Ana Cristina Cesar

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Ana Cristina Cesar

Biografia

Ana Cristina Cruz César, nasceu no Rio de Janeiro em 2 de junho de 1952, tendo, desde cedo, demonstrado
talento e gosto pela arte de escrever. Já em 1959, tinha as primeiras poesias publicadas no “Suplemento
Literário” da “Tribuna da Imprensa”. Foi Licenciada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, em 1975, obtendo o grau de Mestre em Comunicação, pela Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1979 e Master of Arts in Theory and Practice of Literary
Translation, pela Essex University, na Inglaterra em 1980.

Ana gostava profundamente de escrever. Além de suas inumeráveis poesias e cartas, escreveu para diversos
jornais e revistas e traduziu diversos autores estrangeiros. Entre esses autores, inclui-se a poetisa americana,
Sylvia Plath, que da mesma forma que Ana César faria mais tarde, colocou um fim à sua própria vida.

Ana C. morreu em 29 de outubro de 1983 e, com certeza, pela sua juventude e beleza, pelo conteúdo e forma
de sua obra, pela interrupção brusca de sua vida e do seu talento, tornou-se um símbolo e um ícone. Quando
a vida segue o seu curso normal, as pessoas têm tempo de se preparar para a passagem daqueles que, de
alguma forma, têm parte ou influência em suas vidas. Isso não acontece, em casos como o de Ana César,
onde a ruptura abrupta sempre deixa o único recurso de uma saudade brutal ou de uma veneração
desmedida. De qualquer forma é importante a noção, e o consolo, de que as pessoas se perpetuam, nos
corações e nas almas, pelo que deixam, na forma de obras materiais, como é o caso de Ana César, ou
através das lembranças de atitudes, palavras ou gestos, que podem fazer melhor a vida dos que ficaram.

"Ana Cristina encarava a modernidade. Talvez por isso tenha morrido cedo - pura passagem
permanente - muitas asas e um desdém pelo que poderia ser raiz. O lugar que ocupa é na linha
do horizonte - virtual e veloz. Seu verso, que pertenceu à vertente cultivada da geração que
apareceu em 70, é, hoje, pedra de toque para toda poesia que se quer nova; com seus motivos
e matizes estilizadas que se deixam acompanhar, ao fundo, por uma brusca e inusitada melodia
que parece ter sido feita pela mistura de cristais, heavy metal e tafetá. A obra é breve, um cinema
essencial, e depressa. Morria de sede no meio de tanta seda. Nunca nos esquecemos de sua
paixão acesa e seca. O que mais queima: a pedra de gelo ou o ferro em brasa ? Vulcão de neve.
Ela não foi - ela fica - como uma fera". (Armando Freitas Filho)
Ana Cristina Cruz César (2 de junho de 1952, RJ - 29 de outubro de 1983, RJ ), ou ainda simplesmente
Ana C., nasceu branquinha, em família culta de classe média e protestante, numa década de 1950 quase
bucólica do Rio de Janeiro. É uma das principais poetas da geração mimeógrafo ou da chamada literatura
udigrúdi ou marginal dos anos 1970.

Vida
Começou escrever ainda criança - antes mesmo de ser alfabetizada, aos 4 anos, ditava poemas para que a mãe
os escrevesse. A escrita sempre lhe dominou a vida. Em 1968, viaja à Inglaterra em intercâmbio e passa um
período em Londres, onde trava contato com a literatura inglesa. Quando volta da Inglaterra, Emily
Dickinson, Sylvia Plath e Katherine Mansfield na mala, dedica-se a escrever, traduzir e entra para a
Faculdade de Letras da PUC do Rio, aos 19 anos.

Começa a publicar poemas e textos de prosa poética na década de 1970 em coletâneas, revistas e jornais
alternativos. Seus primeiros livros, Cenas de Abril e Correspondência Completa, são lançados em edições
independentes. Ana C. já começa a mostrar fortes sinais de um temperamento melancólico e reservado, ainda
que intempestivo. As atividades não param: pesquisa literária, um mestrado em comunicação na UFRJ, outra
temporada na Inglaterra para um mestrado em tradução literária (na Universidade de Essex), em 1980, e a
volta ao Rio, onde publicou Luvas de Pelica, escrito na Inglaterra.

Faleceu no dia 29 de outubro de 1983, atirando-se do apartamento dos pais, na segunda tentativa de suicídio.

ANA CRISTINA CESAR


Nascida em junho de 1952, no Rio de Janeiro, Ana Cristina Cesar é, sem sobra de dúvidas, um dos
maiores nomes da poesia brasileira. Com muita sensualidade, tem as palavras certas e desfecha sua
potência na direção certa, tornando impossível permanecer sendo o que se era antes de lê-la. Fez
Comunicação na PUC, viveu em Londres, escreveu, traduziu, publicou ensaios e poesia, foi professora.
Integrante da chamada geração de poesia marginal, apareceu no mercado editorial na coletânea 26
poetas hoje, de Heloisa Buarque de Hollanda. Suas publicações eram independentes, em off-set e
foram compiladas (junto com poemas novos) por ela mesma em A teus pés (1982). Depois de sua
morte, teve uma parte de sua produção organizada por
Armando Freitas Filho e publicada em Inéditos e Dispersos (1985).
Ambos os livros estão, agora, publicados pela Ed. Ática

Sou eu que sou vivida, sou eu que sou grafada, O tempo fecha.
sou eu também que escuto em surdina o velho Sou fiel aos acontecimentos biográficos.
discurso que me grafa. Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos
E, finalmente, vislumbro maravilhada que não
que sou eu que escrevo, agora, aqui nesse cais. largam! Minhas saudades ensurdecidas por
s/data cigarras! O que faço
aqui no campo, declamando aos metros versos
longos e sentidos/
(...) Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não
Uma frase em cada linha. Um golpe de sou mais, veja,
exercício. não sou mais severa e ríspida: agora sou
Memórias de Copacabana. Santa Clara às três profissional.
da tarde. 1982
Autobiografia. Não, biografia.
Mulher. Frente a frente, derramando enfim todas as
Papai Noel e os marcianos. palavras, dizemos,
Billy the Kid versus Drácula. com os olhos, do silêncio que não é mudez.
Muito sentimental. E não toma medo desta alta compadecida
Agora pouco sentimental. passional, desta
Pensa no seu amor de hoje que sempre dura crueldade intensa de santa que te toma as duas
menos que o seu amor de ontem. mãos.
(...) 1982
1982
Abri curiosa o céu. Posso ouvir a minha voz feminina: estou
Assim, afastando de leve as cortinas. cansada de ser homem.
Eu queria rir, chorar, Ângela nega pelos olhos: a woman left lonely.
ou pelo menos sorrir Finda-se o dia.
com a mesma leveza com que os ares me Vinde meninos, vinde a Jesus. A Bíblia e o
beijavam. Hinário no colinho.
Meia branca. Órgão que papai tocava. A benção
Eu queria entrar, coração ante coração, final, amém.
inteiriça, Reviradíssima no beliche de solteiro. Mamãe
ou pelo menos mover-me um pouco, veio cheirar e
com aquela parcimônia que caracterizava percebeu tudo. Mãe vê dentro dos olhos do
as agitações me chamando. coração mas estou
cansada de ser homem. Ângela me dá trancos
Eu queria até mesmo saber ver, com os olhos
e num movimento redondo pintados de lilás ou de outra cor sinistra da
como as ondas que me circundavam, invisíveis, caixinha. Os peitos
abraçar com as retinas andam empedrados. Disfunções. Frio nos pés.
cada pedacinho de matéria viva. Eu sou o
caminho, a verdade, a vida. Lâmpada para os
Eu queria meus pés é a tua
(só) palavra. E luz para o meu caminho. Posso ouvir
perceber o invislumbrável a voz.
no levíssimo que sobrevoava. Amém, mamãe.
1979
Eu queria apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.
Pensando em você não é bem o termo. Você na
Eu queria minha pele,
captar o impercebido me ocorrendo sem querer, lembrança de
nos momentos mínimos do espaço perfume.
nu e cheio. Assim, sentei lá fora ao sol.
(...)
Eu queria ao menos manter descerradas as 1980
cortinas
na impossibilidade de tangê-las.
Por que essa falta de concentração?
Eu não sabia Se você me ama, por que não se concentra?
que virar do avesso cerca de1982
era uma experiência mortal.

Inconfissões - novembro/68 Não encontro


no meio de todas essas histórias
Não sou idêntica a mim mesmo nenhuma que seja a minha.
sou e não sou ao mesmo tempo, no mesmo Nenhum desses temas me consola.
lugar e sob o mesmo ponto de vista Espero ardentemente que me telefonem.
Não sou divina, não tenho causa Espero que a chuva pare e os trens voltem a
Não tenho razão de ser nem finalidade própria: circular.
Sou a própria lógica circundante Espero como se estivesse em Lisboa e sentisse
junho/69 saudade de Lisboa.
Bateriam à porta, chegariam os parentes
I queridos, mortos recentes,
Enquanto leio, meus seios estão a descoberto. É e não me dou por satisfeita. Mas os figurinos na
difícil con- noite de
centrar-me ao ver seus bicos. Então, rabisco as estréia! Imediatamente antes!
folhas deste A goma, o brilho no camarim!
álbum. Poética quebrada pelo meio. 1983

II
Enquanto leio, meus textos se fazem Parece que há uma saída exatamente aqui onde
descobertos. É difícil eu pensava
escondê-los no meio dessas letras. Então me que todos os caminhos terminavam. Uma saída
nutro das tetas de vida.
dos poetas pensando no meu seio. Em pequenos passos, apesar da batucada.
cerca de 1979 Parece querer
deixar rastros. Oh yea, parece deixar. Agora
Olho muito tempo o corpo de um poema que você
até perder de vista o que não seja corpo chegou não preciso mais me roubar.
e sentir separado entre os dentes E como farei com os versos que escrevi?
um filete de sangue 23/7/83
nas gengivas
1979
A luz se rompe.
Chegamos ao mesmo tempo ao mirante
onde a luz se rompe. Nada, Esta Espuma
Simultaneamente dizemos qualquer
coisa. Por afrontamento do desejo
Então dou pique curva insisto na maldade de escrever
abaixo, volto e brilho. mas não sei se a deusa sobe à superfície
Mirante extremo onde se goza. ou apenas me castiga com seus uivos.
1983 Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia.
Agora, imediatamente, é aqui que começa o
primeiro sinal do
peso do corpo que sobe. Aqui troco de mão e
começo a ordenar Acreditei
o caos.
1983 “Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei
Num delírio de arquivística
Tu Queres Sono: Despede-te dos organizei a memória em alfabetos
Ruídos como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e e amo em ti os outros rostos”
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e "Olho muito tempo o corpo de um poema"
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos olho muito tempo o corpo de um poema
que se deitam e se pisam, e as moscas até perder de vista o que não seja corpo
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a e sentir separado dentre os dentes
dor (não ouças) um filete de sangue
que se prepara para carpir tua vigília, e os nas gengivas
cantos que
esqueceram teus braços e tantos
movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos TEUS OLHOS
altos
Teus olhos de mulher,
que não dormem, que te olham da janela
Tão imensos como a noite,
e em tua porta penetram como loucos Infinitos como o tempo,
pois nada te abandona nem tu ao sono. Que, um dia, descuidado,
Descobriu-se enciumado,
Pelo sorriso escancarado
O Homem Público N. 1 (Antologia) Desses lindos olhos teus.
Tarde aprendi Teus olhos de mulher.
bom mesmo Tão intensos como o dia,
é dar a alma como lavada. Têm a vastidão do vento,
Não há razão Que ao soprar, desavisado,
para conservar
Confundiu-te com a flor,
este fiapo de noite velha.
Que significa isso? Que um dia te ofertaram,
Há uma fita Pelo amor dos olhos teus
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.
Soneto

Pergunto aqui se sou louca FISIONOMIA


Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã não é mentira
E ainda mais, se sou eu é outra
a dor que dói
Que uso o viés pra amar
em mim
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento é um projeto
Fingindo que sou fingida de passeio
em círculo
Pergunto aqui meus senhores um malogro
quem é a loura donzela do objeto
que se chama Ana Cristina em foco
a intensidade
E que se diz ser alguém de luz
É um fenômeno mor
de tarde
no jardim
é outra
FLORES DO MAIS outra a dor que dói

devagar escreva
POESIA
uma primeira letra
escreva jardins inabitados pensamentos
na imediações construídas pretensas palavras em
pelos furacões; pedaços
devagar meça jardins asusenta-se
a primeira pássara a lua figura de
bisonha que uma falta contemplada
riscar jardins extremos dessa ausência
de jardins anteriores que
o pano de boca recuam
aberto ausência freqüentada sem mistério
sobre os vendavais; céu que recua
devagar imponha sem pergunta
o pulso
que melhor
souber sangrar TODA MULHER
sobre a faca
das marés; a coisa que mais o preocupava
devagar imprima naquele momento
o primeiro era estudo de mulher
olhar
sobre o galope molhado toda mulher
dos animais; devagar dos quinze aos dezoito.
peça mais
e mais e Não sou mais mulher.
mais Ela quer o sujeito.
Coleciona histórias de amor.
Trechos de cartas de Ana Cristina César

Carta de 15-4-77 a Clara Alvim


Carta de 13-6-80 a Heloisa Buarque de Hollanda
Carta de 21-7-76 a Cecilia Londres

TE ESCREVO OUVINDO THELONIOUS MONK,

que eu comprei em dia de grandes emoções, quando pintou um dinheiro de um artigo que publiquei na
"Colóquio", fui vender os dólares no câmbio negro confortável, e voltei tentando me desvencilhar de um
namoradinho belo mas enrolado - daqueles que falam aos olhos mas não ao bom senso. Foi ele que me
indicou o disco do Thelonious, "The man I love". Compre, ouça com bons sensos, ah insensatez. Aí boto
esse piano pra ouvir e rumino uma ira embaladora contra a vida. Por que são certas iras tão embaladoras?

AI, NÃO PÁRA DE FAZER SOL, ÂNSIA DE

outras terras, preguiça de ir parar na Guanabara. Acho que volto em dezembro com uma certa tensão
heróica. Recebi uns retratos meus de Paris que são um espanto, posando de vestido & maquiagem igual à
mãe de pretty baby, de repente uma mulher mais velha, com cara de quem tem que se mancar. Levei
susto, não queria duvidar da cenografia de garotinha. Vestido preto transparente! Pode? Só podia dar
bobagem. Estou com umas ganas horríveis de escrever, leve, são os conteúdos que me atrapalham. Quero
ver LÁ FORA!

ESTOU SENTINDO DIFICULDADE REAL DE

transar com as pessoas. Parece uma frase muito genérica, que se poderia dizer a qualquer momento da vida.
Mas agora tem um sentido mais particular pra mim. Me sinto isolada, sozinha, sem amigos. Há os amigos,
mas desconfio deles, acho sempre que não gostam de mim. Talvez esteja entrando em contato com alguma
coisa que sempre foi verdade mas que eu nunca percebi: que realmente não tenho relações. Outro dia tive
uma depressão forte. Estava sozinha em casa. Percorri o caderninho de telefones. Não tinha nenhum nome
que me pudesse ajudar.

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