O Método de Esther Scliar para o Ensino Da Teoria Musical

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CRISTINE MARIZE LIMA BRANCO

O MÉTODO DE ESTHER SCLIAR PARA O ENSINO DA TEORIA MUSICAL:


CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS FUNDAMENTAIS

RIO DE JANEIRO

2010
2

Cristine Marize Lima Branco

O MÉTODO DE ESTHER SCLIAR PARA O ENSINO DA TEORIA MUSICAL:


CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS FUNDAMENTAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Música, Escola de Música,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Música.

Orientador: Prof. Dr. José Alberto Salgado e Silva

RIO DE JANEIRO

2010
3

Cristine Marize Lima Branco

O MÉTODO DE ESTHER SCLIAR PARA O ENSINO DA TEORIA MUSICAL:


CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS FUNDAMENTAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Música, Escola de Música,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Música.

Banca examinadora:

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________
4

A todos os que têm se dedicado a educação musical


e acreditam que o ensino da música é um processo dinâmico,
empenhado em oferecer ao estudante recursos eficazes
para interligar conhecimento, música e realidade social.
5

AGRADECIMENTOS

Ao Deus Todo-Poderoso, provedor de todos os recursos.

À minha família, pelo apoio, compreensão e amor.

À minha tia Dora, pelo carinho, incentivo e apoio, com saudades.

À professora Maria Aparecida Antonello Ferreira, pela disponibilidade, doação de seu


conhecimento e incansável apoio.

À Leonor Scliar-Cabral, por sua generosidade e incentivo.

Ao professor José Alberto Salgado e Silva, por sua orientação, apoio e compreensão.

A Carlos Alberto Figueiredo, Edino Krieger, Felicia Wang, Luis Paulo Horta, Maria Clara
Gebara, Marlene Migliari Fernandes, Maria José Michalski, pela confiança e por compartilhar suas
vivências com Esther Scliar.

À Cibeli Reynaud, Edu Lobo, Elba Braga Ramalho, Flavio Silva, Marcio Hallack e Saloméa
Gandelman, por contribuírem com seus depoimentos.

Aos meus colegas de curso, especialmente: Ana Cristina Santos de Paula, Fábio de Sá, Lya
Pierre, Maria Christina Schwenck, Nelson Painter, e Priscila Lutz, pelo companheirismo e incentivo.

À Grace Costa da Silva Castro, pelo incentivo e encorajamento no momento certo.

A todos os professores da Escola de Música da UFRJ que contribuíram, direta ou


indiretamente, para a realização deste trabalho.

À CAPES, pela concessão da Bolsa de Estudos.


6

RESUMO

Este trabalho investiga a didática do Método de Teoria Musical desenvolvido por Esther

Scliar, através da interpretação das alunas que foram preparadas por ela em cursos de Didática da

Teoria Musical, e que ainda fundamentam suas atividades pedagógicas no referido método.

Formaram a base desta pesquisa: depoimentos e entrevistas com pessoas que tiveram

contato com sua atividade pedagógica; roteiros de aulas manuscritos por ela, que demonstram sua

organização e suas escolhas quanto a priorização dos conteúdos; anotações em aulas da disciplina

Tópicos Especiais - Método Esther Scliar - do curso de Licenciatura da Escola de Música da UFRJ.

Vertentes do contexto histórico vivido por Esther são abordadas utilizando como referência a

sua história de vida, onde características políticas, sociais e culturais são apontadas até o final dos

anos 70, quando ocorreu sua morte. A análise dos depoimentos destaca traços que compõem seu

perfil como educadora e caracteriza os procedimentos didáticos de Esther Scliar, conforme indicaram

as perspectivas dos seus alunos.

Palavras-chave: Método, Esther Scliar, Didática, Teoria Musical.


7

ABSTRACT

This study investigates the education of the Method of Musical Theory developed by Esther

Scliar, through the pupils' interpretation that they were prepared by her in courses of Education of the

Musical Theory, and what still base his pedagogic activities on the above-mentioned method..

Formed the basis of this research: testimonies and interviews with persons who had contact

with his pedagogic activity, scripts manuscripts for her classes, demonstrating their organization and

their choices about the prioritization of content, classes of notes in discipline Special Topics - Esther

Scliar Method – of degree Musical Education in School of Music of UFRJ.

Strands of historical context are addressed by Esther lived using as a reference to his life

story, which features political, social and cultural rights are identified in the late '70s, when his death

occurred. The analysis of the testimonies detaches aspects that compose his profile like educator and

characterizes the educational proceedings of Esther Scliar, as the perspectives of his pupils indicated.

Keywords: Method, Esther Scliar, Didactic, Music Theory.


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO …............................................................................................................................. 9

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................................... 12

1.1 Considerações sobre Método .................................................................................... 17

1.2 Revisão de Literatura ................................................................................................ 22

1.2.1 História Oral ............................................................................................ 22

1.2.2 Didática ................................................................................................... 24

1.2.3. Tendências Pedagógicas ..................................................................... 27

2. ESTHER NO CONTEXTO DO SÉCULO XX ............................................................................. 37

2.1 Vertentes Sociais e Políticas ..................................................................................... 38

2.2 Cenário Artístico-Musical .......................................................................................... 52

2.2.1 Modalismo …........................................................................................... 55

2.2.2 Serialismo ............................................................................................... 59

2.2.3 Música eletroacústica .............................................................................. 65

2.2.4 Relevos da Música Popular Brasileira..................................................... 66

3. O PERFIL DA EDUCADORA …................................................................................................. 77

3.1 Conteúdo x Realidade ............................................................................................... 79

3.2 Relacionamento com alunos …................................................................................. 81

4. CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS FUNDAMENTAIS DO MÉTODO …..................................... 88

4.1 Durações ................................................................................................................... 96

4.2 Alturas ...................................................................................................................... 121

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 148

ANEXO I – Imagens fotográficas .................................................................................................. 155

ANEXO II – Mídia digital com as entrevistas semidirigidas.


9

INTRODUÇÃO

“Esther deixou marcas profundas e perturbadoras em seus colegas, amigos e,


principalmente em seus alunos – inúmeros profissionais hoje atuantes -, tendo sido
uma das figuras mais importantes no cenário da música no Brasil. A riqueza cultural,
inteligência, carisma e capacidade de comunicação fizeram de Esther Scliar uma
figura concorrida e centralizadora de atenções. Um ponto de referência, guia,
mestra.”1

Minha aproximação com o Método de Esther Scliar para a Teoria Musical ocorreu quando

cursei a disciplina da grade curricular de Licenciatura em Música na UFRJ, Tópicos Especiais – Método

Esther Scliar, ministrada pela professora Maria Aparecida Antonello Ferreira. A perspectiva oferecida

pela mestra em sua vivência como aluna e assistente da educadora Esther Scliar fez-me perceber que

se tratava de um método coerente e objetivo, pois, oferecia bases sólidas para a construção musical a

partir do trabalho em separado de durações e alturas inicialmente. Considerando a proposta

“inovadora” então apresentada, e, comparando-a com minha formação musical que foi baseada nos

métodos tradicionais, motivei-me em colocá-lo como foco da minha pesquisa, iniciada na monografia

para conclusão da graduação. Os dados levantados foram indicando que a construção do método

mostrava cuidado em oferecer ao aluno recursos para uma base musical sólida e para que a

percepção do aluno pudesse ser ampliada e receptiva a outras estruturas musicais. Observei ainda,

que o método de Scliar, sob o ponto de vista didático, permanecia quase incógnito para a educação

musical brasileira, pois, nem mesmo na única literatura existente sobre teoria elementar, a obra

póstuma 'Elementos de Teoria Musical'2, existe qualquer alusão às questões didáticas. A aplicabilidade

do método era transmitida pela autora aos seus alunos do curso de Didática da Teoria Musical, que se

realizava nos Seminários de Música Pro Arte ou em aulas particulares. Atualmente, os únicos

detentores deste conhecimento são os ex-alunos e assistentes de Esther, especialmente, as

professoras Maria Aparecida Antonello, Felicia Wang, e Cibele Reynaud que afirmam basearem suas

práticas pedagógicas nas orientações dela. Contudo, foram unanimes em admitir que ao longo do

MACHADO, Aida. Esther Scliar – Um olhar perceptivo. Revista Arte Cultura S. Marcelina. Nº 1. S. Paulo:2007. P, 35.
1

2
Conteúdo organizado por F elicia Wang e Marlene Migliari Fernandes com os materiais deixados por Esther.
10

tempo as características individuais foram ganhando espaço e mesclando-se à proposta de Esther.

Diante desses dados, surgiram algumas questões que serviram como pontos de partida para o

presente trabalho:

− Como se desenvolvia a didática do Método de Esther Scliar para a Teoria Musical?

− Quais foram os procedimentos adotados por ela?

− Como seria o perfil pedagógico de Esther Scliar?

Investigar a didática do método em referência tornou-se o objetivo da presente pesquisa a fim

de que esteja disponível como veículo do conhecimento musical, consciente de que o passar do tempo

implica em perda de clareza nas memórias, nesse caso, após mais de 30 anos. Portanto, assumem

importante papel no desenvolvimento da presente pesquisa: os depoimentos, as entrevistas, os

manuscritos de Esther e os materiais didáticos, que irão dialogar com as referências bibliográficas.

Analisando o perfil pedagógico de Esther Scliar e relacionando-o com o momento histórico da

educação musical, foi adotado como referencial teórico a Pedagogia Progressista Crítico-Social dos

Conteúdos situada no autor José Carlos Libâneo, que fundamenta este trabalho.

A dissertação desenvolve-se em quatro capítulos:

• No primeiro são descritos: os procedimentos metodológicos, apresentando as justificativas pelas

escolhas e os limites encontrados; considerações acerca de método desenvolvendo-se

conceitualmente, quando são apontadas as ideias de Descartes; e, revisão de literatura: refletindo

sobre a importância da história oral como prática metodológica, abordando conceitualmente a

didática e sua importância para o ensino, e, apresentação de um breve panorama sobre as

tendências pedagógicas de educação no período em que Esther Scliar viveu.

• No segundo, mostra-se, inicialmente, o contexto social e político relacionado com a biografia de

Esther; em seguida, um panorama musical do século XX observando: os movimentos culturais

influentes, seu envolvimento com as correntes de vanguarda da música do século XX, o valor que
11

concedeu ao canto coral, seu apurado senso crítico, para que se possa compreender a trajetória

desta importante professora e musicista do cenário da música brasileira.

• No terceiro, são apresentados os traços do perfil da educadora Esther, delineados a partir de

testemunhos dos seus alunos, que evidenciam: a professora que se tornou uma referência por sua

capacidade, responsabilidade e musicalidade; sua ampla compreensão musical e ausência de

preconceitos estilísticos; a proximidade que mantinha com a realidade de seus alunos privilegiando

as experiências vividas, e estabelecendo relações com os conteúdos trabalhados sem abrir mão de

consistência teórico-musical.

• No quarto capítulo, a didática do Método de Teoria Musical de Esther Scliar é descrita obedecendo

aos procedimentos adotados pela autora, conforme o que foi possível resgatar através dos

materiais didáticos analisados e apoiados pelo depoimento dos ex-alunos, especialmente da

professora Maria Aparecida Antonello Ferreira, segundo suas vivências com o pensamento

pedagógico-musical de Esther Scliar.


12

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O levantamento das características didáticas fundamentais do método de Esther Scliar para a

teoria elementar da música é o foco de investigação do presente trabalho, que vem se desenvolvendo

há mais de 30 anos após sua morte e depara-se com a ausência de fontes bibliográficas específicas. É

importante considerar que a única literatura existente sobre o referido método é a obra póstuma

'Elementos de Teoria Musical' onde não destaca o caráter didático, uma vez que, o objetivo da

publicação era reunir organizadamente os manuscritos deixados por Esther que serviam de

norteadores para suas aulas nesta disciplina3. Portanto, se faz necessário lançar mão de

procedimentos característicos da investigação empírica, como os descritos abaixo:

• Anotações em 'diário de campo' registrando as aulas de Percepção Musical das professoras: Maria

Aparecida Antonello Ferreira (Escola de Música da UFRJ) e Felicia Wang (Conservatório Brasileiro

de Música). Tais observações, têm por objetivo identificar a aplicabilidade do Método de Esther

Scliar através da perspectiva destas professoras, que foram suas assistentes e alunas das

disciplinas Teoria Musical e Didática da Teoria Musical;

• Anotações das aulas de Tópicos Especiais - Método de Esther Scliar, disciplina do curso de

Licenciatura na Escola de Música da UFRJ, ministradas pela prof.ª Ferreira, que complementarão a

análise dos dados levantados;

• Observação participante em atividades em sala de aula na turma da disciplina acima citada,

Tópicos Especiais, onde pude aplicar os conteúdos do Método de Esther em aulas-estágio, com o

acompanhamento daquela professora;

• Coleta de depoimentos efetuada por e-mail, devido à distância física e a falta de disponibilidade

nas agendas pessoais, a saber: Aylton Escobar, Edu Lobo, Flávio Silva e Marcio Hallack, músicos e

3
Ver prefácio de Elementos de Teoria Musical - Esther Scliar
13

ex-alunos de Esther; Elba Braga Ramalho, amiga e colega de curso; Saloméa Gandelman, ex-

aluna e colega de trabalho.

• Entrevistas semiestruturadas com: a irmã de Esther Scliar, Leonor Scliar-Cabral; os parceiros de

trabalho e amigos pessoais, o compositor Edino Krieger, as professoras Maria José Michalski e

Marlene Migliari Fernandes; cinco ex-alunos: o crítico-musical Luiz Paulo Horta; os professores

Maria Aparecida Antonello Ferreira, Felicia Wang, Carlos Alberto Figueiredo e Maria Clara Gebara.

Nas entrevistas gravadas, algumas perguntas funcionaram como roteiro, mas, ao longo do diálogo,

foram ganhando características personalizadas. Após lerem a transcrição, Maria Aparecida

Antonello, Leonor Scliar-Cabral, Edino Krieger, Maria Clara Gebara, Maria José Michalski e

Marlene Migliari Fernandes reajustaram o texto das respectivas respostas transcritas. Todas as

entrevistas receberam autorização para utilização na presente pesquisa;

• Comunicação pessoal com as professoras Cibeli Reynaud e Maria Aparecida Antonello Ferreira.

• Coleta de documentos como: fotografias, materiais utilizados em aula (folhas de conteúdo teórico e

exercícios) e roteiros de aulas;

• Levantamento de dados bibliográficos em acervos públicos e pessoais. Os acervos particulares

disponibilizaram os seguintes documentos: Leonor Scliar-Cabral (fotografias, cópia da obra Solfejos

Progressivos, dissertações, conteúdos teóricos avulsos, roteiros das aulas de Esther Scliar - 1970

e 1975 - e planejamento de aulas para crianças e adolescentes); Edino Krieger (fotografia);

Marlene Migliari (folhas com exercícios e exemplos musicais); Carlos Alberto Figueiredo (apostila

de exercícios, fotografias e carta de apresentação); Felicia Wang (folha avulsa com conteúdo

teórico); Maria Aparecida Antonello (apostila incompleta de Didática da Teoria Musical).

• Análise dos depoimentos e entrevistas, com o objetivo de resgatar lembranças das aulas e

identificar os traços que compõem o perfil da educadora Esther Scliar.

• Análise dos roteiros manuscritos por Esther das aulas na Pro Arte em 1970 e 1975, seguida de

entrevistas com a professora Ferreira, com a finalidade de apontar os procedimentos didáticos;


14

• Anotações das interpretações dos dados levantados. Ressalto que a análise dos dados não tem

por objetivo enfatizar aspectos quantitativos.

Refletindo acerca das possibilidades e limitações existentes neste trabalho, busquei reunir o

maior número possível de elementos que pudessem contribuir para reconstrução dos fatos e confrontar

as informações. Esta estratégia é apoiada por BAUER, GASKELL & ALLUM (2007, p. 18), quando

considera que adotar um 'pluralismo metodológico' é um recurso eficiente no levantamento dos

acontecimentos sociais, considerando que a utilização de vários procedimentos pode oferecer meios

para se chegar a dados relevantes.

Para a presente investigação, as memórias individuais dos alunos de Esther Scliar são fontes

importantes porque oferecem elementos para reconstrução de parte da sua história de vida e, através

deles pose-se distinguir características pessoais, identificar traços do seu perfil de educadora e os

procedimentos didáticos adotados. Em tais testemunhos, seja em depoimento escrito ou entrevistas, as

lembranças ganham nitidez à medida que são respondidos os questionários previamente organizados

ou as questões que surgiram ao longo dos relatos. Nesses casos, a proximidade entre o entrevistador

e o entrevistado torna-se um elemento favorecedor, especialmente, quando as perguntas ganham

características personalizadas conforme o desenvolvimento das narrativas, culminando no momento

em que é solicitado que exponham livremente suas lembranças de Esther.

As propostas metodológicas da história oral, também, orientam a presente pesquisa quanto

aos cuidados necessários para a coleta dos dados orais. Nos casos das entrevistas e dos

depoimentos, foram observados os seguintes critérios acerca da escolha pelo relator: 1) proximidade

com a prática pedagógica de Esther Scliar; 2) vivência em seu método de teoria musical; 3) utilização

do referido método. A escolha pelo local da entrevista ficou a cargo do entrevistado para que estivesse

à vontade no "seu ambiente” e, assim, receptivo ao entrevistador e às questões levantadas.


15

A metodologia proposta pela história oral também inclui, e considera importante, os

depoimentos de memórias para construção e reconstrução da história, conforme afirma JOUTARD

(1995): “A história oral reencontrou finalmente a história geral em torno da Memória” 4. Esta compõe as

identidades pessoais e coletivas, sendo manifestas através dos relatos testemunhais para a construção

histórica, ideia que foi reconhecida também por Ferreira (2004, p.321): "Essa perspectiva que explora

as relações entre memória e história possibilitou uma abertura para a aceitação do valor dos

testemunhos diretos"5.

A vida de Esther Scliar transcorreu num momento histórico de grandes mudanças que

influenciaram suas concepções filosóficas, sociais, políticas, musicais e educacionais. Para realizar a

interpretação dos dados sobre sua vida, fez-se necessário conhecer o contexto social, político e

cultural em que viveu, conforme discorrido no capítulo 2 deste trabalho. Tratando-se de um passado

recente, a sua história de vida traz consigo lembranças envoltas pelos sentimentos dos que conviveram

com ela, evidenciados em relatos por vezes emocionados. Refletindo sobre história de vida,

BOURDIEU (1986) concebe que “a vida é inseparavelmente o conjunto de acontecimentos de uma

existência individual concebida como uma história e o relato dessa história” 6, pois enxerga a necessária

correlação entre a história de vida e os fatos que a cercam. Assim, imaginar a existência de uma

história isolada do seu cenário seria como desprezar os fatos que influenciam e são influenciados

mutuamente, que são forças fundamentais e determinantes nas ideias e nos ideais que permeiam o

momento em que se desenrola como, por exemplo, as socioculturais e políticas. Portanto, a construção

da narrativa de uma história deverá traduzir a inter-relação de todos esses fatores.

É importante reconhecer que os relatos estão sujeitos a periódicas atualizações quando do

surgimento de novas lembranças e/ou de reavaliações nas memórias individuais e coletivas. Antigos

historiadores nutriam a crença de um passado histórico imutável, uma ideia que tem sido questionada
4
JOUTARD, Philippe. História Oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. Em Usos & Abusos
da História Oral. Ed. Fund. Getúlio Vargas. 2ª edição. Rio de Janeiro:1998. P. 54
5
A autora baseia-se em Pollak, Michael. L’historien et le sociologue: le tournant épistémologique des années 1960 aux
années 1980. In Institut d’Histoire du Temps Présent. Ecrire l’histoire du temps présent. Paris: CNRS Editions, 1993.
6
BOURDIER, Pierre. A ilusão biográfica. Em Usos & Abusos da História Oral. Ed. Fund. Getúlio Vargas. 2ª edição. Rio
de Janeiro:1998. P. 183
16

diante do aparecimento de novas versões para os fatos históricos. BÉDARIDA (1992)7 entende que

essas releituras dos acontecimentos são maneiras válidas de se chegar à veracidade dos fatos,

principalmente, quando se trata da história do tempo presente, a qual considera uma história

inacabada, uma constante renovação.

Na fase de levantamento dos dados em acervos públicos, pude encontrar: na Biblioteca

Nacional, publicações póstumas de Esther Scliar e algumas composições; nos Seminários de Música

Pro Arte, local onde Esther lecionou por 13 anos8 e foi coordenadora das matérias teóricas, apenas oito

fotocópias de provas semestrais de Teoria Musical dos anos 1974 e 1975, e duas folhas (avulsas) com

conteúdo teórico9; na biblioteca da Escola de Música Villa-Lobos, onde Esther lecionou de 1976 até

1978, ano de sua morte, várias composições e arranjos manuscritos por ela, e um exemplar da apostila

de Análise Musical, única disciplina que lecionou ali.

Nora (apud JARDIM, 1996) destaca a importância do "lugar" da memória, onde estariam

reunidos, simultaneamente, elementos materiais e simbólicos, que têm por função fundamental “parar o

tempo, bloquear o trabalho de esquecimento, fixar um estado de coisas” e, assim, contribuir para a

perpetuação das memórias. Diante do que foi observado nas instituições acima citadas, percebe-se

que nos Seminários de Música Pro Arte a falta de recursos materiais e de pessoal adequados vem

dificultando a preservação das memórias locais.

7
BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença da História. Em Usos & Abusos da História Oral. P. 229
8
Esther Scliar lecionou nos Seminários Pro Arte de 1962 até 1975 as disciplinas: Teoria Musical, Didática da Teoria Musical,
Percepção, Análise, Didática da Análise e Morfologia. Período em que foi desenvolvendo apostilas e disponibilizando-as
com os conteúdos de cada curso, para utilização pelo corpo docente e discente. Tais apostilas, foram utilizadas por mais
alguns anos naquela instituição após a sua saída.
9
A denominada "biblioteca", nos Seminários Pro Arte, era um local precário em espaço, sem organização ou limpeza, onde
parte do acervo ficava amontoado em prateleiras e em caixas, conforme constatado pela autora da presente pesquisa, em
julho de 2008.
17

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE MÉTODO

Ao longo da história o 'método' tem estado presente na maior parte das atividades diárias,

seja intencionalmente como forma de organização para se chegar a determinados objetivos ou como

resultante quase instintiva do ato inteligente de pensar.

Uma das etapas para compreensão do que é método parte da própria palavra, que se origina

do grego, methodos, composta de meta (por meio de, através de) e de hodos (via, caminho)10.

Portanto, caminho pelo qual se chega a determinado objetivo. No Dicionário Aurélio da Língua

Portuguesa11 a palavra 'método' apresenta quatro significados fundamentais: 1- Procedimento

organizado que conduz a um certo resultado; 2- Processo ou técnica de ensino; 3 – Modo de agir, de

proceder; 4 – Regularidade e coerência na ação. Com base nas significações, mesmo que

implicitamente, poderíamos deduzir que organização é um elemento que permeia os quatro

significados citados, e ainda, que organização e método são interdependentes e participantes de um

mesmo processo. Partindo desta compreensão, método vem ganhando profundidade conceitual

apoiada pelo exercício de sua prática, como demonstra Bourdieu (2008, p.11) ao distinguir que método

constitui-se em "modos controlados e constantes de agir e de pensar”. Desta forma, regularidade e a

atenção, são elementos fundamentais que devem estar aliados a uma racionalidade analítica para

identificar recorrências e possíveis desvios, e poderão auxiliar a estruturar o caminho ideal com base

nos procedimentos já adotados.

Sob uma perspectiva histórica, constata-se que método tem recebido várias formulações pela

filosofia e por outras ciências no decorrer dos séculos, entretanto, seu papel foi o de regulador do

pensamento e das ações, guiando o trabalho prático-intelectual e, por muitas vezes, avaliando os

resultados obtidos. Chegou-se a pensar na criação de um método único que oferecesse princípios e

regras como padrão para diversos campos do conhecimento. Já a filosofia aristotélica considerava que,

10
Disponível em www.eba.ufmg.brgraduacaomaterialdidaticoapl001aula007web.html.html. Acesso: 06/10/2008
11
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
18

ao lado de um método geral, outros métodos particulares também seriam necessários, conforme a

especificidade do objeto a ser conhecido. Mais tarde, na primeira metade do século XVII, o filósofo

René Descartes12 entendeu a necessidade de método como orientador para alcançar a verdade do

conhecimento, tendo como princípio a crença em uma verdade absoluta, enfatizando a capacidade do

ser humano de distinguir, por si mesmo, através do bom senso e/ou da razão, os conhecimentos

verdadeiros dos falsos. No que se refere ao controle das informações, demonstrado quanto ao dividir,

ordenar e classificar, deduz-se que seu trabalho tenha sido base para muitos conceitos científicos que

se desenvolveram posteriormente. A defesa de suas ideias está apresentada na obra “Discurso do

Método”, onde descreveu e justificou os procedimentos adotados, alegando servirem como sugestões

para reflexão. Método não recebeu do autor qualquer conceituação específica, mas pode ser

compreendido à luz das suas análises e escolhas por procedimentos que julgou adequados.

Subentende-se aqui, que não existem "fórmulas mágicas" prontas para o uso, e que a criação de um

método deve partir de uma conscientização motivada e conduzida pela razão. Assim, as atitudes vão

ganhando força estratégica, fruto de observações, de escolhas e definições por procedimentos

eficientes, ou eficazes, para se alcançar o objetivo pretendido. O reconhecimento do caráter

personalizado de método acaba por contrariar, até mesmo inutilizar, a ideia inicial da construção de um

método único e universal.

Sem ter a intenção de discorrer sobre o vasto conteúdo daquela obra, destacarei alguns

pontos que me motivaram à reflexão, onde se evidencia as capacidades de verificação, análise, síntese

e, especialmente, um caráter imbuído de determinação e permeado por valores éticos. O pensamento

de Descartes almejava a verdade do conhecimento sem impor sua visão do certo ou do errado.

Buscava compreender o outro e respeitar as diferenças, considerando que bom senso é característica

inerente a todos os seres humanos e que a capacidade de julgamento de cada indivíduo pode se

manifestar de formas diferentes, já que está submissa aos valores.

12
René DESCARTES (1596-1650) – Filósofo francês, considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da
História do Pensamento Ocidental. Por vezes chamado de "o fundador da filosofia moderna” e o "pai da matemática
moderna".
19

Descartes aponta: “a diversidade de nossas opiniões não se origina do fato de serem alguns

mais racionais que outros, mas apenas de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e

não considerarmos as mesmas coisas.”13. Tal perspectiva conduz a uma compreensão dos fatos

despida de "rótulos" e de preconceitos, conferindo ao "outro" valor semelhante ao de si próprio. As

diferenças são entendidas por Descartes como evidências das visões e experiências diferentes, dignas

de respeito e consideração. A busca pela certeza é outra característica do trabalho investigativo de

Descartes, cuja racionalidade conferiu valor somente ao que podia ser evidenciado, demonstrando na

citação a seguir sua grande preocupação em evitar o engano (TIBURI, 2004, p.44): “[...] nunca aceitar

algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal” 14. Este raciocínio conduz ao

pensamento de que a procura por evidências requer atitudes cuidadosas, a fim de que não seja

adotado um ceticismo gratuito que impeça a trajetória até o objetivo a ser atingido, ou ainda, abraçar

um otimismo cego que possa comprometer a investigação.

Descartes também propõe manter proximidade com os 'fatos', sugerindo que o processo de

investigação inclua o 'cenário' onde eles se desenrolam, e assim, buscar relações entre ambos: “É bom

saber alguma coisa dos hábitos de diferentes povos [pessoas], para que julguemos os nossos mais

justamente e não pensemos que tudo quanto é diferente dos nossos costumes, é ridículo e contrário à

razão”15. Podemos evidenciar aí, a importância que o autor confere ao conhecimento dos contextos

históricos e sócio-culturais. Ignorá-los, poderia induzir a um “olhar” insensível, indiferente às diferenças,

propensos a julgamentos equivocados das realidades que desconhecemos. O caráter analítico

identificado em Descartes se destaca quando da necessidade de decompor o 'todo' em 'partes'

menores, para melhor enxergá-las e conseguir transpor as limitações encontradas, conforme registrou:

“repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e

necessárias, a fim de melhor solucioná-las.”16. De certa forma, estes conceitos são percebidos em

13
DESCARTES, René. Discurso do Método. Versão eletrônica em www.dominiopublico.gov.brdownloadtextocv000043.pdf.
p, 1. Acesso: 24/09/2008.
14
Ibid, p. 11
15
Ibid, p. 3
16
Ibid p. 11
20

Mourin (2001, p. 3), quando considera que um conhecimento pertinente deve estar contextualizado, e

ainda, quando explicitamente apoiado em Blaise Pascal17, afirmou que o ensino deve estimular o aluno

a desenvolver sua capacidade de ligar as 'partes ao todo' e o 'todo às partes', para que tenha

condições de observar as várias dimensões da realidade social.

Quanto ao processo inverso, ou seja, a síntese, das 'partes' para se chegar à compreensão

do 'todo', Descartes propõe utilizar o critério da escolha por complexidade progressiva e gradativa que

favorecem o conhecimento, a organização e a junção das partes, contudo, reconhece que esse

procedimento vem requerer lógica e coerência:

conduzir por ordem meus pensamentos iniciando pelos objetos mais simples e mais
fáceis de conhecer [...] até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até
mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.18

Relacionando com o processo ensino-aprendizagem, é reconhecido que, geralmente, este se

desenvolve de forma gradativa, obedecendo a uma linha de raciocínio que considera a hierarquização

dos conteúdos por complexidade gradativa. Para tanto, utiliza-se de recursos estimuladores da

aprendizagem, que encontram respaldo nas ideias de Piaget sobre as fases de amadurecimento

cognitivo do ser humano19, quando são apresentado os conteúdos de forma sequencial e adequados à

faixa etária. Quanto ao ensino musical, a proposta inovadora de Dalcroze 20, diferentemente do ensino

tradicional em vigor que iniciava com a escrita musical, conscientizou que o aprendizado deveria

fundamentar-se a partir das experiências sensório-corporais. Vale destacar que a estrutura pedagógica

do 'treinamento rítmico-auditivo' estabeleceu sua sequência com base na complexidade gradativa21.


17
Blaise PASCAL (1623 - 1662) - Matemático e filósofo francês, contemporâneo de Descartes que, neste aspecto,
compartilhava de uma visão semelhante, afirmou no artigo XVII de sua obra Pensamentos: "considero impossível conhecer
as partes sem conhecer o todo, não mais que conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes." Disponível em:
www.ebooksbrasil.org/eLibris/pascal.html. Acesso: 25/05/09
18
DESCARTES, René. Discurso do Método. Versão eletrônica em www.dominiopublico.gov.brdownloadtextocv000043.pdf.
p. 11. Acesso: 24/09/2008.
19
Piaget entende o processo de aprendizagem através do SISTEMA DE EQUILIBRAÇÃO, um elo que une desenvolvimento
e aprendizagem. "A equilibração se explica pelo fato de que, nas etapas sucessivas, as formas pelas quais os esquemas
operam, apresentam sempre uma probabilidade crescente, em complexidade e plasticidade, tendo em vista os resultados
obtidos nas etapas antecedentes." (PIAGET apud PALAGANA, p. 75, 1998)
20
Dalcroze declarou: "O alvo da eurritmia é capacitar os alunos, ao final do curso, a poderem dizer 'eu sinto', em lugar de 'eu
sei', e, então, criar neles o desejo de se expressarem, pois as faculdades emotivas despertam o desejo de comunicação".
(DALCROZE apud SANTOS, 2001, p. 20)
21
Tal sequência constitui-se de: educação do sentido rítmico; notação musical, tonalidade e harmonia, intervalos e acordes
e plástica animada. (ibid, p. 22)
21

Além dos pontos já sinalizados sobre as ideias de Descartes no 'Discurso do Método', há

outro aspecto que, a meu ver, é fundamental pois permeia todo seu trabalho: a motivação. Impulso

gerador da energia que o conduziu com determinação na sua jornada na busca pelo conhecimento da

verdade, na construção das estratégias e na resolução dos problemas que surgiam ao longo do

caminho. Baseado na referida obra, se pode concluir que 'método' deve ser resultante de um

pensamento aberto à 'reflexão' e à 'investigação', e ainda: 'crítico', na medida em que observa os

fundamentos e as condições necessárias para o conhecimento; 'descritivo', detalhando as estruturas

essenciais do objeto do conhecimento; 'interpretativo', traduzindo as formas de linguagem e as

significações dos objetos, dos fatos, das práticas, suas origens e transformações, de forma que sejam

'compreensíveis' e 'reutilizáveis'.

Se relacionarmos o que foi destacado sobre método com o trabalho didático-pedagógico

desenvolvido por Esther Scliar, o seu método para a Teoria Elementar da Música, alguns traços

convergentes podem ser ressaltados, como: resultado de profunda investigação; racionalidade na

organização dos conteúdos que utiliza como critério o processo analítico, quando opta por iniciar com

as menores partes, possíveis à compreensão, das durações e das alturas para chegar ao todo musical;

uso do critério da complexidade gradativa e progressiva na organização e apresentação dos

conteúdos; uso de estratégias motivacionais ao aprendizado, dentre outras, a de oferecer a experiência

antes da teorização. Quanto a este aspecto, Ferreira diz sobre as aulas de Esther: “Cada assunto, era

precedido de exemplos que pudessem evidenciar e de forma abrangente o conceito a ser fixado.”.22

Segundo Libâneo (2002, p. 32) os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos

estruturam suas aulas começando pela constatação prática, estimulando o relacionamento dessa

prática ao conteúdo proposto explicado do professor. Assim, “vai-se da ação à compreensão e da

compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra coisa senão a unidade entre a teoria e a

prática.”. De onde se pode afirmar que o método de Scliar está coerente com tal pedagogia.

22
Em entrevista à autora do presente trabalho (12/06/2006).
22

1.2 REVISÃO DE LITERATURA

1.2.1 História Oral

A memória é também uma construção do passado, mas pautada em emoções e


vivências; ela é flexível, e os eventos são lembrados à luz da experiência
subsequente e das necessidades do presente. (FERREIRA, 2004, p. 321)

Para investigar a didática do Método de Esther Scliar para a Teoria Musical se fez necessário

buscar na História Oral recursos que respaldassem os procedimentos para o levantamento dos dados,

já que foram utilizados depoimentos e entrevistas a fim de preencherem as lacunas deixadas pelas

fontes bibliográficas específicas.

A História Oral é entendida por alguns historiadores como metodologia, por abranger

dimensões teóricas e técnicas (AMADO e FERREIRA, 1998, p viii), e porque é através das memórias

dos informantes que se torna possível recuperar o objeto do estudo. As entrevistas são reconhecidas

pela história oral como meios de se conhecer tanto o passado quanto o presente, possibilitando ao

pesquisador vivenciar as experiências do outro, portanto, podem ser valiosas fontes históricas. Os

“textos” das entrevistas carregam importantes componentes, por isso, devem receber maior atenção

para que haja compreensão da narrativa, e para sua análise. Dentre esses, Lutz Niethammer 23, em

suas considerações metodológicas, destaca: 1) a "interação social", resultante da empatia24 entre o

entrevistado e o entrevistador; 2) "uma ou mais possibilidades de versões da história de vida do

entrevistado"; 3) a "variedade de informações", que poderão agregar novos conteúdos e oferecer

material informativo consistente, cabendo ao pesquisador investigar a plausibilidade das informações

comparando-as com outras fontes, a fim de constatar o que é recorrente ou contraditório, enfim,

aproximar-se da verdade; 4) as "histórias" que são levantadas nas entrevistas. Sobre essas ele diz ser

o "grande tesouro da história oral", e acrescenta:

23
LUTZ NIETHAMMER, doutor em História, é considerado um pioneiro da História Oral, na Alemanha. Desenvolveu um
trabalho pioneiro que faz parte do 1º volume do seu estudo sobre história da vida social e cultural no Ruhr (1930-1960)
relatando as experiências com o fascismo no Ruhr. Foi representante da Associação Alemã de História Oral no período de
1980 a 1994, e seu presidente de 1990 a 1992.
24
Nesse caso, um maior entrosamento entre ambos poderá favorecer na qualidade do relato.
23

“Boas histórias" não se deixam traduzir por uma "moral", porque o significado do que
é narrado se cristaliza no conjunto da narrativa. E porque, nessas histórias, o
sentido é apreendido do conjunto, elas são especialmente “citáveis”, tem força
estética. Apresentadas ao público juntamente com propostas de interpretação
histórica, permitem que haja uma ampliação do conhecimento. (NIETHAMMER apud
ALBERTI, 2004, p. 84)

A credibilidade, nesse tipo de levantamento, está atrelada ao empenho do pesquisador para

garantir o máximo de veracidade e de objetividade nos depoimentos orais, como citado acima. A

metodologia sugerida por Ferreira (1998, p.327) traz propostas que contribuem para evitar a

possibilidade de dados insuficientes ou incoerentes.

Os instrumentos para se atingir tais objetivos seriam a formulação, no caso dos


estudos acadêmicos, de roteiros de entrevistas consistentes, de maneira a controlar
o depoimento, bem como o trabalho com outras fontes, de forma a reunir elementos
para realizar a contraprova e excluir as distorções.

Tais cuidados também são defendidos por Tourtirer-Bonazzi25, quando orientou que para a

“exploração inteligente do testemunho oral” deve-se atentar à qualidade do trabalhado que passa por

cada etapa a ser atingida, desde: a escolha correta das testemunhas; o lugar onde ocorrerá a

entrevista; o estudo preparatório para formulação das perguntas; os cuidados com a transcrição da

entrevista e a sua publicação.

Não se pode negar que lidar com a história de um passado recente é fascinante, ela traz

consigo uma vitalidade resgatada pelos relatos emocionados dos depoentes. Contudo, se faz

determinante observar que as emoções não se manifestam de modo semelhante por todos.

Referenciando ao ocorrido durante as entrevistas para esta pesquisa, foi observado que, ao longo dos

relatos, as emoções transpareceram de formas diferentes porquanto estavam submetidas a fatores

determinantes, dos quais destaco: momentos da história em que havia maior carga emocional; as

características individuais de reação às emoções; e, o nível de proximidade do depoente com Esther

Scliar. Durante os relatos, as emoções transpareciam “vida” e uma sensação de se estar no limite

imaginário entre o passado e o presente. Essa relação estreita entre passado e presente, quando o

TOURTIRER-BONAZZI Chantal de. Arquivos: propostas metodológicas. Em Usos & Abusos da História Oral. Ed.
25

Fund. Getúlio Vargas. 2ª edição. Rio de Janeiro:1998. p. 233.


24

que estava distante parece "palpável", tem o poder de exercer uma espécie de fascínio pelo que foi

vivido. Acerca dessa vivacidade existente na entrevista de história oral, Alberti (2004, p.14) justifica:

É da experiência de um sujeito que se trata; sua narrativa acaba colorindo o


passado com um valor que nos é caro: aquele que faz do homem um indivíduo único
e singular em nossa história, um sujeito que efetivamente viveu - e, por isso dá vida
a - as conjunturas e estruturas que de outro modo parecem tão distantes.

1.2.2 Didática

A didática foi alvo das ideias de pensadores e filósofos e entendida como recurso facilitador

do aprendizado de forma que alcançasse a eficiência, cuja prática desenvolvia-se a partir dos

costumes em vigência e intuitivamente. Especialmente, no século I a. c. (CARDOSO, 2007, p. 1),

coexistindo com os gêneros poéticos tradicionais – épico, lírico e drama – a "poesia didática" teve

importante utilidade na educação romana para a formação dos jovens e transmissão do saber.

Só a partir do século XVII, através da obra 'Didactica Magna', de Comenius26, a didática

passou a ser reconhecida como elemento fundamental no processo ensino-aprendizagem. Identifico

naquela obra o seu caráter pioneiro em oferecer propostas metódicas facilitadoras do trabalho

pedagógico, buscando transformar a aridez característica da relação ensino-aprendizagem vivida pelo

autor em algo agradável para educador e educando, que resultasse em bons níveis de aprendizagem.

Ali, Comenius sugeriu que didática seria uma das formas de expressão da arte universal, como pode

ser evidenciado no seu subtítulo 'Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos'. Como arte, a

didática, segundo o autor, deveria ser regida por princípios retos e, consequentemente, ser alvo de

interesse da sociedade como um todo: as famílias, as escolas, o Estado e a igreja, individualmente e

coletivamente.

26
Iohannis Amos COMENIUS (1592 - 1670) - professor Tcheco de línguas e cálculos, contemporâneo de Descartes.
Considerado um dos maiores educadores do século XVII. Foi órfão aos 12 anos, recebendo uma educação austera tanto da
família que o criou quanto na escola. Nessa época, a palmatória era um instrumento de castigo bastante utilizado para obter
a atenção do aluno e coagi-lo ao estudo. Como educador, diferentemente do que viveu, Comenius propôs uma educação
sem punição, com diálogo e dentro de um ambiente agradável.
25

Observando-se a existência de relações entre ensino e sociedade, é possível compreender

que a didática, como elemento facilitador do processo ensino-aprendizagem, está presente diariamente

em todos os setores sociais. Libâneo (2002, p.10) afirma que didática é uma disciplina “pedagógica”, e

esclarece: "Algo é 'pedagógico' à medida que carrega uma intencionalidade, isto é, quando traduz uma

ação intencional orientada para objetivos explícitos.". Este pensamento mostra que as relações ensino-

aprendizagem podem acontecer também além dos 'muros escolares', em meio aos relacionamentos

sociais, mesmo que de forma informal, desde que exista o propósito de ensinar determinado conteúdo

objetivando que o outro possa aprendê-lo.

O trabalho docente está imerso no contexto social e com ele estabelece trocas. E, nessa "via

de mão-dupla" – escola-sociedade -, forças externas e internas atuam no processo ensino-

aprendizagem, onde a existência de outros "educadores" - fora da escola -, não pode ser

desconsiderada, porque os mesmos são formadores de opinião e de caráter. A escola deve ter como

papel concretizar os objetivos educativos específicos no ambiente social, cuja interação exigirá: ética,

diálogo com entendimento, respeito e acolhimento. Nessa linha de raciocínio, a didática, como área do

conhecimento que estuda o ato de ensinar - onde objetivos, conteúdos e métodos devem estar

relacionados ao ponto de criar condições para que os alunos aprendam significativamente - deve

refletir, também, na sua função social, conforme entende Damis (2008, p. 30):

As finalidades individuais e sociais colocadas pela educação formal também


transmitem concepções de mundo. Expressam valores, concepções científicas,
habilidades intelectuais e motoras etc., que o aluno apreende, como ser social,
político, moral e profissional.

Ainda sobre este aspecto, Libâneo (2002, p. 5) afirma que "Não há técnica pedagógica sem uma

concepção de homem e de sociedade, como não há concepção de homem e sociedade sem uma

competência técnica para realizá-la educacionalmente". A influência que exerce os ambientes sociais e

culturais no aluno vão interferir, significativamente, "na sua capacidade de aprender, nos seus valores,

nas atitudes, na sua linguagem e suas motivações." (ibid, p. 6)


26

Observando os caracteres social e afetivo do ser humano percebe-se que estão

intrinsecamente ligados, pois, a afetividade é um dos elementos fundamentais nas relações

interpessoais e, consequentemente, no processo ensino-aprendizagem. Segundo Vygotsky, o ser

humano é resultante do desenvolvimento de processos físicos e mentais, cognitivos e afetivos, que

ocorrem interna e externamente, concluindo que a relação pensamento-afeto é inseparável:

Quem separa o pensamento do afeto nega de antemão a possibilidade de explicar


as causas do pensamento [...]. De igual modo, quem separa o pensamento do
afeto, nega de antemão a possibilidade de estudar a influência do pensamento no
plano afetivo" (VYGOTSKY apud OLIVEIRA e REGO, p. 18)27

Voltando o olhar para o aluno em seu ambiente sócio-cultural, percebe-se que as

necessidades de ser acolhido e aceito são determinantes, portanto, ele poderá estar mais ou menos

motivado para o aprendizado, desde que se sinta acolhido. Reconhecendo a relevância do afeto na

relação ensino-aprendizagem, a ação pedagógica deve buscar estar "sensível" a este aspecto quando

se dedica aos seus métodos e conteúdos. Este pensamento é apoiado por Silva e Schneider (2007, p.

84): “Um professor que é afetivo com seus alunos estabelece uma relação de segurança evita

bloqueios afetivos e cognitivos, favorece o trabalho socializado e ajuda o aluno a superar erros e a

aprender com eles.”.

Sobre a relação afetiva professor-aluno, Libâneo propõe que o docente mantenha uma

atitude de observação que inclua as vivências sócio-afetivas dos alunos, transcendendo os limites das

salas de aula e os resultados de testes avaliativos:

observar o comportamento no recreio, se brinca, se socializa com outras crianças,


se é introspectivo, tímido ou agitado a maior parte do tempo. Esses traços de
comportamento podem revelar aspectos importantes a serem considerados pelo
professor. (LIBÂNEO apud SILVA e SCHNEIDER, 2007, p. 86)

No que tange ao processo ensino-aprendizagem, a compreensão deste autor julga que o

professor não deve limitar-se a satisfazer as necessidades e carências dos alunos, mas buscar

despertar neles outros interesses, exigindo-lhes esforço, acelerando e disciplinando os métodos de

estudo, propondo conteúdos e modelos adequados às suas experiências, a fim de que haja
27
In: ARANTES, Valéria Amorim. Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 2003
27

participação ativa através de capacidade de pensar criticamente (LIBÂNEO,1990, p.33). Conforme a

concepção pedagógica 'crítico-social dos conteúdos,' a tarefa primordial da escola é difundir os

conteúdos, que deve ocorrer de forma concreta e inseparável da realidade social. Considera, ainda,

que o ensino verdadeiro ocorrerá quando os alunos forem capazes de desenvolverem suas

capacidades e habilidades mentais, e assimilarem pessoal e ativamente os conhecimentos ao ponto de

aplicá-los, seja nas atividades feitas em classe, seja na prática da vida (LIBÂNEO, 2002, p. 6).

Observando o cenário educacional no Brasil, torna-se cada vez mais emergente que o

professor tenha consciência que o seu papel, aliado à competência profissional docente, incluirá o de

agente social em um contexto escolar que, normalmente, está impregnado de sérios problemas sociais.

Diante desse quadro, ressalto o alerta apontado por Libâneo (2002, p.7):

Professor que aspira ter uma boa didática necessita aprender a cada dia como lidar
com a subjetividade dos alunos, sua linguagem, suas percepções, sua prática de
vida. Sem essa postura, será incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas
relacionados com os conteúdos, condição para se conseguir uma aprendizagem
significativa.

1.2.3 Tendências pedagógicas

Refletindo sobre o período histórico vivido por Esther e as tendências pedagógicas da

educação, busco relacionar às experiências vividas por ela e influências que recebeu através da sua

atuação como educadora musical. Sob tal perspectiva, procuro desenvolver relações com as vertentes

atuais da educação musical.

Grandes mudanças fizeram parte do cenário do século XX: transformações políticas e

sociais, avanços na ciência e tecnologia. A reação expressa pela música do século XX consistiu em

várias tentativas e experiências que a conduziu a novas tendências, técnicas e criação de sons. Foi um

momento em que questionamentos estéticos e ideológicos na busca pelo “novo” culminaram na criação

de estruturas que oferecessem à música elementos alheios aos padrões tradicionais e uma nova
28

“roupagem”, revelando sentimentos de inquietude que permeavam aquela geração, traduzidos por

efervescente caráter criativo. Esther Scliar (1926-1978) viveu nesse cenário, envolvendo-se

profundamente com aquela realidade.

Na primeira metade do século XX, dentre os principais pensadores progressistas, John

Dewey concebia uma visão do ensino contrária ao modelo que fazia do aluno um “depósito” de

informações teóricas. A formação educacional se desenvolveria através do “aprender fazendo” numa

relação direta com a importância da função social da escola. Esta deveria oferecer meios para que o

aluno participasse produtivamente na sociedade: “A escola é o instrumento essencial e mais eficaz de

progresso e de reforma social... O professor é empenhado não somente na formação dos indivíduos,

mas na formação da justa vida social.”. (DEWEY apud MANACORDA, 2001, p. 317).

No Brasil, as ideias de Dewey influenciaram o educador Anísio Teixeira que foi o maior

defensor da pedagogia “escolanovista”. O processo de ensino da Escola Nova priorizava o aluno e

seus interesses. O professor, nesse caso, era veículo do conhecimento, e não detentor dele, agindo

como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal partiria dos próprios alunos.

A aprendizagem "ocorreria num ambiente estimulante, portanto, dotado de materiais didáticos ricos"

dentro de "escolas experimentais ou como núcleos raros, muito bem equipados e circunscritos a

pequenos grupos de elite." (SAVIANI, 1984, p.10).

Diferentemente dessa visão do ensino, os primeiros anos escolares de Esther foram regidos

pela política educacional nacionalista, que entrou em vigor a partir de 1930, no governo do presidente

Getúlio Vargas, trazendo características autoritaristas cujo objetivo era desenvolver, principalmente:

coletividade, disciplina e patriotismo. A música foi uma forte aliada neste processo, motivando a

“obrigatoriedade do ensino de música nas escolas primárias e secundárias, refletindo um momento de

transformação liderado por Villa-Lobos”, como apontou Mateiro (2005, p.1). Na educação musical

proposta por Villa-Lobos, o professor detinha o “conhecimento”, as “regras” e o “controle”. Desta forma,

ele próprio organizou “programas-padrão” com conteúdos teórico-musicais e repertórios a serem


29

trabalhados de igual maneira em todas as escolas, sem considerar as preferências ou quaisquer

características particulares locais e dos alunos. Identifica-se naquela postura, similaridades com os

traços da concepção 'humanista' tradicional apresentada por Saviani (1983, p. 25): “Na visão tradicional

dá-se um privilégio do adulto, considerado um homem acabado, completo, por oposição à criança, ser

imaturo, incompleto. Daí que a educação se centra no educador, no intelecto, no conhecimento.”.

Na Europa, como resultantes dos pensamentos de Karl Marx, a instrução no socialismo

ganhou reelaborações através da visão de Lenin, que resumiu o ideal da educação comunista à defesa

da “instrução politécnica”: ”Passar-se-á à supressão da divisão do trabalho entre homens à educação-

instrução, preparação de homens onilateralmente desenvolvidos e onilateralmente preparados, de

homens capazes de fazer tudo.” [grifo nosso] (LENIN apud MANACORDA, 1996, p. 315).

A ideia de uma instrução de acordo com os ideais socialistas disseminou-se em vários países

europeus. Mais adiante, durante o domínio fascista na Itália, mesmo aprisionado, o pensador Antonio

Gramsci reagiu à educação voltada para “criar” mão-de-obra operária, criticando na escola

profissionalizante o foco em interesses práticos imediatos que, consequentemente, cooperaria para a

manutenção das desigualdades sociais. Ele, então, propôs que a escola unitária28 fosse em horário

integral com as despesas assumidas totalmente pelo Estado, entretanto, chamou a atenção para a

necessidade de haver aplicação prática para os conhecimentos e maturidade adquiridos pelos alunos,

através das atividades sociais. Como reação à estrutura da escola profissionalizante, Gramsci (1982, p.

136) propôs, ainda, a escola formativa, cujo objetivo seria oferecer formação intelectual na maior parte

do período escolar e capacitar os alunos ao raciocínio e às escolhas:

[...] deve-se evitar a multiplicação e a graduação dos tipos de escola profissional,


criando-se, ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elementar-média) que
conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o entrementes
como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige.

No Brasil, suas teorias e concepções de educação encontraram aceitação, especialmente,

nos pedagogos Saviani e Paulo Freire, ainda que remodeladas sob perspectivas pessoais. Saviani
28
Denominação utilizada por Gramsci referindo-se a escola única inicial, formativa de cultura geral, antecedente à escola
especializada.
30

assimilou o pensamento de Gramsci através da interpretação do historiador Mario Manacorda 29, que

relacionou a concepção de escola unitária com a politécnica. Em meados dos anos 80, Saviani

elaborou sua proposta de projeto para a LDB, defendendo a politecnia na escola média que, para ele,

representava o "domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o

processo de trabalho produtivo moderno” (DORE, 2006, p.343). Já as influências dos pensamentos de

Gramsci em Freire têm fortes elementos político-educativos, desdobrando-se em sua ideologia que

protesta a “educação bancária”, isto é, a transmissão do conhecimento que atende aos interesses da

classe dominante, onde os alunos tornam-se meros “depósitos” e cujas vivências são desconsideradas.

Freire propunha a educação popular a fim de que esta formasse uma classe trabalhadora capaz de

pensar, de fazer, de saber e de criar (SCOCUGLIA, 1999, p. 77-80).

Vemos no campo da educação musical os ideais de Hans-Joachim Koellreutter – flautista,

professor e compositor alemão, radicado no Brasil desde 1937, fundador do Grupo Música Viva –,

evidenciados na concepção daquele Grupo, cujo entendimento enxergava que ensino deveria

acompanhar as novas tendências musicais e ser veículo dessa concepção. Um bom exemplo desses

ideais estão descritos no artigo 3º da constituição oficial do Grupo Música Viva, onde estão explicitadas

as seguintes metas:

a) Cultivar a música contemporânea, de valor para a evolução da expressão musical


e considerá-la expressão de nossa época, de todas as tendências, independente de
nacionalidade, raça, ou religião do compositor.
b) Proteger e apoiar principalmente as tendências dificilmente acessíveis.
c) Reviver as obras de valor da literatura musical das grandes épocas passadas,
desconhecidas, pouco divulgadas ou de interesse especial para a evolução da
música contemporânea.
d) Promover a educação musical ampla e popular sob pontos de vista modernos e
atuais.
e) Animar e apoiar todo movimento tendente a desenvolver a cultura musical.
f) Promover o trabalho coletivo e a colaboração entre os jovens musicistas no Brasil.
(KATER, 2001, p. 60)

29
Manacorda reconheceu a responsabilidade acerca da confusão em sua interpretação que aproximava as ideias de escola
unitária (Gramsci) e escola politécnica (Marx). Tal leitura foi abraçada por Saviani que entendeu que o conceito de escola
politécnica teria sido incorporado às reflexões de Gramsci, porquanto teria proposto o conceito de escola unitária e
politécnica, representando uma síntese das ciências da natureza e da história, base da formação do novo homem.
31

Ainda que o grupo julgasse a música contemporânea como a “evolução da expressão

musical”, cujas palavras sugerem a existência de uma hierarquia de valores onde o ápice seria

ocupado por aquela expressão musical, pode-se perceber uma compreensão musical não-excludente

nos ideais do grupo. A aceitação da diversidade cultural abrangeria todas as formas de manifestações

musicais, não rejeitando a herança deixada pelo tonalismo, mas, conferindo valor à música pouco

difundida de épocas anteriores, incluindo a música popular e todas as formas de expressão musical

modernas. A educação musical proposta procurava ampliar a escuta (apreciação) musical de diversos

estilos e gêneros, e abertura às novas propostas para o ensino-aprendizado.

Esther Scliar envolveu-se com o Grupo Música Viva quando veio para o Rio de Janeiro em

1948 estudar com Koellreutter, que recebeu influências de seu professor Paul Hindemith. Este, de certa

maneira, influenciou na concepção pedagógico-musical de Scliar, apontadas no Capítulo 4, dedicado

ao seu método. Os ideais do grupo refletiram na sua preocupação com a educação musical, pois

julgava o que sistema de ensino da música em vigor era deficiente e superficial limitando o pensamento

artístico e científico. Torna-se importante considerar que desde o início de sua trajetória musical, Esther

esteve ligada ao ato de ensinar, uma vocação que se foi consolidando mediante o seu envolvimento

com os ideais que mobilizaram aquela geração de músicos. A sua preocupação com a qualidade do

ensino da música parece ter recebido influência do seu mestre Koellreutter no que se refere à postura

profissional do professor e seu respeito ao aluno. Sua sensibilidade de educador musical detectou

deficiências nos meios pedagógico e artístico brasileiros, conforme declarou: "Falta ao Brasil

professores competentes, entusiastas da profissão, gente que estude, que trabalhe, que não seja

“mestre” simplesmente – existem muitos mestres presunçosos, falsos mestres, por aí – mas

camaradas e colaboradores dos alunos". (KOELLREUTTER apud KATER, 2001, p. 57)

Esther Scliar demonstrou ser uma professora que buscava adaptar-se à realidade de seus

alunos, atendendo às suas necessidades sem abrir mão de consistência teórico-musical. Desta

maneira, privilegiava as experiências vividas por eles, relacionando-as com os conteúdos propostos,
32

fossem eles músicos populares ou não, mais ou menos conhecedores dos conceitos e grafias

musicais. Tal postura encontra afinidade na Tendência Progressista 'Crítico-Social dos Conteúdos'

apresentada por Libâneo (1990, p.40-41), referindo-se aos conteúdos de ensino, justifica que esta

concepção pedagógica “não estabelece a oposição entre cultura erudita e popular ou espontânea, mas

uma relação de continuidade...” . E acrescenta: "Mas este esforço do professor, em abrir perspectivas a

partir dos conteúdos, implica um envolvimento com o estilo de vida dos alunos, tendo consciência

inclusive dos contrastes entre sua própria cultura e a do aluno.

O reconhecimento de Esther Scliar como mestra extremamente dedicada e capaz era

unânime, como disse Figueiredo30: “todo mundo tinha que passar pela Esther. Então, qualquer pessoa,

em algum momento no seu currículo, tinha que ter estudado com Esther Scliar”. Portanto, um grande

número de alunos a procurava, inclusive músicos populares renomados que identificavam sua

capacidade profissional e visão musical isenta de preconceitos. Sobre esta integração com os seus

alunos, Scliar justificou:

“Acho que os compositores populares vêm ter aulas comigo, primeiramente por
motivos técnicos, e também por saberem que não tenho preconceitos com música
popular, cuja vitalidade e motivos são, muitas vezes, o elemento básico da
composição erudita”.31

A Pedagogia Crítica, conforme foi apresentada por Abrahams (2005, p. 67) ao respaldar-se

em Paulo Freire (1970), justifica que esta pedagogia entende que uma aprendizagem verdadeira

acarretará mudanças nos alunos e professores, proporcionando transformação em ambos. Com o

objetivo de apontar uma proximidade entre a Pedagogia Crítica e a Pedagogia Crítico-Social dos

Conteúdos quanto ao relacionamento professor-aluno, que também considera a relevância das trocas

para o aprendizado, será citada, a seguir, uma das situações vivenciadas pela professora Esther e

testemunhada por seu aluno e músico popular Paulinho da Viola, em meados da década de 60. Deste

modo, se pode perceber que a experiência com a realidade musical de seu aluno promoveu mudanças,

30
Entrevista à autora do presente trabalho, (11/09/2007).
31
Entrevista concedida por Esther Scliar ao Jornal do Brasil em 5 de fevereiro de 1967.
33

proporcionando aprendizado mútuo:

[...] levei Esther a uma reunião de choro, não tenho absoluta certeza, mas acho que
era na casa de Jacó do Bandolim, eu não posso afirmar... Eu senti que nesse
contato direto com o choro, ela começou a mudar, começou se entusiasmar [...]
mostrei para Esther dois choros meus: o Choro Negro e o Sarau para Radamés.
Com o Choro Negro ela ficou entusiasmada [...] apesar de ter ficado entusiasmada
com o choro, Esther não disse nada naquele momento, alguns dias depois, ela fez
uma coisa incrível. Foi no apartamento onde a gente tinha aulas: ela pegou uma
partitura, sentou-se ao piano e tocou para mim o Choro Negro! Esther tinha ouvido
apenas uma vez e o escreveu! Ela me surpreendeu. Esther tocando tinha um
sotaque diferente e não poderia ser de outra forma. Ela tocou e ficou lindo aquilo!
[...] Numa outra ocasião, eu levei para Esther o meu choro Sarau para Radamés, um
choro em lá menor. [...] Eu mostrei isso a ela antes de gravar, antes de estar
concluído. Ela me deu uma aula sobre a construção de um trabalho de composição.
Depois de eu mostrar a Esther o meu choro, ela me deu uma aula em que falou
sobre Dvorak, sobre a Sinfonia Novo Mundo, sobre uma célula da abertura e como
ele desenvolve essa célula. [...] Esther estava imaginando uma coisa imensa com
aquilo e me disse: "Com esse material, você pode fazer, se quiser, uma coisa muito
maior". Tudo isso por causa desse choro, o Sarau para Radamés. [...] Eu gostaria de
falar mais um pouco daquela coisa da Esther ouvindo o choro, as rodas de choro.
Não foi só uma vez na casa do Jacó, nós fomos a outras reuniões de choro; e ela
estava muito ligada naquilo. Estava assim, como se tivesse descoberto um universo
novo. [...] 32

Atualmente, a conscientização quanto à necessidade de convivência e aceitação da

diversidade cultural tem sido tema de encontros de educadores, inclusive o foi do XVII Encontro

Nacional da ABEM (2008). Sob esta perspectiva, Penna (2006. P. 38), em relação à postura adotada

pelo professor, considera que o diálogo com a diversidade torna-se fundamental: “Esta necessidade de

o educador compreender e interagir com a especificidade do grupo [aluno] implica uma postura de

aceitação da diversidade [cultural]”. Consequentemente, tratando-se especialmente da miscigenação

cultural brasileira, o respeito e a proximidade com a pluralidade cultural é um compromisso

fundamental do educador (em nosso caso, do educador musical) diante da sociedade, para impedir

que a ignorância, induzida pela insensibilidade, o torne indiferente às diferenças, propenso a

julgamentos equivocados, tomando suas próprias experiências musicais como “modelos” da verdade.

Buscando, no exemplo acima citado, estabelecer relações entre o entendimento musical de

Esther e sua postura pedagógica com a concepção dialética de educação, considerei oportuno citar

32
Depoimento de Paulinho da Viola. In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo.
Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p. 192-193.
34

Freire33 (1997) em sua justificativa quanto aos princípios que deveriam nortear o ensino da música:

Esses princípios buscam dar conta de um ensino de música situado,


contextualmente, em uma sociedade, em um dado momento histórico, concebendo
a música como um conjunto de manifestações de características e de origens
diversas, não estabelecendo entre elas hierarquia de valor.

Scliar vivenciou o contexto histórico do Modernismo Musical, e, mesmo que seu método para

a teoria elementar da música tenha sido desenvolvido baseado nos padrões tradicionais

(convencionados pela música europeia de concerto), sua compreensão musical não impõe juízo de

valores ou limites estéticos, antes, empenha-se para que seus alunos estejam musicalmente sensíveis

e abertos às novas tendências das músicas do século XX e seus desdobramentos.

Questões sobre o uso da notação tradicional foram levantadas por vários músicos de

vanguarda. Em se tratando de educação musical, Schafer (1991, p. 307-309) a considerava muito

complicada e que para seu domínio demandava-se muito tempo. Na etapa inicial do ensino, ele

incentivava que seus alunos representassem livremente os sons de suas próprias composições para

depois introduzi-los à notação convencional. E admitiu: “Em geral, podemos dizer que, na notação

convencional, os elementos simbólicos são mais organizados e, por conseguinte, tendem a

predominar”. Nota-se na concepção musical dos educadores Murray Schafer e Esther Scliar,

guardadas as propostas educacionais características de cada um, que ambos aceitaram os elementos

inovadores e renovadores da música do tempo em que viviam, sem desprezar os elementos históricos

que constroem a música como um todo. Como um convite à reflexão sobre o ensino atual de música

dentro de uma realidade que aponta para outras formas de percepção dos sons, do outro e do mundo,

Fonterrada (1997, P. 15) afirma:

A arte contemporânea tem privilegiado os aspectos não lineares e acausais e, desde


o início deste século [...] Na música, esses aspectos estão fortemente presentes em
considerável número de produções do século XX, incitando o ouvinte a experimentar
outros modos de audição e, consequentemente, de experiências. Além disso, [...] a
criança [o aluno] é receptiva a outros tipos de música que não os usualmente a elas
apresentados. [...] se apenas lhe for dada a oportunidade de vivenciá-los;
33
FREIRE, Vanda Lima Bellard. Ensino de Música e Pós-Modernismo. In: Anais do 1º Encontro Regional Sul da ABEM.
Londrina, Paraná, 1997.
35

Enfocando a importância da vivência, ou seja, da experimentação, os procedimentos

pedagógicos de Esther embasam-se no pressuposto que a informação teórica é melhor assimilada

quando o aluno a tenha vivenciado primeiro, e ainda, que a criação é um aliado na consolidação do

aprendizado. Sobre tal concepção, Aronoff34 citado por Penna (1990, p.51) diz que o aprendizado

musical apoia-se, por sua natureza, na percepção e organização perceptiva do som, formando imagens

auditivas. E, quanto à formação do conceito do elemento musical, julga mais importante a formulação

própria do aluno decorrente da descoberta, pessoal e significativa, do que das definições por

convenção. A experiência musical promove percepções sensoriais, e, destas os conceitos são

formados e serão reformulados conforme as alterações ocorridas nas percepções. O processo de

percepção trata da observação seletiva que faz com que nós percebamos alguns elementos em

desfavor de outros e, à medida que adquirimos novas informações, as percepções vão se alterando.

Observando, exclusivamente, o aspecto sensorial, Penna (ibid, p.48) cita Martins35: "A

aprendizagem musical começa com percepções e destas percepções são formados os conceitos que

embasam o pensamento musical. Há uma relação de dependência entre percepção e a formação de

conceitos". Contudo, esta citação poderia conduzir a uma compreensão distorcida do fenômeno da

aprendizagem, como se os indivíduos fossem páginas em branco, isolados de tudo à volta. Vários são

os fatores que influenciam na percepção, que se agrupam em duas principais categorias de fatores:

internos (individuais) e externos (meio). As percepções também estão sujeitas às realidades em que se

está inserido e podem variar de acordo com o contexto sócio-cultural.

Quanto à importância do fazer musical relacionar-se com as diferentes manifestações e

expressões culturais, Queiroz (2005, p. 50) apresenta:

A educação musical tem passado por momentos de (re)definição, compreendendo a


necessidade de incorporar às suas propostas e ações pedagógicas dimensões
dinâmicas de um fazer musical que possa conviver de forma inter-relacionada com a
produção de música enquanto expressão artística e cultural nas suas diferenciadas
expressões e manifestações.
34
ARONOFF, Francis Weber. La musica e el niño pequeño. Buenos Aires: Ricordi, 1974
35
MARTINS, Raimundo. Educação musical: conceitos e preconceitos. Rio de Janeiro: Funarte, 1985
36

Vivemos em uma realidade integrada com o mundo e não se pode ignorar que a tecnologia

conduz às diversas partes dele, em frações de segundo. São novos valores que estão em jogo, são

bens simbólicos. Sobre os quais Souza (1997, p. 68) afirma:

Com estas transformações globais emergiram novos paradigmas perceptivos e


explicativos, estabelecendo, por exemplo, novas relações de espaço-tempo e
colocaram questões como o problema da heterogeneidade e singularidade na
sociedade global.

Assim, o que é particular passa a pertencer a todos, as apropriações culturais ocorrem naturalmente,

especialmente na música, onde identificamos que ela não impõe fronteiras, mas que acaba por

dissolvê-las quando nos tornamos, naturalmente, praticantes do hibridismo musical. Os estilos se

fundem numa busca constante por inovações, as combinações timbrísticas são experimentadas como

temperos para novos “sabores” musicais, o belo é cada vez mais relativo e a criatividade parece ser

uma fonte inesgotável. Estamos conscientes que vivemos numa sociedade com grande diversidade

cultural, onde a música é um nítido reflexo das transformações que vem ocorrendo nos valores

estéticos, morais e religiosos. Não se pode desprezar a necessidade de uma educação musical aberta

à visão democrática do ensino, nem a importância de uma pedagogia onde os conteúdos contribuam

para que os alunos apreendam os elementos consistentes para sua formação e possam desenvolver: o

pensamento crítico, a capacidade analítica, o desenvolvimento da criatividade.

Como convite à reflexão crítica sobre as diretrizes a serem adotadas, em um futuro breve,

para o ensino da música, menciono a proposta apresentada por MOREIRA (1997, p.25) para a

educação musical:

Defendo, por conseguinte, a presença de uma perspectiva utópica nas análises e


propostas de currículo informadas pela tentativa de integrar as ideias da
modernidade e as categorias pós-modernas. Se ainda se pretende a educação a
favor de um mundo social mais justo, é preciso orientar o trabalho pedagógico com
base em uma visão de futuro [...] . Julgo que essa perspectiva reforça o caráter
político da educação e revaloriza o papel da escola e do currículo no
desenvolvimento de um projeto de transformação da ordem social.
37

2. ESTHER NO CONTEXTO DO SÉCULO XX

Esther transformou a vida no ato mobilizante e mobilizador de criar música,


sem jamais, sujeitar-se ao alheamento das prerrogativas fundamentais,
sócio-culturais brasileiras que, ao contrário, a inspiravam e energizavam em
direção a esta atividade vital.36

A história de Esther Scliar esteve compreendida entre 28 de setembro de 1926, quando

nasceu na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, até o dia 18 de março de 1978, quando faleceu,

aos 51 anos, na cidade do Rio de Janeiro. A musicista era também uma mulher extremamente

conectada no seu tempo, o que torna relevante apontar alguns fatos do período histórico em que viveu.

Falar do século XX pressupõe abordar a gama de informações que o compõe, a diversidade

de elementos e seus desdobramentos, porém, faz-se necessário esclarecer que este capítulo tem

como propósito destacar os principais aspectos sociais, políticos e culturais que estiveram entrelaçados

com a trajetória de vida de Esther Scliar, selecionados a partir do critério: proximidade.

Sua existência transcorreu num momento histórico em contínua mutação, um "caleidoscópio"

de fatos que se moviam, constantemente, em busca de renovação: governos, depressões, valores,

libertação, inovações, guerras, descobertas, opressões, estéticas, revoluções, preconceitos, ideais,

velocidade, lutas, perseguições, medos, sangue, sons, silêncio... Ao longo da exposição, depoimentos

de pessoas próximas a ela são acrescentados para oferecer uma visão mais nítida dos pensamentos,

dos valores e dos fatos então vividos.

36
ESCOBAR, Aylton. In: SCLIAR, Esther, 1926-1978. Elementos de teoria musical, 2ª edição. S. Paulo: Ed. Novas Metas,
1985, p. V (Prefácio).
38

2.1 VERTENTES SOCIAIS E POLÍTICAS

O século XX foi cenário de grandes e rápidas transformações. Fascinante em termos das

evoluções científicas e tecnológicas nas diversas áreas do conhecimento, que conviveu em

simultaneidade com os conflitos que exterminaram tantos seres humanos como nunca dantes ocorreu.

O século dos sentimentos que se opunham aos padrões dominantes, fossem eles políticos, filosóficos,

éticos, sociais ou culturais. As guerras e as revoluções, a serviço dos ideais sociopolíticos e

econômicos, impunham regras próprias, desprezando a ética e marcando a humanidade.

Os depoimentos, a seguir, demonstram os sentimentos conflitantes que permeiam as

memórias do século XX. De um lado, ganham relevo as lembranças dos avanços tecnológicos e

científicos, a liberdade de expressão através das manifestações artísticas e das reações aos padrões

políticos e socioculturais, conforme declarou Montalcini37 (HOBSBAWM, 1995, p. 11): "Apesar de tudo,

neste século houve revoluções para melhor [...] o surgimento do Quarto Estado e a emergência da

mulher, após séculos de repressão". Do outro, os efeitos benéficos parecem não aliviar as dores

sofridas. A desumanização, as diversas formas de violência e as tragédias acabaram por formar o

retrato desse século marcado por guerras, conflitos regionais, perseguições políticas, religiosas e

raciais, momentos de angústia e medo.

Há uma contradição patente entre a experiência de nossa própria vida — infância,


juventude e velhice passadas tranquilamente e sem maiores aventuras — e os fatos
do século XX... os terríveis acontecimentos por que passou a humanidade.
(BAROJA38, ibid)

Nós, que sobrevivemos aos Campos, não somos verdadeiras testemunhas. Esta é
uma ideia incômoda, que passei aos poucos a aceitar, ao ler o que outros
sobreviventes escreveram — inclusive eu mesmo, quando releio meus textos após
alguns anos. Nós, sobreviventes, somos uma minoria não só minúscula, como
37
Rita Montalcini (1909-), médica italiana. Premio nobel de medicina em 1986. Autobiografia em
http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1986/levi-montalcini-autobio.html Acesso: 16/04/2010.
38
Júlio Caro Baroja (1914-1995), historiador e antropólogo espanhol. Em www.britannica.com/EBchecked/topic/96431/Julio-
Caro-Baroja. Acesso: 24/03/2009.
39

também anômala. Somos aqueles que, por prevaricação, habilidade ou sorte, jamais
tocaram o fundo. Os que tocaram, e que viram a face das Górgonas, não voltaram,
ou voltaram sem palavras. (LEVI39, ibid)

Desde a 1ª Grande Guerra, mesmo após o “silenciar” dos armamentos, a humanidade

passou a viver sobressaltada e a pensar em iminentes guerrilhas, e ainda, na proximidade de outra

guerra mundial, em armas nucleares que acarretaria uma fatal explosão da bomba atômica que

extinguiria, definitivamente, a raça humana.

Observando a história de Esther Scliar, que se desenrolou no contexto do século XX, é

possível perceber, em suas raízes familiares, marcas de dores convivendo com o legado da liberdade

de pensamento. Sua mãe, Rosa Scliar40, polonesa de descendência judaica, apresentava problemas

emocionais gerados pela convivência com a desestrutura familiar e por traumas do que viveu em

Berlim na 1ª Guerra Mundial, de onde fugiu com a irmã para o Brasil. Aqui, o seu casamento e/ou a

responsabilidade com as duas filhas, Esther e Leonor, não foram suficientes para impedi-la de militar

pelo Partido Comunista, ao ponto de ser deportada para o Uruguai. Em 1931, por motivos afetivos e

ideológicos, decidiu abandonar a família, definitivamente. Em seu depoimento, Leonor Scliar Cabral,

irmã de Esther, demonstra sua percepção da figura materna:

Sobre a minha mãe, o que tenho a dizer é o seguinte: a minha mãe era
inteligentíssima, mas era uma pessoa emocionalmente muito perturbada porque ela
também veio de uma família desestruturada: o pai dela tinha abandonado a família
e, adolescentes, ela e a irmã, fugiram para Berlim, passaram os horrores da guerra
lá e depois vieram para o Brasil. Minha mãe casou-se para fugir da fome, não foi um
casamento por amor. Nascemos, minha irmã [Esther Scliar] e eu, desse casamento
que não foi um casamento por amor, por parte dela, porque o meu pai tinha
adoração pela minha mãe. Ela era uma pessoa que colocava a política acima da
família. Eu diria que ela não tinha instinto maternal. Numa das ocasiões, ela foi
presa à frente do portão do Mercado Municipal de Porto Alegre, quando estava
distribuindo panfletos, e, eu e a minha irmã, tínhamos ficado presas em casa,
sozinhas. Nós fomos salvas de morrer confinadas porque a vizinhança arrombou a
porta aos nossos gritos, só para contar um episódio, e depois, como já foi
mencionado, ela deixou a família. (SCLIAR CABRAL, apud XAVIER, 2001, p. 12)

39
Primo Levi (1919-1987), químico e escritor, de origem judaico-italiana, foi um dos poucos sobreviventes de Auschwitz.
Indicado ao Prêmio Nobel em 1987. Em www.morasha.com.br/edicoes/ed41/primo.asp. Acesso: 24/03/2009.
40
Ver Anexo, nº 1.
40

Consequentemente, Esther, na idade de 5 anos, e sua irmã, Leonor, ficaram sob os cuidados

dos tios41 por, aproximadamente, 6 anos. Tal perda deixou marcas profundas, especialmente em

Esther.

O seu pai, Isaac Scliar, nasceu na Bessarábia42, em um pequeno povoado denominado shtetl

em iídiche, onde viviam confinados os judeus porque não podiam morar nas grandes cidades. Após a

morte de seu pai, numa epidemia de tifo, emigrou para o Brasil ainda menino com sete irmãos e sua

mãe grávida. As palavras de Leonor Scliar traduzem a importância de seu pai para a família:

O meu pai foi uma pessoa lutadora como todos esses primeiros imigrantes: não
frequentou a escola, apenas teve aquela iniciação que os meninos judeus
obrigatoriamente têm para fazer, o bar mitzvah, aos treze anos. Então aprendem
hebraico para ler os livros sagrados e, na condição de adultos, passarem nas provas
do bar mitzvah. Mas, na verdade, ele era um autodidata. Era uma pessoa que, sem
ter frequentado a escola sistematicamente, aprendeu a ler em português, em
alemão também. Ele leu toda a obra do Goethe em alemão e era uma pessoa que
não passava um dia sem ler jornais. Ele era uma pessoa muitíssimo atualizada, isso
até o fim da vida, de grande leitura e teve, evidentemente, muita influência na minha
formação, como aliás, em toda a família Scliar. [...] Sobre o meu pai o que eu tenho
a dizer é isso, ele se preocupou muitíssimo com a nossa educação. Foi uma pessoa
que sofreu muito porque a minha mãe deixou a família quando eu tinha dois anos e
meio. Meu pai gostava muitíssimo dela e tentou duas vezes trazê-la de volta à
família, mas ela se recusou, então, em 1938, ele casou de novo. [...] Meu pai, volto a
dizer, sempre se preocupou muito com a educação e procurou nos dar a melhor
possível na época. [...] Tenho que acrescentar algumas coisas. Em primeiro lugar, a
família Scliar foi uma família sempre muito amante das artes. Em particular,
praticava-se muito a música. […] Nós, desde de pequeninhas, tínhamos por hábito ir
ao cinema todos os domingos, era a chamada matinê. Então era um ambiente
cultural intenso. [...] Não posso deixar de mencionar a influência da frequência à
casa do meu tio Henrique Scliar, o pai do Carlos Scliar, porque essa casa em Porto
Alegre era um dos centros, na época, onde se reunia a intelectualidade. O Carlos
Scliar foi não só um grande pintor, foi um líder intelectual. Ele, ainda adolescente,
conheceu o Mário de Andrade, foi amigo dele, depois foi um grande amigo do Jorge
Amado. A casa do meu tio era frequentada por essa intelectualidade. (SCLIAR
CABRAL, apud XAVIER, 2001, p. 13)

Foi nesse ambiente, de estímulo à cultura e à intelectualidade, que Esther contou com sua

prima Eva Kruter como professora no início dos seus estudos de piano, aos 8 anos de idade. Ainda

pequena, sua vida refletiu a influência do ambiente familiar, pois, envolvia-se em atividades culturais e

extracurriculares, normalmente tocando piano. O gosto pela música a conduziu à graduação em piano.

41
Ver Anexo, nº 2.
42
Fazia parte da Romênia antes da 2ª. guerra mundial. Em www.consuladoromenia.com.br/historia.php. Acesso: 24/03/2009.
41

Além do drama de ser judeu naquele período da história, as origens familiares de Esther

Scliar vivenciaram, na Europa, os conflitos que originaram a 1ª guerra mundial. O comunismo soviético

trouxe uma proposta alternativa de reação ao capitalismo, assim, os ideais de Karl Marx, adaptados por

Lenin, ganharam propulsão mundial e muitos simpatizantes em várias esferas. O Manifesto Comunista

aborda pontos de convocação à união e à luta, estimulando a reação da classe proletária e dos que

pretendiam reagir à ordem social então existente. Sua visão acerca do capital compreende que “é um

produto coletivo: só pode ser posto em movimento pelos esforços combinados de muitos membros da

sociedade, e mesmo, em última instância, pelos esforços combinados de todos os membros da

sociedade.”43. A organização comunista utilizada por Lenin, no movimento pela revolução mundial, era

uma inovação na engenharia social do século XX, considerando a fidelidade de seus adeptos. Chegava

ao ponto de obter "extraordinária dedicação e autossacrifício de seus membros, disciplina e coesão

maior que a de militares, e uma total concentração na execução de suas decisões a todo custo"

(HOBSBAWM, 1997, p. 81).

No Brasil, a desigualdade social, a instabilidade política, a necessidade e a esperança, foram

molas propulsoras para o engajamento ao comunismo44, até culminar a Insurreição Comunista, uma

fracassada tentativa de golpe contra o governo do presidente Getúlio Vargas. A comunidade judaica

brasileira nos anos 20 e 3045, ainda estava em fase de estruturação. A maioria de seus integrantes era

oriunda de regiões da Europa onde viviam em condições precárias e traziam os efeitos do

antissemitismo. A esperança nos ideais marxistas herdados das suas regiões de origem influiu na

convicção política e opção pelo comunismo.

43
MARX, Karl Heirich e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. 1848. Em:
www.ebooksbrasil.org/eLibris/manifestocomunista.html. Acesso: 16/04/2010
44
O Partido Comunista Brasileiro surgiu no Brasil motivado pela revolução russa de 1917, a partir de uma cisão do
movimento anarquista. Sua fundação ocorreu em Niterói, durante o congresso realizado no período de 25 a 27 de março de
1922, reunindo 73 operários das cidades: Porto Alegre, Recife, S. Paulo, Cruzeiro (SP), Niterói e Rio de Janeiro (capital).
(SOUZA, 2006, p. 18-19)
45
Nesse período chegou ao Brasil um significativo contingente de judeus, cuja população passou de 10 mil, em 1920, para
60 mil, no início dos anos 30. (MAIO, 1999, p. 232)
42

A perspectiva socialista era vista como uma resposta às precárias condições de vida
e ao anti-semitismo, existentes principalmente na Europa centro-oriental. [...] a
opção assimilacionista contida na utopia marxista seria a principal possibilidade de
ação política.(MAIO, 1999, p. 240)

Há registros de muitas prisões e deportações de judeus comunistas a partir do final dos anos

20, que se prolongaram após a Insurreição Comunista46. A prisão e deportação de Genny Gleizer e de

Olga Benário Prestes pela ditadura Vargas, mobilizou a sociedade civil que reagiu através de diversas

manifestações públicas.

Quanto à família Scliar, percebe-se que os ideais políticos, vistos em Rosa Scliar e

identificados também na própria Esther, estavam presentes em outros membros da família, como

expôs Leonor Scliar Cabral:

vivi a minha adolescência na época em que começou o combate ao nazi-fascismo


em todo o mundo e, posteriormente, o Brasil também entrou na 2ª Guerra Mundial.
Inclusive o Carlos, meu primo, fez parte da Força Expedicionária Brasileira. Era um
momento de grande efervescência política de modo que a intelectualidade, na
época, passou a ser uma intelectualidade de vanguarda também, ou eram membros
do partido comunista ou eram simpatizantes.[...] eu acabei entrando na juventude
comunista, fui militante e depois passei a ser líder, inclusive, dentro do Partido
Comunista. (SCLIAR CABRAL, apud XAVIER, 2001, p. 14)

Além da identificação com o comunismo, a comunidade judaica empenhava-se na

manutenção da sua cultura, nutrindo o sentimento judaico-nacionalista, ainda que longe de sua pátria.

O sonho do retorno à Terra de Israel - Eretz Israel - era um sentimento compartilhado pelos judeus no

exílio e motivador dos esforços migratórios à Palestina, como se constatou no final da 2ª Guerra:

a descoberta do genocídio dos judeus perpetrado pelos nazistas e a presença na


Europa de 100.000 sobreviventes à espera de partirem para Israel tornam a situação
insustentável. Criam-se canais alternativos para a compra de armas e para a
imigração clandestina. Em julho de 1947 a opinião pública mundial se comove com o
drama do Exodus: esse navio, chegado ao largo do porto de Haifa e tendo a bordo
4500 sobreviventes dos campos de extermínio, é expulso pelas autoridades
britânicas... para a Alemanha. O presidente Truman toma o partido da reivindicação
sionista, assim como a União Soviética, que passa a apoiar esse movimento
anticolonialista. (MASSOULIÉ, apud CHEMERIS, 2002, p.62)

46
A ditadura Vargas "procurou-se controlar ainda mais a entrada de judeus no Brasil por meio de uma série de decretos e
circulares secretas que se estenderam especialmente pelo período de 1938-40" (ibid, p. 245).
43

A Assembleia da ONU, então, aprovou a divisão da Palestina47, definindo o estabelecimento

do Estado de Israel.

Imediatamente ao fim da 2ª Guerra Mundial, deu-se o início da Guerra Fria entre os Estados

Unidos e a União Soviética que dividiram, não só a Alemanha, mas a Europa e o mundo em duas

partes: os países adeptos ou simpatizantes da política adotada por uma dessas duas grandes

potências mundiais. Era um momento de grande insegurança política e o mundo passou a viver com

medo de armas nucleares e de uma iminente explosão atômica.

Fazendo um parêntese no foco político, venho referenciar a educação na era Vargas que

tinha por preocupação transcender o ensino formal em direção a uma dimensão cultural de valorização

da ciência e da arte nacionais. Através do Decreto nº 19.890, Vargas determinou a reforma do ensino.

A educação artística fundamentava-se em música, a saber, no ensino do canto orfeônico nas escolas

sob a orientação de Heitor Villa-Lobos. Toda a "máquina" do governo esteve à disposição daqueles

objetivos, divulgando suas regras, valores e padrões artísticos "ideais" para o povo brasileiro. Villa-

Lobos declarou com entusiasmo (PAZ, 2004, p. 26):

Em 1932, a convite do Diretor-Geral do departamento de Educação, fui investido nas


funções de orientador de música e canto orfeônico no Distrito Federal, e tive, como
primeiros cuidados, a especialização e aperfeiçoamento do magistério, e a
propaganda junto ao público, da importância e utilidade do ensino de música. [...] O
Canto Orfeônico é o elemento propulsor da elevação do gosto e da cultura das
artes, é um fator poderoso no despertar dos sentimentos humanos, não apenas os
de ordem estética, mas ainda os de ordem moral, sobretudo os de natureza cívica.

Acerca das expectativas artístico-musicais junto às escolas, acrescentou:

Nas escolas primárias, e mesmo nas secundárias, o que se pretende sob o ponto de
vista estético, não é a formação integral de um músico, mas despertar nos
educandos as aptidões naturais, desenvolvê-las, abrindo-lhes horizontes novos e
apontando-lhes os institutos superiores de arte, onde é especializada a cultura.
Oferecendo-lhes as primeiras noções de arte, proporcionando-lhes audições
musicais, cultivando e cultuando os grandes artistas, como figuras de relevo da
humanidade em todos os tempos, este ensino, embora elementar, há de contribuir,
poderosamente, para a elevação moral e artística do povo.

47
Através da Resolução 181 (II) de 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU aprovou o plano de divisão da
Palestina em um Estado Árabe e um Estado Judeu.
44

Assim, pois, as três finalidades distintas obedece à orientação traçada para as


escolas do Distrito:
a) Disciplina;
b) Civismo;
c) Educação artística.

As 3 finalidades, acima citadas, regeram a atuação do SEMA - Superintendência de Educação Musical

e Artística - que se encarregou de todos os setores educacionais do então Distrito Federal. A união de

Villa-Lobos com Vargas, polemizada por tantos políticos e educadores, foi motivada pelos interesses

mútuos e pela crença na soberania dos próprios ideais. Contudo, não deve ser minimizada sua

importância como marco para a história da educação musical no Brasil quanto à valorização da arte

musical no cenário oficial do País. Outra medida de Vargas voltada para o setor educacional foi o

decreto da Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei nº 4.244) e criado o Serviço Nacional de

Ensino Industrial (Senai) voltado para a formação de mãos-de-obra especializada (GOMES, 1999,

p.63)48. Naquele momento, o governo já havia elaborado toda a legislação de regulamentação do

mercado de trabalho brasileiro, mantendo uma ideologia política de valorização do trabalho.

Esther Scliar se graduou49 em piano em 1945, pelo Instituto de Belas Artes de Porto Alegre,

atual Instituto de Artes da URGS. Neste "clima" de desenvolvimento, ela concluiu, em 1960, seus

estudos no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, Rio de Janeiro. Naquela época, era uma das

poucas instituições oficiais no Brasil que qualificava músicos para docência. Contudo, Esther não

compactuava com a maneira de Villa-Lobos conduzir o ensino musical, como declarou sua amiga e

colega de curso Maria José Michalski:

No ano do falecimento do Villa-Lobos, a gente estava lá na faculdade. Então, ela


achava errado, ela não concordava com aquela história de canto orfeônico: que todo
mundo era obrigado a fazer... porque era uma coisa muito autoritária aquele
ensino... A Esther não era uma pessoa autoritária... O que era o ensino na época do
Villa Lobos era cantar, era fazer concentrações de todo mundo cantando: “- e aí?
Você é desafinado? Cala a boca, não canta mais”, era assim... […] Então era uma
coisa muito autoritária, não era uma coisa muito educativa. A Esther, com certeza,
era contra aquilo tudo!50

48
GOMES, Angela de Castro. Ideologia e trabalho no Estado Novo. In: Repensando o Estado Novo
49
Ver Anexo, nº 3
50
Em entrevista á autora do presente trabalho (04/08/09).
45

É importante considerar que ao buscar o Curso de Formação de Professores naquela

instituição, Esther tinha por objetivo obter a certificação, conforme Michalski relembrou: “ela tinha todo

o conhecimento, maior do que muitos professores que estavam lá, mas ela não tinha titulação. Ela

precisava disso, por isso ela foi para lá”. Sobre a prática do ensino musical, acrescentou: “As

professoras das escolas, naquela ocasião, faziam tudo conforme mandava o figurino do Conservatório

Nacional de Canto Orfeônico. […] O ensino de música daquela época não era aceito por Esther”. A

visão de Scliar acerca do ensino de música será discorrida no capítulo 4 do presente trabalho.

No cenário político, a oposição à ditadura do Estado Novo evidenciava-se com o crescimento

de simpatizantes e militantes do Partido Comunista, do qual o senador Luiz Carlos Prestes era

representante. Com o início da Guerra Fria houve o crescimento do comunismo em diversas partes do

mundo. Temendo um novo conflito mundial, os comunistas apresentaram um caminho a ser seguido: o

da luta pela paz e proibição das armas atômicas. Portanto, reuniam-se em vários "Movimentos" e

"Congressos" locais e mundiais, especialmente, na Europa, militantes e simpatizantes em prol da paz

mundial (RIBEIRO, 2003). Munida de ideais político-filosóficos marxistas, Esther Scliar tornou-se

militante ativa da Juventude Comunista do PCB, chegando a participar do Congresso Mundial da

Juventude pela Paz que ocorreu em 1951, na Europa.

A volta de Vargas ao poder, em 1950, trouxe como tônica o "nacionalismo", sentimento de

brasilidade que deveria unir todos os brasileiros, independente de suas classes sociais. O objetivo era

refrear os abusos econômicos por conta dos interesses estrangeiros, garantindo a autonomia nacional.

O governo recebia apoio das massas populares. Assim, a campanha nacionalista intitulada "O petróleo

é nosso" mobilizou multidões por todo o Brasil, culminando na criação da PETROBRAS em 1953

(AGGIO, 2002, p. 55). Contudo, havia descontentamentos que provocaram uma série de greves e

protestos em diversos setores. Do suicídio de Vargas até a posse de Juscelino Kubitschek, o clima de

grande instabilidade51 pairava sobre a nação. A habilidade do novo presidente para estabelecer

51
Polêmica levantada pelo coronel Bizarria Mamede no Clube Militar, questionando o regime democrático do Brasil e a
ilegitimidade na nomeação de um presidente eleito pelo voto da minoria da população, referindo-se a Kubitschek eleito com
36% dos votos. Tal situação sinalizava a insatisfação militar. (ibid, p. 61)
46

acordos, inclusive, com os grupos da oposição, trouxe ao governo equilíbrio político. Ele propôs o

Programa de Metas para promover o rápido desenvolvimento do Brasil, enfocando: energia, indústrias

de base, alimentação, transporte, educação e a construção de Brasília. Segundo Silva52, o “crescimento

das indústrias de base, fundamentais ao processo de industrialização, foi de praticamente 100% no

quinquênio 1956-1961". O partido comunista brasileiro concordava com aquela administração,

formalizada através do documento denominado "Declaração de Março" emitido pelo PCB em 1958.

Os vultosos gastos com a construção de Brasília provocaram momentos de inquietação social

e política diante dos altos índices na inflação, determinantes para o rompimento com o FMI. Em 1961,

Jânio Quadros assumiu a Presidência da República, através do voto popular. Sua pouca habilidade

com articulações partidárias e parlamentares pode ter sido determinante para sua renúncia em apenas

7 meses. João Goulart, vice de Quadros, assumiu a presidência com poderes limitados pelo regime

parlamentarista. A administração parlamentar não conseguia resolver os problemas herdados do

governo Kubitschek, o que gerou descontentamento e o fortalecimento dos movimentos operários. As

greves eram, cada vez, mais frequentes, aumentando a influência dos sindicatos e do PCB sobre os

operários, culminando na fundação do Comando Geral dos Trabalhadores, em 1962.

Um aspecto a se destacar, no governo de João Goulart, foi a retomada das discussões

acerca da educação e o direito à escola pública - obrigatória e gratuita -, defendida pelo então ministro

da Educação e Cultura, Darcy Ribeiro, tendo como opositor Carlos Lacerda que se colocava a favor da

escola privada. A "Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1961, deu ganho

de causa à emenda de Lacerda, assegurando às famílias o direito de escolherem a melhor escola para

seus filhos, fosse pública ou particular, como afirma Bomeny53.

Darcy Ribeiro lutou pela qualidade do ensino acessível a todos os cidadãos brasileiros,

conforme carta ao Presidente do Conselho de Ministros, que apresentou o Programa de Emergência

52
SILVA, Sueli Braga da. 50 anos em 5: a odisseia desenvolvimentista do Plano de Metas. Em:
www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/. Acesso: 19/06/2009.
53
BOMENY, Helena. O sentido político da educação de Jango. Em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/O_sentido_politico_da_educacao_de_Jango
Acesso: 05/05/2010.
47

apoiado em dados estatísticos. Naquele documento descreveu os problemas quanto à ausência dos

alunos nas escolas e aos baixos índices de rendimento escolar. Propôs recomendações para aplicação

imediata na rede nacional de ensino primário e secundário, que se enquadrariam nos recursos já

recebidos pelo Ministério da Educação e Cultura, sem aumentar os gastos da União:

Este Programa de Emergência se fundamenta na tomada de consciência - já


expressa em diversos documentos do Governo - da gravidade da situação
educacional e da situação imperiosa de atender as principais carências quantitativas
e qualitativas da rede escolar do País.[...] Dada a desigualdade do desenvolvimento
econômico nas diversas regiões do País, estes números não retratam fielmente a
gravidade de nossa situação educacional. Estatísticas de 1958 revelam quanto são
desiguais as oportunidades de estudo oferecidas às crianças brasileiras que nascem
e crescem nas diferentes áreas geo-econômicas. [...] Contando com um sistema
educacional tão precário, temos visto crescer continuamente o número de
analfabetos na população adulta,que, de cerca de 6,3 milhões de 1900, já alcançou
quase 20 milhões. Anualmente atingem, ainda analfabetos, os 14 anos - idade legal
do trabalho - cerca de 60.000 jovens e os 18 anos - idade da responsabilidade civil -
outros 550.000 jovens, engrossando o contingente de brasileiros sem condições
mínimas de exercer a cidadania, de integrar-se na vida social do País e no sistema
produtivo que, por força da industrialização, exige qualificação ainda mais alta.54

Darcy Ribeiro destacou como problemas fundamentais: vagas insuficientes para matrículas; "início

tardio dos estudos"; "repetências"; "deficiências qualitativas do ensino ministrado"; "baixo índice de

rendimento escolar" diante do "despreparo pedagógico do magistério"; "precariedade das instalações

escolares” e “carência de material didático adequado". A situação alarmante descrita naquele

documento datado de 26 de setembro de 1962, “soa” como um apelo à consciência dos que, acima

dele, teriam poder para autorizar aquela proposta em favor da educação e cultura para os brasileiros.

Desviando a atenção, por um pouco, daquele momento histórico da educação, para observar

os dias atuais, quase 48 anos depois das observações feitas por Darcy Ribeiro, surgem as seguintes

questões: o que temos visto no cenário da educação pública brasileira? Houve mudanças

significativas? Tomando por referência os problemas identificados por Ribeiro, é possível perceber que

nossos problemas educacionais são semelhantes àqueles, agravados por sérios dramas sociais. Sem

a intenção de discorrer sobre estes, não posso deixar de enxergá-los como reflexos das diversas

formas de ignorância, violência e desigualdade: sintomas de "enfermidades sociais" que vêm

54
Em: www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/documentos. Acesso: 19/06/2009.
48

contaminando vários governantes e governados ao longo dos anos, cegando-lhes o entendimento do

verdadeiro significado de "sociedade", "nação" e "cidadão".

Souza (2007, p. 75) aponta que hoje nossa rede pública de ensino vem contando com a

intervenção do Conselho Tutelar55 para solucionar problemas sociais, educacionais e até

administrativos em situações como: garantia de vagas (matrículas), baixo aproveitamento, ausências,

repetência, evasão e indisciplinas. Considerando a experiência que tive quando prestei serviço em um

dos projetos administrados pela Secretaria de Cultura de Niterói, dentro de uma escola pública

localizada próximo ao "Lixão" dessa cidade, reconheço a responsabilidade e a seriedade das ações do

Conselho Tutelar desta região, especialmente, em questões familiares. Contudo, no que se refere a

sua ação no âmbito escolar, lanço aqui as algumas questões como proposta à reflexão: a intervenção

desse órgão nas situações já apontadas seria solução ou apenas medida paliativa para aqueles

problemas? A ação do Conselho Tutelar seria uma estratégia governamental para administrar o "caos"

social que vem se instalando? Ou, o resultado do comodismo e do desinteresse dos governantes frente

às camadas marginais da sociedade?

Retomando a atenção no governo de João Goulart, é notável sua ênfase na cultura do País a

partir de uma aproximação interativa com a "esquerda", quando concedeu à União Nacional dos

Estudantes (UNE) a responsabilidade de estruturar muitos dos programas pedagógicos, nos quais

eram incluídas a conscientização política e a mobilização social. Os Centros Populares de Cultura

(CPCs) tinham por objetivo levar ao povo diversas formas de manifestação cultural, como: teatro,

cinema, artes plásticas, literatura, entre outros.

A participação ativa e crescente das massas populares no governo de "Jango" não agradava

o lado conservador, formado por militares e por elites - agrárias e industriais -, que se uniram com o

interesse comum de articularem contra o governo. Embora, a volta do regime presidencialista

conferisse a Goulart maiores poderes para agir, o agravamento da situação econômica provocou novas
55
São órgãos municipais destinados a zelar pelos direitos das crianças e adolescentes, cujas competência e organização
estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 131 a 140. Em:
www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso: 19/06/2009.
49

tensões sociais. Por fim, as alianças entre lideranças civis e militares executaram o golpe de Estado,

em março de 1964. Ali, foi interrompido o sonho por uma democracia genuína, quando se instalou no

Brasil a ditadura militar.

As primeiras medidas, do novo regime, foram as promulgações dos Atos Institucionais (AI),

que vinham "sempre revestidos de uma cara de ajuste econômico, os 'AI' nada mais eram do que

instrumentos impostos para enquadrar a sociedade em moldes nos quais não se permitiam

contestação, oposição e dúvidas." (ALBUQUERQUE, 2001, p. 2). O caráter ditatorial militar se agravou

em 1968, ao ser decretado o AI-5, que conferiu ao governo, plenos poderes traduzidos nas seguintes

ações: desativação do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas; suspensão dos direitos

políticos dos cidadãos; cassações de mandatos eletivos e de dirigentes sindicais; controle sobre as

ações dos cidadãos; suspensão do habeas corpus para crimes políticos ou delitos contra a "segurança

nacional" (MELHADO, 2009, p. 1). Quanto às ações "nos bastidores" Ridenti (2000, p. 40) acrescenta:

Paralelamente, nos porões do regime, generalizava-se o uso da tortura, do


assassinato, e de outros desmandos. Tudo em nome da segurança nacional,
indispensável para o desenvolvimento da economia, do posteriormente denominado
milagre brasileiro.

Possivelmente, o histórico de militância de Esther Scliar no Partido Comunista Brasileiro,

tenha respaldado as justificativas do regime militar, baseadas no AI-5 56, para incluírem seu nome na

relação de professores a serem excluídos do quadro docente do Instituto Villa-Lobos (hoje UNIRIO).

Ricardo Ventura, em seu testemunho, relembra:

Em novembro de 1968 foi decretado o AI-5... Um dia Reginaldo57 me chamou em


sua sala e disse que tinha recebido uma carta, segundo ele de um "remetente
secreto", dizendo que quatro dos professores do IVL não poderiam continuar ali
trabalhando. O Reginaldo abriu a tal carta... para que eu pudesse ler... Lá estavam
os nomes do Gouveia, da Esther Scliar, do Guerra Peixe e o meu.58

56
O Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, cassou direitos e garantias fundamentais. Em:
www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_6.htm. Acesso: 18/09/2009.
57
Reginaldo de Carvalho - professor de grande importância no Instituto Villa Lobos, Implantou ali o primeiro estúdio de
música eletroacústica do Brasil. Na década de 50 foi aluno de composição de Olivier Messiaen e um dos primeiros
discípulos de Pierre Schaeffer. Foi o primeiro compositor brasileiro a trabalhar com música eletroacústica e suas primeiras
obras remontam à sua estada em Paris, com bolsa obtida por influência de Villa-Lobos. Sob sua direção o IVL se tornou um
dos mais importantes centros para a prática da música experimental no Brasil.
50

Aquela instituição, como outras no País, ficaram “órfãs” de professores competentes e

compromissados com a educação. O exemplo de Esther Scliar como professora será discorrido no

capítulo 3 deste trabalho, dedicado aos traços do seu perfil como educadora.

O cenário brasileiro tornou-se obscuro. A ditadura militar aperfeiçoava seus aparelhos de

repressão à "subversão" utilizando-se dos seus mecanismos de inteligência para executar prisões

arbitrárias e diversas formas de torturas, inclusive, conduzir vários "desaparecimentos", provocando o

silêncio de tantos idealistas. Simultaneamente, a máquina da ditadura manipulava "habilmente os

meios de comunicação, criando a imagem do Brasil grande potência – sendo o lema do governo:

Brasil, ame-o ou deixe-o! -, capitalizando a vitória do Brasil no campeonato mundial de futebol de 1970,

o governo atinge grande sucesso" (SILVA, 2007, p. 260).

Dentro do longo período do regime militar no Brasil transcorreu a maior parte das atividades

pedagógicas de Esther Scliar que, por força das circunstâncias, preferiu não priorizar a “voz” dos seus

ideais políticos para fazer soar sua inquestionável vocação de educadora, dentro do "universo" onde

podia ser livre: a música. Além das aulas particulares, Esther também lecionou nos Seminários de

Música Pro Arte no Rio de Janeiro, de 1962 até 1975, os cursos de: Teoria Musical, Didática da Teoria

Musical, Percepção, Análise, Didática da Análise e Morfologia, assumindo ali a coordenação das

matérias teóricas. Naquele período, os Seminários Pro Arte, uma instituição renomada não só pelo seu

quadro de professores – constituído por respeitados músicos brasileiros –, mas, porque proporcionava

um ambiente musical sem barreiras, conforme declaram Horta e Ferreira:

o que caracterizava a Pró Arte era esta abertura de horizontes, de estilos, uma coisa
mais aberta. Era um ambiente muito bom... depois, eu peguei uma época em que
você tinha grandes figuras na Pró Arte. Guerra Peixe dava aulas lá. Eu me lembro
que teve uma época que Esther tirou umas férias, quem a substitui foi Cláudio
Santoro, fabuloso compositor. Este era o clima da Pró-Arte.59

58
VENTURA, Ricardo. O Instituto Villa Lobos e a Música Popular. Em: http://brazilianmusic.com/articles/ventura-ivl.html.
Acesso: 15/04/2010.
59
Em entrevista à autora do presente trabalho, (04/09/2007).
51

Não podemos esquecer que a Pró Arte, naquela época, mantinha o único curso
alternativo de qualidade no Rio de Janeiro, e contava com professores como
Homero Magalhães, Guerra Peixe, Heitor Alimonda e Esther Scliar. A Pró Arte era o
“point” onde todos queriam estudar. As escolas oficiais, naquele momento,
ofereciam apenas o bacharelado a quem se dedicasse à música de concerto e não
estavam abertas a outras músicas. Música popular, nem pensar...

Esther foi jurada de importantes concursos como: Concurso Estadual de Composição em

Salvador, Bahia (1969); Concurso para Jovens Instrumentistas, pela SABRARTE, Rio de Janeiro

(1973); Concurso Nacional de Corais, pelo Jornal do Brasil, Rio de Janeiro (1974).

Dois fatos contribuíram para mudanças na vida de Esther, em 1975: a morte de seu pai, Isaac

Scliar, e o seu desligamento do corpo docente da Pró-Arte, passando a atuar na Escola de Música

Villa-Lobos como professora de Análise a convite do então diretor, professor Aylton Escobar.

Em janeiro de 1978, Esther foi convidada para ministrar aulas 60 no 7º Curso Latino-Americano

de Música Contemporânea, realizado em São João Del Rey. E, no dia 18 de março daquele ano, aos

51 anos, encerrou sua própria vida.

60
Ver Anexo, nº 8
52

2.2 CENÁRIO ARTÍSTICO-MUSICAL

As diversas manifestações artísticas61 do século XX, com as mais variadas propostas,

revelavam sentimentos inquietos e inconformados. O movimento "Modernista" já mostrava suas

primeiras características na segunda metade do século XIX, numa "efervescente" busca por renovação.

Em 1914, muito do que passou a ser caracterizado nas artes como "modernismo" já se encontrava

evidente, como, por exemplo: o cubismo, o expressionismo e o abstracionismo puro na pintura; o

funcionalismo e a redução dos ornamentos na arquitetura; o rompimento com a tradição na literatura; e,

a renúncia à supremacia do tonalismo na música.

Quando se pensa nas artes do século XX, possivelmente, impressões distorcidas surgem da

expectativa de que a vanguarda mudaria integralmente os paradigmas que vigoravam até então,

quando anularia todas as influências dos padrões anteriores. A “busca pelo novo” estimulava a

criatividade e se tornava evidente nas manifestações artísticas daquele século. Contudo, os “DNA's”

das criações e transformações ocorridas nos séculos anteriores fariam parte das novas concepções

culturais:

Dizer que a nova vanguarda se tornou fundamental para as artes estabelecidas não
é afirmar que tomou o lugar do clássico e da moda, mas que complementou os dois,
e se tomou a prova de um sério interesse por assuntos culturais. (HOBSBAWM,
1995, p. 181)

Diferentemente das outras formas de expressão nas artes plásticas, vale ressaltar no

dadaísmo e no surrealismo suas maneiras "gritantes" de reação àquela sociedade que vivia a 1ª guerra

mundial e os efeitos dela. Em 1916, surgiu o dadaísmo, um protesto angustiado e irônico contra

aquela guerra e a sociedade que a nutriu, tal reação originou-se de um grupo de exilados em Zurique,

onde outro grupo - também exilados -, sob as ordens de Lenin, aguardava a revolução (ibid, 179). O

surrealismo, a partir de 1920, passou a apresentar imagens impactantes utilizando da lógica necessária

61
Consciente de que o conceito do que é arte pode variar conforme a compreensão de cada sociedade ou indivíduo, o
conceito de arte aqui utilizado refere-se a compreensão que, geralmente, se tem dentro dos padrões estéticos organizados
pela sociedade ocidental.
53

para representar o que se mostrava ilógico visivelmente: "uma súplica pela ressurreição da imaginação,

baseada no Inconsciente revelado pela psicanálise, os símbolos e sonhos" (WILLETT apud

HOBSBAWM, 1995, p. 180).

Geralmente, as características inerentes às formas de expressão de determinado estilo de

época encontravam correlações com outras formas de manifestações artísticas - literatura, escultura,

música, pintura, arquitetura, etc. - identificando-se através de uma mesma linguagem, porém,

representadas por signos diferentes. Suas leituras de mundo se submetem a uma determinada

localização em uma determinada época, trazendo consigo as influências daquele momento histórico. O

presente capítulo buscará apontar elementos que caracterizam a "linguagem" cultural do século XX,

enfocando suas propostas musicais influentes no Brasil, delimitadas no período vivido por Esther Scliar.

A música do século XX expressou-se através de uma série de tentativas e experimentos que

a conduziu a novas tendências, técnicas e criação de sons. As diversidades de propostas tinham por

base a ideia de sair do domínio do sistema tonal. O modernismo, que vigorava desde meados do

século XIX, já experimentava novos “sabores sonoros”, criando estruturas que oferecessem à música

elementos alheios aos padrões tonais tradicionais em uma nova “roupagem”. As construções

harmônicas e o cromatismo em Wagner e as escalas de tons inteiros criadas por Debussy, são alguns,

dos muitos exemplos, dessas transformações.

• O Modernismo no cenário brasileiro

Acredito que um dos mais fiéis "retratos" dos movimentos culturais de uma sociedade são

suas obras de arte. Semelhantemente, a música é representante das influências culturais e do

pensamento social e político de seu tempo. A música brasileira, incluindo “populares” e “eruditas” 62, foi

influenciada por todos os movimentos ocorrentes no século XX. As inquietações artístico-musicais por

renovação iniciadas na Europa, surgiram no Brasil através das novas propostas estéticas da artista
62
As aspas significam que as concepções sobre o que é popular e erudito são relativas, portanto, dignas de uma discussão,
contudo, estão sendo utilizadas aqui conforme os rótulos que recebem usualmente.
54

plástica Anita Malfatti, chegada de Munique em 1917, que reuniu em seus quadros elementos cubistas

e expressionistas. Em 1919, foi a vez das manifestações literárias: Carnaval, de Manuel Bandeira e

Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade (MARIZ, 1997, 45).

A Semana da Arte Moderna foi o símbolo da assimilação dos ideais modernistas pela classe

artística brasileira. Aquele evento buscou relacionar as artes literárias, visuais e musicais. As ideias

apresentadas nem sempre agradavam o público presente, além de ser alvo de incompreensões pela

crítica. Travassos (2000, p.19) afirma que a "Semana é marco também na historiografia da música,

principalmente pela projeção que deu a Heitor Villa-Lobos e o impacto que teve em sua carreira.". Por

outro lado, o próprio compositor declarou a cerca de sua participação naquela Semana: "Não sou fruto

da Semana de Arte Moderna. Eu fui convidado e fui pago pelo Graça Aranha." (MARIZ apud, PAZ,

2004, p.17). Os modernistas brasileiros fundamentaram-se em 3 princípios: "o direito permanente à

pesquisa estética, a atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização de uma consciência

criadora nacional" (MARIZ, 1997, 47). A semente de nacionalismo plantada naquele momento histórico

por Mário de Andrade e semeada por Camargo Guarnieri, ainda que de forma polêmica, germinou nas

ideias de muitos artistas, dentre esses, músicos que compreenderam que não poderiam "abrir mão" de

suas raízes.

Em paralelo aos ideais nacionalistas, o serialismo no Brasil, representado pelo

dodecafonismo, foi abraçado pelo Grupo Música Viva, fundado por Joachïm Koellreutter, que reunia um

grupo de compositores inspirados nos movimentos europeus de vanguarda musical. Tinham como

filosofia a crença na força criadora do espírito humano e na arte do futuro, modelando uma “nova

escola de composição brasileira”63. Tal vertente contribuiu para estimular a percepção e o interesse por

pesquisas composicionais em outras áreas musicais, como a eletroacústica e eletrônica.

A música brasileira evidenciou a influência das imigrações na cultura nacional desde a sua

colonização e retratou, também, as influências de todos os movimentos artístico-musicais do século

XX. Contudo, se fez necessário romper as resistências e partidarismos estéticos para que fossem
63
Ver maiores detalhes nas páginas 58-66 do presente trabalho.
55

abertos espaços de convivência "harmoniosa" entre a corrente nacionalista e a vanguarda musical, e

assim, possibilitar a miscigenação de técnicas, estilos e gêneros, para melhor retratarem a mistura que

caracteriza a cultura brasileira e suas músicas.

2.2.1 Modalismo

As diversas imigrações europeias trouxeram a música modal para o território brasileiro. Desta

forma, os modos gregos, que eram predominantes, passaram a ser encontrados na música dita

folclórica em diversas regiões do Brasil.

Na realidade, foi uma completa mistura de elementos estranhos que se formou a


nossa música popular [...] às vezes em nosso canto passam acentos nórdicos,
suecos, noruegueses... Como vieram parar aqui? Acentos idênticos também se
encontram em Portugal e principalmente Espanha. Às vezes um canto nosso é...
russo duma vez. Outras vezes é um canto russo que, mudando as palavras, todos
tomariam por brasileiro64. (ANDRADE apud PAZ, 2000, p. 26)

A influência ibérica é considerada predominante diante do longo período do governo

português. Contudo, Alvarenga65 diz que as escalas estranhas chegaram ao Brasil, provavelmente, da

África “onde predominam as escalas modais, diferentes da escala tonal europeia e das escalas de

cinco e seis sons” (ALVARENGA apud PAZ, 2000, p. 31). Oliveira66 afirma que o uso no folclore brasileiro

das escalas pentatônicas nos cantos - para danças, trabalho e religiosos -, podem ter recebido

influência da tradição africana. Segundo Paz (2002, p. 128), primórdios de um Nacionalismo, em fins

do século XIX67 já apareciam na música de concerto, e ainda, que Alexandre Levy "foi o primeiro a

escrever uma obra orquestral, onde utilizava como tema uma melodia folclórica. Trata-se da Variação

sobre um tema brasileiro". Torna importante ressaltar que mesmo usando elementos folclóricos e

rítmicos afro-brasileiros as composições estavam fundamentadas na música culta europeia.

64
ANDRADE, Mário de. Pequena História da Música. 6ª edição. S. Paulo: Livraria Martins Editora, 1944, p.189.
65
ALVARENGA, Oneyda. A influência negra na música brasileira. In: Boletim Latino Americano de Música. Rio de
Janeiro, (VI): 357-400, 1946.
66
OLIVEIRA, Alda de Jesus. A frequent count of music elements in Bahian folk song using computer and hand
analysis: Suggestions for applications in music education. Dissertation presented of the Faculty of the Graduate School
of the University of Texas at Austin, 1986, p.94 (In: PAZ, 2000, p.31).
67
O Nacionalismo desse período nos remete a Carlos Gomes, que alcançou expressão internacional na época. Foi o
primeiro compositor a estabelecer ligação entre música, literatura nacionalista brasileira e a problemática do povo. (ibid)
56

No século XX, o uso das escalas típicas nordestinas modais vão aparecer com mais

frequência na música brasileira a partir da abordagem musical de Vila-Lobos, em 1917, quando passou

a utilizar-se de temas folclóricos. Outra força mobilizante à brasilidade partiu do direcionamento

estético de Graça Aranha e Mário de Andrade, que valorizavam o regionalismo e as características da

música nacional, como aponta Fernandes (2005):

A ideia de que para termos uma arte universal seria preciso termos antes uma arte
nacional já estava nos escritos estéticos de Graça Aranha quando Mário de Andrade
a proclamou. Apesar da polêmica que este fato causou, ambos lutaram pelo mesmo
objetivo: uma arte erudita elaborada sobre elementos populares.

A partir de então, o estudo do folclore e consequentemente seus elementos, foram utilizados

em várias composições, especialmente, de Camargo Guarnieri e Guerra Peixe. Guarnieri apoiou-se no

folclore, caracterizando-se pela utilização da essência dos elementos de brasilidade: a expressividade

das melodias de toadas e modas caipiras, os ritmos característicos das danças brasileiras, o uso de

instrumentos populares unidos aos de orquestra, o modalismo nordestino e o polifonismo do choro

(ibid). Já Guerra-Peixe, após seu envolvimento com a música dodecafônica a partir da sua participação

como membro do Grupo Música Viva, decidiu buscar conhecimento do folclore musical nordestino - do

qual se achava carente - transferindo-se para Recife, onde desenvolveu muitas pesquisas de campo e

estudos musicológicos. Suas composições passaram a retratar essa influência, através dos elementos

rítmicos e do uso das escalas modais característicos da música nordestina brasileira.

Contrário à filosofia do Nacionalismo, o Manifesto 1945, documento elaborado pelo Grupo Música

Viva68, reiterou sua concepção de música e expressou uma postura francamente desfavorável ao

nacionalismo, que foi mantido no Manifesto 1946 em discurso mais moderado:

68
O Grupo Música Viva foi fundado em 1939 pelo maestro Hans-Joachim Koellreutter, reunindo em seu corpo de membros,
músicos como: Eunice Catunda, Edino Krieger, César Guerra-Peixe, Claudio Santoro, Esther Scliar e outros. O movimento
de renovação musical concebido pelo Grupo fundamentava-se em três frentes: a formação, a criação e a divulgação. E,
dentre as atividades desenvolvias estavam: discussões sobre os problemas estéticos e da evolução da linguagem musical;
promoção de audições e recitais, visando desenvolver e estimular a criação musical; publicações da revista ‘Música Viva’;
publicação de edições musicais; realização de programas de rádio e gravações. O Grupo se manteve ativo até,
aproximadamente final de 1952. (HOLANDA, 2006, p.34)
57

“Música Viva” admitindo, por um lado, o nacionalismo substancial como estágio na


evolução artística de um povo, combate, por outro lado, o falso nacionalismo em
música, isto é: aquele que exalta sentimentos de superioridade nacionalista na sua
essência e estimula tendências egocêntricas e individualistas que separam os
homens, originando forças disruptivas. (MÚSICA VIVA apud HOLANDA, 2006, p.
36)

O Grupo defendeu as suas ideias resistentes ao nacionalismo criticando os sentimentos de

superioridade e individualismo, presentes nas propostas daquele movimento cultural brasileiro.

Travassos (2000, p. 64) interpretou que a reação do grupo Música Viva ao nacionalismo alinhava-se

com a visão de um "humanismo universalista, no pano de fundo do pós-guerra e do horror aos

desdobramentos bélicos e genocidas do nacionalismo". Observando tal posicionamento, levanto a

seguinte questão: as ideias do Grupo não estariam adotando, da mesma forma que seus "contra-

partidários”, sentimentos discriminatórios e elitistas em defesa dos ideais vanguardistas?

O distanciamento entre as propostas nacionalistas e a perspectiva musical do movimento de

vanguarda foi evidenciado, também, através do posicionamento de Koellreutter sobre a recomendação

de Mário de Andrade quanto ao uso e ao estudo do material folclórico por parte dos compositores:

“Realmente o folclore brasileiro constitui, ainda, um vasto campo de pesquisa e exploração – não para

os compositores em busca de inspiração -, mas sim, para a verdadeira musicologia”

(KOELLREUTTER, apud HOLANDA, 2006, p. 52). As divergências de opiniões acerca da valorização

dos elementos da música brasileira foram fragilizando as bases idearias do Grupo Música Viva, e

provocando o distanciamento de alguns de seus membros, dentre eles, Guerra Peixe e Cláudio

Santoro (ibid. p. 46).

Os sentimentos de renovação e inovação, predominantes no século XX, faziam com que

identificassem no uso do modalismo outra forma de reação à supremacia do tonalismo. Vários

compositores brasileiros utilizaram estruturas modais representantes das músicas regionalistas em

obras "eruditas". Dentre eles, além dos que já foram citados, destacaram-se: Osvaldo Lacerda, Aylton

Escobar, Edino Krieger, José Maria Neves, Ernani Aguiar, Eunice Katunda e Esther Scliar.
58

A compositora Esther Scliar tornou-se proeminente a partir da década de 50, com ênfase nas

obras para coros. Foi fundadora e regente do Coro de Câmara da Associação Juvenil Musical de Porto

Alegre, grupo que se apresentou em Praga sob sua regência, em 1953 69. Participou do Festival de

Compositores Gaúchos. Em Montevidéu, estudou técnicas de Regência Coral com Nilda Müller 70. No

Rio de Janeiro, esteve sob orientação de Claudio Santoro em suas composições até 1958, quando

orquestrou para peças teatrais. Foi pianista acompanhadora do Coral Pró-Música. Buscando novas

referências para suas composições, em 1974, Esther obteve orientação com Guerra Peixe, compondo

obras instrumentais e para coro de caráter brasileiro. Dentre suas composições houve várias obras

com a rítmica brasileira e com o folclore nacional, como: Maracatu Elefante (1953), Eu Fui Chamado

pra Cantar no Limoeiro (1956), Cantiga de Cacau (1957), Sonata para Flauta e Piano (1960), Sonata

para piano (1961), Ofulú Lorerê ê (1974) e Toada de Gabinete (1976) - obra encomendada para um

concurso de corais promovido pelo Jornal do Brasil e pela Rádio MEC -, sobre a qual Scliar falou:

O tema de Toada de Gabinete - diz Esther Scliar - foi coletado há cerca de dez anos,
quando fui solicitada pela Rádio MEC para grafar uma série de músicas que um
grupo de violeiros havia gravado para a emissora, enquanto a poetisa Celina
Ferreira se encarregava de anotar os versos. Resolvi agora utilizá-lo nessa
composição que preparei para o Concurso do JB, pois acredito que os corais de
vozes femininas – aos quais a obra se destina – terão grande satisfação ao estudá-
la, pelo caráter comunicativo do texto e da melodia, que se desenvolve dentro de
uma rítmica tipicamente brasileira. Procurei, por outro lado, dosar as dificuldades
harmônicas e melódicas, tendo em vista as potencialidades dos grupos que irão
interpretá-la. (SCLIAR, apud, HOLANDA, p. 60)

Na música popular brasileira o "tempero" modal vem sendo usado em profusão. PAZ (2000,

p. 170) afirma que "tudo leva a crer que foi Luiz Gonzaga o primeiro a fazer uso, de forma tão

marcante, das escalas modais tão em voga no Nordeste brasileiro". Daí por diante, uma série de

compositores populares tem se utilizado de estruturas modais - facilmente aceitas e assimiladas pelo

gosto popular -, ainda que algumas composições não evidenciem características rítmicas regionais,

como, por exemplo, nas composições de Edu Lobo: Arrastão (E. Lobo/V. de Moraes) - tema inicial em

dórico -, e Upa, Neguinho! (E. Lobo/C. Guarnieri), em mixolídio. As músicas do espetáculo 'Arena
69
Ver Anexo, nº 6
70
Ver Anexo, nº 5
59

Conta Zumbi' 71, da autoria de Edu Lobo, representam um modalismo mais eclético. No parecer acerca

do trabalho de seu aluno, Esther diz:

Há duas concepções em relação à música de teatro. A primeira considera a música


como elemento decorativo e em última análise, um veículo capaz de tornar o
espetáculo mais vivo e acessível. A segunda corrente, acredita na possibilidade da
música contribuir com sua linguagem para intensificar o conteúdo expressivo da
peça. Quando assisti "Arena Conta Zumbi" senti que a música poderia desviar
minha atenção do espetáculo, tal o meu fascínio. Surpreendeu-me o fato de que um
jovem autodidata usasse o contraponto, inclusive um cânone, como se já estivesse
familiarizado com estas técnicas pelo estudo. Não que houvesse a preocupação de
artifícios, pois a linguagem era simples e fluente. Apesar disto, não me distraí do
espetáculo, pois Edu, servindo-se das constâncias afro-brasileiras, explorou seus
contrastes e ostinatos, dinamizando-os não somente em função da marcação
coreográfica como também em relação aos propósitos da mensagem.72

No capítulo 4 deste trabalho, dedicado à didática do método de Esther de Scliar, serão

mostrados alguns exemplos modais em trechos musicais do folclore nacional e internacional, que ela

selecionava para estudo nas aulas, denotando sua preocupação em ampliar a experiência musical do

aluno relacionada com os conteúdos propostos.

2.2.2 Serialismo

O serialismo enquadra-se dentro do que se denominou atonalismo73, que engloba todas as

propostas musicais que não são tonais. Surgiu da busca por uma nova ordem de construção sonora

que destituísse a utilização de forças que favorecessem a condução do discurso musical a um

determinado centro tonal, ao ponto de impedir que os ouvintes percebessem ou fizessem tais relações.

No início da década de 20, fase bastante "cerebral"74 da música europeia, Schöenberg estruturou o

serialismo Dodecafônico, baseado na utilização de uma série de 12 sons – da escala cromática -

71
Espetáculo estreado em Maio de 1965 no Teatro de Arena de São Paulo. Direção de Augusto Boal, Músicas de Edu Lobo,
Arranjos e Regência: Guerra-Peixe, Letras de Gianfrancesco Guarnieri, Letras adicionais de Augusto Boal e Vinicius de
Moraes. As músicas compõem o álbum de Edu Lobo: 'Edu canta Zumbi'.
72
Disponível em www.edulobo.com/discos/edu_canta_zumbi.html. Acesso: 04/05/2010.
73
Schöenberg não gostava do termo, "achando que a ausência declarada de tonalidade implicava uma ausência de música:
preferia 'pantonalidade'.". Outros autores argumentam que “a aparente atonalidade resulta apenas de uma tonalidade em
rápida mudança e profundamente obscurecida." (GRIFFITHS, 1995)
74
O termo cerebral foi usado para sugerir que uma composição musical, preponderantemente, lógica e racional.
60

arranjados em uma determinada ordem, sem valores hierárquicos, que se relacionam entre si (JARMAN

apud MENEZES, 2002, p. 209-210). As concepções musicais de Schöenberg encontraram em Alban Berg

e Anton von Webern o desenvolvimento daqueles modelos a partir de releituras pessoais. O

dodecafonismo vinha de encontro com os ideais de renovação daquela geração, por isso alcançou

grande repercussão na Europa.

No Brasil, a estética do dodecafonismo foi propagada por influência de Joachïm Koellreutter

através do movimento Grupo Música Viva, cujos princípios evolucionistas e universalistas

impulsionaram e estimularam aquela nova vertente musical. Os ideais do Grupo priorizavam a criação

musical, a importância da função social, a contemporaneidade e a renovação, além da legitimidade do

grupo como movimento cultural. Para divulgação das suas concepções musicais, realizavam: recitais;

programas radiofônicos através da Rádio MEC; e, discussões sobre questões estéticas e evolução da

linguagem musical. No artigo 3º da constituição oficial do Grupo Música Viva, estão explicitadas as

seguintes metas:

a) Cultivar a música contemporânea de valor para a evolução da expressão musical


e considerá-la expressão de nossa época, de todas as tendências, independente de
nacionalidade, raça, ou religião do compositor.
b) Proteger e apoiar principalmente as tendências dificilmente acessíveis.
c) Reviver as obras de valor da literatura musical das grandes épocas passadas,
desconhecidas, pouco divulgadas ou de interesse especial para a evolução da
música contemporânea.
d) Promover a educação musical ampla e popular sob pontos de vista modernos e
atuais.
e) Animar e apoiar todo movimento tendente a desenvolver a cultura musical.
f) Promover o trabalho coletivo e a colaboração entre os jovens musicistas no Brasil.
(KATER, 2001, p. 60)

Atraída por esse movimento de renovação musical, Esther Scliar veio para o Rio de Janeiro

em 1948, quando estudou Composição, Contraponto e Harmonia com Koellreutter - ex-aluno de Paul

Hindemith - e integrou-se ao Grupo Música Viva a convite de seu professor. Sob sua orientação,

naquele mesmo ano, Esther participou do Curso Internacional de Regência do XI Festival Internacional

de Música Contemporânea, em Viena, ministrado pelo regente Hermann Scherchen75, que liderava os

75
Ver Anexo, nº 4.
61

movimentos musicais de vanguarda na Europa e exercia grande influencia em Koellreutter. Acerca da

participação de Esther naquele evento, Koellreutter, declarou entusiasmado:

O grupo de alunos que me acompanhou portou-se acima de qualquer expectativa.


Esther Scliar, por exemplo, na interpretação de “Ma Mère l´Oye” de Ravel, foi uma
surpresa magnífica. Conseguiu impor-se de tal forma sobre a orquestra que esta,
finda a prova, a aplaudiu de pé. (IMPUSERAM-SE76, apud, HOLANDA, 2006, p. 42)

Koellreutter não escondeu sua preferência quanto às composições dodecafônicas e teceu

elogios aos compositores europeus:

Quase todos os jovens compositores europeus, especialmente os italianos, não são


apenas atonalistas, mas dodecafônicos. Entre estes últimos, Anton von Webern,
Alban Berg, Arnold Schöenberg e Dallapicola, gozam de especial prestígio. Merece
registro o fato de Koechlin, decano dos compositores franceses, septuagenário
dotado de espírito admiravelmente jovem, estar escrevendo obras dodecafônicas
das melhores. [...] De um modo geral, do que ouvi e pude observar, mais convencido
ainda fiquei de quanto é falsa a alegação, infelizmente muito generalizada, de que
todas as obras dodecafônicas são semelhantes, tanto do ponto de vista técnico,
como do ponto de vista estético, são enormes as possibilidades da dodecafonia.
(HOLANDA, 2006, p.43)

Esther continuou no aprofundamento dos seus conhecimentos frequentando o 1º Curso

Internacional de Composição Dodecafônica, ministrado por Koellreutter, em Milão, promovido pelo

Centro Internazionale di Musica Contemporanea. Naquele mesmo ano, participou também do

Congresso de Música Dodecafônica em Locarno, Suíça. Em janeiro 1950, Esther participou como

aluna e monitora de Koellreutter no curso de composição ministrado por ele no 1º Curso Internacional

de Férias em Teresópolis, quando o foco dodecafônico foi atenuado, prestigiando, também, outras

concepções musicais, como se pode perceber nas palavras de Edino Krieger:

Uma lembrança muito viva que eu tenho de Esther é do 1º Curso Internacional de


Férias em Teresópolis que foi em janeiro de 1950. [...] Nós participávamos de muitas
atividades coletivas. Nós, nesse curso, formamos um quarteto vocal, esse que tem
na fotografia77 de Esther com chapeuzinho, que era formado por: Esther, Saloméa
[Gandelman], um rapaz do Rio Grande do Sul ou Curitiba chamado Malle e eu. Nós
líamos, estudávamos e preparávamos peças, sobretudo do período medieval e
renascentista, e, saíamos cantando por lá e em passeios que fazíamos.78

76
IMPUSERAM-SE na Europa as músicas atonal e dodecafônica. Artigo em jornal [s.t.; s.l.] [1949].
77
Ele se referia a foto do seu acervo pessoal que cedeu à autora do presente trabalho. Ver Anexo, nº 6.
78
Em entrevista á autora do presente trabalho (21/08/2008).
62

Fervoroso defensor do nacionalismo, o compositor Camargo Guarnieri divulgou ao final de

1950 a 'Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil', onde evidenciava seu ponto de vista e sua

preocupação com os novos rumos da música brasileira, que suscitou veementes polêmicas sobre as

dicotomias: nacionalismo x universalismo; popular x erudito; tonal x serial. Eram questões que já

vinham ganhando força entre os músicos brasileiros e culminaram numa divisão ideológica entre os

membros do Grupo Música Viva (KATER, 2001, p. 26), que esvaziaram ou mudaram suas convicções

pró vanguarda musical. Nesse ambiente tenso e dividido, as ideias e o empenho de Koellreutter não

foram suficientes para manter o Grupo coeso e, assim, o serialismo dodecafônico foi enfraquecendo no

cenário da música brasileira.

Relembrando aqueles momentos, a professora Leonor Scliar-Cabral, expôs sua visão acerca

dos conflitos político-ideológicos entre conservadores e vanguardistas que afetaram as concepções

artística e geraram conflitos em Esther, dividida entre as suas concepções ideológicas e o seu

interesse em novas opções estéticas:

Porque acontece o seguinte, a música é uma manifestação cultural, ela faz parte da
cultura como outros pilares: a linguagem verbal, os mitos, a religião, as outras
linguagens como a pictórica, a escultura e a arquitetura. Enfim, todos esses pilares
fazem parte da cultura, e a música também nela se insere. [...] Houve teóricos da
estética como Zhdanov79 e Lukács80 que exerciam um verdadeiro patrulhamento
sobre a arte de vanguarda, classificando-a como arte decadente, porque expressava
a vontade das classes dominantes. Por exemplo, a música dodecafônica, nas artes
plásticas o cubismo, eram execrados. Hoje, mais à distância, pode-se verificar o
caricato que existe nessa interpretação: não podemos explicar que uma
determinada escola estética seja o reflexo em espelho das intenções e da vontade
de uma classe dominante. Por que nós poderíamos afirmar que um Schöenberg ou
um Alban Berg fosse porta-voz de uma classe dominante? Isso é uma conclusão
caricata. Mas a Esther foi muito atormentada por isso, porque, no fundo, ela deve ter
percebido o caricato desse “posicionamento”: nem se pode chamar isso de teoria,
porque de teoria isso não tem nada! Como ela tinha tido uma formação em
dodecafonismo que foi muito importante para sua formação, quando esteve na
Europa, e como ela queria estar, por um lado, refletindo o que acontecia de mais
avançado na música, não poderia estar compondo música conforme um
Tchaikovsky [...] Então, o que acontecia era que ela sentia esse atraso em relação
aos avanços das novas formas musicais. Inclusive, ela chegou mais adiante à
questão da eletroacústica na música, que é mais um instrumento da tecnologia

79
Andrei Zhdanov - Ucraniano aliado a Stalin em 1915, ajudou a desenvolver a política cultural e participou da criação da
União Soviética dos Escritores e da doutrina do Realismo Socialista.
80
Georg Lukács - filósofo húngaro, dedicou-se ao desenvolvimento das ideias Leninistas no campo da filosofia. Sua obra, a
coletânea de ensaios "História e Consciência de Classe" (1923), era resultante de um esforço por prover o leninismo numa
melhor base filosófica do que a estruturada pelo próprio Lenin.
63

colocado à disposição para você explorar novas formas musicais, é claro. Mas isso
entrava em conflito com a famigerada ideia de que esse tipo de composição era
obra das classes dominantes. Então, isso atormentou muito a Esther, mais na parte
da composição. 81

Em 1960, Esther buscou orientação para suas composições com Edino Krieger, e recebeu o

1º Prêmio no Concurso Nacional de Composição do programa Música e Músicos do Brasil, com a obra

Sonata para Piano, em 1961. No ano seguinte, retoma as orientações composicionais com Cláudio

Santoro, produzindo para coro, voz, cordas, músicas para teatro e cinema. E, ingressou também como

corista no Coro da Rádio MEC no Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1968. Contudo, ela convivia

com dramas que afligiam seu desenvolvimento composicional, sobre os quais Edino Krieger diz ser

Esther "uma pessoa muito exigente, muito meticulosa. Ela ia muito fundo em todas as questões",

especialmente no ato de compor, e acrescenta:

Ela gostava de esmiuçar as coisas, era muito detalhista... isso aí também na parte
de criação dela. Foi sempre uma vantagem e uma desvantagem, porque ela tinha
um senso crítico terrível e uma auto-crítica violentíssima! [...] Porque, realmente, no
período que a gente... enfim, ela não estudou comigo, na verdade... ela me
mostrava os trabalhos dela e a gente via juntos... Mas, para arrancar da Esther um
acordo de que aquilo que ela fez estava bem feito, estava bom, era muito difícil...
fazer com que ela progredisse numa peça... Durante um tempo que trabalhamos
juntos, se não me engano, uma Sonata para piano, que veio a ser premiada, eu me
lembro a luta que era... Ela mesma tocava ao piano e criticava. Eu dizia: “Esther,
isso tá bom!”. Ela era uma pessoa muito crítica! Crítica em relação ao trabalho dela
e em relação a ela própria! Ela sofria muito com isso...82

A autocrítica de Esther poderia ser entendida como uma espécie de defesa diante dos

conturbados pensamentos estéticos predominantes naquele período. O depoimento do Aylton Escobar,

compositor e maestro, descortina aquela fase de expressiva importância para a história da arte musical

no Brasil com o olhar de quem esteve próximo:

Os anos 50 foram de vital importância para a música no Brasil. os conflitos


deflagrados desde o início dessa década, na área de produção artística, puseram
sobre um vivo palco, vigorosos personagens. Era a crise do Serialismo em nosso
meio musical, eram as "cartas abertas" de repúdio à sua infiltração na orientação de
jovens compositores e intérpretes, era o impasse sofrido pelos retardatários
seguidores da II Escola de Viena, era o tempo de revisão desses esforços sob a
81
Em entrevista à autora do presente trabalho (16/07/2008).
82
Em entrevista à autora do presente trabalho (21/08/2008).
64

oratória incendiária de Zhdanov "de corpo presente" diante do jovem, inquieto e


talentoso Cláudio Santoro.
Koellreutter experimentaria uma sensível mudança no cenário humano de suas
classes: seus antigos e excelentes alunos agora partiriam em busca de elos
perdidos e suas próximas páginas de música iriam se expressar de modo bem
diverso à técnica dos doze sons: era a música que muito mais gente podia apreciar
e entender participativamente.
Cabeças de músicos privilegiados andavam mexidas pela nova demanda estética
que desejava o trabalho criador não como mero adorno de valor apreciável apenas
por grupos restritos, mas como depósitos responsáveis por uma cultura em
desenvolvimento. Esther Scliar foi um dos protagonistas dessa reviravolta ao lado de
ilustres companheiros: Cláudio Santoro, Edino Krieger, César Guerra-Peixe, Eunice
Katunda... Esther retirou dessa crise e emaranhado de paradoxos algum brilho,
alguma efervescência para a sua criação e atuação pedagógica. (ESCOBAR, apud
MACHADO, 2002, p. 143 )

Como herança daquele período, está disponível uma grande variedade de obras

dodecafônicas de compositores brasileiros que nos brindaram com seus talentos - para as quais sugiro

apreciação -, contudo, destaco aqui algumas das composições de Esther Scliar sob as técnicas de

construção dodecafônica: Movimento de Quarteto (1966) para quarteto de cordas; a trilha sonora para

o filme ‘A Derrota’ (1966); A Busca da Identidade entre o Homem e o Rio (1971) e Sentimento del

Tempo (1973), ambas para coro a 4 e 6 vozes, respectivamente. Em 1966, Scliar comenta com

tranquilidade o uso que fez da técnica dodecafônica para produzir o efeito desejado na premiada trilha

sonora do filme ‘A Derrota’:

Trabalhei a música na técnica dodecafônica porque vi nesta técnica a que melhor


traria o clima pedido pelo diretor... A música dodecafônica, por fugir aos apoios de
certos tons – pois usa, equivalentemente os 12 tons – propicia o clima de
permanente tensão, de suspense, necessário a estimular a observação do
espectador. (SCLIAR, apud HOLANDA, 2006, p.48)

Sua última composição concluída foi 'Intermorfose', apresentada em 1977, no 1º Panorama

de Música Brasileira e na II Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no Rio de Janeiro.


65

2.2.3 Música eletroacústica

Várias foram as pesquisas desenvolvidas pela vanguarda musical na exploração de sons a

partir da utilização de outros materiais como fontes sonoras. A denominação música concreta surgiu

com base no trabalho desenvolvido por Pierre Schaeffer. Sua obra Introduction à la musique concrète,

utilizou técnicas para gravação e reprodução dos sons. Os objetos sonoros utilizados na composição

incluíam: seis locomotivas com vozes pessoais, pára-choques e maquinistas - regidos por Schaeffer -

combinados com sons pré-gravados de vagões em movimento; uma orquestra amadora - respondendo

à chamada de afinação de um lá de clarinete -, ornamentos, combinados com improvisações

pianísticas de Jean-Jacques Grunenwald, ao vivo, no estúdio; Boulez, ao piano, em harmonizações

clássicas, românticas, impressionistas e atonais de um tema dado, que foram cortadas e montadas

(PALOMBINI, 1999). Quanto à conceituação de música concreta, Pierre Schaeffer expõe:

Nós chamamos nossa música de música “concreta” porque ela se constitui a partir
de elementos pré-existentes, tomados de qualquer material sonoro, seja ele ruído ou
som musical, depois composto experimentalmente por uma construção direta,
chegando a realizar uma vontade de composição sem o auxílio, tornado impossível,
da notação musical comum. (SCHAEFFER apud GUBERNIKOFF, 2005, p. 22)

O desdobramento daquelas pesquisas associado ao advento do gravador de fita magnética

possibilitou a criação de som eletronicamente. Assim, a música eletrônica surgiu no início dos anos 50,

especialmente, através de Stockhausen83. Suas composições 'Studier I' e 'II' influenciaram nas

composições por meio eletrônico e no surgimento do sintetizador e dos programas para composição

através de computadores, que facilitavam o controle e a geração de sons.

A partir da integração da música concreta e da música eletrônica, os equipamentos

desenvolvidos com as novas tecnologias para estúdios analógicos e digitais passaram a ser utilizados

na música eletroacústica. Sobre esse entrosamento, Rodolfo Caesar traz detalhes técnicos:

o estúdio 'analógico' da nova 'música eletroacústica' ficou relativamente


homogeneizado, compondo-se de: microfones, gravadores, amplificadores, mixers,
sintetizadores, filtros, reverberadores e outros módulos de transformação de sons
83
O compositor Karlheinz Stockhausen foi aluno de Olivier Messiaen e participou das investigações de Schaeffer com sons
concretos.
66

como delays, flangers, harmonizers. Todos esses aparelhos vieram a ser


manualmente controlados em tempo real, acionados por potenciômetros, switches,
pedais e teclados" (CAESAR, 1997, p.1).

Gubernikoff (2005, p.18) entende que o músico deve transcender o domínio técnico -

fundamental no processo - em direção à compreensão da arte imersa na realidade em que está

inserida:

O que permanece na música eletroacústica não é a decifração de sua forma, nem a


descrição de seus elementos constitutivos, nem mesmo as técnicas empregadas
com computadores e seus programas genéricos. A única maneira que encontramos
para expressar esta arte do século XX é procurar seu análogo em outras formas do
pensamento contemporâneo, cumprindo o vaticínio de que a obra de arte deve
corresponder às necessidades tecnológicas, técnicas e estéticas de seu tempo .

A musicista Esther Scliar valorizava a exploração do conhecimento musical em todos os

campos do conhecimento, incluindo a eletroacústica. E, segundo Escobar, "estimulou as compositoras

Vânia Dantas Leite e Marlene Migliari Fernandes, entre outros, à sistematização da música por

princípios ditados pelo avanço tecnológico"84.

2.2.4 Relevos da Música Popular Brasileira

A Música Popular Brasileira do século XX viveu o período mais diversificado da sua história,

caracterizado por variedade de estilos e grandes talentos, dentro do cenário sócio-político determinante

no processo de manifestação da arte no País. Nesta seção, “olhares” são lançados sobre alguns

pontos em relevo daquele cenário musical, de onde alguns nomes surgirão a partir do critério:

representatividade dentro do estilo. Os dados a seguir têm por limite a década de 70, considerando o

final da vida de Esther Scliar.

No início do século XX surgiram as bases do samba como resultado da mistura de batuques

das rodas de capoeira, dos pagodes e das batidas de terreiros. Em 1917, Ernesto dos Santos, o

ESCOBAR, Aylton. In: SCLIAR, Esther, 1926-1978. Elementos de teoria musical, 2ª edição. S. Paulo: Ed. Novas Metas,
84

1985, p. VII (Prefácio).


67

Donga, compôs o primeiro samba gravado: 'Pelo telefone'. Naquela mesma época, Pixinguinha

destacou-se como compositor e arranjador de muitas obras. O cenário musical brasileiro não resistiu às

influências do estilo jazzístico, desencadeando a "onda de americanização" no início dos anos 20.

Tinhorão (1998, p. 254) vem afirmar que "multiplicaram-se por todo o país, a partir de 1923, os adeptos

do estilo jazz", assim como a música popular americana, principalmente entre as classes brasileiras

média e alta.

Nos anos 20 e 30, o rádio foi fundamental na difusão musical, oferecendo destaque à música

popular brasileira. O samba foi ganhando espaço cada vez maior no gosto popular, quando do bairro do

Estácio, Rio de Janeiro, surgiram alguns blocos carnavalescos que se organizaram para obterem

autorização para brincarem o carnaval, trazendo para a avenida "um samba mais próximo das

batucadas refugiadas em locais de diversão popular, diferente dos que chegavam aos discos até

então." (TRAVASSOS, 2000, p. 60). Figuraram no cenário do samba carioca, músicos que alcançaram

grande reconhecimento nacional, e até internacional, como Ari Barroso, primeiramente com 'Aquarela

do Brasil' e, posteriormente, com a premiada trilha sonora de 'Você já foi à Bahia?', encomendada pelos

estúdios Disney. O samba bem humorado e romântico de Noel Rosa foi ganhando notoriedade.

Lamartine Babo foi reconhecido por diversas marchinhas carnavalescas e pelos hinos de 11 times

brasileiros de futebol.

A política de Getúlio incentivava e apoiava a divulgação da música e dos artistas populares

em diferentes estilos, são exemplos: Alvarenga e Ranchinho, com músicas caipiras regadas de bom

humor e sátira política que alcançaram renome nacional; os sambas de Lupicínio Rodrigues e Ataúlfo

Alves; as músicas de Dorival Caymmi que exaltavam o cenário baiano.

Na segunda metade dos anos 40, Luís Gonzaga ganhou o título de "O Rei do Baião" por

cantar o cenário nordestino ao ritmo do baião, popularizando este estilo musical em composições que

contavam, muitas vezes, com a parceria de Humberto Teixeira. Este, por sua vez, em 1950, foi parceiro
68

no 1º LP de Sivuca, acordeonista que também alcançou projeção internacional com uma proposta

híbrida e mais eclética entre: frevo, choro, baião, blues e jazz.

Nos anos 50 Jackson do Pandeiro, “O Rei do Ritmo", compunha sambas com raiz nordestina.

Assim, o samba foi ganhando "outros temperos" e agregando elementos que o concederam novas

denominações. Sobre a junção entre a tradição do choro com o samba, José Tinhorão (1998, p. 296)

justifica que esse foi um "casamento musical" bastante fecundo:

pela valorização da melodia, os conjuntos regionais podiam chegar ao samba-


canção, e pela mistura do fraseado do choro e o apoio rítmico do acompanhamento
do samba, ao samba-choro e ao samba-de-breque (na verdade, o samba choro
quebrado a espaços por paradas súbitas, a que se interpolam palavras isoladas e
até frases inteiras, aproveitando os intervalos rítmicos).

Se, por um lado, o sentimento nacionalista incentivava a divulgação da variedade estética da

música brasileira, por outro, em meados dos anos 40, a influência americana era cada vez maior na

cultura brasileira, quando os meios de comunicação, especialmente o rádio e o cinema, foram grandes

aliados nesse processo, iconizando o “estilo americano de viver”.

Os novos alinhamentos políticos do pós-guerra definem uma série de alianças


automáticas do Brasil com os Estados Unidos. A presença dos norte-americanos
passou a ser fortíssima na reformulação do imaginário desta província-ultramarina,
não somente pelos filmes e historias em quadrinhos, mas sobretudo na concepção
de política, de sociedade (o american way of life) e de cultura. Imperava a cultura de
seleções, formada na leitura da revista "Seleções" do Reader's Digest, em largos
segmentos das classes medias. Os principais educadores e políticos viviam com os
olhos voltados para o hemisfério norte, quando modernos, lendo John Dewey. Era
um tempo em que, em São Paulo, encontravam-se Braudel e William Faulkner para,
com Roger Bastide, Florestan Fernandes e Paulo Duarte, discutirem as "resistências
à modernização". Enquanto músicos brasileiros não hesitavam em adotar nomes
norte-americanizados como Bill Farr, Johnny Alf e Dick Farney. (MOTA, 1990, p. 21)

Convivendo, simultaneamente, nesse diversificado cenário musical, o samba-canção foi

ganhando espaço no gosto "refinado" daqueles que se identificavam com os estilos das músicas

internacionais. Dick Farney, pianista e cantor, apelidado "voz de travesseiro", que até então priorizava

repertórios influenciados pelo jazz e inspirados nas canções de Nat King Cole e Frank Sinatra, foi
69

transformado num ídolo através da Rádio Nacional, quando gravou o samba-canção 'Copacabana'

(João de Barro e Alberto Ribeiro) que se tornou referência para o estilo. Farney e Lúcio Alves, traziam

uma forma de cantar suave e "natural" que veio de encontro ao gosto popular e influenciou outros

músicos, desdobrando-se nas ideias do que viria a ser a Bossa Nova. Naves (2000, p. 36) aponta:

Lyra [Carlos Lyra] admite que desperta para a música ouvindo os sambas-canções
interpretados por Dick Farney, e que começa a sua carreira musical compondo
neste gênero, como é o caso de Quando chegares e mesmo de Minha namorada,
meio samba-canção, uma espécie de música de transição para a bossa nova.

No final da década de 50 surge a Bossa Nova85 com uma proposta sofisticada e suave,

reunindo releituras do samba e harmonias utilizadas com frequência no jazz. Compositores,

instrumentistas e letristas participaram efetivamente na construção desse novo estilo musical, que

trazia uma maneira peculiar de interpretação e passava ao ouvinte a sensação de intimidade

representada por voz suave em diálogo com o instrumental (NAVES, 2000, p. 35-36). Um dos maiores

expoentes no início da Bossa Nova foi João Gilberto com sua interpretação das músicas que se

tornaram emblemas daquele momento: Desafinado, Samba de uma nota só e Chega de Saudade (T.

Jobim/V. Moraes). Sobre a construção desta última, Tom Jobim disse: "A bossa nova de Chega de

saudade está quase toda na harmonia, nos acordes alterados, pouco utilizados por nossos músicos da

época, e na nova batida de violão executada por João Gilberto"86. Em novembro de 1962, o concerto

no Carnegie Hall, Nova Iorque, marcou a importância da Bossa Nova para o cenário internacional.

Esther Scliar foi mestra de alguns expoentes daquele movimento, e ainda, uma admiradora

do estilo, como expôs Aylton Escobar (ESCOBAR apud MACHADO, 2002, p.144):

Esther apreciava as construções harmônicas do jazz encontradas na Bossa Nova,


exaltava sobretudo o valor poético dos textos de algumas canções e simpatizava
com a singeleza das suas linhas melódicas, além da nova maneira de cantá-las.

85
Para maiores informações desse estilo: CASTRO, Rui. Chega de saudade: a história e as histórias da bossa nova. Rio
de Janeiro: Cia das Letras, 1990.
86
SEVERIANO, Jairo, HOMEM DE MELLO, Zuza. A canção no tempo. vol. 2. São Paulo: 34, 1998, p. 20-22 Em:
www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?nome=Bossa+Nova&tabela=T_FORM_C. Acesso: 28/06/2009
70

Desde o início dos anos 60 até o Golpe Militar, o Brasil viveu um período de profusão cultural

tanto na música quanto nas artes cênicas. O testemunho do escritor, roteirista e dramaturgo Izaías

Almada (ALMADA apud RIDENTI, 2000, p. 38) oferece uma perspectiva daquele momento:

Eu comecei a participar ao mesmo tempo em política e em cultura, numa fase


efervescente, em que eu poderia participar, fazendo alguma coisa. Era mesmo uma
procura de identidade cultural para o país; todo mundo gostava de ser brasileiro
porque a Bossa Nova, o Cinema Novo, o mundo inteiro conheceu. O Brasil ganhou a
Palma de Ouro em Cannes, em 1962, com 'O pagador de promessas'; o teatro
estava sempre cheio, aquilo dava uma alegria muito grande. Havia um orgulho em
ser brasileiro naquele momento. Eu não deixei de ter esse orgulho, mas, hoje, estou
muito machucado, ferido por uma série de coisas que aconteceram no país após
esses anos. [...] O espírito que favoreceu o florescimento daquela atividade política e
cultural devia ser recuperado nos modelos de hoje, discutido na realidade atual.

O regime militar impunha uma censura rígida, e a música passou a ser o meio pelo qual as

contestações àquele regime se manifestavam. Os festivais das canções promovidos pela TV Record de

São Paulo, em meados dos anos 60, evidenciaram o caráter politizado das músicas. Sobre a ação

daquele regime político, Napolitano (2004, p. 107) afirma que os “observadores” a serviço da ordem

política dedicavam-se muito mais ao ambiente da MPB, que o julgavam ser um dos “principais meios

de cisão psicológica sobre o público, desenvolvida por um grupo de cantores e compositores de

orientação filo-comunista, atuando em franca atividade nos meios culturais.”87. Os festivais das canções

eram atentamente vigiados, assim como seus intérpretes e compositores.

O Tropicalismo surgiu a partir das propostas de Caetano Veloso e Gilberto Gil no 3º Festival

da Música Popular Brasileira com as músicas 'Alegria, alegra' e 'Domingo no parque' que manifestavam

suas críticas sociais, evidentemente, não aceitas pelo então regime, ainda que não tivessem uma

intenção politicamente definida, conforme foi declarado por Gilberto Gil: "O tropicalismo surgiu mais de

uma preocupação entusiasmada pela discussão do novo do que propriamente como movimento

organizado."88. Para Tinhorão (1998, p. 236), a incompreensão militar manifesta na prisão de Gil e

87
SSP/RJ. Informe Reservado, 8/1/1968, Fonte: APERJ, em NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura
musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política (1968-1981). In: Revista Brasileira de História. vol. 24, nº
47, p.103-126. São Paulo: 2004.
88
Entrevista de Gilberto Gil a Augusto de Campos, 2ª ed. São Paulo, Perspectiva, 1974, p. 193, apud FAVRETO, Celso.
Tropicália: Alegoria, Alegria. São Paulo: Ateliê editorial, 2000, p. 19.
71

Veloso não esvaziou o papel do Tropicalismo como vanguarda musical em direção à brasilidade,

evidenciando a "retomada da linha evolutiva" .

Os teatros, Jovem e Opinião, eram centros de discussão e integração entre músicos de

formação erudita e popular, intelectuais e artistas de outras áreas. Ali se apresentavam Turíbio dos

Santos, Jacob do Bandolim e outros, onde o espetáculo 'Rosa de Ouro' lançou Clementina de Jesus

em meados de 60. Segundo Paulinho da Viola (VIOLA, apud MACHADO, 2002, p. 192), Esther Scliar

frequentava esse ambiente de integração artística e "tinha um trânsito muito grande na área de música

popular porque muitos artistas da música popular começaram a estudar com ela, muitos interessados

em conhecer música". Contudo, tais encontros não foram tolerados pela polícia, e as reuniões

suspensas, mas os sambistas e simpatizantes continuavam a frequentar as rodas de samba para

"saborearem" o convívio e a essência musical.

Em 1965, a TV Record lançou o programa musical comandado por Roberto Carlos, Erasmo

Carlos e Wanderléa, conhecido como o movimento 'Jovem Guarda'89, que introduziu um estilo musical

influenciado pelo beat-rock dos anos 60, incluindo os Beatles, denominado 'Iê-iê-iê', cujas músicas

traziam como tema uma dose de romantismo aliada a uma rebeldia discreta, sem qualquer

comprometimento político. Uma forte estrutura de marketing - através das mídias impressas,

radiofônicas e televisivas - impulsionava a marca registrada Calhambeque (TINHORÃO, 1998, p. 337)

e, assim, influenciava o consumo de diversos produtos com aquela marca nas camadas populares.

Hermeto Paschoal, ícone brasileiro na música experimental - híbrida de estilos brasileiros e

estrangeiros - de penetração popular, trouxe uma proposta vanguardista de exploração timbrística

onde se percebe heranças da música concreta e da música eletroacústica, e do conceito de paisagem

sonora.

Na MPB da década de 70, já se enxergava a influência do rock que chegava ao Brasil sob a

perspectiva dos festivais americanos, especialmente, Monterrey e Woodstock. Os padrões estéticos

89
Para maiores informações, consultar o site oficial www.jovemguarda.com.br . Acesso em 19/12/2008
72

instrumentais, vocais e cênicos, foram mesclados aos elementos nacionais evidentes em:

Gonzaguinha, Ivan Lins, Raul Seixas, Gal Costa, Maria Bethânia, Djavan, Fafá de Belém, Belchior,

Fagner, Alceu Valença, Elba Ramalho, Secos e Molhados, Rita Lee e os Mutantes.

Esther Scliar, no cenário da música popular, mantinha uma relação de proximidade com seus

alunos, dentre esses, músicos experientes e já renomados como, por exemplo: Paulo Moura, Edu

Lobo, Paulinho da Viola, Jards Macalé e Egberto Gismonti90. Considerando o término da vida de Esther

Scliar em 1978, encerro esta seção ressaltando a compreensão musical de Esther Scliar e sua visão

não-excludente, conforme uma de suas poucas declarações: “não tenho preconceitos com música

popular, cuja vitalidade e motivos são, muitas vezes, o elemento básico da composição erudita.”91

• OBRAS DE ESTHER SCLIAR92

COMPOSIÇÕES PARA VOZ:

Sem data:

− Abra a porta - 2 vozes (coro infantil) – sobre folclore espanhol


− Baiano do Boi - 2 vozes (coro infantil) – bumba meu boi - sobre folclore do Rio Grande do Norte
− Colonha - 2 vozes (coro infantil) – sobre motivo pernambucano
− Girassol - 2 vozes (coro infantil) – polka-lundu - sobre folclore mineiro
− Lá vai a Garça - 2 vozes (coro infantil) – folclore nordestino
− Ó, ó menino, ó - 2 vozes (coro infantil) – cantiga de embalar - sobre folclore português
− Spanish ladies - 2 vozes (coro infantil) – sobre folclore inglês
− Pequena Suite Infantil:
Ao sair da lua - Coro
Chô, chô, passarinho - Coro
Eh boi bonito, eh boi bumbá - Coro
Pai João entrou na roda - Coro
Borboleta enamorata - Solo – sobre tema de Geny Marcondes
90
PAZ, Ermelinda A. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX – Metodologias e Tendências. Brasília: Editora
MusiMed, 2000.p. 79
91
HOLANDA, Joana Cunha de. Eunice Katunda (1915-1990) e Esther Scliar (19261978): Trajetórias Individuais e
Análise de ‘Sonata de Louvação’ (1960) e ‘Sonata para Piano’ (1961). Porto Alegre: UFRGS, 2005. Dissertação
(Doutorado em Música), p .61.
92
MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p. 27-
35.
73

Senhora que o velho quer acordar - Solo – sobre tema de Geny Marcondes
− A gotinha - 2 vozes (coro infantil) – versos: Lucia Candall
− Lua, Lua, Lua - 2 vozes (coro infantil) – versos: Lucia Candall (2ª versão)
− Na gangorra - 2 vozes (coro infantil) – versos: Lucia Candall (2ª versão)
− Olha a palma do coqueiro - 2 vozes (coro infantil) – folclore
− Carolin Cacao - 3 vozes (coro infantil)
− Eu plantei a cana - 3 vozes (coro infantil) - canto de engenho de açúcar (2ª versão)
− João Pestana - 3 vozes (coro infantil) – (2ª versão)
− Vamos à Loanda - 3 vozes (coro infantil ou feminino; 2 flautas block soprano) – maracatu –
sobre folclore pernambucano
− Zumba, Zumba la Pandereta - 3 vozes (coro infantil) – folclore espanhol

Em 1950:
− Ao sair da lua - 3 vozes (para Sopranos, Meio-sopranos e Contraltos)

Em 1952:
− A pedrinha vai - 4 vozes (Soprano, Contralto, Tenores e Baixos)

Em 1953:
− Beira Mar - 4 vozes - sobre um ponto de macumba
− Maracatu Elefante - 4 vozes - sobre uma melodia de Capiba
− Vira Moenda - 4 vozes
− Dorme-dorme - 4 vozes
− Papagaio louro – Sopranos (com flauta e piano) - poesia: Geny Marcondes
− Flor da noite – Contraltos e Tenores (com piano) - poesia: Geny Marcondes
− Acalanto – Sopranos (com piano e glockenspiegel) - poesia: Geny Marcondes
− Oração à manhã – Coro (com metais, harpa e percussão) - poesia: Geny Marcondes
− Por sete mares - Contralto (com flauta, saxofone, harpa e piano) - poesia: Geny Marcondes
− Uma, duas angolinhas - Vozes (com flauta, clarineta e fagote)
− Toada de Nanã - Vozes (com instrumental infantil) - 1ª e 2ª variações
− No Parque: I. A gangorra; II. Carrossel; III. Amarelinha - Coro infantil a 2 vozes - versos: Lucia
Candall
− Romeiro de S Francisco - 4 vozes
− Si quizieras que cantemos - 4 vozes
− La Virgen de las Mercedes - 4 vozes - adaptação da obra de Hans Helfritz

Em 1954:
− A Esquila - Voz (com piano) - poesia: Laci Osório
− Novos Cantares - Voz (com piano) - poesia: Garcia Lorca
− Boiadeiro - Voz (com piano) - sobre toada de barqueiro
− 1ª Modinha: O Perigo - Voz (com piano) - poesia: Langston Hughes
− 2ª Modinha: Nada mais que a alma de uma rosa - Voz (com piano) - poesia: Juan Ramón Jiménez
− Eu plantei a cana - 3 vozes - folclore brasileiro
− João Pestana - 2 vozes
74

Em 1956:
− Eu fui chamado pra cantar no limoeiro - 4 vozes (com cordas e piano) – sobre um tema folclórico

Em 1957:
− Cantiga do Cacau - 4 vozes – sobre um motivo de plantadores

Em 1962:
− Menino ruivo - Coro misto a capella – poesia: Reynaldo Jardim
− Desenho Leve - 4 vozes
− Canção da Terra - Música de cena da peça “Quatro séculos de maus costumes” - Voz (com flauta,
clarineta, fagote, viola, violão, piano e glockenspiegel).

Em 1963:
− Música de cena da peça “As famosas Austurianas” - Voz (com flauta, clarineta, fagote, viola, violão,
piano e glockenspiegel).
− Tiridum das profecias – Musica da peça “Uma mulher de gravata” - 4 vozes

Em 1964:
− Canto menor com final heroico - 4 vozes – Poesia: Reynaldo Jardim

Em 1965:
− Lua, Lua, Lua - 4 vozes – Poesia: Lucia Candall
− Pachamana - 4 vozes – Sobre motivo Inca
− Para Peneirar - 4 vozes
− Entre o ser e as coisas - Voz (com piano) – poesia: Carlos Drummond de Andrade

Em 1971:
− Busca da identidade entre o Homem e o Rio - 4 vozes - poesia: José Carlos Capinam

Em 1973:
− Sentimento del Tempo - 6 vozes (Soprano, Meio-soprano, Contralto, Tenor, Barítono e Baixo) –
poesia Giuseppe Ungaretti

Em 1974:
− Ofulú Lorerê ê - 4 vozes – sobre canto de Oxalá (candomblé, Bahia, coletado por Camargo
Guarnieri) – finalista do 1º Concurso Nacional e Composições e Arranjos Corais, B. Horizonte/MG.

Em 1976:
− Praia do Fim do Mundo - coro a 3 vozes iguais – poesia: Cecília Meireles – encomenda da Rádio e
Jornal do Brasil (V Concurso de Corais, RJ)

− Toada de Gabinete - coro a 3 vozes iguais – sobre motivo dos violeiros da Paraíba - encomenda da
Rádio e Jornal do Brasil (V Concurso de Corais, RJ)
75

COMPOSIÇÕES PARA OUTROS INSTRUMENTOS:

Em 1953:
− Bumba meu boi - 3 flautas block soprano, piano, glockenspiegel soprano sib, glockenspiegel
contralto fa#, xilofone contralto, xilofone baixo sib, metalofone contralto, tímpano, atabaque, grande
pandeiro, tamborim, bloco chinês, maracá, reco-reco e caxixi.

Em 1954:
− Duas toadas para piano - piano solo – não localizada até o momento.

Em 1957:
− Abertura da peça Guerras do Alecrim e da Mangerona e orquestração da música de Geny
Marcondes para os demais atos - flauta, fagote, violoncelo, cravo, glockenspiegel e caixa clara.

Em 1960:
− Sonata para Flauta e Piano
− A Marcha dos Deputados - orquestração da música de Geny Marcondes para o documentário
'Revolução na América do Sul' (Obra ainda não localizada).

Em 1961:
− Sonata para Piano – 1º Prêmio no Concurso Nacional de Composição – MEC (RJ).

Em 1962:
− Prelúdio da peça 'Auto da Barca do Inferno' – piccolo, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetas
sib, clarineta baixo sib, 2 fagotes, contrafagote, saxofone alto mib, 3 trompas fá, 2 trompetes sib, 2
trombones, tuba, 1º e 2º violinos, violas divisi, violoncelos, contrabaixo, harpa, celesta, piano,
glockenspiegel, xilofone, tímpanos sib e mi, tantã médio, grande pandeiro médio, caixa
surda,gonguê agudo e médio, pratos, triângulo, woodblock chinês, crótalos, reco-reco e 2 caxixis.
Música de cena para a peça 'Uma Mulher de Gravata' (obra ainda não localizada).

Em 1966:
− Movimento de Quarteto - quarteto de cordas
− Trilha sonora do filme 'A Derrota' - flauta, flautim, oboé, clarineta sib, fagote, trompa fá, piano,
glockenspiegel soprano, xilofone contralto, 2 xilofones baixo, metalofones soprano e contralto,
tímpano, sininho, triângulo, grande pandeiro, agogô, chicote, bloco chinês, bateria, bombo, claves,
caxixi, caixa clara, caixa, grande caixa e grande bloco – prêmio de “Melhor Música” na II Semana
do Cinema Brasileiro (Brasília/ DF).

Em 1973:
− Trilha para curta metragem - flauta block soprano, flauta doce baixo, viola, violoncelo, violão,
piano, xilofone contralto, metalofone contralto, bongô, bloco chinês, jogo de sinos contralto e guizo
(obra ainda não localizada).
76

Em 1976:
− Estudo nº 1 para Violão.
− Imbricata - flauta, oboé e piano.

Em 1977:
− Intermorfose - flauta em sol, corne inglês, clarineta em sib, fagote, trompa fá, 2 violões e piano.

Em 1978:
− Invenção a Duas Vozes – saxofone soprano e saxofone alto (obra inacabada).

PUBLICAÇÕES PÓSTUMAS

− Fraseologia Musical (1982) - Editora Movimento – Porto Alegre/RS.


− Elementos de Teoria Musical (1985) - Editora Novas Metas – São Paulo/SP.
− Análise de Density 21,5 de Varèse – Editora Athanor – Florianópolis/SC.
− Caderno de Exercícios de Teoria Musical (1987) – Editora Novas Metas - São Paulo/SP.
− Solfejos Progressivos (2002) – Editora Goldberg – Porto Alegre/ RS.
77

3. O PERFIL DA EDUCADORA

O ato de educar compreende a transmissão do saber, mediante a aplicação de métodos,

próprios ou não, para assegurar a formação e o desenvolvimento intelectual, físico e moral de uma

pessoa. A utilização de estratégias mais eficazes, normalmente, corresponde à experiência, ao domínio

do conteúdo e à vocação do educador. O dicionário Houaiss93 da língua portuguesa conceitua vocação

como “disposição natural e espontânea que orienta uma pessoa no sentido de uma atividade, uma

função ou profissão”. Tal atributo parecia permear a atividade docente de Esther Scliar, cujo

reconhecimento é evidenciável em vários depoimentos de seus ex-alunos, dentre eles, o violista e

professor, Paulo Bosísio:

O que eu mais achava extraordinário na Esther como professora era a capacidade


que tinha de ensinar a qualquer pessoa, independente do seu preparo musical. […]
Acredito que, quem estudou com a Esther, aprendeu a pensar diferente em relação
à obra musical. Isso deixou marcas profundas em todos nós.94

Este capítulo tem por propósito destacar os principais traços característicos do perfil

pedagógico da professora Esther Scliar, com base nos testemunhos de pessoas próximas a sua

atividade docente. Desta forma, os aspectos identificados dialogam com a literatura, especialmente, no

referencial teórico que fundamenta a interpretação do perfil pedagógico de Esther Scliar: a Pedagogia

Progressista Crítico-Social dos Conteúdos, conforme o autor José Carlos Libâneo (1990).

Sua irmã, Leonor Scliar-Cabral, em depoimento à autora do presente trabalho, diz que a

atividade de ensino fazia parte do projeto primordial de Esther, motivo pelo qual se dedicou à

elaboração de várias apostilas95 - teóricas e de exercícios - e ao trabalho personalizado na estruturação

das aulas e das avaliações. Seus alunos reconheciam o empreendimento pedagógico de sua mestra,

como exemplifica a pianista e professora Maria Clara Gebara:

93
Dicionário Eletrônico Houaiss, Versão Intranet - Multiusuário, 2003
94
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
115.
95
Construídas no período em que lecionou nos Seminários Pro Arte, quando coordenadora das matérias teóricas. Tais
apostilas formaram o material para publicação das obras póstumas, relacionadas no capítulo 2 deste trabalho.
78

Nas aulas tudo era muito preparado, havia muito investimento por parte de Esther.
Os trabalhos eram individualizados. […] Havia um comprometimento tão grande da
parte dela, que todos produzíamos muito, ninguém deixava de fazer as tarefas.96”

Esther Scliar era reconhecida por muitos ex-alunos como mestra extremamente generosa,

interessada, afetiva, dedicada e capaz. O depoimento do músico Edu Lobo 97, reitera: “As lembranças

que tenho de Esther são as melhores possíveis: excelente professora, engraçada, afetiva, dedicada.

Tudo de bom! […] Para mim, o sucesso do método era ela própria, carinhosa, exigente e dedicada.”.

Estes traços ganharão maior clareza a partir dos testemunhos apresentados ao longo deste capítulo.

O profundo conhecimento musical associado a uma comunicação clara compunham o

diferencial que atraiu muitos alunos às suas salas de aula, conforme o jornalista e crítico musical Luiz

Paulo Horta:

Esther naquele tempo já era uma unanimidade. Era considerada a melhor


professora que a gente tinha.[…] Era uma grande musicista, não era só uma teórica.
O que ela passava era muita vivência de música […] era uma viagem Esther Scliar...
Era uma experiência que você não pode reduzir a um sistema. […] Não penso nela
como método... mas ela te passando uma vivência de música... isso era Esther...98

Ter aulas com Esther Scliar era, além de uma opção, uma importante referência curricular,

como acrescentou o regente e professor, Carlos Alberto Figueiredo: “todo mundo tinha que passar pela

Esther. Então, qualquer pessoa, em algum momento no seu currículo, tinha que ter estudado com

Esther Scliar”99. Os níveis de reconhecimento e admiração que ela obtinha de seus alunos é algo difícil

de ser dimensionado, contudo, nuances podem ser percebidas como, por exemplo, no depoimento do

músico Jards Macalé:

Edu Lobo, Paulinho da Viola, Tato Taborda, eu e tantos outros, esperávamos


ansiosos o dia de nossas aulas para desfrutar daquela sabedoria. […] Se existe
alguém que fez um bem enorme à Música e ao Músico no Brasil, esse alguém tem
nome, endereço, CPF, RG (não me recordo se tinha telefone). Esse alguém se
chama Esther Scliar.100

96
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
170
97
Depoimento de Edu Lobo à autora do presente trabalho, por e-mail (10/09/2007).
98
Em entrevista à autora do presente trabalho (04/09/2007).
99
Em entrevista à autora do presente trabalho (11/09/2007).
100
Op. cit., p. 169
79

3.1 CONTEÚDO x REALIDADE

É relevante observar que Esther não lecionava em escolas regulares, suas aulas eram

particulares ou em instituições voltadas para o ensino da música. Seus alunos possuíam interesse

voluntário pela música e enxergavam nela o melhor meio para alcançar o conhecimento desejado.

Portanto, uma variedade de alunos a procuravam, inclusive músicos populares renomados que

identificavam seu potencial como professora e sua visão musical isenta de preconceitos . SWANWICK

(2003, p.66) aponta que:

Cada aluno traz consigo um domínio de compreensão musical quando chega a


nossas instituições educacionais. Não os introduzimos na música; eles são bem
familiarizados com ela, embora não a tenham submetido aos vários métodos de
análise que pensamos ser importantes para seu desenvolvimento futuro.

Scliar parecia possuir entendimento similar ao exposto por Swanwick, considerando que ela
não desprezava a vivência musical de seus alunos, antes, incentivava que lançassem mão da
bagagem que traziam, como evidencia Luiz Paulo Horta:

eu fui estudar piano com 20 anos. A vida toda toquei música clássica de ouvido,
tudo... sinfonia... quarteto... Eu gostava... A parte teórica dava forma àquilo que eu já
sabia... […] Você vê a Esther... se fosse uma professora mais “quadrada” diria 'você
não pode fazer isto!'. Não! Ela achava maravilhoso... ela me dava todo o apoio: “É
isso mesmo!... Toca!... Senta... toca da maneira que você quer!...” Isto é ela! Isto é
ela... Isto é o que às vezes na Escola de Música você não vai encontrar... iriam
dizer: 'Não! Você tem que ir pela partitura!'. Ela não... ela dava toda força.101

A experiência musical de cada aluno era aproveitada por Esther como elemento útil, de forma
que o conteúdo pudesse estar associado e “vivo”. Maria Clara Gebara expõe um outro exemplo que
enfatiza este traço da pedagogia de Scliar:
na questão de solfejo e ditado, ela fez uma coisa que era o seguinte: “cada um de
vocês vai trazer a lista dos discos que tem em casa”. Eu tinha uma meia dúzia de
LP's. Então, facilmente eu fiz lá minha lista. Na semana seguinte, ela volta com uma
lista, para cada um, de músicas […] Para que? Para a gente pegar o disco botar na
vitrola e fazer o ditado em casa... sozinhos. Ela dava todas as informações de
acordo com o nível que a gente estava. E, a gente fazia! E todo mundo tinha a
disciplina de fazer 1 ou 2 ditados, em casa, por semana! E, trazia para ela, e ela
corrigia... Então, tinha essa coisa individualizada, sim. Ela queria que as pessoas se
envolvessem com os discos que tinham em casa.
101
Em entrevista à autora do presente trabalho (04/09/2007).
80

A Pedagogia Progressista, situada na tendência Critico Social dos Conteúdos, concebe que
os conteúdos “não são fechados e refratários às realidades sociais”. Libâneo (2002, p. 30) afirma que:
“Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se
liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social”, de forma que as culturas, erudita e
cultura popular, não sejam vistas como contrárias ou tratadas em separado, mas uma relação de
continuidade. Pode-se dizer, com base nos depoimentos que se seguem, que o perfil da educadora
Esther Scliar se “afina” com esta concepção, onde o “popular” e o “erudito” coexistem numa
compreensão sem fronteiras, buscando que seu aluno valorize música. Em testemunho, Edu Lobo,
conclui: “Esther não tinha nenhum preconceito quanto à música erudita e popular, e estimulava muito
que todos nós estudássemos e estava sempre disponível para qualquer aluno.”102. O compositor
Egberto Gismonti acrescenta:
Com o passar dos anos, eu aprendi a compreendê-la como alguém que doou todo o
seu tempo ao ensino, com o objetivo de fazer todos aprenderem a descobrir como
respeitar e gostar de música. […] Seu gosto musical, mesmo depois dos nossos
encontros, eu ainda não consigo definir. Creio que a sua admissão de “todos os
sons” possa ser uma das direções à percepção da sua musicalidade103

O compositor, regente e professor, Jorge Antunes, relembra que “Esther era uma mulher

extremamente ligada ao seu tempo, grande pensadora e intelectual”104. Seus ex-alunos e amigos foram

unânimes na “visão” de que ela era uma grande pensadora e compreendia a música como uma das

formas de manifestação da arte, refletindo as ideias e as mudanças do pensamento.

Suas aulas pareciam ter como objetivo que a percepção do aluno fosse capaz de associar os

conteúdos com a realidade e de fazer novas conexões. Esta atitude pedagógica encontra respaldo em

Libâneo (1990, p.31) quando referenciando as ideias de Georges Snyders105 diz que o professor tem a

função de favorecer o acesso do aluno aos conteúdos, conectados com suas próprias experiências,

proporcionando elementos que ajudem o aluno a analisar criticamente. O professor Aluizio Arcela

recorda:

102
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
166.
103
Ibid (p. 157)
104
Ibid (p. 109)
105
Georges Snyders (1916 - ): educador francês contemporâneo. Desenvolveu estudo das pedagogias não diretivas.
Construiu o conceito da Pedagogia Progressista, título de sua obra (Coimbra, Portugal: Almedina, 1974).
81

O assunto nas aulas ganhava caminhos diversificados tanto em Ciência,


particularmente sobre a visão de Galileu comparada com a nossa época, quanto em
teoria de música, especialmente sobre a teoria de Hindemith de que o intervalo seria
a menor música possível. […] Sobre poesia, ela fez a leitura de alguns trechos de
'Poema sujo', de Ferreira Gullar, algo do que eu apreciava como poesia. Sobre
composição, falava-se de Luciano Berio, dos clássicos, dos meus exercícios seriais,
que convenciam mais a ela do que a mim próprio, da música feita com máquina, e
também da sua própria obra.106

3.2 RELACIONAMENTO COM ALUNOS

Esther Scliar ganhou “fama” de possuir um temperamento difícil e intolerante com as


engrenagens institucionais, motivo pelo qual alguns alunos, inicialmente, resistiram em procurar suas
aulas. Contudo, contrariando aquela reputação, as lembranças que seus alunos guardam dela apontam
para um relacionamento permeado por dedicação, carinho, admiração e compreensão. Conforme Luiz
Paulo Horta e, o compositor e professor, Roberto Gnattali,:
A Esther era assim... uma pessoa muito difícil... Inclusive, eu custei a estudar com
Esther por causa disso. […] as pessoas contavam mil histórias... sei lá... era uma
personalidade muito difícil... eu tinha medo da Esther... eu dizia “não vou passar por
estas coisas que vocês falam...”. Mas a gente se entendia muito bem! Se tem uma
coisa que eu me arrependo um pouco: eu fui muito tardiamente estudar com ela. Foi
maravilhoso... foi muito maravilhoso! Aí eu pensei “puxa, perdi tanto tempo...” e ela
morreu logo depois... Ela era muito carinhosa, muito humana.107

Com o tempo, aprendi a lidar com o seu temperamento e descobri uma grande
pessoa humana, que não tolerava burrice, injustiça, qualquer tipo de violência e
censura. A professora era uma mulher libertária, de ideias revolucionárias, amável e
apaixonada”108

• Afetividade e Dedicação

A música é uma arte que lida paradoxalmente com duas coisas: a emoção e a
racionalidade. […] Esther era uma pessoa carregadíssima de emoção e ela tinha um
instinto maternal muito desenvolvido que se projetou, principalmente, na relação
com os alunos e também com os sobrinhos, mas essa afetividade se manifestava
diariamente na relação com os alunos.109

106
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo.. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
113
107
Em entrevista à autora do presente trabalho (11/09/2007).
108
Op. Cit. p.158
109
Por Leonor Scliar-Cabral em entrevista à autora do presente trabalho (16/07/08).
82

As emoções são manifestações da vida afetiva e estabelecem relações imediatas entre os

indivíduos. Para Wallon (apud SILVA e SCHNEIDER, 2007, p. 84) “A propagação ‘epidérmica’ das

emoções, ao provocar um estado de comunhão e de uníssono, dilui as fronteiras entre os indivíduos,

podendo levar a esforços e intenções em torno de um objetivo comum.”. No âmbito da prática

pedagógica, observa-se que a aproximação gerada pela afetividade favorece o relacionamento

professor-aluno, o trabalho socializado e a superação das dificuldades.

um professor afetivo com seus alunos, que busca a aproximação e realiza sua
tarefa de mediador entre eles e o conhecimento, atuará na zona de desenvolvimento
proximal, isto é, na distância entre o nível de conhecimento real e aquele que os
alunos poderão construir com a sua ajuda. (ibid, p. 85)

Os depoimentos dos seus alunos, Gebara e Horta, consecutivamente, revelaram que Esther

demonstrava seu afeto por aquelas pessoas que participaram de sua convivência, e a maioria de seus

alunos faziam parte daquele grupo.

Esther não se relacionava com ninguém de forma superficial, era intensa e profunda.
Estabelecia uma relação de amizade com seus alunos e a música permeava todos
esses encontros. Esse valor é inestimável.110

Eu acho que ela gostava de gente, essa era outra grande qualidade dela... gostava
de gente... gostava dos alunos dela... de estar com os alunos... Então, é por isso
que eu nunca consigo “fechar” a Esther em esquemas porque era uma experiência
de vida, tanto do ponto de vista da música... mas a gente conversava também
filosofia, política...111

Estar familiarizado com o seu aluno, é uma atitude defendida por Libâneo (apud SILVA e

SCHNEIDER, 2007, p. 86) quando afirma que “é preciso educar o olhar para a observação do aluno

com a finalidade de conhecer um pouco mais dele além do que se permite intuir em sala de aula.”. Este

pensamento conduz à verificação que, naqueles momentos de aproximação entre Esther e seus

alunos, conhecimento (musical) e realidade integravam-se nas trocas de experiências, enriquecendo o

convívio e o aprendizado mútuo (LIBÂNEO, 2002, p.32). Ela parecia empenhar-se em estreitar o

110
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo.. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
171.
111
Em entrevista à autora do presente trabalho (04/09/2007).
83

relacionamento professor-aluno, tornando-se veículo de expressões e vivências musicais que

interagem com a realidade dos alunos, como evidenciam os testemunhos de Maria Clara Gebara e do

compositor e jornalista Waldemar Falcão:

Ela [Esther] era uma pessoa que demonstrava muito interesse. Perguntava coisas
de mim e em relação ao instrumento, também.[…] Então, ela estimulava a gente
para ter boas gravações e ouvir boas músicas. Gostava de encontrar a gente nos
concertos.”.112

Esther não só se ocupava da nossa formação como músicos, como também era
extremamente interessada em tudo que se passava na vida de seus alunos. […]
Tenho a impressão que ela valorizava mais sua atividade de educadora e não falava
muito sobre seu trabalho de composição. Mas as duas outras facetas que ela me
mostrou – a educadora e a mulher integrada no seu tempo – foram suficientes para
minha formação, como músico e como ser humano.”113

A generosidade pedagógica compunha o perfil da educadora Esther Scliar, manifestada na

prática da afetividade e na doação de si mesma em favor dos seus alunos. Subentende-se que a

generosidade está impregnada de valores como: solidariedade, consciência do compromisso social e

do respeito ao próximo. Paulo Freire enxerga que a verdadeira generosidade pode mobilizar a

educação em favor da libertação do homem sujeito às engrenagens opressoras, presentes em todos os

setores da sociedade. E, referindo-se ao que denomina pedagogia do oprimido114, afirma que:

Somente ela, que se anima de generosidade autêntica, humanista e não


“humanitarista’, pode alcançar este objetivo. Pelo contrário, a pedagogia que,
partindo dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa
generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna
a própria opressão. É instrumento de desumanização. (FREIRE, 1970, p.3)

Freire defende uma educação baseada na troca de experiências, contrária a toda a

“generosidade paternalista” que conduz os indivíduos por direções escolhidas em prol dos interesses

dominantes. Neste aspecto, os testemunhos da professora Felicia Wang e de Maria Clara Gebara

112
Em entrevista à autora do presente trabalho (07/08/2009).
113
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
174.
114
Denominação dada por Freire para uma “educação como prática da liberdade”, uma pedagogia em que o oprimido tenha
condições de se descobrir como sujeito de sua própria história. Maiores informações na sua obra Pedagogia do oprimido.
84

mostram que Esther foi uma professora que se empenhava voluntariamente em doar conhecimento

aos alunos:

Acho que a maior qualidade da Esther era a generosidade dela. […] Nunca conheci
no meio musical ninguém que fosse mais generoso do que ela. Era uma pessoa
que, muitas vezes, trabalhava e quando se empolgava não via relógio, ela dobrava o
número de aulas dela, ela avançava o tempo na maior...115

Primeiro, ela estava sempre atenta para ver se alguém tinha uma dificuldade maior
na parte rítmica ou na parte melódica. Quando não dava para parar durante a aula
ficava um pouco depois da aula com aquele aluno.116

Que adotava uma postura desprendida de “rótulos” hierárquicos, conforme depõe Luis Paulo Horta:

ela era uma grande pessoa humana. Essa abertura de espírito que nos mestres
assim famosos às vezes não existe... Às vezes, você é um mestre famoso e é difícil
de se relacionar... Então... primeiro essa abertura de espírito, essa capacidade de
aceitar os outros... Ela era completamente despretensiosa.117

Percebe-se aqui outro traço proeminente em Esther Scliar, a dedicação, ao se doar como

veículo do conhecimento musical, respeitando os limites e as diferenças dos seus alunos. A

capacidade desta professora em “aceitar os outros” - como disse Horta -, se observada pelo ângulo

pedagógico, pode ser entendida como forma de identificar, tanto as características individuais do aluno,

quanto o momento ideal para que determinado conteúdo pudesse ser trabalhado. A expressão usada

por Felicia Wang, na citação anterior - “empolgava-se e não via relógio” -, poderia representar a

sensibilidade de Scliar ao perceber o momento propício ao aprendizado musical, quando o aluno

estaria mais “aberto” para que os conteúdos pudessem ser assimilados satisfatoriamente. No caso de

processo inverso, quando o aluno não consegue apreender de maneira adequada, a declaração de

Maria Aparecida Ferreira mostra que Esther assumia uma atitude paciente, compreendendo que cada

aluno tem seu próprio tempo favorável à aprendizagem, sem impor juízo de valor:

Certa vez, em sua casa, eu aguardava o término da aula de outro aluno e pude
observar. Ela pediu que ele cantasse dois intervalos e ficou esperando quase uns
cinco minutos até que, finalmente, ele os cantasse. Comentei com ela, depois, e ela
me falou que ele tinha dificuldades e era preciso esperar o seu tempo, que já havia
115
Em entrevista à autora do presente trabalho (19/03/2007).
116
Em entrevista à autora do presente trabalho (07/08/2009).
117
Em entrevista à autora do presente trabalho (04/09/2007).
85

trabalhado aqueles intervalos e ele tinha que resolver sozinho. Veja, sempre dando
os meios e cobrando que o aluno realize. Se isto não acontecer, volta novamente
com os meios, até que ele consiga.”118

Faz-se necessário considerar que as condições propícias ao aprendizado está diretamente

ligada ao grau de envolvimento e predisposição ao conhecimento, tanto do aluno para recebê-lo,

quanto do professor em ser veículo, ambos, inseridos no “contexto da sala de aula” (LIBÂNEO, 2002,

p. 34). Na visão da pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, a aprendizagem ocorre quando o aluno é

capaz de “processar informações e lidar com os estímulos” e de organizar os dados originados da

experiência. Relacionando a ideia de Libâneo ao depoimento de Ferreira – citação anterior -, é possível

perceber que ali os meios para a consolidação do aprendizado haviam sido dados, mas, os estímulos

não foram suficientes para que o aluno processasse as informações. Então, Esther compreendeu que

deveria reapresentar os “meios”, mas nunca “resolver” pelo aluno ou desistir dele.

Diferente do que Paulo Freire rotulou de “educação bancária”, que impõe o imobilismo e faz

do aluno, exclusivamente, um receptor. Uma maneira de educar que anula o “poder criador dos

educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade”, fabricando meros

repetidores dos padrões aprendidos. Os relatos mostraram que Esther “tinha, como modo de ensinar, o

discurso inteligente e profundo, sempre fundamentado em leituras atualizadas” 119, posicionava-se

atenta aos seus alunos, estimulando-os a pensar sobre música. O compositor Tato Taborda recorda a

professora que valorizava a participação do aluno:

Ela estava fazendo uma análise do primeiro movimento da Sonata Waldstein, de


Beethoven, tocando trechos ao piano e falando apaixonadamente sobre os
processos de desenvolvimento temático, modulações surpreendentes, etc […] Em
certo momento, não resisti e fiz uma pergunta, com certeza completamente idiota,
pelo “por fora” que eu estava. Ela, no entanto, garimpou na minha pergunta estúpida
algumas palavras que poderiam fazer algum sentido e, generosamente, respondeu
de forma paciente e inteligente, me fazendo sentir como se tivesse feito alguma
pergunta genial.120

118
Em entrevista à autora do presente trabalho (12/06/2006).
119
Por Elba Braga Ramalho. In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de
Mestrado: USP, 2002, p.180
120
Ibid, p.185 - 186
86

A compositora Vania Dantas Leite resume: “Quem sou eu para falar do trabalho dela [Esther]

ou de suas próprias fraquezas, senão da enorme força que ela tinha para fazer com que seus alunos

encontrassem seus próprios caminhos?”121.

Segundo Libâneo (2002, p. 33), na pedagogia dos conteúdos, o professor não se contenta

apenas com satisfazer as necessidades do aluno, mas, busca despertar outras. Também se empenha

em acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigindo que o aluno se esforce. Propõe “conteúdos e

modelos compatíveis com suas experiências” a fim de que o aluno tenha uma participação ativa. Esther

Scliar dedicava boa parte de seu tempo construindo apostilas122 de teoria e de exercícios que serviam

como roteiro para suas aulas, porque acreditava que “a pedagogia era viva, feita 'ao vivo e a cores'

[…] que a multiplicidade de maneiras [do trabalho pedagógico] só ocorria no processo vivo de evolução

da pedagogia.”123. Nas características descritas por Libâneo podem ser identificadas, de forma

sintética, nas atitudes pedagógicas de Scliar, através das lembranças da pianista e professora Cristina

Capparelli Gerling:

Esta visão do estudo da música como um posicionamento de absoluta dedicação e


seriedade, esta doação à causa da música, isto ela passou adiante para os alunos
que tiveram o privilégio de conviver e de aprender com ela.[...] vejo que ela sabia
mostrar os elementos do texto musical de acordo com o nível de adiantamento do
aluno, sabia encorajar o aluno a querer saber mais124

E ainda, uma carta manuscrita por Esther Scliar, recomendando, como bolsista, seu aluno

Carlos Alberto Figueiredo, que iniciaria o curso de Regência Coral no Conservatório Real de Haia

(Holanda), é um exemplo que pode evidenciar sua atitude de: incentivo ao aluno que buscava ampliar

seus conhecimentos; proximidade; e, reconhecimento do potencial do seu aluno. Como segue:

121
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
163
122
Quando lecionou o curso de Análise na E. M. Villa-Lobos, “Esther exigia milhares de cópias Xerox que seriam oferecidas
gratuitamente aos seus alunos como material diário e sempre crescente de suas aulas. Uma despesa que a Escola
(pública) não podia abraçar sem prejuízo dos demais compromissos financeiros que importavam a tantos outros cursos em
funcionamento”. Relato de Aylton Escobar, por email à autora do presente trabalho (19/09/2009).
123
Por Felicia Wang em entrevista à autora do presente trabalho (19/03/2007).
124
Op. Cit. p. 153
87
88

4. CARACTERÍSTICAS DIDÁTICAS FUNDAMENTAIS DO MÉTODO

A obra póstuma 'Elementos de Teoria Musical' foi estruturada com materiais deixados por

Esther Scliar – apostilas e anotações de aulas - organizados pelas professoras Felicia Wang e Marlene

Migliari, que se embasaram na vivência que tinham com o pensamento musical da autora. Contudo, foi

observado que os aspectos didáticos não se encontram ali abordados, motivo pelo qual a presente

pesquisa buscou levantá-los. Para tanto, se fez essencial resgatar as lembranças guardadas pelos

seus ex-alunos, do que foi vivido em aulas com a professora Esther. Ainda que a obra acima apontada

contribua como referência ao método de Scliar para a teoria elementar da música, esta pesquisa se

embasará, também, nos depoimentos que estão relacionados aos conteúdos retirados dos materiais

deixados pela autora: fundamentais para a compreensão do processo didático utilizado.

Dentre os depoentes, a professora Maria Aparecida Ferreira, emprestou a sua larga

experiência com a prática do referido método, que vem utilizando há quase 40 anos com alguns ajustes

que julgou necessários, porquanto, segundo ela, a própria Esther Scliar possivelmente teria feito

alterações. Ferreira explica:

Esther tinha um método, e acreditava nele. Ela era relativamente jovem quando
morreu. Evidentemente, se estivesse viva até hoje, teria evoluído muito porque a
cabeça dela era à mil... Mas, o princípio do seu método estava todo ele ali, de forma
clara, porque vai, do início ao fim, fazendo a mesma coisa, contudo, vai
aprofundando.125

O Método de Teoria Musical de Esther Scliar não abrange toda a teoria geral da música, mas

dedica-se a teoria elementar, conforme pode ser identificado no título e no conteúdo da obra póstuma

já referenciada. Outros métodos que tratam da teoria elementar da música incluem os elementos que

constituem as durações e as alturas dos sons, também são abordados no Método de Esther, porém,

neste são trabalhados separadamente, na fase inicial.

125
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
89

Reitero que a proposta deste capítulo é evidenciar os aspectos que trazem os traços

característicos da didática do Método de Esther Scliar. Diante do que foi possível ser observado,

acerca da sua visão pedagógica, é percebível que ela utiliza no seu método de ensino o princípio da

gradação das dificuldades, que compreende o processo da aprendizagem ocorrendo do simples ao

complexo, como observou a professora Emeritus Leonor Scliar-Cabral:

A forma como ela ensinava percepção musical exemplifica o seu método.


Observam-se, nessa metodologia, princípios como o da complexidade crescente126.
[...] O que nós aplicamos em alfabetização no ensino da leitura e da escrita, de
nunca ensinar a um alfabetizando sons isolados, mas sim, sons que tenham função
de distinguir significados.127

Ainda que os elementos gráficos que compõem o ensino da linguagem musical sejam

diferentes, é possível identificar no posicionamento pedagógico de Esther a preocupação com que o

aprendizado seja construído em bases sólidas. A sua didática concebe a inclusão de reforços

constantes através de leitura, escrita e composição (que ela denomina invenção).

Os muitos exercícios, consequência dos conteúdos já trabalhados nas aulas, são

estruturados e organizados em nível de complexidade crescente, sistematicamente minuciosos,

oferecendo muitas variações. Parte destes pode ser evidenciada no 'Caderno de Exercícios –

Elementos de Teoria Musical'. Os depoimentos a seguir apontam na didática de Esther critérios de

personalização do trabalho e organização lógica:

Esther preparava as aulas minuciosamente, que eram cada vez mais refinadas e
voltadas especificamente para cada aluno. Não eram aulas decoradas, eram
preparadas, baseadas em sólida fundamentação, seguiam uma coerência, uma
arquitetura lógica perfeita, e nós podemos verificar nas apostilas a estrutura da aula,
certo? E, ela escrevia muito bem, então as ideias eram claras e seguiam uma
126
“Em cada nível, as unidades do nível anterior vão sendo estruturadas numa ordem de complexidade e quantidade
crescente: a primeira ordem é a dos traços articulados simultaneamente e não em cadeia, para formar cada letra, cuja
função é a de realizar um grafema; a segunda ordem é a do grafema, associado ao fonema que representa e constituído de
uma ou duas letras, cuja função é distinguir a significação básica das unidades puramente gramaticais ou que se referem à
significação externa; a terceira ordem é a das unidades, cuja função é referenciar a significação puramente gramatical ou
externa; a quarta ordem é a das frases, com função nominal, verbal ou preposicional; a quinta ordem é a das orações, cuja
função é proposicionar; a sexta ordem é a dos períodos, cuja função é articular as proposições e a sétima ou última ordem é
a do texto, cuja função é articular as ideias, de modo coerente, em torno de uma unidade temática.”. SCLIAR-CABRAL,
Proposta Scliar de Alfabetização - Guia para o Professor, do capítulo 7: As principais dificuldades na alfabetização:
os vocábulos átonos, o reconhecimento dos traços das letras, as variedades sociolinguística. Livro ainda inédito.
Texto disponibilizado por Leonor Scliar-Cabral à autora do presente trabalho, em 12/11/2009.
127
Em entrevista à autora do presente trabalho (16/07/2008).
90

progressão lógica e além do mais, repito, eram voltadas para cada aluno de acordo
com o nível de aprendizagem que ele apresentava, em uma progressão didática, de
uma complexidade crescente. Sempre, tudo muito coerente.128

A metodologia de Esther, basicamente, não é feita de exercícios pré-fabricados para


você aplicar padronizadamente para todas as pessoas aquela mesma coisa. Você
tem um princípio, que vai aplicando, e você vai criando exercícios dentro das
condições de dificuldade que aquele aluno apresenta... cada um tem um perfil, as
variantes são muito grandes. E, você vai percebendo, ao longo da sua experiência,
este perfil... aí você vai se adaptando, criando exercícios em função daquela turma
ou daquela pessoa.129

Esther era uma pessoa muito exigente, muito meticulosa. Ela ia muito fundo em
todas as questões, tanto no ponto de vista didático, no processo de ensino dela,
quanto no processo de criação. […] Ela tinha uma didática que era muito bem
formulada.130

No período em que Esther foi desenvolvendo o seu método, as ideias de Jaques-Dalcroze já

haviam encontrado aceitação por vários educadores musicais. Ele concebia uma educação musical

que partisse de uma escuta consciente com a participação de todo o corpo, conciliando o saber gerado

pela sensação e pelo inteligível (SANTOS, 2001, 18-19). Possivelmente, Dalcroze tenha influenciado o

pensamento pedagógico de Scliar no que tange a vivência do tempo (pulsação) na música e no

cuidado com que os conteúdos fossem precedidos de experimentação, através de exemplos que

evidenciassem o conteúdo a ser fixado. A professora Maria Aparecida Ferreira recorda:

Ela nunca falava assim: vamos aprender agora as figuras. Havia uma preparação
que era a vivência do som e do silêncio, só depois dizia: “vamos escrever isso, esta
aqui, apresento pra vocês é ...”. Esse procedimento é usado ao longo de todo o
método, ou seja, primeiro você dá o exemplo, só a partir do momento em que o
aluno é capaz de compreender o que aquilo representa, o assunto surge... Isso era
muito da Esther: quando o assunto surge, então, surge tudo acerca daquele
assunto, não era apenas trabalhar 1 ou 2 pontos e já partir para outro assunto. Se o
aluno é capaz de compreender, então, o assunto pode ser totalmente explorado,
conforme pode ser confirmado no caderno de exercícios.131 [grifo nosso]

Penna (1990, p.51) defende tal procedimento ao afirmar que a percepção e a organização

perceptiva do som formam imagens auditivas, e, que na formação conceitual do elemento musical é

128
Por Leonor Scliar-Cabral em entrevista à autora do presente trabalho (16/07/2008).
129
Por Felicia Wang em entrevista à autora deste trabalho (19/03/2007).
130
Por Edino Krieger em entrevista à autora deste trabalho (21/08/2008).
131
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
91

mais importante a formulação própria decorrente da descoberta pessoal e significativa do que uma

definição por convenção.

Esther Scliar entende que para o bom aprendizado musical são necessários exercícios

constantes, com muita leitura, ditados e composições (invenções). Vale ressaltar outra característica

que permeou a didática de todo seu método, o compromisso com a precisão, evidente, inclusive, nos

conceitos que apresentava aos alunos, como expõe Maria Clara Gebara:

Ela era muito precisa nas definições. Então, tinha palavras ali que ela não poderia
abrir mão. Ela não queira definir figura musical: semínima, colcheia, etc, de uma
forma, assim, leviana. Ela queria ser absolutamente precisa! E, para ser precisa ela
tinha que usar aquelas palavras.132

No período em que atuou na Pro Arte, a maioria das turmas onde Esther lecionou eram

constituídas de alunos jovens e adultos. Tal fato pode sugerir que o método desta professora não é

apropriado a alunos mais novos133. Contudo, torna-se fundamental que, independente da faixa etária, o

estudante esteja devidamente alfabetizado e conhecendo bem as quatro operações matemáticas:

soma, subtração, multiplicação e divisão. A professora Ferreira acrescenta: “ uma pessoa estando na 4a

ou 5ª série do ensino fundamental já pode compreender tudo de que trata o método. Porém, não é aconselhável

aplicá-lo com crianças menores, para as quais o mais adequado é um método de musicalização.”134.

Segundo suas ex-alunas e auxiliares, Wang e Ferreira, a motivação de Scliar para o

desenvolvimento de seu método surgiu quando identificou que seus colegas tinham dificuldades com

solfejos:

132
Em entrevista à autora do presente trabalho (07/08/2009).
133
Depois de cursar Tópicos Especiais – Método Esther Scliar, com a prof.ª Ferreira, utilizei este método em uma turma do
curso de Iniciação Musical na Escola de Música da UFRJ. Os alunos tinham, em média, 10 anos de idade. Apesar de
estarem concluindo aquele curso e de conhecerem as figuras, tinham deficiências na percepção da pulsação e das
subdivisões. Tocavam flauta doce soprano porque decoravam a melodia dada, não porque conseguiam ler. Havia um aluno
que estava ao ponto de abandonar o curso porque não entendia a leitura musical. Decidi utilizar, como experiência, os
procedimentos do método de Esther e, então, todos passaram a compreender o que já conheciam na teoria. A mãe do
aluno que iria desistir do curso ficou muito animada porque o seu filho decidiu continuar seus estudos musicais e, além de
flauta, passou a estudar violino. Assim, penso que o método de Esther Scliar pode ser aplicado em alunos – de
adolescentes à adultos -, desde que possuam maturidade intelectual para sua compreensão.
134
Em entrevista à autora do presente trabalho (12/06/2006).
92

O método dela surgiu... isso ela me falava muito... porque ela cantava no coral da
Rádio MEC, antes da ditadura. E ela cantava no coro e percebia a dificuldade que
as pessoas tinham com relação à parte de solfejo. E foi assim que nela começou a
criar o método.135

[…] motivada pelas dificuldades dos colegas com relação aos solfejos e ditados
melódicos, passou a trabalhar a percepção de intervalos separadamente, criando
uma lista de exemplos de músicas conhecidas que iniciassem com cada um dos
intervalos. Embora não fosse uma ideia nova, Esther a utilizou até as últimas
consequências, a ponto de ter se tornado um dos pontos marcantes do seu
método.136 [grifo nosso]

A decisão de “trabalhar a percepção de intervalos separadamente” pode ter alicerçado o que

veio a se tornar o pilar fundamental da didática do método Esther Scliar: o ensino em separado de

durações e alturas, que se desenvolve paralelamente e cuja integração ocorre ao longo do processo.

Afinada com o princípio da complexidade crescente, sua didática funciona de “mãos dadas”

com a sensibilidade de estar atenta ao aluno. Ferreira acrescenta: “Esther percebia a necessidade do

aluno, se ele assimilava rapidamente, então, não precisava demorar em determinados pontos, caso

contrário, tinha toda a paciência do mundo...”. 137. Portanto, o momento propício à integração entre

durações e alturas fica a critério do professor, quando identifica que seus alunos compreenderam

suficientemente para assimilar a nova fase.

Ao longo dos anos, alguns educadores musicais foram percebendo que iniciar o processo de

musicalização com ritmo é uma escolha eficiente, especialmente porque a assimilação deste pode ser

relacionada com a pulsação interior. Dalcroze (1865-1950) tem sido considerado o responsável pela

propagação do ensino do ritmo no século XX. Sua proposta para a aprendizagem musical enfatiza o

movimento e a sensação corporal, quando as experiências musicais, ocorridas de forma interativa,

transformam-se em conhecimento. Na pedagogia musical brasileira, Gazzi de Sá (1901-1981) foi um

dos que adotou o trabalho inicial com ritmo, quando os “alunos sentiam e descobriam, na música, um

pulso (comparado ao pulsar de nossos corações)” (PAZ, 2000, p.28). Possivelmente, Scliar

135
Em entrevista à autora do presente trabalho (19/03/2007).
136
Em entrevista à autora do presente trabalho (12/06/2006).
137
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
93

compreendeu a ênfase conferida ao ritmo e assimilou os desdobramentos que se desenvolveram daí.

Ela escolheu iniciar com as durações porque considerava estar mais próxima da natureza humana. Na

sua apostila de Didática da Teoria Musical138, Esther justifica que “o ritmo consiste no homem” e que é

“concretamente comparável, através de simbologia”, e sugere como meio facilitador da percepção dos

ritmos o recurso didático de associar, por exemplo, às articulações verbais, percussões corporais ou

instrumentais, etc. Nattiez (1984, p. 299) entende que “relativamente à melodia, o ritmo faz figura de

objeto mais facilmente identificável”, pois são possivelmente mensuráveis. Ferreira alia-se a esta ideia

e justifica o que era, para Scliar, o ensino de durações e alturas:

Esther inicia pelas durações em virtude do assunto exigir menor abstração.


Paralelamente, surgem as alturas pela emissão e percepção de tom e semitom.
Mais adiante durações e alturas se integram em pequenas estruturas que, aos
poucos vão se tornando mais complexas. Porém ambas, durações e alturas, têm um
caminho próprio que só se esgota ao final do curso. […] Ao tempo ou pulsação,
elemento ordenador das durações, vão sendo associados aos valores que, por um
processo analítico-sintético, torna o aprendizado muito fácil. E na sequência,
exercícios gradativamente mais complexos podem culminar com a execução e
percepção de ritmos a duas ou mais partes. [grifo nosso] 139

• Influência de Hindemith

Hindemith (1895-1963) e Scliar (1926-1978) viveram a fase que musica “erudita” do século

XX trouxe novas concepções e organização dos sons. Paul Hindemith era reconhecido na música de

vanguarda, vertente que atraía a musicista Esther Scliar. Seu contato com a obra “Treinamento

Elementar para Músicos”140 de Hindemith, possivelmente tenha ocorrido no período em que foi aluna de

Koellreutter, ex-aluno desse músico. Ferreira afirma que:

“Na época em que Esther viveu, já se fazia um tipo de trabalho em que, durações e
alturas, eram trabalhadas separadamente, a exemplo de Hindemith. Ela abraçou
esta concepção de ensino da teoria musical.141

138
Extraído do material original (incompleto), cedido pela professora Maria Aparecida Ferreira.
139
Em entrevista concedida a autora deste trabalho (12/06/2006).
140
A primeira edição da obra ocorreu em 1946. Em www.paul-hindemith.org/index.php?lang=en. Acesso: 10/11/2009.
141
Em entrevista concedida a autora do presente trabalho (25/01/2010).
94

Ex-alunos de Esther recordam que, além das apostilas, ela adotava e indicava o livro 142 acima

citado nas aulas de Teoria Musical, conforme o testemunho de Edu Lobo: “Começamos com leitura e

escrita musical, usando o livro do Hindemith...” 143. Apesar de, Scliar e Hindemith, estruturarem seus

métodos para o ensino musical na estrutura tradicional, a pedagogia adotada por ambos parecem

refletir as influências das novas concepções que permeou a música do século XX: buscando oferecer

recursos para que as “fronteiras” musicais de seus alunos fossem ampliadas.

Em seu livro, Hindemith subdivide cada capítulo em 3 categorias: Aspecto Rítmico; Aspecto

Melódico e Ação Combinada. Esther concorda com o trabalho em separado, mas adota as

denominações: durações e alturas. A integração entre ambas pode, ou não, ocorrer imediatamente.

A frequência dos exercícios - baseados em figuras musicais, participação corporal e emissão

vocal - como recurso favorável à aprendizagem, caracteriza o pensamento de Hindemith, que justificou:

“estes exercícios são verdadeiros alicerces para a independência da ação física e da coordenação

mental” (HINDEMITH, 1975, p.4). Tanto Hindemith quanto Scliar praticam diversas combinações e

possibilidades, estimulam os estudantes à construção de exercícios semelhantes e à execução precisa

de cada figura, para solidificar a compreensão e a execução rítmica. Paul propõe alguns exercícios

bem elementares inicialmente e logo “salta” para níveis de dificuldades maiores. Diferentemente,

Esther é mais detalhista e propõe sequências de exercícios com dificuldade progressiva.

Outro aspecto semelhante entre ambos está no trabalho com as durações: iniciado fora da

pauta - sem referência à clave ou compasso -, estimulando o reconhecimento das figuras e sua relação

com a unidade de tempo. Esther prefere utilizar a mínima como unidade na fase inicial do trabalho, não

adotando a escolha de Hindemith que prefere a semínima. As Informações adicionais sobre tal escolha

serão discorridas no tópico: durações.

142
A professora Cibeli Reynaud, aluna de Scliar em Didática da Teoria, confirmou que Esther usava frequentemente o livro
"Treinamento elementar para músicos", portanto, considerava desnecessário detalhar, nas suas apostilas, o que já estava
explicitado no referido livro. (Comunicação pessoal, em 06/04/2009).
143
Depoimento de Edu Lobo à autora do presente trabalho (10/09/2007).
95

Como regente, Scliar compreende, a exemplo de Hindemith, que os gestuais de regência são

complementares ao estudo dos compassos simples e compostos, contudo, sem apresentar o mesmo

caráter enfático que ele, que propôs exercícios com muitas variações.

Quanto às alturas, ambos optam por estimular a percepção do trítono usando, inicialmente,

as notas fá, sol, lá, si. Scliar propõe que o trabalho de percepção dos intervalos inicie com tom e

semitom, e insere os sons no pentagrama só depois que o aluno é capaz diferençá-los vocalmente. Já,

Hindemith inicia logo na pauta.

A influência da pedagogia de Paul Hindemith no método de Esther Scliar pode ser percebida

na estruturação do ensino das durações. No entanto, ela demonstra maior abrangência quanto: à

coerência na linha de conduta pedagógica, aos recursos para o desenvolvimento da percepção; à

concepção da linguagem musical que ultrapassa os “limites” do tonalismo. A declaração de Ferreira

vem reiterar tais considerações:

“O Treinamento Elementar para Músicos, do Hindemith, era uma das obras que ela
aconselhava e penso que a teria influenciado no que diz respeito ao ritmo. Mas
Esther foi além e interpretou cada item do programa da teoria elementar de uma
maneira própria, tanto na sua ordenação quanto no relevo dado a determinados
assuntos”.144

144
Em entrevista à autora do presente trabalho (12/06/06).
96

4.1 DURAÇÕES

No livro Elementos de Teoria Musical (SCLIAR, 1983, p.1), Esther conceitua duração como

“a capacidade de um som demorar mais ou menos do que outro”. Em uma das aulas da disciplina

Tópicos Especiais, ministradas por Maria Aparecida Ferreira, esta atribuiu a Esther a premissa: “o

tempo é o elemento ordenador das durações”. Munida deste entendimento, Scliar buscava despertar

nos alunos a consciência e a percepção clara do “tempo” 145 na música através de experimentações que

ocorriam desde as aulas iniciais, quando executava nos instrumentos (voz, preferencialmente, e piano)

músicas de repertório familiar à escuta deles. Winold (1975, p. 209), abordando sobre a natureza do

ritmo, diz: “O estudo do ritmo é o estudo do fluxo de sons e silêncios no tempo.”. E acrescenta acerca

desta definição: “pode servir para nos lembrar que o estudo do ritmo envolve consideração de todos os

aspectos da música.”146. Sua visão nos alerta que o ritmo não é um elemento isolado ou independente

da música, ele está aliado aos demais aspectos dela: altura, textura, harmonia, timbre, dinâmica, etc.

Os procedimentos pedagógicos de Scliar parecem estar permeados deste entendimento, e podem ser

evidenciados nos exercícios que trabalham as figuras musicais com a participação do aluno, seja

através de palmas, batida de mãos e/ou pés e na emissão vocal. Ela reforça a compreensão de sons e

silêncios enfocando que para cada duração do som há a sua correspondente em silêncio.

Esther organizou uma apostila147 de Didática da Teoria Musical que era distribuída aos seus

alunos desta disciplina, onde descreve os procedimentos didáticos a serem seguidos pelo professor.

Para o ensino das durações isócronas (pulsação regular), ela orienta:

145
Prof.ª. Ferreira, alerta que, por problemas com formação musical de base, muitos alunos chegam em suas aulas sem
uma noção clara de que 'tempo' é uma medida.
146
WINOLD, Allen. Rhythm in Twentieth-Century Music in DELONE, Richard et al. Aspects of twentieth-century music.
New Jersey: Prentice-Hall, 1975, p. 209: “The study of rhythm is the study of the flow in time of sounds and silences. If this
seems to be a definition of music itself, it may serve to remind us that the study of rhythm involves some consideration of all
the aspects of music.”
147
Material cedido pela prof.ª Ferreira (data presumível: 1969), porém, está incompleto e restam poucas folhas da parte
inicial da didática da teoria musical.
97

1 - Emissão de durações iguais pelo professor, variando os andamentos de cada


vez. Reprodução pelo aluno.
2 - Leitura de símbolos correspondentes, representados por traços verticais:
/ / / / / / / / / / / / etc. (Tanto quanto possível, manter distância igual).
3 - Substituição por uma figura capaz de possibilitar o maior número de divisões e
multiplicações ( e  , preferentemente a  ), variando os andamentos.

No procedimento introdutório, Esther usa o recurso do uso dos traços verticais adotados por

Hindemith, entretanto, difere dele quanto ao uso da unidade de tempo, preferindo a mínima. Acerca da

sua escolha pelo uso da mínima como unidade de tempo, Figueiredo observou:

Ela tinha a preocupação de que todo mundo sempre associava a semínima como
unidade, então ela usava a mínima. Era ser contra ao que todo mundo fazia... Até
hoje tem gente que acha que a semínima é unidade de tempo... […] Ela trabalhava
obsessivamente mínima como unidade, colcheia como unidade, semicolcheia como
unidade...148

Para Ferreira este procedimento não era uma imposição:

A Esther, nas aulas de didática, passava em detalhes os passos a serem dados, tais
como [...] iniciar com a mínima como unidade de tempo. Porém, ela nunca fechou
questão em relação a isto e embora tivesse as suas justificativas para o
procedimento, deixava em aberto para que se iniciasse com outras figuras.

A professora Cibeli Reynaud149 reconhece que, quando um aluno começa o aprendizado

musical neste método tem uma visão do pulso e do ritmo de uma maneira muito mais clara e objetiva

do que da maneira tradicional. Esta professora acredita que o fato de Esther trabalhar outras unidades

de tempo, desde o início, impede o condicionamento que padroniza a semínima como unidade de

tempo, encontrado no ensino musical tradicional.

No início do trabalho com durações, Esther estimulava seus alunos a acompanharem a

pulsação da música executada com palmas ou com batidas nas carteiras, em diversos andamentos.

Ferreira, recordando sua vivência, buscou refazer os procedimentos quanto à percepção do pulso

(tempo) na música:

148
Em entrevista à autora do presente trabalho (11/09/2007).
149
Comunicação pessoal (06/04/2009).
98

Esther faria assim: como ela gostava muito de cantar, ela cantava uma melodia
familiar ao aluno e dizia 'batam palmas'. Os alunos iam batendo. Ela perguntava 'e
o que é isso que vocês estão batendo?' Eles dariam uma resposta qualquer e,
então, ela diria: 'Isso é o tempo que vocês estão marcando. Ele é que vai ordenar a
música. Vou cantar a música novamente e vocês vão bater só aqueles tempos que
acharem mais apoiados'. Aí ela também daria exemplo de músicas mais lentas e
mais rápidas.150

É importante reforçar que Scliar iniciava o trabalho com as figuras fora da pauta, sem fazer

qualquer alusão à clave ou compasso. Ao ser apresentada cada figura musical representante do som,

também se mostra a sua correspondente em silêncio (pausa), considerado por Esther, ausência de

movimento. Nesta fase, o objetivo é estimular o reconhecimento da figura musical e o entendimento de

suas relações com as unidades de tempo. Os exercícios são formados por sequências das figuras que

estão sendo trabalhadas, e sua execução está submetida à pulsação sugerida pelo professor – lenta,

inicialmente –. Assim, o aluno ao reconhecer a figura emitirá vocalmente a sílaba “pá” 151, na altura

sugerida, que deverá durar o tempo determinado pela figura. Os alunos são estimulados a realizarem

as durações com precisão152 e a representar graficamente. O conjunto destas práticas coopera para a

estruturação da linguagem rítmica musical. Esther prossegue na apostila de Didática da Teoria:

1 - Emprego da pausa correspondente (valor negativo).


2 - Leitura falada, com palmas ou instrumentos de percussão. Ex.:
a) 

b) 

3 - Ditado com o mesmo material.


NB:O pentagrama só será usado para o aprendizado das notas, restringindo-se a
sua finalidade.

150
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/10).
151
A prof.ª Aparecida Ferreira, justificou que Esther adotava esta sílaba por oferecer maior clareza na emissão vocal.
(Comunicação pessoal)
152
Nas aulas iniciais de duração ministradas pela prof.ª Ferreira, constatei que ao trabalhar as figuras representativas de
tempo, ela acrescentou ao método de Esther, um recurso didático próprio - “caixotinhos” - que oferecem ao aluno uma
representação visual do espaço ocupado pela figura de som/silêncio. Ao lançar mão deste recurso, ela reforça a importância
da execução precisa das durações, relativa à unidade de tempo adotada. Por exemplo:
99

Ao contrario do ensino tradicional e, até de Hindemith, Esther optou por prosseguir somando

as durações, ao invés de dividindo-as. Segundo Ferreira, Scliar entendia que a soma das durações é

um elemento mais facilitador do aprendizado do que a divisão, como ocorre nos métodos tradicionais,

quando a unidade de tempo é dividida em 2 ou 4, e assim por diante. Esther detalha sua sequência

didática153:

Do aumento das durações


1 - Colocação da ligadura entre as 2 figuras positivas154 de igual duração na figura
usada no exercício anterior. Justificativa: o segundo em prolongação do primeiro, a
duração resulta da soma dos dois sons. As diferenças entre as diversas finalidades
da ligadura serão aplicadas durante o estudo das alturas.
Leitura:

Ferreira acrescenta155 que, ao ser exercitado o aumento do som/silêncio, também deverá ser

apresentado ao aluno as figuras que equivalem às durações das ligadas, por exemplo:

Scliar utiliza como estratégia didática o estímulo à participação constante do aluno através de

um processo dinâmico de perguntas e respostas, para consolidação dos conteúdos. Esta é uma

importante característica do método de Esther, como evidencia a apostila de Didática da Teoria:

Aplicação
1 - a) O professor executa dois sons em andamento lento, cuja duração difira em
dobro, triplo, etc.
b) O aluno deve especificar a proporção das durações, indicando o som mais lento
ou mais rápido.
2 - Aplicar o mesmo exercício em andamento mais rápido.
3 - a) Combinação de várias durações, pelo professor.
b) Identificação e especificação das proporções, pelo aluno.

153
Apostila de Didática da Teoria (Incompleta)
154
As figuras denominadas “positivas” são as que representam as durações dos sons
155
Em anotações das aulas da disciplina Tópicos Especiais – Método Esther Scliar (Licenciatura – EM/ UFRJ)
100

4 - a) Professor – execução de pequeno fragmento rítmico.


b) Professor – repetição ou reprodução com uma variante.
c) Aluno – Indicação do som substituído e a proporção da duração com a anterior.

Considero importante abrir aqui um parêntese, a fim de abordar a composição na educação

musical. A invenção (ou composição) é uma prática regular do método Scliar para todos os conteúdos

trabalhados. O professor Fredi Gerling, ex-aluno de Esther diz: “Fazia parte de sua estratégia

pedagógica o estímulo à composição. Escrevíamos pequenas melodias ou tentávamos grafar melodias

populares”156. O objetivo era estimular aos alunos à participação criativa, além de provocar interesses

pelo discurso musical. Os exercícios de invenção eram compartilhados com os demais da turma, para

serem executados por todos. Acerca deste recurso didático, Ferreira justifica:

Porque aluno, mesmo iniciante, tem satisfação em estar fazendo algo ao seu modo,
ainda que com poucos elementos. A música, como qualquer outra linguagem, não é
só ler e ouvir, é, também, fazer. Os alunos não escrevem música porque não são
levados a isso. E não é pra se tornar um compositor, é pra saber redigir música,
pode ser a construção de pequenas melodias. Não importa a complexidade com que
se escreve, mas, a habilidade de redigir um texto que faça sentido. Você imagine,
Cristine, se você entrasse na escola primária, e só quando estivesse no nível médio
mandassem você fazer uma redação? Na música é a mesma coisa.157

A professora Maria Aparecida Ferreira entende que Scliar não utiliza a denominação

composição, porque pode sugerir um trabalho com nível de elaboração maior, uma vez que não é

esta a proposta dos exercícios de invenção. E acrescenta:


156
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
155
157
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
101

Quando o aluno é levado a inventar, sob determinadas circunstâncias, por exemplo,


'invente uma leitura com divisão do tempo em 3 partes', ele vai inventar, vai ler, e os
outros vão entender o que ele leu. Então, a precisão com que ele vai ler o que
escreveu é determinante para que os outros entendam. Ele vai ver e perceber o que
é difícil ou fácil. Porque, às vezes, eles escrevem coisas que não conseguem ler.
[…] Então, penso que os exercícios assim propostos não são de composição, mas,
trabalhos de redação dentro das possibilidades deles, o que estimula a capacidade
inventiva. Não chega a ter a pretensão de ser uma composição.158

Diferentemente desta concepção, Hindemith (apud FRANÇA, 2002, p. 9) expõe uma visão

não hierárquica de composição, na qual reconhece sua prática como parte do processo da educação

musical:

Composição não é um ramo especial do conhecimento que deve ser ensinado


àqueles talentosos ou suficientemente interessados. Ela é simplesmente a
culminação de um sistema saudável e estável de educação, cujo ideal é formar não
um instrumentista, cantor ou arranjador especialista, mas um músico com um
conhecimento musical universal...

A estratégia pedagógica de usar a prática da composição na educação musical tem sido

discutida e praticada nos últimos anos, porque é vista como um dos elementos contribuidores para o

crescimento musical dos alunos, devido às variadas experiências que promove aliadas ao incentivo à

participação. A atividade de compor, nesses casos, não se sujeita ao crivo da complexidade ou aos

padrões estilísticos, mas, é resultante do pensamento artístico-musical associado à criatividade

organizada pelos conteúdos. Silva (2001, p. 108) defende a prática sistemática da composição em

todos os níveis do aprendizado musical, além da integração com diferentes áreas do estudo. Sua

justificativa:

Compor regularmente – sejam frases, seções ou músicas completas -, fazendo uso


dos conteúdos que estão sendo pesquisados, é uma atividade que envolve
investigação e manuseio direto de materiais, forma e significado musicais. Esse
processo de produção é, portanto, um exercício de disciplina artística/investigativa,
que pode ser aplicado a cada assunto estudado.

158
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
102

Silva (2001, p. 108), valorizando as vivências musicais que muitos alunos possuem quando

entram para as instituições de ensino musical, acredita numa relação próspera entre a educação

musical e o contexto cultural, onde haja estímulo ao estudo criativo de práticas musicais diversas. Bem

como:

poderá contribuir também para desmistificar o estudo de música e a prática da


composição, à medida que divulgue um caráter mais transparente do fazer musical e
uma perspectiva equiparada, não hierárquica, das músicas (ibid).

Na prática pedagógica de Esther Scliar há evidências de afinidade com o pensamento

favorável à composição em sala de aula. Ainda que a denominação composição não tenha sido

adotada por ela, sua crença no potencial educativo das “invenções” pode ser confirmada através da

frequência com que tal atividade ocorre nos diversos níveis de aprendizado, como evidenciam seus

roteiros de aulas.

Retomo aqui a apresentação das características didáticas fundamentais do método de Esther

Scliar para a teoria elementar da música, no aspecto durações.

DIVISÕES DO TEMPO

• Divisão em 2 partes:

Considerando que a soma dos tempos tenha sido compreendida pelos alunos, o próximo

passo é a divisão do tempo em duas partes. O professor apresenta determinada pulsação (inicialmente

lenta) – usando palmas, batidas na mesa, instrumentos de percussão, etc. -, e convida aos alunos que

dividam aquela pulsação em duas. O procedimento se repete, em outros andamentos, até que o

professor perceba que os estudantes compreenderam. Só então, é trabalhada a grafia musical

baseada nas figuras definidas como unidades de tempo e suas subdivisões correspondentes, por
103

exemplo: mínima subdividindo-se em semínimas e suas pausas, e por diante. Neste momento, devem

ser enfatizadas as duas fases do movimento, o “apoio - sustentação - e o impulso – expansão de

energia”159. Segundo Ferreira, Esther não adotava, nem aprovava, o uso das nomenclaturas “tempo

forte” ou “tempo fraco”, porque considerava que esta terminologia era inadequada160:

Esther substituiu as palavras “forte” e fraco” por apoio e impulso. Este é um ponto
essencial porque até hoje isso existe, e é consagrado no Brasil. Esther achava
aquela nomenclatura uma inadequação porque “forte” em música significa
intensidade. E isso tem gerado algumas confusões ao longo dos tempos porque as
pessoas acham que por ser o primeiro tempo tem que tocar mais forte.161 [grifo
nosso]

Se relacionadas com a linguagem de palavras162, as duas fases do movimento poderão

corresponder: o apoio, à sílaba tônica da palavra; e, o impulso, à sílaba átona. O trabalho de Scliar

inclui a prosódia como recurso complementar ao estudo dos compassos, conforme já mencionado.

Os vários exercícios, situados ao nível do aluno ou turma, vão explorar muitas possibilidades

com as figuras então conhecidas. Exemplos:

159
Anotação das aulas de Tópicos Especiais (EM - UFRJ)
160
Esther cuidava em não adotar terminologias que pudessem gerar duvidas, por isso negou-se utilizar forte/fraco. Outro
exemplo do seu zelo com os conceitos ocorre na compreensão do staccato, quando diz “significa que as notas devem ser
atacadas de maneira cortante. Embora os sinais de staccato diminuam o valor das notas, o fundamental na execução é o
caráter incisivo e nervoso do ataque.” (SCLIAR, 1985, p. 25). Ainda que reconheça que, na prática, este sinal diminui o valor
da figura executada, Scliar não concordava em relacionar staccato com “ponto de diminuição”, e, segundo Ferreira, nem
sua contraposição ao “ponto de aumento”. Esther justifica: “Staccato não é um ponto de diminuição, mas a indicação da
maneira de executar determinado som. A figura continua valendo a sua respectiva duração.” (ibid).
161
Em entrevista à autora do presente trabalho (nov/2009).
162
No método do professor Gazzi de Sá a acentuação das sílabas tinha um importante papel no trabalho com ritmo,
especialmente no estudo: para reconhecimento do apoio e do impulso; das formas téticas e anacrústicas; e, das
subdivisões da unidade. (PAZ, 2000, p. 28-41)
104

Esther Scliar entendia a importância de que o aluno compreendesse síncopes e

contratempos, a partir desta fase, conforme declarou Wang:

“A noção de síncope e contratempo tinha que ser dado logo no começo do trabalho.
Ela explorava todos os tipos de síncope, sequências e sequências de células
rítmicas com bastante síncope, com muitas pausas, porque tem pessoas que tem
muita dificuldade de escutar o silêncio... isto você não vê em geral nos outros
métodos, tudo é com muito som e olhe lá...”163

A presença frequente destas células rítmicas na música brasileira - folclóricas e populares -,

agrega ao estudante uma experiência que possivelmente facilitará o aprendizado. Portanto, esta

“bagagem” que o aluno traz para a sala de aula pode ter sido um dos fatores determinantes para a

escolha de Esther por trabalhá-las e conceituá-las desde o princípio da divisão do tempo. A

conceituação das síncopes (regulares e irregulares) e contratempos, passa pela percepção da

articulação do som somada com a consciência do apoio e do impulso. Por exemplo:

− Síncopes regulares - Sincopes irregulares

− Contratempos

O reforço é praticado através de muitos exercícios quando é solicitado ao estudante que leia

a sequência e assinale os contratempos ( C ), as síncopes regulares ( SR ) e irregulares ( SI ), como

neste exemplo164:

163
Em entrevista à autora do presente trabalho (19/03/07).
164
SCLIAR, Esther. Elementos de teoria musical – Caderno de Exercícios. S. Paulo: Ed. Novas Metas, 1987, p. 12.
105

A fermata, por ser um sinal representativo das durações, segundo Esther, deverá ser

experimentada, conceituada e grafada nesta etapa. Contudo, sua aplicação prática ocorre nas

atividades com alturas, conforme foi constatado no Caderno de Exercícios – Elementos de Teoria

Musical -. É importante reforçar que, normalmente, as alturas são trabalhadas em paralelo às

durações.

• Divisão em 4 partes165:

Scliar considerava mais eficaz para o aprendizado das divisões que fosse priorizado o ensino

da divisão do tempo em 4 partes, antes da divisão em 3 partes. Ferreira recorda:

Esther organizou muito bem o trabalho com divisões do tempo. Ela trabalhava a
divisão do tempo em 3 partes depois do entendimento da divisão do tempo em 4
partes. Uma vez ela brigou comigo, porque antes de cada aula que eu dava, ela me
ensinava. E, eu disse: dei divisão do tempo em 3 partes. Ela falou: não é aquela
turma em que você deu divisão em 2 partes? Mas não pode, Aparecida!.166

O procedimento é semelhante ao adotado na divisão em 2 partes, quando o professor

determina a pulsação, inicialmente lenta, e convida os alunos a dividam aquele tempo em 4 partes. Os

andamentos ganham rapidez mediante a compreensão dos estudantes. Prossegue com a grafia das

figuras conforme são inseridas as semicolcheias, fusas, semifusas e respectivas pausas (silêncios).

Uma ampla série de exercícios é proposta a cada nova figura trabalhada, incluindo as demais

165
A divisão em 8 partes era dada para estudantes com maior experiência no aprendizado das divisões. O trabalho para
estes casos utiliza a mesma relação de apoio e impulso que na divisão em 4 partes:

Os procedimentos quanto a prática dos exercícios de leitura e escrita é semelhante ao usado com as demais divisões,
ou seja, explorando muitas variantes.
166
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
106

aprendidas até então. Além do apoio e do impulso, surge o meio apoio (a 3ª parte do tempo na divisão

em quatro), aliados ao processo de compreensão destas subdivisões.

Scliar acreditava na eficácia da prática de exercícios com muitas variantes, como podem ser

constatados através do número de exercícios que constituíam as apostilas167 que ela se dava ao

cuidado de preparar para disponibilizar aos seus alunos. Figueiredo testemunha:

Quando entrei na Pro Arte como professor de Percepção, eu tinha que


necessariamente entrar no método da Esther Scliar. Todos os professores aqui eram
alunos dela, então todos faziam o método dela. Eu usava as apostilas dela... e aos
poucos você vai descobrindo seu próprio caminho. Mas a referência toda, desde o
início, eram as apostilas. A gente tinha aqui, e elas eram usadas nas aulas. Tinha
uma sala onde tinha as apostilas 1, 2, 3, 4, 5... e entregavam cópias aos alunos.168

Os depoimentos de Gebara, Gerling e Wang, ilustram a extensão e o detalhamento do

procedimento didático de Scliar acerca da prática dos exercícios das divisões rítmicas:

Eu me lembro que a questão do ritmo era muito... eu ficava “besta” de ver aquelas
apostilas do jeito que ela fazia! Porque aquele negócio... fusa, por exemplo. Aí você
tinha lá, 2/4, você tem 16 fusas. Então, ela montava uns exercícios que, primeiro ela
colocava 1 pausa de fusa que poderia estar em cada uma das 16 posições, depois
com 2 pausas de fusa, depois com 3, depois com figuras ligadas... Então, para você
tratar fusa no 2/4, você tinha um bloco desse tamanho... Ela fazia tudo com régua!.
Agora, imagina você, com uma régua fazer um bloco desse tamanho de fusas... tudo
cheio de fusas... entendeu? O tempo que ela gastava. O quanto ela se dedicava a
fazer aquilo e o quanto acreditava naquilo! Porque ninguém faz um troço desse se
não acredita! Mesmo sendo uma criança, eu prestava a atenção nisso. Pensava:
“puxa, como isso deve ter dado trabalho”. Eu respeitava o trabalho do professor. Ela
ia à exaustão daquele trabalho. A gente fazia aquilo... curtia... fazia em casa.169

Sistemática por natureza, ela era obsessiva em explorar todas as combinações


possíveis de durações e intervalos. Iniciamos com a divisão do pulso em 8 partes,
combinando silêncios e sons. Assim sendo, tínhamos que deslocar o 1/8 de silêncio

167
Parte delas fazem parte da coletânea complementar Elementos de Teoria Musical - Caderno de Exercícios.
168
Em entrevista à autora do presente trabalho (11/09/2007).
169
Em entrevista à autora do presente trabalho (07/08/2009).
107

para qualquer ponto do pulso. Depois aumentávamos para 2/8 de silêncio em


qualquer lugar do pulso e assim íamos até que tínhamos 7/8 de silêncio e
deslocávamos o 1/8 de som para qualquer lugar do pulso (...) Esther considerava
que esse treinamento era essencial para a execução da música do século XX. 170

Por vezes, ela elaborava um material e ia até as últimas consequências, vou dar um
exemplo, subdivisão em 8 – semínima e 8 fusas – ela elaborou uma apostila com
todas as possibilidades de subdivisão em 8... todas... com pausas, prolongação, no
final dava umas 18 páginas. Eu nunca consegui trabalhar aquela apostila inteira
porque era muita coisa. Então, dali eu retiro material e dou uma pitada de
possibilidades com pausa, outra com prolongação, e outra com a combinação das
duas coisas. Às vezes você não tem tempo hábil e nem hoje em dia você pode fazer
uma coisa dessas com o aluno. Não é que fosse ineficaz, mas é que, às vezes, ela
pecava um pouco por um certo exagero... de muita obsessividade, ela fazia questão
de explorar todas as coisas.171

Pode-se identificar nestes depoimentos, que uma das características peculiares à didática de

Esther Scliar está na determinação em oferecer exercícios que permitam, aos estudantes, a

experiência com todas as possibilidades172. Ferreira reitera: “Esther fazia com clareza uma espécie de

'análise combinatória', basta ver nas apostilas de exercícios, um 'tratado de análise combinatória' de

divisões em 2, 3, 4...”. O exercício abaixo, retirado de uma das apostilas estruturadas e manuscritas

por Scliar, traz uma amostra do que foi explanado nos depoimentos:

170
In: MACHADO, Maria Aparecida Gomes. Esther Scliar: um olhar perceptivo. Dissertação de Mestrado: USP, 2002, p.
155
171
Em entrevista à autora do presente trabalho (19/03/07).
172
Dentre os autores consultados para a teoria musical, não foi encontrado qualquer outro que enfatizasse a prática de
exercícios com detalhamentos similares aos de Esther Scliar. Dentre os seguidores do seu método, até o presente
momento, não houve quem tenha praticado tal nível de detalhamento em divisões do tempo, nas suas aulas.
108

Os exercícios estimulam a percepção e execução rítmica através da leitura. Busca, ainda,

que os estudantes reconheçam neles os conteúdos até então trabalhados, como nos exemplos

retirados do Caderno de Exercícios (SCLIAR, 1987, p. 27-28):

• Substitua os exemplos por figuras correspondentes a sua duração. Assinale os apoios e

impulsos (na divisão binária) e apoio, impulso e meio apoio (na divisão quaternária). Realize a

leitura:

• Divisão em 3 partes:

Esther permanece adotando seu procedimento didático padrão, ou seja, partindo da prática

para a conceituação alicerçada com muitos exercícios. A experimentação ocorre a partir da pulsação

dada pelo professor – usando palmas, batidas na mesa, etc. - que convida seus alunos para dividirem

o tempo em três partes. Semelhante ao que ocorre nas demais divisões, vários andamentos também

são experimentados até que possa ser inserida a grafia.

Quando é apresentada a figura pontuada como unidade, também se efetua suas relações

com as duas fases do movimento (Já trabalhada na divisão em 2 partes):

É importante reforçar que a ideia de Scliar é oferecer aos estudantes o máximo possível de

experimentações, como no exercício173 a seguir:

173
Retirados da apostila de exercícios, manuscrita por Scliar.
109

As síncopes e os contratempos também são trabalhados dentro da divisão ternária. No

exercício a seguir é solicitado ao aluno que assinale os apoios e impulsos nas pulsações, os

contratempos e síncopes regulares e irregulares, e que leia (SCLIAR, 1987, 32):

Compassos

Ela contribuiu, primeiramente, com o conceito apoio/impulso. Depois, preparando o


aluno para a mudança de compasso no decorrer da música, típica do século XX.
Porque, antes de chegar ao atonalismo, Stravinsky e Bartok, já mudavam,
frequentemente, de compasso.174

Em seu método, Scliar compreende que o trabalho com compassos deve iniciar após relativa

compreensão da linguagem da música. A partir daí, os compassos simples e compostos passam a ser

experimentados, conceituados e classificados. Ela descreve o compasso como “sequência de

pulsações, ordenadoras das diversas durações, que se inicia com um apoio preponderante.” 175.

174
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
175
O texto de origem (SCLIAR, 1985, p. 34), diz: “compasso é uma sequência de pulsações ordenadas de diversas
durações. Citação conforme a correção feita pela prof.ª Maria Aparecida Ferreira, atribuindo a existência de erro na
definição editada, que muda seu sentido.
110

Ferreira recordando sua experiência com o aprendizado tradicional da música, relata:

“compasso não se ensinava, era assim: compasso binário = 2/4; a semínima vale 1; então, vamos lá...

1, 2. Você saía lendo, mas não entendia porque. Aliás, a gente nem aprendia nada, era levada a fazer

e pronto!”176. Comparando com sua experiência na didática do método de Scliar, acrescenta:

Aí é que está a diferença: antes do aluno ter noção de compasso, ele tem que ter
claramente a noção de tempo, e o que ele representa na música. Para a aula
preparatória, Esther trazia exemplos de músicas em compassos binário, ternário e
quaternário. Mas, dava, também, pelo menos, um exemplo com quinário. […] É por
isso que o método é interessante, pois traz, para discussão e investigação, outros
elementos de organização de compassos surgidos na música do século XX. Esther
achava que essas coisas conflitantes com o dia a dia do aluno é que iriam fazer a
diferença.177

Vale ressaltar que Esther submete os estudantes, primeiramente, à apreciação de músicas,

lembrando que o repertório por ela utilizado para tais conteúdos inclui músicas “eruditas” de diversos

compositores e músicas folclóricas. Mais adiante, quando faz referência aos compassos derivados

indiretos, são citadas como exemplo as obras dos compositores Bartok e Stravinsky. Na sequência,

solicita que marquem o tempo e, após nova escuta da música, que encontrem o que é mais apoiado

que os outros. Após as experimentações, prossegue com a conceituação, as classificações quanto ao

número de tempos – os primitivos e os derivados (diretos e indiretos) -, as divisões quantitativas dos

tempos, a discriminação entre unidade de tempo e unidade de compasso e suas correspondências,

compassos correspondentes, e as representações dos compassos simples, compostos e alternados.

Outro recurso didático que Scliar utilizou no estudo dos compassos foi a estruturação das

tabelas178 para compassos (simples e compostos), onde relaciona as figuras com as frações que os

representam:

176
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
177
ibid
178
Conforme orientações recebidas de Esther Scliar, pela prof.ª Maria Aparecida Ferreira, nas aulas de Didática da Teoria
Musical.
111

TABELA DE COMPASSOS SIMPLES

1 2 3 4 5 6 7 Etc.

 1/1 2/1 3/1 4/1 5/1 6/1 7/1 ...

 1/2 2/2 3/2 4/2 5/2 6/2 7/2 ...

 1/4 2/4 3/4 4/4 5/4 6/4 7/4 ...

 1/8 2/8 3/8 4//8 5/8 6/8 7/8 ...

 1/16 2/16 3/16 4/16 5/16 6/16 7/16 ...

1/32 2/32 3/32 4/32 5/32 6/32 7/32 ...

1/64 2/64 3/64 4/64 5/64 6/64 7/64 ...


112

TABELA DE COMPASSOS COMPOSTOS

1 2 3 4 5 Etc.

 3/2 6/2 9/2 12/2 15/2 ...

 3/4 6/4 9/4 12/4 15/4 ...

 3/8 6/8 9/8 12/8 15/8 ...

 3/16 6/16 9/16 12/16 15/16 ...

. 3/32 6/32 9/32 12/32 15/32 ...

.
3/64 6/64 9/64 12/64 15/64 ...

Esther deixou as tabelas em aberto, pois não há limite para o número de tempos dentro dos

compassos, considerando que poderiam existir composições onde fossem necessários compassos

com numeradores maiores.

A professora Maria Aparecida Ferreira diz que “embora outros autores tenham se referido aos

fatores que condicionam o acento métrico179, uma das contribuições de Esther para a teoria elementar

da música foi organizar os fatores condicionantes do acento rítmico”180 - como Esther prefere

denominar -, são eles181:

• Precedência de valor (s) menor (es). Ex: Sonata op. 32 nº 2 ( Beethoven).


• Sequência de valores menores. Ex: Sonata à Primavera – violino (Beethoven).
• Amplitude intervalar. Ex: Sinfonia nº 1, p. 46 (Brahms).
• Mudança de harmonia . Ex: 9ª Sinfonia, p. 127 (Beethoven).
• Reprodução de desenho [rítmico-melódico, só melódico ou só rítmico]. Ex: Sinfonia nº 1, p. 69 e 122,
(Brahms).
• Mudança de direção . Ex: Sinfonia nº 1, p. 68, (Brahms).
• Ponto culminante (repetição da nota). Ex: Traumerei (Schumann).
179
Nomenclatura usada pela maioria dos autores.
180
Uma série de situações que ocorrem na música evidenciando a existência dos compassos, podendo ocorrer
isoladamente ou não.
181
Conforme relacionados por Esther Scliar no caderno onde anotava os roteiros das aulas, datado de 1970.
113

Esther sabia que era importante relacionar estes fatores à apreciação das obras

exemplificadas. E, ao associar audição, leitura e escrita, ofereceria ao estudante meios facilitadores da

compreensão e identificação de um compasso182 em determinada música, ou na troca dele dentro de

uma mesma música. Vários exercícios são propostos, como por exemplo183:

Esther trabalhava, também, algumas obras musicais nas quais julgava existirem erros quanto

à escolha pelo compasso. Ferreira recorda que um exemplo bastante utilizado era o início da

Traumerei (também conhecida como Reverie) de Schumann, onde ocorrem, simultaneamente:

sequência de valores menores em direção ao valor maior, a nota mais aguda do conjunto e a mudança

de acorde. Tais fatores condicionantes ocorrem no 2º tempo do 2º compasso - que não é um apoio, e

sim um impulso -, de onde se conclui que o compasso deveria ser quinário. Vide o trecho:

182
Nas aulas Tópicos Especiais – Método Esther Scliar –, como auxiliar aos exercícios para identificação dos compassos, a
professora Aparecida usava, como recurso didático, incentivar os estudantes a colocarem textos nos exercícios para
reconhecimento dos compassos, pois achava que além de reforçar a identificação dos compassos, já estava iniciando o
trabalho com prosódia. Contudo, ela não atribui a Esther esta estratégia.
183
Retirados da apostila de exercícios, manuscrita por Scliar.
114

Ferreira alerta sobre as situações, especialmente na música popular, onde os acordes são

soberanos sobre os demais fatores que condicionam o início dos compassos:

muitas vezes, a métrica está fora de lugar, então, não adianta basear-se em regras
melódicas como, por exemplo, precedência de figuras com valor menor e saltos
melódicos do grave para o agudo, há casos em que, quem determina o compasso, é
a força do acorde - onde ele pesa - como em Leãozinho e Luz do Sol de Caetano
Veloso.184

Após completar o trabalho conceitual dos compassos, ela considera relevante trabalhar as

exceções, como nos casos semelhantes ao citado acima por Ferreira, conferindo importância a

experiência musical que os alunos trazem para a sala de aula.

Assim como Hindemith, Scliar enxergou a necessidade de trabalhar os gestuais de regência

para complementar o estudo dos compassos simples e compostos. No simples, ela expõe os gestuais

determinados para cada o início dos tempos dos compassos: binários, ternários e quaternários. Não se

deteve nos gestuais para compassos simples com numeradores maiores, possivelmente, porque

nestes ocorrem a associação de compassos primitivos, por exemplo: quinário (ternário + binário, ou

vice-versa), setenário (quaternário + ternário, ou vice-versa), etc185.

184
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
185
Os detalhes poderão ser conferidos na obra póstuma Elementos de Teoria Musical, já referenciada.
115

Quiálteras

A experiência de Esther Scliar com algumas vertentes da música do século XX contribuiu para

que adotasse elementos inovadores e renovadores. Naquele momento da Música Contemporânea, a

quiáltera entrava como um elemento bastante importante na expressão rítmica, diante das propostas e

concepções musicais que tinham um caráter menos regular. Ferreira acrescenta:

Ainda que, em Chopin, se encontrasse uma cadência com quiálteras de mais de


uma dezena de notas num tempo, era algo meio livre. Mas, o tipo de quiáltera de
mais de 1 tempo, ou de compasso inteiro, isso só existiu com frequência no século
XX.186

Scliar conceitua: “Quiáltera é uma figuração rítmica, cuja divisão está em antagonismo com

as divisões do compasso. Dado tratar-se de uma divisão diferente do normal187, a mesma é indicada

pelo número representativo da divisão.” (SCLIAR, 1985, p. 88). O estudo desta figuração rítmica ocorre

a partir da apreciação, mas, primeiramente, o aluno deve compreender a divisão do tempo em partes,

bem como, os compassos. Ferreira recorda como Esther procedia:

Só depois, quando o aluno conhecesse as diferentes durações, ela trazia uma


música que apresentava uma quiáltera. Ela perguntava ao aluno: o que aconteceu
aí? O aluno, provavelmente, diria o que percebeu. E, ela diria: isto é o que vamos
chamar de quiálteras.

As classificações quialtéricas (aumentativas/diminutivas; uniformes/desiguais; regulares/

irregulares; de tempo/parte de tempo/vários tempos ou compassos) depois de apresentadas, são

trabalhadas através de exercícios em diversos compassos. Por exemplo (SCLIAR, 1987, p. 64):

• Assinale as quiálteras aumentativas e diminutivas:

186
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
187
A denominação “normal” usada por Esther não foi adotada pela prof.ª Maria Aparecida Ferreira, alegando que “para
existir o 'normal' em música, teria que haver o que seria 'anormal'.” Ela prefere utilizar a denominação “estabelecido” em
substituição ao “normal”. Em entrevista à autora do presente trabalho, em 25/01/2010.
116

• Indique as quiálteras uniformes e desiguais:

• Assinale as quiálteras regulares e irregulares:

• Indique as quiálteras de tempo, partes de tempo, vários tempos e compasso (especificando-

os):

Esther identificou em muitos músicos e estudantes dificuldades com a precisão na execução

rítmica, especialmente na execução das quiálteras. Consciente da complexidade envolvida buscou

recursos que facilitassem o entendimento e a execução. Assim, usando de estratégia pedagógica

desenvolveu processos para resoluções das quiálteras, utilizando o m.m.c. (mínimo múltiplo comum) 188,

nos casos das quiálteras de: divisão ternárias ocupando 2 ou 4 tempos, divisão quaternária ocupando 3

tempos e em polirritmia. O processo consiste de 4 etapas, como evidencia os exemplos a seguir

(SCLIAR, 1985, p. 94):

188
m.m.c. é um processo no qual fazemos uso da decomposição dos números em fatores primos e depois multiplicamos
os valores primos encontrados na fatoração, por exemplo:
117

• Na divisão quialtérica de 3, em 2 tempos

1ª – Encontrar o m.m.c. . entre o número da quiáltera e os dos tempos que ocupa: 3 x 2 = 6

2ª – Pensar em que figura quialtérica pode ser usada tantas vezes quanto o resultado do m. m. c.

Então, 6 vezes em 2 tempos:

3ª – Marcar os tempos de tantas em tantas figuras resultantes, quantas o número quialtérico

representa.

4ª – Executar as quiálteras de tantas e tantas figuras quanto o número de tempos que indica.

Assim, conforme o exemplo dado, a divisão quialtérica é executada: na 1ª terça parte do 3º tempo; na

3ª terça parte do 3º tempo; na 2ª terça parte do 4º tempo.

• Na divisão quialtérica de 4, em 3 tempos

1ª – O m.m.c. . entre o número da quiáltera e os dos tempos que ocupa: 4 x 3 = 12

2ª – A figura que pode ser usada 12 vezes em 3 tempos:

3ª e 4º:
118

Portanto, como mostra a figura acima, a divisão quialtérica é executada, consecutivamente, na 1ª

quarta parte do 1º tempo; na 4ª quarta parte do 1º tempo; na 3ª quarta parte do 2º tempo; na 2ª quarta

parte do 3º tempo.

• Na divisão quialtérica em polirritmia

1ª – O m.m.c. . entre o número da quiáltera e os dos tempos que ocupa: 4 x 3 = 12

2ª – A figura que pode ser usada 12 vezes em 1 tempo:

3ª – Executa-se uma voz de tantas em tantas figuras quanto o número da outra voz indica.

4ª – Vice-versa.

Aqui, tomando-se por referência as 4 semicolcheias, as divisões da quiáltera são executadas na 1ª

terça parte da primeira, na 2ª terça parte da segunda e na 3ª terça parte da terceira.

Consciente de que a lógica envolvida esbarra nos limites da funcionalidade, adverte (SCLIAR,

1985, p. 97): “Quando a divisão for muito grande, o processo do m.m.c. . não é muito prático, sendo

preferível dividir-se cada fragmento em tantas partes quantas a divisão for indicada, embora nem

sempre haja precisão.”


119

Ressalto que esta estratégia trata-se de um recurso pedagógico não encontrado em qualquer

outro método que aborde a teoria elementar da música, assim, se pode reconhecer que é uma

característica didática exclusiva do método de Esther Scliar.

Ornamentos

Scliar (1985, p. 132) descreve ornamentos como “notas acessórias destinadas a enriquecer a

melodia”. Ainda que esteja ligada a um caráter decorativo, seu efeito sonoro se submete a implicações

intervalares e, especialmente, as durações. Seu trabalho pedagógico situa o aluno historicamente,

associando a apreciação musical ao conteúdo teórico, quando inclui repertórios de compositores como:

Haydn, Bach, Candé, Chambonnières, Couperin, Purcell, Loeillet, Scarlatti, Mozart, Beethoven e

Brahms. E, acrescenta:

Os ornamentos são representados por sinais específicos ou figuras de menor


duração do que as principais. Sofrendo inúmeras transformações no espaço e no
tempo, adquiriram grande complexidade a partir dos fins do séc. XVI ao séc. XVIII,
tanto no que se refere a grafia quanto à execução. (ibid)

O conteúdo teórico-musical apresenta as características dos ornamentos definidos por Esther

como principais: appoggiatura – longa e breve -; acciacatura; coulé; flatté; grupetto; mordente - simples

e duplo -; trillo; e, pralltriller. Na apresentação da grafia musical de cada caso, ela cuida em mostrar

tanto a notação original como a maneira de serem executados, como pode ser visto neste exemplo

musical para o estudo da appoggiatura breve:


120

J. S. Bach, Suite Francesa em Sol M – Loure

Esther apresenta os demais ornamentos como são designados e representados nas principais

escolas europeias daqueles períodos, a saber: alemã, francesa, inglesa e italiana. Ela descreve,

detalhadamente, os elementos que as constituem e identificam sonoramente, como: relacionamento

intervalar, durações, ataques e acentos.

Considerações

Os demais aspectos da teoria elementar da música relativos às durações não foram

esquecidos ou menos valorizados por Esther Scliar, conforme pode ser constatado na obra Elementos

de Teoria Musical, fruto de pesquisas e vivências. Contudo, os conteúdos expostos até aqui buscam

evidenciar as características didáticas fundamentais do seu método, dentro deste parâmetro.

A bibliografia, as apostilas e os roteiros de aula acrescentam componentes que enfatizam a

marca pedagógica de Esther, que estimulava a apreciação, a experimentação e a criação, sem abrir

mão da profundidade dos conteúdos e da qualidade no saber, reforçados pela prática de exercícios.
121

4.2 ALTURAS

Esther conceituou altura como “a capacidade de um som ser mais agudo ou grave que outro”

(SCLIAR, 1985, p.1). O trabalho que ela desenvolve, inicia com o estímulo à percepção comparativa

entre os parâmetros grave e agudo, executados em movimentos ascendentes e descendentes, em

distâncias sonoras que facilitem a identificação. Na apostila189 de Didática da Teoria, Scliar descreve os

procedimentos didáticos, a serem seguidos pelo professor, que ela denominou Testes perceptivos:

1 – a) Execução pelo professor, de dois sons de alturas bem diferentes, bem


diferenciadas. Ultrapassando duas oitavas.
b) Designação, pelo aluno, do som mais grave ou agudo, de acordo com a indicação
do professor.
c) Execução de duas alturas no âmbito de duas oitavas.
d) Classificação pelo aluno.
2 – a) Emissão de dois sons, no âmbito da oitava.
b) Classificação.
3 – a) Emissão de 3 sons na mesma direção ou em direções opostas.
b) Classificação das alturas e direções, digo, direção do movimento.
4 – a) Emissão de 4 ou mais sons.
b) Classificação.
A execução e identificação de acordo com os mesmos critérios do teste anterior.
5- a) Entoação, pelo professor, de um fragmento melódico.
b) Reprodução, com uma modificação.
c) Identificação da variante de acordo com os seguintes critérios:
1. Qual o som substituído.
2. Qual o relacionamento de alturas (mais grave ou mais agudo)

Apesar de tratar-se da fase introdutória ao trabalho com alturas, como pode se observar

nesta citação, Esther vai substituir a “execução” do professor, por “emissão” e “entoação”,

demonstrando que a voz190 assume um importante papel na didática das alturas. Uma justificativa para

esta decisão pode estar relacionada ao valor que ela confere à voz, considerando sua larga

experiência como corista, regente e compositora.

189
Material constituído de algumas folhas da parte inicial da didática da teoria musical (data presumível: 1969).
190
Nas aulas de Tópicos Especiais, a prof.ª Maria Aparecida Ferreira usava o piano em substituição da voz, pois, alegava
suas dificuldades com a emissão vocal. Porém, incentivava que os estudantes procurassem praticar os exercícios com uma
emissão de qualidade.
122

Torna-se relevante considerarmos aqui o pensamento de Pestalozzi191 para o ensino da

música, que priorizava as experiências com sons antes da escrita musical no ensino da música.

Esta ideia pode estar relacionada com o processo do aprendizado da fala, que ocorre desde os

balbucios dos primeiros fonemas, das palavras soltas, posteriormente, de frases inteiras, antes de

haver quaisquer correlações com os símbolos da escrita. Para Pestalozzi, a percepção auditiva deve

ser estimulada ao ponto dos estudantes conseguirem identificar os componentes que tenham os

mesmos atributos para que sejam relacionados. Assim, os sons similares são agrupados e separados

os sons diferentes para então reagrupá-los a outro grupo por critério de semelhança. Segundo Parncutt

e Mcpherson (2002, p. 101), as ideias centrais de Pestalozzi estão relacionadas nos “Princípios do

Sistema Pestalozziano de Música”, que são:

1. Ensinar primeiramente os sons antes do canto, e o cantar antes da escrita das


notas;
2. Estimular a escuta e imitação dos sons, suas semelhanças e diferenças, seus
efeitos agradáveis e desagradáveis;
3. Ensinar separadamente, ritmo, melodia e fraseado, crescendo em dificuldade até
o aluno ter condições de reuni-los;
4. Só inserir conceitos teóricos depois da prática devidamente trabalhada;
5. Analisar e praticar os elementos de articulação sonora na ordem de sua aplicação
na música.
6. Trabalhar os nomes das notas e sua utilização na musica instrumental.

Estes princípios podem ser identificados no trabalho de vários educadores, ainda que
remodelados conforme suas próprias perspectivas. Na educação musical brasileira, a característica
pestalozziana que enfatiza a experiência sonora antes da conceituação pode ser vista em educadores
musicais, como: Villa Lobos, Gazzi de Sá, Sá Pereira, Koellreutter e Esther Scliar. No método de Scliar,
os princípios acima citados são percebíveis tanto no trabalho em separado de durações e alturas até
que ambos possam ser reunidos (explicitado no inicio deste capítulo), como no priorizar a
experimentação antes da teoria, e ainda, no estimular à percepção das semelhanças e diferenças dos
sons, antes da emissão vocal (conteúdo que será abordado a seguir).

191
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) desenvolveu pesquisas na área da educação musical com crianças de um
orfanato suíço, trabalhando primeiramente a experimentação dos sons, antes de qualquer outra informação teórica e de
símbolos. Suas ideias foram introduzidas nos Estados Unidos por seu parceiro de trabalho Joseph H. Naef, que as
organizou e denominou Principles of the Pestalozzian System of Music (1830), onde descreveu os procedimentos propostos
por Pestalozzi aos professores.
123

Retomando a exposição do trabalho pedagógico de Esther para as alturas, outro aspecto a


ser explorado na fase inicial do aprendizado é a identificação das similaridades e as diferenças do
som. À medida que o estudante vai identificando os sons determinados, a distância sonora entre estes
vai diminuindo. A seguir, o estudante deverá associar percepção e emissão, como evidencia a fase
que Scliar denominou Emissão de Alturas192:
1 – a) Professor – Emissão de um fragmento melódico.
b) Aluno – Reprodução
2 – a) Professor – Emissão de um intervalo
b) Aluno – Reprodução
3 – a) Professor – Emissão de um som
b) Aluno – Reprodução e acréscimo de qualquer som, mais agudo ou grave, de
acordo com prévia determinação.

O trabalho prossegue até que os intervalos sonoros se estreitem, chegando a tom e

semitom, ainda sem qualquer referência à grafia. Nesta fase, não é falado sobre os intervalos de 2ªm

ou 2ªM, o objetivo é que o estudante consiga reconhecer e emitir estes intervalos em movimentos

ascendentes e/ou descendentes. Esther orienta: “O professor entoa o tom e o semitom partindo da

mesma nota, chamando a atenção para a diferença entre os mesmos. Ex.: sol – lá; sol – lá b; mi – fá;

mi – fá #. (omita-se o nome da nota)”193.

Esther utiliza fá, sol, lá, si, para trabalhar sequências de tons, acostumando a escuta do aluno

ao trítono, um intervalo evitado no tonalismo. Ferreira reitera e exemplifica o procedimento:

Quando Esther trabalha com fa, sol, lá, si, já está estimulando uma percepção
diferente. Ela não trabalha os intervalos tonalmente, mas aproxima-se do atonal.
[...] A pauta e as primeiras notas só aparecem quando o aluno já é capaz de
perceber e emitir tom e semitom. Neste momento, o professor apresenta duas notas
que podem ser, por exemplo, ‘sol’ e ‘lá’. O aluno é informado que a diferença de
altura entre elas é de um tom. Desta maneira, ele vai cantar sozinho as duas notas,
sem que o professor cante para ele. O método não propõe o aprendizado pela
repetição e sim pela reflexão. [grifo nosso]194

O recurso pedagógico da associação é bastante usado por Scliar no estudo das alturas

como facilitador da memorização dos intervalos ascendentes e descendentes. Para isso, relaciona

192
Apostila de Didática Teoria. Material incompleto (data presumível: 1969).
193
Ibid
194
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
124

algumas músicas do repertório folclórico, popular e erudito a fim de que os estudantes vivenciem a

exemplificação musical. Eis alguns para semitom e tom (SCLIAR, 1985, p. 21):

1 st asc - Carneirinho, carneirão; Sinfonia Pastoral (Beethoven)


1 st desc - Tico-tico no fubá; Pour Elise (Beethoven)
1 tom asc - Sapo Cururu; Frére Jacques
1 tom desc - Atirei o pau no gato; Quadros de uma exposição (Mussorgsky)

Como a escrita na pauta ainda não foi inserida, os exercícios são praticados a cada aula

como reforço. E, consistem na emissão dos intervalos solicitados pelo professor a partir de um som

dado, vocalmente ou em outro instrumento. Normalmente, se inicia com um único intervalo e, aos

poucos, o número de intervalos – ascendentes e/ou descendentes - é aumentado. Por exemplo, o

estudante poderia ser conduzido a entoar195, sequencialmente: 1 tom asc; 1 tom e 1 semitom asc; 2

semitons asc e 1 tom desc; e, 4 tons desc e 2 semitons asc.

A partir de então, a pauta é inserida e os estudantes convidados a escreverem os sons

entoados, já que o trabalho com durações vinha acontecendo em paralelo, mostrando o resultado da

união das durações e alturas.

As claves entram em cena – primeiramente a de sol - juntamente com a escrita na pauta. As

funções de cada clave, suas relações com vozes e instrumentos são abordadas neste momento. A

prática dos exercícios acontece, inicialmente, através de pequenos trechos até que os alunos sejam

capazes de escrevê-los no pentagrama e solfejarem. Ferreira acrescenta:

O pentagrama aparece quando o aluno é capaz de ler algumas sequências de


durações. Esther trabalha, nas aulas iniciais, a clave de Sol, depois, uma oitava
abaixo, a clave de Fá, e depois, trabalha a clave de Dó. Sempre as relacionando
com a respectiva voz coral. Havendo muitos exercícios de leitura nas claves,
porque, você só sabe com desenvoltura se lê todos os dias […] Esther inseria uma
sequência rítmica, na clave de sol, de uma nota só, (ela preferia o lá). Depois inseria
outra nota, o sol, e mostrava: “do lá para o sol vamos ter um tom descendente,
sempre relacionando com as figuras rítmicas trabalhadas.196

195
No caderno onde Esther anotava o roteiro das Aulas (Pro Arte – 1970) contam exercícios onde solicitava que os alunos
conferissem, em seus próprios instrumentos, os intervalos emitidos. Contudo, ela escreve abaixo deste exercício a seguinte
nota: “Cada articulação deverá partir de um som diferente do executado imediatamente antes no instrumento.”. É importante
observar que cada aluno de Teoria Musical tinha aulas, em separado, de instrumentos. Assim, entende-se que Scliar
estimulava que o aprendizado ocorresse por meio da reflexão, já que neste caso poderia existir interferência de
“automatização” dos dedilhados.
196
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
125

O testemunho acima diz que os exercícios começam a incluir leitura, escrita e solfejo, em

estruturas simples, com intervalos de tons ascendentes e descendentes, onde se evidencia a

preferência por fá, sol, lá, e si, como nos exemplos:

a)

b)

É importante observar que nesta fase da escrita ainda não se faz qualquer relação com

compassos, e para a escrita de semitons, são inseridas as notas197 mi e dó à sequência anterior.

A frequência, a estruturação e a quantidade dos exercícios, características importantes do

método de Esther Scliar, evidenciam seu pensamento estratégico e sua pedagogia, fundamentada em

intervenções e estímulos, para que os conteúdos sejam devidamente assimilados. A didática de Scliar

tem uma estreita relação com a visão crítico-social de Libâneo (2002, p. 64) quanto ao papel do

professor na relação ensino x aprendizado:

Quando falo em ensino, falo em intervenção pedagógica ou da ajuda pedagógica, no


entendimento de que o ensino é uma atividade intencional orientada para assegurar
a aprendizagem dos alunos. Há tempos venho assinalando que algo se caracteriza
como pedagógico quando se indica uma direção de sentido para uma atividade; no
caso da escola, quando o educador ajuda e orienta os educandos para atingir
objetivos, tendo em vista a participação ativa na sua cultura. Vê a prática educativa
como um processo de construção conjunta entre professor e alunos, orientada a
compartilhar universos de significados cada vez mais amplos e complexos.

Os exercícios que se seguem foram aplicados por Esther na turma de Teoria para

principiantes (Pro Arte, 1970), que demonstram sua crença em que os conteúdos se solidificam à

medida que a criação musical é praticada:

197
A nota ré é a última a ser incluída, neste processo. A justificativa pode estar em Esther ter a intenção de desconstruir o
condicionamento à sequência da escala de DÓ M, frequentemente encontrado em outros métodos de teoria musical.
126

a)

b)

Ferreira recorda que Esther preparava cada aula e ajustava os exercícios de acordo com o

nível da turma, sempre pensando na necessidade de cada aluno. E, justifica: “se ela excedia com o

uso das claves é porque sabia com que estudante estava trabalhando. […] Se por um caminho o aluno

não consegue entender, ela o conduzia por outro”198.

• Modos

Esther inicia o trabalho com as escalas heptatônicas, colocando a experimentação antes da

conceituação. Oferece um enfoque no modalismo – modos gregos -, que ganham “vida” através das

músicas folclóricas brasileiras e estrangeiras, presentes nos solfejos e ditados 199. A sequência dos

conteúdos prevê, primeiramente, os modos e, depois, alterações. Porque nestes, a identificação dos

centros de atração pode ocorrer sem que necessite da compreensão de alterações, por exemplo, se

trabalhava o dórico era em ré, se frígio era em mi, e assim por diante. O estudo das escalas modais vai

198
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010)
199
Ver exemplos nas páginas 128, 129 e 131.
127

ocorrer quando o aluno consegue estabelecer um centro de atração200 a partir de uma sequência

melódica, normalmente solfejada por ele. Ferreira recorda os procedimentos adotados por Scliar:

O jeito que Esther dava escalas era bem legal! Ela preferia trabalhar com escalas
diatônicas heptatônicas, isto é, com tons e semitons e com sete sons, fazendo a
diferença entre os modos. Foi assim que me deu a aula de Didática para escala:
primeiro, o aluno tinha que entender o que era centro de atração; depois, a escala ia
sendo estruturada a partir da melodia que tinha dado como exemplo. Então ela dizia:
“Toda a vez que vocês identificarem um centro de atração numa melodia é possível
estabelecer a escala em que esta melodia foi construída.”. Aí, acrescentava mais
exemplos com outras escalas.201

Apesar de Scliar iniciar com os modos gregos, Ferreira202 diz sobre sua própria prática

docente: “Na Escola de Música [UFRJ] a gente dá primeiro escalas até seis sons, depois, trabalhamos

as escalas heptatônicas. Esta decisão baseia-se na presença frequente daquelas escalas [de até 6

sons] na música brasileira.”. Ela usa como exemplo sua prática em sala de aula, onde os

procedimentos de Esther foram adaptados para a escala pentatônica203:

Pergunto ao aluno: '- Está vendo aqui? Você sentiu, não foi? Existe uma nota aqui,
dentre as demais, que você pode considerar o ponto de repouso da melodia?
- Ah, sim, o mi.
- Exatamente, então, o mi é o ponto de repouso. E tem mais quais notas?
- Tem mi, fa, sol, si e dó.
- Ah, então podemos fazer uma escala a partir deste mi. Quantos componentes têm
esta escala?
- Tem 5.
Isso! Então, essa é uma escala pentatônica. Porque ela tem 5 sons.204

Sobre a didática praticada por Scliar no estudo das escalas, Ferreira acrescenta:

O ensino da época, e que vigora ainda hoje, é trazer um pacote do sistema tonal,
das escalas de Dó maior, e seus transportes, e Lá menor, e seus transportes.
Enquanto que, se você deixa emergir da própria melodia, ao longo do curso, o aluno
se dá conta de que não importa a armadura, o que importa é o centro de atração.
Até porque, no século XX, escrevia-se de várias maneiras.205

200
Designação dada por Esther ao repouso melódico, geralmente conhecida como tônica da escala.
201
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
202
Ferreira, há 40 anos, vem baseando a sua prática pedagógica no Método de Esther Scliar, em turmas de Percepção e
Teoria Musical.
203
Não foi encontrada qualquer menção de Esther Scliar às escalas pentatônicas no ensino de Elementos de Teoria
Musical. No Roteiro de Aulas de Scliar (1970) há uma referência ao trabalho com escalas pentatônicas, chinesa e canto
gregoriano, como conteúdo das aulas de Análise Musical.
204
ibid
205
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/10).
128

Prosseguindo, cada um dos modos é apresentado com as respectivas relações intervalares

que o caracteriza. O estudo recebe o reforço dos exercícios de solfejos, ditados e invenções. Os

exemplos de solfejo para cada modo, a seguir, demonstram o cuidado de Esther na seleção do

repertório que amplia as “fronteiras” musicais dos seus alunos:

a) Dórico (SCLIAR, 2003, p. 19):

b) Frígio (SCLIAR, 2003, p.20):

c) Lídio (SCLIAR, 2003, p. 21):

d) Mixolídio (SCLIAR, 2003, p. 23):

e) Eólio ou Hipodórico (SCLIAR, 2003, p. 22):


129

f) Lócrio ou Hipofrígio (SCLIAR, 2003, p. 27):

g) Jônico ou Hipolídio (SCLIAR, 2003, p. 27):

• Alterações

Scliar (1985, p. 56) descreve alterações como “sinais que modificam a altura das notas”. A

apresentação dos sinais acontece após estimular o estudante a perceber a existência de mudança em

um trecho melódico dado. Ferreira, resgatando suas lembranças, relata:

Ela dava um determinado exemplo, tocando um pequeno trecho de uma música.


Depois tocava o mesmo trecho modificando uma única nota em um semitom.
E perguntava: “O que aconteceu?”
O aluno dizia: “Mudou professora.”
Ela: “Como?”
As respostas variavam em detalhes conforme a experiência musical do aluno. Ela
voltava a proceder da mesma forma, com o mesmo trecho melódico, provocando
alteração em outros lugares. E os alunos percebem o que é. A partir daí ela entrava
logo com a escrita, porque eles já escreviam pequenas sequências de escrita na
pauta e de solfejos modais.206

Os sinais e suas funções vão sendo apresentados a partir do sustenido, depois, dobrado

sustenido. Sequencialmente, bemol e dobrado bemol. Por fim, o bequadro, devido a sua função de

anular o efeito dos outros sinais. Ferreira recorda que, conforme Scliar ia escrevendo no quadro, os

206
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
130

estudantes iam solfejando cada nota. Ela descreve, como exemplo, a sequência a seguir e justifica o

procedimento:

Nesse exemplo, você canta do fá até o lá. E, trata do semitom com facilidade. Este
era só um treinamento para o aluno entender como funcionava isso. E por aí ela ia,
trazendo repertórios com alterações, como: “Terezinha de Jesus”. Ela trabalhava as
alterações baseadas em tom e semitom porque não haviam sido dados os
intervalos, ainda. O que não a impedia de dar “Terezinha de Jesus”, tratando tom e
semitom como conjunções e os demais intervalos como salto melódico.207

O depoimento da professora Marlene Migliari Fernandes reitera o testemunho de Ferreira:

Ela começava trabalhando semitom... você tem uma escala cromática e, depois, ela
começava a fazer as coisas, por exemplo: mi/fá natural, mi/fá #, onde você tem um
semitom e um tom.[...] mas a parte que eu acho fundamental no trabalho dela é isso
daqui, porque ela começava a fazer exercícios para a pessoa sentir o que é o meio-
tom, depois, sentir o que é tom inteiro. Se você for olhando aqui [página inicial dos
exercícios de solfejo com alterações], você vê ela fazendo as variações todas de
basicamente uma escala cromática, mas aqui, segundo as alterações que a Esther
coloca, aparecem problemas de leitura. Depois o que a Esther faz? Ela entra já na
matéria.[...] Ela [Esther] dava no início a coisa, bem assim... mastigada... mas depois
ela começava a fazer aplicação disso, depois fazia solfejo com alterações. Então,
porque eu acho, Cristine, que a pessoa quando vai solfejando.. porque a música não
é “burra”, desculpe o óbvio... então, o cara não vai fazer só I, IV e V, porque I, IV e V
só Beethoven soube trabalhar direito! Tem que ter uma alteração... um acorde
alterado que vai dar o molho ali... e as notas estranhas ao acorde.208

O capítulo dedicado às alterações (SCLIAR, 1985, P. 58) evidencia que Esther priorizou as

alterações acidentais (aquelas que são colocadas antes das notas e não são próprias da tonalidade

onde estão). Os exercícios de ditados e solfejos são constituídos de uma série de trechos musicais, um

panorama de obras de compositores de vários estilos de época e canções folclóricas, nacionais e

estrangeiras, que demonstram o cuidado de Scliar em selecioná-los para oferecer aos seus alunos

uma experiência musical ampla209. Alguns exemplos destes solfejos com alterações:

207
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
208
Em entrevista à autora do presente trabalho (07/08/09).
209
Os exemplos citados fazem parte da obra póstuma, já referenciada, Solfejos Progressivos (SCLIAR, 2003, p. 23-30)
131

1) São Paulo:

2) Pará:

3) Ceará:

4) Grécia:

5) Polônia:

6) Folk-blue “Longest old train”:


132

Fernandes justifica a aplicação de uma variedade de exemplos musicais, característica que

importante dos recursos didáticos de Esther Scliar:

Para oferecer um universo musical bastante amplo: trabalhando sempre o folclore,


as músicas de 1200/1300 fazendo ponte com a música contemporânea. […] Porque
ela entrou na essência da música! Porque o aluno deveria conhecer os intervalos no
contexto musical, não uma coisa isolada, era dentro da música. Então, com o
exemplo da música folclórica, como você bem olhou aqui, o folclore internacional,
então o aluno ia aprendendo música, mesmo. Porque eu acho que, no geral, não há
essa criatividade e nessa coisa mais profunda que tinha a Esther, ela dava um
passo além. Porque no momento em que uma pessoa reconhece uma 2ª menor e o
papel dela em notas alteradas, por exemplo, nas composições tradicionais, tonais
mesmo, uma compreensão acontece. Então, por que daquelas alterações? Porque o
compositor faz com que, de vez em quando apareça nota alterada ali. Essa coisa de
notas alteradas é tão fundamental... também as notas estranhas ao acorde...
também eu diria que a composição da música tonal é praticamente colocar bem as
notas do acorde, as notas e as alterações estranhas ao acorde. Então, quando o
compositor coloca uma nota estranha, é ali que está a marca do compositor... como
ele consegue fazer isso. Então porque ela [Esther] pegava já os intervalos no
contexto musical e não aquela coisa “burra” que faziam por aí, quando se aprende
só 2ª menor... 3ª menor... essas coisas... isso daí não adianta nada! Agora, se a
pessoa aprende numa música, seja folclórica ou outro tipo de música que seja, ela
vai fixar e não vai esquecer nunca mais aquilo!210

• Intervalos

O ideal musical de Esther Scliar zela para que a escuta de seus alunos não esteja

condicionada ao tonalismo, portanto, propõe meios de ampliação em direção às outras estruturas,

como declara Wang:

É uma pedagogia muito abrangente, muito rica. Por exemplo, o trabalho que ela tem
de intervalo é uma base de estrutura auditiva tanto para a música modal, como para
a música tonal e principalmente para a música atonal. [...] Ela abrange todos os tipos
de sons... sabe... é de uma riqueza muito grande mesmo a maneira como ela
trabalhava esta parte.211

O trabalho com intervalos é um desdobramento do que foi construído nas aulas sobre tom e

semitom, ou seja, é desenvolvido oralmente, porém, associando à grafia. Nesta etapa, os sons já

assimilados como tom e semitom, passam a ser denominados intervalos de 2ª M e m, reiterados pela

conceituação de SCLIAR (1985, p. 60): “Intervalo é a relação existente entre duas alturas”. As

210
Em entrevista à autora do presente trabalho (07/08/09).
211
Em entrevista à autora do presente trabalho (19/03/07).
133

classificações (espaço sonoro, articulação dos sons, grau de relacionamento e número de tons e

semitons) são acrescentadas ao longo dos exercícios de percepção para cada intervalo. É importante

destacar que, daqui por diante, os solfejos são frequentemente utilizados em repertórios

cuidadosamente preparados, dentro da visão musical de Scliar. Ferreira compreende que:

Embora outros autores tenham trabalhado intervalos, é importante lembrar que


Esther estava envolvida com a música do século XX. O legal do trabalho
desenvolvido por Esther em intervalos, é que com isso ela chegava até estruturas
bem atonais com os alunos. Porque a emissão era feita através do intervalo e da
relação dele com a música.212

A professora Felicia Wang213 testemunha que Esther evidenciava seu cuidado estético na

seleção dos solfejos, sejam compostos por ela ou através da seleção das melodias, que estavam

sempre adequadas ao nível de dificuldade do aluno. Esta ideia encontra ressonância na base filosófica

da educação musical que defende o contato com a música, através do repertório musical, como agente

promovedor do aprimoramento dos esquemas perceptivos que constituem a base da apreensão do

discurso musical (Penna, 1990, p.48). O que nos convida a refletir no empenho de Scliar em propiciar

aos alunos satisfação no fazer musical, utilizando um repertório variado nos exercícios de aula.

A contribuição deixada por Esther para solfejos originou a obra póstuma “Solfejos

Progressivos“ (2003)214 que reúne trechos melódicos – populares e eruditos – cuidadosamente

organizados por ela para as aulas de percepção. Os depoimentos seguintes demonstram a percepção

de Ramalho, Ferreira e Fernandes sobre as aulas de Scliar:

As aulas de solfejo comportavam uma coletânea de canções tradicionais de países


do leste europeu, nas quais o sistema modal se fazia presente. Além disso, os
solfejos criados por ela desenvolviam nossa percepção para o mundo da pós-
tonalidade.215

212
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/10).
213
Em entrevista à autora do presente trabalho (19/03/07).
214
A revisão desta obra foi feita por Luiz Guilherme Goldberg, editor da Goldberg Edições Musicais. Contudo, a distribuição
deste livro concentrou-se apenas na região sul do Brasil. O acesso a esta obra ocorreu através de uma cópia cedida por
Leonor Scliar-Cabral. A prof. Maria Aparecida Ferreira, ao examinar Solfejos Progressivos, comentou: “Apesar de não ter
exercícios de solfejos atonais, onde certamente Esther chegava com seus alunos, este livro é precioso porque vai fazendo
exatamente o roteiro dela: começa com uma notinha, duas, três, o trítono de fá a si, depois de mi a dó, depois vem as
alterações, depois surge o compasso, etc”. Em entrevista à autora do presente trabalho (nov/2009).
215
Em depoimento por email à autora do presente trabalho (27/08/09).
134

O repertório que ela utilizava, para as aulas, incluía a música modal que era o canal
primeiro a veicular a noção de escala. [...] o certo é que o método inclui modalismo,
tonalismo e atonalismo, trabalhados nos seus espaços próprios, com repertório
erudito e popular, o que ainda hoje constitui um avanço frente aos métodos que só
se concentram na música tonal. Ainda sobre o repertório, é preciso ressaltar a
preocupação constante que ela tinha com a qualidade dos solfejos e ditados.216

o trabalho de Esther está todo em cima da criação, de respeito à composição.


Porque tem que deixar o aluno entendendo o que está tocando. Eu tenho a
impressão que quando ele entende o que está tocando ele vai mais depressa. […]
Se possível, levar o aluno a amar a música! Tão fácil esta receita, não é? Mas, pra
isso você tem que ter uns fundamentos em música para poder passar essas coisas.
E, a Esther tinha os fundamentos claros! De volta a estes solfejos [apostila de
Esther], trabalhando primeiro com semitom, depois variando com tom de uma
maneira bastante inteligente. Depois, solfejos com alterações. Porque as notas
estranhas ao acorde (adoro esta denominação do Hindemith), as alterações, formam
a música, realmente. Eu acredito nisto! Então, quando ela está dando isto daqui,
quando tem este semitom daqui... isso é o molho.217

O trabalho com intervalos se desenvolve de forma progressiva do menor para o maior, com

práticas constantes por meio de exercícios de percepção auditiva e de emissão vocal, incluindo ditado

e solfejo. Como já mencionado, na explanação de tom e semitom, Esther associa os intervalos,

ascendentes ou descentes, à determinadas melodias para facilitarem a memorização: procedimento

que denomina “motivação”218. Ela oferece sugestões, contudo, compreende que o aluno deve efetuar

suas próprias escolhas musicais.

Edgard Willems também se utiliza das notas iniciais de canções para promover a

memorização dos intervalos. Entretanto, seu método tem como foco estimular no estudante

sensibilidade aos intervalos, incentivando que use um adjetivo para cada intervalo que represente

como consegue percebê-lo.

Podemos, entretanto, antes de usar o nome das notas, despertar a sensibilidade do


aluno pedindo-lhe para apreciar os diferentes intervalos em termos qualitativos:
“bom e mau”, “incisivo e suave”, etc. […] Entenda-se que essas comparações –
muito subjetivas – não tem nenhum valor ao menos que inventadas pelos próprios
alunos... Mais tarde, quando se fizer com alunos mais adiantados, uma incursão
consciente ao domínio da sensibilidade musical, pediremos que façam a abstração
do nome das notas, para que dirijam seu trabalho de pura sensibilidade, não
empregando nada além dos próprios nomes dos intervalos: segunda menor, etc.
( WILLEMS apud FONTERRADA, 2005, p. 132-133)

216
Em entrevista à autora do presente trabalho (12/06/06).
217
Em entrevista a autora do presente trabalho (07/08/09).
218
Conforme suas anotações nos roteiros de aulas.
135

O método de Esther Scliar não confere valores emocionais aos intervalos. O elemento

motivacional está presente, desde os intervalos de tom e semitom, através de vivência musical a cada

conteúdo apresentado, como já mencionado anteriormente. Para melhor compreensão do pensamento

pedagógico de Esther quanto aos intervalos, segue o planejamento219 de suas aulas:

1ª aula:
Objetivo: Percepção e entoação de intervalos de 2ªs. Diferenciação entre M e m.
a) Percepção de intervalos isolados, quando o aluno deverá especificar se é M, m,
ascendente ou descendente.
a') Dado um som, o aluno cantará a 2ª determinada pelo professor.
b) Percepção de duas 2ªs seguidas (na mesma direção ou opostas).
b') Entoação pelo aluno de intervalos determinados, dado 1 som pelo professor.
c) Percepção de três 2ªs seguidas.
c') Entoação.
Associação com nome de notas.
d) Percepção e entoação de quatro 2ªs seguidas.
d') Entoação
e) Entoação de grandes trechos interrompidos pelo professor que determinará a
série de 2ªs.
f) Ditados baseados em 2ªs. (Divisão das partes para solfejo)
g) Solfejos.

Exemplo de solfejo baseado em 2ªs M e m (SCLIAR, 2003, p,8):

Scliar insere um novo elemento a partir da 2ª aula: a colocação de letra sobre melodia dada,

estimulando a criação, quando o aluno irá associar prosódia (ainda sem esta denominação) com o

conteúdo musical trabalhado até então, como pode ser observado a seguir:

219
Exemplos retirados do Roteiro de Aulas – Teoria Elementar da Música (manuscritos de Esther Scliar, sem data).
136

2ª aula:
Objetivo: Percepção e entoação de intervalos de 3ªs (M e m, ascendentes e
descendentes)
Motivação:3ª M desc.: Início da 5ª Sinfonia (Beethoven).
3ª M asc.: Eu sou pobre, pobre, pobre.
3ª m desc.: Concerto nº 1 (Tchaikovsky)
3ª m asc.: Berceuse (Brahms)
a) Percepção de 3ªs isoladas
a') Entoação
b) Percepção de duas 3ªs
b') Entoação
c) Percepção e entoação de três 3ªs
c') Entoação
d) Percepção de quatro 3ªs
d') Entoação
e) Entoação de trechos
f) Solfejos
g) Ditados
h) Colocação de letra sobre melodia dada.

Exemplo de solfejo baseado em 3ªs M e m (SCLIAR, 2003, p,10):

3ª. aula:
Objetivo: Percepção e entoação de 4ªs justas (ascendentes e descendentes)
Motivação: 4ª j asc.: Hino Nacional Brasileiros, Escravos de Jó.
4ª j desc.: Bão-ba-la-lão, Concerto de Brandemburgo nº 2 – 1º mov.
a) Percepção - Cantadas várias 3ªs e uma 4ª, especificar o lugar da 4ª.
a') Entoação com a determinação do professor.
b) Entoação de duas 4ªs ascendentes
Entoação de duas 4ªs descendentes
c) Entoação de três 4ªs ascendentes
Entoação de três 4ªs descendentes.
d) Ditado.
e) Solfejo.
g) Colocação de letra sobre melodia dada.
137

Exemplo de solfejo baseado em 4ª justa (ibid):

4ª aula:
Objetivo: Diferenciação entre 4ªs justas e 4ª aumentada.
a) Percepção de duas 4ªs (justa e aumentada).
a') Entoação de duas 4ªs justas (justa e aumentadas).
b) Percepção de três 4ªs
b') Entoação
c) Ditado e Solfejo.
d) Colocação de letra sobre melodia.

Exemplo de solfejo baseado em 4ª aum (trítono) (SCLIAR, 2003, p, 6):

5ª aula:
a) Combinação dos intervalos até agora aprendidos.
b) Ditado.
c) Solfejo.

6ª aula:
Objetivo: Diferenciação entre 5ªs justas e 5ª diminutas.
Motivação220: 5ª j asc.: Concerto de Brandemburgo nº 2 (final) e afinação do violino.
5ª j desc.: Travessia (Milton Nascimento).
a) Percepção de duas 5ªs (justas, justas/diminutas).
b) Entoação.
c) Ditado e solfejo.
d) Colocação de letra sobre melodia dada.

220
Motivação retirada do roteiro das aulas na Pro Arte (1975).
138

Exemplo de solfejo baseado em 5ªs justas (SCLIAR, 2003, p,15):

7ª aula:
a) Percepção e entoação da combinação dos intervalos até agora aplicados.
b) Ditado.
c) Solfejo.

8ª aula:
Objetivo: Diferenciação entre 6ª M e m (ascendente e descendente).
Motivação: 6ª m desc.: Trecho do Carnaval de Schumann, Chega de Saudade.
6ª M asc.: Narcisus de Nevin.
6ª m asc.: Valsa em Do# m de Chopin, Manhã, tão bonita manhã.
6ª M desc.: Noturno em Mib M de Chopin.
a) Percepção de um intervalo de 6ª.
b) Percepção de dois intervalos de 6ªs.
c) Entoação de um e de dois.
d) Ditado.
e) Solfejo.
f) Colocação de letra na melodia dada.

Exemplo de solfejo baseado em 6ªs M e m (SCLIAR, 2003, p,15):

Os procedimentos praticados por Esther têm por característica a organização sequencial e a

regularidade, portanto, o trabalho com os demais intervalos é realizado de maneira semelhante ao que

foi apresentado até aqui. Vale ressaltar que os intervalos aumentados e diminutos são explanados

após as 7ªs, 8ªs e 9ªs. No material disponível, os exemplos motivacionais foram utilizados para os

intervalos de tom/semitom até 6ªs M/m, portanto, não foram encontrados exemplos musicais para os
139

intervalos de 7ªs M/m221 em diante. Nestes casos, a motivação foca a relação sonora entre os extremos

dos acordes: 7ª Dominante (7ª m) e 7ª sobre a Tônica (7ª M) e 7ª da sensível do modo menor (7ª dim).

Exemplo de solfejo baseado em 7ª (s) menores (SCLIAR, 2003, p,18):

Exemplo de solfejo baseado em 7ª (s) maiores (SCLIAR, 2003, p,18):

O estimulo à percepção dos extremos foi mantida para as 8ªs e para os demais intervalos

compostos. No roteiro para aulas de Teoria Elementar da Música (intervalos), a autora propõe que os

intervalos aumentados e diminutos sejam trabalhados após as 9ªs M e m, em ordem crescente. Os

últimos a serem estudados são os de 10ª em diante, pois necessitam que os estudantes estejam em

um nível mais desenvolvido da percepção musical.

Através dos exemplos apresentados para solfejos, é possível dimensionar a atenção que

Esther dedica aos ditados: seja criando para determinado aluno ou turma, ou ainda, utilizando trechos

de outros compositores. Ela oferece uma atenção personalizada e de acordo com o nível de

aprendizado dos alunos, como evidencia o testemunho de Gebara:

221
Na observação das aulas ministradas pela prof.ª Aparecida Ferreira, notou-se que ela mantém a aplicação do recurso de
relacionar intervalos com melodias, inclusive, para os intervalos de 7ª M e m e 8ª justa.
140

Sabe qual foi o último ditado que a gente fez no curso de Teoria? A Fuga nº 6 do 1º
volume Cravo Bem Temperado [Bach], à 3 vozes. A fuga inteira em ré menor! A
gente tinha uns 13 anos... de 13 para 14 anos. A gente gostou tanto de ter feito
aquilo, que a gente, ao final da aula, se dividiu em grupos e cantamos a fuga inteira!
Isso com crianças de 13, 14 e 15 anos. […] Ela [Esther] era muito carinhosa mas
não deixava de cobrar. Uma coisa não tinha nada a ver com a outra!222

• Escalas

É importante ressaltar que Esther procurava contextualizar historicamente, como é o caso do

trabalho com escalas, quando aborda a concepção de tonalidade e o período do seu surgimento. Em

'Elementos de Teoria Musical' (SCLIAR, p.74) é encontrada a seguinte definição:“A Tonalidade é

determinada pela altura em que se encontra a tônica da escala, ou seja: a tonalidade é a

caracterização da altura de uma escala de acordo com a nota correspondente ao centro de atração”.

Na obra citada, o ponto de partida é o modo maior através da escala de dó maior. Usando o circulo

das 5ª(s), prossegue com sol maior, inserindo o uso do sustenido na armadura, e assim por diante.

Depois, de volta à escala de dó maior, introduz os bemóis na armadura a partir da escala de fá m, em

5ªs descendentes.

O trabalho com as 'escalas menores' inicia na natural ou primitiva referenciando ao modo

eólio, descrevendo suas relações intervalares, assim como das formas: harmônica e melódica (onde

a escala Bachiana é apresentada como um desdobramento da melódica).

Os conteúdos vão abrangendo tonalidades homônimas e enarmônicas, graus modais, tons

vizinhos e afastados. Sempre exercitados através de diversos ditados, solfejos e de criações.

Quanto às 'escalas cromáticas', Scliar (1985, p. 105) diz:

“a formação mais natural é aquela em que no movimento ascendente as alterações


cromáticas sejam ascendentes e, vice-versa, no movimento descendente, desde
que as alterações correspondam aos tons vizinhos e ao homônimo, a fim de que se
estabeleça a afinidade com a escala diatônica que lhe deu origem.“.

Ferreira considera que a linha do pensamento pedagógico de Esther facilita o aprendizado, e

oferece um exemplo dessa prática:


222
Em entrevista à autora do presente trabalho (07/08/2009).
141

se estou realizando a escala cromática ascendente de dó M, eu tenho que escolher


entre Dó # ou Ré b. Será Dó# porque a escala é ascendente e porque Do # vem de
um tom vizinho direto de Dó M que é Ré m, e assim por diante... preocupando-se,
sempre, em justificar porque aquela alteração está ali dentro daquela escala, sem
criar mecanismos para que o aluno decore através dos graus.[grifo nosso]223

• Transposição

Considerando que, apesar de serem conservados os intervalos, a transposição muda a

altura absoluta dos sons de um trecho musical ou de uma composição inteira (SCLIAR, 1985, p. 114),

Esther cuida por categorizar transposição em 2 aspectos: a transposição escrita e a transposição

lida. Portanto, organiza etapas facilitadoras do desempenho em ambos os processos, cujo

detalhamento pode ser conferido na obra acima referendada. A aplicação de vários exercícios faz parte

dos procedimentos, como neste exemplo (SCLIAR, 1987, p. 75):

a) Realize o transporte uma 2ª Maior inferior para a Viola (Clave de Dó na 3ª linha).

F. Schubert: Lied Op. 20 nº 1 – Sei mir gegruesst

Consciente de que a transposição lida oferece maior dificuldade, Esther orienta que o uso

exclusivo da mente necessita de esquemas mais cuidadosos para agilizar a leitura, e ainda, que se

torna necessário utilizar a escala cromática como fonte de estudo para atender as alterações

acidentais que se fizerem necessárias.

Não foram encontrados dados precisos quanto ao momento em que deve ser inserido o

trabalho com transposição. Mesmo sem recordar especificamente deste conteúdo, a professora

Ferreira acredita que Esther iniciaria o assunto transposição após o aprendizado de leitura e escrita

nas claves.

223
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/2010).
142

• Acordes

Esther inicia o estudo dos acordes depois do trabalho com intervalos. O procedimento adotado

é semelhante, ou seja, com ênfase no desenvolvimento da percepção que, no caso dos acordes,

ocorre sequencialmente com: tríades maiores, menores e com a 5ª aumentada e suas inversões;

acordes com 4 sons (inserindo as 7ªs M e m); acordes com 5 sons ( inserindo as 9ªs M e m), acordes

que resultam em politonalidade com 11ª e 13ª. Em cada caso, são estudadas suas alterações e todas

as inversões. Ferreira lembra que nas aulas de percepção dos acordes “Esther trabalhava a percepção

de acordes – 3 e 4 sons - tocando rapidamente 2 deles, um seguido do outro, nas regiões aguda e

grave, perguntando que acorde eram aqueles.”.

Além das funções que cada acorde representa dentro das escalas maiores e menores, o

estudo dos acordes recebe um tratamento conceitual associado ao contexto histórico (como

mencionado ao longo deste capítulo), para que o aluno tenha compreensão das modificações ocorridas

até o século XX. Destaco que, ao abordar a cifragem, Esther trata da harmonia tradicional, não

havendo qualquer menção à cifra alfa-numérica que é usada com frequência na música popular e,

possivelmente, praticada por vários de seus alunos.

As regras da harmonia tradicional são detalhadas por Scliar em 'Elementos de Teoria Musical,

onde relaciona algumas fundamentais, inclusive, para resolução dos acordes dissonantes. Acerca do

trabalho desenvolvido nas aulas para este conteúdo, Ferreira recorda:

Esther falava da importância do acorde na determinação do compasso. O acorde é


soberano sobre todo o resto. […] O trabalho de Esther em acordes era completo,
incluindo todos os acordes. Quando dava o de 4 sons, não se limitava aos acordes
7ª da dominante e 7ª da sensível, mas dava todos os que se encontrassem na
escala Maior ou menor, inclusive os ajuntados (ou agregados). Por exemplo, na
escala de Dó maior: I grau (dó/mi/sol/si, acorde maior com 7ª maior ajuntada); II
grau (ré/fá/lá/dó, acorde menor com 7ª menor), e assim por diante. Ela costumava
exemplificar com obras de compositores do século XIX em diante, que usavam
frequentemente acordes ajuntados.224

224
Em entrevista à autora do presente trabalho (25/01/10).
143

Conforme constatado nos roteiros de aula de Esther, nos exercícios de ditados para acordes,

a quantidade de vozes varia de acordo com o nível das turmas, e, os solfejos sujeitos à quantidade de

alunos.

Além dos exercícios de percepção e escrita dos acordes, Esther também solicitava que os

alunos realizassem inversões, colocassem os acordes em ordem direta ou indireta, indicassem

tonalidade e graus, e ainda, como no exemplo a seguir, classificassem os acordes dados (SCLIAR,

1987, p. 91):

a) Classifique os acordes de acordo com a qualidade dos intervalos, estado ordem e função:

Considerações

Esther Scliar aborda todos os pontos fundamentais no parâmetro das alturas. As

características aqui descritas buscam evidenciar os principais traços da sua didática. Vale ressaltar

que, como regente, corista e compositora, Esther confere valor ao canto coral, evidenciado, inclusive,

nos exercícios para as aulas de acordes quando a turma solfeja, dividida em vozes. Com base neste

pensamento, ela considera importante que seus alunos conheçam a classificação vocal, tanto de

adultos como de crianças. Assim, em 'Elementos de Teoria Musical', ela disponibiliza a extensão

(tessitura) de cada voz coral, determinando as notas de alcance (extensão do grave ao agudo). E, para

as vozes adultas, descreve as correspondentes e suas subdivisões.


144

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou resgatar os aspectos característicos fundamentais da didática utilizada

por Esther Scliar nas aulas de Teoria Elementar da Música, através da perspectiva de ex-alunos. A

organização, as estratégias para o ensino e a profundidade dos conteúdos são traços nítidos que

permeiam o método da referida professora.

A trajetória de Esther Scliar reflete o seu comprometimento com a vida social, artística,

intelectual e política do período em que viveu. As entrevistas e os depoimentos expõem as

experiências vividas e as impressões deixadas por Esther, evidenciando que as lembranças conservam

emoções cuja distância, 32 anos, não foi suficiente para desfazê-las. Horta diz sobre a recordação que

guarda da amiga e professora:

mas a gente não consegue pensar na Esther numa conotação trágica. Ela era
engraçada, espirituosa, sempre animada, sempre disposta a uma coisa nova, a uma
proposta nova. Uma pessoa única! Ela não tinha barreiras, não estabelecia
barreiras! O aniversário dela era dia 28 de setembro, tinha sempre uma festinha, ela
fazia aquelas comidas judaicas... tinha este ambiente de convivência, que acho
maravilhoso! O mestre te passa muita coisa, não passa apenas a ciência dele.225

O profundo conhecimento musical e a clareza na transmissão dos conteúdos eram atributos

responsáveis por atrair muitos estudantes às aulas com Esther Scliar. As lembranças que seus alunos

ainda guardam destacam a dedicação e a generosidade desta professora que os estimulou a amar a

música nas suas diferentes formas de expressão. Nas suas aulas, cada assunto era abordado com

profundidade, meticulosamente estruturado e organizado em apostilas para apoio aos estudantes. Os

materiais deixados por ela foram construídos como auxiliares ao processo de ensino, e destes

emergiram as obras póstumas já descritas anteriormente. O que nos conduz a compreender que tais

materiais não se destinam à autoinstrução, já que as aulas dariam “vida” aos conteúdos ali

organizados.

225
Em entrevista à autora do presente trabalho (04/09/2007).
145

O referido método utiliza os elementos teóricos que estruturam os padrões da música

ocidental de origem europeia. A escolha e priorização dos conteúdos mostram a compreensão

pedagógico-musical de Esther, que privilegia a experiência precedente aos conceitos. O seu trabalho

coopera para que a aprendizagem se desenvolva das partes para o todo, quando durações (a partir do

tempo) e alturas (a partir de tom e semitom) recebem tratamentos em separado, e vão se integrando

ao longo do processo. Seu objetivo reside em que os estudantes alcancem um aprendizado musical

sólido e, para isso, estimula a prática através de muitos exercícios que oferecem todas as

possibilidades dentro de cada conteúdo, quando são trabalhados constantemente: solfejos, ditados e

invenções. O repertório das aulas iniciais, coerentemente “afinado” com a ênfase no modal, é formado

por uma seleção de músicas folclóricas e eruditas (brasileiras e estrangeiras), evidenciando o zelo

desta professora por ampliar a experiência musical do aluno.

A decisão de Esther em incluir modalismo, tonalismo e atonalismo, é um diferencial de seu

método. Seus ex-alunos, Figueiredo e Ferreira, resumem suas experiências quanto à sua aplicação:

eu parti do método dela mas eu não trabalhava apenas ele, mesmo porque ela não
estava mais na Pro Arte... praticamente, eu entrei, ela saiu. Então, você vai
ajeitando... eu adotei durante muito tempo a questão do trítono, então trabalhava fá,
sol, lá si e, aos poucos, ia ampliando para outros intervalos.226

Da maneira que eu compreendo o método, ele oferece liberdade para que seja
direcionado conforme a ênfase que o professor pretende dar, porque ele tem
segmentos que podem ser articulados de diversas maneiras.227

Ferreira228 afirma que algumas pessoas se mostraram resistentes ao método de Scliar, desde

a época que ela ainda atuava na Pro Arte, alegando ser de difícil compreensão. Quanto as queixas

existentes, a professora Cibeli Reynaud229 justifica que se uma pessoa inicia seus estudos musicais em

um sistema mais tradicional costuma ter mais dificuldade, porque pode estar condicionada àquele

padrão. E disse ainda, que se um aluno começar seus estudos musicais no método de Scliar vai

226
Em entrevista à autora do presente trabalho (11/09/2007).
227
Em entrevista à autora do presente trabalho (09/04/2010).
228
Comunicação pessoal (março/2007).
229
Comunicação pessoal (06/04/2009).
146

adquirir uma experiência musical mais profunda, que o diferenciará de outro que não tenha tal

formação. A professora Wang pensa de forma similar:

a pessoa que está condicionada ao trabalho tradicional de teoria musical e


percepção musical, quando vai trabalhar no sistema dela [Esther] é uma verdadeira
revolução na cabeça. Porque, primeiro, você tem condicionamento com relação a
compasso, segundo, você tem condicionamento em relação à música tonal – escala
maior, escala menor e ponto. Então, quando você se depara com um trabalho
rítmico sem barras de compasso, com um trabalho de solfejo com trítono, ignorando
escala maior e menor, é obvio que a pessoa deve achar muito difícil, árido por este
motivo, não tem outro... Agora, se você pega uma pessoa que está começando a
mexer com a linguagem musical, e não tem nenhum destes dois tipos de
condicionamentos, ela vai ter abertura muito maior para assimilar outra maneira de
trabalhar.230

Os ex-alunos de Esther Scliar reconhecem que seu método traz a marca da coerência

cartesiana de sua autora, associada à crença no ensino musical que oferece meios para que os

estudantes ampliem suas perspectivas musicais sobre uma base consistente do conhecimento. Wang,

Figueiredo e Ferreira, dizem:

A maior qualidade do método da Esther, eu acho que é maneira como ela


trabalhava, a visão ampla que ela tinha de música... da relação da música com a
história da música desde a idade média até a música contemporânea. O método
dela procura abarcar as 3 linguagens: a linguagem da música medieval, a linguagem
da musica tonal e a linguagem da música atonal. É uma pedagogia muito
abrangente, muito rica.231

A qualidade vem da coisa ser sistematizada... havia um caminho a ser trilhado, não
era uma coisa aleatória [...] Os livros não foram feitos por ela, mas a metodologia
dela influenciou uma geração inteira. Foi muito importante.232

Observo que as críticas concentram-se na dificuldade dos exercícios, como se o


método fosse os exercícios. O método é a tomada de consciência de um
determinado momento da música do século XX, em meio às inúmeras correntes de
criação que surgiam, e nisto ele é primoroso. É meticuloso na preocupação em não
limitar o conhecimento na direção de uma época ou estilo e, para tanto, promove
uma varredura nos conceitos da teoria elementar da música.233

A utilização do método de Esther Scliar para a teoria elementar da música tem se restringido

a alguns dos seus ex-alunos, especialmente, os que cursaram Didática da Teoria Musical. A obra
230
Em entrevista à autora do presente trabalho (19/03/07).
231
ibid
232
Em entrevista à autora do presente trabalho (11/09/07).
233
Em entrevista à autora do presente trabalho (12/06/06).
147

póstuma 'Elementos de Teoria Musical'234, por ser originada dos materiais deixados por Esther

(especialmente as apostilas) não enfoca aspectos didáticos. Contudo, vem revelar tanto os conteúdos

selecionados por sua autora, quanto os conceitos por ela adotados, motivo pelo qual serviu de

referência para a presente pesquisa. Torna-se relevante lembrar que Esther organizava suas apostilas

com a intenção de oferecer apoio às aulas, quando a sua didática daria “vida” aos conteúdos ali

impressos.

Como ex-aluna do curso de Licenciatura da Escola de Música da UFRJ, me sinto privilegiada

por ter feito parte de uma das turmas que conheceram o referido método através da disciplina Tópicos

Especiais, ministrada pela prof.ª Maria Aparecida Ferreira. Naquela oportunidade, o conhecimento do

método de Esther Scliar para a teoria elementar da música era praticado em aulas-estágio para uma

turma especial de alunos externos, jovens e adultos, principiantes na Teoria Musical. Estas aulas

duraram um semestre letivo e alcançaram bons níveis de aprendizado. O contato inicial com o método

de Scliar foi motivador das pesquisas que iniciaram na monografia de conclusão da graduação.

O presente trabalho aponta as características fundamentais da didática do método de Esther

Scliar para o ensino da teoria elementar da música, com o objetivo de contribuir para que o

pensamento pedagógico-musical desta professora e os recursos por ela estruturados estejam

disponíveis ao ensino da música.

Ciente da riqueza existente no legado musical de Esther Scliar, identifico nos materiais

deixados por ela, fontes para desenvolvimento de novas pesquisas. No seu acervo, a existência de um

único caderno com o planejamento das aulas, para crianças e adolescentes (sem data), me chamou

especial atenção. Reconheço solidez e profundidade do trabalho pedagógico-musical da educadora

Scliar, que enxergava o ensino da música de forma ampla e, por isso, dedicou sua atenção, também,

aos ainda mais jovens. Diante destes fatos, sugiro que o trabalho da referida mestra, neste segmento

da educação musical, seja mais profundamente pesquisado e sua aplicabilidade verificada.

234
Organizada por Felicia Wang e Marlene Migliari Fernandes, conforme já mencionado.
148

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ensino-aprendizagem. In: Revista de divulgação técnico-científica do ICPG. Vol. 3, nº11, jul.-dez.
2007.

SILVA, José Alberto Salgado e. A composição como prática regular em cursos de música . Debates
nº 4 - Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Música. Centro de Artes e Letras, UNIRIO. Rio de
Janeiro: 2001

SOUZA, Ilma Passos, coordenadora. Repensando a Didática. 21ª edição. Campinas, São Paulo:
Papirus, 2004.

SOUZA, Jusamara. Transformações globais e respostas da Educação Musical: cinco teses para
uma reflexão crítica. In: Anais do 1º Encontro Regional Sul da ABEM, 6º Simpósio Paranaense de
Educação Musical. Londrina, Paraná, 1997.

SOUZA, Marilene Proença Rebello; TEIXEIRA, Danile Caetano da Silva; SILVA, Maria Carolina Yasbek
Gonçalves da. Conselho Tutelar: um novo instrumento social contra o fracasso escolar? In:
Revista Psicologia em Estudo. Maringá, v. 8, n. 2, p. 71-82, 2003.

SOUZA, Vital Nogueira. O Partido Comunista (1922-1962): lugar de memória, espaço de disputa .
Dissertação de Mestrado em História pela UFRGN. Rio Grande do Norte: 2006.

SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Editora Moderna, 2003.

TIBURI, Márcia. Descartes e Beckett ou sobre a escuridão da certeza. Pequeno experimento de


submetateoria, protometateoria, metaprototeoria à procura de um método. In: Filosofia &
Literatura. P Alegre: EDIPURCS, 2004.

TINHORÃO, José Ramos. A História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.

TRAVASSOS, Elisabeth. Modernismo e música brasileira. 2ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
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VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Didática: uma retrospectiva histórica. In: VEIGA, I. P. A. (coord).
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VEIGA, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes, coordenadoras. Usos & Abusos da História Oral.
Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998.
154

WINOLD, Allen. Rhythm in Twentieth-Century Music in DELONE, Richard et al. Aspects of


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WILLEMS, Edgar. Solfejo – Curso elementar. Adaptação portuguesa de Raquel Marques Simões. São
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VEIGA, Janaína e FERREIRA, Marieta de Moraes, coordenadoras. Usos & Abusos da História Oral.
Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998.

XAVIER, Rosemary Candaten. Uma trajetória em busca do saber: uma referência na história das
ideias linguísticas no RS - Entrevista com Leonor Scliar Cabral. Fragmentum nº 6. Programa de
pós-graduação em Letras da UFSM. Santa Maria, 2001.
155

ANEXO I

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Cristine Marize Lima Branco

Imagens fotográficas de Esther Scliar no contexto do século XX

RIO DE JANEIRO

2010
156

1)

Rosa Scliar com Esther (1927)

2)

Dir.: Esther, Leonor e Eva Kruter (1933)

3)

Formatura da Graduação em Piano (1945)


157

4)

Dir.: Esther Scliar, Hermann Scherchen


e Luigi Nono (1948)

5)

Esther e Nilda Muller em Montevidéu (1952)

6)

Em Praga (1953)
158

7)

Curso de Férias em Teresópolis (1950).


Dir.: Esther, Esther Scliar, Malle,
Saloméa [Gandelman] e Edino Krieger

8)

Esther Scliar. 7º Curso Latino Americano de Música


Contemporânea (1978)

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