A Forma Da Água
A Forma Da Água
A Forma Da Água
Num momento em que os Estados Unidos, por meio da Era Trump, parece querer atacar e
torturar o que lhe é estranho (o outro, os imigrantes), a criatura do filme parece encarnar a
solidão dos refugiados. No mundo de ódio e de ressentimento que vivemos no Brasil, o fato
está longe de ser distante.
Mas me parece que a política de A FORMA DA ÁGUA não se afirma meramente no olhar
humano para personagens bondosos que não tem voz e que não são vistos, explorados por um
sistema de poder.
É assim que, por trás de sua suposta transparência, A FORMA DA ÁGUA, o filme, se esconde
por trás de códigos de gêneros, que assim, como seus personagens principais, não são muito
vistos ou reconhecidos.
O filme, portanto, dá FORMA a suas intenções, por meio de um jogo ambíguo com as próprias
tradições e convenções do que é considerado bom cinema, do que deve ser visto, ou ainda,
entre as fronteiras entre o cinema A e B, ou entre o “bom gosto”.
Assim, entendo que bom exemplo do gesto político de del Toro é na perturbadora sequência
em que o romance entre aqui-e-lá (entre ele e ela, entre o cinema e o mundo, entre o cinema
“A” e “B”) se cristaliza (ganha forma) quando um musical invade o filme de ficção científica.
Para quem acusa a cena de idealismo, é preciso lembrar que o casal tem carne: eles de fato
fazem amor.
Esses meandros, essas lacunas, esses sussurros é que me parecem ser o verdadeiro gesto
politico (discreto) de A FORMA DA ÁGUA: pensar o filme menos como trajetória humanista dos
deserdados personagens-herói e mais como forma de algo supostamente transparente, que,
ao final, revela sua natureza: a opacidade.