Discurso Literario
Discurso Literario
Discurso Literario
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar questões acerca do discurso literário, dan-
do-se especial ênfase nas teorias que vêem o texto literário como linguagem intrinsecamente
diferenciada e na teoria de Carlos Reis, que vê o discurso literário como texto instituciona-
lmente determinado. Através da análise dessas duas vertentes de conceituação do discurso
literário, comparando com a idéia de que a literatura constrói-se histórica e culturalmente,
chega-se a conclusão de que ambas trazem uma colaboração válida para se entender o que é
a literatura, percebe-se, entretanto, que apenas uma visão mais ampla pode levar ao entendi-
mento do discurso literário.
PALAVRAS-CHAVE: discurso literário; literariedade; instituição literária.
Este trabalho tem por objetivo discutir questões acerca do discurso literário, das
possíveis definições e caracterizações deste. Buscar-se-á demonstrar que toda definição que
se pretende definitiva deixa lacunas, não obstante o fato do discurso literário ter suas carac-
terizações, muitas vezes, evidentes. Já que, na leitura de uma determinada obra, percebe-se
que alguma coisa leva a entendê-la como literatura ou não. Desde que, é lógico, seja um leitor
experiente o suficiente para atentar-se a alguns aspectos específicos na elaboração da lingua-
gem. Pensando desta maneira, tem-se a impressão que o texto é literário por apenas trabalhar
a expressão, entretanto nem toda linguagem bem trabalhada é literatura. Sabe-se que a litera-
tura é muito mais que isso, existem elementos outros que caracterizam o texto literário e o
fazem ficar para a posteridade como representantes de determinadas épocas sócio-culturais.
Destarte, este estudo pretende evidenciar que a literatura, ou discurso literário, for-
ma-se não só pelos seus aspectos intrínsecos, mas também pelo bom trabalho realizado pelo
autor, evidenciando a sociedade e a cultura de sua contemporaneidade ou do passado. Isto
não significa que um texto literário é bom porque representa bem uma determinada socie-
dade. Entende-se, sim, que um texto literário é bom porque é bem escrito, porque trabalha
em seu bojo a ilustração de uma determinada época, de um período histórico. Percebe-se, por
exemplo, que as obras literárias carregam em si as correntes de pensamento filosófico que
permeiam o momento de seu surgimento, é o caso das obras naturalistas do final do século
XIX que evidenciam o Determinismo de Taine, onde o homem é fruto da raça, do meio e
do momento.
Pensar em literatura como instituição remete, desde logo, ao fato de que os autores es-
tão inseridos dentro de um quadro de reconhecimento público, para uma afirmação no plano
social. Portanto, são as instituições literárias que trazem isso a determinado autor, dando-lhe
“notoriedade” e “estabilidade”, mesmo quando este renegue fazer parte destas instituições.
Ser aceito, desta maneira, por uma academia, por exemplo, traria o reconhecimento e a con-
sagração para o escritor, dando-lhe mais visibilidade junto ao público. As academias têm um
papel fundamental neste sentido, pois normalmente são vistas como instituições socialmente
e culturalmente importantes. Porém, há que se ter em mente que nem sempre as coisas fun-
cionam tão bem assim. A Academia Brasileira de Letras, por exemplo, tem aceitado, em seu
meio, autores que não possuem as qualidades estéticas literárias necessárias para que o autor
fique para a posteridade, além de outros que nem se quer estão diretamente envolvidos com a
produção literária. Pensa-se em Paulo Coelho, José Sarney, Roberto Marinho, Marco Maciel,
etc. O que também não significa que não tenhamos dentre eles autores já consagrados como
João Ubaldo Ribeiro, Nélida Piñon, Lygia Fagundes Teles, etc.
De qualquer forma, não só por consagrar um autor, ao aceitá-lo entre os imortais,
mas também, e principalmente, pela instituição de prêmios literários, as academias acabam
fazendo o papel de garantir certa evidência de uma determinada obra literária, ou um deter-
minado escritor, normalmente confirmando um certo prestígio público que o autor já teria.
Os prêmios literários trazem em si, também, esta característica da literatura como instituição,
já que tais prêmios conferem ao escritor um certo reconhecimento social e cultural, podendo
até resultar em projeções internacionais. No caso do Brasil, o Prêmio Jabuti normalmente
confere uma projeção nacional e o reconhecimento da obra do autor ganhador do prêmio,
servindo inclusive como forma de propaganda para as editoras, que colocam na obra, que vai
para as livrarias, uma anotação externa de que foi premiada naquele ano. Como afirma Car-
los Reis, se o prêmio for o Nobel, aí então, não seria apenas a obra do ganhador que recebe
destaque internacional, mas toda a literatura de seu país. No caso de José Saramago, não foi
apenas sua obra ou a Literatura Portuguesa que teve visibilidade internacional, mas toda a
literatura escrita em língua portuguesa.
Carlos Reis fala ainda de mais duas entidades que, de certa forma, ajudam na afirma-
ção institucional da literatura. A primeira delas é a crítica literária feita em jornais e revistas
especializadas, com intuito de recensear uma obra literária recente. Embora seja direcionada
para um público não restrito ao estudo da literatura, muitas vezes, pelo reconhecimento que
o crítico possui, esse texto acaba por influenciar o futuro da obra criticada. Como essa crítica
literária é feita sobre obras do momento, corre-se o risco de se cometer equívocos, pois não
só o tempo determinará se a obra fica para a posteridade, como também este tipo de crítica é
feita sem o apoio teórico-metodológico necessário para o julgamento eficaz da literatura.
Outra entidade que valida a literatura como instituição são os sistemas de ensino. Eles
participam diretamente da formação do cânone literário, através da força cultural e social de
que se revestem. A literatura é utilizada como meio de ensinar a língua, fornecendo textos
considerados como “lingüisticamente normativos” e “também representativos de uma iden-
tidade cultural que se pretende apurar e aprofundar” (Reis 2001: 37). Dentro deste aspecto,
têm-se as instituições de ensino como formadoras de leitores que reconhecem na literatura
a expressão de sua língua. Mas também, essas instituições seriam as formadoras do cânone,
principalmente se pensarmos nas universidades, que fornecem hoje a grande maioria dos
críticos literários. É dentro do ensino superior, principalmente nos cursos de Letras e ainda
mais nas pós-graduações, que se tem a pesquisa e a interpretação dos textos literários para
avaliá-los e, de certa forma, validá-los como pertencentes ao grupo de obras canonizadas.
Essas instituições, além de outras, como por exemplo o mercado editorial, de certa
maneira influenciam na validação do discurso literário. Não só na validação, mas também na
estruturação deste discurso, pois são várias as influências exercidas na construção da obra
literária. O escritor pode ouvir o que o crítico fala de sua obra e modificá-la, assim como
pode passar a ser reconhecido como tal se ganhar algum prêmio literário importante e sério.
Não significa que a partir daí, ou da entrada na Academia, será considerado um escritor
canonizado, muitos não foram e não serão, mas sem dúvida é um passo importante para
sua carreira. Entretanto, não basta apenas ter o reconhecimento do prêmio ou da Academia.
Sua obra deve ter também uma linguagem bem trabalhada, um enredo bem construído, per-
sonagens bem elaboradas, enfim, uma expressão estética necessária a qualquer obra que se
pretende literária.
Definir discurso literário, destarte, torna-se tarefa extenuante e inglória, pois ao longo
dos séculos várias foram as tentativas de se caracterizar a obra literária como tal, não se che-
gando a conclusões definitivas. É certo, porém, que na área de humanas, e principalmente na
literatura, não existem conceitos fechados. Pensando por este ângulo, chega-se a conclusão
de que o discurso literário, não se forma nem com uma linguagem intrinsecamente diferen-
ciada nem como texto institucionalmente determinado. Na verdade, uma linguagem que num
determinado período foi considerada pelas instituições como literária em outros períodos
pode não ser. Assim como, as instituições da época de um determinado escritor podem não
considerar sua obra como literária e posteriormente sua obra ser revista e passar a fazer parte
do cânone. Desta forma, fica evidente que a obra literária é considerada como tal, segundo
preceitos diferenciados para cada momento ou tipo de metodologia utilizada para avaliá-la.
Quando Aguiar e Silva fala da literatura como um sistema aberto, deixando claro
que há elementos textuais que em determinados períodos são considerados extraliterários
e noutros períodos passam a ser considerados como literários, percebe-se que o discurso
literário, portanto, é construído histórica e culturalmente. Isto não significa que há mudanças
radicais neste conceito, na verdade são aspectos da literatura que em determinadas épocas são
valorizados e noutras não. Neste sentido, pode-se afirmar que o discurso literário é formado
pelos dois aspectos acima abordados, ou seja, a literatura tem uma linguagem diferenciada e
códigos específicos, em que há uma preocupação com a expressão, e, ao mesmo tempo, sofre
a influência das instituições a ela vinculadas.
ABSTRAC: This paper aims to analyze the aspects of the literary discourse. Special emphasis
is given to the theories which conceive the literary text as an intrinsically differentiated lan-
guage and to Carlos Reis’ theory, who sees the literary discourse as an institutionally deter-
mined text. Through the analysis of those literary discourse conceptualization approaches,
regarding the opinion that literature is formed historically and culturally, we concluded that
both present an important perspective to understand what literature is; however, it is per-
ceived that only a wider point of view can lead us to the comprehension of the literary
discourse.
KEYWORDS: the literary discourse, literariness, the literary institution.
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