Apoio 1 Delson Ferreira PDF
Apoio 1 Delson Ferreira PDF
Apoio 1 Delson Ferreira PDF
Homem e Sociedade
1• Filósofo austríaco (Áustria): 1861; Dornach (Suíça): 1925, que foi estudioso do pensa
mento de Goethe. Kraljevec.
18 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA
Nesse raciocínio, o ato próprio de conhecer é uma síntese vivida pelo ser hu
mano entre a percepção do objeto de conhecimento e o conceito que é criado sobre
esse objeto. É a construção da representação, que se toma, nesse ato, uma fusão vi
venciada, fruto de uma tensão dialética que ocorre entre a percepção e o conceito.
Para cumprir com os objetivos metodológicos ora propostos, deve-se estar
atento para a finalidade dessa reflexão: exercitar, por meio da leitura, e contem
plar o ato de pe_nsar. Dessa forma, por meio desse exercício filosófico, será possível
entender a seguinte proposição: '¼ contemplação é aforma em que o pensar intelec
tual se converte quando desperta para sua origem produtiva. ,;2
O texto de apresentação de uma palestra, j,ntitulada '¼Aquisição da Experiên-
cia na Espécie Homo Sapiens,"3 define que
"a mais importante diferença entre-o homem das sociedades arcaicas e tradi
cionais e o homem das sociedades modernas� com sua forte marca judai
co-cristã, encontra-se nofato de o primeiro sentir-se indissoluvelmente vincu
lado com o Cosmo e os ritmos cósmicos,. enquanto que o segundo insiste em
vincular-se apenas com a Hist6ria" (1996:10).
"o ser hum.ano tem capacidade cognitiva, que é o seu núcleo de pensar, sentir,
amar. O homem é capaz de recriar situações e emoções, é capaz de simbolizar
e atribuir significados às coisas; de separar, agrupar, classificar o mundo que
o cerca. O homem começou a travar, com o mundo ao se.u redor, uma relação
dotada de significados, de avaliação. Foi dessa capacidade de pensar o mun
do, de atribuir significado à realidade que o homem criou o seu conhedmento.
Percebemos que os problemas por ele enfrentados de sobrevivência, defesa, e
perpetuação da espécie, lhe aparecem como problemas fundamentais, isto é,
problemas que dizem respéito à busca de explicações essenciais sobre si mes
mo, e sobre o mundo no qual ele vive. Antigamente, o homem adquiria conhe•
cimento sobre o mundo em que vivia e sobre as pessoas com quem convivia a
partir de sua própria vivência imediata (experiência). Hoje, o ritmo das mu
danças sociais é muito rápido, a cada dia, de modo que o homem constrói o
conhecimento seguindo a sua experiência social".
4 VILEIA, Lívia Gonçalves Araújo. ln: Avalfação parcial. Rfüeirão Preto: Universidade de
Ribeirão Preto, 1996.
20 INTRODUÇÃO À SOCIOLOQIA
cimento externo que primeiro deve ser transmitido por meus olhos e ouvidos,
sempre sei que o campo em que este pensamento vem a aparecer é a minha
consciência; sei que deve ser apelado à minha atividade para o que me ocorreu
se tornar um fato. Em relação a todo objeto exterior, estou certo de que de iní
cio ele apena.s oferece seu lado externo aos meus sentidos; em relação ao pen
samento, sei precisamente q_ue o que ele me dirige é sua totalidade, que ele pe
netra em minha consciência como um todo completo em si. .. Tenho de elabo
rar o pensamento,, tenho de reproduzir seu conteúdo, tenho de vivê-lo interior
mente, até em sua menor parte, para que tenha qualquer significado para
mim. Até aqui obtivemos as seguintes verdades: na primeira etapa da contem
plação <J.o mundo, toda a realidade se nos apresenta como um agregado desco
nexo; o pensar está encerrado dentro desse caos. Perpassando esta variedade,
nela encontramos um membro que já possui, nesta primeirafonna de apari
ção, o caráter que os outros ainda devem adquirir. Este membro é o pensar. A
forma da aparição imediata, que deve ser superada na experiência restante, é
justamente o que deve ser conser-vado no pensar. Encontramos em nossa cons
ciência este fator a ser deixado em sua estrutura original, e estamos de talfor
ma ligados a ele, que a atividade do nosso espúito é ao mesmo tempo a mani
festação deste fator. (...) Assim como experimentamos apenas no pensar uma
verdadeira regularidade, uma determinação idea� a regularidade do resto do
mundo, ,que neste mesmo não experimentamos, também já deve, portanto, es
tar encerrada no pensar. Em outras palavras: a manifestação dos sentidos e o
pensar se defrontam na experiência. Aquela não nos fornece nenhum esclare
cimento a respeito de sua própria essência; este· (o pensar) no-lo fornece si
multaneamente sobre si mesma e sobre a essência daquela manifestação dos
sentidos" (1986:34-35).
"Cídadão de dois mundos -do mundo dos sentidos, que dele se aproxima
de baixo,, e do mundo dos pensamentos, que ilumina de cima - o homem se
apodera. da ciência, pela qual une a ambos em unidade inseparada. De um
lado nos acena a forma externa, de outro lado a essência interior; cabe-nos
unir as duas (...) Uma ciência do conhecimento que quer captar o conhecer em
sua função de importância universal deve, em primeiro lugar, indicar o obje
tivo ideal do mesmo. Este consiste em perfazer a experiência imperfeita, reve
lando o seu cerne. Em segundo lugar, deve determinar o que é este cerne, em
relação ao seu conteúdo. Ele é pensamento, idéia. Por fim, em terceiro lugar,
deve mostrar como acontece essa revelação. (. ..) Nossa teoria do conhecimen
to leva ao seguinte resultado positivo: o pensar é a essência do mundo, e o pen-
22 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA
sar de cada homem individual é uma das formas da manifestação dessa essên
cia. Uma gnosiologia meramente formal não é capaz disso; permanece eter
namente estéril. Não tem qualquer opinião sobre que relação existe entre os
resultados da ciência e a própria essência do mundo e seus processos. Porém, é
justamente essa relação que deve resultar da Teoria do Conhecimento. Esta
ciência deve mostrar-nos para onde vamos por meio do nosso conhecer, para
onde nos leva qual.quer outra ciência. (. ..) O pensar é uma totalidade em s�
que se basta a si mesmo, que não pode se ultrapassar sem chegar ao vazio. Em
outras palavras: para explicar qual.quer coisa ele não pode recorrer a coisas
que não encontre em si mesmo. Uma coisa que não fosse capa.z de ser abrangi
da pelo pensar seria um absw·do. Tu.do se resolve no pensar, tudo encontra o
seu lugar dentro do mesmo" (1986:52-53). (... ) ''Na vida interior da alma
surge um conteúdo que anseia por percepção de fora, como um organismo fa
minto pede .alimento; e no mundo externo está o conteúdo da percepção que
não leva a sua essência em s� mas apenas mostra quando o conteúdo da per
cepção se une com aquele da alma por meio do processo cognitivo. Assim, o
processo cognitivo se toma um membro na produção da realidade do mundo.
Enquanto conhece, o homem participa da criação desta realidade do mundo.
E se uma rai.z vegetal não pode ser pensada sem sua complementação nofruto,
não só o homem, mas também o mundo deixará de ser concluído se não for co
nhecido. No conhecer o homem não cria algo só para si, mas colabora com o
mundo na revelação do ser real. O que está no homem é aparência ideal; o que
está no mundo perceptível é aparência sensorial; só a integração cognitiva de
ambos começa a ser realidade. Vista desse modo, a Teoria do Conhecimento se
torna uma parte da vida" (1986:85-86). (. ..) ''No objeto de percepçãó 'ho
mem' existe a possibilidade de transformação, do mesmo modo como a se
mente encerra a passibilidade de transformar-se numa planta inteira. A plan
ta se transforma por causa da lei natural objetiva que lhe é inerente; o homem
permanece em seu estado impeifeito, a menos que tome em seu interior o ma
terial para a transformação, e se transforme por sua própria energia. A natu
rezafa.z do homem um mero ser natural; a sociedade transf-orma-o em um ser
que age conforme leis; só ele pode fazer de si mesmo um ser livre. A natureza
libera o homem em catafase de sua evolução; a sociedade conduz essa evolu
ção uns passos adiante; o último apeifeiçoamento só o homem pode dá-lo a si
mesmo" (1983:94).
"Já não nos contentamos em crer, mas queremos saber. A crença exige
que aceitemos verdades que não perscrutamos completamente. Mas o que não
compreendemos completamente se encontra em luta com o individual., que
HOMEM E SOCIEDADE 23
a
quer experimentá-lo com toda a profundeza do seu ser. Só nos satisfaz o
sber que, ao invés de submeter-se a uma norma ex:teri.or, procede da vida
interior da personalidade. ( ... ) Muitas são a.s esferas da vida, e para cada
uma se desenvolve uma ciência especial. Entretanto, a vida em si mesma
forma uma unidade, e quanto mais as ciências procuram explorar domínios
isolados mais se a.fastam da visão do mundo como um todo vívido. Deve
existir um saber que procura nas ciências particulares os elementos para
reconduzir o homem à plenitude da vida. ( ... ) A própria dênda deve
tomar-se orgânica e viva. As ciências particulares são as preliminares da
dência à qual nos referimos. Nas artes encontramos uma situação
parecida. O compositor compõe baseando-se na teoria da composição. Forma
esta última um acervo de conhecimento cuja posse é uma condição
indispensável para compor. Ao compor, as leis da teori.a da composição
encontram-se a serviço da vida, da realidade. F.xatamente no mesmo
senti.do, a filosofia é uma arte. Todns os verdadeiros filósofos foram
sempre artistas de conceitos. As idéias humanas foram seu material
artístico, e o método científico sua técnica artística.. Com isso o pensamento
abstrato adquire vida concreta e individual, e as idéias se convertem em
forças vitais. Então não só possuímos um saber das coisas, mas convertemos
o saber num organismo real que se governa a si mesmo; nossa consciência
real e ativa elevou-se acima. de uma mera recepção passiva de
verdades" (1983:149-151)
Estão definidas, port anto, algumas respostas relevantes quanto às relações
que existem entre as forças cognitivas humanas e o processo de constrUção do
conhecimento. Nessa justa medida, é possível avançar um pouco mais,
associando a "relação dialética entre homem e natureza", proposta por Karl Marx,
comt a "noção de rimo", desenvolvida por Fritjof Capra. No entendimento de
Marx,
"a natureza é o co,-po inorgânico do homem -isto é, a natureza, na medida
em que ela própri.a não é o corpo humano. 'O homem vive na natureza'
signifi• ca que a natureza é o seu corpo, com o qual ele deve pennanecer em
contínuo intercurso se não quiser morrer. Que a. Yidaf(sica e espiritual do
homem está vinculada à natureza significa, simplesmente, que a natureza
está vinculada a si mesma, pois o homem é parte da natureza". 6
A visão holística de Capra define que
MARX, Karl. Manuscritos econdmicos e.filosóficos, 1844, p. 61. ln: CAP.RA. Fritjof. O ponto
de
6
mutação, p. 199.
24 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA
"se descobrirmos uma teoria completa do universo ela deverá., com o tempo,
ser basicamente entendida por todos e não apenas por poucos cientistas.
Então poderemos todos n6s, filósofos, cientistas e leigos tomar parte das
discussões sobre a questão de porque n6s e o universo existimos. Se
acharmos a resposta a isso será o triunfo definitivo da razão humana, pois
então conheceremos a mente de Deus". 8
7 Ósmica.s: referente à "... osmia", que é um sufixo de várias palavras científicas, indicador de
referência a cheiro. Do grego, osme, cheiro.
8 Uma breve história do tempo.
HOMEM E SOCIEOAf>E 25
Voltando seu . olhar para uma das questões sociais fundamentais a serem en
frentadas pela sociedade do século XXI, o problema do meio ambiente terrestre,
Lewis Thomas oferece uma imagem de onde pode chegar o conhecimento voltado
para finalidades maiores. Para ele,
''usamos sempre o pensar, mas não o contemplamos, Ele é o nosso fiel instru
mento na compreensão das coisas, porém sem ser jamais contemplado em sL
Uma gnosiologia que não se limite a ser teórica. tem de exigir de si mesma essa
atenção inusitada. Para compreendermos o pensar é preciso contemplá-lo;'
(1994:10).
9• THOMAS, Lewis. The lives of a celL fn: LOVELOCK,, James. As eras de Gaia: a biografia da
nossa terra viva, 1991.
26 INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA
são. Seria manifesto mais pelo inconsciente do que pelo consciente,. sendo mais vi
venciado do que propriamente conhecido, no sentido da atividade cognitiva.
O conhecimento mítico seria característico do homem primitivo, que não vi
venciou outro conhecimento senão e_ste. O mito constituiria uma fantasia acerca
do real, uma crença dotada de poder explicativo limitado. É evidente que cada
época, inclusive a moderna, possui seus mitos, e eles constituem forças fundadoras
qué movem a História humana. O conhecimento mítico, entretanto, adviria da ne
cessidade que o homem tem de explicar seu meio e dar soluções a seus problemas
ontológicos.
O conhecirmmto teológico seria relativo à fé. Dotado da religiosidade, não de
penderia das especulações humanas, mas de uma experiência pessoal de vínculo
com a fé. Constituiria aquele conteúdo de verdades a que o ser humano chega, não
com o auxilio da inteligência, mas, especialmente, por meio da aceitação do que é
chamado de Revelação Divinat conforme os Livros Sagrados.
O conhecimentofilosófico observa os fenômenos, e é uma das suas característi
cas_ a vinculação com a vivência do ser. Ele é sistemático, elucidativo, crítico e espe
culativo, constituindo uma busca constante de sentido, de justificação, de possibi
lidades, de interpretação sobre tudo que envolve o homem. Esse conhecimento não
é atividade que finda em dado instante, ou que pode-se dar como realizado, con
cluídos certos procedimentos. Ele é um interrogar constante sobre o sentido últi
mo de cada processo relacionado à vida e ao mundo dos fenôménos.
O conhecimento científico é rigoroso, positivo, metódico, experimental, carac
terizando-se pelo distanciamento da convivência do ser. Quando um conhecimento
se toma científico, ou se faz ciência? É quando ele indica seu objeto e fala clara
mente sobre ele. Esse conhecimento _ é, pelas dificuldades inerentes a seu processo
de construção, privilégio de poucos, uma vez que ele é planejado, programado, sis
temático, obediente a métodos, orgânico, crítico, rigoroso e objetivo, nascendo da
dúvida e consolidando-se na ceneza.
Ampliando a compreens�o sobre esse tipo de conhecimento,, Lakatos
(1990:20) sustenta que, nos dias de hoje, é feita uma distinção relativa aos três ní
veis de conhecimento científico. O nível inorgânico compreende o campo estudado
pelas Ciências Físicas. O orgânico abrange o que é investigado pelas Ciências Bioló
gicas. E, no �bito do nível superorgânico_, estão compreendidos os estudos reali
zados pelas Ciências Sociais. Nesse sentido, o campo de ação das Ciências Sociais
tem início quan�o os estudos físicos e biológicos sobre o homem e seu universo ter
minam. Segundo essa concepção, esses três níveis encontram-se imbricados entre
si e a transição de um para o outro é gradativa. O nível de conhecimento superorgâ
nico é observado no mundo dos seres.humano.s em interação social e nos produtos
resultantes dessa interação: linguagem, religião, filosofia, ciência, tecnologia, éti
ca, usos e costumes e outros aspectos culturais e da organização social. Ao estudar
nesse âmbito, as Ciências Sociais voltam seu interesse para o homem em socieda
de, elegendo-o como objeto primordial de seu conhecimento.
28 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA
e ainda, como definiu Le Goff (1990:535), a forma científica assumida pela memó
ria coletiva, vê-se que mesmo os povos chamados primitivos e não letrados viven
ciaram sua História, cujos fragmentos chegam aos dias de hoje em forma de regis
tros compilados e interpretados pela historiografia. Nesse sentido, constitui equí
voco afirmar-se que só os povos letrados possuem História. O registro e o compar
tilhar da experiência do conhecimento humano, seja pela transmissão oral, seja
pela escrita, configuram outra marca essencial da humanidade: a necessidade de
transferir para a descendência imediata, e para a posteridade, os frutos e os resul
tados conquistados na arte do viver.
Nos dias de hoje, a afirmação de que o homem é um ser histórico cabe como
nunca na História da humanidade. A sofisticação das técnicas de registro da expe
riência humana, a partir do uso de bases de dados sustentadas pela informática,
está construindo um imenso manancial de informação histórica que dará impor
tante suporte documental aos historiadores do futuro. Eles reconstituirão nossos
dias e seus processos sociais a partir desse aporte, e não de fragmentos, como os
que recebemos da Antigüidade.
EXERCÍCIOS REFLEXIVOS
1. Leitura complementar
3. "Foram os gregos que elaboraram a idéia do saber como atividade destinada a desco
bertas desligadas de umafinalidade prática imediata. Foram eles os primeiros a inven
tar os rudimentos do que veio a se chamar ciência" (Costa, 198 7: 6-7).
Com base na citação apresentada, redija um breve texto que defenda a idéia de
que o homem é um ser sociocultural.
4. Segundo Oliveira (1995: 22-23), "o aspecto mais importante da interaçã.o social é que
ela provoca uma modíficaçã.o de comportamento nos indivíduos envolvidos, como re
sultado do contato e da comunicação que se estabelece entre eles". Por outro lado, ou
tra das marcas essenciais da humanidade é a necessidade de transferir para a descen
dência imediata, epara aposteridade, osfrutos e os resultados conquistados na arte do
1,
viver. Quais são os motivos fundamentais que fazem do homem um ser histórico?
2
Sociologia: História e
Desenvolvimento
Embora haja escolhas pessoais de vida embutidas nessas interações, elas cor
respondem quase sempre a circunstâncias sociais. As questões que envolvem a teia
32 INI'RODUÇÃO À SOCIOLOGIA
"são essas situações sociais que interessam a sociologia. Situações cujas cau
sas não são encontradas na natureza ou na vontade individua� mas antes de
vem ser procuradas na sociedade, nos grupos sociais ou nas situações sociais
que as condicionam. É tentando explicar essas situações que a sociologia colo
cará como básico o relacionamento indivíduo e sociedade. A sociologia vol
ta-se o tempo todo para os problemas que o homem enfrenta no dia-a-dia de
sua vida em sociedade".
este é independente e não está sujeito essencialmente à sociedade da qual faz par
te. Os fundamentos dessa visão são encontrados na maioria dos teóricos do Estado
Moderno e na compreensão de ciência proposta por Bacon, passando pela filosofia
científica de Descartes, pela física de Newton e pela teoria evolucionista de Dar
win. De acordo com Capra (1987a:44).
"desde o século XVII, afísica tem sido o exemplo brilhante de uma ciência 'exa
ta� servindo como modelo para todas as outras ciências. Durante dois séculos
e meio, os físicos se utilizaram de uma visão mecanicista do mundo para de
senvolver e refinar a estrutura conceitual do que é conhecido como física clás
sica. Basearam suas idéias na teoria matemática de Isaac Newton, nafilosofia
de Renê Descartes e na metodologia científica defendida por Francis Bacon, e
desenvolveram-nas de acordo com a concepção geral de realidade predomi
nante nos séculos XVII, XVIII e XIX. Pensava-se que a matéria era a base de
toda a existência, e o mundo material era visto como uma profusão de objetos
separados, montados numa gigantesca máquina. Tal como as máquinas
construídas por seres humanos, achava-se que a máquina cósmica também
consistia em peças elementares. Por conseguinte, acreditava-se que os fenô
menos complexos podiam ser sempre entendidos desde que se os reduzisse a
seus componentes básicos e se investigasse os mecanismos através dos quais
esses componentes interagem. Essa atitude, conhecida como reducionismo, fi
cou tão profundamente arraigada em nossa cultura, que tem sido freqüente
mente identificada com o método científico. As outras ciências aceitaram os
pontos de vista mecanicista e reducionista da física clássica como a descrição
correta da realidade, adotando-os como modelos para suas próprias teorias.
Os psicólogos, sociólogos e economistas, ao tentarem ser científicos, sempre se
voltaram naturalmente para os conceitos básicos da física newtoniana".
Uma das ocupações originais da Sociologia foi relativa aos conflitos entre as
classes sociais. As freqüentes crises no âmbito das relações econômicas e as incom
patibilidades decorrentes das transformações provocadas pela Revolução Indus
trial engendraram preocupações nos estudiosos voltadas para o entendimento do
processo desses conflitos, compreensão que seria voltada para a tentativa de solu
ções que não implicassem a transformação essencial do sistema econômico e social
recém-estabelecido na Europa. Essas circunstâncias vieram
Está dada a conjuntura histórico-política que abriu espaço para a atuação in
telectual do pensador que foi o precursor moderno da Sociologia. Claude-Henri de
Rouvroy, Conde de Saint-Simon (1760-1825), contava 29 anos no momento de
eclosão da Revolução Francesa e viveu, em sua vida pessoal, a transformação polí
tica que acontecia com o fim do Antigo Regime e a ascensão da burguesia. Rompeu
com sua condição nobilitária aos 40 anos, pregando o fim absoluto dos resquícios
da sociedade feudal, no momento em que vivia intensa inquietação intelectual
motivada por seu encontro com a racionalidade científica.
Seu pensamento, que foi influenciado pelas idéias revolucionárias burguesas
e pelo aparato teórico desenvolvido pelos filósofos iluministas, pode ser considera
do como um ponto de partida de duas formas opostas de compreensão da socieda
de: a positivista e a socialista. Uma das temáticas centrais de sua obra decorreu de
sua crença de que, na nova sociedade que nascia, a racionalidade econômica bur
guesa suplantaria a dominação política da nobreza, ensejando a eliminação defini
tiva da antiga ordenação social oriunda do feudalismo. O motor dessa racionalida
de era, para ele, a indústria, ou o que ele chamou de sistema industrial. Sua profis
são de fé criou doutrina e fez seguidores: ela, o industrialismo; eles, os saint
simonistas.
SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 35
"a sociedade não é uma simples aglomeração de seres vivos (...); pelo contrá
rio, é uma verdadeira máquina organizada, cujas partes, todas elas, contri
buem de uma maneira diferente para o avanço do conjunto. A reunião dos ho
mens constitui um verdadeiro SER, cuja existência é mais ou menos vigorosa
ou claudicante, conforme seus órgãos desempenhem mais ou menos regular
mente as funções que lhes são confiadas".
Comte 1 iniciou suas reflexões partindo da realidade histórica de seu tempo, per
cebendo a emergência de uma crise, que era, a seu ver, resultante do confronto históri
co entre a antiga ordem feudal e a nova ordem capitalista, fundada na indústria e na
ciência. Esse confronto estaria a provocar o que ele entendeu como desagregação mo
ral e intelectual da sociedade do século XIX, gerando um estado de caos, no qual ele
acreditava encontrar-se a Europa após as revoluções francesa e industrial.
Para ele, o sustentáculo fundamental da sociabilidade humana, ponto de
apoio para a unidade social, era constituído por um conjunto de princípios admiti
dos em consenso pela coletividade, que configuravam os modos de pensar, as re
presentações de mundo e as crenças. Era esse conjunto consensual que se desagre
gava diante do surgimento da nova ordem social burguesa. Essa crise só seria supe
rada por meio da construção de uma nova coesão de pensamento que fosse capaz
de reconstituir a ordem a partir da modernização industrial e científica. O que
Comte propôs não se limitava ao ato de compreender as relações sociais, seu intui
to era entender para interferir diretamente na ordem social, no sentido de acelerar
e otimizar seu desenvolvimento.
Ele acreditava que o espírito positivo conquistado recentemente pela sociedade
industrial levaria sua reorganização em novas bases consensuais. Por isso, ligou a
nova ciência, por ele definida em 1839 corno Sociologia, ao positivismo, denominan
do-a de Física-social. Em sua concepção, essa disciplina deveria adotar os paradig
mas do método positivo das ciências naturais, uma vez que "há leis tão determinadas
para o desenvolvimento da espécie humana como há para a queda de uma pedra".
Comte aceitava plenamente os pontos de vista mecanicista e reducionista da física
newtoniana corno modelos capazes de promover a descrição correta da realidade
social, por isso os adotou como fundamentos para suas teorias. Assim, o surgimento
da Física-social não significava apenas uma adoção do método positivo a um novo
ramo do conhecimento. Com ela, o espírito positivo deveria alcançar a maturidade e
oferecer os elementos fundadores da formação do espírito da nova ordem burguesa.
Assim como Saint-Simon, Comte admitia que a sociedade industrial necessita
va passar por mudanças morais importantes para que seu curso fosse reajustado na
direção correta. Essas mudanças seriam comandadas também pelos cientistas e in
dustriais, para que o progresso pudesse ter livre fluxo, como conseqüência da ordem
instalada. A Sociologia, ao estudar, explicar e intervir nos fatos da sociedade, seria o
elo científico que ligaria a ordem da sociedade ao progresso em curso contínuo.
Comte estruturou seu pensamento a partir de uma Filosofia da História pecu
liar. Em sua visão, os estudos sobre a fisiologia cerebral do homem revelavam que
este era dotado de uma natureza caracterizada por uma irresistível tendência so
cial. Devido a tal sociabilidade, sua história constituiria no percurso do desenvolvi
mento e do progresso da natureza humana. O homem seria, portanto, um ser his-
1. SUPERTI, Eliane. O positivismo e a revolução de 1930: a construção do Estado moderno no
Brasil, passim.
SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 37
tórico porque na História, e apenas nela, é que ele realizaria sua natureza invariá
vel: ser social. Para que se desenvolvesse completamente, a sociedade deveria pas
sar por três estágios, ou estados, necessários para que o homem aprendesse a utili
zar sua inteligência (razão) como fonte inspiradora de suas ações. Estava estabele
cida a primeira lei natural da humanidade, definida pelafisica social: a chamada
Lei dos três estados.
Segundo essa lei, o primeiro estado da humanidade foi definido como teoló
gico. Nele, Deus seria o centro de todas as referências humanas, a medida de tudo
na sociedade. Nesse estágio, o homem viveria em um estado de aculturação ainda
incipiente, que justificaria sua íntima ligação com a divindade. Deus seria o regen
te da vida social, e o homem a ele diretamente vinculado, fosse por meio da relação
direta ou pela mediação do Estado teocrático. Essa concepção teocêntrica da vida
social era fundada na impossibilidade humana de, nesse estado, abalizar suas ex
plicações na razão, uma vez que o espírito teológico era alicerçado nafé irracional.
Esse espírito fornecia, outrossim, tanto às inquirições humanas quanto à organiza
ção social uma proto-idéia de ordem, de sistema, que explicava e justificava a orde
nação do mundo social.
O estado seguinte, definido pela lei comteana, foi denominado de metafisico.
Ele seria o elo intermediário entre os três, no qual a explicação da sociedade já não
passaria apenas pela fundamentação na iniciativa divina. Por ser uma negação da
ordem anterior, o espírito metafisico não conseguiria sistematizar seus princípios,
servido apenas de transição histórica para o estágio seguinte. Deus não seria mais o
regente absoluto da vida social, e sim uma essência onipresente a ela. Nesse esta
do, os dogmas da fé anterior seriam questionados profundamente, pondo em dúvi
da seus fundamentos e dissolvendo o caráter orgânico de seu saber. Se o estágio
anterior definia-se por ordem, este, por ser de transição, revelava um sentido de
progresso no percurso da civilização humana.
O último dos estados da Teoria da História comteana seria o positivo, ponto de
chegada histórico ao qual o espírito humano havia, naturalmente, sempre aspira
do. Esse estágio encontraria sua expressão na sociedade capitalista moderna. O ho
mem, partindo de uma concepção antropocêntrica, se colocaria na condição de re
gente da vida social. Esse estágio só se afirmaria em plenitude quando seu método,
após edificada a fisica social, passasse a coordenar todos os domínios da ciência,
conferindo-lhe uma unidade lógica voltada para a explicação racional dos fenôme
nos naturais, resultando em um conjunto estável e coerente de leis invariáveis que,
urna vez reconhecidas universalmente, deveriam ser aceitas corno dogmas. Dessa
forma, o espírito positivo forneceria os preceitos fundamentais para a concepção de
uma unidade consensual para a nova ordem, assentada definitivamente, daquela
hora em diante, na razão. Seu objetivo central seria conduzir o pensamento huma
no para a coerência racional à qual ele estivera sempre destinado. Nesse sentido é
que o estado positivo do desenvolvimento humano só encontraria o ápice de sua
maturidade racional com a Sociologia.
38 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA
Essa nova ciência foi subdividida por seu instituidor em dois campos de estu
do: estática e dinâmica, não por acaso conceitos oriundos da mecânica newtonia
na. A estática definiu seu objeto de estudo na ordem social, elemento responsável
pela preservação de toda a estrutura social, das instituições que mantinham a coe
são e garantiam o funcionamento da sociedade: a familia, a religião, a proprieda
de, a linguagem, o direito etc. A idéia central que sustentaria os estudos era a do
consenso, que tomaria a pluralidade dos indivíduos e instituições uma unidade so
cial. A dinâmica, por seu lado, deveria voltar seu interesse para o progresso evoluti
vo da sociedade, objetivando determinar suas leis e seu percurso sucessivo e inalte
rável. Voltado para a compreensão da passagem da sociedade para formas mais
complexas de convivência, como a urbano-industrial, esse campo de estudo deve
ria complementar estrategicamente o primeiro, conferindo uma abordagem com
pleta à investigação sociológica.
Comte relacionou teoricamente esses dois campos de forma a privilegiar o es
tático sobre o dinâmico, ou seja, a conservação sobre a mudança, sinalizando com
isso que o progresso destinava-se a aperfeiçoar os elementos da ordem, e não des
truí-los. Aqui, revela-se o conteúdo conservador, não revolucionário, da teoria
comteana.
O positivismo deveria, após afirmar-se em plenitude, tomar-se a expressão do
poder espiritual da sociedade moderna, com a função de governar e manter os pre
ceitos reguladores das relações sociais. Esse poder seria exercido pelos filósofos e
cientistas, que substituiriam, portadores da razão que eram, os antigos sacerdotes
do estágio teológico. A teoria comteana desenvolveu-se ao ponto de propor a cria
ção de uma religião positivista, que representaria de fato esse novo poder espiritual.
O poder temporal, por sua vez, seria exercido pelos industriais, uma vez que era na
tural que os ricos detivessem, por estar no topo da hierarquia das capacidades, o
controle da autoridade econômica e social.
Para Comte, a nova ordem industrial, fundada na expropriação e na organi
zação científica do trabalho social, concentradora de capitais e meios de produção
nas mãos da burguesia, era uma decorrência positiva do progresso material e espi
ritual da natureza humana. O confronto de interesses entre trabalhadores e
empresários era, a seu ver, produto de uma organização equivocada da sociedade
e poderia ser superado com reformas que não alterassem a ordem maior. Elas
aconteceriam em conseqüência de um movimento de opinião pública liderado
pelo poder espiritual positivista, que demonstraria aos donos do capital a origem e
o objetivo social deste, impedindo, pela conscientização dos de cima, que a riqueza
social fosse administrada em prejuízo dos trabalhadores, que deveriam, por seu
turno, limitar suas pretensões e reivindicações materiais às possibilidades de cada
momento.
O pressuposto era de que a incorporação do mundo do trabalho à nova ordem
social dependia de mudanças na concepção política e econômica que servia de pa
radigma para a sociedade industrial. Os estatutos da propriedade, da posse e da
SOCIOLOGIA: HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 39
EXERCÍCIOS REFLEXIVOS
4. Comte (1798-1857) trabalhou com uma Teoria da História que ficou conhecida
como Teoria dos Três Estados. Segundo sua compreensão, os estágios pelos quais a
humarúdade teria passado são os seguintes: teológico, metafisico e positivo, Expli
que, resumidamente, esses estágios e responda: qual foi sua intenção em construir
essa teoria?
5. "O progresso - tal como aqui é entendido - não poderia questionar a estrutura social
naquilo que ela tem de permanente" (Cuin e Gresle, 1994:34). Explique a noção de
progresso contida na teoria positivista de Auguste Comte e os motivos pelos quais
ele não admitia o questionamento da ordem estabelecida pela sociedade industrial.
Parte II
Sociologia
Clássica
3
O Positivismo Sociológico
adaptar-se em níveis cada vez melhores ao meio ambiente, criando for mas mais
complexas e avançadas de vida, que possibilitariam, por meio da ocorrência de uma
competiçã.o natural, a sobrevivência apenas dos seres mais aptos e evolu(dos.
Esses parâmetros, adaptados para as análises das relações entre os indivíduos e a
sociedade, ensejaram o darwinismo social, ou seja, a crença científica de que as socie
dades mudariam e evoluiriam segundo padrões históricos permanentes. Essas
transformações representariam sempre a passagem de um estado inferior para
outro superior de civilização, no qual o organismo social se mostraria mais evoluído,
mais adaptado e mais complexo. Como conseqüência, essas mudanças garantiriam a
sobrevivência apenas dos organismos - sociedades e indivíduos - mais fortes e mais
evolufd.os.
Aqui está o fundamento teórico que justificou amplamente, a partir da segun
da metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, o argumento da
chamada superioridade cultural européia sobre os outros povos e culturas. Essa
tese, largamente difundida pelos meios de divulgação cultural em todo o mundo
letrado, serviu como justificativa ideológica aos propósitos políticos e econômicos
das potências européias em sua fase de expansão neocolonialista sobre os conti
nentes africano e asiático. O imperialismo europeu encontrou na visão positivista o
abono científico para a continuidade de sua ação de extração das riquezas
pertencentes a outras regiões do planeta.
Parcela importante dos cientistas sociais europeus, antropólogos, sociólogos
e juristas aceitava com tranqililidade, e não podia ser diferente a partir da postura
teórica que adotavam, a idéia de que as sociedades de culturas tradicionais da
África, da Ásia, da Amé rica e da Oceania eram apenas exemplares de estági.os
anteriores, primitivos ou teol6gi.cos, do passado da humanidade. Essas
sociedades mais simples e de tecnologia menos avançada deveriam dirigir-se
naturalmente a níveis de maior complexidade e progresso na escala da evolução
social, até atingir o topo positivo, em que se encontrava àquela hora a sociedade
industrial capitalista européia. As sociedades que não pudessem ou quisessem
atingir esses patamares de civilização estariam fadadas ao fim, por inaptidão ao
avanço histórico.
De um ponto de vista teórico, a sociologia positivista foi configurada pela
tentativa de seus formuladores em constituir seu objeto de pesquisa, pautar seus
métodos e elaborar seus conceitos à luz das ciências naturais, procurando chegar à
mesma objetividade e ao mesmo êxito, nas formas de controle sobre os
fenômenos sociais estudados, que aquelas estavam obtendo.
Caracterizando-se pela valoração dada aos fatos e a suas relações, tal como
dados pela experiência objetiva, e pelo corte reducionista da filosofia aos resulta
dos obtidos pela ciência, o positivismo foi o pensamento social que aclamou o mo
dus vivendi do apogeu da sociedade européia do século XIX, em franca expansão
econômica. Vem daí sua tentativa persistente na busca da resolução dos conflitos
sociais por meio da exaltação à coesão, à harmonia natural entre os indivíduos e ao
bem-estar do todo social (Costa, 1987:46).
O POSITMSMO SOCIOLÓGICO 47
Esse intelectual viveu entre 1858 e 1917, período que compreendeu o ápice
e a primeira grande crise interna do capitalismo monopolista europeu. De seus 59
anos vividos, em mais da metade presenciou a opulência burguesa francesa, en
quanto a fase final assistiu à tensão pela disputa de mercados entre as potências
européias ser levada às últimas conseqüências. Em seu país, a França, preocu
pou-se com o que ele chamou de "vazio moral da IIIª República", com os conflitos
entre o capital e o trabalho decorrentes da Segunda Revolução Industrial, com o
impulso do ideário socialista e com os rumos ali tomados pelo capitalismo. No
plano internacional, sua vida abrangeu do desenvolvimento do neocolonialismo
à eclosão da Primeira Guerra Mundial, com seu término e o início da primeira
grande revolução socialista, a Revolução Russa de 1917.
Durkheim compreendia o quadro perturbador colocado pela emergência da
questão social, mas discordava essencialmente do conteúdo de soluções que
começava a ser proposto pelo pensamento socialista. Suas convicções defendiam
que os problemas sociais vividos pela sociedade européia eram de natureza moral
e não de fundo econômico, e que estes sobrevinham devido à fragilidade
decorrente de uma longa época de transição. A dialética da chamada Belle
Époque1 é instigante: este é visto pela historiografia como o momento do apogeu
do capitalismo imperialista europeu. Entretanto, no interior da sociedade
européia -no âmbito das relações entre a burguesia e a classe trabalhadora-, o
desenrolar do processo social levava à radicalização dos conflitos que
redundariam na saída socialista russa e no advento posterior do Welfare State.
No tocante ao problema da relação indivíduo-sociedade, Durkheim tomou
posição a favor desta. Ele entendia que a sociedade predominaria sobre o indiví
duo, uma vez que ela é que imporia a ele o conjunto das normas de conduta social.
Seu esforço foi voltado para a emancipação da sociologia em relação às filosofias
sociais, tentando constituí-la como disciplina científica rigorosa, dotada de
método investigativo sistematizado, preocupando-se em definir com clareza o
objeto e as aplicações dessa nova ciência, partindo dos paradigmas e modelos
teóricos das ciências naturais.
Ao desenvolver a sistematização de seu pensamento sociológico, Durkheim
diferenciou-se de Saint-Simon e Comte, uma vez que seu aparato conceituai foi
além da reflexão filosófica, constituindo um corpo elaborado e metódico de pres
supostos teóricos sobre a problemática das relações sociais. Em função desses as-
1 . Segundo Azevedo (1997:56), essa é uma "expressão francesa empregada para caracterizar
um período de tranqüilidade social e de supremacia burguesa nas grandes cidades européias, durante os
primeiros anos do século XX. A Belle Époque assinala também uma fase de expansão internacional do ca
pitalismo. (...) Na realidade, sob a opulência e a riqueza, o descontentamento social não era pequeno,
como pareciam demonstrar as freqüentes greves ocorridas. "
48 SOCIOLOGIA CLÁSSICA
"Fizemos ver que umfato social não pode ser explicado senão por um ou
tro fato social e, ao mesmo tempo, mostramos como esse tipo de explicação é
possível ao assinalar no meio social interno o motor principal da evolução co
letiva. A Sociologia não é, pois, o anexo de qualquer outra ciência; é, ela mes
ma, uma ciência distinta e autônoma, e o sentimento do que tem de especial a
realidade social é de tal maneira necessário ao sociólogo, que apenas uma cul
tura especialmente sociológica pode prepará-lo para a compreensão dosfatos
sociais."
EXERCÍCIOS REFLEXIVOS
1. Produza um texto no qual você explique a forma pela qual os positivistas compreen
deram as relações sociais. Fundamente sua resposta estabelecendo ligações entre as
visões sodológi.cas desenvolvidas por Comte e Durkhcim.
4. Se, para Durkheim, fato social é ('toda a maneira de agir fixa ou não, suscetível de
exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma socie
dade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações in
dividuais que possa ter", por quais motivos a Sociologia durkheimiana pode ser en-·
tendida como uma tentativa de estabelecimento de uma técnica de controle social
que buscava a manutenção da ordem e do sistema de poder capitalista vigente?