Marília Garcia - 20 Poemas para o Seu Walkman
Marília Garcia - 20 Poemas para o Seu Walkman
Marília Garcia - 20 Poemas para o Seu Walkman
a chamada na hora M.A.
precisa, a voz cortada outra
vez antes de seguir
pelas ramblas. como o perigoso encadeamento
das coisas murmurou ao sair
da sala.
antes de filmar
tudo observou a posio do sol naquela
tarde com casas rabes e imaginou
a seqncia dos dilogos
de onde vem o nome i. um filme
patagnia? e os pingins? como
precisar a seqncia daquelas
imagens? e como fazia para no sabe em que momento
nadar to perto das aconteceu [estava de preto] nem
rochas? podia imaginar que a mecha
armada sobre o rosto se tornaria
qualquer coisa que no se nota
depois de uns dias. a pergunta serve
apenas para manter a horizontalidade
das coisas
(no cr que
possa explicar como queria
encontrar algum assim: levanta
com pressa e entrega o papel
verde-musgo). leva tempo entender
de onde vem tanta palavra e qual
lngua pode ser usada num momento
de anxia (o tnel estreito sempre
em linha reta e depois
o reflexo congelado
na linha 14).
10 11
ii. rue de fleurus iii. liancourt 9
12 13
iv. tout arrive v. na beira do canal
14 15
Num dia branco Apndice a Num dia branco (com Lise Sarfati)
16 17
De dentro da caixa verde iii.
sobre a mala
a caixa de ch (no o desejo
i. de contar os avies partindo
como o sulco da caligrafia na pista sobre o mar) na passagem tinha impresso
chegando toda semana. como o retorno (temos os dias contados? para
o pulver vermelho onde vai? sua voz de
que veste agora (no era neblina no escuro)
a volta para casa, um consolo, nem
a limusine negra veio busc-la
de outro poema)
uma noite que se estende
com os rudos de um sono
ausente e se voc levanta num
entressonho, parece outra cidade, quando chega
a luz do dia muito antes da hora no sei
em que mapa ficou leeds
nem aquele passeio de mos dubitativas
em torno da praa.
ii.
de vestido amassado no pico
da montanha (o ponteiro dos segundos
rabisca o silncio): no sou
felice, sorria com calma, de dedos
trmulos uma relao
virtual, eu vibro como esta estrada olhos de gato
no escuro concreto, do banco
da frente nem suspeitava da perseguio. nem
suspeitava das vozes que vm do oceano
(algum barco ainda aguarda
na enseada?)
18 19
Victoria station 393413.26n 22049.50e (diz em catalo)
(embora quisesse
dizer algo diferente)
20 21
ii. Aqurio
todas as igrejas com suas torres
redondas e a paisagem no muda nunca.
pode ficar ouvindo o que dizem tem o pnico das algas marinhas
deitado no estofado de trs quando acorda de frente para o estdio.
por duas noites seguidas, mas depois o quarto um aqurio
no sabe para onde vai com setas submersas de
para que direo sol e seu corpo filtrado
segue a estrada pela luz do insulfilm
no livro perdido apenas um tem o contorno
nome: de um magnetismo
amalfitano. inverso. no que importassem
22 23
O que fazem a e b quando chegam a.
a cidades destrudas passados uns dias j sabe que
as tentativas aquticas no podem ser
usadas nos rios deste pas. sabe que ningum
a. responde neve. quando est sozinha
estar to longe num quarto com no quarto pensa que ter dois dias
dois quadros e uma janela teis. depois pensa nos glons
para o ptio. no meio do e quarks e nos anos estudando
ptio uma macieira a cromodinmica quntica.
parada.
sai com duas malas de 20 quilos e na chamada b.
explica: todos os nomes aqui so um pensa na chuteira que sempre quis
equvoco. jamais pode andar ter. nas aulas de plo aqutico,
fora da zona delimitada (chamam nos clculos. recebe a chamada de morte
isso de um kindergarten, mas e diz: daqui no sinto nada. leva as roupas
um palco enorme de madeira, at a lavanderia da esquina e fica
mal enxergo onde termina parado girando os olhos. no dia seguinte
o teto) escreve: amanheceu tudo branco
pela primeira vez.
b.
chega numa tera-feira depois de perder
dois vos na mesma cidade.
a legenda da foto
dizia: soneca. mas no explica muito
bem quem estava ao lado, o frio era o nico
tema de conversao. a casa tem trs
quartos com papel de parede e o vo
entre a janela e a porta congela as
primeiras noites.
24 25
Olho vigilante Liancourt, 9
26 27
ii. l e pay s n e s t pa s l a c a rt e
pode viver num pedao
de terra no mar, cercado de fsseis
marinhos e no responde de que
lado fica a segunda porta, no diz
nada alm:
muito cedo ainda
[...] e sabe que isso
no real.
os olhos desligados no escuro por
dias cansados, as trs estradas no
significam nada [...] tenta identificar
o contorno do rosto mas quando giram
surpresos [...] quando giram surpresos
vai segurando o riso para no perder o dia
no perder o momento exato de se
virar e dizer o nome
errado
28
Le pays nest pas la carte,
ii.
no o avio em rasante sobre
a gua e nem o corpo
na janela semi-aberta
vendo o desenho
dos carros embaixo no comenta nada
porque prefere armar planos
em silncio
(estaria sonhando
com colinas?)
31
iii. Regra fcil
de l manda longas
cartas descrevendo o pas,
os terremotos e a forma da cidade. i.
pode me dizer que nunca se vir no significa atravessar
espanta mas no percebe que a cidade e se deter num quarto
caminha perguntando: escuro no significa se deter numa
de plstico a cabine? sua voz estrutura de madeira sob as rvores
na gravao? um navio no de laranja l o mesmo verso
horizonte? pode ser apenas vrias vezes e espera sob a
uma margem de erro mas marquise, o reflexo pisca-
no pensa nisso
com freqncia pisca das letras borradas, aquele risco
no ar por onde tudo comea
(pode ser apenas a janela andaremos pela cidade, sempre
aberta que carrega os papis) a primeira noite. o inverno me tranca
em casa at chegar
a notcia.
(pode ser aguardar pode ser
verde-musgo pode ser uma
cidade-satlite pode vir escrito
num livro) o rudo da espera essa
granada verde-musgo
no centro da mesa.
32 33
ii. Um sinal
quando o v
no tem mais olheiras nem
olha fixo. entra pela porta- um beco de pedras da sexta
avenida e um risco azul ao redor
giratria e se dirige a uma mquina: da retina eram as ltimas pistas (no
a regra se impe, diz sabia que terminaria diante das
desviando o rosto de qualquer montanhas). uma voz em off: este
vestgio que pudesse identific-lo. homem morrer no fim. e se
uma regra fcil e no h voc acorda e no sabe
como escapar se caminha at a esquina quem
j ver tudo (sabe que vir pode significar ou se no sabe de onde
outra coisa.) saram essas moedas holandesas,
pode entrar numa cafeteria de vidro
em busca de sinais, pode conhecer
uma menina chamada katherine
ou heather, que viva em leeds
para sempre.
34 35
Carte orange iii.
funciona como um movimento
disrtmico que
i. entremescla os dois
quer estar em uma nveis. ficam at tarde buscando uma resposta
cidade alta por que no disse antes que se encaixasse no que parecia
que era isso de onde pode ver concreto: levar um guarda-chuva
o arame invisvel que faz e esquecer a carte orange em casa.
mover o poema. entra pela direita a alegria ali tinha algo
em silncio, senta num ngulo para com as alturas.
olhar de cima podiam ter subido a p
se dissesse ao fundo um risco
por onde tudo comea.
pode ser
um mnimo frio, a janela entreaberta
dando para o farol girando
seus reflexos pelo mediterrneo ou
tanger passando todos os anos para chegar ali.
controla tudo do stimo ou
do outro lado
da tela. cada fala
com seu acento
de defesa
ii.
depois a rua deserta queria ter sado
mais cedo a estao de trem
abandonada para ver
do alto e uma tormenta de areia ou
uma tormenta de chuva ou uma
tormenta de eletricidade
ou ficar olhando com espanto
todas as vezes.
36 37
Um carrossel na cabea ii.
toda a vida uma ao real
para tornar real uma metamorfose. e c. tarkos
i. em montparnasse sem dizer, se esconde
sobretudo conheceu algum atrs das rvores (a basca lhe acena
num dia terminado que dizia roubar de outro poema). no bolso,
frases pela rua e o homem-sanduche amarelo e em formato pequeno,
ziguezagueando em sua frente largent: a medida exata
muito antes de poder baixar ao para explodir o mundo
metr (o que parecia apenas o pesadelo e fugir de tudo
da primeira
noite:
no corredor o descascado
da parede e depois esquece
tudo esperando uma resposta com
seus olhos longos
e duros)
no que saiba
muito bem de onde chegam e se entra
na avenida certa pensa que do outro
lado na horizontal a plaa reial est
cheia, os movimentos seguem
a mesma direo
s que em paralelo. dizia
que as frases pegava para outro contexto.
ia indo com meias vermelhas girava
o pescoo 180 na noite mais curta
do ano: pela costa se pergunta porque
foi embora justo quando podia ter
dito o certo,
tinha um carrossel na cabea e o mais
apropriado seria no continuar fixada
nos gmeos (mientras uno deca
que hermosa ests!)
38 39
Linha 14 ii.
atravessou o cemitrio antes
de descer as escadas, o viu
this is the future/ (of an illusion) encostado no mrmore branco,
Stereolab 4 passos para o sul, 17
para oeste.
i. quer descer, escapar,
custa esquecer o ltimo tnel, o tempo ningum que tenha descido
subterrneo e o demorar pde jamais voltar (no responde porque seu tempo
aquela hora. diferente ou porque
no mapa, como um fio lils e o j no entende).
vidro tem espessura de muralha:
quase um perigo iminente. enquanto iii.
submergem em alta velocidade, no desvia acima de 120 decibis comea a correr
para ver quem vem atrs, ali risco, mas insiste: voc quer
ainda atuam as leis vir comigo? o eco da
da gravidade voz no vidro. do outro lado
(sabe que precisa sempre responde algo sem som,
responder mas talvez no entenda a um acento diferente
pergunta. um leve movimento na falta de voz.
de rosto cobre os crculos
na parede) talvez no responda
porque gastou o
mecanismo.
40 41
Trocadro na mo (quero passar aqui
para sempre) caminham devagar porque
pode ser uma questo
sabe que custa chegar de silncio
e atravessar os ltimos passos
na esteira, os minutos da
ligao final
(a cor na parede
sempre produz a complementar na
zona vizinha. deve se fixar em todos
os detalhes e na mquina de raio-x j no
lembra de nada.)
sentar no metr na ltima
noite tentando encontrar. no sabe
que o livro termina assim. sempre
lembrarei daquele dia de frio em
trocadro sempre restar algum
lugar, mesmo que seja um lago retangular
com as bordas de pedra. estava l parada
com o bilhete para a vspera ver o mar
diminuir na passagem por cima,
um minivulco de um
quilmetro cbico e tomar a
direo errada
do quarto alto escuta todos
os passos noturnos e v apenas uma
forma de mrmore branco. ele se agacha
para entrar pela porta e fala devagar. no
importa o que faz parte ou no das
coincidncias. primeiro seguia de costas
pelo rio branco e dizia em cmera lenta
as coisas erradas. no instante em que
virou estava parada com o papel
42 43
Duas vozes
44 45
Classificao da secura ii.
algum que no consegue se mover
e uma semana de vozes cortadas, deve
i. se acostumar aos movimentos em cmera
agora j quase amanh mas queria lenta, descida pela escada em
dizer apenas que muito espiral:
tarde: acrescentar quatro horas ao relgio recorta os sons de cada
indica que j depois. l sempre quarto e apaga as perguntas que
depois. parecia um nome mais detesta responder. como aquela
italiano com aquele som ecoando e a noite no nibus, rudos do rdio e
resposta em outra lngua mostrava pedaos de frases atiradas,
a cor das linhas no mapa, lils, para sempre girando as horas.
no dizer algo preciso ver a paisagem
para no terminar: com ela sem ela e precisar o tamanho da ausncia
saio cedo todos os dias. fico de com poucos dados sabe que as baleares ficam
vez em quando escondido do outro lado do mar, que custa chegar
no porto. tomarei anos depois e dizer. ergue os olhos para
o transmediterrneo e comerei fixar o que tem ali e no perder
calots, de vista a secura.
at chegar o instante antes
do instante, momento em que v o relgio
e diz: no. j conhece todos os erros
do sistema e a retina derretendo
sempre que levanta
para sair dali.
(preciso o retngulo do degrau
inferior.)
46 47
20 poemas para o seu walkman ii.
depois descia as ruas
e queria ficar no carro trancado
i. segurando um livro. o penhasco
um dos primeiros dias apagava qualquer definio
do ano, francesc subia a notre-dame de coisas, mas quando
-de-lorette atrs de jacques roubaud se virava
e sentava no caf gioconda de frente ela j no estava
para uma sacola com um tomara o barco para casa e dizia
gato dentro. que talvez no vero seguinte mas
um dos primeiros s ligava para contar do emprego
dias do outono, no parecia seguro de matemtica quase um objeto
ficar ali como a beira do barco poroso sair para um concerto de rock
escorregadia e do outro lado e preparar variaes para uma
tudo era um quarto com terrao vegetariana amvel que pinta
as ruas crescendo ao redor a estao de branco o apartamento
de trem com mato cobrindo as antes de ir.
linhas e s vezes um mergulho
na gua salgada: iii.
ficar boiando um dos primeiros dias
com um walkman e depois olhar para e chegava o carto da
os ps: um pouco insulano isso de as catalunha, dizia que ficava
lnguas isoladas se misturarem mudo em seu metro e noventa
pouco a pouco e dirigir esbarrando nas pessoas e olhava
na estrada noite. para os ps: um tnis azul. se no tivesse
tanta hierarquia ou o que pensaria
(estaria de verde? traria uma pilha
de objetos nas mos? teria um
fone de ouvido? e ainda cantaria
em voz alta)
48 49
Cdigo Morse encontro s cegas
(escala industrial)
50
Tomorrow is easy but today is uncharted
John Ashbery
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[na estrada de mo-dupla] [na rambla sob o cu do siams]
no estofado do banco da frente sob a pele o reflexo do quina de mesa e os cabelos sobre o vidro caminha sem
deserto pode ser que no oua nada naquele estado quer rumo todos os dias senta-se para ler no primeiro caf no
lev-la para lautre cap sair dali correndo ligar o carro era a hora certa mas o avio girava em ngulo reto per-
fabricar um escafandro para os lbios em movimento cebeu que deveria se levantar dizer qualquer coisa fin-
vira de lado ao sair andando hoje s v as formas trian- gir a parede seca de cal ardia os olhos e agora as malas
gulares o agudo das pontas a tempestade contra a limpi- crescendo como rudos de uma dana de corvos em seu
dez horizontal na hora da viagem just like this rainstorm caderno ele a combatia num jogo de espelhos do outro
ela disse coisas que no se dizem saiu em cmera lenta e lado dizendo de l qualquer coisa removeram uma praa
ao subir a terceira passarela se virou para o cu poderia enquanto isso se entretm com o cu do siams a praa
ser um dia como outro mas quando a v com olhos rijos itlia no est mais ali acha mesmo que era a voz dele
parece morta talvez sonfero para instantes sem o skype enquanto dormia
talvez correr sob a tormenta em ziguezague ela falando
do pnico e das noites giradas em huelva
[cabea erguida, cr que invisvel]
[chove sai correndo do caf com nome grego entra no senta-se com os dedos atentos congelados um piscar
segundo edifcio sobe dois lances encaixa a chave] pode liquidar a comoo da epgrafe tem frustraes e
esta mais uma fixada em descobrir o que sua voz no
a roupa de frio sobre o biombo abaixa a cabea para diz no sabe mais qual a distncia para a outra margem
entrar ouve tudo o sapato molhado um sistema certo para o tempo sempre cortado os rgos gemendo nos cem
dizer o que quer talvez no lembre mas sabe pela fresta primeiros quilmetros do outro lado o meio sorriso a
de detalhes que ela no percebeu subiu cada degrau com mquina verde-musgo um tictac obsessivo tenta se lem-
passos surdos criou planos museolgicos e ouviu algum brar a cor calcular o comprimento de um mar de peque-
chamar seu nome a pea de 38 toneladas no foi encon- nas mortes e descobrir o que acontece quando encerra
trada e saiu do quarto sem virar para trs sabe que no a vspera
disse gostaria de ficar sozinho tudo como sempre foi
fica na janela calculando as possibilidades de sumio de
equal-parallel/ guernica-bengasi foi apenas a primeira no
deserto quando os obstculos sob a claridade a certeza
de algum falando dos sinais
56 57
[espera o ferry] a l g o q u e s e e s q u i va
refaz os detalhes parada olhando a sombra de molas per-
gunta se so reais busca as palavras exatas esquecendo
oito dias arrumando livros quadrados horas aguardando
a tela do monitor piscando num perigo iminente busca
algo para dizer sabe que tudo acaba passa segundos triste
cachecol vermelho vendo o eco do mar na enseada e no
caminho de volta esquece a cor do cu lils v de longe
aqueles ombros descendo com braos longos e finos
depois o bilhete sobre a mesa mensagem dbia que no
esclarece um planeta explodindo em silncio no espao
58
Codecs
i.
estar em contato durante
um trnsito mtuo diferente, no conta
porque ainda no tem
uma resposta.
apenas se fixa na estrada
e segue conduzindo as esteiras. no
sabe se ela gosta de olhar para
aquelas fotografias do deserto
em p/b. se gosta de escutar
o som dos escorpies que s
existem em sonhos e se
vai no prximo vero a nigria
dizendo apenas: saibro.
se faz parte de uma salina
o que parece imaginar. no diz onde
est agora, apenas
aguarda
que voltem dos bosques gelados
que sigam juntos at tera
que se digam adeus a voz
na chamada no esclarece
e depois de achadas as pistas no
tem volta:
eletricidade constante
em tudo o que via. deve pensar
em coisas objetivas: pequena
placa esmaltada na entrada com
o nome da rua
61
ii. K. e suas ncoras
pode ser um peixe russo em
extino, at que chega. mas isso
no explica. agustina ligando i.
do continente, dizendo as coisas podiam ser trs homens altos de frente
pela metade. mas no h como saber: aperte para o mar. um porto onde os navios
o boto da direita e pegue um pacote de codecs aguardam para sair. cobrem a vista.
eles ajudam a ver imagens, definir o de amarelo olha para o cho
o campo de viso. sem ele no procurando uma clula de l.h.
v nada, acorda virada para o fundo
gelatinoso do rio e passa as horas quer olhar algo que algum
aguardando como um problema muitas vezes no quer ver. quer dizer algo
sem resposta: uma ilha to pequena que algum muitas vezes no disse. mas pensa bem
que quando no espera e sabe que o nvel do mar
despenca no mar. um engano.
ii.
uma cidade ausente ocupada
por enguias atlnticas pode ser uma forma
de ficar entre mas no posso fazer
isso se convence. (traziam armas
brancas para o duelo)
iii.
pensa numa morte em que se
pode rir aos gritos. pensa
em algo que um dia
esqueceu. mas ningum
esquece nada.
62 63
Escorpies e a esquiva Sant Elm
64 65
(sentado no banco de madeira Do outro lado da tela
contava a experincia lost
in translation e podia quase ver
do outro lado do mar do vento i.
do deslocamento de ar e partculas acontece de estar
o infinito de cada num deserto de estar num
coisa) lugar inclassificvel ao v-lo
cruzar a praa arrastando
uma rede de memria no
momento em que o apito marca
os passos e voc levanta a mo
para falar
como se precisasse
de um impulso ou se dissesse
que hacen falta los subttulos
al hablar. nesse instante
busca se fixar em todas
as cores antes de dizer
mas v apenas
uma mancha ocre ento
no reage, olha a cabea erguida
e a dele em semi-crculo fazendo o
contorno
(parece estar em denfert
de noite: chove o suficiente e o guarda-chuva
gren pequeno, no cabem apertados ali embaixo
embora recolha os dedos para caber
corre para comprar um despertador
e ouvir as histrias da distncia
para chegar a polnia
num dia branco.)
66 67
ii. Inferno musical
a menina da livraria subterrnea
pergunta a que horas sai seu vo
e voc no responde recolhe as miradas i.
persecutrias e sai mudo, mutismo o que explicou sobre a melodia
isso sim nem pode imaginar de que lado de sistemas no fazia sentido pois
esto ou de onde escrevem todas as dessa vez no havia
vezes. tambm no h como saber de som algum.
onde saem tantas luzinhas porque uma deformao, quase um inferno
o mximo que j esteve musical que,
do outro lado ao transbordar,
do oceano: o mximo congela,
de distncia atravs da tela, a imagem como o mrmore, o tombo ou
embolotada que tenta chegar o tapa. poucos usam a palavra anti-
mas lento e cortado, um filme harmonia ou anti-
antigo sem voz densidade (nada se acopla
com nada aqui)
a vida se divide em
duas partes mveis e voc pode
entrar numa melodia circular
atrs da configurao correta
ii.
ezeiza es un sitio que no
existe mas chegar repetir o
gesto inexistente, como dizer uma
frase sem som ou se tornar o mesmo
uma semana depois no momento em que
a aeronave se desloca com
mais esforo.
no desenho tenso da esteira
a nica mala para tomar a estrada
de noite no deserto asfixiante
e escuro.
68 69
Em linha reta daquela foto no pode distinguir
os riscos de ferrugem nem saberia dizer
se subiam ou desciam a ponte
i. na hora exata porque andavam
uma arquitetura movedia se em linha reta
lhe perguntassem dos onze (somente nesse momento
muros alinha- deixa o carro sempre provocando
dos e algo verde e acurado com perguntas ilgicas porque um
se quisessem saber o que passaria essa sistema no
noite s 20h25, hora em que entraria se troca jamais)
carregando a caixa. a mera
negativa era aleatria porque agora
via apenas
lasers e seus efeitos de realidade
ii.
jamais teria deixado sua sorte
nas mos do acaso era o que pensava
da foto da nasa e embora nada
soubesse de infraroxos, segurava
a pulseira no brao esquerdo
comparando-a com a vizinha
da via-lctea enquanto
o p sideral
em roxo
escorria pelo cotovelo.
dentro do radiotaxi v apenas
azul-gren nisso tudo, tentando apagar
a margem da foto e levanta com
espanto ao ver entrecortada
chora, lamenta o afogamento
e os limites de velocidade,
to entrecortada v apenas
a medida do guidom na claridade
70 71
Olhando a poeira ii.
depois de uns dias apaga
as cores dessa rua molhada s para
i. parecer nouvelle vague. tinha um pouco
chega ao caf e no sobrou daquela alegria de viver junto ou
ningum s um rastro de eco o choque de chegar: no quilmetro
para aquele que coleta plnctons mil sentado com o livro entre os
e pixels e no volta mais porque dedos, dispensa o w/t porque j pode
essa cidade muito forte mas pode dizer tudo e terminar com uma pergunta
ser que visite no domingo a feira porque um dia esse lugar chega
onde encontrar o livro a ser.
que mais espera, feito s
de nmeros.
pensa sempre em
duas noites sem encaixe: na 1 partia
de madrugada, ali parada com sua
chave e o tubo cilndrico de ch para
o dia seguinte a sala vazia
amanhecendo, a sombra no txi
e o verde derretendo dos seus
olhos.
na 2, escutava
msica sob o fundo azul e lia
um poema, estava mais no
fundo de um oceano, sua voz
deixava ecos no mar ou essa foi a primeira
vez, tambm no lembra o que
era quando chegou lima no es ni
linda ni fea, dizia ali com ganas de recomear
olhando a poeira as pessoas
gostamos de comear, parece que tudo
pode ser e quase sim.
72 73
Ponto zero Ponto cego
74 75
Uma mulher que se afoga posfcio
rudo da chuva
e uma lmpada eltrica
acende a nica janela do alto
naquela cidade destruda. na beira da cama,
de branco, esperou meses para abrir o livro de
notas achado num caf. quando acredita que
a chuva vai passar?
de dentro do quarto
gris, apenas o contorno
ao redor dos objetos que
desmaiam um de cada vez e trocam
de lugar enquanto voc espera. a luz do poste
filtrada pelas cortinas tem a forma de um quadrado
radioativo (poderia ser um wet dream que
me faz trocar os dias da semana?)
76
Notas no Schiphol Airport: porto c9
[18 oct 06 14.27hs]
79
escrever, e o modo em que eu me via / e via / o mundo. E #6 : E enquanto isso a nvoa continuava descendo sobre
logo // o avio aterrando deixou tudo claro: tinham sido um dos aeroportos mais bonitos do mundo [segundo o
esses poemas no meu / walkman, os que j nem sabia capito do vo kl1823], e algumas poucas pessoas pas-
/ quando me ensinaram esse modo de olhar; isso / que savam pelo espao que separava as janelas da mesa na
agora / eu chamava eu.- qual um homem de suter preto e fones de ouvido sorria
e escrevia.
#4 : O riso, enquanto andava pelos corredores do aero-
porto, tinha a ver com um motivo para no escrever que Anbal Cristobo
tinha imaginado minutos antes: Olha, como quando
Mick Jagger recusou uma entrevista dizendo que seria
sempre melhor entrevistar algum nascido quando j
existiam os Rolling Stones, do que ele prprio. Estas
notas, escritas da mo de algum nascido depois do livro,
seriam muito melhores.
80 81
sobre a autora
Nasci no dia 29 de novembro de 1979, no Rio de Janeiro,
cidade em que cresci ouvindo os rudos do bonde amare-
lo e onde vivo at hoje. Graduei-me em Letras na uerj,
onde defendi a dissertao Velocidades e vozes sobre as
Galxias do Haroldo de Campos. Trabalho na editora
7Letras, do Jorge Viveiros de Castro, quem editou meu
mini-livro Encontro s cegas na coleo da baleia branca
e integro o conselho da revista Inimigo Rumor. Devo
muito este 20 poemas para o seu walkman e minha rela-
o com a literatura a duas pessoas presentes de modos
distintos, a quem o dedico, e a quem tenho uma infinita e
alegre gratido: Carlito Azevedo e Anbal Cristobo.
Agradeo ainda a presena, a leitura, o incentivo de
Ricardo Domeneck, Daniel Chomsky, Augusto Massi,
Heitor Ferraz, Flora Sssekind, Valeska de Aguirre,
Isadora Travassos, Debora Fleck, Leila Name, Izabel
Aleixo, Franklin Alves, Manoel Ricardo de Lima, Andr
Garcia, Silvia Rebello, Graziela Grise, Paula Glenadel,
Richard Priestley, Thereza Cristina, Francesc Flexas e
Svetlana.
Poesia
Traduo
85
ndice
Perguntas sobre a diferena entre
Svetlana........................................................................................... 7
M.A................................................................................................. 9
i. Um filme................................................................................... 11
Num dia branco.......................................................................... 16
De dentro da caixa verde............................................................ 18
Victoria Station............................................................................ 20
393413.26 n 22049.50 e (diz em catalo)........................ 21
Aqurio........................................................................................ 23
O que fazem a e b quando chegam a cidades destrudas........ 24
Olho vigilante.............................................................................. 26
Liancourt, 9.................................................................................. 27
Codecs.......................................................................................... 61
K. e suas ncoras......................................................................... 63
Escorpies e a esquiva................................................................ 64
Sant Elm....................................................................................... 65
Do outro lado da tela.................................................................. 67
Inferno musical............................................................................ 69
Em linha reta............................................................................... 70
Olhando a poeira......................................................................... 72
Ponto zero................................................................................... 74
Ponto cego................................................................................... 75
Uma mulher que se afoga........................................................... 76
Coleo s de colete
Lero-lero [1967-1985] Cacaso
Coordenao Carlito Azevedo
Antologia Adlia Lopes
Conselho editorial Anbal Cristobo, Heitor Ferraz,
Sete pragas depois Antonio Cisneros
Marcos Siscar, Marlia Garcia,
Paula Glenadel e Valeska de Aguirre
A rosa das lnguas Michel Deguy
Poemas [1968-2000] Francisco Alvim
Capa e projeto grfico Age de Carvalho
Poesia reunida [1969-1996] Orides Fontela
Composio Negrito Produo Editorial
Reviso Augusto Massi
Foto da capa Marlia Garcia srie bolso
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