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LITERATURA
AULA 2
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Para facilitar o desenvolvimento de todo o raciocínio, esta aula será
dividida nos seguintes temas:
1. Contextualizando;
2. Literatura & Linguagem;
3. Os gêneros literários clássicos;
4. O impacto do Romantismo e algumas formas dos gêneros;
5. Pós-modernidade: quais são os limites entre os gêneros?
TEMA 1 – CONTEXTUALIZANDO
[...] convém lembrar que ela não é uma experiência inofensiva, mas
uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, como
acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração. Isto
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significa que ela tem papel formador da personalidade, mas não
segundo as convenções; seria antes segundo a força indiscriminada e
poderosa da própria realidade. Por isso, nas mãos do leitor o livro pode
ser fator de perturbação e mesmo de risco (Candido, 2004, p. 175-176).
Leitura complementar
Leite, leitura
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura
Leminski, [s.n.]
O poema de Leminski foi propositalmente escolhido para que possamos
avaliar o jogo construído entre a repetição e a inversão sintática lexical, a busca
pela oralidade e por temas aparentemente banais que, em um nível mais
profundo do texto literário, apontam como a literatura acaba se convertendo em
tema de si própria. Como o leite, a literatura alimenta, dá e prolonga a vida, mas
não cura.
Mais uma vez, outros fatores são fundamentais para que a sequência de
frases seja lida como um conjunto de versos e estes como o resultado de um
poema, de literatura. Seja como for, gostaríamos de dedicar a próxima seção
para falar sobre a relação quase simbiótica entre literatura e linguagem.
Não é apenas o poema Leite, literatura que nos desperta a atenção devido
ao jogo de rimas e da engenhosidade dos enunciados que são entretecidos para
criar múltiplos sentidos. O próprio crítico literário Antonio Candido protagonizou
diversos ensaios nos quais ganhava relevância a questão da forma e do uso
estratégico do código (da linguagem) para a formulação do texto literário. Da
mesma maneira, em Teoria da literatura: uma introdução (1983) – uma das obras
mais emblemáticas para os estudos da teoria literária –, o estudioso Terry
Eagleton acaba aclarando como, durante muito tempo, dava-se crédito para “[a]
especificidade da linguagem literária”. Para o autor, “aquilo que a distinguia de
outras formas de discurso, era o fato de ela ‘deformar’ a linguagem comum de
várias maneiras” (Eagleton, 1983, p. 4).
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O imaginário de que apenas a literatura era capaz de deformar, ou melhor,
de utilizar a linguagem sob nuances e propriedades únicas acabou atravessando
os anos. No entanto, foi no início do século XX, por meio da obra A arte como
artifício (1917), do russo Víctor Sklovski, que a intenção de querer provar que a
literatura se resumia a uma maneira distinta de utilizar a linguagem tomou fôlego.
Trata-se do marco do que ficou conhecido como Estruturalismo Russo,
perspectiva crítica e teórica dedicada a estudar o plano literário por meio da sua
forma, afastando-se de qualquer variável externa ao texto, tais como questões
históricas, influências culturais, marcas biográficas etc.
Segundo os estruturalistas russos, o tecido literário poderia ser explicado
sempre por meio da sua estrutura, da sua forma, da capacidade de um texto ao
utilizar o código linguístico. Ao se basearem primeiramente nos estudos da lírica,
esses teóricos buscavam provar que o que garantia a ideia do literário era
justamente o trabalho com base na palavra (seja por conta das rimas, do vasto
vocabulário utilizado ou pelo uso criativo de figuras de linguagem, por exemplo).
Toda essa então propriedade de forjar a língua poderia, segundo os
estruturalistas, ser entendida como literariedade ou literaturidade, ou seja, um
uso especial da linguagem. Ao desenvolver um panorama capaz de explicar o
que seria a literatura, o próprio teórico Eagleton resgata essa postura crítica
disseminada ao longo das primeiras décadas do século XX, lançando a seguinte
provocação:
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Sentença 1: “Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na
minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha
seis anos.”
Leitura complementar
Madrigal tão engraçadinho
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida, inclusive
[o porquinho-da-índia que me deram
[quando eu tinha seis anos.
(Bandeira, 1993, p. 140)
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provocação, uma proposta para que possamos refletir no impacto de um
conteúdo apresentado não apenas por meio de estruturas, mas de contextos de
enunciação diferentes. Ao reconstruir os versos de Bandeira em uma frase única
e apenas anunciar que se tratava de uma sentença, fora de qualquer contexto,
muitos de nós construímos um significado totalmente distinto do que poderia ser
oferecido por um leitor ao se deparar com o poema. A exigência imposta ao leitor
para decodificar o texto é diferente em cada caso. Agora, você acha que apenas
porque os versos foram acoplados é que a então literariedade acabou? É
evidente que não. Então, o que explica que leiamos textos com os mesmos
enunciados de maneira distinta?
Perceba, leitor, que tanto o que chamamos como Sentença 1 quanto o
poema Madrigal tão engraçadinho estão compostos pelas mesmas palavras,
seguem a mesma ordem. O que mudou além da forma? Muito. Basta começar
pela maneira com que os dois textos foram apresentados aqui nesta aula. No
primeiro caso, a Sentença 1 é exposta de forma objetiva, sem qualquer distinção
ou menção sobre o seu caráter literário; no segundo caso, no entanto, o próprio
enunciado construído – escrito por um pesquisador de literatura e presente em
um manual oficial da disciplina de Fundamentos Teóricos da Literatura –
outorgava: “Agora, analise a seguir o poema Madrigal tão engraçadinho, escrito
por Manuel Bandeira, um dos poetas brasileiros mais importantes do século XX,
dono de uma obra extensa e que acabou influenciando diversas momentos da
lírica no nosso país.”
Ainda que o exemplo pareça extremo ou simplifique diversas variáveis
concernentes ao fenômeno literário, há aqui uma resposta para que a ideia
estática de literariedade e o argumento da forma e do uso específico da
linguagem sejam questionados. A intimidade com a linguagem é uma
característica inegável e que muito personifica a literatura, no entanto, vale
lembrar que muitas escolas e escritores vão usar justamente tal atributo para
criar projetos que contestem ou que (des)construam um único modelo possível.
Sobre isso, Terry Eagleton ainda sacramenta:
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TEMA 3 – GÊNEROS LITERÁRIOS CLÁSSICOS
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origem, classe, espécie, geração” (Soares, 2007, p. 7). Na intenção aristotélica
de determinar uma origem e de classificar, são definidos, assim, os gêneros
literários clássicos: a lírica (textos poéticos), a épica (textos narrativos) e o drama
(textos teatrais, divididos em tragédia e comédia).
Vale lembrar que, ainda em tempos clássicos, os gêneros literários foram
estudados por pensadores como Horácio, por exemplo. Ao longo do tempo, os
estudos relacionados aos gêneros literários ganharam também contribuições,
destacando uma observação bastante rígida e fixa, seja na Idade Média, seja no
Renascimento, seja por meio do prisma racionalista do francês Nicolas Boileau-
Despréaux. Será, todavia, a partir do século XVIII que os estudos relacionados
à compreensão dos gêneros literários ganharão maior dimensão, justamente
para questionar e (re)pensar limites e padrões.
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à literatura e aos gêneros literários, passamos a pensar em fenômenos híbridos,
como a prosa poética, a poesia narrativa, sem falar, é claro, de novos gêneros
como a memória, a não ficção, a autobiografia, a autoficção e as chamadas
fanfictions.
NA PRÁTICA
FINALIZANDO
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Por último, foi reservada atenção para identificar algumas das formas fixas
atreladas aos gêneros literários, que, por conta de uma perspectiva pós-
modernista, parecem estar, cada vez mais, abertos à hibridação e ao diálogo.
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REFERÊNCIAS
LAERTE. Você está cercado de ignorantes, saia desse livro com as mãos para
cima. Revide, 17 mar. 2015. Disponível em: <http://revide.blogspot.com/2015/03/
voce-esta-cercado-de-ignorantes-saia.html>. Acesso em 28 abr. 2019.
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