Perturbação Do Desenvolvimento Intelectual - Atas Pediatria
Perturbação Do Desenvolvimento Intelectual - Atas Pediatria
Perturbação Do Desenvolvimento Intelectual - Atas Pediatria
Resumo
Introduo: A perturbao do desenvolvimento intelectual atinge 1-3% da populao e representa um importante problema de
sade pblica. O objetivo deste estudo foi caracterizar uma amostra de crianas com esta perturbao.
Mtodos: Estudo retrospetivo e descritivo com recurso reviso dos processos clnicos de crianas com perturbao do desen-
volvimento intelectual, em seguimento num centro de neurodesenvolvimento de um hospital de nvel III, entre outubro de 2010
e dezembro de 2011.
Resultados: Foram includas 140 crianas, 62,9% do sexo masculino. A etiologia foi identificada em 43,6% dos casos e atribuda
a doena gentica em 26,4%. Quanto ao quociente de inteligncia, 45% dos casos eram ligeiros, 30% moderados e 20% graves.
Havia comorbilidade em 68,6% dos casos, sendo a mais frequente a perturbao de dfice de ateno / hiperatividade. A quase
totalidade das crianas encontrava-se integrada em escolas de ensino regular.
Discusso: Nesta amostra, verificou-se um maior nmero de casos atribudos a causas genticas e casos de maior gravidade
comparativamente a outros estudos publicados. A elevada percentagem de crianas com comorbilidades concordante com
outros trabalhos, com repercusso no prognstico e na interveno. A integrao da maioria das crianas em escolas de ensino
regular demonstra o esforo de incluso escolar que tem sido feito em Portugal.
Palavras-chave: Criana; Crianas com Deficincia; Deficincia Intelectual; Distrbios do Neurodesenvolvimento; Educao de
Pessoa com Deficincia Intelectual; Portugal
Os critrios de diagnstico incluem dfices tanto nas fun- e prtico,1 o que representa um avano em relao ao
es intelectuais, confirmados clinicamente e por testes DSM-IV-TR, em que a gravidade era definida exclusiva-
psicomtricos padronizados, como em pelo menos uma mente em funo do QI. Cerca de 85% das crianas apre-
das reas do funcionamento adaptativo e incio durante sentam perturbao ligeira, 10% moderada, 3-4% grave
o perodo de desenvolvimento. O funcionamento inte- e 1-2% profunda.8
lectual definido por um quociente de inteligncia (QI) A comorbilidade com outras doenas mdicas, perturba-
obtido atravs de testes intelectuais aplicados.1 O fun- es mentais ou do neurodesenvolvimento frequente.
cionamento adaptativo refere-se independncia pes- A prevalncia de outras perturbaes do neurodesen-
soal e responsabilidade social esperados de acordo com volvimento nesta populao cinco vezes superior
a idade e o meio sociocultural do indivduo.3 encontrada na populao geral.11
O termo atraso global do desenvolvimento aplica-se a As outras perturbaes do neurodesenvolvimento e
crianas com idade inferior a 5 anos que no atingiram mentais mais frequentemente associadas so a pertur-
o desenvolvimento esperado para a sua faixa etria nas bao de dfice de ateno / hiperatividade, as pertur-
vrias reas do funcionamento intelectual ou quando, baes de humor, as perturbaes de ansiedade e a per-
pela gravidade da situao clnica, no possvel aplicar turbao do espetro do autismo.1
testes padronizados.1 A elevada prevalncia e o impacto na vida da criana,
A prevalncia da perturbao do desenvolvimento inte- da famlia e na sociedade, tornam a perturbao do
lectual na populao geral aproximadamente de 1-3%.1,2 desenvolvimento intelectual um importante problema
Apresenta um predomnio no sexo masculino, na propor- de sade pblica.2,6 Deste modo, fundamental a imple-
o de 1,6:1, devido a fatores genticos ligados existn- mentao de medidas que permitam que estas crianas
cia de um nico cromossoma X nos indivduos do sexo atinjam o seu mximo potencial.8 Pela sua complexi-
masculino e a uma maior vulnerabilidade cerebral.1 Nos dade, a abordagem dever ser efetuada por uma equipa
casos graves, a diferena entre sexos menor (1,2:1).1,2 multidisciplinar com um pediatra do neurodesenvolvi-
A sua etiologia inclui causas pr-natais - nomeadamente mento, geneticista, neuropediatra, psiclogo, terapeuta
doenas genticas, erros inatos do metabolismo, malfor- da fala, terapeuta ocupacional, tcnicos de psicomotri-
maes cerebrais, doenas maternas e fatores ambien- cidade, fisioterapeutas, professores de ensino especial
tais (exposio intrauterina a lcool, responsvel por 8% e assistentes sociais, entre outros, de modo a definir o
dos casos ligeiros,4 toxinas e teratgenos); perinatais - perfil funcional da criana, identificar a etiologia e deter-
encefalopatia neonatal associada a asfixia intraparto; e minar as estratgias de interveno mais adequadas.4
ps-natais - de que so exemplo, leses hipxico-isqu- Em Portugal, esta situao encontra-se contemplada
micas, leses cerebrais traumticas, infees, doenas pela legislao. O Decreto-Lei 3/2008 pretende dar res-
desmielinizantes, convulses, doenas metablicas e posta s necessidades de todos os alunos integrados em
intoxicaes por chumbo ou mercrio.1,3,5 A maioria dos escolas do ensino pblico oficial, a partir dos 3 anos,
casos com etiologia definida est associada a doenas nomeadamente s crianas e jovens com necessidades
genticas, sendo que, entre estas, a trissomia 21 a educativas especiais de carter permanente.12 As medi-
causa gentica mais comum e a sndrome de X-frgil a das educativas incluem12:
principal causa hereditria.2,6,7 Uma minoria deve-se a - Apoio pedaggico personalizado;
fatores ambientais.2 - Adequaes curriculares individuais;
A abordagem destes doentes inclui uma histria clnica - Adequaes no processo de matrcula;
detalhada incluindo antecedentes familiares e pessoais, - Adequaes no processo de avaliao;
percurso escolar, exame fsico (com avaliao da pre- - Currculo especfico individual;
sena de dismorfias, alteraes cutneas e exame neu- - Tecnologias de apoio.
rolgico), excluso de dfices sensoriais, testes genti- O Decreto-Lei 281/2009 criou o Sistema Nacional de
cos, eventual avaliao metablica, exames de imagem Interveno Precoce na Infncia (SNIPI), que se carac-
e eletroencefalograma (EEG).1,2,6,8 A investigao etiol- teriza por um conjunto organizado de entidades institu-
gica dirigida pela histria clnica e deve ser realizada de cionais e de natureza familiar, com o objetivo de asse-
forma faseada.2 gurar e promover o bom desenvolvimento de crianas
A etiologia permanece desconhecida em 50-80% das em risco.13 Este sistema abrange crianas com idade at
situaes.6,9 Estima-se que as causas genticas ocorram aos 6 anos com alteraes nas funes ou estruturas do
em cerca de 4-10% dos casos.10 corpo que limitam a sua participao em atividades tpi-
De acordo com o DSM-5, a gravidade baseia-se no fun- cas para a sua idade e contexto social ou em risco de
cionamento adaptativo nos domnios conceptual, social atraso de desenvolvimento.13
O objetivo deste trabalho foi caracterizar uma amostra renciao incluram suspeita de atraso global (37,9%; n =
de crianas com perturbao do desenvolvimento inte- 53), atraso no desenvolvimento da linguagem (15%; n =
lectual ou atraso global do desenvolvimento, acompa- 21), doena gentica (13,6%; n = 19), recm-nascido de
nhadas num centro de neurodesenvolvimento de um risco para perturbao do neurodesenvolvimento (10%;
hospital portugus de nvel III. n = 14), dificuldades escolares (6,4%; n = 9), suspeita de
perturbao do espetro do autismo (4,3%; n = 6), desa-
teno e/ou irrequietude (2,1%; n = 3).
Mtodos A mediana da idade data da primeira consulta foi de 3
anos (idade mnima 1 ms, idade mxima 10 anos).
Estudo retrospetivo e descritivo, realizado com base na Relativamente aos antecedentes familiares, destacaram-
reviso dos processos clnicos das crianas codificadas -se as perturbaes do neurodesenvolvimento presen-
na base de dados de registo de um centro de neurode- tes em 30,7% (n = 43) da amostra, nomeadamente a
senvolvimento de um hospital tercirio, com diagnstico perturbao do desenvolvimento intelectual em 7,1% (n
atual de perturbao do desenvolvimento intelectual = 10) dos casos.
ou atraso global de desenvolvimento e em seguimento Na histria pessoal foram mais prevalentes os anteceden-
entre outubro de 2010 e dezembro de 2011 (14 meses). tes de prematuridade (21,4%; n = 30), doena gentica
Foram avaliadas caractersticas demogrficas (sexo, (18,6%; n = 26) e doena neurometablica (11,4%; n = 16).
idade), provenincia e motivos de referenciao, histria A investigao etiolgica incluiu, consoante os casos:
familiar, antecedentes pessoais, investigao etiolgica 1) Estudo gentico em 67,1% (n = 94), tendo sido reali-
(testes genticos, estudo de doenas metablicas, exa- zados caritipo em 51,4% (n = 72), estudo molecular do
mes de imagem e EEG), avaliao por otorrinolaringolo- X-frgil em 23,6% (n = 33), estudos FISH (fluorescence
gia e oftalmologia, avaliao do neurodesenvolvimento in situ hybridization) em 12,1% (n = 17), estudos MLPA
(escalas de desenvolvimento ou inteligncia aplicadas (multiplex ligation-dependent probe amplification) em
e resultados). Os testes de avaliao utilizados foram a 5,7% (n = 8) e array-CGH (comparative genomic hybridi-
escala de desenvolvimento mental de Ruth Griffiths e a zation) em 5% (n = 7);
escala de inteligncia de Weschler revista para as crian- 2) Estudo de doenas metablicas em 24,3% (n = 34);
as, 3 edio (WISC-III). Foram ainda determinados os 3) Exames de imagem em 65% (n = 91), tendo sido rea-
nveis de gravidade de acordo com o QI (ligeira se QI = lizada tomografia computorizada crnio-enceflica (TC-
56-70, moderada se QI = 41-55, grave se QI = 21-40 e pro- CE) em 23,6% (n = 33) e ressonncia magntica crnio-
funda se QI = 0-20), as comorbilidades e a interveno. -enceflica (RM-CE) em 48,6% (n = 68);
A anlise estatstica dos dados recolhidos foi realizada 4) EEG em 18,6% (n = 26);
com recurso ao Excel e SPSS20. 5) Avaliao por otorrinolaringologia em 65% (n = 91) e
por oftalmologia em 59,3% (n = 83).
Aps a investigao diagnstica realizada foi possvel
Resultados definir a etiologia em 44,3% (n = 62) dos casos, tratando-
-se de doena gentica em 26,4% (n = 37) das crianas,
Na base de dados de registo do centro de neurodesenvol- neurolgica em 10% (n = 14) e metablica em 3,6% (n =
vimento, de outubro de 2010 a dezembro de 2011, encon- 5). Em relao s causas genticas, foram mais frequen-
travam-se codificadas com diagnstico de perturbao do tes a trissomia 21 (n = 8), a sndrome de Prader-Willi (n =
desenvolvimento intelectual ou atraso global de desenvol- 5) e a sndrome de X-frgil (n = 4) (Tabela 1).
vimento 168 crianas. Aps consulta dos processos clnicos, O nvel intelectual foi avaliado por testes psicomtricos padro-
excluram-se do estudo 28 crianas, 17 com diagnstico de nizados em 109 crianas; em 79 crianas foi aplicada a escala
estado-limite do funcionamento cognitivo, sete por refor- de desenvolvimento mental de Ruth Griffiths e em 30 crianas
mulao diagnstica, trs por convergncia para a normali- a WISC-III. O quociente intelectual mdio foi de 51 ( 15).
dade e uma por abandono aps primeira consulta. A gravidade destas 109 crianas foi determinada de
No estudo foram includas 140 crianas, das quais 62,9% acordo com o QI em ligeira (50,5%; n = 55), moderada
(n = 88) eram do sexo masculino. (29,4%; n = 32), grave (17,4%; n = 19) e profunda (2,7%;
A referenciao para o centro de neurodesenvolvimento n = 3) (Fig. 1). Analisou-se a percentagem de casos com
foi realizada principalmente pelo mdico de famlia etiologia definida em cada um destes grupos de gravi-
(16,4%; n = 23), neuropediatria (12,9%; n = 18), neonato- dade: 25,5% (n = 14) das 55 crianas com perturbao
logia (10,7%; n = 15), gentica (8,6%; n = 12) e pela escola do desenvolvimento intelectual ligeira, 31,3% (n = 10)
ou iniciativa dos pais (8,6%; n = 12). Os motivos de refe- das 32 crianas com perturbao moderada, 78,9% (n
Tabela 1. Casos de perturbao do desenvolvimento inte- = 15) das 19 crianas com perturbao grave e 66,7%
lectual e atraso global do desenvolvimento com etiologia (n = 2) das trs crianas com perturbao profunda (Fig.
definida (n = 62) 2). Constatou-se que a identificao da causa aumentou
Causas n com a gravidade da situao, sendo mais provvel nos
Genticas 37 (26,4%)
casos graves e profundos.
Trissomia 21 8
50,5%
Sndrome de Prader-Willi 5 (n = 55)
Sndrome de X-frgil 4
Sndrome de Angelman 2 29,4%
(n = 32)
Cromossomopatia X 2
17,4%
Sndrome de Williams 1 (n = 19)
Sndrome de Costello 1
2,7%
Sndrome de DiGeorge 1 (n = 3)
Sndrome de Noonan 1
Sndrome de Kabuki 1 100%
90%
Esclerose tuberosa 1 80%
70%
Trissomia 18 1 60%
50%
Mutao ligada ao X (RAB39B, Xq28) 1 40%
30%
Duplicao do brao logo do cromossoma 15 1 20%
10%
0%
Duplicao 19p13.3 1 Ligeira Moderada Grave Profunda
Sem etiologia denida 41 22 4 1
Duplicao 22q11.2 1
Com etiologia denida 14 10 15 2
No especificadas 2
Figura 2. Nmero de casos com etiologia definida de acordo com a
Neurolgicas 14 (10,0%) gravidade da perturbao do desenvolvimento intelectual (n = 109).
Encefalopatia epilptica 4
Encefalopatia hipxico-isqumica 3 Foram considerados trs grupos etrios data da pri-
Leucomalcia qustica 2 meira consulta e foi feita a anlise da gravidade em
Hidrocefalia 1 cada um destes grupos. Verificou-se que medida que
a idade na primeira consulta aumentava, maior era a
Sndrome de Rasmussen 1
percentagem de casos ligeiros, diminuindo os casos de
Disgensia cerebral 1
maior gravidade (Fig. 3).
Hemorragias intraventriculares 1 Foi identificada pelo menos uma comorbilidade em
Encefalopatia de etiologia no especificada 1 68,6% (n = 96) das crianas, destacando-se pela sua
Metablicas 5 (3,6%) frequncia a perturbao de dfice de ateno / hipe-
Dfice de cobalamina 2 ratividade (57,9%; n = 81), a perturbao do espetro do
Acidria glutrica 1
autismo (24,3%; n = 34) e a perturbao da linguagem
(10,7%; n = 15) (Fig. 4).
Acidria propinica 1
Foi instituda teraputica farmacolgica em mais de
Doena de Hunter 1
metade das crianas (62,1%; n = 87), com metilfenidato
Outras 6 (4,3%) em 50,7% (n = 71) da amostra e risperidona em 21,4% (n
Embriopatia por valproato 2 = 30) dos casos.
Prematuridade 1 Nesta amostra, data do estudo, a maioria das crian-
Sfilis congnita 1 as (94,3%; n = 132) encontrava-se integrada em escolas
de ensino regular, sendo que 81,4% (n = 114) estavam
Meningite com empiema 1
abrangidas pelo Decreto-Lei 3/2008; uma minoria (5,7%;
Maus tratos 1
n = 8) frequentava escolas de ensino especial.
100%
90%
A idade mxima de 10 anos na primeira consulta pode
80%
70%
ser explicada pela maioria dos casos serem perturba-
60% es do desenvolvimento intelectual ligeiras. Ao con-
50%
40% trrio dos casos graves, geralmente detetados antes
30%
20% dos 2 anos de idade, os casos ligeiros podem ser diag-
10%
0%
0-2 anos 3-5 anos 6 anos
nosticados apenas em idade escolar, face s exigncias
Profunda 3,6% 2,9% 0,0% acadmicas.3,11 Os dados desta casustica corroboram
Grave 25,0% 8,8% 11,0% as afirmaes anteriores. De facto, nesta amostra, veri-
Moderada 32,1% 32,4% 16,0%
ficou-se uma maior percentagem de casos graves nas
Ligeira 39,3% 55,9% 74,0%
crianas com idade igual ou inferior a 2 anos data da
Figura 3. Distribuio da gravidade do quociente de inteligncia na primeira consulta e uma maior percentagem de casos
ltima avaliao de acordo com a idade na primeira consulta (n = 109). ligeiros nas crianas com idade igual ou superior a 6
anos. No entanto, a idade tardia data da primeira con-
sulta tambm deve ser encarada como uma chamada de
Perturbao de dce de ateno / 57,9%
hiperatividade (n = 81) ateno para a necessidade de realizar uma avaliao
Perturbao do espetro do autismo
24,3% do neurodesenvolvimento pelo menos em algumas ida-
(n = 34)
des selecionadas nas consultas de sade infantil, sendo
10,7%
Perturbao da linguagem
(n = 15) imprescindvel a formao dos profissionais de sade
Perturbao do comportamento
3,6% nesta rea, no sentido de detetar e referenciar atempa-
(n = 5)
damente desvios da normalidade.
1,4%
Perturbao do som da fala
(n = 2) A perturbao do desenvolvimento intelectual mais
frequente em famlias com um funcionamento cognitivo
Figura 4. Prevalncia de comorbilidades nas crianas com pertur- e nveis educacional e socioeconmico mais baixos.4,8 De
bao do desenvolvimento intelectual ou atraso global do desen-
volvimento (n = 140). facto, sabe-se que o desenvolvimento intelectual tambm
influenciado pelo meio familiar e cultural15 e a prevaln-
Discusso cia da perturbao do desenvolvimento intelectual ligeira
varia de acordo com fatores ambientais, como o nvel
Neste trabalho, a maior proporo de crianas do sexo educacional materno, a acessibilidade educao e aos
masculino com perturbao do desenvolvimento inte- cuidados de sade.8 Assim sendo, no surpreendente
lectual ou atraso global do desenvolvimento est de a presena de histria familiar de perturbao do neuro-
acordo com o referido pelo DSM-5 (1,7:1 na presente desenvolvimento em 30,7% da amostra (7,1% com diag-
amostra versus 1,6:1).1 nstico de perturbao do desenvolvimento intelectual).
A mediana da idade de 3 anos na primeira consulta Estes dados sugerem a importncia e a influncia da inte-
poder estar relacionada com a repercusso desta per- rao de fatores genticos e ambientais na patogenia da
turbao na rea da linguagem, sendo este muitas vezes perturbao do desenvolvimento intelectual. Por um lado,
o primeiro sinal de alerta.4 Esta hiptese corroborada estas crianas podem ter uma predisposio gentica para
pelos motivos de referenciao, sendo o atraso de desen- um desenvolvimento intelectual abaixo da mdia e, por
volvimento da linguagem o segundo principal motivo de outro lado, se expostas a um meio pobre em estmulos,
referenciao nesta amostra. Sabe-se que crianas com dificilmente atingem o seu potencial mximo de desenvol-
um desenvolvimento psicomotor adequado adquirem vimento.15 Estes resultados vm reforar a importncia da
os componentes bsicos da linguagem por volta dos valorizao do meio familiar e cultural da criana.
3-4 anos. No entanto, crianas da mesma idade com Quando analisados os antecedentes pessoais, verifi-
perturbao do desenvolvimento intelectual podero cou-se uma elevada prevalncia de prematuridade,
estar numa fase muito inicial da aprendizagem da lin- semelhante ao descrito noutros trabalhos,16 dados que
guagem, no ter uma compreenso verbal adequada apoiam a prematuridade como fator de risco para o
e ter adquirido apenas algumas palavras.14 De facto, o desenvolvimento desta perturbao. De facto, a relao
desenvolvimento da linguagem um bom indicador do entre prematuridade e perturbao do desenvolvimento
desenvolvimento das capacidades cognitivas, pelo que, intelectual est bem estabelecida. Segundo alguns estu-
na ausncia de compromisso das funes auditivas, um dos, o risco maior para idades gestacionais menores
atraso na linguagem deve sempre levantar a suspeita de e, de acordo com a literatura, o atraso global afeta 4,2%
perturbao do desenvolvimento intelectual, para alm dos recm-nascidos de termo e 37,5% dos prematuros
de outras perturbaes do neurodesenvolvimento.11 de 24-25 semanas de idade gestacional.15
Nesta amostra, tal como descrito na literatura, foi poss- de recorrncia em gravidezes futuras, possibilitando
vel determinar a etiologia em quase metade das crian- aconselhamento gentico e diagnstico pr-natal.2,9 Por
as (44,3% vs 30-50%).5 No entanto, a percentagem de outro lado, do conhecimento dos autores, a necessi-
casos atribuveis a causas genticas foi relativamente dade que os pais expressam de obter respostas relativa-
superior aos dados apresentados em estudos prvios mente causa da condio clnica dos seus filhos.
(26,4% na presente amostra versus 4-10%).5 Noutros O array-CGH o teste gentico recomendado como
trabalhos foi identificada uma causa gentica em 11,9% primeira linha nos casos de perturbao do desenvol-
dos casos9 e 16,8% dos casos foram atribudos a doenas vimento intelectual de etiologia por esclarecer.2 Esta
cromossmicas.16 Esta diferena pode ser explicada por tcnica deteta microdelees e microduplicaes (tam-
se tratar de uma amostra de um hospital tercirio, onde bm denominadas copy number variations, CNV), que
so seguidas muitas crianas com doena gentica refe- se sabe poderem estar associadas a esta perturbao e
renciadas especificamente por um servio de gentica que no so detetadas por outras tcnicas5,6 e permite
ou pelo acesso privilegiado destes doentes a uma ava- detetar a causa em 15-20% dos casos.2 A sua utilizao
liao realizada por um geneticista aps a consulta de num outro estudo permitiu identificar a causa em 29,5%
neurodesenvolvimento. dos 71 casos em que foi solicitada.9 Na presente amostra
Em relao s causas genticas, destacaram-se a tris- foi solicitado em apenas sete casos, tendo sido estabele-
somia 21, a sndrome de Prader-Willi e a sndrome de cida a etiologia num caso. Os autores consideram que os
X-frgil. Esta foi a causa identificada em 4,5% das crian- custos desta tcnica condicionaram o seu uso mais crite-
as do sexo masculino, semelhante aos dados da litera- rioso nos anos a que reporta a casustica, o que explica
tura (responsvel por 2-3% dos casos de perturbao do a sua baixa utilizao nesta amostra. Posteriormente a
desenvolvimento intelectual no sexo masculino).2,6 tcnica generalizou-se e tornou-se menos dispendiosa,
Neste trabalho, 10% dos casos foram atribudos a tendo contribudo para uma maior proporo de casos
doena neurolgica; num outro estudo foram encontra- com diagnstico etiolgico definido. Os autores conside-
dos resultados semelhantes (13,1%).9 ram que a realizao do array-CGH em todas as crian-
De acordo com a literatura, o estudo metablico per- as com perturbao do desenvolvimento intelectual de
mite o diagnstico em 1-2% dos casos.6 Neste trabalho, a etiologia a esclarecer poderia ter possibilitado a identi-
etiologia atribuvel a doena metablica foi semelhante ficao da causa num maior nmero de crianas desta
descrita na literatura (3,6% vs 1-2%).6 A importncia amostra. De facto, a elevada percentagem de casos cuja
de identificar estes casos reside na possibilidade de ins- etiologia permanece por esclarecer parece refletir a ine-
tituio da teraputica dirigida em alguns casos e no seu xistncia de tcnicas adequadas que permitam a sua
potencial de melhoria aps o diagnstico.2 deteo e no a ausncia de uma causa.7 Mais recen-
Neste trabalho, verificou-se um maior nmero de casos temente, foi iniciado o uso de sequenciao do exoma,
graves a nvel intelectual, comparativamente aos dados da o que poder contribuir para uma maior proporo de
literatura (17,4% vs 3-4%)8 e a outras casusticas publica- diagnsticos etiolgicos.
das (9%).16 Sabe-se que os casos graves esto associados A elevada percentagem de comorbilidade encontrada
a doenas genticas,6 o que est de acordo com a elevada neste trabalho prxima da referida por vrios autores,
percentagem de casos de etiologia gentica desta amostra. 68,6% vs 66%16 e 30-70%.11 Neste trabalho, as principais
Nas formas ligeiras, a etiologia permaneceu por esclarecer perturbaes do neurodesenvolvimento associadas,
em cerca de 70% dos casos, tal como descrito na literatura. tal como referido no DSM-5,1 foram a perturbao de
De facto, apesar da contribuio gentica, que aumenta a dfice de ateno / hiperatividade e a perturbao do
suscetibilidade para a doena, sabe-se que os casos ligei- espetro do autismo. A elevada percentagem de crianas
ros so mais frequentemente de origem multifatorial.6 com perturbao de dfice de ateno / hiperatividade
Nos grupos de maior gravidade, verificou-se uma maior nesta amostra est de acordo com a literatura (57,9% vs
percentagem de casos com etiologia definida, resultados 50,9%), com repercusso no prognstico e na interven-
semelhantes aos descritos por outros autores.16 o a implementar.17 Num outro estudo, a prevalncia
A identificao de uma causa especfica faculta informa- da perturbao de dfice de ateno / hiperatividade
es sobre o prognstico e eventuais comorbilidades. nas crianas com trissomia 21 atingiu 43,9%.18 Na pre-
exceo das doenas metablicas, que so raras, para a sente amostra, o diagnstico de perturbao de dfice
maioria das causas de perturbao do desenvolvimento de ateno / hiperatividade foi estabelecido em 62,5%
intelectual no existe tratamento especfico. No entanto, das crianas com trissomia 21.
no caso das doenas genticas, a identificao da altera- Verificou-se que 24,3% das crianas cumpriam crit-
o gentica envolvida pode ser til para calcular o risco rios de perturbao do espetro do autismo, resultados