Cantoria e Poesia Oral: A Resistência Da Cultura Popular
Cantoria e Poesia Oral: A Resistência Da Cultura Popular
Cantoria e Poesia Oral: A Resistência Da Cultura Popular
RESUMO: Este trabalho traz uma análise descritiva dos principais estilos da cantoria
nordestina, que, como o trovadorismo, período literário europeu, possui uma composição
poética de versos organizados em rima e métrica. Afirmando que suas principais
características são o improviso de repente e o desafio de cantadores, mostra as diferentes
maneiras de produzir estrofes, com disposição de rima e métrica – e, mesmo que de longe,
melodia, já que esta influencia na métrica de estrofes diversas – diferentes em cada uma
delas. O foco é defender a literatura popular regional, por meio da poesia oral, de modo que
não seja esquecida e/ou ignorada como está acontecendo. Como o cantador é um artista e
possuidor do conhecimento da sua arte através da convivência e da prática, deve ser
valorizado, pois transmite uma visão de mundo da forma popular que as pessoas o
enxergam. Resulta de pesquisas, entrevistas e conhecimento existencial que eu exercito
como poeta popular de produção poética limitada. Com base neste relato, utilizamos
conceitos de Tersariol (1981), Sautchuk (2009), Tavares (2006), entre outros que tratam da
literatura de cordel, associando-a à cantoria, já que ambas são interligadas. Através do
conhecimento da cantoria como poesia popular, pode-se adquirir uma visão mais crítica,
comparando-a à poesia erudita, pois motiva ao interesse pela análise de conteúdo, já que
seus estilos possuem uma estrutura complexa.
Palavras-chave: Cantoria nordestina. Poesia oral. Literatura popular.
ABSTRACT: This work presents a descriptive analysis of the main cantoria nordestina's
styles, that as the troubadour, European Literary Period, has a poetic composition of verses
organized in rhyme and metric. Stating that its main features are the improvisation repente
and the challenge between popular singers, It shows the different ways of producing stanzas
with rhyme's placement and metric – and even that far, melody, since that influences in the
metric of several stanzas – different in each of them. The focus is to defend the regional
popular literature, through oral poetry, so that it is not overlooked or ignored as it is
happening. As the popular singer is an artist who knows this art through experience and
practice, it should be valued, because it transmits a worldview in the popular way as people
see it. This work results of research, interviews and existential knowledge that I develop as
popular poet who has limited poetic production. As basis to this report, we use conceptions
from Tersariol (1981), Sautchuk (2009), Tavares (2006), among others that discuss the string
literature, associating it with the singing, since both are interconnected. Through knowledge
of singing and folk poetry, we can obtain a more critical view, comparing it to the classic
poetry because it motivates into the interest to content analysis, as their styles have a
complex structure.
Keywords: Cantoria nordestina. Oral poetry. Popular literature.
1
Graduando em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
2
Doutor em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
Professor Adjunto IV da UERN.
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1 INTRODUÇÃO
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junto com ela o seu oposto natural – a escrita; pois, somente a partir desta é que se
pode falar de oralidade” (OLIVEIRA, 2012, p. 47). Deste modo, entende-se que a
oralidade tem bases na escrita, mesmo sendo opostas. Poremos, pois, ênfase na
oralidade, mas desde a utilização da escrita, para fazer descrições de uma poesia
oral que compartilha alguns aspectos com a poesia escrita. Nesse universo poético
(o da cantoria), o improviso é o meio pelo qual a poesia flui e mantêm sua
originalidade. E para não haver repetições excessivas dos estilos cantados, desde o
início do século passado até hoje, os estilos estão se multiplicando, constituindo
novidade para os ouvintes. Desta forma, a cantoria passa por um processo de
evolução, mas sem deixar sua identidade sertaneja e popular, pois isso é o que a
torna atraente aos seus apologistas.
No livro Literatura de cordel – Antologia, organizado por José de Ribamar
Lopes, editado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Veríssimo de Melo (1983,
p. 15) afirma: “Porque ninguém é poeta popular porque diz que é ou pretende ser. O
poeta popular é uma expressão da região, do seu povo, com a sua linguagem
própria e sabedoria secular. O cordel é o seu veículo tradicional no Nordeste
brasileiro”. É necessária uma habilidade natural e, como dizem os cantadores, ter
uma veia poética, pois estes artistas são produto cultural das crenças folclóricas do
povo sertanejo. Não há formação para o cordel nem para o repente, a não ser o seu
próprio meio, já que “a poesia popular exprime a visão popular do mundo”
(TERSARIOL, 1981, p. 207, grifo nosso), para os cantadores. No próximo ponto far-
se-á uma descrição dos estilos mais antigos aos mais atuais.
3.1. QUADRA
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3.2 SEXTILHA
3.2.1. Gemedeira
A gemedeira é uma sextilha com sete sílabas que tem, entre os versos cinco
e seis, a expressão ai, ai; ui, ui – ou variações desta, fazendo jus ao nome do estilo.
É muito usada em brigas de cantadores, onde eles fazem disputas, tentando cada
qual se sair melhor, fazendo zombarias ao adversário. Exemplo:
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar o estilo “quadra” e suas variações
estruturais, com a finalidade didática de resgatar a poesia popular e enriquecer a produção do texto.
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar o estilo “sextilha” e suas variações métricas,
com a finalidade didática de resgatar a poesia popular.
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3.3. SEPTILHA
3.3.1. Mourão
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Estrofe de minha autoria, composta para exemplificar o estilo “gemedeira”, pertencente à “sextilha”,
com a finalidade didática de resgatar a poesia popular.
6
Estes estilos considerados pequenos (seis e sete versos) dificilmente são pedidos na forma
agalopada.
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Estrofe de minha autoria, composta para exemplificar o estilo “septilha”, com a finalidade didática de
resgatar a poesia popular.
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3.4 OITAVA
O quadrão à beira-mar é um “coco” (estilo que tem um coro ao final), por isso
precisa ser explicado separadamente. O primeiro verso do coro encerra a estrofe; o
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Estrofe de minha autoria, composta para exemplificar o estilo “mourão”, pertencente à “septilha”,
com a finalidade didática de resgatar a poesia popular.
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Estes estilos também possuem estruturas iguais, sendo o primeiro com sete
sílabas e o segundo com dez. Os dois rimam o primeiro verso com o terceiro, o
segundo com o quarto e o oitavo, e o quinto com o sexto e o sétimo. O oitavão
rebatido é muito usado em desafios, brigas de cantadores, e é feito com sete
sílabas. Neste gênero, o objetivo é revidar ou rebater a ofensa do adversário.
Sempre termina dizendo: no oitavão rebatido. Exemplo:
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar os estilos “os oito pés-a-quadrão”, “o velho
quadrão mineiro” e “o quadrão à beira-mar”, pertencentes à “oitava”, e suas variações de mote, com a
finalidade didática de resgatar a poesia popular.
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no repente e pela criação de muitas toadas dentro da cantoria que são utilizadas por
outros cantadores da mesma geração. Com dez sílabas, oitavas segue a mesma
estrutura que o oitavão rebatido, mas não tem a terminação fixa, todo ele é solto e,
portanto, precisa haver improviso completo. Ainda não é conhecido por todos os
cantadores nem é comum ser pedido em cantorias. Os cantadores usam este estilo
para falar de sabedorias. Exemplo:
3.5. NONA
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar os estilos “oitavão rebatido” e “oitavas”,
pertencentes à “oitava”, e suas variações métricas e/ou de mote, com a finalidade didática de
resgatar a poesia popular.
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Tal precipício:
Nove palavras por seis
(Jairo Paiva11)
3.6. DÉCIMA
A décima é um estilo composto de dez versos, que pode ser com sete
sílabas, com dez sílabas (martelo agalopado), ou com onze sílabas (galope). Sua
rima segue o modelo ABBAACCDDC. É comum, nas pelejas, ser dado um mote
sobre qualquer assunto para que os cantadores improvisem sobre ele. Exemplo de
decassílabo:
Pode ocorrer de não ser dado um mote, mas apenas o assunto, então os
cantadores terão de improvisar os dez versos sem nada repetir ao final de cada
estrofe. Chamarei de tema o mote de apenas um verso que pode ser dado, igual ao
galope à beira-mar – que será mostrado mais adiante –, para improviso de nove
versos, sendo completados pelo tema.
Há, também, o martelo perguntado (decassílabo). A diferença é que, neste,
um cantador faz estrofes com perguntas, e o outro cantador tem que respondê-las.
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Estrofe de minha autoria, composta para exemplificar o estilo “nona”, por mim classificada dentro
da cantoria, com a finalidade didática de resgatar a poesia popular.
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Estrofe de minha autoria, composta para exemplificar o estilo “décima”, com a finalidade didática de
resgatar a poesia popular.
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A palavra caboclo é adaptada para caboco – uma variação nordestina –, nesse estilo da cantoria,
por não haver, para ela, rima consoante, o tipo de rima usada na cantoria, que é a rima que leva em
consideração o som desde a vogal do acento tônico até a última vogal, considerando a exata
igualdade do som das consoantes nesse meio.
14
Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar os estilos “Brasil caboclo” e “Brasil de pai
Tomás”, pertencentes à “décima”, e suas variações métricas, com a finalidade didática de resgatar a
poesia popular.
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C1-Cantador 1/C2-Cantador 2
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar os estilos “mourão voltado” e “quadrão
perguntado”, pertencentes à “décima”, e suas construções, com a finalidade didática de resgatar a
poesia popular.
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3.6.4. Boi da cajarana; quando eu ia, ela voltava; e o que é que me falta fazer
mais?
Estes três estilos também são cocos. Os dois primeiros têm estruturas
compostas por versos com sete sílabas, e o terceiro com dez sílabas. O boi da
cajarana é um estilo melodioso, que é usado para cantar algo voltado ao sertão e
também desafio de cantadores. O quando eu ia, ela voltava é usado para
trocadilhos, e sua melodia é rápida, para que o cantador mostre habilidade em não
errar o verso. O o que é que me falta fazer mais? é usado em brigas de cantadores,
onde eles dizem mentiras de façanhas que já tenham feito, exagerando no que
dizem, para se sobressair ao adversário. Com variações, o primeiro termina dizendo:
Eu quero o boi amarrado/ no pé da cajarana,/ me amarre o boi/ no pé da cajarana. O
segundo termina dizendo duas vezes: Quando eu ia, ela voltava/ e quando eu
voltava, ela ia. E o terceiro termina perguntando: O que é que me falta fazer mais/ se
o que eu fiz até hoje ninguém faz? Exemplos:
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Estrofe de minha autoria, composta para exemplificar o estilo “pássaro preto”, com a finalidade
didática de resgatar a poesia popular.
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar os estilos “boi da cajarana”, “quando eu ia,
ela voltava” e “o que é que me falta fazer mais?”, pertencentes à “décima”, e suas variações métricas
e/ou de mote, com a finalidade didática de resgatar a poesia popular.
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Galope à beira-mar
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar os estilos “voa sabiá” e “remo da canoa”,
pertencentes à “décima”, e suas variações de mote, com a finalidade didática de resgatar a poesia
popular.
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Os três estilos que serão abordados nesse ponto são do tipo que tem um coro
fixo no meio da estrofe, com versos improvisados no começo e fim da mesma. O 13
por 12, estilo de sete sílabas, muito usado em brigas de cantadores, tem os seis
primeiros versos organizados como uma décima comum. O sexto verso deve
terminar com o som em “éis”, para rimar com o verso seguinte, que é o primeiro do
coro, podendo haver variações: é treze por doze/ é onze por dez/ é nove por oito/ é
sete por seis/ é cinco por quatro/ mais um, mais dois e mais três – a partir daqui,
dois versos devem ser improvisados, rimando entre si, terminando com o verso fixo:
o cantador de vocês.
No gabinete, o cantador deve explorar a criatividade. Também tem os seis
primeiros versos organizados como uma décima comum e é feito com sete sílabas.
Mas, nesse caso, o sexto verso deve terminar com o som em “em”, para rimar com o
verso seguinte, que é o primeiro do coro, podendo haver variações: eu comprei um
cartão pra viajar no trem/ sem cartão ninguém vai sem cartão ninguém vem/ nem
vem nem vai, nem vai nem vem/ tanto tem como dá, tanto dá como tem/ nem é meu
nem é seu, nem dou ele a ninguém – o verso seguinte deve ter somente o começo
improvisado, pois o final é fixo: faça assim também. O verso seguinte deve ser
improvisado, terminando em “ête”. Os dois seguintes terminam a estrofe e são fixos:
quem não cantar gabinete/ não é cantor pra ninguém.
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar os estilos “os dez de queixo caído”,
“martelo alagoano” e “galope à beira-mar”, e suas variações métricas, com a finalidade didática de
resgatar a poesia popular.
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13 por 12 Gabinete
Improviso, meu amigo, Viagem de vida e morte,
Deve ter uma mensagem, Cada uma toma um lado,
Para passar boa imagem O rumo é determinado
Do vate, é o que eu digo. Leste, oeste, sul ou norte.
E para brigar contigo A vida possui mais sorte,
Eu puxo assuntos cruéis Mas a morte vai “pro” além.
É treze por doze Eu comprei um cartão
É onze por dez pra viajar no trem
É nove por oito Sem cartão ninguém vai
É sete por seis Sem cartão ninguém vem
É cinco por quatro Nem vem nem vai
Mais um, mais dois e mais três Nem vai nem vem
No repente, eu dou lapada Tanto tem como dá
E deixo a cara inchada Tanto dá como tem
Do cantador de vocês Nem é meu nem é seu
(Jairo Paiva) Nem dou ele a ninguém
E pra viver cantando,
Você cai Faça assim também.
C1-Eu tenho uma trajetória Soldado praça é cadete
No universo do repente, Quem não cantar gabinete
Tome um, dois, três Não é cantor pra ninguém
C2-Você com a sua história (Jairo Paiva)
Percebo que você mente
Tome quatro, cinco, seis
C1-Eu sou muito inteligente
Vou vencer, você não vai
C2-Você cai
C1-Se eu cair, caio aprumado
Porque sou bem preparado
E se for por dez pés lá vai
(Jairo Paiva20)
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Estrofes de minha autoria, compostas para exemplificar os estilos “13 por 12”, “gabinete” e “você
cai”, pertencentes à décima, e suas variações estruturais, com a finalidade didática de resgatar a
poesia popular.
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Para encerrar o ponto descritivo, será descrito o estilo usado para encerrar
cantorias: o coqueiro da Bahia. Este estilo é o mais melodioso e animado, para que
os cantadores se despeçam, deixando boa impressão da arte e do seu talento para
o público ouvinte. Em sete sílabas, sua disposição de rima tem o primeiro verso
solto, o segundo com o terceiro, o quarto com o quinto e o oitavo, e o sexto com o
sétimo. Possui o mote: coqueiro da Bahia/ quero ver meu bem agora; acompanhado
do coro, cantado duas vezes: quer ir mais eu, vamos/ quer ir mais eu, vam’bora.
Exemplo:
Encerrando este trabalho,
Que é do tipo descritivo,
Fico um pouco pensativo
Se alguém o ignora.
Mesmo assim, termino agora,
Com estilo e harmonia
Coqueiro da Bahia
Quero ver meu bem agora
Quer ir mais eu, vamos
Quer ir mais eu, vam’bora (2x).
(Jairo Paiva21)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
21
Estrofe de minha autoria, composta para exemplificar o estilo “coqueiro da Bahia”, pertencente à
décima, e suas variações estruturais, com a finalidade didática de resgatar a poesia popular.
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5 REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MELO, Veríssimo de. Literatura de Cordel – visão histórica e aspectos principais. In:
LOPES, José de Ribamar (org.). (1982). Literatura de Cordel – antologia. 2. ed.
Fortaleza: BNB, 1983, p. 3-52. 704p.
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