Historia Do Rio Grande Do Norte - Rocha Pombo
Historia Do Rio Grande Do Norte - Rocha Pombo
Historia Do Rio Grande Do Norte - Rocha Pombo
No ano de 1917, o paranaense Rocha Pombo se aventurou a viajar por onze estados
brasileiros. Assim, durante quase cinco meses pelo Brasil afora, atravessando rios e matas,
descobrindo gentes, histórias, paisagens, Rocha Pombo percorreu um total de onze estados:
Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,
Maranhão, Pará, e Amazonas. As vivências explicitadas por Rocha Pombo remetem, em
muita medida, ao que Michel de Certeau acentuou a respeito dos ditos “relatos de espaço”, em
que:
Com base no quadro 1, é possível visualizar o tempo gasto em cada estado, bem como,
os meios de transporte utilizados e os locais onde os viajantes se hospedaram. O período de
permanência variava em função de muitos aspectos, sobretudo em relação ao atraso da
embarcação que os levaria ao estado seguinte, como ocorreu durante a permanência na Bahia,
que se prolongou dois dias além do previsto. Em Sergipe ficaram 22 dias por falta de vapor.
No Pará, além dos primeiros oito dias na ida, outros 10 dias na volta. Tais transtornos
deixavam o humor do viajante mais ácido, o que se evidência no tom mais irônico e crítico
nos momentos em que tais problemas ocorreram. Outro atraso também ocorreu na saída de
Manaus, quando “o vapor, que devia sair às 9 horas da noite, só saiu às 6 da manhã. O dia 23
foi só quase de mar e céu”.
Quadro 1: Tempos e percursos
Durante o percurso por terra para Natal, o viajante paranaense pôde observar o plantio
local, sobretudo de cana de açúcar, algodão, café e mandioca. Descreve que na parte central
da cidade, há duas bem iluminadas grandes praças paralelas, onde ao alto, há uma igreja
matriz. Destaca ainda a peculiaridade das construções locais:
Ao avizinhar-nos dos subúrbios de Natal, vemos de umas alturas grande
número de pequenas casas, mas regulares, todas muito vermelhas, como
tintas de sangue. É isso devido à cor do barro que serviu para as paredes.
Sentimos que o dia parece por ali mais claro. Dir-se-ia que naquelas
paragens o sol anda mais perto e brilha mais (POMBO, 1918, p. 97).
Além do jornal acima citado e exaltado, os outros dois existentes em Natal seriam A
Imprensa e A Nota, não sento este último lançado diariamente. O intelectual paranaense
considera que diferente do que ocorre na Paraíba, em Natal não haveria lutas políticas tão
acirradas.
Estruturado com um prefácio, vinte e nove capítulos e ilustrado com vinte gravuras, o
livro História do Estado do Rio Grande do Norte veio a público em 1922, edição
comemorativa do centenário da independência do Brasil. O que levou Rocha Pombo a
escrever sobre o Estado do Rio Grande do Norte? Houve relação com a viagem realizada em
1917? Que aspectos elegeu para escrever a história desse estado? Por que investir em história
regional? O livro traz, ao final, a seguinte informação: “acabou de se imprimir na Tipografia
do Anuário do Brasil (Almanak Laemert), R. D. Manoel, 62 - Rio de Janeiro, aos 15 de Abril
de 1922”, tendo como editores o Anuário do Brasil e a Renascença Portuguesa, Porto.
A obra em questão foi escrita a partir da encomenda feita pelo governador, Ferreira
Chaves, durante a visita que Rocha Pombo realizou ao estado no ano de 1917. O motivo para
a publicação da obra foram as comemorações do centenário da Independência do Brasil
(ONOFRE JR , 2000, p. 45).
Contracapa da 1ª edição da História do Rio Grande do Norte
Por sua vez, acrescenta que em pouco mais de três séculos de trabalho, também o
estado do Rio Grande do Norte tem feito a parte que lhe cabe entre os demais estados da
pátria, no cenário de comemoração de 1922.
Além do prefácio, os vinte e nove capítulos abordam, num total de quatrocentas e
oitenta e cinco páginas: “Antecedentes históricos”; “Antes da Conquista”; “A Conquista”; “O
forte dos Reis Magos”; “Fundação de Natal”; “Capitania do Rio Grande do Norte”; “Limites e
extensão”; “O meio físico”; “Lineamentos da administração”; “A entrada dos Holandeses”;
“O domínio dos intrusos”; “A seção do Conde de Nassau”; “A reação contra os intrusos”; “Da
expulsão dos Holandeses até o fim do século XVII”; “Administração da capitania durante o
século XVIII”; “O regime colonial sob os seus vários aspectos”; “Costumes, usos, festas,
tradições”; “O que se passa particularmente nas capitanias do norte depois da chegada da
corte”; A revolução de 1817 no Rio Grande do Norte”; “No momento da independência”; O
Rio Grande na revolução de 1824”; “Até a abdicação”; “A administração de 1831 até 1859”;
“Desenvolvimento econômico em geral”; “O ensino público durante o império”; “A imprensa
até 1900”; “As letras no Rio Grande do Norte”; “Sob o novo regime”; “O Rio Grande do
Norte em 1920”.
Elege como “antecedentes históricos” do estado o esmagamento de Portugal, no século
XV, entre a Espanha e o oceano Atlântico, que o levou a empreender a expansão por meio das
grandes navegações. Desse modo, acentua que o litoral do território que formaria o estado do
Rio Grande do Norte foi um dos primeiros, nesta parte da América do Sul, a receber visitas de
expedições europeias, nas quais, há “mesmo quem afirme, que até antes de Cabral havia já em
1499 a expedição de Alonso Ojeda...”(POMBO, 1922, p.11). Outra característica marcante
na narrativa de Rocha Pombo é o constante contraponto com o tempo em que escrevia a obra,
na relação do que seria o “presente”, com “passado”, o que pode ser apreendido não somente
no texto, como nos usos de fotografias “atuais” do Rio Grande do Norte. Tais fotografias, que
não apresentam menção de autoria, teriam sido retiradas durante as suas travessias ao norte do
Brasil, em 1917? Seriam de autoria do fotógrafo e pintor Guttmann Bicho?
Panorama da cidade de Natal. Fonte: POMBO, Rocha. História do Estado do Rio Grande do Norte
Em nota, Rocha Pombo acrescenta que nas escolas primárias daqueles tempos, os
meninos não sabiam que o Brasil tinha uma História e Geografia, e quanto à língua, “mal
sabiam os meninos tendo de cor aquelas regras dos mestres Corujas” (POMBO, 1922, p. 375).
De acordo com o autor, somente de 1870 é que institui na província “a causa do ensino
popular”, sobretudo na verificação de que por esse tempo, já funcionavam cerca de 74
escolas, ressaltando que:
Já recebiam instrução elementar 2.518 crianças dos dois sexos. Isto, além
dos proveitos de muitas escolas particulares. Também não se esquecia a
sorte dos adultos sem recursos, pois em Natal se instalava ( a 15 de março de
1870) a primeira escola noturna, com 38 alunos. Em 1868 criara-se a
Biblioteca Pública da capital. A princípio encontrou certos embaraços,
naturais a toda instituição nova, estranha aos hábitos da população
(POMBO, 1922, p. 377).
Considerações finais
Ao término deste trabalho, afirmo que Rocha Pombo pode ser pensado como um
entusiasta da educação, sobretudo, um modelo de educação republicana. Defendia que durante
o período colonial, não houve ensino público em parte alguma do Brasil, destacando a quase
inexistência de mestres para o ensino primário, o que se justificaria pela falta de pessoal apto
que desejasse lecionar. Nesses tempos de colônia, afirmava que era geral o analfabetismo,
uma vez que “só a gente abastada e de certa importância, que se educava fora, é que constituía
exceção à regra” (POMBO, 1922, p. 373).
Tal quadro se alteraria no Império, onde demarca o ano de 1827 como época notável
na história do Rio Grande do Norte, tendo sido criadas na cidade de Natal as três primeiras
escolas de instrução primária, duas para o sexo masculino e uma para meninas. Com respeito
aos investimentos nas causas do ensino, acentua que não se tratava de algo apenas no âmbito
regional. Rocha Pombo conclui a obra exaltando as razões para que o “povo norte-rio-
grandense” tenha orgulho de sua história, com consciência de seu papel diante dos “irmãos da
República”, em que, os flagelos teriam criado o heroísmo daquele povo.
Referências bibliográficas
CERTEAU, Michel de. “Relatos de espaço”. In: CERTEAU, Michel de. A invenção do
cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
CUNHA, Débora & SILVA, Ágda. “Historiografia Norte Rio-Grandense: unilateralidade e
ensino em História”. Caderno de resumos & Anais do 5º. Seminário Nacional de História da
Historiografia: biografia & história intelectual. Ouro Preto: EdUFOP, 2011.
MORAIS, Maria Arisnete. “Escritoras oitocentistas: Isabel Gondim e Anna Ribeiro”. In:
Educação & Linguagem, ano 11N. 18, pp. 84-106, JUL.-DEZ. 2008.
ONOFRE JR, Manoel. Salvados Livros e autores norteriograndeses. Natal: Sebo Vermelho,
2000.
POMBO, José Francisco da Rocha. Notas de viagem. Norte do Brasil. Rio de Janeiro:
Benjamin de Águila editor, 1918.
________.POMBO, José Francisco da Rocha. História do Estado do Rio Grande do Norte.
Edição comemorativa do centenário da Independência, 1822-1922. Rio de Janeiro: Anuário
do Brasil; Porto: Renascença Portuguesa, 1922.
SIMMEL, Georg. “Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal”. In: MORAES
FILHO, Evaristo. (Org.). SIMMEL, Georg. Sociologia. São Paulo: Ática, 1997, p. 168.
SIRINELLI, Jean-François. “Os intelectuais”. In: RÉMOND, René. Por uma história política.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Ed. FGV, 1996.
i
Os estados na cor rosa foram os contemplados na excursão de Rocha Pombo.
ii
Os outros nomes mencionados foram: Nestor Lima, Secretário do Instituto Histórico, advogado e professor;
Ferreira Chaves, desembargador; Pedro Soares, coronel, vice-presidente do Instituto Histórico;
Vicente Lemos, descrito como “desembargador, incansável investigador da história natalense”; Jeronymo
Gueiros, Lente da Escola Normal; Isabel Gondim, poeta e educadora; Oscar Brandão, destacado como “Ilustre
homem de letras”; Ferreira Chaves, desembargador; Santiago Varela, Diretor do Isolamento da Piedade, hospital
para alienados.