade, com os quais crescemos e que experimentamos
reflitamos sobre as concepes que ele pode assumir (Almeida, 2013; 2014).
aspiraes. Mas o amor no um sentimento simples. Quando se diz que se ama uma
pessoa, pretende-se expressar, com isso, uma srie de atributos desta experincia,
revelando-lhe: que a desejamos, que a idealizamos, que ela nos diverte, que dela
queremos estar prximos, que dela cuidamos e com ela nos preocupamos, bem como que
ela constitui uma prioridade na nossa vida (Bradbury & Karney, 2010).
a) O amor em Husserl
alemo que estabeleceu a escola da Fenomenologia. Ele buscou romper com a orientao
sua poca, embora acreditasse que a experincia vivida a fonte de todo o conhecimento.
767
No incio do sculo XX, a Fenomenologia foi considerada um movimento
questes da vida (Introna, Ilharco, & Fa, 2008), tais quais o ser, a existncia, a
Foi denominada por Husserl como a cincia da cincia (Wissenschaft von der
(Kockelmans & Kisiel, 1970, p.5), na medida em que se apresentava como uma teorizao
fundamentos ltimos.
estendido por Heidegger (Introna, Ilharco, & Fa, 2008), tendo aquele definido as fases
desenvolveu, de uma forma mais exaustiva e completa, a anlise feita em cada uma das
fases, ao nele introduzir a hermenutica, a arte da interpretao (Introna & Ilharco, 2004).
768
profundezas, nas alturas e em extenses universais, afetando a intencionalidade350.
(p. 16)
quanto para a pessoa que ama) e, em segundo, tem-se seu carter fundamental de
comunidade. No caso de amor interpessoal, ele tem o potencial para destacar o carter
esprito de um modo geral351 (Husserl, 1920/1921, citado por Crespo, 2012, p. 21).
faz dele um elemento e meio nico para atingir esse objetivo, de tal forma que o
b) O amor em Scheler
350
Do original: Liebe im echten Sinn ist eines der Hauptprobleme der Phnomenologie, und das nicht in
der abstrakten Einzelheit und Vereinzelung, sondern als Universalproblem. Nach den intentionalen
Elementarquellen und nach ihren enthllten Formen der von den Tiefen zu den Hhen und universalen
Weiten hervortreibenden und sich auswirkenden Intentionalitt. (Ms. E III 2/36b)
351
Pode ser encontrada em: Husserl, E. (1973). Zur Phnomenologie der Intersubjektivitt. Texte aus dem
Nachlass. Zweiter Teil: 1921-1928. Hrsg. von Iso Kern (Martinus Nijhogg, Den Haag, 1973), Hua, XIV,
172.
769
obra, podemos identificar um paradoxo, porque, ao mesmo tempo em que a tica
humanos como sentimentos integrantes de sua filosofia e, em sua teoria, defende que ser
Max Scheler observa que, no ato do amor, um ser se abandona, para compartilhar
e participar em outro ser como ens intentionale. Dentro e por intermdio do ato de amor,
um ser se encontra com o outro objeto ao afirmar sua tendncia em direo sua prpria
perfeio, que ele ativamente ajuda, promove e abenoa. Para Scheler, esta lgica do amor
ser a chave para a sua tica filosfica, porque, de alguma forma, a essncia do homem
dada pelo que ele chama de ordo amoris (Scheler, 1996). Scheler entende o amor como
a abertura para a realidade valiosa das situaes que nos cercam. O amor, na tica de
c) O amor em Sartre
Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905 -1980) foi um filsofo, escritor e crtico
O Ser e o Nada (Sartre, 1997), o amor visto como uma possiblidade de escolha
770
comunicao do/no amor sempre, assim, imprecisa. Mas, desta limitao, o ser humano
Tambm, para Sartre, o propsito daquele que ama ser amado, porque s aquele
(a) que ama resgata a contingncia do seu ser no mundo, onde no encontra razo para a
no deseja possuir a amada como se possui um carro. Ele exige um tipo especial
de apropriao. Ele quer possuir uma liberdade, enquanto liberdade, ele quer ser
amado por uma liberdade, mas exige que esta liberdade deixe de ser livre. (p. 394)
o-outro" do homem. O filsofo francs, em sua teoria fenomenolgica, nos diz que todo
o modo de conscincia representa algo, revela algo, apresenta algo, est voltado e
direcionado para algo fora dela mesma. A viso existencialista consiste em negar por
uma vez que ela no pressupe nenhum providencialismo que tutela a existncia humana
rumo ao estado de progresso moral ou espiritual - que cabe ao prprio homem tomar as
rdeas da sua existncia e afirmar, assim, sua inevitvel liberdade. Mas tal situao
771
revela-se aterradora para quem incapaz de atuar autonomamente em sua existncia,
impor suas escolhas diante dos outros. Em sua obra, Sartre assume que qualquer homem
pode se tornar o que quiser ser, o que escolher ser, de tal forma que sempre poder mudar,
e os valores morais no so limitantes para as escolhas e projetos do que possa vir a tornar-
se. O autor tambm afirma que a sociedade no pode impor a cada pessoa sua forma de
amar, tampouco com quem essa ou aquela pessoa deve se relacionar. De acordo com
Soares (2010):
O amor conflito, entende-se que o ser est em conexo direta com a liberdade
outro jamais poder ser plenamente absorvido em sua vida, pois amar afirmar a
para a tolerncia das inevitveis crises conjugais, mas uma espcie de sabedoria
prtica que nos torna mais plenos em nossas vidas, pois nossa felicidade amorosa,
o outro.
justamente, essa lgica, medida que o tu-amado interage com o eu-que-ama, e ambos
772
tornam-se um ser-junto em essncia, a despeito dos conflitos que surgem nessa inter-
amoroso, mas sim uma subjetividade oriunda do vnculo amoroso que torna a existncia
d) O amor em Lvinas
se, aps a guerra, escrita sobre a alteridade, na qual conduziu uma reflexo acerca da
dificuldade do ser humano em aceitar aquele que difere de si mesmo, que compreende
com desdm e que julga como inferior a si prprio. Este autor foi bastante influenciado
pela fenomenologia de Edmund Husserl, de quem foi tradutor, assim como pelas obras
certamente, uma indicao sobre sua essncia. O amor o eu satisfeito pelo tu,
afirmam:
773
Na proximidade do outro, a suposta soberania do sujeito questionada. A
o outro? De acordo com Costa e Diez (2012), na viso de totalidade o outro pode ser
mais nessa reflexo, podemos recorrer a Kierkegaard (2007), que entende o amor como
um evento,
(...) o maior de todos, mas tambm o mais feliz de todos; o amor uma alterao,
melhor sentido da palavra, que uma pessoa tomada pelo amor est alterada, ou
fica mudada; o amor uma revoluo, a mais profunda de todas, porm a mais
feliz! Ele traz uma confuso, e nesta bendita confuso no h para os amantes
Por essa perspectiva, o amor apresentado como uma grande revoluo, uma
grande transformao, que implica a relao, mas uma relao que no permite que haja
esvair-se na disputa do que meu e do que teu. Nesse sentido, est na assimetria,
774
na deposio do eu, como diria Lvinas (2007), na realidade mesma do amor.
Consideraes finais
partir de ento, o encontro amoroso passa a ser mais que um mero acaso e, no que respeita
contribuies dos autores e de suas obras aqui citadas, pode-se observar que, nestas
escolha.
comportamental, em cada uma das pessoas que compe os sistemas: eu, tu e ns.
Referncias
775
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fenomenologia-do-amor
Susin, L.C., Fabri, M., Pivatto, P. S., & Souza, R. T. (Orgs.). (2003). ticas em dilogo:
EDIPUCRS.
778
OS MBITOS IRREFLEXIVO E REFLEXIVO DA CONSCINCIA EM
SARTRE
conscincia, descrita por ele em dois graus: irreflexivo e reflexivo. Para a realizao deste
estudo, utilizaram-se dos variados materiais a que se tiveram acesso, como livros, artigos,
Husserl e, apesar do rompimento terico que se deu anos aps essa aproximao, Sartre
em Husserl, Sartre jamais manteve com o mesmo uma relao de discpulo, e a diferena
dois momentos: primeiro e segundo graus. A primeira diz respeito a uma conscincia que
se define como pura espontaneidade, que posiciona o mundo, mas, ao mesmo tempo, no
refere-se ao momento em que a conscincia volta-se para si, tornando-se, ela mesma, o
779
Palavras-chaves: Conscincia, Conscincia irreflexiva, Conscincia reflexiva.
Fenomenologia, Sartre.
SARTRE
Abstract: This paper aims to explain the way by which Sartre understands the
consciousness, described in two degrees: unreflective and reflective. . For this study, we
used several materials we had access to, such as books, articles, online productions,
among others, in order to find out the evidences on how Sartre distinguished the
consciousness. It has been found that the French philosopher was strong influenced by
Husserls ideas, and despite the theoretical rupture, which took place years after this
movement of intentionality. Though inspired by Husserl, Sartre never kept with him a
disciple relationship, and the conceptual difference is that Sartre, unlike Husserl,
understood the consciousness through two moments: first and second degree. The first
one is related to a consciousness which is defined as pure spontaneity, that poses itself in
the world, but, at the same time, do not let to be self-consciousness, however, do not
positioned as the object. Like this, even though immersed in the world, the consciousness
does not relinquish the status of being self-consciousness, i.e., it becomes conscious of
itself, as it is at the same time, conscious of a transcendent object, however, this self-
consciousness, on the other hand, refers to the moment when the consciousness turns back
780
manner. It is established the ontological primacy of unreflective consciousness in relation
to reflective
Phenomenology, Sartre.
Introduo
como seu fundador o filsofo Edmund Husserl. Nesta poca, ocorreu uma reaproximao
da Psicologia com a Filosofia, momento em que esta ltima procurava revisar as questes
Dentre elas, a da conscincia, que deixa de ser algo substancial e passa a ser caracterizada
como movimento intencional, ou seja, um movimento constante que se dirige para algo,
momentos: conscincia de primeiro grau e conscincia de segundo grau (Silva, Lopes &
Diniz, 2008).
Histrico
1933, contemplado por uma bolsa de estudos, partiu para a Alemanha, onde entrou em
Segunda Guerra Mundial, a qual mudou os rumos de sua vida. Convocado pelo Exrcito
781
francs, em 1940, Sartre foi feito prisioneiro pelos alemes j no ano seguinte, em 1941.
No cativeiro, estudou a obra do filsofo alemo Martin Heidegger. Fazendo-se passar por
civil, conseguiu ser libertado, e escreveu boa parte de suas obras durante a guerra. Em
1943, publicou O Ser e o Nada (Sartre, 2013), sua obra filosfica mais conhecida, verso
de escolher o que ser, sendo esta a prpria condio da liberdade humana: escolhendo
sua ao, o homem se escolhe a si mesmo, mas no escolhe sua existncia, que j lhe vem
concedida e requisito de sua escolha. Daqui, surge a famosa mxima existencialista que
declara: a existncia precede a essncia (Sartre, 1970, p. 3), uma vez que,
ser alguma coisa e ser aquilo que ele fizer de si mesmo.... O homem nada mais
existencialismo... Pois queremos dizer que o homem, antes de mais nada, existe,
ou seja, o homem , antes de mais nada, aquilo que se projeta num futuro, e que
homem ser apenas o que ele projetou ser. No o que ele quis ser, pois entendemos
vulgarmente o querer como uma deciso consciente que, para quase todos ns,
782
Em 1964, ganhou o Prmio Nobel de Literatura, mas o recusou, por no acreditar
Fenomenologia
que significa a realidade tal como se mostra ou se manifesta para nossa razo ou para
conscincia, daquilo que est presente para a conscincia ou para a razo porque
relao psquica primria, esta que se estrutura num fenmeno psquico que concebido
da conscincia que se volta para o fenmeno, pois seria impossvel existir um ato de
(Sartre, 1966, p.28), pois no h algo como uma conscincia vazia, por assim dizer.
783
a conscincia no uma coisa entre as coisas, no um fato observvel, nem ,
recebe sentido. No uma coisa nem uma substncia (uma coisa), mas uma
atividade (uma ao). Por ser uma ao que visa os objetos como significaes,
toda conscincia sempre conscincia de. A isso (ser conscincia de), Husserl d
conscincia no h nada. Ela sempre se impulsiona para fora de si, interligando-se com
Sartre a conscincia perde a antiga ideia de lugar, no qual poderiam estar armazenados
784
encontra-se posicional ao mundo e no-posicional de si, ou seja, ela est direcionada,
voltada para o mundo e no para si, como nos esclarece Aires (2007):
por isso, tambm conhecida como conscincia no-posicional de si; sabe, mas
conscincia se torna objeto dela mesma. Trata-se da presena do Eu, do momento no qual
a conscincia possui conscincia de ser conscincia. Ora, ela dirige-se para a prpria
conscincia, sendo pessoal, e nesta atitude que ocorre o aparecimento do Eu. Como
afirma Sartre (1996), "por outro lado, no h uma regresso ao infinito, uma vez que a
para ser conscincia dela mesma. Simplesmente, ela no posiciona a si mesma como
est irreflexiva, ora est reflexiva (Sartre, 2008). Nas palavras do filsofo:
352
il n'y a d'ailleurs pas ici de renvoi l'infini puisqu'une conscience n'a nullement besoin d'une conscience
rflchissante pour tre cons- ciente d'elle-mme. Simplement elle ne se pose pas elle-mme comme son
objet.
785
executar a ao (irrefletida), considerando apenas o objeto agido. A seguir, todas
em que se est escrevendo, a conscincia no est consciente de si mesma, pois ela est
voltada s palavras e objetos utilizados para escrever. Escrever tomar uma conscincia
ativa das palavras enquanto elas surgem de minha pena... o eu no aparece de modo algum
aqui (Sartre, 2008 p. 59 -61). O instante em que o sujeito lembra-se do momento em que
a conscincia voltada para si mesma, pois o eu aparece neste instante, enquanto que na de
primeiro momento que se d quando sujeito est escrevendo - a conscincia est voltada
posicional da degradao do mundo que passa ao nvel mgico. O fato que ela
Mas, como diz Sartre (1966, p.30), "toda conscincia irreflexiva, sendo
conscincia no-ttica dela mesma, deixa uma memria no-ttica que pode ser
consultada 353 [traduo nossa]. Assim, tudo o que ocorrer irreflexivamente pode ser
Primazia ontolgica
353
Mais toute conscience irrflchie, tant conscience non-thtique d'elle- mme, laisse un souvenir non-
thtique que l'on peut consulter.
786
A primazia ontolgica refere-se relao que existe entre os dois mbitos de
conscincia descritos por Sartre, o irreflexivo e o reflexivo, sendo que, de maneira geral,
conscincia pr-reflexiva. (Ferri, 2013, p. 30), ou seja, para que o mbito reflexivo
ocorra, deve haver ocorrido o irreflexivo primeiramente, ainda que isto no implique,
Sartre (1966, p.41) ressalta que, "mesmo assim, o irreflexivo tem prioridade
reflexo requer a interveno de uma conscincia de segundo grau 354 [traduo nossa].
Consideraes finais
pensadores desta corrente aportaram esclarecimentos sobre facetas de uma nova maneira
Mas tambm nota-se que, ainda que se tratem de pensadores que sejam
354
Mais mme alors l'irrflchi a la priorit ontologique sur le rflchi, parce qu'il n'a nullement besoin
d'tre rflchi pour exister et que la rflexion suppose l'intervention d'une conscience du second degr.
787
para algum objeto do mundo, quando ela se posiciona para fora de si; j num segundo
sobretudo, pelo mergulho espontneo no mundo: ela se volta inteiramente para esta
exterioridade e se define enquanto este movimento. Neste ponto, salta aos olhos a
ausncia de um eu como objeto para a conscincia; este ego somente aparecer com
mesma enquanto objeto. Neste sentido, a conscincia no posicional condio sine qua
Referncias
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Catarina Florianpolis.
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Silva, J. M. O., Lopes, R. L. M., & Diniz, N. M. F. (2008) Fenomenologia. Rev. bras.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n2/a18v61n2.pdf
789
RESUMOS
790
FENOMENOLOGIA, SOFRIMENTO E CRISE PSQUICA GRAVE: EM
BUSCA DE SENTIDOS
E-mail: ilenoc@gmail.com
o que seja uma crise psquica grave, ou, como mais comumente conhecida, o surto
busca-se ampliar a concepo de prdromos, num dilogo inicial com alguns autores da
fenomenologia, tendo a crise psquica grave como norteadora de tais reflexes. Embasado
psquicas graves (com crises do tipo psictica, que vo da neurose grave, passando
filiado IEPA (Austrlia). Ao final, busca-se fazer reflexes clnicas sobre como acolher
791
A MAIOR DOR DO MUNDO: O LUTO MATERNO EM UMA PERSPECTIVA
FENOMENOLGICA
E-mail: luis.hfmichel@gmail.com
realizada uma pesquisa qualitativa com trs mes enlutadas. Utilizou-se o mtodo
seguiu os quatro passos metodolgicos de Giorgi. O relato das mes evidenciou diferentes
temticas, descritas por meio de dez elementos constituintes da vivncia de luto materno,
com pessoas significativas para o morto. Os resultados obtidos na pesquisa indicam que
compreendendo este sofrimento no mais como uma condio patolgica, mas com
792
FENOMENOLOGIA E TEOLOGIA NO TEXTO FREUDIANO:
E-mail: karladanimac@hotmail.com
grande desafio, especialmente quando toda forma de pensar est marcada pela
complexo, falar sobre pessoa humana no texto freudiano a partir de suas contribuies
esse trabalho ser apresentado. Para isso faremos uso de fragmentos da sua obra em que
marcado pelas pulses, regido pela lgica inconsciente tambm um sujeito que faz sua
prpria histria e Freud vai deixando a metapsicologia aberta a novos dizeres e saberes,
com o objetivo de que aquilo que intrinsecamente humano se revele, se mostre, se deixe
minuciosa e apurada de seu texto deixa claro o quo fenomenlogo foi Sigmund Freud.
793
O (DES)APRENDIZADO DO MTODO CARTESIANO E A TICA
FENOMENOLGICA-EXISTENCIAL
Camilo)
794
GRUPO ABERTO DE ESCUTA: QUANDO A COMUNIDADE ACOLHE A SI
PRPRIA
E-mail: monikitamendes@hotmail.com
O presente trabalho relata a criao de um grupo de escuta dentro de uma UBS, conduzido
abordagem das questes de sade mental. Inicialmente recebido com resistncia, o grupo
acontecia uma vez por semana, com durao de 2h30 e foi implementado valendo-se de
de ateno a sade mental e de ateno bsica. Para alm desses objetivos, evidenciou-se
795
A CONTRIBUIO DA TERAPIA EM GRUPO DO CAPS- AD AO
Douglas Marcel da Silva Buzoni, Sampaio, G.O & Barbosa, A.P. (UNIFRAN)
E-mail: dmarcel25@yahoo.com.br
Este estudo teve por objeto os pacientes do CAPS-ad com esquizofrenia que fazem uso
terapia em grupo oferecida na instituio pode beneficiar a este tipo de paciente. Foi
com o tratamento medicamentoso. Percebeu-se que necessrio que haja uma equipe
psiquiatra e clnica geral). Ressaltam, ainda, os benefcios que a terapia em grupo traz
para a convivncia do doente com seus familiares. Atravs do estudo realizado nesta
e regio pode-se concluir que o tratamento auxilia tanto o paciente quanto seus familiares
de seu quadro proporcionando um tratamento aberto, e, assim sendo, ele continua inserido
na sociedade.
796
O SOFRIMENTO DOS ALUNOS DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP
E-mail: mge497@gmail.com
vises de homem e suas abordagens terico-prticas, mas pelo envolvimento que o aluno
como pessoas. Muitos tm sofrido crises durante o perodo de sua formao. Em 2005,
atividades por um dia inteiro para que pudssemos ouvir os alunos e lidar com a
com a pessoa de nossos alunos. Deste encontro surgiu o Espao de Convivncia mensal
e o Servio de Cuidado aos Alunos, sob minha responsabilidade por sete anos e que
possui, como perspectiva, a integralidade da pessoa humana de acordo com Edith Stein.
797
CONTRIBUIES DE STEIN PARA COMPREENSO DA EXPERINCIA
ONTOLGICA
E-mail: vasconcelosroberta@yahoo.com.br
Estrutura da pessoa humana e Ser finito e ser eteno. Concebendo o ser humano como
pessoa, ser de relaes, Stein descreve sua abertura para fora (mundo-da-vida), e
dentro (saber-se vivo que atravessa a vivncia). Demonstra como toda pessoa comea
meio deles, configura-os como seus, sustenta-os e pode se tornar cnscio do prprio
fluxo mutvel de vivncias). Conclui-se que a anlise empreendida por Stein contribui
como a pessoa, em sua busca existencial, parte da evidncia do prprio ser, ponto
798
A FORMAO DA PESSOA EM EDITH STEIN
E-mail: ir.adair@auxiliadora.com.br
estrutura do ser humano composta de corpo, psique e esprito, constituda numa totalidade
verifica-se que o corpo humano preenchido por uma forma interior, que tem a
faz-lo assumir uma forma, em base a um arqutipo. No caso do ser humano, a forma que
ele deve assumir a que est inscrita no seu ncleo, no seu centro vital. Por isso, a
atividade formativa tem que penetrar na alma da pessoa, tambm concebida como ncleo,
em modo que a forme e com ela todo o seu ser. No ncleo est a essncia daquilo que a
dinamismos para ajudar a pessoa a se tornar aquilo que nasceu para ser.
799
A HERMENUTICA FILOSFICA: CONTRIBUIES PARA A
PSICOLOGIA HOSPITALAR
Matos, V.C.A.S & Silva Jr, A.F. (Hospital Universitrio Presidente Dutra)
E-mail: valcasmatos@gmail.com
seu livro intitulado O carter oculto da sade, Gadamer(2012) faz uma reflexo sobre o
dos sujeitos, mas por outro lado, uma aproximao dos conceitos de domnio mdico,
para uma melhor compreenso do processo de adoecimento dos sujeitos. Para o alcance
profissional.
800
CICLOTURISMO, EDUCAO AMBIENTAL E LAZER: PROCESSOS
Clayton da Silva Carmo, Luiz Gonalves Junior; (UFSCAR) & Denise Aparecida
E-mail: spina002@gmail.com
O objetivo deste estudo foi identificar e analisar os processos educativos vivenciados por
comunidade tal sentimento para com o grupo. Alm disso, a abertura que expe o
801
A SALA DE AULA E O MOMENTO DE BRINCAR
E-mail: tagianemaria@yahoo.com.br
experimentam, em sala de aula, uma rea para o brincar cujo objetivo central o de,
vnculo com os alunos durante o brincar, e procuram registrar a dinmica das crianas
quelas crianas que no brincam e que so as mesmas que apresentam maior dificuldade
802
A EMPATIA NA CONSTITUIO DO CORPO PRPRIO EM EDITH STEIN
E-mail:rudi.brs@gmail.com
O objetivo deste trabalho consiste em descrever como Edith Stein concebe a constituio
Com efeito, para cumprir com o nosso objetivo faremos na primeira etapa, apontamentos
fenomenolgicos desta discusso sobre corpo prprio, principalmente tratado por Stein;
constituio do corpo prprio. Por fim, faremos algumas consideraes sobre a abertura
803
EDMUND HUSSERL E ARON GURWITSHC EM TORNO DA PSICOLOGIA
DA GESTALT
E-mail: hernanops@msn.com
possibilidade de esta psicologia contribuir para o que entende ser uma psicologia
Gestalt, como uma espcie de reduo fenomenolgica. Este apenas um dos episdios
Temos por objetivo analisar a diferena de atitude com relao psicologia da Gestalt
por parte de Husserl e Gurwitsch e comentar a possvel novidade do que se pode chamar
de atitude gurwitchiana.
804
DEUS E O DIABO NA CLNICA DO SOFRIMENTO PSQUICO GRAVE:
PSICTICA
E-mail: raqueldepaivamano@yahoo.com.br
cuja identificao tem se mostrado cada vez mais complexa, ultrapassando questes
clnica do Sofrimento Psquico Grave (Costa, 2006) nos desafia a entender este fenmeno,
que por mais que sempre tenha existido, se apresenta na contemporaneidade de forma
efetiva. H quase um sculo William James (1902/1986) afirmou que para o psiclogo,
do significado que o mundo tem em particular para cada indivduo. O estudo de caso que
805
ora apresentamos, nos d uma dimenso da complexidade do sofrimento humano e a
806
GRUPO DE INTERVENO PRECOCE EM PRIMEIRAS CRISES DO TIPO
PSICTICA GIPSI
807
pesquisas-ao, hermenutica da profundidade, anlises de atos de fala, pesquisa de base
fenomenolgica.
808
O CUIDADO COMO UMA TICA: UM DILOGO ENTRE EDITH STEIN E
DONALD WINNICOTT
E-mail: andol@usp.br
do referido livro, para a mudana e transformao pessoal deste ltimo, em sua trajetria
cuidado tomado como uma tica, ou seja, uma prxis de vida nas relaes com o outro,
pode ser determinante e transformador na histria pessoal dos indivduos com a qual se
tem contato. A metodologia usada para realizar as discusses necessrias foi o mtodo
cuidado tomado como uma tica levada para o ambiente clnico da psicologia, e se
conclui que o cuidar est na base do trabalho clnico e sua considerao como uma tica
809
A FORMAO DO PSICLOGO ATRAVS DA EXPERINCIA LITERRIA
E-mail: felipeslv@gmail.com
potico enquanto acontecimento vital, isto , que no est restrito apreenso racional,
mas que precisamente vivido numa relao dialgica e afetiva. O resultado da leitura
mesmo tempo promove uma ampliao compreensiva da existncia. Esses dois fatores
literatura.
810
A EXPERINCIA DO DESPERTAR DO ESQUECIMENTO DO SER EM
HEIDEGGER
E-mail: eltonpin@gmail.com
O artigo traa uma leitura de textos fundamentais da obra do filsofo Martin Heidegger
ser. Veremos que o pensar mais prprio a respeito da questo e do sentido do ser
denominada pelo termo alemo Ereignis , uma vez que o problema do esquecimento do
ser s poder ser pensado a partir do instante em que dele j se tenha despertado. Esse
se- como uma transformadora viravolta da viso da realidade humana, e de seu modelo
811
LIBERDADE E NOO DE PESSOA NO ISL: CATEGORIAS DE
ENTENDIMENTO INTERDISCIPLINAR
E-mail: isabelmf@usp.br
de Psicologia da FFCLRP, que tem como eixo estruturante uma discusso interdisciplinar
entre a Psicologia, a Antropologia e a Filosofia a fim de construir uma anlise sobre duas
duas noes do mundo islmico acarretam inmeros preconceitos originando por sua vez
liberdade sobre o outro, como no caso das mulheres que devem ser salvas de sua
Profeta Muhammad pretende-se explorar alguns pontos importantes para este debate.
antropologia, para ter um horizonte de sentido mais amplo sobre o conflito que nos
permita analisar essas questes porque a pergunta pela liberdade abrange a construo da
pessoa, alm de ser um dos seus direitos humanos fundamentais, est configurado pela
812
CONTRIBUIES DA TEOLOGIA KIERKEGAARDIANA PARA A
E-mail: yonaradantas@usp.br
deixar que o indivduo permanea para si, em vez de passar ao seu outro, Kierkegaard
enquanto ele mesmo um ser social. Mas, de modo dialtico, isso que Adorno ressalta
como crtica ao telogo seria tambm sua mais contundente contribuio. Kierkegaard
teria sido capaz de farejar algo das mudanas que aconteceram com a experincia humana
s condies estruturais do que aos sujeitos que as refletem, para Adorno, ele contrape
813
ALTERIDADE E COMUNIDADE: A ARTE DE DAR A OUTRA FACE
E-mail: betorofer@uol.com.br
Este trabalho, baseado nas psicologias de Heinz Kohut e Carl Jung, procura apontar
dinamismo do bode expiatrio que, por ser autnomo e subproduto do narcisismo ferido
alteridade, como o propiciado pela anlise. Antes que isso acontea, o indivduo
narcsica, quando ela irrompe em seu psiquismo. Uma das maneiras de dar vaso a ela
tornar o outro seu bode expiatrio. Nessa posio, o sujeito permanece distante de sua
Torna-se, assim, a anlise, uma atividade religiosa. Por outro lado, o dar a outra face,
814
EM DEVOO: ENCONTROS EM BUSCA DO HUMANO
E-mail: klyusvf@gmail.com
reflexes crticas captadas nos encontros clnicos mediados pelo fenmeno da devoo
clnica em seu aspecto experiencial, como uma proposta no atendimento clnico de acordo
815
A MSTICA NA INTERFACE ENTRE O PSQUICO E O ONTOLGICO
E-mail: kitodias@gmail.com
Este estudo trata das relaes entre a mstica e a Psicanlise. No incio, se faz uma breve
introduo do tema, buscando-se encontrar uma definio para conceitos centrais, como
William Parsons (1999) entre categorias de compreenso do tema (que destaca trs
perspectivas clnicas.
816
CAMUS E "A PEDRA QUE CRESCE": CULTURA POPULAR,
RELIGIOSIDADE E COMUNHO
E-mail: gabibalaguer@usp.br
Esse trabalho traa relaes entre a viagem de Albert Camus pelo Brasil, em 1949 e seu
conto A pedra que cresce, publicado no livro O exlio e o reino (1957). Seguindo as
experincias biogrficas e sua produo literria a partir das vivncias de Darrast, espcie
de alter ego no conto. DArrast vive um verdadeiro encontro com um cozinheiro que
muito lhe ensinar sobre a dominao e seu remdio. DArrast apresentado aos rituais
sagrados seja da cultura afro, seja do catolicismo popular brasileiro, pelas mos do
portanto, de um sofrimento humano daquela gravidade de que fala Bosi (2002), para
alm dos traos nacionais. O surpreendente final com o gesto de DArrast, substituindo
tanto a observao passiva e exterior de DArrast (assim como do prprio Camus) pela
participao. Esse processo parece ser mediado por ritos coletivos em que as experincias
alcanada pela sada sbita da condio de espectador da dor e sofrimento alheios para a
817
FONTES DE APRENDIZAGEM EM COMUNIDADES BASEADAS EM
EMPREENDEDORISMO SOCIAL
E-mail: valentinamedranocoley@hotmail.com
orientao (ou misso) voltada para a criao e manuteno do valor e capital social
coeso. Com base nesta premissa, a discusso ser orientada para a descrio de fontes
818
EXERCCIOS ESPIRITUAIS DE INCIO DE LOYOLA E A PSICANLISE:
UM DILOGO POSSVEL
E-mail: mteresa.mrodrigues@gmail.com
eleio de vida ou mesmo por um crescimento espiritual, neles est em jogo uma
converso, que a verso teolgica da mudana psquica. Vividos com grande nimo e
transformao do ego, numa trama psquica e espiritual, em diferentes nveis. Aquele que
busca os EE traz, quer queira quer no, uma histrica psquica que o condiciona,
bloqueando ou libertando; fazer os EE colocar essa sua histria humana dentro desse
itinerrio que o transformar, integrando todas suas dimenses pessoais. Aquele que d
os EE acompanha aquele que os faz com enorme respeito sua liberdade, oferecendo-
lhe seu senso comum, seu realismo, seus conhecimentos, sua experincia, e contempla a
humana, pois no se esquece de que o exercitante dos EE uma pessoa solidria, fruto e
seguimento de Jesus.
819
O SEM-FUNDO HUMANO E AS FRATURAS DA RACIONALIDADE
E-mail: sandromusik@hotmail.com
relao entre os seres humanos, desses com o mundo, com o devir, bem como suas
necessidades ante a existncia. Com isso, este trabalho objetiva confluir os principais
conceitos que diferenciam abismalmente o ser humano dos demais seres vivos. Em
para sanar as fendas que fazem de tudo aquilo que lhe externo algo estranho. Para a
elaborao deste escrito usou-se como metodologia a reviso das obras Antropologia
Cornelius Castoriadis. Conclui-se, previamente, que os seres humanos, por mais que
faam parte de uma mesma cultura, tm no seu mago vontades, anseios e causas
e fraturas existenciais.
820
ACOMPANHANDO INDIVDUOS TORNAREM-SE PESSOAS: EXPERINCIA
PSICOLGICO
E-mail: davichangbh@yahoo.com.br
se- os relatos dos clientes a partir de uma escuta fenomenolgica, que ao serem
aprofundados para alm da queixa inicial, descrevem demandas existenciais legtimas por
acompanhamento psicolgico.
821
IDEALIZAO NEURTICA DA IMAGEM E IDENTIDADE PASTORAIS NA
E-mail: prof.thomasheimann@gmail.com
Bauman (2004). Diante de uma sociedade marcada hoje pela fragmentao, indefinio e
tornaram transitrias, volteis e incertas, dentre as quais a identidade pastoral. Essa crise
identitria foi identificada a partir da escuta teraputica de pastores ao longo de oito anos,
para a construo de uma imagem e identidade pastorais idealizadas, bem como sinalizar
para o sofrimento advindo dessa idealizao, que certamente impacta diretamente sobre
a vida pessoal e profissional dos sacerdotes bem como sobre a vida das comunidades
822
SOFRIMENTO PSQUICO NA ADOLESCNCIA: AT, UNIVERSIDADE E
COMUNIDADE
E-mail: mamede@uol.com.br
contra si e contra outros e o desinteresse pela escola. Esses pacientes so atendidos por
uma parceria com a Fundao Tide Setbal ampliou o Projeto de AT que foi estendido s
pessoas e adolescentes encaminhados por essa Fundao. Essa populao vive no extremo
queixas como as descritas acima, trazendo intenso sofrimento psquico entendido por ns,
dignidade.
823
REFLEXES SOBRE O INSTRUMENTO CHAMADO EDUCAO
E-mail: silvacida@hotmail.com
O objetivo desta comunicao refletir a respeito do humano enquanto ser social a partir
filsofo Theodor Adorno sintetiza de forma clara e direta a questo da educao. Para ele,
quaisquer reflexes acerca da educao devem iniciar-se a partir de uma profunda anlise
sobre o que almejamos que um ser humano no pratique isto , que no seja conivente
nem concretize atos de crueldade como os testemunhados, por exemplo, nos campos de
Identificao, Educao.
824
O ACONSELHAMENTO PASTORAL COMO FORMA DE CUIDADO JUNTO
E-mail: fernandojosematias@hotmail.com
mentais, tanto assim que foi chamada de resfriado da psicopatologia. Essa sua
assiduidade faz com que se imponha como uma das patologias mais desafiadoras na
intervir tambm no que se passa com quem est sofrendo por depresso.
825
REPERCUSSES CLNICAS DE UMA EXPERINCIA DE MUSICOTERAPIA
E-mail: maribrasilcp@yahoo.com.br
O trabalho teve por objetivo investigar as repercusses clnicas apresentadas por sujeitos
potencial da msica no cuidado Sade Mental. Atravs de sua utilizao possvel criar
um espao mais descontrado, que facilita a interao e pode gerar um ambiente que tem
como foco a vida. A musicoterapia no indicada a toda a populao j que pode haver
ateno sade. Uma, ainda voltada a um enfoque na doena mental e a busca por um
retorno do doente a uma normalidade e, outra, colocando o sujeito como foco do processo
cuidado.
826
CONTRIBUIES DA FENOMENOLOGIA PARA ATUAO DE
Joelma Ana Gutirrez Espndula; Silva, C.S.M & Angolo, J.L.G. (UF Roraima)
E-mail: espindulajoelma@gmail.com
(PNAISH) de acordo com Ministrio de sade para faixa etria dos 25 a 59 anos das
aos critrios da resoluo 466/2012 que regulamenta a pesquisa com seres humanos.
Participaram nove (09) enfermeiros das Unidades de Sade, de acordo com critrios de
humano esto relacionados aos aspectos biolgicos, mas biopsicossocial e cultural, desse
olhar fenomenolgico.
827
A RELAO ENTRE FENOMENOLOGIA E FILOSOFIA CRIST NA
E-mail: makalisson@hotmail.com
com seu mestre, seguindo seu prprio caminho na busca pela verdade. Nesse caminho, a
sua converso ao catolicismo influencia de forma decisiva seu pensamento. Aps sua
Segundo Stein, a Fenomenologia contribuiu de forma decisiva para estabelecer uma ponte
entre essas duas correntes filosficas. Um dos pontos de comunicao entre essas duas
filosofias destacado pela autora a ideia da Filosofia como cincia estrita. Para discutir
esse tema ser utilizado os seguintes textos: O que a Fenomenologia? (Was ist
Phnomenologie und die Philosophie des hl. Thomas Von Aquin, 1929).
828
SUBJETIVIDADE TRANSDISCIPLINAR: A CONSTRUO DE UM CAMPO
EPISTEMOLGICO INTEGRADO
E-mail: berni@usp.br
Humano, pois numa atitude de rigor, abertura e tolerncia, sob o lastro da laicidade
Indgena.
829
EXPERINCIA RELIGIOSA DA PRECE NA PRTICA CLNICA
Stella Maris Souza Marques & Thake Augusto Narciso Ribeiro (UFU)
outra cincia de rigor que considera o humano envolvido nos conhecimentos e resultados
produzidos pelo mesmo, ou seja, uma investigao da sua essncia integral. Baseando-
do esprito humano, servindo como meio pelo qual percebemos e somos possudos pelo
caractersticas e servindo como uma forma de linguagem da mesma, temos a prece como
830
O TRATAMENTO E O CUIDADO COM A PESSOA HOSPITALIZADA
E-mail: yolandaforghieri@uol.com.br
Este trabalho tem por objetivo ressaltar a importncia do cuidado a ser prestado pessoa
hospitalizada, pelos profissionais que lidam com ela. A partir de minha longa experincia
justificar o objetivo acima proposto. Nas ideias dos filsofos Merleau-Ponty e Buber e
liberdade. Assim sendo, torna-se necessrio que esta seja fortalecida pelo cuidado,
manifestado no amor, considerao e respeito dos profissionais que lidam com ela.
831
COMUNICAES ENTRE FENOMENOLOGIA, PSICOLOGIA E HISTRIA
E-mail: ranierileandro@gmail.com
832
O VOLUNTARIADO NA PERSPECTIVA DO TRABALHADOR VOLUNTRIO
E-mail: neiliane.br@gmail.com
temtica do voluntariado, sobre o perfil daquele que exerce tal trabalho e/ou motivaes
para tal exerccio, procurando compreender o modo de ser e estar no mundo do trabalho
voluntrios que atuam nos eixos sade, educao e formao profissional numa
trabalhadores cuja vivncia tem sido pouco explorada na medida em que as pesquisas da
atividade remunerada.
833
POSICIONAMENTO VOLUNTRIO AUTNTICO NA OBRA DE EDITH
STEIN
Mahfoud (UFMG)
E-mail: achillescoelho@yahoo.com.br
interiores. Contudo, nem todo posicionamento corresponde a uma vivncia que expresse
pessoa considera os valores pessoais apontados pelo ncleo pessoal, formando assim uma
personalidade autntica.
834
EDITH STEIN E A FORMAO HUMANA: FUNDAMENTOS PARA UMA
EDUCAO INTEGRAL
E-mail: magmendes123@yahoo.com.br
Esta uma pesquisa bibliogrfica baseada nos escritos pedaggicos de Edith Stein com
humana; e contribuir, atravs da viso de pessoa humana e seu itinerrio formativo para
ser humano como uma unidade indivisvel de corpo, psique e esprito, que tem em si um
potencial a desenvolver, podendo chegar sua plena realizao ou no. Stein questiona
uma educao que no leve em considerao o ser humano completo, que se limite a
Stein, uma formao humana autntica forma o homem de modo integral e o conduz
plena realizao de si mesmo, em vista do bem comum, pois cada pessoa que se
835
TEOLOGIA DO ORI-BAR: CONTRIBUIES DAS RELIGIES AFRO-
E-mail: joaocarneiro@ftu.edu.br
A partir das contribuies F. Rivas Neto, mdico de formao e sacerdote das religies
Ori conquistar uma conscincia individualizada. Esse destino pode ser modelado pelo
odu signo que direciona sem soluo de continuidade, o caminhar da pessoa. Entender
a pessoa pelo seu Ori e pelo respectivo Odu admiti-la como livre para se manifestar,
destino pode ser reescrito, retificado por intermdio de vrios rituais de fundamento
indivisvel. Busca tambm discutir relaes espirituais com o corpo humano e a pessoa.
Teologicamente falando, o corpo humano pode ter pontos de equivalncia do Ori Aiy
ou Ori Inu, a contra parte do Ori Orun. Compreender estes conceitos teolgicos significa
devassar uma perspectiva complexa das religies afro-brasileiras sobre a pessoa que
836
A RELAO ENTRE CRIADOR, CRIATURA E O GRUPO EM J. L. MORENO
E-mail: anete.roese@gmail.com
a relao da criatura com o Criador; analisa a complexa e ntima relao entre criatura
experincia transcendental. Conclui que para mudar uma cultura necessrio antes
tambm um primeiro passo no cosmo, pois nele o mundo com seus medos e valores no
est excludo. A obra As Palavras do Pai formula uma cincia sem a excluso de Deus,
837
ALCOLICOS ANNIMOS E A RECADA: ANLISE LUZ DA
EXPERINCIA ELEMENTAR
Dionete Maria Mendes Nogueira & Coelho, Jr, A.G. (Faculdades Pitgoras,
Montes Claros)
E-mail: dionete_mendes@yahoo.com.br
que permite ao sujeito avaliar criticamente seus atos ao comparar seus anseios genunos
com aquilo que ele experiencia na realidade. Os Alcolicos Annimos (AA) visam
abstinncia do lcool tendo por fundamento evitar o primeiro gole. Trata-se de pesquisa
838
CONTRIBUIES DA PSICOTERAPIA AO ENFRENTAMENTO DO LUTO
E-mail: thayane.leonardi@hotmail.com
que modo e em que medida o processo psicoteraputico pode ser eficaz frente a essa
vivncia. Para tanto, desde uma perspectiva fenomenolgica, procuramos dar voz queles
que durante o luto buscaram ajuda psicoteraputica. Trs mes enlutadas participaram de
disparadora: voc pode relatar a vivncia de seu processo teraputico durante o luto?.
O relato delas evidenciou elementos da terapia que contriburam ao alvio de sua dor,
sobre seu prprio fazer - sobre as possibilidades e limites da sua atuao diante do Ser
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NEUROSES ECLESISTICAS E SEU TRATAMENTO NO EVANGELHO
E-mail: karkep@gmail.com
Deus, e para seu tratamento ser til manejar muito bem conceitos bblicos igualmente
adoecimento emocional dentro das igrejas. A boa notcia que o prprio meio evanglico
psicoterpico.
840
INTERPESSOALIDADE NA PS-MODERNIDADE: UMA MUDANA DE
PARADIGMA
Estado de So Paulo)
E-mail:professoradrianojau@gmail.com
questionamentos de ameaas aos seus valores individuais, em que julgam essenciais sua
tambm cultural, onde se apresenta com grande valia para o dilogo filosfico-
841
A PRESENA DA FENOMENOLOGIA DE EDMUND HUSSERL NA
E-mail: prof-tommy@hotmail.com
(1859-1938) foi introduzida no Japo em torno de 1910 pelo filsofo e budista Kitaro
Japo no sentido ocidental que mais tarde foi denominada de Escola de Kioto (Kioto
Gaku Ha). O termo Escola de Kioto foi cunhado em 1932 por Tosaka Jun em um artigo
da filosofia em dilogo com o budismo japons. Alm disso, Nishida foi responsvel pela
ter conhecido pessoalmente o filsofo Husserl, tal como os seus alunos que foram
estudos decisivos das Investigaes Lgicas e das Ideias entre os anos de 1911 e 1916,
tendo continuado nos anos de 1920 e 1940. Entretanto, mesmo sendo um estudioso e
355
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Uberlndia - UFU, Doutor em Psicologia Clnica
(PUC-Campinas), Mestre em Cincias da Religio (Universidade Metodista de So Paulo), Co-Presidente
da Associao Brasileira de Psicologia Fenomenolgica (ABRAFE), Membro-colaborador do Circulo
Latinoamericano de Fenomenologia (CLAFEN), Membro-assistente da Sociedad Iberoamericana de
Estudios Heideggerianos (SIEH). Pesquisador do Grupo de Pesquisa da UFU CNPQ/CAPES
Contribuies da Fenomenologia de Edmund Husserl e Edith Stein Psicologia: fenmenos psicolgicos
e autor de livros sobre Psicologia Fenomenolgica e Fenomenologia da Religio (Editora Paulus).
842
divulgador das ideias da Fenomenologia na poca, ainda no possvel dizer que a sua
pensamento original e prprio, ainda que tenha sido possvel identificar em sua trajetria
importantes entre as duas filosofias como, por exemplo, quando afirma: o mundo da
fenomenolgico. Cabe ressaltar, por fim, que assim como comenta Hajime (1924) no seu
artigo Novo giro na Fenomenologia, no se podem evitar certas dvidas a respeito das
crticas que o mestre Nishida fez Fenomenologia, apesar de ao mesmo tempo ser ele um
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O AUMENTO DO CONSUMO DE LCOOL EM MULHERES: UMA
REFLEXO HEIDEGGERIANA
E-mail: mgfarinha@hotmail.com
Heidegger. A partir dos conceitos heideggerianos contidos na obra de Ser e Tempo refletir
que o incio ou aumento do uso se deu devido a fatores como: separao do cnjuge,
essas mulheres que favoream que elas possam melhor cuidar de si mesmas.
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ACOMPANHAMENTO TERAPUTICO: PRTICA EFICAZ PARA
E-mail: mgfarinha@hotmail.com
com pessoas que ali eram acompanhadas e faziam tratamento no CAPS ou Ambulatrio
de Sade Mental. Para este trabalho foram entrevistadas 6 pessoas portadoras de algum
tipo de sofrimento psquico que eram acompanhadas por 5 agentes comunitrias. Foi
realizado por meio de entrevista com a questo norteadora: Fale-me como voc percebe
como as agentes comunitrias puderam notarr um aumento qualitativo nas interaes dos
pacientes com os familiares, com a equipe de sade e com a comunidade, maior adaptao
com o meio ao redor, aderncia nas atividades propostas tanto nos dispositivos de sade
primria como secundria Com este estudo possvel perceber a importncia da insero
fenomenologia
845
ANEXO I PROGRAMAO DO CONGRESO
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