A Floresta Da Tijuca Castro Maya
A Floresta Da Tijuca Castro Maya
A Floresta Da Tijuca Castro Maya
A
FLORESTA
DA
TIJUCA
EDIÇÕES BLOCH
RIO D E JANEIRO
1967
FOTOGRAFIAS
DE
HUMBERTO
E
JOSÉ MORAES FRANCESCHI
PREFÁCIO
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do Império, aí existentes, foram doadas ao Governo Federal
por meu intermédio, constituindo o acervo inicial do Museu
de Petrópolis. Brocoió, edifícios e lugares históricos de Pa r
quetá, Pedra da Moreninha, Avenida da Tijuca, Quinta da
Boa Vista, tornada mais atraente com Jardim Zoológico, Pas-
seio Público, Praia Vermelha, apreensão de blocos de granito
preto arrancados das encostas para exportação ilícita, preser-
vação da Lagoa Rodrigo de Freitas e da Fonte da Saudade,
continuada vigilância contra extinção das matas e pedreiras
clandestinas que ferem a paisagem, remodelação da Estrada
do Cristo Redentor1 e circunvizinhanças para restabelecer o
objetivo inicial da aparição divina entre luzes de refletores
invisíveis.
Impõe-se, no entanto, a chegada ao local cujas tradições
e fascínio dois regimes políticos veneraram.
Já escrevi sôbre a opulência da flora indígena: "A floresta
se estende chão afora dando a impressão de grandeza imensurá-
vel. O trópico estabelece a confusão das espécies, entrelaçando
uns aos outros vegetais nascidos aos caprichos da natureza, for-
mando obstáculo hostil à transposição aventureira, sujeita a
esforço demorado e árduo. Dominando o ambiente, o silên-
cio, realçado de quando em vez por folhas desprendidas, ca-
minhar cauteloso de animais, canto de pássaros glorificando
a solidão e a vida.
"À noite, por entre as árvores, o luar desenha imagens que
o vento anima, e entre o céu e a terra se estabelece a lingua-
gem do mistério dos mundos, perscrutado há séculos e ina-
cessível sempre."
Na Floresta da Tijuca, remodelação de estradas, casca-
tas, lagos, açudes, reprêsas, pontes, praças, casas. A Cape-
linha do Mayrink, reconstituída e valorizada por tríptico de
Portinari, representando Nossa Senhora do Carmo, São Simão
Stock e São João da Cruz. Esquilos, barracão, fazenda. Trilha
seguida, discretamente, por legião de sectários, em busca de
lugares ermos para práticas supersticiosas, substituída pelo
"Caminho das Almas".
No conjunto, ressurgimento da obra da Monarquia com
insígnias da República, pela magia de Raymundo de Castro
Maya, quando de 1937 a 1945 estive à frente do govêrno da
cidade. Imperava, porém, a mão divina, iluminando santuá-
rios esquecidos.
Documentos oficiais, publicações de historiadores, ma-
nifestação pública de autoridades consagraram o trabalho.
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A Floresta da Tijuca, em meio ao pau-brasil, cedro,
maria-preta, canela, pau-ferro, angico, vinhático, fumo, café,
é povoada de crenças e lendas. A pedra do sacrifício, de
uso atribuído aos índios, a bola de fogo, rolando, antes da
aurora, de montanha a montanha, grutas que despertam bons
pressentimentos, plantas que tocadas conferem imunidades
contra males.
Mas o que de fato existe para quem lá se encontre é a evo-
cação emocionada dos nomes de Pedro II, José de Alencar,
Taunay, Barão d'Escragnolle, Visconde do Bom Retiro, Ti-
radentes, José Alves Maciel, Manuel Gomes Archer, cultores
todos do mesmo ideal, muitos deles semeadores de árvores e
flores, promessas de suntuosidade e encantamento.
Decénios idos, Raymundo de Castro Maya e eu, em pe-
regrinação pelos mesmos lugares de nosso enlevo, sem honra-
rias nem voz de comando, reencontramo-nos.
Êle, com este livro, feliz por continuar a enriquecer o pa-
trimônio literário e artístico. Quanto a mim, tão-sòmente al-
gumas folhas, à guisa de prefácio, olhos luzindo de orgulho do
dever cumprido, pés sangrando do inglório caminho na rota
administrativa do Brasil.
Juntos, novamente devíamos partir. Em derredor, recor-
dações apenas.
Cintilação das» primeiras estrelas adormecia anjos de asas
fatigadas. Distante e emudecido, o sino da capelinha, no es-
plendor da Floresta.
HENRIQUE DODSWORTH
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INTRODUÇÃO
AO PÚBLICO
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pai constantemente. Do Ministério da Viação passou ao da
Educação e finalmente para o da Agricultura. As estradas,
entretanto, sempre estiveram a cargo da Prefeitura. Com
estas contínuas mudanças, com a dualidade na administra-
ção e sem verba, era natural o seu abandono. Justiça seja
feita aos seus antigos administradores, êles sempre se esfor-
çaram ao máximo para defender as matas e os mananciais.
Iniciei os trabalhos em junho de 1943 e desde essa data
todo o pessoal encarregado da conservação, cêrca de 60 ho-
mens (pois a Prefeitura só mantém ali um feitor e jO guar-
da do portão do Alto da Boa Vista) foi sempre custeado por
mim, prestando eu, depois, contas à Prefeitura.
Na conservação de uma área de cêrca de 5 milhões de
metros quadrados, com 16 quilómetros de estradas e outro
tanto de caminhos, foi despendida durante os anos de 1943
a 1946 a importância de Cr$ 3 945 610,70. Os trabalhos
efetuados nesse período foram os seguintes:
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18. Reconstrução da casa "A Floresta", transformada em pe-
queno restaurante, funcionando desde 1944.
19. Reconstrução de uma reprêsa e colocação de 800 metros de
canalização de ferro a fim de evitar a contaminação das
águas no Açude da Solidão.
20. Reforma completa do Açude da Solidão, transformado em
um lago e jardins.
21. Construção de um portão, fechamento com grades e casa
de vigia.
22. Casa para o guarda no mesmo local.
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Quanto ao segundo objetivo desta obra, decorre de no-
ções erróneas, surgidas não se sabe onde, e que vão tomando
a feição de dados históricos. Sustentam elas que a Floresta da
Tijuca, tal como se nos apresenta hoje, deve-se preeminente-
mente ao Major Manuel Gomes Archer. Não é bem isto: nela
colaboraram o arboricultor e o paisagista. O Major Archer foi
designado para reflorestar a área devastada. Sua intervenção
visava apenas proteger os manadeiros da água que fôra captada
para abastecimento da cidade, após a desapropriação e deso-
cupação das terras. Desempenhou-se a contento, como pode-
mos verificar pelas espécies brasileiras de que se utilizou. Mas
sua intervenção ficou nisto; foi o criador do horto florestal. O
parque com seus locais de recreio, ao qual forneci a contribui-
ção acima citada, foi obra do Barão de Escragnolle, que com
carinho preparou para uso e deleite dos visitantes as pontes
toscas, os pequenos lagos e cascatas, os mirantes e até um la-
birinto; o conjunto, afinal, de caminhos e de pontos pitorescos
que constituem o que se chama hoje a Floresta da Tijuca, e
não Mata, como são as demais do Estado da Guanabara.
É isto o que iremos ler com maior detalhe nas páginas
seguintes, quando será feito o histórico da região.
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HISTÓRICO
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subdividida em fazendas e sítios, graças às boas condições de
acesso que ofereciam as encostas da serra.
A preferência dos pequenos agricultores deve ter sido
também norteada pela abundância de água, que é a principal
condição para se cultivar cereais. Diversos riachos desciam,
serpenteando, as encostas, e convergiam para o Rio Cachoeira,
que tomava o rumo oeste ao atingir o Alto da Boa Vista e de-
sembocava na Lagoa Camurim, banhando terras hoje ocupadas
pelo clube de golfe Itanhangá.
Efetuada por homens dedicados ao trabalho da terra, a
posse se processava, a bem dizer, despercebidamente; mais
tarde foi a Tijuca atraindo o interêsse de pessoas abastadas,
que ali edificaram casas de campo, atraídas pelo encantador
cenário e sobretudo pelo clima ameno, que lhes permitia evi-
tarem o rigor do verão carioca sem os inconvenientes de uma
longa viagem. Lembre-se a propósito que àquela época ainda
não existiam as cidades de veraneio da Serra dos Órgãos. É de
supor que tais facilidades atraíssem de preferência europeus
inadaptados ao clima, donde encontrarmos uma colónia deles
ali residindo, à qual se referem as notícias dos arredores do
Rio que na época fizeram alguns visitantes estrangeiros.
Só após haver o pintor Nicolas Antoine Taunay adqui-
rido um sítio fronteiro à Cascatinha da Tijuca e lá fixar resi-
dência com sua família, começou a ser citado o recanto como
local de grande beleza natural e clima favorável.
Nicolas Antoine Taunay chegou ao Brasil em março de
1816, membro preeminente da Missão Artística Francesa que
D. João VI, aconselhado pelo Conde da Barca, mandara con-
tratar na França.
Muito se tem falado sobre a Missão. Entretanto, cabe aqui
fazer uma observação que escapou aos comentaristas.
O início das suas atividades mostrava-se promissor. Pouco
depois da chegada e da apresentação dos artistas ao Regente,
levados pelo Conde da Barca, falecia a Rainha Dona Maria I e
logo foram êles chamados a preparar a parte decorativa das
cerimónias fúnebres.
Passado o período do luto realizaram-se duas grandes ce-
lebrações: a aclamação de D. João VI como monarca do Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e o casamento do her-
deiro do trono, D. Pedro, com a Arquiduquesa Leopoldina,
filha do Imperador Francisco I da Áustria.
O Conde da Barca aproveitou êstes eventos para mostrar
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o talento dos artistas que o Marquês de Marialva conseguira
reunir na França, e a êles coube projetar a ornamentação dessas
importantes cerimónias.
Simultâneamente estudavam o projeto do Palácio da Aca-
demia das Belas Artes que deveria dar início aos serviços para
os quais tinham sido contratados.
Inesperadamente, porém, em junho de 1817, pouco mais
de um ano após a chegada da Missão, falecia o seu protetor,
Conde' da Barca.
Começaram então as intrigas, a ciumada dos artistas por-
tuguêses; qualquer providência era protelada indefinidamente.
Parece que diante desta situação os artistas também se
desentenderam entre si; tanto é assim que cada um foi morar
no seu canto. O chefe da Missão, Joachim Lebreton, ficou no
Flamengo, Debret em Catumbi, Grandjean de Montigny na
Gávea e os Taunay no Alto da Tijuca. Ê fácil imaginar o que
representava, no início do século XIX, uma viagem da Gávea
à Tijuca: o único meio de transporte para galgar a serra era
o cavalo, uma viagem de Montigny aos Taunay levava um dia
inteiro. . .
Deduz-se daí que os artistas franceses não mantinham no
Rio a união que seria de esperar. Outra prova está no precioso
documentário que adquiri em 1939, na França: em todo o
acervo de J. B. Debret não figura Uma só aquarela ou desenho
da Cascatinha da Tijuca, apesar de ser êle um companheiro
de missão de Taunay; no entanto retratou diversas vezes a
Cascata Grande abaixo das Furnas, conforme pode ser visto na
Fundação Raymundo Ottoni de Castro Maya.
Mas, voltando à Floresta: sua história começa portanto
com o sítio que, a instâncias de seu filho Carlos, Nicolas An-
toine Taunay adquiriu no Alto da Tijuca, nêle construindo
um rancho de palha que mais tarde foi transformado na ca-
sinha fronteira à Cascatinha, como se vê nas gravuras de Ru-
gendas, Fisquet, Arago. . . Como até então nunca se ouvira
falar na cascata é de presumir que ela deveria estar encoberta
pela mata, e só quando se abriu a clareira apareceu em tôda
a sua beleza; justifica-se portanto o nome que lhe foi dado, de
Cascata Taunay.
Nas imediações formara-se uma concentração de nobres
franceses que se dedicavam principalmente à cultura do café.
Seus sítios estavam situados ao longo do rio Cachoeira. Acima
da Cascatinha ficava a Baronesa de Rouan, abaixo — na gar-
ganta que dá para leste — o Príncipe de Montbéliard, do ou-
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tro lado o Conde de Scey, o Conde de Gestas e a Senhora de
Roquefeuil.
Num quadro de Taunay que meu pai adquiriu no leilão
do espólio de Arago em Paris em 1892 e que hoje se encontra
na Fundação Raymundo Ottoni de Castro Maya, pode-se ter
uma ideia do que era a vida naquele local no princípio do
século XIX. Os nobres expatriados — bonapartistas — guar-
davam a tradição, montavam a Cavalo, de casaca vermelha, e as
senhoras vestiam-se com muita elegância. São provàvelmente
alguns dêles que Taunay retratou no quadro (v. Pr. 5).
Todos dedicavam-se ao plantio do café bourbon, que
dava muito bem na região: ao fim de três anos já começava a
frutificar e com seis estava em plena produção. Foi uma das
razões que provocaram a devastação das matas em todas as
cercanias da cidade.
As mudas de café que o Sargento-Mor Palheta trouxera
da Guiana Francesa foram plantadas em Belém do Pará mas
não se deram muito bem. Transportadas para o Rio resultou
aqui encontrarem condições ideais nas encostas da serra da
Tijuca.
Não eram somente os franceses acima citados que se de-
dicavam à sua cultura: na outra vertente hoje denominada
Gávea Pequena, o Sr. Lecesne, associado ao Duque de Luxem-
burgo, tinha uma grande plantação, cêrca de 60 000 pés; a
sede da sua fazenda foi mais tarde adquirida pelo Dr. Thomás
Cochrane e hoje pertence à Senhora E. G. Fontes. Ao lado
havia outra, denominada Nassau, do holandês Van Mook,
e para o lado do Corcovado, perto do Silvestre, existia a fa-
zenda New-Syon, do General Conde de Hogendorp, também
holandês, que ocupara postos elevados no seu país. Era ho-
mem de confiança e oficial do Estado-Maior de Napoleão,
tendo exercido o cargo de governador da Silésia e de Ham-
burgo, em cujo desempenho foi acusado de proceder com
rudeza. Dedicado de corpo e alma ao imperador, o acompa-
nhou fielmente na fase final da sua carreira, e após a derrota
de Waterloo resolveu exilar-se no Brasil e aqui montou uma
fazenda de café.
Quase todos os viajantes que aportaram naquela época
referem-se a Hogendorp; era pelos Taunay chamado o "Ermi-
tão do Corcovado" onde faleceu em 1830. Ainda existe sua casa
na Ladeira do Ascurra, é hoje de propriedade do govêrno.
A Tijuca foi, assim, o marco inicial do ciclo do café no
nosso país. Dali se propagaram as plantações para a Província
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do Rio de Janeiro e penetraram em São Paulo subindo pelo
vale do Paraíba, de onde se irradiaram para tôda a região ca-
feeira do Sul.
É curioso que nada se saiba a respeito da desagregação
da colónia bonapartista: apenas que o Conde Gestas (cônsul da
França) pereceu afogado quando a embarcação em que via-
java a Niterói foi colhida por súbito temporal.
O sítio de Taunay na Cascatinha atraiu muitos visitantes
ilustres. Jacques Arago, durante sua estadia no Rio a bordo
do Urania, descreveu em Souvenirs d'un aveugle a visita
que fêz ao local, tendo encontrado os irmãos Taunay muito
desanimados por não conseguirem vencer a resistência passiva
dos seus opositores. O escultor Augusto Marie Taunay conta
que lhe tinham encomendado um busto de Camões, que êle
representara zarolho. Assim não quiseram os portuguêses,
tinha que ser tirado "êste defeito"; o autor acabou destruindo
a estátua de mármore que já estava concluída.
Outros nomes famosos relatam sua passagem por aquêle
recanto, como o naturalista Príncipe Maximiliano zu Wied
Neuwied, Freycinet, o sábio Auguste Saint Hilaire. Os bo-
tânicos Carlos Frederico von Martius e João Batista Spix
contam que fizeram uma longa excursão, subindo a serra pelo
lado do Andaraí, e, guiados por um riacho, chegaram a um
salto de cêrca de cem pés de altura, abaixo do qual havia uma
casinha hospitaleira onde moravam os irmãos Taunay e seus
familiares.
Nicolas Antoine Taunay regressou à pátria em 1821
com a mulher e os filhos Carlos e Hipólito, deixando no sítio
da Tijuca o seu irmão Auguste Marie e seus filhos Félix
Émilie, Theodoro e Adriano.
Em 1824 Auguste Marie Taunay falecia repentinamente.
Escreve o Visconde de Taunay: "meu tio-avô, depois de ler
um pouco, encostou a cabéça nos braços, quando foram chamá-
1q estava morto."
Se esta foi uma morte suave o mesmo não aconteceu a
Adriano. Môço de grande talento e muito atirado, depois de
ter viajado com Arago e naufragado nos baixios das ilhas Mal-
vinas, regressou ao Brasil. Quando excursionava pela província
de Mato Grosso, participando da expedição organizada pelo
Barão Langsdorff, Cônsul-Geral da Rússia no Brasil, apartou-
se da comitiva e pereceu afogado nas águas correntosas do rio
Guaporé, ao atravessá-lo a nado. (Existem na Fundação Ray-
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mundo Ottoni de Castro Maya 3 aquarelas de Adriano com
visto de Arago; nelas se vê o grande talento dêsse môço que
pagou com a vida sua temerária audácia.)
Félix Émile, Barão de Taunay, chefe de ilustre família
brasileira e diretor da Academia de Belas Artes - pretensão
que não realizara seu pai — conservou por longo tempo a pro-
priedade da Cascatinha; mas não tardou a mudar a residência
para o centro da cidade. Nas memórias de seu filho, Visconde
de Taunay, há referências ao sítio, uma das quais merece ser
citada: em 1862 a família ali permaneceu algum tempo, en-
quanto o seu chefe e Job Justino de Alcântara encarregavam-
se de obras para o govêrao; uma delas foi a ponte em frente
à Cascatinha, que hoje tem o nome de seu construtor.
Desaparecidos os artistas da Missão, a zona do Rio Cacho-
eira entrou em nova fase de plácida obscuridade.
Certo é, porém, que os proprietários dos sítios continua-
vam auferindo bons proveitos das suas lavouras, principalmen-
te do café. Ora, é de todos conhecido o ciclo desta cultura no
nosso país: após a derrubada, um período de exploração inten-
siva das terras, sua exaustão e o êxodo dos plantadores para
terras virgens, ficando para trás as extensões desnudadas, em
que a macega e o pasto medram raquiticamente nas encostas
onde outrora se alteavam os troncos soberbos da floresta. Assim
se deu em Vassouras e no norte de São Paulo e o mesmo have-
ria de caber também à Tijuca, não ocorresse providencial e
fortuita intervenção do Poder Público, interessado em resolver
problemas surgidos longe dali.
É que o rápido crescimento da cidade em torno do pa-
lácio imperial de São Cristóvão impelira a autoridade a apli-
car medidas de urbanização, entre as quais prevalecia e era
inadiável o abastecimento de água. Os mananciais preexis-
tentes, captados nas encostas de Santa Teresa e do Corcovado,
mal davam para a alimentação de chafarizes públicos (Carioca
e Marrecas). Dentre os cursos de água passíveis de utilização
avultava o Rio Cachoeira, cuja posição permitia fácil supri-
mento do líquido após pequenas obras de regularização.
E assim, por volta de 1857, sendo Ministro do Império
do Gabinete Paraná o Deputado Luís Pedreira do Couto Fer-
raz (futuro Barão e Visconde do Bom Retiro) baixou-se ato
desapropriando as propriedades existentes na bacia daquele
rio, a fim de ser afastada a poluição das suas águas. Desapro-
priados, entre outros, foram os sítios "Caveira" e "Floresta/
ou "Midosi". O curso do rio foi parcialmente desviado em-
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baixo do salto Taunay e dirigido para leste, despejando suas
águas em reservatório situado no meio da serra.
Ficou assim muito reduzido o primitivo Cachoeira, que
hoje recebe apenas as sobras da Cascatinha e alguns veios
de água que o encontram no lugar denominado Cachoeira. A
Cascata Grande da Tijuca, sita abaixo das Furnas de Agassiz,
só lembra o antigo salto quando ocorrem períodos de fortes
aguaceiros.
A devastação das matas havia contudo acarretado grande
diminuição da água corrente; urgia fazê-la voltar ao primitivo
nível, restabelecendo-se a cobertura vegetal da área, transfor-
mando esta em reserva florestal. Foi então escolhido para êste
fim e nomeado em 1861 o Major Manuel Gomes Archer,
grande entusiasta da nossa flora, o qual possuía um sítio em
Guaratiba, no caminho de Cabuçu, com grande quantidade
de mudas das nossas essências florestais.
Archer fixou residência no sítio Midosi, trazendo como
auxiliares alguns escravos que alojou em prédio fronteiro ao
seu.
O reflorestamento a cargo do major ocupou treze anos.
No decorrer dêsse período foram plantadas acima de 100 000
árvores, trazidas do sítio do Cabuçu. A seleção e o agrupamen-
to das espécies não obedeceram a um plano definido; como
podemos apreciar hoje, somente os eucaliptos foram dispostos
em aléia à margem dos caminhos; as demais espécies estão
misturadas. Aqui e ali há grupos de cambucàzeiros, que tam-
bém gozavam das preferências do major. Seja como fôr, .co-
briu êle quase todas as terras da bacia do Cachoeira com va-
riadas essências e reproduziu, pelas mãos dedicadas dos seus
auxiliares, a floresta que tanto havia encantado José Alves
Maciel. Entre outros, lá estão hoje, a atestar sua continuada
atenção, o ipê, a urucurana, a sapucaia, os cedros, o pau-brasil,
a peroba, o pau-ferro, o vinhático, a canela, o angico e a maria-
preta, além das árvores frutíferas, jabuticabeiras, cambucà-
zeiros, jaqueiras, etc.
Em 1874 Archer afastava-se da Tijuca por ter sido in-
cumbido de similar reflorestamento em Petrópolis.
Como êste resumo histórico não tem o rigor de uma cró-
nica, abstenho-me de citar algumas datas e nomes dos que
ocuparam postos de mando na Floresta: é um estudo do de-
senvolvimento da região que só comporta citação daqueles
que participaram dos seus episódios. Vista sob êste aspecto a
história poderia ter sido encerrada quando Archer se afastou
23
da direção das matas, que passariam a ser daí por diante mais
uma reserva da Repartição de Águas, onde não seria permitido
ao bulício do mundo perturbar o marulho das águas e os si-
bilos das aves do mato. De tal destino escapou porém a Flo-
resta da Tijuca graças ao Imperador Dom Pedro II, que re-
solveu entregar sua administração a um fiel servidor e amigo,
o Barão de Escragnolle.
Gastão Luís Henrique de Escragnolle descendia de fran-
ceses de estirpe nobre, que a Revolução Francesa forçara ao
exílio. Seu pai e o avô materno aportaram ao Rio na frota do
Regente D. João e não acompanharam a Côrte no regresso a
Lisboa: proclamada a Independência, passaram a servir nas
forças armadas do Império e aqui viveram até o fim dos seus
dias. Como êles, Gastão seguiu a carreira das armas; entrou
para o Exército e tomou parte nas campanhas pacificadoras
do 2.° Império. Chegado à inatividade, dedicou-se com mais
empenho à leitura, que era o seu passatempo preferido. Co-
nhecia bem as obras mestras e os grandes nomes das literaturas
francesa e inglêsa.
Além de homem de cultura e educação possuía o princi-
pal título para o encargo, pois antigos laços o prendiam à
Tijuca. Uma de suas irmãs casara-se com Félix Émile Tau-
nay, de cuja casa tornou-se êle comensal. Tonton Bodó, como
o tratavam familiarmente os sobrinhos, conhecia de longa data
a Cascatinha e arredores. Portanto, não é demais admitir-se
que, entregando-lhe o tranquilo pôsto no qual poderia re-
cuperar a saúde alterada, Dom Pedro não estivesse simples-
mente premiando um amigo.
Escragnolle mudou-se para a Floresta, indo morar no pré-
dio onde está hoje o Restaurante dos Esquilos, e não descurou
do plantio de árvores, pois até 1885 a faina ainda não havia
terminado: restavam por plantar terrenos de pequena ferti-
lidade que exigiam cuidados especiais.
Seu maior empenho foi, contudo, o de embelezar a Flo-
resta; e nisto contou com a colaboração do grande paisagista
francês Glaziou. Tão notável veio a ser sua contribuição qué
o antigo hôrto transformou-se em encantador passeio público.
O visitante de hoje encontra inúmeras reminiscências do ve-
lho barão. Ora é uma picada em suave ascensão, ora um pon-
tilhão tôsco de pedra roliça; e sobretudo os variados acidentes
naturais que êle aproveitava ou, mesmo, compunha. E lá es-
tão os nomes que lhes deu e que recordam suas simpatias li-
terárias — gruta de Paulo e Virgínia, lembrando o romance
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de Bernardin de Saint Pierre; Excelsior, por causa do poema
de Longfellow. Porque considerava a Floresta como o seu par-
que, empregou também nomes familiares: Ponte da Baronesa,
sua mulher; Cascata Gabriela, sua irmã (casada com Félix
Émile Taunay); Vista do Almirante, Almirante Beaurepaire,
seu avô; também Fonte Piraiú, a lembrar o longínquo rincão
onde perdeu a vida, num trágico acidente, o seu único filho.
Amante da natureza, conservava a beleza da selva exube-
rante, mantendo-lhe intacto o caráter silvestre. Usou como ele-
mentos decorativos a pedra roliça, árvores e arbustos plantados
como ao acaso; não lançava mão do cimento e da cantaria nos
pousos que ia preparando para òs que gostam de descansar à
sombra do arvoredo. Quis, enfim, que a Floresta se transfor-
masse em lugar de passeio.
Alfredo d'Escragnolle Taunay, Visconde de Taunay, des-
creveu em 1885 uma visita feita aos seus tios, que está publi-
cada em Viagens de Outr'ora. Aponta o trabalho do Barão e
se refere ao estado da Floresta naquela ocasião. Para conhe-
cimento do leitor, julguei útil reproduzir-lhe aqui os trechos
principais:
A FLORESTA DA TIJUCA
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regular em que se vencem dois ou tres declives um tanto ásperos,
que os engenheiros do districto deveriam ter já tratado de re-
baixar ou contornar...
(*) O Visconde de Taunay usa impròpriamente o nome de Maracanã; devia ser Cachoeira:
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Começam então, as sorprezas.
Eis o ponte da Baroneza, fronteira á cascata Diamantina,
uma joia, obra de arte como Alphand, o magico jardineiro de
Pariz não faria melhor, porquanto alli só interveio o homem para
descortinar com geito e discreção tudo quanto as forças naturaes
crearam em adorável desalinho...
Prosigamos.
Logo adiante da gruta de Paulo e Virgínia, aparece outra
menor, mas igualmente característica, com basto revestimento de
vegetação que frondeia alto ou se agarra á pedra e se despenha
em contorcidos rolos, á maneira de grossos cabos pintados de
verde.
A sopé da rocha murmura um regato que desapparece n'u-
ma calha, para surgir do outro lado do caminho, a juntar as
buliçosas aguas ás da cascata Diamantina, que logo apóz a ponte
da Baroneza, se despejam em nova queda, limpando cada vez
mais as bonitas rochas de feldspatho branco, em que deslizam
o espumante espanejar.
É a gruta de Bernardo de Oliveira dedicada a um dos amigos
da Floresta, incansavel em proporcionar ao Barão de Escragnolle
sementes e plantinhas de toda a parte a que vá, principalmente
do Paraná, mandando vir, á expensas suas, e de bem longe, mudas
especimens valiosos, sem outro interesse que não o de verificar,
de cada vez que sóbe á Tijuca, os progressos dos pupillos entre-
gues aos cuidados de vigilante preceptor...
27
. . . a cascata Gabriela, dedicada á baroneza de Taunay,
irmã do Barão de Escragnolle, últimos filhos do Conde de Es-
cragnolle, o qual, tocado de França, sua patria, pelo furacão
revolucionário de 1789, passou-se para Portugal e, com o Rei D.
João VI, para o Brasil, onde morreu, em 1828, na província do
Maranhão, como comandante das armas.
Muito interessante e característica é essa queda d'agua des-
penhando-se grosso e limpidissimo veio do alto de uma grande
rocha, que foi partida ao meio por algum corisco. Uma das meta-
tades escorregou e afundou uns palmos no terreno, ao passo que
a outra se conservou firme, formando-se entre as duas pedras uma
calha natural em que corre agua e da qual ella se atira de jacto
em bacias de brancas arêas.
E em torno, reina luz mysteriosa, quase verde, coada pela
densa cupola do arvoredo, a dar pela lei do contraste, mais bri-
lho ás scintillações argenteas da cascata.
Que esplendida decoração para inspirado quadro, como o
Banho de Diana, do Dominiquino, obra prima em que tanto se
admiram as illuminações internas da agua, quando nella caem
de soslaio os raios do sol. . .
28
bilidade do Ministério da Viação, mais tarde passaram para a
Educação e finalmente vieram ter ao Ministério da Agricul-
tura..
Em consequência ao dualismo, aliado ao desinterêsse dos
primeiros republicanos, a Floresta entrou em longa fase de
decadência: o mato cresceu, tomou conta das picadas, enco-
briu os mirantes; os recantos que o barão mantinha com espe-
cial carinho ficaram abandonados à ação do tempo, as pontes
ameaçavam ruir e seus balaústres apodreceram. Desapareceu
o favor do público, que do Alto da Boa Vista seguia para as
Furnas ou Vista Chinesa, depois de uma breve pausa na Cas-
catinha, onde já não existia a casa dos Taunay.
Conforme relatei na Introdução, fui assíduo frequenta-
dor dos seus caminhos, que percorria, ainda menino, quando
morávamos na chácara em que está hoje o Colégio do Sacré
Coeur.
Mais tarde meu pai comprou um sítio na Estrada do
Açude, que depois passou à minha propriedade, e foi durante
muitos anos minha residência de verão. Hoje pertence à Fun-
dação Raymundo Ottoni de Castro Maya e está transformado
em Museu.
Fui portanto testemunha habitual do abandono. Percorri
inúmeras vêzes a cavalo os antigos caminhos imperiais — era
mesmo um passeio cotidiano. Andava-se a passo, trotava-se,
e no Alto do Mesquita a montada disparava num galope es-
perto. T u d o em perfeita solidão, apenas quebrada por um ou-
tro esquálido cantoneiro.
Entre os Prefeitos do Distrito Federal, só Pereira Passos
e Antônio Prado Júnior se interessaram pelo parque e seu
passado. Aquêle reparou algumas estradas e êste teve a ini-
ciativa de plantar marcos recordando Taunay e o Barão de
Escragnolle, que mãos de vândalos danificaram após a revo-
lução de outubro de 1930. Efetuou-se também a restauração
de algumas pontes, embora o concreto tomasse o lugar da pedra
e da madeira, num desàfio à tradição; devo entretanto ressaltar
que, até minha administração, essas foram as únicas mostras
de cuidado partidas de autoridades republicanas.
Foi quando em 1943 o Prefeito Henrique Dodsworth
convidou-me para promover a restauração da Floresta. Na In-
trodução já relatei os pormenores da minha gestão; resta-me
dizer que os objetivos em vista eram: restaurar o parque e criar
novos locais ao agrado do turista de nossa época.
T u d o estava por fazer: as estradas em péssimas condições,
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as picadas e atalhos já não existiam, foi preciso descobri-los,
e os prédios —• mesmo os que serviram de residência a persona-
gens do Segundo Império — estavam pràticamente em ruínas.
Pouco foi aproveitado. Para lhes dar o mesmo caráter que ti-
nham no século passado, adquiri materiais nas demolições que
se efetuavam para abertura da Avenida Presidente Vargas e
contratei nos subúrbios os mestres-de-obras, carpinteiros e pe-
dreiros a fim de, com sua ingenuidade, obter-se adequada res-
tauração nas casas que iam sendo reconstruídas.
A primeira medida foi demarcar os limites do parque;
para assinalar seus acessos pedi o auxílio de meu amigo arqui-
teto Wladimir Alves de Sousa, que com rara felicidade, de-
monstrando seu grande bom gôsto, desenhou e projetou os
dois portões simbólicos, um no Alto da Boa Vista e o outro
no Açude da Solidão.
Êste local foi totalmente transformado, não entraram aí
as reminiscências do Barão de Escragnolle; tudo foi criado por
mim,' a começar pela saída da Floresta, que não era naquele
local. Abriu-se novo caminho e com o auxílio do paisagista Ro-
berto Burle Marx transformou-se a antiga reprêsa, que era su-
jeita a poluição das águas, em um recanto encantador, realça-
do ainda pelas antigas grades do Campo de Santana, que es-
tavam no Depósito Público e foram cedidas à Floresta pelo
Prefeito Henrique Dodsworth. As águas do abastecimento, que
até então eram captadas no açude, foram canalizadas muito
acima dêle, evitando-se assim a contaminação direta pelos
visitantes.
O antigo sítio da Cascatinha também foi todo remodela-
do; limpou-se a área em frente à Ponte Job de Alcântara, que
não se via mais, e foi reformado o prédio do restaurante — pa-
recia uma fábrica — dando-se-lhe cunho colonial. Infelizmen-
te nada mais existia da casa dos Taunay, pois fôra demolida no »
princípio do século.
A Capela de Mayrink também foi por assim dizer feita de
nôvo, com a fachada desenhada por Wladimir Alves de Sousa,
que ainda projetou o campanário. Faz-se um romance em tor-
no da capela, que é relativamente recente: provàvelmente da
segunda metade do século XIX, construída no sítio da Baro-
nesa de Rouan que mais tarde veio a pertencer ao Conselheiro
Mayrink. Hoje o seu maior atrativo está nos magníficos pai-
néis de Portinari, que nasceram por um imprevisto. Quando
entrou em reconstrução, nada havendo no seu interior, con-
segui do Patrimônio Histórico um altar antigo vindo de uma
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capela de Minas Gerais. Na hora de colocá-lo verifiquei que
houvera engano nas medidas: o altar não cabia na capela. De-
sisti então dele e recorri a meu amigo Cândido Portinari, para
que aceitasse a encomenda de pintar três painéis representan-
do Nossa Senhora do Carmo ladeada por São Simão Stock —
que teve a visão de N. Sr.a no Monte Carmelo — e São João
da Cruz, fundador da Ordem do Carmo. Serviu de modêlo a
irmã do artista; o menino Jesus é o seu filho João Cândido.
Custou tudo 40 000 cruzeiros; alguns moradores do Alto da
Boa Vista auxiliaram-me no pagamento dos painéis. A primei-
ra missa foi oficiada pelo Cardeal D. Jaime Câmara em 16 de
julho de 1944. Outra obra efetuada com muito carinho foi a
do restaurante que batizei de "Esquilos", na antiga residência
do Barão de Escragnolle. Além das obras de restauração pro-
jetei um jardim que podia ser transformado em Teatro da Na-
tureza, e para isso levei até lá a iluminação elétrica. A fim de
não prejudicar as árvores foram os fios conduzidos em cabo ar-
mado subterrâneo.
A casa da Solidão, que era residência preferida pelo Vis-
conde do Bom Retiro para repousar da sua faina cotidiana, foi
totalmente reformada; e para dar vida às picadas e alamêdas
circundantes, foi cedida à Sociedade Hípica que lá mantém
uma filial da sua sede.
O ponto chamado Bom Retiro (onde está um obelisco de-
dicado ao Visconde do Bom Retiro), que era também chamado
bambus, foi transformado em playground, criando-se um lo-
cal nôvo, pois o que existia era simplesmente alguns bancos
sob touceiras de bambus. Ali montei um pequeno bar com
cobertura de sapé, no trecho que dá acesso aos picos.
As obras por mim realizadas assim como o cuidado com
a conservação das estradas e caminhos e o replantio de espé-
cies decorativas foram recompensados, não só pelo público,
que afluía com entusiasmo aos logradouros, onde encontrava,
a par dos passeios encantadores, vários playgrounds feitos para
êste fim, como pela autoridade municipal que sempre pres-
tigiou os trabalhos que ia executando.
Em 22 de julho de 1944 o Presidente Getúlio Vargas,
acompanhado do Prefeito Henrique Dodsworth e do Ministro
da Agricultura Apolônio de Sales, visitou tôda a Floresta e
almoçou no pequeno restaurante "A Floresta". Lá o Presiden-
te me entregou uma medalha de ouro representando o cruzei-
ro simbólico que deveria receber por ano — peça única que
aqui vai reproduzida. Mais tarde, em 1945, o então prefeito
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Ministro Filadelfo de Azevedo honrou-me dando o meu no-
me a uma rua transversal da Avenida Édison Passos.
Não posso concluir esta exposição sem ressaltar o grande
alcance que teve o decreto 7 182 de 21 de dezembro de 1944,
que passou para a Prefeitura a administração, fiscalização e
vigilância da Floresta da Tijuca. A medida foi de grande al-
cance, pois, como já ficou dito, da dualidade de administração
é que resultou o abandono. Seria de tôda conveniência o atual
Estado da Guanabara pleitear, ainda, do Governo Federal, a
transferência da propriedade dessas terras. Não há razão para
que, da área tão pequena que tem atualmente o Estado da
Guanabara, grande parte pertença à Federação, como é o caso
dós monos que cercam a cidade.
Também cumpre deixar aqui patente o meu reconheci-
mento ao feitor Eugênio Fernandes da Silva, que serviu co-
migo durante todo o período da remodelação; também ao chefe
dos trabalhadores Orcelino Pires, que ainda hoje me presta
serviços na Fundação Raymundo Ottoni de Castro Maya.
Termino fazèndo nova referência ao Visconde dç Bom
Retiro, a quem se deve a Floresta da Tijuca. Tinha êle o há-
bito de se isolar em lugares retirados a fim de trabalhar em
sossêgo. A todos preferia a casa da Solidão, conforme já referi
linhas acima.
Embora fôsse homem de muita atividade, encerrou sua
carreira na administração pública depois de exercer a pasta do
Império durante os quatro anos do famoso Gabinete Paraná
(1853-1857); e viveu ainda 29 anos como amigo dedicado do
Imperador e frequentador assíduo do Palácio de S. Cristóvão.
Dêle diz Nabuco em Um Estadista do Império: "Mais leal,
verdadeiro e discreto amigo o Imperador não teve nunca."
Morreu em 1886. Ainda Nabuco: "A morte de Bom Retiro
foi para o Segundo Reinado no Brasil uma perda muito pare-
cida com a do Duque de Momy para o Segundo Império em
França."
Pode-se conjeturar que a desapropriação da bacia do Ca-
choeira não tenha sido um episódio isolado da ação governa-
mental do visconde mas, sim, lhe ofereceu a oportunidade de
fazer algo mais pelo seu retiro predileto; tanto é assim que os
moradores do Alto da Boa Vista mandaram em 1857 lavrar em
seu louvor uma placa de mármore, que está assentada no muro
do Colégio Sacré Coeur, ao lado do Lampião Grande.
Como ficou dito no início da Introdução, era meu desejo
apresentar ao público uma amostra de um Parque Nacional,
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como os que existem nos Estados Unidos, Canadá e Argentina.
Naturalmente era uma miniatura; mas em vez de encontrar
receptividade entre os representantes do Serviço Florestal, foi
justamente ali que esbarrei em sistemática oposição, que só
foi resolvida com o decreto acima citado, por força do qual
passou a Prefeitura do Distrito Federal a administrar, com po-
deres de fiscalização, a Floresta da Tijuca.
É de lastimar que até hoje os Parques Nacionais não pas-
sem de áreas reservadas sem atrativos turísticos, nem neles se
observem medidas de defesa da fauna e flora, cuja preservação
é o motivo de sua existência.
33
ILUSTRAÇÕES
PRANCHA I
Cascatinha da T i j u c a
Nicolas Antoine T a u n a y
36
PRANCHA II
Cascatinha T a u n a y
M . Rugendas
38
PRANCHA III
Cascatinha T a u n a y
E. B. de La Touanne
40
PRANCHA IV
Cascatinha T a u n a y
Arago
42
PRANCHA V
N. A . T a u n a y
44
PRANCHA VI
J. B. Debret
Cascatinha T a u n a y
Fisquet
46
PRANCHA VII
Entrada da Floresta
48
PRANCHA VIII
Cascatinha T a u n a y
50
PRANCHA IX
Ponte Job de A l c â n t a r a
52
PRANCHA X
Capela M a y r i n k
54
PRANCHA XI
56
PRANCHA XII
58
PRANCHA XIII
Cândido Portinari
60
PRANCHA XIV
A l t o do Mesquita
A n t i g a Estrada do Imperador
62
PRANCHA XV
Ponte tosca
64
PRANCHA XVI
66
PRANCHA XVII
68
PRANCHA XVIII
70
PRANCHA XIX
Cascata Gabriela
72
PRANCHA XX
Gruta Paulo e V i r g í n i a
74
PRANCHA XXI
Cascata Diamantina
76
PRANCHA XXII
Vista do A l m i r a n t e
78
PRANCHA XXIII
80
PRANCHA XXIV
" A Floresta"
82
PRANCHA XXV
C a m i n h o das A l m a s
84
PRANCHA XXVI
Bom Retiro
86
PRANCHA XXVII
88
PRANCHA XXVIII
A - Excelsior
90
PRANCHA XXIX
Eucaliptos
92
PRANCHA XXX
" A Solidão"
94
PRANCHA XXXI
A ç u d e da Solidão
96
PRANCHA XXXII
Portão do açude
98
PRANCHA XXXIII
Fundação R a y m u n d o O t t o n i de Castro M a y a
V i s t a interior da Fundação
100
Reprodução da medalha de ouro ofertada pelo Presidente
Getúlio Vargas ao autor desta obra, representando a
remuneração simbólica de 1 cruzeiro por ano.
102
IMPRESSO E EDITADO POR
B L O C H EDI T Ô R E S S .A .
R U A F R E I C A N E C A . 511
RIO DE JANEIRO - BRASIL. EM 1966